LEITURA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Transcrição

LEITURA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE
CENTRO DE HUMANIDADES
UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUAGEM E ENSINO
LEITURA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
narrativas como caminho para a fruição
Núbia Verônica Ferreira Avelino
CAMPINA GRANDE
MARÇO DE 2012
NÚBIA VERÔNICA FERREIRA AVELINO
LEITURA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL:
narrativas como caminho para fruição
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Letras da Universidade Federal de
Campina Grande, como pré-requisito para a
obtenção do grau de Mestre em Linguagem e
Ensino.
Orientadora: Profª. Drª. Josilene Pinheiro-Mariz
CAMPINA GRANDE
MARÇO DE 2012
FOLHA DE APROVAÇÃO
________________________________
Profª. Drª, Josilene Pinheiro-Mariz
Orientadora (UFCG)
________________________________
Profa. Dra. Maria Lúcia Pessoa Sampaio
Examinadora Externa (UERN)
________________________________
Profa. Dra. Naelza de Araújo Wanderley
Examinadora Interna (UFCG)
________________________________
Prof. Dr. José Hélder Pinheiro Alves
Examinador Interno (UFCG) Suplente
Ao meu esposo Dori,
aos meus filhos Zaarac e Maithê,
a todas as crianças que passaram por mim
e a amiga Mírian (in memória).
Vocês me ensinaram muito, do pouco que aprendi e
fazem o melhor da minha história.
A vocês, dedico essa conquista.
AGRADECIMENTOS
Ao Trino Deus, a quem devo toda a minha gratidão, honra e louvor;
Aos sujeitos da pesquisa, crianças e adultos, que nos receberam com
disponibilidade;
Aos meus pais Nelyta e Nino (in memória). Mainha, que me apresentou aos
pássaros e aos livros, e Painho, contador de histórias, que nos doou seu bom humor;
À minha orientadora, Prof. Drª Josilene Pinheiro-Mariz, Josi, exemplo de
dedicação e compromisso com o ensino e com a pesquisa. Muito obrigada por sua
compreensão e generosidade nos momentos mais difíceis;
Aos meus familiares e amigos que torceram, por essa conquista. Entre esses
gostaria de destacar alguns: Albanita Guerra (prof. na graduação) pelo acesso ao seu
acervo literário, ao casal Aninha e Beguinha, pelos conselhos indispensáveis, as
colegas do curso, a Prof Drª Eliane Lisboa, Eli, amiga preciosa, confidente e querida,
alguém com quem também aprendi a contar histórias, a Graça, amiga de todas as
horas, ao Prof. Dr José Helder Pinheiro Alves, alguém que tem o dom de ensinar no
corredor, na cantina, na fila do banco, e faz da sua sala de aula um espaço de
conversas agradáveis e produtivas, pois aprendeu a fazer da vida poesia e da poesia
coisa séria; ao meu cunhado Maurício, constante torcedor, à Profª. Drª. Maria Lúcia
Pessoa Sampaio e à Profª. Drª. Naelza Araújo Wanderley, pelas leituras atenciosas e
sugestões preciosas; a minha irmã Norma, por suas orações;
A Prefeitura Municipal de Campina Grande pela licença concedida;
A Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/CAPES, pelos
cinco meses de bolsa na fase de conclusão desta pesquisa.
A cada um de vocês minha sincera gratidão.
Aos professores, fica o convite para que não
descuidem de sua missão de educar, nem
desanimem diante dos desafios, nem deixem de
educar as pessoas para serem “águias” e não
apenas “galinhas”. Pois, se a educação sozinha
não transforma a sociedade, sem ela, tampouco, a
sociedade muda.
Paulo Freire
vii
RESUMO
AVELINO, Núbia Verônica Ferreira. Leitura literária na educação infantil: narrativas
como caminho para fruição. 2012. 133 f. (149 f.) Dissertação (Mestrado) – Unidade
Acadêmica de Letras, Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande,
2012.
Ao longo dos últimos anos, acompanhamos significativas mudanças em nossas
creches, como o ingresso para o magistério via concurso público ou cursos de
formação continuada; mas, estamos ainda engatinhando no que se refere ao trabalho
pedagógico quanto à leitura literária. Nesse contexto, parecem predominar
concepções e práticas que reservam à literatura um papel equivocado, sendo apenas
um instrumento de aperfeiçoamento linguístico e modelador de comportamentos
(BRAGATTO, 1995). Ao contrário das práticas de “ler” com o objetivo de ensinar
letras, palavras, conteúdos curriculares e morais, tão presentes na Educação Infantil, o
que desafia e encanta as crianças é a necessidade de se expressar, de usar a
linguagem de forma livre e inusitada. Assim, ancorados nos pensamentos de autores
como Lajolo e Zilberman (1984); Pennac,(1994); Campos, (1999); Cosson, (2006);
Pinheiro (2007) queremos nos aperfeiçoar na tarefa de Sherazade, não para aquietar
os pequenos, mas, para fazê-los expressar suas fantasias e sonhos. Portanto, o
objetivo central deste trabalho diz respeito a uma abordagem da leitura de narrativas
literárias como um caminho para a fruição proporcionada por esse gênero, desde que
essa narrativa seja feita conforme propõe Benjamin (2010). O presente estudo
configura-se como uma pesquisa qualitativa descritiva e explicativa (RODRIGUES,
2006), visto que visa a compreender o fenômeno estudado como base na descrição,
análise e interpretação dos sentidos que adquire no ambiente social em que se
manifesta. Caracteriza-se também como pesquisa-ação, uma vez que houve
intervenção direta da pesquisadora, com o fim de proporcionar mudança no ambiente
da sala de aula. Participaram desta pesquisa, dez crianças entre cinco e seis anos de
idade e também uma professora de uma creche pública da cidade de Campina
Grande. A coleta dos dados foi feita a partir de sequências didáticas que nos
apontaram os principais resultados, sendo estes oriundos das produções pictográficas
das crianças. Tais dados sinalizam para uma necessidade de se estabelecer um
ambiente favorável para que a leitura-fruição ocorra de modo natural. Para isso, é
preciso que o professor-educador torne-se um narrador artesão, que estimule a
criança a adentrar no universo imaginário, levando-a a fruição.
Palavras-chave: Leitura. Narrativa. Fruição. Educação Infantil.
viii
RÉSUMÉ
AVELINO, Núbia Verônica Ferreira. Lecture littéraire dans l'éducation infantine:
récits comme un chemin pour le plaisir. 2012. 133 f. (149 f.) Mémorie (Master 2) –
Unité Acadêmique de Lettres. Universidade Federal de Campina Grande, Campina
Grande, 2012.
Au cours des dernières années, nous avons accompagné des changements importants
dans nos crèches, telle l'entrée dans le métier d’instituteurs par des concours publics
ou par des cours de formation continue, mais nous sommes encore à ces
balbutiements en ce qui concerne soit le travail pédagogique, soit sur la lecture
littéraire. Dans ce contexte, il semble prédominer les concepts et les pratiques qui
permettent de préserver à la littérature un rôle équivoque étant, ainsi, juste un
simple instrument de perfectionnement linguistiques et d’amélioration des
comportements (BRAGATTO, 1995). Contrairement à des pratiques de la «lecture»
ayant l'objectif d'enseigner des codes, des mots, des contenus du curriculum et ceux
de la moralité concernant l'Education Enfantine, ce qui défie et provoque
l’enchantement des enfants, c’est le besoin de s'exprimer et d'utiliser le langage de
manière libre et insolite. Ainsi, ancré sur les pensées de Lajolo et Zilberman (1984);
Pennac, (1994), Campos (1999) et Cosson, (2006), Pinheiro (2007), nous aimerions
bien retoucher le métier de Shéhérazade, de ne pas taire les petits ; mais de leurs faire
exprimer ses fantaisies et ses rêves. Par conséquent, l'objectif central de ce travail
concerne une approche de la lecture des récits littéraires comme un moyen spécial
pour le plaisir du texte, surtout, considérant que ce récit soit fait tel que la proposition
de Benjamin (2010). La présente étude se présente comme une recherche descriptive
et explicative qualitative (RODRIGUES, 2006), car elle cherche à comprendre le
phénomène étudié en tant que base pour la description, l'analyse et l'interprétation des
sens qu'il acquiert dans l'environnement social dans lequel il se manifeste. Elle est
également caractérisée comme une recherche-action, car il y a eu une intervention
directe de la chercheuse, afin de produire des changements dans l'environnement de
la classe. Dix enfants de l’âge entre cinq et six ans et une institutrice d’une école
maternelle publique de la ville de Campina Grande ont participé de cette étude. Les
données ont été recueillies à partir des séquences didactiques que nous ont montrées
les principaux résultats, qui sont issus de productions pictographiques des enfants.
Ces points des données indiquent une revendication d’établir un environnement
favorable pour que le plaisir de la lecture, se produise d’une façon naturelle. Pour
aboutir cet objectif, il est nécessaire que l'enseignant-éducateur devienne un narrateur
artisan, celui qui encourage l'enfant à entrer dans le monde imaginaire, permettant la
fruition de l’imaginaire.
Mots-clés: Lecture. Narrative. Plaisir. Éducation Enfantine.
ix
LISTA DE FIGURAS
Figura 1
Capa do livro Contos de Perrault
60
Figura 2
Capa do livro A última árvore do mundo
60
Figura 3
Capa do livro A margarida friorenta
60
Figura 4
Capa do livro Girafas não sabem dançar
60
Figura 5
Capa do livro O almoço.
61
Figura 6
Capa do livro Menina bonita do laço de fita.
61
Figura 7
Capa do livro Pinote, o fracote e Janjão, o fortão
62
Figura 8
Capa do livro Maria vai com as outras
62
Figura 9
Quadro lido pelos sujeitos da pesquisa piloto
71
Figura 10
Ilustração de Verônica sobre a história Chapeuzinho vermelho
87
Figura 11
Ilustração de Renato sobre a história de chapeuzinho Vermelho
87
Figura 12
Desenho de Carla sobre a narrativa Chapeuzinho Vermelho
88
Figura 13
Desenho de Alan da narrativa Chapeuzinho Vermelho (frente)
89
Figura 14
Desenho de Alan da narrativa Chapeuzinho Vermelho (verso)
89
Figura 15
Acácia, uma das árvores da creche
94
Figura 16
Pé de castanhola, a que nos abrigou para uma das
leitura/contação.
95
Figura 17
Foto de um dos momentos de leitura/ contação
97
Figura 18
Foto de interação durante a leitura/ contação
99
Figura 19
Ilustração de Carla sobre a história da árvore
103
Figura 20
Ilustração de Renato sobre a história da árvore
103
Figura 21
Desenho da árvore de Nilton
104
Figura 22
A árvore de Pedro
104
Figura 23
Desenho d'A Margarida de Carla
109
Figura 24
Frente desenho de Jonh
110
Figura 25
Verso desenho de Jonh
110
Figura 26
Desenho de Gabriela da Margarida
111
x
LISTA DE SIGLAS
EI
Educação Infantil
LDB
Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional
LI
Literatura Infantil
PMCG
Prefeitura Municipal de Campina Grande
PET
Programa de Erradicação do Trabalho Infantil
SEDUC
Secretaria de Educação Cultura e Desporto
xi
SUMÁRIO
RESUMO ___________________________________________________________________ vii
RÉSUMÉ ___________________________________________________________________ viii
INTRODUÇÃO _______________________________________________________________ 13
1. NOÇÃO MODERNA DE INFÂNCIA ______________________________________________ 19
1.1 A importância da criança na sociedade medieval ________________________________________ 20
1.2 A criança na arte e na religião ________________________________________________________ 21
1.3 Sobre a aquisição da linguagem ______________________________________________________ 23
1.4 O surgimento da escola privada e a mudança na escola pública _____________________________ 26
1.5 Costumes e brincadeiras infantis _____________________________________________________ 28
1.6 A sexualidade infantil ______________________________________________________________ 31
2. A CONTRIBUIÇÃO DE CHARLES PERRAULT PARA A LITERATURA INFANTIL OCIDENTAL ____ 34
2.1. Primórdios da literatura infantil ______________________________________________________ 34
2.2. A literatura infantil no Brasil ________________________________________________________ 36
2.3. A presença de Perrault na literatura infantil do ocidente __________________________________ 38
2.4 A Bela adormecida, uma leitura indispensável na formação humana ________________________ 39
3. NARRATIVA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL _________________________________ 43
3.1 A narrativa, um gênero literário ______________________________________________________ 43
3.2 Narrativas infantis com função pedagógica _____________________________________________ 47
3.3 Narrativas na sala de aula ___________________________________________________________ 49
4. CAMINHOS METODOLÓGICOS PERCORRIDOS ____________________________________ 54
4.1 Caracterização da Pesquisa __________________________________________________________ 54
4.2 Estratégias metodológicas, técnicas e instrumentos de coleta de dados ______________________ 55
4.3 Perfil dos sujeitos __________________________________________________________________ 62
4.4 Pesquisa piloto ____________________________________________________________________ 64
4.4.1 Sujeitos participantes da pesquisa-piloto _____________________________________________ 64
4.4.2 Coleta dos dados da pesquisa-piloto _________________________________________________ 66
4.4.3 A leitura com objetivos didáticos na pesquisa-piloto ____________________________________ 66
4.4.4 O maribondo zangado e a letra do nome _____________________________________________ 68
4.4.5 Uma proposta de leitura fruição ____________________________________________________ 70
xii
5. ENTRANDO NAS HISTÓRIAS... LEITURAS-FRUIÇÃO E BRINCADEIRAS __________________ 76
5. 1 Chapeuzinho Vermelho: negação, recusa ou catarse? ____________________________________ 81
5.2 A última árvore do mundo: consciência ecológica ________________________________________ 93
5.3 A Margarida friorenta: aquecendo os afetos ___________________________________________ 106
5.4 As Girafas não sabem dançar, mas nós sabemos e podemos! _____________________________ 113
5.5. Outras histórias: continuação... _____________________________________________________ 117
CONSIDERAÇÕES FINAIS ______________________________________________________ 120
REFERÊNCIAS ______________________________________________________________ 124
APÊNDICES ________________________________________________________________ 128
APÊNDICE 1: SEQUÊNCIAS DIDÁTICAS ___________________________________________ 129
1. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula do conto Chapeuzinho vermelho _ 129
2. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula da narrativa A última árvore do
mundo ___________________________________________________________________ 131
3. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula da narrativa A margarida friorenta 133
4. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula da narrativa Girafas não sabem
dançar____________________________________________________________________ 135
APÊNDICE 2: ENTREVISTA COM AS CRIANÇAS SUJEITOS DA PESQUISA _________________ 137
Entrevista com as Crianças do Pré-II ____________________________________________ 137
APÊNDICE 3: QUESTIONÁRIO APLICADO COM PROFESSORAS DO PRÉ-II ________________ 138
ANEXOS __________________________________________________________________ 139
ANEXO 1: Respostas aos questionários e entrevistas _______________________________ 139
ANEXO 2: Transcrição das entrevistas com as crianças ______________________________ 143
13
INTRODUÇÃO
Desde o seu surgimento, a literatura apresenta uma natureza dupla e
controversa, caracterizada tanto por sua dimensão artística, quanto pelo fato de
constituir um produto de consumo, ou seja, uma mercadoria de uma sociedade em
processo de industrialização. Segundo Lajolo e Zilberman, (2009), o advento da
literatura infantil ocorre simultaneamente ao surgimento da escolaridade obrigatória e
à consolidação de um modelo de família burguesa. Assim, a família e a escola
burguesas se apropriaram da literatura como um importante instrumento de
alfabetização, bem como de formação dos comportamentos e valores que passavam a
ser exigidos pelo novo modelo de organização do trabalho e da sociedade.
É sabido que as primeiras histórias conhecidas como infantis tais como as dos
escritores franceses do século XVII, Charles Perrault e Jean de La Fontaine, não eram
exatamente textos para crianças, pois as discussões sociais subjacentes a esses
escritos lhes eram tão próprias que às crianças cabia a parte superficial das histórias.
Aos adultos, aqueles que liam os textos, competia a análise e a recepção da
mensagem inerente às histórias.
No caso de La Fontaine, sabe-se que ele tomou como empréstimo o gênero
fábula do grego Esopo e do latino Fedro, autores clássicos da literatura. Nessa
perspectiva, a obra de La Fontaine apresenta personagens como animais com
discursos provocadores e falas inteligentes. Um exemplo desse afloramento discursivo
em personagens não humanas é a relação de poder encontrada na fábula O lobo e o
cordeiro quando o lobo chega à fonte para tomar água e se julga o dono daquele
espaço, simplesmente, pelo fato de ser mais forte.
14
Por um lado, as muitas narrativas com presenças de animais estimulavam o
mundo encantado da criança, bem como as suas representações e seus desejos de
dar fala a animais e vida a seres inanimados. Por outro lado, as lições, normas e
valores morais também estavam implícitos nesses referidos textos, aparentemente,
para crianças. Essas características podem justificar a necessidade, ainda atualmente,
de se utilizar a literatura direcionada às crianças apenas para fins didáticos.
Não se pode esquecer que a França vivia sob o reino do Rei Sol que, com seu
poder absoluto, tomava todas as decisões, não deixando para o povo sequer a
possibilidade de escolha; é nesse mesmo contexto, portanto, que Perrault reúne seus
contos, oriundos de uma tradição oral, sob o título Contos da mãe Gansa. Essa
coletânea agrupa histórias também endereçadas, em princípio, às crianças, mas com
uma carga de valores morais muito acima do que se imagina que os pequenos
poderiam compreender.
Considerando-se esses dados históricos da literatura universal, pode-se dizer
que a partir desses fatos instaurou-se uma ambiguidade no que se refere ao papel da
literatura na formação do jovem aprendiz. Se, por um lado, a literatura oferecida às
crianças passou a ser usada com um fim pedagógico, por outro, enquanto obra
artística, é necessário que ela seja vista como arte que “desmascara sua postura
doutrinária e a decisão por educar” (LAJOLO e ZILBERMAN, op. cit., p. 20). Essa
dupla natureza estética e pragmática se faz presente tanto no nível da produção da
literatura vista como elemento importante do mercado editorial, quanto como objeto de
consumo no que concerne aos usos que dela são feitos no contexto escolar, em
especial no nosso contexto de pesquisa.
No que diz respeito ao texto narrativo, especificamente, desde a antiguidade
este tem a finalidade de informar, divertir e convencer. Segundo Marmontel (1997) “o
dever daquele que narra é instruir e persuadir” (apud ADAM; REVAZ, 1997, p.105).
15
Porém, a finalidade recreativa se sobrepõe às demais. E isso é percebido nos textos
desses dois clássicos da literatura francesa: Perrault e La Fontaine
O pensamento de Marmontel (op. cit.) é bem conveniente para conceituar
narrativa naquela época (século XVIII). Já para os nossos dias, talvez seja mais
conveniente pensar na narrativa, especialmente a narrativa para crianças, como um
jogo ficcional que convida o leitor/ouvinte a, “como em um caso policial [...] reconstituir
os antecedentes dos fatos e prever seu desfecho” (AMARILHA, 1997, p. 20). Quando
uma criança consegue realizar tais ações, o prazer ultrapassa a simples gratificação
da inferência correspondida, mostrando-lhes que as estruturas organizadas em
narrativas são construtoras de sentido.
Por essas razões, entendemos que o trabalho com a leitura de narrativas, além
de ensinar, promove desenvolvimento sociocultural e intelectual, na medida em que
estimula a formação do leitor. Vemos esta pesquisa, portanto, como de grande
relevância para as discussões e para o estudo das práticas de leituras de crianças,
sobretudo, as que são ainda bem pequenas e as da escola pública.
Levamos em consideração que deveria ser essa escola o principal ambiente na
sociedade a privilegiar a leitura literária como forma de democratização do
conhecimento e da arte. Isto se dá por que, nesse caso particular, a maioria dos
alunos que a frequentam é oriunda de famílias menos favorecidas economicamente e,
em geral, tem menos acesso a bens como a arte literária, fora da escola. Entretanto,
ao reconhecermos a importância da leitura de narrativas, desde a Educação Infantil
(doravante EI), para a formação do leitor, não estamos defendendo sua abordagem
apenas para o ensino de normas e valores morais. Acreditamos que esse tipo de
prática conduz à produção do efeito oposto ao esperado pelos escritores das obras de
narrativas para crianças.
É diante dessas considerações que este trabalho reflete essa inquietação e,
por isso, descreve e analisa algumas práticas de leitura de narrativas na EI da rede
16
pública municipal de ensino na cidade de Campina Grande. Por meio da descrição de
situações observadas e/ou vivenciadas em uma sala de aula, analisamos exemplos de
dois tipos de práticas: a que faz da leitura de narrativas um pretexto para ensinar
conteúdos, comportamentos e normas e a que considera tais textos como uma forma
de expressão artística na formação do gosto de ler. Diante dessas considerações, o
nosso objetivo principal era o de investigar as práticas de abordagem da leitura de
narrativas em uma turma do Pré II da rede municipal de Campina Grande-PB e nos
propomos a discutir, nesta dissertação, aspectos que consideramos importantes para
a formação integral da criança desde a EI, atendendo, desse modo, a uma exigência
da LDB - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996). Sob o
nosso ponto de vista, a leitura literária é um dos caminhos mais eficazes para se
favorecer essa formação completa, uma vez que, enquanto expressão artística ela
pode despertar o prazer pela leitura, já que instiga o imaginário, promovendo o gosto
por ler.
Para chegarmos à discussão dos dados, iniciamos as nossas reflexões com a
apresentação do contexto histórico de surgimento da literatura infantil, destacando o
papel da criança na sociedade em várias épocas da humanidade e, nesse contexto,
discutimos a noção de infância. Em seguida, ponderamos a respeito da narrativa,
enquanto grande gênero da literatura e colocamos em destaque as narrativas para
crianças com toda a carga histórica de peso didático.
Para isso precisamos descrever e analisar as práticas de leituras de narrativas
literárias realizadas na Educação Infantil, identificar em que contexto e com que
objetivos essas práticas aconteciam e se contribuem para uma adequada abordagem
de obras literárias para crianças na Educação Infantil bem como refletir sobre
alternativas metodológicas de abordagens de narrativas literárias para as crianças
nessa fase de escolarização.
17
Em continuação, passamos à descrição dos aspectos metodológicos
relacionados às práticas de leitura descritas e discutidas neste trabalho. Ao final desse
capítulo, apresentamos uma pesquisa-piloto realizada com um grupo semelhante ao
da pesquisa-ação que fundamentou esta dissertação. Essa pesquisa-piloto foi
indispensável para a avaliação dos elementos escolhidos para a execução dos
procedimentos metodológicos.
Por fim, descrevemos analiticamente, exemplos de práticas de leitura que
tinham objetivos claramente pedagógicos, observados ao longo de nossas notas de
campo, nas aulas da EI. Em seguida, tratamos de eventos de nossa própria
experiência profissional, etapa caracterizada como a pesquisa-ação, nos quais as
narrativas infantis foram abordadas com o objetivo de compartilhar a beleza e o
encanto das histórias. Finalmente, tecemos breves considerações, a partir dos dados
obtidos nas produções do grupo, sobre como tais exemplos de prática de leitura
podem contribuir, tanto quanto se almeja, para a formação desses indivíduos como
jovens leitores.
Assim, buscamos não apenas mostrar uma realidade e discuti-la. Buscamos,
de modo muito especial, apresentar caminhos possíveis de leitura e contação de
narrativas infantis com fins lúdicos; isto é, uma proposta de leitura literária ou um
letramento
literário
na
EI
que
ensine
valores
morais
também,
mas
não
fundamentalmente, uma vez que acreditamos que o imaginário infantil é tão intenso
que, se estimulado, pode de maneira muito natural favorecer a formação integral da
criança desde a primeira infância.
18
CAPÍTULO I
SOBRE A NOÇÃO MODERNA DE INFÂNCIA
O sentimento de família, o sentimento de classe e
talvez, em outra área, o sentimento de raça
surgem portanto como as manifestações da mesma
intolerância diante da diversidade, de uma mesma
preocupação de uniformidade.
Philippe Ariès
19
1. NOÇÃO MODERNA DE INFÂNCIA
Neste capítulo, discutiremos a noção moderna de infância a partir dos estudos
feitos por Philippe Ariès (1914-1984). Esse autor ao pesquisar a iconografia na
Europa, descobriu que até meados do século XVII, a arte negava a morfologia infantil
e as crianças eram esculpidas ou pintadas com características de adultos, com
músculos definidos. Os artistas da época diferenciavam um menino de um homem
retratando o primeiro em menor estatura que o último, e na tentativa de se retratar
crianças, ilustrava-se anões. Essa visão sobre a infância comprovava a falta de
conhecimento que havia nos adultos sobre as peculiaridades dessa fase humana.
Ao livrar-se das dependências físicas mais primitivas, as crianças passavam a
conviver com os adultos como se fossem um deles, participando de todas as
atividades, inclusive dos trabalhos e das guerras. O infanticídio era tolerado, pois
muitas crianças morriam por falta de cuidados básicos ou de proteção, e não era raro
se ter notícia de crianças mortas, sufocadas pelos pais durante a noite, quando esses
adormeciam sobre os infantes, ou ainda afogadas na pia batismal durante a cerimônia
do batismo.
Foi por volta do final do século XVII que surgiu o sentimento que Ariès nomeou
de paparicação. O autor percebeu nesse sentimento um indício de reconhecimento
das especificidades das crianças e da necessidade de um tratamento diferenciado. A
partir desse novo sentimento, o lugar da criança na família e na sociedade começou a
mudar.
Neste capítulo, faz-se necessário esclarecer o porquê de, durante muitos
séculos, a literatura ter servido apenas para repassar valores, deixando-se de lado a
espontaneidade característica dessa fase, enfatizando-se os valores pedagógicos em
relação à arte literária.
20
1.1 A importância da criança na sociedade medieval
Observando a história anterior ao século XVII e comparando a atenção dada à
criança atualmente, podemos ver que a criança, hoje, recebe muita atenção por parte
do Estado e de instituições educativas privadas e, principalmente, por parte da família.
Entretanto, não foi sempre assim.
Segundo os estudos do historiador francês Philippe Ariès (2011), a importância
da identidade infantil (registro de nome e nascimento), por exemplo, ganharam
relevância só a partir do século XVI, e ocorreram concomitantemente à epigrafia
familiar, quando as famílias passaram a fazer inscrições em objetos, utensílios, móveis
e fotos. Dessa forma, junto com os pertences da família, os recém nascidos
começaram também a receber seus nomes. Todavia, nas fotos, em família, apenas os
adultos eram identificados, não apareciam inscrições que identificassem as crianças.
Foi com esse avanço, em relação à identificação dos recém nascidos, que no
século XVII a criança morta também começou a ser retratada. Até então, só os adultos
tinham seus túmulos adornados com suas fotos. O corpo de uma criança batizada era
enterrado no túmulo da família, mas, sem nenhuma identificação (foto ou inscrição),
enquanto a criança pagã era sepultada no jardim de casa, semelhantemente, aos
animais domésticos. Inicialmente, as fotos das crianças mortas não apareciam
sozinhas nos túmulos e sim ladeando os adultos, geralmente seus pais ou
professores.
Com o advento da identidade das crianças pequenas, começou a se formar um
sentimento diferente em relação à infância. Nas pinturas em que apareciam esses
pequenos, eram retratados como adultos com menor estatura, com aparência de anão
como dissemos antes, já que eram vistos, exatamente, assim. "Na arte medieval
francesa, a alma era representada por uma criancinha nua e em geral assexuada."
(ARIÈS, op. cit., p.19).
21
Essa visão da criança como um ser anti-humano delegava a elas um lugar
inferiorizado no qual ainda não eram consideradas pessoas, mas, seres anteriores,
uma espécie de vir a ser, que se tornariam 'gente' quando alcançassem a idade adulta
ou pelo menos quando se aproximassem dela. Talvez tenha sido essa visão que deu
origem a algumas expressões para referir-se à criança como um ser inferior, como “só
quer ser gente”, empregada quando uma criança contra-argumenta com um adulto,
por exemplo.
Ainda hoje, em alguns lugares, como na savana africana, a vida curta das
crianças é vista como algo natural e as suas mortes sem grandes sofrimentos. Essas
crianças que nascem em famílias com pouca esperança e expectativa de vida, têm
seus óbitos assistidos como inevitáveis. No século XVI e até meados do XVII, isso era
comum não apenas nas famílias pobres. E os sepultamentos delas causavam uma
tristeza semelhante à de se enterrar um animal que vivia em seu quintal.
1.2 A criança na arte e na religião
A partir do século XVI, a nudez infantil passou a ser muito solicitada como
motivo na arte decorativa, incluindo-se a do menino Jesus, e os chamados putti1
invadiram as pinturas em telas e nas tapeçarias. Entretanto, foi na arte barroca que as
crianças foram retratadas com mais dinamismo; brincando, lendo e em grupos.
A arte, através de pinturas, apresentava idades definidas em degraus: primeiro,
na idade dos brinquedos, os meninos eram retratados brincando com cavalos de pau,
bonecas2 etc. Na idade da escola, eles eram pintados aprendendo a ler e segurando
livros e estojos, enquanto as meninas apareciam aprendendo a fiar. As outras idades
eram: as idades do amor ou dos esportes, depois as idades da guerra e da cavalaria
1
2
Putto (putti, no plural) termo artístico para referir-se a criança nua, geralmente do sexo
masculino e comumente com asas.
Como os meninos tinham direito a brincar, eles também brincavam com as bonecas que
foram criadas para servir de modelo na escolha das roupas dos nobres.
22
e, finalmente, as idades sedentárias (velhice). A velhice era reconhecida como "a
idade do recolhimento, dos livros, da devoção e da caduquice". Segundo o historiador:
"As idades não correspondiam apenas a etapas biológicas, mas à funções sociais"
(ARRIÈS, op.cit., p. 9 ss).
Os garotos eram estimulados para as artes, nos primeiros anos de vida,
principalmente à música e participavam de concertos de câmaras, às vezes, aos cinco
anos de idade, a exemplo de Amadeu Mozart. Os jogos verbais com rimas e versos
também eram feitos com a participação, especialmente, deles, que compartilhavam
nos saraus o que aprendiam a respeito dessa arte.
O ensino religioso também era iniciado cedo e a partir dos dois anos de idade,
as crianças eram convocadas a assumirem as orações nas reuniões de famílias, antes
das refeições e em rituais de festas sacras. Geralmente, os pais católicos estimulavam
seus filhos a devotarem-se a algum santo para protegê-los, além do anjo da guarda.
A transformação do sentimento relacionado à infância se deu também por essa
relação de afinidade que se criou da criança com a religião. Antes, a criança era
considerada apenas como imperfeita e até irritante, mas, passiveis de modelagem
pela educação e religião, como podemos observar na afirmação seguinte.
Se considerarmos o exterior das crianças, feito apenas de
imperfeição e fraqueza, tanto no corpo como no espírito, é certo que
não teremos motivos para lhes ter grande estima. Mas se olharmos o
futuro e agirmos sob a inspiração da Fé, mudaremos de opinião.
(COUSTEL, 1687, apud ARIÈS, 2011).
Como vemos, as crianças adquiriram certo status com a religião e a devoção
dos adultos, que passaram a retratá-las em pinturas com um anjo da guarda por
detrás. Essa imagem, do anjo da guarda, foi bastante difundida e geralmente nas
casas em que não havia obras de arte que o retratasse, havia réplicas de quadros ou
calendários com essa imagem, costume que perdurou até meados do século passado.
Surgiu aí um maior interesse pela infância, e as famílias passaram a
apresentar seus recém-nascidos, orgulhosamente. Foi nesse período que se iniciou a
23
canonização de crianças, antes impensada. Também, nessa época, a primeira
comunhão tornou-se a festa da infância mais importante, acontecendo após vários
meses de preparação e catequese, culminando com uma grande comemoração em
família.
Essa nova visão originou a iniciativa da criação dos Jardins da infância, hoje
conhecidos como EI, onde as crianças pequenas recebiam atenção e cuidados
redobrados. Nessa fase de escolarização, as orações eram feitas, no mínimo, duas
vezes por dia nas escolas e sempre tematizavam a santidade infantil. A literatura cita
trecho do evangelho de João em que Jesus Cristo se porta com respeito e admiração
pelas crianças.
A partir dessas transformações a criança passou a ocupar um lugar de
destaque na família e de maior importância na sociedade, além de receber
atendimento escolar nos jardins de infância, que passou a ser obrigatório no século
passado.
1.3 Sobre a aquisição da linguagem
No que concerne à aquisição da linguagem, os jogos verbais e as rimas
serviam como exercícios orais que distraiam e estimulavam o desenvolvimento do
vocabulário e do conhecimento da metalinguagem nas crianças. No contexto de
mudança sobre a visão da infância, os adultos também passaram a se interessar em
registrar as expressões das crianças e o vocabulário das amas nos momentos de
cuidado ou de vigilância. Esse tipo de episódio marcou um momento importante, por
revelar o grande valor que se passou a atribuir ao vocabulário infantil e,
consequentemente, à aquisição da linguagem.
Uma fração desse processo pode ser notada na Divina Comédia exposto no
seguinte texto: "Que glória terás tu a mais se deixares uma carne envelhecida, do que
24
se tivesse morrido antes de parar de dizer pappo3 e dindi, antes que mil anos se
passassem." (DANTE, 2003, p. 189). Ainda em relação à aquisição da linguagem
outros autores, como Agamben (2001), afirma que:
Por isso, um adulto não pode aprender a falar; foram crianças e não
adultos os que acessaram pela primeira vez a linguagem e, apesar
dos quarenta milênios da espécie homo sapiens, a mais humana de
suas características, precisamente - a aprendizagem da linguagem permaneceu tenazmente ligada a uma condição infantil e a uma
exterioridade: quem acredita num destino específico não pode
verdadeiramente falar. (AGAMBEN, op. cit., p. 79-80)
Diversos trabalhos contemporâneos sugerem outros conceitos e outros lugares
para a infância. Dentre eles, o do estudioso citado anteriormente, que mostra como a
infância é, antes de uma etapa, uma condição da experiência humana. A infância é
tanto ausência quanto busca de linguagem; só um infante se constitui em sujeito da
linguagem e é na infância que se dá essa descontinuidade especificamente humana
entre o dado e o adquirido, entre a natureza e a cultura. (AGABEN, op. cit.).
O ser humano é o único animal que aprende a falar e não poderia fazê-lo sem
infância. Notemos, portanto, que a infância não é apenas uma questão cronológica,
mas, uma condição da experiência humana. O próximo excerto também sugere que o
próprio da infância não é ser apenas uma etapa, uma "fase numerável ou quantificável
da vida humana, mas um reinado marcado por outra relação - intensiva - com o
movimento. No reino infantil, considerado como o tempo, não há sucessão nem
consecutividade, mas a intensidade da duração." (AGAMBEN, id.ibid., p. 5ss.).
A noção moderna da infância se formou, no decorrer de alguns séculos, a partir
de fatores como as práticas de vacinação e de higiene, que diminuíram a mortalidade
infantil e, unidas às práticas de contracepção, contribuíram tanto para que uma nova
visão em relação à infância, quanto para que outro sentimento referente à perda dos
filhos se formasse.
3
Pão. A palavra existia no francês na época de Dante.
25
A adolescência também não era reconhecida e, até o século XVIII, essa fase
era confundida com a infância ao ponto de rapazes de 15 e até 18 anos serem
chamados de criança, enquanto as meninas, aos nove, já eram consideradas
mulheres. Casavam-se aos 11 ou 12 anos e, em muitas vezes, aos 10 assumiam a
cozinha, tinham como outras ocupações fiar, costurar, bordar.
Os meninos, nessa faixa etária, brincavam com bonecas, cavalos de paus etc.
Enquanto as meninas ajudavam nas tarefas domésticas e nas ocupações das
mulheres adultas. As crianças participavam de todas as atividades dos adultos, das
festas e de seus preparativos, dos martírios, das execuções etc. A ausência da
adolescência também noticiava a reação em relação à duração da vida.
Segundo o dicionário de Furetière (início do século XVIII) a palavra enfant era
também um termo de amizade para cortejar as pessoas a quem queriam agradar ou
de quem queriam conseguir algo; as palavras mon enfant, petit eram exemplos dessas
saudações. Os termos utilizados para os soldados da primeira fila nas batalhas,
aqueles que estavam mais expostos aos perigos, eram do tipo: "coragem, enfants,
aguentem firme" e eram chamados pelo capitão de enfants perdus ou crianças
perdidas.
Outros cumprimentos como jeune infant, jeune fille, lyttle petties também eram
empregados com objetivos semelhantes. Esses tratamentos revelavam que uma nova
maneira de ver e se dirigir às crianças estavam sendo cultivados. A linguagem,
portanto, teve um papel importante para que essa nova visão a respeito da criança se
formasse. (idem, p. 12)
Quanto à relação de gênero, apenas no século XVIII, a menina passou a ser
vista como diferente da mulher, fato que ocorreu anos depois de os meninos terem
sido distinguidos dos homens; a escolaridade feminina só foi iniciada dois séculos
após a dos garotos. Esse acontecimento, talvez, tenha persistido até recentemente,
26
quando, em algumas famílias, se cobrava que as filhas assumissem, sem a ajuda dos
irmãos, os afazeres domésticos.
Um aspecto curioso relacionado às crianças era a vestimenta: os trajes dos
meninos eram muito femininos e aos cinco anos era quase impossível se fazer a
distinção do sexo da criança pela aparência da roupa, já que eles também usavam
cabelos compridos e, geralmente, penteados cacheados; ambos, meninos e meninas,
usavam vestidos e só a partir dos seis anos os garotos passavam a usar calças curtas,
pois as calças compridas só eram permitidas aos 15 anos e, em algumas famílias, nas
mais tradicionais, só aos 18. Mesmo se livrando das roupas afeminadas durante o dia,
ainda dormiam de camisolas.
No período pós-guerra, os uniformes passaram a ser muito utilizados nos
meninos e existiam basicamente três: militares, geralmente de marinheiro, o de
camponês e macacões típico dos operários, estes últimos mais utilizados pelos
garotos italianos. Essa nova forma de vestir os meninos passou a diferenciá-los das
meninas, livrando-os dos vestidos compridos e das toucas com babados, bicos e
bordados. Todavia, as garotinhas já eram trajadas como senhoras; com vestidos
longos e aventais, roupas apropriadas para seus afazeres.
1.5 O surgimento da escola privada e a mudança na escola pública
A escola da época era pública e em regime de internato. Mesmo assim, alguns
filhos de populares entravam como bolsistas. Mais tarde os nobres consideraram
inconveniente que seus filhos convivessem com crianças de uma classe inferior e
nesse contexto foram criadas as escolas particulares. Essa divisão das classes
sociais, em diferentes escolas, pública e privada, gerou também um atendimento
diferenciado para os filhos das famílias populares e dos das nobres e burguesas.
27
As instituições destinadas aos ricos continuaram sendo os ginásios e
funcionavam em regime de internato, com uma proposta pedagógica definida, rígida
em conteúdos curriculares e disciplina de comportamentos, aulas de línguas, etiqueta,
música e outras artes como pintura, escultura etc. As destinadas aos filhos das
classes populares eram os orfanatos ou abrigos. Inicialmente, os colégios
funcionavam como asilos para pobres e tinham como maior preocupação o
assistencialismo, alimentação, abrigo e uma educação sem grandes pretensões; a
ideia era mantê-los saudáveis e educados, o suficiente para não se tornarem
marginais.
As artes, por exemplo, passaram a ser consideradas sem muita valia para as
crianças e jovens pobres que deveriam se ocupar com algum ofício que lhe rendesse
sobrevivência no futuro. Talvez tenha sido esse pensamento que incentivou a criação
das escolas técnicas, reservando para os "bem nascidos" o ensino superior.
As idades dos alunos tanto nos abrigos, quanto nos colégios só passaram a ter
importância no século XIX; até então, as classes eram superlotadas, crianças, jovens
e adultos de várias idades participavam das mesmas aulas e não havia nenhuma
preocupação quanto a isso já que a noção de idade era indiferente.
O século XIX ficou marcado pela divisão das classes escolares por idade,
semelhante à que temos atualmente, e essa divisão iniciou da seguinte forma:
professores em um mesmo ambiente atendiam a determinado grupo de educandos
com idades semelhantes; em seguida, percebeu-se a necessidade de separá-los em
ambientes diferentes; e, mais adiante, a de criar uma escola específica para as
crianças menores, surgindo aí o atendimento que hoje chamamos de EI.
No século XVII, os meninos ingressavam na escola aos sete anos, depois
passaram a entrar com nove ou dez. Os garotos que iniciavam cedo repetiam de série
mesmo que conseguissem acompanhar o ensino, para obedecer à divisão de classes
por idade. Nesse período, houve também uma maior atenção em relação às
28
disciplinas que deveriam ser ensinadas às crianças e aos adolescentes, bem como
uma maior preocupação com sua integridade física, tornando o professor o principal
responsável por sua proteção. Porém, os castigos corporais eram aceitos e cabia
também ao educador aplicá-los.
As relações entre os membros das famílias se davam de maneira tímida e era
costume enviar as crianças aos internatos ou às casas de conhecidos para serem
educadas longe dos pais. Durante o tempo de ensinamento, lhes eram cobradas,
desde cedo, habilidades de servirem a mesa, cortarem carnes, participarem
ativamente das organizações das festas, que eram públicas e, comumente, elas
ocupavam papéis essenciais nas reuniões sociais.
Foi dessa época que surgiu na França a expressão garçon que designava ao
mesmo tempo um rapazinho novo ou um servidor doméstico. Eram as crianças que
serviam nas festas e em uma dessas, a Festa de Reis (dia 6 de janeiro), o bolo só
deveria ser servido pelas crianças pequenas, que eram vistas como dignas dessa
função, por serem consideradas puras.
Outra festa bastante popular na Europa era o Carnaval que atravessou os
oceanos tornando-se popular em nosso país. Mas com o passar do tempo, as festas à
fantasia tornaram-se raras nos países europeus e apenas as crianças se fantasiavam;
esse costume originou a festa de halloween que é hoje uma festa caracteristicamente
infantil e muito cultivada nos Estados Unidos.
1.6 Costumes e brincadeiras infantis
Até certo tempo, não havia brincadeiras específicas de criança. Elas
participavam de brincadeiras como de jogos de azar, rinhas de galos; e, os adultos, de
jogos que hoje são considerados infantis como lutas, jogos de bola etc. Quanto ao
objeto brinquedo, da forma como o conhecemos hoje, há registro de que a rainha da
29
Itália, no Natal de 1604, recebeu de presente vários brinquedos, dentre eles, uma bola
e quinquilharias para si e para o príncipe, seu filho.
Na medida em que a distinção entre crianças e adultos se desenvolvia, o
costume das brincadeiras comuns ia perdendo espaço e os adultos que brincavam
com as crianças passaram a ser considerados tolos. Nesse período, os brinquedos
tornaram-se objetos especificamente das crianças. Todavia, mulheres e meninas
começaram a consumir bibelôs, tal como conhecemos hoje, e as lojas em Paris
encheram-se deles para serem vendidos como presentes, ao ponto de na cidade
inteira não haver uma só casa onde não existissem bibelôs pendurados nas lareiras.
Ariès, p.43)
Com a escolaridade, os jogos de azar passaram a ser reprovados pelos
pedagogos e apenas as pessoas das classes populares, adultas e crianças, não eram
desencorajadas a permaneceram com esse costume. No entanto, esses jogos eram
proibidos aos alunos que frequentavam os ginásios independentemente de sua
condição sócio-econômica.
Já os jesuítas defendiam os jogos físicos, argumentando que neles existiam
possibilidades educativas e o educador Fénelon criou regras para os ginásios, onde
eram permitidos os jogos dirigidos pelos professores. Os exercícios físicos eram muito
estimulados e esse pedagogo já se preocupava com a alegria dos educandos e
defendia a necessidade de se movimentarem. Assim, os jogos mais ativos com mais
exercícios passaram a ser defendidos por outros educadores.
Com o passar do tempo, alguns desses jogos transformaram-se em
brincadeiras de criança muito conhecidas até hoje, como cabra-cega, escondeesconde e, dentre esses, eram estimulados também os jogos verbais, do tipo
passarinho voa. Um aspecto que nos chamou a atenção foi o fato de que quando
havia jogos entre os adultos de classes sociais diferentes, os camponeses eram
obrigados a perderem para os fidalgos.
30
Com a consolidação da ideia de infância, os pedagogos passaram a ver na
literatura um caminho indispensável para doutrinar a criança. Dessa forma, a obra
literária também ganhou atenção, e uma produção direcionada às crianças começou a
ser lançada, entretanto, não havia uma especificidade voltada para o infante. As
crianças, nesse período, recebiam as obras que lhes eram contadas através das suas
amas, avós e mães. A prova disso são as ilustrações dos livros de Perrault e de outras
obras da época, nas quais era possível ver, nas suas capas, a figura feminina
contando histórias aos pequenos.
Na segunda metade do século XVII, os contos de fadas passaram a ser vistos
pelos adultos como muito simples, ingênuo. As fadas eram retratadas como senhoras
sem grande valor, capazes de distrair apenas as amas e criadas e contos ditos "de
fadas" foram, portanto, destinados às classes populares e às crianças e, ao serem
descartados pelos ricos foram direcionados às crianças e aos pobres, assim como foi
com os jogos e alguns brinquedos. Nessa época os contos ganharam uma finalidade
pedagógica. Por isso, foi nesse momento que os contos de Perrault ganharam a
estima das crianças, pois, a partir deles os adultos, mais especificamente as mulheres,
passaram a dedicar mais tempo aos pequenos leitores/ouvintes. É provável que,
nesse período, os contadores de histórias tenham encontrado um espaço muito
especial nos lares, em frente às lareiras ou às fogueiras nas noites frias dos invernos
europeus. Momento propício para o surgimento de uma literatura direcionada
especificamente para as crianças, a qual, mais tarde, passou a ser vista como útil e
divertida para elas e para as mulheres; mas, descartável para os homens/intelectuais,
distanciando-a da literatura considerada erudita. Foi a partir dessa distinção que
nasceu a literatura chamada infantil.
Assim como a noção moderna de infância, costumes e brincadeiras, a reflexão
em torno da literatura direcionada às crianças passou por mudanças significativas.
Sabemos também que é nesse momento que a Literatura Infantil (LI) começa a sofrer
31
as principais transformações, ganhando delineamentos que vemos ainda nos dias de
hoje.
1.7 A sexualidade infantil
Um fato intrigante que hoje nos causa espanto era o tratamento da sexualidade
infantil. A inocência era desconsiderada e as brincadeiras indecentes, como a
manipulação dos órgãos genitais era muito comum, feitas e publicitadas sem que
ninguém se chocasse; muito pelo contrário, eram consideradas pelos adultos, inclusive
pelos próprios pais, brincadeiras muito engraçadas.
O rei Luis XIII teve suas primeiras experiências sexuais quando criança, com
as criadas, casando-se aos 14 anos e sua noite de núpcias foi na presença dos pais e
de alguns criados e hóspedes que compartilhavam do mesmo aposento. Os
dormitórios, geralmente, tinham quatro camas de casal, que ficavam uma em cada
canto, onde dormiam criados, hóspedes e crianças, havendo apenas uma cortina
separando-os. Logo, as crianças desse século que viam e ouviam as relações sexuais
de adultos também eram muitas vezes abusadas. Vale ressaltar que o termo pedofilia
era inexistente, sendo, uma prática vista como aceitável.
Todo esse embaraço, no nosso ponto de vista, teve seu declínio com Gerson,
(importante educador daquela época, segundo Philippe Ariès) estudioso do
comportamento sexual da criança. Ele deu início a uma nova visão a respeito da
inocência infantil, criando regras rígidas para serem aplicadas nos internatos,
orfanatos e ginásios. Nessas normas havia a proibição de que os alunos
compartilhassem da mesma cama ou ficassem sozinhos com o professor ou com um
colega, proibia-se também que levantassem no meio da noite e que fossem tocados
ou beijados; e, caso isso acontecesse, deveriam se confessar o mais rápido possível.
32
Até o início do século XIX, os livros de etiquetas e manuais de boas maneiras
que eram dirigidos às crianças eram também sugeridos para pais e educadores.
Nesses livros havia várias instruções como, por exemplo, deitar-se com decência,
como comportar-se à mesa, ser modesto e pouco vaidoso, ser cordial com as
pessoas, ler livros decentes, não ler comédias. Os pais e os educadores eram
avisados da importância da vigilância constante.
A criança francesa, por exemplo, era mais exigida do que as demais,
sobretudo, se comparada às norte-americanas. Elas eram severamente cobradas
tanto no que concerne à racionalidade, quanto à religiosidade, práticas consideradas
essenciais para a boa educação dos homens, e tal educação deveria acontecer sob
forte disciplina. (ARIÈS, idem, p. 80 ss). Talvez por isso, as famílias brasileiras
abastadas tivessem, e têm até os dias atuais, os países da Europa como os mais
adequados para a formação de seus filhos.
Com a modernização da escolaridade e a adesão às novas regras de
comportamentos para os educandos, a LI e juvenil sofreu uma nítida transformação
em relação ao seu lugar e seu desígnio, ocupando um papel de auxiliadora dos
educadores na função de doutrinar as crianças modelando seus comportamentos.
E foi sob essa influencia que surgiu uma LI meramente pedagógica, bem
diferente dos textos para os adultos. Os livros passaram a ser indicados, censurados e
proibidos naquelas instituições de educação. A união entre Pedagogia, Religião e
Nova Literatura surgiu com o objetivo de implantar a moral e os bons costumes.
33
CAPÍTULO II
A CONTRIBUIÇÃO DE CHARLES PERRAULT PARA A LITERATURA INFANTIL
OCIDENTAL
Oh, devolvei, devolvemos os contos de fadas para
as crianças, se mais exigentes do que La
Fontaine, não formos bastante puros para
voltarmos nós próprios a eles.
P. J. Stahl
(Les Contes de Perrault)
34
2. A CONTRIBUIÇÃO DE CHARLES PERRAULT PARA A LITERATURA INFANTIL
OCIDENTAL
Neste capítulo temos o objetivo de apresentar, mais detidamente, um
panorama histórico, a respeito da influência do autor francês Charles Perrault para a LI
ocidental, destacando-se a contribuição do seu conto A bela adormecida para o
desenvolvimento emocional de crianças e de adolescentes.
Para as nossas discussões, tomaremos como base alguns estudos de Cunha,
(2003), Feijó, (2005), Bettelheim, (2008), Benjamim, (2010), dentre outros que
destacam o quanto a leitura literária pode proporcionar o desenvolvimento emocional e
cognitivo de crianças. Apresentaremos ainda um breve histórico do início da LI no
nosso país e para finalizar, discutiremos de que maneira a presença de Charles
Perrault foi marcante para a literatura ocidental e, em especial, no Brasil, onde, ainda
hoje, os seus contos são lidos como novidade para leitores em qualquer idade.
2.1. Primórdios da literatura infantil
A partir da visão moderna de infância, as características e necessidades
infantis passaram a receber atenção, quando se começou a pensar também em uma
literatura específica para a criança. Quem inicialmente assumiu essa produção literária
foram os renomados pedagogos europeus, daí a estreita ligação da LI com a
Pedagogia. Entre esses educadores podemos citar: Comenius, Basedow, Campe,
Fénélon entre outros. (CUNHA, 2003).
A LI nasce com objetivos específicos bem definidos, tais como disciplinar e
instruir, isto é, com intenções fundamentalmente formativas e informativas, direcionada
diferentemente para dois tipos de criança:
35
A criança da nobreza, orientada por preceptores, lia geralmente os
clássicos, enquanto a criança das classes desprivilegiadas lia ou
ouvia as histórias de cavalaria, de aventuras. As lendas e contos
folclóricos formavam uma literatura de cordel de grande interesse das
classes populares. (CUNHA, 2003, p. 23).
Por essa razão, a LI ocidental recebeu grande contribuição de Charles Perrault,
pioneiro em adaptar contos folclóricos em clássicos e, também, preocupado com a
formação das crianças. O seu primeiro conto de fada publicado foi Pele de asno.
Entretanto, além de Perrault, podemos citar também outros escritores que
contribuíram para a LI, como: Andersen, Carrol, Esopo, irmãos Grimm, La Fontaine,
este último contemporâneo de Perrault. (cf. RICHTER, 1997 apud ZILBERMAN, 2003).
A primeira adaptação documentada que temos de Chapeuzinho Vermelho, data
de 1697, registrada por Charles Perrault (direcionada às crianças) em sua coleção
intitulada Contos dos tempos passados, com moralidade, título que sinaliza seu
objetivo doutrinário. É relevante lembrar que o autor francês era frequentador dos
salões da corte, espaço muito comum aos intelectuais da época e, inicialmente, suas
narrativas não tinham as crianças com alvo, pois partilhavam dos mesmos espaços
com os adultos e escutavam histórias direcionadas a eles.
Perrault, porém, já
percebia as necessidades infantis e no final do século XVII escreveu na referida
coleção uma versão, com final trágico; mas, menos apavorante do que A História da
Avó, que veremos a seguir.
Originários da tradição oral do povo, os contos retratavam a vida difícil dos
menos favorecidos e, por isso, nem sempre tinham um final feliz; porém, esses
desfechos sofreram alterações nas adaptações dos Irmãos Grimm. O conto,
Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, escrito por Perrault, foi provavelmente
baseado em outro da tradição oral: A História da Avó, "nele, o lobo come a avó e
oferece a Chapeuzinho um pouco de seu sangue e de sua carne." (CANTON, 2009,
36
p.17).
Esse
enredo
foi
considerado
bastante
assombroso
para
se
narrar
propositalmente às crianças.
A maioria dos contos do autor francês atravessou os oceanos e se tornou mais
conhecida nas versões dos irmãos alemães, que viraram os principais adaptadores de
Perrault. Os Grimm (século XVIII e XIX) fizeram adaptações de contos folclóricos e por
volta de 1812 publicaram a versão do conto Chapeuzinho Vermelho que se tornou a
mais conhecida até os dias atuais, com uma trama mais leve e já direcionada
intencionalmente para as crianças, com objetivos mais explícitos de doutrinar e
moralizar seus comportamentos, segundo os padrões da sociedade vigente, seguindo
preceitos religiosos baseados no catolicismo da época.
2.2. A literatura infantil no Brasil
Segundo Coelho (2010), a literatura para crianças sempre esteve e está ligada
à educação da época, isto é, ao sistema educacional em vigor, sofrendo influência do
pensamento científico/teórico corrente. Em relação à educação aqui no Brasil, até
meados do século XVI não havia grandes preocupações com ela nem com a cultura.
Tal inquietação passou a ocorrer com os colonizadores após o "descobrimento" do
Brasil e, por volta de 1549, com a intenção dos jesuítas de catequizar os nativos,
iniciou-se a luta pela consolidação/implantação da civilização dos colonizadores. Esse
processo teve início com Tomé de Souza, que foi o primeiro governador da nova
colônia e com José de Anchieta e Manoel da Nóbrega; este último rascunhou o
primeiro plano brasileiro de educação4.
No nosso país os contos de Perrault bem como outras obras literárias
chegavam através dos livros trazidos da Europa e precisavam ser traduzidos e
adaptados, contribuindo para a formação de uma elite cultural. Até então, os filhos das
4
Baseado numa série de cursos; primeiro, um preparatório, com o ensino de português através
da doutrina cristã para posteriormente iniciar o período de alfabetização, relativo ao primário,
depois de gramática, referente ao ginásio. (COELHO, 2010).
37
famílias brasileiras mais abastadas eram levados para estudar na Europa. Na volta
para casa, traziam nas suas bagagens textos que passaram a ser adaptados por
conhecidos escritores, como: Carlos Janssen (Contos seletos das mil e uma noites,
Robinson Crusoé, As viagens de Gulliver e Terras desconhecidas), Figueiredo
Pimentel (Contos da Carochinha), Coelho Neto e Olavo Bilac (Contos pátrios) e
Tales de Andrade (Saudade). Esses autores/adaptadores de textos europeus,
contribuíram para a formação da Literatura infanto-juvenil brasileira e, por conseguinte,
à formação leitora de seus compatriotas.
No entanto, foi com Monteiro Lobato que teve início a verdadeira literatura
infanto-juvenil brasileira, pois, além de adaptar, Lobato também criava histórias que
aguçavam o imaginário do leitor/ouvinte infantil, juvenil e adulto. O escritor de Taubaté
abriu caminhos para outros talentos brasileiros enriquecerem nosso acervo literário
infantil. Ele conseguiu em sete anos transformar o perfil da indústria editorial do país.
Com a migração de europeus fugitivos da guerra, o Brasil recebeu mão de
obra em tipografias e o escritor, com seu olhar empreendedor, investiu no setor
promissor e, em 1920, a sua editora e gráfica, Monteiro Lobato & Cia, tornou-se
poderosa a ponto de lançar A menina do narizinho arrebitado, com uma tiragem de
50.500 exemplares. Lobato enviou, gratuitamente, 500 desses às crianças das escolas
públicas, o que contribuiu para a divulgação da LI na época. (FEIJÓ, 2005).
Nos anos de 1970, houve uma inflação na produção de LI por autores
brasileiros o que junto com a crítica a alguns adaptadores, influenciou na queda da
produção de adaptações. Porém, obras de adaptações de contos de fadas são
produzidas e consumidos até os dias atuais em grande escala. Hoje, estes contos
são, prioritariamente, escritos para crianças; há alguns séculos isso sequer era
pensado, quando a noção moderna de infância não existia.
38
2.3. A presença de Perrault na literatura infantil do ocidente
Charles Perrault (1628 -1703) foi advogado de confiança de Luis XIV, o Roi
Soleil e ficou conhecido pelos acadêmicos de sua época como um modernista. Alguém
com ideias modernas e até mesmo inovadoras. Perrault estabeleceu-se como líder de
um grupo de intelectuais que defendiam a literatura francesa. Esse movimento
liderado pelo autor de A bela adormecida do bosque contrapunha-se a um
pensamento antigo que reconhecia a antiguidade greco-romana como verdadeira
literatura. Tal movimento ficou conhecido como a Querela dos antigos e dos
modernos.
Narrador nos palácios, ele fazia adaptações dos contos populares e os
transformava em contos de fadas ou contos clássicos que narravam histórias de amor
entre príncipes e princesas e sobre generosos e bondosos reis, narrativas que
agradavam os seus nobres ouvintes. Faleceu aos 75 anos, deixando um acervo de
vários escritos. (LEIVAS, 2010). Referindo-se a sua biografia, Canton (2009), assevera
que o autor parisiense era um refinado burguês, foi eleito membro da Academia
Francesa de Letras e mesmo sendo advogado preferia a função de escrever e narrar
contos de fadas em saraus, o que lhe rendeu o título de mais conhecido e importante
autor de contos de fadas da sua época.
Consideramos pertinente lembrar que os contos de fadas tiveram sua gênese
nas fábulas e talvez por isso, as primeiras versões dos contos de Perrault sempre se
encerravam com uma mensagem de advertência endereçada aos leitores. Seus
enredos não contêm, necessariamente, fadas e, em geral, são ricos em fantasia, com
animais falantes, seres mágicos que estão a favor dos heróis e das heroínas, que
sempre têm uma difícil tarefa a cumprir.
Dessa forma, Perrault se coloca como o principal contista de sua época, tendo
sua fama, portanto, ultrapassado o seu continente, alcançando países ultramarinos,
39
como é o nosso caso. Não somente no Brasil, mas em inúmeros países pelo mundo,
esse escritor impôs a sua marca de respeito e atenção ao público infantil, valorizando
também a literatura popular, a partir da qual é possível ler clássicos da literatura
universal.
2.4 A Bela adormecida, uma leitura indispensável na formação humana
A adolescência é uma fase do desenvolvimento humano reconhecida pelas
suas contradições. Os adolescentes em geral buscam agitação, chamam a atenção
com roupas e atitudes extravagantes, mas também são descritos como desatentos,
sonolentos,
preguiçosos,
desastrados,
desconcentrados,
anti-sociais,
isolados,
contraditórios. Escolhemos para analisar o conto de fadas A Bela adormecida do
bosque ou simplesmente, A Bela adormecida, como é conhecido, por se tratar de
uma narrativa que pode ser abordada tanto com crianças da Educação Infantil quanto
com as maiores.
Algumas vezes, os adolescentes parecem não suportar a ausência dos amigos
e durante a distância passam horas ao telefone ou internet sem que lhes faltem
assuntos; em outras, parecem preferir refugiar-se dormindo horas seguidas ou
isolando-se do mundo; por isso, esse conto pode ser apropriado para essa fase da
vida, uma vez que pode haver certa identidade com a protagonista da história.
Segundo Bettelheim (1980), o conto supracitado enfatiza esse período de
sonolência, apatia e tranquilidade demorada, muitas vezes incômoda para os pais,
mas necessária para a transição e maturidade do adolescente. O autor ainda compara
essa espera inconsciente por uma ação posterior com o período que antecede a
menstruação nas meninas, a puberdade nos meninos e nas meninas, a fertilidade, a
maturidade sexual. Toda a busca incessante dos pais de impedir essa maturidade,
procurando proteger seus filhos da despedida da infância é retratada no conto com a
tentativa de evitar que a menina espete seu dedo na roca, o que se torna inútil, apenas
40
adiando o inevitável. Após cem anos de sono a moça desperta, bela e com 15 anos.
Com o seu despertar, surge também seu amadurecimento sexual, a donzela mostrase pronta para a experiência sexual que vivenciará.
Nesse ponto, é importante lembrar que essa temática da sexualidade é o laço
que liga o conto A Bela adormecida do bosque, que parece claramente ter sido
inspirada por Basílio: O sol, a Lua e Tália. O conto basiliano relata, de modo mais
direto, um estupro. Este, originário da mitologia grega, resguardado na história de
Leto, "uma das muitas amantes de Zeus que lhe deu como filhos Apolo, deus sol e
Artemis, deusa lua", a rainha ciumenta é representada por Hera, a esposa traída.
(BETTELHEIM, op.cit., p. 268). Lembramos que o conto de Perrault tinha as crianças
como público.
Para melhor nos fazermos entender, apresentaremos a seguir um breve
resumo desse conto. Quando sua filha Tália nasceu, o rei convocou todos os sábios e
videntes do reino para profetizar sobre seu futuro. Todos concordaram que ela correria
um grande perigo ao acidentar-se com uma farpa de linho. Para evitar tal tragédia o rei
ordenou que nunca entrasse linho ou cânhamo no palácio, porém havia uma velha que
tecia no sótão e foi esquecida por todos, através dela o fatal aconteceu e a
princesinha, ao cair como morta foi abandonada por seu pai que, muito deprimido, a
deixou sobre o trono, sozinha em seu castelo.
Um rei de outro império ao passear próximo ao castelo abandonado entrou e
deparou-se com a princesa inerte, apaixonou-se e não resistindo, coabitou com ela
que continuou adormecida. Não conseguindo despertá-la ele partiu. Nove meses
depois Tália deu a luz a gêmeos (Sol e Lua). Os bebês sobreviveram mamando na
mãe entorpecida. Certa vez um dos bebês ao procurar o seio dela, sugou seu dedo e
extraiu a farpa fazendo-a despertar. Algum tempo depois, o rei apaixonado voltou ao
castelo e ficou ainda mais maravilhado pela beleza de Tália e dos seus filhos. Ao
descobrir o segredo do marido, a rainha tenta tirar a vida da princesa e das crianças,
41
mas acaba sendo morta pelo próprio cônjuge, que passa a viver feliz com sua nova
esposa.
Na versão do cortesão Perrault, os fatos são romanceados, há apenas um rei e
o outro é substituído por um príncipe, este último obviamente solteiro, as crianças
chamam-se Manhã e Dia, a princesa é conhecida como A Bela Adormecida. Já na
versão dos Irmãos Grimm, ela recebe o nome de Aurora e as crianças não aparecem
na narrativa. Tanto na versão de Perrault, quanto na de Basílio a rainha recebe a
devida punição, já na dos Grimm esse fato é extraído, o que para alguns autores pode
ter empobrecido o conto, no que se refere à doutrinação do comportamento infantil.
(CANTON, 2009).
Rosa (2011, p, 48), afirma que “quando nos deixamos envolver por uma
história, adentramos a ficção, estamos confrontando nossos valores, experimentando
alternativas para a vida”. Nessa mesma linha de pensamento, Laurenti (2006) enfatiza
que as palavras adquirem poder de ações, estabelecendo correspondências com o
mundo real, portanto verossímil, em vez de verdadeiro. A principal função da fantasia
é promover a crença na realidade ficcional e, assim, ajudar os indivíduos a
responderem às suas inquietações, sejam elas de perdas ou não.
No dizer de Bosi (2003, p. 116), “Reconquistar o que se perdeu é muito difícil:
difícil é o caminho de volta, [...] Esse caminho pede um alto grau de tomada de
consciência da vida em si que começa na recusa do estabelecido, na suspensão da
validade mundana”. De nossa parte, acreditamos que o melhor a fazer é procurar
‘prevenir’, investindo na nossa reflexão aprofundada acerca da nossa prática
pedagógica, relativa à frequência, à dinâmica, ao planejamento e à capacitação dos
professores para que nos tornemos professores narradores/contadores de histórias,
fazendo circular as narrações literárias no ambiente escolar.
42
CAPÍTULO III
NARRATIVA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Narrar não é só uma arte, é também um mérito,
e no Oriente até mesmo um ofício. Acaba em
sabedoria, assim como tantas vezes, ao contrário,
a sabedoria nos chega sob a forma de um conto.
O narrador é, portanto, alguém que sabe dar
conselhos e que para fazê-lo tem que saber relatálos.
Walter Benjamin
43
3. NARRATIVA LITERÁRIA NA EDUCAÇÃO INFANTIL
Estudos sobre a presença da leitura literária ainda na primeira infância
parecem ter obtido, nos últimos anos, mais espaço entre os pesquisadores que entre
os principais intermediários da formação na Educação Básica, os professores. Essa
observação tem nos conduzido a constantes reflexões a respeito desse evento, uma
vez que consideramos indispensável a presença da literatura logo no primeiro
momento da formação do indivíduo. Fase em que as redes neuronais estão em
intensa evolução.
É, por certo, na primeira infância que a intervenção adulta pode modificar,
qualitativamente, a vida da criança; pois, trata-se de uma fase na qual ela tem uma
possante capacidade de conferir sentidos ao seu universo que é tão intenso quanto
real. O significado simbólico desse universo infantil pode ser moldado pelo contexto
social e escolar, mas, sobretudo, com a presença de professores da EI.
Por essa razão, cremos na importância da leitura da narrativa literária nesse
período da vida, como um elemento capaz de realizar grandes transformações na vida
desse ser humano em formação. De acordo com os estudos de Coelho (2002), "É,
pois, nesse período de amadurecimento interior que a LI e, principalmente, os contos
de fada podem se tornar valiosos contribuintes para a formação da criança em relação
a si mesma e ao mundo à sua volta." (COELHO, 2002, p. 54).
3.1 A narrativa, um gênero literário
Em uma época que se pode chamar de infância da humanidade (COELHO,
2010, p. 5), a literatura foi fundamentalmente fantástica, quando os fenômenos
naturais ainda não eram explicados pela lógica, a “ciência” da época baseava-se no
pensamento mítico. E o ato de narrar é muito remoto, "tão antigo como a imaginação
44
humana [...], seja para recrear [...], seja para tirar deles um ensinamento salutar."
(COELHO, op. cit., p. 5).
As narrativas surgiram a partir dos desenhos desde os homens das cavernas,
evoluindo com a fala e, só muito tempo depois, se estabelecendo com a escrita;
portanto, tornou-se difícil datar com precisão a sua origem. Provavelmente, surgiram a
partir do mito, com a necessidade humana de entender e explicar a origem das coisas
e de justificar padrões de comportamentos. Na medida em que o homem evoluiu, seu
pensamento tornou-se cada vez mais reflexivo e o pensamento mítico cedeu espaço
para a cientificidade. E o mito, que antes respondia às dúvidas, passou a ser
representado artisticamente, nascendo o teatro, com a Tragédia Grega, a partir dos
ditirambos5. (D'ONOFRIO, 2004).
Platão (428-7 a 38-7 a.C) já se preocupava com a educação ética das crianças
através da narração de contos. Em A república, ao discutir sobre justiça e injustiça e
sobre a concepção de uma pólis ideal, o filósofo assegura que essa possibilidade está
intrinsecamente ligada à formação de cidadãos éticos e íntegros, propondo:
"Eduquemos estes homens em imaginação, como se estivéssemos a inventar uma
história e como se nos encontrássemos desocupados." (PLATÃO, 2002 livro II, p.64,
376 a-e). Para ele, essa tarefa deveria ser vista como essencial, ao ponto de se
investir tempo, dedicando-se a incentivar mães e amas ao exercício da contação de
histórias. Platão também garantia que se deveria ensinar às crianças a ginástica e a
música, e na música, a literatura; a ginástica para o corpo e a música para a alma,
ensino que deveria ser iniciado pela música com a contação de fábulas (PLATÃO, op.
cit.).
Platão sugere a leitura de fábulas desde os primeiros anos de vida como
podemos ver com essa alocução: "as fábulas são mentiras, embora contenham
algumas verdades. E servimo-nos de fábulas para as crianças, antes de as
5
Narrativas religiosas cantadas com ausência de diálogos
45
mandarmos para os ginásios" (PLATÃO, ibidem p.65). Em sua época, algumas
crianças eram ensinadas a ler e escrever a partir dos dez anos de idade e a educação
oficial iniciava-se após os sete. Mas, ele garantia que o ideal seria que desde os três
anos, além de ouvir histórias, as crianças fossem educadas através dos jogos militares
e das ginásticas, em espaços físicos adequados, como os jardins e sob vigilância.
Ele ainda demonstrou a sua preocupação com a qualidade dos textos
apresentados às crianças, afirmando que:
Devemos começar por vigiar os autores de fábulas, e selecionar as
que forem boas e proscrever as más. As que forem escolhidas,
persuadiremos as amas e as mães a contá-las às crianças, e a
moldar as suas almas por meio das fábulas. (PLATÃO, ibidem, p.65 e
66).
Como o objetivo dele era formar homens éticos, é provável que Platão tenha
indicado as fábulas por conterem lições de boa conduta, percebendo que para
alcançar o bem, os homens deveriam buscá-lo através das histórias contadas quando
estes ainda fossem crianças.
Segundo D'Onófrio, (op.cit.) só por volta do século XIV o conto ganha registro
escrito, afirmando sua categoria estética. Entre o final do século XVII e início do XVIII,
Charles Perrault prosseguiu adaptando contos folclóricos e populares, instaurando
uma literatura infantil determinante para aquela época. No século XIX, com expansão
da imprensa, os irmãos Grimm adaptaram e publicaram dos contos folclóricos, com
características de contos infantis, imbuídos da doutrina medieval que assegurava a
formação moral das crianças.
Existem basicamente três tipos de formas de narrativas: o conto, a novela e o
romance. Nosso interesse versa sobre o conto, visto que especialistas tais como
Coelho (1991) o consideram como o gênero mais adequado para as crianças.
Segundo ela, isso se dá porque o conto tem uma sequência linear e efabulação, isto é,
começa com um motivo central e os acontecimentos ocorrem em ritmo acelerado.
46
O motivo dessa efabulação é baseado em três necessidades humanas:
sobrevivência, preservação da espécie e vontade de poder. Ela (a efabulação) deve
possuir características como: a) o tempo, que é a-histórico, o que torna a história
sempre "nova"; b) o ato de contar, uma vez que a própria narrativa situa o mediador
entre narração e o leitor; e, c) a forma literária básica, que é o próprio conto. Possui
ainda a característica de repetição, que ajuda a retomar o enredo facilitando a
compreensão; a representação simbólica, com imagens, alegorias, metáforas que
simulam o real; os personagens; a verossimilhança ; o espaço ; a exemplaridade e um
narrador. Essas são basicamente as características que a autora considera
apropriadas para uma narrativa para crianças. (COELHO, op. cit.).
Entendemos a importância da característica de a-historicidade em um conto, ao
percebermos que a mesma narrativa que encantou as crianças do século XVII ou XIX
pode encantar as crianças do nosso século com igual intensidade. Os desafios
apresentados pelo texto devem ser superáveis pelo leitor para que a leitura se torne
possível e prazerosa, portanto a forma deve ser básica, porém não empobrecida.
Outro critério que devemos considerar ao escolhermos uma narrativa para
abordar com as crianças, deve ser a estética do texto, devendo-se levar em conta a
sua riqueza em alegorias, imagens, personagens que atuam com verossimilhança,
promovendo, assim, a reflexão a partir da leitura literária, associada à própria
realidade da criança.
Tais características foram levadas em conta quando das intervenções feitas,
descritas e analisadas ao longo desta pesquisa. A riqueza de personagens, imagens e
alegorias constituíram-se em um dos principais recursos para seduzir os pequenos
leitores, confirmando, assim, o que diz Coelho (op. cit.).
Convém inda ressaltar que a narrativa, enquanto gênero literário teve sua
origem nos mitos que surgiram com a necessidade de explicar fenômenos naturais e
transmitir sabedoria às futuras gerações. A partir deles, os contos de fadas passaram
47
a ter a intenção de ilustrar a realidade por meio da arte, considerados também
originários dos contos populares. Essas narrativas, inicialmente, tinham como
protagonistas pessoas representantes do povo, tais como camponeses ou outros
indivíduos que também viviam uma vida difícil provocada pelo intenso frio dos países
europeus. Desde então, já era a ficção, uma forma de arte, na qual o homem se
apoiava para explicar seus dilemas, ao mesmo tempo alimentando a imaginação do
leitor/ouvinte, permitindo a reflexão sobre situações de desconforto, ajudando na
construção do senso crítico.
3.2 Narrativas infantis com função pedagógica
Considerando-se que historicamente a literatura, ao ser voltada para o público
infantil, tinha uma função prioritariamente utilitária, com uma gênese essencialmente
pedagógica, ela estava estabelecida em fundamentos que visavam uma finalidade
disciplinar; sendo, por consequência, modeladora do comportamento das crianças.
Embora, ao longo dos séculos, a literatura tenha assumido um papel muito
mais didático, moralista, doutrinário e disciplinador, entendemos que o texto literário
em sua essência é arte, e, portanto deve provocar múltiplas interpretações. E como
fazê-las, se a obra é apresentada como um texto meramente informativo? A questão
não é apenas se tem ou não um fim pragmático, mas também, como é feita a
abordagem dos textos.
Sem a pretensão de negar que a literatura estimula a aprendizagem de
conteúdos e valores, mas, na intenção de mostrá-la mais "doce que útil", acreditamos
que devemos abordar as obras literárias para as crianças, sobretudo na primeira
infância, com o principal vislumbre de seduzi-las para as histórias, para as artes,
certos de que os conhecimentos, as transformações e consequentemente as
aprendizagens virão.
48
O trabalho com o gênero narrativo, em questão, pode possibilitar um jogo
psicológico importante para o desenvolvimento afetivo e cognitivo das crianças. Ao
ouvirem ou lerem contos de fadas, por exemplo, elas se projetam em algum dos
personagens e passam, inconscientemente, a participar de um jogo que poderá ajudálas a superar conflitos interiores, fazendo-as lidar com certa leveza em situações reais,
difíceis e inevitáveis, como a perda de um ente querido ou com a sua condição
socioeconômica precárias, por exemplo. (BETTELHEIM, 2008).
As viagens dos heróis e das heroínas descobrindo e explorando florestas
perigosas podem, de maneira inconsciente, retratar para a criança as viagens feitas
dentro de seu próprio eu; a rivalidade do vilão apresentado como uma fera, o dragão,
o lobo ou a madrasta má podem representar o embate com um colega tirano, um
professor autoritário ou mesmo maus tratos ou descuido dos pais. A vitória do herói
sobre o adversário pode causar a catarse necessária para encorajar o leitor a buscar
seu objetivo de liberdade e felicidade na vida real por meio da fantasia, imaginação,
através da arte que é a literatura.
Esse processo psicológico, a catarse, acontece, segundo Amarilha (2006),
quando a criança se envolve emocional e intelectualmente, identificando-se com a
trama, ocorrendo uma ruptura que "desencadeia um processo de suspensão
temporária do real e trânsito para o ficcional semelhante ao da representação
dramática" (AMARILHA, 2006, p.76).
A perspectiva da catarse, enquanto purgação, foi um aspecto perceptível na
contação da história da Chapeuzinho vermelho. Sob a ótica da cura, identificamos
como resultados de catarse, a leitura d'A Margarida friorenta, provando que a
literatura é uma porta especial para incitar a imaginação. (cf. capítulo V). Por isso,
vemos o trabalho com a literatura na sua melhor função, vendo-a como arte
transformadora. Independentemente de a quem for destinada, ela não perde o seu
49
valor
literário,
que implica
literariedade,
polissemia
etc.,
para ser
apenas
disciplinadora.
3.3 Narrativas na sala de aula
Entendemos que o trabalho de formação leitora de uma criança deve ser
iniciado desde os primeiros anos de vida, os que antecedem sua escolaridade,
começando na família e sendo continuado e ampliado na escola.
Atualmente, a maioria das crianças ingressa mais cedo na escola e algumas
dessas passam mais tempo na instituição do que em casa. Antigamente, as crianças
eram assistidas exclusivamente em casa, pelos pais ou avós e muitas delas eram
alfabetizadas no seio familiar, ingressando na escola a partir dos sete anos de idade.
E nesse contexto doméstico, as que não tinham acesso aos textos impressos ouviam,
junto à família, histórias de trancoso6, anedotas ou advinhas nas calçadas, entre
parentes e vizinhos. Esse costume aguçava o imaginário de crianças e de adultos.
Junto com o processo de industrialização, houve uma demanda de mão-deobra, e as mulheres foram atraídas para o mercado de trabalho, havendo com isso a
necessidade de uma escolarização precoce para seus filhos. Hoje, tanto as crianças
de família socioeconomicamente desfavorecidas, quanto às de classe média,
ingressam mais sedo e passam mais tempo na instituição escolar ou pelo menos
convivem com a ausência dos pais durante o dia. As menos favorecidas,
economicamente, ficam sob os cuidados de irmãos mais velhos ou inseridas em
programas sociais como o PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil) e as
de classe média, na companhia de um cuidador ou em escolas de música, idiomas,
esportes, dentre outras.
6
De acordo com Valdevino, (2007) Gonçalo Fernandes Trancoso foi um escritor português que
reuniu, no século XVI, histórias de relatos do povo de situações inverossímeis. Seu nome
passou a ser associado às histórias populares fantasiosas. (Alexandre Valdevino, 200 7 in
http://www.recantadasletras.com.br)
50
No intento de recuperar a força da fantasia e por considerar importante instigar
o imaginário infantil, sobretudo através da leitura literária para a formação leitora das
crianças, é que procuramos, com este estudo, ratificar a importância da abordagem do
gênero narrativa em uma proposta de leitura para crianças na faixa-etária entre cinco e
seis anos. Por esse motivo, o nosso intento tem como base a promoção, desde a EI,
de situações que propiciem essa formação. Nesse sentido, buscamos compreender a
atribuição do educador como um narrador de histórias, bem como suas práticas a
respeito da leitura literária na EI.
Acreditamos que há na narrativa literária, tanto oral quanto escrita, um poder
educacional, em especial, para a educação de crianças, por estas estarem na fase em
que a fantasia e imaginação são bastante intensas, e porque contribui com a
aprendizagem sobre outras culturas e sobre sua própria identidade, além de propiciar
uma visão com mais graça e sentido sobre a vida.
Temos valorizado a abordagem desse gênero na sala de aula, pois
acreditamos que as classes em que há atividades de narrativas literárias diárias
tornam-se um espaço vibrante de entusiasmo criador, educativo. Também sabemos
que a narração de histórias, em sala de aula, pode promover uma atmosfera de prazer
e descontração necessária para um ambiente de alegria e confiança. Esse “clima” de
confiança era considerado de fundamental importância para as sociedades nômades,
onde os narradores de histórias eram muito respeitados, já que os acampamentos
necessitavam ser sustentados por histórias bem contadas tanto para as crianças
quanto para os adultos. (GIRARDELLO, 1999).
Nós, na condição de pedagogos, buscamos entender tanto como a narrativa
literária pode contribuir para a apropriação do conhecimento pelas crianças, no nosso
caso específico as da EI, quanto de que forma os educadores dessa fase podem
colaborar mediando essa interação.
51
O professor-narrador é contagiado pela alegria de compartilhar e essa
reciprocidade é sempre percebida no desejo das crianças de ouvir de novo.
Evidentemente, não seria uma simples curiosidade de saber como a história termina,
uma vez que a narrativa, de um modo geral, já é conhecida da criança; é o mergulho
no mundo fantástico que proporciona uma experiência única, como afirma Held (1980).
Trata-se do deleite que ocorre durante a contação ou leitura de uma narrativa,
provocando o prazer estético no gosto pela palavra, no ouvir e no ato de ler. Só
assim, o professor-narrador poderá promover pequenas epifanias, estimulando novos
olhares, novas buscas, consequentemente, novas descobertas.
Convém salientar a importância de se preservar o ofício de narrar para as
crianças como ação que a conscientiza sobre si e sobre o mundo em que vive, pois
durante a escuta de uma narração, a criança aciona esquemas mentais para formular
imagens, assim como o faz durante uma leitura. Crianças pequenas que ouvem
histórias passam a interessar-se também por histórias impressas, assim essa prática
pode contribuir para sua formação leitora. (GIRARDELLO, op. cit.)
Assim como defende Walter Benjamin, (2010) citado na epígrafe deste
capítulo, devemos ter compromisso com a arte de narrar, pois só assim daremos a
devida importância à narração. Benjamin (op. cit.) ainda aponta o desparecimento da
arte da narrativa que, para ele, é causado pela excessiva difusão da informação; e,
assim, a narração passou a ser vista como ultrapassada, da mesma maneira que, com
a industrialização, foram subtraídos os artesãos. Segundo ele, narrar recupera o que
há de artesanal na palavra.
Temos percebido, porém, que a preocupação de Benjamin, já na década de
1940, persiste em autores da nossa época e essa preocupação tem aberto caminhos
para reflexões acerca não só da pouca presença, mas, das deturpações feitas com a
narrativa literária na escola, quer seja lida, quer seja contada.
52
Ao entendermos que a leitura literária deva ser feita com prazer e ludicidade,
não defendemos a leitura sem nenhum objetivo educativo. Acreditamos que ela pode,
por exemplo, se tornar um valioso recurso para o desenvolvimento da oralidade das
crianças, que é uma das habilidades a que se propõe a EI e uma das formas mais
eficazes de valorizar a oralidade pode ser pela escuta e pela narração de histórias.
Nessa perspectiva, faz-se necessário lembrar que, apesar de termos nos
detido a tratar do educador como narrador, é conveniente lembrar que também as
crianças devem ser estimuladas a narrarem, não apenas suas experiências pessoais,
mas as literárias.
Contudo é o educador que deve ter primeiro, a consciência do valor da
narrativa. E a respeito da narrativa Pennac (1998) pondera:
Mas ler em voz alta não é suficiente, é preciso contar também,
oferecer nossos tesouros, desembrulhá-los na praia ignorante.
Escutem e vejam como é bom ouvir uma história. Não há melhor
maneira de abrir o apetite do que lhe dar a farejar uma orgia de
leitura. (PENNAC, 1998, p. 64)
Confiamos, portanto, em uma abordagem lúdica, prazerosa das narrativas
literárias em sala de aula, que provoque boas sensações no leitor/ouvinte, que o
instigue ampliando seus horizontes. Neste contexto, é importante que o professor
procure capacitar-se na arte/no ofício de narrar.
53
CAPÍTULO IV
CAMINHOS METODOLÓGICOS PERCORRIDOS
Se o pedagogo em mim fica chocado por não
apresentar a obra no seu contexto, persuada-se o
dito pedagogo de que o único contexto que conta,
por enquanto, é o dessa classe.
Daniel Pennac
54
4. CAMINHOS METODOLÓGICOS PERCORRIDOS
Este capítulo tem
por
objetivo descrever
e explicar
as estratégias
metodológicas, as técnicas e os instrumentos de coleta de dados utilizados na
realização
desta
pesquisa.
Nesse
sentido,
apresentamos,
inicialmente,
a
caracterização da investigação, seguida da descrição das estratégias, das técnicas e
dos instrumentos para a coleta de dados e, por fim, traçamos um perfil dos sujeitos
que fazem parte do estudo.
4.1 Caracterização da Pesquisa
O presente estudo configura-se como uma pesquisa qualitativa descritiva e
explicativa (RODRIGUES, 2007; MINAYO, 1994), visto que objetivamos compreender
o fenômeno estudado como base na descrição, análise e interpretação dos sentidos
adquiridos no ambiente social em que se manifestou. Assim, a investigação das
práticas de abordagem da literatura infantil nas creches campinenses foi feita
mediante o emprego de instrumentos e técnicas qualitativas.
Considerando a necessidade não só de descrever e interpretar o objeto de
estudo, mas de contribuir com a melhoria das práticas de leitura de narrativas para
crianças, optamos pela pesquisa-ação como abordagem metodológica mais adequada
ao nosso propósito. Nessa perspectiva, um dos principais procedimentos para a
compreensão e atuação na realidade estudada foi a realização de intervenções
pedagógicas assumindo ou dividindo com a professora o papel de mediadora
pedagógica. Conforme Langeveld (apud BEL, 2002, p. 57), o objetivo da pesquisaação não é apenas “conhecer os fatos e entender as relações em prol do
conhecimento. Queremos saber e entender para sermos capazes de agir e agir melhor
do que agimos antes”.
55
Também de acordo com Moreira e Caleffe (2008, p. 94), a pesquisa-ação no
contexto da sala de aula, pode contribuir para “introduzir abordagens adicionais e
inovadoras no processo ensino-aprendizagem e aprender continuamente em um
sistema que normalmente inibe a mudança e inovação.” Assim, a nossa investigação
das concepções e práticas de leitura de narrativas literárias nas creches campinenses
foi feita mediante o emprego de instrumentos e técnicas qualitativas, visando não
somente a obtenção de dados, mas a construção de conhecimentos que nos
capacitem a atuar melhor na EI.
4.2 Estratégias metodológicas, técnicas e instrumentos de coleta de dados
Para respondermos às questões de pesquisa e atingirmos os objetivos do
estudo que havíamos previsto, empregamos as seguintes estratégias, técnicas e
instrumentos de pesquisa: revisão bibliográfica, observação das aulas, mediação
pedagógica, entrevistas semi-estruturadas com as crianças e aplicação de
questionário com as professoras, além da utilização de um diário de campo para as
anotações pertinentes. A seguir, descrevemos brevemente cada um desses recursos.
A construção dos referencias teórico-metodológico da pesquisa foi feita por
meio de uma revisão bibliográfica sobre práticas de leitura de LI, da concepção
moderna de infância, e da importância da leitura de narrativas literárias na Educação
Infantil. Esse procedimento teve início com a preparação do projeto e se estendeu até
a conclusão da análise dos dados. Dentre os autores estudados podemos destacar
Amarilha (2006/1997), Brandão (2010), Coelho (1991), Lajolo e Zilberman (2009),
Lerner (2002), Held (1980), Pennac (1998), Pinheiro (2006), Zilberman (2003).
Como parte do trabalho de observação para a execução dessa pesquisa,
começamos por visitar um total de nove creches na periferia da cidade de Campina
Grande-PB, com o propósito de realizarmos a nossa pesquisa onde pudéssemos
alcançar um número maior de crianças. O nosso intento era perceber uma maior
56
receptividade por parte da professora, e da gestão; queríamos ainda averiguar a
realidade das unidades públicas municipais, que já conhecíamos em parte, com nossa
prática docente. Apesar de vinte anos trabalhando em creches públicas municipais de
Campina Grande, não conhecíamos totalmente as diferentes realidades das unidades,
já que elas se distinguem, quanto à localização, à conservação da estrutura física, ao
mobiliário e à manutenção de materiais.
Durante as visitas, encontramos na maioria das creches, resistência em nos
receber como pesquisadores. Justificamos tal fato como decorrente, principalmente,
do período eleitoral, já que algumas das gestoras verbalizaram não se sentirem
confortáveis em nos permitir realizar a pesquisa em "sua" unidade. Algumas delas, em
suas falas, mencionaram que não considerava adequado para o momento, nos
permitir, por exemplo, realizar entrevistas e fazer fotos das instalações.
Após os diálogos com as gestoras e com as professoras de classes de Pré II
dessas creches, concluímos que haveria a possibilidade de desenvolver a pesquisa
em duas daquelas nove unidades. Aplicamos um questionário com as professoras das
turmas dos Pré I e do Pré II de algumas das unidades visitadas e de outras escolas
públicas, como parte de nosso estudo exploratório.
Antes de iniciamos as intervenções, julgamos necessário um período de
observação para que as crianças estivessem adaptadas à presença da pesquisadora.
Por isso, a observação foi, certamente, uma das etapas mais importantes da nossa
pesquisa, porque nela pudemos acompanhar a prática pedagógica da professora em
cuja classe executamos a pesquisa. As observações dessa etapa contribuíram para
identificarmos concepções, bem como as práticas de leitura de narrativas literárias
presentes nas atividades pedagógicas realizadas pela professora. Identificamos
também a frequência com que aconteciam as leituras e os procedimentos utilizados
pelas professoras nessa atividade. Esses dados foram de grande relevância para
57
responder as questões que orientaram a presente pesquisa e para nortear a nossa
intervenção pedagógica.
Para melhor conhecermos a realidade pesquisada, consideramos relevante
ouvir as crianças, uma vez que são agentes de sua formação e diretamente envolvidas
nas práticas. As entrevistas com elas foram cuidadosamente planejadas em função de
questões específicas identificadas no contexto das formas de interação com as
narrativas literárias percebidas durante a etapa de observação da prática pedagógica.
No período de observação percebemos que as crianças careciam de ouvir narrativas
literárias, já que tiveram apenas uma vivência com a leitura da narrativa; Tatá a
baratinha, de Naiara Mattar, (s/d) feita pela professora e com A galinha ruiva, da
coleção Paraíso, (s/d), realizada pela pesquisadora em uma ocasião em que a
professora ausentou-se da sala, deixando o grupo sob a nossa responsabilidade7.
Como parte da coleta de dados, fizemos entrevistas semi estruturadas
individuais e com cada uma das crianças separadamente. Buscamos responder: Que
narrativas as crianças conheciam? Qual a que a professora leu/contou que elas mais
gostaram? Ouviam histórias em casa? Por quem?
Para auxiliar na caracterização de parte dos sujeitos do estudo, após as
observações das aulas e antes de iniciarmos a nossa intervenção, solicitamos que a
professora, em cuja sala aconteceu a pesquisa, respondesse um questionário sobre
sua formação acadêmica e experiência profissional, além do preenchimento de dados
de identificação necessários à construção de um perfil desse sujeito.
7
Faz-se pertinente lembrar que em alguns momentos da nossa escrita, optamos ora pelo uso
da primeira pessoa do singular, ora pela primeira do plural. Nos momentos de reflexões,
sobretudo teóricas, utilizamos o pronome nós, por entendermos que, de um modo geral,
ponderações são feitas a partir de discussões seja em aulas, seja em orientações. No
entanto, nas descrições e análises das intervenções pedagógicas, optamos pela primeira
pessoa, pois nesses momentos as ações de pesquisa-ação se deram de forma mais direta
entre as crianças e a pesquisadora.
58
A coleta de dados mediante observação e intervenção pedagógica foi realizada
no período de 24 de setembro a 22 de outubro de 2010, somando-se um total de
quinze (15) aulas, sendo nove observadas e seis ministradas pela pesquisadora.
Para a realização da nossa intervenção pedagógica fizemos, inicialmente,
leituras de quatro (04) narrativas literárias com as crianças do Pré-II, após o período
de observação das aulas. Foi nesse momento de observação que tivemos a
oportunidade de fazer a primeira leitura para as crianças: A galinha ruiva.
Realizamos a intervenção pedagógica com um grupo de dez (10) crianças da
turma do Pré-II (faixa-etária entre cinco e seis anos), que frequentavam uma creche
pública localizada em um bairro de periferia da cidade, no horário das sete às onze
horas, de segunda a sexta-feira do ano de 2010.
Para iniciarmos a nossa atividade, planejamos quatro sequências didáticas (ver
apêndice 1, p. 129ss), que serviram como base para as nossas aulas. Com o objetivo
de realizarmos as leituras literárias durante nossa intervenção, optamos por usar como
corpus literário um conto clássico, Chapeuzinho vermelho, na versão de Charles
Perrault (1883/1994) e três narrativas modernas, a saber: A última árvore do mundo,
de Lalau e Laurabeatriz, (2010); Girafas não sabem dançar (livro animado), de Gile
Andrea, Guy Parker e Corina Fletcher (2009) e A Margarida friorenta, de Fernanda
Lopes de Almeida, (2010). A história da Chapeuzinho vermelho foi contada e lida nas
versões de Perrault e na dos irmãos Grimm, o que discutiremos posteriormente, na
seção de análise dos dados.
Ao escolhermos cada narrativa, procuramos levar para a turma algo que
oportunizasse o prazer e o gosto pela leitura e que os motivasse à crítica, ao
questionamento, à mudança, à maturidade e ao crescimento, podendo também
proporcionar um conhecimento literário e pessoal. Com a leitura da narrativa,
Chapeuzinho Vermelho (versão de Perrault), por exemplo, buscamos investigar a
respeito da recepção desse clássico, constatando o que as crianças conheciam da
59
história, desejando, com isso, proporcionar um momento de fruição. A nossa
perspectiva de recepção está de acordo com Zilberman (2004) ao afirmar que "a
recepção refere-se à acolhida alcançada por uma obra à época do seu aparecimento e
ao longo da história. Em certo sentido, dá conta de sua vitalidade, verificável por sua
capacidade de manter-se em diálogo com o público". (ZILBERMAN, 2004, p. 114).
Escolhemos a obra A última árvore do mundo, de Lalau e Laurabeatriz
(2009), buscando favorecer um momento de leitura reflexiva, crítica, divertida e
atraente, no qual as crianças poderiam perceber a importância da consciência
ecológica e o respeito ao meio ambiente, sem que isso fosse dito através de um
discurso didático.
Durante as observações das nove aulas, cuja temática era meio ambiente,
percebemos que as ações das crianças se resumiam em observar, copiar nomes,
pintar desenhos de animais e ouvir explicações sobre suas locomoções e habitat.
Diante desse contexto, entendemos que poderíamos favorecer uma situação de
aprendizagem, através da leitura de narrativa literária, tanto a respeito da temática em
questão quanto da própria linguagem.
O critério para a escolha do livro Girafas não sabem dançar, de Giles
Andreae, Guy Parker-Rees e Corina Fletcher (2009) foi a necessidade de proporcionar
um momento de recreação através da dança, após uma leitura atrativa, com um livro
animado, buscando entender as reações provocadas pelas imagens que "saltam" do
livro e enchem os olhos dos leitores, sobretudo dos leitores em formação. Entendemos
que essa turma precisava vivenciar situações lúdicas, em que pudessem movimentarse, cantar, dançar, mexer-se e remexer-se.
A obra A Margarida friorenta, de Fernanda Lopes de Almeida (2010), foi
considerada por nós, a narrativa de maior relevância para aquela turma, por ter em
seu enredo uma temática que aborda a carência, o cuidado e a amizade. Observamos
que na turma com crianças na faixa etária entre cinco e seis anos, que em geral têm
60
forte ligação afetiva com suas professoras, eram raras as situações que envolviam
carinho ou afeição e no período da pesquisa pouco se viu demonstração de toque,
abraço, elogio ou qualquer manifestação de afeto, cuidado, admiração entre a
professora e as crianças. Inclusive, nas horas de chegada, os cumprimentos eram
reservados aos adultos. Em algumas ocasiões a turma recebeu elogios de uma
funcionária de apoio, que destacou a conservação da limpeza da sala, e da gestora, a
respeito da aparência (cabelos cortados, roupas e calçados) de algumas das crianças.
Figura 1: Primeira narrativa lida no período da intervenção; Figura 2 – Segundo livro
no período das intervenções pedagógicas.
Figura 3: Livro lido no terceiro encontro das intervenções; Figura 4: Livro lido no quarto
encontro das intervenções pedagógicas.
Ao percebermos que os momentos de leituras ou contação de histórias eram
raros ou quase inexistentes naquela turma, resolvemos prolongar o tempo de
61
encontros para as leituras de narrativas literárias com as crianças e, posteriormente,
também foram apresentadas a elas outras obras: O almoço (livro de imagem), de
Mário Vale (1987); Maria vai com as outras, de Sylvia Orthof (2008); Menina bonita
do laço de fita, de Ana Maria Machado (1996) e Pinote, o fracote, e Janjão, o
fortão, de Fernanda Lopes de Almeida (2008).
O livro O almoço, de Mário Vale (1987), foi escolhido para ser lido no período
que denominamos de leituras complementares8. Trata-se de uma narrativa por
imagem muito importante e atrativa para as crianças da EI, já que pode desenvolver a
percepção visual, a oralidade, estimular a imaginação, a expressão, aflorando o gosto
pela leitura, dando-lhes oportunidade de entender e explicar o que pensam e sentem,
com a liberdade que os textos por imagem podem proporcionar, podendo fazê-las
refletir sobre o mundo e sobre si mesmas.
Figura 5: Livro escolhido por Alan e Carla; Figura 6: Livro lido coletivamente.
8
A esses encontros denominamos de leituras complementares, já que havíamos concluído o
período acordado para a intervenção pedagógica e, a pedido da professora, esses encontros
aconteceram em duas sextas-feiras no final da manhã.
62
Figura 7: Livro escolhido por Renato e John; Figura 8: Livro escolhido por Alan e
Verônica.
4.3 Perfil dos sujeitos
Como dissemos anteriormente, os sujeitos colaboradores desta pesquisa são
dez crianças de uma turma do Pré-II (faixa-etária entre cinco e seis anos) e sua
professora.
A professora tem formação superior (curso de Pedagogia cursado em uma
universidade pública da cidade), com habilitação em Educação Infantil. É funcionária
concursada e possui duas matrículas na Prefeitura Municipal de Campina Grande e,
atualmente, atua nas turmas do Pré II e Pré I nos turnos matutinos e vespertinos,
respectivamente, em duas unidades diferentes. No período de observação,
constatamos que a professora demonstrou bom relacionamento com os pais das
crianças e funcionários da creche, mas evidenciou pouco afeto para com os
educandos.
No final do ano letivo, durante a preparação para a comemoração natalina, ela
comprou chocalhos, óculos e também confeccionou lenços em TNT, acessórios
necessários para que cada criança participasse da apresentação que foi ensaiada
diariamente, demonstrando, dessa forma, o zelo que tem pelo trabalho que faz.
63
Também consideramos importante apresentar um breve perfil das crianças
participantes da pesquisa e, para isso, utilizamos as fichas individuais (de matrícula)
desses colaboradores, disponíveis na própria instituição para, então, construirmos
esse perfil. Mesmo cientes da realidade das escolas públicas, pretendíamos
aprofundar o nosso conhecimento sobre a realidade na qual seria efetuada a
pesquisa. Por essa razão, foi de suma relevância para essa investigação aperfeiçoar o
conhecimento desses sujeitos e assim escolhermos melhor as narrativas que seriam
abordadas.
A turma era formada por crianças filhas de famílias de baixa renda, com as
dificuldades que essa realidade provoca; a maioria dos pais era analfabeta, algumas
mães solteiras, desempregadas, trabalhavam na informalidade, sobretudo, no período
eleitoral, fazendo panfletagens ou serviços gerais.
Para a discussão dos dados e por questões éticas estabelecidas pela
resolução 196/96 do Ministério da saúde que regulamenta as pesquisas com seres
humanos, omitimos os nomes das crianças e optamos pela utilização de nomes
fictícios: Alan, Carla, Gabriela, John, Kelly, Leila, Nilton, Pedro, Renato e Verônica.
Como a maioria das crianças dessa faixa etária, as dessa turma eram alegres, ativas,
dispostas e disponíveis às novidades, desafios e novas aprendizagens, demonstravam
sensibilidade e criticidade em relação às narrativas apresentadas.
Ao longo da pesquisa fizeram várias intervenções durante as leituras/contações
das histórias, opinaram a respeito das atitudes de alguns personagens, criticaram e
expressaram discordância em relação a um dos autores lidos. Essas crianças foram
bastante receptivas para com a pesquisa.
64
4.4 Pesquisa piloto
Para verificarmos se o percurso metodológico escolhido, descrito acima, era
adequado para alcançar os nossos objetivos, executamos uma pesquisa piloto, com o
intento de observar se as escolhas seriam apropriadas para a pesquisa. Nessa
perspectiva, iniciamos ainda no primeiro semestre do ano de 2010 uma pesquisa de
amostragem que nos confirmou que havíamos escolhido o percurso mais adequado.
O estudo piloto consiste em realizar um experimento em menor escala ou
abrangência do conjunto dos procedimentos que serão desenvolvidos na pesquisa
como um todo e tem por objetivo avaliar em que medida as ações previstas são ou
não adequadas à obtenção dos dados necessários para os objetivos do estudo. O
projeto piloto foi realizado com um grupo de crianças de creches públicas municipais,
pois, como afirma Bell (2008, p. 128), "O ideal é que a experiência-piloto seja efetivada
com um grupo similar àquele que vai constituir a população do seu estudo".
Descreveremos
alguns
aspectos
concernentes
aos
procedimentos
metodológicos adotados durante a nossa pesquisa para tendo em vista nossos
objetivos e a busca do conhecimento da realidade de ensino infantil na cidade de
Campina Grande-PB. Neste momento, apresentamos o tipo de pesquisa realizada;
público participante deste estudo e destacamos as crianças frequentadoras das
creches e, por fim, discutimos a coleta dos dados, constituídos em corpus a serem
analisados.
4.4.1 Sujeitos participantes da pesquisa-piloto
Os sujeitos deste estudo são crianças na primeira infância matriculadas em
creches da cidade de Campina Grande. Na primeira creche, os colaboradores são
crianças com idade entre dois e cinco anos, aproximadamente, matriculados nas
turmas do Maternal I e II, Pré-Escolar I e II. As classes de Maternal I e II contavam
65
com duas professoras e as turmas da Pré-Escolar contavam apenas com uma em
cada sala.
Quanto à formação das seis professoras, uma do Maternal tinha concluído o
curso pedagógico em nível de Ensino Médio profissionalizante, enquanto as demais
possuíam Ensino Médio regular. Já a professora do Pré I tinha curso superior em
Serviço Social e a do Pré II era estudante de Pedagogia em uma faculdade particular.
Apesar dos avanços em relação à educação básica, ainda é comum,
principalmente na Educação Infantil, observar uma menor exigência em relação à
formação do educador infantil, tanto em relação a sua formação (escolaridade), quanto
a sua experiência profissional (tempo de serviço).
Percebe-se que ao contrário do que acontece em países da Europa, por
exemplo, onde na formação básica existe um cuidado todo especial quanto ao
instituteur que é aquele professor com uma intensa formação focada na criança em
desenvolvimento. Nesses países, quanto mais jovem a criança, mais atenção com o
formador que a acompanha. No Brasil, em muitos casos, parece acontecer o inverso,
quanto menor a criança, menos qualificado precisa ser o professor. Desse
procedimento, decorre uma formação frágil em um momento muito especial da
constituição humana.
A segunda experiência aconteceu em outra creche, também da rede pública de
educação da mesma cidade, localizada em um bairro de classe menos favorecida e
considerado um dos mais violentos. A pesquisa foi realizada em uma turma de
Maternal I, (faixa-etária de dois anos a dois anos e onze meses), com 28 crianças
matriculadas e duas professoras, ambas com curso superior em Pedagogia nas
universidades públicas desta cidade.
Nas turmas dos maternais, de ambas as unidades, as crianças permanecem
nas creches das sete às dezessete horas de segunda a sexta e as dos Prés I e II
66
funcionam em meio expediente, das sete às onze horas ou das treze às dezessete
horas nos mesmos dias.
4.4.2 Coleta dos dados da pesquisa-piloto
Para a coleta de dados, primeiramente, frequentamos as aulas nas turmas
supracitadas, com o intuito de fazer observações e anotações de campo. Após cada
aula, anotávamos as principais observações que nos conduziam às respostas de
nosso problema de pesquisa: a leitura de narrativas tem apenas um caráter
pedagógico ou há também fruição?
Assim, ao longo de um semestre, pudemos executar a coleta de dados que nos
permitiu investigar a respeito das práticas de leitura literária realizadas em uma sala de
Educação Infantil. Identificamos que a leitura/escuta fruição era deixada em segundo
ou terceiro plano, dando espaço para lições de moral, admitindo a arte literária como
documento moralizante. Após as observações e anotações, passamos a construir o
nosso corpus para análise.
4.4.3 A leitura com objetivos didáticos na pesquisa-piloto
Ao iniciarmos nosso trabalho de pesquisa, percebemos que a rotina de
atividades docentes, nas creches, era construída, predominantemente, por ações
ligadas à alimentação, higiene e ao descanso. Dentre as atividades que envolviam a
interação das crianças em grupos e a inserção no mundo simbólico partilhado pelos
adultos, destacava-se a prática de assistir à televisão, o que a nosso ver não nos
parecia coerente, porque desde então, acreditávamos que uma instituição de
Educação Infantil não poderia se limitar a tais práticas.
67
Assim, chamava-nos a atenção a ausência de atividades com as diversas
formas de linguagem: plástica, oral, escrita, dentre outras, que propiciassem condições
de desenvolver nas crianças curiosidade e interesse por essas formas de expressão.
Exemplo de atividades dessa natureza seriam momentos de conversas, de leitura e
contação de histórias em que as crianças fossem estimuladas a falar, ouvir, desenhar,
pintar e, dessa forma, desenvolver o gosto por histórias, músicas, poemas.
Na EI, fase em que a criança é facilmente conquistada pelos encantos da
leitura de bons textos, a maioria dos educadores, por ansiedade e incompreensão,
teima em antecipar conteúdos que poderiam ser mais bem compreendidos se a
criança tivesse a oportunidade de aprender a ler prazerosamente. Se, em vez de
vivenciarmos o prazer da leitura, a empregamos, com o objetivo de ensinar conteúdos
curriculares, corremos um sério risco de afastar as crianças da leitura passando a
ideia de que ler é um árduo dever.
Desde os primeiros anos devemos oportunizar aos leitores em formação
situações de interação e convívio com variados usos da linguagem escrita,
especialmente com a leitura literária. Conforme considera Pinheiro (2006, p. 27), nos
parece essencial “iniciar a criança o mais cedo possível no mundo da leitura, seduzi-la
desde cedo para a riqueza interior que a leitura pode nos proporcionar”.
Dessa forma, enquanto educadores consideramos relevante despertar a
criança para as práticas de leitura, provocando desejo, fascínio, encantamento;
tornando o texto, o livro, o poema, a pintura e todas as formas de linguagens
irresistíveis. No entanto, não é isso que acontece na maioria dos casos, como
veremos a seguir, no relato da intervenção a partir de duas narrativas.
68
4.4.4 O maribondo zangado e a letra do nome
Em uma das creches, as crianças das quatro turmas de um turno (Maternal I e
II, Pré-Escolar I e II) se reuniam no pátio para ouvir a professora fazer a leitura da
história do dia. Tratava-se de uma atividade que fazia parte de um projeto de leitura
literária realizado pela creche, no qual as professoras se revezavam para efetuar a
leitura, uma a cada dia.
Em certa ocasião, a professora contou a história de um maribondo muito
"zangadinho"; e, assim, esse personagem conquistou logo a atenção das crianças.
Após a leitura, a professora pediu as suas crianças que identificassem, entre seus
colegas de classe, quem tinha o mesmo comportamento do maribondo.
É possível ver neste exemplo, um caso clássico de uma prática de leitura que
busca apenas apontar características negativas, provavelmente, com o intuito de
amenizar conflitos entre as crianças, o que é uma situação muito frequente entre
esses aprendizes nessa fase de desenvolvimento. Nesse procedimento, não foi
possível observar qualquer outra forma de abordagem da literatura como obra de arte,
o que ratifica que a leitura fruição sempre cede espaço à busca por normas e valores
quando se trata da EI.
Em ocasião seguinte, outra professora de uma turma de Pré-Escolar II
(crianças de cinco anos) relatou entusiasmada sua prática de leitura com as crianças,
afirmando que durante a leitura, aproveitava para mostrar às crianças a letra inicial do
nome de um personagem e comparar com a inicial do nome de uma delas. Segundo
essa professora, essa prática “dá muito resultado” porque, como “as crianças prestam
bastante atenção às histórias, é um excelente momento para ensinar a ler”.
Os dois casos acima são exemplos de práticas muito frequentes na EI. O que
eles nos fazem ver? Vejamos: o primeiro caso exemplifica claramente a concepção de
69
literatura com objetivo pedagógico, pragmático, instrumento de disciplina, modelador
de comportamento. Concordamos, portanto, com Bragatto (1995) ao afirmar que, no
que se refere a leitura literária, ainda predominam concepções e práticas que
reservam à literatura um papel equivocado de instrumento de aperfeiçoamento
linguístico e modelador de comportamentos (BRAGATTO, 1995).
Nesses casos, podemos evocar Amarilha (2001 p.17-18): “a narrativa é usada
para acalmar as crianças quando estão muito inquietas e também para impor silêncio
e disciplina ao caos que, às vezes, ocorre na sala de aula”. Essa reflexão é muito
apropriada para as duas circunstâncias apresentadas.
No segundo exemplo, percebemos a preocupação da professora com a
apreensão do código pelas crianças através dos textos literários, descaracterizando,
assim a obra literária e sua função rica e humanizadora. Por isso entendemos que,
desde a Educação Infantil, devemos oportunizar situações de interação e convívio com
variados usos da linguagem escrita, especialmente com a leitura literária.
Ao contrário de muitos educadores, alguns autores de literatura infantil sabem
que a preocupação com objetivos pedagógicos descaracteriza a arte, como afirma
José Paulo Paes: “Embora eu nunca tenha sido professor, acho que transformar a
leitura de poemas em pretexto para tarefas escolares (...) destrói o prazer de ler”
(PAES, 1996, p. 57).
O mesmo afirma o francês Daniel Pennac (1998, p.78), quando argumenta,
dizendo que “Parece estabelecido por toda a eternidade, em todas as latitudes, que o
prazer não deva figurar nos programas das escolas e que o conhecimento não pode
ser outra coisa senão fruto de um sofrimento bem comportado”. Mesmo professores
de Educação Infantil, aparentam demasiada preocupação com a disciplina na sala de
aula, como se fosse possível trabalhar e desenvolver os aspectos cognitivos
reprimindo os sensoriais e motores. As crianças pequenas têm os sentidos aguçados:
ouvir, cantar, tocar, falar, gritar, correr, pular, dançar são ações sempre interessantes
70
e saudáveis para elas. Mas a escola prefere, muitas vezes, deter-se ao léxico, ao
código, reprimindo o que elas têm de mais natural e espontâneo. Parece que o que
fascina e encanta, na maioria das vezes, fica reservado para a hora do recreio; na sala
de aula quase tudo é obrigação.
Sabemos que a criança que tem contato com textos significativos apresenta
uma capacidade enorme de compreender uma história. Se o professor poda essa
habilidade, limita não só o texto como a possibilidade de prazer. Conforme argumenta
Campos (1999), para que o prazer estético ocorra, “o sujeito precisa tomar posição,
enamorar-se do objeto estético, o que possibilita uma reciprocidade, um envolvimento
entre ambos a partir da ausência de interesse imediato”. (CAMPOS, 1999, p. 134135).
Fazer um comentário inadequado após a leitura do texto, como fez a
professora ao referir-se à criança, comparando-a com o Maribondo zangado, ou cobrar
a identificação de letras (como a professora do segundo caso) muda completamente a
leitura fruição, conduzindo o momento da leitura, que poderia ser de alegria, liberdade
e prazer, a outro caminho; pois, pode fazer com que essa ocasião se torne em
constrangimento e tédio. Atitudes como essas são não só inadequadas, mas são
particularmente, contrárias à formação do leitor crítico e proficiente.
4.4.5 Uma proposta de leitura fruição
Ao contrário das práticas de ler com objetivo de ensinar letras, palavras,
conteúdos curriculares e morais, tão presentes na EI, o que desafia e encanta as
crianças é a necessidade de se expressar.
Junto a essa demanda de usar a linguagem de forma livre e inusitada, vemos o
exemplo de Andrei, (três anos), que durante um passeio pelo jardim da creche,
observou o pé de acerola e ao ver a fruta vermelhinha, exclamou: “Oh, tia essa já
71
amadorou!”. Então, como não se juntar a ele para fazer “peraltagens” com as
palavras?
Vejamos agora alguns eventos em que a abordagem da narrativa é feita de
forma oposta à citada anteriormente, de modo que as crianças são consideradas
leitoras e, portanto, são estimuladas a ler, interpretar e construir sentidos.
Na intervenção pedagógica, nesse projeto piloto, durante uma aula com uma
turma do Maternal I (formada por crianças de dois anos a dois anos e dez meses)
fizemos a leitura de um quadro exposto no hall de entrada da escola em que se via
uma casa com varanda, localizada em uma floresta. Na varanda estavam:
Chapeuzinho Vermelho e sua avó, ao lado da casa, um lenhador cortando uma árvore
e o lobo, próximo à varanda.
Observamos o quadro por alguns instantes e sugerimos que as crianças
falassem sobre ele. A seguir descreveremos as falas que julgamos relevantes para
análise neste momento da pesquisa:
Figura 9: Quadro lido pelos sujeitos da pesquisa piloto.
72
Aldo: “O Lobo vai soprar a casa até derrubar!”
Carla: “Cadê a mãe de Chapeuzinho?”
Raul: “Chapeuzinho já chegou na casa da vovó dela, o Lobo chegou depois.”
Ao ler a imagem, Aldo se utiliza do conhecimento prévio sobre a estória Os
Três Porquinhos lida para eles na semana anterior, estabelecendo uma
intertextualidade entre as duas histórias. Apesar de ter apenas dois anos e cinco
meses, Aldo demonstrou ser capaz de usar estratégias de leituras (conhecimento
prévio, intertextualidade) para produzir o sentido do texto (texto imagem, no caso).
Com base em seu conhecimento das histórias, este leitor em formação demonstra
uma habilidade fundamental, antecipando a ação de um personagem, ainda que tenha
confundido o papel do personagem nas duas narrativas em questão.
Ao questionar a ausência da mãe de Chapeuzinho, Carla pareceu ter percebido
que faltava um personagem da narrativa que não aparecia retratado na cena,
demonstrando entender que o quadro não representa a narrativa, e sim o cenário
(floresta) e seus personagens. Neste caso, a mãe deveria constar no quadro, mesmo
que ela, no enredo, não apareça na floresta. Já a fala de Raul evidencia que conhecia
o enredo da narrativa (conhecimento textual) ao afirmar que a menina chegou a tempo
de ficar com avó, pois, no quadro, o lobo não invadia a casa, nem alcançou as duas.
O fato de acreditarmos que as crianças são capazes de entender as histórias,
de construir sentidos, de aprender sobre o mundo e a linguagem através delas fez
com que assumíssemos uma atitude diferente da que foi descrita na seção anterior.
Em vez de focar nossa atenção no que a criança ainda não sabe ou nos seus "erros",
valorizamos o conhecimento que elas já têm e como constroem o sentido dos textos
lidos.
Acreditamos que, ao fazer a leitura do quadro exposto no hall da creche
fizemos o papel de alcoviteiro do qual nos fala Pennac (1998), isto é, facilitadores dos
73
encontros, das paqueras das crianças com a linguagem escrita, especialmente com a
leitura literária.
No que diz respeito à leitura, a criança pequena é como um trabalhador
incansável, sedento por fazer, por descobrir, por ler. Por isso, temos tanto o que
trabalhar e aprender com elas! Pois, como afirma Manoel de Barros, “a liberdade e a
poesia a gente aprende com as crianças”. (BARROS, 1999, p. 7). Assim, podemos
aproveitar a liberdade que existe nessa fase escolar para formar leitores críticos,
ávidos por descobrir o mundo.
É relevante lembrar que a atitude de promover momentos de sedução do leitor
em formação e de convívio diário e prazeroso com a leitura literária é dever da escola,
mas não basta. Como nos alerta Cosson, precisamos propor a proficiência da leitura
do mundo, uma vez que ele é feito linguagem (COSSON, 2006). Acreditamos ser
pertinente, apresentar de forma lúdica textos literários, para contribuir com a formação
do gosto pela leitura, possibilitando o acesso ao rico mundo da linguagem literária, que
pode seduzir, provocar, transformar e contribuir para a formação do leitor.
Identificamos que atitudes como as das professoras dos dois primeiros casos
apresentados dificultam a formação de um leitor proficiente, crítico e criativo que a
escola se propõe a formar. O leitor/ouvinte que tem experiências de leitura repressoras
com um professor que impõe seu modelo de leitura, certamente, terá mais dificuldades
de se tornar um leitor proficiente ou gastará mais tempo para consegui-lo. Crianças
que na escola escutam histórias apenas para responder a questionários, retirar dos
textos letras, palavras ou frases, poderão perder o interesse pela leitura e esta poderá
se tornar um tedioso dever.
Entendemos que para contribuir com a formação de leitores, precisamos criar
espaços agradáveis na escola, o convívio com professores capacitados e
comprometidos, que se preocupem em conhecer e escolher bons textos de LI, que
cobrem das autoridades acervos adequados. Acreditando na literatura como arte,
74
precisamos trabalhar com ela oportunizando as crianças um acesso democrático à
arte, possibilitando a apreciação e o deleite da leitura.
75
CAPÍTULO V
ENTRANDO NAS HISTÓRIAS... LEITURAS-FRUIÇÃO E BRINCADEIRAS
"Não se força uma curiosidade, desperta-se. Ler,
ler e ter confiança nos olhos que se abrem, nas
cabeças que se divertem, na pergunta que vai
nascer e que vai puxar uma outra pergunta."
Daniel Pennac
Imagem retirada da revista Construir notícias número: 21 março/abril 2005.
76
5. ENTRANDO NAS HISTÓRIAS... LEITURAS-FRUIÇÃO E BRINCADEIRAS
Uma história não tem necessidade de ser
verdadeira, mas de ser bela, diz a gaivota
Alexandra.
James Krüss
(Le Chasseur d'étoiles et autres histoires)
Para iniciarmos as intervenções, planejamos quatro sequências didáticas
(apêndice 1, 129ss), que serviriam como base para as nossas aulas, cada uma com
uma narrativa a ser lida/contada, a saber: Chapeuzinho vermelho, na versão de
Perrault, (1883/1994); A última árvore do mundo, de Lalau e Laurabeatriz, (2010); A
Margarida friorenta, de Fernanda Lopes de Almeida, (2010) e Girafas não sabem
dançar, de Giles Andreae, Guy Parker e Corina Fletcher (2009).
Nosso intuito era procurar, com cada história, ajudar a turma em algum aspecto
que havíamos julgado necessário e, nesse sentido, assumimos uma postura
pragmática, uma vez que o nosso intento não era apenas a fruição, mas também havia
uma intenção de proporcionar reflexão no espaço da sala de aula. Identificamos essa
necessidade no momento em que observamos que as crianças questionavam a
professora sobre as atividades, por vezes, repetidas; sobre o fato de não terem uma
recreação livre e também sobre alguns procedimentos em sala de aula como orações
e entoação de cânticos, dentre outras coisas.
Com a história Chapeuzinho vermelho, na versão de Perrault, pretendíamos
identificar se aquelas crianças conheciam a história e, especialmente, nessa variante.
O nosso desígnio era perceber como eles reagiriam a esse enredo considerando-se
que se trata de uma versão omitida aos pequenos, na maioria das vezes.
77
Observando que a professora estava trabalhando o tema da ecologia,
encontramos na história A última árvore do mundo, de Lalau e Laurabeatriz, um
caminho para discutir os conteúdos daquele trimestre, levando fruição, sem escapar
dos conteúdos a serem ministrados.
Com a narrativa A margarida friorenta, por exemplo, pretendíamos
proporcionar um momento de encontro afetivo da professora com a turma e viceversa. Algo que nos chamou bastante a atenção durante as observações das aulas foi
o ambiente pouco aconchegante da sala, onde os momentos de carinho eram quase
inexistentes. A narrativa em questão aborda o tema da carência afetiva, o que, a
nosso ver, poderia estimular um momento de reflexão sobre a temática e talvez de
mudança de atitude dos envolvidos.
Já a história Girafas não sabem dançar foi apresentada com o intuito de levar
àquela turma uma oportunidade de se expressar através da dança, dançando
livremente ao som de poemas musicados e de um relaxamento com sons da floresta,
na pretensão de oportunizar leitura, arte, prazer e liberdade, diversificando o "clima"
didático predominante naquela sala.
Ao percebermos que os momentos de leituras e contação de histórias eram
raros ou quase inexistentes na turma, resolvemos nos dispor a prolongar o período
dos encontros das leituras de narrativas literárias com as crianças. Posteriormente,
também foram apresentadas a elas outras obras: O almoço, (livro de imagem) de
Mário Vale, (1987); Maria vai com as outras, de Sylvia Orthof, (2010); Menina bonita
do laço de fita, de Ana Maria Machado, (2010); Pinote, o fracote, e Janjão, o fortão,
de Fernanda Lopes de Almeida, (2010). Dentre vários livros mostrados às crianças,
esses foram os escolhidos por elas, para serem lidos.
Os
encontros
posteriores
aos
da
intervenção,
deveriam
acontecer
semanalmente durante quatro semanas às sextas-feiras, no final do expediente, de
acordo com a conveniência da professora. Apenas um dos quatro encontros
acordados aconteceu efetivamente porque, nas visitas subsequentes ao primeiro, a
78
educadora nos explicou sobre impossibilidade da nossa intervenção, já que, segundo
ela, as crianças precisariam ensaiar para a apresentação natalina.
Nas aulas observadas durante o período de adaptação da pesquisadora, as
atividades propostas pela professora se resumiam a pintar desenhos prontos, copiar
letras ou palavras, ler palavras previamente escritas por ela (geralmente as palavras
estavam relacionadas ao tema trabalhado, neste caso; animais); exercícios de reforço9
que, segundo a docente, ajudavam no desenvolvimento da escrita; cantar na hora das
refeições ou para iniciar a aula (geralmente música referente ao tema, como animais,
por exemplo).
As brincadeiras geralmente eram realizadas na sala, com carrinhos, bonecos,
jogos de encaixe ou modelagem com massa, o que proporcionava um ambiente de
ações contidas e facilmente controláveis. Também eram raros os conflitos, a não ser
quando alguma criança questionadora reclamava das atividades propostas, ou se
outra criança tomava um brinquedo do colega. Cada um realizava sua tarefa
individualmente e era estimulado a não interferir no trabalho dos outros, mesmo se
esses solicitassem ajuda.
Apesar de se tratar de uma turma de Pré II, com crianças de faixa etária entre
cinco e seis anos, elas não vivenciavam situações que demonstrassem afeto entre si.
Mesmo nas atividades feitas em conjunto, como colagem de gravuras em um mesmo
cartaz, eram sempre orientadas a não ajudarem os colegas. Apenas na hora de
guardar as peças dos jogos de encaixe, as crianças participavam efetivamente de uma
atividade coletiva, momento em que conversavam descontraidamente enquanto
organizavam a sala.
Embora a turma fosse pouco numerosa, havia uma constante preocupação por
parte da educadora em controlar e superproteger as crianças, ou de acidentes, ou de
disputas entre elas mesmas; por isso, geralmente o grupo acatava os comandos da
9
Cada criança possuía uma pasta com uma sequencia de exercícios que consistiam em copiar
letras de imprensa ou cursiva, números e traços. Que variava de acordo com as
"necessidades" de cada criança.
79
professora. Ao longo das observações, notamos que a educadora desceu com sua
turma para o pátio apenas duas vezes, favorecendo algumas brincadeiras, pois nessa
ocasião ela não consentiu que brincassem no parque (balanço e escorregador)
alegando ser perigoso. Nestes dois dias, foi permitido que as crianças brincassem
somente na área coberta, sem correr nem gritar; alguns utilizaram os mesmos
brinquedos permitidos na sala de aula (carrinhos, bonecos, bonecas e telefone).
É sabido, através de vários estudos de autores como Piaget (1987), Vygotsky
(1991), dentre outros, da importância da brincadeira para o desenvolvimento e
aprendizagem das crianças. Sabe-se também que essa experiência ocorre em um
contexto sóciocultural que interfere e marca esses sujeitos históricos e sociais.
Segundo esses estudiosos, as crianças pequenas que vivenciaram jogos simbólicos
com maior frequência apresentam maior desempenho em testes de desenvolvimento
cognitivo criados por Piaget (op.cit.), do que crianças com menor freqüência nesses
jogos.
Entendemos, consequentemente, que mesmo as brincadeiras espontâneas,
sem um direcionamento especial de um adulto, favorecem a aprendizagem sobre as
funções sociais e os papéis dos sujeitos na sociedade em que vivem, sendo, portanto,
uma produção cultural dessa sociedade. Essa aprendizagem inicia-se desde os
primeiros meses de vida e, de um modo geral, é uma interação entre mãe e bebê;
nesse aspecto podemos perceber que é o adulto que, de certa maneira, confere
sentido, dar significado a essa cultura lúdica. Ainda dentro desse argumento,
entendemos que é fundamental o papel do adulto para a contribuição do
desenvolvimento infantil. Reiteramos o pensamento de Lev S. Vygotsky (op.cit.) em
sua obra Formação Social da Mente, ao destacar a importância da mediação do
adulto nos momentos de brincadeiras com as crianças.
A importância da brincadeira para o desenvolvimento infantil pode ser
compreendida com base no conceito de "zona de desenvolvimento proximal", definido
por Vygotsky (op.cit.) como a "distância entre o nível de desenvolvimento real, quando
80
a criança resolve problemas com independência e o nível de desenvolvimento
potencial" (VYGOTSKY, op.cit., p. 60; itálico nosso) quando necessita da orientação
de um adulto ou da colaboração de um companheiro mais experiente. Como podemos
observar, Vygotsky destaca o papel das interações entre o que o sujeito já sabe (seu
nível de desenvolvimento real) e aquilo que pode aprender com outros mais capazes
ou experientes, o que inclui não só as pessoas responsáveis pelo cuidado e educação
das crianças, mas também seus próprios colegas.
As brincadeiras são uma forma particularmente significativa de representação
de variadas atividades sociais realizadas pelos adultos, a exemplos do brincar de
escolinha, espontaneamente realizado por muitas crianças. Assim, quando brinca de
escolinha, quando calça os sapatos da mãe ou imita o pai fazendo a barba, as
crianças estão realizando um importante esforço de compreensão e representação do
mundo adulto, o que contribui significativamente para seu desenvolvimento. Sendo
assim, o adulto tem uma função central no desenvolvimento social e cognitivo infantil e
tanto as brincadeiras com apoio dos adultos, quanto as livres são essenciais para essa
formação e devem estar presentes na educação de crianças, principalmente das
pequenas.
Outros estudiosos como Piaget (1987) e Oliveira (2000) também argumentaram
sobre o papel das brincadeiras para o desenvolvimento emocional, motor, cognitivo e
social das crianças. Existem argumentos baseados em uma visão antiga de que a
brincadeira é perda de tempo. Piaget (op. cit.), porém, via nas brincadeiras das
crianças pequenas como uma importante atividade infantil, na qual as crianças põem
em ação os processos de construção de esquemas cognitivos. Essas brincadeiras
iniciam-se quando ainda bebês e com o seu próprio corpo, chupando o dedo, pegando
os pés ou as mãos e, progressivamente, evoluem para a manipulação, exploração e
reconhecimento de objetos, favorecendo o conhecimento de si o do ambiente em que
estão inseridos.
81
Piaget (ibibd.), assegura que as brincadeiras de faz-de-conta ou jogos
simbólicos como ele denominou, são bastante significativos para o desenvolvimento
global da criança, já que através deles lhes é possível simular situações semelhantes
às vivenciadas na realidade. O adulto deve promover um ambiente seguro e participar
de seus dramas, permitindo a expressão de anseio, desconforto emocional e
esperança, gerando resoluções de conflitos interiores. (PIAGET; INHELDER, 1969
apud SHAFFER, 2009).
Para Oliveira (2000), a brincadeira infantil é a atividade dominante para as
crianças. E é importante que os educadores reconheçam o papel dessa brincadeira,
compreendendo sua relevância para o seu desenvolvimento. Segundo essa autora:
Esse desenvolvimento não se dá de forma gradual e acumulativa,
como muita gente supõe. Ele se processa como que aos saltos,
havendo a cada salto um momento de ruptura ou desequilíbrio, que
cria oportunidade para uma nova organização do comportamento da
criança. (OLIVEIRA, 2000, p.38).
A brincadeira de faz de conta, por exemplo, pode revelar e transformar os
sentimentos contraditórios das crianças: de medo, ódio, admiração, alegria, abandono,
entre outros. Ao ouvir histórias de fadas, bruxas, lobos, girafas, as crianças
identificam-se com as personagens revivendo com elas os anseios e as emoções.
Esse distanciamento permitido pela fantasia é de suma importância para trabalhar
suas emoções mais fortes e, portanto, fazê-las avançar em seus pensamentos e
comportamentos, transformando-os.
Foi nesse sentido que pensamos as atividades de contação/leitura-fruição, bem
como as recreativas, para executarmos com os sujeitos desta pesquisa. Tais
procedimentos serão descritos e analisados a seguir.
5. 1 Chapeuzinho Vermelho: negação, recusa ou catarse?
Ao escolher cada narrativa, procuramos levar para a turma algo que
oportunizasse não apenas o prazer e o gosto pela leitura, mas que também a
82
motivasse à crítica, ao questionamento, à mudança, à maturidade, ao crescimento.
Assim, buscamos levar conhecimento literário estimulando ao mesmo tempo o
autoconhecimento. Além disso, com a leitura do conto de fadas Chapeuzinho
vermelho, pretendíamos investigar a recepção dessa obra clássica por aqueles
pequenos leitores, observando se todos a apreciavam, quais versões conheciam e de
qual mais gostavam. Essas interrogações tinham como principal objetivo proporcionar
um momento de fruição da leitura literária.
Convidei as crianças a sentarem-se em um tapete na sala e, nesse primeiro
momento, apresentei um cesto. Houve suspense a respeito do que haveria ali dentro e
foi explicado que tinha relação com a história que seria contada. Renato inferiu que
deveria ser de Chapeuzinho, já que na história a menina tem um cesto e também por
ele estar vendo que tinha algo vermelho dentro dele, “pela brechinha”. Dentro do cesto
havia um par de óculos, um capuz vermelho, um par de orelhas marrons peludas e um
rabo com essas últimas características. Ao ver a espessura do livro, Alan falou
espantado e feliz:
- “Eita que historona! Tu vai ler todinho, né?”.
A reação dele nos chamou a atenção e entendemos com isso que os
momentos de leitura e contação seriam interessantes, pelo menos para aquela
criança. Então, expliquei que naquele livro havia várias histórias e que naquele dia
seria lida a de Chapeuzinho Vermelho. Falei um pouco sobre o autor, seu nome, que
morou em um lugar muito longe e muito frio e que ele já havia morrido quando eles
ainda nem tinham nascido, que tinha escrito outras histórias, para adultos e crianças.
Perguntaram se era meu amigo; expliquei que eu também não era nascida quando ele
morreu. Mostrei também, um livro escrito em francês com as mesmas histórias. As
crianças me pediram que lesse e, ao ler um pequeno trecho de Petit Chaperon
Rouge, riram e Renato falou:
-“Ela tá lendo em inglês, eu não entendo é nada!”
83
Expliquei, então, que a língua era francesa, e citei outras narrativas do autor: O
gato de botas, A bela adormecida do bosque, O pequeno polegar. Ao serem
questionadas se elas as conheciam, algumas crianças comentaram já ter visto as
histórias de A bela adormecida, Branca de Neve e Bem 10, em DVDs.
A abordagem de Chapeuzinho Vermelho foi feita da seguinte forma: a história
foi contada e não lida, nesse primeiro momento; no entanto, utilizei as ilustrações do
livro Os contos de Perrault (1994) para que eles pudessem, além de acompanhar
com os objetos, participarem a partir das ilustrações. Para iniciarmos, contei a
narrativa, enquanto tirava do cesto os objetos para ilustrar os personagens (capuz
vermelho, orelhas, rabo e óculos), de acordo com a sequência do enredo procurando
sempre modular a voz durante "as falas das personagens". Ao terminar, Alan
reclamou:
- ”Termine, não terminou ainda não!”.
Respondi que havia terminado e ele protestou:
- “Olha aqui!”, mostrando o livro e afirmando categoricamente:
-"Você só leu até aqui. Tem mais no livro. Esse livro é bem grande. Leia o
resto.”
Com essa atitude, Alan nos mostrou ter um conhecimento próprio do leitor
iniciante, de que o que está escrito pode ser lido, mas também o seu desagrado pelo
final da história.
E Pedro afirmou:
- “Essa história é mau, eu não 'gosti' não”.
Comungando do mesmo sentimento de Alan, outras declarações semelhantes
surgiram como a de Carla, que também se pronunciou dizendo:
- “Cadê o caçador?! num termina assim não. É assim: o caçador pega o lobo,
abre o bucho dele e tira a avó de dentro, depois bota um monte de pedra, aí quando
ele vai tomar água, morre. Ele cai no açude e morre.”
E Nilton também contribuiu com o seu protesto:
84
-“Conte o resto!”.
Verônica, considerada apática pela professora, pois raramente falava, a não
ser quando era solicitada, asseverou, com certa agressividade e indignação:
-“Tem que ter o caçador para salvar a vovó e Chapeuzinho.”
Ao perguntar se gostaram de ouvir a história, as crianças responderam que
haviam gostado, mas que queriam ouvir a que tem o caçador. Na intenção de provar
que contei o que estava escrito, apresentei novamente a mesma narrativa, dessa vez
lendo, o que, claro, não os satisfez. Ficou evidente para nós a reação das crianças em
relação ao final da história de Perrault, em que tanto a avó, quanto a Chapeuzinho são
devoradas, sem salvação. Combinamos, então, que no encontro seguinte, levaria a
versão dos irmãos Grimm, em que há o final esperado pela turma.
Cabe-nos destacar que as diferenças entre a narrativa de Charles Perrault e a
dos irmãos Grimm tem altercações muito marcantes, principalmente no que se refere
ao desfecho. Na versão do autor francês, vemos uma menina muito linda e querida por
sua mãe e sua avó, que a presenteou com um lindo capuz vermelho. A menina gostou
tanto desse presente que, de tanto usá-lo, recebeu o apelido de Chapeuzinho
Vermelho. Um dia sua mãe enviou Chapeuzinho para visitar sua avó, que morava em
uma aldeia vizinha e que estava doente, levando-lhe bolo e manteiga.
Ao atravessar a floresta, a menina encontrou-se com o Lobo, que quis saber
aonde ela ia. A garotinha informou ao Lobo o endereço da avó e ele, que sabia de um
caminho mais curto, chegou primeiro à casa da velhinha, fingindo ser sua neta, entrou
e devorou a pobre senhora. Em seguida, deitou-se para esperar a garota que chegou
algum tempo depois. Ao chegar, Chapeuzinho foi orientada pelo Lobo, que fingia ser a
sua avó, a despir-se e deitar-se na cama ao seu lado. Estranhando a aparência da
suposta avó, a menina inicia uma série de perguntas a respeito do tamanho de seus
braços, pernas, orelhas, olhos; e o Lobo justifica-se dizendo-lhe que é para tratá-la
melhor. Finalmente, ao questionar sobre o tamanho dos seus dentes, ele afirma que é
para comê-la, avançado e a devorando. Assim termina a narrativa desse autor,
85
variante que, de um modo geral, não é apreciada pelo grande público por se crer que
ela pode causar traumas, em especial, às crianças. Essa versão representa, de modo
bastante evidente, o valor da literatura na época de Perrault, (cf. item 3.1 desta
dissertação).
Ao contar a história da Chapeuzinho vermelho, de Perrault, pretendíamos levar
as crianças a conhecerem uma versão que, de certa forma, também provocasse uma
reação mais intensa. Portanto, retomamos o pensamento de Arriès (op. cit.) para
respaldar a intenção ao abordar essa versão naquele ambiente específico. Para esse
historiador do universo infantil, inicialmente, as crianças eram tratadas como pequenos
adultos, sem se considerar as especificidades dessa fase. Com o advento do período
histórico conhecido como paparicação (segundo a tradução de Dora Flaksman, 2011),
as crianças passaram a receber um tratamento bem diferente do que recebiam no
período anterior e, então, conforme o próprio termo sugere, elas passaram a ser
excessivamente protegidas, sendo "paparicada", atitude que se pode observar na
versão dos irmãos alemães, em que o final é suavizado pela interferência dos
caçadores que salvam a protagonista e a sua avó. Enquanto no texto de Perrault o
lobo apenas adia a sua ação de devorar Chapeuzinho, ali mesmo na floresta, para
evitar ser flagrado por lenhadores que trabalham por perto, os Grimm tiram esses
lenhadores do anonimato transformando-os em caçadores atuantes.
Parodiando essas histórias, alguns autores como Chico Buarque, (2003)
resolveram mostrar uma Chapeuzinho malvada enquanto o lobo é o enganado por ela.
Nesse texto Chapeuzinho Amarelo, o lobo aparece como um bobo e covarde. Já no
filme Deu a louca na Chapeuzinho, dirigido por Cory Edwards, (2005), essa
personagem aparece como uma verdadeira ninja, diferenciando-se drasticamente da
frágil menina ingênua e indefesa de Perrault/Grimm. Quiçá seus criadores considerem
essas características (ingenuidade e fragilidade) inadequadas para com os leitores do
século XXI.
86
Atualmente, percebe-se, na educação infantil moderna, um intento de se
estabelecer limites, vivendo-se uma fase na qual não se defende nem a
permissividade ou a paparicação, nem tampouco um comportamento que trate as
crianças como pequenos adultos, mas que delegue a elas direitos e responsabilidades
de acordo com suas capacidades intelectuais; para tanto, precisa-se conhecer as suas
necessidades e, só assim, contribuir para seu desenvolvimento motor, emocional,
afetivo, psicológico, cognitivo e social.
Considerando esses aspectos e entendendo que há na literatura uma
possibilidade de transformação/mudança e de avanço no autoconhecimento, no contar
da versão perraultiana, subjazia a necessidade de provocar não somente o rico
imaginário infantil, mas, sobretudo, a reação catártica de vingança, evidentemente,
dentro da mimesis que o texto literário pode instigar. É importante também destacar o
pensamento de Held (1980, p. 39), ao afirmar que "o fantástico é a zona fronteiriça
inatingível, crepúsculo cão e lobo em que contornos se misturam [...], mantendo, por
isso, estreita relação com a infância". Consequentemente, ao contar essa versão às
crianças e fazê-las acreditar que todos aqueles fatos ocorreram, inclusive a morte da
protagonista e de sua avó, busquei estimular esse universo fantástico do imaginário
infantil e pude evidenciar que, principalmente por isso, as crianças puderam se
manifestar quanto à discordância com o desfecho da história. Isso se deu porque a
contação obedeceu a uma regra básica: aos personagens, foi dada vida, com vozes e
gestos característicos e por essa razão pude identificar que não houve nenhum tipo de
trauma sofrido pela turma e sim uma reação catártica. Assim, confirma-se Held (op.
cit.) ao afirmar que não se precisa docilizar demais a vida das crianças, levando-as a
ver que se o nascimento e o casamento fazem parte da realidade, a morte também o
faz. Ainda segundo a autora, o conto literário pode ser um elemento "catalizador que
permitirá, em alguns casos, essa liberação necessária, essa libertação psíquica"
(HELD, op. cit. p.96).
87
Baseando-se nessas observações, sugeri que cada criança ilustrasse com um
desenho a história contada, na intenção de verificar o expressar-se de cada uma delas
a partir dessa atividade de ilustração, pois assim eu poderia identificar até que ponto
houve recusa e negação quanto à apreensão do enredo. Solicitei, nesse contexto, que
as crianças desenhassem a história da Chapeuzinho vermelho, na versão de Perrault.
Apesar de não desenharem o caçador, foi percebida mais uma vez a demonstração de
insatisfação com o desfecho dado pelo autor francês, tanto à Chapeuzinho e à avó,
quanto ao "malvado" lobo.
Ilustração de Renato sobre a história de Chapeuzinho vermelho
Renato, por exemplo, desenhou o lobo com um pingo de chuva sobre a cabeça
e afirmou: -"É um pingo de chuva para ele se molhar e ficar gripado.
Verônica desenhou Chapeuzinho vermelho se soltando do lobo e esse com a
barriga cheia de pedras, como sugeriu uma colega.
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Desenho de Carla sobre a narrativa “Chapeuzinho vermelho”
Carla, em sua ilustração, retratou o lobo doente da barriga.
Há exemplo de outras crianças que, ao desenharem a narrativa, também
procuraram punir o lobo, vingando o comportamento desse personagem através de
sua ilustração, mesmo que esse fato não tenha ocorrido na história lida/contada
confirmando o comportamento catártico, punindo o lobo pelo seu delito. Todas as
ilustrações comprovam o que foi discutido acima. A versão perraultiana não provocou
traumas, mas sim, uma atitude de purgação, tanto na gripe do lobo, ou na barriga
cheia de pedras, quanto na doença do personagem. Em todas essas ilustrações,
observa-se um intento de castigo, logo, vê-se a catarse provocada por essa leitura
fruição.
Outro recurso expressivo usado pelas crianças para indicar sua recepção da
história foi desenhar a Chapeuzinho bem maior que o lobo, como mostram os
exemplos de Alan e Kelly, abaixo.
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Desenho de Alan da narrativa Chapeuzinho Vermelho - frente
Desenho de Alan da narrativa Chapeuzinho Vermelho - verso
Ao observar os desenhos das crianças, podemos notar que a maioria delas
(sete de dez), retratou o Lobo menor ou do mesmo tamanho que a Chapeuzinho.
90
Pedro, apesar de ter desenhado o lobo maior, me pediu que ao lado do desenho de
Chapeuzinho eu escrevesse Chapeuzão. Vale lembrar que a insatisfação dessa
criança já havia sido manifestada logo após o término da leitura, afirmando que não
havia gostado da história porque "a história era mal".
Nota-se um mesmo significado nas ilustrações, o de purificação, isto é, a de
purgar-se da presença do lobo mal. Isso confirma que além de não ter provocado
trauma, a abordagem estimulou um comportamento de "liberação necessária e de
libertação psíquica", no dizer de Held (op. cit.), percebida ao se punir o lobo ou fazê-lo
menor, portanto, menos importante que a Chapeuzinho. Essa mesma manifestação de
expressão pictórica pode ser vista em crianças de faixa etária semelhante a dos
sujeitos da pesquisa, que solicitadas a desenharem a família, as crianças que tem o
pai ausente, comumente o retratam bem menor que a mãe e, em alguns casos, que os
irmãos.
Esses dados nos pareceram relevantes, pois podem demonstrar o desejo de
poder das crianças leitoras sobre o vilão Lobo, além de delegar à protagonista uma
maior identificação com elas. Percebi nesse momento, que a motivação para a
realização dos desenhos das crianças não era apenas o enredo em si, mas a
necessidade de purgação, dando outro final para a narrativa que construísse uma
imagem esperada para provocar a catarse necessária.
Essa catarse se constitui em um dos principais estudos de Aristóteles, (1449b)
que identificou na cartarse, um processo proporcionado pela tragédia grega, ocorrido
nos expectadores durante os espetáculos teatrais; isto é, a descarga emocional
vivenciada por eles ao se identificarem com uma ou outra personagem, com seus
sofrimentos e seus dilemas. Segundo Aristóteles (op. cit.), essa experiência pode levar
o expectador a buscar a resolução de seus conflitos interiores, algo que faz de
maneira inconsciente. Pavis (2003) citando esse filósofo, afirma que "A catarse é uma
das finalidades e uma das consequências da tragédia que, provocando piedade e
temor, opera a purgação adequada a tais emoções" (PAVIS, 2003, p. 40).
91
Por essa razão, as análises da abordagem desse conto foram vistas pelo
prisma da catarse, pois identificamos o mesmo comportamento nas crianças, uma vez
que a contação, (a narrativa teatralizada/dramatizada) provocou uma descarga
emocional, no momento em que elas se identificaram com a personagem principal,
vítima do antagonista. Nesse sentido, a mimesis foi determinante para incitar a tal
catarse.
Após a atividade de ilustração, descemos para o pátio e brincamos da cantiga
de roda Tá pronto seu lobo? Sugeri que eu faria o papel do lobo e a professora
deveria protegê-los dele. Intencionalmente, queria provocar mais afetividade entre a
professora e suas crianças. Durante a realização dessa atividade, era unânime a
demonstração de satisfação nas crianças, principalmente ao abraçarem a professora,
esconderem-se atrás de suas pernas, procurando permanecer sempre perto dela.
Verônica se lançou na brincadeira, gritou, correu, riu e vibrou bastante quando o rabo
do "lobo" caiu, demonstrando cumplicidade com a turma e com a sua professora.
Durante a volta para a sala, algumas crianças correram na frente e foram
advertidas pela professora para voltarem para a fila. Elas estavam eufóricas e ao
chegarmos à sala demonstravam satisfação, enquanto comentavam e perguntavam
para a professora se ela havia gostado. A professora nos falou que embora estivesse
exausta e do mau comportamento da maioria das crianças de volta à sala, ela tinha se
divertido e ficado surpresa por eles acreditarem que no momento da brincadeira, eu
era realmente o lobo.
Ao conversarmos um pouco sobre o imaginário infantil, presente na faixa etária
de sua turma, ela reafirmou está surpresa, principalmente por Nilton, segundo ela, por
ser tão inteligente, não esperava que até ele acreditasse, demonstrando com isso
associar a fantasia a pouca inteligência ou a imaturidade intelectual.
Ao discursar sobre o imaginário infantil Held (op. cit.) nos alerta que: "Se não
há, por parte do meio ambiente, censura, atitude de reprovação ou de zombaria que
terminam num bloqueio, essa personificação-projeção vai persistir além dos seis anos
92
e alimentar as criações da criança." (HELD, op. cit. p. 40). E como não podar essa
capacidade poética e criativa das crianças se não a conhecemos? Como estimular um
potencial que desconhecemos o seu valor?
Ao final da manhã, ao se despedirem, algumas crianças perguntaram se levaria
o cesto e mais histórias. Com isso, sentimos que o cesto poderia simbolizar algo que,
até então, não sabemos explicar, mas resolvemos levá-lo para a outra aula. No
encontro seguinte, levei a versão dos Irmãos Grimm da história de Chapeuzinho
vermelho. Mostrei o livro e sugeri que a turma nos contasse o enredo que conhecia.
Depois, as crianças pediram que eu lesse a narrativa.
A narrativa na versão dos escritores alemães relata que a menina se chama
Chapeuzinho Vermelho porque só vivia com um capuz dessa cor. Certo dia sua mãe
pediu que ela fosse visitar a sua avó que estava doente e morava do outro lado da
floresta. Ao enviar a menina, sua mãe tratou de alertá-la sobre o perigo de dar a
atenção a desconhecidos e, ainda, que cuidasse do presente: um bolo e uma garrafa
de vinho, que deveriam chegar intactos à casa da senhora.
No caminho para a casa da avó, quando atravessava a floresta, Chapeuzinho
se distraiu com as flores e as borboletas e foi surpreendida pelo Lobo que conseguiu
enganá-la e, obtendo o endereço da velhinha, chegou primeiro que Chapeuzinho. Os
fatos seguintes são semelhantes aos da versão de Perrault. Porém, ao descobrir que
se trata do lobo malvado e não de sua avozinha, a menina grita assustada chamando
a atenção de caçadores que passam próximo àquela casa. Esses homens entram e
salvam a garota das garras da fera e, ao abrir sua barriga, retiram de lá a avó sã e
salva.
A turma demonstrou satisfação e algumas das crianças se manifestaram:
Alan - “Tá vendo essa história é boa, tem o caçador”.
Renato: -”O homi da outra, esqueceu não foi, de botar o caçador?
Expliquei que “o homem”, Perrault, escreveu sem caçador mesmo e os outros,
os irmãos Grimm, leram a história de Perrault e reescreveram-na colocando o caçador.
93
Nilton, então, afirmou:
- “O outro homi também não gostou, sem caçador, não.”
Com a intenção de fazê-los explorar um pouco mais as discussões, tão
importantes para a formação do leitor, permitindo que assim se sentissem com
liberdade de se expressar, discutir, criticar e debater, perguntei, então, de qual história
eles haviam gostado mais: a que Perrault escreveu, que não tem caçador ou a dos
irmãos Grimm, a que tem caçador? E todos, em uníssono, afirmaram:
- “A dos irmãos!”
Após esse momento, Alan perguntou:
-“Tem mais história hoje?”, demonstrando grande interesse por ouvi-la.
Respondendo à pergunta, afirmei que havia levado mais uma história. E ao
conversar com as crianças sobre a história do dia, pedi que cada uma pegasse a sua
cadeira e a posicionasse o mais próximo possível das janelas da sala. Depois pedi que
subissem e observassem as árvores do jardim, que fica no piso mais baixo. Contamos
juntos quantas árvores podíamos ver, qual a maior, qual a menor, se eram todas da
mesma espécie, que frutos cada uma dá etc. Com esse procedimento, demos início à
segunda intervenção de leitura literária naquela sala.
5.2 A última árvore do mundo: consciência ecológica
Para iniciar a leitura da segunda história, sugeri que fizéssemos essa atividade
em baixo de uma daquelas árvores, da que tinha a maior sombra. Combinei,
primeiramente, com a professora, que iríamos descer para ler no jardim e, naquele
momento, com as crianças. Todos queriam saber o que havia de surpresa no cesto.
Expliquei que saberiam lá em baixo da árvore. Levei na mão o livro com a narrativa
escolhida para o dia, A última árvore do mundo, e no cesto uma grande folha verde
feita de TNT, acolchoada e dobrada que serviria para as crianças sentarem-se com
certo conforto em baixo daquela árvore, onde a história seria lida. Além disso, levamos
94
também alguns objetos que nos auxiliariam na hora da leitura: um pequeno piscapisca que ilustraria o vagalume, um pau de chuva para identificar o som da chuva,
uma pequena garrafinha de vidro vazia, usada para imitar o som do vento, um spray
com perfume para ilustrar o cheiro da flor.
Figura 15- Acácia, uma das árvores da creche. Fonte: arquivo pessoal da pesquisadora
A escolha dessa narrativa e a atitude de ler em um ambiente diferente da sala
de aula tinham como objetivo mostrar para as crianças e também para a professora as
possibilidades de exploração do espaço escolar, tornando a aula atraente e
surpreendente. Dessa forma pudemos motivar as crianças a cada dia com algo novo.
Figura 16- Pé de castanhola, a que nos abrigou para uma das leitura/contação Fonte: arquivo pessoal da
pesquisadora
95
Ao chegarmos ao jardim, Pedro perguntou se as árvores que vimos da sala
eram aquelas mesmas, demonstrando que uma atividade tão simples, trouxe para ele
um questionamento tão significativo. A visão a partir de anglos diferentes revelou que
o ambiente frequentado por ele durante quatro horas por dia, cinco dias na semana, é
pouco explorado e, portanto, pouco conhecido.
Essa história tem como temática principal a reflexão sobre o futuro do nosso
planeta. Fala sobre a vida de uma árvore; a última do mundo. De dia ela fazia sombra,
esperando alguém para se abrigar do sol e, de noite, recebia a visita de um vagalume
que passava toda a noite nela.
Certo dia nasceu, em sua copa, um fruto, e um macaco o pegou para alimentar
seus filhotes. Em um dia quente de verão, choveu forte e um esquilo aproveitou para
tomar banho em cima dela. No outono, suas folhas caíram bem devagarzinho e uma
formiguinha levou uma folha para o seu formigueiro. No inverno, fez muito frio e o
vento assobiou entre seus galhos fazendo-a dançar. Na primavera, uma flor vaidosa
se abriu e espalhou seu perfume pelo ar. Então, veio um beija-flor e beijou a flor da
árvore. "Era uma vez uma árvore que amava o mundo. O último mundo da árvore."
(LALAU; LAURABEATRIZ, 2010, p. 30)
Durante a leitura da história, a maioria das crianças permaneceu concentrada e
apenas Pedro se distraiu por alguns instantes, com umas sementes no chão, curioso
96
por saber do que se tratava, desconfiado de que fossem fezes de rato. Depois de
receber a explicação de que se tratava de sementes de uma das árvores, Pedro
expressou seu alívio e voltou a concentrar-se, mas antes nos explicou:
-"É que meu tio morreu com doença de cocô de rato".
Figura 17- Momento de leitura/ contação Fonte: arquivo pessoal da pesquisadora
Depois que concluímos nossa leitura, sugerimos que as crianças falassem algo
sobre a história. E Alan falou:
-“Eu gostei, mas achei estranho que nesse planeta não mora gente.”
E Verônica, que passou a participar mais verbalizando, disse:
-“Eu gostei dos macaquinhos, que sobe na cacunda do pai dele.”
Ainda durante a leitura da história, Carla nos perguntou se permitiríamos que
manuseassem o livro e os objetos e, ao informar-lhes que sim, todos vibraram com
um: “Oba!”
Quando falei da flor que exalava um perfume, pedi que fechassem os olhos
para sentirem o aroma e utilizei o spray com perfume, ilustrando, assim, o cheiro da
flor. Apenas Verônica permaneceu com os olhos abertos. Ao concluirmos a leitura, a
97
turma se mostrou ansiosa por manusear o livro e os objetos do cesto. Então, expus o
cesto e o livro para que o explorassem, solicitando que tivessem zelo pelo livro, pois,
além de tudo, era emprestado.
Ao procurarem os objetos no cesto, Nilton questionou:
-“Onde tá o bichinho que acende?”
Referindo-se ao pisca-pisca, que intencionalmente escondi desde a hora da
leitura. E antes mesmo de responder, Alan fez o seguinte pronunciamento:
-“Tu num viu não? Ele ficou na ávre!”.
E Nilton duvidou:
-“Cadê?”.
Alan cobrou:
- “Mostra tia, a ele.”
Entreguei o livro a Alan, para que ele mesmo o fizesse. Juntos o folhearam e
Alan explicou com convicção:
- “Olha aqui, tá vendo?
E Nilton pareceu satisfazer-se com a comprovação do colega, e esboçou:
- “Ah!”
Renato logo perguntou em tom de afirmação:
-“Tu fez mágica, num foi tia?” Quando tu tava contando a história?”
Esses depoimentos nos levam a Benjamim, (2010), quando afirma que
devemos narrar os contos como verdadeiros para preservar-lhes o caráter sagrado, o
narrador assim, torna-se testemunha e protagonista. Portanto, procuramos preservar a
fantasia e a imaginação daquelas crianças, buscando oportunizar um momento de
fruição e magia através da leitura literária.
As crianças se envolveram e evidenciaram a crença de que o pisca-pisca que
"sumiu" era o vaga-lume e estava realmente na árvore. Permitir que cada uma
manuseasse os livros e os objetos utilizados nas aulas parece ter provocado um
sentimento de cumplicidade entre mim e as crianças, contribuindo para que os
98
acordos feitos durante a intervenção fossem, no que dependeu do objetivo da
pesquisa, cumpridos.
Vale lembrar que essa turma tinha um número de doze crianças matriculadas,
com uma frequência que variava de cinco a oito, e que durante o período da
intervenção, que coincidiu com as festividades do mês da criança, elas compareceram
em maior número, havendo uma frequência de oito a dez. Combinamos com a
professora que desceríamos para as brincadeiras livres, todos os dias, durante a
minha intervenção, porém, esse acordo não se cumpriu na íntegra, o que gerou
insatisfação e questionamentos gerais
Figura 18-Momento de interação durante a leitura/contação. Fonte: arquivo pessoal da pesquisadora
.
Para o dia da leitura de A Última árvore do mundo, havíamos planejado uma
atividade com um jogo cantado, uma espécie de brincadeira de roda para reforçar a
99
proposta de preservação da natureza. A cantiga A árvore da montanha propunha
descrições sobre a importância da árvore na natureza. A letra dizia:
A Árvore da Montanha
A Árvore da Montanha
A árvore da montanha
Ole-li aio (bis)
Esta árvore tinha um galho O que galho, belo galho.
Ai, ai, ai que amor de galho.
E o galho da árvore.
A árvore da montanha
Ole-li aio (bis)
Este galho tinha um broto O que broto, belo broto.
Ai, ai, ai que amor de broto.
E o broto do galho E o galho da árvore.
A árvore da montanha
Ole-li aio (bis)...
Este broto tinha uma folha.
E esta folha tinha um ninho.
E este ninho tinha um ovo.
E este ovo tinha uma ave.
E esta ave tinha uma pluma.
E esta pluma tinha um índio.
E este índio tinha um arco.
E este arco tinha uma fecha.
Esta fecha foi na árvore
O que árvore, bela árvore.
Ai, ai, ai que amor de árvore.
E a árvore da montanha
Ole-li-aio (bis)
(CANÇÕES ESCOTEIRAS ou CANTIGA DE RODA)
100
Entretanto, não foi possível a realização desse jogo, pois a professora não
concordou que brincássemos no pátio, já que as crianças haviam saído da fila durante
a volta à sala no encontro anterior, argumentando que elas sempre ficavam muito
agitadas quando brincavam e por isso não era adequado descer com as mesmas para
o pátio com o propósito de brincar.
Enquanto ela conversava com outra funcionária que acabara de chegar, pedi,
então, que as crianças se posicionassem atrás de mim, para procurarmos a formiga da
história que poderia estar por ali, carregando uma folha. E voltamos organizados em
fila até a sala. Lá chegando, as crianças pediram para desenhar a história lida e, após
alguns minutos, a professora voltou à sala. As crianças participaram da leitura
demonstrando bastante interessadas e envolvidas no enredo. Porém o não
cumprimento do acordo feito com as crianças, de que permaneceriam fora da sala de
aula para a realização de uma atividade recreativa, causou certo desconforto e
agitação na turma. Nesse contexto a negociação com a professora não avançou e por
isso resolvemos voltar à sala.
As crianças sugeriram desenhar as árvores da creche, acatamos de imediato,
na expectativa de não causarmos mais tormento. Uma das crianças, talvez para
chamar a atenção da educadora ou esperando um elogio seu, mostrou seu desenho
dizendo:
- “Oh, tia o meu ficou feio.”
A professora amassou e descartou o seu desenho e lhe entregou outra folha
sugerindo que fizesse outro.
Nesse momento, achei por bem pegar o desenho do lixo, chamei a criança e
expliquei que seu desenho havia ficado lindo, disse que quando eu era do mesmo
tamanho dela, eu não sabia desenhar uma árvore bonita daquele jeito. Então, pedi
àquela criança que ela me presenteasse com seu desenho para que eu o levasse
101
comigo. A menina sorriu e permitiu que eu guardasse o seu desenho. Depois dessa
atitude, a professora pediu desculpas, mas não à criança.
Atitudes como essas devem ser refletidas para não serem reproduzidas. O
educador tem uma função importantíssima na formação da auto-estima dos
educandos, e suas ações podem marcá-los por toda a vida. As crianças pequenas
precisam de incentivo para criarem, produzirem; precisam ser acolhidas, amadas para
se sentirem seguras e confiantes. Atitudes simples, como a de valorizar e reconhecer
sua produção, fez com que a criança se sentisse motivada a refazer seu desenho,
dessa vez com detalhes e cores variadas, o qual pode ser apreciado nessa seção.
Sabemos da importância de se discutir desde cedo o destino do nosso planeta,
e que a preocupação dos educadores com a consciência ecológica é bastante
pertinente e passou a ter mais força na medida em que ficaram evidentes as
transformações ocorridas na terra a partir da degradação causada por cada um de
nós.
A inquietação das autoridades mundiais sobre os efeitos do aquecimento
global, por exemplo, tem aberto discussões entre as nações e a ênfase desses
debates recai basicamente sobre a necessidade de controlar o consumo
desacelerado, poupando, dessa forma, os recursos naturais, e na de se educar as
novas gerações para isso. Essas questões têm recebido maior atenção desde o
século passado, mas a cada dia se torna mais atual.
Nossa intenção, nesse encontro, era proporcionar um momento de apreciação
da natureza, de valorização do ambiente arborizado daquela creche, tão pouco
utilizado pela turma. A narrativa em questão contribuiu para que algumas reflexões
acontecessem. Em relação à narrativa lida, uma das crianças questionou o fato de
naquele planeta não existir pessoas, estranhando essa possibilidade.
As ilustrações das crianças devem ser apreciadas levando-se em consideração
o contexto em que foram produzidos. Segundo Manguel (2009), durante a leitura de
imagens, podemos buscar ver mais fundo e descobrir mais, associando e combinando
102
outras imagens. O autor ainda nos alerta sobre a possibilidade de ler uma imagem
sem escapar de saber algo sobre o artista, seu mundo, para termos idéias a respeito
das influências que sofreu para produzi-la. Argumenta ainda que na tentativa de não
comunicar o artista explicita a negação de algo que o incomoda e então afirma:
"quando a alma afirma ou nega que essas imagens são boas ou más, ela igualmente
as evita ou as persegue." (MANGUEL, op.cit. 21).
Nesse sentido, voltando às imagens ilustradas pelos sujeitos da pesquisa sobre
a narrativa perraultiana, podemos então inferir que na busca por ocultar o desfecho da
história em que Chapeuzinho e sua avó são aniquiladas, as crianças assumiram o
papel do caçador (inexistente) naquele enredo, mas bem presentes em suas imagens
mentais, mostrando os seus desejos em relação ao lobo.
Em relação às imagens produzidas a partir da história da árvore, e baseandose nos estudos de Manguel (op. cit.) concordamos que toda imagem é passível de
leituras, a própria natureza pode ser interpretada em suas nuances, e se um abacate
partido pode dar margem a leituras, o que dizer das produções daquelas crianças? É
necessário que se repita: "Aristóteles sugeriu que todo processo de pensamento
requeria imagens" (MANGUEL, 2009, op. cit. p.21). Se para o grande filósofo grego
essa era uma verdade, imaginemos esse processo nos pensamentos dos pequenos
nessa faixa etária!
A árvore solitária, no meio do papel, como as desenhadas por Pedro e Kelly,
representaria simplesmente a planta da história lida? Na trama a árvore aparece
muitas vezes acompanhada. Porque, então, desenhar a sua solidão se as imagens
mentais, conforme defende Manguel (op. cit.), são formadas a partir do contexto social
de quem as vê e as retrata? Como inferir sobre a expressão pictográfica daquelas
crianças sem considerar seu contexto particular de uma vida singular? Não é nossa
pretensão fazer uma profunda análise psicológica; mas, a partir de informações dadas
pela professora em relação à maioria das crianças de sua turma, pudemos entender
103
que a árvore pode, nesses dois casos particulares, representar uma solidão que os
persegue.
Essa atividade foi executada, imbuída de muito significado para as crianças. O
desenho de Carla, por exemplo, nos chamou a atenção pela diversidade de cores e
detalhes, apesar de ter ficado desapontada com a atitude da professora frente ao seu
primeiro desenho. Após a nossa conversa, ela se mostrou animada a refazer a
atividade e a fez com bastante zelo, sendo, portanto, a única, dentre aquelas oito
crianças a retratar todas as cinco árvores do jardim da creche. Ela também ilustrou a
professora mostrando suas características físicas e também a sua localização em
relação a nós, durante a leitura; um pouco afastada, exatamente, como ocorreu no
momento dessa atividade. Como pode ser visto em seu desenho abaixo.
Ilustração de Carla sobre a história da árvore
104
Ilustração de Renato sobre a história da árvore
Renato ilustrou uma "árvore-mundo", na qual toda a história se passa, e sua
copa representaria também o globo. Ao nos desenhar ao redor da árvore, bem como
Carla e outras crianças, Renato pareceu ao mesmo tempo retratar parte da história e
do momento de leitura. A maioria das crianças cuidou de desenhar utilizando cores,
embelezando o mundo que desejaram ilustrar, parecendo ser em um mundo assim
que desejam viver, demonstrando, dessa maneira, ter entendido a proposta do autor.
A árvore de Pedro
105
Tendo como foco o processo e a produção, e não apenas o produto final, vimos
na ilustração de Pedro, a demonstração de uma exultação ao realizar a atividade.
Atitude que, em outras situações, era bem diferente, uma vez que ele sempre
reclamava das atividades de pintura, alegando cansaço.
Neste caso, a atividade para ele pareceu ter um significado especial: além de
ter expressado livremente suas dúvidas antes, durante e após a leitura, ele pôde
perceber também o ambiente escolar em que convive, despertando para os detalhes
de um jardim que conhecia pouco e que passou, desde então, a contemplar.
Percebemos com a sua ilustração, que a atividade de desenho e pintura tornou-se
atrativa para ele. Assim, acreditamos que esse fato aconteceu porque as ações
anteriores (observação das árvores pela janela, a leitura/contação com objetos
interessantes, as pausas feitas para atender seus questionamentos...) tornaram a
atividade significativa, não artificial e, portanto, prazerosa.
Após a atividade concluída, as crianças novamente questionaram porque não
iríamos descer, já que havíamos combinado. Nesse momento, a professora se
interpôs explicando que a turma havia bagunçado no dia anterior e por isso não
desceriam. E Pedro argumentou:
- “Mas hoje a gente brinca quieto".
Parecendo, ele mesmo, entender a impossibilidade do prometido, corrigiu:
-“A gente brinca sem bagunçar. Vai, tia deixa!”
A professora respondeu:
- “Já disse que não!”.
Acreditamos que existe na literatura uma rica e eficaz função pedagógica, além
de divertir. Como disse Horácio, a literatura (poesia) é dulce et utile, isto, é ela pode
instruir e educar. No entanto, ressaltamos que a nossa busca procura refletir sobre
como essa literatura vem sendo trabalhada nas turmas de EI das escolas públicas,
espaço privilegiado para que o encontro da criança com o texto literário aconteça.
Embora a atividade não tenha sido realizada na sua completude, identificou-se que as
106
crianças foram estimuladas no nível imaginário, confirmando que a leitura literária
pode ser um instrumento eficaz no estímulo de várias competências.
5.3 A Margarida friorenta: aquecendo os afetos
A abordagem da terceira história, A margarida friorenta, de Fernanda Lopes
de Almeida (2008), aconteceu em um dia que aparentava grandes desafios: a
professora chegou bastante séria e duas das dez crianças demonstraram não ter
nenhum interesse pela aula, não acatando, de início, a sugestão de sentarmos no
tapete para que lêssemos a história. Então resolvemos iniciar a leitura mesmo sem a
participação dessas, que inicialmente não concordaram com a proposta. Logo que
comecei apresentar o livro, uma delas veio e sentou-se junto aos colegas, a outra,
John, permaneceu distante, mas sentou-se estrategicamente onde podia ver e
apreciar as ilustrações, e na hora do debate foi uma das que mais participou –
segundo a professora, John, é um garoto com problemas de abandono pelo pai e
muito carente. Iniciei falando para eles sobre a autora, disse que aquele livro tinha sido
escrito por uma mulher. Kelly afirmou:
_ "Aposto que foi tu que fez esse livro."
Expliquei de quem se tratava, mostrei a capa e pedi que falassem do que eles
achavam que se tratava a história, como achavam que seria o nome daquela história,
o que aconteceria nela. E Kelly respondeu:
_ "É de uma menina que tinha os cabelo muito grande."
Verônica completou:
"E ela não deixa a mãe dela pentear não, porque dói e ela chora."
E Nilton:
- "Eita! então vai ficar com piolho."
Carla afirmou:
-"Acho que o nome da história é A menina com a flor no cabelo".
107
Alan sugeriu:
- "A menina do cabelão."
Nilton protestou:
- "Vai, tia, conta logo"
Então, resolvi ler o título da história e Kelly alegou:
- "É de uma menina fedorenta? Ela não toma banho não?"
Expliquei que o nome da história é A margarida friorenta (cf. capítulo IV).
Perguntamos se sabiam o que é ser friorenta e Renato, em tom de dúvida, falou:
_ “É porque ela tá com frio?"
Confirmei a sua hipótese e iniciei a leitura. Todas as crianças, inclusive os que
demonstravam desinteresse, ficaram atentas; e, ao terminar, algumas delas
começaram a falar sobre a narrativa:
Renato: -"A Margarida quase que num passa o frio dela, num foi?
E Pedro completou: -"Demorou foi muito".
-"A Margarida tava com frio de beijo" afirmou Carla. E quando perguntei como
seria esse frio de beijo, ela explicou com autoridade:
-"É quando a gente quer ganhar um beijo e ninguém dá"
Embora não esteja explícito na escrita do texto, Carla percebeu o que a autora,
sutilmente abordou com essa narrativa, demonstrando com isso, ter percebido o que
ficou nas entrelinhas. Mesmo se tratando de uma criança ainda não alfabetizada, a
menina mostrou a perspicácia de um leitor atento. Isso se deve, muito provavelmente,
à sua história de vida que, contada pela professora. Ttrata-se de uma criança criada
praticamente por uma vizinha, e quando a sua mãe chega do trabalho, ela já está
dormindo, só a encontrando pela manhã, na hora de ir para a creche e nos finais de
semana.
Retoma-se, nesse ponto, a reflexão de Manguel (op. cit.), ao discutir que a
história de vida de cada indivíduo direciona a interpretação da leitura, seja ela de um
texto escrito ou pictórico. Por isso, identificamos nesse texto-imagem, a manifestação
108
da singularidade daquela criança, ao associar o frio da Margarida à necessidade de
"beijo".
De fato, A Margarida friorenta tem a carência e afetividade como temáticas
vivenciadas pela própria flor, a protagonista da história; uma florzinha que mora em um
vaso e sente sempre muito frio. Seus amigos, a Borboleta Azul, o cachorro Moleque e
Ana Maria, tentam ajudá-la agasalhando-a. Primeiro, a colocam dentro de casa,
depois a vestem em um casaco e, por fim, eles a põem dentro de uma caixa. Mas,
nenhuma dessas ações resolve o seu problema. Então, Ana Maria beija a Margarida
fazendo o seu frio passar e descobrindo, com isso, qual era o motivo de tanto frio.
A atividade inicialmente planejada para a pós-leitura seria a cantiga de roda
Apareceu a Margarida, mas, pela reação da turma frente à leitura e pela história de
vida da maioria das crianças que faziam parte dela, resolvi improvisar outra atividade
que julguei mais adequada para o momento. Tratava-se da brincadeira que denominei
Carinho de índio. Sentados em circulo, um atrás do outro, cada um deveria fazer
carinho no colega da sua frente, de maneira que cada uma desse e recebesse afeição,
e alertei que ninguém deveria ficar com frio de carinho como aconteceu com a
Margarida.
Uma criança se recusou a participar e saiu do círculo, alguns empurraram seu
colega da frente, causando certo embaraço. Então, sugeri a execução da brincadeira
em um "trenzinho" de cadeiras, me posicionei atrás e a professora ficou na frente, as
crianças estavam entre nós duas. A brincadeira consistia no seguinte: tudo o que eu
fazia na criança à minha frente, deveria ser imitado por ela e assim sucessivamente,
até chegar à professora. Inicialmente, houve resistência de alguns em fazerem o
carinho, outros demonstravam incômodo em receber; mas, depois de algumas
interrupções, conseguimos concluir a atividade com êxito. E Gabriela, a menina que
estava de fora, voltou e participou e o mais surpreendente para nós foi a reação da
professora, que se mostrou emocionada e tocada pela brincadeira.
109
Foi sugerido que a turma desse um grande abraço na professora e assim
concluímos essa aula, que começou com desafios, mas tornou-se muito interessante,
pois, além da adesão da turma, mesmo que gradativamente, também houve grande
empatia com a personagem Margarida, tanto pelas crianças quanto pela professora,
que nos pareceu tocada.
Quando concluímos a brincadeira e julgamos encerradas as atividades, as
crianças pediram para ilustrarem a história com desenhos. Foi aconselhado que os
desenhos fossem feitos em forma de cartão, para serem dedicados a alguém, da sala,
um colega ou a professora. Enquanto desenhavam, a gestora entrou na sala avisando
da entrega das lembrancinhas referente à comemoração do mês das crianças, e a
maioria delas preferiu não pintar suas ilustrações. No entanto, Gabriela, criança que
tinha um elevado número de faltas e inicialmente resistiu bastante à proposta,
demonstrou grande interesse por concluir a atividade, sem se apressar para receber
seu presente, do mesmo modo que Jonh e Carla.
Segundo relatos da professora, além de Pedro, considerado por ela como
aluno especial, essas três crianças: Gabriela, Jonh e Carla seriam as que
apresentavam maiores dificuldades em acatar as suas sugestões de atividades.
Desenho d’A Margarida de Carla
110
Carla ilustrou a cena em que o cachorro carregava a Margarida, um dos
momentos da história (p. 14), além dos outros personagens como a borboleta e
menina Ana Maria. Retratou também a árvore de Natal da sala de aula parecendo
retratar os acontecimentos da história à realidade daquela sala e dedicou a sua obra
de arte a mim.
Desenho de John - frente
Desenho de John - verso
111
Jonh, por sua vez, desenhou em um lado ele mesmo com a sua mãe
(ilustração acima) e, no verso, ilustrou a história, na qual ele estava inserido,
destacando a casa, a borboleta e Ana Maria, conforme a ilustração seguinte, sendo,
portanto, protagonista ele e sua mãe, a quem dedicou a obra.
Desenho de Gabriela da Margarida
A professora nos informou que Gabriela é a quarta de sete filhos e, com seis
anos, tem três irmãos mais novos do que ela, pertencendo a uma família menos
favorecida social e economicamente. Tinha um número elevado de faltas e sempre
resistia às propostas de atividades, na intenção de tornar-se o centro das atenções na
sala de aula.
Um fato nos chamou a atenção: mesmo Gabriela pertencendo a uma família
economicamente desfavorecida, ela não foi seduzida pela promessa de presente
como os seus colegas. Essa menina, totalmente desprendida de ansiedade, concluiu
sua ilustração, demonstrando dar mais valor e interesse à atividade que a uma
sacolinha com guloseimas, brindes e mais. Na sua ilustração, ela teve a oportunidade
de expressar o seu afeto, dedicando seu desenho à professora, fazendo questão de
enfatizar: "A Margarida sem tá com frio". Relembrando os leitores dessa cena.
112
Ao presentear a sua professora, a menina nos faz imaginar que, na sua
ilustração, as personagens seriam, sim, ela e a sua professora. Dessa forma,
identificamos um resultado determinante quando Gabriela demonstra afeto por ela. A
história da Margarida friorenta estimulou o aquecimento dos afetos, bem como uma
singular troca de carinho, algo que parecia ser um momento único.
Observamos que essa atividade, além de estimular o afeto recíproco, resultou
em uma autoestima positiva nos pequenos. Faz-se necessário destacar que os
estudos que focam nesses aspectos, não são tão recentes, embora ainda hoje sejam
atuais e indispensáveis, sobretudo, quando se pensa na formação de indivíduos. Os
estudos pioneiros sobre a importância da autoestima de Rosemberg (1965) e
Coopersmith (1967), que ainda hoje são estudados largamente, estabeleceram como
determinantes para a formação da autoestima dos indivíduos, as suas relações com
os "seus pais, professores e colegas, nessa mesma ordem de importância" (LAGO,
2011, p.13.)
Outra pesquisa feita com estudantes universitários de francês por Mills (2007,
apud LAGO, op. cit.) ratifica a nossa crença na possibilidade de nós, professores,
contribuirmos para o aumento da autoestima dos educandos. Segundo ele, os dados
obtidos com a pesquisa, comprovam que os sujeitos que se viam como capazes
alcançaram maior sucesso acadêmico, foram bem sucedidos na disciplina. Esses
resultados se repetiram em investigações feitas por Metallidou e Vlachou (2007, apud
LAGO, op. cit.), com crianças do Ensino Fundamental. Também foi confirmado que os
estudantes que têm autoestima elevada recebem melhores notas.
Esses pesquisadores dão sugestões, aos educadores, de como aumentar a
autoestima dos discentes indicando o trabalho com pares, sobretudo nas atividades de
leitura e interpretação, além de oportunizar a reflexão a respeito de si próprio. Com
base nesses estudos, buscamos promover um momento de superação da carência
afetiva daquele grupo, mesmo que por um tempo limitado. Naquele encontro houve,
de certa forma, uma reflexão a respeito do "sabor" e da importância de se dar e
113
receber carinho, ações indispensáveis à formação de uma autoestima positiva. Por
essa razão, entendemos com Held (1980), que "A imaginação, como a inteligência ou
a sensibilidade, ou é cultivada, ou atrofia." (HELD, 1980, p.46).
5.4 As Girafas não sabem dançar, mas nós sabemos e podemos!
Essa é a história de Geraldo, um "girafo" alto, de pescoço comprido e esguio,
que tem joelhos tortos e pernas muito finas. "Quando tentava correr era um desastre".
Houve um baile na selva onde todos os outros animais dançavam. Geraldo foi para a
pista de dança, mas, quando começou a dançar, os outros bichos pararam e
começaram a caçoar dele. Ele ficou muito triste e resolveu ir embora.
No caminho de volta para casa, encontrou um grilo que entendeu o seu dilema
e o incentivou a dançar, aconselhando-o a sentir a música. E Gê, como era conhecido
o girafo, descobrindo que podia dançar, o fez ali mesmo. Enquanto bailava lindamente,
os animais que voltavam da festa o viram dançando e se encantaram, reconhecendo
que Geraldo era um excelente dançarino.
A abordagem da obra Girafas não sabem dançar foi pensada para ser a
última a ser apresentada, já que queria concluir a intervenção em um ambiente o mais
descontraído possível. Dessa forma, planejei para a atividade, após a leitura,
dançarmos ao som dos poemas musicados do CD A arca de Noé, de Vinícius de
Moraes, 1996 (ano de produção) e depois fizermos um relaxamento ouvindo sons
(vento, cachoeira, pássaros etc.) do CD Para relaxar: sons da Amazônia, vol. 1,
produzido por Corciolli, 1999 (ano de produção) Ao apresentar o livro às crianças elas
demonstraram bastante interesse, talvez por se tratar de um livro grande e bem
colorido, causando bastante fascínio. Ao abri-lo, Pedro expressou perplexidade ao ver
as imagens “saltarem” das páginas e exclamou:
-"É mágico!"
114
As demais crianças também demonstraram não conhecer esse tipo de livro e
comentaram:
- "É massa, as figuras se bole!" (Renato).
- "Tu vai deixar a gente mexer nesse também?" (Verônica).
Buscamos propiciar para aquela turma as mais variadas experiências possíveis
de leitura no tempo da nossa intervenção e, por isso, levamos obras que
acreditávamos que fossem relevantes, considerando a faixa etária e o interesse por
histórias, que o grupo experimentava mais através de DVDs. Cabe aqui uma
observação a respeito da utilização dos livros e dos DVDs naquela sala de aula, pois
entendemos ser essencial o acesso, por parte das crianças, não apenas às histórias
em DVDs, mas, em especial, aos livros. A leitura da obra literária pode ser o grande
diferencial da escola, uma vez que os filmes em DVD são de fácil acesso, até mesmo
em casa, uma vez que no âmbito desta pesquisa, as próprias crianças levavam, de
suas casas, alguns filmes que já haviam assistido.
Esse procedimento visando muito menos a leitura/fruição/contação de histórias,
que as sessões de cinema, pode dar espaço para inquietações tais como: Quais os
objetivos ao se assistir repetidas vezes a um filme já conhecido pelo público em uma
sala de aula? Ou qual a função dessa ação nessa faixa etária? Haveria uma função
social relacionada à atividade? Esses questionamentos são necessários, pois, na
nossa perspectiva, é indispensável que as experiências na escola sejam novas e
inovadoras e não apenas uma reprodução do que a criança já vivencia em sua casa.
Cremos que a escola pode fazer a diferença, ampliando o acesso aos bens culturais
produzidos pela sociedade, e cabe ao educador conhecer e apresentar boas obras.
Nesse sentido, vale ressaltar que a utilização do DVD como recurso
pedagógico pode e deve ser um rico instrumento nas mãos desse educador;
entretanto, quando não é utilizado da maneira adequada pode ser apenas um passatempo sem objetividade; logo, não transforma a vida dos educandos. Já o texto
literário, por suas características intrínsecas, favorece o estímulo ao imaginário infantil,
115
proporcionando uma verdadeira fruição. Isso se dá pelo fato de que a cada leitura, a
criança elabora mentalmente as suas personagens, criadas no seu mundo particular.
O fato de a leitura/contação e, sobretudo, a dança e a canção não serem
atividades frequentes para aquelas crianças, pelo menos não naquele contexto
escolar, causou certo estranhamento, dificultando a perspectiva de abordagem que
havíamos pensado. Algumas crianças demonstraram acanhamento e recusaram-se a
dançar; um dos meninos sentou e ficou apenas olhando e após muitos estímulos, a
maioria dançou, e Jonh, o garoto que estava sentado se posicionou de costas para a
professora, e começou a balançar-se timidamente junto a nós. Talvez o fato de a
professora não aderir a essa atividade e ficar nos observando tenha também
contribuído ainda mais para a inibição de alguns. Verônica, a mais tímida, dançou com
alegria, o que também muito nos alegrou, ao vê-la participando sem embaraço de uma
atividade que inicialmente inibiu até os mais desenvoltos.
Tal acontecimento nos confirmou a crença de que não devemos subestimar as
potencialidades das crianças; mas, ao contrário disso, devemos promover momentos
de descontração, confiança e motivação, para que essas habilidades sejam
despertadas, gerando novos conhecimentos.
Supõe-se, habitualmente, que o ambiente da sala de aula deva figurar em um
espaço de disciplina e contenção. Entendemos que um ambiente de aprendizagens,
sobretudo para crianças, deva ser ativo e provocador. A nosso ver, a intencionalidade
educativa, na instituição de EI, deve admitir um caráter instigador e a mediação do
adulto deve se basear na busca pela conquista da criatividade e da autonomia dos que
a frequentam. As crianças são naturalmente espontâneas e sua inibição em geral é
adquirida e manifestada de acordo com o ambiente, algumas crianças sentem-se
inibidas fora de casa, outras participam ativamente dos ensaios feitos na sala de aula,
mas recusam-se a apresentar-se na presença dos pais.
Quando o adulto está atento a esses fatos, considera a importância da
extroversão. Lucas, (2008, apud, LAGO, 2011), afirma que em estudos sobre a
116
aquisição de língua estrangeira, verificou-se que os estudantes extrovertidos têm
maior atividade social e com isso ampliam mais suas possibilidades de
relacionamentos e, por conseguinte, interagem mais. Participam ativamente das aulas
sem tantos embaraços e conseguem melhor articular-se. Apesar de ser um estudo
para aprendizes de língua estrangeira, consideramos esses dados relevantes.
Enquanto educadores, devemos nos centrar nessa reflexão a respeito da relevância
da mediação do educador infantil, independente de ele ser o pai ou o professor, uma
vez que, naturalmente, ele imprime as marcas que acompanharão as crianças por
toda a vida.
Compreendemos com isso, a importância de oportunizar situações que nos
possibilitem conceber as prováveis alterações no comportamento (inibição) de alguma
criança e, conscientes, procurar encorajá-la a superar as suas limitações. Pensando
sobre todo o período de intervenção pedagógica, aferimos que na verdade, Verônica
não era exatamente tímida, mas que se mostrava dessa forma, em determinadas
situações. Sempre que a proposta pedagógica era instigadora, ela se manifestava e,
muitas vezes, com veemência, como o fez para defender sua opinião a respeito do
final da história de Perrault. Já Pedro, sempre ativo, e normalmente muito desanimado
para desenhar e pintar, concentrou-se não apenas nos momentos de contação/leituras
das histórias, mas, muito especialmente nas produções das ilustração e pinturas,
demonstrando que, a partir do lúdico, uma atividade semelhante pode instigar e a
outra não. Entendemos que isso pode ser atribuído ao fato de que nas propostas
diárias, as atividades consistiam em cobrir, copiar e colorir desenhos, enquanto nas
atividades propostas nesta pesquisa, as produções eram livres, sendo de autoria delas
mesmas, desde a construção das imagens até a escolha das cores para pintar os
textos-imagens. Essas constatações deram-nos a impressão de que eles estavam
sendo respeitados por sua criatividade e, por isso, sentiam-se livres para a produção.
Mais uma vez pudemos verificar a importância da leitura literária como um
recurso que pode favorecer a fruição. A história d'A Margarida friorenta comprovou o
117
quanto a força da literatura pode transformar pessoas em qualquer idade. Essa leitura,
além de estimular o imaginário infantil, comprovado na produção das crianças, pôde
favorecer também a autoestima positiva daquele grupo e tocar de maneira também
expressiva a professora.
Nesse último encontro, em que foi encerrado o período oficial de intervenções,
houve abraços de despedida e uma esperança de ver o trabalho sendo continuado.
Refletindo e discutindo sobre as conclusões das intervenções, percebemos que as
crianças continuavam sedentas pelas histórias e, então, achamos por bem retornar à
creche para dar continuidade à proposta de leitura. Logo, contatamos novamente a
professora e a gestora da creche e, em comum acordo com elas, ampliamos os dias
de encontros para as sessões de leitura.
5.5. Outras histórias: continuação...
Com o intuito de prolongar um favorável espaço sócio-afetivo, buscamos
prosseguir com a proposta de ler obras literárias para as crianças daquele grupo, uma
vez que havíamos percebido a necessidade de dar continuidade à proposta que foi tão
bem acolhida pelas crianças. Assim, no encontro posterior, levei vários livros de
narrativas do meu acervo particular e os distribuí sobre as mesas, enquanto as
crianças lanchavam coletivamente no refeitório.
Ao voltarem à sala, alguns
expressaram surpresa ao me verem e Renato gritou para os colegas que vinham
depois dele:
-"Ela voltou! A tia Núbia tá na sala!"
Pedro, ao ver os livros sobre as mesas, falou com euforia:
-"Eba! Surpresa, né?"
A felicidade das crianças era perceptível, e então, consenti que folheassem os
livros à vontade. Elas interagiam umas com as outras mostrando o livro que haviam
escolhido.
118
Alan pediu que eu lesse Menina bonita do laço de fita para ele, o que fiz
baixinho para não atrapalhar a concentração dos demais. Ao concluir, Renato pediu
que eu lesse o livro Pinote o fracote, Janjão o fortão, que ele segurava e todos
pararam suas leituras e pediram que eu lesse de maneira que todos escutassem.
Depois que conclui, Verônica encostou-se em meu braço com o livro Maria vai com
as outras na mão. Imediatamente, suspeitei do seu desejo, mas, mesmo assim, fiz de
conta que não havia entendido e perguntei o que ela queria. Ela levantou o livro em
minha direção e, na intenção de provocar sua fala, perguntei se ela gostaria de trocar
de livro. Ela balançou a cabeça, negativamente, então perguntei o que ela queria e,
quase inaudível, ela respondeu:
-"Lê pra mim".
Após a leitura ela sorriu para mim como forma de agradecimento e comentou,
sobre o livro analisando a personagem:
-"Ela né besta não, né? Ia bem cair também lá em baixo?"
Encerrei a minha interferência nesse encontro esperançosa de que os
posteriores seriam ainda mais felizes. Convicta das múltiplas possibilidades que a
literatura continuaria a nos oferecer, especialmente, naquele contexto formado por
crianças ávidas a se tornarem leitores literários proficientes, no dizer de Colomer
(2007). No encontro posterior a esse, fui informada da impossibilidade de intervir.
Segundo a educadora daquela sala, as crianças precisariam ocupar-se com os
ensaios da apresentação natalina.
Todavia, no início do ano letivo posterior à pesquisa, voltei à creche para tirar
algumas dúvidas com a professora a respeito de seu acervo literário e fui surpreendida
pelo fato de ela estar emprestando seus livros pessoais para que as crianças os
levassem para casa. Ela confeccionou algumas sacolas em TNT na qual as crianças
levavam para casa um livro que deveria ser devolvido no dia seguinte. Ela mesma me
contou que orientava as crianças a levarem e pedirem que alguém da família lesse
119
para elas. E no dia seguinte, após tomarem o café, deveriam contar, resumindo, para
os colegas de sala, a história que levou para casa.
Com essa atitude pudemos perceber uma mudança significativa nessa
educadora, que inicialmente desconsiderava a importância da literatura para a EI e
depois se mostrou disponível a compartilhar de seu acervo particular com as crianças
de sua turma.
Infelizmente, a sua atitude não pôde se prolongar, já que sua nova turma
contava com apenas sete crianças matriculadas e foi fechada por determinação da
SEDUC (Secretaria de Educação, Cultura e Desporto). A professora foi remanejada
para a turma do maternal, da mesma unidade e argumentou sobre a impossibilidade
dos empréstimos com esse grupo, por ser formado por crianças muito pequenas (na
faixa etária de dois anos de idade) e que passam o dia todo na creche.
120
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse estudo, pudemos perceber que a leitura literária ainda é pouco
abordada nas salas de aula da Educação Infantil, como observado com os sujeitos do
Pré II. Porém, algumas professoras da Educação Infantil contam ou lêem histórias com
frequência e esses procedimentos são elogiados porque, assim, elas conseguem
acalmar a turma, mantendo-a na sala em dias de chuva, por exemplo, sem tumulto e
ainda porque permite que os conteúdos curriculares sejam iniciados (cf. anexo 1, p.
139ss).
Ao longo deste trabalho, discutimos não apenas essa função pragmática da
literatura, mas buscamos mostrar que é possível unir o lúdico ao educativo; como
dissemos antes, unir "o útil e o doce", a estética e a pragmática; evocando-se, ainda
uma vez, a fala do poeta Horácio. Entendemos que a leitura literária na EI deve
acontecer diariamente e deve ser planejada, com intencionalidade educativa, que
permita a reflexão e a aquisição de valores e conceitos, que provoque novas
aprendizagens, reflexão e transformação, sim. Não pretendemos negar a função
pedagógica que há na literatura e isso não implica em atenuar o seu valor artístico,
nem tão pouco que essa experiência seja isenta de ludicidade e fruição; procuramos
ponderar que esse mover pedagógico não seja meramente pragmático, conteudista,
utilitarista.
Criar um ambiente diário de leitura, espaços agradáveis para que isso
aconteça, o convívio com professores capacitados e comprometidos, que se
preocupem em conhecer e escolher bons textos de L I, assim como em cobrar das
autoridades acervos adequados para as escolas, nos parece ser bom começo para a
formação de leitores. Acreditando na literatura como arte, procuramos trabalhar com
121
ela oportunizando às crianças um acesso a esta forma de arte, possibilitando a
apreciação e o deleite durante a leitura.
Como já foi dito, através de textos ficcionais e de uma abordagem que
proporcione a fruição, o educador poderá promover a aprendizagem e o
desenvolvimento da criança, ao mesmo tempo em que contribui para a sua formação
leitora. Gostaríamos de lembrar que a literatura pode e deve ser trabalhada na escola
desde o berçário, iniciando-se com os brincos, acalantos e cantigas, e ampliando-se
para as rodinhas de leituras/contação, dramatizações e brincadeiras de faz de conta
(jogo simbólico) que devem permanecer presentem durante toda Educação Infantil.
Valemo-nos de Chapeuzinho, da Margarida, de Geraldo, o "girafo" e de uma
árvore para sensibilizar aquele grupo de crianças e a sua professora e, com aquelas
narrativas, apresentar as múltiplas possibilidades que se podem alcançar com essa
atividade de leitura/contação, como as questões colocadas por seus autores, a
reflexão que se pode adquirir com suas temáticas, o crescimento pessoal que isso
pode proporcionar, além do prazer da fruição que podem contribuir para a formação
leitora dos leitores/ouvintes.
Se a criança é atraída pelas histórias já é um leitor em potencial, cabe ao
adulto que o assiste, representado pelo Estado, pela família, pela escola proporcionar
um ambiente atrativo, estimular momentos de leitura/contação/fruição e ampliar o
acesso aos bens culturais dentro e fora da escola, criando rodas de leituras diárias,
promovendo visitas às bibliotecas, ampliando o acervo da escola, oportunizando
empréstimos de livros, inserindo a família nos projetos da instituição, convidando
contadores, pais e funcionários para lerem/contarem histórias para as crianças. Essas
ações mostram a importância da leitura para elas, que poderá perceber o sentido da
leitura para a sua vida, considerando-se que a leitura e a escrita não são
simplesmente atividades escolares, mas é principalmente a partir da escola que os
sentidos sobre a leitura ganham maior importância.
122
A cena da criança amassando crepom para fazer bolinhas que deveriam ser
coladas em uma letra desenhada pela professora nos inspira a refletir a respeito da
função da leitura e da escrita na escola. Ao ser questionada sobre para que servem as
bolinhas, a criança responde que é para colar na letra. E para que serve a letra?,
pergunta a observadora, e a criança responde: "É pra colar bolinhas dentro!"
A surpresa de Alan ante a informação de que a pesquisadora ainda estuda,
pode representar a ideia que as crianças têm em determinada fase de que o adulto
sabe tudo, então como ainda precisa estudar? O fato de asseverar "Quando eu
crescer eu não vou estudar mais não" talvez revele o sentido que é dado por ela aos
estudos: frequentar a escola porque ainda não tem autonomia para escolher não fazêlo. Quando Nilton expressou "Gosto mais de ficar em casa", ficou claro para nós que
as atividades promovidas pela escola têm menos sentido/valor do que as realizadas
em seu contexto doméstico.
Nossos dados evidenciam que foi notória a participação intensa e voluntária
por parte dos sujeitos deste estudo. Portanto, aconselhamos a inclusão diária de
leitura/contação de narrativas na E I, além de disponibilizar às crianças materiais
literários impressos, independentemente se essas crianças decodificam (lêem) ou não.
O acesso ao acervo literário das instituições de EI, pelas crianças, deveria ser
entendido pelos adultos como um direito que deve ser respeitado e garantido. Os
livros nas creches deveriam estar sempre ao alcance das crianças e expostos por
vários lugares na sala, no pátio e em todo lugar. A constituição garante que as
crianças em idade inferior a sete anos devem ser assistidas em tempo integral,
portanto, todos os espaços das escolas devem ser usados pelas crianças sob a
supervisão/mediação de um adulto. Dessa forma a justificativa de trancar os livros nos
armários da secretaria da unidade/escola ou sala específica para que não sejam
danificados não é adequada.
A manutenção de materiais como livros e brinquedos de uma escola que
atende a crianças pequenas deve acontecer com maior freqüência; porém, se essas
123
crianças não aprenderem a manusear esses materiais, o Estado, os pais e a escola
terão mais despesas em manutenção quando elas estiverem no Ensino Fundamental
e na sua continuação.
A postura do educador ante a leitura também interfere na formação das
crianças. Um professor que não lê, dificilmente as convencerá que ler é importante e
prazeroso. O educador que procura técnicas de contação/leitura adquire materiais que
lhe auxiliem na hora da leitura/contação, lê livros de literatura infantil por prazer, fora
do ambiente de trabalho, carregará consigo esse gosto e passará esse prazer para as
crianças com mais sinceridade, dando maior sentido e importância à leitura.
Se a história vai ser contada e não lida, o narrador deve contá-la respeitando a
autoria, fazendo adaptações que facilitem a compreensão do leitor ouvinte, mas com o
devido cuidado de não modificar o enredo, de não empobrecê-lo ou diminuí-lo com o
argumento de que será incompreensível; os fatos podem aparecer menos detalhados,
mas não transformados.
Para que as histórias se perpetuem, devemos ter o devido cuidado, como um
zeloso artesão, que imprime suas marcas e intuições, adaptando as histórias aos
leitores sem abismar os tempos da criação. Só assim não nos perderemos durante o
percurso, como aconteceu com João e Maria, e os pássaros não comerão as migalhas
que cairem pelo caminho.
124
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_____________ Estética da recepção e história da literatura. São Paulo, Editora
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128
APÊNDICES
129
APÊNDICE A:
SEQUENCIAS DIDÁTICAS
1. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula do conto Chapeuzinho
vermelho
Tempo médio de execução: 30 minutos
Público - alvo: Crianças do grupo 4/Pré II da Educação Infantil
Justificativa:
Escolhemos
a
abordagem
do
conto
Chapeuzinho
vermelho
primeiro
por
reconhecermos que se trata de uma obra clássica, a qual as crianças devem ter
acesso, depois para percebermos se as crianças conhecem essa versão, que
sentimentos lhes causariam, além de proporcionarmos um momento de debate onde
as críticas, os questionamentos, as discussões poderiam ampliar o conhecimento
pessoal e literário e por pretendermos estimular as crianças à leitura literária.
Objetivos:
Geral: Oportunizar um momento de leitura fruição.
Específicos:
 Provocar um debate, a partir da leitura/contação do conto perraultiano.
 Verificar a apreensão do enredo nessa versão
 Sensibilizar as crianças para a leitura literária;
Procedimentos metodológicos:
1º Momento: Instigar a curiosidade dos educandos para a leitura, recorrendo ao
'mistério do cesto'.
 Formular hipóteses acerca do conto, se as crianças conhecem etc.
 Conversa informal a respeito do autor
130
2º Momento: A leitura/contação
 Confirmar ou não as hipótese levantadas
 Apresentar o título e as imagens
 Contar a história procurando modular a voz de acordo com o desenrolar da
trama e da ação das personagens utilizando-se dos objetos do cesto (capuz
vermelho, óculos, orelhas e rabo);
3º Momento: Debate sobre o conto
 Refletir acerca do conto, se as hipóteses feitas por elas havia se cumprido;
 Promover debate em que todos participem
4 º Momento: Apreensão do enredo
 Ilustrar a história através de desenho
Material utilizado:
 Livro com o conto;
 Cesto de palha;
 Um capuz vermelho;
 Um par de óculos;
 Um par de orelhas marrons e peludas;
 Um rabo marron e peludo;
 Lápis grafites;
 Lápis coloridos;
 Papel tipo sufite.
Referências :
PERRAULT, Charles. Les contes de Perrault. Paris, 1883. Tradução Regina Régis
Junqueira, Ilustrações Gustavo Doré. Belo Horizonte: Villa Rica, 1994.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (orgs.) Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 2004.
131
2. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula da narrativa A última
árvore do mundo
Tempo médio de execução: 30 minutos
Público - alvo: Crianças do grupo 4/Pré II da Educação Infantil
Justificativa:
A escolha dessa narrativa (A última árvore do mundo) para ser abordada com os
sujeitos da pesquisa em questão se deu para contribuir com a aquisição de
conhecimentos sobre os conteúdos referentes ao meio ambiente estudados por aquela
turma, e na intenção de se refletir a respeito do ambiente em que convivemos, nossa
escola, nosso planeta. Na intenção de ampliar a observação sobre nossa atuação
nesse meio.
Objetivos:
Geral: Promover mais um momento de estímulo a leitura literária.
Específicos:
 Sensibilizar as crianças para uma visão mais afetiva em relação as plantas e os
animais;
 Estimular a criança a realizar um conhecimento do espaço físico da creche a
partir da exploração do jardim da unidade;
 Promover um momento de dinamismo, brincadeira e descontração através do
brinquedo cantado A árvore da montanha.
Procedimentos metodológicos:
1º Momento:
 Observar as árvores ainda do interior da sala, pelas janelas;
 Identificar as árvores, buscando nomeá-la segundo sua espécie;
 Reorganizar a sala, colocando as cadeiras de volta no lugar;
 Explicação sobre o lugar onde a leitura será feita;
2º Momento: A leitura/contação
 Preparar o espaço em baixo da árvore, estender a folha alcochoada;
 Apresentar o título e a capa;
132
 Ler a história procurando utilizando os objetos do cesto de acordo com a
sequencia do enredo (pisca-pisca, pau de chuva, garrafinha de vidro e spray
com perfume);
3º Momento: Debate sobre história
 Refletir acerca sobre a história;
 Promover debate em que todos participem;
4º Momento: Aproveitando o espaço
 No pátio brincar da cantiga de roda A árvore da montanha ou na sala ilustrar a
história através de desenho
Material utilizado:
 Folha em TNT alcochoada;
 Livro com a narrativa;
 Pisca-pisca;
 Pau de chuva;
 Garrafinha de vidro;
 Spray co perfume;
 Lápis grafites;
 Lápis coloridos;
 Papel tipo sulfite.
Referências :
LALAU; LAURABEATRIZ. A última árvore do mundo. São Paulo: Scipione, 2010.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (orgs.) Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 2004.
133
3. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula da narrativa A
margarida friorenta
Tempo médio de execução: 30 minutos
Público - alvo: Crianças do grupo 4/Pré II da Educação Infantil
Justificativa:
A nossa intenção em apresentar essa história para aquele grupo foi principalmente de
promover um momento de empatia entre seus membros, de descontração e amizade,
além é claro de oportunizar um momento de apreciação e reflexão a partir da narrativa
literária.
Objetivos:
Geral: Promover um momento de vivência afetiva.
Específicos:
 Sensibilizar as crianças para a gentileza, uma visão mais afetuosa em relação
aos colegas e as pessoas em geral;
 Estimular a criança a realizar um autoconhecimento a respeito de suas
necessidades afetivas;
 Promover um momento de reflexão e debate sobre os benefícios de dar e
receber carinho.
Procedimentos metodológicos:
1º Momento:
 Estimular as possíveis inferências a respeito da história a partir da leitura da
imagem da capa;
 Falar sobre a autora;
 Ler o título e instigá-los sobre o enredo;
2º Momento: A leitura/contação
 Ler mostrando as ilustrações e respeitando as prováveis interferências;
134
 Ler a história procurando utilizando os objetos do cesto de acordo com a
sequencia do enredo (pisca-pisca, pau de chuva, garrafinha de vidro e spray
com perfume);
3º Momento: Debate sobre história
 Refletir acerca sobre a história;
 Promover debate em que todos participem;
4º Momento: Apareceu a Margarida
 Brincar da cantiga de roda Apareceu a Margarida ou Brincadeira carinho de
índio
Material utilizado:
 Livro com a narrativa;
 Cadeiras da sala;
 Lápis grafites;
 Lápis coloridos;
 Papel tipo sulfite.
Referências:
ALMEIDA, F. L. A Margarida friorenta, 25. ed. São Paulo: Ática, 2010.
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (orgs.) Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 2004.
135
4. Sequência Didática para a abordagem em sala de aula da narrativa Girafas
não sabem dançar
Tempo médio de execução: 30 minutos
Público - alvo: Crianças do grupo 4/Pré II da Educação Infantil
Justificativa:
Por percebermos a necessidade de movimentação/deleite das/nas crianças sujeitos da
pesquisa no ambiente escolar. Na intenção de ampliar as possibilidades de
experiências com a leitura literária resolvemos também apresentá-los um livro
animado e com o intuito de promover nesse encontro descontração, prazer e
autoconhecimento, reservamos para ele a história de Geraldo, que apesar de ter sido
considerado desengonçado, superou suas limitações assumindo o seu espaço na
selva.
Objetivos:
Geral: Promover um momento de expressão corporal e descontração.
Específicos:
 Proporcionar um momento de movimento e reconhecimento corporal;
 Estimular a criança a realizar um autoconhecimento através da dança;
 Promover um momento de descontração, liberdade e alegria;
Procedimentos metodológicos:
1º Momento:
 Estimular a curiosidade nas crianças a respeito da história falando sobre a
especificidade do livro;
 Falares sobre a criação dele quantas pessoas trabalharam para fazê-lo;
 Ler o título e instigá-los sobre o enredo;
2º Momento: A leitura/contação
 Ler mostrando as ilustrações e respeitando as prováveis interferências;
136
3º Momento: Debate sobre história
 Refletir sobre a história;
4º Momento: Dançando a vontade
 Dançar ao som de músicas do CD A arca de Noé (Vinícius de Moraes);
 Relaxar deitados no tapete ouvindo os sons da floresta;
Material utilizado:
 Livro com a narrativa;
 CD A arca de Noé;
 CD Para Relaxar, sons da Amazônia
Referências:
ANDREAE, L.; PARKER, G; FLETCHER, C. Girafas não sabem dançar (livro
animado), Rio de Janeiro: Companhia das Letrinhas, 2009
SCHNEUWLY, B.; DOLZ, J. (orgs.) Gêneros orais e escritos na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 2004.
137
APÊNDICE B:
ENTREVISTA COM AS CRIANÇAS SUJEITOS DA PESQUISA
Entrevista com as Crianças do Pré-II
1) Você gosta da creche? Por quê?
2) O que você mais gosta de fazer na creche?
3) O que você não gosta na creche?
4) Você gosta de ouvir historinhas?
5) Qual a historinha que a sua professora leu que você mais gostou?
6) Alguém na sua casa lê ou conta histórias para você? Quem? Quando?
7) Qual o livro de historinha que tem na sua sala que você mais gosta?
138
APÊNDICE C:
QUESTIONÁRIO APLICADO COM PROFESSORAS DO PRÉ-II
Qual a sua formação (escolaridade) e ano de conclusão?
1) Qual a sua condição atual na creche?
Concursada ( )
prestadora de serviços ( )
Há quanto tempo?
SOBRE LITERATURA
2) Com que freqüência costuma ler textos literários para suas crianças?
3) Quais os livros que você leu para sua turma este ano?
4) Com que objetivo você lê literatura para seus alunos?
5) Qual a idade que você considera ideal para iniciar a leitura com as crianças?
Justifique.
6) O que você costuma fazer nas horas vagas?
7) Atualmente está lendo algum livro? Qual?
8) Você possui assinatura de algum jornal ou revista? Qual\ais?
9) Costuma comprar livros? Com que freqüência? Que tipo de livros?
10) Você lê literatura infantil fora do ambiente de trabalho?
139
ANEXOS
ANEXO A: Respostas aos questionários e entrevistas
Sujeitos
Formação
Instituição
Experiência
Você costuma ler
para seus
alunos?
1 PC
Pedagogia
Pública
Federal
1 ano e seis
meses
Sim
2 MS
Pedagogia c/habilitação
em Educação Infantil
Atua também no ensino
fundamental
Pública
Estadual
29 anos.
Leio todos os dias,
apesar de ter que
cumprir com um
calendário de
conteúdos, mas
eu procuro
encaixar leituras
na rotina.
3 SF
Pedagogia c/habilitação
em Educação Infantil
Pública
Estadual
20 anos
Sim.
28 anos
Sim, todos os
dias, temos o
momento da
leitura, onde leio
ou às vezes os
próprios alunos.
18 anos
Leio todos os dias.
Estágio
supervisionado
Sim
22 anos
Sim, literatura
infantil.
Sim.
4 MA
Pedagogia c/habilitação
em Educação Infantil e
Supervisão
5 TM
Pedagogia c habilitação
em educação Infantil.
6 BS
Pedagogia (em curso)
7TR
Pedagogia c habilitação
em Educação Infantil
8ZG
Pedagogia
especialização em
educação Infantil
Pública
Estadual
Estágio
probatório
ensinou 1 ano
escolinha de
bairro
9KV
Pedagogia e Geografia
Pública
Estadual
15 anos
Sim.
10JN
Pedagogia com
habilitação em
Educação Infantil
Pública
Estadual
22 anos
Com certeza!
Pública
Estadual
Pública
Estadual
Pública
Federal
Pública
Estadual
Questão
Que tipo de textos você costuma ler para eles?
Sujeitos
Respostas
1 PC
Literatura Infantil e poemas.
2 MC
Cada dia leio um texto diferente; informativo, manchete de jornal, anedotas,
literatura infantil e quando eu não leio, eles me cobram.
140
3 SF
Histórias infantis.
4 MA
Sempre é diversificado os diferentes gêneros textuais. Por exemplo: contos,
poesias, poemas etc.
5 TM
Vários, bula, histórias.
6 BS
Histórias de para-didáticos.
7TR
Literatura Infantil, não costumo ler textos informativos não, eles são muito
pequenos.
8ZG
Vários tipos, literatura infantil,notícias, jornais, textos do livro didático, e outros.
9 KV
Fábulas
10JN
Informativos, história, contos e poesias, sempre de acordo com o tema que
vamos trabalhar, para dar o gancho sabe? No são João a gente trabalhou muitas
músicas e receitas.
Questão
y
Em que momentos essas leituras são realizadas?
Sujeitos
Respostas
1 PC
Geralmente antes e depois do intervalo. Quando voltam do intervalo faço um
relaxamento, aí depois leio. E antes de sair para que eles não fiquem sem fazer
nada, se não eles começam a brigar ou a bagunçar.
2 MS
Geralmente leio no final do expediente, porque eles descansam e não ficam
agitados para sair.
3 SF
No início ou no final da aula
4 MA
Sempre são realizadas no início das aulas
5 TM
Sempre antes de iniciar as atividades, antes de eu começar a aula.
6 BS
No início da aula, antes do intervalo ou na hora da saída, é a hora mais agitada,
eles relaxam.
7TR
Geralmente quando voltam do intervalo, para eles relaxarem, ou quando vou
introduzir algum tema. Aí procuro um texto que tenha haver com o que quero
ensinar.
8ZG
Geralmente no início da aula.
9KV
No início da aula.
10JN
Normalmente, depois do lanche, antes de sair para o recreio, quando eles chegam
brincam com jogos de encaixe, aí lancham e depois é que fazem alguma
atividade, lancham de duas horas.
Questão
y
Você considera essa atividade importante? Por quê?
Sujeitos
Respostas
1 PC
Extremamente importante, porque é através dela que a gente ajuda a
desenvolver... adquirir mais conhecimentos e esquecer os problemas do
cotidiano, através da leitura de um livro a gente relaxa e o mesmo acontece com
as crianças.
2 MS
É muito importante porque eles aprendem os diferentes tipos de textos e como
141
escrever esses textos.
Cada um deles têm um diário e na sexta eles levam para casa, aí eu escolho um
tipo de texto que trabalhei em algum dia da semana e mando eles fazerem em
casa um outro texto do mesmo tipo, por exemplo, leio uma manchete e mando
eles fazerem outra ,sendo com outro assunto, entende?
3 SF
Sim, porque incentiva desde cedo a criança gostar de ler.
4 MA
Eu considero importante, porque é a partir dessa vivência que os alunos podem
adquirir o gosto pela leitura.
5 TM
Sim, porque desenvolve o vocabulário das crianças.
6 BS
Sim, ajuda a criança a desenvolver melhor, a entender os conteúdos que
ensinamos.
7 TR
Ajuda na ampliação do vocabulário e enriquece a oralidade, na disciplina da sala,
no controle da turma sabe? Eles se concentram mais.
8ZG
Sim, porque a leitura é a base para o bom desempenho dos alunos em todas as
áreas, né?
9 KV
Sim, pois gera o hábito para leitura e estimula.
10JN
Sim, muito, porque desenvolve o hábito da leitura e eles aprendem a identificar os
tipos de textos, se não mostrar como eles vão saber?
Questão
y
Qual a idade que você considera ideal para iniciar esse tipo de atividade?
Sujeitos
Respostas
1 PC
Qualquer idade é adequada, porque ajuda a criança a se desenvolver na escola.
2 MS
As professoras dos pequenos devem ler também, mas acho que eles só devem
ser chamados para ler pra turma só no segundo ano em diante, pra não ler
errado e ficar inibido
3 SF
Deve-se começar quanto mais cedo melhor, porque a criança aprende a
importância da leitura.
4 MA
Desde os primeiros anos de vida, quando a criança já ouve sons, vozes,
entendeu?
5 TM
Desde pequenos porque começa a desenvolver eles logo. Com uns três quatro
anos.
6 BS
Antes de entrar na escola, com os pais, para eles se adaptarem com os livros e
desenvolver melhor na escola.
7 TR
Desde o maternal, com uns dois anos, para desenvolver a oralidade, respeitando
a idade e usando textos pequenos.
8 ZG
A partir do momento em que a criança entra na escola a leitura deve fazer parte
de sua vida, como forma de descobrir o mundo mágico da leitura.
9 KV
De quatro anos em diante. Na escola a partir daí haverá uma grande
“incentivação” para eles.
10JN
Desde bebezinho, porque a criança vai pegar o hábito da leitura, se os pais
conversam com elas desde cedo, eles aprendem a falar mais rápido e ler
também, quanto antes começar melhor.
142
Questão
Atualmente você está lendo algo? (fora do ambiente de trabalho)
Sujeitos
Respostas
1 Pc
Só os textos que os professores do curso mandam, Saio de casa as 6:30 da
manhã e só volto as 8:30 da noite, estudo de manhã e trabalho a tarde, não da
tempo, não
2 MS
Quando chego vou fazer as coisas de casa. Nunca tenho tempo.
3 SF
Estou lendo textos sobre trabalho, educação.
4 MA
O livro de Gabriel Chalita; A educação a partir do afeto e o de Augusto Cury; As
deis leis pra ser feliz.
5 TM
Nada, não tenho tempo, trabalho os dois expedientes, a noite tô cansada.
6 BS
Os textos da universidade que os professores passam.
7TR
Só revistas.
8ZG
Revista nova escola e livros sacros.
9 KV
O poder da esposa que ora.
10JN
Um livro de Zíbia Gaspareto, não estou lembrando do nome.
143
ANEXO B: Transcrição das entrevistas com as crianças
Análise das entrevistas aplicadas com os sujeitos da pesquisa; dez crianças da turma
do Pré II da creche em que realizamos a pesquisa.
Antes de iniciarmos a seção de perguntas foi explicado para cada criança que
se tratava de "um trabalho da escola da pesquisadora", algumas estranharam o fato
dela ainda estudar e Alan asseverou: "Quando eu ficar grande, eu não vou estudar
mais não."
Também lhes foi esclarecido de que ninguém saberia de quem seriam as
respostas. Consideramos importante que as crianças tomassem conhecimento de
como aconteceriam algumas etapas da pesquisa, mesmo que essa informação nos
parecesse pouco relevante para elas.
As entrevistas foram aplicadas individualmente em um ambiente separado, na
ausência de colegas e da professora, no intuito de não inibir os sujeito, porém em
alguns momentos uma funcionária de serviços gerais entrou na sala. As falas das
crianças foram preservadas ipssis literis durante a transcrição.
1
Você gosta da creche?
100% das crianças responderam que gostam da creche.
2
Por quê?
Porque tem brinquedo e porque a gente faz tarefa para não virar burro. (Alan)
Porque a creche me ensina muito. (Carla)
Porque gosta de aprender as letras e o alfabeto. (Gabriela)
Porque aprendo. (Kelly)
Gosto das outras pessoas (funcionários). (Leila)
Gosto menos. (para expressar pouco) Queria que a gente pudesse brincar mais, e que
dessem brinquedo para a gente. (Jonh)
É bom, desenhar, pintar, mas faz bem muita tarefa e a professora ainda faz tarefa de
reforço. (Nilton)
Me acostumei, e nem choro, não sou mais bebezinho. (Pedro)
Porque gosto de estudar. (Renato)
Não respondeu. (Verônica)
144
3
O que gosta de fazer na creche?
Brincar com elefante e com o sapo. (Alan)
Tarefa, e de brincar mais ou menos. (Carla)
Brincar de boneca, quando tia X deixa. (Gabriela)
Abraçar as tias, brincar. (Kelly)
Brincar, estudar e dançar (se referindo aos ensaios). (Leila)
Brincar e estudar. (Jonh)
Brincar de Dragon Bol Z, de escola, de Bem 10. De vez em quando tia deixa a gente
Brincar. (Nilton)
Brincar, estudar e fazer letras. Brincar com carrinho e com elefante, de toca e de
correr e quando tem passeio de trenzinho. (Pedro)
Brincar com o sapo, com carrinho, quando dá tempo. (Renato)
Ficar brincando no chão, quando eu faço três tarefas, (mostrando quatro dedos) tia
deixa. (Verônica)
4
O que não gosta na creche?
Fazer muita tarefa, gosto de fazer pouquinha e brincar mais, queria que desse tempo
brincar todo dia. (Alan)
De fazer muita tarefa. (Carla)
Eu gosto de almoçar e tomar café, mas não gosto do pão, nem fazer tarefa e nem
arengar. (Gabriela)
Nada. (Kelly)
Estudar e das tarefas de reforço. (Leila)
O povo e tia X brigar comigo, de fazer muita tarefa, só ficar na sala, só os colegas da
outra sala vão lá pra baixo brincar. (Jonh)
Assistir DVD, (com a chegada de uma funcionária a criança interrompe a fala
afirmando em seguida): Meu irmão vai estudar aqui. (Depois que a funcionária saí, ele
prossegue): gosto mais de ficar em casa. (Nilton)
DVD de Dora, pintar muito, gosto quando é pra pintar pouco. (Pedro)
Arengar, nem fazer raiva e nem fazer bagunça. (Renato)
Das tarefas. (Verônica)
145
5
Gosta de ouvir histórias?
100% dos entrevistados afirmaram gostar de ouvir histórias. Quatro delas
especificaram:
Gosto da história da cobra, que mamãe contou. (Leila)
Gosto da história do lobo mau. (Nilton)
Gosto. Mas tu faz muita pergunta! Você quer saber tudo é? (Pedro)
Gosto de historinha de Deus. (Renato)
6
Qual a história lida pela professora que você mais gostou?
Gostei da história que tia X contou com o livro, a do peixinho. (Alan)
Aquela que tu leu, d'A galinha ruiva. (Carla)
Gosto da história de Branca de Neve que minha tia Vânia leu, minha tia de casa, não
foi tia X não. (Gabriela)
A do Dragon Bol Z, que tia X botou no DVD. (Jonh)
A de Jesus, que tia Y contou quando eu estudava com ela na outra sala. (Kelly)
A do DVD de Branca de Neve, tia X colocou, foi a que eu mais gostei. (Leila)
Aquela do coelho e da tartaruga. (Nilton) (Se referindo a fábula A lebre e a tartaruga)
Não sei. (pausa) 'Gosti' da que você contou, d'A galinha rúvia. (Pedro)
Da do peixinho (Renato)
Tia X não contou não. (Verônica) (A criança tem um número elevado de faltas, e é
possível que não tenha presenciado essa atividade).
As respostas das crianças para essa pergunta apontam para uma pouca
abordagem da leitura literária naquele grupo, pois mesmo a pergunta ter direcionado
para histórias lidas pela professora X, duas das dez crianças responderam ter gostado
da história contada/lida pela pesquisadora, uma por alguém na sua casa, outra pela
professora do ano letivo anterior, duas afirmaram que a professora apresentou
histórias em DVD e apenas três responderam histórias lidas/contadas pela professora
X, sendo que duas gostaram da história do peixinho e uma da do coelho.
Demonstrando um número pequeno de atividades de leitura literária com aquele
grupo, vale lembrar que a entrevista foi realizada após o período de observação das
aulas no mês de outubro, nos chamou a atenção o fato de uma das crianças se
146
remeterem a uma história lida pela professora do ano anterior como a história que
havia gostado de ouvir.
7
Alguém lê ou conta histórias em casa para você?
Minha mãe contou sem livro, a história de uma pessoa. Mas eu não lembro mais não.
(Alan)
Minha mãe, mas faz tempo. Uma história do cachorrinho. (Carla)
Tia Melina conta sem livro quando eu vou dormir na casa dela. (Gabriela)
Não. (Jonh)
Minha mãe contou a d'O patinho feio, meu tio a de Chapeuzinho Vermelho e meu pai a
da princesa. (Kelly)
Bianca minha amiga, que mora na casa de Zélia, ela trabalha no salão e pintou minhas
unhas, contou a história do sapo. (Leila)
Na minha casa nem tem historinha não. Mas minha irmã vai fazer. A gente brinca e lê
uns papel que meu pai compra. (se referindo a panfletos e santinhos de campanhas
eleitorais). (Nilton)
Não, ninguém. E tem vez que meu pai e minha mãe bate em mim. (Pedro)
Não, só a tia da igreja que conta as histórias de Jesus. (Renato)
Cristina minha prima, contou a de Chapeuzinho Vermelho. (Verônica)
8
Qual o livro de história da sala que você mais gosta?
D'A galinha ruiva. Que foi tu quem contou. (Alan)
147
O de Jesus. (Carla)
Do animal. (Gabriela)
Nenhuma só a d'A galinha ruiva, que você contou. (João)
O de Jesus. (Kelly)
Aquela que você contou dos 'pintim'. (Leila) Se referindo a história d'A galinha ruiva.
A do coelho da corrida. (para referir-se a fábula d'A Lebre e a Tartaruga), (Nilton)
O d'A galinha Rúvia. (Pedro)
A do peixinho. (Renato)
Tem livro de historinha, mas tá guardado ali, (apontando para o armário). A gente não
pega não. Só se tia X deixasse n'era? (Verônica)
Ao serem questionadas se gostavam da creche as dez crianças entrevistadas
afirmaram gostar. Justificando a importância de estudar e das tarefas, porém seis das
dez crianças responderam que não gostavam de fazer muitas tarefas, duas não
gostavam de fazer as tarefas e uma respondeu que gostava mais de ficar em casa.
Sobre leitura literária 100% das crianças afirmaram gostar de ouvir histórias.
Esse gosto ficou confirmado durante o período das intervenções pedagógicas, quando
foram feitas as leituras/contação conforme análises dos dados da pesquisa.
As respostas para as perguntas de números 6 e 8 nos evidenciou uma
subutilização da leitura literária por aquela turma tanto pela restrição do acervo literário
da creche, quanto do da professora. Fato que foi observado no período das
observações das aulas, de nove aulas observadas, foi feita apenas a leitura de uma
narrativa com o intuito de observarem as características físicas de alguns animais.
A restrição aos momentos de recreação livre foi demonstrada através das falas
das crianças. 100% delas disseram que o que mais gostam de fazer na creche é
brincar, duas delas afirmaram quando a professora deixa, ficando claro que não é uma
atividade cotidiana/diária e outras duas que brincam quando dá tempo parecendo ter
absorvido o discurso de alguns adultos de que brincar na escola é perda de tempo.
As entrevistas foram aplicadas individualmente em um ambiente separado, na
ausência de colegas e da professora, no intuito de não inibir os sujeito, porém em
alguns momentos uma funcionária de serviços gerais entrou na sala.
148
9
Você gosta da creche?
100% responderam que gostam da creche.
10
Por quê?
Porque tem brinquedo e porque a gente faz tarefa para não virar burro. (Alan)
Porque a creche me ensina muito. (Carla)
Porque gosta de aprender as letras e o alfabeto. (Gabriela)
Porque aprendo. (Kelly)
Gosto das outras pessoas (funcionários). (Leila)
Gosto menos. (para expressar pouco) Queria que a gente pudesse brincar mais, e que
dessem brinquedo para a gente. (João)
É bom, desenhar, pintar, mas faz bem muita tarefa e a professora ainda faz tarefa de
reforço. (Nilton)
Me acostumei, e nem choro, não sou mais bebezinho. (Pedro)
Porque gosta de estudar. (Renato)
Não respondeu. (Verônica)
11
O que gosta de fazer na creche?
Brincar com elefante e com o sapo. (Alan)
Tarefa, e de brincar mais ou menos. (Carla)
Brincar de boneca, quando tia "Fulana" deixa. (Gabriela)
Abraçar as tias, brincar. (Kelly)
Brincar, estudar e dançar (se referindo aos ensaios). (Leila)
Brincar e estudar. (João)
Brincar de Dragon Bol Z, de escola, de Bem 10. De vez em quando tia deixa a gente
brincar. (Nilton)
Brincar, estudar e fazer letras. Brincar com carrinho e com elefante, de toca e de
correr e quando tem passeio de trenzinho. (Pedro)
Brincar com o sapo, com carrinho, quando dá tempo. (Renato)
Ficar brincando no chão, quando eu faço três tarefas, (mostrando quatro dedos) tia
deixa. (Verônica)
149
12
O que não gosta na creche?
Fazer muita tarefa, gosto de fazer pouquinha e brincar mais, queria que desse tempo
brincar todo dia. (Alan)
De fazer muita tarefa. (Carla)
Eu gosto de almoçar e tomar café, mas não gosto do pão, nem fazer tarefa e nem
arengar. (Gabriela)
Nada. (Kelly)
Estudar e das tarefas de reforço. (Leila)
O povo e tia "Fulana" brigar comigo, de fazer muita tarefa, só ficar na sala, só os
colegas da outra sala vão lá pra baixo brincar. (João)
Assistir DVD, (com a chegada de uma funcionária a criança interrompe a fala
afirmando em seguida): Meu irmão vai estudar aqui. (Depois): gosto mais de ficar em
casa. (Nilton)
DVD de Dora, pintar muito, gosto de pintar pouco.
Fazer muita tarefa. (Pedro)
Arengar, nem fazer raiva e nem fazer bagunça. (Renato)
Das tarefas. (Verônica)
13
Gosta de ouvir histórias?
100% afirmaram gostar de ouvir história. Quatro delas especificaram:
Gosto da história da cobra, que mamãe contou. (Leila)
Gosto da historia do lobo mau. (Nilton)
Gosto. Mas tu faz muita pergunta! Você quer saber tudo é? (Pedro)
Gosto de historinha de Deus. (Renato),
14
Qual a história lida pela professora que você mais gostou?
Gostei da história que tia "Fulana" contou com o livro, a do peixinho. (Alan)
Aquela que tu leu, d'A galinha ruiva. (Carla)
Gosto da história de Branca de Neve que minha tia "Cicrana" leu, minha tia de casa,
não foi tia "Fulana" não. (Gabriela)
150
A do Dragon Bol Z, que tia "Fulana" botou no DVD. (João)
A de Jesus, que tia "Beltrana" contou quando eu estudava com ela na outra sala.
(Kelly)
A do DVD de Branca de Neve, tia "Fulana" colocou, foi a que eu mais gostei. (Leila)
Aquela do coelho e da tartaruga. (Nilton) (Se referindo a fábula A lebre e a tartaruga)
Não sei. (pausa) 'Gosti' da que você contou, d'A galinha ruvia. (Pedro)
Da do peixinho (Renato)
Tia "Fulana" não contou não. (Verônica) (A criança tem um número elevado de faltas,
e é possível que não tenha presenciado essa atividade).
15
Alguém lê ou conta histórias em casa para você?
Minha mãe contou sem livro, a história de uma pessoa. Mas eu não lembro mais não.
(Alan)
Minha mãe, mas faz tempo. Uma história do cachorrinho. (Carla)
Tia "Melina" conta sem livro quando eu vou dormir. (Gabriela)
Não. (João)
Minha mãe contou a d'O patinho feio, meu tio a de Chapeuzinho Vermelho e meu pai a
da princesa. (Kelly)
"Bianca" minha amiga, que mora na casa de "Zélia", ela trabalha no salão e pintou
minhas unhas, contou a história do sapo. (Leila)
Na minha casa nem tem historinha não. Mas minha irmã vai fazer. A gente brinca e lê
uns papel que meu pai compra. (se referindo a panfletos e santinhos de campanhas
eleitorais). (Nilton)
Não, ninguém. E tem vez que meu pai e minha mãe bate em mim. (Pedro)
Só a tia da igreja que conta as histórias de Jesus. (Renato)
"Cristina" minha prima, contou a de Chapeuzinho Vermelho. (Verônica)
16
Qual o livro de história da sala que você mais gosta?
D'A galinha ruiva. Que foi tu quem contou. (Alan)
O de Jesus. (Carla)
Do animal. (Gabriela)
Nenhuma só a d'A galinha ruiva, que você contou. (João)
151
O de Jesus. (Kelly)
Aquela que você contou dos 'pintim'. (Leila) Se referindo a história d'A galinha ruiva.
A do coelho da corrida. (Nilton)
O d'A galinha Rúvia. (Pedro)
A do peixinho. (Renato)
Tem livro de historinha, mas tá guardado ali, (apontando para o armário). A gente não
pega não. Só se tia deixasse n'era? (Verônica)

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