a competência material da justiça do trabalho e a relação de co
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a competência material da justiça do trabalho e a relação de co
A PRESCRIÇÃO EX OFFICIO - § 5º DO ART. 219 DO CPC: (IM)PROPRIEDADE E (IN)COMPATIBILIDADE COM O DREITO E O PROCESSO DO TRABALHO Cláudia Coutinho Stephan Mestra e doutora em Direito do Trabalho pela PUC/SP; Professora de Direito do Trabalho da PUC/MG- campus de Poços de Caldas. As normas trabalhistas, como é sabido, resultam de lutas e conquistas, dispensando proteção especial ao trabalhador, dada a sua condição especial de hipossuficiente, para que seja alcançada, por meios desiguais, uma igualdade substancial nas relações sociais e processuais. Assim sendo, o instituto da prescrição no âmbito trabalhista deve ser visto levando-se em conta os princípios e peculiaridades que o cercam, especialmente a insuficiência econômica do trabalhador e a sua subordinação diante do empregador. Importante observar que a prescrição extintiva significa a perda da faculdade de pleitear um direito por meio da ação judicial competente devido ao decurso do tempo. Seu curso flui a partir do momento da violação do direito. Na prescrição, o que perece é a ação que assegura o direito, sofrendo este último os efeitos da primeira, por se tornar inoperante. Já na decadência, é o próprio direito que fenece, atingindo, obliquamente a ação. Desse modo, ao contrário do ocorre com a prescrição, a decadência inicia-se no momento em que nasce o direito, valendo a regra romanística de que a prescrição age sobre o direito de ação, conservando 1 o direito material, enquanto a decadência fere de morte o direito material, mesmo que a parte continue com o direito de ação. Esclarece Jose Luiz Ferreira Prunes que o fundamento principal da prescrição é a inércia ou negligência do credor ou titular da pretensão, no exercício em tempo certo da ação correspondente. Assim posto, caso o titular de um direito não providencie seu efetivo exercício através do pedido de prestação jurisdicional, consubstanciado pela propositura da ação, sua conduta provoca o estabelecimento de incertezas que a ordem jurídica condena e repele, razão por que ela impõe um termo para a sua cessação1. Nas relações laborais, o trabalhador muitas vezes, deixa de reclamar direitos descumpridos pelo empregador durante o pacto laboral, em troca da manutenção no emprego. Nesses casos, não é justo considerar como inércia ou negligência, o silêncio obsequioso do empregado, posto que a busca dos direitos infringidos pelo empregador, torna-se figura incompatível com o estado de hipossuficiência econômica do empregado, e com a continuidade da relação empregatícia. O fato é que a norma jurídica assegura ao autor o exercício da pretensão para a busca da reparação do dano, mas se este deixa vencer o prazo para corrigir a injustiça, a prioridade desloca-se para o valor da segurança jurídica, sepultando as incertezas que poderiam gerar conflitos, em nome da paz social. Fica patente, então, que dois são os fundamentos da prescrição, a saber: segurança jurídica e inatividade do sujeito, com presunção de abandono ou de renúncia do direito. Existe na verdade, um interesse social de ordem pública para que a situação de instabilidade não se perpetue, e talvez por isso, muitos juristas justifiquem que a prescrição é um mal necessário. Por outro lado, não se pode ter a prescrição como medida protecionista do devedor, porque na verdade, dela resulta um benefício acidental e indireto para ele, porque a lei não protegeria quem viola o direito alheio, não realizando a obrigação assumida. Acontece que 1 PRUNES, José Luiz Ferreira. A prescrição no Direito do Trabalho: Jurisprudência e doutrina. 2ª tiragem. São Paulo: ed. LTr. 1990. p. 244. 2 embora o instituto da prescrição tenha como objetivo evitar que o credor possa cobrar dívida quando bem entender, com prazo ad aeternum, infelizmente, e reiteradamente, tem sido utilizada pelo mau pagador, atentando contra o credor, que na maioria das vezes, no âmbito do Direito do Trabalho é o empregado. Nosso ordenamento jurídico, no art. 166 do Código Civil de 1916, e no art. 194 do Código Civil de 2002, ou seja, há aproximadamente cem anos, indica que o juiz não pode conhecer da prescrição se não for invocada pela parte interessada, valorizando, sobremodo, a prescrição como direito de iniciativa da parte. Assim, a aplicação da prescrição no processo do trabalho sempre observou as regras dos Códigos Civis, compatíveis com o processo do trabalho e seus princípios2. A Lei n. 11.280/2006, com vigência a partir de maio de 2006, em seu art. 3º, modificou o art. 219 do CPC, que passou a viger com a seguinte redação “§ 5º: O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição” 3, valendo lembrar que o art. 194 do Código Civil vigente foi revogado expressamente, e conforme a nova redação, o juiz deverá pronunciar a prescrição ex officio, independentemente da natureza dos direitos em litígio e da capacidade das partes, tratando-se agora de dever de ofício, não mais se discutindo se a prescrição é ou não patrimonial4. Inevitável, portanto, a discussão sobre o assunto, suas causas e possíveis efeitos no cenário jurídico e social, cabendo primeiramente observar que a prescrição transmutou-se de exceção, para objeção substancial, passando o interesse imediato da decretação ao Estado e não mais à parte, ainda que se trate de direito dispositivo5. Inegável que tal medida contribui para a celeridade e simplificação processuais, já que impede a prática de atos desnecessários nas 2 Quanto à prescrição, até a última alteração no CPC, a norma subsidiária à CLT era o Código Civil, totalmente compatível com o processo do trabalho. 3 Informa Sebastião Geraldo de Oliveira, in: Prescrição nas ações indenizatórias decorrentes de acidentes do trabalho ou doença ocupacional, Revista LTr 70-05/p.534, que curiosamente, o Projeto de Lei apresentado pelo Poder Executivo em 2004, com a justificativa de conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, que culminou com a aprovação da referida lei, foi aprovado numa convocação extraordinária, com votações sumárias. 4 A declaração da prescrição pode ser feita até mesmo sem a citação da parte contrária, desde que os elementos ofertados na inicial e documentos não deixem dúvida, extinguindo-se o processo com julgamento do mérito, com fulcro no ar. 269, IV, do CPC. Caso contrário, faz-se a citação e aguarda-se o pronunciamento da parte contrária sobre a matéria, e se isso não ocorrer, verificando o juiz a prescrição, extingue o processo. 5 Sabe-se na verdade, que a prescrição sempre gerou exceção, na medida em que o devedor que a exerce, tem que provar que a prescrição se deu. 3 demandas em que o direito material controvertido foi fulminado pela prescrição. Inquestionável, entretanto, a desvalorização da autonomia da vontade das partes, com a aproximação dos institutos da prescrição e da decadência, já que se igualam nas conseqüências, na medida em que o primeiro elimina a possibilidade de ação, embora conserve o direito material, e o segundo extingue o direito material, conservando o direito de ação. Aliás, se omissos a parte e o juiz, havendo recurso, o relator deverá declarar de ofício a prescrição, extinguindo o processo com julgamento do mérito, fazendo-se inócua, conseqüentemente, qualquer iniciativa do credor. Como se pode notar, o cabimento da prescrição ex officio no processo do trabalho é assunto novíssimo, controvertido, com divergências respeitáveis e bem fundamentadas. Certamente, essa norma inovadora gerará diferentes decisões jurisdicionais sobre o tema, o que provocará insegurança jurídica. É possível argumentar que o pronunciamento de ofício da prescrição é contrário aos princípios que orientam o Direito do Trabalho, posto que o crédito trabalhista seja por excelência, de natureza irrenunciável, e a regra da indisponibilidade é aplicada porque o crédito trabalhista tem natureza alimentar. Atenta-se, ainda, que no Direito Comparado inexiste legislação permissiva da declaração da prescrição de ofício pelo juiz, exceto em casos excepcionais, como ocorre com os incapazes6-7. O Direito do Trabalho, supondo a existência de uma desigualdade substancial entre as partes, eleva juridicamente o hipossuficiente economicamente, e por isso é tuitivo. Todavia, no caso da prescrição de ofício, com a revogação expressa do art. 194 do Código Civil, fica prejudicado o princípio da proteção, porque o juiz não pode eleger a norma mais favorável ao trabalhador. Assim, terá que aplicar uma outra 6 VALÉRIO. J. N. Vargas. Decretação da prescrição de ofício- óbices jurídicos, políticos, sociais, lógicos, culturais e éticos. Revista LTR. 70-09|1071-1078. São Paulo: Ed. LTr. p. 1071. 7 Aliás, afirma parte da doutrina pátria que para a sociedade não há a menor necessidade de que os direitos trabalhistas percam efetividade pela regra da prescrição; ao contrário, o desrespeito aos direitos trabalhistas incentivados pela regra da prescrição é que representa um mal para a consagração do Estado social, valendo lembrar que o medo do desemprego constitui óbice para a cobrança do crédito trabalhista. 4 vertente do princípio da proteção, que é o princípio da condição mais benéfica. Indubitavelmente a condição mais benéfica para o trabalhador era a vigente até a edição da Lei n. 11.280/06, que não autorizava ao juiz aplicar ex officio a prescrição, exceto quando se tratasse de direito de incapaz8. Sob esse aspecto, ao buscar a interpretação mais favorável e a condição mais benéfica ao trabalhador, o magistrado trabalhista pode concluir que a condição mais benéfica não permite que a prescrição seja aplicada de ofício. Argumenta-se que a prescrição trabalhista prevista no art. 7º, XXIX da Carta Magna9 traduz-se em ato jurídico perfeito, não admitindo aplicação ex officio, sob pena de ofensa ao princípio da supremacia da Constituição10. Além do mais, o Direito Processual Civil somente pode ser aplicado subsidiariamente à CLT quanto a forma de proceder, não podendo atingir diretamente direitos. Explica Emília Simeão Albino Sako que a prescrição, sendo norma de direito material, propicia a perda de pretensões exigíveis ou a aquisição de direitos, e por esse motivo, não pode ser disciplinada por norma processual, concluindo-se, portanto, como, inadequada a nova regra de prescrição inserida no § 5º, do art. 219 do CPC11. Além do exposto, é possível afirmar que o art. 219, § 5º, do CPC afronta o art. 3º, inciso I, da Constituição vigente, quando permite que o magistrado atinja a vontade do devedor ético que deseja pagar sua dívida12. O fato, é que a declaração da prescrição ex officio é sistematicamente benéfica ao réu, já que o juiz assume uma posição ativa no processo, favorecendo-o nos dissídios do trabalho. A prescrição de 8 SAKO, Emília Simeão Albino. Prescrição ex officio- § 5º, do art. 219 do CPC – a impropriedade e a inadequação da alteração legislativa e sua incompatibilidade com o direito e o Processo do Trabalho. Revista LTR. 70-08|966- 973. São Paulo: Ed. LTr. 2006, p. 969. 9 Segundo Irany Ferrari, apud THEODORO JÚNIOR, Humberto in: A exceção de prescrição no processo civil. Impugnação do devedor e decretação de ofício pelo juiz. São Paulo IOB de Direito Civil e Processo civil. Ano VII-n.41. Mai-Jun de 2006, p.255, o art. 7º, inciso XXIX da Constituição adota dois prazos, sendo de decadência o de dois anos, contados da extinção do contrato, para o exercício do direito de ação, e de prescrição, de cinco anos contados do ajuizamento da ação para haver o ressarcimento dos direitos lesados. 10 Pode acontecer de o juiz aplicar um princípio em detrimento à lei, quando esta é injusta,não atendendo aos fins do direito. 11 SAKO, Emília Simeão Albino. Prescrição ex-officio-§ 5º do art. 219 do CPC – a impropriedade e a inadequação da alteração legislativa e sua incompatibilidade com o direito e o Processo do Trabalho. Revista LTR. 70-08| 966- 973. São Paulo: Ed. LTr. 2006, p. 966 12 Além disso, alterações processuais que suprimem o próprio direito material da parte não podem ser admitidas. 5 ofício é nefasta para aquele que teve um direito violado, e o mais grave é que pode atingir direitos indisponíveis, irrenunciáveis do trabalhador. Ora, se o reclamado não argúi a prescrição, ocorre a renúncia tácita prevista no art. 191 do Código Civil, não tendo sentido que o magistrado aja ativamente em seu favor, aniquilando direitos trabalhistas, colocando em xeque o princípio do dispositivo13. Sob esse aspecto, vale lembrar que em virtude da permanência dos arts. 195, 197, 198, 199, 202 e 211 do Código Civil, a descaracterização da prescrição como instituto de direito material, com a revogação do art. 194, foi apenas parcial. Observa-se também, que a declaração de ofício da prescrição, igualmente fere os princípios do contraditório e da ampla defesa, posto que a parte prejudicada fica cerceada de seu direito de alegar causas impeditivas da prescrição. Caso o réu não argua a prescrição, há presunção de que houve renúncia ou interrupção do prazo, e assim sendo, o juiz não possui elementos para avaliar a interrupção do prazo, devendo buscar tal esclarecimento na audiência por prova testemunhal. Realmente, se o aplicador da lei seguir a literalidade da norma processual implantada, estará ferindo o devido processo legal, bem como os princípios do contraditório e da ampla defesa. Desse modo, se a doutrina e a jurisprudência admitirem que o magistrado decrete de ofício a prescrição não argüida, o direito potestativo conferido no art. 191 do Código Civil, estará sendo abolido. Infelizmente, o legislador não manteve a sedimentada doutrina sobre a prescrição, que inclui a ocorrência do prazo em nome da segurança jurídica, bem como a possibilidade da renúncia, e da disponibilidade do patrimônio da parte. É preciso que o art. 769 da CLT seja analisado conjuntamente com outras regras e princípios extraídos do ordenamento jurídico, permitindose afirmar que a nova regra da prescrição inserida no § 5º do art. 219 do CPC é inaplicável ao processo do trabalho. 13 O art. 191 do Código Civil dispõe que “a renúncia pode ser expressa ou tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição”. 6 Em contrapartida, doutrinadores justrabalhistas afirmam que a prescrição ex officio adotada pelo CPC vigente é aplicável também para os créditos trabalhistas, justificando que se a legislação trabalhista é omissiva sobre a iniciativa para declaração dos efeitos prescricionais, aplica-se aos dissídios do trabalho, a alteração da Lei n. 11.280/0614. Assim posto, se o devedor deixar de invocar o benefício da prescrição por ocasião da defesa, tal tarefa ficará a cargo do juiz como dever de ofício, não mais admitindo o Estado, em nome da paz social, que o credor deixe escoar o prazo prescricional para ajuizar a ação. Nessa linha de entendimento, o direito da parte está limitado ao prazo que lhe concede a lei, tendo as novas regras da prescrição plena aplicação em sede trabalhista. Diante da polêmica quanto à (in)aplicação da inovação legal sobre a prescrição de oficio no Direito do Trabalho, faz-se necessário afirmar que o aplicador do direito deve adotar novas concepções fundadas no paradigma constitucional, obtidas a partir de uma visão multidisciplinar, permitindo o resgate, pela via jurisdicional, do sentido do Direito, pois, somente desse modo, o processo será um verdadeiro instrumento de realização de justiça social. Na verdade, desde sempre, o fim do Direito é dar a cada um o que é seu, e a aplicação de ofício da prescrição impedirá tal preceito, dadas as razões expostas anteriormente. Assim posto, e respeitando as opiniões contrárias, para que fique suficientemente clara a inaplicabilidade da aplicação da prescrição ex officio, o ideal será a revogação do mandamento do § 5º, do art. 219, do CPC, sob pena de uma instabilidade jurídica desnecessária e desgastante para a própria Justiça e particularmente para a Justiça do Trabalho. 14 Fica superado, portanto, o entendimento da OJ n.130 da SDI-I do TST, continuando, entretanto, compatível, com a sistemática do processo do trabalho, a Súmula n.114, do TST. 7