Poesias do VI Varal de Poesias
Transcrição
Poesias do VI Varal de Poesias
1o lugar PATCHWORK Perpétua Conceição da Cunha Amorim (Franca, SP) Cá com os meus botões Alinhavo sentimentos rotos Num emaranhado de cores Desafiando o tempo e as diretrizes Abarrotados de promessas descumpridas Cinzas de um carnaval vencido Sem data Sem valia Com linha de cor forte Cirzo as emendas do ontem Num tecido fino de espera. Desenho arabescos E sigo o ponto atrás das correntes Sem nó Sem dó Cá com as minha dúvidas Teço os dias e desfaço as noites Com agulhas impiedosamente cegas. A rotina sangra-me as mãos Sangrando continuo Sem prumo Sem rumo 2º lugar DICIONÁRIO Lucas Corrêa Mendes (Araguaína, TO) Vindo da uva, vinho tinto, Quebra do ovo, vida do pinto, Busca do álcool, alcance da fuga, Sina do copo, bebida à culpa. O risco que desce o rapel, O risco que mancha o papel, O que descreve o próprio umbigo, O que escreve o ambíguo. A pele da presa na unha do predador, A fé presa na palavra do pregador, O peso da amizade que se preza, O preço da novidade que prega peça. A venda que cobre os olhos do vendado, A venda que cobra o valor do vendido, A escolha que provoca o rejeitado, A escola que promove o escolhido. Ter sorte pra ser mais amado, Ser forte pra ter menos risco, A fala que manifesta o falado, A falha responsável pelo falido. O freio da beleza, baque da imagem, O feio da leveza, peso sem gravidade, O feito certeiro e ultrapassado virou “ex-ato”, O defeito, eterno condenado, foi humanizado. O desejo tímido é “sub-atração”, A antipatia em demasia é “multi-implicação”, A atitude, nua, sem endereço, não alcançada, A altitude do baixo da rua pro tropeço no engano da calçada. A palavra que, distraída, emudece o ato, A razão, que se diz traída, muda o que falo, O som da palavra que combina... Equivale ao poder da rima. 3º lugar POEMINHA PRA QUEM TEM MEDO DE AMAR Andréa Cristina Francisco (Mogi das Cruzes, SP) Quem tem medo de amar tem coração que nem coração de passarinho que se assusta fácil e sai voando fugido É menino triste que pensa que Amor é gaiola - Amor é gaiola não, menino, gaiola é medo Respira firme que Amor é ipê! 4º lugar FANTASMAS Simone Alves Pedersen (Vinhedo, SP) Com o passar dos anos: A minha biografia amarelou Como meus dentes; A memória embranqueceu Como meus cabelos; O passado escureceu Como o futuro. Os filhos cresceram Casaram-se e mudaram-se. O cachorro morreu. O gato também. Até o pó se retirou Para lugares onde abrem as janelas. A televisão antes me incomodava, Agora preciso de aparelho para ouvi-la, Minha única companhia. Não tenho mais bagunça para organizar, Não recebo visitas para me estressar, Não gasto com pizzas nem refrigerantes, Que sumiam nas mãos dos adolescentes. Nem o telefone toca. O despertador sim! Faço questão de saber que horas são... Apesar de dormir menos com o passar dos anos E estar acordada quando o galo acorda o relógio, Tenho um rádio que fica ligado o dia todo. As vozes dos radialistas afastam os meus fantasmas, Que ficam espreitando, esperando, A hora que me deito... É quando eles se aproximam. Sentam-se na minha cama, Seguram a minha mão e choram comigo. O nome deles? Arrependimento, fracasso e solidão. 5º lugar DE SECAS E VERDES Francisco Ferreira (Betim, MG) Cantador, se quiseres cantar; vê que te não aconselho, os tempos são difíceis! Mas se imperativo for, que cantes aleluias às alegrias da chuva nova na poeira velha e o cheiro bom do bom barro de telha branco. Ou o ocre dos ceramistas, o branco das terracotas e o ocre dos santeiros nos cheiros molhados dos terreiros. Não é que te queira ensinar o ofício – de padre dizer missa – (longe de mim). É que os tempos são de seca, são difíceis. O mundo está sinistro. Digo isto só para parecer mais jovial. Mas se quiseres calar (veja que não te censuro) se acaso, porém, insistires, que cantes a paz. As harmonias de abelhas e vespas e formigas em seu fatigar – operárias em construção – na produção de alimentos e no tornar fronteiras mais seguras. Vidas mais úteis, vidinhas miúdas... Ah, cantador, se os governos fossem assim, tão eficientes! Seríamos formigas maiores e mais úteis, te garanto! E nossas vidas, melhores. Não que me queira queixar é que a seca destes tempos sombrios tornou agreste a minha alma e desertificou o meu espírito. O nosso destino de veredas é alimentar rios. Se, calado, quiseres cantar e depois emudecer, (veja que não te pressiono, nem apresso), já que, por ti, tenho tanto apreço. É que nestes tempos secos de dificuldades, cantar é dorido. Mas se, de todo, quiseres te expressar, que cantes jardins belezas de moral em cachos, canteiros floridos de ética, floradas de justiça e leiras e leiras de democracia. Não é que te queira dizer o que dizer. É que aqui, ao sul do equador, são tempos de seca, qualquer fagulha pode atear incêndios e tiranias. 6º lugar CENA MUDA Nelsi Inês Urnau (Canoas, RS) Século vinte e um Família – pedaços. Laços... nenhum! Às vezes, tantas, se amedrontam... Não se reúnem, nem unem, se encontram, se defrontam conhecidos, estranhos... e a televisão. Chiclete, bocejo, silêncio, tensão... Olhos furtivos, lampejos, desejos pescando imagens. Vidas em conflito, entre cifras e delitos de vazios, brios sem fulgor, incertezas, tristezas e dor... Em histórias tão banais, tão iguais! Ceia muda... não há o que dizer. Ora! Hora assim, tudo perde o sentido. Qualquer palavra diz pouco qualquer gesto, risco torto que inflama a chama vulcão ambulante morto... A cena muda adormece ao cair da chuva. Enquanto à massa os corpos se reduzem, as mentes se acalmam e se esquecem... enquanto a vida continua disparada na luta crua em contínua cena muda. É século vinte e um. 7º lugar FÚRIA ESCREVINA Rômulo César Lapenda Rodrigues de Melo (Joinville, SC) Escrever, escrever furiosamente como quem tem um dragão no intestino, cheio de dor de dente, escrever silenciosamente no silêncio que só o solitário sente, com torpor, com loucura e escrever, escrever, e só depois pensar em viver, a sorrir, a chorar, a sofrer, usar a borracha para morrer no silêncio temente, acordar para escrever, beber, cheirar letras em pó, escrever com a sede dos bêbados, com as ideias dos loucos, com a exata amoralidade dos psicopatas, dormir só para poder não morrer e morrendo de escrever vencer a próxima página, com a imprecisão desconcertante dos gênios, a pureza dos gentios, a safadeza das diabas, a podridão dos vermes, com a segurança dos equilibristas cegos, a pujança dos halterofilistas magros, escrever, escrever e depois apagar, rasgar folhas, costurá-las, remontá-las e escrever, e se for só a escrever, é depois remoer, ver as folhas voarem ao cesto sepulcro, regurgitar a bile no fundo da posta dormente do fígado, escrever feito demente e apagar, rasgar, escrever até o calo do dedo sangrar, escrever feito doente querendo remédio urgente, escrever sem nem pensar, roubando o dízimo da boca do crente, escrever suicidamente, feito cervo na beira do rio, esperando a bocada do crocodilo, escrever mesmo sem pé, nem cabeça doida fervente, os pensamentos dessa nossa gente, escrever, apagar, escrever, mais tarde refogar no caldeirão dos inconsequentes, ser canibal da própria mente, exorcista da alma, pinça em bicho de pé, ataque de tubarão branco, escrever desavisadamente, como quem anda à beira do precipício, cai e na queda, sem suplício, escreve o cair na poeira, e parado ao chão cansado da madrugada inteira, quando nada restar, nem a sobrancelha, há de haver uma letra brilhando pungente. 8º lugar AH! MAR Hernany Luiz Tafuri Ferreira Júnior (Juiz de Fora, MG) ah! mar inunda-me sem limites sê céu sê água horizonte bem ali adiante. ah! mar falta-me coragem para ser pirata nesta viagem hastear bandeira – busca certeira por teus tesouros – intenso aceno com lenço imagem de que não me esqueço oh! mar imenso em terra firme permaneço. mineiro desconfiado contento-me com água de coco enquanto contemplo mar em tudo quanto é lado. e de sereia em sereia serei sempre um bobo que não sairá da areia! 9º lugar PÉS Hernany Luiz Tafuri Ferreira Júnior (Juiz de Fora, MG) Alumbrado, calado, caminho apoiado na palavra pé: pé direito à frente do esquerdo, depois atrás do pé de vento que balança o pé de fruta: pé de moleque descalço, no encalço da ilusão: em pé de guerra, pede para amarrar o cadarço e continua, passo a passo, a subir o pé de feijão. 10º lugar MEMÓRIAS Denivaldo Piaia (Campinas, SP) O quadro-negro da memória Guarda frases rabiscadas: Não pode... Não deve... Educação cercada de muros, Tranca nas portas, vidraças opacas, Medo. Incoerentes correntes Aprisionam sonhos e voos, Pés pretos de branco jugo E as porteiras. Atam mãos sossegadas às suas almas mortas, Janelas bocejando ao sol fresquinho da manhã. E o vento venta, Sopra segredos, Range lamentos. Revela histórias e lendas, Esparrama glória pelas sendas Assoviando em quinas, Indiferente, nas esquinas. Venta vento, ventania, Em desbocada poesia. Que leve tudo para bem longe Soprando nuvens para reinventar formas.