Quem Sou Eu? - WordPress.com

Transcrição

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Quem Sou Eu?
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Bibliografia:
Ramana Maharshi e o Caminho do Autoconhecimento
Arthur Osborne
Os ensinamentos de Ramana Maharshi em suas próprias palavras
Arthur Osborne
Assim falava Ramana
O Evangelho de Maharshi
PPS elaborado por:
Osmir Clemente
MST Loja Liberdade
Recomendo que adquiram os livros completos, neste trabalho apresento apenas pequeno resumo dos
livros acima indicados. Leiam os livros completos, vale a pena cada página lida.
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Exortação do Buda
Não acredite em algo simplesmente porque ouviu.
Não acredite em algo simplesmente porque todos falam a respeito.
Não acredite em algo simplesmente porque está escrito em seus livros religiosos.
Não acredite em algo só porque seus professores e mestres dizem que é verdade.
Não acredite em tradições só porque foram passadas de geração em geração.
Mas depois de muita análise e observação, se você vê que algo concorda com a razão, e que
conduz ao bem e beneficio de todos, aceite
aceite-o e viva-o.
Siddharta Gautama Buda
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Alguns conceitos ensinados por Ramana
Deve-se agir sem acreditar-se que se é o agente. As ações continuam apesar de sua falta de ego. A
pessoa veio à existência com um propósito. O propósito irá ser cumprido da mesma maneira quer você
considere-se um agente ou não.
Quando há um trabalho a se feito por você, você não pode se esconder, nem pode continuar a fazer
uma coisa que não é mais requerida pela existência. Ou seja, quando sua cota foi cumprida. Resumindo,
o trabalho será feito e você deve aceitar sua parte. Sua parte deve ser feita como um ator que
representa seu papel num drama, livre de amor ou ódio.
O que não deve acontecer, não acontecerá, não importa o quanto você deseje. O que deve acontecer,
acontecerá, não importa tudo o que você faça para evitar.
A consciência do corpo é o “Eu” errado. Desista desta consciência corpo. Isto é feito através da busca
da fonte do “Eu”. O corpo não diz “Eu sou”. É você quem diz “Eu sou o corpo”. Descubra quem é este
“Eu”. Procurando a sua fonte, ele irá desaparecer.
Seja o que você é. Não existe nada para ser manifestado. Tudo o que é necessário é a perda do ego.
A verdade de si mesmo é a única que vale a pena ser buscada e conhecida.
Realização não é nada a ser adquirido. Ela está sempre aí, mas obstruída por uma tela de pensamentos.
Todos os seus esforços devem ser dirigidos para a superação desta tela, e então a realização é
revelada.
Realização é simplesmente a perda do ego. Destrua o ego pela procura da sua identidade. Uma vez que
o ego não é nenhuma entidade, ele automaticamente desaparecerá, e a realidade irá brilhar por si
mesma. Este é o método direto, enquanto todos os outros se concretizam somente através da
retenção do ego
Sri Ramana Maharshi
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Dias de Grande Paz – Mouni Sadhu
MEDITAÇÃO VICHARA
O método, de acordo com seus ensinamentos (Ramana Maharshi), é o seguinte:
Mergulhamos na meditação com a impressão clara em nossa mente de que o Eu Real não pode ser
nenhuma coisa transitória, tal como o corpo, as emoções e a mente.
Quando isso estiver firmemente estabelecido, se nenhuma dúvida existir na consciência, tentaremos
então preencher todos os momentos possíveis com a pergunta:
"Quem sou eu?"
Quando algum outro pensamento penetrar na mente, nós o abateremos com a Vichara (Quem sou eu?).
Substituindo-se cada pensamento que se aproxima pela mágica Vichara, os períodos de quietude
absoluta da mente vão-se tornando mais longos.
A princípio, será apenas por alguns segundos. Com a prática constante virão instantes de paz
imperturbável. É muito importante compreender e lembrar o que mais influi para o alcance dessa paz
na mente.
Em qualquer lugar onde eu me encontrasse, Vichara estava comigo, na rua, nos trens e bondes, e
sempre que minha mente não estivesse empenhada em alguma atividade necessária.
A parte importante não era repetir Vichara, mentalmente, e sim saturar cada pergunta de um desejo
intenso (sem palavras) de conhecer "Quem sou eu?".
E os resultados eram: Paz da mente e o poder de utilizá-la à vontade como uma força separada do
indivíduo "Eu".
O aspecto espiritual de Vichara é claro. Ao praticá-la estareis buscando vossa legítima herança, tendo
como alvo a verdadeira fonte da vida.
À medida que a Vichara prossegue, experimentareis a sensação de estardes separados de vossa forma
física visível. Andando, falando e desempenhando diferentes atividades, começareis a sentir que estais
além e acima da forma, que atua.
É uma maravilhosa sensação de liberdade e de beatitude. Não existem mais dúvidas nem temores.
Esses momentos, no início, são raros, é verdade, mas com a continuação tornam-se cada vez mais
frequentes. Esses são os primeiros raios da luz do vosso Eu verdadeiro, que é a própria felicidade
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Ramana Maharshi e o Caminho do
Autoconhecimento
Arthur Osborne
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Os primeiros anos
Ramana Maharishi nasceu em 30 de dezembro de 1879 em Tiruchuzhi no sul da Índia, no dia em que os
devotos hindus celebram o “Arudra Darshan”, que é a ocasião em que Shiva manifestou-se como
Nataraja, isto é na dança cósmica da criação e desintegração do universo.
No festival, o ídolo de Shiva voltou para o templo no preciso instante em que a criança Venkataraman,
na qual Shiva se manifestaria como Sri Ramana veio ao mundo.
A criança cresceu normal e sadia, o único fator incomum a respeito de Venkataraman era o seu sono
profundo, inabalável, e sua assombrosa força física. O garoto não manifestava nenhum interesse em
espiritualidade ou religião.
Em diversas ocasiões era sonâmbulo, e por mais que tentassem acordá-lo, não o conseguiam. Como ele
era muito forte, seus companheiros aproveitavam estas ocasiões para surrá-lo, já que não se defendia.
É possível que estes fatos prenunciassem o seu despertar espiritual.
O pai de Ramana, Sundaram Avyar, faleceu, quando Ramana tinha doze anos, e sua família foi
dissolvida. As crianças foram morar com um tio paterno na cidade de Madura.
O Despertar
Auto-realização ou Sahaja Samadhi é aquele estado em que a mais pura e abençoada compreensão é
constante e ininterrupta, sem que se impeça, contudo, as percepções e atividades normais da vida. É
algo muito raro.
No caso de Ramana, ela ocorreu muito rapidamente, sem procura, sem luta sem preparação consciente.
Ramana próprio a descreveu:
Eu estava sentado sozinho em uma sala e repentinamente eu fui tomado por um violento medo de
morrer. Eu apenas senti “Vou morrer” e comecei a pensar o que fazer a respeito disso.
O choque do medo da morte fez minha mente voltar-se para o interior, e eu disse a mim mesmo: Agora
a morte chegou, o que isso significa? O que está morrendo? O corpo morre.
Eu deitei com os meus membros esticados e duros como se estivesse morto, e imitei um cadáver para
tornar a inquirição mais realista. Prendi a respiração e mantive os lábios firmemente fechados.
Então, disse a mim mesmo, este corpo está morto. Ele vai ser carregado para o crematório e lá será
reduzido a cinzas.
Mas com a morte deste corpo eu morro? Este corpo é o Eu? Ele está silencioso e inerte, mas eu sinto a
força total de minha existência, e até mesmo a voz de “Eu” dentro de mim, separada do corpo. Então
eu sou o espírito que transcende o corpo.
O corpo morre, mas o Espírito que o transcende não pode ser tocado pela morte. Isso significa que eu
sou o Espírito imortal.
Não se tratava de pensamentos obscuros, foi uma verdade viva que brilhou através de mim e que
percebi diretamente, quase sem o processo do pensamento.
O medo da morte desapareceu de vez, e a absorção no Ser continuou ininterrupta desde então.
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Anteriormente àquela crise eu não tinha uma percepção clara do meu “Eu”, e não me sentia atraído
conscientemente por ele.
Neste momento sua individualidade se dissolveu no Eu Real, e aquele jovem indiano que nada tinha de
promissor transformou-se em um dos maiores Sábios que a Índia já conheceu.
Aquele cujo interesse se centraliza no ego, sendo um ser a parte, tem um pavor da morte que ameaça a
dissolução do ego, ao passo que na minha experiência, o medo da morte desaparece completamente,
com a compreensão de que o “Eu” se funde com o Si universal e imortal, que é o Espírito.
É possível ao homem ser possuído por duas entidades, dois “Sis”? Para entender é preciso que o homem
se analise a si mesmo, porque temos o hábito de pensar como pensam os outros, jamais encaramos o
“Eu” de maneira correta.
O homem se identifica com o corpo e o cérebro. Por isso siga com a investigação “Quem sou eu?”
O primeiro e principal de todos os pensamentos é o pensamento “Eu”. Somente após o nascimento
deste pensamento é que emergem todos os outros.
Se você seguir o fio do “Eu” até a sua origem, descobrirá que além de ser o primeiro pensamento a
aparecer é o último a desaparecer. Façam esta experiência. É possível caminhar para dentro até que o
último pensamento, “Eu”, desapareça gradualmente.
Só assim poderá atingir a compreensão de que é imortal e se tornará verdadeiramente sábio, quando
tiver despertado para o seu verdadeiro Si, que é a natureza real de todos os homens.
O sentido do “Eu” pertence à pessoa, ao corpo e seu cérebro. Quando o homem descobre seu
verdadeiro Si, algo mais se ergue das profundezas do seu Ser e se apossa dele. Esta coisa está além
da mente, é infinita, divina, eterna.
Quando isso acontecer, o homem na realidade não se perdeu, ao contrário, se encontrou.
Antes de encontrar o Si, a dúvida e a incerteza serão seus companheiros. Que adianta saber de tudo,
ser um erudito, quando não se sabe ainda quem é?
O fato de que Ramana completou em meia hora a Sadhana de uma vida ou de muitas vidas, não altera o
fato de que se tratou de um esforço por meio de uma investigação do Eu, tal como depois ele veio a
ensinar.
Ramana advertiu seus seguidores de que não se consegue a perfeição de modo rápido, mas sim através
de muita luta, mas disse também que este é o único meio infalível para compreender o Ser
incondicionado e absoluto.
Ramana disse que no momento em que o Eu tenta conhecer-se a Si mesmo, começa ele a participar
cada vez menos do corpo no qual está imerso, e cada vez mais da consciência do Si.
Depois desta experiência, coisas anteriormente valorizadas por Venkataraman perderam seus
atrativos, os objetos convencionais tornaram-se irreais, mas aquilo que até então era ignorado passou
a exercer um estranho fascínio.
Ele nada disse a ninguém, mas era inevitável que sua família notasse uma mudança muito grande em seu
comportamento.
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O ego anterior, que se ressentia e retaliava, tinha desaparecido. Deixei de sair com os amigos para
brincar, preferindo a solidão. Outra mudança foi que eu já não tinha preferência ou antipatia com
relação à comida.
A alma havia desistido de seu domínio sobre o corpo quando renunciei a ideia de “eu sou o corpo”.
Venkataraman passou a visitar frequentemente um templo, onde sempre que ficava frente à imagem de
Shiva ou Nataraja, onde profundas emoções aconteciam.
Aquilo era o jogo de Deus com a alma. Eu me quedava diante de Ishvara, o Governante do universo, e
rezava para que sua misericórdia descesse sobre mim para que minha devoção aumentasse.
Na maioria das vezes eu não chegava a rezar, mas permitia em silêncio que o profundo interior fluísse
e penetrasse no profundo ulterior. As lágrimas que assinalavam esse derramar da alma não significava
qualquer prazer ou dor especial.
Eu não era pessimista, nada sabia da vida e não tinha aprendido ser ela cheia de sofrimentos. Não me
movia nenhum desejo de evitar a reencarnação ou procurar a libertação ou mesmo obter a salvação.
Ramana já possuía uma consciência constante e ininterrupta do Si e disse explicitamente que já não
havia Sadhana, nem esforço espiritual depois disto.
Já não havia luta no sentido de penetrar no Si, pois o ego, cuja oposição ocasiona a luta, tinha sido
dissolvido, e já não havia com quem lutar. Sua alma seguia em busca de um novo ancoradouro.
A Jornada
Frequentemente Ramana negligenciava os exercícios escolares para se dedicar a meditação. Ele era
severamente recriminado por isso. Finalmente ele decidiu partir imediatamente da casa dos tios,
renunciando a tudo.
Muitos entendem meditação como pensamento e reflexão. Quando Ramana referia à meditação, ele
queria dizer Samadhi, que significa contemplação isenta de pensamentos, ou imersão no Espírito.
Ramana também usava o termo meditação como o esforço para atingir o Samadhi através da autoinvestigação.
Ao sair de casa, Ramana deixou uma carta: Parti em procura do meu Pai, em obediência às suas ordens.
Fui-me em virtuosa empreitada, por isso ninguém lamente, nem desperdice dinheiro à minha procura.
Sua alma, liberta da prisão corporal, continuava em busca de uma ancoragem permanente no Si, com o
qual percebera sua unicidade.
Venkataraman já tinha compreendido que não havia ego, e não assinou seu nome na carta. Ele nunca
mais voltou a escrever uma carta, e nunca mais assinou seu nome, embora por duas vezes ainda tenha
escrito seu antigo nome. Certa vez lhe pediram um autógrafo e ele escreveu o símbolo do OM.
Ramana dirigiu-se para Tiruvannamalai, próximo a montanha de Arunachala. Três dias depois de ter
deixado seu lar, ele chegou ao destino.
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Pseudo-Tapas
Ali rasparam-lhe a cabeça. Ramana jogou fora as poucas moedas que tinha. Nunca mais ele pegou em
dinheiro. Atirou fora também um pacote de doces. Porque dar doces a este corpo, ele questionava.
Ramana jogou fora seu colar sagrado, pois aquele que renuncia ao mundo renuncia não apenas ao lar e à
propriedade, mas também à casta e ao status civil. Ele passou a usar somente uma tanga para
completar os atos de renúncia.
Ele ficou num local quase ao relento, e lá permaneceu na Bem -aventurança do Ser. Já não tinha
qualquer necessidade do mundo. Voltou-se para dentro de Si mesmo, ignorando por completo o mundo
exterior.
Ramana ficava horas sentado como uma estátua. Algumas crianças jogavam pedras nele. A providência
fez que um Sadhu tomasse o encargo de proteger o jovem santo, que era conhecido como Swami
Brahmana.
Os animais atiraram-se sobre ele até que suas coxas ficaram cobertas de chagas. As marcas ficaram
até o fim dos seus dias.
Ramana ficava em Samadhi por tanto tempo, que às vezes o Sadhu tinha que lhe enfiar alimentos em
sua boca. Ele engolia tudo indiferente ao sabor.
Muitos vieram espiar o jovem Swami, ou prostrar-se diante dele. Já nesta época o primeiro devoto
tornou-se muito ligado a ele.
O corpo do Swami foi inteiramente negligenciado. Ele sequer tomava banho. Devotos lhe ofereciam
alimentos, mas tudo que ele aceitava era uma tigela de comida uma vez ao dia.
Na realidade, o corpo do Swami tinha enfraquecido até o extremo limite da sua resistência. Ele
sempre estava avesso a aceitar ajuda.
Este período durou mais de dois anos. Nos últimos seis meses, Ramana passou a estudar muitas obras
em Tamil, trazidas por discípulos. Como tinha uma memória prodigiosa, ele passou a acumular a vasta
erudição que mais tarde veio a possuir.
Para ele era fácil, pois tais obras apenas corroboravam o que ele sabia por intuição. Ele aprendeu mais
tarde, além do Tamil, o Sânscrito, o Telugo e o malaiala.
O Problema da Volta
Muito tempo depois de sair de casa, finalmente seus parentes descobriram onde ele estava, e
tentaram de todas as formas levá-lo de volta a Madura. Foi inútil, nem os pedidos de sua mãe ele ouviu.
Sua mãe permaneceu com ele durante muito tempo. Ramana sequer lhe dava atenção. Ele tinha feito
um voto de silêncio. O máximo que fez foi escrever um bilhete em linguagem altamente impessoal:
O ordenador controla os destinos das almas segundo o seu Prarabdhakarma. Tudo que não está
destinado a acontecer não acontecerá, tente-se como quiser. Tudo que está destinado a acontecer
acontecerá, faça-se o que for para impedi-lo. Isto é certo. O melhor caminho, portanto é ficar calado.
Em sua essência, trata-se do mesmo que Cristo disse à sua mãe: “Mulher, que tenho eu contigo? Não
sabes que me cumpre cuidar dos assuntos de meu Pai?”
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Ramana sempre foi intransigente ao ensinar que aquilo que tem de acontecer acontece, e tudo o que
acontece se deve ao Prarabdha, um balancete do destino, regido por uma rigorosa lei de causa e
efeito.
Ele recusou-se sempre a meter-se em debates acerca de livre arbítrio e predestinação. Ele costumava
dizer: Descubram quem é predestinado e quem tem livre arbítrio.
Todas as ações que o corpo realizará já estão decididas quando este corpo começa a existir, a única
liberdade que se tem é a de se identificar ou não com o corpo.
Quando se desempenha um papel numa peça ou num file, todo o papel é escrito com antecedência e a
gente o cumpre com fidelidade, quer seja o César que é apunhalado ou o Brutus que apunhala, não
sendo afetado, pois você sabe não ser tal pessoa.
Aquele que compreende a sua identidade com o Eu imortal desempenha seu papel no palco humano sem
medo nem ansiedade, sem esperança nem arrependimento, não se deixando afetar pelo papel
desempenhado.
Contudo, a opinião aparentemente antagônica de que o homem constrói seu próprio destino não é
menos verdadeira, uma vez que tudo acontece sob a lei de causa e efeito, e cada pensamento, palavra
ou ação produz repercussão.
Uma vez que os seres colhem os frutos de suas ações, segundo as leis de Deus, a responsabilidade é
deles, não de Deus. Ramana constantemente salientava a necessidade de se esforçar.
Ramana dizia que se você fortalecer sua mente, a paz será constante, sua duração é proporcional à
fortaleza mental adquirida através da prática.
Qualquer obstáculo que apareça, por exemplo, que nos impeçam a meditação, a isso se chama destino.
Isto ocorre somente para a mente extrovertida e não para a introvertida. O simples ato de pensar em
tais obstáculos é o maior dos empecilhos.
É inútil dar murro em ponta de faca, rebelar-se contra um destino que não pode ser contrariado, mas
isso não significa que não se deve nunca fazer qualquer esforço, uma vez que desconhecemos nosso
destino.
Pode acontecer de estarmos destinado a um papel em que o esforço seja necessário, neste caso sua
própria natureza levá-lo-á a se esforçar.
A mãe de Venkataraman voltou para sua casa em Madura, e o Swami continuou como antes, mas não
inteiramente. Gradualmente o ascetismo foi diminuindo, alimentando-se diariamente e voltando a falar
algumas vezes.
A palavra Tapas abrange um significado deveras complexo. Ela implica em concentração levando à
austeridade, normalmente como penitência por fraquezas passadas, e ainda extirpar de vez qualquer
desejo de reincidir, refrear a energia que sai e procura um veículo na mente e nos sentidos.
Tapas significa normalmente lutar pela realização através da penitência e da austeridade. Do ponto de
vista de Ramana não havia sequer austeridade, pois tinha deixado completamente de identificar-se
com o corpo envolvido em ascetismos. Ele estava constantemente em profundo Samadhi.
Sua aparente austeridade não era uma busca da Realização, mas um resultado dessa Realização.
Ramana dizia que já não havia Sadhana depois do despertar espiritual.
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A completa absorção no Si, com o esquecimento do mundo manifesto, denomina-se Nirvikalpa Samadhi,
é um estado de bem aventurado transe, mas não é permanente.
Pode-se comparar a um balde de água baixada dentro de uma cisterna. Existe água no balde (a mente),
que se mistura à da cisterna, mas a corda e o balde (o ego) continua a existir, podendo sair novamente
da cisterna.
O estado mais elevado, completo e final, á a Sahaja Samadhi. Trata-se de uma consciência pura e
ininterrupta, transcendendo o plano mental e físico, conservando no entanto total percepção do mundo
manifesto e pleno uso das faculdades mentais e físicas.
Pode-se comparar às águas de um rio misturadas com as do oceano. Nesse estado o ego com todas as
suas limitações é dissolvido para sempre no Si. Trata-se de liberdade absoluta, consciência pura, não
mais limitada ao corpo ou à individualidade.
No caso de um Jnani (iluminado) a existência do ego é apenas aparente. O jnani goza de toda a sua
experiência transcendental, a despeito do parente ego, mantendo sempre sua atenção sobre a Fonte.
Este tipo de ego é inofensivo.
O Arunachala
O monte Arunachala é um dos mais antigos e sagrados da Índia. Ramana declarou que se trata do
coração da Terra, do centro espiritual do mundo. Shankaracharya o chamava de Monte Meru. É a sacra
e secreta sede do coração de Shiva.
Diz uma história que Shiva se manifestou na forma de Arunachala e disse: Assim como a lua recebe do
sol a sua luz, assim também os demais locais sagrados receberão sua santidade do Arunachala. Este é o
único lugar em que assumi esta forma em benefício dos que desejam adorar-me e obter a iluminação.
Somente dois anos após a chegada a Tiruvannamalai é que Ramana passou a viver no monte, até então
ele viveu em alguns templos.
Durante seus primeiros anos na montanha Ramana continuou a guardar silêncio. Ele já tinha um grupo
de devotos, e surgiu um Ashram. Esquilos e macacos achegavam-se a ele e comiam em suas mãos.
Seus verdadeiros ensinamentos eram transmitidos através do silêncio, na tradição de Dakshinamurthi.
Essa forma silenciosa de ensinar era uma influência espiritual direta que a mente absorvia.
Uma devota praticava a concentração entre as sobrancelhas (na ponta do nariz) e via muitas luzes.
Ramana desaconselhou a prática e disse: Essas luzes não são o seu objetivo real. Planeje compreender
o Si, nada menos do que isso.
Ramana raramente proibia alguma coisa. A compreensão daquilo que era apropriado e daquilo que não
era tinha que vir de dentro, e não de qualquer autoridade externa.
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A Não-Resistência
Não resistais ao mal. Isso somente é possível para os que se submeteram à Vontade Divina, e aceitam o
que vier como justo e necessário, ainda que para os padrões mundanos possa parecer uma calamidade.
Ramana disse que você agradece a Deus pelas coisas boas que lhe acontecem, mas não lhe agradece as
coisas que lhe parecem más, aí é que você faz mal. A submissão a Deus, ao Guru, ao Si é tudo quanto se
requer, de modo que a própria pessoa permaneça como um impassível espectador.
A renúncia verdadeira
Muitos devotos perguntaram a Ramana se deveriam renunciar a vida ao mundo, pois achavam que a vida
familiar era inferior à vida dos renunciados. Ramana sempre desaconselhava esta medida, ele explicava
que a renúncia não é uma retirada, mas uma ampliação do amor.
Renúncia não significa um despojar-se exterior das roupas e um abandono do lar. A verdadeira
renúncia é a renúncia dos desejos, paixões e vínculos.
Aquele que verdadeiramente renuncia funde-se na realidade com o mundo e estende o seu amor de
modo a abraçar todo o mundo. Quem renuncia sem estar maduro para tanto, cria apenas novos vínculos.
Grandes almas que abandonaram a vida do mundo fizeram-no não por aversão à vida em família, mas em
razão do seu amor imenso e extensivo a todos, homens e criaturas.
Quando sentires amor igual por todos, com certeza não sentirás o desejo de abandonar isso ou aquilo,
irás simplesmente afastar-te da vida mundana, do mesmo modo que um fruto maduro se desprende de
uma árvore. Sentirás que o mundo inteiro é seu lar.
As verdades espirituais são adaptadas às condições de cada época. No mundo moderno há muitos para
quem a renúncia ou mesmo a plena observação de ortodoxia é impossível. A verdadeira renúncia está na
mente, não é absolutamente a renúncia física.
Quer continues no lar ou renuncies a ele e ir para a selva, tua mente é aquilo que irá te atormentar. O
ego é a fonte do pensamento. Ele cria o corpo e o mundo e faz-te pensar que você é um chefe de
família. De pouco adianta a mudança de ambiente.
O obstáculo único é a mente e é preciso superá-lo, seja em casa, num mosteiro ou na floresta.
Portanto, para que mudar de ambiente? Teus esforços podem começar a ser feitos agora mesmo, em
qualquer ambiente.
Ramana explicou também que não é o trabalho que se constitui em obstáculo para a Sadhana, mas tão
somente a atitude mental com que é feito, e que é possível prosseguir em nossas atividades normais,
porém sem vinculações.
O sentimento “eu trabalho” é o obstáculo, pergunta-te a ti mesmo quem trabalha. Lembra-te de quem
és. Então o trabalho não te escravizará. É possível executar todas as atividades da vida com isenção e
apreço exclusivo pelo Si real.
Seja como um ator. Ele se traja, representa, e até mesmo sente o papel que está desempenhando, mas
sabe não ser o personagem e sim uma pessoa diferente na vida real.
Porque haveria a consciência do corpo ou o sentimento de “eu sou o corpo” perturbar-nos quando
sabemos ao certo que não somos o corpo, mas o Si?
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Não é preciso renunciar à vida ativa. Se você meditar uma ou duas horas por dia, poderá dar
seguimento normal aos deveres.
Com o passar do tempo, você constatará que sua atitude relativamente às pessoas, fatos e objetos irá
gradualmente se modificando. Suas ações tenderão a acompanhar suas meditações.
Um homem deve deixar de lado o egoísmo pessoal que o vincula ao mundo. Abandonar o falso si é a
verdadeira renúncia.
Se todas as pessoas executassem o seu trabalho simplesmente por se tratar do seu trabalho, sem
vaidade ou egoísmo, toda a exploração cessaria. Um médico age de forma mais eficiente quando não
está emocionalmente envolvido.
Mesmo com todas estas explicações, alguns devotos retrucavam que o próprio Ramana havia deixado o
lar, o que ele respondia que todo homem age segundo seu Prarabdha (destino).
A Mãe de Ramana
A mãe de Ramana recebeu um treinamento muito duro. Frequentemente Ramana a ignorava, e dizia
“todas as mulheres são minhas mães, não apenas você”. Isso é o mesmo quando Cristo disse a sua mãe e
irmãos “Todo aquele que faz a vontade do meu Pai Celeste é meu irmão, irmã e mãe.
A mãe de Ramana chorava muito por isso. Mas com o tempo, o sentimento de superioridade por ser a
mãe do Swami desapareceu, o sentimento do ego enfraqueceu e ela se entregou ao serviço dos
devotos.
A comida do Ashram era exclusivamente vegetariana, alguns brâmanes consideravam alguns vegetais
como não sattvicos (impuros). Ramana caçoava deles dizendo “cuidado com essa cebola”, ela é um
grande obstáculo à liberação.
Mas Ramana não era avesso à ortodoxia, ele só combatia os excessos. Ele sempre salientava a
importância da alimentação sattvica.
A prática do vegetarianismo é para evitar tirar a vida de outros seres, e também porque os alimentos
não sattvicos (carnes e alguns vegetais) tendem a aumentar as paixões animais e impede os esforços
espirituais.
A mãe de Ramana se deu conta de que seu filho era uma encarnação divina em duas ocasiões. Uma vez,
estando diante dele, o filho desapareceu dando lugar a um lingam (colunas) de luz pura. Outra vez ele
apareceu engrinaldado e rodeado de serpentes, conforma a representação convencional de Shiva.
A finalidade dessas visões era fazê-la compreender que a forma de seu filho por ela conhecida e
amada era tão ilusória como qualquer outra que ele pudesse assumir.
Em 1920 a saúde da mãe começou a falhar. Durante a doença Ramana cuidou dela com constância. Em
silêncio e meditação a compreensão da mulher amadureceu.
Em 19 de maio de 1922, não houve como prolongar a sua vida, apenas como apaziguar a mente de modo
que a morte fosse como a absorção no Si. Após sua morte Ramana ergueu-se bastante alegre e disse,
agora podemos comer, venham não há poluição.
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Uma morte hindu envolve poluição ritualística e exige ritos purificadores, mas ali não se tratava de
morte e sim reabsorção. Não havia alma desencarnada, mas sim uma perfeita união com o Si, e por isso
não era necessária quaisquer ritos purificadores.
Posteriormente, Ramana disse, ela não morreu, foi absorvida. A alma foi despojada de sua sutil
vestimenta antes de atingir o seu destino final, a Paz Suprema da Libertação da qual não se volta à
ignorância.
Embora muito forte a ajuda dada por Ramana, foi a santidade da mãe dele, sua renúncia ao orgulho que
lhe permitiram a absorção. Ramana depois disse, sim, no caso dela foi um sucesso, numa tentativa
anterior com outro devoto, houvera um fracasso, embora houvera a garantia de um bom renascimento.
Ramana lembrava sempre que apenas o corpo morre, e apenas a ilusão do “eu sou o corpo” faz a morte
parecer uma tragédia.
Desde que Jnana e Mukti não diferem em função do sexo, o corpo de uma mulher santa também
dispensa cremação. O corpo da mãe foi enterrado no sopé do monte Arunachala.
Advaita
Aos 16 anos Ramana percebeu sua identidade com o Absoluto. Ele não sabia ainda que existia uma
essência ou Ser Impessoal subjacente a tudo, e nem que Deus e eu éramos idênticos a ela. Mais tarde,
lendo livros sagrados, aprendi tudo isso, e percebi que ensinava tudo intuitivamente.
A abordagem religiosa através do amor e adoração de um Deus Pessoal existe, assim como existe a
abordagem através do serviço.
No entanto, o reconhecimento do Ser Puro como o Si de cada um e o Si do universo e de todos os
Seres é a verdade suprema e última, transcendendo todas as outras abordagens.
Esta é a doutrina Advaita, porém ela não nega a verdade em cada plano de manifestação. O Advaita foi
ensinado por antigos Rishis e especialmente por Shankaracharya. É a abordagem mais simples e ao
mesmo tempo a mais profunda, sendo a verdade última.
Advaita significa não dualidade, que existe apenas o Absoluto. Todo o Cosmos existe dentro do
Absoluto e não tem realidade intrínseca, apenas manifesta o Absoluto.
Isto significa que o Absoluto é o Si do Cosmos e de todos os seres. Assim sendo, ao procurar-se o Si
através da constante investigação “Quem sou eu?” torna-se possível ao homem compreender sua
identidade com o Ser Universal. Ramana ensinava o mais puro Advaita.
A doutrina do Si único não nos priva de um Deus pessoal, pois enquanto perdurar a realidade do ego
que reza, durará a realidade do Deus para quem se reza. Enquanto o homem aceitar seu ego como uma
realidade, o mundo externo e Deus também serão realidades para ele.
Este é o nível de uma religião dualista (dvaita) e um Deus pessoal. É verdadeiro, porém não é a Verdade
última. Ramana disse:
Shankaracharya foi criticado por sua filosofia de Maya (ilusão), mas ele foi mal compreendido. Ele fez
três assertivas “Brahman é Real”, “O universo é irreal”, “Brahman é o universo”. Shankara não se
deteve na segunda assertiva.
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A terceira explica as duas primeiras, significa que quando o universo é percebido à parte de Brahman,
tal percepção é falsa e ilusória. Em suma, os fenômenos são reais quando percebidos como o Si e
ilusórios quando vistos à parte do Si.
Assim como Buda, Ramana recusava-se com frequencia a satisfazer determinadas curiosidades. Ele
costumava dizer “Porque desejas saber o que será depois da morte antes de saber o que é agora?”
Descubra primeiro Aquilo que é.
Um homem é agora e para sempre o Si imortal por detrás desta e de outras vidas, mas dizer isso não
basta, é preciso lutar para compreendê-lo. Por que deseja saber a respeito de Deus antes de saber de
si próprio? Descubra primeiro aquilo que és.
Ramana não instruía seus discípulos a pensar na solução dos problemas, mas sim a eliminar o
pensamento. Acabar com o pensamento não é imbecilidade.
Um homem é idêntico ao Si, que é Ser puro, pura consciência, pura Bem aventurança, mas a mente cria
a ilusão de uma individualidade em separado.
Durante o sono profundo a mente se aquieta e o homem se torna uno com o Si, mas de uma forma
inconsciente (no aspecto mente). No Samadhi o homem se torna uno com o Si, de uma forma
plenamente consciente (inclusive na mente), não no escuro, mas à luz plena.
Se a interferência da mente é suprimida, a consciência do Si pode, pela graça do Guru, despertar no
coração, preparando o caminho da abençoada Identidade, de um estado que não é torpor ou ignorância,
mas fulgor. Sabedoria, puro ser.
Muitos repugnam a ideia da destruição da mente ou da individualidade separada, achando-a
aterrorizante. Contudo isso acontece diariamente durante o sono, e não temos medo de dormir,
consideramos o sono agradável, ainda que no sono a mente só seja aquietada de uma forma ignorante.
A verdade é que a individualidade não se perde, mas se amplia ao infinito. A eliminação dos
pensamentos é como o propósito de concentrar na consciência mais profunda que há por detrás e além
do pensamento. Longe de enfraquecer a mente, ela a fortalece, pois ensina a concentração.
A mente débil e sem controle é constantemente distraída por pensamentos irrelevantes e perturbada
por preocupações inúteis. A mente forte o suficiente para concentrar-se, seja no que for, pode voltar
sua concentração no sentido da eliminação dos pensamentos na busca do Si.
Quando a busca é consumada, as faculdades da mente não se perdem. A mente do Jnani é como a luz
da lua ao meio dia, ela é iluminada, mas esta luz não é necessária frente à luz do sol que a ilumina, tem
um brilho imensamente maior.
Perguntas e respostas de alguns dos primeiros devotos
Embora nunca variasse a doutrina ensinada por Ramana, a forma de ensinar mudava em função do
caráter e da compreensão daquele que perguntava.
P: Quem sou eu? E como poderei obter a salvação?
R: Através de uma profunda e incessante investigação “Quem sou eu?”, conhecerás a ti mesmo e
consequentemente conseguirás a salvação.
O verdadeiro Si não é o corpo, nem os cinco sentidos, nem qualquer dos órgãos de ação, nem o prana,
nem a mente, nem mesmo o estado de profunda sonolência em que não se tem consciência das coisas.
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Após chegar a cada um destes itens e dizer “isto eu não sou”, aquilo que restar é o Eu, e isso é
consciência.
A natureza dessa consciência é Sat-Sit-Ananda (Ser, consciência, bem aventurança) em que não existe
o mais leve indício do pensamento-Eu. Chama-se também Mouna (silêncio) ou Atma (Si). Deus ego e
mundo são na realidade Shivaswarupa (a forma de Shiva) ou Atmaswarupa (a forma do Espírito).
Quando as coisas vistas desaparecem, a verdadeira natureza daquele que vê, ou sujeito, aparece. Os
objetos externos desaparecem, quando a mente que é a causa de todos os pensamentos desaparece.
A mente é apenas pensamentos. É uma forma de energia e manifesta-se como o mundo. Quando a
mente mergulha no Si, então o Si é compreendido.
A mente só irá desaparecer através da investigação “Quem sou eu?”. Embora tal investigação também
seja uma operação mental, ela destrói todas as operações mentais, incluindo-se a si mesma.
Faça aquilo que fizer, faça-o sem egoísmo, isto é, sem o sentimento de “estou fazendo isso”. A
veradeira Bhakti (devoção) é a rendição do ego ao Eu.
Não há outro método adequado senão a auto-investigação. Por outros meios, depois de algum tempo, a
mente ressurgirá, reassumindo sua antiga atividade.
Quanto mais a gente se recolhe dentro do Si, as vasanas (tendências) murcham até desaparecerem.
Se a mente for constantemente orientada no sentido do Si, pela investigação, ela será eventualmente
dissolvida e transformada no Si. Ao sentires alguma dúvida não busque elucidá-la, antes disso procura
saber quem é aquela pessoa a quem a dúvida ocorre.
A investigação deve ser feita enquanto houver em sua mente o mais leve traço capaz de provocar
pensamentos. Cada vez que um pensamento surgir, esmaga-o com esta investigação. Esmagar todos os
pensamentos no nascedouro chama-se vairagya (desapego).
Vichara será necessária até que o Si seja totalmente compreendido. O que se requer é uma contínua e
ininterrupta lembrança do Eu.
Deus não tem propósitos. Ele não está preso a qualquer ação. Tome como exemplo o sol que se ergue
sem desejo, propósito ou esforço.
O sol não se deixa afetar por estas atividades, pois atua segundo sua própria natureza, de acordo com
leis fixas, e não passa de uma testemunha. Assim também acontece com Deus.
Deus não tem qualquer desejo ou propósito em seus atos de criação, manutenção, destruição, retirada
e salvação a que os seres estão sujeitos.
À medida que os seres colhem os frutos de suas ações em obediência às Suas leis, a responsabilidade é
deles e não de Deus. Deus não está preso a quaisquer ações.
Um avatar é apenas uma manifestação de um aspecto de Deus, ao passo que um Jnani é Deus
propriamente dito.
Será melhor que deixe tudo a cargo do Senhor. Ele arcará com tudo, e você ficará livre de todos os
encargos. Ele fará a sua parte.
P: Mestre, poderei eu ajudar o mundo?
R: Ajuda-te a ti mesmo e estarás ajudando o mundo. Estás no mundo, és o mundo. Não és diferente do
mundo, nem é o mundo diferente de ti.
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Um Mestre é alguém que meditou apenas em Deus, atirou toda a sua personalidade no mar de Deus,
afogou-a e esqueceu-a ali, até tornar-se apenas o instrumento de Deus.
Quando sua boca se abre fala palavras de Deus sem esforço nem planejamento prévio, e quando age,
Deus flui através Dele realizando milagres.
A ideia de que um Mestre seja alguém que desenvolveu poderes sobre forças e sentidos ocultos é
absolutamente falsa. Mestres não dão atenção aos poderes ocultos, pois não necessita deles na vida
cotidiana.
Não fixe sua atenção sobre coisas mutáveis da vida, morte e fenômenos. Fixe somente naquilo que vê
essas coisas, aquilo que é responsável por tudo. Tente manter a mente fixada Naquilo que vê.
Que o seu pensamento durante a meditação não repouse sobre o ato de ver, nem sobre aquilo que é
visto, mas somente sobre Aquilo que vê.
Não há qualquer recompensa pelo êxito. Como disse Krishna, Tendes direito de trabalhar, mas não
colher os frutos.
Se você compreender que pensas apenas em virtude da única Vida, e que a mente é uma parte do todo
que é Deus, então saberás que sua mente não tem existência como entidade separada, e a única coisa
remanescente é o Ser.
Um Mestre pode usar a mente, o corpo e o intelecto sem cair na ilusão de que tem uma consciência em
separado. Inútil é especular ou tentar uma compreensão mental ou intelectual. Todo separatismo é
ilusório.
A religião, seja cristianismo, budismo, hinduísmo, teosofia, ou qualquer tipo de “ismo” ou “Sofia”, pode
nos levar somente àquele ponto em que todas as religiões se encontram, nunca além. É preciso deixar
de chamar as coisas de coisas, e chamá-las de Deus.
O verdadeiro conhecimento vem de dentro e não de fora. Ele é “Ser” e não “Saber”. Compreensão nada
mais é do que ver Deus literalmente. Nosso maior erro é pensar em Deus agindo simbólica e
alegoricamente, e não de forma prática e literal.
O homem luta pela liberdade a cada pecado que comete. Esta luta pela liberdade é a primeira ação
instintiva de Deus na mente humana. Mas o homem só conquista a liberdade ao perceber que nunca
esteve preso.
Ramana e os Animais
O hinduísmo diz que depois da morte, aquele que não dissolveu a ilusão de uma individualidade
separada, passa a um estado de céu ou inferno em função do bom ou mau karma, e que depois desse
período, volta à Terra tendo um nascimento elevado ou rasteiro também segundo seu karma, a fim de
cumprir seu Prarabdha ou destino de uma vida.
Durante sua vida ele acumula novo karma que é acrescentado ao seu sanjitha-karma, ou resíduo do seu
karma já acumulado que não é prarabdha.
Assevera-se que é possível fazer progresso e cumprir todo o karma ao longo de uma vida humana; no
entanto, Ramana indicou que também é possível que os animais estejam cumprindo o seu karma.
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Ramana disse: - Não sabemos que almas poderão estar ocupando estes corpos, e para concluir que
parte do seu karma incompleto, estarão procurando a nossa companhia. Shankaracharya também
afirmou que os animais podem chegar à liberação.
Ramana mostrava a mesma consideração para com os animais que o destino punha em contato com ele e
para com as pessoas. E os animais não se sentiam menos atraídos por ele do que as pessoas. Os
pássaros e esquilos costumavam construir seus ninhos em torno dele.
Ramana jamais se referia a um animal usando o pronome neutro, mas empregava sempre "ele" ou "ela".
Já deram comida aos rapazes? Se referindo aos cães do Ashram.
Na hora das refeições os cães eram os primeiros a serem servidos, a seguir os mendigos que por
ventura ali estivessem e por fim os devotos. Os esquilos costumavam saltar a janela e vir até o seu
sofá e ele tinha sempre uma reserva de amendoins para eles.
Os animais sentiam-lhe a Graça. Os animais sentiam a total ausência de medo e raiva de Ramana. . Não
permitia que se matassem cobras onde residia, viemos até os seus domínios e não temos o direito de
perturbá-las. Elas não nos incomodam.
Certa vez Ramana disse a um devoto que trouxe seu cão: Vê que alegria ele demonstra? É uma alma
elevada que tomou esta forma canina.
Quando cães do Ashram morriam, Ramana providenciava um enterro condigno para o corpo, sendo uma
lápide colocada sobre o túmulo.
Grande foi a sua intimidade com os macacos. Ele os observava atentamente, com o amor e a
compreensão que um Jnani tem por todos os seres. Ramana costumava dizer que os macacos
reconheciam-no como um membro da sua comunidade e aceitavam-no como árbitro em suas disputas.
O mais apreciado de todos os devotos animais de Ramana foi a vaca Lakshmi. A vaca teve certo número
de bezerros, três pelo menos no dia do aniversário de Ramana.
Quando Lakshimi caiu doente, Ramana olhou-a nos olhos e descansou a mão na sua cabeça, como que a
dar-lhe iniciação. Ele estava contente porque o coração de Lakshmi estava isento de toda vasana
(tendência latente) e totalmente focalizado em Ramana.
Lakshmi manteve-se consciente até o fim; seus olhos estavam calmos. Foi enterrada no Ashram com
todos os ritos funerários. Uma pedra quadrada foi colocada sobre o seu túmulo. Sobre a lápide havia
um epitáfio escrito por Ramana declarando que ela conseguira Mukti (Liberação).
Sri Ramanashram
Identificar-se com o corpo é uma ignorância primordial, que é a causa principal de todos os problemas.
Até que essa ignorância seja liquidada, até saberes que és natureza sem forma, será mero pedantismo
discutir acerca de Deus, e querer saber se Ele é com forma ou sem forma.
Um erudito questionou Ramana quanto ao caminho a ser tomado, Ele respondeu “Tome o caminho pelo
qual veio”. O único caminho é a volta às Origens, o retorno ao lugar de onde você veio.
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A Vida com Sri Bhagavan
É tradição hindu que homens e mulheres sentem-se separados e Ramana aprova a medida, pois o
magnetismo entre os sexos pode perturbar o magnetismo espiritual. Os homens sentavam-se à
esquerda e as mulheres à direita de Sri Bhagavan.
As refeições eram normalmente arroz, legumes e condimentos. Comer para os hindus é uma ocupação
total, sem qualquer falatório. Após serviam também leite, frutas e doces.
Ramana quase nunca falava de doutrina, a não ser para responder alguma pergunta, e não o faz em tom
pontifical, mas de forma coloquial com espírito e risos.
Um teosofista indagou se Ramana aprova a procura dos Mestres invisíveis a ele, ele respondeu: Se são
invisíveis como pode vê-los. Retrucaram, em consciência. Em consciência não há outros disse Ramana.
Quando dizemos que o Ser é Um, atribuímos plena realidade ao mundo e também plena realidade a
Deus. Se dissermos que há dois ou três, damos apenas meia realidade ou um terço a realidade do
mundo ou a Deus.
O verdadeiro aniversário de uma pessoa é quando ela entra Naquilo que transcende o nascimento e a
morte.
Pelo menos no dia do aniversário deve-se lamentar a nossa entrada neste mundo (samsara). Glorificar e
celebrar o aniversário é o mesmo que regozijar-se com um cadáver e enfeitá-lo. Procurar o próprio Si
e amalgamar-se nele é sabedoria.
Upadesa de Ramana (ensinamentos espirituais)
Ramana era acessível a todos, a orientação dada a cada discípulo era direta e adaptada ao seu caráter.
Uma vez interpelado por Yogananda acerca de instrução espiritual disse que depende do
temperamento e da maturidade espiritual do indivíduo, não pode haver instrução em massa.
A realização só é possível através da Graça de um Guru. O termo Guru pode ser usado em três
sentidos:
Uma pessoa que mesmo sem dotes espirituais tenha sido investida (como um padre) do direito de dar
iniciação e Upadesa (instrução). Com frequência é um cargo hereditário.
Um Guru pode ser alguém que além do que foi dito acima, tenha alguns dotes espirituais e possa dirigir
seus discípulos através de uma upadesa mais potente, até o ponto em que ele próprio chegou.
No sentido mais elevado, Guru é aquele que compreende a Unicidade com o Espírito que é o Si de tudo
que existe. Este é o Sat-Guru.
Ramana disse: Deus, Guru e Si são a mesma coisa. O Guru é aquele que em todas as ocasiões mora nas
profundezas do Si. Ele jamais vê diferenças entre si e os outros. Jamais pensa ou diz que é um
iluminado. Sua firmeza ou autodomínio jamais pode ser abalado.
Submissão a tal Guru não é submissão a alguém estranho à própria pessoa, mas ao Si manifesto
exteriormente a fim de ajudara pessoa a descobrir o Si interior. O Mestre está no interior, a
meditação destina-se a suprimir a ideia errônea de que Ele está apenas no exterior.
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Mas enquanto pensares que és separado ou és o corpo, o Mestre exterior será necessário e aparecerá
como que com um corpo (vide exemplo de Jung). Quando a enganosa identificação da pessoa com o
corpo cessa, descobre-se que o Mestre não é outro senão o Si.
Em todo aquele que é um Guru, não resta nenhum ego para afirmar a identidade. Ele também não diz
que tem discípulos.
Embora o Jnani seja Uno com o Absoluto, seus traços característicos continuam a existir
exteriormente como um veículo da sua manifestação, ele não deixa de possuir características humanas.
O Guru ou Jnani não vê diferença entre si e os demais. Para ele todos são Jnanis. Como pode então um
Jnani ter discípulos? Mas aquele que não é liberado vê tudo como múltiplo, portanto para ele a relação
Guru-discípulo é uma realidade.
Existem três formas de iniciação: pelo tato, pelo olhar e pelo silêncio. O método de Ramana era pelo
silêncio.
A iniciação pelo olhar ou pelo silêncio tornou-se muito rara nos dias atuais. É o método de
Dakshinamurthi, e é a forma de iniciação adequada ao caminho da Vichara ou autoinvestigação que
Ramana ensinava.
A iniciação pelo olhar era uma coisa muito real. Ramana voltava-se para o devoto com os olhos fixos
nele, com furiosa concentração, interrompendo totalmente o processo de raciocínio. Às vezes, a
iniciação era dada até em sonho.
Quanto à Graça, Ramana ilustrava que embora o sol esteja brilhando, é preciso fazer o esforço de
voltar-se em sua direção para que se possa vê-lo. Aquele que conquista a Graça do Guru, sem dúvida
alguma será salvo e jamais será esquecido.
Um devoto que não sentia progresso disse “temo que se continuar assim irei para o inferno”. Ramana
replicou: “Se fores, irei atrás e te trarei de volta”.
A realização é o resultado da Graça do Guru, mais do que os ensinamentos, conferências, meditações,
etc. Estas são apenas secundárias, mas a Graça é a causa primeira e essencial.
O Guru não precisa necessariamente ter forma humana. Qualquer forma do mundo pode ser seu Guru.
Um Guru é absolutamente necessário.
Guru é Deus ou o Si. Primeiro um homem reza a Deus para conseguir seus desejos. Depois para essa
prática e reza apenas a Deus. Então Deus lhe aparece sob uma forma qualquer, humana ou não, a fim de
guiá-lo como um Guru em resposta às suas orações.
Duas coisas têm de ser feitas, primeiro encontre o Guru fora de você mesmo, depois encontre o Guru
interior.
Ser Guru é dar iniciação e upadesa. Não há upadesa sem o ato primeiro da iniciação, e a iniciação não
tem sentido a menos que seguida de upadesa.
Ramana também dizia que a trilha da devoção é a mesma que a da submissão, já que todos os encargos
recaem sobre o Guru. Ele disse a um devoto: Submete-te a mim e eu abaterei sua mente. Para outro,
disse: Apenas fique quieto, Bhagavan fará o resto.
Ele repetia sempre: Há duas maneiras, ou pergunta-te a ti mesmo “Quem sou eu?” ou entrega-te ao teu
Guru. Todavia, render-se, manter a mente quieta e estar plenamente receptivo à Graça do Guru não é
fácil, requer esforços constantes.
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Muitos faziam uso de práticas devocionais ou de outra natureza como auxiliares, Ramana endossava
tais práticas, embora raramente as prescrevesse. O mais poderoso meio auxiliar era o poder de Sat
Sangh, que é a associação com alguém que compreendeu Sat ou Ser.
Se permaneceres em companhia de um Jnani, este te dará o pano já tecido, sendo que em outros
métodos recebe-se o fio e se é obrigado a tecer o tecido.
O método que Ramana sempre preconizava era a Vichara, a pergunta “Quem sou eu?” Ele dizia que é o
único meio infalível, o único meio direto para compreender o Ser incondicionado e absoluto que
realmente somos.
Outras tentativas de destruir o ego ou mente através de sadhanas que não sejam a Vichara é como o
ladrão transformando-se em policial para apanhar-se a si próprio.
Apenas a Auto-investigação pode revelar a verdade de que nem o ego nem a mente existem realmente.
Tendo compreendido o Si, nada mais resta para ser sabido, pois Ele é a perfeita bem-aventurança e é
o Tudo.
A finalidade da Auto-investigação é focalizar toda a mente em sua origem, fazê-la voltar-se para
dentro de si mesma. Não é o caso de um Eu em procura de outro Eu.
Sente-se meditando e pergunte “Quem sou eu?” Focalizando ao mesmo tempo a atenção no Coração,
não o órgão físico à esquerda do peito, mas o coração espiritual que fica à direita do peito.
O Coração espiritual não é um dos chakras, é o centro e a fonte do ego-si e a morada do Si, e o lugar
de união. O local do coração espiritual é confirmado na língua malalaia sobre Ayurveda (medicina
espiritual).
Trataremos mais do coração espiritual quando falarmos do livro “O evangelho de Maharshi”. Como
exemplo, sempre que nos referirmos a nós mesmos, geralmente apontamos o dedo para o lado direito
do peito, é intuitivo.
A prática da Vichara é concentrar-se no coração à direita e perguntar “Quem sou eu?” Quando
surgirem pensamentos durante a meditação deve-se evitar dar-lhes continuidade, mas observá-los e
indagar “O que é este pensamento?” De onde veio? E a quem? A mim...(seu nome) e de novo “Quem sou
eu?”
Assim, todo pensamento desaparece quando esmiuçado e reduzido ao pensamento básico do eu. Esta
prática faz o que a psicanálise pretende fazer, filtra a sujeira do subconsciente, a traz à luz e a
destrói.
Sim, todos os tios de pensamento surgem durante a meditação. O que está escondido é trazido para
fora. É a única forma de serem destruídos.
Todos os pensamentos são inconsistentes com a Realização. O correto é excluir os pensamentos de si
mesmo e todos os demais pensamentos. Pensamento é uma coisa e Realização é coisa bem diferente.
Não há resposta para a pergunta Quem sou eu, pois se trata da dissolução do pensamento do eu, que é
pai de todos os outros pensamentos. Não se deve dar respostas à investigação tais como “eu sou
Shiva” (Sivoham). A resposta verdadeira virá por si, nenhuma resposta dada pelo ego pode ser certa.
Vichara deve ser constante, até que se torne contínuo, não apenas durante a meditação, mas estando
na base de tudo quanto se diz e faz. Até mesmo quando temos este sucesso, pois o ego tentará
estabelecer uma trégua com a corrente de consciência.
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Uma vez tolerada tal trégua, o poder do ego começará a crescer gradualmente, e tentará restabelecer
sua supremacia. Deve-se levar a investigação até o fim, independente de poderes, visões, percepções
que possam vir a ocorrer.
Na verdade, visões e poderes podem se transformar em motivos de recreação, aprisionando a mente
tão eficazmente como o apego ao poder físico ou ao prazer. O desejo de tais coisas é mais lesivo do
que a sua própria posse.
Manter-se firme na Realidade, que é eterna, é o verdadeiro Siddhi. O oculto é um obstáculo ao
espiritual. Os poderes, e mais ainda o desejo de poderes entravam o aspirante.
Não devemos aceitar poderes taumatúrgicos nem mesmo quando nos são oferecidos, pois eles são como
cordas para prender um animal. A suprema liberação não está nos poderes, ela só é encontrada na
consciência infinita.
Vichara deve ser uma técnica de vida. Sadhana resume-se num ataque ao ego, e nenhum êxtase ou
meditação pode conduzi-lo ao sucesso enquanto o ego permanecer entrincheirado na esperança e no
medo, ambição e ressentimento, em qualquer espécie de paixão ou desejo.
O ego é sutil e tenaz e se refugiará até mesmo nas próprias ações destinadas a destruí-lo,
vangloriando-se de se humilhar, ou gozando ao entregar-se à austeridade.
A auto investigação diária, perguntar-se de quem é aquele a quem os pensamentos ocorre, é um
poderoso plano de campanha. Especialmente quando se trata de pensamentos emocionais, tem
tremenda potência e atinge as raízes das paixões.
Alguém foi magoado e se ressente disso...Quem foi magoado ou está ressentido? Quem está
satisfeito, raivoso, ou triunfante?
Quando caímos no devaneio, ou vislumbramos triunfos, o ego se estufa, assim como se esvazia com a
meditação. Quando ele se estufa, requer-se força e vigilância e redobrar a prática de Vichara.
Nas atividades da vida, Ramana também preconizava submissão e obediência à Vontade Divina, lado a
lado com a Vichara. Todas as recomendações que dava convergem para o ponto de enfraquecer o autointeresse e derrubar a ilusão do eu sou o autor.
O resultado da atividade de uma pessoa está nas mãos de Deus, a única responsabilidade que cabe à
pessoa é a pureza e o desinteresse com que obra.
Por que se preocupar com o futuro? Nem mesmo conhecemos adequadamente o presente. Cuide do
presente que o futuro cuidará de si. Há alguém que governa o mundo, e cabe a Ele tomar conta do
mundo.
Aquele que deu a vida ao mundo sabe também cuidar da sua criatura. Ele suporta o fardo do mundo,
não você. Assim como você é, assim é o mundo. Sem compreender-se a si mesmo que adianta tentar
compreender o mundo?
As pessoas costumam esbanjar suas energias com tais assuntos. Primeiro descubra a Verdade interior
a si (o ego), então poderá compreender a verdade do mundo. O verdadeiro Si não é uma parte do
mundo, mas o Criador do mundo.
Jnana marga e Karma marga estão agora fundidos num só caminho, formando um caminho novo
adequado às condições de nossa época, um caminho que deve ser trilhado no silêncio, tanto na vida
cotidiana como numa gruta ou ashram.
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Obviamente este novo caminho também inclui Bhakti, pois gera amor puro, amor pelo Eu o Guru
interior, amos por Deus. O eterno, ininterrupto e natural estado de residência no Eu é Jnana. Para
residir no Eu é preciso amar o Eu.
Uma vez que Deus é na verdade o Eu, o amor do Eu é o amor de Deus, e isso é Bhakti. `Portanto, Jnani
e Bhakti é a mesma coisa. Jana não exclui Bhakti, e Bhakti não exclui Jnana.
A submissão ao Guru exterior leva ao Guru interior que a Vichara procura descobrir. A Vichara leva à
quietude e submissão. Os métodos indiretos da sadhana buscam antes fortalecer e consolidar a mente.
Sem dúvida, a mente tem de ser fortalecida e purificada antes de entregar-se, mas com o uso da
Vichara, isso acontece automáticamente. Porém o método da Vichara é para as almas maduras.
As almas ainda não maduras devem seguir outros métodos que levam ao fortalecimento e purificação
da mente. Os outros métodos incluem observâncias religiosas, meditação, invocação, mantras, controle
da respiração, etc. Estes outros métodos podem também ser usados ao mesmo tempo da Vichara.
Todos os outros métodos acabam, por fim, conduzindo à Vichara. Pratiquem Vichara juntamente com a
concentração no coração.
A Graça do Guru é com um oceano. Se alguém vem com uma xícara, não leva senão uma medida. É inútil
queixar-se da avareza do oceano. Quanto maior o vaso tanto mais poderá carregar. Tudo depende da
pessoa.
Nesta era especialmente negra (Kali Yuga), é difícil encontrar um Guru. Ramana tomou forma na terra
como o Sad-Guru, o divino guia, e proclamou um sadhana acessível a todos.
Os ensinamentos de Ramana são a essência de todas as religiões, proclamando abertamente aquilo que
está oculto. O Advaita é o postulado central do taoísmo e do budismo, a doutrina do Guru interior é a
doutrina do “Cristo em você”.
Os Devotos
A auto-investigação é chamada de Jnana marga, a trilha do conhecimento, mas o que se visa é a
compreensão do coração, não o conhecimento teórico que pode ser um ajutório mas pode ser também
um estorvo.
Ramana desaconselhava excentricidade no vestir ou nos modos, bem como qualquer demonstração de
êxtase. Ele não provocava grandes transformações nos devotos, pois tais transformações podem ser
uma estrutura sem fundações e ruir a qualquer instante.
É o Guru e não o discípulo quem vê o progresso feito, cabe ao discípulo seguir com perseverança em
seu trabalho, mesmo que a estrutura que esteja sendo erguida não lhe seja visível.
Ramana não recomendava qualquer exagero como a mouna (silêncio), salientando que a fala é uma
válvula de segurança, e que é melhor controlá-la do que renunciar a ela.
A verdadeira mouna está no coração e é possível permanecer calado em meio a falação, da mesma
forma que é possível estar solitário em meio à multidão.
Ramana ensinava as pessoas passarem do prazer e da dor, da esperança e da ansiedade, que são
causados pelas circunstâncias, à felicidade interior que é a nossa verdadeira natureza.
Se vierem as aflições não procure suprimi-las, pergunte “a quem sobreveio esta aflição?”... “Quem sou
eu?”.
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Raramente Ramana servia-se de poderes sobrenaturais. Certa vez, uma criança foi picada por uma
cobra, e já estava azul e ofegante. Ramana passou a mão sobre a criança e disse “você está bem”. E a
criança ficou bem.
Mahasamadhi
A partir de 1947 a saúde da Ramana foi motivo de alarme. O reumatismo lhe aleijara as pernas e
atacara as costas e ombros. Havia uma grande impressão de debilidade. Ele não tina ainda setenta
anos, mas aparentava muito mais. Mesmo assim, ele não tinha o menor vestígio de preocupações.
Para Ramana a vida não era nenhum tesouro que merecesse ser economizado, era-lhe indiferente
quanto tempo iria durar.
Aquele que toma sobre si os pecados do mundo, aquele que alivia o karma dos devotos...foi apenas à sua
custa que Shiva bebendo o veneno, pôde salvar o mundo da destruição. Ó Shiva, Senhor da vida, Vós
também carregais o fardo da vida temporal de Vossos devotos.
Há muitos indícios que Ramana, mesmo fisicamente arcava com tal fardo.
Em princípios de 1949 apareceu um nódulo no cotovelo esquerdo que foi diagnosticado como maligno.
Ele fez tratamento com radioterapia, mas o tumor voltou. Os médicos sugeriram a amputação do
braço, mas há a tradição de que o corpo de um Jnani não pode ser mutilado.
Ramana negou-se a aceitar a amputação, e disse “O corpo em si já é uma doença”, deixe-se que chegue
a um fim natural. Para Ramana a morte não era motivo de alarme.
Terá Ramana realmente sofrido? Ele disse: confundem este corpo com Bhagavan e atribuem-lhe
sofrimentos. Que pena! Onde está a dor se não existe mente? No entanto ele exibia reações físicas
normais e sensibilidade a calor e frio.
Ramana disse a outro devoto: Se a mão de um Jnani fosse cortada, e estando sua mente em estado de
graça, ele não sentiria dor tão intensamente quanto outras pessoas. Não se trata que o corpo de um
Jnani não sofra lesões, mas de que este não se identifica com o corpo.
Os médicos que tratavam Ramana ficaram estupefatos ante a indiferença dele com a dor. A questão
do sofrimento e do karma existe apenas do ponto de vista da dualidade, do ponto de vista do Advaita,
de Ramana, sofrimento e karma não tem qualquer realidade.
O tumor crescia e de vez em quando Ramana admitia “Há dor”, mas nunca dizia “Estou com dor”.
Ramana foi submetido a mais uma cirurgia e radioterapia. Ele estava exausto, mas não havia sinais de
sofrimento em seu rosto.
Houve ainda mais uma cirurgia. A ferida nunca mais cicatrizou. Os médicos diziam que a dor devia ser
horrível. Às vezes ouviam-no gemer durante o sono.
O Jnani não fica ansioso por livrar-se do seu corpo, ele é indiferente à existência ou não existência do
corpo, quase não se percebendo dele.
Um devoto implorou para que Ramana tivesse um único pensamento de sarar. Ele replicou; “Quem
poderia ter um pensamento desses!” A personalidade que poderia opor-se à marcha do destino já não
existia nele.
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“Dizem que estou morrendo, mas não vou embora, para onde poderia ir?”. No dia 13 de abril um médico
tentou ministrar-lhe um remédio, ele disse: Não é necessário, tudo estará bem dentro de dois dias.
Daqui por diante já não importa o tempo.
Seu corpo foi enterrado com honras divinas. Foi colocado um lingam de pedra negra polida, o símbolo
de Shiva acima do túmulo.
Presença contínua
Houve santos que prometeram voltar à Terra para de novo orientar seus devotos em novas vidas, Mas
Ramana era um Jnani completo, em quem não havia nem mesmo vestígio de um ego que fizesse prever
um renascimento. Sua promessa foi “Não irei embora, estou aqui”.
Para o Jnani não há mudanças, não há tempo, não há diferenças entre passado e futuro, não há partida,
apenas o eterno “Agora”. Aquele que ganhou a graça do Guru será salvo e jamais será esquecido.
Não é uma nova religião que Ramana trouxe à Terra, mas uma nova esperança, para aqueles que
compreendem e aspiram nesta era espiritualmente negra. Para todos quantos procuram, Sri Bhagavan
continua aqui.
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Os Ensinamentos de Ramana Maharshi em
suas próprias palavras
Arthur Osborne
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A Teoria Básica
Os leitores de índole mais filosófica podem achar estranho que o primeiro capítulo desta obra seja
intitulado ‘A Teoria Básica’. Pode lhes parecer que a obra toda deveria ser dedicada à teoria.
Na verdade, Ramana Maharshi estava muito mais envolvido com o trabalho prático de treinar os
aspirantes do que com a exposição da teoria. A teoria tinha a sua importância apenas como base para a
prática.
Dizem que o Buda ignorava perguntas sobre Deus, e por isso ele era chamado de agnóstico. Na verdade
o Buda apenas se ocupava em guiar o buscador para realizar a Bem-Aventurança aqui e agora,
ignorando discussões filosóficas sobre Deus e outros assuntos metafísicos.
O estudo da ciência, psicologia, fisiologia, etc. muito pouco ajuda a alcançar a Libertação do Ser ou a
compreender intuitivamente a unidade da Realidade.
Um pouco de conhecimento teórico é necessário para o Yoga, e este pode ser encontrado em livros,
mas a aplicação prática é o que é indispensável. Exemplo e a instrução pessoal são as maiores ajudas.
Quanto à compreensão intuitiva, a pessoa pode esforçadamente se convencer da verdade a ser
compreendida pela intuição, da sua função e natureza, mas a intuição real é mais um sentimento, e
requer um contato concreto e pessoal.
O mero aprendizado de livros não é de grande utilidade. Depois da Realização todas as cargas
intelectuais viram fardos a serem jogados fora.
Preocupação com teoria, doutrina e filosofia pode ser danoso, na medida em que distrai a pessoa do
esforço espiritual, que é o que realmente importa, oferecendo uma alternativa mais fácil, meramente
mental.
Os pouco instruídos se libertam mais facilmente do que aqueles cujo ego não se abrandou apesar de
toda a sua cultura. Os chamados homens sem cultura estão livres do domínio implacável do demônio da
auto-fascinação.
Em última análise, até mesmo as escrituras são inúteis. As escrituras servem para indicar a existência
do Poder Maior, ou Eu Real, e apontar o caminho rumo a Isto. Este é seu propósito essencial, e fora
disso elas são inúteis.
Às vezes Ramana expunha a filosofia em toda a sua complexidade, mas fazia isso apenas como uma
concessão à fraqueza daqueles que estavam viciados ao pensamento.
O labirinto complexo da filosofia das várias escolas tem como propósito apenas clarificar os assuntos
e revelar a Verdade, mas na verdade, o que faz é criar confusão quando nenhuma deveria existir.
Para entender qualquer coisa deve haver um eu. O Eu é evidente, então por que não permanecer como o
Eu? O que o não-eu precisa explicar?
Ramana diz: Eu fui realmente feliz por nunca ter me interessado por filosofia. Se eu tivesse me
envolvido com ela provavelmente não teria chegado a lugar algum; mas as minhas tendências mentais
inatas me levaram diretamente a indagar “Quem sou eu?” Que bom!
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O Mundo – Real ou Ilusório
No entanto, algum ensinamento teórico é necessário para formar a base do trabalho espiritual
concreto. Com Ramana este ensinamento foi o da não-dualidade, em sintonia com os ensinamentos do
grande sábio hindu Shankaracharya.
O ensinamento de Bhagavan é uma expressão da sua própria experiência e realização. Os outros o
vêem como correspondente ao ensinamento de Sri Shankara.
Shankara que diz que este mundo é ilusório. Ele diz também disse que esse mundo é Brahman. O que
Ramana desaprovava era imaginar que o Eu Real é limitado pelos nomes e formas que constituem o
mundo.
Brahman é como uma tela de cinema, e o mundo é como as imagens que aparecem nela. Você só vê a
imagem enquanto há uma tela. Mas quando o próprio observador se torna a tela apenas o Eu Real
permanece.
Ramana diz que Shankara foi criticado por sua filosofia de Maya porque não foi compreendido.
Shankara fez três declarações: 1) Brahman é real; 2) o universo é irreal; 3) Brahman é o universo. Ele
não parou na segunda.
A terceira declaração explica as duas primeiras – ela significa que a percepção do universo como
separado de Brahman é falsa e ilusória. Equivale a dizer que os fenômenos são reais quando
experienciados como sendo o Eu Real, e são ilusórios quando vistos separados Dele.
Na verdade, apenas o Brahman é o mundo, o “eu”, e Deus. Tudo o que existe é apenas uma manifestação
do Eu Supremo.
A Realidade é sempre real. Ela não tem nomes nem formas, mas é o que os sustenta. Ela é a base de
todas as limitações, sendo em si mesma ilimitada. Ela não é confinada a nada. Ela é a base de tudo o
que é irreal, sendo em si Real. É aquilo que é. Ela é como é.
A ilusão é em si ilusória. Ela deve ser vista por alguém que encontra-se fora dela, mas como pode um
observador assim estar sujeito a ela? Então, como ele pode falar de graus de ilusão?
Você vê várias cenas passando na tela de cinema: o fogo parece queimar os prédios, a água parece
naufragar navios, mas a tela sobre a qual as imagens são projetadas não é queimada pelo fogo nem
molhada pela água. Por quê?
Porque as imagens são irreais e a tela é real. Semelhantemente, inúmeras imagens são refletidas num
espelho sem que este seja afetado por elas.
Igualmente, o mundo é um fenômeno sobre o substrato da Realidade única que não é por ele afetado
de maneira alguma. A Realidade é apenas uma.
Falar-se de ilusão é apenas devido ao ponto de vista. Mude o seu ponto de vista para o do
Conhecimento absoluto e você perceberá que o universo nada mais é do que Brahman.
Estando agora imerso no mundo você vê este mundo como real; transcenda-o e ele desaparecerá,
restando apenas o Real.
O mundo é percebido como uma realidade aparentemente objetiva quando a mente se exterioriza,
abandonando assim a sua identidade com o Eu Real.
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Quando o mundo é assim percebido a natureza do Eu Real permanece velada; também, quando o Eu Real
é realizado o mundo cessa de ser percebido como uma realidade objetiva.
A ilusão é aquilo que faz as pessoas tomarem por inexistente e irreal aquilo que está sempre presente
e a tudo permeando, aquele Eu que é perfeito e auto-luminoso, e que é de fato o centro do Ser de cada
pessoa.
A ilusão é aquilo que faz os seres tomarem por real e existente por si aquilo que é inexistente e irreal,
isto é, a trilogia mundo-ego-Deus.
O mundo é mesmo real, mas não como uma realidade independente e auto-subsistente, assim como o
homem que você vê no sonho é real como figura onírica, mas não como homem.
Os Vedantins não dizem que o mundo é irreal. Isso é um equívoco. Se assim pensassem, qual seria o
significado de texto Vedântico: “Tudo isto é Brahman”?
Eles apenas querem dizer que o mundo é irreal como tal, mas real como sendo o Eu. Mas se você
perceber o mundo como não-Eu, ele é irreal.
Tudo o que existe, quer você chame de ilusão (Maya), Brincadeira Divina (Lila) ou Energia (Shakti),
deve existir dentro do Eu Real, e não fora dele.
Ramana diz: “O Vedanta diz que o cosmos surge simultaneamente com aquele que o vê, sem expor
nenhum processo detalhado de criação. É semelhante a um sonho, no qual aquele que experimenta o
sonho surge simultaneamente ao sonho que ele experimenta.
Entretanto, algumas pessoas se apegam tão firmemente ao conhecimento objetivo que elas não ficam
satisfeitas ouvindo isso. Elas querem saber como a criação súbita pode ser possível, e argumentam que
um efeito deve ser precedido por uma causa.
Na verdade elas desejam uma explicação do mundo que vêem a sua volta. Então as escrituras tentam
satisfazer sua curiosidade expondo teorias.
A Natureza do Homem
Independente do que o homem pensa a respeito da realidade do mundo ou da existência de Deus, ele
sabe por certo que ele existe. E é com o propósito de entender e aperfeiçoar a si mesmo, que ele
estuda e busca a instrução espiritual.
O indivíduo que identifica a sua própria existência com a existência da vida no corpo físico, e o toma
como “eu”, é chamado de ego. O Eu Real, que é pura Consciência, não tem sentimento de ego ligado ao
corpo.
Nem pode o corpo físico, que é por si só inerte, ter esse sentimento de ego. Entre os dois – ou seja,
entre o Eu ou pura Consciência e o corpo físico inerte – surge misteriosamente a sensação de ego, ou
noção de “eu”, este híbrido que não é nenhum dos dois e que floresce como ser individual.
Este ego ou ser individual é a raiz de tudo o que é fútil e desagradável na vida. Por isso ele deve ser
destruído por qualquer meio possível; então permanece apenas o brilho d’Aquilo que sempre é. Isso é a
Libertação, Iluminação ou Auto-Realização.
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Uma vez que você conheça o Eu Real dentro do qual todas as ideias existem, você pode compreender a
verdade de que existe uma Realidade, uma Verdade Suprema que é o Eu Real de todo o mundo que você
agora percebe, o Real, o Supremo, o Eu eterno, distinto do ego ou ser individual, que é impermanente.
A auto-inquirição “Quem sou eu?” é uma técnica diferente da meditação “Eu sou Shiva” ou “eu sou Ele”.
Eu prefiro enfatizar o autoconhecimento, porque você primeiro está preocupado consigo mesmo antes
de querer saber do mundo ou seu Senhor.
A meditação “Eu sou Ele” ou “Eu sou Brahman” é mais ou menos mental, mas a busca pelo Eu de que eu
falo é um método direto, e de fato superior a ela.
Na medida em que você começa a busca pelo eu e vai se aprofundando, o Eu Real está lá esperando
para lhe receber; então, o que quer que seja feito é feito por algo além, e você, como ser individual,
não é responsável por isso.
Neste processo são automaticamente abandonadas todas as dúvidas e discussões, assim como um
homem que dorme esquece todas as suas preocupações por hora.
Vários caminhos são ensinados. No entanto, qualquer que seja o desenvolvimento prévio da pessoa, a
prática ardente da auto-inquirição o acelera.
A mente tem dificuldade de entender espiritualidade. A mente quer uma teoria para se satisfazer. Na
verdade, entretanto, o homem que ardentemente busca a Deus ou ao seu Eu verdadeiro não precisa de
nenhuma teoria.
Todos são o Eu Real e são, de fato, infinitos. No entanto, cada um confunde o seu corpo com o Eu Real.
Para se conhecer qualquer coisa precisa-se de uma iluminação, e esta só pode ser da natureza da Luz,
no entanto, ela ilumina tanto a luz física quanto a escuridão física.
Ou seja, esta Luz está além da luz e escuridão aparentes. Ela em si não é nenhuma das duas, mas é
chamada de Luz porque ilumina ambas. Ela é infinita e é Consciência. A Consciência é o Eu de que todos
estão conscientes.
Ninguém nunca está afastado do Eu Real, todos já são de fato Auto-Realizados; o que acontece é que
as pessoas não sabem disso e buscam realizar o Eu Real.
A Realização consiste apenas em se libertar da falsa noção de que não somos realizados. Não é nada
novo a ser adquirido. Ela deve já existir, caso contrário ela não seria eterna, e apenas vale a pena se
esforçar por aquilo que é eterno.
Uma vez que a falsa visão “eu sou o corpo” ou “eu não sou realizado” for removida apenas a Consciência
Suprema ou Eu Real permanece, e é isso o que as pessoas chamam de “Realização” no seu estado atual
de conhecimento. Mas a verdade é que a Realização é eterna e já existe aqui e agora.
A Consciência é conhecimento puro. A mente surge dela e é constituída de pensamentos. A essência da
mente é apenas atenção ou consciência. Entretanto, quando o ego nubla a mente, esta adota as funções
de raciocínio, pensamento e percepção.
A mente universal, não sendo limitada pelo ego, não tem nada exterior a si, e portanto ela é apenas
consciência. É isso o que a Bíblia quer dizer com “EU SOU O QUE EU SOU”.
A mente que é dominada pelo ego tem sua força drenada e por isso é muito fraca para resistir a
pensamentos perturbadores. A mente sem ego é feliz, como nós percebemos no sono profundo, sem
sonhos. Portanto, claramente se percebe que perturbação e felicidade são apenas estados da mente.
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Quando você diz que procura o “eu” e não vê nada, você diz isso porque você está acostumado a
identificar o seu eu com o seu corpo e a sua visão com os seus olhos.
O que existe para ser visto? E por quem? E como? Existe apenas uma Consciência e esta, quando se
identifica com o corpo, projeta a si mesma através dos olhos e vê os objetos a sua volta.
O indivíduo está limitado ao estado de vigília; ele espera ver algo diferente e aceita a autoridade dos
seus sentidos. Ele não vai aceitar que aquele que vê, os objetos vistos, e o ato de ver são todos
manifestações da mesma Consciência – o “Eu-Eu”.
A prática da meditação ajuda a superar a ilusão de que o Eu Real é alguma coisa objetiva para ser
vista. Na verdade não há nada para ver.
Como você se reconhece agora? Você precisa por um espelho na sua frente para reconhecer a si
mesmo? A consciência em si é o “eu”. Realize-a e isto é a verdade.
Quando eu investigo a origem dos pensamentos há a percepção do “eu”, mas isso não me satisfaz.
Exatamente. Isso acontece porque essa percepção de “eu” está associada a uma forma, talvez a forma
do corpo físico.
Mas nada deveria ser associado ao Eu puro. O Eu Real é a Realidade pura em cuja luz brilha o corpo, o
ego, e tudo mais. Quando todos os pensamentos são aquietados sobra apenas a pura Consciência.
Na realidade o ego não existe. Se existisse, você teria que admitir a co-existência de dois “eus” em
você. Portanto, também não existe ignorância. Se você investigar dentro do Eu, a ignorância, que já é
não-existente, vai ser vista como tal, e então você dirá que ela sumiu.
A ausência de pensamentos não significa um vazio. Alguém deve estar consciente desse vazio.
Conhecimento e ignorância são duais e pertencem apenas à mente – o Eu Real está além de ambos. Ele
é pura Luz. Não é necessário que um eu veja o outro.
Não existem dois eus. O que não é o Eu é apenas não-Eu, e não pode ver o Eu. O Eu Real não possui
visão ou audição, mas está além deles brilhando sozinho como pura Consciência.
Ramana sempre apontou a existência contínua do homem mesmo durante o sono sem sonhos como uma
prova de que ele existe independente do ego e do sentimento de ter um corpo. Ele também se referia
ao estado de sono profundo como um estado sem corpo e sem ego.
O homem no estado de vigília diz que ele não sabia de nada no estado de sono profundo. Quando
acorda ele vê objetos e sabe que ele existe, mas no sono profundo não havia objetos e nem o
observador.
No entanto, a mesma pessoa que fala agora existia também no sono profundo. Qual é a diferença entre
esses dois estados?
Agora existem os objetos e a atividade dos sentidos, enquanto que no sono profundo não havia. Surgiu
uma nova entidade: o ego.
O ego age através dos sentidos, percebe objetos, se confunde com o corpo, e afirma ser o Eu. Na
realidade, aquilo que era no sono profundo continua a ser agora. O Eu Real é imutável. É o ego que
surgiu entre os dois. Aquilo que surge e desaparece é o ego; aquilo que permanece imutável é o Eu Real.
A vigília, o sonho e o sono são apenas fases da mente. Eles não são o Eu Real. O Eu Real é a testemunha
desses três estados. A sua verdadeira natureza continua existindo enquanto você dorme.
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O sono que se alterna com o estar desperto não é o verdadeiro sono; o estar desperto que se alterna
com o sono não é o verdadeiro estar desperto. Você está desperto agora? Não.
O que você precisa fazer é acordar para o seu estado verdadeiro. Você não deveria nem cair no falso
sono e nem ficar falsamente acordado.
Apesar de o Eu Real estar presente no sono também, ele não é percebido neste estado. Ele não pode
ser conhecido no sono imediatamente. Deve-se primeiro realizá-lo no estado de vigília, pois ele é a
nossa verdadeira natureza por trás dos três estados.
O esforço deve ser feito no estado de vigília e o Eu Real deve ser realizado aqui e agora. Então ele
será percebido como o Eu contínuo e intocado pela alternância vigília-sonho-sono.
Com efeito, um dos nomes do verdadeiro estado de um ser realizado é o “Quarto Estado”’ (Turiya), que
existe eternamente e está além dos três estados de vigília, sonho e sono.
Ele é comparado ao estado de sono profundo, pois é sem forma e não dual; no entanto está longe de
ser o mesmo. No Quarto Estado o ego é absorvido pela Consciência, enquanto que no sono ele fica
imerso na inconsciência.
Morte e Renascimento
Em nenhum outro ponto Ramana mostrou mais claramente que a teoria deve ser adaptada ao nível da
compreensão do buscador do que quando ele respondia perguntas sobre a morte e renascimento.
Para aqueles que eram capazes de compreender a teoria não dualista em sua forma pura ele apenas
explicava que esta pergunta não surge, pois como o ego não tem uma existência real agora, também não
o terá após a morte.
P: As ações de uma pessoa nesta vida afetam os seus nascimentos futuros?
R.: Você nasceu? Por que você se preocupa com nascimentos futuros? A verdade é que não existe
nascimento e nem morte. Que aquele que nasceu pense sobre a morte e outros consolos para ela.
P.: A doutrina Hindu da reencarnação é correta?
R.: Não é possível dar uma resposta definitiva. No Bhagavad Gita, por exemplo, até a presente
encarnação é negada.
P.: A nossa personalidade não é sem começo?
R.: Primeiro descubra se ela existe e depois faça a pergunta. Tanto os dualistas quanto os não
dualistas concordam que a Auto-Realização é necessária.
Primeiro atinja-a e depois faça outras perguntas. Dualismo ou não-dualismo – isso não pode ser
resolvido por meio de teorias apenas. Se o Eu Real for realizado, esta pergunta não surgirá.
Tudo o que nasce deve morrer; tudo o que é adquirido será perdido. Você nasceu? Não, você existe
eternamente. O Eu Real nunca pode ser perdido. Ramana, desencorajava a preocupação com esses
temas metafísicos, já que eles apenas distraem a pessoa do esforço de realizar o Eu Real aqui e agora.
Para que perguntar sobre o que acontece após a morte? Para que perguntar se você nasceu ou não, se
você colhe os frutos de seu karma passado ou não? Você não terá essas perguntas daqui a pouco
quando estiver dormindo. Por quê?
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Por acaso você agora é uma pessoa diferente do que era enquanto dormia? Não, você não é. Descubra
porque essas perguntas não surgem quando você está dormindo.
No Bhagavad Gita Sri Krishna primeiro diz a Arjuna que ninguém nunca nasceu e depois que “você e eu
já passamos por inúmeras encarnações. Qual dessas declarações é verdadeira? O ensinamento varia de
acordo com a compreensão do ouvinte.
Quando Arjuna disse que não iria lutar contra e matar seus parentes para conquistar o reinado, Sri
Krishna disse: “Não é que estes, você ou eu, não éramos antes, não somos agora, nem seremos depois.
Ninguém nasceu, ninguém morre e não será assim daqui para a frente.”
Essas declarações parecem contraditórias, mas cada uma é verdadeira de acordo com o ponto de vista
do ouvinte. Cristo também disse “Antes de Abraão ser, eu sou.”
Assim como nos sonhos você acorda depois de várias experiências novas, também depois da morte um
novo corpo é encontrado.
Assim como os rios perdem a sua individualidade quando desaguam no oceano, e mesmo assim as águas
evaporam e descem como chuva de volta para o rio e depois para o oceano, os indivíduos também
perdem a sua individualidade quando vão dormir, mas retornam novamente de acordo com as suas
tendências inatas prévias. Similarmente, na morte o ser também não é perdido.
Veja como uma árvore cresce novamente depois de seus galhos serem cortados. Enquanto a fonte da
vida não é destruída, ela continua crescendo. Da mesma forma, no momento da morte as tendências
latentes retornam ao coração, mas não são destruídas. É assim que os seres renascem.
No entanto, de um ponto de vista mais elevado ele responderia: Em verdade não existe nem semente
nem árvore – existe apenas Ser. Ocasionalmente ele explicava o processo mais detalhadamente, mas
sempre com a ressalva de que na verdade só existe o Eu imutável.
P.: Quanto tempo dura o intervalo entre a morte e o renascimento?
R.: Pode ser longo ou curto, mas o Homem Realizado não passa por isso; ele é absorvido diretamente
pelo Ser Infinito.
Alguns dizem que, após a morte, aqueles que tomam o caminho da luz não mais renascem, enquanto que
aqueles que tomam o caminho da escuridão renascem depois de ter colhido os frutos do seu karma em
seus corpos sutis.
Se os méritos e deméritos de um homem são iguais ele renasce imediatamente na Terra; se os seus
méritos superam seus deméritos ele primeiro vai ao céu em seu corpo sutil, já se seus deméritos
superam seus méritos ele vai primeiro ao inferno.
Mas em ambos os casos ele renasce posteriormente na Terra. Tudo isso é descrito nas escrituras, mas
na verdade não existe nem nascimento nem morte; cada um simplesmente permanece como realmente
é. Apenas isso é a Verdade.
Deus em sua misericórdia não revela este conhecimento às pessoas. Caso estas soubessem que haviam
sido virtuosas no passado ficariam orgulhosas, ou então ficariam desanimadas por seus deméritos.
Ambos são ruins. Basta conhecer o Eu Real.
Uma pessoa competente, que talvez já tenha se qualificado em encarnações passadas, compreende a
verdade e fica em paz após ouvi-la apenas uma vez, enquanto outras que não são tão qualificadas têm
que passar por vários estágios antes de alcançar o samadhi.
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Isso quer dizer que uma encarnação pode ser encarada como um dia de peregrinação rumo à AutoRealização. Quão perto ou longe se está do objetivo final depende do esforço feito em dias passados;
quanto vai se avançar depende do esforço feito hoje.
O sono é o estado intermediário entre dois estados de vigília, da mesma maneira que a morte é o
estado intermediário entre dois nascimentos. Ambos são impermanentes.
Após a morte, o espírito não é descorporificado, apenas toma um corpo diferente. Se ele não estiver
no corpo grosseiro estará em um corpo sutil, como no sono e no sonho acordado.
O Eu Real é contínuo e não é afetado por nada. O ego que reencarna pertence ao plano inferior, o do
pensamento. Ele é transcendido pela Auto-Realização.
Perguntaram a Ramana se era possível conhecer o estado póstumo de um indivíduo, ele disse: é
possível, mas para que tentar? Esses fatos são tão irreais quanto a pessoa que os vê.
P.: O nascimento de uma pessoa e sua vida e morte são reais para nós.
R.: Sim, como você erroneamente se identifica com o corpo você pensa o outro como sendo um corpo
também. Mas nem você nem ele são um corpo.
O nascimento do pensamento “eu” é o nascimento da pessoa, e a sua morte é a morte da pessoa. Depois
de surgir o pensamento “eu”, a errônea identificação com o corpo também surge.
Assim como você pensa que o seu corpo nasceu, cresceu e vai morrer, você também pensa que o corpo
do outro nasceu, cresceu e morreu. Você pensava sobre o seu filho antes dele nascer? O pensamento
veio depois dele nascer, e continua após sua morte. Ele só é o seu filho na medida em que você pensa
nele.
Para onde ele foi? Para a fonte de onde ele surgiu. Enquanto você continuar existindo ele continua
também. Mas se você deixar de se identificar com o corpo e realizar o Eu Real essa confusão
desaparecerá.
Você é eterno, e verá que os outros também o são. Enquanto isso não for realizado haverá sempre a
tristeza e o desgosto, fruto dos falsos valores que são produzidos pelo conhecimento errôneo e pela
identificação errônea.
O que importa para vocês quem morre ou o que é perdido? Morram vocês mesmos e se percam,
tornando-se assim, com a extinção do ego, um com o Eu de todas as coisas.
As religiões dão importância ao estado mental em que a pessoa morre, e a seus últimos pensamentos
antes da morte. Mas Ramana alertava as pessoas que é preciso estar bem preparado antes, caso
contrário tendências mentais indesejáveis podem surgir de maneira incontrolável.
No Bhagavad Gita é dito que o último pensamento de uma pessoa no momento da morte determina o
seu próximo nascimento. Mas é necessário experimentar a Realidade agora, nesta vida, a fim de poder
experimentá-la no momento da morte.
Reflita se este momento é de qualquer maneira diferente do último momento na morte, e tente estar
no estado desejado.
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Coração e Mente
Ramana ensinou que o Coração, e não a mente, é o verdadeiro centro da Consciência. Mas por “Coração”
ele não quis dizer o órgão físico no lado esquerdo do peito, mas o coração espiritual no lado direito, e
por “Consciência” ele não quis dizer pensamento, mas sim a pura Consciência ou o sentimento de ser.
Ele descobriu por experiência própria ser este o centro da consciência espiritual, e, posteriormente,
viu sua experiência confirmada em algumas escrituras antigas. Quando Ramana instruía seus devotos a
se concentrarem no Coração era para este coração espiritual, no lado direito do peito, que ele estava
apontando.
Contudo, ele também falava do Coração como equivalente do Eu Real, e lembrava-os de que na verdade
ele não está em absoluto situado no corpo, mas que transcende o espaço.
Esta é a minha experiência e eu não exijo nenhuma autoridade para ela; mesmo assim você pode
encontrar uma confirmação dela em um livro Malayali sobre Ayurveda e também no Sita Upanishad.
Ele também mencionava o texto do Eclesiastes: “O coração do sábio fica na mão direita e o do tolo na
mão esquerda”.
P.: Por que nós temos um lugar como o coração para nos concentrar durante a meditação?
R.: Porque você busca a Consciência verdadeira. Onde você pode encontrá-la? Você pode alcançá-la
fora de você mesmo? Você deve encontrá-la interiormente, e por isso você é direcionado para o
interior. O Coração é o centro da Consciência ou a Consciência em si.
Eu lhe peço para observar onde o “eu” surge no seu corpo, mas não é muito certo dizer que o “eu” surge
e retorna ao lado direito do peito. “Coração” é outro nome para a Realidade, e esta não está nem
dentro e nem fora de seu corpo.
Por “coração” eu não quero dizer nenhum órgão fisiológico ou plexo ou nervos ou qualquer coisa do
gênero; porém, enquanto o homem se identifica com o corpo ou pensa que é o corpo ele é aconselhado a
observar aonde no corpo o pensamento “eu” surge e desaparece.
Só pode ser no lado direito do peito pois qualquer homem, de qualquer raça ou religião aponta para o
lado direito do peito para referir-se a si mesmo quando ele diz “eu”. Isso é assim em qualquer parte do
mundo, então esse deve ser o local.
Observando intensamente o surgimento do pensamento “eu” quando se acorda, e o seu retorno no
momento de se pegar no sono, pode-se ver que isso acontece no coração no lado direito do peito.
É uma prática tântrica concentrar-se em um dos chakras ou centros espirituais do corpo, em geral
sobre o ponto entre as sobrancelhas. O coração no lado direito do peito não é um destes chakras; no
entanto Ramana explica brevemente que a concentração sobre o centro do coração é mais eficaz do
que a concentração sobre qualquer chakra, mas menos eficaz do que a auto-inquirição pura.
A coisa mais importante é a investigação do “eu”, e não a concentração no coração. Não existe
“interior” e “exterior” – ambas as palavras significam a mesma coisa ou nada em absoluto. Entretanto,
também existe a prática da concentração no centro-coração, que é uma forma de exercício espiritual.
Apenas quem se concentra no centro-coração pode permanecer consciente quando a mente cessa sua
atividade e fica imóvel, sem pensamentos.
Aqueles que se concentram em qualquer outro centro não conseguem manter a consciência vazia de
pensamentos, mas apenas deduzir que a mente estava imóvel depois de ela ter voltado à atividade.
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Isso não significa que o pensamento é impossível durante o estado de consciência “Eu-Eu”, como é
prova o próprio Ramana, que vivia constantemente neste estado. Para o ignorante o pensamento é como
uma nuvem densa bloqueando-lhe a luz do sol.
Quando o topo da nuvem se abre, deixando assim a luz passar, nós podemos usar o pensamento sem ser
iludido por ele.
Ramana às vezes comparava a mente de um Homem Realizado à lua no céu durante o dia, ela está lá,
mas a sua luz é desnecessária, pois pode-se enxergar sem ela graças à luz direta do sol.
Sofrimento
As perguntas sobre o sofrimento eram mais pessoais do que universais, já que era a experiência da dor
que levava as pessoas a buscar consolo nele. O consolo vinha através de sua influência silenciosa, mas
mesmo assim ele também respondia perguntas teóricas.
A resposta habitual era propor ao buscador que ele descobrisse quem é que sofre, assim como ele
convidava àqueles assolados por dúvidas a descobrirem quem é que duvida, pois o Eu Real está além do
sofrimento e além da dúvida (logo eles descobririam que quem sofre e duvida é apenas o ego).
Ocasionalmente ele apontava que o que quer que faça a pessoa se sentir insatisfeita com a sua vida de
ignorância e a faça buscar o Eu Real é benéfico, e que em geral isso acontece através do sofrimento.
A Bem-Aventurança do Eu Real sempre foi sua, e você a encontrará se buscá-la seriamente. A causa da
sua infelicidade não está nas circunstâncias exteriores; ela está em você, é o ego. Você impõe
limitações a si mesmo e depois luta em vão para transcendê-las.
Toda infelicidade e miséria vêm do ego. Ele é a origem de todos os seus problemas. Qual é a utilidade
de atribuir a causa da infelicidade aos acontecimentos da vida quando a causa está realmente dentro
de você?
Que felicidade você pode obter das coisas exteriores a você mesmo? Quando você a obtém, quanto
tempo ela dura? Se você negar o ego e ignorá-lo, você estará livre. Se você o aceitar, ele irá lhe impor
limitações e levá-lo a lutar em vão para superá-las.
Ser o Eu que você realmente é, é o único meio de realizar a Bem-Aventurança que é sempre sua.
O treinamento da mente ajuda a pessoa a suportar as dores e privações com coragem; mas a perda do
próprio filho é a maior das dores. A tristeza só existe enquanto a pessoa pensa que possui uma forma
definida, mas se a forma é transcendida a pessoa conhece o Eu Único como eterno.
Não existe nascimento nem morte. Apenas o corpo nasce, e o corpo é uma criação do ego. No entanto,
o ego não é comumente percebido sem o corpo, e por isso você o identifica com o corpo. O que importa
é o pensamento.
Que o homem sensato reflita sobre se ele percebia seu corpo durante o sono profundo ou não. Por que,
então, ele o percebe no estado de vigília? Apesar de o corpo não ser percebido durante o sono,
podemos nós dizer que o Eu Real não existia lá?
Qual era o seu estado durante o sono profundo e qual é o seu estado agora quando desperto? Qual é a
diferença? O despertar é quando o ego surge. Simultaneamente os pensamentos aparecem. Descubra
quem tem os pensamentos. De onde eles vieram? Eles devem surgir do eu consciente.
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Perceber isso, mesmo que vagamente, ajuda a enfraquecer o ego. Então a realização da Existência
Única Infinita se torna possível.
Se um homem pensa que ele nasceu ele inevitavelmente sentirá medo da morte. Deixe que ele descubra
se ele alguma vez nasceu ou se existe nascimento para o Eu Real.
Ele assim descobrirá que o Eu Real existe sempre e que o corpo, que é o que nasce, transforma-se em
pensamento, e que o surgimento do pensamento é a raiz de todo o mal. Descubra de onde vêm os
pensamentos, e então você permanecerá no mais íntimo e onipresente Eu, livre do conceito de
nascimento e do medo da morte.
Se alguém que amamos morre isso causa sofrimento àquele que continua vivo. A maneira de se livrar do
sofrimento é não continuar vivendo. Mate o sofredor – assim quem está lá para sofrer? O ego deve
morrer, é o único jeito.
Você não está consciente do mundo e seus sofrimentos enquanto dorme, mas está agora quando
acordado. Continue no estado no qual essas coisas não o afetavam.
Quando você não está consciente do mundo, isto é, quando você permanece como o Eu Real no estado
de sono profundo, os seus sofrimentos não o afetam.
Portanto, volte-se para o interior e busque o Eu Real – com isso haverá um fim para o mundo e suas
misérias.
O mundo não existe fora de você. Como você se identifica erroneamente com o corpo você vê o mundo
como exterior a si mesmo, e então os seus sofrimentos aparecem; mas o mundo e seus sofrimentos não
são reais. Busque a realidade e livre-se desse sentimento irreal.
Se você estiver livre do sofrimento não haverá sofrimento em parte alguma. O problema agora é que
você vê o mundo como exterior a você mesmo e pensa que há sofrimento nele. Mas tanto o mundo
quanto o sofrimento estão dentro de você. Se você se voltar ao interior não haverá mais sofrimento.
Enquanto você se considera o corpo você vê o mundo como exterior a você. É para você que essa
imperfeição aparece. Deus é perfeição e sua obra também é perfeição, mas você a vê como imperfeita
devido à sua identificação errônea com o corpo ou ego.
P.: Então por que o Eu Real se manifestou na forma desse mundo miserável?
R.: Para que assim você possa buscá-lo. Os seus olhos não podem ver a si mesmos, mas se você segurar
um espelho na sua frente eles poderão se ver. A criação é o espelho. Primeiro veja a si mesmo e depois
veja o mundo como manifestação do Eu Real.
Você não é orientado a fechar os olhos para o mundo, mas apenas para ver a si mesmo primeiro e
depois ao mundo todo como o Eu Real. Se você se considera um corpo o mundo parece ser exterior,
mas se você vive como o Eu Real o mundo aparece como Brahman manifesto.
P.: Estou com dor de dente – isso é apenas um pensamento?
R.: Sim.
P.: Então por que eu não consigo simplesmente pensar que meu dente está normal e assim me curar?
R.: Não se sente a dor de dente quando se está absorto em outros pensamentos ou quando se está
dormindo.
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P.: Mas ela ainda sim continua.
R.: A convicção humana de que o mundo é real é tão forte que é difícil se libertar dela. Mas o mundo
não é mais real do que o sujeito que o vê.
P.: Por que existe o sofrimento?
R.: Se não existisse sofrimento como iria surgir o desejo pela felicidade? E se esse desejo não
surgisse como poderia surgir a busca pelo Eu Real?
P.: Então todo o sofrimento é bom?
R.: Sim. O que é a felicidade? Por acaso é possuir boa saúde, beleza e ter refeições regulares? Mesmo
um Imperador tem inúmeros sofrimentos, ainda que ele tenha tudo isso. Todo sofrimento é devido à
falsa noção “eu sou o corpo”. Libertar-se dessa falsa noção é chamado de Conhecimento (Jnana).
Pecado
O pecado ou o mal de qualquer tipo são o resultado de um egoísmo que não é controlado pela reflexão
sobre os efeitos danosos que tais atos produzem nos outros e em nós mesmos.
As religiões buscam se proteger deles através de códigos morais e disciplinares, que têm por objetivo
manter o ego dentro de certos limites e impedi-lo de ir para locais indesejados.
No entanto, um caminho espiritual que é tão radical e tão direto a ponto de negar a própria existência
do ego não precisa se preocupar especificamente com os vários excessos deste. O ego como um todo
deve ser renunciado.
Por mais pecadora que uma pessoa possa ser, se ela parar de se lamentar: “Ai de mim que sou um
pecador! Como posso eu alcançar a libertação?” e, abandonando até mesmo o pensamento de que é
pecadora, se dedicar zelosamente à auto-inquirição, ela com certeza se realizará o Eu (Atman).
Similarmente, para uma disciplina que tem por objetivo a completa transcendência do pensamento em
favor da realização de um Eu supra-racional, a censura específica aos pensamentos negativos é
desnecessária. Qualquer pensamento é uma distração.
Cultivar pensamentos positivos é útil na medida em que ajudam a manter longe os pensamentos
negativos, mas eles próprios devem desaparecer antes da Realização.
Como a qualidade da pureza (sattva) é a verdadeira natureza da mente, a mente clara como um céu
sem nuvens é a característica da expansão da consciência.
Sendo movida pela qualidade da atividade (rajas) a mente se torna inquieta e, influenciada pela
qualidade de obscuridade (tamas) ela se manifesta como o mundo físico.
Quando a mente fica assim, por um lado inquieta e por outro surgindo como matéria sólida, o Real não é
discernido.
A Realização da Verdade é impossível para a mente que tornou-se grosseira pela obscuridade (tamas) e
inquieta pela atividade (rajas).Isso porque a verdade é muito sutil e serena.
A mente só se livra das suas impurezas cumprindo sem desejos seus deveres por muitas vidas,
encontrando um bom Mestre, aprendendo com ele, e praticando sem cessar a meditação no Supremo.
Quando alguém reclamava que era muito fraco para resistir às tendências inferiores, Ramana
simplesmente lhe dizia para se esforçar mais, ou simplesmente para confiar em Deus.
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P.: Eu sou um pecador e não desempenho nenhum dever religioso. Eu terei um renascimento doloroso
por causa disto?
R.: Por que você diz que é um pecador? A fé em Deus é suficiente para salvá-lo do renascimento. Jogue
todo o seu fardo sobre Ele. A ilusão do nascimento e morte é mantida por Vós. Então confie em Deus e
ele lhe salvará.
Prazer e dor são apenas aspectos da mente. A nossa natureza essencial é felicidade, mas nós
esquecemos o Eu Real e imaginamos que o corpo ou a mente são este Eu. É essa identificação errônea
que dá origem ao sofrimento.
O que fazer? Esta tendência está profundamente arraigada e cresceu forte por ter sido alimentada
durante muitos nascimentos.
Ela deverá desaparecer antes da natureza essencial, que é Felicidade, poder ser realizada. O domínio
do ego pode ser transcendido , não criando novas vasanas (tendências latentes).
Bem e mal são termos relativos. Deve existir um sujeito para que o bem e o mal sejam conhecidos.
Esse sujeito é o ego, que termina no Eu Real. Ou, se preferir, você pode dizer que a fonte do ego é
Deus. Essa definição talvez seja mais compreensível para você.
Deus
Superficialmente pode parecer que as declarações de Ramana Maharshi sobre Deus eram
inconsistentes, já que em alguns momentos ele aconselhava a fé e a completa submissão a Deus, e em
outros dizia que Deus era irreal. Mas na verdade não há contradição.
Aqueles que compreendiam o conceito do Eu não-dual podiam ver que este era seu verdadeiro Eu, o Eu
de Deus e o Eu do mundo também, enquanto que aqueles que se apegavam à aparente realidade do seu
ego só conseguiam entender o Eu Real como sendo o Deus que os criou.
Ele explicava de acordo com as necessidades de quem perguntava. Neste ponto, assim como em tantos
outros, ele apontava a inutilidade de toda discussão. Seguir qualquer um desses dois caminhos era bom;
teorizar sobre eles não.
Todas as religiões pressupõem três elementos fundamentais: o mundo, a alma, e Deus; mas é apenas a
Realidade Una que se manifesta como esses três.
Só se pode dizer: “Os três são realmente três” enquanto existir o ego. Portanto, permanecer dentro
do seu próprio Ser, após o ego morrer, é o estado perfeito.
“O mundo é real”, “Não, ele é apenas uma aparição ilusória”, “O mundo é consciente”, “Não é”, “O mundo
é felicidade”, “Não é”, - qual é a utilidade dessas discussões?
O estado em que, tendo abandonado o ponto de vista objetivo, a pessoa conhece o seu Eu e assim
transcende todas as noções de unidade ou dualidade, de si mesmo e do ego, é amado por todos.
Se a pessoa tem forma, o mundo e Deus também parecerão ter forma, mas se a pessoa é sem forma,
quem está lá para ver essas formas, e como? A natureza dos objetos vistos pode ser diferente da do
olho que os vê? O Eu Real é o verdadeiro Olho, e este Olho é Consciência infinita.
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Brahman não pode ser visto ou conhecido. Ele está além da relação tríplice do observador-visão-objeto
visto ou conhecedor-conhecimento-objeto conhecido. Essa Realidade permanece sempre como é. O
mundo ou a ignorância só existe devido à nossa ilusão.
Na verdade nem o conhecimento nem a ignorância são reais – a Realidade é o que está além deles, além
de todos os pares de opostos. Ela não é nem luz nem escuridão, mas transcende ambas, embora às
vezes nós falemos dessa Realidade como sendo Luz e a ignorância como sendo sua sombra.
Você se acredita um indivíduo. Acredita que] fora de você há o universo e que além do universo está
Deus. Então há a idéia de separatividade. Esta idéia deve desaparecer, pois Deus não é separado de
você nem do cosmos.
O Gita diz: “eu sou o Eu situado no coração de todos os seres; eu sou o início, o meio e o fim de todos
os seres.”
Assim, Deus não apenas vive no coração de todos: Ele é o sustentáculo de todas as coisas. Ele é a
fonte, a morada e o final de todas as coisas. Tudo vem Dele, fica Nele, e volta a Ele. Portanto Ele não é
separado.
A verdade é que Brahman é tudo e é indivisível. Ele é sempre realizado. Mas o homem não sabe disso, e
isso é tudo o que ele precisa saber. “Conhecimento” quer dizer superar os obstáculos que obstruem a
revelação da Verdade Eterna de que o Eu e Brahman são idênticos.
Os obstáculos como um todo formam a sua idéia de ser um indivíduo separado. Portanto, a atual busca
resultará na revelação da verdade de que o Eu não é separado de Brahman.
P.: Mas Deus é perfeito e eu sou imperfeito. Então, como eu posso conhecer Deus completamente?
R.: Deus não diz isso. É você que o faz. Depois de descobrir quem você é, você saberá o que Deus é.
P.: Você descobriu quem você é, então, por favor, diga-me se Deus é diferente de você ou não.
R.: Isso é um assunto experimental: cada um deve experimentar por si mesmo.
P.: Deus é infinito e eu sou finito. Eu tenho uma personalidade, e esta nunca pode se unir a Ele, não é
verdade?
R.: O infinito e a perfeição não admitem repartições. Se um ser finito está separado do Infinito então
a perfeição do Infinito fica desfigurada. Assim, a sua afirmação é uma contradição.
O livre arbítrio é o presente surgindo para uma faculdade limitada de visão e vontade. Este mesmo
ego, quando olha para suas atividades passadas, percebe que elas se desenvolveram segundo certas
“leis” ou regras – sendo o seu próprio livre arbítrio um dos elos dessa corrente causal.
Então o ego percebe que a Onipotência e Onisciência Divinas agiram através do seu aparente livre
arbítrio. Então a pessoa chega à conclusão de que o ego é guiado pelas aparências. As leis naturais são
manifestações da vontade de Deus e foram por Ele estabelecidas.
P.: Deus é pessoal?
R.: Sim, Ele é sempre a primeira pessoa, o Eu, sempre diante dos seus olhos. Mas como você dá
prioridade às coisas mundanas, Deus parece ter recuado para segundo plano. Se você desistir de tudo
e buscar apenas Ele, Ele permanecerá como o Eu Real.
P.: A Realização segundo o Advaita, é a união absoluta com o Divino, enquanto que o Dvaita diz que não
há união. Qual dessas deve ser considerada a perspectiva correta?
R.: Para quê especular sobre o que vai acontecer no futuro? Todos concordam que o eu existe. Não
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importando à qual escola de pensamento pertença o buscador sincero, que ele primeiro descubra o que
é esse “eu”.
Aí então será o momento de saber o que é o estado final e se o “eu” será absorvido pelo Ser Supremo
ou se ficará separado dele. É melhor manter uma mente aberta e não antecipar a conclusão.
Conhecimento do estado final não é útil para guiar o aspirante, porque você estaria seguindo um
princípio errado. Você alcançará uma conclusão por meio do intelecto, sendo que este brilha apenas
pela luz que vem do Eu Real.
Não é presunçoso por parte do intelecto julgar Aquilo que é a fonte da sua própria pequena luz? Como
pode o intelecto, que nunca poderá alcançar o Eu Real, ser competente para analisar e ainda decidir a
natureza do estado final de Realização?
É como tentar medir a luz do sol tendo como parâmetro a luz produzida por uma vela. A cera irá
derreter muito antes da vela chegar mesmo que perto do sol. Ao invés de entregar-se à mera
especulação, devote-se aqui e agora a buscar a Verdade que está sempre dentro de você.
P.: Por que as escrituras mencionam tantos deuses?
R.: O corpo é apenas um, mas quantas funções diferentes não são realizadas por ele! A fonte de todas
essas funções é apenas uma. O mesmo se dá com os vários deuses.
P.: Os deuses, Ishvara e Vishnu, e seus céus, Kailas e Vaikuntha, são reais?
R.: Tão reais quanto você no seu corpo. Eles de fato existem. Estão em você. São apenas ideias suas.
P.: Deus está sujeito à dissolução cósmica ao final de um ciclo universal?
R.: Como Ele poderia estar? Quando um homem realiza o Eu Real ele transcende a dissolução cósmica e
é libertado; que dizer então de Ishvara (Deus criador), que é infinitamente mais sábio e capaz que o
homem?
P.: Os deuses e demônios também existem?
R.: Sim.
P.: Como devemos conceber a Suprema Consciência Divina?
R.: Como aquilo que é.
P.: Nos livros sagrados usa-se muitos termos: Atman, Paramatman, Para, etc. Qual é a graduação entre
eles?
R.: Eles significam a mesma coisa para aqueles que usaram essas palavras, mas são entendidos
diferentemente pelas pessoas, de acordo com seu nível de desenvolvimento.
P.: Mas para que usar tantas palavras para o mesmo significado?
R.: Depende das circunstâncias. Todas querem significar o Eu Real. Para significa não relativo, ou além
de relativo, ou seja, o Absoluto.
Por que se preocupar com Deus? Nós não sabemos se Deus existe mas sabemos que existimos, então
primeiro concentre-se em si mesmo. Descubra quem você é. Não há nenhum agnosticismo nisso, já que
Ramana, assim como o Buda, falava a partir do Conhecimento perfeito.
Ele apenas se colocava no lugar de quem fazia a pergunta e o aconselhava a se concentrar mais no que
ele sabia do que no que ele meramente acreditava.
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Alguns dizem que Deus existe e que deve-se meditar sobre Ele e venerá-lo até que o indivíduo seja
completamente absorvido em Deus. Outros dizem que o Ser Supremo e o indivíduo sempre
permanecem separados e nunca se fundem.
Mas não vamos nos preocupar agora com o que acontece no final. Todos concordam que o indivíduo
existe agora. Então que o homem o descubra, que ele descubra seu Eu. Depois ele poderá descobrir se
o eu é absorvido no Supremo, se fica separado Dele, ou se é parte Dele.
Não antecipemos a conclusão. Mantenha uma mente aberta, mergulhe no seu interior e encontre o Eu
Real. Assim você definitivamente começará a ver a verdade, então por que tentar decidir antes se a
união é absoluta ou qualificada, ou se [não há união] a dualidade persiste? Não há porque fazer isto.
A sua decisão seria feita pelo intelecto e pela lógica, mas o intelecto deriva sua luz do Eu Real (Poder
Maior), então como pode a sua luz refletida e parcial contemplar a Luz original em sua totalidade? Já
que o intelecto não pode chegar ao Eu Real, como poderia ele determinar Sua natureza?
Apenas o Eu Superior é Real. Todo resto é irreal. A mente e o intelecto não existem separados de
você. A Bíblia diz: “Permaneça imóvel e saiba que Eu sou Deus”. A quietude ou imobilidade é tudo o que
é necessário para realizar que “Eu sou” é Deus.
O que é a meditação? É a suspensão dos pensamentos. Você é perturbado por seus pensamentos, que
surgem um atrás do outro. Segure um só pensamento para que os outros sejam excluídos. A prática
contínua dá a força mental necessária para meditar.
A meditação difere de acordo com o nível de desenvolvimento do buscador. Se a pessoa está
preparada ela pode diretamente agarrar aquele que pensa, e então o pensador será naturalmente
absorvido de volta à Fonte de onde surgiu, que é a Consciência Pura.
Se a pessoa não consegue diretamente agarrar o pensador, ele deve meditar sobre Deus e, com o
tempo ela se tornará pura o bastante para agarrar o “eu” que pensa e mergulhar no Ser absoluto. No
caso de ser escolhido o caminho da devoção, Ramana exigia a entrega absoluta.
Conheça a si mesmo antes de buscar conhecer a natureza de Deus e do mundo. Deus está dentro de
você. A sua mente que divaga e seus caminhos desvirtuados é o que impede de conhecer a Si mesmo e a
Deus.
O Deus interior remove os obstáculos se você alimentar a aspiração por Ele. A entrega em si é uma
poderosa oração.
Se você acredita que Deus, vai fazer todas as coisas que você quer que Ele faça, então entregue-se a
Ele. Caso contrário, deixe Deus em paz e conheça quem é você.
Entregar-se completamente significa que você deve aceitar a vontade de Deus, e não reclamar do que
não lhe agrada. As coisas podem se revelar diferentes do que pareciam. O sofrimento e a aflição
muitas vezes levam a pessoa a ter fé em Deus. Tudo o que você precisa é apenas confiar em Deus.
Você quer carregar o fardo do mundo. De quem é a culpa se o passageiro carrega suas malas no colo
para sua própria inconveniência ao invés de acomodá-las no trem, que no final das contas é quem as
carrega?
A entrega incondicional não admite nem mesmo a ânsia de alcançar a Realização rapidamente. Renda-se
a Ele e aceite a Sua vontade quer Ele apareça ou desapareça. Aguarde Sua Vontade.
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Se você espera que Ele aja como você quer, isso é ordem e não entrega. Você não pode pedir que Ele
lhe obedeça e ainda assim pensar que se entregou.
Deus sabe o que é melhor para você, e como e quando fazê-lo. Deixe tudo inteiramente com Ele. O
fardo é Dele e você não deve mais se preocupar. Todas as suas preocupações e incumbências são na
verdade Dele. Isso é entregar-se.
As pessoas rezam a Deus e no final da oração dizem: “Seja feita a Vossa vontade”. Se a vontade Dele
vai ser feita, então por que eles oram? É verdade que a vontade Divina triunfa em todos os momentos
e circunstâncias.
Os indivíduos não podem agir por si. Reconheça o poder da vontade Divina e permaneça em silêncio.
Deus cuida de todos. Ele criou todos. Você é apenas um entre bilhões. Ele cuida de tantos – será que
Ele se esquecerá de você? Mesmo o senso comum concorda que se deve aceitar a vontade Divina.
Não é necessário dizer a Ele o que você precisa. Ele conhece muito bem suas verdadeiras
necessidades, e cuidará de atendê-las.
Em outras ocasiões, Ramana confirmava a eficácia das orações. Como em outros assuntos, ele
apresentava o ponto de vista que melhor ajudaria o desenvolvimento espiritual daquele buscador em
particular.
P.: As nossas preces são atendidas?
R.: Sim, elas são atendidas. Nenhum pensamento é emitido em vão. Cada pensamento produzirá o seu
efeito em um ponto ou em outro. A força do pensamento nunca será em vão.
Isso aponta para uma concepção muito mais ampla do que a idéia de um Deus antropomórfico que
responde pessoalmente às nossas preces. Entender isso implica assumir responsabilidade por nossos
pensamentos tanto quanto assumimos por nossas ações.
Cristo também disse que olhar para uma mulher com olhos de luxúria é um pecado tanto quanto
cometer adultério com ela.
A alma (jiva), submetida à atividade tríplice da criação, preservação e destruição – que ocorre pela
mera presença do Poder Maior – age de acordo com os seus karmas, retornando ao descanso depois de
suas atividades.
Mas, Deus em Si mesmo não possui nenhuma intenção; nenhuma ação ou evento toca nem mesmo a
franja do Seu Ser. Esse estado de distanciamento imaculado pode ser comparado àquele do sol, que
não é afetado pelas atividades da vida.
Religiões
O ensinamento de Ramana não se opunha ao de nenhuma religião. Se filósofos e teólogos desejassem
discutir assuntos metafísicos com o Maharshi ele se recusava e, ao invés disso, buscava levá-los à
prática espiritual.
O conhecimento real desses assuntos só virá com a Iluminação, sendo de pouca utilidade todo o saber
teórico a respeito disso.
A religião envolve dois modos de atividade, que podemos chamar de horizontal e vertical.
Horizontalmente ela harmoniza e controla a vida do indivíduo e da sociedade de acordo com a fé e a
moralidade, dando assim oportunidade e incentivo de levar uma boa vida rumo a uma boa morte.
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No seu aspecto vertical ela apresenta caminhos espirituais para aqueles que buscam atingir um estado
mais elevado, ou realizar a verdade última durante esta vida terrena.
Horizontalmente as religiões são mutuamente excludentes, mas não realmente contraditórias, mas
Ramana estava mais preocupado com seu aspecto vertical, os caminhos rumo à libertação, e portanto o
seu ensinamento não colidia com nenhuma religião.
Ele guiava os que seguiam o caminho mais direto e central, que é a busca pelo Eu que ele ensinava; e,
para este caminho, qualquer religião pode servir de base.
Ramana aprovava todas as religiões, e se alguém que não seguisse nenhuma religião formal fosse seguir
seus ensinamentos, ele não pedia que eles escolhessem uma religião.
P.: É útil se banhar no Ganges?
R.: O Ganges está dentro de você. Banhe-se neste Ganges; ele não vai fazer você tremer de frio.
P.: Nós deveríamos ler o Bhagavad Gita?
R.: Sempre.
P.: Podemos ler a Bíblia também?
R.: A Bíblia e o Gita são o mesmo.
P.: A Bíblia ensina que o homem nasce por meio do pecado.
R.: O homem é pecado. Não existe o sentimento de ser um ser humano durante o sono profundo. O
pensamento-corpo faz nascer a idéia do pecado. O nascimento do pensamento em si é o pecado.
P.: A Bíblia diz que a alma humana pode ser perdida.
R.: O que é perdido é o pensamento-eu, que é o ego. O Eu Real é “Eu sou o que Eu sou”, e não pode ser
perdido.
A doutrina da Trindade é explicada da seguinte forma: Deus o Pai é equivalente a Ishvara, Deus o filho
é equivalente ao Guru, e Deus o Espírito Santo a Atman (o Eu Real). Deus aparece ao seu devoto sob a
forma de Guru (Filho de Deus) e lhe aponta a imanência do Espírito Santo.
Deus é o Espírito; o Espírito está imanente em toda parte; e o Eu Real, que é o mesmo que Deus, deve
ser realizado.
Ramana criticava o estar satisfeito com viver nos céus, sejam hindus ou outros, já que mesmo lá a
forma continua e o Eu Único permanece oculto.
P.: Podemos ver Deus em uma forma concreta?
R.: Sim. Deus está na mente. Uma forma concreta pode ser vista, mas isso ainda acontece na mente do
devoto. A forma e aparência sob a qual Deus se manifesta são determinados pela mente do devoto.
Mas isso não é a experiência última, pois há um sentimento de dualidade nela. É como um sonho ou
visão.
P.: Qual é a melhor de todas as religiões? Qual é o seu método?
R.: Todos os métodos e religiões são a mesma coisa.
P.: Mas diferentes métodos são ensinados para se alcançar a libertação.
R.: Por que você quer ser libertado? Por que não continuar como você é agora?
P.: Eu quero me livrar do sofrimento. Dizem que a libertação é isso.
R.: Isso é o que todas as religiões ensinam.
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P.: Mas qual é o método?
R.: Volte para o lugar de onde você veio.
P.: De onde eu vim?
R.: É exatamente isso que você precisa descobrir. Essas perguntas surgiam enquanto você dormia
profundamente? Não, mas mesmo assim você existia durante o sono. Você não era a mesma pessoa?
P.: A experiência do estado mais elevado é a mesma para todos ou há diferença?
R.: O estado mais elevado é o mesmo e a experiência também.
P.: Mas eu vejo diferenças nas interpretações dadas a essa verdade suprema.
R.: As interpretações são feitas pela mente. As mentes são diferentes, e por isso as interpretações
também diferem.
P.: Diferentes professores estabeleceram diferentes escolas e proclamaram diferentes verdades,
assim confundindo as pessoas. Por que isso?
R.: Todos ensinaram a mesma verdade, mas de pontos de vista diferentes. Essas diferenças são
necessárias para satisfazer as necessidades de diferentes mentes em diferentes contextos, mas
todos esses pontos de vista revelam a mesma verdade.
P.: Mas eles recomendavam caminhos diferentes. Qual eu devo seguir?
R.: Você fala de “caminhos” como se você estivesse em um lugar e o Eu Real em outro, e que você
devesse ir até lá atingi-lo. Mas na verdade o Eu Real está aqui e agora e você é e sempre foi Ele.
P.: Por que as religiões falam de deuses, céu, inferno, etc?
R.: Apenas para as pessoas perceberem que essas coisas estão em par de igualdade com esse nosso
mundo, e que apenas o Eu Superior é real. As religiões se expressam de acordo com o ponto de vista do
buscador.
As pessoas não compreendem a verdade simples e crua – a verdade da sua experiência diária, sempre
presente e eterna; a verdade do Eu Real! Existe alguém que não está consciente do Eu?
No entanto, as pessoas nem querem ouvir a respeito disso, mas estão ansiosas para saber o que há
além – o céu e o inferno, a reencarnação, etc.
Como as pessoas amam o que é misterioso e não a verdade nua e crua, as religiões alimentam essas
tendências, tudo para no fim levar as pessoas de volta ao Eu. Além disso, por mais que você viaje você
deverá retornar ao Eu Real no final; então por que já não permanecer nele aqui e agora?
Todas as escrituras têm por objetivo apenas fazer com que o homem retroceda sob seus passos de
volta à sua fonte original. Ele não precisa ganhar nada novo. Ele só precisa abandonar suas idéias falsas
e inúteis.
Ao invés de fazer isso, entretanto, ele busca alcançar alguma coisa estranha e misteriosa, porque
acredita que a sua felicidade está em algum outro lugar.
Todas as escrituras proclamam sem exceção que para se alcançar a libertação a mente deve ser
transcendida. E, uma vez que a pessoa saiba que seu objetivo último é o controle da mente, é fútil
fazer um estudo interminável delas.
O que é necessário para esse controle da mente é investigar dentro de si através da autointerrogação “Quem sou eu?”. Como poderia essa investigação na busca pelo Eu ser feita através do
estudo das escrituras?
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Você deve realizar o Eu Real através do seu próprio Olho da Sabedoria. Àquilo a que o “Eu” se refere
está dentro dos cinco revestimentos, enquanto que as escrituras estão fora deles.
Por isso, é fútil buscar encontrar por meio das escrituras o Eu Real, que é realizado através da
rejeição desses cinco revestimentos.
A Libertação consiste apenas em investigar “quem sou eu que estou preso?” e conhecer a sua própria
natureza. A auto-inquirição (atma-vichara) é manter a mente constantemente interiorizada e fixada no
Eu, enquanto que a meditação (dhyana) consiste em contemplar fervorosamente “eu sou o Absoluto
(Brahman)”, que é Ser-Consciência-Beatitude (Sat-Chit-Ananda).
Chegará um momento em que você deverá esquecer tudo o que aprendeu. O Homem Realizado é Aquele
a que se referem todos os atributos enumerados nas escrituras. Para ele, portanto, esses textos
sagrados são completamente inúteis.
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Da Teoria à Prática
Shankara diz que nós somos todos livres e que retornaremos a Deus, de onde viemos, como as faíscas
retornam para o fogo. Se isso é assim, por que nós deveríamos evitar cometer más ações?
Para o Eu Real não há prisão e você retornará à sua Fonte mais cedo ou mais tarde. Mas enquanto isso,
se você cometer más ações você terá que enfrentar as suas consequências. Você não pode escapar
disso.
O Ordenador controla o destino das almas de acordo com o seu prarabdha karma . O que quer que
esteja destinado a não acontecer não irá acontecer, por mais que você se esforce. O que quer que
esteja destinado a acontecer irá acontecer, não importando o que você faça para evitá-lo.
Todas as atividades que o corpo deve passar foram determinadas no momento em que ele veio á
existência. Não cabe a você aceitá-las ou rejeitá-las. A única liberdade que você tem é voltar-se para
dentro e aí renunciar às atividades.
Apenas os eventos mais importantes da vida humana estão predeterminados, ou os atos triviais tais
como tomar um copo d'água também estão?
Tudo é predeterminado. O livre arbítrio existe junto com a individualidade. Enquanto houver
individualidade haverá livre arbítrio. As escrituras todas se baseiam nesse ponto e aconselham
direcionar o livre arbítrio na direção certa.
D.: Então qual é a responsabilidade e qual é o livre arbítrio do homem?
B.: Por que este corpo surgiu? Ele foi feito para passar pelas várias experiências que foram
determinadas para a pessoa nesta vida. Quanto à liberdade, o homem é sempre livre para não se
identificar com o corpo e para não se deixar afetar pelos prazeres e dores daí resultantes.
A questão do livre arbítrio ou predestinação não surge do ponto de vista da não-dualidade. E como se
um grupo de pessoas que nunca tivesse ouvido falar do rádio se reunisse em tomo de um, discutindo se
o homem dentro da caixinha é obrigado a cantar o que lhe transmitem ou se ele pode mudar as letras.
A resposta é que não há homem dentro da caixinha, e portanto essa pergunta não surge. Similarmente,
a resposta à pergunta se o ego tem livre arbítrio ou não é que não existe ego, portanto a pergunta é
irrelevante.
De acordo com o ensinamento de Bhagavan a individualidade possui apenas uma existência ilusória.
Enquanto a pessoa imaginar que tem uma individualidade ela também imaginará que esta possui livre
arbítrio. Os dois coexistem.
O problema da predestinação e do livre arbítrio sempre atormentou os filósofos e teólogos, e sempre
continuará a fazê-lo, pois ele é insolúvel no plano da dualidade, ou seja, no plano da suposição de que
existe um ser que é o Criador e todos os outros seres, separados Daquele, que são as criaturas.
Se estas têm livre arbítrio então Ele não é onipotente e onisciente - Ele não sabe o que vai acontecer,
pois isso depende do que eles decidem; e Ele não pode controlar todos os acontecimentos, pois elas
têm o poder de mudar seu curso.
Por outro lado, se Ele é onisciente e onipotente Ele já sabe todo o que vai acontecer e controla tudo,
portanto as criaturas não têm nenhum poder de escolha, ou seja, nenhum livre arbítrio.
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Mas no nível de advaita ou não-dualidade o problema desaparece. Na verdade o ego não tem livre
arbítrio, pois não há ego; mas a nível de realidade aparente o ego consiste de livre arbítrio - é a ilusão
do livre arbítrio que cria a ilusão de existir um ego.
Descubra quem tem livre arbítrio ou predestinação e permaneça nesta fonte. Então, ambos são
transcendidos. Esse é o único propósito de se discutir essas questões. Para quem surgem estas
questões? Descubra isso e fique em paz.
O único caminho do karma, bhakti , yoga e jnana é investigar quem é que tem karma, vibhakti (falta de
devoção), viyoga (separação) e ajnana (ignorância).
Através dessa investigação o ego é descoberto como inexistente, e esses defeitos são inexistentes. A
Verdade é então revelada: nós somos e sempre fomos o Eu Real livre dessas qualidades negativas.
Enquanto o homem se considerar o agente ele também colherá os frutos de suas ações; mas assim que
ele realiza o Eu através da investigação "Quem age?", seu sentimento de ser o agente desaparece, e o
karma triplo se extingue. Esse é o estado de libertação eterna.
Todos nós somos na verdade Sat-chit-ananda (Existência- Consciência-Beatitude), mas as pessoas
imaginam que estão presas e por isso experimentam todo esse sofrimento.
A pessoa passa por inúmeras austeridades e disciplinas apenas para tomar-se aquilo que já é. Todo
esforço tem como único propósito libertar a pessoa da falsa impressão de que ela está limitada e
presa ao sofrimento de samsara.
D.: Existe predestinação? E se o que está destinado a acontecer irá acontecer de qualquer maneira, há
alguma utilidade em orar ou nos esforçarmos?
B.: Só há duas maneiras de conquistar o destino ou ser independente dele. Uma é investigar quem está
submetido a esse destino e descobrir que é apenas o ego que está preso a ele e não o Eu Real, e que o
ego é não-existente.
A outra forma é matar o ego através da entrega absoluta a Deus, e deixando que Deus faça o que
quiser com você. A verdadeira entrega é amar a Deus pelo próprio amor, e não a fim de ganhar alguma
outra coisa, nem mesmo a salvação.
Em outras palavras, para conquistar o destino é preciso apagar o ego completamente, quer você faça
isso por meio da auto-inquirição (atma-vichara) ou por meio do caminho da devoção.
O esforço é necessário. Na vida real todos percebem isso. O homem faz o esforço físico de colocar a
comida na boca e mastigar; ele não diz: Qual é a utilidade de comer se eu estiver predestinado a
morrer de fome? Por que aplicaríamos uma lógica diferente ao esforço espiritual?
D.: Poderia o Bhagavan explicar qual é a melhor maneira de praticar meditação e qual forma o objeto
da meditação deveria ter?
B.: A consciência sem esforço e sem escolhas é a nossa verdadeira natureza. Mas a pessoa não
consegue alcançá-lo sem o esforço da prática deliberada da meditação, pois todas as vasanas
(tendências mentais latentes) enraizadas a levam em direção aos objetos dos sentidos.
Todas essas vasanas devem ser abandonadas e a mente deve ser interiorizada e ficar em silêncio, mas
isso requer esforço. Mesmo se você encontrar alguém que alcançou espontaneamente esse estado
supremo de quietude pode ter certeza que é porque todo o esforço já foi feito em vidas passadas.
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Assim, a consciência natural e não discriminativa só é alcançada depois do esforço da meditação. A
forma da meditação vai depender do que lhe atrai mais. Veja o que lhe ajuda a afastar todos os outros
pensamentos e adote isso para sua meditação.
A Bem-Aventurança é o resultado da quietude, mas por mais que você diga à sua mente essa verdade,
ela não ficará quieta. É a mente que diz para a mente ficar quieta a fim de atingir essa Felicidade, mas
ela não o faz.
Sempre nos perdemos no mundo de Maya (ilusão) e dos objetos dos sentidos. É por isso que é
necessário o esforço consciente e deliberado para se alcançar esse estado de quietude natural.
Até o estado natural supremo ser alcançado, é impossível ao homem não fazer esforço. A sua própria
natureza o compele ao esforço.
D.: Eu deveria então tentar não fazer esforço algum?
B.: Agora é impossível para você não se esforçar; quando você for mais fundo, o esforço é que será
impossível.
Se você consegue apenas permanecer quieto sem se envolver em nenhuma outra atividade, isso é ótimo.
Mas se isso não for possível, qual é a utilidade de permanecer inativo apenas em relação à busca pela
Realização?
Enquanto você for obrigado a ser ativo não desista do esforço de Realizar o Eu verdadeiro.
A meditação é uma luta, assim que você começa a meditar outros pensamentos o invadem, ganham
força, e tentam esmagar o pensamento ou objeto único que você tenta manter. Com a prática repetida,
a capacidade da mente de manter-se nesse pensamento único aumenta gradualmente.
Quando o pensamento ou objeto único for forte o suficiente os outros pensamentos serão expulsos.
Essa é a batalha constante da meditação. Enquanto houver ego o esforço é necessário. Quando o ego
cessa as ações se tornam espontâneas.
Ninguém tem sucesso sem esforço. O controle da mente não é seu direito de nascença, os poucos que
dominam a mente alcançaram isso graças ao seu esforço perseverante.
D.: Por que eu deveria tentar alcançar a Realização?
B.: Em um sonho você nem suspeita que está sonhando, e por isso você não tem nenhuma obrigação de
se esforçar para sair dele. Mas nesta vida você tem alguma intuição de que ela é uma espécie de sonho,
e essa intuição lhe traz o dever de fazer um esforço para acordar.
Mas quem vai querer que você realize o Eu Real se você não o quiser? Se você prefere estar nesse
sonho continue assim como você é. Lembre-se de que mesmo esse esforço espiritual é parte da ilusão
de que você é um ser individual.
A nossa vida acordado é também um sonho, semelhante ao que temos enquanto dormimos. Mas em
nossos sonhos nós não fazemos nenhum esforço consciente para nos livrarmos dele e acordar, pois o
sonho chega a um fim naturalmente e então acordamos.
Por que o estado de vigília, que não passa de sonho, não chega a um fim por si só sem nenhum esforço
da nossa parte, nos deixando assim no verdadeiro despertar ou Realização?
Você pensar que deve fazer um esforço para se libertar desse sonho da vigília, e os esforços que você
faz para alcançar a Realização, são tudo partes do sonho.
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Quando você alcançar a Realização você verá que não havia nem o sonho do sono nem o estado de
vigília, mas apenas você mesmo e seu verdadeiro estado em todos os momentos.
D.: É verdade que apenas aqueles que são escolhidos pata a Auto-Realização a alcançam?
B.: Isso apenas significa que nós não podemos atingir a realização do Eu pelo poder de nossa própria
mente se não tivermos a ajuda da graça de Deus. A graça não vem arbitrariamente, mas vem de acordo
com o merecimento pelos esforços feitos nesta vida ou em vidas passadas.
A Graça é necessária para remover a ignorância, mas a Graça está sempre presente. A Graça é o Eu
verdadeiro. Ela não é algo novo a ser obtido. Tudo o que é preciso é conhecer sua existência.
O sol está lá, brilhando, e você está cercado pela luz solar; mesmo assim, se você quiser conhecer o sol
você deve voltar os olhos na sua direção e olhar para ele. Da mesma forma, a Graça só é encontrada
por meio do esforço, embora ela esteja sempre aqui e agora.
Entregue-se de uma vez por todas e acabe com o desejo. Enquanto houver a noção de que você é o
agente, o desejo vai continuar, e assim o ego também.
A prisão é o sentimento de ser o agente, e não as ações em si. Permaneça quieto e saiba que “Eu sou
Deus". A quietude é a entrega total, sem nenhum vestígio de individualidade. Então a quietude
prevalecerá e não haverá agitação na mente.
A agitação mental é a causa do desejo, do sentimento de ser o agente, e da personalidade. Se ela é
aquietada há o silêncio. Nesse sentido, conhecer significa ser.
Se a mente imatura não sente a graça de Deus isso não significa que esta não está presente, pois isso
implicaria que às vezes Deus não é gracioso. Cristo disse: "Cada um receberá de acordo com a sua fé".
Para a realização do Ser, a ajuda do Atman é necessária, pois foi o próprio Atman que se ocultou sob o
véu de Maya. Quando o sol nasce apenas algumas flores desabrocham, mas não todas. Isso é culpa do
sol? As flores não podem desabrochar por si mesmas; elas precisam da luz do sol para isso.
D.: Se Atman velou a si próprio não deveria ele mesmo remover esse véu?
B.: Ele o fará. Mas perguntem-se, quem está reclamando do véu? Se é o Atman que reclama do véu
então ele o removerá. Voltar-se a Deus e desejar sua graça já é em si resultado da sua Graça.
Se um homem ignorante não está consciente do Atman que ilumina a si próprio, isso é o resultado da
sua própria ignorância. O Senhor Supremo é graça eterna. Por isso na verdade não existe nenhum ato
pessoal de "dar" a Graça.
Dúvidas sempre surgem, mas não é possível esclarecer todas as dúvidas. Ao invés disso, descubra para
quem as dúvidas surgem. Vá à fonte do "eu" que duvida e fique lá. Então as dúvidas param de surgir. É
assim que as dúvidas devem ser afastadas.
A graça não é algo fora de você. Na verdade, o seu desejo por obter graça é um resultado da graça
que já está trabalhando em você. Por "graça" entende-se tanto a graça de Deus quanto a graça do
Guru.
Sua prática já é um resultado dessa graça. Os frutos da graça surgem naturalmente através da
prática.
A Graça do Guru está sempre ai. Você imagina que ela está em algum lugar lá no alto do céu e que deve
descer, mas na verdade ela está dentro de você, no seu coração, e no momento em que você mergulha a
mente na sua Fonte, a Graça surge como que jorrando de uma fonte no seu interior.
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— Capítulo Três —
A VIDA NO MUNDO
Uma vez que alguém decida começar a praticar os ensinamentos de Bhagavan, uma pergunta que pode
surgir é como isso irá afetar a sua vida no mundo. O Hinduísmo não necessariamente prescreve uma
renúncia física como condição para uma vida espiritual ativa.
Pelo contrário, a condição da família é honrada e o caminho da ação correta é visto como legítimo, um
homem só deveria se entregar à vida sem lar de um renunciante depois de ter cumprido os seus
deveres como chefe de família.
Se você se tornar um sannyasin (renunciante) você será perseguido pelo pensamento de que é um
sannyasin. Sua mente irá persegui-lo quer você viva em casa quer renuncie ao mundo para viver numa
floresta.
O ego é a fonte do pensamento; ele cria o corpo e o mundo, e faz você acreditar que é uma pessoa do
mundo. Se você renunciar, o ego simplesmente substitui a ideia "sou uma pessoa mundana" pela ideia
"sou um renunciante".
Os obstáculos mentais estarão lá à sua espera, eles até aumentam bastante em novos ambientes.
Mudar de ambiente não ajuda. O único obstáculo é a mente, e essa precisa ser superada, em casa ou na
floresta. Os seus esforços podem ser feitos agora mesmo, qualquer que seja o ambiente.
D.: É possível desfrutar o samadhi mesmo enquanto estamos ocupados com o trabalho mundano?
B.: O sentimento "eu trabalho" é o obstáculo. Pergunte-se: "Quem trabalha?". Lembre-se quem é você.
Então o trabalho não irá aprisioná-lo; ele prosseguirá automaticamente. Não faça nenhum esforço nem
para trabalhar nem para renunciar ao trabalho; o seu esforço é que é a prisão.
O que está destinado a acontecer irá acontecer. Se você está destinado a trabalhar não poderá evitar
o trabalho; você será forçado a se envolver com ele.
Se você está destinado a não trabalhar, não conseguirá encontrar trabalho. Portanto, deixe isso nas
mãos do Poder Maior. Não é escolha sua se você renuncia ou não.
D.: Acredito que a castidade é necessária para o sucesso na auto-inquirição, estou certo?
B.: Primeiro descubra quem é o marido e quem é a esposa. Então essa pergunta não vai surgir.
Brahmacharya significa "viver em Brahman" e não propriamente "celibato" como é geralmente
entendido. Um verdadeiro Brahmachari é alguém que vive em Brahman e encontra a felicidade em
Brahman, que é idêntico ao Eu Real. Então por que deveria ele procurar outras fontes de felicidade?
O celibato é somente uma ajuda entre outras. Um homem casado também pode alcançar a compreensão
do Eu Real É uma questão de aptidão mental. Casado ou não o homem pode realizar o Eu Real, pois este
está aqui e agora.
"Sannyasa" significa renunciar à sua individualidade, e não raspar a cabeça e vestir um manto ocre.
Uma pessoa pode ser alguém do mundo, mas se ela não tiver nenhum pensamento a respeito disso e
abandonar as noções "eu sou um chefe de família", então na verdade ela é um sannyasin.
Da mesma forma, mesmo que alguém se vista como um renunciante e viva como tal, se ele tiver a noção
"sou um renunciante" então não o é. Pensar sobre a própria renúncia frustra a sua finalidade.
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Os seus deveres ou ocupações na vida não devem atrapalhar o seu esforço espiritual. No trabalho você
está desapegado: você apenas cumpre o seu dever e não se importa com o que vai acontecer, não está
preocupado com o ganho ou perda do seu chefe ou empregador.
Já os seus deveres com a família são desempenhados com apego, você está sempre preocupado se as
suas ações vão trazer benefício a você e sua família. Mas é possível desempenhar todas as atividades
da vida com desapego e ver apenas o Eu Superior como real.
É errado pensar que se você permanecer fixado no Eu Real as obrigações da vida não serão bem
desempenhadas. É como um ator no palco, ele se veste do personagem, age como ele e até sente que é
parte da peça, mas na verdade sabe que na vida real não é o personagem.
Por que deveria o sentimento "eu sou o corpo" lhe perturbar, uma vez que você saiba que na verdade
você não é o corpo, mas sim o Eu Real? Nada que o corpo faça deveria afastá-lo da permanência como
Eu real.
É possível a um sábio chefe de família cumprir seus deveres sem nenhum apego, considerando a si
mesmo apenas como um mero instrumento para isso. Uma atividade assim não é um obstáculo ao
Caminho da Sabedoria (Jnana).
Apenas aos olhos dos outros parece que o chefe de família iluminado está envolvido com suas tarefas
domésticas, interiormente ele está imóvel e nada faz. As suas atividades exteriores não o impedem de
viver a paz perfeita da solidão.
D.: Eu deveria me afastar do trabalho e me dedicar ao estudo do Vedanta?
B.: Se os objetos tivessem uma existência independente, então seria possível você se afastar deles.
Mas a existência deles depende de você, do seu pensamento. Então onde você pode ir para fugir deles?
Quanto a estudar o Vedanta, você pode continuar lendo quantos livros quiser sobre o assunto - os
livros só podem lhe dizer para realizar o Eu Real que está dentro de você. O Eu Real não pode ser
encontrado nos livros. Você precisa encontrá-lo por você mesmo, em você mesmo.
D.: É útil fazer um voto de silêncio?
B.: A entrega é o silêncio interior, e entregar-se significa viver sem um sentido de ego.
A solidão está na mente do homem. Um homem pode estar em meio a uma multidão e se manter uma
perfeita serenidade mental. Uma pessoa assim está sempre em solidão.
Outra pode viver em uma floresta, mas mesmo assim ser incapaz de controlar sua mente, não se pode
dizer que ele vive em solidão.
A solidão é uma atitude da mente. Um homem apegado às coisas da vida não está sozinho nunca, não
importa onde ele esteja, enquanto que um homem desapegado vive sempre na solidão.
Quando a mente se interioriza, ela permanece ativa de uma forma diferente, e então a pessoa não está
ansiosa por falar. A finalidade do voto de silêncio é limitar as atividades mentais provocadas pela fala,
mas se a mente é controlada diretamente isso se torna desnecessário e o silêncio passa a ser natural.
Não é possível abandonar as atividades se a mente não estiver madura para isso. A ação feita
abnegadamente purifica a mente e a ajuda a concentrar-se na meditação.
D.: Mas e se eu fosse apenas meditar e não fazer mais nada?
B.: Tente e veja. As suas tendências mentais inerentes não lhe deixarão em paz. A meditação só
acontece passo a passo, com o enfraquecimento gradual das tendências por meio da graça do Guru.
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Você deve ficar onde você está agora. Mas onde está você? Você está na casa ou a casa está em você?
Existe alguma casa separada de você? Se você se estabilizar na sua própria morada você verá que
todas as coisas desaparecerão em você e perguntas como essas se tornarão desnecessárias.
O mundo está apenas na mente. Ele não declara: "Eu sou o mundo!". Se o fizesse, ele deveria ser algo
permanente e sempre presente, mesmo no seu sono. Como o mundo não está presente durante o sono,
ele é impermanente. Sendo impermanente, não é real.
Apenas o Eu é permanente. Renúncia é a não-identificação do Eu com o não-Eu. Quando a ignorância
desaparece, o não-Eu cessa de existir. Essa é a verdadeira renúncia.
D.: Então por que você deixou sua casa quando era jovem?
B.: Esse era meu prarabdha-karma (destino desta vida). A trajetória de vida de cada pessoa é
determinada pelo seu prarabdha. Meu prarabdha é desta maneira; o seu, de outra.
D.: Por que o mundo está envolto em ignorância?
B.: Cuide de si mesmo e deixe que o mundo cuide dele mesmo. O que é o seu eu? Se você é o corpo
então também existe um mundo físico, mas se você é o Espírito então apenas o Espírito existe.
D.: O que o Bhagavan acha da reforma social?
B.: A auto-reforma automaticamente reforma a sociedade. Cuide de sua reforma interior e a reforma
social irá cuidar de si mesma.
Tudo o que é necessário, então, é se submeter completamente à vontade de Deus e cumprir seus
deveres, representando com total confiança seu papel no palco da vida. Isso é tudo o que se espera da
pessoa, ela não é responsável pelos resultados das suas ações, só Deus é.
B.: Agora eu lhe farei uma pergunta: quando um homem entra no trem onde ele coloca sua bagagem?
D.: No bagageiro.
B.: Ele não a carrega na sua cabeça ou no colo, não é?
D.: Seria tolice fazer isso.
B.: No entanto, é mil vezes mais tolo querer carregar o seu próprio fardo uma vez que se tenha
iniciado a busca espiritual, quer seja pelo caminho do conhecimento (jnana) quer pelo da devoção
(bhakti).
É tolice dizer que você carrega e sustenta todos os cuidados, fardos e responsabilidades da vida. O
Senhor do universo carrega todo o fardo – você apenas imagina fazê-lo. Você pode seguramente
entregar todos os seus fardos e problemas a Ele.
Então o que quer que você precise fazer acontecerá no momento certo, e você será apenas um
instrumento para isso. Não imagine que você não possa agir a não ser que tenha o desejo de fazê-lo.
Não é o desejo que lhe dá a força necessária (para agir), a força é a de Deus.
D.: O Bhagavan faria a gentileza de dar a sua opinião a respeito do futuro do mundo, já que estamos
vivendo em tempos de crise?
B.: Por que se preocupar com o futuro? Você nem conhece o presente direito. Cuide do presente e o
futuro cuidará de si próprio.
Existe um Ser que governa o mundo e é Sua tarefa cuidar dele. Aquele que deu vida ao mundo também
sabe como cuidar dele. Ele carrega o fardo do mundo, e não você.
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Como você é, assim é o mundo. Qual é a utilidade de tentar entender o mundo sem entender a si
mesmo? Os buscadores da Verdade não precisam se preocupar com isso. As pessoas desperdiçam sua
energia com essas perguntas desnecessárias.
Primeiro descubra a Verdade por trás de você, e então você estará em uma posição melhor para
entender a Verdade por trás do mundo do qual você é uma parte.
Isso não significa que o ensinamento de Ramana Maharshi incentivava a frieza ou indiferença ao
sofrimento humano. Aqueles que sofriam deveriam ser ajudados, mas ajudados num espírito de
humildade.
O que ele desencorajado era o sentimento de auto-importância inerente ao esforço de tentar fazer o
papel da Providência.
Do ponto de vista de Jnana ou Realidade, o sofrimento é um sonho, assim como o mundo inteiro, do qual
esse sofrimento é uma parte ínfima, também o é. No sonho que você tem enquanto dorme você sente
fome e vê os outros sofrendo de fome.
Você se alimenta e, movido por compaixão, alimenta os outros que também passam fome. Enquanto o
sonho durava, todo esse sofrimento era tão real quanto é o sofrimento que você vê no mundo agora.
Foi só depois de acordar que você descobriu que esse sofrimento era irreal.
Você pode ter comido bastante antes de dormir, mas mesmo assim você sonhou que estava trabalhando
o dia inteiro sob o sol ardente e que estava cansado e com sono. Então você acorda e descobre que seu
estômago estava cheio e que você não saiu da cama.
Mas isso não significa que enquanto você está no sonho você pode agir como se o sofrimento que
sentisse não fosse real. A fome no sonho deve ser satisfeita pela comida do sonho. As outras pessoas
famintas que você encontra no sonho devem ser alimentadas com comida do sonho.
Você nunca pode misturar os dois estados, o sonhar e o estar desperto.
Da mesma forma, até que você alcance o estado de Realização, e assim desperte desse mundo
fenomênico ilusório, você deve aliviar o sofrimento alheio sempre que entrar em contato com ele.
Mas mesmo assim você deve agir sem ego, isto é, sem o sentimento de que é você quem está agindo e
ajudando.
Em vez disso você deve sentir: "Eu sou o instrumento de Deus". Você também não deve ser vaidoso e
pensar: "Eu estou ajudando um homem que está numa situação pior que eu. Ele precisa de ajuda e eu
posso ajudá-lo. Eu sou superior e ele é inferior".
Você deve ajudá-lo como um meio de venerar a existência de Deus nele. Todo serviço feito assim é um
serviço prestado ao Eu Real, e não a ninguém em particular. Você não está ajudando ninguém além de si
mesmo.
Em geral o Bhagavan desencorajava a atividade política dentre aqueles que se dedicavam à busca. O
seu dever é Ser, e não ser isso ou aquilo. "Eu sou o que sou" resume toda a Verdade. E o método é a
quietude.
Mahatma Gandhi se rendeu ao Poder Divino e trabalhou sem nenhum interesse pessoal. Ele não se
preocupa com os resultados de suas ações, mas aceita-os como eles vêm. Essa deve ser a atitude de
todos aqueles que trabalham.
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D.: Dizem que há vários santos no Tibete que vivem solitariamente e mesmo assim ajudam muito o
mundo. Como pode isso?
B.: Isso é perfeitamente possível. A Realização do Eu é a maior ajuda que pode ser dada à humanidade.
Por isso é que se diz que os santos ajudam, mesmo que eles vivam sozinhos em florestas.
Mas deve ser lembrado que a solidão não está apenas nas florestas: mesmo em meio à grande atividade
mundana a pessoa pode estar interiormente em silêncio.
D.: Não é necessário que os santos se misturem com os outros?
B.: O Eu Real é a única Realidade; o mundo e o resto não são reais. O Ser Realizado não vê o mundo
como algo diferente de si mesmo.
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— Capítulo Quatro —
O GURU
D.: O Bhagavan disse que sem a graça do Guru o Eu não pode ser realizado. Qual é o significado disso?
B.: Do ponto de vista do caminho do conhecimento (jnana marga), o Guru é o estado supremo do Eu
Real. Ele é diferente do "eu" ego que você acredita ser.
O ego é o ser individual, e ele não é o mesmo que o Eu Real, que é Deus. Quando o ego se aproxima de
Deus com devoção sincera, Deus graciosamente toma um nome e uma forma e atrai o devoto para Si.
Por isso se diz que o Guru nada mais é do que Deus. Ele é uma corporificação da Graça Divina.
No caso de algumas grandes almas, não é preciso a figura do Guru,Deus se revela como a Luz da Luz
interior.
Um Guru não precisa necessariamente ter uma forma física. Dattatreya disse que teve vinte e quatro
Gurus - os cinco elementos, etc. Isso quer dizer que qualquer forma no mundo era seu Guru. O Guru é
absolutamente necessário.
Primeiro o homem reza a Deus para ter seus desejos satisfeitos. Mas chega um dia em que ele não
busca mais a satisfação desses desejos, mas ora para encontrar Deus. Então, Deus aparece ao devoto
como Guru, seja em forma humana ou em outra forma, para assim guiá-lo à Realização.
Em alguns casos raros o Guru não precisa necessariamente tomar uma forma humana.
Deus, Guru, e Eu Real são a mesma coisa. No senso comum do mundo um Guru é alguém que foi
investido do poder de iniciar discípulos e lhes prescrever uma disciplina espiritual.
A autoridade deste Guru e a validade de sua iniciação e ensinamento dependeriam mais de sua
investidura legítima como sendo sucessor de uma linhagem de Gurus, do que das suas próprias
"conquistas espirituais".
D.: Há algum benefício em recitar mantras escolhidos ao acaso, sem ter sido iniciado neles?
B.: Não. A pessoa deve ter sido iniciada neles e autorizada a usá-los.
Normalmente quando Bhagavan dizia "Guru" ele queria dizer algo muito maior do que isso. Ele se
referia ao Sad-Guru, ou Gurudeva, e isso, no significado mais elevado, nada mais é do que alguém que
compreendeu sua identidade com o Eu Real.
O Guru é alguém que permanece constantemente imerso nas profundezas do Eu Real. Ele nunca vê
nenhuma diferença entre os outros e si mesmo, e está livre até mesmo da ideia de que ele é o
Iluminado ou o liberto.
Upadesa significa literalmente "devolver um objeto para o seu lugar apropriado". A mente do discípulo,
que se tornou diferenciada da sua fonte original de Puro Ser, se afasta dela e busca constantemente
os objetos de gratificação dos sentidos.
Upadesa é o trabalho do Guru de restabelecer a mente em seu estado original, e evitar que ela se
afaste do Puro Ser de identidade absoluta com o Eu Real ou, em outras palavras, do Ser do Guru.
Upadesa pode ser entendida como "trazer para perto um objeto distante", consiste em o Guru mostrar
ao discípulo que o que este considerava distante e diferente de si mesmo é na verdade imediato e
idêntico a ele.
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O Ser do Guru é idêntico ao Ser do discípulo. No entanto, apenas muito raramente uma pessoa pode
realizar seu verdadeiro Ser sem a graça do Guru. O Guru não é exatamente um indivíduo de carne e
osso.
Você não precisa fazer nada. Apenas permaneça como você é no seu estado verdadeiro. Essa é a
verdade sobre o Guru.
O verdadeiro Guru, está no coração da pessoa e também se manifesta exteriormente. Enquanto que o
Guru exterior empurra para dentro a mente da pessoa, o Guru interior a puxa do lado de dentro.
O Guru é o Eu verdadeiro. Chega um momento em que o homem fica insatisfeito com a sua vida e,
descontente com o que possui, ora a Deus buscando a satisfação de seus desejos.
Aos poucos sua mente vai se purificando, até que ele deseja conhecer a Deus, mais para obter Sua
graça do que para satisfazer seus desejos mundanos.
Com isso a graça de Deus começa a se manifestar. Deus então assume a forma de um Guru e aparece
ao devoto, ensina-lhe a Verdade e purifica-lhe a mente por meio de sua presença. Assim a mente do
devoto se fortalece, sendo então capaz de voltar-se para o interior.
Pela prática da meditação ela se torna ainda mais pura, até que ela permaneça calma sem o menor
movimento. Essa calma é o Eu Real.
O Guru é tanto "externo" quanto "interno". Do "lado de fora" ele dá um "empurrãozinho" para que a
mente se interiorize; do "interior" ele puxa a mente em direção ao Eu Real e ajuda a aquietá-la.
O mestre está no interior. O propósito da meditação é remover a ideia equivocada de que o mestre é
apenas exterior. Se ele fosse um ser estranho pelo qual você espera, ele também estaria fadado a
desaparecer. De que adianta um ser transitório como esse?
Enquanto você se acreditar separado, ou considerar-se um corpo, o Mestre "exterior" também será
necessário, e Ele aparentará ter um corpo. Quando você deixar de se identificar com o corpo você
descobrirá que o Mestre nada mais é do que o Eu Real.
O Guru não o toma pela mão e sussurra em seu ouvido. Talvez você imagine que o Guru é como você.
Como você pensa que possui um corpo você também o vê como um corpo, e espera que ele faça algo
tangível para você.
Deus, que é imanente, na sua Graça tem compaixão do devoto amoroso, e então se manifesta a ele de
acordo com o seu grau de desenvolvimento.
Mas o Guru, que é Deus, ou o Eu Real personificado, trabalha no interior, ajudando o homem a
perceber suas faltas e guiando-o no caminho correto, até que este realize o Eu Real dentro de si.
O devoto só precisa viver de acordo com as palavras do Mestre e trabalhar no seu interior. O Mestre
está tanto "dentro" quanto "fora"; portanto, O Mestre lhe dá um "empurrão" de fora e um "puxão" de
dentro, a fim de que você possa fixar-se no Centro.
Com o tempo você perceberá que a Felicidade só surge quando você deixa de existir. A fim de alcançar
esse estado você deve entregar-se. Então o mestre perceberá que você está em um estado propício
para receber o ensinamento, e assim Ele irá guiá-lo.
Enquanto você busca a Auto-Realização o Guru é necessário. Tome o Guru como sendo seu verdadeiro
Eu, e você como sendo o eu individual (ego).
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Enquanto a dualidade persiste em você o Guru é necessário. Como você se identifica com o corpo você
pensa que o Guru também é o corpo. Nem você nem o Guru são o corpo. Você é o Eu Real, o Guru
também.
Um Guru completo e perfeito não chama a si mesmo de "Guru", e nem chama ninguém de "meus
discípulos", já que isso seria uma afirmação de relacionamento, e assim, de dualidade.
Embora ele instrua os seus discípulos, ele não se considera seu Guru, pois compreende que "Guru" e
"discípulo" são meras convenções nascidas de maya (ilusão).
Bhagavan iniciava seus discípulos por meio do silêncio, ou em sonhos quando distante deles, ou através
do olhar quando estes estavam na sua presença física. Todavia, ele não os chamava de "discípulos" e
nem dava a iniciação formal, o que postularia a dualidade.
Dakshinamurti apenas sentava-se em silêncio. Os discípulos apareciam na sua frente e ele mantinha o
silêncio. O silêncio é o ensinamento mais poderoso.
O Guru é silencioso e com isso a paz prevalece em todos. O seu silêncio é mais vasto e mais eloquente
que todas as escrituras juntas. A fé completa no Guru é necessária mas, como explicado no capítulo
anterior, o esforço também o é.
Às vezes Ramana explicava que a relação Guru-discípulo era necessária do ponto de vista do discípulo,
já que este via as coisas a partir do ponto de vista da dualidade. Assim, o discípulo podia dizer que seu
Guru era tal, apesar de o Guru não afirmar que este era seu discípulo.
O Guru ou Jnani (Iluminado) não vê nenhuma diferença entre si mesmo e os outros. Para ele todos são
Jnanis, todos são um com ele mesmo, então como ele pode dizer que tal e tal pessoa é seu discípulo?
Mas o homem não liberto vê tudo como múltiplo, vê todas as coisas como diferentes de si mesmo,
então para ele a relação Guru-discípulo é uma realidade.
A forma mais elevada de graça é o silêncio. O silêncio é o maior ensinamento também. Todas as outras
formas de instrução espiritual derivam do silêncio, sendo assim secundários. O silêncio é o
ensinamento original. Através do silêncio do Guru a mente do buscador purifica a si mesma.
Assim como um homem que está muito bêbado nem se dá conta se está vestido ou nu, o Jnani quase não
tem consciência do seu corpo, e para ele não faz nenhuma diferença se o corpo permanece vivo ou cai
morto na terra.
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— Capítulo Cinco —
AUTO-INQUIRIÇÃO
A auto-inquirição (atma vichara) não é um método novo. Nos tempos antigos este era um caminho
reservado aos poucos que heroicamente se retiravam do mundo e viviam na solidão, dedicando seu
tempo unicamente à meditação.
Nos tempos modernos esse método se tornou cada vez mais raro. O que Ramana Maharshi fez foi
restabelecê-lo de uma forma nova, combinado com o caminho da ação (karma marga), de tal forma que
ele pudesse ser usado nas condições do mundo moderno.
Como não requer nenhuma ritualística ou forma exterior, ele é o método ideal para as necessidades da
contemporaneidade.
Para a aquietação da mente não há nenhum outro meio mais eficaz do que a auto-inquirição. Através
dos outros métodos a mente apenas parecerá ter se aquietado, mas ela surgirá novamente.
Este é o método direto. Todos os outros métodos só podem ser praticados retendo-se o ego, e neles
surgem muitas dúvidas, enquanto que a pergunta última é apenas atacada no final. Mas neste método, a
pergunta última é a única pergunta e ela é levantada desde o começo.
A auto-inquirição o leva diretamente à Auto-Realização, pois remove os obstáculos que fazem você
acreditar que o Eu Real ainda não foi alcançado.
A diferença entre a meditação e a auto-inquirição é que a meditação requer um objeto sobre o qual se
foca a atenção, enquanto que na auto-inquirição há apenas o sujeito e nenhum objeto.
Todos os outros métodos (sadhanas), com exceção da auto-inquirição, pressupõem a retenção da
mente como um instrumento de prática do caminho, e sem a mente não podem ser praticados.
Com isso o ego pode assumir formas mais sutis e elevadas nos diferentes estágios da prática, sem ser
ele mesmo destruído. A tentativa de destruir o ego ou a mente por outros métodos que não atma
vichara é como o ladrão que se torna policial para pegar o ladrão que é ele mesmo.
Apenas atma vichara pode revelar a verdade de que nem o ego nem a mente realmente existem, assim
possibilitando a realização do Ser puro e indiferenciado do Eu Real ou Absoluto.
Pedir que a mente destrua a mente é como fazer do ladrão o policial: ele irá com você e vai parecer
que ele prendeu o ladrão, mas nada será feito.
Então o que você precisa fazer é olhar para dentro e ver de onde a mente surge. Uma vez que você vê
a Fonte da mente, ela desaparecerá.
Na prática, a mente só pode ser extinta com a ajuda da mente. Mas a diferença é que ao invés de
começar dizendo que a mente existe e que eu quero destruí-la, você começa buscando sua fonte, e
quando você encontra a Fonte você vê que a mente não existe.
Pode-se dizer que a mente cessa de existir ou que ela se transforma no Eu Real, o significado é o
mesmo.
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Não significa que a pessoa se torna inerte e fria como uma pedra, mas que a Pura Consciência do Eu
Real não está mais confinada aos estreitos limites de uma mente individualizada, e que a pessoa não
mais vê através de uma lente obscura (o ego), mas com clareza.
Através da investigação firme e contínua da natureza da mente, a mente é transformada no Eu Real. A
mente sempre depende de algo grosseiro para sua existência; ela nunca subsiste por si mesma. E a
mente que também é chamada de corpo sutil, ego (ahamkara) e alma (jiva).
A mente é aquilo que surge no corpo físico como sendo o "eu". Se alguém investigar onde esse
pensamento”eu” surge no corpo, descobrirá que é no Coração.
O Coração é a fonte e o suporte da mente. Ou então, se alguém repetir interiormente para si mesmo
"eu-eu" de forma contínua e com a mente toda focada no Coração, chegará à mesma Fonte.
O primeiro pensamento a surgir na mente é o pensamento-eu. Todos os outros inumeráveis
pensamentos surgem apenas depois do pensamento-eu e têm nele sua origem.
Apenas depois do pronome de primeira pessoa, "eu", surgir, é que os pronomes de segunda e terceira
pessoa, "tu" e "ele", ocorrem para a mente; estes não subsistem sem aquele.
Como todos os outros pensamentos só podem surgir depois do aparecimento do pensamento”eu”, e
como a mente nada mais é do que um conglomerado de pensamentos, é apenas através da inquirição
"Quem sou eu?" que a mente será extinta.
Além disso, o pensamento”eu” implícito na investigação "Quem sou eu?" destruirá todos os outros
pensamentos e, como a vareta usada para avivar a lareira, no final ele mesmo será consumido.
A auto-inquirição ensinada por Ramana Maharshi é algo bem diferente da introspecção aconselhada
pelos psicólogos. Na verdade, atma vichara não é um processo mental, em absoluto.
A "introspecção" é estudar os conteúdos e a composição da mente, enquanto que a auto-inquirição é um
esforço de investigar a origem da mente a fim de chegar ao Eu Real, que é sua fonte.
Libertação é perguntar: "Quem sou eu que estou preso?" e assim conhecer sua verdadeira natureza.
Auto-inquirição é apenas manter a mente sempre voltada para dentro e assim permanecer
constantemente no Eu Real.
Assim como aquele que deseja livrar-se do lixo não precisa analisar seu conteúdo, também aquele que
deseja conhecer o Eu Real não precisa classificar e enumerar os tattvas que o encobrem, mas apenas
os rejeitar por completo. Ele deve considerar o mundo e a si mesmo como um mero sonho.
Assim também a auto-inquirição se diferencia da psicanálise e de qualquer tipo de tratamento
psiquiátrico. Tais tratamentos tem como objetivo a produção de um ser humano normal, integrado e
saudável, mas eles não levam a pessoa a transcender o estado de ego individual.
Uma coisa que a auto-inquirição nos seus estágios iniciais tem em comum com o tratamento da
psicanálise, é que ela traz à tona, das profundezas de nossa mente, pensamentos e impurezas ocultos.
Todos os tipos de pensamentos surgem na meditação. Isso é assim mesmo, tudo o que estava oculto em
você é trazido à tona. Se não for assim, como esses pensamentos poderão ser dissolvidos?
Os pensamentos surgem espontaneamente apenas para serem extintos no momento certo. Com isso a
mente vai se fortalecendo.
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Tudo o que está dentro de você vai tentar sair. O único jeito é deter a mente constantemente e fixála no Eu Real sempre que ela se desviar, sem desanimar.
D.: O Bhagavan disse que assim que se comece a investigação, os outros pensamentos devem ser
rejeitados. Que fazer?.
B.: Você deve ficar rejeitando pensamentos. Se você agarrar o pensamento “eu” (ego), e mantiver-se
interessado apenas nesse único pensamento, então os outros pensamentos serão rejeitados e
desaparecerão automaticamente.
A investigação "Quem sou eu?" significa tentar encontrar a fonte do ego ou pensamento “eu”. Então
você não deve ocupar a mente com outros pensamentos, tais como "Eu não sou o corpo", etc. Buscar a
fonte do "eu" é um meio de se livrar dos outros pensamentos.
Você não deve deixar nenhum espaço para outros pensamentos, mas apenas manter toda a mente
fixada na fonte do pensamento "eu".
Toda vez que um pensamento lhe distrair dessa "auto-atenção", você deve se perguntar: "Para quem
surgiu este pensamento?"; e, descobrindo que foi "para mim", deve retornar ao pensamento "eu"
perguntando: "Quem sou eu e de onde eu venho?
Faça a pergunta a você mesmo. O corpo e suas funções não são o "eu". Indo mais a fundo, a mente e
suas funções também não são o "eu". O próximo passo o leva à pergunta: De onde surgem esses
pensamentos?
Os pensamentos operam na mente, mas quem está consciente deles? Com isso a existência, surgimento
e operação dos pensamentos se tornam claros ao indivíduo. Esta análise leva à conclusão de que a
individualidade ("eu") é aquilo que está consciente da existência dos pensamentos e da sua sequência.
Essa individualidade é o ego ou o "eu". O intelecto é apenas um dos revestimentos do "eu", mas não é o
próprio "eu". Investigando ainda mais, surgem as perguntas: "O que é este “eu”? De onde ele vem?
"Eu" não estava consciente durante o sono. Assim que o "eu" surge o sono se transforma em sonho ou
vigília. Mas agora o estado de sonho não me interessa. Quem sou eu agora, no estado de vigília?
Se o "eu" surgiu no momento em que o sono acabou, então o "eu" estava coberto de ignorância (durante
o sono). Tal "eu" ignorante não pode ser o Eu a que as Escrituras e os Sábios se referem.
O verdadeiro "Eu" está além até mesmo do sono; este Eu deve estar aqui e agora, e deve ser o que eu
era na realidade durante o sono e o sonho também, não sendo afetado por esses estados.
O "Eu" (verdadeiro) deve ser, portanto, o substrato não qualificado por detrás dos três estados
(vigília, sonho e sono).
D.: Eu começo me perguntando "Quem sou eu?", e elimino o corpo como não-eu, a respiração como nãoeu e a mente como não eu, mas não consigo ir além disso.
B.: Bem, é só até aí que a mente pode ir. O seu processo é apenas mental.
Veja bem, o "eu" que elimina todo o resto como "não-eu" não pode eliminar a si mesmo. Para poder
dizer "eu não sou isto, eu sou Aquilo" deve existir um "eu" que o diz. Esse "eu" é apenas o ego, ou
pensamento-eu.
Depois desse pensamento”eu” surgir, todos os outros pensamentos surgem; assim, o pensamento”eu” é
o pensamento raiz. Se a raiz é cortada fora todo o resto cai também.
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Portanto busque a raiz, o "eu". Pergunte a si mesma "Quem sou eu?" e descubra a fonte do "eu". Então
todos esses problemas desaparecerão e restará apenas o puro Eu Real.
D.: Você está dizendo que o "eu" agora é o falso "eu". Como eliminar esse falso "eu"?
B.: Você não precisa eliminar nenhum falso "eu". Como pode o "eu" eliminar a si mesmo? Tudo o que
você precisa fazer é encontrar a Fonte do "eu", e permanecer lá. O seu esforço só pode levá-la até
este ponto.
A partir daí o Transcendental vai tomar conta de si mesmo. Você não pode fazer mais nada então.
Nenhum esforço pode chegar até Ele.
D.: Se "eu" existo sempre, aqui e agora, por que não sinto isso?
B.: Quem diz que você não sente? O Eu real ou o eu falso? Investigue e você descobrirá que é o falso
eu que o diz. Este falso eu é o obstáculo que deve ser removido para que o verdadeiro Eu possa deixar
de estar oculto.
O sentimento "eu não realizei" é o obstáculo à Realização. Na verdade já há a Realização. Não há nada
mais a ser realizado.
Se houvesse, a realização seria algo novo que não existia antes, mas que acontecerá em algum momento
no futuro; mas tudo o que surge também desaparece.
Se a Realização fosse algo assim não seria eterna e, sendo transitória, não valeria a pena ser buscada.
Portanto, o que nós buscamos não é algo que vai começar a existir, mas sim aquilo que existe
eternamente, mas que está velado por nossas obstruções mentais.
Tudo o que precisamos fazer é remover a obstrução. O Eterno só não é reconhecido como tal devido à
ignorância; logo, a ignorância é o obstáculo. Livre-se dela e tudo estará bem. A ignorância nada mais é
do que o pensamento "eu", descubra sua fonte e ele desaparecerá.
O pensamento-"eu" é como um fantasma que, apesar de ser impalpável, surge simultaneamente com o
corpo, vive e desaparece junto com ele. A consciência "eu sou o corpo/este é meu corpo" é o falso eu.
Abandone-o.
Você pode fazer isso buscando a fonte do sentimento "eu". O corpo não diz "eu sou". É você que diz
"eu sou o corpo". Descubra o que é este "eu"; busque sua fonte e ele desaparecerá.
A Bem-Aventurança é equivalente ao Ser-Consciência. Tudo o que se diz sobre o Ser eterno aplica-se à
Felicidade eterna também. A sua verdadeira natureza é a Felicidade. A ignorância está apenas
temporariamente ocultando a Felicidade.
D.: Nós não deveríamos buscar descobrir a realidade última do mundo, do indivíduo e de Deus?
B.: Esses todos são conceitos do "eu". Eles só surgem depois do pensamento "eu". Por acaso você
pensava sobre eles durante seu sono profundo? Não; no entanto, você existia durante o sono, e é o
mesmo "eu" que existe e fala agora.
Por acaso o mundo declara "eu sou o mundo"? O corpo declara "eu sou o corpo"? É você que diz: "este é
o mundo", "este é o corpo", e assim por diante. Então esses são apenas conceitos seus. Descubra o que
você é, e isto será o fim de todas as dúvidas.
D.: O que acontece com o corpo após a Realização? Ele continua existindo ou não? Nós vemos os seres
iluminados desempenhando ações, assim como as outras pessoas.
B.: Não se preocupe com isso agora. Você pode perguntar isso depois de iluminar-se, se ainda houver
necessidade.
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Quanto aos seres iluminados, deixem que eles cuidem de si mesmos. Por que se preocupar acerca de
seu estado? Na verdade, após a Realização, nem o corpo nem nada mais parecerá ser diferente do Eu
Real.
D.: Se nós sempre somos Ser-Consciência-Beatitude (Sat-chit-ananda) por que Deus dificulta as coisas
para nós? Por que Ele nos criou?
B.: Por acaso Deus vem e lhe diz que Ele o colocou em dificuldades? É você, o falso "eu", quem diz isso.
Se este "eu" desaparecer não haverá mais ninguém para dizer que Deus criou isso ou aquilo. Aquilo que
é nem mesmo diz "eu sou"; por acaso surge alguma dúvida "eu não sou?"
Quando a mente investiga a sua própria natureza incessantemente será descoberto que não existe
nada como "mente". Este é o caminho direto aberto a todos.
A mente é apenas um conglomerado de pensamentos. De todos os pensamentos o pensamento "eu" é a
raiz. Busque interiormente a fonte da qual surge esse pensamento "eu", então o eu (o ego)
desaparecerá. Essa é a busca da Sabedoria; isso é a auto-inquirição.
O estado de não-surgimento do "eu" é o estado de ser AQUILO. Como se pode atingir a extinção do
"eu", com a qual o ego não mais surge, senão buscando a fonte da onde o "eu" surge? Sem alcançar isso,
como é possível permanecer no estado verdadeiro, onde se e AQUILO?
Assim como um homem mergulha para pegar um objeto que caiu na água, também o buscador deve
mergulhar dentro de si mesmo com uma mente aguçada e unifocada, controlando a respiração e a fala,
e descobrir o local de onde o "eu" surge.
O método direto de alcançar a Auto-Realização é mergulhar no Coração em busca da fonte do "eu". A
meditação "eu não sou isso; eu sou Aquilo" pode ser uma ajuda para a auto-inquirição, mas não é a autoinquirição em si.
Se você investigar dentro de sua própria mente "Quem sou eu?", o eu individual ficará confuso e cairá
por terra no momento em que você chegar ao Coração, e imediatamente a Realidade se manifesta
espontaneamente como "Eu-Eu".
As noções de prisão e libertação são meras modificações mentais. Elas não têm realidade
independente, e por isso não podem funcionar por si só. Se a pessoa investigar: "Para quem existe a
prisão e libertação?", será descoberto que é "Para mim", isto é, para a própria pessoa.
Se então ela investigar "Quem sou eu?" sinceramente, descobrirá que não existe o "eu" e "meu". Aquilo
que "sobra", uma vez que o "eu" desaparece, é realizado de forma vivida e direta como o Eu que ilumina
a si mesmo e que é como é.
Essa Realização viva, que é a Verdade Suprema, vem naturalmente, sem nada de especial sobre ela, a
todos aqueles que, permanecendo assim como são, mergulham interiormente sem permitir que a mente
se exteriorize nem por um momento, e nem desperdiçam seu tempo em conversas vãs.
Para aquele que alcançou a Realização não há nem prisão nem libertação.
O Eu Real é Pura Consciência. Porém, a pessoa se identifica com o corpo que é insensível. O corpo não
diz "eu sou o corpo". O Eu ilimitado também não o faz. Um "eu" imaginário surge entre a Pura
Consciência e o corpo inerte e se imagina limitado ao corpo.
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Busque esse eu e ele desaparecerá como um fantasma. Este fantasma é o ego, a mente, ou a
individualidade. O objetivo de todas as escrituras é a eliminação deste fantasma. O estado presente é
uma mera ilusão; a dissolução do ego é a única meta real.
Deve-se cessar de identificar a consciência a um "eu" individual, a fim de poder perceber que esta
consciência é idêntica ao Eu Real e que deste se origina. Ramana insistia que não existem dois "eus"
para que um possa buscar e conhecer o outro.
Qualquer que seja a forma que sua investigação tome, no final você deve retornar ao Eu único, ao Ser.
Todas essas distinções feitas entre "você" e "eu", "mestre" e "discípulo", são apenas sinais de
ignorância. Apenas o Eu supremo é, pensar diferentemente é iludir-se.
D.: Devo ficar repetindo a pergunta a mim mesmo interminavelmente, como um mantra?
B.: Certamente a auto-inquirição é mais do que a mera repetição de mantras. Se a auto-inquirição
"Quem sou eu?" fosse um mero processo mental, aí então ela não teria muito valor. O propósito da
auto-inquirição é focar toda a mente na sua fonte.
Não é, portanto, o caso de um "eu" buscando outro "eu". Muito menos é ela uma fórmula vazia, já que
envolve uma intensa atividade de toda a mente para manter-se estabelecida em pura Auto-Consciência.
A auto-inquirição é o método infalível, o único método direto de realizar o Ser absoluto e
incondicionado que você em realidade é.
D.: Você me diz para encontrar a Fonte do "eu", mas como? Qual é a fonte de onde eu vim?
B.: Você veio da mesma Fonte em que estava durante o sono. A diferença é que durante o sono você
estava absorto no Eu Real inconscientemente, e é por isso que você deve fazer a auto-inquirição
enquanto acordado, para mergulhar no Eu Real conscientemente.
D.: Eu devo me concentrar no pensamento "Quem sou eu?"
B.: Você deve se concentrar interiormente e ver de onde surge o pensamento-"eu". Ao invés de voltarse para fora, volte-se para dentro e veja onde surge o pensamento-"eu".
D.: E o Bhagavan diz que se eu vir isso realizarei o Eu Superior?
B.: Não existe o "realizar o Eu Superior". Como é possível realizar, ou "tornar real", aquilo que já é
real? As pessoas "realizam", ou encaram como real, o que é irreal, e tudo o que precisam é desistir de
fazer isso.
Quando você fizer isso você permanecerá como realmente é e sempre foi, e o Real será Real. Todas as
religiões e suas práticas surgiram apenas para ajudar as pessoas a desistirem de ver o irreal como
real.
D.: Os Upanishads dizem: Aquele que conhece Brahman toma-se Brahman.
B.: Não se trata de "tornar-se", mas sim de Ser.
Não há meta a ser alcançada. Não há nenhum objetivo a ser atingido. Você é o Eu Real. Você existe
sempre. Nada mais pode ser afirmado sobre o Eu além de que ele É. Ver Deus ou o Eu Real é apenas
ser o Eu Real, que é você mesmo. Ver é Ser.
Você, já sendo o Eu Real, quer saber como alcançar o Eu Real. Tudo o que você precisa fazer é
abandonar a sua identificação com esse corpo e abandonar todos os pensamentos de coisas externas,
isto é, de coisas que não são o Eu Real.
Por mais que a mente se exteriorize em direção aos objetos dos sentidos, detenha-a e fixe-a no Eu.
Esse é todo esforço que se requer de sua parte.
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A prática intensa e incessante é indispensável até o momento em que a pessoa permanece sem o
mínimo esforço no estado original da mente, no qual está livre do pensamento; em outras palavras, até
o "eu", "meu", "mim" serem completamente erradicados e destruídos.
Assim como a remoção das nuvens revela o céu azul que já estava lá, assim também a remoção da
ignorância apenas revela o Real que por ela parecia estar oculto.
O Eu Real sempre é. Não há como conhecê-lo. Não se trata de um novo conhecimento a ser adquirido.
O que é novo, ou seja, que já não è aqui e agora, não pode ser permanente. O Eu Real sempre é, mas o
Conhecimento (jnana) dele está obstruído, e a obstrução chama-se ignorância (ajnana).
Remova a ignorância e o Conhecimento resplandece. Na verdade esta ignorância e este conhecimento
não pertencem ao Eu Real, eles são apenas sobreposições a serem afastadas. E por isso que se diz que
o Eu Real está além do conhecimento e da ignorância.
Essa concentração no Eu Real pressupõe um grande controle sobre a mente, e muitos reclamam que
isso não é fácil.
Todos buscam apenas aquilo que lhes trará felicidade. A sua mente divaga em direção aos objetos
exteriores porque você acredita que encontrará felicidade neles; mas descubra de onde a felicidade
realmente vem, mesmo a felicidade que você acredita originar-se dos objetos dos sentidos.
Então você perceberá que toda felicidade vem apenas do Eu e, com isso, será capaz de permanecer no
Eu.
As dúvidas só terão um fim quando o "duvidador" e sua Fonte forem descobertos. É inútil buscar
remover uma dúvida após a outra. Se uma dúvida for esclarecida outra surgirá em seu lugar, e não
haverá fim para isso.
Mas se você buscar a fonte do "duvidador" e assim descobrir que aquele que duvida é em si mesmo
inexistente, então todas as dúvidas cairão por terra.
Concentração não é pensar sobre algo. Pelo contrário, é excluir todos os pensamentos, já que todos os
pensamentos obstruem a experiência do verdadeiro ser da pessoa. Todo esforço tem por objetivo
apenas remover o véu da ignorância.
Concentrar a mente apenas no Eu Real resultará em Felicidade ou Bem-Aventurança. Voltar os
pensamentos para o interior, restringindo-os e evitando que eles se desviem para fora é chamado
desapego.
A Auto-Consciência pura e imutável do Coração é o Conhecimento que, através da destruição do ego,
dá a Libertação.
D.: Bhagavan ensina que o coração é o centro do Eu Real?
B.: Sim, é o centro supremo do Eu. Você não precisa desconfiar disso. O Eu Real está lá no coração por
detrás do ego (eu falso).
D.: O Bhagavan me faria o favor de dizer onde ele fica no corpo?
B.: Ainda que eu lhe diga que fica aqui (aponta para o lado direito do peito) você não pode conhecê-lo
com sua mente e nem representá-lo com sua imaginação.
O único caminho direto de realizá-lo é parar de imaginar e apenas tentar ser você mesmo. Então
automaticamente você sentirá que o centro é aí. É o centro que é mencionado nas escrituras como
"cavidade do coração".
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O coração está lá, sempre aberto para você se você quiser entrar; embora você não perceba, ele está
sempre servindo de base a seus movimentos.
Talvez seja mais correto dizer que o Eu Real é o Coração. Realmente, o Eu é o centro e ele está
sempre consciente de Si mesmo como sendo o Coração ou Auto-Consciência.
D.: Quando Bhagavan afirma que o Coração é o centro supremo do Espírito ou Eu Real, isso significa
que ele não é um dos chakras?
B.: Os chakras são centros no sistema nervoso. Eles representam vários níveis, cada um tendo seu
poder ou conhecimento, indo até o sahasrara situado no cérebro, que é o assento do Supremo Shakti
(poder).
Mas o Eu Real, que é a base de todo o movimento de Shakti, não está nos chakras, mas sim no centro
coração.
Na verdade não existe nenhuma manifestação de Shakti além do Eu Real. O Eu se transformou em
todos esses shaktis. Quando o Yogui alcança o samadhi é de fato o Eu Real no Coração que o sustenta
neste estado, quer ele esteja consciente disso ou não.
Assim como essa concentração no Coração estabelece um ponto de contato com o yoga, Bhagavan
também apontava a afinidade da auto-inquirição com bhakti, o caminho da devoção, e dizia que ambos
levam ao mesmo fim.
A devoção perfeita é a entrega completa do ego a Deus ou Guru, que é visto como sendo o próprio ser
do devoto, enquanto que a auto-inquirição leva à dissolução do ego.
D.: Se o "eu" é uma ilusão, quem é que afasta este "eu"?
B.: O "Eu" afasta a ilusão do "eu" e mesmo assim continua sendo "Eu" - tal é o paradoxo da AutoRealização. Mas os seres Realizados não vêem nenhum paradoxo nisto.
O adorador se dirige a Deus e reza para ser absorvido Nele, ele se entrega com fé. O que sobra
depois disso? No lugar do "eu" pretérito a auto-entrega deixa como resíduo Deus, e Nele o "eu" é
perdido. Esta é a mais alta forma de devoção e entrega, e o ápice do desapego.
Você pode renunciar esta ou aquela das "minhas" posses; mas se, em lugar disso, você renunciar o "eu"
e "meu", tudo é renunciado de uma vez só, e a própria semente da posse é destruída.
Com isso corta-se o mal pela raiz. Mas a força do desapego deve ser grande para que isso seja
possível. A ânsia de fazer isso deve ser igual à ânsia de alguém que está sendo afogado e tem que subir
à superfície para respirar.
Os pensamentos que distraem são um obstáculo, o sono também é. As pessoas que começam a trilhar
um caminho espiritual podem se sentir atacadas por uma onda de sonolência sempre que comecem a
meditar. Essa é simplesmente mais uma forma de resistência do ego, e assim deve ser superada.
O que é necessário é manter-se sempre fixo no Eu Real. Os obstáculos a isso são as distrações
causadas pelas coisas do mundo e também o sono. O sono é sempre descrito nos livros como sendo o
primeiro obstáculo ao samadhi.
O Gita diz que a pessoa não precisa renunciar completamente o sono, apenas discipliná-lo. Mas outro
método é simplesmente não se preocupar com o sono.
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Quando quer que o sono venha e você não pode evitá-lo, simplesmente mantenha-se fixo no Eu Real, ou
na sua meditação, em cada momento da sua vida desperta, e retorne à meditação no momento em que
você acordar.
Isso será suficiente, mesmo durante o sono a mesma corrente de consciência estará trabalhando. Isso
é claro; é como um homem que vai dormir com algum pensamento muito forte em mente e que quando
acorda ainda está com o mesmo pensamento. Quem faz isso com a meditação, mesmo seu sono é
samadhi.
Muitas vezes o Maharshi falava do sono como um exemplo do estado sem ego. Isso não significa que
Ramana estava encorajando o sono físico. O sono é apenas uma contraparte obscura e inconsciente do
verdadeiro estado sem ego, que é pura Consciência.
D.: Quando eu chego a um estado mental sem pensamentos na minha prática eu experimento um certo
prazer, mas às vezes também há um vago sentimento de medo que não consigo descrever claramente.
B.: Você nunca deve ficar satisfeito com qualquer experiência que tenha. Quer você sinta prazer ou
medo, pergunte-se quem sente isso e prossiga seus esforços até que prazer e medo sejam ambos
transcendidos e que a dualidade cesse, permanecendo assim apenas a Realidade.
Não há nada de errado em experimentar essas coisas, desde que você não pare por aí. Por exemplo,
quando o pensamento chega ao fim a mente experimenta o prazer de laya (dissolução), mas você nunca
deve ficar satisfeito com isso e descansar, mas sim se esforçar até que toda dualidade cesse.
D.:Quando eu medito eu alcanço um estágio onde há um vazio, um vácuo. Como eu devo prosseguir a
partir daí?
B.: Não se importe se há visões, sons, vazio, ou qualquer outra coisa. Você está presente nessas
experiências ou não?
Você deve ter estado lá para poder dizer que experimentou um vazio. Permanecer fixo neste "você" do
início ao fim é a busca.
É a mente que vê objetos e tem experiências que se depara com o vazio quando pára de ver e
experimentar, mas essa mente não é você. Você é a iluminação constante que dá vida tanto à
experiência quanto ao vazio.
Você é a testemunha dos três corpos - físico, sutil e causal -, dos três tempos - passado, presente,
futuro - e também desse vazio.
Nós estamos tão acostumados com a noção de que tudo que vemos em nossa volta é permanente e de
que nós somos este corpo que, quando tudo isso cessa, imaginamos que nós mesmos deixamos de
existir, e assim sentimos medo.
Todas as qualidades divinas estão contidas no Conhecimento espiritual (jnana), e todas as qualidades
demoníacas estão contidas na ignorância (ajnana). Quando o Conhecimento vem a ignorância
desaparece, e assim todas as virtudes surgem automaticamente.
Se um homem é Realizado ele não pode mentir, cometer algum pecado ou fazer algo de errado. Sem
dúvida está escrito em alguns livros que a pessoa deve se esforçar para desenvolver uma virtude após
a outra, assim se preparando para a Iluminação.
Mas para aqueles que seguem jnana marga (o caminho do Conhecimento) a auto-inquirição é suficiente
para desenvolver todas as qualidades divinas - eles não precisam se preocupar em fazer mais nada.
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A meditação "eu sou Ele" ou "eu sou Brahman" é mais ou menos um processo mental, enquanto que a
busca pelo Eu de que eu falo é um método direto, e de fato superior a essas meditações.
Assim que você toma a busca e começa a se aprofundar, o Eu Real está lá esperando para lhe receber,
e então tudo o que acontece é feito por algo além, e você não contribui para isso. Neste processo
todas as dúvidas são postas de lado.
Ao longo deste capítulo a auto-inquirição foi abordada como um exercício espiritual ou "meditação" que
deve ser praticada em certos momentos. De fato começa assim e, enquanto o esforço for necessário,
esses períodos de prática intensiva continuam sendo úteis.
Mas isso não é suficiente: a autoconsciência que começa a ser experimentada durante essas
"meditações" deve ser cultivada durante os outros momentos do dia também, até que ela comece a
surgir espontaneamente e a trabalhar como pano de fundo das nossas atividades.
Um Guru muitas vezes mantém em segredo a técnica da prática espiritual, revelando-a apenas àqueles
que ele julga preparados e que inicia pessoalmente. No entanto, nada disso se aplica à auto-inquirição
ensinada por Ramana Maharshi.
É a própria compreensão ou falta de compreensão da pessoa que lhe abre ou fecha as portas desse
método.
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— Capítulo Seis —
OUTROS MÉTODOS
O melhor método depende do temperamento da pessoa. Cada pessoa nasce com seus samskaras
(características ou tendências mentais) inerentes, que trazem das vidas passadas. O método que é
mais fácil para um pode ser mais difícil para o outro. Não existe uma regra geral, aplicável a todos.
Existem vários métodos. Você pode praticar a auto-inquirição "Quem sou eu?"; ou, se isso não lhe
atrair, pode meditar "eu sou Brahman” ou em algum outro tema; ou também você pode se concentrar
em uma recitação (mantra) ou invocação.
O objetivo em qualquer um deles é tomar a mente unifocada, ou seja, concentrá-la completamente em
um só pensamento e assim excluir todos os outros. Se fizermos isso o pensamento objeto da
concentração também desaparecerá no final, e assim a mente será extinta em sua Fonte.
No entanto, apesar do Bhagavan aprovar outros caminhos àqueles que não podiam seguir a autoinquirição ele disse:
Todos os outros métodos servem de introdução à auto-inquirição. Se algum de seus devotos achasse
que algum outro caminho menos direto lhe servisse melhor, Bhagavan orientava-o neste até que
pudesse gradualmente trazê-lo à auto-inquirição.
Bhagavan disse: "Cada um deve seguir seu próprio caminho, caminho este que pode servir apenas para
ele. Não adianta querer convertê-lo à força para outro caminho. O Guru vai acompanhar o discípulo no
seu próprio caminho, e então irá gradualmente conduzi-lo ao caminho supremo no momento adequado.
Os outros métodos não são necessariamente incompatíveis com a auto-inquirição; alguns deles podem
muito bem até combinar-se com ela.
SAT SANG
A maior de todas as ajudas à Auto-Realização é a presença de um Ser Realizado. A isso se dá o nome
de Sat Sang, que literalmente pode ser traduzido como "associação com o Ser".
Mesmo aqui Bhagavan às vezes explicava que o verdadeiro "Ser" é o Eu Real, e que nenhum encontro
físico é necessário para constituir Sat Sang. Entretanto, ele frequentemente falava longamente a
respeito dos benefícios dessa proximidade física.
A associação com Sábios que realizaram a Verdade remove todos os apegos materiais; em estes apegos
sendo removidos, os apegos da mente também são destruídos.
Aqueles cujos apegos da mente são assim destruídos tomam-se um com Aquilo que é Imutável.
Acalente a associação com tais Sábios.
CONTROLE DA RESPIRAÇÃO
Controle da Respiração pode ter vários significados. Pode ser a retenção da respiração, a regulação da
respiração de acordo com certo ritmo, ou a mera observação atenta da respiração.
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Ramana Maharshi autorizava o uso do controle da respiração, mas normalmente não especificava a
forma que ele deveria ter. O Maharshi, apesar de competente para autorizar qualquer prática, não
ensinava nem prescrevia as formas mais técnicas de controle da respiração.
Quando ele especificava que tipo de controle da respiração deveria ser praticado ele geralmente
recomendava apenas observar a respiração, que é a forma menos perigosa de praticar.
Observar atentamente a respiração também é uma forma de controle da respiração. Reter a
respiração é mais violento e pode ser danoso se o praticante não tem um Guru apropriado para guiá-lo
em cada fase da prática; mas apenas observar a respiração é mais fácil e não envolve nenhum risco.
A fonte do pensamento é também a fonte da respiração e da energia vital (prana); portanto se um
deles é efetivamente controlado o outro automaticamente também o é.
A mente, a respiração e as forças vitais têm todos a mesma fonte. A mente é constituída apenas de
uma multidão de pensamentos; e o pensamento-"eu" é o primeiro pensamento da mente, e é em si
mesmo o ego.
Mas a respiração também se origina do mesmo lugar de onde o ego surge. Portanto, quando a mente se
aquieta, a respiração e a força vital também se aquietam; e, inversamente, quando estas se aquietam, a
mente também se aquieta.
O controle da respiração é apenas uma ajuda para mergulhar no interior. Mas a pessoa também pode
mergulhar no interior através do controle da mente. A mente sendo controlada, a respiração é
controlada automaticamente.
Não é preciso praticar o controle da respiração, o controle da mente já é o suficiente. O controle da
respiração só é aconselhado àqueles que não conseguem controlar sua mente diretamente. Para a
aquietação da mente não existem meios mais efetivos e adequados do que a auto-inquirição.
Mesmo que a mente seja apaziguada por outros meios, esse efeito é passageiro; ela ressurgirá
novamente. Por exemplo, a mente é acalmada por meio de controle da respiração, mas tal quietude
dura apenas enquanto o controle da respiração e das forças vitais é mantido.
O controle da respiração é uma ajuda para se controlar a mente, e ele é aconselhado àqueles que
sentem que não conseguem controlá-la sem o auxílio desta ferramenta. Para aqueles que conseguem
controlar e concentrar a sua mente isso é desnecessário.
O controle da respiração pode ser usado no início, até que a pessoa seja capaz de controlar sua mente,
e então ele deve ser abandonado.
Outra razão para se tomar cuidado com o uso do controle da respiração (pranayama) é que ele pode
resultar em experiências sutis que podem distrair o buscador do objetivo verdadeiro.
O Bhagavan sempre alertava contra o interesse e o desejo por poderes sobrenaturais e experiências
maravilhosas; ele às vezes ligava esse aviso especificamente ao uso do controle da respiração.
Controlar a respiração também ajuda. Mas não se deve parar por aí. Após alcançar o controle da mente
dessa forma, a pessoa não deveria se acomodar, nem ficar satisfeita com nenhuma experiência que
possa resultar nesse estado, mas sim deve conduzir a mente controlada à pergunta "Quem sou eu?”.
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ASANAS
Era comum que os devotos de Bhagavan sentassem de pernas cruzadas diante dele; mas nenhuma asana
mais elaborada era praticada.
D.: Inúmeras asanas são ensinadas. Qual delas é a melhor?
B.: A unidirecionalidade da mente é a melhor postura.
HATHA YOGA
Os hatha Yoguis alegam que o corpo deve ser mantido forte e saudável, para que assim a inquirição
possa ser realizada sem obstáculos. Eles também dizem que a vida deve ser prolongada para que a
inquirição tenha sucesso.
D.: Mas dizem que o Hatta yoga ajuda muito.
B.: Sim. Mesmo os grandes pandits bem versados no Vedanta continuam a praticá-la, pois, de outra
forma, sua mente não se aquietará. Então você pode dizer que é útil para aqueles que não conseguem
aquietar a mente por outros meios.
OLHAR FIXAMENTE A LUZ
D.: Por que não deveríamos adotar outros meios, tal como a técnica de olhar fixamente para uma luz?
B.: Olhar fixamente para uma luz atordoa a mente e causa catalepsia da vontade por alguns momentos,
mas não produz nenhum benefício permanente.
CONCENTRAÇÃO EM SONS
Há aqueles que se concentram em ouvir sons, não sons físicos, mas sim sons de planos mais sutis. O
Maharshi não desaprovava essa técnica, mas aconselhava seus praticantes a agarrar o "eu" e descobrir
quem ouve o som.
A concentração obtida é em si boa, mas ela não leva muito longe. A inquirição também é necessária.
Assim como uma criança é calmamente conduzida ao sono pela canção de ninar, assim também nada
acalma a pessoa até o estado de samadhi. Nada leva o devoto à morada do Pai de maneira agradável.
Nada auxilia a concentração, mas assim que esta for obtida, a prática não deve se tornar um fim em si
mesma. Nada não é o objetivo, o sujeito deve ser agarrado firmemente. Senão o resultado será um
mero vazio.
Nada Upasana (meditação em sons) é bom; melhor ainda se associada à auto-inquirição.
Concentração no coração e no centro entre as sobrancelhas
Concentrar-se no ponto entre as sobrancelhas (ajna chacra) é uma prática do voga. Bhagavan
reconhecia sua eficácia, especialmente quando combinada com mantras, mas aconselhava que a
concentração sobre o coração, no lado direito do peito, é mais segura e mais eficaz.
Não esqueça o observador. O objeto visto é fixado entre as sobrancelhas, mas aquele que vê é
esquecido. Se você se lembrar sempre do observador, estará tudo bem.
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Um visitante disse: nos ensinam a concentrar-nos sobre o ponto na testa entre as sobrancelhas. Isso
está certo?
Qual é a utilidade de fixar a atenção entre as sobrancelhas? O objetivo é ajudar a mente a se
concentrar. É um método poderoso de controlar a mente e evitar sua dispersão. A mente é
forçosamente dirigida para um só canal, e isso ajuda a concentração.
Mas o método da realização é a investigação "Quem sou eu?". O problema atual existe para a mente, e
só pode ser removido pela mente.
O Coração é a fonte da Consciência. A investigação do "eu" e sua natureza exerce irresistível fascínio
sobre todas as mentes sagazes.
Chame-o como quiser - Deus, Eu, Coração, assento da Consciência - é tudo a mesma coisa. O ponto a
ser compreendido é este: o Coração é o âmago do ser de cada um, o centro sem o qual nada existe.
Sim, segundo o testemunho dos sábios o coração é o centro da experiência espiritual. O centro
espiritual - Coração - é completamente diferente do órgão muscular que bombeia sangue, conhecido
pelo mesmo nome.
O centro espiritual Coração não é um órgão do corpo. Tudo o que você pode afirmar a respeito do
Coração é que ele é o âmago do seu Ser, Aquilo a que você na verdade é idêntico, quer esteja desperto,
dormindo ou sonhando, quer envolvido em atividades ou imerso em samadhi.
Na verdade a pura Consciência é indivisível; ela não possui "partes". Ela não tem forma nem condições,
nem "dentro" nem "fora". Para ela não há esquerda e direita. A Pura Consciência - que é o Coração - a
tudo inclui, e nada existe fora ou separado dela. Essa é a verdade última.
Na experiência da Pura Consciência sem a percepção do corpo o Sábio está além do tempo e do espaço,
e assim não surge nenhuma questão sobre a posição do Coração. Como o corpo físico não pode subsistir
separado da Consciência, a consciência corpórea deve ser sustentada pela pura Consciência.
Se a determinação da posição do coração dependesse, mesmo no caso de homens não realizados, de
alguma conjectura, então certamente não seria algo que valesse a pena considerar. Não, você não
depende de nenhuma conjectura ou adivinhação, mas apenas de sua intuição infalível.
D.: Bhagavan está dizendo que eu tenho um conhecimento intuitivo do Coração?
B.: Não, não do Coração em si, mas sim da posição deste em relação à sua identidade.
D.: (Apontando para si mesmo) O Bhagavan está se referindo a mim mesmo?
B.: Sim, Essa é a intuição! Como você se referiu a si mesmo com um gesto neste momento? Você não
colocou o dedo no lado direito do peito? É exatamente ai o local do centro-Coração.
Quando um garoto afirma, "Fui eu que fiz a soma corretamente", ele aponta para a cabeça que acertou
a conta? Não, ele aponta seu dedo naturalmente para o lado direito do peito, assim expressando
inocentemente a profunda verdade de que a fonte do sentimento "eu" nele encontra-se ali.
É uma intuição infalível que o faz referir-se a si mesmo, ao Coração que é o Eu Real, dessa maneira. O
ato é inteiramente involuntário e universal, isto é, é o mesmo para todos os indivíduos. Que prova mais
segura que essa você espera obter quanto à posição do Coração no corpo físico?
D.: Pode o ponto entre as sobrancelhas ser o assento do Eu Real?
B.: O Eu Real é a fonte última da Consciência e que ele subsiste igualmente durante os três estados da
mente. Mas veja o que acontece quando uma pessoa em meditação é tomada pelo sono:
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Sua cabeça começa a balançar ou pender para frente. Isso não poderia acontecer se o Eu Real
estivesse situado entre as sobrancelhas, pois isso implicaria que o Eu às vezes abandona o seu assento,
o que é absurdo.
O sadhaka (buscador) pode ter sua experiência em qualquer centro ou chakra sobre o qual concentre
sua mente, sem que isso signifique que aquele centro é o assento do Eu.
O resultado da prática de qualquer tipo de dhyana (meditação) é que o objeto no qual o aspirante fixa
sua atenção cessa de existir de forma distinta e separada dele mesmo, o sujeito. O sujeito e o objeto
se tornam o Eu Real, e isso é o Coração.
A prática de se concentrar no centro entre as sobrancelhas é um dos métodos de treinamento, e com
ele os pensamentos são efetivamente controlados temporariamente.
O motivo disso é que todo pensamento é uma atividade exterior da mente; e o pensamento
primeiramente segue a visão, física e mental.
É importante que essa prática de fixar a atenção no ponto entre as sobrancelhas seja acompanhada de
recitação de mantras.
Isso porque depois do olho da mente o mais importante é o ouvido da mente (ou seja, a "fala interior",
mental), que pode ajudar a controlá-la - e assim fortalecê-la - ou distraí-la - e assim dissipar sua
energia.
O SAHASRARA
Os caminhos tântricos ensinam o desdobramento gradual da kundalini. À medida que ela sobe pela
coluna ela desperta uma série de chakras, e cada um deles confere certos poderes e percepções, ate
culminar no Sahasrara, situado no cérebro ou no topo da cabeça.
Quando perguntado a respeito, Bhagavan respondia que, qualquer que seja a experiência obtida, o
assento final do Eu Real, e por tanto da Realização, é o Coração.
D.: Por que Bhagavan não nos orienta a praticar a concentração em algum chakra em particular?
B.: Os Yoga Sastras dizem que o Sahashara, ou cérebro, é o assento do Eu. O Purusha Sukta declara o
Coração como sendo seu assento. A fim de afastar qualquer possível dúvida do aspirante, eu lhe digo
para pegar o rastro ou a pista do sentimento "eu" e segui-la até sua Fonte.
Qualquer que seja o meio adotado, o objetivo final é a Realização da Fonte do sentimento "eu sou", que
é o ponto de partida de toda sua experiência. Se você praticar a auto-inquirição você alcançará o
Coração, que é o Eu Real.
A concentração no Sahasrara sem dúvida resultará em êxtase ou samadhi. No entanto, as vasanas não
são com isso destruídas. Assim o Yogui deverá sair do samadhi, pois a libertação completa ainda não
foi alcançada.
Ele ainda deve se esforçar para erradicar as vasanas para que com isso as tendências latentes que
ainda lhe são inerentes não mais perturbem a paz de seu samadhi. Então ele desce do Sahasrara até o
coração através do canal jivanadi, que é uma continuação do sushumna.
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O sushumna começa no plexo solar, sobe através da medula espinhal até o cérebro, e de lá ele faz uma
volta e termina no coração. Quando o Yogui alcança o coração o samadhi se torna permanente. Vemos,
assim, que o coração é o centro final.
SILÊNCIO
Em geral, o Maharshi não aprovava os votos de silêncio. Se a mente for controlada as palavras inúteis
serão naturalmente evitadas; mas a renúncia da fala por si só não aquietará a mente. O efeito não pode
produzir a causa.
D.: Não é útil fazer um voto de silêncio?
B.: Um voto é apenas um voto. Ele pode ajudar a meditação até certo ponto; mas qual é a utilidade de
meramente manter a boca fechada se você permite à sua mente mover-se desenfreadamente?
Por outro lado, se a mente está envolvida na meditação qual a necessidade da fala? Nada é tão bom
quanto a própria meditação. Qual é a utilidade de um voto de silêncio se a pessoa está absorta na
atividade mental?
ALIMENTAÇÃO
Apesar de geralmente dar pouca importância às ajudas físicas para a meditação, Ramana Maharshi
insistia nas vantagens de se manter uma alimentação puramente sattvica, ou seja, de não comer carnes
nem alimentos estimuladores (como cebola, alho, pimenta, etc).
A regulação da alimentação, restringindo-a a alimentos sattivicos tomados com moderação, é a melhor
das regras de conduta, e é o que mais ajuda o desenvolvimento das qualidades sattvicas (puras) da
mente. E uma mente sattvica ajuda na prática da auto-inquirição.
Todos nós somos capazes de adotar uma alimentação simples e nutritiva e, com constante e intenso
esforço, erradicar o ego - a fonte de toda miséria -, abandonando toda a atividade mental nascida do
ego.
Fisicamente, o sistema digestivo e demais órgãos devem estar livres de irritação. Para isso a
alimentação deve ser regulada em qualidade e quantidade. Deve-se ingerir alimentos não estimulantes,
evitando a pimenta, a cebola, o alho, o vinho, o ópio, o excesso de sal, etc.
Evite a constipação e o entorpecimento, e todos os alimentos que os induzem. Mentalmente, tenha
interesse em apenas uma coisa e fixe sua mente nisso. Deixe esse interesse absorvê-lo completamente
excluindo todo o resto. Isso é desapego (vairagya) e concentração.
D.: Que tipo de comida é sattvica?
B.: Pão, frutas, vegetais, leite e derivados, etc. O tipo de comida influencia a mente. A mente se
alimenta a partir da comida ingerida.
D.: Algumas pessoas comem peixe. Isso é permitido?
Bhagavan não respondeu essa pergunta. Ele sempre evitava criticar os outros, e essa pergunta
convidava-o a fazê-lo ou a se contradizer.
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O hábito é apenas uma adequação ao ambiente. O que importa é a mente. A verdade é que a mente foi
treinada para achar certos alimentos bons e apetitosos.
A mesma nutrição e energia pode ser obtida na alimentação vegetariana e na não vegetariana, é apenas
a mente que deseja um certo tipo de comida, com o qual está acostumada e que acha saborosa.
D.: Essas restrições são aplicáveis ao ser realizado também?
B.: Não. Ele está estabilizado, e não é afetado pela comida que ingere.
D.: Pode o jejum ajudar no caminho rumo à Realização?
B.: Sim, mas é apenas uma ajuda temporária. A verdadeira ajuda é o jejum mental. O jejum não é um
fim em si mesmo; o desenvolvimento espiritual deve ser concomitante.
O jejum total também enfraquece a mente e lhe deixa sem a força necessária para a busca espiritual.
Portanto, o melhor é comer moderadamente e prosseguir a busca.
CELIBATO
É normal na índia que todos aqueles que não renunciam o mundo para se tornarem sadhus se casem.
Bhagavan sempre insistia que o verdadeiro brahmacharya é viver constante em Brahman. Ele não
encorajava a adoção formal do manto amarelo-laranja (o sannyasa exterior).
Ele nem prescrevia nem desencorajava a castidade; ocasionalmente ele demonstrava interesse em
nascimentos e casamentos entre seus devotos, bem como por aqueles que espontaneamente
renunciavam o desejo sexual.
DEVOÇÃO
O bhakti marga, o caminho do amor e da devoção é normalmente considerado a antítese da autoinquirição, já que é um caminho baseado na presunção da dualidade adorador-adorado, amante-amado,
pai-filho, enquanto que a auto-inquirição pressupõe a não-dualidade.
Por isso os teóricos podem acabar presumindo que se um desses está baseado na verdade o outro deve
estar baseado no erro, e, assim, expondo um caminho eles frequentemente condenam o outro.
Bhagavan não apenas reconhecia a validade desses dois caminhos como também guiava seus seguidores
nos dois. Ele dizia: existem dois caminhos: ou investigue “Quem sou eu?' ou se entregue." Muitos de
seus seguidores tomaram esta segunda via.
Se a pessoa se entregar completamente, não sobrará ninguém para fazer perguntas ou para ser levado
em consideração. Ou os pensamentos são eliminados agarrando-se o pensamento raiz, o "eu", ou a
pessoa se entrega incondicionalmente ao Poder Maior.
Esses dois são os únicos caminhos rumo à Realização.
A auto-inquirição, buscando a fonte do ego, descobre-o inexistente - e assim, "elimina-o"; já a devoção
o abandona por meio da entrega. Assim, ambos levam ao estado livre de ego, que é tudo o que se busca.
Há apenas duas maneiras de conquistar o destino (karma) ou ser independente dele. Uma é investigar
quem está submetido a esse destino, e assim descobrir que é apenas o ego que está preso a ele, e não o
Eu Real, e que o ego é não-existente.
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A outra forma é matar o ego através da entrega absoluta a Deus, compreendendo sua própria
impotência, dizendo constantemente: "Não eu, mas Vós, Oh meu Senhor!", assim renunciando todo
sentimento de "eu" e "meu", e deixando que Deus faça o que quiser com você.
Enquanto o devoto desejar isso ou aquilo de Deus, a entrega não será completa. A verdadeira entrega
é amar a Deus pelo próprio amor, e não a fim de ganhar alguma coisa, nem mesmo a salvação. Em outras
palavras, para conquistar o destino é necessário apagar o ego completamente.
A centelha do conhecimento espiritual (Jnana) consumirá toda a criação como se fosse um castelo de
palha. Como todos os inumeráveis mundos são construídos sobre as bases fracas e irreais do ego, eles
todos se desintegram completamente quando a bomba atômica de Jnana cai sobre eles.
Tudo o que se fala sobre a entrega é como roubar açúcar de uma imagem de açúcar de Ganesha e
depois oferecê-lo ao mesmo Ganesha. Você diz que oferece seu corpo e alma e todas as suas posses a
Deus - mas eles são seus para você poder oferecer?
No máximo você pode dizer: "Eu erroneamente imaginei até agora que essas coisas, que na verdade são
Vossas, eram minhas. Agora percebo que elas pertencem a Vós, e não mais agirei como se minhas
fossem".
Ramana com frequência explicava que a verdadeira devoção é a devoção ao Eu Real, e portanto ela se
equivale à auto-inquirição.
Basta que você se entregue. A entrega é abandonar-se à Fonte do seu ser. Não se iluda pensando que
essa Fonte é algum Deus fora de você. A Fonte está dentro. Entregue-se a ela. Isso significa que você
deve buscar a Fonte e mergulhar nela.
Se você mergulhar no Eu Real, não restará nenhuma individualidade, você se tornará a própria Fonte. E
então o que é a entrega? Quem se entregaria, e para quem? Isso é devoção, auto-inquirição, e
sabedoria.
A entrega não é fácil. Toda vez que você tenta entregar-se o ego tenta impedi-lo, e assim você deve
afastá-lo. Matar o ego não é fácil. A entrega completa só pode ser alcançada quando o próprio Deus,
por meio de Sua Graça, puxa a mente do devoto para o interior.
A entrega completa implica que você não tenha nenhum desejo próprio, que apenas a vontade de Deus é
a sua vontade, que você não tem vontade própria.
Para atingir a entrega há dois caminhos. Um é buscar a fonte do "eu" e mergulhar nessa Fonte; o outro
é sentir "eu sou impotente sozinho; apenas Deus é todo-poderoso, e a única maneira de estar seguro é
me atirando completamente Nele", assim desenvolvendo gradualmente a convicção de que apenas Deus
existe, e de que o ego é irrelevante.
Ambos os métodos levam ao mesmo objetivo. A entrega completa é apenas outro nome para Jnana ou
Libertação. Entretanto, a pessoa pode começar com uma entrega parcial, e gradualmente ir se
entregando mais e mais completamente.
Os dualistas podem argumentar que o caminho devocional aprovado por Bhagavan não é o que eles
tinham em mente, já que o caminho deles pressupõe uma dualidade permanente entre Deus e o devoto.
Em tais casos o Bhagavan propunha que eles primeiro alcançassem a entrega total a um Deus
"separado" do qual eles falavam, e depois verificassem se ainda lhes resta qualquer dúvida.
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O estado que nós chamamos de Realização é o estado de simplesmente ser o que se é, sem saber de
nada nem tornar-se nada.
Se a pessoa alcançou a Iluminação, então ela é AQUILO que é a única coisa que existe e a única coisa
que sempre existiu. Ela não pode descrever esse estado. Ela pode apenas ser AQUILO.
Nós falamos livremente de "Auto-Realização", por falta de um termo mais apropriado, mas como
alguém pode realizar, ou seja, "tornar real", aquilo que é a única coisa Real? O que nós estamos
fazendo é "realizando", ou tomando como real, aquilo que é irreal.
Esse hábito deve ser abandonado. Todo o esforço espiritual, prescrito por todos os sistemas, é
orientado apenas para esse fim. Quando nós desistirmos de considerar o irreal como real, apenas a
Realidade permanecerá e nós seremos AQUILO.
Quem critica o fato de ele ter um Deus separado? Enquanto ele precisa disso para sua devoção, está
bem. Através da devoção ele se desenvolve até o ponto em que começa a sentir que apenas Deus
existe, e que ele mesmo não conta.
Ele chega num nível em que diz: "Não eu, mas Vós; não a minha vontade, mas a Vossa". Quando esse
nível, que no caminho de Bhakti é chamado de entrega completa, for alcançado, o devoto percebe que a
anulação do ego é a conquista do Eu Real.
Nós não precisamos discutir se há duas entidades eternas ou apenas uma. Mesmo de acordo com os
dualistas e com bhakti marga a entrega total é necessária. Faça isso primeiro e depois veja por si
mesmo se existe apenas o Eu único ou se há dois ou mais.
D.: Pode um Jnani reter seu corpo após alcançar a Auto-Realização?
B.: O que você acha que é o Jnani? Ele é o corpo ou é outra coisa além dele? Se ele está além do corpo,
como poderia ser afetado por ele?
Os livros falam de diferentes tipos de Libertação: videhamukti (sem o corpo) jivanmukti (com o corpo).
Pode haver diferentes níveis no caminho, mas não existem níveis de Libertação.
D.: O amor postula a dualidade. Como pode o Eu Real ser objeto de amor?
B.: O amor não é diferente do Eu Real. O amor por um objeto é um amor inferior e impermanente,
enquanto que o Eu Real é Amor. Deus é Amor.
Para aqueles cujo temperamento e estado de desenvolvimento exigiam, o Maharshi aprovava a
adoração ritualística, que é um elemento que geralmente acompanha o caminho da devoção.
D.: Os sacerdotes prescrevem vários rituais e formas de adoração. Tais adorações ritualísticas são
necessárias?
B.: Sim, elas também são necessárias. O que é necessário na primeira série não é necessário na
faculdade.
Mas mesmo o universitário precisa usar o alfabeto que aprendeu na primeira série. Ele conhece toda a
sua utilidade e significado.
Ramana não aprovava o desejo de ter visões ou experiências místicas. Na verdade, ele não aprovava
nenhum desejo, nem mesmo o desejo de alcançar rapidamente a Realização.
Todas as coisas têm seu ser em Shiva, por causa de Shiva. Portanto investigue: Quem sou eu?"
Mergulhe profundamente no interior e permaneça como Eu Real. Isso é Shiva como SER. Não espere
ter mais visões Dele.
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Qual a diferença entre os objetos que você vê e Shiva? Ele é tanto o sujeito como o objeto. Você não
pode existir sem Shiva. Shiva é sempre realizado, aqui e agora. Se você pensa que não O realizou você
está errado. Este é o obstáculo à Realização. Abandone esse pensamento e a Realização está aí.
D.: Sim, mas como posso fazer isso o mais rápido possível?
B.: Isso já é outro obstáculo à Realização. Pode haver um ser individual sem Shiva? Mesmo agora Ele é
você. Não há o problema do tempo. Se existisse algum momento de não-realização, então a questão da
realização poderia surgir.
Mas você não pode ser sem Ele. Ele já é realizado, eternamente realizado, e nunca não-realizado.
Entregue-se a Ele e sujeite-se à Sua vontade, quer Ele apareça ou desapareça; aguarde Seu capricho.
Se você espera que Ele aja como você quer, isso é ordem e não entrega.
Você não pode pedir que Ele lhe obedeça e ainda assim pensar que se entregou. Ele sabe o que é
melhor para você, e como e quando fazê-lo. Deixe tudo inteiramente com Ele. O fardo é Dele.
Você não deve mais se preocupar. Todas as suas preocupações são na verdade Dele. Isso é entrega.
Isso é bhakti.
Conhecer a Deus é amar a Deus, portanto os caminhos de jnana (conhecimento) e bhakti (devoção) são
equivalentes.
JAPA
Japa, ou seja, a prática de usar mantras e invocações do Nome de Deus é uma das técnicas mais
populares de treinamento espiritual. Ela tem uma afinidade particular com o caminho bhakti da
devoção e amor.
O Maharshi aprovava esse método, desde que a pessoa que o pratique tivesse sido devidamente
autorizada a fazê-lo por um guru qualificado. O próprio Bhagavan ocasionalmente autorizava o uso de
mantras, mas apenas muito raramente.
O objetivo é afastar todos os outros pensamentos exceto o pensamento OM, ou Ram, ou Deus. Todos
os mantras e invocações ajudam a fazer isso.
Quanto mais devoção for posta nessa prática, mais eficiente é a invocação ou a repetição do mantra.
D.: Quando eu invoco o Nome Divino por uma hora ou mais, eu caio em um estado semelhante ao sono.
B.: "Semelhante ao sono", está correto. É o estado natural. Como você agora se identifica com o ego,
você olha para o estado natural como se fosse algo que interrompesse seu trabalho ou prática.
Então você deve ter essa experiência repetida até que você perceba que esse estado é seu estado
natural.
Então você verá que a invocação é algo exterior, mas mesmo assim ela continuará interiormente de
forma automática.
D.: Como eu devo praticar a invocação?
B.: Não se deve meramente repetir o nome de Deus mecânica e superficialmente, sem nenhum
sentimento de devoção.
Quando alguém usa o nome de Deus, ele deveria chamá-lo com fervor e entrega incondicional. Apenas
depois de tal entrega é que o nome de Deus permanecerá sempre com você.
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Quando Japa é combinado com dhyana que, na falta de um termo melhor, é traduzida como
"meditação". Por esse motivo, a invocação silenciosa é, por ser mais voltada ao interior, melhor que a
invocação verbal.
Adoração, mantras, e meditação são praticados respectivamente com o corpo, fala, e mente, e estão
nessa ordem ascendente de valores.
Você pode olhar esse universo como uma manifestação de Deus, e qualquer adoração que for feita nele
é tão boa quanto a adoração de Deus.
A repetição em voz alta do Seu nome é melhor que o louvor. Melhor ainda é o sussurro tênue. Mas o
melhor é a repetição com a mente - e isso é meditação, acima referida.
Melhor do que esses pensamentos intermitentes é o fluxo contínuo e estável, como o fluxo do óleo ou
de um rio perene.
KARMA MARGA
Ramana Maharshi desencorajava tanto o engajamento em atividades desnecessárias como a renúncia
completa à atividade, prescrevendo apenas a realização das atividades rotineiras necessárias da vida
de maneira desapegada, simultaneamente à prática da auto-inquirição ou devoção.
D.: Como pode o domínio do ego ser afrouxado?
B.: Não se acrescentando novas vasanas (tendências mentais) a ele.
D.: Como a atividade pode ajudar? Ela não apenas torna mais pesado o fardo que carregamos e que
buscamos remover?
B.: Ações feitas sem a noção de ego purificam a mente e ajudam-na a concentrar-se na meditação.
D.: Mas e se eu fosse apenas meditar constantemente sem nenhuma atividade?
B.: Tente e veja. Suas tendências mentais inatas não lhe deixarão em paz. A meditação (dhyana) vem
apenas gradualmente, através do enfraquecimento das vasanas por meio da Graça do Guru.
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— Capítulo Sete —
A META
A Auto-Realização é a meta final e é em si mesma o propósito.
Por que você pergunta sobre a Auto-Realização? Por que você não está satisfeito com seu estado
atual? E evidente que você não está satisfeito com ele, e essa insatisfação chegará ao fim quando você
realizar o Eu.
A natureza da Realidade é:
(a) Existência sem inicio ou fim, eterna.
(b) Existência em toda parte, sem limites, infinita.
(c) Existência por detrás de todas as forças, mudanças, matéria e espírito. Os muitos mudam e
passam, mas o Um sempre permanece.
(d) O Um substitui as tríades tais como conhecedor-conhecimento-conhecido. As tríades são apenas
aparências que surgem no tempo e no espaço, enquanto que a Realidade é o que está além e atrás delas.
As tríades são como miragens sobre a Realidade. Elas resultam da ilusão.
O "Eu" abandona a ilusão do "eu" e ainda assim permanece "Eu". Tal é o paradoxo da Auto-Realização.
Os seres realizados não há contradição nisso.
"Auto-Realização" é realizar a Realidade, realizar aquilo que é. Mas a Realidade permanece sempre a
mesma, eterna e imutável, quer a realizemos ou não.
Bhagavan desaprovava indagações sobre o significado e a natureza da Realização, pois seu propósito
era ajudar o aspirante a alcançá-la, e não satisfazer sua curiosidade mental.
Normalmente ele lembrava às pessoas que o que era necessário era um esforço para alcançar o AutoConhecimento; e, quando este for alcançado, as dúvidas e confusões não mais surgirão.
Algumas pessoas que vêm aqui, ao invés de perguntarem sobre si mesmas, fazem inúmeras perguntas.
Suas perguntas são infindáveis. Por que se preocupar com essas coisas? Por acaso a Libertação
consiste em saber as respostas para essas perguntas?
Então eu lhes respondo: "Não se preocupe com a Libertação. Primeiro descubra se há aprisionamento.
Investigue a você mesmo primeiro".
Às vezes ele apontava que mesmo falar de Auto-Realização é uma ilusão - uma saída ilusória de uma
prisão ilusória.
Uma coisa que obstrui o entendimento, em especial dos teólogos, é o contraste entre a AutoRealização e a santidade. Existiram santos em todas as religiões. Eles são bastante diferentes entre
si.
Alguns possuíam poderes sobrenaturais, outros viviam embriagados na beatitude divina, outros ainda
se entregaram ao serviço amoroso à humanidade, mas todos tinham uma característica em comum: uma
pureza além da do homem comum. Pode-se dizer que seu estado é divino mesmo morando na terra.
No entanto, a Auto-Realização não está nisso tudo. Tudo isso existe num estado de dualidade, no qual
Deus ou Atman (Eu Real) é o "outro", no qual a prece é necessária e a revelação, possível.
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Rigorosamente falando, esses santos estão tão longe da Auto-Realização quanto o homem comum, pois
não existe uma escala matemática entre o Absoluto e o condicionado (relativo), entre o Infinito e o
limitado. Um milhão não está mais perto do Infinito do que mil.
Da mesma forma, em sentido relativo pode-se dizer que o santo está mais perto da Realização que o
homem comum, assim como é mais fácil para um homem comum alcançar a Realização do que para um
cachorro, em que pese ambos estarem igualmente presos à ilusão de existir como um ser individual.
Há níveis de realização entre os santos, assim como há uma hierarquia dos céus; e tanto estes como
aqueles correspondem aos graus de iniciação nos caminhos espirituais indiretos.
Bhagavan não falava sobre esses níveis espontaneamente, já que seu propósito não era elevar seus
seguidores de nível a nível na realidade aparente, mas sim dirigi-los rumo à Realidade una, eterna, e
universal.
D.: Nós vamos a svarga (céu) como resultado das nossas boas ações aqui?
B.: O céu é tão real quanto sua vida presente. Mas se nós perguntarmos "Quem sou eu?" e
descobrirmos o Eu Real, qual a necessidade de pensar sobre o céu? Onde está o Eu Supremo ou o céu
senão em você?
Comparado com o Eu Real, nem esse mundo nem nenhuma esfera espiritual superior é inerentemente
real, assim como, comparado ao infinito, um número grande não significa mais que um pequeno.
Um santo pode atingir um nível muito elevado sem nem mesmo conceber a Realidade última da Unidade,
ou tendo apenas tido breves vislumbres extasiantes dela. Mas isso não importa; o poder da sua pureza
e aspiração irá finalmente levá-lo adiante, nesta vida ou depois.
Para aquele que visualiza a Meta final e se esforça em sua direção não há níveis, ou ele é realizado ou
não é. Sobre isso Bhagavan falava explicitamente, pois este era o caminho que ele prescrevia.
Não há níveis na Realização ou Mukti Não existem estágios de Libertação.
A Realidade não tem níveis; há apenas níveis de experiência para o indivíduo, e não de Realidade. Se
algo que não estava lá antes pode ser ganho, então isso também pode ser perdido; mas o Absoluto é
eterno, aqui e agora.
No entanto, apesar de não haver estágios de Auto-Realização, existe o que pode ser chamado de
"insights" ou vislumbres da Realidade, que ainda não estão estabilizados e nem são permanentes.
Às vezes esses insights acontecem para pessoas que, nesta vida, nunca tiveram nenhuma prática
espiritual. Na medida em que a obscuridade do ego do aspirante é enfraquecida pela abnegação, ele se
torna mais sujeito a tê-los.
Pode um homem se tornar um ministro de estado simplesmente porque viu um? Ele só pode se tornar
um caso se esforce para isso e se prepare para a posição.
Similarmente, pode o ego, que está aprisionado como mente, tornar-se o Eu Divino simplesmente por
ter tido uma vez o insight de que ele é o Eu? Seria isso possível sem a destruição da mente?
A Realização leva tempo para se estabilizar. O Eu Real certamente está dentro da experiência direta
de todos, mas não da forma como eles imaginam. As vasanas (tendências) velam o Eu Real, que
normalmente estaria manifesto.
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Devido à flutuação das vasanas, a Realização demora a se estabilizar. A Realização intermitente não é
suficiente para acabar com o ciclo de renascimentos, e ela não pode se tornar permanente enquanto
houver vasanas.
Na presença de um grande mestre as vasanas deixam de ser ativas e a mente se torna quieta, de
forma que o samadhi resulta. Assim, na presença do mestre o discípulo ganha conhecimento verdadeiro
e uma experiência correta.
Mas para isso ser estabilizado é necessário um esforço adicional. Então o discípulo saberá que isso é
seu verdadeiro Ser, e assim será libertado mesmo enquanto no corpo.
Alguns críticos argumentavam que a busca pela Auto-Realização é arrogante e pretensiosa. Se, em
lugar de teorizar, eles tomassem a prática de erradicar as vasanas, que são as raízes do ego, eles logo
compreenderiam.
Na verdade, a busca pela Auto-Realização está além da arrogância e da humildade, além de todos os
pares de opostos; ela simplesmente é o que é. Ela não envolve meramente tornar o ego mais humilde,
mas dissolvê-lo por completo.
Você é o Eu Real mesmo agora, mas você confunde a sua consciência atual, ou ego, com a Consciência
Absoluta, ou Eu Real. Essa falsa identificação existe devido à ignorância, e a ignorância desaparece
junto com o ego. Matar o ego é a única coisa a ser feita.
A Realização já existe, não é necessário tentar alcançá-la. Ela não é nada externo ou novo a ser
alcançado. Ela é sempre e em toda parte - aqui e agora também.
Todos os erros e defeitos estão centrados no ego. Quando o ego desaparece a Realização resulta
naturalmente.
Tendo falado do santo e do filósofo místico, também deve ser mencionado o ocultista, isto é, a pessoa
que busca a Realização pelos poderes sobrenaturais que ela possa trazer. Bhagavan sempre
desencorajava isso.
A Realização pode trazer poderes consigo, já que o maior inclui o menor, mas o desejo por poderes irá
obstruir o caminho rumo à Realização. Se o objetivo é dar ao ego novos poderes, como pode ao mesmo
tempo ajudar na sua destruição? Quem busca isso não compreendeu o significado da Realização.
Quer sejam poderes superiores ou inferiores, quer provenientes da mente ou do que vocês chamam de
supermente, eles apenas existem em relação ao "eu" que os possui. Primeiro descubra o que é esse
"eu".
Aquele que se estabeleceu no Eu não deve nunca se desviar desse estado de atenção unifocada ao Eu,
ou puro Ser, que ele realmente é.
Se ele se desviar ou se afastar desse estado, vários tipos de visões criadas pela mente poderão ser
vistas; mas o praticante não deve se deixar levar por essas visões.
Não confunda nenhuma dessas coisas com a Realidade. Quando o próprio princípio mental pelo qual
essas visões e experiências são vistas e conhecidas é falso ou ilusório, como podem os objetos assim
conhecidos, e ainda as visões tidas, serem reais?
Há algumas pessoas tolas que, não percebendo que elas mesmas são movidas pelo Poder Divino, buscam
alcançar todos os poderes sobrenaturais da ação.
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Já que a paz mental é permanente na Libertação, como podem aqueles que entregam sua mente aos
poderes (siddhis) - que só podem ser alcançados através da atividade mental - mergulhar na BemAventurança da Libertação, que acaba com toda a agitação mental?
D.: Um yogue pode conhecer suas vidas passadas?
B.: Você conhece sua vida atual tão bem para que deseje conhecer a passada? Descubra o presente, e
todo o resto seguirá. Mesmo com esse seu conhecimento limitado você sofre muito; para que se
sobrecarregar com mais conhecimento ainda? Não seria sofrer mais?
A força espiritual da Realização é superior ao uso de todos os poderes ocultos juntos. Visto que não há
ego no Sábio, não existem "outros" para ele. Qual é o maior benefício que pode lhe ser dado? É a
felicidade, e a felicidade surge da paz.
A paz só pode reinar quando não há perturbação, e a perturbação existe por causa dos pensamentos
que surgem na mente.
Quando a mente está ausente, há paz perfeita. A menos que a pessoa tenha aniquilado a mente, ela não
pode ter paz e ser feliz.
E se a própria pessoa não for feliz ela não poderá dar felicidade aos "outros". Como, entretanto, não
há "outros" para o Sábio, que não possui mente, o simples fato de ser Realizado já é em si suficiente
para fazer os "outros" felizes também.
Primeiro alcance o estado divino, e depois faça as outras perguntas.
Nenhum poder oculto (siddhi) pode estender-se até a Auto-Realização, muito menos ir além dela. As
pessoas que não estão contentes com a ideia de alcançar jnana desejam obter poderes ocultos.
Em busca dos poderes, elas seguem por vias secundárias ao invés de andarem pela estrada principal, e
assim se arriscam a perderem-se no caminho. A fim de guiá-las corretamente e mantê-las na via
principal, lhes é dito que os poderes vêm junto com a Realização (Jnana).
Na verdade, a Realização abarca tudo, e o Iluminado não desperdiça nem um único pensamento nos
poderes. Que primeiro as pessoas alcancem Jnana, e depois elas podem buscar poderes se ainda os
desejarem.
Os poderes (siddhis) podem aparecer antes ou depois da Realização, ou podem nem vir, de acordo com
a natureza da pessoa, mas eles não devem ser estimados nem buscados. A presença ou a ausência de
visões e outras experiências místicas não deve ser causa de desânimo no caminho.
A Auto-Realização é a coisa mais simples e natural, na verdade a única coisa simples e natural,
simplesmente o estado de ser o que se é. No entanto, é um estado muito raro, desconhecido aos santos
e apenas rapidamente vislumbrado pelos místicos.
Dentre mil talvez haja um que busque a perfeição espiritual. Dentre mil que buscam a perfeição
espiritual, talvez haja um que Me conhece como Eu-sou (Bhagavad-Gita, VII-3).
Infelizmente na nossa época muitos falsamente pretendem ter alcançado esse estado.
Existem três aspectos de Deus, de acordo com a abordagem da Realização. São eles: Sat (Ser), Chit
(Consciência), Ananda (Bem-Aventurança, Beatitude).
O aspecto do Ser é enfatizado pelos jnanis, que repousam na Essência do Ser após sua busca
incessante, e que tem sua individualidade dissolvida no Supremo.
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O aspecto da Consciência é abordado pelos yoguis, que se esforçam em controlar sua respiração a fim
de estabilizar a mente, e que vêem a Glória (Consciência do Ser) de Deus como a Luz irradiando-se em
todas as direções.
O aspecto da Beatitude é abordado pelos devotos (bhaktas), que se inebriam com o néctar do amor
Divino e perdem a si mesmos na experiência da Beatitude. Desinclinados a deixar esse estado, eles
permanecem para sempre imersos em Deus.
Os quatro margas (caminhos) - Kama, Bhakti, Yoga, e Jnana – não são mutuamente excludentes. Eles
são descritos separadamente apenas para transmitir a ideia de que cada um representa um aspecto de
Deus, para que assim o aspirante se sinta atraído por um dos aspectos de acordo com seu
temperamento.
A experiência da Realização é chamada samadhi. Muitos acreditam que o samadhi implica em um
transe, mas isso não é necessariamente assim. Também é possível estar em estado de samadhi mesmo
retendo todas as faculdades humanas.
Na verdade, um Sábio Auto-Realizado como o Maharshi mora permanentemente nesse estado. Nem
mesmo os vislumbres da Realização mencionados anteriormente necessariamente implicam em transe.
Ramana explicou o que é o samadhi.
1. Manter-se na Realidade é samadhi.
2. Manter-se em samadhi por meio do esforço é savikalpa samadhi
3. Mergulhar na Realidade e permanecer alheio ao mundo exterior é nirvikalpa samadhi.
4. Mergulhar na ignorância e permanecer alheio ao mundo exterior é o sono.
5. Permanecer no estado natural original e puro sem esforço é sahaja nirvikalpa samadhi.
Sono
Kevala
Sahaja
1. Mente viva
1. Mente viva
1. Mente morta
2. Imerso no esquecimento
2. Imerso na luz
2. Dissolvido no Eu Real
3. Como um balde deixado na
água do poço, mas ainda com a
corda pendurada.
3. Como um rio desaguado no
oceano e com sua identidade
perdida
4. É retirado da água quando
puxado pelo outro lado da
corda
4. Um rio não volta do oceano
para ser rio novamente.
Enquanto nós temos vasanas que estamos tentando abandonar, ou seja, enquanto ainda somos
imperfeitos e precisamos fazer esforços conscientes para manter a mente unifocada ou livre de
pensamentos, o estado sem pensamentos que nós com isso alcançamos é nirvikalpa samadhi.
Quando pelo poder da prática, permanecemos sempre neste estado, e não ficamos mais entrando e
saindo do samadhi, esse é o estado sahaja (natural). No sahaja o sujeito vê apenas o Eu Real, e vê o
mundo como uma forma assumida pelo Eu Real.
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D.: Pode um homem que alcançou a Realização andar, agir e falar?
B.: Por que não? Você acha que a Realização significa ser inerte como uma pedra, ou se tomar um nada?
Não apenas os Sábios Realizados são muito ativos como também o Deus Pessoal (Ishvara) o é, já que
Ele governa o mundo e dirige suas atividades.
Samadhi no yoga o termo é usado para indicar certo tipo de transe, e há vários tipos de samadhi. Mas
o samadhi do qual lhe falo é diferente; é sahaja samadhi. Nesse estado você permanece calmo e
sereno durante a atividade.
Você percebe que é movido pelo Eu Real dentro de você, e permanece não afetado por qualquer coisa
que você faça, diga, ou pense. Você não tem mais preocupações, ansiedades ou cuidados, pois você
percebe que nada pertence a você como ego, e que tudo é feito por algo com o qual você está em união
consciente.
Depois da Realização a pessoa pode continuar levando uma vida de atividade mundana ou não; não faz
nenhuma diferença para seu estado.
Eles podem se retirar da vida em sociedade ou não. Alguns, mesmo após a Realização, continuam
trabalhando no comércio ou então reinam uma nação.
Outros se retiram a locais solitários e se abstém de toda atividade além da mínima necessária para
manter a vida no corpo. Não se pode fazer uma regra geral a respeito.
No Sutra do Diamante o Buda explica que na verdade não existem outros com os quais devemos ser
compassivos. O Senhor Buda continua: "Não pense que o Tathagatha considera no seu interior: “Eu vou
libertar os seres humanos”.
Porque na realidade não existem seres sencientes a serem libertados pelo Tathagatha. Se houvesse
algum ser senciente a ser libertado pelo Tathagatha, isso significaria que o Tathagatha estaria
acalentando em sua mente concepções arbitrárias de fenômenos tais como seu “eu”, o “eu” dos outros,
os seres sencientes, e o eu universal.
Mesmo quando o Tathagatha refere-se a si mesmo, ele não está apegado a nenhum desses
pensamentos arbitrários. Apenas os seres humanos terrestres pensam do “eu” como sendo uma posse
pessoal.
Mesmo a expressão “seres terrestres”, como usada pelo Tathagatha, não significa que tais seres
existam. É apenas uma figura de linguagem.
As pessoas muitas vezes pensam que um Iluminado deveria andar de lá para cá pregando sua
mensagem. Elas perguntam como alguém pode permanecer na quietude da Realização quando há tanta
miséria à sua volta. Mas o que é o Realizado? Ele vê alguma miséria fora de si mesmo?
Do ponto de vista do Iluminado, a opinião dessas pessoas se resume a isso: um homem tem um sonho,
no qual vê inúmeras pessoas. Então, ao despertar ele pergunta, "Aquelas outras pessoas do sonho
também já despertaram?" É ridículo.
Ou então, alguns bons homens dizem: "Não importa nem mesmo se eu não alcançar a Realização. Que eu
seja a última pessoa no mundo a alcançá-la, para que eu possa ajudar os outros a se Iluminarem antes
de mim mesmo!" Isso é como o sonhador dizer: "Que essas pessoas no sonho acordem antes de mim!".
Paradoxalmente, o Sábio é intensamente ativo, apesar de parecer inativo. Uma máxima de Lao-Tsé,
diz: "Por meio de sua não-ação, o Sábio a tudo governa". Sri Bhagavan comentou: "Não-ação é atividade
incessante." O Sábio é marcado pela atividade eterna e incessante.
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Sua imobilidade é como a imobilidade aparente de um pião: o pião está se movendo rápido demais para
o olhar perceber, então ele parece estar imóvel. Entretanto, ele está girando. Assim também é a
aparente inatividade do Sábio.
O Ser Realizado não é limitado ao karma. Seu corpo é preso ao destino, mas como ele não se identifica
com o corpo, o karma deste não pode limitá-lo.
Sendo um com o Eu Eterno, dentro do qual este corpo, sua vida, e este mundo surgem como uma
aparência ilusória - ele não pode ser limitado por nada.
Você tem a impressão de que é o corpo, então você também pensa que o Iluminado tem um corpo. Ele
diz que tem corpo? Para você Ele pode parecer que tem um corpo, e que faz coisas com ele, assim como
as outras pessoas fazem.
Enquanto você se identificar com o corpo, tudo isso será difícil de entender. É por isso que às vezes se
diz que o corpo do Iluminado continua existindo até que seu destino (prarabdha karma) se esgote, e
que uma vez que isso ocorre o corpo é abandonado.
A verdade é que o Iluminado transcendeu todos os três tipos de karma, e não está limitado nem pelo
corpo nem pelo destino deste.
Tanto o homem Realizado quanto o não Realizado tem sensações, sentem prazer e dor. A diferença é
que o não realizado se identifica com o corpo que tem sensações, enquanto que o Iluminado sabe que
tudo isso é o Eu Real, que tudo é Brahman. Se há dor deixe-a ser; ela também faz parte do Eu, e o Eu é
perfeito.
O pecado é uma ação do ego, ou ser individual, agindo em seus próprios interesses e contra a harmonia
universal ou Vontade de Deus. Mas quando não há ego, quando há apenas o Eu Universal, quem vai agir
contra quem?
O homem não realizado, apesar de na verdade não ser o originador de suas ações, imagina sê-lo, e por
tanto pensa que o Iluminado também se sente assim, já que seu corpo é ativo. Mas este conhece a
verdade e não é enganado.
O estado do Iluminado não pode ser compreendido pela pessoa não-realizada, e por isso a questão das
ações de um Iluminado surge apenas aquele que não é iluminado.
Todas as qualidades boas ou divinas estão incluídas em Jnana, e todas as qualidades más ou demoníacas
estão incluídas em ajnana. Quando jnana vem ajnana vai embora, então todas as qualidades divinas vêm
automaticamente. Se um homem é um Jnani ele não pode mentir nem cometer qualquer pecado.
A afirmação de que não há ego ou de que a mente está morta às vezes gera incompreensões. O que se
quer dizer é que a mente ou ego, enquanto criador ou originador aparente de planos, ideias e ações,
está morto. A compreensão permanece, junto à Consciência pura e radiante.
Para o iluminado, os pensamentos podem continuar, assim como as outras atividades. Eles não
perturbam a Consciência Suprema.
A mente pura na verdade é a Consciência Absoluta. O objeto a ser testemunhado e a testemunha
finalmente se fundem e apenas a Consciência Absoluta permanece. Não é um estado de vazio ou de
ignorância, mas sim o Eu Supremo.
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A lua brilha refletindo a luz do sol. Quando o sol se põe, a luz da lua é útil para fazer os objetos
visíveis. Quando o sol nasce ninguém mais precisa da lua, apesar de seu disco ainda ser visível no céu.
Assim também é a relação entre a mente e o Coração.
A mente é útil devido à sua luz refletida, que é usada para ver os objetos. Quando voltada ao interior,
a mente mergulha na fonte da Luz que brilha por si mesma, tornando-se assim desnecessária como a
luz da lua em pleno dia.
Às vezes as pessoas demonstravam medo ao pensar sobre abandonar o ego, mas Bhagavan lembrava
que elas fazem isso toda vez que vão dormir.
As pessoas temem que quando o ego ou a mente for destruído o resultado será um mero vazio, e não a
felicidade.
O que na verdade acontece é que o pensador, o objeto do pensamento e o próprio pensamento,
mergulham todos na Fonte única, que é em si mesma Consciência (chit) e Felicidade (ananda), assim,
esse estado não é inerte e nem é um vazio.
Eu não compreendo porque as pessoas deveriam ter medo de um estado no qual todos os pensamentos
cessam e a mente é morta. Elas experimentam isso diariamente no sono. Durante o sono profundo não
há mente nem pensamento. Mesmo assim, quando a pessoa acorda ela diz, "Dormi bem".
Além disso, no sono profundo elas entregam o ego para cair em um mero vazio, enquanto que a
Realização é o mergulho na pura Consciência, que é a Bem-Aventurança suprema.
Você pode ter a mais alta felicidade imaginável. Todas as outras formas de felicidade, que você
menciona como "prazer", "alegria", "felicidade", "bem-estar", são apenas reflexos de Ananda (BemAventurança) que, na sua verdadeira natureza, você é.
O samadhi transcende a mente e a linguagem, e não pode ser descrito. O estado de sono profundo já
não pode ser descrito; muito menos o de samadhi. Consciência e inconsciência são fases da mente, mas
o Samadhi está além da mente.
Quando o Iluminado vê o mundo, ele vê o Eu Real que é o substrato de tudo que é visto. Quer o não
iluminado veja o mundo ou não, ele não conhece o seu verdadeiro ser, o Eu Real.
Tome o exemplo do filme na tela de cinema. O que está lá na sua frente antes do filme começar?
Apenas a tela. Nesta tela você vê todo o espetáculo, e suas cenas parecem reais. Mas se você tentar
tocá-las, no que você toca? A tela na qual as imagens projetadas pareciam tão reais!
Quando o filme acaba e as imagens desaparecem, o que sobra? Novamente a tela. Assim é com o Eu
Real - apenas Ele existe; as imagens vão e vêm. Se você agarrar-se ao Eu Real, o surgimento das
imagens não irá enganá-lo. Também não vai mais importar se as imagens aparecem ou desaparecem.
Uma vez que o sahaja samadhi, permanente e imperturbável, seja alcançado, esse estado é Mukti, ou
libertação.
Não há estágios na Realização ou Mukti. Então não pode existir um estágio de Libertação com o corpo
e outro quando o corpo for abandonado.
O Iluminado sabe que ele é o Eu Real e que nada, nem seu corpo nem nada mais, existe a não ser o Eu.
Para alguém assim, que diferença faria a presença ou a ausência do corpo?
Às vezes a Realização é chamada Turiya, o "Quarto Estado", pois ela é a Realidade que subjaz e dá
suporte aos três estados de vigília, sonho, e sono profundo.
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Não há diferença entre o estado de vigília e o sonho. Ambos são produtos da mente. Como a vigília
dura mais tempo nós imaginamos que ela é o nosso estado real; mas, na verdade, o nosso estado real é
o que é às vezes chamado de Quarto Estado, que é sempre como é, e permanece intocado pela vigília,
sonho, e sono.
Como nós chamamos estes três de "estados", nós chamamos aquele de estado também; entretanto, ele
é apenas o estado natural do Eu Real. Dizer que é um "quarto" estado implicaria ser algo relativo,
enquanto que na verdade ele é transcendental.
A nossa verdadeira natureza é Libertação, mas nós imaginamos que estamos presos e fazemos um
grande esforço para nos libertar, apesar de sermos sempre livres. Mas isso só é compreendido quando
nós chegamos àquele estado.
Então nós ficaremos surpresos ao descobrir que nós estávamos lutando freneticamente para atingir
algo que nós sempre fomos e somos. Uma ilustração esclarecerá esse ponto:
Um homem vai dormir nesta sala. Ele sonha que está fazendo uma viagem pelo mundo, atravessando
montanhas e vales, e após vários anos, fatigado com essas viagens tão árduas, retorna a este país,
chega até Tiruvannamalai, entra no Ashram e caminha até esta sala.
Então naquele momento ele acorda e percebe que não tinha saído dali o tempo todo, e que tudo fora um
sonho. Ele não voltou a esta sala depois de grandes esforços, ele esteve aqui o tempo todo. É
exatamente assim.
Se você perguntar por que, estando realmente livres, imaginamos que estamos presos, eu respondo,
"Por que, estando aqui na sala, você imaginou que viajava o mundo, atravessando montanhas e vales,
mares e desertos?" Tudo é o jogo da mente ou maya.
A dualidade de sujeito e objeto, e a tríade de observador, observação, observado, só podem existir se
sustentadas pelo Um. Se a pessoa se voltar ao interior em busca dessa Realidade Una, elas
desaparecem. Aqueles que vêem isso são aqueles que vêem a Sabedoria. Eles nunca estão em dúvida.
O Divino dá luz à mente e brilha dentro desta. Exceto voltando-se a mente ao interior e fixando-a no
Divino, não há nenhum outro meio de conhecê-Lo através da mente.
Para aquele que está imerso na beatitude do Eu Real, nascida da extinção do ego, o que resta a ser
alcançado? Ele não está consciente de nada a não ser do Eu Real. Como pode o seu Estado, que é sem
mente, ser compreendido pela mente?
Apesar de as escrituras proclamarem "Você é Aquilo", é apenas um sinal de fraqueza mental meditar
"Eu sou Aquilo, e não isto", porque você é eternamente Aquilo. O que precisa ser feito é investigar o
que se realmente é, e permanecer Aquilo.
É ridículo dizer tanto "Eu não realizei o Eu Real" como "Eu realizei o Eu Real". Por acaso existem dois
"eus", para que um seja objeto da realização do outro? E uma verdade dentro da experiência de cada
um que há apenas um Eu.
É devido à ilusão nascida da ignorância que as pessoas falham em reconhecer e permanecer Naquilo que
é sempre e para todos a Realidade inerente habitando como Eu Real em seu centro natural, o Coração.
Ao invés disso, elas discutem se Ela existe ou não existe, se tem forma ou não tem forma, se é dual ou
não dual.
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Buscar e permanecer na Realidade é a única Conquista. Todas as outras conquistas (siddhis) são como
as que são obtidas nos sonhos. Podem aqueles que estão estabelecidos na Realidade e livres de maya
serem iludidos por elas?
Enquanto o homem se considerar o agente ele também colherá os frutos de suas ações; mas assim que
ele realiza o Eu através da investigação "Quem age?", seu sentimento de ser o agente desaparece, e o
karma triplo se extingue. Esse é o estado de Libertação eterna.
Apenas enquanto o sujeito se considera limitado é que os pensamentos "prisão" e "libertação"
continuam. Quando a pessoa investiga interiormente "Quem sou eu que estou preso?", o Eu
eternamente livre e auto-luminoso será realizado. Quando o sentimento de prisão chega ao fim, pode o
pensamento de Libertação persistir?
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