Emancipação

Transcrição

Emancipação
EMANCIPAÇÃO
Índice
Prefácio
13
I
–
Não se envolver com o drama do mundo
21
II
–
Em todos os reinos da natureza há harmonia,
exceto no homem
25
33
III
–
Ego profano: raiz de todo mal
IV
–
Quanto mais se ama o corpo, mais se esquece
do Divino
40
V
–
A falsa humildade do ego profano
45
VI
–
Mente, apenas um aglomerado de pensamentos
51
VII
–
A libertação de todo mal consiste no aniquilamento
da mente pensante
58
VIII
–
Erudição pode determinar ignorância
62
IX
–
Os insensatos e os prazeres mundanos
72
X
–
O delírio da promiscuidade e dos apegos é perigoso
79
XI
–
O erro jamais deve ser justificado
88
XII
–
A única afinidade que se deve ter é com o Divino
92
XIII
–
Só existe uma alternativa: a conscientização do Divino 106
XIV
–
Não há repressões no caminho da libertação
116
XV
–
Disciplina é um estado natural
119
XVI
–
O ashram é um lugar de comunhão com o Divino
128
XVII –
Guru – Ser
135
XVIII –
Transcender as dúvidas
154
XIX
–
O silêncio da unidade
160
XX
–
Meditação iniciática
164
XXI
–
Verdade Suprema
174
Emancipação
182
XXII –
Epílogo
201
Prefácio
Sutra Maha Devi é a Mãe no Bhagavan Sri Ramanashram. Dedica-se desde muito
jovem ao trabalho de divulgação dos sagrados ensinamentos da Maha Yoga, ao lado do
Mestre. Recebeu a Upadesa (iniciação silenciosa) de Bhagavan Sri Ramana e tornou-se
consciente de sua missão junto aos Mestres da Maha Yoga.
Sua tarefa no Bhagavan Sri Ramanashram é zelar pelo bom funcionamento do trabalho
em todos os seus aspectos, desde os mínimos detalhes práticos até as mais elevadas técnicas
de auto-conscientização espiritual. Ao lado do Mestre, transmite, diária e incessantemente, os
ensinamentos da mais pura espiritualidade, tanto nos afazeres do dia-a-dia quanto em
ocasiões específicas. Ensina, de maneira clara e simples, porém bastante incisiva, a Verdade
de todos os Mestres, sua aplicação diária, a vigilância constante que se deve ter, alerta sobre
as artimanhas do ego, que vai pouco a pouco, infiltrando-se, muitas vezes mascarado de
espiritual, de humilde.
Os ensinamentos de “Mãe Sutra”, como é chamada pelos adeptos do Ramanashram,
têm uma característica inconfundível: são diretos, sem atenuantes, atingem seu objetivo de
forma precisa, sem permitir apelações. Cabe a ela a difícil e delicada tarefa de revelar a cada
um onde está a dificuldade, o ponto fraco, puxá-lo para fora, torná-lo visível, para que possa,
assim, ser elaborado, transcendido. Quando o adepto vê a si mesmo com problemas que
jamais suspeitou existirem nele, freqüentemente assusta-se, e é comum voltar-se contra
quem os revelou. É nesse ponto que ele se decide: ou vence o ego profano ou deixa o
sagrado caminho da emancipação espiritual. Cabe a Mãe Sutra essa função de fazer com que
cada um veja a si mesmo, e desempenha-a com muita firmeza.
Sutra Maha Devi é um exemplo de emancipação da mulher. Na tradição dos Grandes
Mestres, a mulher não teve chance de se dedicar à autoconscientização, pois isso era, ao que
parece, um privilégio dos homens. Mesmo na Índia, um país voltado exclusivamente para a
espiritualidade, raramente uma mulher é conhecida como Mestre. As mulheres são grandes
devotas, participam de rituais, mas esse é o limite permitido. Grandes Mestres? Somente
homens. Casos como Ananda Ma ou Sarada Devi são raríssimos. A causa dessa discriminação
é de natureza sócio-cultural, visto que jamais os Mestres afirmaram haver diferença na
essência das pessoas, por serem homens ou mulheres.
Porém, é chegada a hora da emancipação do mulher. Sutra Maha Devi divide com o
Mestre a missão de desomitir a Verdade, de desmistificar os mistérios ocultos e inacessíveis
da Sabedoria Suprema, de conduzir os adeptos à plena consciência de si mesmos. No
Bhagavan Sri Ramanashram homens e mulheres – de todas as idades, raças ou crenças –
recebem a iniciação e meditam, sem que haja privilégios ou concessões por pertencerem ao
sexo masculino ou feminino. Toda discriminação foi banida, porque a mulher é igual ao
homem, e ambos são divinos em essência. As mulheres participam de todos os rituais,
recebem toda a força iniciática, e têm as portas abertas para a emancipação espiritual.
Na época atual, fala-se muito em “emancipação feminina”, em “libertação do machismo
opressor”, porém o resultado que se tem não é exatamente o proposto: a mulher se queixa
da repressão sexual e por isso ela se despe cada vez mais, acreditando que está
emancipando-se, mas o que acontece na verdade é o inverso, ela se torna um objeto de
prazer, não percebendo que agora está sendo usada mais do que nunca. Porém não é tirando
as roupas que surge a emancipação, mas tirando todos os laços que prendem ao ilusório, que
escravizam a falsas idéias, a preconceitos absurdos. Libertar-se não é sinônimo de
emancipar-se economicamente, de ser capaz de prover o próprio sustento, de executar as
mesmas tarefas dos homens. Emancipar-se é conhecer-se em essência, é perceber qual é sua
função no universo, qual seu papel no grande jogo da manifestação. Emancipação é
libertação das cadeias do ego e da mente pensante, é a conquista de si mesmo.
A pseudo-emancipação por que as mulheres tanto lutam não passa de uma troca de
pensamento: “eu sou independente” em vez de “eu sou dependente”. Porém as más
qualidades do ego e da mente continuam presentes, e tanto faz que se trabalhe neste ou
naquele setor, que se dirija uma empresa ou que se dirija um lar, que se ganha muito ou
pouco. Existe ainda a escravidão pelo pensamento “eu faço, eu quero, eu exijo”. Quando
houver realmente emancipação, não importa o que se faça no mundo ilusório, na
manifestação temporária, pois em tudo se verá o divino, e todas as tarefas, todas as posições
sociais, todos os trabalhos serão idênticos, não haverá o mais digno ou o menos digno, pois
tudo faz parte do dinamismo da natureza, e a ação é o que conta. O pensamento “sou
emancipada, sou moderna” é apenas mais um pensamento a escravizar. Devido a condições
sociais, as mulheres têm acesso a atividades que antes lhes eram vetadas, mas isso não é
garantia de autolibertação. Pelo que se pode observar, os problemas essenciais não foram
resolvidos: existe a constante lamentação pela falta de tempo, pela falta de compreensão,
pela falta de segurança no mundo, pelas grandes crises que assolam o planeta, pela falta de
ter algo sério a fazer. Sempre haverá uma “falta”, sempre haverá uma lacuna a ser
preenchida. Tanto para a mulher como para o homem essa lacuna só pode ser preenchida
pela consciência de si mesmo, pela clara compreensão dos reais valores, pela percepção de
que não é o nível de conhecimento ou o tipo de tarefa exercida que traz à pessoa a felicidade.
“Conhecer a si mesmo” tornou-se uma expressão corriqueira, desgastada até, porque
todos se acreditam grandes conhecedores de si mesmos. Porém não é assim. Conhecer a si
mesmo via muito além de conhecer as diferentes faces do ego, os gostos e desgostos, as
preferências a antipatias. Conhecer-se implica o completo despojamento de si mesmo, pois
só aquele que perde a si próprio pode realmente conquistar-se, ganhar-se como o Ser
Supremo que é. E isso certamente transcende a pequena luta do ego feminino para
emancipar-se da opressão de que afirma ser vítima.
Se a grande executiva, que comanda grandes indústrias, não encontrou a si mesma,
não vive sua essência, também não o fez a submissa mulher indiana, que vive
exclusivamente para o lar e as práticas religiosas. Enquanto não houver a autopesquisa,
através da meditação iniciática, não se pode esperar a verdadeira emancipação.
I
Não se envolver com o drama do mundo
Na época atual falta a paz. Muitos começam a se perturbar, a apresentar um estado de
agitação intensa, o que tende a se acentuar cada vez mais. Essa agitação atinge, por
enquanto, a pessoas ou grupos, mas futuramente cidades inteiras poderão apresentar esses
sintomas. Aquele que busca seriamente a autoconscientização deve cuidar-se para não ser
envolvido por esse clima. Se ocorrer qualquer tipo de envolvimento, é preciso ter firmeza nos
Mestres, auto-observar-se, meditar e devocionar, ler livros espirituais que estimulem a
autopesquisa.
A época atual é de insegurança, e as pessoas buscam sua segurança nas posses
materiais. É época de medo. Observando-se bem, percebe-se o desequilíbrio em massa. Os
consultórios dos psiquiatras vão estar cheios e toda ajuda que puderem dar será muito útil. É
preciso sempre aproveitar a presença do guru que, constantemente, indica a existência do
caminho para a emancipação espiritual. Aqueles que praticam seus ensinamentos
conscientizam-se da Verdade Suprema.
Pode-se observar o mundo como se tudo estivesse sendo projetado numa tela imensa e
perceber o que se passa no universo. O turbilhão de dor e prazer, a glória, a miséria, a
cobiça, a inveja, a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor e o ódio, tudo
isso arrastando os homens até destruí-los como um farrapo; e os homens buscando,
desesperados, o que eles chamam de felicidade e que lhes foge constantemente, pois não
passa de mais uma ilusão do ego. A verdadeira felicidade é constante, não são “momentos
felizes” ou “momentos de prazer”, como se costuma dizer. Ela será conseguida quando o
homem for consciente de si mesmo, isto é, do divino que ele é em essência. Cada um deve
observar o mundo e discernir, vendo-se separado desse turbilhão. Deve procurar sair dessa
tela, onde está refletido o mundo todo, e perceber que ele não é aquele corpo que está ali,
naquela luta toda, em busca de coisas ilusórias.
As pessoas devem estar sempre em harmonia com o mundo que as cerca, porém
jamais deixando de ser o que realmente são. Nisso têm que ser firmes, não se envolvendo
com nada nem permitindo interferências do que ou de quem quer que seja. O mundo que se
percebe é apenas uma ilusão temporária. Ele pode ser usado como instrumento para
conscientizar-se do Ser Supremo. Ninguém se deve deter em coisas da mente, do ego, do
mundo profano porque, comparadas aos ensinamentos puros e de salvação de todos os
Mestres, nada significam. Perde-se muito com isso. Não vale a pena. Se valesse, o mundo
estaria bem, pois as coisas mundanas são as mais desejadas e alcançadas.
Sempre que o mundo está em decadência vêm os Mestres para ajudar o homem a sair
desse caos. Quando se fala em mundo, em decadência, refere-se ao mundo do homem, ao
mundo interno, pois o mundo externo desarmonizado não é outra coisa que o mundo interno
de cada um, exteriorizado, e assim criam-se grandes problemas. O homem acha que o
mundo está mal, mas o que está mal é o mundo particular de cada um. Se cada pessoa
melhorar seu próprio mundo, o planeta todo se beneficia com isso. O problema não é da
Terra. Ela é bondosa, dá boa semente, boas plantas, bons frutos. Muitos acham que é o
planeta que está mal quando, na realidade, são os homens que estão mal por seus apegos
aos prazeres do ego, da mente, dos sentidos, prazeres como um todo. Quando se fala em
prazeres não há referência somente a prazeres sensuais. Há pessoas que sentem prazer em
colecionar coisas. Isso é um apego. Outros passam o dia clamando pelo divino. Isso também
é um apego. Apego ao divino é igualmente perigoso. Nenhum apego é bom. É necessário
apenas ir ao lado direito do peito onde se reflete aquilo que todos são em essência e
identificar-se, elaborar-se para que haja a conscientização do divino.
O mundo vive as suas coisas, e que cada um que se interessar viva os ensinamentos
dos Grandes Mestres. Deve-se deixar que o mundo se “divirta” e se perca pelos prazeres.
Isso não pode ser motivo de preocupação para aquele que busca a emancipação espiritual. O
mundo trata de si mesmo. Que cada um melhore o seu próprio mundo, pois só assim poderá
ser ajudado. Mesmo vivendo numa época materialista, há muitas pessoas que procuram a
identificação com o Ser Absoluto, dispostas a abandonar definitivamente todos os apegos em
busca da conscientização da Verdade Suprema.
Para que a pessoa tenha seu mundo interno elaborado, melhorado, deve livrar-se dos
apegos às coisas passageiras e tornar-se firme, isto é, neutralizar-se ante o impulso de agir
sob o domínio do ego profano. Quando se eliminam as tendências negativas, brilha com todo
esplendor o conhecimento supremo. É preciso ter firmeza total naquilo que se faz. Deve-se
perceber a unidade de tudo, estar livre do sentimento de dualidade, perceber o Ser Supremo
refletido em todas as partículas da manifestação e, através das técnicas espirituais ensinadas
pelo Mestre, conscientizar-se de sua unidade com o Ser Supremo.