O analógico e o digital
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O analógico e o digital
O Analógico e o Digital: tecnoestética, micropolítica e fetichismo na música eletrônica1 Pedro Peixoto Ferreira Doutorando em Ciências Sociais – UNICAMP Apoio: FAPESP Junho de 2005 VINIL x CD "[L]embrando a todos q: apertador de cdj temos aos montes, mas deejays temos poucos!!!" [1] A frase acima [1] fechou um email enviado por um DJ a uma lista de discussão na Internet dedicada ao tema da música eletrônica2, onde era divulgada uma "'oferta' especial para DJs" da "ÚNICA fábrica de vinil do Brasil" (Polysom, Rio de Janeiro). Ela demonstra claramente a distinção comum feita por diversos DJs entre aquilo que ele chamou de "apertador de cdj"3, que existem "aos montes", e os "deejays" (DJs), que são "poucos"4. Tentaremos compreender aqui, a partir de alguns trechos de emails enviados para esta mesma lista de discussão, como esta distinção, normalmente feita a partir de critérios técnicos e estéticos, evidencia práticas micropolíticas subjacentes ao discurso dos DJs. A citação a seguir [2] apresenta já alguns elementos relevantes desta utilização, por DJs, da mídia empregada em suas atividades como marcador de poder, hierarquia e legitimação. Trata-se de um depoimento de um DJ de techno acerca de sua experiência com um tocador de CDs concebido especialmente para DJs (o Denom 2000 mk2). "[M]e iludi com o cd player pra djs. Com o tempo isso passou, e vi q por uma questao de cultura q no vinil estava a alma do Dj. [...] Nao tenho raiva ou odio por quem escolhe usar cd, pois moramos em um pais de 3 mundo, onde o desemprego é uma realidade, o dolar é caro, e para alguem possuir equipamentos ou mesmo vinil(q custa hoje aqui no Brasil + ou - 33,00 reais).O q nao acho certo é alguns falarem q 'um dj tem q esta a frente de nova tecnologias' e usarem isso para provar a modernidade, se fosse assim na europa e nos estado unidos todos os djs iriam usar cds, mais isso nao acontece. Quem q tocar musica eletronica underground, nao pode fechar os olhos, os produtores fazem suas musicas em vinil, a sua pesquisa musical tem q ser feita no vinil.Saem tb em cds(coletanias, Albuns), mas para um dj a melhor fonte vem do vinil. [...] O q eu tiro do meus 7 anos de discotecagem é q o o vinil me da mais seguraça, cd pula, trava(logico, q cuidados sao necessarios). [...] [Uma desvantagem de tocar com CD é] a frieza q é passada para mim [...], outra [...] é q no cd as mixagens nao tao seguras como numa mk2 techincs, talvez pelo diametro do cd ou o potenciomentro q é pequeno. Sempre numa denom vc tem q ficar apertado o + ou - pra nao sair, enquanto num mk2 technics vc solta e nao mexe muito(isso vale quando vc acha o pitch certo das duas musica)" [2] Apesar de ter adquirido o aparelho por considerar "necessário como Dj, poder mixar cds", o DJ acabou por se desiludir com a mídia, apontando como motivos para isto a "frieza" de se apresentar tocando CDs (argumento estético), a "insegurança" de se mixar com tocadores de CD 1 Uma versão anterior deste texto serviu de base à minha apresentação na 24a Reunião da Associação Brasileira de Antropologia – Olinda (Pernambuco, Brasil), 12 a 15 de junho de 2004. 2 Mantive em sigilo os autores individuais das citações utilizadas. Optei também por não alterar a grafia das citações, mantendo os erros de digitação e as abreviações. Aproveito para louvar a iniciativa daqueles que mantêm listas de discussão de alto nível sobre música eletrônica na Internet, fonte valiosíssima de informação para diversos tipos de pesquisa e também para uma organização rizomática e micropolítica da própria "cena". 3 A abreviação "CDJ" se refere aos tocadores de CD concebidos especialmente para DJs, com recursos normalmente não encontrados em tocadores comerciais mas necessários às suas atividade (como o pitch, que altera a velocidade da música, e o joggle, que permite a manipulação livre da seqüência sonora, entre outros). 4 Outro DJ, por exemplo, afirma: "DJ que é DJ tem que usar vinil [...], [...] tem muita gente que não passa de 'tocadores de CD'". 1 (argumento técnico) e a percepção de que a "alma do DJ" está no vinil. O uso do CD pelo DJ é apresentado como uma necessidade contingente de moradores do "[terceiro] mundo", "onde o desemprego é uma realidade", "o d[ó]lar é caro" e os DJs são obrigados a se renderem a mídias menos dispendiosas e mais facilmente reprodutíveis como o CD. A afirmação de que ele não tem "raiva ou [ó]dio por quem escolhe usar CD" sugere já a carga emocional que freqüentemente acompanha os debates em torno desta questão5, velada na sugestão de uma certa hipocrisia daqueles que escolhem usar CDs, supostamente "fechando os olhos" ao fato de que "os produtores fazem suas m[ú]sicas em vinil" e que, portanto, "para um dj a melhor fonte vem do vinil". Temos já esboçados, portanto, os temas centrais da problemática aqui abordada: a politização da opção entre determinadas mídias por certos DJs a partir de argumentos simultaneamente técnicos e estéticos. No caso, notamos a proposição de uma hierarquização entre os DJs que usam vinil em suas apresentações e aqueles que usam CDs a partir de argumentos que evocam tanto as vantagens técnicas da mídia analógica em relação à digital quanto a superioridade estética daquela em relação a esta. Um outro email de outro DJ de techno acrescenta mais elementos relevantes à problemática: "[U]ma vez fui tocar em uma cidade do interior aí, cheguando lá, na hora que fui tocar, vi que só tinha cd, e sem pitch ainda, daí perguntei ao cara sobre as mk2, pq eu tocava com vinil, então ele disse: 'ainda existe djs que usam vinil?' então eu falei: 'claro, dj profissional respeita seu publico, e toca com vinil, o cd raramente é, e como um artificio. no contrato constava tudo que eu iria precisar.' daí ele respondeu: 'ah, eu nem li direito, assinei de uma vez pq estava ocupado com algumas coisas da festa.' [...] foda foi o dj local discutindo comigo sobre as 'vantagens' de usar cd, daí eu rasguei o verbo, disse que o vinil é prensado especialmente para isso, e obedece todos os requisitos para proporcionar um som de qualidade e não agredir o ouvido do publico, e blablabla. falei que o acesso ao mp3 é muito fácil, mas que na maioria das vezes ele está com uma má qualidade, cheio de ruidos ocultos que não são perceptiveis ao ouvido humano, mas estão ali, agredindo a todos que estão ouvindo... nossa, deu foi conversa. e para terminar, ouvi um carinha fazendo um comentario ironico com outro la: 'o dj sai lá de [cidade de origem do DJ, a capital] e nem traz o que ele vai usar.' tipo: o cara é o maior amador... mas preferi deixar quieto, nem retruquei :D" [3] O caso relatado pelo DJ se inseria no contexto de uma discussão sobre a "falta de respeito" de certos organizadores de festas para com as exigências contratuais dos DJs. Ele nos interessa, pois o "desrespeito" se deu justamente no tocante à exigência, não atendida pelos organizadores da festa, de um par de toca-discos (no caso, o modelo Technics SL-1200 MKII) pelo DJ. A polêmica gerada pela exigência trouxe à tona diversos argumentos de DJs que buscam se diferenciar pela defesa de especificidades do vinil, como o fato de ser "prensado especialmente para isso" (i.e., para ser tocado apenas por DJs, em alta potência e em ambientes coletivos, diferentemente dos CDs que são produzidos para uso comercial e doméstico), proporcionando um "som de qualidade" que não agride o "ouvido do p[ú]blico". Mas mais do que valorizar o vinil como instrumento de trabalho privilegiado do DJ, ele faz questão de desvalorizar o CD questionando a sua qualidade e afirmando a presença de supostos "ruídos ocultos que não são percept[í]veis ao ouvido humano, mas [que] estão ali, agredindo a todos". O "desrespeito" do organizador da festa pelas exigências do DJ se tornou, assim, oportunidade para que o DJ se queixasse do alegado "desrespeito" pelo público na forma de "agressões ao ouvido" por "ruídos ocultos" presentes nos arquivos digitais (mesmo que assumidamente imperceptíveis ao próprio "ouvido humano") tocados pelos DJs que usam CDs. A forma como o DJ polarizou seu discurso entre aqueles DJs cosmopolitas profissionais que respeitam seu público tocando com vinil e aqueles DJs interioranos que desrespeitam seu público tocando com CD revela que, mesmo sendo ironizado pelos DJs locais, ele ainda se colocava acima deles em uma hierarquia tacitamente compartilhada com outros participantes da lista de discussão. Além disso, o forte componente emocional da questão reaparece aqui quando, diante 5 Ela chegou mesmo a se tornar "tabu" em certos momentos na lista de discussão pesquisada, devido às constantes agressões pessoais a que normalmente dá origem. 2 da defesa das "'vantagens' de usar cd" por um "dj local" ele decide "rasgar o verbo", desfilando argumentos explícitos e implícitos ("blablabla") contra a situação. Assim como na citação anterior [2], o DJ não se coloca contra as contingências que obrigam os DJs a, em certos contextos, fazerem uso de CDs ("raramente" e "como um artifício"), mas sim contra o princípio de que um DJ possa se considerar completo, "com alma" e "profissional", usando apenas CDs e outras mídias digitais. Técnica e estética se implicam mutuamente no discurso dos DJs. Um bom exemplo disso pode ser visto na seguinte apresentação, feita por um DJ, do modelo de toca-discos Technics SL1200 MKII, "objeto de desejo de dez entre dez djs": "Pick-up Technics MKII - As melhores estão aí. Há 30 anos, a Technics cultiva a maior fama de fazer a melhor pick-up do mundo e continua sendo objeto do desejo de dez entre dez djs. Ao longo da evolução dos toca-discos, a marca permitiu, como nenhuma outra, que a técnica do DJ aparecesse inteira, sem falhas. Tanto que a pick-up ganhou dos manos do hip hop o apelido de 'roda de aço', por causa do motor, o único que é capaz de produzir e suportar, sem quebrar, o vai e vem do 'scratch', marca desse estilo musical. Hoje existe uma variedade maior de bons tocadiscos a venda no mercado, mais a maioria dos djs não troca suas MKII por nada. A technics também lançou alguns modelos no mercado como a mklll e outros, mais a MKII ainda continua no topo das mais vendidas. A Mkll tem bases de antimônio,o mesmo material de motor de carro e uma base pesada de borracha que evita vibrações indesejadas. Foi desenvolvida pela technics a mais de 20 anos. Velocidade controlada por quartzo e ajustável por controle deslizante, ajuste de pitch contínuo de (+ / - 8%). Motor de alto torque para partida e paradas rápidas" [4] Vemos aqui uma fusão tão completa entre técnica e estética, desde o elogio à solidez e precisão de seu mecanismo (com detalhes técnicos que, a princípio, só interessariam realmente à assistência técnica da própria Technics) até o elogio à sua capacidade de dar vazão, "sem falhas" e por inteiro, à "técnica do DJ"6, que só podemos pensar naquilo que Gilbert Simondon (1998) chamou de tecnoestética7: o prazer estético provocado pela capacidade do objeto técnico de dar vazão a virtualidades antes desconhecidas da própria técnica. Mas se o discurso dos DJs revela uma certa tecnoestética associada a máquinas e mídias específicas (como a Technics SL-1200 MKII e o disco de vinil), ele no entanto acaba produzindo e reproduzindo certas relações de poder associadas ao usos destas máquinas e mídias. A ênfase no "profissionalismo" do DJ ("respeito" com o público e com o artista), na "segurança" das mixagens, na "qualidade" do som e na "imagem" ideal do DJ manipulando discos de vinil (considerada "bela" em si8) são apenas alguns dos argumentos tecnoestéticos que acabam consolidando, através de ressonâncias em espaços como a lista de discussão pesquisada, uma estratificação da cena em dois grandes grupos de DJs dos quais um é mais valorizado do que o outro. A estratificação da cena eletrônica em níveis que vão do underground experimental ao mainstream comercial e a hierarquização dos DJs que vão dos que só tocam com vinil àqueles que só tocam com CDs e outras mídias digitais sugere, assim, a produção e reprodução de 6 O email incluiu ainda uma ficha técnica do toca-discos – "FICHA TÉCNICA MK2 [...] Fonte de Energia: 120V, AC, 50 ou 60Hz. [...] Tipo: Universal [...] Consumo de Energia: 12W [...] Dimensões: 45.3 x 16.2 x 36 cm [...] Peso: 15 Kg [...] Intervalo de ajuste da altura do braço: 31.8-37.8mm [...] Motor: Brushless DC Motor [...] Prato: Alumínio [...] Diâmetro: 33.2 cm [...] Velocidade: 33-1/3 rpm e 45 rpm [...] Cartucho: 6-10 g" – e links para sites dedicados à máquina. 7 Outro exemplo desta tecnoestética dos DJs é a seguinte descrição do objeto "disco de vinil" feita por um DJ de House: "O famoso Lp preto 'convencional' , possui um tempo ideal para cada lado de 15 minutos, podendo ser mais, ou menos do que isto. Para que os sulcos estejam mais espaçados, é ideal que o áudio não ultrapasse 13 minutos. Tem peso aproximado de 110 gramas, podendo ser em até 160 gramas ou 180 gramas (mas para isso é necessário um molde especial) e seu custo aumenta em 20%. Além do preto convencional, existe também o vinil colorido, que pode ser prensado nas cores vermelho, verde, azul, amarelo e roxo." 8 Afirma um DJ: "Acho que a imagem de um DJ trabalhando está vinculada ao manuseio dos discos de vinil. O lance de botar a agulha no disco, mexer, scratchs..., é bonito ver isso." 3 VINIL CD relações de poder tecnoesteticamente É "legal". Nunca será tão "legal" quanto o vinil. Faz parte da "imagem" do DJ, é Não é atraente e não faz parte da mediadas9. imagem do DJ. A tabela 1 apresenta os "bonito". É a mídia "predileta" dos DJs. Só é empregado quando as principais argumentos empregados por contingências o exigem. pontos específicos da música são O som não é visível. É necessário saber DJs em listas de discussão e sites na Os facilmente visíveis. exatamente os minutos e segundos dos Internet, revistas especializadas e pontos, ou programá-los com antecedência. entrevistas para justificar a Materialidade imediata: o som é Mediação abstrata: o som é manipulado superioridade do disco de vinil frente ao manipulado diretamente com a mão, e por botões e outras interfaces indiretas e não é visível. CD como instrumento de trabalho. De é visível no momento em que está sendo tocado. forma geral, o vinil é descrito como Efeitos que dependem da materialidade Simulação destes efeitos, quando mais "natural", "caloroso", "bonito" e do vinil e do mecanismo do toca-discos disponível, não é convincente. É geralmente associado a DJs que É geralmente associado a DJs de trance "adequado" à atividade do DJ por pesquisam e investem tempo e dinheiro e de dance music comercial, que apenas "baixam" arquivos mp3 pela oferecer todo o espectro de freqüências em uma determinada cena/gravadora/estilo (financiando Internet (ao invés de pesquisar os desejado (principalmente as mais "mercados alternativos") e no lançamentos em vinil), não graves), lhe permitir colocar em ação desenvolvimento de técnicas manuais contribuindo assim para a reprodução de turntablism. de uma cena underground através da técnicas de manipulação da mídia que compra de vinis. lhe são específicas, e possibilitar o Por não ser mais produzido "em massa" É o formato comercialmente pela indústria cultural, serve de suporte preponderante e (paradoxalmente), desenvolvimento de "mercados para um "mercado alternativo" junto com outros formatos digitais, permite a aquisição de músicas sem o alternativos" e de uma "cena (subcultural, underground, experimental). devido pagamento de direitos autorais, underground" dedicada à impedindo a criação de um "mercado alternativo". experimentação estética de qualidade. Mixagens "calorosas". Mixagens "frias". Por outro lado, o CD é descrito como Mixagens "seguras". Mixagens "inseguras". O CD é apenas um "quebra-galho" e mais "artificial", "frio", "feio" e O vinil está na "alma" do DJ. um modismo. "inadequado" por não reproduzir Os maiores produtores e DJs do mundo CDs geralmente são usados por DJs fielmente os sons "subgraves", só tocam vinil. inexperientes e inexpressivos. Vinil impõe respeito e diferencia (a CD aproxima o DJ de uma pessoa transformar o DJ em um "apertador de prensagem de vinil exige uma infraqualquer apertando botões (qualquer botões" e estar excessivamente ligado estrutura dispendiosa). um pode "queimar" um CD). Atinge freqüências mais graves de atingir freqüências mais tanto à cultura de massas e à música ("subgraves") do que o CD, portanto se Apesar agudas do que o vinil, não reproduz comercial esteticamente pobre e de prestando mais à atividade dos DJs. bem os "subgraves" tão valorizados pelos DJs. baixa qualidade quanto à falta de O som é mais "fiel" ao concebido. O som sofre distorções (ruídos muitas investimento financeiro nos próprios vezes reconhecidamente imperceptíveis mas considerados relevantes). produtores e artistas provocado pela É mais "natural" (não apenas pela É mais "artificial" (não só pela natureza cópia ilegal de arquivos digitais. natureza analógica do som, mas digital do som mas também pelo plástico utilizado tanto na embalagem Além disso, a gradual troca do também pelo material biodegradável das capas e pela origem "orgânica" do quanto no próprio CD) disco de vinil pelo CD como mídia vinil) privilegiada da indústria cultural global O contato mecânico da agulha no vinil Não há feedback do ambiente a não ser permite um feedback gradual e em casos extremos e indesejados (erros acabou contribuindo para que aquele se desejável do ambiente (uma certa de leitura provocam efeitos esteticamente desvalorizados). tornasse, pela sua raridade e pela sua "ambiência", um certo "calor"). Underground. Mainstream forma dispendiosa de produção em TABELA 1 comparação a este, um elemento diferencial que garante a distinção do DJ frente a meros "tocadores de CD"10. Em outras palavras, os altos custos envolvidos na prensagem de um disco de vinil, aliados ao fato de a indústria cultural ter deixado o formato analógico de lado, faz com que o simples fato de 9 Um exemplo da difusão desta hierarquização é o verbete "DJ" do The New Grove Dictionary of Music and Musicians, que apresenta duas definições de DJ, uma mais centrada na indústria do entretenimento (que se inicia no rádio dos anos 50 e termina nos VJs da MTV; Buckley 2001) e a outra mais voltada para a experimentação técnica e estética dos DJs de clubes (iniciando nos anos 70 e chegando à explosão global da música eletrônica nos anos 90; Peel 2001). 10 A comoção gerada entre os DJs brasileiros pela aquisição, pelo DJ brasileiro de drum'n'bass XRS, de uma "máquina de corte de dubplates", é um exemplo das dificuldades envolvidas na produção de discos de vinil (cf. Katia 2003). 4 empregar este suporte como meio de trabalho já indique algo acerca da legitimidade social do DJ. Este ponto fica bastante claro numa situação como a relatada no seguinte email: "Vou falar de um evento que aconteceu na [nome da festa] neste sábado. O set ela do dj [nome de DJ inglês de techno]. Um amigo meu viciado no cara havia levado uma de suas produções em vnl, estávamos na primeira fila, incorporados pelo som qdo ao levantar o disco do cara eu fiz um sinal para ele dizendo: ' Toca este disco aqui '. [...] Não é q o cara me entende o sinal e fala para entregar o disco ?!?!?!, Cara, 20 min depois ele me bota este disco e q galera vai a loucura !! [...] Esta cena seria possível se ele usasse CD ?!?" É possível que não, pois qualquer um poderia gravar qualquer coisa em um CD, ao passo que uma música gravada em vinil pressupõe já uma seleção rigorosa. Qualquer um poderia gravar músicas de péssima qualidade em um CD e pedir para que um DJ o tocasse. No entanto, os requisitos necessários para se prensar uma música em vinil são tantos que o próprio formato já se torna uma boa indicação da qualidade de seu conteúdo. Uma música em vinil já conta, assim, com muito mais "aliados implícitos" do que uma música em CD, pois ela não teria tido tanto investimento assim se já não contasse com uma considerável rede de apoio11. Neste caso específico, a rede de apoio do vinil é chamada de "cena underground", com seus próprios códigos tecnoestéticos e suas próprias relações de poder e solidariedade frente ao mainstream impessoal e estritamente comercial. Mas por quê se preocupar tanto com a defesa de uma mídia? Por quê não deixar simplesmente que cada DJ toque com a mídia que considerar melhor? E principalmente, por quê, além de defender o uso do vinil, este discurso se vê na aparente obrigação de deslegitimar com forte carga afetiva os DJs que utilizam CDs? Sendo a politização tecnoestética do discurso dos DJs um fato empírico, tentemos então conhecer em que termos ela se dá. POLITIZAÇÃO TECNOESTÉTICA "[A]pertador de cdj...." ...que coisa! Ainda sim prefiro ser um! (hehehhe, Compact-Deejay) pago somente R$0,90 para 'prensar' minhas produções em casa mesmo![...] Mas se eu tivesse um gravador de vinil em casa... quem sabe..... hehehehhe [...] ;(" [5] A citação acima [5] foi uma das repostas àquela provocação que abriu o item anterior [1], e serve para introduzir as complexidades da politização tecnoestética do discurso dos DJs. Diferentemente dos DJs que defendem ardorosamente o vinil através não apenas da valorização de suas especificidades tecnoestéticas mas igualmente pela desvalorização das especificidades das mídias digitais, muitos DJs (talvez a maioria) nem mesmo entram na discussão. A ironia da resposta deste DJ à provocação daquele outro ("hehehhe") reflete bem esta indiferença bastante presente do outro lado da relação de poder. Trata-se, é verdade, de uma indiferença parcial, visto que se este DJ "tivesse um gravador de vinil em casa", ele provavelmente não reclamaria. No entanto, a afirmação de que ele "prefere" ser um "apertador de cdj" a ter que deixar de poder "prensar" suas produções "em casa" a custos irrisórios ("R$0,90") deixa claro o seu alheamento em relação a todas as disputas provocadas pelos defensores do vinil. Sabendo que os DJs que usam CDs normalmente não se dão ao trabalho de defender a sua opção, permanecendo na maior parte das vezes indiferentes ao discurso político daqueles que os colocam em uma posição inferior, faz-se necessário esclarecer o motivo pelo qual tanta energia é gasta em uma disputa em que aparentemente apenas um dos lados desejar lutar. Sobre isso, é exemplar uma mensagem de um importante DJ brasileiro de house onde ele apresenta, de maneira matizada, algumas das complexidades envolvidas nesta disputa aparentemente unilateral. Neste email, aparece com toda a força a questão financeira, já abordada acima, na 11 Evoco aqui a idéia de Bruno Latour da "cooptação de aliados" por construtores de máquinas e teorias científicas, capaz de levá-las "em direção ao fato" no caso de uma grande rede objetiva de aliados ou "em direção à ficção" no caso de vozes isoladas e subjetivas (cf.2000:75). 5 forma de um "cofrinho" do DJ que fica "leve" devido à sua necessidade de comprar os dispendiosos discos de vinil. Diferentemente dos DJs citados até agora, este não faz uma crítica tão feroz aos "apertadores de CDJ", antes subordinando toda a problemática da técnica àquilo que ele chamou de "repertório" (a escolha das músicas). Mas ainda assim a sobrevalorização do vinil aparece em sua dimensão tecnoestética através da referência aos chamados "subgraves", alegadamente presentes apenas nos discos de vinil. "[Nã]o é [à] toa", afirma o DJ, "que os produtores de [música eletrônica] sempre, quando podem, gravam em definitivo em vinil". Não se trata, portanto, de recriminar os DJs que tocam com CD, principalmente devido às contingências político-econômicas, mas sim de sugerir que o alto preço do vinil tem uma compensação concreta na qualidade do som, percebida e valorizada apenas por alguns que, portanto, seriam presumivelmente superiores. A questão dos "sons inaudíveis" já foi levantada em outra citação [3], e evoca uma importante dimensão tecnoestética da música bastante presente nos círculos de audiófilos (cf.O'Connell, 1992). Trata-se da constatação de que (1) certas pessoas alegam (e muitas vezes comprovam) ter audição superior à média e, portanto, serem capazes de perceber sons que são normalmente considerados inaudíveis, e de que (2) certas dimensões sonoras relevantes para a experiência musical não podem ser totalmente controladas/simuladas/avaliadas, permanecendo assim sempre acessíveis apenas àqueles que de fato as percebem12. Assim, apesar de colocar o "repertório" acima das "técnicas" e das "mídias", o DJ citado acaba reiterando a defesa do uso do vinil contra as outras mídias. É importante notar que, de fato, há uma diferença técnica entre o registro analógico e o digital13. O som digital realmente difere do analógico em um ponto fundamental: enquanto a gravação analógica é realizada através da transdução do som, a gravação digital é realizada através da sua codificação. A diferença não é superficial e interfere infra-estruturalmente na experiência sonora (cf.Fig.1). No caso da transdução analógica, a energia mecânica de ondas de variação da pressão do ar é transduzida FIG.1: Fotos de ampliações de sulcos em um disco de vinil (A) e em energia elétrica e depois novamente em micro-covas em um CD em menor (B) e maior (B') ampliação. energia mecânica na gravação dos sulcos no Fontes: (A) Ord-Hume et al. (2001:27); (B) imagem coletada na Internet; (B') Miyaoka (1984:37). disco de vinil. Posteriormente, as vibrações da agulha nos sulcos (energia mecânica) poderão ser transduzidas em oscilações de voltagem (energia elétrica) e então novamente em energia mecânica na vibração dos alto-falantes. No caso da codificação digital, por outro lado, a energia elétrica (transdução da energia mecânica inicial) é codificada em blocos de informação que não precisam guardar nenhuma analogia com o som original, sendo então armazenados em qualquer suporte (inclusive discos de vinil, como veremos) passível de ser decodificado. A decodificação informa a produção de variação de voltagem (energia elétrica) que, por sua vez, é transduzida em energia mecânica (variação da pressão do ar) pelos alto-falantes (cf.Figs.2 e 3). 12 Testes de psicoacústica dedicados a descobrir os limites da audição humana são usados como referência para a projeção de técnicas de digitalização e compressão de áudio capazes de otimizar o processo de gravação e reprodução do som através da eliminação de todas as suas dimensões alegadamente não-audíveis. No caso da compressão digital realizada por formatos como o mp3, estes limites psicoacústicos são levados às últimas conseqüências, na tentativa de eliminar todas aquelas dimensões da experiência musical supostamente imperceptíveis ao "ser humano". Ao afirmarem que são capazes de escutar sons e ruídos normalmente inaudíveis, os DJs (e os audiófilos em geral) acabam assim advogando uma espécie de contra-tecnoestética. 13 Serviram como fontes para os aspectos técnicos da gravação analógica e digital: Stevens e Warshofsky (1968); Lenk (1986); Parker (1988); Holland (1989); Borwick (1992); Everest (2001); Ord-Hume et al. (2001). 6 FIG.2: Gravação/Reprodução Analógica Energia Mecânica T Energia Elétrica T Energia Mecânica T: Transdução FIG.3: Gravação Digital Energia Mecânica T Energia Elétrica Reprodução Digital C Informação Digital D Energia Elétrica T Energia Mecânica T: Transdução C: Codificação D: Decodificação A gravação digital inclui também transduções (na captação por microfones e na emissão por alto-falantes), mas se distingue radicalmente da gravação analógica pela etapa da codificação. Diferentemente da transdução, que envolve a transferência de ritmos imanentes e vibrações simpáticas entre diferentes meios, a codificação envolve a imposição de uma "grade" transcendente sobre estes ritmos e estas vibrações. Na transdução há sempre uma abertura para o caos, para o imprevisto, para o indeterminado, ao passo que a codificação se define justamente pela organização e pelo controle dos processos14. A principal conseqüência desta codificação é a necessária eliminação de todas aquelas dimensões sonoras que não podem ser controladas e organizadas, de tudo o que não cabe na "grade" da digitalização15 (cf.Fig.4). Evidentemente, não se trata de atribuir uma vantagem técnica aos argumentos dos defensores do vinil. Muito pelo contrário, em termos estritamente técnicos eles raramente acertam o alvo. O espectro de freqüências alcançadas pelo vinil, por exemplo, diferentemente do que alegam seus defensores, não alcança freqüências mais graves do que o CD. Pelo contrário, enquanto o vinil esbarra no limite físico de 7Hz (e mesmo assim chegando aí apenas FIG.4: Diagrama demonstrando a transformação sofrida pela onda sonora com o processo de codificação/decodificação entre as duas em casos extremos), a natureza informacional do transduções (microfone e alto-falante). Fonte: Holland (1989:11) CD goza de uma maior autonomia frente às limitações físicas, podendo chegar a freqüências próximas de 0Hz16. Além disso, os DJs de música eletrônica (mesmo aqueles que condenam o uso de mídias digitais em apresentações) seriam certamente os primeiros a reconhecer o papel central das tecnologias digitais na produção musical contemporânea. O DJ de house citado acima, por exemplo, defende o vinil como "o suporte final encontrado pelo produtor musical para, após o uso de várias possibilidades avançadas da tecnologia de ponta", dentre as quais se destacam as digitais ("sequencer digital, 14 O principal referencial teórico acerca da dimensão conceitual destas questões é, sem dúvida, Deleuze e Guattari (1976, 1995/1996/1997). Outras referências importantes são Simondon (1992) e Mackenzie (2001). 15 A exigência técnica de que a taxa de amostragem da digitalização do som seja no mínimo o dobro da freqüência sonora máxima desejada (conhecida como o "teorema de Nyquist"), por exemplo, faz com que se estipule deliberadamente (e com argumentos científicos) uma freqüência máxima alcançada pelas gravações digitais (22,05kHz). Toda codificação sempre deixa algo de fora. 16 O curioso é que é justamente no extremo oposto do espectro que o vinil se mostra superior ao CD, chegando a 25kHz enquanto este não passa de 22,05kHz (no entanto, este limite do CD não é absoluto, podendo ser ampliado com o aumento da taxa de amostragem e o emprego de algoritmos diferentes). 7 mp3, wav, [...]sofs"), "reforçar a qualidade dos novos timbres descobertos". Trata-se, como ele faz questão de apontar, de "uma questão de freqüência". No entanto, se a música é produzida por meios digitais e apenas posteriormente registrada em uma mídia analógica, vale perguntar: como fazer aparecer ali freqüências que supostamente não seriam acessíveis às mídias digitais? Tratase, aparentemente, de um contra-senso. Mas se, como afirmou Deleuze, "[p]or trás dos contrasensos sempre há uma política" (1992:35), então qual seria ela? Em primeiro lugar, é preciso reconhecer a legitimidade do argumento tecnoestético. Quando um DJ nos incentiva a "ouvir a mesma música [em CD e vinil] num bom equipamento e som bastante alto, como a gente gosta", para só depois emitir julgamentos acerca de sua "qualidade sonora/técnica", ele está sugerindo que, para além de qualquer contra-senso teórico ou conceitual, há uma evidência experiencial do som que comprovaria a superioridade da mídia analógica frente às digitais, mesmo que nela estejam registrados sons produzidos digitalmente. Com argumentos análogos aos de típicos audiófilos, o DJ defende a existência de qualidades sonoras que, apesar de inaudíveis para a maioria das pessoas, são concretas o suficiente para justificar os gastos bastante elevados comuns em equipamentos de alta-fidelidade17. Assim, se por um lado podemos certamente duvidar do "reforço" que o registro analógico poderia conferir a timbres digitais (visto que as freqüências "reforçadas" deveriam já necessariamente estarem presentes no meio digital), por outro devemos certamente confiar na experiência perceptiva do DJ. E mesmo se não quisermos nos ater a "sons inaudíveis", o fato é que a amplificação de um disco de vinil, a partir de um certo ponto ("alto, como a gente gosta"), pode de fato produzir, por um efeito de retroalimentação (feedback), um reforço (normalmente indesejado e interpretado como ruído) das freqüências graves. Assim, a vibração da agulha do toca-discos (energia mecânica) provocada pelos sulcos do disco passa a sofrer interferências da vibração de todo o ambiente onde o som que ela própria gera é reverberado (energia mecânica), passando assim a transduzir freqüências que não estão tecnicamente registradas no próprio disco mas que, efetivamente, são experienciadas pelos ouvintes. Nada disso ocorre com o CD, visto que nele o som não é produzido diretamente pela transdução de vibrações mas sim indiretamente pela decodificação da informação que o representa18. Em segundo lugar, é preciso interpretar a politização tecnoestética do discurso dos DJs a partir do contexto mais amplo em que ele se insere, para além das disputas internas à própria "cena". Um bom exemplo destas linhas de fuga que transpassam este campo de forças e que contribui para a sua manutenção é o caso da "Campanha Pro Vinil" contra a supertaxação dos discos de vinil, lançada no início de 2003 por um grupo de pessoas envolvidas com a "cena eletrônica" e que causou grande repercussão no meio. Esta campanha busca reduzir a taxação do governo sobre a importação de discos de vinil importados. O argumento utilizado é o suposto equívoco de se taxar um "produto cultural" como o disco de vinil como se ele fosse um produto industrial qualquer. Como reforço a este argumento, figura a afirmação de que o vinil é o principal instrumento de trabalho dos DJs, profissionais estes que contribuiriam para a cultura, o lazer e o turismo nacionais. Assim, a mobilização de argumentos tecnoestéticos para a valorização de uma imagem do vinil como instrumento de trabalho privilegiado dos DJs ganha, para além da dimensão micropolítica da "cena", dimensões macropolíticas que envolvem 17 Para uma intrigante polêmica acerca das diferenças "imperceptíveis mas concretas" entre um amplificador de US$ 6 mil e outro de US$ 700, cf. O'Connell (1992). 18 Evidentemente, a maior autonomia entre meio e mensagem na gravação digital não impede a retroalimentação das vibrações do ambiente ou mesmo de outras interferências como fumaça, líquidos etc (ela é apenas relativa, nunca absoluta). No entanto, justamente por esta maior autonomia, a interferência deixa de ser gradativa (mais "calorosa", "sensível" e esteticamente valorizada) e se torna brusca (percebida como "fria", "insensível" e esteticamente desvalorizada). Um feedback excessivo pode, no entanto, produzir "pulos" da agulha, que são então tão desvalorizados quanto os erros de leitura dos CDs. 8 projetos de reforma legislativa, pesquisas de opinião, coleta de assinaturas em todo o país, consultoria jurídica e a busca de apoio entre instâncias políticas como o Ministério da Cultura19. O fato de não haver uma contra-defesa significativa dos meios digitais contra os analógicos não tira, portanto, o sentido da disputa promovida pelos defensores do vinil. A deslegitimação do uso de mídias digitais por este discurso não teria como alvo último os próprios DJs que tocam com CDs (apesar de serem eles os alvos explícitos) mas sim toda uma lógica mercadológica anônima e generalizada identificada por rótulos fluidos como o "mainstream", a "indústria", e outras entidades totalizantes e repressoras das virtualidades libertadoras e revolucionárias vinculadas à música eletrônica experimental e underground. O aparente contrasenso entre as tecnoestéticas analógica e digital se resolve assim na forma de uma política underground que reivindica valores como a solidariedade (contra o individualismo), o respeito à diferença (contra a massificação) e a experimentação estética (contra a reiteração de valores reacionários)20. O discurso deslegitimador dos DJs que tocam com CDs indica, assim, uma crítica menos às contingências que obrigam até mesmo os defensores do vinil a fazerem uso de mídias digitais e mais contra a reprodução irrefletida e inconsciente de valores considerados refratários a este espírito contestatório e revolucionário da música eletrônica. A organização deste discurso em um movimento nacional de intervenção política direta seria, assim, apenas a manifestação molar de uma politização essencialmente molecular (uma micropolítica), que se dá ao nível das relações, dos afetos e das sensibilidades. Politizar tecnoesteticamente o discurso pois se trata de tentar provocar, nos "tocadores de CD", a conscientização para dimensões propriamente microfísicas do poder que se escondem desde os "subgraves" até os "ruídos inaudíveis". Mas se os contra-sensos do discurso dos DJs acabaram revelando uma micropolítica, então como avaliar sua eficácia? Seria a defesa do vinil contra o CD realmente a melhor maneira de combater os valores rejeitados por esta nova sensibilidade tecnoestética? Não haveriam maneiras mais eficazes (e menos sectárias) de operacionalizar esta politização? Vejamos agora, a partir de alguns exemplos de discursos menos rigidamente centrados nas propriedades intrínsecas a determinadas mídias e tecnologias e mais voltados para as suas margens de indeterminação e para as virtualidades a que dão origem em determinados agenciamentos coletivos, alguns exemplos destas outras possibilidades de politização tecnoestética. FETICHES ANALÓGICOS E FUTUROS DIGITAIS21 "Tocar vinil faz parte da cultura do DJ, mas isso não significa que esse fundamento não possa ser questionado" [6] Vimos que a politização do discurso dos DJs se dá sobre um aparente contra-senso, que é a defesa tanto do potencial libertador das tecnologias digitais quanto da superioridade tecnoestética de uma mídia analógica específica sobre as mídias digitais disponíveis. Tudo se passa como se os meios digitais devessem ser usados pelos DJs apenas nos "bastidores", no processo de produção musical, e o disco de vinil fosse o único meio legítimo para se apresentar no "palco" propriamente dito. Um DJ tocando com CDs não aparentaria ser mais do que "uma pessoa qualquer" tocando CDs, ao passo que um DJ tocando com discos de vinil aparentaria possuir habilidades específicas e conhecimentos privilegiados. E esta aparência é reforçada pela mobilização de toda uma tecnoestética que apela para diferenças substantivas na reprodução de certas freqüências, no controle manipulativo direto da mídia e no financiamento de um "mercado alternativo underground" que seriam intrínsecas às próprias mídias (o CD não oferecendo tais freqüências, nem a segurança de tal controle, tampouco o devido retorno financeiro aos artistas). 19 Nas palavras do DJ: "houve um contato com hermano vianna, representando o ministro gilberto gil, q ficou sensibilizado, mas so sei isso." Sobre a "Campanha Pro Vinil", cf. Semola (2003). 20 A sigla P.L.U.R. (Peace, Love, Unity, Respect), evocada freqüentemente pelos agentes, sintetiza esta atitude. 21 Subtítulo eloqüente do ótimo texto de Mike Berk (2000). 9 Assim, o contra-senso deste discurso acaba involuntariamente dividindo sua prática entre uma espécie de "superestrutura analógica" do DJ (sua imagem idealizada) e uma "infra-estrutura" digital (suas relações concretas de produção). Mas se a politização do discurso dos DJs se dá sobre um contra-senso, talvez aprofundando-nos nele pudéssemos descobrir suas dimensões propriamente micropolíticas (ainda não organizadas em um discurso), suas dimensões propriamente produtivas. A pesquisa da lista de discussão aqui empregada revela que os ataques dos "defensores do vinil" vêm, geralmente, em "ondas". Geralmente deflagrados por desenvolvimentos de mídias digitais considerados "ameaçadores" para o disco de vinil, estes ataques normalmente se iniciam de maneira bastante violenta e passional, demonstrando uma necessidade profunda de, como bem expressou um DJ, "defender um território arduamente conquistado", e posteriormente se abrandam e se matizam pela fala de DJs que subordinam as mídias a traços considerados mais relevantes da atividade dos DJs, como a relação com o público, a capacidade de produzir experiências estéticas e existenciais e, enfim, "o 'poder' do DJ de fazer uma pista ferver". Um bom exemplo deste processo foi a primeira aparição, na lista de discussão pesquisada, de comentários sobre um equipamento concebido especialmente para DJs chamado Final Scratch. Composto basicamente por um software que deve ser instalado em um computador, um hardware que faz a interface entre este computador e os toca-discos e dois discos de vinil gravados com informações digitais, o equipamento gerou, inicialmente, críticas extremamente ferozes (na maior parte das vezes equivocadas) à sua suposta desqualificação da tecnoestética que fundamenta a politização do discurso dos defensores do vinil22. Num segundo momento, após manifestações menos radicais de DJs que demonstram ter mais conhecimento do equipamento, o discurso se tornou mais matizado, incorporando possíveis benefícios desta nova tecnologia e corrigindo mal-entendidos do primeiro momento23. A percepção de que o novo equipamento seria menos um concorrente ao disco de vinil, menos um ataque digital às mídias analógicas, e mais uma "confusão" entre o digital e o analógico, um grau de interpenetração inédito entre eles, possibilitou o surgimento, neste segundo momento, de opiniões muito menos sectárias e voltadas para a "preservação" de uma determinada mídia e muito mais atentas às aberturas que ele produz às virtualidades da tecnoestética. Por exemplo: "Vamos por partes: 1. Por quê o vinil fascina tanto? Ora, foi o primeiro a existir. Há toda uma mística em torno dele; o prazer de fazer uma bolacha girar nas mesmas bpms da outra é uma coisa sensacional... 22 Um bom exemplo deste primeiro momento é a seguinte fala de um DJ de drum'n'bass: "final scratchs uma ôva.vá scratchzá lá no raio que o parta. [...] Alguem me responde onde fica o DJ e o vinil nesta historia? conto de fadas, Final Scratchs coisa pra dj burro dormir e ficar aperatando botão e dá infarto ficar parado, coisinha tipo do mundo que dá lucro fácil. mais uma ferramenta contra o verdadeiro dj da cena. me desculpe mas fico indignado contra os que querem lucro certo e mixagem fácil, e contra o nossso saudoso e rei da cena o VINIL, ou eles querem que o dj seja mais um Zé ninquem,mané,scratch,final........" 23 Seguem alguns exemplos de depoimentos de diferentes DJs: "Bom, eu tive o prazer de experimentar o Final Scratch, o equipamento é muito bom, você seleciona no viny especial o pedal da música como se estivesse selecionando em um cdj, é bem preciso, porém não se compara com um viny, digo na minha opinião que a comparação pode chegar a 80%. Fizemos um teste colocando um dj de performance daqui [...] Com a sua performance, precisa e rápida percebemos um buffer de memória na transmição do lap para o processador de sinal [...], ou seja, por mais que a máquina seje boa [...], essa tecnologia poem em risco a utilização do cd e não a do vinil."; "Vamos lembrar um coisa o final scratch ainda usa o vinil, mesmo que seja especial ele ainda esta lah, [...]. Ou seja, juntaram o analogico e o digital."; "Final Scratch torna possível a manipulação física de arquivos em MP3 ele possibilita ao DJ manipular arquivos de áudio estocados no PC através de uma interface física [...]. Na verdade, ele apenas torna possível a interação entre arquivos binários e as pick-ups. Pode ser uma boa para um DJ de poucos recursos, pois tocar músicas próprias ou baixadas da internet é bem mais barato do que comprar vinil importado ou prensar um dubplate. No entanto, a habilidade em mixar e tocar os discos continua sendo o principal requisito, seja com vinil, CD, MP3 ou com o Final Scratch. Como diz o manual do equipamento: "talento não incluído"; "na minha visão não tira a criatividade do DJ, até pelo contrário, como lhe facilita a vida, lhe permite ir mais longe nas suas mixagens." 10 2. O cd veio pra ficar. Não dá pra fujir dele. É prático, leve, cabe em qualquer bag e os aparelhos facilitam a técnica de mixagem... 3. E o final scratch? Ainda não tive a oportunidade de ver um, mas é tecnologia, e quer queiramos ou não, está aí. Se eu tiver a oportunidade de usar um algum dia... porque não? [...] [C]onvenhamos que o que está em jogo aqui é o trabalho do dj, certo? O que importa na minha opinião é a maneira como o cara 'levanta' uma pista, pode ser com vinil, cd, final scratch, mp3, até com k7 (ainda existe? hehe). [...] Nas minhas mixagens uso vinil e também uso o cd (e não tenho vergonha de usá-lo não) e usaria qualquer outro meio pra tocar numa festa, como já disse o que importa é se vc está fazendo bem e com amor ao que se faz. [...] Muitos dizem "Save the vinyl" , concordo. Mas porquê não dizer também "save The cd", "save the laptop" e o que é mais importante: [...] SAVE THE DJ!!!!!!!!!!!!!!!!!!" [7] O que vemos nesta citação [7], assim como naquela que abre esta seção [6], não é mais a defesa ardorosa de uma mídia associada à deslegitimação igualmente ardorosa de outra, mas sim uma defesa, sempre ardorosa ("!!!!!!!!!!!!!!!!!!"), à maneira como um técnico-artista específico (o DJ) emprega diferentes mídias em sua relação com seu público. E o efeito desta transferência da ênfase do objeto (a mídia em si) para a relação que ele media (a capacidade do DJ de gerar o "acontecimento") acaba sendo a revelação da existência de um certo fetichismo "limitador" pelo disco de vinil. O DJ supracitado [7] não precisa deslegitimar nenhuma mídia (pelo contrário, os dois primeiros itens de seu email demonstram qualidades tanto dos discos de vinil quanto dos CDs), tampouco temer a nova tecnologia que se apresenta ("porque não?"), pois demonstra plena consciência de que "o que importa [...] é a maneira como o cara 'levanta' uma pista". Se, como afirma outro DJ, "90% do público não está nem aí pro tipo de parafernália que o DJ tá usando", estando preocupado apenas em "dançar e curtir o set"24, então subitamente todas as especificidades da mídia analógica mobilizadas pelo discurso defensor do "DJ tocador de discos de vinil" passam para o segundo plano, atrás de novas possibilidades nunca antes vistas e agora concebíveis de interação entre o DJ e o seu público. É importante notar que grande parte da aceitação (ou pelo menos a trégua nos ataques) que o Final Scratch obteve após o impacto inicial se deveu justamente ao fato de que ele poderia ser visto como uma "vitória" do disco de vinil sobre o CD. Com efeito, muitos louvaram a possibilidade de finalmente poderem tocar seus arquivos digitais baratos e práticos "como se" fossem músicas gravadas em discos de vinil e reproduzindo para o público a imagem tradicional e socialmente legitimada do vinil como instrumento de trabalho do DJ. Teríamos, assim, uma nova versão do fetichismo pela mídia analógica, só que agora sem a legitimidade tecnoestética do discurso original visto que, no Final Scratch, ainda estamos no âmbito da digitalização (cf.Fig.3) pois os sulcos do disco de vinil lembrariam muito mais os códigos impressos nos CDs do que as ondas gravadas nos discos de vinil convencionais (cf.Fig.1)25 e também sem grande parte de sua força política, pois continua não havendo o incentivo ao financiamento de artistas de música eletrônica underground. Muitos encaram, assim, o Final Scratch como um substituto do CD que ainda reproduz a maior parte de seus defeitos, não apenas pela percepção de que ele não substitui as particularidades tecnoestéticas do som analógico mas também porque ele deve necessariamente ser também empregado como um "quebra-galho" e nunca como um substituto do produto legítimo (que é o disco de vinil, adquirido com o pagamento do artista). Evidentemente, não podemos fazer aqui mais do que constatar os limiares e tensões que configuram este campo de forças e sugerir possíveis virtualidades e devires imanentes ao próprio campo. A mobilização de especificidades tanto das mídias analógicas quanto das digitais na construção de "máquinas de guerra" capazes de legitimar a experimentação e os valores 24 " Os 10% restantes", continua o DJ, "são, geralmente, DJs habilidosos não em agulhar, mas em alfinetar o colega, independentemente do talento que o cara tenha." 25 O som produzido pela transdução da energia mecânica da vibração da agulha nos sulcos dos discos especiais do Final Scratch não guarda nenhuma analogia com o som produzido pela decodificação da informação ali gravada pelo resto do equipamento. A interface do Final Scratch pode até permitir ao DJ manter a sua "imagem" e conseguir um controle mais fino do som (não mais mediado por botões), mas o som produzido continua sendo digital e, portanto, sujeito a diversas críticas dos defensores do vinil (não há, por exemplo, o já referido feedback do ambiente). 11 advogados pelos DJs de música eletrônica underground, para além dos seus contra-sensos fragilizadores, demonstra a gradual construção de uma sensibilidade musical contemporânea politicamente engajada26. No entanto, justamente por ser esta uma micropolítica tecnoestética, ela dificilmente é capaz de se fazer valer ao nível das instâncias macropolíticas oficiais sem recorrer a fetichismos e evidentes contra-sensos. Cabe aos cientistas sociais debruçados sobre esta questão não tanto "dar voz" aos DJs, como se eles não soubessem falar por si mesmos, mas sim explicitar os obstáculos infra-estruturais que enfraquecem este discurso, colocando-o diante de suas próprias contradições para que ele delas possa se alimentar. Partimos do princípio de que o grupo social pesquisado sabe se expressar perfeitamente, sendo o papel do pesquisador não o de falar "por" ele (o que seria já "uma forma de repressão"; cf.Ferguson, 1990:5) e sim contribuir para a desconstrução do "sistema de poder que barra, proíbe, invalida esse discurso e esse saber" (Foucault e Deleuze, 1992:71). Não devemos duvidar da existência de uma diferença de natureza entre as mídias digitais e as analógicas. Vimos como toda digitalização envolve a eliminação de certas dimensões da experiência musical consideradas "imperceptíveis" (cf.Fig.4). Tampouco devemos fechar os olhos para as relações de poder envolvidas nas axiomatizações tecnocientíficas que impõe sensibilidades massificadoras sobre as singularidades caosmóticas27 da percepção musical. Os alegados "limites" psicoacústicos do "ouvido humano", objetificados nas tecnologias de digitalização do som, são sempre imposições de certas sensibilidades sobre outras possíveis. Mas a disputa entre o analógico e o digital poderia não se limitar às mídias, aos objetos, como se fossem "conquistas" a serem preservadas contra ameaças. Se pudermos definir o fetichismo como uma "relação social entre os próprios homens que para eles aqui assume a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas" (Marx, 1985:71), então veremos que o problema dos defensores do vinil parece ser a atribuição a objetos técnicos analógicos de uma relação que na verdade se dá entre eles e o público. Vimos que vozes menos sectárias são capazes de transferir a oposição entre o analógico e o digital, das mídias e objetos técnicos, para a própria relação entre o DJ e seu público, opondo não o disco de vinil ao CD mas sim o DJ "elitizado" que se acha mais "profissional" e " verdadeiro" do que os outros pela mídia que utiliza ao DJ que coloca a experiência musical compartilhada acima de qualquer escolha instrumental. Como vimos, mídias digitais podem efetivamente contribuir para uma aproximação entre o DJ e seu público através da abertura a virtualidades tecnoestéticas antes desconhecidas28. Cabe aos DJs que se deixam afetar por estas virtualidades a desfetichização de suas próprias relações sociais e a descoberta dos devires próprios de nossa sociedade contemporânea. 26 Estudos de destaque sobre a música eletrônica feita por DJs, independentemente de suas orientações teóricas, sempre dedicam algum espaço ao tema das implicações políticas, técnicas e estéticas das mídias analógicas e digitais (e.g.Thornton, 1996:63-6; Poschardt, 1998:230-2; Reynolds, 1999:40-55; Brewster e Broughton, 2000:4046; Berk, 2000). 27 Uso aqui o conceito guattariano (Guattari, 1992) para me referir à abertura criativa da transdução analógica ao desconhecido/indeterminado. 28 Um caso exemplar desta "des-digitalização" da relação entre o DJ e seu público através de um uso "analógico" de novas tecnologias digitais é o seguinte "pensamento fantasioso" de um DJ: "[I]magine um computador mini-itx portátil, pra se levar pra qualquer lugar. De anormal nele, só aquela placa de som Turtle Beach Santa Cruz com 32 canais separados no hardware. [...] Rodando nessa máquina, o Linux 2.6, talvez no DeMuDi. [...] Agora imagine que esse computador tem conectividade infravermelha (não tão difícil nem caro de conseguir) ou bluetooth, se quiser esbanjar um pouco mais. [...] Para completar tudo, imagine um DJ com um palmtop com um programa cliente (talvez um VNC) -- voilá! Largue o computador sem monitor ligado nas caixas de som e controle o som de DENTRO da pista. [...] Caxas de retorno? Pra que isso?" 12 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: BERK, Mike 2000. "Technology: Analog Fetishes and Digital Futures", in: Peter Shapiro e Iara Lee (eds.). Modulations; A History of electronic Music: Throbbing Words on Sound. New York: Caipirinha, pp.188-204 BORWICK, John 1992. "Microphones", in: John Borwick (ed.). Sound Recording Practice. Oxford: Oxford University Press, pp.119-34 BREWSTER, Bill e BROUGHTON, Frank 2000. 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