1 Uma antologia de seleções do magistério do Papa Francisco

Transcrição

1 Uma antologia de seleções do magistério do Papa Francisco
Uma antologia de seleções do magistério do Papa Francisco
sobre a vocação para o ministério sacerdotal (2013-14)
Data
19 de março de 2013
28 de Março
21 de Abril
21 de Abril
8 de Maio
6 de Junho
7 de Junho
21de Junho
23 de Junho
30 de Junho
6 de Julho
7 de Julho
7 de Julho
27 de Julho
27 de Julho
28 de Julho
28 de Julho
4 de Agosto
28 de Agosto
8 de setembro
14 de setembro
18 de setembro
19 de setembro
22 de setembro
22 de setembro
4 de Outubro
4 de Outubro
4 de Outubro
16 de Outubro
20 de Novembro
21 de Novembro
23 de Novembro
24 de Novembro
2 de Dezembro
21 de Dezembro
Ocasião
Audiência
Homilia Solenidade de São José
Início do Ministério Petrino
Homilia
Santa Missa Crismal
Homilia
Ordenações Presbiteriais
Regina Coeli
Discurso às Rel. Partecip. Na Asem. Plen. União Int. Das Super.-Gerais
Discurso à Comunidade Pontifìcia
Academia Eclesiástica
Respostas às Perguntas dos Representa ntes das Escolas dos Jesuítas ...
Encontro com os Núncios Apostólicos
Angelus
Angelus
Encontro com os Seminaristas,
os Noviços e as Noviças ...
Homilia Santa Missa com os Sminaris- tas, Noviços, Noviças ...
Angelus
Rio de Janiero Homilia Santa Missa Sacerdotes, Religiosos e Semin.
Rio de Janiero
Rio de Janiero Angelus
Encuentro com os voluntários
Da XXVIII JMJ
Angelus
Saudação aos Jovens Peregrinos da
Diocese de Piacenza-Bobbio
Angelus
Carta ... na Beatificação de Padre José Gabriel Brochero
Audiência Geral
Novos Prelados
Visita Pastoral a Cagliari
Visita Pastoral a Assis
Encontro
Visita Pastoral a Assis
Oração
Visita Pastoral a Assis Encontro com
Audiência Geral
Audiência Geral
Celebração das Véspras com a Comun
Rito de Admissão ao Catecumenato
Exortação Apostólica
Ad limina Apostolorum
Encontro com os Cardeais e colaborad
26 de Janeiro de
30 de Janeiro
2 de Fevereiro
2 de Fevereiro
7 de Fevereiro
13 de Fevereiro
14 de Fevereiro
22 de Fevereiro
23 de Fevereiro
Angelus
Ad limina Apostolorum
Angelus
Homilia
XVIII Dia Mundial
Aos Bispos Polacos em Visita “Ad
Aos Bispos da Bulgária
Aos Prelados da Conferencia Episcop.
Homilia Consistorio Ordinario Publico
Homilia Santa Missa com os Novos
Encontro com o Jovens
Com o Clero, os Consacrados...
Silenciosa diante do Crucifixo de ...
Os Jovens da Região da Úmbria
idade das Monjas Beneditinas ...
na Conclusão do Ano da Fé
Evangelii Gaudium
Países Baixos
Ores da Cúria Romana
Áustria
La Vida Consagrada
Da vida consagrada
Limina Apostolorum”
De Republica Checa
Para a Criação de Novos Cardeais
Cardeais
1
23 de Fevereiro
26 de Fevereiro
27 de Fevereiro
3 de Março
6 de Março
17 de Março
19 de Março
24 de Março
26 de Março
28 de Março
31 de Março
3 de Abril
7 de Abril
10 de Abril
14 de Abril
17 de Abril
19 de Abril
25 de Abril
27 de Abril
3 de Maio
5 de Maio
9 de Maio
10 de Maio
11 de Maio
11 de Maio
11 de Maio
12 de Maio
19 de Maio
19 de Maio
24-26 de Maio
26 de Maio
26 de Maio
30 de Maio
1 de Junho
2 de Junho
16 de Junho
21 de Junho
22 de Junho
28 de Junho
Angelus
Audiênca Geral
Na Reunião da Congregação para os
Aos Prelados da Conferencia Episcop.
Aos Pàrocos da Diocese de Roma
Ad limina Apostolorum
Audiênca Geral
Ad limina Apostolorum
Audiênca Geral
Ad limina Apostolorum
Participantes no Capítulo Geral da
Ad limina Apostolorum
Ad limina Apostolorum
À la Comunidade da Pontifícia
Aos Seminaristas e sacerdotes do
Homilia Santa Misa Crismal
Homilia Pascal na Noite Santa
Homilia Santa Missa e Canonização
Ad limina Apostolorum
Ad limina Apostolorum
Ad limina Apostolorum
Encontro Promovido pela Conferência
Mensagem para o 51° Dia mundial de
Homilia Dia mundial de Oração pelas
Regina Coeli
Diálogo com os Alunos dos Pontifícos
Ad limina Apostolorum
Discurso na Inauguração da 66ª
Jerusalém Encontro com Sacerdotes
Homilia; Sala do Cenáculo
Entrevista
Homilia: Ordenação Episcopal
Regina Coeli
Ad limina Apostolorum
Aos Participantes do Congresso
Visita a Casano allo Jonio (Calabria)
Regina Coeli
Aos Jovens da Diocese de Roma
Bispos
Da Espanha
Timor Leste
Guiné
Madagascar
Sociedade Salesiana de S. J. Bosco
Ruanda
Tanzânia
Universidade Gregoriana
Pont. Collégio Leonino de Anagni
Dos Beatos João XXIII e João Paulo II
Sri Lanka
Burundi
Etiópia e Eritreia
Italiana dos Institutos Seculares
Oração pelas Vocações
Vocações
Colégios e Internatos de Roma
México
Assem. Geral de Conf. Ep. Italiana
Religiosos Religiosas Seminaristas
Jerusalém
Zimbabue
Pastoral da Diocese de Roma
Encontro com os Sacerdotes Dioc.
Corpus Domini
em busca vocacional
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SANTA MISSA
IMPOSIÇÃO DO PÁLIO
E ENTREGA DO ANEL DO PESCADOR
PARA O INÍCIO DO MINISTÉRIO PETRINO
DO BISPO DE ROMA
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Praça de São Pedro
Terça-feira, 19 de março de 2013
Solenidade de São José
[Vídeo]
Galeria fotográfica
Queridos irmãos e irmãs!
Agradeço ao Senhor por poder celebrar esta Santa Missa de início do ministério petrino na
solenidade de São José, esposo da Virgem Maria e patrono da Igreja universal: é uma coincidência
densa de significado e é também o onomástico do meu venerado Predecessor: acompanhamo-lo
com a oração, cheia de estima e gratidão.
Saúdo, com afecto, os Irmãos Cardeais e Bispos, os sacerdotes, os diáconos, os religiosos e as
religiosas e todos os fiéis leigos. Agradeço, pela sua presença, aos Representantes das outras Igrejas
e Comunidades eclesiais, bem como aos representantes da comunidade judaica e de outras
comunidades religiosas. Dirijo a minha cordial saudação aos Chefes de Estado e de Governo, às
Delegações oficiais de tantos países do mundo e ao Corpo Diplomático.
Ouvimos ler, no Evangelho, que «José fez como lhe ordenou o anjo do Senhor e recebeu sua
esposa» (Mt 1, 24). Nestas palavras, encerra-se já a missão que Deus confia a José: ser custos,
guardião. Guardião de quem? De Maria e de Jesus, mas é uma guarda que depois se alarga à Igreja,
como sublinhou o Beato João Paulo II: «São José, assim como cuidou com amor de Maria e se
dedicou com empenho jubiloso à educação de Jesus Cristo, assim também guarda e protege o seu
Corpo místico, a Igreja, da qual a Virgem Santíssima é figura e modelo» (Exort. ap. Redemptoris
Custos, 1).
Como realiza José esta guarda? Com discrição, com humildade, no silêncio, mas com uma presença
constante e uma fidelidade total, mesmo quando não consegue entender. Desde o casamento com
Maria até ao episódio de Jesus, aos doze anos, no templo de Jerusalém, acompanha com solicitude e
amor cada momento. Permanece ao lado de Maria, sua esposa, tanto nos momentos serenos como
nos momentos difíceis da vida, na ida a Belém para o recenseamento e nas horas ansiosas e felizes
do parto; no momento dramático da fuga para o Egipto e na busca preocupada do filho no templo; e
depois na vida quotidiana da casa de Nazaré, na carpintaria onde ensinou o ofício a Jesus.
Como vive José a sua vocação de guardião de Maria, de Jesus, da Igreja? Numa constante
atenção a Deus, aberto aos seus sinais, disponível mais ao projecto d’Ele que ao seu. E isto
mesmo é o que Deus pede a David, como ouvimos na primeira Leitura: Deus não deseja uma
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casa construída pelo homem, mas quer a fidelidade à sua Palavra, ao seu desígnio; e é o
próprio Deus que constrói a casa, mas de pedras vivas marcadas pelo seu Espírito. E José é
«guardião», porque sabe ouvir a Deus, deixa-se guiar pela sua vontade e, por isso mesmo, se
mostra ainda mais sensível com as pessoas que lhe estão confiadas, sabe ler com realismo os
acontecimentos, está atento àquilo que o rodeia, e toma as decisões mais sensatas. Nele,
queridos amigos, vemos como se responde à vocação de Deus: com disponibilidade e
prontidão; mas vemos também qual é o centro da vocação cristã: Cristo. Guardemos Cristo
na nossa vida, para guardar os outros, para guardar a criação!
Entretanto a vocação de guardião não diz respeito apenas a nós, cristãos, mas tem uma
dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a
criação inteira, a beleza da criação, como se diz no livro de Génesis e nos mostrou São
Francisco de Assis: é ter respeito por toda a criatura de Deus e pelo ambiente onde vivemos. É
guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das
crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do
nosso coração. É cuidar uns dos outros na família: os esposos guardam-se reciprocamente,
depois, como pais, cuidam dos filhos, e, com o passar do tempo, os próprios filhos tornam-se
guardiões dos pais. É viver com sinceridade as amizades, que são um mútuo guardar-se na
intimidade, no respeito e no bem. Fundamentalmente tudo está confiado à guarda do homem,
e é uma responsabilidade que nos diz respeito a todos. Sede guardiões dos dons de Deus!
E quando o homem falha nesta responsabilidade, quando não cuidamos da criação e dos irmãos,
então encontra lugar a destruição e o coração fica ressequido. Infelizmente, em cada época da
história, existem «Herodes» que tramam desígnios de morte, destroem e deturpam o rosto do
homem e da mulher.
Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito económico,
político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos «guardiões» da criação,
do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais
de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo! Mas, para «guardar», devemos
também cuidar de nós mesmos. Lembremo-nos de que o ódio, a inveja, o orgulho sujam a vida;
então guardar quer dizer vigiar sobre os nossos sentimentos, o nosso coração, porque é dele que
saem as boas intenções e as más: aquelas que edificam e as que destroem. Não devemos ter medo
de bondade, ou mesmo de ternura.
A propósito, deixai-me acrescentar mais uma observação: cuidar, guardar requer bondade, requer
ser praticado com ternura. Nos Evangelhos, São José aparece como um homem forte, corajoso,
trabalhador, mas, no seu íntimo, sobressai uma grande ternura, que não é a virtude dos fracos, antes
pelo contrário denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira
abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura!
Hoje, juntamente com a festa de São José, celebramos o início do ministério do novo Bispo de
Roma, Sucessor de Pedro, que inclui também um poder. É certo que Jesus Cristo deu um poder a
Pedro, mas de que poder se trata? À tríplice pergunta de Jesus a Pedro sobre o amor, segue-se o
tríplice convite: apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas. Não esqueçamos jamais
que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, deve entrar sempre
mais naquele serviço que tem o seu vértice luminoso na Cruz; deve olhar para o serviço humilde,
concreto, rico de fé, de São José e, como ele, abrir os braços para guardar todo o Povo de Deus e
acolher, com afecto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos,
os mais pequeninos, aqueles que Mateus descreve no Juízo final sobre a caridade: quem tem fome,
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sede, é estrangeiro, está nu, doente, na prisão (cf. Mt 25, 31-46). Apenas aqueles que servem com
amor capaz de proteger.
Na segunda Leitura, São Paulo fala de Abraão, que acreditou «com uma esperança, para além do
que se podia esperar» (Rm 4, 18). Com uma esperança, para além do que se podia esperar! Também
hoje, perante tantos pedaços de céu cinzento, há necessidade de ver a luz da esperança e de darmos
nós mesmos esperança. Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com um olhar de ternura e
amor, é abrir o horizonte da esperança, é abrir um rasgo de luz no meio de tantas nuvens, é levar o
calor da esperança! E, para o crente, para nós cristãos, como Abraão, como São José, a esperança
que levamos tem o horizonte de Deus que nos foi aberto em Cristo, está fundada sobre a rocha que é
Deus.
Guardar Jesus com Maria, guardar a criação inteira, guardar toda a pessoa, especialmente a mais
pobre, guardarmo-nos a nós mesmos: eis um serviço que o Bispo de Roma está chamado a cumprir,
mas para o qual todos nós estamos chamados, fazendo resplandecer a estrela da esperança:
Guardemos com amor aquilo que Deus nos deu!
Peço a intercessão da Virgem Maria, de São José, de São Pedro e São Paulo, de São Francisco, para
que o Espírito Santo acompanhe o meu ministério, e, a todos vós, digo: rezai por mim! Amen.
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SANTA MISSA CRISMAL
HOMILIA DO SANTO PADRE FRANCISCO
Basílica Vaticana
Quinta-feira Santa, 28 de Março de 2013
Vídeo
Galeria fotográfica
Amados irmãos e irmãs
Com alegria, celebro pela primeira vez a Missa Crismal como Bispo de Roma. Saúdo com
afecto a todos vós, especialmente aos amados sacerdotes que hoje recordam, como eu, o dia da
Ordenação.
As Leituras e o Salmo falam-nos dos «Ungidos»: o Servo de Javé referido por Isaías, o rei
David e Jesus nosso Senhor. Nos três, aparece um dado comum: a unção recebida destina-se ao
povo fiel de Deus, de quem são servidores; a sua unção «é para» os pobres, os presos, os
oprimidos… Encontramos uma imagem muito bela de que o santo crisma «é para» no Salmo
133: «É como óleo perfumado derramado sobre a cabeça, a escorrer pela barba, a barba de
Aarão, a escorrer até à orla das suas vestes» (v. 2). Este óleo derramado, que escorre pela barba
de Aarão até à orla das suas vestes, é imagem da unção sacerdotal, que, por intermédio do
Ungido, chega até aos confins do universo representado nas vestes.
As vestes sagradas do Sumo Sacerdote são ricas de simbolismos; um deles é o dos nomes dos
filhos de Israel gravados nas pedras de ónix que adornavam as ombreiras do efod, do qual
provém a nossa casula actual: seis sobre a pedra do ombro direito e seis na do ombro esquerdo
(cf. Ex 28, 6-14). Também no peitoral estavam gravados os nomes das doze tribos de Israel (cf.
Ex 28, 21). Isto significa que o sacerdote celebra levando sobre os ombros o povo que lhe está
confiado e tendo os seus nomes gravados no coração. Quando envergamos a nossa casula
humilde pode fazer-nos bem sentir sobre os ombros e no coração o peso e o rosto do nosso povo
fiel, dos nossos santos e dos nossos mártires, que são tantos neste tempo.
Depois da beleza de tudo o que é litúrgico – que não se reduz ao adorno e bom gosto dos
paramentos, mas é presença da glória do nosso Deus que resplandece no seu povo vivo e
consolado –, fixemos agora o olhar na acção. O óleo precioso, que unge a cabeça de Aarão, não
se limita a perfumá-lo a ele, mas espalha-se e atinge «as periferias». O Senhor dirá claramente
que a sua unção é para os pobres, os presos, os doentes e quantos estão tristes e abandonados. A
unção, amados irmãos, não é para nos perfumar a nós mesmos, e menos ainda para que a
conservemos num frasco, pois o óleo tornar-se-ia rançoso... e o coração amargo.
O bom sacerdote reconhece-se pelo modo como é ungido o seu povo; temos aqui uma prova
clara. Nota-se quando o nosso povo é ungido com óleo da alegria; por exemplo, quando sai da
Missa com o rosto de quem recebeu uma boa notícia. O nosso povo gosta do Evangelho quando
é pregado com unção, quando o Evangelho que pregamos chega ao seu dia a dia, quando escorre
como o óleo de Aarão até às bordas da realidade, quando ilumina as situações extremas, «as
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periferias» onde o povo fiel está mais exposto à invasão daqueles que querem saquear a sua fé.
As pessoas agradecem-nos porque sentem que rezámos a partir das realidades da sua vida de
todos os dias, as suas penas e alegrias, as suas angústias e esperanças. E, quando sentem que,
através de nós, lhes chega o perfume do Ungido, de Cristo, animam-se a confiar-nos tudo o que
elas querem que chegue ao Senhor: «Reze por mim, padre, porque tenho este problema»,
«abençoe-me, padre», «reze para mim»… Estas confidências são o sinal de que a unção chegou
à orla do manto, porque é transformada em súplica – súplica do Povo de Deus. Quando estamos
nesta relação com Deus e com o seu Povo e a graça passa através de nós, então somos
sacerdotes, mediadores entre Deus e os homens. O que pretendo sublinhar é que devemos
reavivar sempre a graça, para intuirmos, em cada pedido – por vezes inoportuno, puramente
material ou mesmo banal (mas só aparentemente!) –, o desejo que tem o nosso povo de ser
ungido com o óleo perfumado, porque sabe que nós o possuímos. Intuir e sentir, como o Senhor
sentiu a angústia permeada de esperança da hemorroíssa quando ela Lhe tocou a fímbria do
manto. Este instante de Jesus, no meio das pessoas que O rodeavam por todos os lados, encarna
toda a beleza de Aarão revestido sacerdotalmente e com o óleo que escorre pelas suas vestes. É
uma beleza escondida, que brilha apenas para aqueles olhos cheios de fé da mulher atormentada
com as perdas de sangue. Os próprios discípulos – futuros sacerdotes – não conseguem ver, não
compreendem: na «periferia existencial», vêem apenas a superficialidade duma multidão que
aperta Jesus de todos os lados quase O sufocando (cf. Lc 8, 42). Ao contrário, o Senhor sente a
força da unção divina que chega às bordas do seu manto.
É preciso chegar a experimentar assim a nossa unção, com o seu poder e a sua eficácia
redentora: nas «periferias» onde não falta sofrimento, há sangue derramado, há cegueira que
quer ver, há prisioneiros de tantos patrões maus. Não é, concretamente, nas auto-experiências ou
nas reiteradas introspecções que encontramos o Senhor: os cursos de auto-ajuda na vida podem
ser úteis, mas viver a nossa vida sacerdotal passando de um curso ao outro, de método em
método leva a tornar-se pelagianos, faz-nos minimizar o poder da graça, que se activa e cresce
na medida em que, com fé, saímos para nos dar a nós mesmos oferecendo o Evangelho aos
outros, para dar a pouca unção que temos àqueles que não têm nada de nada.
O sacerdote, que sai pouco de si mesmo, que unge pouco – não digo «nada», porque, graças a
Deus, o povo nos rouba a unção –, perde o melhor do nosso povo, aquilo que é capaz de activar
a parte mais profunda do seu coração presbiteral. Quem não sai de si mesmo, em vez de ser
mediador, torna-se pouco a pouco um intermediário, um gestor. A diferença é bem conhecida de
todos: o intermediário e o gestor «já receberam a sua recompensa». É que, não colocando em
jogo a pele e o próprio coração, não recebem aquele agradecimento carinhoso que nasce do
coração; e daqui deriva precisamente a insatisfação de alguns, que acabam por viver tristes,
padres tristes, e transformados numa espécie de coleccionadores de antiguidades ou então de
novidades, em vez de serem pastores com o «cheiro das ovelhas» – isto vo-lo peço: sede
pastores com o «cheiro das ovelhas», que se sinta este –, serem pastores no meio do seu
rebanho, e pescadores de homens. É verdade que a chamada crise de identidade sacerdotal nos
ameaça a todos e vem juntar-se a uma crise de civilização; mas, se soubermos quebrar a sua
onda, poderemos fazer-nos ao largo no nome do Senhor e lançar as redes. É um bem que a
própria realidade nos faça ir para onde, aquilo que somos por graça, apareça claramente como
pura graça, ou seja, para este mar que é o mundo actual onde vale só a unção – não a função – e
se revelam fecundas unicamente as redes lançadas no nome d’Aquele em quem pusemos a nossa
confiança: Jesus.
Amados fiéis, permanecei unidos aos vossos sacerdotes com o afecto e a oração, para que
sejam sempre Pastores segundo o coração de Deus.
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Amados sacerdotes, Deus Pai renove em nós o Espírito de Santidade com que fomos
ungidos, o renove no nosso coração de tal modo que a unção chegue a todos, mesmo nas
«periferias» onde o nosso povo fiel mais a aguarda e aprecia. Que o nosso povo sinta que
somos discípulos do Senhor, sinta que estamos revestidos com os seus nomes e não
procuramos outra identidade; e que ele possa receber, através das nossas palavras e obras,
este óleo da alegria que nos veio trazer Jesus, o Ungido. Amen.
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ORDENAÇÕES PRESBITERIAIS
HOMILIA DO SANTO PADRE FRANCISCO
Basílica Vaticana
IV Domingo de Páscoa, 21 de Abril de 2013
Vídeo
Galeria fotográfica
[O Pontífice pronunciou a homilia ritual prevista na edição italiana do Pontificale Romano para a
ordenação dos presbíteros, a qual o Papa integrou com alguns acréscimos pessoais]
Irmãos e irmãs caríssimos,
Estes nossos irmãos e filhos foram chamados à Ordem dos presbíteros. Ponderemos com
atenção o ministério a que são elevados na Igreja. Como bem sabeis, o Senhor Jesus é o único
Sumo Sacerdote do Novo Testamento, mas, n’Ele, todo o povo santo de Deus foi constituído
também povo sacerdotal. Entretanto o Senhor Jesus, de entre todos os seus discípulos, quer
escolher alguns em particular para que, exercendo publicamente na Igreja, em seu nome, o
múnus sacerdotal a favor de todos os homens, continuem a sua missão pessoal de Mestre,
Sacerdote e Pastor.
Para isto, de facto, fora Jesus enviado pelo Pai, tendo Ele por sua vez enviado igualmente ao
mundo primeiro os Apóstolos e depois os Bispos e seus sucessores, aos quais por fim foram
dados como colaboradores os presbíteros, que, unidos a eles no ministério sacerdotal, são
chamados a servir o Povo de Deus.
Depois de madura reflexão e oração, estamos para elevar à Ordem dos presbíteros estes
nossos irmãos, para que, ao serviço de Cristo, Mestre, Sacerdote e Pastor, cooperem na
edificação do Corpo de Cristo, que é a Igreja, como Povo de Deus e Templo sagrado do
Espírito Santo.
Na verdade, vão ser configurados com Cristo Sumo e Eterno Sacerdote, isto é, consagrados
como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento e, por este título que os associa ao seu Bispo
no sacerdócio, serão anunciadores do Evangelho, pastores do Povo de Deus e presidirão aos
actos de culto, especialmente à celebração do Sacrifício do Senhor.
E vós, irmãos e filhos dilectíssimos, prestes a ser promovidos à Ordem dos presbíteros, considerai
que, ao exercerdes o ministério de ensinar a Doutrina sagrada, participais da missão do único
Mestre, Cristo. Distribuí a todos a Palavra de Deus que vós mesmos recebestes com alegria.
Lembrai-vos das vossas mães, das vossas avós, dos vossos catequistas que vos deram a Palavra de
Deus, a fé.... o dom da fé! Transmitiram-vos este dom da fé. Lede e meditai assiduamente a Palavra
do Senhor, para poderdes crer o que ledes, ensinar o que credes e viver o que ensinais. Lembrai-vos
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também de que a Palavra de Deus não é de vossa propriedade: é Palavra de Deus. E a Igreja é a
guardiã da Palavra de Deus.
Sirva, portanto, de alimento para o povo de Deus o vosso ensino, seja motivo de alegria e apoio
para os fiéis de Cristo o bom odor da vossa vida, a fim de edificardes, pela palavra e pelo exemplo,
a casa de Deus, que é a Igreja. Vós ides continuar a obra santificadora de Cristo; pelo vosso
ministério, realiza-se plenamente o sacrifício espiritual dos fiéis, unido ao sacrifício de Cristo, que,
através de vossas mãos, em nome de toda a Igreja, é oferecido de forma incruenta sobre o altar na
celebração dos Santos Mistérios.
Tomai, pois, consciência do que fazeis, imitai o que celebrais, para que, participando no mistério da
morte e da ressurreição do Senhor, vos esforceis por fazer morrer em vós todo o mal e por caminhar
com Ele na vida nova.
Pelo Baptismo, fareis entrar novos fiéis no Povo de Deus. Através do sacramento da Penitência,
perdoareis os pecados em nome de Cristo e da Igreja. E hoje, em nome de Cristo e da Igreja, eu vos
peço: por favor, não vos canseis de ser misericordiosos. Com os santos óleos, dareis alívio aos
enfermos e também aos idosos: não vos envergonheis de tratar com ternura os idosos. Ao celebrar
os ritos sagrados e elevar ao Céu, nas diversas horas do dia, a oração de louvor e de súplica, tornarvos-eis voz do Povo de Deus e da humanidade inteira.
Conscientes de ter sido assumidos de entre os homens e postos ao seu serviço nas coisas de Deus,
cumpri, com alegria e caridade sincera, a obra sacerdotal de Cristo, procurando unicamente agradar
a Deus e não a vós mesmos. Sede pastores, e não funcionários; sede mediadores, e não
intermediários.
Finalmente, ao participar na missão de Cristo, Cabeça e Pastor, em comunhão filial com o vosso
bispo, procurai congregar os fiéis numa só família, para os conduzir a Deus Pai, por Cristo, no
Espírito Santo. Trazei sempre diante dos olhos o exemplo do Bom Pastor, que veio, não para ser
servido, mas para servir, para buscar e salvar o que estava perdido.
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PAPA FRANCISCO
REGINA COELI
Praça de São Pedro
IV Domingo de Páscoa, 21 de Abril de 2013
Vídeo
Prezados irmãos e irmãs
Bom dia!
O quarto Domingo do Tempo de Páscoa é caracterizado pelo Evangelho do Bom Pastor — no
capítulo 10 de São João — que se lê todos os anos. O trecho de hoje cita estas palavras de Jesus:
«As minhas ovelhas ouvem a minha voz, Eu conheço-as e elas seguem-me. Eu dou-lhes a vida
eterna; elas jamais perecerão, e ninguém as arrebatará das minhas mãos. O meu Pai, que mas deu, é
maior do que todos; e ninguém as pode arrebatar das mãos do meu Pai. Eu e o Pai somos um só»
(10, 27-30). Estes quatro versículos contêm toda a mensagem de Jesus, o núcleo central do seu
Evangelho: Ele chama-nos a participar na sua relação com o Pai, e esta é a vida eterna.
Jesus quer estabelecer com os seus amigos uma relação que seja o reflexo da relação que Ele
mesmo tem com o Pai: uma relação de pertença recíproca na confiança plena e na comunhão
íntima. Para manifestar este entendimento profundo, esta relação de amizade, Jesus utiliza a
imagem do pastor com as suas ovelhas: Ele chama-as e elas reconhecem a sua voz, respondem
ao seu apelo e seguem-no. Esta parábola é muito bonita! O mistério da voz é sugestivo:
pensemos que desde o ventre da nossa mãe nós aprendemos a reconhecer a sua voz e a voz do
nosso pai; do tom de uma voz sentimos o amor ou o desprezo, o carinho ou a insensibilidade.
A voz de Jesus é única! Se aprendemos a distingui-la, Ele guia-nos pelo caminho da vida, uma
senda que ultrapassa até o abismo da morte.
Mas numa certa altura, referindo-se às suas ovelhas, Jesus disse: «O meu Pai, que mas deu...»
(Jo 10, 29). Isto é muito importante, é um mistério profundo, não fácil de compreender: se me
sinto atraído por Jesus, se a sua voz aquece o meu coração, é graças a Deus Pai, que incutiu
em nós o desejo do amor, da verdade, da vida e da beleza... e Jesus é tudo isto em plenitude!
Isto ajuda-nos a compreender o mistério da vocação, especialmente das chamadas a uma
consagração especial. Às vezes Jesus chama-nos, convida-nos a segui-lo, mas talvez não nos
damos conta que é Ele, precisamente como aconteceu com o jovem Samuel. Hoje há muitos
jovens, aqui na praça. Vós sois numerosos, não? Vê-se... Eis! Jovens, sois muito numerosos
hoje aqui na praça. Gostaria de vos perguntar: ouvistes alguma vez a voz do Senhor que,
através de um desejo, de uma inquietação, vos convidava a segui-lo mais de perto? Ouvistelo? Não ouço. Eis... Tivestes o desejo de ser apóstolos de Jesus? É preciso pôr a juventude em
jogo pelos grandes ideais. Vós pensais nisto? Concordais? Pergunta a Jesus o que Ele quer de
ti e sê corajoso, sê corajosa! Pergunta-lhe! Atrás e antes de cada vocação para o sacerdócio ou
para a vida consagrada há sempre a oração forte e intensa de alguém: de uma avó, de um avô,
de uma mãe, de um pai ou de uma comunidade... Eis por que Jesus disse: «Pedi, pois, ao
Senhor da messe — ou seja, a Deus Pai — que envie operários para a sua messe!» (Mt 9, 38).
As vocações nascem na oração e da oração; e só na oração podem perseverar e dar fruto.
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Apraz-me ressaltá-lo hoje, que é o «Dia mundial de oração pelas vocações». Oremos em
particular pelos novos Sacerdotes da Diocese de Roma, que eu tive a alegria de ordenar hoje
de manhã. E invoquemos a intercessão de Maria. Hoje havia dez jovens que disseram «sim» a
Jesus, e hoje de manhã foram ordenados presbíteros... Isto é bonito! Invoquemos a intercessão
de Maria, que é a Mulher do «sim». Maria disse «sim» durante toda a sua vida! Ela aprendeu
a reconhecer a voz de Jesus, desde quando o trazia no ventre. Maria, nossa Mãe, nos ajude a
reconhecer cada vez melhor a voz de Jesus e a segui-la, para caminhar pela vereda da vida.
Obrigado!
Muito obrigado pela saudação, mas saudai também Jesus. Gritai com força: «Jesus»... Oremos todos
juntos a Nossa Senhora.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
ÀS RELIGIOSAS PARTECIPANTES NA ASSEMBLEIA PLENÁRIA
DA UNIÃO INTERNACIONAL DAS SUPERIORAS-GERAIS
Sala Paulo VI
Quarta-feira, 8 de Maio de 2013
Senhor Cardeal
Venerado e querido Irmão no Episcopado
queridas irmãs!
Estou feliz por me encontrar convosco hoje e desejo saudar cada uma, agradecendo-vos quanto
fazeis para que a vida consagrada seja sempre uma luz no caminho da Igreja. Queridas irmãs, antes
de tudo, agradeço ao querido Irmão Cardeal João Braz de Aviz as palavras que me dirigiu; estou
feliz também pela presença do Secretário da Congregação. O tema do vosso Congresso parece-me
particularmente importante para a tarefa que vos foi confiada: «O serviço da autoridade segundo o
Evangelho». À luz desta expressão gostaria de vos propor três pensamentos simples, que deixo ao
vosso aprofundamento pessoal e comunitário.
Na Última Ceia, Jesus dirige-se aos Apóstolos com estas palavras: «Não fostes vós que me
escolhestes, fui Eu que vos escolhi» (Jo 15, 16), que recordam a todos, não só a nós sacerdotes,
que a vocação é sempre uma iniciativa de Deus. Foi Cristo quem vos chamou a segui-lo na
vida consagrada e isto significa cumprir continuamente um «êxodo» de vós mesmas para
centrar a vossa existência em Cristo e no seu Evangelho, na vontade de Deus, despojando-vos
dos vossos projectos, para poder dizer com são Paulo: «Já não sou eu que vivo, é Cristo que
vive em mim» (Gl 2, 20). Este «êxodo» de nós mesmos é pôr-nos num caminho de adoração e
serviço. Um êxodo que nos leva por um caminho de adoração ao Senhor e de serviço a Ele nos
irmãos e nas irmãs. Adorar e servir: duas atitudes que não se podem separar, mas devem
caminhar sempre juntas. Adorar o Senhor e servir os outros, nada conservando para si
mesmo: este é o «despojamento» de quem exerce a autoridade. Vivei e evocai sempre a
centralidade de Cristo, a identidade evangélica da vida consagrada. Ajudai as vossas
comunidades a viver o «êxodo» de si num caminho de adoração e serviço, antes de tudo
através dos três fundamentos da vossa existência.
A obediência como escuta da vontade de Deus, na inspiração interior do Espírito Santo autenticada
pela Igreja, aceitando que a obediência passa através das mediações humanas. Recordai que a
relação autoridade-obediência se insere no contexto mais amplo do mistério da Igreja e constitui
uma actuação particular da sua função mediadora (cf. Congregação para os Institutos de vida
consagrada e as Sociedades de vida apostólica, O serviço da autoridade e a obediência, 12).
A pobreza como superação de todos os egoísmos, na lógica do Evangelho que ensina a confiar na
Providência de Deus. Pobreza como indicação a toda a Igreja de que não somos nós que
construímos o Reino de Deus, não são os meios humanos que o fazem crescer, mas é
essencialmente o poder, a graça do Senhor que age através da nossa debilidade. «Basta-te a minha
graça, porque é na fraqueza que a minha força se revela totalmente», afirma o Apóstolo das nações
(2 Cor 12, 9). Pobreza que ensina a solidariedade, a partilha e a caridade, e que se exprime também
numa sobriedade e alegria pelo essencial, para vigiar contra os ídolos materiais que ofuscam o
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sentido autêntico da vida. Pobreza que se aprende com os humildes, os pobres, os doentes e quantos
vivem nas periferias existenciais da vida. A pobreza teórica não nos é útil. Aprendemos a pobreza
se tocarmos a carne de Cristo pobre nos humildes, pobres e doentes e nas crianças.
A castidade como carisma precioso, que amplia a liberdade do dom a Deus e aos outros, com a
ternura, a misericórdia e a proximidade de Cristo. A castidade pelo Reino dos Céus mostra como a
afectividade tem o seu lugar na liberdade madura e se torna um sinal do mundo futuro, para fazer
resplandecer sempre a primazia de Deus. Mas, por favor, uma castidade «fecunda», que gera filhos
espirituais na Igreja. A consagrada é mãe, deve ser mãe e não «solteirona»! Desculpai-me se falo
deste modo, mas esta maternidade da vida consagrada, esta fecundidade, é importante! Esta alegria
da fecundidade espiritual anime a vossa existência; sede mães, como figura de Maria Mãe e da
Igreja Mãe. Não se pode compreender Maria sem a sua maternidade, não se pode entender a Igreja
sem a sua maternidade e vós sois ícones de Maria e da Igreja.
Um segundo elemento que gostaria de realçar no exercício da autoridade é o serviço: nunca nos
devemos esquecer que o poder verdadeiro, a qualquer nível, é o serviço, que tem o seu ápice
luminoso na Cruz. Bento XVI, com grande sabedoria, recordou muitas vezes à Igreja que se para o
homem, com frequência, autoridade é sinónimo de posse, de domínio, de sucesso, para Deus
autoridade é sempre sinónimo de serviço, de humildade e de amor; significa entrar na lógica de
Jesus que se inclina para lavar os pés aos Apóstolos (cf. Angelus, 29 de Janeiro de 2012), e diz aos
seus discípulos: «Sabeis que os chefes das nações as governam como seus senhores... Não seja
assim entre vós — é este precisamente o lema da vossa assembleia. Entre vós não será assim —
quem quiser fazer-se grande entre vós, seja vosso servo» (Mt 20, 25-27). Pensemos no dano que
causam ao Povo de Deus os homens e as mulheres de Igreja que são carreiristas ou arrivistas, que
«usam» o povo, a Igreja, os irmãos e as irmãs — aqueles a quem deveriam servir — como
trampolim para os interesses e as ambições pessoais. Eles causam um dano grande à Igreja.
Sabei exercer sempre a autoridade acompanhando, compreendendo, ajudando e amando; abraçando
todos e todas, especialmente as pessoas que se sentem sozinhas, excluídas, áridas, as periferias
existenciais do coração humano. Conservemos o olhar fixo na Cruz: ali está toda a autoridade da
Igreja, onde Aquele que é o Senhor se faz servo até ao dom total de si.
Enfim, a eclesialidade como uma das dimensões constitutivas da vida consagrada, dimensão que
deve ser constantemente retomada e aprofundada. A vossa vocação é um carisma fundamental para
o caminho da Igreja, e não é possível que uma consagrada e um consagrado não «sintam» com a
Igreja. Um «sentir» com a Igreja, que nos gerou no Baptismo; um «sentir» com a Igreja que
encontra uma sua expressão filial na fidelidade ao Magistério, na comunhão com os Pastores e com
o Sucessor de Pedro, Bispo de Roma, sinal visível da unidade. O anúncio e o testemunho do
Evangelho, para cada cristão, nunca são um acto isolado. Isto é importante, o anúncio e o
testemunho do Evangelho para cada cristão nunca são um acto isolado ou de grupo, e nenhum
evangelizador age, como recorda muito bem Paulo VI, «sob uma inspiração pessoal, mas em união
com a missão da Igreja e em nome dela» (cf. Exort. ap. Evangelii nuntiandi, 80). E continuava
Paulo vi: é uma dicotomia absurda pensar em viver com Jesus e sem a Igreja, em seguir Jesus fora
da Igreja, em amar Jesus sem amar a Igreja (cf. ibid., 16). Senti vós a responsabilidade que tendes
de cuidar da formação dos vossos Institutos na doutrina sadia da Igreja, no amor à Igreja e no
espírito eclesial.
Enfim, centralidade de Cristo e do seu Evangelho, autoridade como serviço de amor, «sentir» em e
com a Mãe Igreja: três indicações que desejo deixar-vos, às quais uno mais uma vez a minha
gratidão pela vossa obra nem sempre fácil. O que seria a Igreja sem vós? Faltar-lhe-iam
maternidade, afecto e ternura, intuição de mãe!
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Queridas irmãs, estai certas de que vos acompanho com afecto. Rezo por vós, mas rezai também
vós por mim. Saudai as vossas comunidades em meu nome, sobretudo as irmãs doentes e as jovens.
A todas chegue o meu encorajamento a seguir a parresia e com alegria o Evangelho de Cristo. Sede
alegres, porque é bonito seguir Cristo, tornar-se ícone vivo de Nossa Senhora e da nossa Santa Mãe
Igreja hierárquica. Obrigado!
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
À COMUNIDADE DA PONTIFÍCIA ACADEMIA ECLESIÁSTICA
Sala Clementina
Quinta-feira, 6 de Junho de 2013
Prezado irmão no episcopado
Caros sacerdotes
Estimadas religiosas
Amigos!
Dirijo a todos as mais cordiais boas-vindas! Saúdo cordialmente o vosso Presidente, D. Beniamino
Stella, e agradeço-lhe as amáveis palavras que me dirigiu em vosso nome, recordando as agradáveis
visitas que no passado tive a ocasião de realizar à vossa Casa. Recordo também a cordial insistência
com que D. Stella me convenceu, já há dois anos, a enviar à Academia um presbítero da
arquidiocese de Buenos Aires! D. Stella sabe bater às portas! Dirijo um pensamento reconhecido
também aos seus colaboradores, às religiosas e aos empregados, que oferecem o seu serviço
generoso no âmbito da vossa comunidade.
Dilectos amigos, estais a preparar-vos para um ministério de compromisso especial, que vos há-de
inserir no serviço directo do Sucessor de Pedro, do seu carisma de unidade e comunhão, e da sua
solicitude por todas as Igrejas. O trabalho que se presta nas Representações pontifícias é uma tarefa
que exige, como de resto cada tipo de ministério sacerdotal, uma grande liberdade interior! Vivei
estes anos da vossa preparação com empenhamento, generosidade e magnanimidade, a fim de que
esta liberdade possa realmente adquirir forma em vós!
Mas o que significa ter liberdade interior?
Antes de tudo, significa ser livre de programas pessoais, de algumas das modalidades
concretas mediante as quais, talvez um dia tenhais pensado viver o vosso sacerdócio, da
possibilidade de programar o futuro; da perspectiva de permanecer prolongadamente num
«vosso» lugar de actividade pastoral. Significa tornar-se livre, de certo modo, também em
relação à cultura e à mentalidade da qual vindes, não para a esquecer, e muito menos para a
renegar, mas para vos abrirdes, na caridade, à compreensão de culturas diferentes e ao
encontro com homens pertencentes a mundos também muito distantes do vosso. Significa,
principalmente, vigiar para ser livre de ambições ou metas pessoais, que fazem muito mal à
Igreja, tendo o cuidado de pôr sempre em primeiro lugar não a vossa realização, ou o
reconhecimento que poderíeis receber dentro e fora da comunidade eclesial, mas o bem
superior da causa do Evangelho e o cumprimento da missão que vos for confiada. Para mim é
importante o facto de sermos livres de ambições ou metas pessoais! O carreirismo é uma
lepra, uma lepra! Por favor: nada de carreirismo! Por este motivo, deveis estar dispostos a
integrar todas as vossas visões de Igreja, mesmo legítimas, cada ideia ou juízo pessoal, no
horizonte do olhar de Pedro e da sua missão peculiar ao serviço da comunhão e da unidade do
rebanho de Cristo, da sua caridade pastoral, que abarca o mundo inteiro e que, também
graças à obra das Representações pontifícias, quer tornar-se presente sobretudo naqueles
lugares muitas vezes esquecidos onde são maiores as necessidades da Igreja e da humanidade.
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Em síntese, o ministério para o qual vos preparais — porque vos preparais para um ministério, não
para uma profissão, para um ministério! — exige de vós um sair de vós mesmos, um desapego
pessoal que só pode ser alcançado através de um intenso caminho espiritual e de uma séria
unificação da vida ao redor do mistério do amor de Deus e do desígnio imperscrutável da sua
chamada. Na luz da fé, nós podemos viver a liberdade dos nossos desígnios e da nossa vontade, não
como motivo de frustração ou de esvaziamento, mas como abertura ao dom superabundante de
Deus, que torna fecundo o nosso sacerdócio. Viver o ministério ao serviço do Sucessor de Pedro e
das Igrejas para as quais fordes enviados, poderá parecer exigente, mas permitir-vos-á, por assim
dizer, permanecer e respirar no coração da Igreja, da sua catolicidade. E esta constitui uma dádiva
especial porque, como recordava o Papa Bento XVI precisamente à vossa comunidade, «onde há
abertura à objectividade da catolicidade, ali também se encontra o princípio de autêntica
personalização» (Discurso à Pontifícia Academia Eclesiástica, 10 de Junho de 2011).
Tende grande cuidado pela vida espiritual, que constitui a fonte da liberdade interior. Sem oração
não existe liberdade interior. Podereis valorizar os instrumentos preciosos de conformidade com
Cristo, próprios da espiritualidade sacerdotal, cultivando uma vida de oração e fazendo do vosso
trabalho quotidiano a escola da vossa santificação. Apraz-me recordar aqui a figura do Beato João
XXIII, cujo cinquentenário da morte celebrámos há poucos dias: o seu serviço como Representante
pontifício foi um dos âmbitos, e não o menos significativo, em que a sua santidade adquiriu forma.
Voltando a ler os seus escritos, causa impressão o cuidado que ele sempre dedicava à preservação
da sua própria alma, no meio das ocupações mais diversificadas nos campos eclesial e político.
Daqui nasciam a sua liberdade interior, a alegria que transmitia externamente e a própria eficácia da
sua obra pastoral e diplomática. Assim anotava no Giornale dell’Anima, durante os Exercícios
espirituais de 1948, quando era Núncio em Paris: «Quanto mais amadureço em anos e experiências,
tanto mais reconheço que o caminho mais seguro para a minha santificação pessoal e para o melhor
êxito do meu serviço à Santa Sé, permanece o esforço vigilante de reduzir tudo, princípios,
orientações, posições e assuntos ao máximo da simplicidade e da calma; prestando atenção a podar
sempre a minha vinha, daquilo que é unicamente folhagem inútil... e ir directamente àquilo que é
verdade, justiça e caridade, sobretudo caridade. Qualquer outro modo de agir é apenas atitude e
busca de afirmação pessoal, que depressa atraiçoa e se torna embaraçante e ridículo» (Cinisello
Balsamo 2000, pág. 497). Ele queria podar a sua vinha, eliminar a folhagem, podar. E alguns anos
mais tarde, tendo chegado ao termo do seu longo serviço como Representante pontifício, já como
Patriarca de Veneza, assim escrevia: «Agora encontro-me em pleno ministério directo das almas.
Na verdade, sempre julguei que para um eclesiástico a chamada diplomacia deve estar sempre
permeada de espírito pastoral; caso contrário, não tem valor algum e leva ao ridículo uma missão
santa» (Ibid., págs. 513-514). E isto é importante. Escutai bem: quando na Nunciatura há um
Secretário ou um Núncio que não caminha pela senda da santidade e se deixa arrastar pelas
numerosas formas, pelas tantas maneiras de mundanidade espiritual, torna-se ridículo e todos se
riem dele. Por favor, não vos torneis ridículos: ou santos, ou regressai às dioceses para ser párocos;
mas não sejais ridículos na vida diplomática, onde para um sacerdote existem muitos perigos para a
vida espiritual.
Gostaria de dirigir uma palavra também às religiosas — obrigado! — que desempenham com
espírito religioso e franciscano o seu serviço quotidiano no meio de vós. São boas Mães que vos
acompanham com a oração, com as suas palavras simples e essenciais, e sobretudo mediante o
exemplo de fidelidade, de dedicação e de amor. Juntamente com elas, gostaria de agradecer aos
empregados leigos que trabalham na Casa. São presenças escondidas, mas importantes, que vos
permitem viver com serenidade e compromisso o vosso tempo na Academia.
Queridos sacerdotes, desejo-vos que empreendais o vosso serviço à Santa Sé com o mesmo espírito
do Beato João XXIII. Peço-vos que rezeis por mim e confio-vos à salvaguarda da Virgem Maria e
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de Santo António Abade, vosso Padroeiro. Que vos acompanhem a certeza da minha recordação e a
minha bênção, que de coração faço extensiva a todas as pessoas que vos são queridas. Obrigado!
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RESPOSTAS DO SANTO PADRE FRANCISCO
ÀS PERGUNTAS DOS REPRESENTANTES DAS ESCOLAS
DOS JESUÍTAS NA ITÁLIA E NA ALBÂNIA
Aula Paulo VI
Sexta-feira 7 de Junho de 2013
Vídeo
Publicamos em seguida o texto do discurso preparado, que o Pontífice resumiu improvisando, antes de
estabelecer um diálogo com os jovens.
Queridos adolescentes
Prezados jovens
Estou feliz por vos receber com as vossas famílias, os educadores e os amigos da grande
comunidade das Escolas dos jesuítas italianos e da Albânia. Dirijo a todos vós a minha carinhosa
saudação: sede bem-vindos! Com todos vós, sinto-me verdadeiramente «em família». E é motivo de
alegria especial a coincidência deste nosso encontro por ocasião da solenidade do Sagrado Coração
de Jesus.
Gostaria de vos dizer antes de tudo algo que se refere a santo Inácio de Loyola, nosso fundador. No
outono de 1537, vindo para Roma com um grupo dos seus primeiros companheiros, interrogou-se:
se nos perguntarem quem somos, o que responderemos? A resposta veio-lhe espontaneamente:
«Diremos que somos a “Companhia de Jesus”!» (Fontes Narrativi Societatis Iesu, vol. 1, págs. 320322). Um nome importante, que queria indicar uma relação de amizade íntima, de um afecto total
por Jesus, de quem queriam seguir os passos. Por que motivo vos narrei este acontecimento? Porque
santo Inácio e os seus companheiros tinham compreendido que Jesus lhes ensinava como viver
bem, como realizar uma existência que tenha um sentido profundo, que suscite entusiasmo, alegria
e esperança; tinham entendido que Jesus é um grande mestre e modelo de vida, e que não só lhes
ensinava, mas também os convidava a segui-lo por aquele caminho.
Caros jovens, se agora eu vos dirigisse esta pergunta: por que ides para a escola, o que me
responderíeis? Provavelmente haveria muitas respostas, segundo a sensibilidade de cada um. Mas
penso que se poderia resumir tudo, dizendo que a escola é um dos ambientes educativos no qual
crescemos para aprender a viver, para nos tornarmos homens e mulheres adultos e maduros, capazes
de caminhar, de percorrer a vereda da vida. Como vos ajuda a escola a crescer? Ajuda-vos não
apenas no desenvolvimento da vossa inteligência, mas para uma formação integral de todos os
componentes da vossa personalidade.
Seguindo aquilo que nos ensina santo Inácio, na escola o elemento principal consiste em
aprender a ser magnânimo. A magnanimidade: esta virtude dos grandes e dos pequenos (Non
coerceri maximo contineri minimo, divinum est), que nos faz fitar sempre o horizonte! O que
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quer dizer ser magnânimo? Significa ter um coração grande, ter grandeza de espírito, quer
dizer ter grandes ideais, o desejo de realizar maravilhas para responder àquilo que Deus nos
pede e, precisamente por isso, realizar bem as actividades de cada dia, todos os trabalhos
quotidianos, os compromissos, os encontros com as pessoas; cumprir as pequenas tarefas de
cada dia com um coração grande, aberto a Deus e ao próximo. Então, é importante cuidar da
formação humana, destinada à magnanimidade. A escola não amplia apenas a vossa dimensão
intelectual, mas também a humana. E penso que de modo particular as escolas dos Jesuítas
estão atentas a desenvolver as virtudes humanas: a lealdade, o respeito, a fidelidade e o
compromisso. Gostaria de meditar sobre dois valores fundamentais: a liberdade e o serviço.
Em primeiro lugar, sede pessoas livres! O que quero dizer? Talvez pensemos que a liberdade
consiste em fazermos tudo o que queremos; ou então, em aventurar-nos em experiências
extraordinárias, para sentir a inebriação e vencer o tédio. Isto não é liberdade. Liberdade
quer dizer saber ponderar sobre o que fazemos, saber avaliar o que é bem e o que é mal, quais
são os comportamentos que nos fazem crescer, quer dizer escolher sempre o bem. Somos
livres para o bem. E nisto não tenhais medo de ir contra a corrente, embora não seja fácil! Ser
livre para escolher sempre o bem é algo exigente, mas fará de vós pessoas dotadas de espinha
dorsal, que sabem enfrentar a vida, pessoas com coragem e paciência (parresia e ypomoné). A
segunda palavra é serviço. Nas vossas escolas participais em várias actividades que vos
habituam a não vos fechardes em vós mesmos, nem no vosso pequeno mundo, mas a abrir-vos
aos outros, especialmente aos mais pobres e necessitados, a trabalhar para melhorar o mundo
em que vivemos. Sede homens e mulheres com os outros e a favor dos outros, verdadeiros
campeões no serviço ao próximo.
Para ser magnânimo com liberdade interior e espírito de serviço é necessária a formação
espiritual. Queridos adolescentes e jovens, amai cada vez mais Jesus Cristo! A nossa vida é
uma resposta à sua chamada, e vós sereis felizes e construireis bem a vossa vida, se souberdes
responder a esta chamada. Senti a presença do Senhor na vossa vida. Ele está perto de cada
um de vós como companheiro, como amigo, que sabe ajudar-vos e compreender-vos, que vos
encoraja nos momentos difíceis e nunca vos abandona. Na oração, no diálogo com Ele, na
leitura da Bíblia, descobrireis que Ele está verdadeiramente próximo. E aprendei também a
interpretar os sinais de Deus na vossa vida! Ele fala-nos sempre, também através dos
acontecimentos da nossa época e da nossa existência de cada dia; cabe a nós ouvi-lo.
Não quero demorar-me demasiado, mas gostaria de dirigir uma palavra específica inclusive aos
educadores: aos Jesuítas, aos professores, aos responsáveis das vossas escolas e aos vossos pais.
Não desanimeis diante das dificuldades apresentadas pelo desafio educativo! Educar não é uma
profissão, mas uma atitude, um modo de ser; para educar é preciso sair de si mesmo e permanecer
no meio dos jovens, acompanhá-los nas etapas do seu crescimento, pondo-se ao seu lado. Dai-lhes
esperança, optimismo para o seu caminho no mundo. Ensinai-lhes a ver a beleza e a bondade da
criação e do homem, que conserva sempre os vestígios do Criador. Mas sobretudo com a vossa
vida, sede testemunhas daquilo que comunicais. Um educador — Jesuíta, professor, responsável,
pai e mãe — transmite conhecimentos e valores com as suas palavras, mas só será incisivo sobre os
jovens se acompanhar as palavras com o testemunho, com a sua coerência de vida. Sem coerência
não é possível educar! Sois todos educadores, não há delegações neste campo. Então, a colaboração
em espírito de unidade e de comunidade entre os vários componentes educativos é essencial e deve
ser favorecida e alimentada. O colégio pode e deve ser catalisador, ser lugar de encontro e de
convergência de toda a comunidade educadora, com a única finalidade de formar, ajudar a crescer
como pessoas maduras, simples, competentes e honestas, que saibam amar com fidelidade, que
saibam levar a vida como uma resposta à vocação de Deus, e a profissão futura como um serviço à
sociedade. Além disso, gostaria de dizer aos Jesuítas que é importante alimentar o seu compromisso
no campo educativo. As escolas constituem um instrumento inestimável, a fim de dar uma
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contribuição para o caminho da Igreja e da sociedade inteira. De resto, o campo educativo não se
limita à escola convencional. Procurai com coragem novas formas de educação não convencionais,
segundo «as necessidades dos lugares, dos tempos e das pessoas».
Enfim, dirijo uma saudação a todos os ex-alunos presentes, aos representantes das escolas italianas
da Rede de Fé e Alegria, que conheço bem graças ao grande trabalho que leva a cabo na América
do Sul, de modo especial entre as camadas mais pobres. E dirijo uma saudação particular à
delegação do Colégio albanês de Shkodër, que depois dos longos anos de repressão das instituições
religiosas, a partir de 1994 retomou a sua actividade, acolhendo e educando jovens católicos,
ortodoxos, muçulmanos e até alguns alunos nascidos em contextos familiares agnósticos. Assim a
escola torna-se um lugar de diálogo e de confronto tranquilo, para promover atitudes de respeito,
escuta, amizade e espírito de colaboração.
Caros amigos, agradeço-vos a todos este encontro. Confio-vos à intercessão materna de Maria e
acompanho-vos com a minha bênção: o Senhor está sempre próximo de vós, ergue-vos quando caís
e impele-vos a crescer e a realizar escolhas cada vez mais altas, «con grande ánimo y liberalidad»,
com magnanimidade. Ad Maiorem Dei Gloriam!
Queridos alunos, queridos jovens!
Preparei este discurso para vo-lo dizer, mas… são cinco páginas! Torna-se um bocado chato... Vamos fazer o
seguinte: eu farei um breve resumo e, depois, entrego o que está aqui escrito ao Padre Provincial – dá-lo-ei
também ao Padre Lombardi – para que todos o tenhais por escrito. Em seguida, é possível que alguns de vós
queiram fazer qualquer pergunta e podemos dialogar um pouco. Gostais assim ou não? Sim?! Então sigamos
por esta estrada.
O primeiro assunto deste discurso escrito: na educação dada por nós, jesuítas, o ponto-chave – para o nosso
desenvolvimento pessoal – é a magnanimidade. Devemos ser magnânimos, com um coração grande, sem
medo. Há que apostar sempre em grandes ideais. Mas magnanimidade também nas pequenas coisas, nas
coisas de todos os dias. O coração amplo, o coração grande. É importante encontrar esta magnanimidade
com Jesus, na contemplação de Jesus. Jesus é aquele que nos abre as janelas no horizonte. Magnanimidade
significa caminhar com Jesus, com o coração atento àquilo que Jesus nos diz. Nesta linha, queria dizer algo
aos educadores, aos professores das escolas e aos pais. Educar. Na educação, há um equilíbrio a respeitar, há
que equilibrar bem os passos: um passo firme na zona de segurança, mas o outro entrando na área de risco. E
quando este risco se torna segurança, o passo seguinte procura outra zona de risco. Não é possível educar
permanecendo só na área de segurança: não. Isto é impedir a personalidade de crescer. Mas também não se
pode educar apenas na zona de risco: é demasiado perigoso. Importante este equilíbrio dos passos… fixai-o
bem.
Chegámos à última página. A vós, educadores, quero encorajar-vos também a procurar formas de educação
novas, não convencionais, segundo as necessidades dos lugares, dos tempos e das pessoas. Isto é importante
na nossa espiritualidade inaciana: avançar sempre «mais», e não ficar tranquilos nas coisas convencionais.
Procurar novas formas de acordo com os lugares, os tempos e as pessoas. Encorajo-vos a fazer isso.
E agora estou pronto a responder a algumas perguntas que queirais fazer: os alunos, os educadores. Estou à
vossa disposição. Pedi ao Padre Provincial que me desse uma mão nisto.
Um aluno: Sou Francisco Bassani, do Instituto Leão XIII. Sou um aluno que – como escrevi na carta
dirigida a ti, Papa – procura acreditar. Eu procuro... procuro (é verdade!) ser fiel. Mas tenho dificuldades. Às
vezes surgem-me dúvidas, penso que isto seja normal na minha idade. Dado que és o Papa que, segundo
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creio, conservarei por mais tempo no coração, na minha vida, porque te encontro na minha fase da
adolescência, do crescimento, queria pedir-te qualquer palavra que pudesse apoiar-me neste crescimento,
apoiar-me a mim e a todos os alunos.
Papa Francisco: Caminhar é uma arte, porque, se caminhamos sempre acelerados, cansamo-nos e não
podemos chegar ao fim, ao fim do caminho. Mas, se paramos e não caminhamos, também não chegamos ao
fim. A arte de caminhar é precisamente fixar o horizonte, pensando para onde quero ir, mas é também
suportar o cansaço do caminho. E, muitas vezes, o caminho é difícil, não é fácil. «Quero permanecer fiel a
este caminho, mas não é fácil. Sabes?! Há a escuridão, há dias de escuridão, e mesmo dias de fracasso e
também dias de queda: uma pessoa caiu, caiu». Fixai isto no pensamento: não tenhais medo dos fracassos,
não tenhais medo das quedas. Na arte de caminhar, o que importa não é tanto não cair, como sobretudo não
«ficar caído»: levantar-se depressa, logo, e continuar a caminhar. Isto é bom: esforçar-se todos os dias, eis o
que é caminhar humanamente. Mas também é ruim caminhar sozinho, é mau e chato. Caminhai em
comunidade, com os amigos, com aqueles que nos amam: isto ajuda-nos, ajuda-nos precisamente a chegar à
meta para onde devemos ir. Não sei se respondi à tua pergunta. Estás de acordo? Não terás medo do
caminho? Obrigado.
Uma aluna: Sou Sofia Grattarola do Instituto Maximiano Máximo. Queria perguntar-lhe: quando
frequentavas a escola primária como todas as crianças, certamente tinhas amigos; agora, sendo Papa, ainda
vês esses amigos?
Papa Francisco: Sou Papa há dois meses e meio. Os meus amigos estão a 14 horas de avião daqui, estão
longe. Mas, quero dizer-te uma coisa: três deles vieram ver-me e saudar-me; vejo-os, escrevem-me, e amo-os
muito. Não se pode viver sem amigos: isto é importante, é importante.
Uma menina: Sou Teresa. Francisco, querias ser Papa?
Papa Francisco: Tu sabes o que significa uma pessoa perder o amor a si mesma? Se uma pessoa quisesse,
tivesse ambição de ser Papa, não se amaria a si mesma. Deus não abençoa isso. Não, eu não queria ser Papa.
Entendido?
Uma senhora: Santidade, somos Mónica e Antonella do grupo coral dos Alunos do Céu do Instituto Social
de Turim. Tendo sido educadas nas escolas dos jesuítas, muitas vezes fomos convidadas a reflectir sobre a
espiritualidade de Santo Inácio; queria perguntar-lhe: no momento em que escolheu a vida consagrada, o que
é que o levou a ser jesuíta em vez de padre diocesano ou de outra Ordem? Obrigado.
Papa Francisco: Estive hospedado várias vezes no Instituto Social de Turim. Conheço-o bem. O que mais
me atraía na Companhia [de Jesus] era a missionariedade. Queria tornar-me missionário; e, quando estudava
teologia, escrevi ao Geral, que era o Padre Arrupe, pedindo que me mandasse, me enviasse para o Japão ou
outro lugar. Mas ele pensou um pouco e disse-me, com muita caridade: «Tu tiveste uma doença no pulmão,
que não está bastante bom para um trabalho tão forte». E fiquei em Buenos Aires... Mas, foi tão bom o Padre
Arrupe, que não me disse: «Tu não és suficientemente santo para te tornares um missionário». Era bom,
tinha caridade. Enfim, o que mais me impeliu a tornar-me jesuíta foi a missionariedade: queria partir, ir para
as missões anunciar Jesus Cristo. Penso que isto seja precisamente a nossa espiritualidade: partir, sair, sair
sempre para anunciar Jesus Cristo, e não ficar de algum modo fechados nas nossas estruturas, muitas vezes
estruturas caducas. Foi isto o que me moveu. Obrigado!
Uma senhora: Sou Catarina De Marchis do Instituto Leão XIII e não cesso de me perguntar: Por que motivo
o senhor, isto é, tu renunciaste a todas as riquezas de um Papa, como um apartamento luxuoso ou um
automóvel enorme, para, em vez disso, ires habitar num pequeno apartamento situado nas vizinhanças ou
tomares o autocarro com os Bispos? Por que motivo renunciaste à riqueza?
Papa Francisco: Acho que não é questão apenas de riqueza; a meu ver, trata-se de algo ligado com a minha
maneira pessoal de ser, a minha personalidade. A questão está aqui! Eu preciso de viver no meio da gente e,
se tivesse de viver sozinho, provavelmente um pouco isolado, não me faria bem. A mesma pergunta me fez
22
um professor: «Mas porque é que não vais morar para lá?» Respondi: «Pode crer-me, professor: por motivos
psiquiátricos». É a minha personalidade. Aliás, senhora, não se aflija que o apartamento [do Palácio
Pontifício] não é muito luxuoso… mas não posso viver sozinho, entende? Além disso, acho que é melhor
assim: os nossos dias falam-nos de tanta pobreza no mundo, e isto é um escândalo. A pobreza do mundo é
um escândalo. Num mundo onde há tantas, tantas riquezas, tantos recursos para dar de comer a todos, não se
pode entender que hajam tantas crianças famintas, tantas crianças sem instrução, tantos pobres! Hoje, a
pobreza é um grito. Todos nós devemos pensar se podemos tornar-nos um pouco mais pobres: isto mesmo…
todos o devemos fazer. Como posso tornar-me um pouco mais pobre para me assemelhar melhor a Jesus, que
era o Mestre pobre? Aqui está o ponto decisivo. Não se trata de um problema de virtude pessoal; é só que
não posso viver sozinho. E o mesmo se diga acerca do automóvel: é assim, para não ter tantas coisas e
tornar-se um pouco mais pobre.
Um aluno: O meu nome é Eugénio Serafini; sou do Instituto CEI, Centro Educativo Inaciano. Queria fazerlhe uma pequena pergunta que se refere não ao momento de se tornar Papa, mas quando decidiu ser pároco,
tornar-se jesuíta: Como fez? Não sentiu dificuldade em abandonar ou deixar a família, os amigos?
Papa Francisco: Senti. É sempre difícil, sempre. Para mim, foi difícil. Não é fácil. Há momentos
estupendos, e Jesus ajuda-te, dá-te um pouco de alegria. Mas há também momentos difíceis, em que te sentes
sozinho, te sentes árido, sem alegria interior. Há momentos escuros, momentos de escuridão interior. Há
dificuldades, é verdade! Mas é tão bom seguir Jesus, caminhar pela estrada de Jesus, que tu vês que vale a
pena e segues em frente. E depois chegam momentos ainda mais belos. Mas ninguém deve pensar que, na
vida, não haja dificuldades. Agora gostaria eu de fazer uma pergunta: Como pensais avançar, com as
dificuldades? Não é fácil. Mas devemos ir para diante com coragem e confiança no Senhor. Com o Senhor,
pode-se tudo.
Uma jovem: Salve! O meu nome é Frederica Iaccarino e venho do Instituto Pontano de Nápoles. Gostava de
pedir uma palavra para os jovens de hoje, sobre o futuro dos jovens de hoje, já que a Itália se encontra numa
situação de grande dificuldade. Queria pedir uma ajuda para conseguirmos fazê-la melhorar, uma ajuda para
nós, para poder guiar estes alunos, nós e os alunos.
Papa Francisco: Tu dizes que a Itália está num momento difícil. É verdade, há uma crise. Mas eu diria: não
só a Itália... todo o mundo, num momento, se encontrou em crise. A crise! A crise não é uma coisa ruim; é
verdade que nos faz sofrer, mas devemos – principalmente vós, jovens – saber ler a crise. Que significa esta
crise? Que devo fazer para ajudar a sair da crise? A crise, que estamos a viver neste momento, é uma crise
humana. Dizem: é uma crise económica, é uma crise de trabalho. Sim, é verdade! Mas porquê? Este
problema do trabalho, este problema na economia é consequência do grande problema humano. Aquilo que
está em crise é o valor da pessoa humana, e nós devemos defender a pessoa humana. Neste momento,
recordo... – eu já contei isto três vezes, mas fá-lo-ei uma quarta – recordo a história que li uma vez, a história
contada por um rabino medieval do ano 1200. Este rabino explicava aos judeus daquele tempo a história da
Torre de Babel. Construir a Torre de Babel não era fácil: tinham-se de fazer os tijolos. E como se fazem os
tijolos? Tinha-se de procurar o barro e a palha, misturá-los e levá-los ao forno: era um trabalhão. Com este
trabalho todo, um tijolo tornava-se um verdadeiro tesouro! Depois havia que levar os tijolos lá para cima,
para a construção da Torre de Babel. Se um tijolo caía, era uma tragédia; castigavam o trabalhador que o
deixara cair... era uma tragédia! Mas, se porventura caía um homem, não acontecia nada! Esta é a crise que
estamos a viver hoje: esta é a crise da pessoa. Hoje a pessoa não conta; contam os euros, conta o dinheiro.
Ora Jesus, Deus deu o mundo, deu toda a criação, não ao dinheiro, mas à pessoa, ao homem e à mulher, para
que a fizessem progredir. É uma crise da pessoa... está em crise, porque hoje a pessoa – atenção, isto é
verdade – é escrava! E nós temos de nos libertar destas estruturas económicas e sociais que nos escravizam.
Esta é a vossa tarefa.
Uma criança: Olá! Sou Francisco Vin, e venho do Colégio Santo Inácio de Messina. Queria saber se já
estiveste na Sicília.
Papa Francisco: Não. Posso dizer de duas formas: não; ou: ainda não.
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A criança: Se vieres, lá te esperamos!
Papa Francisco: Mas digo-te uma coisa: conheço um filme muito belo sobre a Sicília; um filme que vi há
dez anos e que se chama Kaos, com o «k»: Kaos. Trata-se de um filme feito a partir de quatro histórias de
Pirandello; é um filme muito lindo. Pude ver todas as belezas da Sicília. Isto é tudo o que conheço da Sicília.
Mas é linda!
Um professor: Sou professor de espanhol, porque sou espanhol: sou de San Sebastian. Mas sou professor
também de religião, e posso dizer que nós, os mestres, os professores, o amamos muito. Pode ter a certeza.
Não falo em nome de ninguém, mas ao ver tantos ex-alunos, muitos deles autoridades, e também nós,
adultos, professores, educados pelos jesuítas, interrogo-me sobre o nosso compromisso político, social, na
sociedade, como adultos nas escolas jesuítas. Dê-nos alguma ideia: Como pode hoje o nosso compromisso, o
nosso trabalho na Itália, no mundo, ser jesuíta, como pode ser evangélico?
Papa Francisco: Muito bem. Para o cristão, é uma obrigação envolver-se na política. Nós, cristãos, não
podemos «jogar a fazer o Pilatos», lavar as mãos. Não podemos! Devemos envolver-nos na política, pois a
política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. E os leigos cristãos devem
trabalhar na política. Dir-me-ás: «Não é fácil!» Também não é fácil tornar-se padre. Não há coisas fáceis na
vida. Não é fácil; a política está muito suja; e ponho-me a pergunta: Mas está suja, porquê? Não será porque
os cristãos se envolveram na política sem espírito evangélico? Deixo-te esta pergunta: É fácil dizer que «a
culpa é de fulano», mas eu que faço? É um dever! Trabalhar para o bem comum é um dever do cristão! E,
muitas vezes, a opção de trabalho é a política. Há outras estradas: professor, por exemplo, é outra estrada.
Mas a actividade política em prol do bem comum é uma das estradas. Isto é claro.
Um jovem: Santo Padre, chamo-me Tiago. Na realidade, não estou aqui sozinho hoje, mas trago comigo um
grande número de alunos que são os da Liga Missionária de Estudantes. É um movimento de algum modo
transversal, pelo que, na Liga Missionária de Estudantes, temos um pouco de todos os Colégios. Assim,
Santo Padre, em primeiro lugar o nosso agradecimento, o meu e o de todos os alunos que ouvi mesmo nestes
dias: é que, finalmente, consigo encontramos aquela mensagem de esperança que, antes, nos víamos
obrigados a encontrar vagando pelo mundo. Agora, ao ouvi-lo na nossa casa, sentimos algo de muito forte
em nós. Sobretudo, Santo Padre – deixe-mo dizer –, esta luz acendeu-se precisamente no ponto onde nós,
jovens, começávamos realmente a perder a esperança. Por isso, obrigado, porque nos tocou verdadeiramente
no íntimo. A minha pergunta é esta: Santo Padre, nós, como bem sabe pela sua experiência, aprendemos a
experimentar, a conviver com vários tipos de pobreza, que são a pobreza material – penso na pobreza da
localidade com que nos geminamos no Quénia – a pobreza espiritual – penso na Roménia, penso nas chagas
das vicissitudes políticas, penso no alcoolismo. Nesta linha, Santo Padre, quero perguntar-lhe: Como
podemos, nós jovens, conviver com esta pobreza? Como devemos comportar-nos?
Papa Francisco: Antes de mais nada, gostava de dizer uma coisa a todos vós, jovens: não deixeis que vos
roubem a esperança! Por favor, não vo-la deixeis roubar! E quem é que te rouba a esperança? O espírito do
mundo, as riquezas, o espírito da vaidade, a soberba, o orgulho. Todas essas coisas roubam-te a esperança.
Onde encontro a esperança? Em Jesus pobre, em Jesus que Se fez pobre por nós. Tu falaste de pobreza. A
pobreza chama-me a semear esperança, para ter, também eu, mais esperança. Isto pode parecer um pouco
difícil de entender, mas recordo que uma vez o Padre Arrupe escreveu uma boa carta aos Centros de pesquisa
social, aos Centros sociais da Companhia. Lá explicava como se deve estudar o problema social. Mas
concluía, dizendo a todos nós: «Olhai, não se pode falar de pobreza, sem fazer experiência com os pobres».
Tu falaste da geminação com o Quénia: a experiência com os pobres. Não se pode falar de pobreza, de
pobreza abstracta... esta não existe! A pobreza é a carne de Jesus pobre, na criança que tem fome, na pessoa
que está doente, nas estruturas sociais que são injustas. Ide, vede nos fundos marginalizados a carne de Jesus;
mas não deixeis que vos roube a esperança o bem-estar, o espírito do bem-estar que, no fim, faz de ti um
nada na vida! O jovem deve apostar em altos ideais: este é o meu conselho. Mas a esperança, onde a
encontro? Na carne de Jesus sofredor e na verdadeira pobreza. As duas estão interligadas. Obrigado.
Agora dou a todos... a vós, às vossas famílias, a todos a Bênção do Senhor.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
POR OCASIÃO DO ENCONTRO COM OS NÚNCIOS APOSTÓLICOS
CONGREGADOS NO VATICANO NO ÂMBITO
DAS CELEBRAÇÕES DO ANO DA FÉ
Sala Clementina
Sexta-feira, 21 de Junho de 2013
Estimados Irmãos no Episcopado
Estes dias, no contexto do Ano da fé, constituem uma ocasião que o Senhor nos oferece para
meditar juntos e para viver um momento de fraternidade. Estou grato ao Cardeal Bertone pelas
palavras que me dirigiu em nome de todos, mas gostaria de agradecer a cada um de vós o vosso
serviço, que me ajuda na minha solicitude por todas as Igrejas, naquele ministério de unidade que é
central para o Sucessor de Pedro. Vós representais-me nas Igrejas espalhadas pelo mundo inteiro e
junto dos vários Governos, mas ver-vos hoje tão numerosos infunde em mim também o sentido da
catolicidade da Igreja, do seu alcance universal. Obrigado do íntimo do coração! A vossa missão é
um trabalho — a palavra que me inspira é «importante», mas é uma palavra formal; o vosso
trabalho é mais do que importante, é a missão de formar a Igreja, de construir a Igreja. Entre as
Igrejas particulares e a Igreja universal, entre os Prelados e o Bispo de Roma. Não sois
intermediários mas, ao contrário, mediadores, que com a vossa mediação levais a cabo a comunhão.
Alguns teólogos estudam eclesiologia, falam de Igreja local e dizem que os Representantes
Pontifícios e o Presidente das Conferências Episcopais formam uma Igreja local, que não é de
instituição divina, é organizacional mas ajuda a Igreja a ir em frente. E o trabalho mais importante
consiste na mediação, mas para mediar é necessário conhecer. E não conhecer unicamente os
documentos — é muito importante ler os documentos, e são tantos — mas conhecer as pessoas. Por
isso, considero que a relação pessoal entre o Bispo de Roma e todos vós é algo fundamental. É
verdade que existe a Secretaria de Estado que nos ajuda, mas este último ponto, a relação pessoal é
essencial. E devemos realizá-lo, de ambas as partes.
Pensei nesta reunião e agora ofereço-vos pensamentos simples sobre alguns aspectos, diria
existenciais, a propósito do vosso ser Representantes Pontifícios. Trata-se de aspectos sobre os
quais ponderei no meu coração, principalmente pensando em colocar-me ao lado de cada um de
vós. Neste encontro, não gostaria de vos dizer palavras meramente formais, nem palavras de
circunstância; fariam mal a todos, a vós e a mim. Aquilo que vos digo agora vem de dentro —
garanto-vos — é algo que está no meu coração.
Antes de tudo, gostaria de ressaltar que a vossa é uma vida itinerante. Pensei muitas vezes nisto:
pobres homens! A cada três ou quatro anos, para os Colaboradores, um pouco mais para os
Núncios, vós mudais de lugar, passais de um Continente para outro, de um país para outro, de uma
realidade de Igreja para outra, frequentemente muito diferentes entre si; estais sempre com a mala
na mão. Pergunto-me: o que diz esta vida a cada um de nós? Que sentido espiritual tem ela? Diria
que transmite o sentido do caminho, que é central na vida de fé, a começar por Abraão, homem de
fé a caminho: Deus pede-lhe que abandone a sua terra, as suas seguranças, para partir confiando
numa promessa, que ele não vê, mas que simplesmente conserva no seu coração, como uma
esperança que Deus lhe oferece (cf.Gn 12, 1-9). E isto, na minha opinião, comporta dois elementos.
Antes de tudo a mortificação porque, verdadeiramente, permanecer com a mala na mão é uma
mortificação, o sacrifício de se despojar de objectos, de amigos, de vínculos e de começar sempre
de novo. E isto não é fácil! É viver no provisório, saindo de vós mesmos, sem ter um lugar onde
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ganhar raízes, sem uma comunidade estável, e no entanto amando a Igreja e o país que sois
chamados a servir. Um segundo aspecto que exige este vosso ser itinerantes, sempre a caminho,
consiste naquilo que nos é descrito no capítulo onze daCarta aos Hebreus. Enumerando os
exemplos de fé dos Padres, o autor afirma que eles viram os bens prometidos e que os saudaram à
distância — trata-se de um ícone deveras bonito! — declarando que são peregrinos nesta terra (cf.
11, 13). É um grande mérito levar uma vida como esta, uma existência como a vossa, quando se
vive com a intensidade do amor e com a memória concreta do primeiro chamamento.
Gostaria de meditar um momento sobre o aspecto de «olhar de longe», de contemplar as promessas
à distância, de as saudar de longe. Para o que olhavam à distância os Padres do Antigo Testamento?
Para os bens prometidos por Deus. Cada um de nós pode interrogar-se: qual é a minha promessa?
Para onde estou a olhar? Que procuro na vida? Aquilo que a memória das origens nos impele a
procurar é o Senhor, pois Ele é o bem prometido. Isto nunca nos deve parecer algo evidente. No dia
25 de Abril de 1951, num discurso célebre, o então Substituto da Secretaria de Estado, D. Montini,
recordava que a figura do Representante Pontifício «é a de alguém que tem verdadeiramente a
consciência de levar Cristo consigo mesmo», como o bem precioso para comunicar, para anunciar,
para representar. Os bens, as perspectivas deste mundo acabam por decepcionar, impelem ao
descontentamento perene; o Senhor é o bem que não desilude, o único que não engana. E isto exige
um desapego de nós mesmos, que só podemos alcançar através de uma relação constante com o
Senhor e com a unificação da vida ao redor de Cristo. E isto chama-se familiaridade com Jesus. A
familiaridade com Jesus Cristo deve constituir o alimento quotidiano do Representante Pontifício,
porque é a alimentação que nasce da memória do primeiro encontro com Ele e porque constitui
também a expressão diária de fidelidade à sua chamada. Familiaridade. Familiaridade com Jesus
Cristo na oração, na Celebração eucarística, que nunca pode ser descuidada no serviço da caridade.
Para os homens de Igreja existe sempre o perigo de ceder àquela que eu defino – retomando uma
expressão atribuída a de Lubac — a «mundanidade espiritual»: ceder ao espírito do mundo, que
leva a agir para a própria realização e não para a glória de Deus (cf.Meditação sobre a Igreja, Milão
1979, pág. 269), àquela espécie de «burguesia do espírito e da vida» que impele a acomodar-se, a
procurar uma vida cómoda e tranquila. Aos Alunos da Pontifícia Academia Eclesiástica já recordei
que para o Beato João XXIII, o serviço de Representante Pontifício foi um dos âmbitos, e não
secundário, em que a sua santidade adquiriu forma, e citei também alguns trechos tirados do
Giornale dell’Anima que se referiam precisamente a este longo período do seu ministério. Ele
afirmava que tinha compreendido cada vez mais que, para a eficácia do seu serviço, devia podar
continuamente a vinha da sua vida daquilo que é unicamente folhagem inútil, indo directamente ao
essencial, que é Cristo e o seu Evangelho, caso contrário corria-se o risco de fazer cair no ridículo
uma missão santa (cf. Giornale dell’Anima, Cinisello Balsamo 2000, págs. 513-514). Ridículo é
uma expressão forte, mas verdadeira: ceder ao espírito mundano expõe-nos, sobretudo a nós
Pastores, ao ridículo; talvez possamos receber alguns aplausos, mas os mesmos que parece que nos
aprovam chegarão a criticar-nos, virando-nos as costas. Trata-se de uma regra comum.
Mas nós somos Pastores! E nunca nos podemos esquecer disto! Vós, estimados Representantes
Pontifícios, sois presença de Cristo, sois presença sacerdotal de Pastores. Sem dúvida, não
ensinareis a uma porção particular do Povo de Deus que vos foi confiada, não presidireis a uma
Igreja particular, mas sois Pastores que servem a Igreja, desempenhando o papel de encorajar, de ser
ministros de comunhão, e também assumindo a tarefa nem sempre fácil de exortar. Fazei sempre
tudo com amor profundo! Também nas relações com as Autoridades civis e com os Colegas, vós
sois Pastores: procurai sempre o bem, o bem de todos, o bem da Igreja e de cada pessoa. No entanto
este trabalho pastoral, como eu já disse, só se leva a cabo mediante a familiaridade com Jesus Cristo
na oração, na Celebração eucarística, nas obras de caridade: ali está presente o Senhor. Mas também
vós deveis agir com profissionalidade, a qual será como que o vosso — queria dizer uma palavra —
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o vosso cilício, a vossa penitência: desempenhar as funções sempre com profissionalidade, porque a
Igreja vos quer assim. E quando um Representante Pontifício não desempenha as suas funções com
profissionalidade, perde até a sua autoridade.
Gostaria de concluir, dizendo também uma palavra sobre um dos pontos importantes do vosso
serviço como Representantes Pontifícios, pelo menos para a grande maioria de vós: a colaboração
nas nomeações episcopais. Vós conheceis a célebre expressão que indica um critério fundamental
na escolha daquele que deve governar:si sanctus est oret pro nobis, si doctus est doceat nos, si
prudens est regat nos —seésanto, que reze por nós; se é douto, que nos ensine; se é prudente, que
nos governe. Na delicada tarefa de realizar a investigação em vista das nomeações episcopais,
prestai atenção a fim de que os candidatos sejam Pastores próximos do povo: este é primeiro
critério. Pastores próximos do povo! Aquele é um grande teólogo, tem uma mente grandiosa: que vá
para a Universidade, onde fará muito bem! Pastores! Temos tanta necessidades de Pastores! Que
sejam pais e irmãos, que sejam mansos, pacientes e misericordiosos; que amem a pobreza, interior
como liberdade para o Senhor e também exterior, como simplicidade e austeridade de vida, que não
sigam uma psicologia de «Princípios». Prestai atenção a fim de que não sejam ambiciosos, que não
procurem o episcopado; afirma-se que o Beato João Paulo II, numa primeira audiência que teve
com o Cardeal Prefeito da Congregação para os Bispos, ao responder-lhe a uma pergunta sobre o
critério a seguir na escolha dos candidatos ao Episcopado, o Papa disse-lhe com a sua voz
particular: «O primeiro critério é:volentes nolumus». Aqueles que aspiram ao Episcopado... não,
não são adequados. E que sejam esposos de uma Igreja, sem estar em busca constante de outra. Que
sejam capazes de «velar» sobre a grei que lhes for confiada, ou seja, de cuidar de tudo aquilo que a
mantém unida; de «vigiar» sobre ela, de prestar atenção aos perigos que a podem ameaçar; mas,
principalmente, que sejam capazes de «velar» sobre o rebanho, de vigiar, de cuidar da esperança a
fim de que haja sol e luz nos corações, de sustentar com amor e paciência os desígnios que Deus
realiza no seu povo. Pensemos na figura de São José que vela sobre Maria e Jesus, no seu cuidado
pela sagrada família que Deus lhe confiou, e no olhar atento com que a orientou para evitar os
perigos. Por isso, os Pastores saibam permanecer à frente do rebanho para lhe indicar o caminho, no
meio da grei para a manter unida, atrás do rebanho para evitar que alguém se atrase e a fim de que a
própria grei tenha, por assim dizer, o sentido de orientação para encontrar o caminho. O Pastor deve
caminhar assim!
Amados Representantes Pontifícios, estes são apenas alguns pensamentos, que brotam do meu
coração e que pensei antes de os escrever: desta vez fui eu que os escrevi! Pensei muito e rezei.
Estes pensamentos vêm do meu coração, e com eles não tenciono dizer coisas novas — não — nada
daquilo que vos disse é novo — mas sobre as quais vos convido a meditar, para o desempenho do
serviço importante e precioso que prestais à Igreja inteira. A vossa vida é muitas vezes difícil, por
vezes em lugares onde há conflitos — sei bem: falei duas vezes nestes dias com um de vós sobre
isto. Quanta dor, quanto sofrimento! Uma peregrinação contínua, sem a possibilidade de lançar
raízes num lugar, numa cultura, numa realidade eclesial específica! Mas é uma vida que caminha
rumo às promessas e que as saúda de longe. Uma vida a caminho, mas sempre com Jesus Cristo,
que nos dá a mão. É uma certeza: Ele segura-vos pela mão. Mais uma vez, obrigado por tudo isto!
Nós sabemos que a nossa estabilidade não depende das coisas, dos nossos programas nem das
ambições, mas do facto de sermos Pastores autênticos que mantêm o olhar fixo em Cristo. Mais
uma vez, obrigado! Por favor, peço-vos que rezeis por mim, porque preciso muito disto. Que o
Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos conserve. Obrigado!
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PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 23 de Junho de 2013
Vídeo
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
No Evangelho deste domingo ressoa uma das palavras mais incisivas de Jesus: «Quem quiser salvar
a própria vida, perdê-la-á, mas quem perder a própria vida por Minha causa, salvá-la-á» (Lc 9, 24).
Há uma síntese da mensagem de Cristo, e é expressa com um paradoxo muito eficaz, que nos
faz conhecer o seu modo de falar, quase nos faz ouvir a sua voz... Mas que significa «perder a
vida por causa de Jesus»? Isto pode acontecer de dois modos: confessando explicitamente a fé,
ou defendendo de modo implícito a verdade. Os mártires são o exemplo máximo do perder a
vida por Cristo. Em dois mil anos uma multidão imensa de homens e mulheres sacrificaram a
vida para permanecer fiéis a Jesus Cristo e ao seu Evangelho. E hoje, em numerosas partes do
mundo, há muitos, muitíssimos — mais do que nos primeiros séculos — muitos mártires, que
dão a própria vida por Cristo, que são levados à morte por não renegarem Jesus Cristo. Esta
é a nossa Igreja. Hoje temos mais mártires do que nos primeiros séculos! Mas há também o
martírio quotidiano, que não implica a morte mas é também ele um «perder a vida» por
Cristo, cumprindo o próprio dever com amor, segundo a lógica de Jesus, a lógica da doação,
do sacrifício. Pensemos: quantos pais e mães todos os dias põem em prática a sua fé
oferecendo concretamente a própria vida pelo bem da família! Pensemos neles! Quantos
sacerdotes, frades, freiras, desempenham com generosidade o seu serviço pelo reino de Deus!
Quantos jovens renunciam aos próprios interesses para se dedicarem às crianças, aos
deficientes, aos idosos... Também eles são mártires! Mártires diários, do dia-a-dia!
E há também muitas pessoas, cristãs e não cristãs, que «perdem a própria vida» pela verdade. E
Cristo disse «Eu sou a verdade», por conseguinte quem serve a verdade serve Cristo. Uma destas
pessoas, que deu a vida pela verdade, foi João Baptista: precisamente amanhã, 24 de Junho, será a
sua festa grande, a solenidade do seu nascimento. João foi escolhido por Deus para preparar o
caminho diante de Jesus, e indicou-o ao povo de Israel como o Messias, o Cordeiro de Deus que tira
o pecado do mundo (cf.Jo 1, 29). João consagrou-se totalmente a Deus e ao seu enviado, Jesus.
Mas, no final, o que aconteceu? Morreu pela causa da verdade, quando denunciou o adultério do rei
Herodes com Herodíades. Quantas pessoas pagam caro o compromisso pela verdade! Quantos
homens rectos preferem ir contra a corrente, para não renegar a voz da consciência, a voz da
verdade! Pessoas rectas, que não receiam ir contra a corrente! E nós, não devemos ter medo! Entre
vós há muitos jovens. A vós jovens digo: não tenhais medo de ir contra a corrente, quando nos
querem roubar a esperança, quando nos propõem estes valores estragados, valores como uma
refeição deteriorada que nos faz mal; estes valores fazem-nos mal. Devemos ir contra a corrente! E
vós jovens, sede os primeiros: ide contra a corrente e tende este orgulho precisamente de ir contra a
corrente. Em frente, sede corajosos e ide contra a corrente. E senti-vos orgulhosos por fazê-lo!
Queridos amigos, acolhamos com alegria esta palavra de Jesus. É uma regra de vida proposta a
todos. E são João Baptista nos ajude a pô-la em prática. Precede-nos neste caminho, como sempre, a
nossa Mãe, Maria Santíssima: Ela perdeu a sua vida por Jesus, até à Cruz, e recebeu-a em plenitude,
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com toda a luz e beleza da Ressurreição. Ajude-nos Maria a fazer cada vez mais nossa a lógica do
Evangelho.
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PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 30 de Junho de 2013
Vídeo
Caros irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho deste domingo (cf.Lc 9, 51-62) indica um episódio muito importante na vida de
Cristo: o momento em que — como escreve são Lucas — «Jesus resolveu pôr-se a caminho rumo a
Jerusalém» (9, 51). Jerusalém é a meta final onde Jesus, na sua Páscoa derradeira, deve morrer e
ressuscitar, e assim levar a cumprimento a sua missão de salvação.
A partir daquele momento, depois da sua «decisão firme», Jesus aponta o dedo para a meta, e
também às pessoas que Ele encontra e que lhe pedem para o seguir, diz claramente quais são
as condições para isto: não dispor de uma morada estável; saber desapegar-se dos afectos
humanos; e não ceder à nostalgia do passado.
Mas Jesus diz também aos seus discípulos, encarregados de o preceder no caminho rumo a
Jerusalém para anunciar a sua passagem, que nada imponham: se não encontrarem a
disponibilidade para o receber, que se vá além, em frente. Jesus nunca impõe, Jesus é
humilde, Jesus convida. Se quiseres, vem! A humildade de Jesus é assim: Ele convida sempre,
não impõe.
Tudo isto nos faz pensar. Diz-nos, por exemplo, a importância que, também para Jesus, tinha a
consciência: ouvir no seu coração a voz do Pai e segui-la. Na sua existência terrena Jesus não era,
por assim dizer, «telecomandado»: era o Verbo encarnado, o Filho de Deus que se fez homem, e
numa certa altura resolveu subir a Jerusalém pela última vez; uma decisão tomada na sua
consciência, mas não só: juntamente com o Pai, em plena união com Ele! Decidiu em obediência ao
Pai, em escuta profunda e íntima da sua vontade. E por isso a decisão era firme, porque foi tomada
juntamente com o Pai. E no Pai Jesus encontrava a força e a luz para o caminho. E Jesus era livre,
naquela decisão Ele era livre. Jesus quer que nós, cristãos, sejamos livres como Ele, com aquela
liberdade que vem deste diálogo com o Pai, deste diálogo com Deus. Jesus não quer cristãos
egoístas, que seguem o próprio eu, que não falam com Deus; também não quer cristãos tíbios,
cristãos sem vontade, cristãos «telecomandados», incapazes de criatividade, que procuram unir-se
sempre à vontade de outra pessoa e não são livres. Jesus deseja que sejamos livres, mas onde se
realiza esta liberdade? No diálogo com Deus, na própria consciência. Se o cristão não souber falar
com Deus, se não souber sentir Deus na sua consciência, não será livre, não é livre.
Por isso, temos que aprender a ouvir mais a nossa consciência. Mas, atenção! Isto não significa
seguir o próprio eu, fazer o que me interessa, o que me convém, o que me agrada... Não é assim! A
consciência é o espaço interior da escuta da verdade, do bem, da escuta de Deus; é o lugar interior
da minha relação com Ele, que fala ao meu coração e me ajuda a discernir, a compreender qual é o
caminho a percorrer, e uma vez tomada a decisão, a ir em frente, a permanecer fiel.
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Nós tivemos um exemplo maravilhoso do modo como se realiza esta relação com Deus na própria
consciência, um recente exemplo maravilhoso. O Papa Bento XVI deu-nos este grande exemplo
quando o Senhor lhe fez compreender, na oração, qual era o passo que devia dar. E seguiu, com um
profundo sentido de discernimento e coragem, a sua consciência, ou seja, a vontade de Deus que
falava ao seu coração. E este exemplo do nosso Pai faz muito bem a todos nós, como um exemplo
para seguir.
Nossa Senhora, com grande simplicidade, ouvia e meditava no íntimo de si mesma a Palavra de
Deus e o que acontecia com Jesus. Seguiu o seu Filho com convicção íntima e com esperança firme.
Que Maria nos ajude a tornar-nos cada vez mais homens e mulheres de consciência, livres na
consciência, porque é na consciência que se verifica o diálogo com Deus; homens e mulheres,
capazes de ouvir a voz de Deus e de a seguir com determinação, capazes de escutar a voz de Deus e
de a seguir com decisão.
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ENCONTRO COM OS SEMINARISTAS, OS NOVIÇOS E AS NOVIÇAS
PALAVRAS DO PAPA FRANCISCO
Sala Paulo VI
Sábado, 6 de Julho de 2013
Boa tarde!
Perguntei a D. Fisichella se vós compreendeis o italiano e ele disse-me que todos vós tendes a
tradução... Estou um pouco tranquilo.
Agradeço a D. Fisichella as palavras, e agradeço-lhe também o seu trabalho: trabalhou muito para
fazer não só isto, mas tudo o que fez e fará no Ano da fé. Muito obrigado! Mas D. Fisichella disse
uma palavra, e não sei se é verdade, contudo eu retomo-a: disse que todos vós tendes vontade de dar
a vida para sempre a Cristo! Agora vós aplaudis, fazeis festa, porque é tempo de núpcias... Mas
quando acaba a lua de mel, o que acontece? Ouvi um seminarista, um bom seminarista, que dizia
que queria seguir Cristo, mas por dez anos, e depois pensará em começar outra vida... Isto é
perigoso! Ouçam bem: todos nós, também nós mais velhos, também nós, estamos sob a pressão
desta cultura do provisório; e isto é perigoso, porque não se joga a vida de uma vez para sempre. Eu
caso-me enquanto o amor dura; eu faço-me freira, mas por um «tempinho...», «um pouco de
tempo», e depois verei; eu faço-me seminarista para ser padre, mas não sei como vai acabar a
história. Não pode ser assim com Jesus! Eu não vos reprovo, reprovo esta cultura do provisório, que
nos fustiga a todos, porque não nos faz bem: porque uma escolha definitiva hoje é muito difícil. Na
minha juventude era mais fácil, porque a cultura favorecia uma escolha definitiva quer para a vida
matrimonial, quer para a vida consagrada ou sacerdotal. Mas nesta época não é fácil uma opção
definitiva. Somos vítimas desta cultura do provisório. Gostaria que pensásseis nisto: como posso
libertar-me eu, homem ou mulher, desta cultura do provisório? Devemos aprender a fechar a porta
da nossa cela interior, a partir de dentro. Certa vez um sacerdote, um bom sacerdote, que não se
sentia um bom sacerdote porque era humilde, sentia-se pecador, e rezava muito a Nossa Senhora, e
dizia-lhe isto — digo-o em espanhol porque era uma bonita poesia. Dizia a Nossa Senhora que
jamais, jamais, se teria afastado de Jesus, e dizia: «Esta tarde, Senhora, a promessa é sincera. Mas
para qualquer eventualidade, não te esqueças de deixar a chave fora». Mas diz-se isto pensando
sempre no amor à Virgem, diz-se a Nossa Senhora. Mas quando alguém deixa sempre a chave fora,
para qualquer eventualidade... Algo não funciona. Devemos aprender a fechar a porta por dentro! E
se não tenho a certeza, penso, reflicto por algum tempo, e quando me sentir seguro, em Jesus, é
evidente, porque sem Jesus ninguém tem segurança! — quando me sinto seguro, fecho a porta.
Compreendestes isto? O que é a cultura do provisório?
Quando entrei, vi o que eu tinha escrito. Queria dizer-vos uma palavra e a palavra é alegria. Onde
estão os consagrados, os seminaristas, as religiosas e os religiosos, os jovens há sempre alegria, há
sempre júbilo! É a alegria do vigor, é a alegria de seguir Jesus; a alegria que nos dá o Espírito
Santo, não a alegria do mundo. Há alegria! Mas — onde nasce a alegria? Nasce... Mas, sábado à
noite regresso a casa e vou dançar com os meus antigos companheiros? Vem disto a alegria? De um
seminarista, por exemplo? Não? Ou sim? Alguns dirão: a alegria nasce das coisas que se possuem, e
então eis a busca do último modelo de smartphone, ou de um scooter mais veloz, do carro que dá
nas vistas... Mas eu digo-vos, deveras, fico entristecido quando vejo um padre ou uma freira com o
último modelo de um carro: não se pode! Não se pode! Vós pensais nisto: mas agora, Padre,
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devemos ir de bicicleta? É bom ir de bicicleta! D. Alfred vai de bicicleta: ele desloca-se de
bicicleta. Penso que o carro é necessário, porque é preciso fazer tanto trabalho e para se deslocar de
um lado para outro... mas usai um mais simples! E se gostas do bonito, pensai em quantas crianças
morrem de fome. Só isto! A alegria não nasce, não provém das coisas que se possuem! Outros
dizem que provém das experiências mais extremas para sentir o arrepio das sensações mais fortes: a
juventude gosta de caminhar no fio da navalha, gosta mesmo! Outros gostam mais da roupa da
moda, do divertimento nos locais mais em voga — mas com isto não quero dizer que as freiras
frequentam estes locais, estou a falar dos jovens em geral. Outros gostam do sucesso com as moças
ou com os rapazes, passando possivelmente de uma para outra ou de um para outro. É esta
insegurança do amor, que não é certa: é o amor «para prova». E poderíamos continuar... Também
vós entrais em contacto com esta realidade que não podeis ignorar.
Sabemos que tudo isto pode satisfazer alguns desejos, dar algumas emoções, mas no final é uma
alegria que permanece na superfície, não desce ao íntimo, não é uma alegria íntima: é a sensação de
um momento que não dá a verdadeira felicidade. A alegria não é a emoção de um momento: é outra
coisa!
A verdadeira alegria não vem das coisas, do ter, não! Nasce do encontro, da relação com os demais,
nasce do sentir-se aceite, compreendido, amado e do aceitar, do compreender e do amar: e isto não
pelo interesse de um momento, mas porque o outro, a outra é uma pessoa. A alegria nasce da
gratuidade de um encontro! É ouvir-se dizer: «Tu és importante para mim», não necessariamente
com palavras. Isto é bonito... E é precisamente isto que Deus nos faz compreender. Ao chamar-vos,
Deus diz-vos: «Tu és importante para mim, eu amo-te, conto contigo». Jesus diz isto a cada um de
nós! Disto nasce a alegria! A alegria do momento no qual Jesus olhou para mim. Compreender e
sentir isto é o segredo da nossa alegria. Sentir-se amado por Deus, sentir que para Ele nós não
somos números, mas pessoas; e sentir que é Ele que nos chama. Tornar-se sacerdote, religioso,
religiosa não é primariamente uma nossa escolha. Eu não confio naquele seminarista, naquela
noviça, que diz: «Escolhi este caminho». Não gosto disto! Não está bem! Mas é a resposta a uma
chamada, a uma chamada de amor. Sinto algo dentro, que me desassossega, e respondo sim. Na
oração o Senhor faz-nos sentir este amor, mas também através de muitos sinais que podemos ler na
nossa vida, tantas pessoas que põe no nosso caminho. E a alegria do encontro com Ele e da sua
chamada faz com que não nos fechemos, mas que nos abramos; leva ao serviço na Igreja. São
Tomás dizia «bonum est diffusivum sui» — não é um latim muito difícil! — O bem difunde-se. E
também a alegria se difunde. Não tenhais medo de mostrar a alegria de ter respondido à chamada do
Senhor, à sua escolha de amor e de testemunhar o seu Evangelho no serviço à Igreja. E a alegria, a
verdadeira alegria, é contagiosa; contagia... faz ir em frente. Ao contrário, quando te encontras com
um seminarista demasiado sério, demasiado triste, ou com uma noviça assim, pensas: mas algo não
funciona! Falta a alegria do Senhor, a alegria que te leva ao serviço, a alegria do encontro com
Jesus, que te conduz ao encontro com os outros para anunciar Jesus. Falta isto! Não há santidade na
tristeza, não há! Santa Teresa — há numerosos espanhóis aqui e conhecem-na bem — dizia: «Um
santo triste é um triste santo!». É de pouca importância... Quando encontras um seminarista, um
padre, uma freira, uma noviça amuada, triste, que parece que lançaram na sua vida um cobertor
muito molhado, destes cobertores pesados... que te deitam abaixo... Algo não funciona! Mas por
favor: nunca haja freiras, sacerdotes com a cara «azeda», nunca! A alegria que vem de Jesus. Pensai
nisto: quando um padre — digo um padre, mas também um seminarista — quando a um
seminarista, a uma freira, falta a alegria, é triste, vós podeis pensar: «Mas é um problema
psiquiátrico». Não, é verdade: pode ser, pode ser, isto sim. Acontece: alguns, coitadinhos,
adoecem... Pode ser. Mas em geral não é um problema psiquiátrico. É um problema de insatisfação?
Claro que sim! Mas onde está o centro daquela falta de alegria? É um problema de celibato.
Explico. Vós, seminaristas, freiras, consagrais o vosso amor a Jesus, um amor grande; o coração é
para Jesus, e isto leva-nos a fazer o voto de castidade, o voto de celibato. Mas o voto de castidade e
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o voto de celibato não acaba no momento em que se emite, continua... Um caminho que amadurece,
amadurece, amadurece até à paternidade pastoral, até à maternidade pastoral, e quando um
sacerdote não é pai da sua comunidade, quando uma religiosa não é mãe de todos aqueles com os
quais trabalha, torna-se triste. Eis o problema. Por isto vos digo: a raiz da tristeza na vida pastoral
consiste precisamente na falta de paternidade e maternidade que vem do viver mal esta consagração
que, ao contrário, nos deve conduzir à fecundidade. Não se pode imaginar um sacerdote ou uma
religiosa que não sejam fecundos: isto não é católico! Não é católico! Esta é a beleza da
consagração: a alegria, a alegria...
Mas não quero fazer envergonhar esta santa irmã [dirige-se a uma freira idosa na primeira fila], que
estava em frente da barreira, coitadinha, estava mesmo sufocada, mas tinha uma cara feliz. Fez-me
bem olhar para a sua cara, irmã! Talvez a irmã tenha muitos anos de vida consagrada, mas tem os
olhos bonitos, sorria, não se lamentava desta pressão... Quando encontrardes exemplos como este,
tantos, tantas irmãs, tantos sacerdotes que são alegres, é porque são fecundos, dão vida, vida, vida...
Dão esta vida porque a encontram em Jesus! Na alegria de Jesus! Alegria, nada de tristeza,
fecundidade pastoral.
Para ser testemunha jubilosa do Evangelho é preciso ser autêntico, coerente. E esta é outra palavra
que desejo dizer-vos: autenticidade. Jesus insistia tanto contra os hipócritas: hipócritas, os que
pensam sub-repticiamente; aqueles que — falando com clareza — têm duas caras. Falar de
autenticidade aos jovens não custa, porque os jovens — todos — têm esta vontade de ser autênticos,
coerentes. E todos vós sentis repugnância quando encontrais padres que não são autênticos, ou
freiras que não são autênticas!
Esta é uma responsabilidade em primeiro lugar dos adultos, dos formadores. E de vós formadores
que estais aqui: dar um exemplo de coerência aos mais jovens. Queremos jovens coerentes?
Sejamos nós coerentes! Ao contrário, o Senhor nos dirá o que dizia dos fariseus ao povo de Deus:
«Fazei o que dizem, mas não o que fazem!». Coerência e autenticidade!
Mas também vós, por vossa vez, procurai seguir este caminho. Eu digo sempre o que afirmava são
Francisco de Assis: Cristo convidou-nos a anunciar o Evangelho também com a palavra. A frase é
assim: «Anunciai o Evangelho sempre. E, se for necessário, com as palavras». O que significa isto?
Anunciar o Evangelho com a autenticidade de vida, com a coerência de vida. Mas neste mundo ao
qual as riquezas fazem tanto mal, é necessário que nós sacerdotes, que nós freiras, que todos nós,
sejamos coerentes com a nossa pobreza! Mas quando se vê que o primeiro interesse de uma
instituição educativa ou paroquial ou de qualquer outra é o dinheiro, isto não é bom. Não é bom! É
uma incoerência! Devemos ser coerentes, autênticos. Por este caminho, fazemos o que diz são
Francisco: anunciemos o Evangelho com o exemplo, depois com as palavras! Mas antes de tudo é
na nossa vida que os outros devem poder ler o Evangelho! Também aqui sem receio, com os nossos
defeitos que procuramos corrigir, com os nossos limites que o Senhor conhece, mas também com a
nossa generosidade, deixando que Ele aja em nós. Os defeitos, os limites e — acrescento mais isto
— com os pecados... Gostaria de saber uma coisa: aqui, na sala, há alguém que não é pecador, que
não tem pecados? Que levante a mão! Que levante a mão! Ninguém. Ninguém. Daqui até ao
fundo... todos! Mas como carrego eu o meu pecado, os meus pecados? Quero aconselhar-vos isto:
sede transparentes com o confessor. Sempre. Dizei-lhe tudo, não tenhais medo. «Padre, pequei!».
Pensai na samaritana, que para demonstrar, para dizer aos seus concidadãos que tinha encontrado o
Messias, exclamou: «Disse-me tudo o que fiz», e todos conheciam a vida desta mulher. Dizer
sempre a verdade ao confessor. Esta transparência fará bem, porque nos torna humildes, a todos.
«Mas padre, permaneci nisto, fiz isto, odiei»... seja o que for. Dizei a verdade, sem esconder, sem
rodeios, porque estás a falar com Jesus na pessoa do confessor. E Jesus sabe a verdade. Só Ele te
perdoa sempre! Mas o Senhor quer que tu lhe digas só aquilo que Ele já sabe. Transparência! É
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triste quando alguém encontra um seminarista, uma freira que hoje se confessa com este para limpar
a mancha; amanhã vai a outro, depois a outro e a outro: uma peregrinatio aos confessores para
esconder a sua verdade. Transparência! É Jesus quem te ouve. Tende sempre esta transparência
diante de Jesus no confessor! Mas esta é uma graça. Padre pequei, fiz isto, isto e isto... com todas as
palavras. E o Senhor abraça-te, beija-te! Vai e não voltes a pecar! E se voltares? Outra vez. Digo
isto por experiência. Encontrei tantas pessoas consagradas que caem nesta armadilha hipócrita da
falta de transparência. «Fiz isto», humildemente. Como aquele publicano que estava no fundo do
Templo: «Fiz isto, fiz isto...». E o Senhor fecha-te a boca: é Ele quem ta fecha! Mas tu não o faças!
Compreendestes? Do próprio pecado superabunda a graça! Abri a porta à graça, com esta
transparência!
Os santos e os mestres da vida espiritual dizem-nos que para ajudar a fazer crescer em autenticidade
a nossa vida é muito útil, aliás, é indispensável, a prática quotidiana do exame de consciência. O
que acontece na minha alma? Assim, aberto com o Senhor e depois com o confessor, com o Padre
espiritual. Isto é tão importante!
Até que hora, D. Fisichella, temos tempo?
[D. Fisichella: se continuar a falar assim, temos tempo até amanhã, absolutamente.]
Mas ele diz até amanhã... Que vos traga um sanduíche e uma coca-cola a cada um, se é até amanhã,
pelo menos...
A coerência é fundamental para que o nosso testemunho seja credível. Mas não é suficiente, é
necessária também uma preparação cultural, friso, preparação cultural, para explicar a razão da fé e
da esperança! O contexto no qual vivemos solicita continuamente este «explicar a razão», e é bom,
porque nos ajuda a não dar nada por certo. Hoje não podemos dar nada por certo! Esta civilização,
esta cultura... não podemos. Mas certamente é também comprometedor, exige uma boa formação,
equilibrada, que una todas as dimensões da vida, humana, espiritual, intelectual e pastoral. Na vossa
formação há quatro pilares fundamentais: formação espiritual, ou seja, a vida espiritual; a vida
intelectual, este estudar para «explicar a razão»; a vida apostólica, começar a ir para anunciar o
Evangelho; e, quarto, a vida comunitária. Quatro. E para esta última é necessário que a formação
seja em comunidade, no noviciado, no priorado, nos seminários... Penso sempre nisto: é melhor o
pior seminário do que nenhum seminário! Por quê? Porque é necessária esta vida comunitária.
Recordai-vos dos quatro pilares: vida espiritual, vida intelectual, vida apostólica e vida comunitária.
Estes quatro. Sobre eles deveis edificar a vossa vocação.
E gostaria de frisar aqui a importância, nesta vida comunitária, das relações de amizade e de
fraternidade que fazem parte integrante desta formação. Aqui chegamos a outro problema. Porque
digo isto: relações de amizade e de fraternidade. Muitas vezes encontrei comunidades, seminaristas,
religiosos ou comunidades diocesanas nas quais as jaculatórias mais comuns são as bisbilhotices! É
terrível! «Acabam» um com o outro... E este é o nosso mundo clerical, religioso... Desculpai, mas é
comum: ciúmes, invejas, falar mal do outro. Não só falar mal dos superiores, isto é normal! Mas
quero dizer-vos que isto é tão comum, tão comum. Também eu caí nisto. Fi-lo muitas vezes,
muitas! E envergonho-me! Envergonho-me disto! Não fica bem fazê-lo: falar mal. «Soubeste...
Soubeste...». Mas aquela comunidade é um inferno! Isto não faz bem. E por isso é importante a
relação de amizade e de fraternidade. Os amigos são poucos. A Bíblia diz isto: os amigos, um,
dois... Mas a fraternidade, entre todos. Se tenho algo contra um irmão ou uma irmã, digo-lhe
directamente, ou digo-o a quem pode ajudar, mas não o digo aos outros para o «deixar mal visto». E
as tagarelices são terríveis! Por detrás, por debaixo das bisbilhotices estão as invejas, os ciúmes, as
ambições. Pensai nisto. Certa vez ouvi falar de uma pessoa que, depois dos exercícios espirituais —
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uma pessoa consagrada, uma freira... Esta é boa! Esta freira tinha prometido ao Senhor que nunca
falaria mal de outra. Este é um bom caminho para a santidade! Não falar mal dos outros. «Mas,
padre, há problemas...»: di-lo ao superior, à superiora, ao bispo, que pode remediar. Não o digas a
quem nada pode fazer. Isto é importante: fraternidade! Mas diz-me, tu falarás mal da tua mãe, do
teu pai, dos teus irmãos? Nunca. E por que o fazes na vida consagrada, no seminário, na vida
presbiteral? Só isto: pensai, pensai... Fraternidade! Este amor fraterno.
Mas há dois extremos; neste aspecto da amizade e da fraternidade, há dois extremos: quer o
isolamento, quer a dissipação. Uma amizade e uma fraternidade que me ajudem a não cair nem no
isolamento nem na dissipação. Cultivai as amizades, são um bem precioso: mas devem educar-vos
não para o fechamento, mas para sair de vós mesmos. Um sacerdote, um religioso, uma religiosa
nunca pode estar isolado, mas deve ser uma pessoa sempre disponível ao encontro. Depois as
amizades enriquecem-se também com os diversos carismas das vossas famílias religiosas. É uma
riqueza grande. Pensemos nas boas amizades de tantos santos.
Penso que devo finalizar, porque a vossa paciência é grande!
[Seminaristas: «Nãooooo!»].
Gostaria de vos dizer: saí de vós mesmos para anunciar o Evangelho, mas para fazer isto deveis sair
de vós mesmos para encontrar Jesus. Há dois caminhos: um rumo ao encontro com Jesus, à
transcendência; o segundo rumo aos outros para anunciar Jesus. Estes dois caminham juntos. Se
percorres só um deles, não está bem! Penso em Madre Teresa de Calcutá. Era valorosa, esta irmã...
Não temia nada, ia pelas ruas... Mas esta mulher não tinha medo nem sequer de se ajoelhar, duas
horas, diante do Senhor. Não tenhais medo de sair de vós na oração e na acção pastoral. Sede
corajosos para rezar e para ir anunciar o Evangelho.
Desejaria uma Igreja mais missionária, não muito tranquila. Aquela bonita Igreja vai em frente.
Nestes dias vieram tantos missionários e missionárias à Missa matutina, aqui em Santa Marta, e
quando me saudavam diziam-me: «Mas eu sou uma irmã idosa; há quarenta anos que estou no
Chade, que estou aqui, ali...». Que bonito! Mas compreendia que esta irmã passou estes anos assim,
porque nunca deixou de se encontrar com Jesus na oração. Sair de si mesmo, rumo à transcendência
para os outros no apostolado, no trabalho. Contribuí para uma Igreja assim: fiel ao caminho que
Jesus quer. Não aprendais de nós, de nós, que já não somos muito jovens; não aprendais de nós
aquele desporto que nós, idosos, praticamos com frequência: o desporto da lamentação! Não
aprendais de nós o culto «da deusa lamentação». Esta é uma deusa... sempre com a lamentação...
Mas sede positivos, cultivai a vida espiritual e, ao mesmo tempo, ide, sede capazes de encontrar as
pessoas, sobretudo as mais desprezadas e desfavorecidas. Não tenhais medo de sair e ir contra a
corrente. Sede contemplativos e missionários. Tende sempre Nossa Senhora convosco, recitai o
Rosário, por favor... Nunca o descuideis! Tende sempre Nossa Senhora convosco na vossa casa,
como a tinha o Apóstolo João. Ela vos acompanhe sempre e vos proteja. E rezai também por mim,
porque também eu preciso de orações, porque sou um pobre pecador, mas vamos em frente.
Muito obrigado e ver-nos-emos amanhã. Em frente, com alegria, com coerência, sempre com
aquela coragem de dizer a verdade, aquela coragem de sair de si mesmo para encontrar os outros e
levar-lhes o Evangelho. Com a fecundidade pastoral! Por favor, não sejais «solteironas»,
«solteirões». Em frente!
Dizia D. Fisichella, que ontem recitastes o Credo, cada um na própria língua. Mas todos somos
irmãos, temos o mesmo Pai. Agora, cada um na própria língua, recite o Pai-Nosso. Recitemos o PaiNosso.
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[Recitação do Pai-Nosso].
E temos também uma Mãe. Na própria língua, digamos a Ave-Maria.
[Recitação da Ave-Maria].
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SANTA MISSA COM OS SEMINARISTAS, NOVIÇOS, NOVIÇAS E QUANTOS ESTÃO EM
CAMINHADA VOCACIONAL
HOMILIA DO SANTO PADRE FRANCISCO
Basílica Vaticana
Domingo, 7 de Julho de 2013
Vídeo
Amados irmãos e irmãs!
Já ontem tive a alegria de vos encontrar, e hoje a nossa festa é ainda maior porque nos reunimos
para a Eucaristia, no Dia do Senhor. Sois seminaristas, noviços e noviças, jovens em caminhada
vocacional, vindos dos diversos cantos do mundo: representais a juventude da Igreja. Se a Igreja é a
Esposa de Cristo, de certo modo vós representais o seu tempo de noivado, a primavera da vocação,
o período da descoberta, do discernimento, da formação. E é um período muito belo, em que se
lançam as bases do futuro. Obrigado por terdes vindo!
Hoje a Palavra de Deus fala-nos da missão. Donde nasce a missão? A resposta é simples: nasce de
uma chamada – a do Senhor – e Ele chama para ser enviado. Qual deve ser o estilo do enviado?
Quais são os pontos de referência da missão cristã? As leituras que ouvimos sugerem-nos três: a
alegria da consolação, a cruz e a oração.
1. O primeiro elemento: a alegria de consolação. O profeta Isaías dirige-se a um povo que
atravessou o período escuro do exílio, sofreu uma prova muito dura; mas agora, para Jerusalém,
chegou o tempo da consolação; a tristeza e o medo devem dar lugar à alegria: «Alegrai-vos (...),
rejubilai (…) regozijai-vos» – diz o Profeta (66, 10). É um grande convite à alegria. Porquê? Qual é
o motivo deste convite à alegria? Porque o Senhor derramará sobre a Cidade Santa e seus habitantes
uma «cascata» de consolação, uma cascata de consolação – ficando assim repletos de consolação –,
uma cascata de ternura materna: «Serão levados ao colo e acariciados sobre os seus regaços» (v.
12). Como faz a mãe quando põe o filho no regaço e o acaricia, assim o Senhor fará connosco… faz
connosco. Esta é a cascata de ternura que nos dá tanta consolação. «Como a mãe consola o seu
filho, assim Eu vos consolarei» (v. 13). Cada cristão, mas sobretudo nós, somos chamados a levar
esta mensagem de esperança, que dá serenidade e alegria: a consolação de Deus, a sua ternura para
com todos. Mas só podemos ser seus portadores, se experimentarmos nós primeiro a alegria de ser
consolados por Ele, de ser amados por Ele. Isto é importante para que a nossa missão seja fecunda:
sentir a consolação de Deus e transmiti-la! Algumas vezes encontrei pessoas consagradas que têm
medo da consolação de Deus e… pobrezinho, pobrezinha delas, se amofinam porque têm medo
desta ternura de Deus. Mas não tenhais medo. Não tenhais medo, o nosso Deus é o Senhor da
consolação, o Senhor da ternura. O Senhor é Pai e Ele disse que procederá connosco como faz uma
mãe com o seu filho, com a ternura dela. Não tenhais medo da consolação do Senhor. O convite de
Isaías: «consolai, consolai o meu povo» (40,1) deve ressoar no nosso coração e tornar-se missão.
Encontrarmos, nós, o Senhor que nos consola e irmos consolar o povo de Deus: esta é a missão.
Hoje as pessoas precisam certamente de palavras, mas sobretudo têm necessidade que
testemunhemos a misericórdia, a ternura do Senhor, que aquece o coração, desperta a esperança,
atrai para o bem. A alegria de levar a consolação de Deus!
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2. O segundo ponto de referência da missão é a cruz de Cristo. São Paulo, ao escrever aos Gálatas,
diz: «Quanto a mim, de nada me quero gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo» (6,
14). E fala de «estigmas», isto é, das chagas de Jesus crucificado, como selo, marca distintiva da sua
vida de apóstolo do Evangelho. No seu ministério, Paulo experimentou o sofrimento, a fraqueza e a
derrota, mas também a alegria e a consolação. Isto é o mistério pascal de Jesus: mistério de morte e
ressurreição. E foi precisamente o ter-se deixado configurar à morte de Jesus que fez São Paulo
participar na sua ressurreição, na sua vitória. Na hora da escuridão, na hora e da prova, já está
presente e operante a alvorada da luz e da salvação. O mistério pascal é o coração palpitante da
missão da Igreja. E, se permanecermos dentro deste mistério, estamos a coberto quer de uma visão
mundana e triunfalista da missão, quer do desânimo que pode surgir à vista das provas e dos
insucessos. A fecundidade pastoral, a fecundidade do anúncio do Evangelho não deriva do sucesso
nem do insucesso vistos segundo critérios de avaliação humana, mas de conformar-se com a lógica
da Cruz de Jesus, que é a lógica de sair de si mesmo e dar-se, a lógica do amor. É a Cruz – sempre a
Cruz com Cristo, porque às vezes oferecem-nos a cruz sem Cristo: esta não vale! É a Cruz, sempre
a Cruz com Cristo – que garante a fecundidade da nossa missão. E é da Cruz, supremo acto de
misericórdia e amor, que se renasce como «nova criação» (Gl 6, 15).
3. Finalmente, o terceiro elemento: a oração. Ouvimos no Evangelho: «Rogai ao dono da messe que
mande trabalhadores para a sua messe» (Lc 10, 2). Os trabalhadores para a messe não são
escolhidos através de campanhas publicitárias ou apelos ao serviço da generosidade, mas são
«escolhidos» e «mandados» por Deus. É Ele que escolhe, é Ele que manda; sim, é Ele que manda, é
Ele que confere a missão. Por isso é importante a oração. A Igreja – repetia Bento XVI – não é
nossa, mas de Deus; e quantas vezes nós, os consagrados, pensamos que seja nossa! Fazemos
dela… qualquer coisa que nos vem à cabeça. Mas não é nossa; é de Deus. O o campo a cultivar é
d’Ele. Assim, a missão é sobretudo graça. A missão é graça. E, se o apóstolo é fruto da oração,
nesta encontrará a luz e a força da sua acção. De contrário, a nossa missão não será fecunda; mais,
apaga-se no próprio momento em que se interrompe a ligação com a fonte, com o Senhor.
Queridos seminaristas, queridas noviças e queridos noviços, queridos jovens em caminhada
vocacional! Há dias, um de vós, um dos vossos formadores, dizia-me: évangéliser on le fait à
genoux, a evangelização faz-se de joelhos. Ouvi bem: «A evangelização faz-se de joelhos». Sede
sempre homens e mulheres de oração! Sem o relacionamento constante com Deus a missão torna-se
um ofício. Mas que trabalho fazes? Trabalho de alfaiate, de cozinheira, de padre… Trabalhas de
padre, de freira? Não. Não é um ofício, é diverso. O risco do activismo, de confiar demasiado nas
estruturas, está sempre à espreita. Se olhamos a vida de Jesus, constatamos que, na véspera de cada
decisão ou acontecimento importante, Ele Se recolhia em oração intensa e prolongada. Cultivemos
a dimensão contemplativa, mesmo no turbilhão dos compromissos mais urgentes e pesados. E
quanto mais a missão vos chamar para ir para as periferias existenciais, tanto mais o vosso coração
se mantenha unido ao de Cristo, cheio de misericórdia e de amor. Aqui reside o segredo da
fecundidade pastoral, da fecundidade de um discípulo do Senhor!
Jesus envia os seus sem «bolsa, nem alforge, nem sandálias» (Lc 10, 4). A difusão do Evangelho
não é assegurada pelo número das pessoas, nem pelo prestígio da instituição, nem ainda pela
quantidade de recursos disponíveis. O que conta é estar permeados pelo amor de Cristo, deixar-se
conduzir pelo Espírito Santo e enxertar a própria existência na árvore da vida, que é a Cruz do
Senhor.
Queridos amigos e amigas, com grande confiança vos confio à intercessão de Maria Santíssima.
Ela é a Mãe que nos ajuda a tomar as decisões definitivas com liberdade, sem medo. Que Ela vos
ajude a testemunhar a alegria da consolação de Deus, sem ter medo da alegria; Ela vos ajude a
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conformar-vos com a lógica de amor da Cruz, a crescer numa união cada vez mais intensa com o
Senhor na oração. Assim a vossa vida será rica e fecunda!
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PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 7 de Julho de 2013
Vídeo
Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Antes de tudo, desejo compartilhar convosco a alegria de ter encontrado, ontem e hoje, uma
peregrinação especial do Ano da fé: a dos seminaristas, dos noviços e das noviças. Peço-vos
que rezeis por eles, a fim de que o amor a Cristo amadureça cada vez mais na sua vida e para
que eles se tornem verdadeiros missionários do Reino de Deus.
O Evangelho deste domingo (cf.Lc10, 1-12.17-20) fala-nos precisamente disto: Jesus não é um
missionário isolado, não quer cumprir a sua missão sozinho, mas compromete também os seus
discípulos. E hoje vemos que, além dos doze apóstolos, chama outros setenta e dois, enviandoos depois aos povoados, dois a dois, para anunciar que o Reino de Deus está próximo. Isto é
muito bonito! Jesus não deseja agir sozinho, mas veio trazer ao mundo o amor de Deus e quer
propagá-lo com o estilo da comunhão, com o estilo da fraternidade. Por isso, forma
imediatamente uma comunidade de discípulos, que constitui uma comunidade missionária.
Prepara-se imediatamente para a missão, para partir.
Mas atenção: a finalidade não é socializar, passar o tempo juntos, não; o objectivo é anunciar o
Reino de Deus, e isto é urgente! Também hoje é urgente! Não há tempo a perder com bisbilhotices,
não se pode esperar o consenso de todos, mas é preciso partir e anunciar. Anuncia-se a todos a paz
de Cristo, e se não a acolhem, contudo vai-se em frente. Aos doentes leva-se a cura, porque Deus
quer curar o homem de todo o mal. Quantos missionários já fazem isto! Semeiam vida, saúde e
alívio nas periferias do mundo. Como isto é bonito! Não vivas para ti mesmo, nem para ti mesma,
mas vive para ir fazer o bem! Hoje há tantos jovens na praça. Pensai nisto, interrogando-vos: Jesus
chama-me a partir, a sair de mim mesmo para fazer o bem? A vós, jovens, a vós rapazes e moças,
eu pergunto: vós sois corajosos para isto, tendes a coragem de ouvir a voz de Jesus? É bonito ser
missionário! (...) Ah, sois bons! Eu gosto disto!
Quem são estes setenta e dois discípulos, que Jesus envia adiante de si mesmo? Quem representam?
Se os doze são os apóstolos, e por conseguinte representam também os bispos, os seus sucessores,
estes setenta e dois podem representar os demais ministros ordenados, presbíteros e diáconos; mas,
em sentido mais amplo, podemos pensar nos outros ministérios da Igreja, nos catequistas e nos fiéis
leigos que se comprometem nas missões paroquiais, em quantos trabalham com os enfermos, com
as diferentes formas de dificuldade e de marginalização; mas sempre como missionários do
Evangelho, com a urgência do Reino que está próximo. Todos devem ser missionários, todos
podem ouvir este chamamento de Jesus e ir adiante e anunciar o Reino!
O Evangelho recorda que aqueles setenta e dois voltaram das respectivas missões cheios de alegria,
porque tinham experimentado o poder do Nome de Cristo contra o mal. E Jesus confirma-o: àqueles
discípulos, Ele concede a força para derrotar o Maligno. Mas acrescenta: «Contudo, não vos
alegreis porque os espíritos vos estão sujeitos, mas alegrai-vos porque os vossos nomes estão
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inscritos nos céus» (Lc10, 20). Não devemos vangloriar-nos, como se fôssemos os protagonistas:
um só é o protagonista: o Senhor! Protagonista é a graça do Senhor! Ele é o único protagonista! E a
nossa alegria consiste unicamente nisto: ser seus discípulos, seus amigos. Que Nossa Senhora nos
ajude a ser bons trabalhadores do Evangelho.
Estimados amigos, a alegria! Não tenhais medo de ser alegres! Não receeis o júbilo! Aquela alegria
que o Senhor nos concede, quando o deixamos entrar na nossa vida, quando permitimos que Ele
entre na nossa vida e nos convide a sair de nós mesmos para ir às periferias da vida e anunciar o
Evangelho. Então não tenhais medo da alegria. Alegria e coragem!
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VISITA APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL
POR OCASIÃO DA XXVIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
SANTA MISSA COM OS BISPOS DA JMJ,
SACERDOTES, RELIGIOSOS E SEMINARISTAS
HOMILIA DO SANTO PADRE
Catedral de São Sebastião, Rio de Janeiro
Sábado, 27 de Julho de 2013
Vídeo
Amados Irmãos em Cristo,
Vendo esta catedral lotada com Bispos, sacerdotes, seminaristas, religiosos e religiosas vindos
do mundo inteiro, penso nas palavras do Salmo da Missa de hoje: «Que as nações vos
glorifiquem, ó Senhor» (Sl 66).
Sí, estamos aquí para alabar al Señor, y lo hacemos reafirmando nuestra voluntad de ser
instrumentos suyos, para que alaben a Dios no sólo algunos pueblos, sino todos. Con la misma
parresia de Pablo y Bernabé, queremos anunciar el Evangelio a nuestros jóvenes para que
encuentren a Cristo y se conviertan en constructores de un mundo más fraterno. En este
sentido, quisiera reflexionar con ustedes sobre tres aspectos de nuestra vocación: llamados
por Dios, llamados a anunciar el Evangelio, llamados a promover la cultura del encuentro.
1. Llamados por Dios. Creo que es importante reavivar siempre en nosotros este hecho, que a
menudo damos por descontado entre tantos compromisos cotidianos: «No son ustedes los que me
eligieron a mí, sino yo el que los elegí a ustedes», dice Jesús (Jn 15,16). Es un caminar de nuevo
hasta la fuente de nuestra llamada. Por eso un obispo, un sacerdote, un consagrado, una consagrada,
un seminarista, no puede ser un desmemoriado. Pierde la referencia esencial al inicio de su camino.
Pedir la gracia, pedirle a la Virgen, Ella tenía buena memoria, la gracia de ser memoriosos, de ese
primer llamado. Hemos sido llamados por Dios y llamados para permanecer con Jesús (cf. Mc
3,14), unidos a él. En realidad, este vivir, este permanecer en Cristo, marca todo lo que somos y lo
que hacemos. Es precisamente la «vida en Cristo» que garantiza nuestra eficacia apostólica y la
fecundidad de nuestro servicio: «Soy yo el que los elegí a ustedes, y los destiné para que vayan y
den fruto, y ese fruto sea verdadero»(Jn 15,16). No es la creatividad, por más pastoral que sea, no
son los encuentros o las planificaciones lo que aseguran los frutos, si bien ayudan y mucho, sino lo
que asegura el fruto es ser fieles a Jesús, que nos dice con insistencia: «Permanezcan en mí, como
yo permanezco en ustedes»(Jn 15,4). Y sabemos muy bien lo que eso significa: contemplarlo,
adorarlo y abrazarlo en nuestro encuentro cotidiano con él en la Eucaristía, en nuestra vida de
oración, en nuestros momentos de adoración, y también reconocerlo presente y abrazarlo en las
personas más necesitadas. El «permanecer» con Cristo no significa aislarse, sino un permanecer
para ir al encuentro de los otros. Quiero acá recordar algunas palabras de la beata Madre Teresa de
Calcuta. Dice así: «Debemos estar muy orgullosos de nuestra vocación, que nos da la oportunidad
de servir a Cristo en los pobres. Es en las «favelas»", en los «cantegriles», en las «villas miseria»
donde hay que ir a buscar y servir a Cristo. Debemos ir a ellos como el sacerdote se acerca al altar:
con alegría» (Mother Instructions, I, p. 80). Hasta aquí la beata. Jesús, es el Buen Pastor, es nuestro
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verdadero tesoro, por favor, no lo borremos de nuestra vida. Enraicemos cada vez más nuestro
corazón en él (cf. Lc 12,34).
2. Llamados a anunciar el Evangelio. Muchos de ustedes, queridos Obispos y sacerdotes, si no
todos, han venido para acompañar a los jóvenes a la Jornada Mundial de la Juventud. También ellos
han escuchado las palabras del mandato de Jesús: «Vayan, y hagan discípulos a todas las naciones»
(cf. Mt 28,19). Nuestro compromiso de pastores es ayudarles a que arda en su corazón el deseo de
ser discípulos misioneros de Jesús. Ciertamente, muchos podrían sentirse un poco asustados ante
esta invitación, pensando que ser misioneros significa necesariamente abandonar el país, la familia
y los amigos. Dios quiere que seamos misioneros. ¿Dónde estamos? Donde Él nos pone: en nuestra
Patria, o donde Él nos ponga. Ayudemos a los jóvenes a darse cuenta de que ser discípulos
misioneros es una consecuencia de ser bautizados, es parte esencial del ser cristiano, y que el primer
lugar donde se ha de evangelizar es la propia casa, el ambiente de estudio o de trabajo, la familia y
los amigos.Ayudemos a los jóvenes. Pongámosle la oreja para escuchar sus ilusiones. Necesitan ser
escuchados. Para escuchar sus logros, para escuchar sus dificultades, hay que estar sentados,
escuchando quizás el mismo libreto, pero con música diferente, con identidades diferentes. ¡La
paciencia de escuchar! Eso se lo pido de todo corazón. En el confesionario, en la dirección
espiritual, en el acompañamiento. Sepamos perder el tiempo con ellos. Sembrar cuesta y cansa,
¡cansa muchísimo! Y es mucho más gratificante gozar de la cosecha… ¡Qué vivo! Todos gozamos
más con la cosecha! Pero Jesús nos pide que sembremos en serio. No escatimemos esfuerzos en la
formación de los jóvenes. San Pablo, dirigiéndose a sus cristianos, utiliza una expresión, que él hizo
realidad en su vida: «Hijos míos, por quienes estoy sufriendo nuevamente los dolores del parto
hasta que Cristo sea formado en ustedes»(Ga 4,19). Que también nosotros la hagamos realidad en
nuestro ministerio. Ayudar a nuestros jóvenes a redescubrir el valor y la alegría de la fe, la alegría
de ser amados personalmente por Dios. Esto es muy difícil, pero cuando un joven lo entiende, un
joven lo siente con la unción que le da el Espíritu Santo, este ser amado personalmente por Dios lo
acompaña toda la vida después. La alegría que ha dado a su Hijo Jesús por nuestra salvación.
Educarlos en la misión, a salir, a ponerse en marcha, a ser callejeros de la fe. Así hizo Jesús con sus
discípulos: no los mantuvo pegados a él como la gallina con los pollitos; los envió. No podemos
quedarnos enclaustrados en la parroquia, en nuestra comunidad, en nuestra institución parroquial o
en nuestra institución diocesana, cuando tantas personas están esperando el Evangelio. Salir,
enviados. No es un simple abrir la puerta para que vengan, para acoger, sino salir por la puerta para
buscar y encontrar. Empujemos a los jóvenes para que salgan. Por supuesto que van a hacer
macanas. ¡No tengamos miedo! Los apóstoles las hicieron antes que nosotros. ¡Empujémoslos a
salir! Pensemos con decisión en la pastoral desde la periferia, comenzando por los que están más
alejados, los que no suelen frecuentar la parroquia. Ellos son los invitados VIP. Al cruce de los
caminos, andar a buscarlos.
3. Ser llamados por Jesús, llamados para evangelizar y, tercero, llamados a promover la cultura del
encuentro. En muchos ambientes, y en general en este humanismo economicista que se nos impuso
en el mundo, se ha abierto paso una cultura de la exclusión, una «cultura del descarte». No hay
lugar para el anciano ni para el hijo no deseado; no hay tiempo para detenerse con aquel pobre en la
calle. A veces parece que, para algunos, las relaciones humanas estén reguladas por dos «dogmas»:
eficiencia y pragmatismo. Queridos obispos, sacerdotes, religiosos, religiosas, y ustedes,
seminaristas que se preparan para el ministerio, tengan el valor de ir contracorriente de esa cultura.
¡Tener el coraje! Acuérdense, y a mí esto me hace bien, y lo medito con frecuencia. Agarren el
Primer Libro de los Macabeos, acuérdense cuando quisieron ponerse a tono de la cultura de la
época. “No...! Dejemos, no…! Comamos de todo como toda la gente… Bueno, la Ley sí, pero que
no sea tanto…” Y fueron dejando la fe para estar metidos en la corriente de esta cultura. Tengan el
valor de ir contracorriente de esta cultura eficientista, de esta cultura del descarte. El encuentro y la
acogida de todos, la solidaridad, es una palabra que la están escondiendo en esta cultura, casi una
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mala palabra, la solidaridad y la fraternidad, son elementos que hacen nuestra civilización
verdaderamente humana.
Ser servidores de la comunión y de la cultura del encuentro. Los quisiera casi obsesionados en este
sentido. Y hacerlo sin ser presuntuosos, imponiendo «nuestra verdad», más bien guiados por la
certeza humilde y feliz de quien ha sido encontrado, alcanzado y transformado por la Verdad que es
Cristo, y no puede dejar de proclamarla (cf. Lc 24,13-35).
Queridos hermanos y hermanas, estamos llamados por Dios, con nombre y apellido, cada uno de
nosotros, llamados a anunciar el Evangelio y a promover con alegría la cultura del encuentro. La
Virgen María es nuestro modelo. En su vida ha dado el «ejemplo de aquel amor de madre que debe
animar a todos los que colaboran en la misión apostólica de la Iglesia para engendrar a los hombres
a una vida nueva» (Conc. Ecum. Vat. II, Const. dogm. Lumen gentium, 65).
Le pedimos que nos enseñe a encontrarnos cada día con Jesús. Y, cuando nos hacemos los
distraídos, que tenemos muchas cosas, y el sagrario queda abandonado, que nos lleve de la mano.
Pidámoselo. Mira, Madre, cuando ande medio así, por otro lado, llévame de la mano. Que nos
empuje a salir al encuentro de tantos hermanos y hermanas que están en la periferia, que tienen sed
de Dios y no hay quien se lo anuncie. Que no nos eche de casa, pero que nos empuje a salir de casa.
Y así que seamos discípulos del Señor. Que Ella nos conceda a todos esta gracia.
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VISITA APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL
POR OCASIÃO DA XXVIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
VIGÍLIA DE ORAÇÃO COM OS JOVENS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Copacabana, Rio de Janeiro
Sábado, 27 de Julho de 2013
Vídeo
Queridos jovens,
Contemplando vocês que hoje estão aqui presentes, me vem à mente a história de São
Francisco de Assis. Diante do Crucifixo, ele escuta a voz de Jesus que lhe diz: «Francisco, vai
e repara a minha casa». E o jovem Francisco responde, com prontidão e generosidade, a esta
chamada do Senhor para reparar sua casa. Mas qual casa? Aos poucos, ele percebe que não
se tratava fazer de pedreiro para reparar um edifício feito de pedras, mas de dar a sua
contribuição para a vida da Igreja; era colocar-se ao serviço da Igreja, amando-a e
trabalhando para que transparecesse nela sempre mais a Face de Cristo.
Também hoje o Senhor continua precisando de vocês, jovens, para a sua Igreja. Queridos
jovens, o Senhor precisa de vocês! Ele também hoje chama a cada um de vocês para segui-lo
na sua Igreja e ser missionário. Hoje, queridos jovens, o Senhor lhes chama! Não em magote,
mas um a um… a cada um. Escutem no coração aquilo que lhes diz. Penso que podemos
aprender algo daquilo que sucedeu nestes dias: por causa do mau tempo, tivemos de
suspender a realização desta Vigília no “Campus Fidei”, em Guaratiba. Não quererá
porventura o Senhor dizer-nos que o verdadeiro “Campus Fidei”, o verdadeiro Campo da Fé
não é um lugar geográfico, mas somos nós mesmos? Sim, é verdade! Cada um de nós, cada
um de vocês, eu, todos. E ser discípulo missionário significa saber que somos o Campo da Fé
de Deus. Ora, partindo da denominação Campo da Fé, pensei em três imagens que podem nos
ajudar a entender melhor o que significa ser um discípulo missionário: a primeira imagem, o
campo como lugar onde se semeia; a segunda, o campo como lugar de treinamento; e a
terceira, o campo como canteiro de obras.
1. Primeiro: o campo como lugar onde se semeia. Todos conhecemos a parábola de Jesus sobre um
semeador que saiu pelo campo lançando sementes; algumas caem à beira do caminho, em meio às
pedras, no meio de espinhos e não conseguem se desenvolver; mas outras caem em terra boa e dão
muito fruto (cf. Mt 13,1-9). Jesus mesmo explica o sentido da parábola: a semente é a Palavra de
Deus que é lançada nos nossos corações (cf. Mt 13,18-23). Hoje – todos os dias, mas de forma
especial hoje – Jesus semeia. Quando aceitamos a Palavra de Deus, então somos o Campo da Fé!
Por favor, deixem que Cristo e a sua Palavra entrem na vida de vocês, deixem entrar a semente da
Palavra de Deus, deixem que germine, deixem que cresça. Deus faz tudo, mas vocês deixem-no
agir, deixem que Ele trabalhe neste crescimento!
Jesus nos diz que as sementes, que caíram à beira do caminho, em meio às pedras e em meio aos
espinhos não deram fruto. Creio que podemos, com honestidade, perguntar-nos: Que tipo de terreno
somos, que tipo de terreno queremos ser? Quem sabe se, às vezes, somos como o caminho:
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escutamos o Senhor, mas na nossa vida não muda nada, pois nos deixamos aturdir por tantos apelos
superficiais que escutamos. Eu pergunto-lhes, mas agora não respondam, cada um responde no seu
coração: Sou uma jovem, um jovem aturdido? Ou somos como o terreno pedregoso: acolhemos
Jesus com entusiasmo, mas somos inconstantes; diante das dificuldades, não temos a coragem de ir
contra a corrente. Cada um de nós responda no seu coração: Tenho coragem ou sou um cobarde?
Ou somos como o terreno com os espinhos: as coisas, as paixões negativas sufocam em nós as
palavras do Senhor (cf. Mt 13, 18-22). Em meu coração, tenho o hábito de jogar em dois papéis:
fazer bela figura com Deus e fazer bela figura com o diabo? O hábito de querer receber a semente
de Jesus e, ao mesmo tempo, irrigar os espinhos e as ervas daninhas que nascem no meu coração?
Hoje, porém, eu tenho a certeza que a semente pode cair em terra boa. Nos testemunhos, ouvimos
como a semente caiu em terra boa. «Não, Padre, eu não sou terra boa! Sou uma calamidade, estou
cheio de pedras, de espinhos, de tudo». Sim, pode suceder que à superfície seja assim, mas você
liberte um pedacinho, um bocado de terra boa e deixe que caia lá a semente e verá como vai
germinar. Eu sei que vocês querem ser terreno bom, cristãos de verdade; e não cristãos pela metade,
nem cristãos “engomadinhos”, cujo cheiro os denuncia pois parecem cristãos mas no fundo, no
fundo não fazem nada; nem cristãos de fachada, cristãos que são “pura aparência”, mas sim cristãos
autênticos. Sei que vocês não querem viver na ilusão de uma liberdade inconsistente que se deixa
arrastar pelas modas e as conveniências do momento. Sei que vocês apostam em algo grande, em
escolhas definitivas que deem pleno sentido. É assim ou estou enganado? É assim? Bem; se é assim,
façamos uma coisa: todos, em silêncio, fixemos o olhar no coração e cada um diga a Jesus que quer
receber a semente. Digam a Jesus: Vê, Jesus, as pedras que tem, vê os espinhos, vê as ervas
daninhas, mas vê este pedacinho de terra que te ofereço para que entre a semente. Em silêncio,
deixemos entrar a semente de Jesus. Lembrem-se deste momento, cada um sabe o nome da semente
que entrou. Deixem-na crescer, e Deus cuidará dela.
2. O campo...O campo, para além de ser um lugar de sementeira, é lugar de treinamento. Jesus nos
pede que o sigamos por toda a vida, pede que sejamos seus discípulos, que “joguemos no seu time”.
A maioria de vocês ama os esportes. E aqui no Brasil, como em outros países, o futebol é paixão
nacional. Sim ou não? Ora bem, o que faz um jogador quando é convocado para jogar em um time?
Deve treinar, e muito! Também é assim a nossa vida de discípulos do Senhor. Descrevendo os
cristãos, São Paulo nos diz: «Todo atleta se impõe todo tipo de disciplina. Eles assim procedem,
para conseguirem uma coroa corruptível. Quanto a nós, buscamos uma coroa incorruptível!» (1Co
9, 25). Jesus nos oferece algo superior à Copa do Mundo! Algo superior à Copa do Mundo! Jesus
oferece-nos a possibilidade de uma vida fecunda, de uma vida feliz e nos oferece também um futuro
com Ele que não terá fim, na vida eterna. É o que nos oferece Jesus, mas pede para pagarmos a
entrada; e a entrada é que treinemos para estar “em forma”, para enfrentar, sem medo, todas as
situações da vida, testemunhando a nossa fé. Através do diálogo com Ele: a oração. Padre, agora vai
pôr-nos todos a rezar? Porque não? Pergunto-lhes… mas respondam no seu coração, não em voz
alta mas no silêncio: Eu rezo? Cada um responda. Eu falo com Jesus ou tenho medo do silêncio?
Deixo que o Espírito Santo fale no meu coração? Eu pergunto a Jesus: Que queres que eu faça, que
queres da minha vida? Isto é treinar-se. Perguntem a Jesus, falem com Jesus. E se cometerem um
erro na vida, se tiverem uma escorregadela, se fizerem qualquer coisa de mal, não tenham medo.
Jesus, vê o que eu fiz! Que devo fazer agora? Mas falem sempre com Jesus, no bem e no mal,
quando fazem uma coisa boa e quando fazem uma coisa má. Não tenham medo d’Ele! Esta é a
oração. E assim treinam no diálogo com Jesus, neste discipulado missionário! Através dos
sacramentos, que fazem crescer em nós a sua presença. Através do amor fraterno, do saber escutar,
do compreender, do perdoar, do acolher, do ajudar os demais, qualquer pessoa sem excluir nem
marginalizar ninguém. Queridos jovens, que vocês sejam verdadeiros “atletas de Cristo”!
3. E terceiro: o campo como canteiro de obras. Aqui mesmo vimos como se pôde construir uma
igreja: indo e vindo, os jovens e as jovens deram o melhor de si e construíram a Igreja. Quando o
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nosso coração é uma terra boa que acolhe a Palavra de Deus, quando “se sua a camisa” procurando
viver como cristãos, nós experimentamos algo maravilhoso: nunca estamos sozinhos, fazemos parte
de uma família de irmãos que percorrem o mesmo caminho; somos parte da Igreja. Esses jovens,
essas jovens não estavam sós, mas, juntos, fizeram um caminho e construíram a Igreja; juntos,
realizaram o que fez São Francisco: construir, reparar a Igreja. Eu lhes pergunto: Querem construir
a Igreja? [Sim…] Se animam uns aos outros a fazê-lo? [Sim…] E amanhã terão esquecido este
«sim» que disseram? [Não…] Assim gosto! Somos parte da Igreja; mais ainda, tornamo-nos
construtores da Igreja e protagonistas da história. Jovens, por favor, não se ponham na «cauda» da
história. Sejam protagonistas. Joguem ao ataque! Chutem para diante, construam um mundo
melhor, um mundo de irmãos, um mundo de justiça, de amor, de paz, de fraternidade, de
solidariedade. Jogai sempre ao ataque! São Pedro nos diz que somos pedras vivas que formam um
edifício espiritual (cf. 1Pe 2,5). E, olhando para este palco, vemos a miniatura de uma igreja,
construída com pedras vivas. Na Igreja de Jesus, nós somos as pedras vivas, e Jesus nos pede que
construamos a sua Igreja; cada um de nós é uma pedra viva, é um pedacinho da construção e,
quando vem a chuva, se faltar aquele pedacinho, temos infiltrações e entra a água na casa. E não
construam uma capelinha, onde cabe somente um grupinho de pessoas. Jesus nos pede que a sua
Igreja viva seja tão grande que possa acolher toda a humanidade, que seja casa para todos! Ele diz a
mim, a você, a cada um: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações»! Nesta noite, respondamoslhe: Sim, Senhor! Também eu quero ser uma pedra viva; juntos queremos edificar a Igreja de Jesus!
Eu quero ir e ser construtor da Igreja de Cristo! Atrevem-se a repetir isto? Eu quero ir e ser
construtor da Igreja de Cristo! Digam agora… [os jovens repetem]. Depois devem se lembrar que o
disseram juntos.
O coração de vocês, coração jovem, quer construir um mundo melhor. Acompanho as notícias do
mundo e vejo que muitos jovens, em tantas partes do mundo, saíram pelas estradas para expressar o
desejo de uma civilização mais justa e fraterna. Os jovens nas estradas; são jovens que querem ser
protagonistas da mudança. Por favor, não deixem para outros o ser protagonistas da mudança!
Vocês são aqueles que tem o futuro! Vocês… Através de vocês, entra o futuro no mundo. Também
a vocês, eu peço para serem protagonistas desta mudança. Continuem a vencer a apatia, dando uma
resposta cristã às inquietações sociais e políticas que estão surgindo em várias partes do mundo.
Peço-lhes para serem construtores do mundo, trabalharem por um mundo melhor. Queridos jovens,
por favor, não «olhem da sacada» a vida, entrem nela. Jesus não ficou na sacada, mergulhou…
«Não olhem da sacada» a vida, mergulhem nela, como fez Jesus.
Resta, porém, uma pergunta: Por onde começamos? A quem pedimos para iniciar isso? Por onde
começamos? Uma vez perguntaram a Madre Teresa de Calcutá o que devia mudar na Igreja;
queremos começar, mas por qual parede? Por onde – perguntaram a Madre Teresa – é preciso
começar? Por ti e por mim: respondeu ela. Tinha vigor aquela mulher! Sabia por onde começar.
Hoje eu roubo a palavra a Madre Teresa e digo também a você: Começamos? Por onde? Por ti e por
mim! Cada um, de novo em silêncio, se interrogue: se devo começar por mim, por onde principio?
Cada um abra o seu coração, para que Jesus lhe diga por onde começar.
Queridos amigos, não se esqueçam: Vocês são o Campo da Fé! Vocês são os atletas de Cristo!
Vocês são os construtores de uma Igreja mais bela e de um mundo melhor. Elevemos o olhar para
Nossa Senhora. Ela nos ajuda a seguir Jesus, nos dá o exemplo com o seu “sim” a Deus: «Eis aqui a
serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra» (Lc 1,38). Também nós o dizemos a Deus,
juntos com Maria: faça-se em mim segundo a Tua palavra. Assim seja!
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VISITA APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL
POR OCASIÃO DA XXVIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
ALOCUÇÃO DO SANTO PADRE
ANGELUS
Copacabana, Rio de Janeiro
Domingo, 28 de Julho de 2013
Vídeo
Amados irmãos e irmãs!
No término desta Celebração Eucarística, com a qual elevamos a Deus o nosso canto de louvor e
gratidão por todas as graças recebidas durante esta Jornada Mundial da Juventude, quero ainda
agradecer a Dom Orani Tempesta e ao Cardeal Ryłko as palavras que me dirigiram. Agradeço
também a vocês, queridos jovens, por todas as alegrias que me deram nestes dias. Obrigado! Levo
vocês no meu coração!
Dirijamos agora o nosso olhar à Mãe do Céu, a Virgem Maria. Nestes dias, Jesus lhes repetiu com
insistência o convite para serem seus discípulos-missionários; vocês escutaram a voz do Bom Pastor
que lhes chamou pelo nome e vocês reconheceram a voz que lhes chamava (cf. Jo 10,4). Não é
verdade que, nesta voz que ressoou nos seus corações, vocês sentiram a ternura do amor de Deus?
Não é verdade que vocês experimentaram a beleza de seguir a Cristo, juntos, na Igreja? Não é
verdade que vocês compreenderam melhor que o Evangelho é a resposta ao desejo de uma vida
ainda mais plena? (cf. Jo 10,10). É verdade?
A Virgem Imaculada intercede por nós no Céu como uma boa mãe que guarda os seus filhos.
Maria nos ensina, com a sua existência, o que significa ser discípulo missionário. Cada vez que
rezamos o Ângelus, recordamos o acontecimento que mudou para sempre a história dos
homens. Quando o anjo Gabriel anunciou a Maria que se tornaria a Mãe de Jesus, do
Salvador, Ela - mesmo sem compreender todo o significado daquele chamado - confiou em
Deus e respondeu: «Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc
1,38). Mas, o que fez Maria logo em seguida? Após ter recebido a graça de ser a Mãe do
Verbo encarnado, não guardou para si aquele presente; sentiu-se responsável e partiu, saiu da
sua casa e foi, apressadamente, visitar a sua parente Isabel que precisava de ajuda (cf. Lc 1,
38-39); cumpriu um gesto de amor, de caridade e de serviço concreto, levando Jesus que
trazia no ventre. E se apressou a fazer este gesto!
Eis aqui, queridos amigos o nosso modelo. Aquela que recebeu o dom mais precioso de Deus,
como primeiro gesto de resposta, põe-se a caminho para servir e levar Jesus. Peçamos a Nossa
Senhora que também nos ajude a transmitir a alegria de Cristo aos nossos familiares, aos
nossos companheiros, aos nossos amigos, a todas as pessoas. Nunca tenham medo de ser
generosos com Cristo! Vale a pena! Sair e ir com coragem e generosidade, para que cada
homem e cada mulher possa encontrar o Senhor.
Queridos jovens, temos encontro marcado na próxima Jornada Mundial da Juventude, no ano de
2016 em Cracóvia, na Polônia. Pela intercessão materna de Maria, peçamos a luz do Espírito Santo
sobre o caminho que nos levará a esta nova etapa de jubilosa celebração da fé e do amor de Cristo.
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Rezemos agora juntos... [reza do «Ângelus»]
VISITA APOSTÓLICA DO PAPA FRANCISCO AO BRASIL
POR OCASIÃO DA XXVIII JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE
ENCONTRO COM OS VOLUNTÁRIOS DA XXVIII JMJ
DISCURSO DO SANTO PADRE
Pavilhão 5 do Rio Centro, Rio de Janeiro
Domingo, 28 de Julho de 2013
Vídeo
Queridos voluntários, boa tarde!
Não podia regressar a Roma sem antes agradecer, de modo pessoal e afetuoso, a cada um de vocês
pelo trabalho e dedicação com que acompanharam, ajudaram, serviram aos milhares de jovens
peregrinos; pelos inúmeros pequenos detalhes que fizeram desta Jornada Mundial da Juventude uma
experiência inesquecível de fé. Com os sorrisos de cada um de vocês, com a gentileza, com a
disponibilidade ao serviço, vocês provaram que "há maior alegria em dar do que em receber" (At
20,35).
O serviço que vocês realizaram nestes dias me lembrou da missão de São João Batista, que
preparou o caminho para Jesus. Cada um, a seu modo, foi um instrumento para que milhares de
jovens tivessem o “caminho preparado” para encontrar Jesus. E esse é o serviço mais bonito que
podemos realizar como discípulos missionários: preparar o caminho para que todos possam
conhecer, encontrar e amar o Senhor. A vocês que, neste período, responderam com tanta prontidão
e generosidade ao chamado para ser voluntários na Jornada Mundial, queria dizer: sejam sempre
generosos com Deus e com os demais. Não se perde nada; ao contrário, é grande a riqueza da vida
que se recebe!
Deus chama para escolhas definitivas, Ele tem um projeto para cada um: descobri-lo, responder à
própria vocação é caminhar para a realização feliz de si mesmo. A todos Deus nos chama à
santidade, a viver a sua vida, mas tem um caminho para cada um. Alguns são chamados a se
santificar constituindo uma família através do sacramento do Matrimônio. Há quem diga que hoje o
casamento está “fora de moda”. Está fora de moda? [Não…]. Na cultura do provisório, do relativo,
muitos pregam que o importante é “curtir” o momento, que não vale a pena comprometer-se por
toda a vida, fazer escolhas definitivas, “para sempre”, uma vez que não se sabe o que reserva o
amanhã. Em vista disso eu peço que vocês sejam revolucionários, eu peço que vocês vão contra a
corrente; sim, nisto peço que se rebelem: que se rebelem contra esta cultura do provisório que, no
fundo, crê que vocês não são capazes de assumir responsabilidades, crê que vocês não são capazes
de amar de verdade. Eu tenho confiança em vocês, jovens, e rezo por vocês. Tenham a coragem de
“ir contra a corrente”. E tenham também a coragem de ser felizes!
O Senhor chama alguns ao sacerdócio, a se doar a Ele de modo mais total, para amar a todos
com o coração do Bom Pastor. A outros, chama para servir os demais na vida religiosa: nos
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mosteiros, dedicando-se à oração pelo bem do mundo, nos vários setores do apostolado,
gastando-se por todos, especialmente os mais necessitados. Nunca me esquecerei daquele 21
de setembro – eu tinha 17 anos – quando, depois de passar pela igreja de San José de Flores
para me confessar, senti pela primeira vez que Deus me chamava. Não tenham medo daquilo
que Deus lhes pede! Vale a pena dizer “sim” a Deus. N’Ele está a alegria!
Queridos jovens, talvez algum de vocês ainda não veja claramente o que fazer da sua vida.
Peça isso ao Senhor; Ele lhe fará entender o caminho. Como fez o jovem Samuel, que ouviu
dentro de si a voz insistente do Senhor que o chamava, e não entendia, não sabia o que dizer,
mas, com a ajuda do sacerdote Eli, no final respondeu àquela voz: Senhor, fala eu escuto (cf.
1Sm 3,1-10) . Peçam vocês também a Jesus: Senhor, o que quereis que eu faça, que caminho
devo seguir?
Caros amigos, novamente lhes agradeço por tudo o que fizeram nestes dias. Agradeço aos grupos
pastorais, aos movimentos e novas comunidades que colocaram seus membros ao serviço desta
Jornada. Obrigado! Não se esqueçam de nada do que vocês viveram aqui! Podem contar sempre
com minhas orações, e sei que posso contar com as orações de vocês. Uma última coisa: rezem por
mim.
51
PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 4 de Agosto de 2013
Vídeo
Prezados irmãos e irmãs
No domingo passado eu estava no Rio de Janeiro. Concluíam-se a Santa Missa e a Jornada Mundial
da Juventude. Penso que, todos juntos, nós devemos dar graças ao Senhor pelo grande dom que este
acontecimento foi para o Brasil, para a América Latina e para o mundo inteiro. Foi uma nova etapa
na peregrinação dos jovens através dos continentes com a Cruz de Cristo. Nunca podemos esquecer
que as Jornadas Mundiais da Juventude não são «fogos de artifício», momentos de entusiasmo com
a finalidade em si mesmos; trata-se de etapas de um longo caminho, encetado em 1985, por
iniciativa do Papa João Paulo II. Ele confiou aos jovens a Cruz, dizendo: ide, e eu irei convosco! E
assim aconteceu; esta peregrinação dos jovens continuou com o Papa Bento e, graças a Deus,
também eu pude viver esta etapa maravilhosa no Brasil. Recordemos sempre: os jovens não seguem
o Papa, seguem Jesus Cristo, carregando a sua Cruz. E o Papa guia-os e acompanha-os ao longo
deste caminho de fé e de esperança. Por isso, agradeço a todos os jovens que participaram, também
à custa de sacrifícios. E dou graças ao Senhor também pelos outros encontros que tive com os
Pastores e com o povo daquele país grandioso que é o Brasil, mas também com as autoridades e os
voluntários. O Senhor recompense todos aqueles que trabalharam para esta grande festa da fé!
Quero frisar também o meu agradecimento, o meu muito obrigado aos brasileiros. Os brasileiros são
boa gente, este povo tem um grande coração! Não esqueço a sua hospitalidade calorosa, as suas
saudações, os seus olhares e tanta alegria. Um povo generoso; peço ao Senhor que o abençoe tanto!
Gostaria de vos pedir que rezeis comigo a fim de que os jovens que participaram na Jornada
Mundial da Juventude possam traduzir esta experiência no seu caminho quotidiano, nos
comportamentos de todos os dias; e que possam traduzi-la também em importantes opções de
vida, respondendo ao chamamento pessoal do Senhor. Hoje, na liturgia, ressoam as palavras
provocadoras de Coélet: «Vaidade das vaidades... tudo é vaidade» (1, 2). Os jovens são
particularmente sensíveis ao vazio de significado e de valores que muitas vezes os circunda. E,
infelizmente, pagam as suas consequências. Ao contrário, o encontro com Jesus vivo, na sua grande
família que é a Igreja, enche o coração de alegria, porque o torna repleto de vida verdadeira, de um
bem profundo, que não passa e é imarcescível: vimo-lo nos rostos dos jovens no Rio. Mas esta
experiência deve enfrentar a vaidade quotidiana, aquele veneno do vazio que se insinua nas nossas
sociedades fundamentadas no lucro e na posse, que iludem os jovens com o consumismo. O
Evangelho deste domingo recorda-nos precisamente o absurdo de basear a própria felicidade na
posse. O rico diz a si mesmo: Ó minha alma, tens muitos bens em depósito... descansa, come, bebe
e regala-te! Deus, porém, diz-lhe: Insensato! Ainda nesta noite exigirão de ti a tua alma. E as coisas
que acumulaste, de quem serão? (cf.Lc12, 19-20).
Caros irmãos e irmãs, a verdadeira riqueza é o amor de Deus compartilhado com os irmãos. Aquele
amor que vem de Deus e que nos leva a compartilhá-lo entre nós e a ajudar-nos uns aos outros.
Quem o experimenta não tem medo da morte e recebe a paz do coração. Confiemos esta intenção, a
intenção de receber o amor de Deus e de o compartilhar com os irmãos, à intercessão da Virgem
Maria.
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SAUDAÇÃO DO PAPA FRANCISCO
AOS JOVENS PEREGRINOS
DA DIOCESE DE PIACENZA-BOBBIO
Basílica Vaticana - Altar da Cátedra
Quarta-feira, 28 de Agosto de 2013
Obrigado por esta visita!
O bispo disse que fiz um grande gesto vindo aqui. Mas fi-lo por egoísmo. Sabeis por quê? Porque
gosto de estar convosco! E isto é egoísmo.
Por que gosto de me encontrar com os jovens? Porque vós tendes dentro dos vossos
corações uma promessa de esperança. Sois portadores de esperança. Vós, é verdade,
viveis no presente, mas olhais para o futuro... sois artífices do porvir, artesãos do
futuro. Depois — e esta é a vossa alegria — é bom ir rumo ao futuro, com as ilusões e
tantas coisas bonitas — e é também a vossa responsabilidade. Tornar-vos artesãos do
futuro. Quando me dizem: «Mas, Padre, que época ruim é esta... nada podemos
fazer!». Como, nada podemos fazer? E explico que podemos fazer muito! Mas quando
um jovem me diz: «Que época ruim é esta, Padre, nada podemos fazer!». Então,
mando-o consultar um psiquiatra! Porque, é verdade, não se compreende! Não se
entende um jovem, um rapaz, uma moça, que não quer realizar algo grande, apostar
nos grandes ideais do futuro. Depois, farão o que puderem mas a aposta é pelas
realidades grandes e boas. E vós sois artesãos do futuro. Por quê? Porque dentro de
vós conservais três desejos: o da beleza. Vós gostais da beleza e quando fazeis música,
teatro, pintura — manifestações de beleza — estais a buscar aquela beleza, sois
buscadores de beleza. Primeiro. Segundo: sois profetas da bondade. Vós amais a bondade, ser
bons. E esta bondade é contagiosa, ajuda todos os outros. E, terceiro — tendes sede de verdade:
buscar a verdade. «Mas, Padre, eu possuo a verdade!». Mas, cometes um erro, porque a verdade
não se pode possuir, não a trazemos em nós, encontramo-la. É um encontro com a verdade, que é
Deus, mas é preciso procurá-la. E estes três desejos que tendes no coração, deveis levá-los em
frente, para o futuro, e concretizar o futuro com a beleza, com a bondade e com a verdade.
Entendestes? Este é o desafio: o vosso desafio. Mas se fordes indolentes, tristes — é horrível um
jovem triste — se fordes tristes... aquela beleza não será beleza, a bondade não será bondade
nem a verdade será verdade... Pensai bem nisto: apostar num grande ideal, o ideal de construir
um mundo de bondade, beleza e verdade. Vós podeis fazê-lo, tendes o poder de o fazer. Se não o
fizerdes, é por indolência. Queria dizer-vos isto, queria dizer-vos isto.
Queria dizer-vos isto e também: coragem, ide em frente, fazei ruído. Onde estiverem os jovens
deve haver rumor. Depois, as coisas ajustam-se, mas a ilusão de um jovem é fazer barulho
sempre. Ide em frente! Na vida existirão sempre pessoas que vos farão propostas para
desacelerar, para bloquear o vosso caminho. Por favor, ide contra a corrente. Sede corajosos,
corajosas: ide contra a corrente. Podeis ouvir: «Não, mas isto, mas aquilo... toma um pouco de
álcool, usa um pouco de droga». Não! Ide contra a corrente nesta civilização que nos faz muito
mal. Entendestes? Ide contra a corrente; e isto significa fazer barulho, ir em frente, mas com os
valores da beleza, da bondade e da verdade. Queria dizer-vos isto. Desejo-vos todo o bem, bom
trabalho, alegria no coração: jovens alegres! E por isso, dou-vos a Bênção. Mas antes, todos
juntos, rezemos a Nossa Senhora que é a Mãe da beleza, a Mãe da bondade e a Mãe da verdade,
para que nos dê a graça da coragem, porque Nossa Senhora é corajosa, esta mulher tinha
coragem! Era boa, boa, boa! Peçamos a ela, que está no Céu, que é a nossa Mãe, que nos dê a
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graça da coragem para irmos em frente e contra a corrente. Todos juntos, como estais, assim,
rezemos uma Ave-Maria a Nossa Senhora.
E peço-vos que rezeis por mim, porque este trabalho é «insalubre», não faz bem... Rezai por mim!
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PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 8 de Setembro de 2013
Vídeo
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
No evangelho de hoje Jesus insiste sobre as condições para ser seus discípulos: nada antepor
ao amor por Ele, carregar a própria cruz e segui-lo. De facto, muitas pessoas aproximam-se
de Jesus, queriam fazer parte dos seus seguidores; e isto acontecia sobretudo depois de alguns
sinais prodigiosos, que o acreditavam como o Messias, o Rei de Israel. Mas Jesus não quer
iludir ninguém. Ele bem sabe o que o espera em Jerusalém, qual é o caminho que o Pai lhe
pede que percorra: é o caminho da cruz, do sacrifício de si mesmo pelo perdão dos nossos
pecados. Seguir Jesus não significa participar num cortejo triunfal! Significa partilhar o seu
amor misericordioso, entrar na sua grande obra de misericórdia para cada homem e para
todos os homens. A obra de Jesus é precisamente uma obra de misericórdia, de perdão, de
amor! Como Jesus é misericordioso! E este perdão universal, esta misericórdia, passa através
da cruz. Mas Jesus não quer cumprir esta obra sozinho: quer envolver também a nós na
missão que o Pai lhe confiou. Depois da ressurreição dirá aos seus discípulos: «Assim como o
Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós... Àqueles que perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados» (Jo 20, 21.22). O discípulo de Jesus renuncia a todos os bens porque encontrou
n’Ele o Bem maior, no qual qualquer outro bem recebe o seu pleno valor e significado: os
vínculos familiares, as outras relações, o trabalho, os bens culturais e económicos e assim por
diante... O cristão desapega-se de tudo e encontra tudo na lógica do Evangelho, a lógica do
amor e do serviço.
Para explicar esta exigência, Jesus usa duas parábolas: a da torre para construir e a do rei que vai
para a guerra. Esta segunda parábola diz assim: «Qual é o rei que parte para a guerra contra outro
rei, e não se senta primeiro examinando se lhe é possível com dez mil homens opor-se àquele que
vem contra ele com vinte mil? Se não pode, estando o outro ainda longe, manda-lhe embaixadores a
pedir a paz» (Lc14, 31-32). Aqui Jesus não quer enfrentar o tema da guerra, é só uma parábola.
Mas, neste momento no qual estamos a rezar insistentemente pela paz, esta Palavra do Senhor diznos respeito, e na realidade diz-nos: há uma guerra mais profunda que devemos combater, todos! É
a decisão forte e corajosa de renunciar ao mal e às suas seduções e de escolher o bem, prontos a
pagar em primeira pessoa: eis o seguir Cristo, o carregar a própria cruz! Esta guerra profunda contra
o mal! Para que serve fazer guerras, tantas guerras, se não se é capaz de fazer esta guerra profunda
contra o mal? De nada serve! Não pode ser... Isto comporta, aliás, esta guerra contra o mal
comporta dizer não ao ódio fratricida e às mentiras de que se serve; dizer não à violência em todas
as suas formas; dizer não à proliferação das armas e ao seu comércio ilegal. Há tanto! Há tanto! E
permanece sempre a dúvida: esta guerra, e a outra — porque há guerras em toda a parte — é
deveras uma guerra devido a problemas ou é uma guerra comercial para vender estas armas no
comércio ilegal? São estes os inimigos que devem ser combatidos, unidos e com coerência, sem
seguir outros interesses a não ser os da paz e do bem comum.
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Amados irmãos, hoje recordamos também a Natividade da Virgem Maria, festa particularmente
querida às Igrejas Orientais. E todos nós, agora, podemos enviar uma linda saudação a todos os
irmãos, irmãs, bispos, monges, monjas das Igrejas Orientais, Ortodoxas e Católicas: uma linda
saudação! Jesus é o sol, Maria é a aurora que prenuncia o seu surgir. Ontem à noite vigiámos
confiando à sua intercessão a nossa oração pela paz no mundo, sobretudo na Síria e em todo o
Médio Oriente. Invoquemo-la agora como Rainha da Paz. Rainha da Paz, roga por nós! Rainha da
Paz, roga por nós!
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CARTA DO PAPA FRANCISCO
AO PRESIDENTE DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ARGENTINA
NA BEATIFICAÇÃO DE PADRE JOSÉ GABRIEL BROCHERO
A Sua Excelência Reverendíssima D. José María Arancedo
Arcebispo de Santa Fé
Presidente da Conferência Episcopal Argentina
Querido irmão
Que o «Cura Brochero» esteja finalmente entre os beatos é uma alegria e uma bênção
muito grande para os argentinos e os devotos deste pastor que cheirava como o seu
rebanho, que se fez pobre entre os pobres, que lutou sempre para estar próximo de
Deus e do seu povo, que fez e continua a fazer um grande bem como uma carícia de
Deus ao nosso povo sofredor.
Gosto de imaginar hoje Brochero pároco em cima da sua mula com a franja branca
(malacara), enquanto percorria as longas sendas áridas e desoladas dos duzentos
quilómetros quadros da sua paróquia, procurando de casa em casa os vossos bisavós e
trisavós, para lhes pedir se necessitavam de algo e para os convidar a fazer os
exercícios espirituais de santo Inácio de Loyola. Conheceu todos os cantos da sua
paróquia. Não ficou nas sacristias a pentear as ovelhas do rebanho.
O Cura Brochero era uma visita do próprio Jesus a cada família. Levava consigo a
imagem da Virgem, o livro de orações com a Palavra de Deus, o necessário para
celebrar a Missa diária. Convidavam-no a beber mate, dialogavam e Brochero falava
com eles de um modo que todos entendiam, porque lhe saía do coração, da fé e do
amor que sentia por Jesus.
José Gabriel Brochero centrou a sua acção pastoral na oração. Logo que chegou à sua
paróquia, começou a levar homens e mulheres a Córdoba para fazer os exercícios
espirituais com os padres jesuítas. Com quanto sacrifício atravessavam as Sierras
Grandes, com neve no Inverno, para ir rezar na capital Córdoba! Para depois construir
com muito trabalho a Santa Casa dos Exercícios na sede paroquial! Ali, uma longa
oração diante do crucifixo para conhecer, sentir e saborear o amor tão grande do
Coração de Jesus e, depois, tudo culminava com o perdão de Deus na confissão, com
um sacerdote cheio de caridade e de misericórdia. Muitíssima misericórdia!
Aquela coragem apostólica de Brochero cheia de zelo missionário, aquele fervor do seu
coração compassivo como o de Jesus que lhe fazia dizer: «Ai de mim se o diabo me
roubar a alma!», levou-o a conquistar para Deus até pessoas de má fama e
concidadãos difíceis. Contam-se milhares de homens e mulheres que, graças ao
trabalho sacerdotal de Brochero, abandonaram vícios e desavenças. Todos recebiam os
sacramentos durante os exercícios espirituais e, com eles, a força e a luz da fé para ser
bons filhos de Deus, bons irmãos, bons pais e mães de família, numa grande
comunidade de amigos comprometidos no bem de todos, que se respeitavam e
ajudavam reciprocamente.
Numa beatificação a actualidade pastoral é muito importante. O Cura Brochero tem a
actualidade do Evangelho, foi um pioneiro no deslocar-se até às periferias geográficas
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e existenciais para levar a todos o amor, a misericórdia de Deus. Não permaneceu
fechado no escritório paroquial, desgastou-se nas suas viagens de mula e acabou
adoecendo de lepra, por tanto ter procurado o povo como sacerdote «de rua»
(callejero), da fé. Jesus quer precisamente isto hoje, discípulos missionários,
«callejeros» da fé!
Brochero era um homem normal, frágil, como qualquer um de nós, mas conheceu o
amor de Jesus, deixou-se forjar no coração pela misericórdia de Jesus. Soube sair do
túnel «eu-me-meu-para mim», do egoísmo mesquinho que todos temos, vencendo a si
mesmo, superando com a ajuda de Deus as forças interiores das quais o demónio se
serve para nos acorrentar nas modalidades, na procura do prazer do momento, na
pouca vontade de trabalhar. Brochero ouviu a chamada de Deus e escolheu o sacrifício
de trabalhar para o seu Reino, para o bem comum que a dignidade enorme de cada
pessoa merece como filha de Deus, e foi fiel até ao fim: continuava a rezar e a celebrar
a missa até quando já era cego e tinha lepra.
Deixemos que o Cura Brochero entre hoje, com a mula e o resto, na casa do nosso
coração e nos convide à oração, ao encontro com Jesus, que nos liberta dos vínculos
para sair pelas estradas à procura do irmão, para tocar a carne de Cristo naquele que
sofre e necessita do amor de Deus. Só assim poderemos saborear a alegria que o Cura
Brochero experimentou, antecipação da felicidade da qual agora goza como beato no
céu.
Peço ao Senhor que vos conceda esta graça, que vos abençoe, e rezo à Virgem Santa
para vos proteger.
Afectuosamente
Francisco
Vaticano, 14 de Setembro de 2013
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PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 18 de Setembro de 2013
Vídeo
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, volto a falar sobre a imagem da Igreja como mãe. Gosto muito desta imagem da Igreja como
mãe. Por este motivo quis voltar a falar sobre ela, porque me parece que esta imagem nos diz não só
como é a Igreja, mas também que rosto esta nossa Mãe-Igreja deveria ter cada vez mais.
Gostaria de frisar três situações, considerando sempre as nossas mães, tudo o que elas fazem, vivem
e sofrem pelos próprios filhos, continuando aquilo que eu disse na quarta-feira passada. Interrogome: o que faz uma mãe?
Antes de tudo, ensina a caminhar na vida, ensina a comportar-se bem na vida, sabe como orientar os
filhos, procura sempre indicar o caminho recto na vida para crescer e para se tornar adultos. E fá-lo
sempre com ternura, carinho e amor, até quando procura endireitar o nosso caminho, porque nos
desviamos um pouco na vida ou seguimos veredas que levam para um precipício. A mãe sabe o que
é importante, para que o filho caminhe bem na vida, e não o aprendeu dos livros, mas do próprio
coração. A Universidade das mães é o seu coração! Ali elas aprendem a orientar os seus filhos.
A Igreja age do mesmo modo: orienta a nossa vida, oferece-nos ensinamentos para caminhar bem.
Pensemos nos dez Mandamentos: indicam-nos uma senda a percorrer para amadurecer, para dispor
de pontos firmes no modo de nos comportarmos. E são fruto da ternura, do amor do próprio Deus
que no-los concedeu. Vós podereis dizer-me: mas são ordens! São um conjunto de «nãos»! Gostaria
de vos convidar a lê-los — talvez os tenhais esquecido um pouco — e depois a considerá-los
positivamente. Vereis que dizem respeito ao modo de nos comportarmos em relação a Deus, a nós
mesmos e ao próximo, precisamente como nos ensina a nossa mãe, para vivermos bem. Convidamnos a não construir ídolos materiais que depois nos tornam escravos, a recordar-nos de Deus, a ter
respeito pelos pais, a ser honestos, a respeitar os outros... Procurai vê-los assim, a considerá-los
como se fossem as palavras, os ensinamentos sugeridos pela mãe para caminhar bem na vida. A
mãe nunca ensina o que é mal, mas só quer o bem dos filhos, e é assim que a Igreja age.
Gostaria de vos dizer algo mais: quando um filho cresce, torna-se adulto, toma o seu caminho,
assume as suas responsabilidades, caminha com as próprias pernas, faz o que quer e, às vezes, pode
até sair do caminho, acontece algum incidente. Em todas as situações, a mãe tem sempre a
paciência de continuar a acompanhar os filhos. O que a impele é a força do amor; a mãe sabe
acompanhar com discrição e ternura o caminho dos filhos e até quando erram procura sempre o
modo de os compreender, para estar próxima, para ajudar. Nós — na minha terra — dizemos que a
mãe sabe «dar la cara». Que significa? Quer dizer que a mãe sabe «dar a cara» pelos próprios filhos,
ou seja, é levada a defendê-los sempre. Penso nas mães que sofrem pelos filhos na prisão, ou em
situações difíceis: não se perguntam se são culpados ou não, continuam a amá-los e muitas vezes
sofrem humilhações, mas não têm medo, não deixam de se doar.
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A Igreja é assim, é uma mãe misericordiosa que entende, que procura sempre ajudar, encorajar, até
quando os seus filhos erram, e nunca fecha as portas da Casa; não julga, mas oferece o perdão de
Deus, oferece o seu amor que convida a retomar o caminho até aos filhos que caíram num
precipício profundo, a Igreja não tem medo de entrar na sua noite para dar esperança; a Igreja não
tem medo de entrar na nossa noite, quando estamos na escuridão da alma e da consciência, para nos
infundir a esperança, pois a Igreja é mãe!
Um último pensamento. A mãe sabe também pedir, bater a todas as portas pelos próprios
filhos, sem calcular; fá-lo com amor. E penso no modo como as mães sabem bater, também e
sobretudo, à porta do Coração de Deus! As mães rezam muito pelos seus filhos, especialmente
pelos mais frágeis, por quantos enfrentam maiores necessidades, por aqueles que na vida
empreenderam caminhos perigosos ou errados. Há poucas semanas celebrei na igreja de
Santo Agostinho, aqui em Roma, onde estão conservadas as relíquias da sua mãe, santa
Mónica. Quantas orações elevou a Deus aquela santa mãe pelo filho, e quantas lágrimas
derramou! Penso em vós, amadas mães: quanto rezais pelos vossos filhos, sem vos cansardes!
Continuai a rezar, a confiar os vossos filhos a Deus; Ele tem um coração grande! Batei à porta
do Coração de Deus com a prece pelos filhos!
E assim age também a Igreja: põe nas mãos do Senhor, com a oração, todas as situações dos
seus filhos. Confiemos na força da oração da Mãe-Igreja: o Senhor não permanece insensível.
Ele sabe surpreender-nos sempre, quando menos esperamos. A Mãe-Igreja sabe fazê-lo!
Eis, estes eram os pensamentos que que vos queria transmitir hoje: vejamos na Igreja uma boa mãe
que nos indica o caminho a percorrer na vida, que sabe ser sempre paciente, misericordiosa,
compreensiva, e que sabe pôr-nos nas mãos de Deus.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
A UM GRUPO DE NOVOS PRELADOS PARTICIPANTES
DE UM CURSO ORGANIZADO
PELA CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS
E A CONGREGAÇÃO PARA AS IGREJAS ORIENTAIS
Sala Clementina
Quinta-feira, 19 de Setembro de 2013
O Salmo diz-nos: «Oh, como é bom, como é agradável viverem os irmãos em unidade» (Sl 132, 1).
Penso que experimentastes a verdade destas palavras nos dias passados aqui em Roma, vivendo
uma experiência de fraternidade; fraternidade favorecida pela amizade, pelo conhecimento
recíproco, pelo estar juntos, mas que se realiza sobretudo graças aos vínculos sacramentais da
comunhão do Colégio episcopal e com o Bispo de Roma. Este formar um «único corpo» vos oriente
no vosso trabalho quotidiano e vos leve a perguntar: como viver o espírito de colegialidade e
colaboração no Episcopado? Como ser construtor de comunhão e unidade na Igreja que o Senhor
me confiou? O Bispo é um homem de comunhão, é um homem de unidade, «princípio e
fundamento visível da unidade»! (Conc. Vat. II, Lumen gentium, 23).
Caros Irmãos no Episcopado, saúdo-vos um por um, Prelados latinos e orientais: vós manifestais a
grande riqueza e variedade da Igreja! Estou grato ao Cardeal Marc Ouellet, Prefeito da
Congregação para os Bispos, pela saudação que me dirigiu também em vosso nome e por ter
organizado estas jornadas, durante as quais sois peregrinos junto do Túmulo de Pedro para
fortalecer a comunhão e para rezar e meditar sobre o vosso ministério. Além disso, saúdo também o
Cardeal Leonardo Sandri, Prefeito da Congregação para as Igrejas Orientais, o Cardeal Luis
Antonio Tagle, Arcebispo de Manila, e D. Lorenzo Baldisseri, trabalhador incansável nestas
actividades.
«Apascentai o rebanho de Deus, que vos é confiado. Ocupai-vos dele, não constrangidos, mas
espontaneamente; não por amor de interesses sórdidos, mas com dedicação, não como dominadores
absolutos sobre as comunidades que vos são confiadas, mas como modelos do vosso rebanho» (1 Pt
5, 2-3). Estas palavras de são Pedro permaneçam gravadas no coração! Somos chamados e
constituídos Pastores, não Pastores por nós mesmos, mas pelo Senhor, e não para nos servirmos a
nós próprios, mas o rebanho que nos foi confiado, servindo-o até dar a nossa vida como Cristo,
Bom Pastor (cf. Jo 10, 11).
O que significa apascentar, ter «o cuidado quotidiano e habitual das próprias ovelhas» (Conc. Ecum
Vat. II, Lumen gentium, 27)? Três pensamentos breves. Apascentar significa: acolher com
magnanimidade, caminhar com o rebanho, permanecer com a grei. Acolher, caminhar, permanecer.
Acolher com magnanimidade. O vosso coração seja tão grande a ponto de saber acolher todos os
homens e mulheres que encontrardes ao longo dos vossos dias e que fordes procurar, pondo-vos a
caminho nas vossas paróquias e em cada comunidade. Perguntai-vos desde já: aqueles que vierem
bater à porta da minha casa, como a encontrarão? Se a encontrarem aberta, através da vossa
bondade e disponibilidade, experimentarão a paternidade de Deus e compreenderão que a Igreja é
uma boa mãe que acolhe e ama sempre.
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Caminhar com o rebanho. Acolher com magnanimidade, caminhar. Acolher todos para caminhar
com todos. O Bispo está a caminho com e no seu rebanho. Isto significa pôr-se a caminho com os
próprios fiéis e com todos aqueles que vos procurarem, compartilhando as suas alegrias e
esperanças, dificuldades e sofrimentos, como irmãos e amigos, mas ainda mais como pais, capazes
de ouvir, compreender, ajudar e orientar. Caminhar juntos exige amor, e o nosso serviço é de amor,
amoris officium, dizia santo Agostinho (In Io. Ev. tract. 123, 5: PL 35, 1967).
E no gesto de caminhar, gostaria de evocar o carinho pelos vossos sacerdotes. Os vossos
presbíteros são o primeiro próximo; os sacerdotes são o primeiro próximo do Bispo — amai o
próximo, mas ele é o primeiro próximo — colaboradores indispensáveis dos quais buscar
conselhos e ajuda, dos quais cuidar como pais, irmãos e amigos. Entre as primeiras tarefas
que vos competem está a atenção espiritual ao presbitério, mas não vos esqueçais das
necessidades de cada sacerdote, sobretudo nos momentos mais delicados e importantes do seu
ministério e da sua vida. O tempo passado com os sacerdotes nunca é perdido! Recebei-os,
quando o pedirem; não deixeis um telefonema sem resposta. Ouvi isto — não sei se é verdade,
mas ouvi-o muitas vezes na minha vida — de sacerdotes, quando eu pregava exercícios para
presbíteros: «Ora, telefonei ao Bispo, mas o secretário disse-me que não tem tempo para me
receber». E assim durante muitos meses. Não sei se é verdade. Mas se um sacerdote telefona
ao Bispo, no mesmo dia, ou ao máximo no dia seguinte, deve telefonar-lhe: «O que queres?
Agora não te posso receber, mas procuremos fixar juntos uma data». Que ele sinta que o
padre responde, por favor! Caso contrário, o sacerdote pode pensar: «Mas ele não se importa;
ele não é um padre, mas o chefe de um escritório!». Pensai bem nisto. Seria um bom
propósito: diante do telefonema de um presbítero, se não posso responder no mesmo dia, fálo-ei ao máximo no dia seguinte. E depois ver quando é possível encontrá-lo. Estai em
proximidade contínua, em contacto permanente com eles.
Depois, a presença na diocese. Na homilia da Missa crismal deste ano, eu disse que os Pastores
devem ter «o cheiro das ovelhas». Sede Pastores com o cheiro das ovelhas, presentes no meio do
vosso povo como Jesus, Bom Pastor. A vossa presença não é secundária, mas indispensável. A
presença! Quem a pede é o próprio povo, que quer ver o seu Bispo caminhar com ele, estar
próximo. Ele precisa disto para viver e para respirar! Não vos fecheis! Ide ao encontro dos vossos
fiéis, também nas periferias das vossas dioceses e em todas aquelas «periferias existenciais» onde
existe sofrimento, solidão e degradação humana. Presença pastoral significa caminhar com o Povo
de Deus: caminhar à frente, indicando o rumo, apontando a vereda; caminhar no meio, para o
fortalecer na unidade; caminhar atrás, tanto para que ninguém permaneça atrás como, sobretudo,
para seguir a intuição que o Povo de Deus tem para encontrar novas sendas. O Bispo que vive no
meio dos seus fiéis mantém os ouvidos abertos para escutar «o que o Espírito diz às Igrejas» (Ap 2,
7) e a «voz das ovelhas», também através daqueles organismos diocesanos que têm a tarefa de
aconselhar o Bispo, promovendo um diálogo leal e construtivo. Não se pode pensar num Bispo que
não disponha destes órgãos diocesanos: consultório presbiteral, consultores, consultório pastoral e
tesouraria. Isto significa permanecer precisamente com o povo. Esta presença pastoral permitir-vosá conhecer a fundo também a cultura, os hábitos, os costumes do território e a riqueza de santidade
nele presente. Imergi-vos na vossa grei!
E aqui, gostaria de acrescentar:o estilo de serviçoao rebanho seja o da humildade, diria até da
austeridade e da essencialidade. Por favor, nós Pastores não sejamos homens com a «psicologia de
princípios» — por favor! — homens ambiciosos, esposos desta Igreja à espera de outra mais bonita
ou mais rica. Mas isto é um escândalo! Se chega um penitente, dizendo: «Eu sou casado, vivo com
a minha esposa, mas olho continuamente para aquela mulher que é mais bonita que a minha: Padre,
isto é pecado?». O Evangelho diz: é pecado de adultério. Existe um «adultério espiritual»? Não sei,
pensai vós! Não permaneçais à espera de outra mais bonita, mais importante, mais rica. Estai muito
62
atentos para não cair no espírito do carreirismo! Trata-se de um cancro! Não é apenas com a
palavra, mas também e sobretudo com o testemunho concreto de vida que somos mestres e
educadores do nosso povo. O anúncio da fé pede que conformemos a vida com aquilo que
ensinamos. Missão e vida são inseparáveis (cf. João Paulo II, Pastores gregis, 31). É uma pergunta
que devemos fazer cada dia: o que vivo corresponde àquilo que ensino?
Acolher, caminhar. Eis o terceiro e último elemento:permanecer com a grei. Refiro-me
àestabilidade, que tem dois aspectos específicos: «permanecer» na diocese, «nesta» diocese, como
eu disse, sem procurar mudanças ou promoções. Não podemos conhecer verdadeiramente o nosso
rebanho como Pastores, caminhar à frente, no meio e atrás dele, cuidar dele com o ensinamento, a
administração dos Sacramentos e o testemunho de vida, se não permaneceremos na diocese. Nisto,
Trento é muito actual: residência! No nosso tempo podemos viajar, deslocar-nos de um lado para o
outro com facilidade, uma época em que as relações são rápidas, a era da internet. Mas a antiga lei
da residência não passou de moda! É necessária para o bom governo pastoral (Directório
Apostolorum Successores, 161). Sem dúvida, existe a solicitude pelas demais Igrejas e pela Igreja
universal, que pode exigir a ausência do meio da diocese, mas que ela seja pelo tempo estreitamente
necessário e não de modo habitual. Vede, a residência não é exigida só para uma boa organização,
não é um elemento funcional; ela tem uma raiz teológica! Sede esposos da vossa comunidade,
profundamente vinculados a ela! Peço-vos, por favor, que permaneçais no meio do vosso povo.
Permanecei, permanecei... Evitai o escândalo de ser «Bispos de aeroporto»! Sede Pastores
acolhedores, a caminho com o vosso povo, com carinho, misericórdia, docilidade no tratamento e
firmeza paterna, com humildade e discrição, capazes de ter em consideração também os vossos
limites, com uma dose de bom humorismo. Esta é uma graça que nós, Bispos, devemos pedir:
Senhor, concedei-me o sentido do humorismo. Primeiro, encontremos o modo de rir de nós
mesmos, e um pouco das coisas. E permanecei com a vossa grei!
Prezados Irmãos, quando voltardes para as vossas dioceses, transmiti a minha saudação a todos, em
particular aos sacerdotes, aos consagrados, às consagradas, aos seminaristas, a todos os fiéis e
àqueles que têm mais necessidade da proximidade do Senhor. A presença — como disse o Cardeal
Ouellet — de dois Prelados sírios impele-nos mais uma vez a pedir juntos a Deus o dom da paz. Paz
para a Síria, paz para o Médio Oriente, paz para o mundo! Por favor, recordai-vos de rezar por mim,
como eu faço por vós. A cada um e às vossas Comunidades, concedo de coração a minha Bênção.
Obrigado!
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VISITA PASTORAL A CAGLIARI
ENCONTRO COM O JOVENS
DISCURSO DO SANTO PADRE FRANCISCO
Largo Carlo Felice, Cagliari
Domingo, 22 de Setembro de 2013
Vídeo
Queridos jovens da Sardenha!
Parece que estão aqui alguns jovens, não? Alguns! Alguns ou muitos? Estão aqui muitos!
Obrigado por terdes vindo tão numerosos a este encontro! E obrigado aos «porta-vozes». Ver-vos
faz-me pensar na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro: talvez alguns de vós estavam lá,
mas muitos certamente seguiram pela televisão e internet. Foi uma experiência muito boa, uma festa
da fé e da fraternidade, que enche de júbilo. O mesmo júbilo que sentimos hoje. Demos graças ao
Senhor e à Virgem Maria, Nossa Senhora de Bonaria: foi ela quem nos fez encontrar aqui. Rezailhe muitas vezes, é uma boa mãe, disto tenho certeza! Algumas das vossas «pregunte», das
perguntas... mas, também eu falo um dialecto, aqui! Algumas das vossas perguntas vão na mesma
direcção. Eu penso no Evangelho às margens do lago da Galileia, onde viviam e trabalhavam Simão
— que depois Jesus chamou Pedro — e seu irmão André, juntamente com Tiago e João, também
eles irmãos, todos pescadores. Jesus está circundado pela multidão que quer ouvir a sua palavra; vê
aqueles pescadores ao lado dos barcos que limpam as redes. Sobe ao barco de Simão e pede-lhe
para se afastar um pouco da margem, e assim, estando sentado no barco, fala à multidão; Jesus, no
barco, fala ao povo. Quando terminou, diz a Simão que se faça ao largo e lance as redes. Este
pedido é uma prova para Simão — ouvi bem a palavra: uma «prova» — porque ele e os outros
tinham acabado de regressar de uma noite de pesca que correu mal. Simão é um homem prático e
sincero, e diz imediatamente a Jesus: «Mestre, pescamos a noite toda sem nada apanhar».
Este é o primeiro ponto: a experiência da falência. Nas vossas perguntas havia esta experiência: o
Sacramento da Confirmação — como se chama este Sacramento? A Crisma... não! Mudou o nome:
«Sacramento do adeus». Fazem-no e vão-se embora da Igreja: é verdade ou não? Esta é uma
experiência de falência. A outra experiência de falência: os jovens que não estão na paróquia:
falastes disto, vós. Esta experiência da falência, algo que corre mal, uma desilusão. Na juventude
está-se projectado para o futuro, mas por vezes acontece viver uma falência, uma frustração: é uma
prova, e é importante! E agora quero fazer uma pergunta a vós, não respondais em voz alta, mas em
silêncio. Cada um no seu coração pense, pensai nas experiências de falência que experimentastes,
pensai. É claro: todos nós as temos, todos nós.
Na Igreja fazemos tantas vezes esta experiência: os sacerdotes, os catequistas, os animadores fazem
tanto, gastam tantas energias, comprometem-se ao máximo, e no final não vêem resultados que
correspondam sempre aos seus esforços. Disseram-no também os vossos «porta-vozes», nas
primeiras duas perguntas. Referiam-se às comunidades nas quais a fé está um pouco diluída, não
são muitos os fiéis que participam activamente na vida da Igreja, vêem-se cristãos por vezes
cansados e tristes, e muitos jovens, depois de terem recebido a Crisma, afastam-se. O Sacramento
da despedida, do adeus, como disse. É uma experiência de falência, uma experiência que nos deixa
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vazios, que nos faz desanimar. É verdade ou não? [Sim, respondem os jovens]. É verdade ou não?
[Sim, respondem de novo].
Face a esta realidade, justamente perguntais-vos: o que podemos fazer? Certamente o que não deve
ser feito é deixar-se vencer pelo pessimismo e pela falta de confiança. Cristãos pessimistas: é muito
mau! Vós jovens não podeis nem deveis viver sem esperança, a esperança faz parte do vosso ser.
Um jovem sem esperança não é um jovem, envelheceu demasiado cedo! A esperança faz parte da
vossa juventude! Se não tiverdes esperança, pensai seriamente, pensai seriamente... um jovem sem
alegria e sem esperança preocupa: não é um jovem. E quando um jovem não tem alegria, quando
um jovem não tem confiança na vida, quando um jovem perde a esperança, onde é que vai
encontrar um pouco de tranquilidade, um pouco de paz? Sem confiança, sem esperança, sem
alegria? Vós sabeis, estes mercantes de morte, os que vendem morte oferecem um caminho para
quando estais tristes, sem esperança, sem confiança, sem coragem! Por favor, não vendas a tua
juventude a quantos vendem a morte! Vós sabeis do que estou a falar! Todos vós o sabeis: não
vendais!
Voltemos ao cenário do Evangelho: Pedro, naquele momento crítico, põe-se em questão. O que
teria podido fazer? Teria podido ceder ao cansaço e ao desânimo, pensando que é inútil e que é
melhor retirar-se e ir para casa. Ao contrário, o que faz? Com coragem, sai de si mesmo e escolhe
confiar em Jesus: Diz: «Mas, está bem: se tu o dizes lançarei as redes». Atenção! Não diz: com as
minhas forças, com os meus cálculos, com a minha experiência de pescador perito, mas «se tu o
dizes», confiando na palavra de Jesus! E o resultado é uma pesca incrível, as redes enchem-se, a tal
ponto que quase se rompem.
Este é o segundo ponto: confiar em Jesus, ter confiança em Jesus. E quando digo isto, quero ser
sincero e dizer-vos: não venho aqui para vos vender uma ilusão. Eu venho aqui para dizer: há uma
Pessoa que te pode levar em frente: confia nela! É Jesus! Confia em Jesus. E Jesus não é uma
ilusão! Confiar em Jesus. O Senhor está sempre connosco. Vem às margens do mar da nossa vida,
torna-se próximo das nossas falências, da nossa fragilidade, dos nossos pecados, para os
transformar. Nunca deixeis de vos pôr em jogo, como bons desportivos — alguns de vós sabem-no
bem por experiência — que sabem enfrentar a fadiga do treino para alcançar resultados! As
dificuldades não vos devem assustar, mas estimular-vos a ir além. Senti como que dirigidas a vós as
palavras de Jesus: Fazei-vos ao largo e lançai as redes, jovens da Sardenha! Fazei-vos ao largo!
Sede sempre mais dóceis à Palavra do Senhor: é Ele, é a sua Palavra, é o segui-lo que torna frutuoso
o vosso compromisso de testemunho. Quando os esforços para despertar a fé entre os vossos amigos
parecem inúteis, como a fadiga nocturna dos pescadores, recordai-vos de que com Jesus tudo muda.
A Palavra do Senhor encheu as redes, e a Palavra do Senhor torna eficaz o trabalho missionário dos
discípulos. Seguir Jesus é algo exigente, significa não se contentar com metas pequenas, com a
pequena cabotagem, mas apostar ao máximo com coragem!
Não é bom — não é bom — deter-se no «nada apanhámos», mas ir além, ir ao «fazer-se ao largo e
lançar as redes» de novo, sem se cansar! Há a ameaça da lamentação, da resignação. Estas deixemolas aos que seguem a «deusa lamentação!» E vós, seguis a «deusa lamentação»? Lamentais-vos
continuamente, como num velório? Não, os jovens não podem fazer isso! A «deusa lamentação» é
um engano: faz com que te encaminhes pela estrada errada. Quando tudo parece estar parado e
estagnante, quando os problemas pessoais nos preocupam, as dificuldades sociais não encontram as
devidas respostas, não é bom dar-se por vencido. A fé em Jesus conduz-nos a uma esperança que
vai além, a uma certeza fundada não só nas nossas qualidades e habilidades, mas na Palavra de
Deus, no convite que vem d’Ele. Sem fazer demasiados cálculos humanos e sem se preocupar com
verificar se a realidade que vos circunda coincide com as vossas certezas. Fazei-vos ao largo, saí de
vós mesmos; sair do nosso pequeno mundo e abrir-nos a Deus, para nos abrirmos cada vez mais aos
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irmãos. Abrir-nos a Deus abre-nos aos outros! Abrir-se a Deus e abrir-se aos outros. Dar alguns
passos além de nós mesmos; pequenos passos, mas dai-os. Pequenos passos, saindo de vós mesmos
rumo a Deus e aos outros, abrindo o coração à fraternidade, à amizade, à solidariedade.
Terceiro — e termino; é um pouco longo! — «Lançai as vossas redes para a pesca» (v. 4).
Queridos jovens sardos, a terceira coisa que vos quero dizer, e assim respondo às outras duas
perguntas, é que também vós estais chamados a tornar-vos «pescadores de homens». Não
hesiteis em dedicar a vossa vida para testemunhar com alegria o Evangelho, sobretudo aos
vossos conterrâneos. Desejo contar-vos uma experiência pessoal. Ontem completei 60 anos
desde o dia em que ouvi a voz de Jesus no meu coração. Mas não digo isto para que me
ofereçais um bolo, aqui, não, não o digo por isso. Mas é uma recordação: 60 anos a partir
daquele dia. Nunca o esquecerei. O Senhor fez-me sentir fortemente que eu devia ir por
aquele caminho. Tinha 17 anos. Passaram alguns anos antes que essa decisão, esse convite, se
tornasse concreto e definitivo. Depois passaram muitos anos com alguns sucessos, de alegria,
mas tantos anos de falências, de fragilidades, de pecado... 60 anos pelo caminho do Senhor,
atrás d’Ele, ao lado d’Ele, sempre com Ele. Digo-vos apenas isto: não me arrependi! Não me
arrependi! Mas por quê? Porque me sinto como Tarzan, forte para ir em frente? Não, não me
arrependi porque sempre, até nos momentos mais tenebrosos, nos momentos do pecado, nos
momentos da fragilidade, nos momentos da falência, olhei para Jesus e confiei n’Ele, e Ele não
me deixou sozinho. Confiai em Jesus: Ele vai sempre à frente, Ele caminha connosco! Mas,
ouvi, Ele nunca desilude. Ele é fiel, é um companheiro fiel. Pensai, este é o meu testemunho:
sinto-me feliz por estes 60 anos com o Senhor. Só mais uma coisa: ide em frente.
Falei demasiado? [Não, respondem os jovens] Permaneçamos unidos na oração. E continuai neste
caminho com Jesus: fizeram-no os Santos.
Os Santos são assim: não nascem já perfeitos, já santos! Tornam-se santos porque, como Simão
Pedro, confiam na Palavra do Senhor e «fazem-se ao largo». A vossa terra deu tantos testemunhos,
até recentes: as Beatas Antonia Mesina, Gabriella Sagheddu, Giuseppina Nicoli; os Servos de Deus
Edvige Carboni, Simonetta Tronci e padre Antonio Loi. São pessoas comuns, que em vez de se
lamentar «lançaram as redes para a pesca». Imitai o seu exemplo, confiai-vos à sua intercessão, e
sede sempre homens e mulheres de esperança! Nenhuma lamentação! Nenhum desencorajamento!
Nenhum desânimo, nada de ir comprar consolação de morte: nada! Ide em frente com Jesus! Ele
nunca falha, Ele não desilude, Ele é leal!
Orai por mim! E Nossa Senhora vos acompanhe!
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VISITA PASTORAL DO PAPA FRANCISCO A ASSIS
ENCONTRO COM O CLERO, OS CONSAGRADOS
E OS MEMBROS DOS CONSELHOS PASTORAIS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Catedral de São Rufino, Assis
Sexta-feira, 4 de Outubro de 2013
Vídeo
Queridos irmãos e irmãs da Comunidade diocesana, boa tarde!
Agradeço-vos o vosso acolhimento, sacerdotes, religiosos, religiosas e leigos comprometidos nos
conselhos pastorais! Como são necessários os conselhos pastorais! Um Bispo não pode governar
uma diocese sem os conselhos pastorais. Um pároco não pode governar uma paróquia sem os
conselhos pastorais. Isto é fundamental! Estamos na Catedral. Aqui conserva-se a pia baptismal
onde são Francisco e santa Clara foram baptizados, e naquela época ela encontrava-se na igreja de
Santa Maria. A memória do Baptismo é importante! O Baptismo é o nosso nascimento como filhos
da Mãe-Igreja. Gostaria de vos dirigir uma pergunta: quem de vós sabe em que dia foi baptizado?
Poucos! Poucos... Agora, tendes um dever em casa! Mãe, pai, diz-me: quando fui baptizado? Mas é
importante, porque se trata do dia do nosso nascimento como filhos de Deus. Um só Espírito, um
único Baptismo, na variedade dos carismas e dos ministérios. Como é grande o dom de ser Igreja,
de fazer parte do Povo de Deus! Todos nós somos o Povo de Deus. Na harmonia, na comunhão das
diversidades, que é obra do Espírito Santo, porque o Espírito Santo é harmonia e cria harmonia: é
uma sua dádiva e devemos permanecer abertos para a receber!
O Bispo é guardião desta harmonia. O Bispo é defensor deste dom da harmonia na diversidade. Por
isso, o Papa Bento XVI queria que o trabalho pastoral nas Basílicas papais franciscanas fosse
integrado com o diocesano. Porque ele deve criar harmonia: é a sua tarefa, o seu dever e a sua
vocação. E ele tem um dom especial para a criar. Estou feliz porque estais a percorrer bem este
caminho, para benefício de todos, colaborando juntos com tranquilidade, e animo-vos a continuar.
A Visita pastoral que há pouco terminou e o Sínodo diocesano que estais prestes a celebrar são
momentos fortes de crescimento para esta Igreja, que Deus abençoou de modo particular. A Igreja
cresce, mas não porque faz proselitismo: não, não! A Igreja não cresce por proselitismo. A Igreja
cresce por atracção, a atracção do testemunho que cada um de nós oferece ao Povo de Deus.
Agora, brevemente, gostaria de ressaltar alguns aspectos da vossa vida de Comunidade. Não
pretendo dizer-vos coisas novas, mas confirmar-vos nas mais importantes, que caracterizam o vosso
caminho diocesano.
O primeiro elemento é ouvir a Palavra de Deus. A Igreja é isto: a comunidade — disse o Bispo —
a comunidade que ouve com fé e amor o Senhor que fala. O plano pastoral que viveis juntos insiste
precisamente sobre esta dimensão fundamental. É a Palavra de Deus que suscita a fé, que a alimenta
e regenera. É a Palavra de Deus que sensibiliza os corações, que os converte a Deus e à sua lógica,
que é tão diferente da nossa; é a Palavra de Deus que renova continuamente as nossas
comunidades...
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Penso que todos nós podemos melhorar um pouco neste aspecto, tornando-nos todos mais ouvintes
da Palavra de Deus, para sermos menos ricos com as nossas palavras e mais ricos com as suas
Palavras. Penso no sacerdote, que tem a tarefa de pregar. Como pode pregar, se antes não abriu o
seu coração, não ouviu no silêncio a Palavra de Deus? Chega com estas homilias intermináveis,
tediosas, das quais nada se entende. Isto é para vós! Penso no pai e na mãe, que são os primeiros
educadores: como podem educar, se a sua consciência não for iluminada pela Palavra de Deus, se o
seu modo de pensar e de agir não se deixar orientar pela Palavra; que exemplo podem dar aos seus
filhos? Isto é importante, porque depois o pai e a mãe queixam-se: «Este filho...». Mas tu, que
testemunho lhe ofereceste? Como lhe falaste? Da Palavra de Deus, ou da palavra do noticiário
televisivo? O pai e a mãe devem falar da Palavra de Deus! E penso nos catequistas, em todos os
educadores: se o seu coração não for aquecido pela Palavra, como podem sensibilizar os corações
dos outros, das crianças, dos jovens e dos adultos? Não é suficiente ler as Sagradas Escrituras, mas
é preciso ouvir Jesus que fala através delas: é precisamente Jesus quem fala nas Escrituras, é Jesus
quem fala nelas. É necessário que sejamos antenas receptoras, sintonizadas na Palavra de Deus,
para sermos antenas transmissoras! Recebe-se e transmite-se. É o Espírito de Deus que vivifica as
Escrituras, que no-las faz compreender profundamente, no seu sentido verdadeiro e integral!
Interroguemo-nos, como o faz uma das perguntas em vista do Sínodo: que lugar ocupa a Palavra de
Deus na minha existência, na vida de todos os dias? Estou sintonizado com Deus, ou com tantas
palavras da moda ou ainda comigo mesmo? Uma pergunta que cada um de nós deve formular.
O segundo aspecto consiste em caminhar. É uma das palavras que prefiro, quando penso no
cristão e na Igreja. Mas para vós, tem um sentido especial: estais prestes a celebrar o Sínodo
diocesano, e fazer «sínodo» quer dizer caminhar juntos. Penso que esta é verdadeiramente a
experiência mais bonita que nós vivemos: fazer parte de um povo a caminho, a caminho na
história, juntamente com o seu Senhor, que caminha no meio de nós! Não vivemos isolados,
não caminhamos sozinhos, mas fazemos parte do único rebanho de Cristo, que caminha
unido.
Aqui, volto a pensar em vós, sacerdotes, e permiti que me una também eu a vós. O que existe
de mais bonito para nós, do que caminhar com o nosso povo? É bonito! Quando eu penso nos
párocos que conheciam o nome das pessoas da paróquia, que iam encontrá-las... inclusive
como alguém me dizia: «Conheço o nome do cão de cada família»; conheciam até o nome do
cão! Como isto era bonito! O que há de mais bonito? Repito-o com frequência: caminhar com
o nosso povo, por vezes à frente, por vezes no meio e outras atrás: à frente, para guiar a
comunidade; no meio, para a animar e sustentar; atrás, para a manter unida, a fim de que
ninguém se atrase demais, para a conservar unida e também por outro motivo: porque o povo
intui! Tem a sensibilidade para encontrar novas sendas para o caminho, tem o «sensus fidei»,
como dizem os teólogos. O que existe de mais bonito? E o Sínodo deve salientar também o que
o Espírito Santo diz aos leigos, ao Povo de Deus, a todos.
Mas o mais importante é caminhar juntos, colaborando, ajudando-se uns aos outros; pedir
desculpa, reconhecer os próprios erros e pedir perdão, mas também aceitar a desculpa dos
outros, perdoando — como isto é importante! Às vezes penso nos casais que, depois de muitos
anos, se separam. «Eh... não, não nos entendemos, afastamo-nos um do outro». Talvez não
tenham sabido pedir desculpa a tempo. Talvez não tenham sabido perdoar a tempo. E aos
recém-casados, dou sempre este conselho: «Discuti quanto quiserdes. Não vos importeis se
voam pratos. Mas nunca termineis o dia sem fazer as pazes! Nunca!». E se os casais
aprenderem a dizer: «Mas, desculpa, eu estava cansado», ou apenas um pequeno gesto: este é
paz; e retomai a vida no dia seguinte. Este é um bonito segredo, e evita as separações
dolorosas. Como é importante caminhar unidos, sem fugir, sem saudades do passado. E
enquanto caminham, falam um com o outro, conhecem-se, comunicam-se reciprocamente e
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crescem como família. Aqui, perguntamos: como caminhamos? Como caminha a nossa
realidade diocesana? Caminha unida? E o que faço para que ela caminhe verdadeiramente
unida? Eu não gostaria de abordar aqui o tema dos mexericos, mas vós sabeis que as intrigas
dividem sempre!
Portanto: ouvir e caminhar, e o terceiro aspecto é missionário: anunciar até às periferias. Também
nisto me inspirei em vós, nos vossos programas pastorais. O Bispo falou recentemente sobre isto.
Mas quero sublinhá-lo, também porque se trata de um elemento que vivi muito quando estava em
Buenos Aires: a importância de sair para ir ao encontro do próximo, nas periferias, que são lugares
mas são sobretudo pessoas em situações de vida especial. É o caso da minha Diocese precedente, a
de Buenos Aires. Uma periferia que me causava muito sofrimento, era quando eu encontrava nas
famílias da classe média crianças que não sabiam fazer o Sinal da Cruz. Mas esta é uma periferia! E
eu pergunto-vos: aqui, nesta diocese, existem crianças que não sabem fazer o Sinal da Cruz? Pensai
sobre isto. Estas são autênticas periferias existenciais, onde não há lugar para Deus.
Num primeiro sentido, as periferias desta Diocese, por exemplo, são as áreas da Diocese que correm
o risco de ser marginalizadas, permanecendo fora das faixas de luz dos reflectores. Mas são também
pessoas, realidades humanas deveras marginalizadas, desprezadas. São pessoas que talvez se
encontrem fisicamente próximas do «centro», mas que sob o ponto de vista espiritual estão
distantes.
Não tenhais medo de sair e ir ao encontro destas pessoas, de tais situações. Não vos deixeis
bloquear por preconceitos, por hábitos, por inflexibilidades mentais ou pastorais, pelo famoso
«sempre fizemos assim!». Mas só podemos ir às periferias, se tivermos a Palavra de Deus no nosso
coração e se caminharmos com a Igreja, como fez são Francisco. Caso contrário, estamos a anunciar
a nós mesmos, e não a Palavra de Deus, e isto não é bom, não beneficia ninguém! Não somos nós
que salvamos o mundo: é precisamente o Senhor que o salva!
Estimados amigos, como vedes não vos propus receitas novas. Não as tenho, e não acredito em
quantos dizem que as têm: elas não existem! No entanto, encontrei no caminho da vossa Igreja
aspectos bonitos e importantes que devem poder prosperar, e quero confirmar-vos neles. Escutai a
Palavra, caminhai juntos em fraternidade, anunciai o Evangelho nas periferias! O Senhor vos
abençoe, Nossa Senhora vos proteja e são Francisco vos ajude a viver a alegria de ser discípulos do
Senhor.
Obrigado!
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VISITA PASTORAL DO PAPA FRANCISCO A ASSIS
ORAÇÃO SILENCIOSA DIANTE DO CRUCIFIXO DE SÃO DAMIÃO
PALAVRAS DO SANTO PADRE
ÀS MONJAS DE CLAUSURA
Capela do Coro da Basílica de Santa Clara, Assis
Sexta-feira, 4 de Outubro de 2013
Vídeo
Eu pensava que este encontro fosse como aqueles que fizemos por duas vezes em Castel Gandolfo,
na sala capitular, sozinho com as religiosas, mas — confesso — não tenho a coragem de mandar
embora os Cardeais. Realizemo-lo assim.
Bem. Agradeço-vos profundamente o acolhimento e a oração pela Igreja. Quando uma religiosa de
clausura consagra a sua vida ao Senhor, verifica-se uma transformação que nunca se entende
totalmente. A normalidade do nosso pensamento diria que esta religiosa se torna isolada, vivendo a
sós com o Absoluto, sozinha com Deus; trata-se de uma vida ascética, penitente. Mas este não é o
caminho de uma religiosa de clausura católica, e nem sequer cristã. A vereda passa por Jesus Cristo,
sempre! Jesus Cristo está no centro da vossa existência, da vossa penitência, da vossa vida
comunitária, da vossa prece e também da universalidade da oração. E ao longo deste caminho
acontece o contrário daquilo que se pensa, que esta será uma religiosa de clausura ascética. Quando
ela caminha pela senda da contemplação de Jesus Cristo, da oração e da penitência com Jesus
Cristo, torna-se profundamente humana. As religiosas de clausura são chamadas a ter uma grande
humanidade, uma humanidade como aquela da Mãe-Igreja; humanas, para compreender todas as
realidades da vida, para ser pessoas que sabem entender os problemas humanos, que sabem perdoar,
que sabem rezar ao Senhor pelas pessoas. Eis a vossa humanidade! E a vossa humanidade percorre
este caminho, a Encarnação do Verbo, a vereda de Jesus Cristo. E qual é o sinal de uma religiosa
tão humana? A alegria, o júbilo, quando há alegria! Sinto-me triste quando encontro religiosas que
não são alegres. Talvez sorriam, mas com o sorriso de uma assistente de bordo, mas não com o
sorriso da alegria, daquela que nasce de dentro. Sempre com Jesus Cristo! Hoje na Missa, falando
do Crucifixo, eu dizia que Francisco o tinha contemplado com os olhos abertos, com as feridas
vivas, com o sangue que fluía. E esta é a vossa contemplação: a realidade. A realidade de Jesus
Cristo. Não ideias abstractas, porque elas tornam a cabeça árida. A contemplação das chagas de
Jesus Cristo! E levou-as para o Céu, sim, levou-as! Este é o caminho da humanidade de Jesus
Cristo: sempre com Jesus, Deus-homem. E por isso é muito bonito quando as pessoas vão ao
locutório dos mosteiros, pedem orações e falam dos seus problemas pessoais. Talvez a religiosa
nada diga de extraordinário, mas uma palavra que lhe brota precisamente da contemplação de Jesus
Cristo, porque a religiosa — como a Igreja — percorre o caminho que a leva a tornar-se perita em
humanidade. E este é o vosso caminho: não demasiado espiritual! Quando as religiosas são
demasiado espirituais... Penso na fundadora dos mosteiros da vossa concorrência, por exemplo
Santa Teresa. Quando uma irmã ia ter com ela, oh, com coisas (demasiado espirituais), dizia à
cozinheira: «Dá-lhe um bife!».
Sempre com Jesus Cristo, sempre. A humanidade de Jesus Cristo! Porque o Verbo veio na carne,
Deus fez-se carne por nós, e isto dar-nos-á uma santidade humana, grandiosa, bonita e madura, uma
santidade de mãe. E a Igreja quer que vós sejais assim: mães, mães, mães! Deveis dar vida. Quando
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vós orais, por exemplo, pelos sacerdotes, pelos seminaristas, mantendes com eles uma relação de
maternidade; mediante a oração vós contribuís para fazer deles bons Pastores do Povo de Deus. Mas
recordai-vos do bife de Santa Teresa! É importante. E este é o primeiro ponto: sempre com Jesus
Cristo, com as chagas de Jesus Cristo, as chagas do Senhor, porque é uma realidade que Ele as tinha
e as levou consigo depois da Ressurreição.
E o segundo ponto que eu vos queria dizer, brevemente, é a vida de comunidade. Perdoai,
suportai-vos umas às outras, porque a vida de comunidade não é fácil. O diabo aproveita-se
de tudo para dividir! E diz: «Eu não quero falar mal, mas...», e assim começa a divisão. Não,
isto não é bom, porque não leva a nada: leva à divisão. Cuidai da amizade entre vós, da vida
de família, do amor recíproco. E que o mosteiro não seja um Purgatório, mas uma família. Os
problemas existem e existirão, mas como se faz numa família, com amor, procurai uma
solução com caridade; não destruais esta para resolver aquela; que não haja competição.
Cuidai da vida de comunidade, pois quando na vida de comunidade é assim, em família, é
precisamente o Espírito Santo que se encontra no seio da comunidade. São estas duas coisas
que eu vos queria dizer: sempre a contemplação, sempre com Jesus; Jesus: Deus e Homem. E
a vida de comunidade, sempre com um coração grande. Deixai passar, não vos vanglorieis,
suportai tudo e sorri com o coração. E o sinal disto é a alegria. E Peço para vós esta alegria
que nasce precisamente da verdadeira contemplação e de uma bonita vida comunitária.
Obrigado, obrigado pelo acolhimento! Peço-vos que rezeis por mim, por favor, não o
esqueçais! Antes da Bênção, oremos a Nossa Senhora: Ave Maria...
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VISITA PASTORAL DO PAPA FRANCISCO A ASSIS
ENCONTRO COM OS JOVENS DA REGIÃO DA ÚMBRIA
PALAVRAS DO SANTO PADRE
Praça da Basílica de Santa Maria dos Anjos, Assis
Sexta-feira, 4 de Outubro de 2013
Vídeo
Estimados jovens da Úmbria boa tarde!
Obrigado por terdes vindo, obrigado por esta festa! Verdadeiramente, esta é uma festa! E obrigado
pelas vossas perguntas.
Estou feliz porque a primeira pergunta foi feita por um jovem casal. Um testemunho muito bonito!
Dois jovens que escolheram, que decidiram, com alegria e coragem, formar uma família! Sim,
porque é verdade, é preciso ter coragem para formar uma família! É preciso ter coragem! E a vossa
pergunta, jovens esposos, está relacionado com a pergunta sobre a vocação. O que é o matrimónio?
É uma verdadeira vocação, como o são o sacerdócio e a vida religiosa. Dois cristãos que casam
reconheceram na sua história de amor o chamamento do Senhor, a vocação a formar de duas
pessoas, varão e mulher, uma só carne, uma só vida. E o Sacramento do matrimónio corrobora este
amor com a graça de Deus, arraigando-o no próprio Deus. Com este dom, com a certeza desta
vocação, é possível começar com segurança, sem medo de nada, para juntos enfrentar tudo!
Pensemos nos nossos pais, nos nossos avós ou bisavós: eles casaram em condições muito mais
pobres do que as nossas, alguns em tempos de guerra, ou do pós-guerra; outros emigraram, como os
meus pais. Onde encontravam a força? Encontravam-na na certeza de que o Senhor estava com eles,
que a família é abençoada por Deus mediante o Sacramento do matrimónio, e que é abençoada a
missão de ter filhos e de os educar. Com estas certezas eles superaram até as provações mais árduas.
Eram certezas simples, mas verdadeiras; formavam colunas que sustentavam o seu amor. A sua vida
não foi fácil; havia problemas, muitos problemas! Mas estas certezas simples ajudavam-nos a ir em
frente. E assim conseguiram formar uma bonita família, dar vida e criar os próprios filhos.
Estimados amigos, é necessária esta base moral e espiritual para construir bem, de modo sólido!
Hoje, esta base já não é garantida pelas famílias, nem pela tradição social. Aliás, a sociedade em
que vós nascestes privilegia os direitos individuais, e não tanto a família — estes direitos
individuais! — privilegia as relações que duram enquanto não surgirem dificuldades, e por isso às
vezes fala-se de relação de casal, de família e de matrimónio de forma superficial e equívoca. Seria
suficiente seguir certos programas televisivos para ver estes valores! Quantas vezes os párocos —
também eu, algumas vezes, ouvi — ouvem um casal que vem ter com eles para casar: «Mas vós
sabeis que o matrimónio é para a vida inteira?». «Ah, nós amamo-nos muito, mas...
permaneceremos juntos enquanto o amor durar. Quando terminar, cada qual toma o seu rumo». É o
egoísmo: quando eu não sinto, interrompo o matrimónio e esqueço aquela «uma só carne» que não
se pode dividir. É arriscado casar: é arriscado! É aquele egoísmo que nos ameaça, porque dentro de
nós todos temos a possibilidade de uma dupla personalidade: aquela que diz: «Eu, livre, eu quero
isto...», e a outra que diz: «Eu, me, mim, comigo, para mim...». Sempre o egoísmo, que volta e não
sabe abrir-se ao próximo. A outra dificuldade é esta cultura do provisório: parece que nada é
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definitivo. Tudo é provisório! Como eu disse antes: o amor, sim, mas enquanto durar. Uma vez ouvi
um seminarista — bom — que dizia: «Quero tornar-me sacerdote, mas por dez anos. Depois, vou
pensar». É a cultura do provisório, mas Jesus não nos salvou provisoriamente: salvou-nos de modo
definitivo!
Mas o Espírito Santo suscita sempre respostas novas às renovadas exigências! E assim
multiplicaram-se na Igreja os itinerários para noivos, os cursos de preparação para o Matrimónio, os
grupos de jovens casais nas paróquias, os movimentos familiares... São uma riqueza imensa! São
pontos de referência para todos: jovens à procura, casais em crise, pais em dificuldade com os
filhos, e vice-versa. Ajudam-nos todos! Além disso, existem diversas formas de acolhimento: a
custódia, a adopção, as casas-família de vários tipos... A fantasia — permiti-me esta palavra — a
fantasia do Espírito Santo é infinita, mas é também muito concreta! Então, gostaria de vos dizer que
não tenhais medo de dar passos definitivos: não tenhais medo de os dar. Quantas vezes ouvi mães
que me dizem: «Mas Padre, tenho um filho de 30 anos e não se casa: não sei o que fazer! Tem uma
namorada linda, mas não se decide». Mas senhora, deixe de lhe passar as camisas a ferro! É assim!
Não tenhais medo de dar passos definitivos, como o do matrimónio: aprofundai o vosso amor,
respeitando os seus tempos e as suas pressões, orai, preparai-vos bem, mas depois tende confiança
que o Senhor não vos deixa sozinhos! Fazei-o entrar na vossa casa como um membro da família, e
Ele amparar-vos-á sempre.
A família é a vocação que Deus inscreveu na natureza do homem e da mulher, mas existe
outra vocação complementar ao matrimónio: o chamamento ao celibato e à virgindade pelo
Reino dos céus. Foi a vocação que o próprio Jesus viveu. Como podemos reconhecê-la? Como
segui-la? Foi a terceira pergunta que me dirigistes. Todavia, algum de vós pode pensar: mas
como é bom este bispo! Fizemos a pergunta e ele já tem todas as respostas prontas, escritas!
Recebi as perguntas há alguns dias. É por isso que as conheço. E respondo-vos com dois
elementos essenciais, sobre o modo como reconhecer esta vocação ao sacerdócio ou à vida
consagrada. Rezar e caminhar na Igreja. Estas duas coisas andam juntas, estão interligadas.
Na origem de cada vocação à vida consagrada há sempre uma forte experiência de Deus, uma
experiência que não esquecemos, que recordamos durante a vida inteira! Foi a que Francisco
teve. E isto não o podemos calcular, nem programar. Deus surpreende-nos sempre! É Deus
que chama, mas é importante ter uma relação quotidiana com Ele, ouvi-lo em silêncio diante
do Tabernáculo e no íntimo de nós mesmos, falar-lhe, receber os Sacramentos. Manter esta
relação familiar com o Senhor é como deixar aberta a janela da nossa vida, a fim de que Ele
nos faça ouvir a sua voz, o que Ele deseja de nós. Seria bom ouvir-vos, ouvir os sacerdotes
aqui presentes, as religiosas... Seria muito bom, porque cada história é única, mas todas
começam a partir de um encontro que ilumina profundamente, que sensibiliza o coração e
compromete a pessoa inteira: os afectos, o intelecto, os sentidos, tudo. A relação com Deus não
se refere unicamente a uma parte de nós mesmos, mas diz respeito a tudo. É um amor tão
grande, tão bonito, tão verdadeiro, que merece tudo e merece toda a nossa confiança. E
gostaria de vos dizer algo de modo vigoroso, especialmente hoje: a virgindade pelo Reino de
Deus não é um «não», mas um «sim»! Sem dúvida, exige a renúncia a um vínculo conjugal e a
uma família, mas na base encontra-se o «sim», como resposta ao «sim» total de Cristo a nós, e
este «sim» torna-nos fecundos.
Mas aqui em Assis não há necessidade de palavras! Estão presentes Francisco e Clara, são eles que
nos falam! O seu carisma continua a falar a muitos jovens no mundo inteiro: rapazes e moças que
deixam tudo para seguir Jesus no caminho do Evangelho.
Eis, o Evangelho. Gostaria de me inspirar na palavra «Evangelho» para responder às outras duas
perguntas que vós me dirigistes, a segunda e a quarta. Uma diz respeito ao compromisso social,
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neste período de crise que ameaça a esperança; e a outra refere-se à evangelização, ao anúncio de
Jesus aos outros. Vós perguntastes-me: o que podemos fazer? Qual pode ser a nossa contribuição?
Aqui em Assis, aqui perto da Porciúncula, parece que posso ouvir a voz de são Francisco, que nos
repete: «Evangelho, Evangelho!». E di-lo também a mim, aliás, primeiro a mim: Papa Francisco, sê
servo do Evangelho! Se eu não conseguir ser um servidor do Evangelho, a minha vida não terá
valor algum!
Mas estimados amigos, o Evangelho não diz respeito unicamente à religião; ele refere-se ao
homem, ao homem todo, ao mundo, à sociedade e à civilização humana. O Evangelho é a
mensagem de salvação de Deus para a humanidade. Mas quando dizemos «mensagem de salvação»,
não é um modo de dizer, não são simples palavras, nem palavras vazias, como existem tantas hoje
em dia! A humanidade tem verdadeiramente necessidade de ser salva! Vemo-lo todos os dias,
quando folheamos o jornal, ou quando ouvimos o noticiário televisivo; mas vemo-lo também ao
nosso redor, nas pessoas e nas situações; e vemo-lo inclusive em nós mesmos! Cada um de nós tem
necessidade da salvação! Sozinhos, não conseguimos! Precisamos da salvação! Mas salvação do
quê? Do mal. O mal age, desempenha o seu trabalho. Mas o mal não é invencível, e o cristão não se
resigna diante do mal. E vós, jovens, desejais resignar-vos perante o mal, as injustiças e as
dificuldades? Quereis ou não quereis? [Os jovens respondem: Não!]. Ah, muito bem! Gosto disto!
O nosso segredo é que Deus é maior do que o mal: e isto é verdade! Deus é maior do que o mal!
Deus é amor infinito, misericórdia sem limites, e este Amor venceu o mal pela raiz, mediante a
morte e a ressurreição de Cristo. Este é o Evangelho, a Boa Notícia: o amor de Deus venceu! Cristo
morreu na cruz pelos nossos pecados e ressuscitou. Com Ele, podemos lutar contra o mal e derrotálo todos os dias. Cremos nisto, ou não? [Os jovens respondem: Sim!]. Mas este «sim» deve inserirse na vida! Se acredito que Jesus venceu o mal e que me salva, devo seguir Jesus, devo percorrer o
caminho de Jesus durante a vida inteira.
Então o Evangelho, esta mensagem de salvação, tem dois destinos que estão ligados entre si: o
primeiro, suscitar a fé, e trata-se da evangelização; o segundo, transformar o mundo em
conformidade com o desígnio de Deus, e trata-se da animação cristã da sociedade. Mas não são dois
elementos separados, são uma única missão: anunciar o Evangelho com o testemunho da nossa vida
transforma o mundo! Eis o caminho: anunciar o Evangelho com o testemunho da nossa vida!
Olhemos para Francisco: ele fez as duas coisas, com a força do único Evangelho. Francisco fez
crescer a fé, renovando a Igreja; e, ao mesmo tempo, renovou a sociedade, tornando-a mais fraterna,
mas sempre com o Evangelho, com o testemunho. Sabeis o que disse Francisco certa vez aos seus
irmãos? «Pregai sempre o Evangelho e, se for necessário, também com as palavras!». Mas como?
Pode-se pregar o Evangelho sem palavras? Sim! Com o testemunho! Primeiro o testemunho, e
depois as palavras! Mas primeiro o testemunho!
Jovens da Úmbria: fazei assim também vós! Hoje, em nome de são Francisco, eu digo-vos: não
tenho ouro, nem prata para vos oferecer, mas algo muito mais precioso, o Evangelho de Jesus. Ide
com coragem! Com o Evangelho no coração e nas mãos, sede testemunhas da fé com a vossa
própria vida: levai Cristo às vossas casas, anunciai-o aos vossos amigos, abraçai-o e servi-o nos
pobres. Jovens, transmiti à Úmbria uma mensagem de vida, de paz e de esperança! Podeis fazê-lo!
Recitação do Pai-Nosso e Bênção.
E peço-vos, por favor: rezai por mim!
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PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 16 de Outubro de 2013
Vídeo
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Quando recitamos o Credo, dizemos: «Creio na Igreja, una, santa, católica e apostólica». Não sei se
nunca meditastes sobre o significado que contém a expressão «a Igreja é apostólica». Talvez
algumas vezes, vindo a Roma, pensastes na importância dos Apóstolos Pedro e Paulo que aqui
entregaram a sua vida para anunciar e testemunhar o Evangelho.
Mas há mais. Professar que a Igreja é apostólica significa ressaltar o vínculo constitutivo que
ela tem com os Apóstolos, com aquele pequeno grupo de doze homens que um dia Jesus
convocou a si, chamando-os por nome, para que permanecessem com Ele para os enviar a
pregar (cf. Mc 3, 13-19). Com efeito, «apóstolo», é uma palavra grega que quer dizer
«mandado», «enviado». O apóstolo é uma pessoa mandada, enviada a fazer algo, e os
Apóstolos foram escolhidos, chamados e enviados por Jesus, para dar continuidade à sua
obra, ou seja, para rezar — é a primeira tarefa do apóstolo — e, segunda, anunciar o
Evangelho. Isto é importante, porque quando pensamos nos Apóstolos, poderíamos pensar
que só foram anunciar o Evangelho, realizar muitas obras. Mas nos primórdios da Igreja
houve um problema porque os Apóstolos deviam fazer muitas coisas e então constituíram os
diáconos, a fim de que para os Apóstolos sobrasse mais tempo para rezar e anunciar a
Palavra de Deus. Quando pensamos nos sucessores dos Apóstolos, os Bispos, incluído o Papa
porque também ele é Bispo, devemos perguntar se, em primeiro lugar, este sucessor dos
Apóstolos antes de tudo reza e depois anuncia o Evangelho: isto significa ser apóstolo, e por
isso a Igreja é apostólica. Todos nós, se quisermos ser apóstolos, como agora explicarei,
devemos interrogar-nos: rezo pela salvação do mundo? Anuncio o Evangelho? Esta é a Igreja
apostólica! É um vínculo constitutivo que temos com os Apóstolos.
Começando precisamente a partir daqui, gostaria de frisar de modo breve três significados do
adjectivo «apostólica», aplicado à Igreja.
1. A Igreja é apostólica, porque está fundada na pregação e na oração dos Apóstolos, na autoridade
que lhes foi conferida pelo próprio Cristo. São Paulo escreve aos cristãos de Éfeso: «Sois
concidadãos dos santos e membros da família de Deus, edificados sobre o fundamento dos
apóstolos e profetas, tendo por pedra angular o próprio Jesus Cristo» (2, 19-20); ou seja, compara os
cristãos com pedras vivas que formam um edifício, a Igreja, e este edifício está assente sobre os
Apóstolos como colunas, enquanto a pedra que sustenta tudo é o próprio Jesus. Sem Jesus a Igreja
não pode existir! Jesus é precisamente a base da Igreja, o fundamento! Os Apóstolos viveram com
Jesus, ouviram as suas palavras, compartilharam a sua vida, sobretudo foram testemunhas da sua
Morte e Ressurreição. A nossa fé, a Igreja que Cristo quis, não se fundamenta numa ideia, não se
funda numa filosofia, mas no próprio Cristo. E a Igreja é como uma planta que, ao longo dos
séculos, cresceu e se desenvolveu dando frutos, mas as suas raízes estão bem plantadas nele e a
experiência fundamental de Cristo que viveram os Apóstolos, escolhidos e enviados por Jesus,
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chega até nós. Daquela planta pequenina até aos nossos dias: assim a Igreja está presente no mundo
inteiro.
2. Mas interroguemo-nos: como é possível unir-nos a este testemunho, como pode chegar até nós o
que os Apóstolos viveram com Jesus, aquilo que dele ouviram? Eis o segundo significado do termo
«apostolicidade. O Catecismo da Igreja Católica afirma que a Igreja é apostólica, porque «guarda e
transmite, com a ajuda do Espírito Santo que nela habita, a doutrina, o bom depósito, as sãs
palavras recebidas dos Apóstolos» (n. 857). A Igreja conserva ao longo dos séculos este tesouro
inestimável que é a Sagrada Escritura, a doutrina, os Sacramentos, o ministério dos Pastores, de tal
modo que podemos ser fiéis a Cristo e participar na sua própria vida. É como um rio que corre na
história, se desenvolve e irriga, mas a água que escorre é sempre aquela que brota da nascente, e a
fonte é o próprio Cristo: Ele é o Ressuscitado, Ele é o Vivente e as suas palavras não passam,
porque Ele mesmo não passa, Ele está vivo, hoje Ele está presente aqui no meio de nós, Ele ouvenos, nós falamos com Ele e Ele escuta-nos, está no nosso coração. Hoje Jesus está connosco! Esta é
a beleza da Igreja: a presença de Jesus no meio de nós. Nunca pensamos como é importante este
dom que Cristo nos concedeu, na dádiva da Igreja, onde o podemos encontrar? Pensamos
porventura que é precisamente a Igreja no seu caminho ao longo destes séculos — não obstante as
dificuldades, os problemas, as debilidades, os nossos pecados — que nos transmite a mensagem
autêntica de Cristo? Que ela nos confere a certeza de que aquilo em que cremos é realmente o que
Cristo nos comunicou?
3. O último pensamento: a Igreja é apostólica, porque é enviada a anunciar o Evangelho ao mundo
inteiro. Continua no caminho da história a mesma missão que Jesus confiou aos Apóstolos: «Ide,
pois, e ensinai todas as nações; baptizai-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Ensinaias a observar tudo quanto vos tenho mandado. Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do
mundo» (Mt 28, 19-20). Foi isto que Jesus pediu que fizéssemos! Insisto sobre este aspecto da
missionariedade, porque Cristo convida todos a «ir» ao encontro dos outros, envia-nos, pede que
nos movamos para anunciar a alegria do Evangelho! Mais uma vez, perguntemo-nos: somos
missionários com a nossa palavra, mas sobretudo com a nossa vida cristã, com o nosso testemunho?
Ou somos cristãos fechados no nosso coração e nas nossas igrejas, cristãos de sacristia? Cristãos
apenas com palavras, mas que vivem como pagãos? Devemos fazer estas perguntas, que não
constituem uma repreensão. Também eu o digo a mim mesmo: como sou cristão, verdadeiramente
com o testemunho?
A Igreja tem as suas raízes no ensinamento dos Apóstolos, testemunhas autênticas de Cristo, mas
olha para o futuro, tem a consciência firme de ser enviada — enviada por Jesus — de ser
missionária, levando o nome de Jesus com a oração, o anúncio e o testemunho. Uma Igreja que se
fecha em si mesma e no passado, uma Igreja que só considera as pequenas regras de hábitos e de
atitudes é uma Igreja que atraiçoa a sua própria identidade; uma Igreja fechada atraiçoa a identidade
que lhe é própria! Então, voltemos a descobrir hoje toda a beleza e responsabilidade de ser Igreja
apostólica! E recordai-vos: Igreja apostólica porque rezamos — a primeira tarefa — e porque
anunciamos o Evangelho com a nossa vida e com as nossas palavras.
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PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 20 de Novembro de 2013
Vídeo
Caros irmãos e irmãs, bom dia!
Na quarta-feira passada falei sobre a remissão dos pecados, referida de modo especial ao Baptismo.
Hoje aprofundamos o tema da remissão dos pecados, mas em referência ao chamado «poder das
chaves», que é um símbolo bíblico da missão que Jesus confiou aos Apóstolos.
Antes de tudo, devemos recordar que o protagonista do perdão dos pecados é o Espírito Santo. Na
sua primeira aparição aos Apóstolos, no Cenáculo, Jesus ressuscitado fez o gesto de soprar sobre
eles, dizendo: «Recebei o Espírito Santo. Àqueles a quem perdoardes os pecados, ser-lhes-ão
perdoados; àqueles a quem os retiverdes, ser-lhes-ão retidos» (Jo 20, 22-23). Transfigurado no seu
corpo, Jesus já é o homem novo, que oferece os dons pascais, fruto da sua morte e ressurreição.
Quais são estes dons? A paz, a alegria, o perdão dos pecados e a missão, mas sobretudo o Espírito
Santo, que é fonte de tudo isto. O sopro de Jesus, acompanhado pelas palavras com as quais
comunica o Espírito, indica a transmissão da vida, a vida nova regenerada pelo perdão.
Mas antes de fazer o gesto se soprar e conceder o Espírito, Jesus mostra as suas chagas, nas mãos e
no lado: essas feridas representam o preço da nossa salvação. O Espírito Santo concede-nos o
perdão de Deus, «passando através» das chagas de Jesus. As feridas que Ele quis conservar;
também neste momento, no Céu, Ele mostra ao Pai as chagas com as quais nos resgatou. Em virtude
destas feridas, os nossos pecados são perdoados: assim Jesus ofereceu a sua vida pela nossa paz,
pela nossa alegria, pelo dom da graça na nossa alma, pelo perdão dos nossos pecados. É muito bom
contemplar Jesus assim!
Consideremos o segundo elemento: Jesus concede aos Apóstolos o poder de perdoar os pecados. É
um pouco difícil compreender como um homem pode perdoar os pecados, mas Jesus confere este
poder. A Igreja é depositária do poder das chaves, de abrir ou fechar ao perdão. Na sua
misericórdia soberana, Deus perdoa cada homem, mas Ele mesmo quis que quantos pertencem a
Cristo e à Igreja recebam o perdão mediante os ministros da Comunidade. Através do ministério
apostólico, a misericórdia de Deus alcança-me, as minhas culpas são-me perdoadas e é-me
conferida a alegria. Deste modo, Jesus chama a viver a reconciliação também na dimensão eclesial,
comunitária. E isto é muito bom! A Igreja, que é santa e ao mesmo tempo carente de penitência,
acompanha o nosso caminho de conversão durante a vida inteira. A Igreja não é senhora do poder
das chaves, mas é serva do ministério da misericórdia e rejubila todas as vezes que pode oferecer
este dom divino.
Talvez muitas pessoas não compreendam a dimensão eclesial do perdão, porque predominam
sempre o individualismo e o subjectivismo, e até nós cristãos sentimos isto. Sem dúvida, Deus
perdoa cada pecador arrependido, pessoalmente, mas o cristão está unido a Cristo, e Cristo à Igreja.
Para nós cristãos há um dom a mais, há sempre um compromisso a mais: passar humildemente
através do ministério eclesial. Devemos valorizá-lo; é uma dádiva, uma atenção, uma salvaguarda e
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também a certeza de que Deus me perdoou. Vou ter com o irmão sacerdote e digo: «Padre, cometi
isto...». E ele responde: «Mas eu perdoo-te; Deus perdoa-te!». Naquele momento, estou convicto de
que Deus me perdoou! E isto é bom, é ter a segurança que Deus nos perdoa sempre, nunca se cansa
de perdoar. E não devemos cansar-nos de ir pedir perdão. Podemos ter vergonha de confessar os
nossos pecados, mas as nossas mães e avós já diziam que é melhor corar uma vez do que
empalidecer mil vezes. Coramos uma vez, mas os pecados são-nos perdoados e vamos em frente.
Enfim, um último ponto: o sacerdote, instrumento para o perdão dos pecados. O perdão de
Deus, que nos é concedido na Igreja, é-nos transmitido mediante o ministério do nosso irmão,
o sacerdote; também ele, um homem que como nós precisa de misericórdia, se torna
verdadeiramente instrumento de misericórdia, comunicando-nos o amor ilimitado de Deus
Pai. Inclusive os presbíteros e os Bispos devem confessar-se: todos nós somos pecadores.
Também o Papa se confessa a cada quinze dias, porque inclusive o Papa é pecador. O
confessor ouve os pecados que lhe confesso, aconselha-me e perdoa-me, porque todos nós
precisamos deste perdão. Às vezes ouvimos certas pessoas afirmar que se confessam
directamente com Deus... Sim, como eu dizia antes, Deus ouve sempre, mas no sacramento da
Reconciliação envia um irmão a trazer-nos o perdão, a segurança do perdão em nome da
Igreja.
O serviço que o sacerdote presta como ministro, por parte de Deus, para perdoar os pecados é
muito delicado e exige que o seu coração esteja em paz, que o presbítero tenha o coração em
paz; que não maltrate os fiéis, mas que seja manso, benévolo e misericordioso; que saiba
semear esperança nos corações e sobretudo que esteja consciente de que o irmão ou a irmã
que se aproxima do sacramento da Reconciliação procura o perdão, e fá-lo como as
numerosas pessoas que se aproximavam de Jesus para serem curadas. O sacerdote que não
tiver esta disposição de espírito é melhor que, enquanto não se corrigir, não administre este
Sacramento. Os fiéis penitentes têm o direito, todos os fiéis têm o direito de encontrar nos
sacerdotes servidores do perdão de Deus.
Caros irmãos, como membros da Igreja estamos conscientes da beleza desta dádiva que o próprio
Deus nos concede? Sentimos a alegria deste esmero, desta atenção materna que a Igreja tem por
nós? Sabemos valorizá-la com simplicidade e assiduidade? Não esqueçamos que Deus nunca se
cansa de nos perdoar; mediante o ministério do sacerdote, Ele aperta-nos num novo abraço que nos
regenera e nos permite erguer-se de novo e retomar o caminho. Porque esta é a nossa vida: devemos
erguer-nos sempre de novo e retomar o caminho!
Amanhã, 21 de Novembro, memória litúrgica da Apresentação de Maria Santíssima no
Templo, celebraremos o Dia pro Orantibus, dedicada à recordação das comunidades religiosas
de clausura. É uma ocasião oportuna para dar graças ao Senhor pelo dom de tantas pessoas
que, nos mosteiros e nos ermos, se dedicam a Deus na oração e no silêncio diligente. Demos
graças ao Senhor pelos testemunhos de vida claustral e não permitamos que faltem a estes
nossos irmãos e irmãs o nosso auxílio espiritual e material, a fim de que eles possam cumprir
a sua importante missão.
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CELEBRAÇÃO DAS VÉSPERAS COM A COMUNIDADE
DAS MONJAS BENEDITINAS CAMALDOLENSES
PALAVRAS DO PAPA FRANCISCO
Mosteiro de Santo António Abade - Roma
Quinta-feira, 21 de Novembro de 2013
Video
Contemplamos aquela que conheceu e amou Jesus como nenhuma outra criatura. O Evangelho que
escutámos mostra a atitude fundamental com a qual Maria expressou o seu amor por Jesus: fazer a
vontade de Deus. «Todo aquele que fizer a vontade do Meu Pai que está nos céus, esse é Meu
irmão, Minha irmã e Minha mãe» (Mt 12, 50). Com estas palavras Jesus deixa uma mensagem
importante: a vontade de Deus é a Lei suprema que estabelece a verdadeira pertença a Ele. Portanto,
Maria estabelece um relacionamento familiar com Jesus antes de o dar à luz: torna-se discípula e
mãe do seu Filho no momento em que acolhe as palavras do Anjo e diz: «Eis a escrava do Senhor,
faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). A palavra «faça-se» não é apenas uma aceitação,
mas também uma abertura confiante ao futuro. Este «faça-se» é esperança!
Maria é a mãe da esperança, o ícone mais expressivo da esperança cristã. Toda a sua vida é
um conjunto de atitudes de esperança, a partir do «sim» proferido no momento da
Anunciação. Maria não sabia como poderia tornar-se mãe, mas confiou-se totalmente ao
mistério que estava para se cumprir, e tornou-se a mulher da esperança. Mais tarde, vemo-la
em Belém, onde aquele que lhe foi anunciado como Salvador de Israel e como o Messias nasce
na pobreza. Em seguida, quando está em Jerusalém para o apresentar ao templo, com a
alegria dos anciãos Simeão e Ana cumpre-se também a promessa de uma espada que lhe teria
trespassado o coração e a profecia de um sinal de contradição. Ela percebe que a missão e
também a identidade daquele Filho ultrapassam o facto de ela ser mãe. Chegamos depois ao
episódio de Jesus que se perdeu em Jerusalém e é novamente recordado: «Filho, porque nos
fizeste isto? (Lc 2, 48), e a resposta de Jesus que se subtraiu às preocupações maternas,
dirigindo-se para as coisas do Pai celeste.
Contudo, diante de todas estas dificuldades e surpresas do projecto de Deus, a esperança da
Virgem nunca vacilou! Mulher de esperança. Isto diz-nos que a esperança se nutre de escuta,
de contemplação, de paciência, para que os tempos do Senhor amadureçam. Também nas
bodas de Caná, Maria é a mãe da esperança, atenta e solícita em relação às coisas humanas.
Com o início da vida pública, Jesus torna-se o Mestre e o Messias: Nossa Senhora olha para a
missão do Filho com júbilo mas também com preocupação, porque Jesus se torna cada vez
mais aquele sinal de contradição que o velho Simeão já lhe tinha prenunciado. Aos pés da
cruz, é a mulher da dor e, ao mesmo tempo, da vigilante espera de um mistério, maior que a
dor, que está para se cumprir. Tudo parece realmente acabado; poderíamos dizer que toda a
esperança se apagou. Também ela, naquele momento, poderia ter exclamado recordando as
promessas da anunciação: não se cumpriram, fui enganada. Mas não o disse. Contudo ela,
bem-aventurada porque acreditou, desta sua fé vê brotar um futuro novo e aguarda com
esperança o amanhã de Deus. Às vezes penso: nós sabemos esperar o amanhã de Deus? Ou
queremos o hoje? O amanhã de Deus é para ela o amanhecer da Páscoa, daquele dia que é o
primeiro da semana. Far-nos-á bem pensar, na contemplação, no abraço do filho com a mãe.
A única lâmpada acesa no sepulcro de Jesus é a esperança da mãe, que naquele momento é a
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esperança de toda a humanidade. Pergunto a mim mesmo e a vós: nos Mosteiros esta lâmpada
ainda está acesa? Nos mosteiros espera-se o amanhã de Deus?
Devemos muito a esta Mãe! Nela, presente em cada momento da história da salvação, vemos um
testemunho sólido de esperança. Ela, mãe da esperança, nos sustenta nos momentos de escuridão,
de dificuldade, de desconforto, de aparente derrota ou de verdadeiras derrotas humanas. Que Maria,
nossa esperança, nos ajude a fazer de nossa vida uma oferenda agradável ao Pai celeste, e um dom
jubiloso para os nossos irmãos, uma atitude que olha sempre para o futuro.
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RITO DE ADMISSÃO AO CATECUMENATO
E ENCONTRO COM OS CATECÚMENOS NA CONCLUSÃO DO ANO DA FÉ
PALAVRAS DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Sábado, 23 de Novembro de 2013
Vídeo
Amados catecúmenos
Este momento conclusivo do Ano da fé vê-vos reunidos, com os vossos catequistas e familiares,
também em representação de muitos outros homens e mulheres que, provenientes de várias
regiões do mundo, realizam o vosso mesmo percurso de fé. Neste momento estamos todos
espiritualmente unidos. Vindes de muitos países diferentes, de tradições culturais e de
experiências diversificadas. E no entanto, esta tarde sentimos que temos entre nós muitas
coisas em comum. Principalmente uma: o desejo de Deus. Este desejo é evocado pelas palavras
do Salmista: «Do mesmo modo como a corça anseia pelas águas vivas, assim a minha alma
suspira por vós, ó meu Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando irei
contemplar a face de Deus?» (Sl 42 [41], 2-3). Como é importante manter vivo este desejo, este
desejo de encontrar o Senhor e fazer a sua experiência, fazer experimentar o seu amor, fazer a
experiência da sua misericórdia! Se vier a faltar a sede do Deus vivo, a fé corre o risco de se
tornar habitudinária, corre o perigo de se apagar, como um fogo que já não é atiçado. Corre o
risco de se tornar «rançosa», insensata.
A narração do Evangelho (cf. Jo 1, 35-42) mostrou-nos João Baptista que indica aos seus discípulos
Jesus como o Cordeiro de Deus. Dois deles seguem o Mestre e depois, por sua vez, tornam-se
«medianeiros» que permitem que outros encontrem o Senhor, o conheçam e sigam. Nesta narração
há três momentos que evocam a experiência do catecumenato. Em primeiro lugar, há a escuta. Os
dois discípulos ouviram o testemunho de João Baptista. Estimados catecúmenos, também vós
ouvistes aqueles que vos falaram de Jesus e que vos propuseram segui-lo, tornando-se seus
discípulos mediante o Baptismo. No tumulto de tantas vozes que ressoam ao nosso redor e dentro
de nós, vós ouvistes e acolhestes a voz que Jesus vos indicava, como o Único que pode dar um
sentido pleno à nossa vida.
O segundo momento é o encontro. Os dois discípulos encontram o Mestre e permanecem com Ele.
Depois de O ter encontrado, sentem imediatamente algo de novo no seu coração: a exigência de
transmitir a sua alegria inclusive aos outros, a fim de que também eles possam encontrá-lo. Com
efeito, André encontra o seu irmão Simão e condu-lo a Jesus. Como nos faz bem contemplar esta
cena! Recorda-nos que Deus não nos criou para permanecermos sozinhos, fechados em nós
mesmos, mas para podermos encontrá-lo e para nos abrirmos ao encontro com o próximo. Deus
vem primeiro ao encontro de cada um de nós; e isto é maravilhoso! É Ele que vem ao nosso
encontro! Na Bíblia, Deus manifesta-se sempre como Aquele que toma a iniciativa do encontro com
o homem: é Ele que procura o homem e, em geral, procura-o precisamente enquanto o homem faz a
experiência amarga e trágica de trair Deus e de O evitar. Deus não espera para o procurar: procura-o
imediatamente! O nosso Pai é um procurador paciente! Ele precede-nos e espera-nos sempre. Não
se cansa de nos esperar, não se afasta de nós, mas tem a paciência de esperar o momento favorável
do encontro com cada um de nós. E quando o encontro se realiza, nunca se trata de um encontro
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apressado, porque Deus deseja permanecer prolongadamente ao nosso lado para nos sustentar e
consolar, para nos infundir a sua alegria. Deus tem pressa de nos encontrar, mas nunca tem pressa
de nos deixar. Ele permanece ao nosso lado. Do mesmo modo como nós anelamos por Ele e o
desejamos, assim também Ele deseja estar ao nosso lado, porque nós lhe pertencemos, somos
«algo» seu, somos suas criaturas. Podemos dizer que também Ele tem sede de nós, de nos encontrar.
O nosso Deus tem sede de nós. E este é o coração de Deus. É bom sentir isto!
A última parte da narração é caminhar. Os dois discípulos caminham rumo a Jesus e depois
percorrem um trecho do caminho com Ele. Trata-se de um ensinamento importante para todos nós.
A fé é um caminho com Jesus. Recordai sempre isto: a fé consiste em caminhar com Jesus; é um
caminho que dura a vida inteira. No final haverá o encontro definitivo. Sem dúvida, em
determinados momentos ao longo deste caminho sentimo-nos cansados e confusos. No entanto, a fé
confere-nos a certeza da presença constante de Jesus em cada situação, inclusive na mais dolorosa
ou difícil de compreender. Somos chamados a caminhar para penetrar cada vez mais no mistério do
amor de Deus que, sobranceiro, nos permite viver com serenidade e esperança.
Prezados catecúmenos, hoje vós começais o caminho do catecumenato. Faço votos a fim de que
percorrais com alegria, convictos do auxílio da Igreja inteira, que olha para vós com profunda
confiança. Maria, Discípula perfeita, vos acompanhe: é bom sentir que Ela é a nossa Mãe na fé!
Convido-vos a conservar o entusiasmo do primeiro momento, que vos fez abrir os olhos à luz da fé;
a recordar como o discípulo muito amado, o dia, a hora em que permanecestes pela primeira vez
com Jesus, quando sentistes o seu olhar sobre vós. Nunca esqueçais este olhar de Jesus sobre ti,
sobre ti, sobre ti... Jamais esqueçais este olhar! Trata-se de um olhar de amor. E assim estareis
sempre persuadidos do amor fiel do Senhor. Ele é fiel! E estais certos disto: Ele nunca vos trairá!
82
EXORTAÇÃO APOSTÓLICA
EVANGELII GAUDIUM
DO SANTO PADRE
FRANCISCO
Dado em Roma, junto de São Pedro, no encerramento do Ano da Fé, dia 24 de Novembro –
Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo – do ano de 2013, primeiro do meu
Pontificado.
104. As reivindicações dos legítimos direitos das mulheres, a partir da firme convicção de que
homens e mulheres têm a mesma dignidade, colocam à Igreja questões profundas que a
desafiam e não se podem iludir superficialmente. O sacerdócio reservado aos homens, como
sinal de Cristo Esposo que Se entrega na Eucaristia, é uma questão que não se põe em
discussão, mas pode tornar-se particularmente controversa se se identifica demasiado a
potestade sacramental com o poder. Não se esqueça que, quando falamos da potestade
sacerdotal, «estamos na esfera da função e não na da dignidade e da santidade».[73] O
sacerdócio ministerial é um dos meios que Jesus utiliza ao serviço do seu povo, mas a grande
dignidade vem do Baptismo, que é acessível a todos. A configuração do sacerdote com Cristo
Cabeça – isto é, como fonte principal da graça – não comporta uma exaltação que o coloque
por cima dos demais. Na Igreja, as funções «não dão justificação à superioridade de uns sobre
os outros».[74] Com efeito, uma mulher, Maria, é mais importante do que os Bispos. Mesmo
quando a função do sacerdócio ministerial é considerada «hierárquica», há que ter bem
presente que «se ordena integralmente à santidade dos membros do corpo místico de
Cristo».[75] A sua pedra de fecho e o seu fulcro não são o poder entendido como domínio, mas
a potestade de administrar o sacramento da Eucaristia; daqui deriva a sua autoridade, que é
sempre um serviço ao povo. Aqui está um grande desafio para os Pastores e para os teólogos,
que poderiam ajudar a reconhecer melhor o que isto implica no que se refere ao possível
lugar das mulheres onde se tomam decisões importantes, nos diferentes âmbitos da Igreja.
107. Em muitos lugares, há escassez de vocações ao sacerdócio e à vida consagrada.
Frequentemente isso fica-se a dever à falta de ardor apostólico contagioso nas comunidades,
pelo que estas não entusiasmam nem fascinam. Onde há vida, fervor, paixão de levar Cristo
aos outros, surgem vocações genuínas. Mesmo em paróquias onde os sacerdotes não são muito
disponíveis nem alegres, é a vida fraterna e fervorosa da comunidade que desperta o desejo de
se consagrar inteiramente a Deus e à evangelização, especialmente se essa comunidade vivente
reza insistentemente pelas vocações e tem a coragem de propor aos seus jovens um caminho
de especial consagração. Por outro lado, apesar da escassez vocacional, hoje temos noção mais
clara da necessidade de uma melhor selecção dos candidatos ao sacerdócio. Não se podem
encher os seminários com qualquer tipo de motivações, e menos ainda se estas estão
relacionadas com insegurança afectiva, busca de formas de poder, glória humana ou bemestar económico.
[73]João Paulo II, Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 51: AAS 81
(1989), 493.
[74]Congr. para a Doutrina da Fé, Decl. sobre a questão da admissão das mulheres ao sacerdócio
ministerial Inter Insigniores (15 de Outubro de 1976), VI: AAS 69 (1977), 115, citado por João
Paulo II na Exort. ap. pós-sinodal Christifideles laici (30 de Dezembro de 1988), 51 (nota 190):
AAS 81 (1989), 493.
[75]João Paulo II, Carta ap. Mulieris dignitatem (15 de Agosto de 1988), 27: AAS 80 (1988), 1718.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DOS PAÍSES BAIXOS
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Segunda-feira, 2 de Dezembro de 2013
Estimados Irmãos no Episcopado
Nestes dias em que realizais a vossa visita ad limina Apostolorum, saúdo cada um de vós com
afecto no Senhor, enquanto vos asseguro a minha oração a fim de que esta peregrinação seja rica de
graça e fecunda para a Igreja que está nos Países Baixos. Obrigado, estimado Cardeal Willem
Jacobus Eijk, pelas palavras que me dirigiu em nome de todos!
Permiti, antes de tudo, que eu manifeste o meu reconhecimento pelo serviço a Cristo e ao
Evangelho que vós levais a cabo em benefício do povo que vos foi confiado, em circunstâncias
muitas vezes árduas. Não é fácil conservar a esperança nas dificuldades que deveis enfrentar! O
exercício colegial do vosso ministério episcopal, em comunhão com o Bispo de Roma, constitui
uma necessidade para fazer aumentar a esperança num diálogo verdadeiro e numa colaboração
efectiva. Será um bem para vós, observar com confiança os sinais de vitalidade que se manifestam
no seio das comunidades cristãs das vossas dioceses. Trata-se de sinais da presença concreta do
Senhor no meio dos homens e das mulheres do vosso país, que esperam autênticas testemunhas da
esperança que nos faz viver, a esperança que vem de Cristo.
Com paciência materna, a Igreja dá continuidade aos seus esforços em vista de responder às
inquietações de numerosos homens e mulheres que experimentam a angústia e o desencorajamento
perante o futuro. Juntamente com os vossos sacerdotes, com os vossos colaboradores directos, vós
desejais permanecer próximos das pessoas que sofrem devido ao vazio espiritual e que se
encontram em busca de um sentido para a própria vida, embora nem sempre o saibam expressar.
Como acompanhá-los em fraternidade nesta busca, a não ser pondo-se à escuta para compartilhar
com eles a esperança, a alegria e a capacidade de ir em frente, que recebemos de Jesus Cristo?
Por isso, a Igreja procura propor a fé de uma maneira autêntica, compreensível e pastoral. O Ano da
fé constituiu uma feliz oportunidade para manifestar o modo como o conteúdo da fé pode alcançar
todos os homens. A antropologia cristã e a doutrina social da Igreja fazem parte do património de
experiência e de humanidade, sobre as quais se fundamenta a civilização europeia, e elas podem
ajudar a confirmar concretamente o primado do homem sobre a técnica e sobre as estruturas. E este
primado do homem pressupõe a abertura à transcendência. Pelo contrário, quando suprime a sua
dimensão transcendente, uma cultura torna-se mais pobre, enquanto ela deveria demonstrar a
possibilidade de unir, em harmonia constante, fé e razão, verdade e liberdade. Assim, a Igreja não
propõe verdades morais imutáveis e atitudes unicamente contra a corrente em relação ao mundo,
mas propõe-nas como a chave do bem humano e do desenvolvimento social. Os cristãos têm uma
missão que lhes é própria, para enfrentar este desafio. Assim, a educação das consciências torna-se
prioritária, especialmente mediante a formação do juízo crítico, não obstante tenha uma abordagem
positiva a propósito das realidades sociais; deste modo, evitar-se-á a superficialidade dos juízos e a
resignação à indiferença. Por conseguinte, isto exige que os católicos, os sacerdotes, as pessoas
consagradas e os leigos adquiram uma formação sólida e de qualidade. Encorajo-vos intensamente a
unir os vossos esforços para corresponder a esta necessidade e assim permitir um melhor anúncio
do Evangelho. Neste contexto, o testemunho e o compromisso dos leigos na Igreja e na sociedade
84
desempenham um papel deveras importante e devem ser sustentados vigorosamente. Todos nós,
baptizados, estamos convidados a ser discípulos-missionários, precisamente onde vivemos!
Na nossa sociedade, fortemente caracterizada pela secularização, encorajo-vos também a estar
presentes no debate público, em todos os ambientes nos quais o homem está em questão, para tornar
visíveis a misericórdia de Deus e a sua ternura por cada uma das criaturas. No mundo de hoje, à
Igreja compete a tarefa de reiterar de maneira incansável estas palavras de Jesus: «Vinde a mim, vós
todos, que estais cansados e oprimidos, e Eu aliviar-vos-ei» (Mt 11, 28). No entanto, interroguemonos: quem nos encontra, quantos encontram um cristão, sentem algo da bondade de Deus, da alegria
de ter encontrado Jesus Cristo? Como afirmei muitas vezes, a partir da experiência autêntica do
ministério episcopal, a Igreja propaga-se não por proselitismo, mas por atracção. Ela é enviada por
toda a parte para acordar, despertar e conservar a esperança! Por isso, é importante encorajar os
vossos fiéis a aproveitar as ocasiões de diálogo, tornando-se presentes nos lugares onde se decide o
futuro; deste modo, conseguirão oferecer a sua contribuição para os debates sobre as questões
sociais mais importantes, relativas por exemplo à família, ao matrimónio e ao fim da vida.
Hoje, mais do que nunca, sente-se a necessidade de progredir ao longo do caminho do ecumenismo,
convidando a um diálogo autêntico que privilegie os elementos de verdade e de bondade, oferendo
respostas inspiradas pelo Evangelho. O Espírito Santo impele-nos a sair de nós mesmos para ir ao
encontro dos outros!
Num país rico, sob muitos aspectos, a pobreza atinge um número crescente de pessoas. Valorizai a
generosidade dos fiéis para levar a luz e a compaixão de Cristo aos lugares onde o esperam e, de
modo particular, às pessoas mais marginalizadas! Além disso, a escola católica, oferecendo aos
jovens uma educação sólida, continuará a favorecer a sua formação humana e espiritual, num
espírito de diálogo e de fraternidade, juntamente com aqueles que não compartilham a sua fé. Por
conseguinte, é importante que os jovens cristãos recebam uma catequese de qualidade, que sustente
a sua fé e que os conduza ao encontro com Cristo. Formação sólida e espírito de abertura! Eis como
a Boa Notícia continua a propagar-se!
Vós sabeis bem que o futuro e a vitalidade da Igreja nos Países Baixos dependem também das
vocações sacerdotais e religiosas! É urgente suscitar uma pastoral vocacional vigorosa e
atraente, e também a busca comum do modo como acompanhar o amadurecimento humano e
espiritual dos seminaristas. Que eles vivam uma relação pessoal com o Senhor, pois ela
tornar-se-á o fundamento da sua vida sacerdotal! Se pudéssemos sentir também a urgência de
rezar ao Senhor da messe! A redescoberta da oração, sob diferentes formas, e de maneira
particular a adoração eucarística, constitui um motivo de esperança para fazer crescer e
radicar a Igreja. Como é importante e imprescindível que estejais próximos dos vossos
presbíteros, permanecendo disponíveis para cada um dos vossos sacerdotes a fim de os
sustentar e orientar, se precisarem! Como pais, encontrai o tempo necessário para os receber
e ouvir, todas as vezes que vo-lo pedirem. E não esqueçais também de ir ao encontro daqueles
que não se aproximam; alguns deles, infelizmente, falharam aos seus compromissos. De
maneira totalmente especial, desejo manifestar a minha compaixão e assegurar as minhas
orações por cada uma das pessoas vítimas de abusos sexuais, e pelas suas famílias; peço-vos
que continueis a assisti-los no seu caminho doloroso de purificação, empreendido com
coragem. Atentos a responder ao desejo de Cristo, Bom Pastor, tende a peito a defesa e o
crescimento da unidade em tudo e entre todos.
Para concluir, gostaria de voltar a dar graças juntamente convosco pelos sinais de vitalidade com os
quais o Senhor tem abençoado a Igreja que está nos Países Baixos, neste contexto que nem sempre é
fácil. Ele vos encoraje e vos confirme na delicada missão de orientar as vossas comunidades ao
85
longo do caminho da fé e da unidade, da verdade e da caridade. Enquanto vos confio a vós, os
sacerdotes, as pessoas consagradas e os fiéis leigos das vossas dioceses à salvaguarda da Virgem
Maria, Mãe da Igreja, concedo-vos de coração a Bênção Apostólica, penhor de paz e de júbilo
espiritual; e, fraternalmente, peço-vos que não vos esqueçais de rezar por mim!
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ENCONTRO COM OS CARDEAIS E COLABORADORES DA CÚRIA ROMANA
PARA A TROCA DE BONS VOTOS DE NATAL
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
Sala Clementina
Sábado, 21 de Dezembro de 2013
Vídeo
Senhores Cardeais,
Amados irmãos no episcopado e no sacerdócio,
Amados irmãos e irmãs!
Agradeço cordialmente ao Cardeal Decano as suas palavras. Obrigado!
O Senhor concedeu-nos a graça de fazermos uma vez mais o caminho do Advento, tendo
rapidamente chegado aos últimos dias que precedem o Natal, dias permeados dum clima espiritual
único, feito de sentimentos, recordações, sinais litúrgicos e não litúrgicos, como o presépio... Neste
clima, situa-se também o tradicional encontro convosco, Superiores e Oficiais da Cúria Romana que
prestais diariamente a vossa colaboração para o serviço da Igreja. A todos vos saúdo cordialmente;
seja-me permitido que saúde de modo particular o Arcebispo Pietro Parolin, que há pouco começou
o seu serviço como Secretário de Estado e precisa das nossas orações!
Ao mesmo tempo que temos os nossos corações repletos de gratidão a Deus, que nos amou até ao
ponto de entregar o Filho Unigénito por nós, é bom dar espaço à gratidão também entre nós. E,
neste meu primeiro Natal como Bispo de Roma, sinto necessidade de vos dizer um grande
«obrigado» a todos, como comunidade de trabalho, e a cada um pessoalmente. Agradeço-vos pelo
vosso serviço de cada dia: pelo cuidado, a diligência, a criatividade; pelo empenho, nem sempre
fácil, em colaborardes no departamento ouvindo-vos, confrontando-vos, valorizando as diferentes
personalidades e qualidades no respeito recíproco.
De forma particular, desejo exprimir a minha gratidão àqueles que, neste período, terminam
o seu serviço e passam à reforma. Bem sabemos que, como presbíteros e bispos, nunca se vai
para a reforma; mas do serviço, sim. E é justo; até para se dedicar um pouco mais à oração e
ao cuidado das almas, a começar pela própria! Assim, um «obrigado» especial, que me vem
do coração, para vós, amados irmãos que deixais a Cúria, sobretudo para vós que aqui
trabalhastes durante tantos anos e com grande dedicação, sem dar nas vistas. Isto é
verdadeiramente digno de admiração. Muito admiro estes Monsenhores que seguem o modelo
dos antigos curiais, pessoas exemplares… Mas hoje também os temos! Pessoas que trabalham
com competência, precisão, abnegação, realizando cuidadosamente o seu dever quotidiano. A
minha vontade era nomear aqui algum destes nossos irmãos para lhes exprimir a minha
admiração e gratidão, mas sabemos que, numa lista, os primeiros que se notam são aqueles
que faltam e, ao fazê-lo, corro o risco de esquecer alguém e cometer assim uma injustiça e
uma falta de caridade. Contudo quero dizer a estes irmãos que constituem um testemunho
muito importante no caminho da Igreja.
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E são um modelo; e a partir deste modelo e deste testemunho deduzo as características do
Oficial de Cúria, e mais ainda do Superior, que gostaria de sublinhar: o profissionalismo e o
serviço.
O profissionalismo, que significa competência, estudo, actualização… Isto é um requisito
fundamental para trabalhar na Cúria. Naturalmente, o profissionalismo vai-se formando e,
pelo menos em parte, adquire-se; mas, precisamente para que se forme e seja adquirido,
penso que é preciso haver, desde o início, uma boa base.
E a segunda característica é o serviço, serviço ao Papa e aos bispos, à Igreja universal e às
Igrejas particulares. Na Cúria Romana, de um modo especial aprende-se, «respira-se» esta
dupla dimensão da Igreja, esta interpenetração entre universal e particular; e penso que esta
seja uma das mais belas experiências de quem vive e trabalha em Roma: «sentir» assim a
Igreja. Quando não há profissionalismo, lentamente vai-se escorregando para o nível da
mediocridade. A resolução dos casos reduz-se a informações estereotipadas e comunicações
sem fermento de vida, incapazes de gerar horizontes grandes. Por outro lado, quando o
procedimento não é de serviço às Igrejas particulares e seus bispos, então cresce a estrutura
da Cúria como uma alfândega pesadamente burocrática, inspectora e inquisidora, que não
permite a acção do Espírito Santo e o crescimento do povo de Deus.
A estas duas qualidades, profissionalismo e serviço, gostaria de acrescentar uma terceira, que
é a santidade de vida. Bem sabemos que esta é a mais importante na hierarquia dos valores.
Efectivamente, está na base também da qualidade do trabalho, do serviço. E quero reiterar
aqui o que já mais de uma vez disse, publicamente, para agradecer ao Senhor: na Cúria
Romana houve, e há, santos. Santidade significa vida imersa no Espírito, abertura do coração
a Deus, oração constante, humildade profunda, amor fraterno nas relações com os colegas.
Significa também apostolado, serviço pastoral discreto, fiel, realizado com zelo no contacto
directo com o povo de Deus. Isto é indispensável para um sacerdote.
Santidade, na Cúria, significa também objecção de consciência. Sim, objecção de consciência
às murmurações! Nós, justamente, insistimos muito sobre o valor da objecção de consciência,
mas talvez devamos exercitá-la também para nos defendermos de uma lei não escrita que,
infelizmente, existe nos nossos ambientes: a das murmurações. Então, façamos todos objecção
de consciência! E olhai que não pretendo, com isto, fazer apenas um discurso moral ! Porque
as murmurações lesam a qualidade das pessoas, lesam a qualidade do trabalho e do ambiente.
Queridos irmãos, sintamo-nos todos unidos neste último pedaço de estrada para Belém. Nisto pode
fazer-nos bem meditar sobre o papel de São José, tão silencioso e tão necessário junto de Nossa
Senhora. Pensemos n’Ele, na sua solicitude pela Esposa e o Menino. Isto é de grande inspiração
para o nosso serviço à Igreja! Por isso, vivamos este Natal espiritualmente unidos a São José. Isto
vai fazer-nos bem a todos!
Muito obrigado pelo vosso trabalho e, sobretudo, pelas vossas orações. Sinto-me deveras «levado»
pelas orações, e peço-vos que continueis a sustentar-me desse modo. Também eu vos recordo ao
Senhor e abençoo, desejando um Natal de luz e de paz para cada um de vós e vossos entes queridos.
Feliz Natal!
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PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 26 de Janeiro de 2014
Vídeo
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
O Evangelho deste domingo narra o início da vida pública de Jesus nas cidades e aldeias da
Galileia. A sua missão não começa em Jerusalém, ou seja, no centro religioso, social e político, mas
numa zona periférica, uma região desprezada pelos judeus mais observantes, devido à presença
naquela região de diversas populações estrangeiras; por isto o profeta Isaías a indica como «Galileia
dos povos» (Is 8, 23).
É uma terra de fronteira, uma zona de trânsito na qual se encontram pessoas diversas por raça,
cultura e religião. A Galileia torna-se assim o lugar simbólico devido à abertura a todos os povos.
Sob este ponto de vista, a Galileia assemelha-se ao mundo de hoje: co-presença de diversas
culturas, necessidade de confronto e necessidade de encontro. Também nós estamos imersos todos
os dias numa «Galileia dos povos», e neste tipo de contexto podemos assustar-nos e ceder à
tentação de construir recintos para estarmos mais seguros, mais protegidos. Mas Jesus ensina-nos
que a Boa Nova, que Ele traz, não está reservada a uma parte da humanidade, deve ser comunicada
a todos. É um feliz anúncio destinado a quantos o esperam, mas também a quantos talvez já não
esperem mais nada, nem sequer têm a força para procurar e perguntar.
Partindo da Galileia, Jesus ensina que ninguém está excluído da salvação de Deus, aliás, que Deus
prefere partir da periferia, dos últimos, para alcançar a todos. Ensina-nos um método, o seu método,
que contudo expressa o conteúdo, ou seja, a misericórdia do Pai. «Cada cristão e cada comunidade
discernirá qual é o caminho que o Senhor pede, mas todos estamos convidados a aceitar esta
chamada. Sair do próprio conforto e ter a coragem de chegar a todas as periferias que precisam da
luz do Evangelho» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 20).
Jesus começa a sua missão não só por um lugar descentralizado, mas também por homens que
se diriam, pode-se dizer assim, «de perfil baixo». Para escolher os seus primeiros discípulos e
futuros apóstolos, não se dirige às escolas dos escribas e dos doutores da Lei, mas às pessoas
humildes e simples, que se preparam com empenho para a vinda do Reino de Deus. Jesus vai
chamá-los lá onde eles trabalham, nas margens do lago: são pescadores. Chama-os e eles
seguem-no, imediatamente. Deixam as redes e vão com Ele: a sua vida tornar-se-á uma
aventura extraordinária e fascinante.
Queridos amigos e amigas, o Senhor chama também hoje! O Senhor passa pelas estradas da
nossa vida diária. Também hoje neste momento, aqui, o Senhor passa pela praça. Chama-nos
para andar com Ele, para trabalhar com Ele pelo Reino de Deus, nas «Galileias» dos nossos
tempos. Cada um de vós pense: o Senhor passa hoje, o Senhor olha para mim, observa-me!
Que me diz o Senhor? E se algum de vós sente que o Senhor lhe diz «segue-me» seja corajoso,
vá com o Senhor. O Senhor nunca desilude. Ouvi no vosso coração se o Senhor vos chama
para o seguir. Deixemo-nos alcançar pelo seu olhar, pela sua voz, e sigamo-lo! «Para que a
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alegria do Evangelho chegue até aos extremos confins da terra e nenhuma periferia seja
privada da sua luz» (ibid., 288)
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA ÁUSTRIA
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Quinta-feira, 30 de Janeiro de 2014
Estimados Irmãos
Estou feliz porque este encontro intenso convosco, no contexto da vossa Visita ad Limina, me
oferece como dom alguns frutos da Igreja na Áustria permitindo-me, também a mim, oferecer algo
a essa Igreja. Estou grato ao vosso Presidente, Cardeal Schönborn, pelas amáveis palavras
pronunciadas com as quais me asseguram que prosseguimos juntos ao longo do caminho do
anúncio da salvação de Cristo. Cada um de nós representa Cristo, único Mediador da salvação,
tornando a sua obra sacerdotal acessível e perceptível à comunidade, e ajudando deste modo a
tornar sempre presente o amor de Deus no mundo.
Há oito anos, por ocasião da Visita ad Limina, a Conferência Episcopal Austríaca veio em
peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e encontrou-se com a Cúria Romana para
uma série de consultas. Em tal circunstância, a maior parte de vós encontrou-se também com o meu
venerado Predecessor Bento XVI, que naquela época tinha assumido a sua função havia poucos
meses. Os anos imediatamente sucessivos foram marcados por uma simpatia da parte dos austríacos
pela Igreja e pelo Sucessor de Pedro. Isto viu-se por exemplo na recepção cordial, não obstante a
inclemência do tempo, por parte da população durante a Visita papal por ocasião do 850°
aniversário do Santuário de Mariazell, em 2007. Depois, seguiu-se uma fase difícil para a Igreja,
cujo sintoma entre outras coisas é a tendência à diminuição do número de católicos em relação à
população total na Áustria, que tem várias causas e que já continua desde há décadas. Esta evolução
não pode encontrar-nos inertes, aliás, deve corroborar os nossos esforços em prol da nova
evangelização, que é sempre necessária. Por outro lado, observa-se um aumento da disponibilidade
à solidariedade; a Caritas e outras obras de ajuda recebem doações generosas. Também a
contribuição das instituições eclesiásticas nos campos da educação e da saúde é muito apreciado por
todos e constitui uma parte imprescindível da sociedade austríaca.
Podemos dar graças a Deus por aquilo que a Igreja na Áustria realiza a favor da salvação dos fiéis e
pelo bem de numerosas pessoas, e também eu gostaria de manifestar a minha gratidão a cada um de
vós e, através de vós, aos sacerdotes, aos diáconos, aos religiosos, às religiosas e aos leigos
comprometidos que trabalham com disponibilidade e generosidade na vinha do Senhor. Mas não
devemos simplesmente administrar aquilo que obtivemos e que está à nossa disposição; o campo de
Deus deve ser trabalhado e cultivado continuamente, a fim de dar fruto também no futuro. Ser
Igreja não significa gerir, mas sair, ser missionário, levar aos homens a luz da fé e a alegria do
Evangelho. Não esqueçamos que o impulso do nosso compromisso cristão no mundo não é a ideia
de uma filantropia, de um vago humanismo, mas um dom de Deus, ou seja, o dom da filiação divina
que recebemos no Baptismo. E esta dádiva é ao mesmo tempo uma tarefa. Os filhos de Deus não se
escondem; ao contrário, anunciam ao mundo a alegria da sua filiação divina. E isto significa
também comprometer-se a levar uma vida santa. Além disso, nós temos este dever em relação à
Igreja, que é santa, como a professamos no Credo. Sem dúvida, «a Igreja contém pecadores no seu
próprio seio», como afirmou o Concílio Vaticano II (Lumen gentium, 8). Mas o Concílio afirma,
neste mesmo ponto, que não devemos resignar-nos ao pecado, isto é, que «Ecclesia sancta simul et
semper purificanda» — a Igreja tem sempre necessidade de purificação. E isto significa que nós
devemos estar sempre comprometidos a favor da nossa purificação, no Sacramento da
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Reconciliação. A Confissão é o lugar onde nós experimentamos o amor misericordioso de Deus e
onde nos encontramos com Cristo, que nos dá a força para a conversão e para uma vida nova. E
como pastores da Igreja, desejamos assistir os fiéis, com ternura e compreensão, no
redescobrimento deste Sacramento maravilhoso, levando-os a experimentar precisamente nesta
dádiva o amor do Bom Pastor. Por conseguinte, peço-vos que não vos canseis de convidar os
homens ao encontro com Cristo, no Sacramento da Penitência e da Reconciliação.
Um campo importante do nosso trabalho de pastores é a família. Ela insere-se no âmago da Igreja
evangelizadora. «Com efeito, a família cristã é a primeira comunidade chamada a anunciar o
Evangelho à pessoa humana em crescimento e a levá-la, através de uma catequese e educação
progressivas, à plenitude da maturidade humana e cristã» (Familiaris consortio, 2). O fundamento
sobre o qual se pode desenvolver uma vida familiar harmoniosa é, sobretudo, a fidelidade
matrimonial. Infelizmente, no nosso tempo vemos que a família e o matrimónio, nos países do
mundo ocidental, padecem uma profunda crise interior. «No caso da família, a fragilidade dos
vínculos reveste-se de gravidade especial, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço
onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos
seus filhos» (Evangelii gaudium, 66). A globalização e o individualismo pós-moderno favorecem
um estilo de vida que torna muito mais difícil o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre
as pessoas e não favorece a promoção de uma cultura da família. É aqui que se abre um renovado
campo missionário para a Igreja, por exemplo nos grupos de famílias onde se cria espaço para as
relações interpessoais e com Deus, onde pode crescer uma comunhão autêntica que acolhe todos do
mesmo modo e não se fecha em grupos elitistas, que cura as feridas, constrói pontes, vai em busca
de quantos estão distantes e ajuda «uns aos outros a carregar os fardos» (Gl 6, 2).
Portanto, a família é um lugar privilegiado para a evangelização e para a transmissão vital da fé.
Façamos todo o possível a fim de que nas nossas famílias se reze e seja experimentada e transmitida
a fé, como parte integrante da vida quotidiana. A solicitude da Igreja a favor da família começa a
partir de uma boa preparação e de um acompanhamento adequado dos noivos, assim como da
explicação fiel e clara da doutrina da Igreja a respeito do matrimónio e da família. O matrimónio
como sacramento é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um compromisso. O amor de dois noivos
é santificado por Cristo, e os cônjuges são chamados a testemunhar e cultivar esta santidade através
da sua fidelidade recíproca.
Da família, igreja doméstica, passemos brevemente à paróquia, ao grande campo que o
Senhor nos confiou para o tornar fecundo através do trabalho pastoral. Os sacerdotes, os
párocos, deveriam tornar-se cada vez mais conscientes de que a sua tarefa de governar é um
serviço profundamente espiritual. É sempre o pároco que orienta a comunidade paroquial,
enquanto conta ao mesmo tempo com a ajuda e a contribuição válida dos vários
colaboradores e de todos os fiéis leigos. Não podemos correr o risco de ofuscar o ministério
sacramental do presbítero. Nas nossas cidades e nos nossos povoados existem homens
intrépidos e outros tímidos, existem cristãos missionários e outros adormecidos. E existem
muitos que procuram, embora não o admitam. Cada um é chamado, cada um é enviado. No
entanto, o centro paroquial não é por força o único lugar do chamamento; este momento não
é necessariamente um agradável acontecimento paroquial, dado que a chamada de Deus pode
alcançar-nos na cadeia de montagem e no escritório, no supermercado, no patamar de uma
escada, ou seja, nos lugares da vida diária.
Falar de Deus, anunciar aos homens a mensagem do amor de Deus e da salvação em Jesus
Cristo é tarefa que compete a cada baptizado. E esta tarefa inclui não apenas o falar com
palavras, mas todo o agir e o fazer. Todo o nosso ser deve falar de Deus, até nas coisas mais
simples. Assim, o nosso testemunho é autêntico, será também sempre novo e vigoroso na força
92
do Espírito Santo. A fim de que isto se realize, o falar de Deus deve ser antes de tudo um falar
com Deus, um encontro com o Deus vivo na oração e nos Sacramentos. Deus não só se deixa
encontrar, mas também se põe em movimento no seu amor para ir ao encontro de quantos o
procuram. Aquele que se confia ao amor de Deus sabe abrir o coração dos outros ao amor
divino para lhes mostrar que a vida em plenitude só se realiza em comunhão com Deus.
Precisamente nesta época, em que parece que nos tornamos o «pequeno rebanho» (Lc 12, 32),
como discípulos do Senhor somos chamados a viver como uma comunidade que é sal da terra
e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-16).
A Santa Virgem Maria, que é nossa Mãe e que vós venerais de modo especial como Magna Mater
Austriae, nos ajude a abrir-nos, como Ela, totalmente ao Senhor e sermos assim capazes de indicar
ao próximo o caminho rumo ao Deus vivo que dá a vida.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA ÁUSTRIA
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Quinta-feira, 30 de Janeiro de 2014
Estimados Irmãos
Estou feliz porque este encontro intenso convosco, no contexto da vossa Visita ad Limina, me
oferece como dom alguns frutos da Igreja na Áustria permitindo-me, também a mim, oferecer algo
a essa Igreja. Estou grato ao vosso Presidente, Cardeal Schönborn, pelas amáveis palavras
pronunciadas com as quais me asseguram que prosseguimos juntos ao longo do caminho do
anúncio da salvação de Cristo. Cada um de nós representa Cristo, único Mediador da salvação,
tornando a sua obra sacerdotal acessível e perceptível à comunidade, e ajudando deste modo a
tornar sempre presente o amor de Deus no mundo.
Há oito anos, por ocasião da Visita ad Limina, a Conferência Episcopal Austríaca veio em
peregrinação aos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo e encontrou-se com a Cúria Romana para
uma série de consultas. Em tal circunstância, a maior parte de vós encontrou-se também com o meu
venerado Predecessor Bento XVI, que naquela época tinha assumido a sua função havia poucos
meses. Os anos imediatamente sucessivos foram marcados por uma simpatia da parte dos austríacos
pela Igreja e pelo Sucessor de Pedro. Isto viu-se por exemplo na recepção cordial, não obstante a
inclemência do tempo, por parte da população durante a Visita papal por ocasião do 850°
aniversário do Santuário de Mariazell, em 2007. Depois, seguiu-se uma fase difícil para a Igreja,
cujo sintoma entre outras coisas é a tendência à diminuição do número de católicos em relação à
população total na Áustria, que tem várias causas e que já continua desde há décadas. Esta evolução
não pode encontrar-nos inertes, aliás, deve corroborar os nossos esforços em prol da nova
evangelização, que é sempre necessária. Por outro lado, observa-se um aumento da disponibilidade
à solidariedade; a Caritas e outras obras de ajuda recebem doações generosas. Também a
contribuição das instituições eclesiásticas nos campos da educação e da saúde é muito apreciado por
todos e constitui uma parte imprescindível da sociedade austríaca.
Podemos dar graças a Deus por aquilo que a Igreja na Áustria realiza a favor da salvação dos fiéis e
pelo bem de numerosas pessoas, e também eu gostaria de manifestar a minha gratidão a cada um de
vós e, através de vós, aos sacerdotes, aos diáconos, aos religiosos, às religiosas e aos leigos
comprometidos que trabalham com disponibilidade e generosidade na vinha do Senhor. Mas não
devemos simplesmente administrar aquilo que obtivemos e que está à nossa disposição; o campo de
Deus deve ser trabalhado e cultivado continuamente, a fim de dar fruto também no futuro. Ser
Igreja não significa gerir, mas sair, ser missionário, levar aos homens a luz da fé e a alegria do
Evangelho. Não esqueçamos que o impulso do nosso compromisso cristão no mundo não é a ideia
de uma filantropia, de um vago humanismo, mas um dom de Deus, ou seja, o dom da filiação divina
que recebemos no Baptismo. E esta dádiva é ao mesmo tempo uma tarefa. Os filhos de Deus não se
escondem; ao contrário, anunciam ao mundo a alegria da sua filiação divina. E isto significa
também comprometer-se a levar uma vida santa. Além disso, nós temos este dever em relação à
Igreja, que é santa, como a professamos no Credo. Sem dúvida, «a Igreja contém pecadores no seu
próprio seio», como afirmou o Concílio Vaticano II (Lumen gentium, 8). Mas o Concílio afirma,
neste mesmo ponto, que não devemos resignar-nos ao pecado, isto é, que «Ecclesia sancta simul et
semper purificanda» — a Igreja tem sempre necessidade de purificação. E isto significa que nós
devemos estar sempre comprometidos a favor da nossa purificação, no Sacramento da
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Reconciliação. A Confissão é o lugar onde nós experimentamos o amor misericordioso de Deus e
onde nos encontramos com Cristo, que nos dá a força para a conversão e para uma vida nova. E
como pastores da Igreja, desejamos assistir os fiéis, com ternura e compreensão, no
redescobrimento deste Sacramento maravilhoso, levando-os a experimentar precisamente nesta
dádiva o amor do Bom Pastor. Por conseguinte, peço-vos que não vos canseis de convidar os
homens ao encontro com Cristo, no Sacramento da Penitência e da Reconciliação.
Um campo importante do nosso trabalho de pastores é a família. Ela insere-se no âmago da Igreja
evangelizadora. «Com efeito, a família cristã é a primeira comunidade chamada a anunciar o
Evangelho à pessoa humana em crescimento e a levá-la, através de uma catequese e educação
progressivas, à plenitude da maturidade humana e cristã» (Familiaris consortio, 2). O fundamento
sobre o qual se pode desenvolver uma vida familiar harmoniosa é, sobretudo, a fidelidade
matrimonial. Infelizmente, no nosso tempo vemos que a família e o matrimónio, nos países do
mundo ocidental, padecem uma profunda crise interior. «No caso da família, a fragilidade dos
vínculos reveste-se de gravidade especial, porque se trata da célula básica da sociedade, o espaço
onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé aos
seus filhos» (Evangelii gaudium, 66). A globalização e o individualismo pós-moderno favorecem
um estilo de vida que torna muito mais difícil o desenvolvimento e a estabilidade dos vínculos entre
as pessoas e não favorece a promoção de uma cultura da família. É aqui que se abre um renovado
campo missionário para a Igreja, por exemplo nos grupos de famílias onde se cria espaço para as
relações interpessoais e com Deus, onde pode crescer uma comunhão autêntica que acolhe todos do
mesmo modo e não se fecha em grupos elitistas, que cura as feridas, constrói pontes, vai em busca
de quantos estão distantes e ajuda «uns aos outros a carregar os fardos» (Gl 6, 2).
Portanto, a família é um lugar privilegiado para a evangelização e para a transmissão vital da fé.
Façamos todo o possível a fim de que nas nossas famílias se reze e seja experimentada e transmitida
a fé, como parte integrante da vida quotidiana. A solicitude da Igreja a favor da família começa a
partir de uma boa preparação e de um acompanhamento adequado dos noivos, assim como da
explicação fiel e clara da doutrina da Igreja a respeito do matrimónio e da família. O matrimónio
como sacramento é um dom de Deus e, ao mesmo tempo, um compromisso. O amor de dois noivos
é santificado por Cristo, e os cônjuges são chamados a testemunhar e cultivar esta santidade através
da sua fidelidade recíproca.
Da família, igreja doméstica, passemos brevemente à paróquia, ao grande campo que o
Senhor nos confiou para o tornar fecundo através do trabalho pastoral. Os sacerdotes, os
párocos, deveriam tornar-se cada vez mais conscientes de que a sua tarefa de governar é um
serviço profundamente espiritual. É sempre o pároco que orienta a comunidade paroquial,
enquanto conta ao mesmo tempo com a ajuda e a contribuição válida dos vários
colaboradores e de todos os fiéis leigos. Não podemos correr o risco de ofuscar o ministério
sacramental do presbítero. Nas nossas cidades e nos nossos povoados existem homens
intrépidos e outros tímidos, existem cristãos missionários e outros adormecidos. E existem
muitos que procuram, embora não o admitam. Cada um é chamado, cada um é enviado. No
entanto, o centro paroquial não é por força o único lugar do chamamento; este momento não
é necessariamente um agradável acontecimento paroquial, dado que a chamada de Deus pode
alcançar-nos na cadeia de montagem e no escritório, no supermercado, no patamar de uma
escada, ou seja, nos lugares da vida diária.
Falar de Deus, anunciar aos homens a mensagem do amor de Deus e da salvação em Jesus
Cristo é tarefa que compete a cada baptizado. E esta tarefa inclui não apenas o falar com
palavras, mas todo o agir e o fazer. Todo o nosso ser deve falar de Deus, até nas coisas mais
simples. Assim, o nosso testemunho é autêntico, será também sempre novo e vigoroso na força
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do Espírito Santo. A fim de que isto se realize, o falar de Deus deve ser antes de tudo um falar
com Deus, um encontro com o Deus vivo na oração e nos Sacramentos. Deus não só se deixa
encontrar, mas também se põe em movimento no seu amor para ir ao encontro de quantos o
procuram. Aquele que se confia ao amor de Deus sabe abrir o coração dos outros ao amor
divino para lhes mostrar que a vida em plenitude só se realiza em comunhão com Deus.
Precisamente nesta época, em que parece que nos tornamos o «pequeno rebanho» (Lc 12, 32),
como discípulos do Senhor somos chamados a viver como uma comunidade que é sal da terra
e luz do mundo (cf. Mt 5, 13-16).
A Santa Virgem Maria, que é nossa Mãe e que vós venerais de modo especial como Magna Mater
Austriae, nos ajude a abrir-nos, como Ela, totalmente ao Senhor e sermos assim capazes de indicar
ao próximo o caminho rumo ao Deus vivo que dá a vida.
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FESTA DA APRESENTAÇÃO DO SENHOR
XVIII DIA MUNDIAL DA VIDA CONSAGRADA
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Domingo, 2 de Fevereiro de 2014
Vídeo
A festividade da Apresentação de Jesus no Templo é denominada também a festa do encontro: no
início da liturgia afirma-se que Jesus vai ao encontro do seu Povo, trata-se do encontro entre Jesus e
o seu povo; quando Maria e José levaram o seu Menino ao Templo de Jerusalém, teve lugar o
primeiro encontro entre Jesus e o seu povo, representado por dois anciãos, chamados Simeão e Ana.
Tratava-se também de um encontro no contexto da história do povo, um encontro entre os jovens e
os anciãos: os jovens eram Maria e José, com o seu recém-nascido; e os anciãos eram Simeão e
Ana, duas personagens que frequentavam sempre o Templo.
Observemos o que o evangelista Lucas nos narra acerca deles, como os descreve. De Nossa Senhora
e de são José, repete quatro vezes que desejavam cumprir aquilo que estava prescrito pela Lei do
Senhor (cf. Lc 2, 22.23.24.27). Vemos, quase sentimos, que os pais de Jesus têm a alegria de
observar os preceitos de Deus, sim, o júbilo de caminhar na Lei do Senhor! Eles são dois recémcasados, acabaram de ter o seu filho e sentem-se totalmente animados pelo desejo de cumprir aquilo
que está prescrito. Não se trata de um acontecimento exterior, não é algo para se sentir bem, não! É
um desejo forte, profundo e repleto de alegria. Eis o que diz o Salmo: «É na observância das vossas
ordens que eu me alegro... a vossa lei é a minha delícia» (119 [118], 14.77).
E o que diz são Lucas a propósito destes anciãos? Ressalta mais de uma vez que eles eram
orientados pelo Espírito Santo. Acerca de Simeão, afirma que era um homem justo e piedoso, que
esperava a consolação de Israel, e que «o Espírito Santo estava sobre ele» (2, 25); recorda ainda que
«o Espírito Santo lhe tinha revelado» que não ele morreria sem primeiro ter visto Cristo, o Messias
(v. 26); e, finalmente, que foi ao Templo «impelido pelo Espírito Santo» (v. 27). Depois, acerca de
Ana, diz que ela era uma «profetisa» (v. 36), ou seja, inspirada por Deus; e que estava sempre no
Templo, «servindo a Deus noite e dia com jejuns e orações» (v. 37). Em síntese, estes dois anciãos
estão cheios de vida! Estão repletos de vida, porque animados pelo Espírito Santo, dóceis ao seu
sopro, sensíveis aos seus conselhos...
E eis o encontro entre a Sagrada Família e estes dois representantes do povo santo de Deus. No
centro está Jesus. É Ele que move tudo, que atrai uns e outros ao Templo, que é a Casa do seu Pai.
Trata-se de um encontro entre jovens cheios de alegria na observância da Lei do Senhor, e de
anciãos repletos de alegria pela obra do Espírito Santo. É um encontro singular entre observância e
profecia, onde os jovens são observantes e os anciãos proféticos! Na realidade, meditando bem, a
observância da Lei é animada pelo próprio Espírito, e a profecia move-se ao longo do caminho
traçado pela Lei. Quem, mais do que Maria, está cheio de Espírito Santo? Quem, mais do que Ela, é
dócil à sua acção?
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À luz desta cena evangélica, consideremos a vida consagrada como um encontro com Cristo: é
Ele que vem até nós, trazido por Maria e José, e somos nós que vamos até Ele, guiados pelo
Espírito Santo. Mas no centro está Ele. É Ele que move tudo, é Ele que atrai ao Templo, à
Igreja, onde podemos encontrá-lo, reconhecê-lo, recebê-lo e também abraçá-lo.
Jesus vem ao nosso encontro na Igreja, através do carisma de fundação de um Instituto: é
bom pensar deste modo na nossa vocação! O nosso encontro com Cristo adquiriu a sua forma
na Igreja mediante o carisma de uma sua testemunha, homem ou mulher. Isto surpreende-nos
sempre, enquanto nos leva a dar graças!
E inclusive na vida consagrada vivemos o encontro entre os jovens e os anciãos, entre
observância e profecia. Não as vejamos como se fossem duas realidades opostas entre si! Pelo
contrário, permitamos que o Espírito Santo anime ambas, e o sinal disto é a alegria: o júbilo
de observarmos, de caminharmos numa regra de vida; e a alegria de sermos orientados pelo
Espírito Santo, nunca rígidos, jamais fechados, mas sempre abertos à voz de Deus que fala,
que abre, que conduz e que nos convida a caminhar rumo ao horizonte.
Faz bem aos idosos comunicar a sabedoria aos jovens; e faz bem aos jovens acolher este
património de experiência e de sabedoria, e depois levá-lo em frente, não para o conservar
num museu, mas para o fazer desenvolver, enfrentando os desafios que a vida nos apresenta;
levá-lo em frente, para o bem das respectivas Famílias religiosas e da Igreja inteira.
A graça deste mistério, o mistério do encontro, nos ilumine e nos conforte ao longo do nosso
caminho. Assim seja!
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PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 2 de Fevereiro de 2014
Vídeo
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Celebramos hoje a festa da Apresentação de Jesus no templo. Hoje é também o Dia da vida
consagrada, que evoca a importância para a Igreja de quantos acolheram a vocação de seguir Jesus
de perto pelo caminho dos conselhos evangélicos. O Evangelho de hoje narra que, quarenta dias
depois do nascimento de Jesus, Maria e José levaram o Menino ao templo para o oferecer e
consagrar a Deus, como prescrito pela Lei judaica. Este episódio evangélico constitui também um
ícone da doação da própria vida por parte de quantos, por um dom de Deus, assumem as
características típicas de Jesus casto, pobre e obediente.
Esta oferenda de si mesmo a Deus diz respeito a cada cristão, porque todos somos consagrados a
Ele mediante o Baptismo. Todos estamos chamados a oferecer-nos ao Pai com Jesus e como Jesus,
fazendo da nossa vida um dom generoso, na família, no trabalho, no serviço à Igreja, nas obras de
misericórdia. Contudo, tal consagração é vivida de modo particular pelos religiosos, monges, leigos
consagrados, que com a profissão dos votos pertencem a Deus de modo pleno e exclusivo. Esta
pertença ao Senhor permite que quantos a vivem de maneira autêntica ofereçam um testemunho
especial ao Evangelho do Reino de Deus. Totalmente consagrados a Deus, são inteiramente
entregues aos irmãos, para levar a luz de Cristo onde as trevas são mais densas e para difundir a sua
esperança nos corações desanimados.
As pessoas consagradas são sinal de Deus nos diversos ambientes de vida, são fermento para o
crescimento de uma sociedade mais justa e fraterna, são profecia de partilha com os pequeninos e os
pobres. Entendida e vivida desta forma, a vida consagrada parece-se precisamente como é
realmente: um dom de Deus, um dom de Deus à Igreja, um dom de Deus ao seu Povo! Cada pessoa
consagrada é um dom para o Povo de Deus a caminho. Há tanta necessidade destas presenças, que
fortalecem e renovam o compromisso da difusão do Evangelho, da educação cristã, da caridade para
com os mais necessitados, da oração contemplativa; o compromisso da formação humana, da
formação espiritual dos jovens, das famílias; o compromisso pela justiça e pela paz na família
humana. Mas pensemos um pouco no que aconteceria se não houvesse religiosas nos hospitais, nas
missões, nas escolas. Mas considerai, uma Igreja sem religiosas! Não se pode imaginar: elas são
este dom, este fermento que leva em frente o Povo de Deus. São grandes estas mulheres que
consagram a sua vida a Deus, que levam em frente a mensagem de Jesus!
A Igreja e o mundo precisam deste testemunho do amor e da misericórdia de Deus. Os consagrados,
os religiosos, as religiosas são o testemunho de que Deus é bom e misericordioso. Por isso é
necessário valorizar com gratidão as experiências de vida consagrada e aprofundar o conhecimento
dos diversos carismas e espiritualidades. É preciso rezar para que muitos jovens respondam «sim»
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ao Senhor que os chama a consagrar-se totalmente a Ele para um serviço abnegado aos irmãos;
consagrar a vida para servir Deus e os irmãos.
Portanto, como já foi anunciado, o próximo ano será dedicado de modo especial à vida consagrada.
Confiemos desde já esta iniciativa à intercessão da Virgem Maria e de são José que, como pais de
Jesus, foram os primeiros por Ele consagrados e que consagraram a sua vida a Ele.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS POLACOS EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Slaa Clementina
Sexta-feira 7 de Fevereiro de 2014
[No início do encontro, o Santo Padre pronunciou algumas palavras de agradecimento.
Sucessivamente, entregou o texto do discurso em forma de Carta pontifícia ao presidente da
Conferência episcopal.]
Agradeço ao presidente da Conferência as palavras que me dirigiu e agradeço a todos vós estes dias
de visita, que foram bons. Para mim foram bons! Muito obrigado! Peço-vos que não vos esqueçais
de rezar por mim, a fim de que eu possa ajudar a Igreja naquilo que o Senhor deseja que eu a ajude.
Em frente! Muito obrigado! Agora concedo-vos a minha bênção.
Amados Irmãos no Episcopado
Saúdo cordialmente cada um de vós e as Igrejas particulares que o Senhor confiou à vossa guia
paternal. Estou grato a D. Józef Michalik pelas suas palavras, sobretudo por me ter garantido que a
Igreja na Polónia reza por mim e pelo meu ministério.
Encontramo-nos, pode-se dizer, na vigília da canonização do beato João Paulo II. Todos nós temos
no coração este grande pastor que, em todas as etapas da sua missão — de sacerdote, de bispo e de
Papa — nos deu um exemplo luminoso de abandono total a Deus e à sua Mãe, e de dedicação
completa à Igreja e ao homem. Ele acompanha-nos do Céu e recorda-nos como é importante a
comunhão espiritual e pastoral entre os Bispos. A unidade dos pastores na fé, na caridade, no
ensinamento e na solicitude comum pelo bem dos fiéis constitui um ponto de referência para toda a
comunidade eclesial e para quem quer que procure uma orientação segura no caminho diário pelas
veredas do Senhor. Caros Irmãos, que nada e ninguém possa introduzir divisões entre vós! Sois
chamados a construir a comunhão e a paz arraigadas no amor fraternal, e a dar um exemplo
intrépido disto a todos. Sem dúvida, esta atitude será fecunda e oferecerá ao vosso povo fiel a força
da esperança.
Durante os nossos encontros destes dias recebi a confirmação de que a Igreja na Polónia tem
grandes potencialidades de fé, de oração, de caridade e de prática cristã. Graças a Deus, na Polónia
existe uma boa frequência dos Sacramentos; iniciativas válidas nos campos da nova evangelização e
da catequese; uma vasta actividade caritativo-social; e um desenvolvimento satisfatório das
vocações presbiterais. Tudo isto favorece a formação cristã das pessoas, a prática motivada e
convicta, a disponibilidade dos leigos e dos religiosos a colaborar concretamente nas estruturas
eclesiais e sociais, diante da constatação de que se verifica também uma certa diminuição em vários
aspectos da vida cristã, o que exige discernimento, investigação sobre os motivos e os modos de
enfrentar os novos desafios, como por exemplo o conceito de uma liberdade ilimitada, a tolerância
hostil ou desconfiada em relação à verdade, ou o mau humor pela justa oposição da Igreja ao
relativismo imperante.
Antes de tudo, no âmbito da pastoral ordinária, gostaria de focalizar a vossa atenção à família,
«célula fundamental da sociedade», «espaço onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer
aos outros e onde os pais transmitem a fé aos seus filhos» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 66). Hoje,
ao contrário, o matrimónio é frequentemente considerado uma forma de gratificação afectiva que
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pode constituir-se de qualquer modo e modificar-se segundo a sensibilidade de cada um (cf. ibid.).
Infelizmente, esta visão influi também sobre a mentalidade dos cristãos, facilitando o recurso ao
divórcio ou à separação de facto. Os pastores são chamados a interrogar-se sobre o modo de assistir
quantos vivem tal situação, a fim de que não se sintam excluídos da misericórdia de Deus, do amor
fraterno de outros cristãos e da solicitude da Igreja pela sua salvação; de os ajudar a não abandonar
a fé; e de fazer crescer os seus filhos na plenitude da experiência cristã.
Por outro lado, é necessário interrogar-se como melhorar a preparação dos jovens para o
matrimónio, de tal modo que possam descobrir cada vez mais a beleza desta união que, bem assente
no amor e na responsabilidade, é capaz de superar as provas, as dificuldades e os egoísmos com o
perdão recíproco, corrigindo aquilo que corre o risco de se perder, sem cair na armadilha da
mentalidade do descartável. É necessário questionar-se sobre como ajudar as famílias a viver e
valorizar não só os momentos de alegria mas também de dor e debilidade.
As comunidades eclesiais sejam lugares de escuta, de diálogo, de alívio e de apoio aos casais, no
seu caminho conjugal e na sua missão educativa. Que eles encontrem sempre nos pastores o apoio
de autênticos pais e guias espirituais, que os protejam das ameaças de ideologias negativas,
ajudando-os a tornar-se fortes em Deus e no seu amor.
A perspectiva da próxima Jornada mundial da juventude, que terá lugar em Cracóvia no ano de
2016, faz-me pensar nos jovens que, com os idosos, são a esperança da Igreja. Hoje, um mundo rico
de instrumentos informáticos oferece-lhes novas possibilidades de comunicação mas, ao mesmo
tempo, reduz as relações interpessoais de contacto directo, de intercâmbio de valores e de
experiências comuns. Todavia, no coração dos jovens há o desejo de algo mais profundo, que
valorize plenamente a sua personalidade. É necessário ir ao encontro deste anseio.
Neste sentido, a catequese oferece grandes possibilidades. Sei que na Polónia ela é frequentada pela
maioria dos estudantes, que assim chegam a ter um bom conhecimento das verdades da fé. Contudo,
a religião cristã não é uma ciência abstracta, mas um conhecimento existencial de Cristo, uma
relação pessoal com Deus que é amor. Talvez seja necessário insistir mais sobre a formação da fé
vivida como relação, na qual se experimenta a alegria de ser amado e de poder amar. É preciso
intensificar a solicitude dos catequistas e dos pastores, a fim de que as novas gerações possam
descobrir plenamente o valor dos Sacramentos como meios privilegiados de encontro com Cristo
vivo e fonte de graça. Os jovens sejam estimulados a fazer parte dos movimentos e associações cuja
espiritualidade se funda na Palavra de Deus, na liturgia, na vida comunitária e no testemunho
missionário. E encontrem também oportunidades de manifestar a sua disponibilidade e entusiasmo
juvenil nas obras de caridade, promovidas por grupos paroquiais ou escolares da Caritas, ou noutras
formas de voluntariado e de missionariedade. A sua fé, o seu amor e a sua esperança se fortaleçam e
prosperem no compromisso concreto em nome de Cristo.
O terceiro elemento para o qual gostaria de chamar a vossa atenção são as vocações para o
sacerdócio e para a vida consagrada. Convosco dou graças ao Senhor que nas últimas décadas
chamou, em terra polaca, numerosos trabalhadores para a sua messe. Muitos sacerdotes
polacos bons e santos desempenham com dedicação o seu ministério nas suas Igrejas locais, no
estrangeiro e nas missões. Contudo, a Igreja na Polónia não se canse de continuar a rezar
pelas novas vocações sacerdotais! Amados Bispos, tendes a tarefa de tomar providências para
que esta oração se traduza em compromisso concreto na pastoral vocacional e na boa
preparação dos candidatos nos seminários.
Graças à existência de boas Universidades e Faculdades teológicas, na Polónia os seminaristas
recebem uma válida preparação intelectual e pastoral, que deve ser sempre acompanhada
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pela formação humana e espiritual, a fim de que eles vivam uma intensa relação pessoal com o
bom Pastor, sejam homens de oração assídua, abertos à obra do Espírito Santo, generosos,
pobres de espírito e cheios de amor fervoroso pelo Senhor e pelo próximo.
No ministério sacerdotal, a luz do testemunho poderia ser ofuscada ou «escondida debaixo do
candeeiro», se faltasse o espírito missionário, a vontade de «sair» numa conversão missionária
sempre renovada para procurar — inclusive nas periferias — e aproximar-se daqueles que
esperam a Boa Nova de Cristo. Este estilo apostólica exige também o espírito de pobreza e de
abandono, para sermos livres no anúncio e sinceros no testemunho da caridade. A este
propósito, recordo as palavras do beato João Paulo II: «De todos nós, sacerdotes de Jesus
Cristo, espera-se que sejamos fiéis ao exemplo que Ele deixou. Portanto, que vivamos “para os
outros”. E se “temos” — a fim de darmos também “aos outros” — é porque recebemos “dos
outros” (...) Com um estilo de vida semelhante ao de uma família média, aliás, ao de uma
família mais pobre» (Discurso aos seminaristas, ao clero e aos religiosos, Catedral de Szczecin,
11 de Junho de 1987, n. 9).
Caros Irmãos, não esqueçamos as vocações para a vida consagrada, sobretudo femininas.
Como observastes, também na Polónia é preocupante a diminuição do número de adesões às
congregações: um fenómeno complexo, cujas causas são múltiplas. Faço votos a fim de que os
Institutos religiosos femininos possam continuar a ser, de modo adequado aos nossos tempos,
lugares privilegiados da afirmação e do crescimento humano e espiritual das mulheres. As
religiosas estejam prontas para enfrentar até as tarefas e missões mais difíceis e exigentes, que
valorizem as suas capacidades intelectuais, afectivas e espirituais, os seus talentos e carismas
pessoais. Oremos pelas vocações femininas, acompanhando com estima as nossas irmãs, que
muitas vezes no silêncio e no escondimento despendem a sua vida pelo Senhor e pela Igreja,
na oração, na pastoral e na caridade.
Concluo, exortando-vos à solicitude pelos pobres. Também na Polónia, não obstante o actual
desenvolvimento económico do país, existem muitos necessitados, desempregados, desabrigados,
enfermos e deserdados, assim como muitas famílias — sobretudo as mais numerosas — que não
dispõem de meios suficientes para viver e educar os filhos. Permanece próximos deles! Sei quanto
faz a Igreja na Polónia neste campo, demonstrando grande generosidade não só na pátria, mas
também noutros países do mundo. Estou-vos grato, bem como às vossas comunidades, por este
trabalho. Continuai a encorajar os vossos sacerdotes, os religiosos e todos os fiéis a ter a «fantasia
da caridade» e a praticá-la sempre. E não vos esqueçais de quantos, por vários motivos, deixam o
país e procuram construir uma nova vida no exterior. O seu número crescente e as suas exigências
requerem, talvez maior atenção da parte da Conferência episcopal. Acompanhai-os com uma
dedicação pastoral adequada, para que possam conservar a fé e as tradições religiosas do povo
polaco.
Estimados Irmãos, estou-vos grato pela vossa visita. Transmiti a minha saudação às vossas Igrejas
particulares e a todos os vossos compatriotas. A Virgem Maria, Rainha da Polónia, interceda pela
Igreja no vosso país: proteja sob o seu manto os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e todos os
fiéis leigos, e obtenha para todos e para cada comunidade a plenitude das graças do Senhor. Agora,
juntos, supliquemos-lhe: Sub tuum praesidium confugimus, Sancta Dei Genitrix, nostras
deprecationes ne despicias in necessitatibus, sed a periculis cunctis libera nos semper, Virgo
gloriosa et benedicta.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA BULGÁRIA POR OCASIÃO
DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Quinta-feira, 13 de Fevereiro de 2014
Prezados Irmãos no Episcopado!
Recebo-vos com alegria por ocasião da visita ad limina Apostolorum, e nas vossas pessoas vejo e
honro a fé e a caridade do povo fiel que vive na Bulgária.
Graças a Deus e ao compromisso coral dos vários componentes eclesiais, Bispos e sacerdotes,
religiosos, religiosas, catequistas e fiéis leigos, assistimos a um despertar de actividades e de
iniciativas que demonstram a vitalidade da fé católica no vosso país. Refiro-me de modo especial a
alguns acontecimentos que a Igreja na Bulgária promoveu ao longo dos últimos anos: o Jubileu
proclamado em 2010 pelo Exarcado Apostólico para os católicos de rito bizantino-eslavo, para
celebrar o sesquicentenário da União com a Sé Apostólica de Roma; o Congresso científicocomemorativo sobre a obra do Arcebispo Angelo Giuseppe Roncalli, Visitador e Delegado
Apostólico na Bulgária nos anos de 1925-1934; as celebrações do 60° aniversário do martírio do
Beato Bispo passionista Evgenij Bossilkov. Além disso, durante o recente Ano da Fé, tiveram lugar
outros momentos significativos, como o Encontro nacional dos católicos da Bulgária, a Jornada
nacional da juventude e um Congresso de estudos sobre o Concílio Vaticano II.
Estas iniciativas confirmam que as comunidades católicas, pertencentes tanto à Igreja latina como à
Igreja greco-católica, não obstante sob o perfil numérico sejam uma minoria no país, cumprem
responsavelmente a sua missão de testemunho, quer dos valores morais naturais, quer do Evangelho
de Cristo, numa sociedade marcada por muitos vazios espirituais deixados atrás de si pelo passado
regime ateu ou pela assimilação acrítica de modelos culturais nos quais predominam as sugestões de
um certo materialismo prático. Exorto-vos a caminhar com coragem ao longo desta senda,
procurando realizar também no vosso país aquela transformação missionária que a Igreja é chamada
a levar a cabo no mundo inteiro. Isto exige uma conversão espiritual e pastoral, que começa a partir
da tomada de consciência de que, em virtude do Baptismo, todos nós somos discípulos
missionários, enviados pelo Senhor a evangelizar com alegria e com espírito, valorizando inclusive
o tesouro inestimável da piedade popular. Este renovado compromisso missionário possui também
uma sua dimensão social, que tem como ponto de referência a Doutrina Social da Igreja, e cujas
prioridades são a inclusão social dos pobres e o compromisso a favor do bem comum e da paz
social.
A este propósito, é deveras importante que as Instituições civis reconheçam o papel da Santa Sé
como autoridade espiritual e moral no seio da Comunidade internacional, e que considerem de
maneira positiva a presença da Igreja católica na estrutura da Nação búlgara e a contribuição que ela
oferece ao serviço do bem comum e da prosperidade do país.
Os numerosos e intrépidos testemunhos de fidelidade a Cristo e à Igreja, prestados em períodos
dramáticos, e o caminho empreendido ao longo destas duas décadas de liberdade recuperada vos
encham de gratidão ao Senhor e vos infundam confiança na sua obra providente na história. Ao
mesmo tempo, exorto-vos a um compromisso renovado e concorde em prol da formação dos fiéis,
promovendo tanto uma catequese adequada como uma atenção particular à pastoral juvenil e
104
vocacional, assim como a fraternidade sacerdotal, de tal forma que sejam favorecidas as condições
para o amadurecimento da fé e para a abertura generosa a um horizonte missionário.
Estimados Irmãos, as vossas comunidades vivem e trabalham ao lado das comunidades da Igreja
ortodoxa búlgara. Por conseguinte, peço-vos que transmitais a minha saudação cordial ao Patriarca
Neofit, de cuja eleição canónica, daqui a poucos dias, será celebrado o primeiro aniversário, e
exorto-vos calorosamente a dar continuidade aos vossos esforços para promover um diálogo cada
vez mais intenso e fraternos com a Igreja ortodoxa. Na escuta comum e orante da Palavra de Deus,
faço votos para que se abram os corações e as mentes de todos, a fim de que se torne sempre mais
concreta a esperança de um dia podermos celebrar unidos o Sacrifício eucarístico, recordando-nos
da Palavra de nosso Senhor que, na vigília da sua morte, rezou ao Pai a fim de que todos os seus
discípulos «sejam perfeitos na unidade e para que o mundo reconheça que Tu me enviaste» (Jo 17,
23).
No dia 27 do próximo mês de Abril terá lugar em Roma a canonização dos Beatos João XXIII e
João Paulo II. Apraz-me saber que tanto a Diocese de Sófia e Plovdiv, como a de Nicópolis e o
Exarcado Apostólico para os católicos de rito bizantino-eslavo estarão presentes na solene
celebração com delegações qualificadas. Este é um sinal eloquente do modo como permaneceu
gravado na alma e na vida da Comunidade católica búlgara o testemunho do primeiro Papa eslavo,
de forma particular a visita que ele realizou à vossa Pátria em Maio de 2002; de igual modo, é um
sinal de quão viva permaneceu a recordação deixada pelo Arcebispo Angelo Giuseppe Roncalli, nos
nove anos durante os quais trabalhou na Bulgária como Delegado Apostólico. No momento de se
despedir do país, ele expressou-se com os seguintes termos: «Em qualquer lugar do mundo onde eu
vier a viver, se um habitante da Bulgária passar perto da minha casa durante a noite, no meio das
contrariedades da vida, encontrará sempre a lâmpada acesa. Pois que ele bata, bata à porta, e não lhe
será perguntado se é católico ou ortodoxo: irmão da Bulgária, bata à porta e entre; dois braços
fraternais e um coração caloroso de amigo recebê-lo-ão com alegria» (Homilia de Natal, 25 de
Dezembro de 1934). São palavras que revelam o carinho do Delegado Apostólico D. Roncalli pelo
povo búlgaro que, entre as vicissitudes da história, manteve viva a chama da fé em Cristo.
Amados Irmãos, confio à Santíssima Virgem Maria, Mãe da Igreja, aos Santos Cirilo e Metódio,
evangelizadores dos povos eslavos, e ao Beato Bispo e Mártir Evgenij Bossilkov, as vossas
esperanças e as vossas solicitudes, o caminho das vossas Igrejas e o desenvolvimento da vossa
Pátria terrena, enquanto invoco a Bênção do Senhor sobre vós, os sacerdotes, os religiosos, as
religiosas e os fiéis leigos da querida Nação búlgara.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PRELADOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA REPÚBLICA CHECA
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Sexta-feira 14 de Fevereiro de 2014
Amados Irmãos no Episcopado
Recebo-vos por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum, com a qual renovastes e
consolidastes a comunhão da Igreja presente na República checa com a Sé de Pedro. Os
encontros e os diálogos cordiais destes dias, durante os quais compartilhastes comigo e com os
meus colaboradores da Cúria Romana as alegrias e as esperanças, assim como as dificuldades e as
inquietações das Comunidades que vos foram confiadas, constituíram para mim uma oportunidade
para conhecer melhor a situação da Igreja nas vossas regiões. Sentis-vos, justamente, orgulhosos
das sólidas raízes cristãs do vosso povo, cuja fé remonta à evangelização dos Santos Cirilo e
Metódio; ao mesmo tempo, estais conscientes de que a adesão a Cristo não é apenas
consequência de um passado, por mais importante que tenha sido, mas é um acto pessoal e
eclesial que compromete cada pessoa e cada comunidade no hoje da história.
Para favorecer nos fiéis o adequado conhecimento de Jesus Cristo e o encontro pessoal com Ele,
vós sois chamados antes de tudo a incrementar as oportunas iniciativas pastorais, destinadas a
uma sólida preparação para os Sacramentos e para uma participação concreta na liturgia. É
necessário, outrossim, o compromisso em prol da educação religiosa e de uma presença
qualificada no mundo da escola e da cultura. Não pode faltar da vossa parte uma abertura
vigilante e intrépida aos novos impulsos do Espírito Santo, que distribui os seus carismas e torna
os fiéis leigos dispostos a assumir responsabilidades e ministérios, úteis para a renovação e o
crescimento da Igreja. Para enfrentar os desafios contemporâneos e as novas urgências pastorais,
é necessária uma sinergia entre o clero, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos. Cada um, na
sua própria função, é chamado a oferecer uma contribuição generosa a fim de que a Boa Nova
seja anunciada em cada ambiente, inclusive no mais hostil ou afastado da Igreja; para que o
anúncio possa alcançar as periferias, as várias categorias de pessoas, especialmente as mais
frágeis e quantas se sentem pobres de esperança.
Faço votos de coração a fim de que, confiantes nas palavras do Senhor que prometeu permanecer
sempre presente entre nós (cf. Mt 28, 20), continueis a caminhar com o vosso povo pela vereda
de uma adesão jubilosa ao Evangelho. Se, durante um longo período, a Igreja no vosso país foi
oprimida por regimes ancorados em ideologias contrárias à dignidade e à liberdade humanas, hoje
deveis confrontar-vos com outras ameaças, como por exemplo o secularismo e o relativismo.
Portanto, além de um anúncio incansável dos valores evangélicos, é necessário um diálogo
construtivo com todos, também com quantos se encontram afastados de qualquer sentimento
religioso. As comunidades cristãs sejam sempre lugares de acolhimento, de confronto aberto e
pacato; sejam agentes de reconciliação e de paz, estímulo para toda a sociedade na busca do bem
comum e na atenção aos mais necessitados; e sejam também promotoras da cultura do encontro.
Diante das condições de precariedade em que vivem várias camadas da sociedade, de maneira
especial as famílias, os idosos e os doentes, bem como diante das fragilidades espirituais e morais
de numerosas pessoas, de modo particular os jovens, toda a comunidade cristã se sente
interpelada, a começar pelos seus pastores e nomeadamente pelo Bispo.
Ele está chamado a oferecer em toda a parte a resposta de Cristo, dedicando-se sem
reservas ao serviço do Evangelho, santificando, instruindo e guiando o Povo de Deus.
106
Por conseguinte, exorto-vos a ser perseverantes na oração, generosos no serviço ao
vosso povo e repletos de zelo no anúncio da Palavra. Procurai acompanhar os
sacerdotes com afecto paternal: eles são os vossos principais colaboradores, e o seu
ministério paroquial exige uma oportuna estabilidade, tanto para realizar um
programa pastoral profícuo, como para favorecer um clima de confiança e de
serenidade nos fiéis. Encorajo-vos a promover a pastoral vocacional de modo cada vez
mais orgânico e minucioso, para favorecer especialmente nos jovens a busca de
significado e de doação a Deus e aos irmãos. A vossa atenção seja dirigida também à
pastoral familiar: a família é o elemento básico da vida social, e só trabalhando a favor das famílias
será possível renovar o tecido da comunidade eclesial e a própria sociedade civil. Além disso, como
deixar de observar a importância da presença dos católicos na vida pública, assim como nos meios
de comunicação? Depende também deles fazer com que se possa ouvir sempre uma voz de
verdade sobre os problemas do momento e que se possa sentir a Igreja como aliada do homem,
ao serviço da sua dignidade. Todos nós conhecemos a importância fundamental da união e da
solidariedade entre os Bispos, assim como da sua comunhão com o Sucessor de Pedro. Esta união
fraternal é igualmente imprescindível para a eficácia dos trabalhos da vossa Conferência Episcopal,
que pode conferir-vos maior autoridade nas vossas relações com os representantes civis do país,
tanto na vida diária como na abordagem das problemáticas mais delicadas.
No campo da economia é necessário desenvolver um sistema que, tendo em consideração que os
meios materiais estão destinados exclusivamente à missão espiritual da Igreja, garanta a cada
realidade eclesial o que lhe é necessário e a liberdade para a sua actividade pastoral. É preciso
velar atentamente a fim de que os bens eclesiásticos sejam administrados com prudência e
transparência, assim como salvaguardados e preservados, inclusive com a ajuda de leigos de
confiança e competentes.
Prezados Irmãos, exprimo-vos a minha gratidão pelo incansável trabalho pastoral que levais a
cabo nas vossas Igrejas, e asseguro-vos a minha proximidade espiritual e o meu apoio na oração.
Enquanto invoco sobre vós e o vosso ministério a intercessão da Virgem Santa, peço-vos o favor
de rezar sempre por mim e, do íntimo do coração, concedo-vos a minha Bênção, tanto a vós como
aos aos vossos presbíteros, às pessoas consagradas e a todos os vossos fiéis leigos.
107
CONSISTÓRIO ORDINÁRIO PÚBLICO PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS
CAPELA PAPAL
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Sábado, 22 de Fevereiro de 2014
Vídeo
«Jesus caminhava à frente deles» (Mc 10, 32).
Também neste momento Jesus caminha à nossa frente. Ele está sempre à nossa frente. Precede-nos
e abre-nos o caminho... E esta é a nossa confiança e a nossa alegria: ser seus discípulos, estar com
Ele, caminhar atrás d’Ele, segui-Lo...
Quando eu e os Cardeais concelebrámos juntos a primeira santa Missa na Capela Sistina,
«caminhar» foi a primeira palavra que o Senhor nos propôs: caminhar e, em seguida, construir e
confessar.
Hoje volta aquela palavra, mas como um acto, como a acção de Jesus que continua: «Jesus
caminhava…» Isto é uma coisa que impressiona nos Evangelhos: Jesus caminha muito e instrui os
seus discípulos ao longo do caminho. Isto é importante. Jesus não veio para ensinar uma filosofia,
uma ideologia... mas um «caminho», uma estrada que se deve percorrer com Ele; e aprende-se a
estrada, percorrendo-a, caminhando. Sim, queridos Irmãos, esta é a nossa alegria: caminhar com
Jesus.
E isso não é fácil, não é cómodo, porque a estrada que Jesus escolhe é o caminho da cruz. Enquanto
estão a caminho, fala aos seus discípulos do que Lhe acontecerá em Jerusalém: preanuncia a sua
paixão, morte e ressurreição. E eles ficam «surpreendidos» e «cheios de medo». Surpreendidos, sem
dúvida, porque, para eles, subir a Jerusalém significava participar no triunfo do Messias, na sua
vitória – como se vê em seguida pelo pedido de Tiago e João; e cheios de medo, por causa daquilo
que Jesus haveria de sofrer e que se arriscavam a sofrer eles também.
Mas nós, ao contrário dos discípulos de então, sabemos que Jesus venceu e não deveríamos ter
medo da Cruz; antes, é na Cruz que temos posta a nossa esperança. E, contudo, sendo também nós
humanos, pecadores, estamos sujeitos à tentação de pensar à maneira dos homens e não de Deus.
E quando se pensa de maneira mundana, qual é a consequência? Diz o Evangelho: «Os outros dez
indignaram-se com Tiago e João» (cf. Mc 10, 41). Indignaram-se. Se prevalece a mentalidade do
mundo, sobrevêm as rivalidades, as invejas, as facções…
Assim, esta palavra que o Senhor nos dirige hoje, é muito salutar! Purifica-nos interiormente,
ilumina as nossas consciências e ajuda a sintonizarmo-nos plenamente com Jesus; e a fazê-lo juntos,
no momento em que aumenta o Colégio Cardinalício com a entrada de novos Membros.
Então «Jesus chamou-os...» (Mc 10, 42). Aqui temos o outro gesto do Senhor. Ao longo do
caminho, dá-Se conta que há necessidade de falar aos Doze, pára e chama-os para junto de Si.
108
Irmãos, deixemos que o Senhor Jesus nos chame para junto de Si! Deixemo-nos “con-vocar”
por Ele. E ouçamo-Lo, com a alegria de acolhermos juntos a sua Palavra, de nos deixarmos
instruir por ela e pelo Espírito Santo para, ao redor de Jesus, nos tornarmos cada vez mais
um só coração e uma só alma.
E, enquanto nos encontramos assim convocados pelo nosso único Mestre, «chamados para
junto d’Ele», digo-vos aquilo de que a Igreja precisa: precisa de vós, da vossa colaboração e,
antes disso, da vossa comunhão comigo e entre vós. A Igreja precisa da vossa coragem, para
anunciar o Evangelho a tempo e fora de tempo, e para dar testemunho da verdade. A Igreja
precisa da vossa oração pelo bom caminho do rebanho de Cristo; a oração – não o
esqueçamos! – que é, juntamente com o anúncio da Palavra, a primeira tarefa do Bispo. A
Igreja precisa da vossa compaixão, sobretudo neste momento de tribulação e sofrimento em
tantos países do mundo. Exprimamos juntos a nossa proximidade espiritual às comunidades
eclesiais, e a todos os cristãos que sofrem discriminações e perseguições. Devemos lutar contra
toda a discriminação! A Igreja precisa da nossa oração em favor deles, para que sejam fortes
na fé e saibam reagir ao mal com o bem. E esta nossa oração estende-se a todo o homem e
mulher que sofre injustiça por causa das suas convicções religiosas.
A Igreja precisa de nós também como homens de paz, precisa que façamos a paz com as
nossas obras, os nossos desejos, as nossas orações. Fazer a paz! Artesãos da paz! Por isso
invocamos a paz e a reconciliação para os povos que, nestes tempos, vivem provados pela
violência, a exclusão e a guerra.
Obrigado, Irmãos muito amados! Obrigado! Caminhemos juntos atrás do Senhor e deixemonos cada vez mais convocar por Ele, no meio do povo fiel, do santo povo fiel de Deus, da Santa
Mãe Igreja. Obrigado!
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CONSISTÓRIO ORDINÁRIO PÚBLICO PARA A CRIAÇÃO DE NOVOS CARDEAIS
CAPELA PAPAL
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Sábado, 22 de Fevereiro de 2014
Vídeo
«Jesus caminhava à frente deles» (Mc 10, 32).
Também neste momento Jesus caminha à nossa frente. Ele está sempre à nossa frente. Precede-nos
e abre-nos o caminho... E esta é a nossa confiança e a nossa alegria: ser seus discípulos, estar com
Ele, caminhar atrás d’Ele, segui-Lo...
Quando eu e os Cardeais concelebrámos juntos a primeira santa Missa na Capela Sistina,
«caminhar» foi a primeira palavra que o Senhor nos propôs: caminhar e, em seguida, construir e
confessar.
Hoje volta aquela palavra, mas como um acto, como a acção de Jesus que continua: «Jesus
caminhava…» Isto é uma coisa que impressiona nos Evangelhos: Jesus caminha muito e instrui os
seus discípulos ao longo do caminho. Isto é importante. Jesus não veio para ensinar uma filosofia,
uma ideologia... mas um «caminho», uma estrada que se deve percorrer com Ele; e aprende-se a
estrada, percorrendo-a, caminhando. Sim, queridos Irmãos, esta é a nossa alegria: caminhar com
Jesus.
E isso não é fácil, não é cómodo, porque a estrada que Jesus escolhe é o caminho da cruz. Enquanto
estão a caminho, fala aos seus discípulos do que Lhe acontecerá em Jerusalém: preanuncia a sua
paixão, morte e ressurreição. E eles ficam «surpreendidos» e «cheios de medo». Surpreendidos, sem
dúvida, porque, para eles, subir a Jerusalém significava participar no triunfo do Messias, na sua
vitória – como se vê em seguida pelo pedido de Tiago e João; e cheios de medo, por causa daquilo
que Jesus haveria de sofrer e que se arriscavam a sofrer eles também.
Mas nós, ao contrário dos discípulos de então, sabemos que Jesus venceu e não deveríamos ter
medo da Cruz; antes, é na Cruz que temos posta a nossa esperança. E, contudo, sendo também nós
humanos, pecadores, estamos sujeitos à tentação de pensar à maneira dos homens e não de Deus.
E quando se pensa de maneira mundana, qual é a consequência? Diz o Evangelho: «Os outros dez
indignaram-se com Tiago e João» (cf. Mc 10, 41). Indignaram-se. Se prevalece a mentalidade do
mundo, sobrevêm as rivalidades, as invejas, as facções…
Assim, esta palavra que o Senhor nos dirige hoje, é muito salutar! Purifica-nos interiormente,
ilumina as nossas consciências e ajuda a sintonizarmo-nos plenamente com Jesus; e a fazê-lo juntos,
no momento em que aumenta o Colégio Cardinalício com a entrada de novos Membros.
Então «Jesus chamou-os...» (Mc 10, 42). Aqui temos o outro gesto do Senhor. Ao longo do
caminho, dá-Se conta que há necessidade de falar aos Doze, pára e chama-os para junto de Si.
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Irmãos, deixemos que o Senhor Jesus nos chame para junto de Si! Deixemo-nos “con-vocar”
por Ele. E ouçamo-Lo, com a alegria de acolhermos juntos a sua Palavra, de nos deixarmos
instruir por ela e pelo Espírito Santo para, ao redor de Jesus, nos tornarmos cada vez mais
um só coração e uma só alma.
E, enquanto nos encontramos assim convocados pelo nosso único Mestre, «chamados para
junto d’Ele», digo-vos aquilo de que a Igreja precisa: precisa de vós, da vossa colaboração e,
antes disso, da vossa comunhão comigo e entre vós. A Igreja precisa da vossa coragem, para
anunciar o Evangelho a tempo e fora de tempo, e para dar testemunho da verdade. A Igreja
precisa da vossa oração pelo bom caminho do rebanho de Cristo; a oração – não o
esqueçamos! – que é, juntamente com o anúncio da Palavra, a primeira tarefa do Bispo. A
Igreja precisa da vossa compaixão, sobretudo neste momento de tribulação e sofrimento em
tantos países do mundo. Exprimamos juntos a nossa proximidade espiritual às comunidades
eclesiais, e a todos os cristãos que sofrem discriminações e perseguições. Devemos lutar contra
toda a discriminação! A Igreja precisa da nossa oração em favor deles, para que sejam fortes
na fé e saibam reagir ao mal com o bem. E esta nossa oração estende-se a todo o homem e
mulher que sofre injustiça por causa das suas convicções religiosas.
A Igreja precisa de nós também como homens de paz, precisa que façamos a paz com as
nossas obras, os nossos desejos, as nossas orações. Fazer a paz! Artesãos da paz! Por isso
invocamos a paz e a reconciliação para os povos que, nestes tempos, vivem provados pela
violência, a exclusão e a guerra.
Obrigado, Irmãos muito amados! Obrigado! Caminhemos juntos atrás do Senhor e deixemonos cada vez mais convocar por Ele, no meio do povo fiel, do santo povo fiel de Deus, da Santa
Mãe Igreja. Obrigado!
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SANTA MISSA COM OS NOVOS CARDEAIS
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Domingo, 23 de Fevereiro de 2014
Vídeo
«A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne atentos à voz do Espírito» (Colecta).
Esta oração, pronunciada no início da Missa, convida-nos a uma atitude fundamental: a escuta do
Espírito Santo, que vivifica a Igreja e a anima. Com a sua força criativa e renovadora, o Espírito
sustenta sempre a esperança do povo de Deus que caminha na história, e sempre sustenta, como
Paráclito, o testemunho dos cristãos. Neste momento, todos nós, juntamente com os novos
Cardeais, queremos ouvir a voz do Espírito que nos fala através das Escrituras proclamadas.
Na primeira Leitura, ressoou este apelo do Senhor ao seu povo: «Sede santos, porque Eu, o Senhor,
vosso Deus, sou santo» (Lv 19, 2). E faz-lhe eco, Jesus, no Evangelho: «Haveis, pois, de ser
perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito» (Mt 5, 48). Estas palavras interpelam-nos a todos nós,
discípulos do Senhor; e hoje são dirigidas especialmente a mim e a vós, queridos Irmãos Cardeais,
de modo particular a vós que ontem começastes a fazer parte do Colégio Cardinalício. Imitar a
santidade e a perfeição de Deus pode parecer uma meta inatingível; contudo, a primeira Leitura e o
Evangelho sugerem os exemplos concretos para que o comportamento de Deus se torne a regra do
nosso agir. Lembremo-nos, porém, todos nós…, lembremo-nos de que o nosso esforço, sem o
Espírito Santo, seria vão! A santidade cristã não é, primariamente, obra nossa, mas fruto da
docilidade – deliberada e cultivada – ao Espírito do Deus três vezes Santo.
O Levítico diz: «Não odieis um irmão vosso no íntimo do coração (...). Não vos vingueis; não
guardeis rancor (...). Amai o vosso próximo» (19, 17-18). Estas atitudes nascem da santidade de
Deus. Nós, porém, habitualmente somos tão diferentes, tão egoístas e orgulhosos... e no entanto a
bondade e a beleza de Deus atraem-nos, e o Espírito Santo pode purificar-nos, pode transformarnos, pode moldar-nos dia após dia. Fazer este trabalho de conversão, conversão no coração,
conversão que todos nós – especialmente vós, Cardeais, e eu – devemos fazer. Conversão!
No Evangelho, também Jesus nos fala da santidade e explica a nova lei – a sua. Fá-lo através de
algumas antíteses entre a justiça imperfeita dos escribas e fariseus e a justiça superior do Reino de
Deus. A primeira antítese do texto de hoje tem a ver com a vingança. «Ouvistes que foi dito aos
antigos: “Olho por olho e dente por dente”. Pois Eu digo-vos: (...) se alguém te bater na face direita,
apresenta-lhe também a outra» (Mt 5, 38-39). Não só não devemos restituir ao outro o mal que nos
fez, mas havemos também de esforçar-nos por fazer o bem magnanimamente.
A segunda antítese refere-se aos inimigos: «Ouvistes que foi dito: “Hás-de amar o teu próximo e
odiar o teu inimigo”. Pois Eu digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos
perseguem» (5, 43-44). A quem quer segui-Lo, Jesus pede para amar a pessoa que não o merece,
112
sem retribuição, a fim de preencher as lacunas de amor que há nos corações, nas relações humanas,
nas famílias, nas comunidades e no mundo. Irmãos Cardeais, Jesus não veio para nos ensinar as
boas maneiras, as cortesias; para isso, não era preciso que descesse do Céu e morresse na cruz.
Cristo veio para nos salvar, para nos mostrar o caminho, o único caminho de saída das areias
movediças do pecado, e este caminho de santidade é a misericórdia, aquela que Ele usou e usa cada
dia connosco. Ser santo não é um luxo, é necessário para a salvação do mundo. Isto é o que o
Senhor nos pede.
Queridos Irmãos Cardeais, o Senhor Jesus e a mãe Igreja pedem-nos para testemunharmos,
com maior zelo e ardor, estas atitudes de santidade. É precisamente neste suplemento de
oblatividade gratuita que consiste a santidade de um Cardeal. Por conseguinte, amemos
aqueles que nos são hostis; abençoemos quem fala mal de nós; saudemos com um sorriso a
quem talvez não o mereça; não aspiremos a fazer–nos valer, mas oponhamos a mansidão à
prepotência; esqueçamos as humilhações sofridas. Deixemo-nos guiar sempre pelo Espírito de
Cristo: Ele sacrificou-Se a Si próprio na cruz, para podermos ser «canais» por onde passa a
sua caridade. Este é o comportamento, esta é deve ser a conduta de um Cardeal. O Cardeal –
digo-o especialmente a vós – entra na Igreja de Roma, Irmãos, não entra numa corte.
Evitemos todos – e ajudemo-nos mutuamente a evitar – hábitos e comportamentos de corte:
intrigas, críticas, facções, favoritismos, preferências. A nossa linguagem seja a do Evangelho:
«Sim, sim; não, não»; as nossas atitudes, as das bem-aventuranças; e o nosso caminho, o da
santidade. Rezemos mais uma vez: «A vossa ajuda, Pai misericordioso, sempre nos torne
atentos à voz do Espírito».
O Espírito Santo fala-nos, hoje, também através das palavras de São Paulo: «Sois templo de
Deus (…); o templo de Deus é santo, e esse templo sois vós» (1 Cor 3, 16-17). Neste templo que
somos nós, celebra-se uma liturgia existencial: a da bondade, do perdão, do serviço; numa
palavra, a liturgia do amor. Este nosso templo fica de certo modo profanado, quando
descuidamos os deveres para com o próximo: quando no nosso coração encontra lugar o
menor dos nossos irmãos, é o próprio Deus que aí encontra lugar; e, quando se deixa fora
aquele irmão, é o próprio Deus que não é acolhido. Um coração vazio de amor é como uma
igreja dessacralizada, subtraída ao serviço de Deus e destinada a outro fim.
Queridos Irmãos Cardeais, permaneçamos unidos em Cristo e entre nós! Peço-vos que me
acompanheis de perto, com a oração, o conselho, a colaboração. E todos vós, bispos,
presbíteros, diáconos, pessoas consagradas e leigos, uni-vos na invocação do Espírito Santo,
para que o Colégio dos Cardeais seja cada vez mais inflamado de caridade pastoral, cada vez
mais cheio de santidade, para servir o Evangelho e ajudar a Igreja a irradiar pelo mundo o
amor de Cristo.
113
PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 23 de Fevereiro de 2014
Vídeo
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Na segunda Carta deste domingo, são Paulo afirma: «Ninguém, pois, se glorie nos homens, pois
tudo é vosso: quer Paulo, quer Apolo, quer Cefas, quer o mundo, quer a vida, quer a morte, quer o
presente quer o futuro, tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 21-23).
Por que diz isto o Apóstolo? Porque o problema que tem à sua frente é o das divisões na
comunidade de Corinto, onde se tinham formado grupos que se referiam aos vários pregadores
considerando-os seus chefes; diziam: «Eu sou de Paulo, eu sou de Apolo, eu sou de Cefas...» (1,
12). São Paulo explica que este modo de pensar é errado, porque a comunidade não pertence aos
apóstolos, mas são eles — os apóstolos — que pertencem à comunidade; mas a comunidade, na sua
totalidade, pertence a Cristo!
Desta pertença deriva que nas comunidades cristãs — dioceses, paróquias, associações, movimentos
— as diferenças não podem contradizer o facto de que todos, pelo Baptismo, temos a mesma
dignidade: todos, em Jesus Cristo, somos filhos de Deus. E esta é a nossa dignidade: em Jesus
Cristo somos filhos de Deus! Todos os que receberam um ministério de guia, de pregação, de
administração dos Sacramentos, não devem considerar-se proprietários de poderes especiais, donos,
mas devem pôr-se ao serviço da comunidade, ajudando-a a percorrer com alegria o caminho da
santidade.
Hoje a Igreja confia o testemunho deste estilo de vida pastoral aos novos Cardeais, com os quais
celebrei esta manhã a santa Missa. Podemos saudar todos os novos Cardeais, com um aplauso.
Saudemos todos! O Consistório de ontem e a odierna Celebração eucarística ofereceram-nos a
ocasião preciosa para experimentar a catolicidade, a universalidade da Igreja, bem representada pela
variegada proveniência dos membros do Colégio Cardinalício, reunidos em estreita comunhão em
volta do Sucessor de Pedro. E que o Senhor nos conceda a graça de trabalhar pela unidade da Igreja,
de construir esta unidade, porque a unidade é mais importante que os conflitos! A unidade da Igreja
é de Cristo, os conflitos são problemas que nem sempre são de Cristo.
Os momentos litúrgicos e de festa, que tivemos a oportunidade de viver durante os últimos dias,
reforcem em todos nós a fé, o amor a Cristo e à sua Igreja! Convido-vos também a apoiar estes
Pastores e a assisti-los com a oração, para que guiem sempre com zelo o povo que lhes foi confiado,
mostrando a todos a ternura e o amor do Senhor. Mas quanto precisa de oração um Bispo, um
Cardeal, um Papa, para que possa ajudar o Povo de Deus a ir em frente! Digo «ajudar», isto é, servir
o Povo de Deus, porque a vocação do Bispo, do Cardeal e do Papa é precisamente esta: ser servo,
servir em nome de Cristo. Rezai por nós, para que sejamos bons servos: bons servos, não bons
donos! Todos juntos, Bispos, presbíteros, pessoas consagradas e fiéis leigos devemos oferecer o
testemunho de uma Igreja fiel a Cristo, animada pelo desejo de servir os irmãos e pronta para ir ao
encontro com coragem profética das expectativas e das exigências espirituais dos homens e das
mulheres do nosso tempo. Nossa Senhora nos acompanhe e nos proteja neste caminho.
114
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PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 26 de Fevereiro de 2014
Vídeo
Amados irmãos e irmãs, bom dia!
Gostaria de vos falar hoje do Sacramento da Unção dos enfermos, que nos permite ver
concretamente a compaixão de Deus pelo homem. No passado era chamado «Extrema Unção»,
porque era entendido como conforto espiritual na iminência da morte. Ao contrário, falar de «Unção
dos enfermos» ajuda-nos a alargar o olhar para a experiência da doença e do sofrimento, no
horizonte da misericórdia de Deus.
1. Há um ícone bíblico que expressa em toda a sua profundidade o mistério que transparece na
Unção dos enfermos: é a parábola do «bom samaritano», no Evangelho de Lucas (10, 30-35). Todas
as vezes que celebramos este Sacramento, o Senhor Jesus, na pessoa do sacerdote, torna-se próximo
de quem sofre e está gravemente doente, ou é idoso. Diz a parábola que o bom samaritano se ocupa
do homem sofredor derramando sobre as suas feridas óleo e vinho. O óleo faz-nos pensar no que é
abençoado pelos bispos todos os anos, na Missa crismal da Quinta-Feira Santa, precisamente em
vista da Unção dos enfermos. O vinho, ao contrário, é sinal do amor e da graça de Cristo que brota
do dom da sua vida por nós e expressam em toda a sua riqueza na vida sacramental da Igreja. Por
fim, a pessoa sofredora é confiada a um hoteleiro, a fim de que continue a ocupar-se dela, sem se
preocupar com a despesa. Mas, quem é este hoteleiro? É a Igreja, a comunidade cristã, somos nós,
aos quais todos os dias o Senhor Jesus confia aqueles que estão aflitos, no corpo e no espírito, para
que possamos continuar a derramar sobre eles, sem medida, toda a sua misericórdia e salvação.
2. Este mandato é reafirmado de maneira explícita e clara na Carta de Tiago, na qual se recomenda:
«Está alguém entre vós doente? Chame os presbíteros da igreja, e estes façam oração sobre ele,
ungindo-o com óleo, em nome do Senhor. E a oração da fé salvará o enfermo, e o Senhor o
levantará; e, se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados» (5, 14-15). Por conseguinte, tratase de uma prática que já se usava na época dos Apóstolos. Com efeito, Jesus ensinou aos seus
discípulos a ter a sua mesma predilecção pelos doentes e pelos sofredores e transmitiu-lhes a
capacidade e a tarefa de continuar a conceder no seu nome e segundo o seu coração alívio e paz,
através da graça especial deste Sacramento. Mas isto não nos deve fazer cair na busca obstinada do
milagre ou na presunção de poder obter sempre e apesar de tudo a cura. Mas é a certeza da
proximidade de Jesus ao doente e também ao idoso, porque cada idoso, cada pessoa com mais de 65
anos, pode receber este Sacramento, mediante o qual é o próprio Jesus que se aproxima.
Mas na presença de um doente, por vezes pensa-se: «chamemos o sacerdote para que venha»;
«Não, dá azar, não o chamemos», ou então, «o doente assusta-se». Por que se pensa assim?
Porque um pouco há a ideia de que depois do sacerdote venha a agência funerária. E isto não
é verdade. O sacerdote vem para ajudar o doente ou o idoso; por isto é tão importante a visita
dos sacerdotes aos doentes. É preciso chamar o sacerdote para junto do doente e dizer:
«venha, dê-lhe a unção, abençoe-o». É o próprio Jesus que chega para aliviar o doente, para
lhe dar força, para lhe dar esperança, para o ajudar; também para lhe perdoar os pecados. E
116
isto é muito bonito! E não se deve pensar que isto seja um tabu, porque é sempre bom saber
que no momento da dor e da doença não estamos sós: com efeito, o sacerdote e quantos estão
presentes durante a Unção dos enfermos representam toda a comunidade cristã que, como um
único corpo se estreita em volta de quem sofre e dos familiares, alimentando neles a fé e a
esperança, e apoiando-os com a oração e com o calor fraterno. Mas o maior conforto provém
do facto de que quem está presente no Sacramento é o próprio Senhor Jesus, que nos guia
pela mão, nos acaricia como fazia com os doentes e nos recorda que já lhe pertencemos e que
nada — nem sequer o mal nem a morte — jamais nos poderá separar d’Ele. Temos este
hábito de chamar o sacerdote para que aos nossos doentes — não digo doentes de gripe, uma
doença de 3-4 dias, mas quando é uma doença séria — e também para os nossos idosos, venha
lhes conferir este Sacramento, este conforto, esta força de Jesus para ir em frente? Façamo-lo!
117
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
NA REUNIÃO DA CONGREGAÇÃO PARA OS BISPOS
Sala Bolonha do Palácio Apostólico
Quinta-feira, 27 de Fevereiro
1. O essencial na missão da Congregação
Na celebração da Ordenação de um Bispo, a Igreja reunida, depois da invocação do Espírito Santo,
pede que o candidato apresentado seja ordenado. Quem preside pergunta: «Tendes o mandato?».
Ressoa nesta pergunta quanto fez o Senhor: «chamou a si os doze, e começou a enviá-los dois a
dois...» (Mc 6, 7). No fundo, a pergunta poderia ser expressa também assim: «Estais certos de que o
seu nome foi pronunciado pelo Senhor? Tendes a certeza de que foi o Senhor que o incluiu entre os
chamados para caminhar com Ele de modo singular e para lhe confiar a missão que não é sua, mas
que foi confiada pelo Pai ao Senhor?».
Esta Congregação existe para ajudar a escrever este mandato, que depois ressoará em tantas Igrejas
e dará alegria e esperança ao Povo Santo de Deus. Esta Congregação existe para garantir que o
nome de quem é escolhido tenha sido antes de tudo pronunciado pelo Senhor. Eis a grande missão
confiada à Congregação para os Bispos, a sua tarefa mais importante: identificar aqueles que o
próprio Espírito Santo chama como guias da sua Igreja.
Dos lábios da Igreja recolher-se-á em todos os tempos e lugares a pergunta: dá-nos um Bispo! O
Povo Santo de Deus continua a falar: precisamos de alguém que vigie do alto; precisamos de
alguém que olhe para nós com a abertura do coração de Deus; não nos serve um manager, um
administrador delegado de uma empresa, nem sequer alguém que esteja ao nível das nossas
insuficiências ou pequenas pretensões. Serve-nos alguém que saiba elevar-se à altura do olhar de
Deus sobre nós para nos guiar para Ele. Só no olhar de Deus há futuro para nós. Precisamos de
quem, conhecendo melhor a amplidão do campo de Deus do que o seu pequeno jardim, nos garanta
que aquilo pelo que aspiram os nossos corações não é uma promessa vã.
O povo percorre com dificuldade a planície do dia-a-dia, e precisa de ser guiado por quem é capaz
de ver as coisas do alto. Por isso, nunca devemos perder de vista as necessidades das Igrejas
particulares às quais devemos providenciar. Não existe um Pastor standard para todas as Igrejas.
Cristo conhece a singularidade do Pastor de que cada Igreja necessita para que responda às suas
necessidades e a ajude a realizar as suas potencialidades. O nosso desafio é entrar na perspectiva de
Cristo, tendo em consideração esta singularidade das Igrejas particulares.
2. O horizonte de Deus determina a missão da Congregação
Para escolher estes ministros, todos precisamos de nos elevar, de subir também nós ao «nível
superior». Não podemos evitar de subir, não nos podemos contentar com medidas baixas. Devemos
elevar-nos para além e ao de cima das nossas eventuais preferências, simpatias, pertenças ou
tendências para entrar na amplidão do horizonte de Deus e para encontrar estes transmissores do seu
olhar do alto. Não homens condicionados pelo medo a partir de baixo, mas Pastores dotados de
parrésia, capazes de garantir que no mundo há um sacramento de unidade (Const. Lumen gentium,
1) e por isso a humanidade não está destinada à dispersão nem à desorientação.
118
É este o grande objectivo, traçado pelo Espírito Santo, que determina o modo com o qual se
desenvolve esta tarefa generosa e importante, pela qual estou imensamente grato a cada um de vós,
começando pelo Cardeal Prefeito Marc Ouellet e abraçando todos vós, Cardeais, Arcebispos e
Bispos Membros. Gostaria de dirigir uma palavra especial de reconhecimento, pela generosidade do
seu trabalho aos Oficiais do Dicastério, que silenciosa e pacientemente contribuem para o bom êxito
do serviço de dotar a Igreja dos Pastores de que precisa.
Ao assinar a nomeação de cada Bispo gostaria de poder referir-me à respeitabilidade do vosso
discernimento e à grandeza de horizontes com a qual o vosso conselho amadurece. Por isso, o
espírito que preside aos vossos trabalhos, da tarefa difícil dos Oficiais ao discernimento dos
Superiores e Membros da Congregação, mais não poderá ser do que aquele humilde, silencioso e
laborioso processo realizado sob a luz que vem do alto. Profissionalismo, serviço e santidade de
vida: se nos afastarmos deste trinómio decaímos da grandeza à qual estamos chamados.
3. A Igreja Apostólica como fonte
Onde encontrar então esta luz? A altura da Igreja encontra-se sempre nos abismos profundos dos
seus fundamentos. Na Igreja Apostólica há aquilo que é alto e profundo. O amanhã da Igreja habita
sempre nas suas origens.
Por conseguinte, convido-vos a recordar e a «visitar» a Igreja Apostólica para procurar ali alguns
critérios. Sabemos que o Colégio Episcopal, no qual mediante o Sacramento serão inseridos os
Bispos, sucede ao Colégio Apostólico. O mundo precisa de saber que há esta sucessão ininterrupta.
Pelo menos na Igreja, este vínculo com a arché divina não se interrompeu. As pessoas já conhecem
com sofrimento a experiência de tantas rupturas: precisam de encontrar na Igreja aquele permanecer
indelével da graça do princípio.
4. O Bispo como testemunha do Ressuscitado
Por conseguinte, examinemos o momento no qual a Igreja Apostólica deve recompor o Colégio dos
Doze depois da traição de Judas. Sem os Doze não pode descer a plenitude do Espírito. O sucessor
deve ser procurado entre os que seguiram desde o início o percurso de Jesus e agora pode tornar-se
«juntamente com os doze» uma «testemunha da ressurreição» (cf. Act 1, 21-22). Há necessidade de
seleccionar entre os seguidores de Jesus as testemunhas do Ressuscitado.
Daqui deriva o critério essencial para delinear o rosto dos Bispos que queremos ter. Quem é uma
testemunha do Ressuscitado? É quem seguiu Jesus desde o início e é constituído com os Apóstolos
testemunha da sua Ressurreição. Também para nós é este o critério unificador: o Bispo é aquele que
sabe tornar actual tudo o que aconteceu a Jesus e sobretudo sabe, juntamente com a Igreja, fazer-se
testemunha da sua Ressurreição. O Bispo é antes de tudo um mártir do Ressuscitado. Não uma
testemunha isolada mas juntamente com a Igreja. A sua vida e o seu ministério devem tornar
credível a Ressurreição. Unindo-se a Cristo na cruz da verdadeira entrega de si, faz jorrar para a
própria Igreja a vida que não morre. A coragem de morrer, a generosidade de oferecer a própria
vida e de se consumir pelo rebanho estão inscritos no «adn» do episcopado. A renúncia e o
sacrifício são conaturais com a missão episcopal. E desejo frisar isto: a renúncia e o sacrifício são
congénitos à missão episcopal. O episcopado não é para si mas para a Igreja, para a grei, sobretudo
para aqueles que segundo o mundo são descartáveis.
Portanto, para indicar um bispo, não serve a contabilidade dos dotes humanos, intelectuais,
culturais, nem sequer pastorais. O perfil de um Bispo não é a soma algébrica das suas virtudes.
Certamente, serve-nos alguém que se distingue (CDC, cân. 378 § 1): a sua integridade humana
119
garante a capacidade de relações sadias, equilibradas, para não projectar nos outros as próprias
faltas e tornar-se um factor de instabilidade; a sua solidez cristã é essencial para promover a
fraternidade e a comunhão; o seu comportamento recto confirma a medida alta dos discípulos do
Senhor; a sua preparação cultural permite-lhe dialogar com os homens e as culturas; a sua ortodoxia
e fidelidade à Verdade total conservada pela Igreja faz dele uma coluna e um ponto de referência; a
sua disciplina interior e exterior permite o domínio de si e abre espaço ao acolhimento e à guia dos
outros; a sua capacidade de governar com firmeza paterna garante a segurança da autoridade que
ajuda a crescer; a sua transparência e o seu desapego na administração dos bens da comunidade
conferem autoridade e conquistam a estima de todos por ele.
Contudo, todos estes dotes imprescindíveis devem ser uma declinação do testemunho central do
Ressuscitado, subordinados a este compromisso prioritário. É o Espírito Santo que faz as suas
testemunhas, que integra e eleva as qualidades e os valores edificando o Bispo.
5. A soberania de Deus Autor da escolha
Mas voltemos ao texto apostólico. Depois do fadigoso discernimento vem a oração dos Apóstolos:
«Ó Senhor, que conheces os corações de todos, mostra-nos qual destes... escolheste» (Act 1, 24) e
«tiraram à sorte» (Ibid., 1, 26). Aprendamos o clima do nosso trabalho e o verdadeiro Autor das
nossas escolhas. Não nos podemos afastar deste «mostra-nos tu, ó Senhor». É sempre
imprescindível garantir a soberania de Deus. As escolhas não podem ser ditadas pelas nossas
pretensões, condicionadas por eventuais «escuderias», camarilhas ou hegemonias. Para garantir esta
soberania há duas atitudes fundamentais: o tribunal da própria consciência diante de Deus e a
colegialidade. E isto é uma garantia.
Desde os primeiros passos do nosso trabalho complexo (das Nunciaturas ao trabalho dos Oficiais,
Membros e Superiores), estas duas atitudes são imprescindíveis: a consciência diante de Deus e o
compromisso colegial. Não o arbítrio mas o discernimento juntos. Ninguém pode ter tudo na mão,
cada um coloca com humildade e honestidade a própria peça de um mosaico que pertence a Deus.
Esta visão fundamental estimula-nos a abandonar a pequena cabotagem das nossas barcas para
seguir a rota do grande navio da Igreja de Deus, o seu horizonte universal de salvação, a sua bússola
firme na Palavra e no Ministério, a certeza do sopro do Espírito que a estimula e a segurança do
porto que a aguarda.
6. Bispos «querigmáticos»
Outro critério ensina isto em Act 6, 1-7: os Apóstolos impõem as mãos sobre aqueles que devem
servir às mesas porque não podem «pôr de lado a Palavra de Deus». Dado que a fé provém do
anúncio, temos necessidade de Bispos querigmáticos. Homens que tornam acessível aquele «por
vós» de que fala são Paulo. Homens que guardam a doutrina não para medir como o mundo vive
distante da verdade que ela contém, mas para fascinar o mundo, para o encantar com a beleza do
amor, para o seduzir com a oferta da liberdade doada pelo Evangelho. A Igreja não precisa de
apologetas das próprias causas nem de cruzados das próprias batalhas, mas de semeadores humildes
e confiantes da verdade, conscientes de que ela lhes é sempre confiada de novo e que confiam no
seu poder. Bispos conscientes de que também quando vier a noite e os encontrar cansados pela
fadiga do dia, no campo as sementes estarão a germinar. Homens pacientes porque sabem que o joio
nunca será muito, capaz de invadir o campo. O coração humano é feito para o grão, foi o inimigo
que às escondidas lançou a má semente. O tempo do joio está já irrevogavelmente estabelecido.
120
Gostaria de frisar bem isto: homens pacientes! Dizem que o Cardeal Siri costumava repetir: «São
cinco as virtudes de um Bispo: a primeria é a paciência, a segunda é a paciência, a terceira é a
paciência, a quarta é a paciência e a última é a paciência com aqueles que nos convidam a ter
paciência».
Por conseguinte, é preciso comprometer-se primeiro na preparação do terreno, na amplidão da
sementeira. Agir como semeadores confiantes, evitando o medo de quem se ilude de que a colheita
depende só de si, ou a atitude desesperada dos alunos, que não tendo feito os deveres, gritam que já
não podem fazer mais nada.
7. Bispos orantes
O mesmo texto de Act 6, 1-7 refere-se à oração como a uma das duas tarefas essenciais do Bispo:
«Escolhei, pois, irmãos, dentre vós, sete varões de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria, aos quais confiaremos este importante negócio. Mas nós perseveraremos na oração e no
ministério da palavra» (vv. 3-4). Falei de Bispos querigmáticos, agora indico outra característica da
identidade do Bispo: homem de oração. A mesma parreéia que deve ter no anúncio da Palavra, que
deve ter na oração, tratando com Deus nosso Senhor o bem do seu povo, a salvação do seu povo.
Coragem na oração de intercessão como Abraão, que negociava com Deus a salvação daquele povo
(cf. Gn 18, 22-23); como Moisés quando se sente impotente na guia do povo (Nm 11, 10-15),
quando o Senhor está aborrecido com o seu povo (cf. Nm 14, 10-19), ou quando lhe diz que está
para destruir o povo e promete-lhe que o fará chefe de outro povo. Aquela coragem de dizer não,
não negocio o meu povo, diante d’Ele! (cf. Êx 32, 11-14.30-32). Um homem que não tem a
coragem de discutir com Deus a favor do seu povo não pode ser Bispo — digo-o de coração, estou
convencido — nem sequer aquele que não é capaz de assumir a missão de levar o povo de Deus ao
lugar que Ele, o Senhor, lhes indica (cf. Êx 32, 33-34).
E isto é válido também para a paciência apostólica: a mesma hypomone que deve exercer na
pregação da Palavra (cf. 2 Cor 6, 4) deve tê-la na sua oração. O Bispo deve ser capaz de «ter
paciência» diante de Deus, olhando e deixando-se olhar, procurando e deixando-se procurar,
encontrando e deixando-se encontrar, pacientemente diante do Senhor. Muitas vezes adormecendo
diante do Senhor, mas isto é bom, faz bem!
Parrésia e hypomone na oração forjam o coração do Bispo e acompanham-no na parresia e na
hypomone que deve ter no anúncio da Palavra no querigma. É isto que entendo quando leio o
versículo 4 do capítulo 6 dos Actos dos Apóstolos.
8. Bispos Pastores
Nas palavras que dirigi aos Representantes Pontifícios, tracei do seguinte modo o perfil dos
candidatos ao episcopado: sejam Pastores próximos do povo, «pais e irmãos, sejam mansos,
pacientes e misericordiosos; amem a pobreza interior como liberdade para o Senhor e também a
exterior como simplicidade e austeridade de vida, que não tenham uma psicologia de “Princípios”;
... que não sejam ambiciosos e que não procurem o episcopado... sejam esposos de uma Igreja, sem
andar em busca constante de outra — isto chama-se adultério. Sejam capazes de “vigiar” a grei que
lhes será confiada, isto é, de cuidar tudo o que a mantém unida; ... capazes de “vigiar” o rebanho»
(21 de Junho de 2013).
Reafirmo que a Igreja precisa de Pastores autênticos; e gostaria de aprofundar este perfil do Pastor.
Vejamos o testamento do apóstolo Paulo (cf. Act 20, 17-38). Trata-se do único discurso dirigido aos
cristãos pronunciado pelo Apóstolo no livro dos Actos. Não fala aos seus adversários fariseus, nem
121
aos sábios gregos, mas aos seus. Fala a nós. Ele confia os Pastores da Igreja «à Palavra da graça que
tem o poder de edificar e de conceder a herança». Portanto, não donos da Palavra, mas entregues a
ela, servos da Palavra. Só assim é possível edificar e obter a herança dos santos. A quantos se
atormentam com a pergunta sobre a própria herança — «qual é a herança de um Bispo? O ouro ou a
prata? — Paulo responde: a santidade. A Igreja permanece quando se dilata a santidade de Deus nos
seus membros. Quando do íntimo do seu coração, que é a Santíssima Trindade, esta santidade brota
e alcança todo o Corpo. Há necessidade de que a unção do alto escorra até à orla do manto. O Bispo
nunca poderá renunciar ao anseio de que o óleo do Espírito de santidade chegue até à última orla da
veste da sua Igreja.
O Concílio Vaticano II afirma que aos Bispos «está plenamente confiado o cargo pastoral, ou seja, o
cuidado assíduo e diário da grei» (Lumen gentium, 27). É preciso reflectir mais sobre estes dois
adjectivos qualificativos da cura da grei: assídua e diária. No nosso tempo, com muita frequência, a
assiduidade e a quotidianidade são associadas à routine e ao tédio. Por isso, muitas vezes procura-se
fugir para um permanente «algures». Esta é uma tentação dos Pastores, de todos os Pastores. Os
padres espirituais devem explicá-lo bem, para que nós o compreendamos e não caiamos. Também
na Igreja, infelizmente, não estamos livres deste risco. Por isso é importante reafirmar que a missão
do Bispo exige assiduidade e quotidianidade. Penso que neste tempo de encontros e de congressos é
muito actual o decreto de residência do Concílio de Trento: é muito actual e seria bom que a
Congregação para os Bispos escrevesse algo acerca disto. Ao rebanho serve encontrar espaço no
coração do Pastor. Se isto não estiver firmemente ancorado em si mesmo, em Cristo e na sua Igreja,
será continuamente agitado pelas ondas em busca de compensações efémeras e não oferecerá abrigo
algum ao rebanho.
Conclusão
No final destas minhas palavras questiono-me: onde podemos encontrar homens assim? Não é
fácil. Existem? Como podemos seleccioná-los? Penso no profeta Samuel em busca do sucessor
de Saul (cf 1 Sm 16, 11-13) que pergunta ao idoso Jessé: «estão aqui todos os teus filhos?», e
tendo ouvido que o pequeno David andava a apascentar o rebanho, ordena: «Vai chamá-lo».
Também nós não podemos deixar de perscrutar os campos da Igreja procurando quem
apresentar ao Senhor para que Ele te diga: «Unge-o: é ele!». Estou certo de que eles existem,
porque o Senhor não abandona a sua Igreja. Talvez nós não andemos o suficiente pelos
campos à procura deles. Talvez nos sirva a admoestação de Samuel: «Não nos sentaremos à
mesa antes que ele tenha vindo aqui». Gostaria que esta Congregação vivesse desta santa
inquietação.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA ESPANHA
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Sala Clementina
Segunda-feira, 3 de Março de 2014
Prezados Irmãos
Agradeço ao Presidente da Conferência Episcopal Espanhola as palavras que me dirigiu em nome
de todos, manifestando o vosso firme propósito de servir fielmente o Povo de Deus que peregrina
na Espanha, onde a Palavra de Deus se radicou depressa e produziu frutos de concórdia, cultura e
santidade. Desejais evidenciá-lo de maneira particular mediante a celebração do já iminente quinto
Centenário do nascimento de Santa Teresa de Jesus, primeira Doutora da Igreja.
Agora que viveis a difícil experiência da indiferença de numerosos baptizados e deveis enfrentar
uma cultura mundana, que relega Deus para a vida particular, excluindo-o do âmbito público, é
oportuno não esquecer a vossa história. Dela aprendemos que a graça divina nunca se extingue e
que o Espírito Santo continua a agir generosamente na realidade contemporânea. Confiemos sempre
nele e em tudo aquilo que Ele semeia nos corações de quantos estão entregues aos nossos cuidados
pastorais (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 68).
Aos Bispos é confiada a tarefa de fazer germinar estas sementes mediante o anúncio intrépido e
verídico do Evangelho, de seguir com esmero o seu crescimento através do exemplo, da educação e
da proximidade, e de harmonizá-los no conjunto da «vinha do Senhor» da qual ninguém pode ser
excluído.
Por este motivo, amados Irmãos, não poupeis esforço algum em vista de abrir novos caminhos para
o Evangelho, que alcancem o coração de todos, a fim de que descubram aquilo que já se encontra
no seu íntimo: Cristo, como amigo e irmão.
Não será difícil encontrar estes caminhos, se seguirmos os passos do Senhor que «não veio para ser
servido, mas para servir» (Mc 10, 45); que soube respeitar com humildade os tempos de Deus e,
pacientemente, o processo de amadurecimento de cada pessoa, sem medo de dar o primeiro passo
para ir ao seu encontro. Ele ensina-nos a ouvir todos de coração a coração, com ternura e
misericórdia, procurando aquilo que verdadeiramente une e beneficia a edificação recíproca.
Nesta busca, é importante que o Bispo não se sinta sozinho, nem se julgue só, que esteja consciente
de que também a grei que lhe foi confiada tem sensibilidades para as realidades de Deus.
Especialmente os seus colaboradores mais directos, os sacerdotes, devido aos seus contactos
estreitos com os fiéis, com as suas necessidades e com as suas preocupações quotidianas. Também
as pessoas consagradas, em virtude da sua rica experiência espiritual e da sua dedicação missionária
e apostólica em numerosos campos. E os leigos que, nas condições de vida mais diversificadas e
com base nas suas próprias competências, fazem prosperar o testemunho e a missão da Igreja (cf.
Concílio Ecum. Vaticano II, Constituição Lumen gentium, 33).
Ao mesmo tempo o momento actual, em que as mediações da fé são cada vez mais escassas e não
faltam dificuldades para a sua transmissão, exige de vós a inserção das vossas Igrejas numa
autêntica condição de missão permanente, para voltar a chamar quantos se afastaram e para
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fortalecer a fé, especialmente das crianças. Para esta finalidade, não cesseis de prestar atenção
particular ao processo de iniciação na vida cristã. A fé não é uma mera herança cultural, mas um
presente, um dom que nasce do encontro pessoal com Jesus e da aceitação livre e jubilosa da nova
vida que nos oferece. Isto exige anúncio incessante e animação constante, a fim de que o fiel seja
coerente com a condição de filho de Deus que recebeu mediante o Baptismo.
Despertar e reavivar uma fé sincera favorece a preparação para o matrimónio e o acompanhamento
das famílias, cuja vocação consiste em ser um lugar primordial de convivência no amor, célula
fundamental da sociedade, onde se transmite a vida, e igreja doméstica, onde se forja e se vive a fé.
Uma família evangelizada constitui um agente inestimável de evangelização, sobretudo porque
irradia as grandes obras aí realizadas por Deus. Além disso, dado que por sua natureza é um âmbito
de generosidade, ela promoverá o nascimento de vocações no seguimento do Senhor no sacerdócio
ou na vida consagrada.
No ano passado vós publicastes o documento Vocaciones sacerdotales para el siglo XXI,
demonstrando deste modo o interesse das vossas Igrejas particulares pela pastoral vocacional.
Trata-se de um aspecto que o Bispo deve incutir no seu coração como algo absolutamente
prioritário, recordando-o na oração, insistindo sobre a selecção dos candidatos e preparando
grupos de bons formadores e de professores competentes.
Finalmente, gostaria de ressaltar que o amor e o serviço aos pobres são um sinal do Reino de Deus,
que Jesus veio trazer (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 48). Sei bem que, ao longo
destes últimos anos, precisamente a vossa Caritas — assim como outras obras benéficas da Igreja
— mereceram um grande reconhecimento da parte de crentes e igualmente de não-crentes. Isto
enche-me de alegria, e peço ao Senhor que seja motivo de aproximação ao manancial da caridade, a
Cristo, que «passou fazendo o bem e curando» todos os que se sentiam oprimidos (At 10, 38), e
também à sua Igreja, que é mãe e nunca pode esquecer os seus filhos mais necessitados. Por
conseguinte, convido-vos a manifestar estima e a mostrar-vos próximos de quantos põem os seus
talentos e as suas mãos ao serviço do «programa do bom Samaritano, do programa de Jesus» (Bento
XVI, Encíclica Deus caritas est, 31b).
Estimados Irmãos, agora que estais congregados em visita ad limina, para manifestar os vínculos de
comunhão com o Bispo de Roma (cf. Concílio Ecum. Vaticano II, Constituição Lumen gentium,
22), desejo agradecer-vos do íntimo do coração o vosso serviço ao santo povo fiel de Deus. Ide em
frente com esperança. Ponde-vos na chefia da renovação espiritual e missionária das vossas Igrejas
particulares, como irmãos e pastores dos vossos fiéis, mas também daqueles que não o são, que se
esqueceram que o são. Para esta finalidade, ser-vos-á de grande ajuda a colaboração franca e
fraternal no seio da vossa Conferência episcopal, assim como a ajuda recíproca e solícita na busca
de maneiras de agir mais adequadas.
Peço-vos, por favor, que transmitais aos amados filhos da Espanha uma saudação especial da parte
do Papa, que os confia aos cuidados maternais da Santíssima Virgem Maria, lhes pede para rezar
por ele e lhes concede a sua Bênção.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PÁROCOS DA DIOCESE DE ROMA
Sala Paulo VI, 6 de Março de 2014
Quando, juntamente com o Cardeal Vigário, pensamos neste encontro, eu disse-lhe que poderia
preparar-vos uma meditação acerca do tema da misericórdia. No início da Quaresma far-nos-á bem
meditar juntos, como sacerdotes, a propósito da misericórdia. E também para os fiéis, porque como
pastores devemos ter muita misericórdia, muita!
O trecho do Evangelho de Mateus que ouvimos faz-nos dirigir o olhar para Jesus que caminha pelas
estradas das cidades e dos povoados. E isto é curioso! Qual é o lugar onde se via Jesus mais
frequentemente, onde era possível encontrá-lo com maior facilidade? Pelas estradas. Podia dar a
impressão de ser um desabrigado, porque estava sempre a caminhar pelas estradas. A vida de Jesus
era nas estradas. Isto ajuda-nos, sobretudo, a compreender a profundidade do seu coração, aquilo
que Ele sente pelas multidões, pelas pessoas que encontra: aquela atitude interior de «compaixão»;
vendo as multidões, sentiu compaixão. E isto porque Ele vê as pessoas «cansadas e extenuadas,
como ovelhas sem pastor». Ouvimos muitas vezes estas palavras, que talvez não transmitam uma
grande força. Contudo, são fortes! Um pouco como muitas das pessoas que vós encontrais hoje
pelas ruas dos vossos bairros... Depois, o horizonte amplia-se e vemos que estas cidades e estas
aldeias não são só Roma e a Itália, mas o mundo inteiro... e aquelas multidões exaustas são
populações de numerosos países que continuam a sofrer devido a situações ainda mais difíceis...
Então, compreendemos que nós não estamos aqui para fazer um bonito exercício espiritual no início
da Quaresma, mas para ouvir a voz do Espírito que fala à Igreja inteira nesta nossa época, que é
precisamente o tempo da misericórdia. Disto estou persuadido! Não se trata apenas da Quaresma;
nós vivemos num tempo de misericórdia, desde há trinta anos ou mais, até aos dias de hoje.
Na Igreja inteira é o tempo da misericórdia.
Esta foi uma intuição do beato João Paulo II. Ele teve a «perspicácia» de que este era o tempo da
misericórdia. Pensemos na beatificação e canonização da Irmã Faustina Kowalska; em seguida,
introduziu a festa da Divina Misericórdia. Gradualmente progrediu, foi em frente neste campo.
Na homilia para a canonização, que teve lugar em 2000, João Paulo II realçou que a mensagem de
Jesus Cristo à Irmã Faustina se situa temporalmente entre as duas guerras mundiais, e está muito
ligada à história do século XX. E, olhando para o futuro, afirmou: «O que nos trarão os anos que
estão diante de nós? Como será o futuro do homem sobre a terra? A nós não é dado sabê-lo.
Contudo, sem dúvida, ao lado de novos progressos infelizmente não faltarão experiências dolorosas.
Mas a luz da Misericórdia Divina, que o Senhor quis como que entregar de novo ao mundo através
do carisma da Irmã Faustina, iluminará o caminho dos homens do terceiro milénio». É claro! Em
2000 tornou-se explícito, mas era algo que no seu coração já ia amadurecendo havia muito tempo.
Na sua oração, ele teve esta intuição.
Hoje nós esquecemos tudo depressa demais, e até o Magistério da Igreja! Em parte isto é inevitável,
não podemos esquecer os grandes conteúdos, as intuições excelsas e as exortações transmitidas ao
Povo de Deus. E a da Divina Misericórdia é uma delas. É uma herança que ele nos deixou, mas que
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provém do alto. Compete a nós, como ministros da Igreja, manter viva esta mensagem,
principalmente na pregação e nos gestos, nos sinais e nas escolhas pastorais, por exemplo na
escolha de voltar a dar prioridade ao sacramento da Reconciliação e, ao mesmo tempo, às obras de
misericórdia. Reconciliar, fazer as pazes através do Sacramento, mas também mediante as palavras
e as obras de misericórdia.
O que significa misericórdia para os sacerdotes?
Vem ao meu pensamento a constatação de que alguns de vós me telefonaram, me escreveram uma
carta, e depois eu falei ao telefone... «Mas Padre, por que motivo te zangas com os sacerdotes?».
Pois diziam que eu agredia os sacerdotes! Não vos quero espancar aqui...
Interroguemo-nos sobre o que significa misericórdia para um presbítero; permiti-me dizê-lo para
nós, sacerdotes. Para nós, para todos nós! Os presbíteros comovem-se diante das ovelhas, como
Jesus, quando via as pessoas cansadas e exaustas, como ovelhas sem pastor. Jesus tem as «vísceras»
de Deus, e Isaías fala muito sobre isto: vive cheio de ternura pelas pessoas, especialmente por
quantos são excluídos, ou seja os pecadores, os doentes dos quais ninguém se ocupa... Deste modo,
à imagem do Bom Pastor, o presbítero é um homem de misericórdia e de compaixão, está perto do
seu povo e é servidor de todos. Este é um critério pastoral que gostaria de pôr em grande evidência:
a proximidade! A proximidade e o serviço, mas a proximidade, a afinidade! ... Quem quer que se
encontre ferido na própria vida, de qualquer maneira, pode encontrar nele atenção e escuta... Em
particular, o sacerdote demonstra vísceras de misericórdia na administração do sacramento da
Reconciliação; demonstra-o em todas as suas atitudes, no seu modo de acolher, de ouvir, de
aconselhar e de absolver... Todavia, isto deriva do seu modo de viver o Sacramento em primeira
pessoa, da forma como ele se deixa abraçar por Deus Pai na Confissão, permanecendo no interior
deste abraço... Se vivermos isto em nós mesmos, no nosso próprio coração, poderemos também
oferecê-lo aos outros no ministério. E agora faço-vos esta pergunta: como me confesso? Deixo-me
abraçar? Vem-me ao pensamento um grande sacerdote de Buenos Aires, é mais jovem do que eu,
talvez tenha 72 anos... Uma vez ele veio visitar-me. É um grande confessor: para ele há sempre
fila... A maioria dos sacerdotes vão à sua procura para se confessar... É um grande confessor! E uma
vez ele veio ter comigo: «Mas Padre...», «Diz-me», «Eu tenho um pouco de escrúpulo, porque sei
que perdoo demais!»; «Reza... se tu perdoas demais...». E falamos sobre a misericórdia. A uma
certa altura ele disse-me: «Sabes, quando sinto que este escrúpulo é forte vou à capela, diante do
Tabernáculo, digo-lhe: perdoa-me, a culpa é tua, porque Tu me deste o mau exemplo! E vou
embora tranquilo...». É uma bonita prece de misericórdia! Se na Confissão vivermos isto em nós
mesmos, no nosso próprio coração, também o poderemos oferecer aos outros.
O sacerdote é chamado a aprender isto, a ter um coração que se comove. Os presbíteros — permiti
que use esta palavra — «ascetas», aqueles «de laboratório», completamente limpos e bonitos, não
ajudam a Igreja. Hoje podemos pensar a Igreja como um «hospital de campo». Isto, perdoai-me se
repito, porque o vejo assim, porque o sinto assim: um «hospital de campo». É necessário curar as
feridas, e elas são numerosas. Há tantas chagas! Existem muitas pessoas feridas por problemas
materiais, por escândalos, até na Igreja... Pessoas feridas pelas ilusões do mundo... Nós, sacerdotes,
devemos estar ali, próximos destas pessoas. Misericórdia significa, antes de tudo, curar as feridas.
Quando alguém está ferido, tem necessidade imediata disto, não de análises, como os valores do
colesterol, da glicemia... Mas quando há uma ferida, curemo-la e depois vejamos as análises. Em
seguida, façam-se os tratamentos com um especialista, mas antes é necessário curar as chagas
abertas. Para mim, neste momento, isto é mais importante. E existem também feridas escondidas,
porque há pessoas que se afastam, para que não se lhes vejam as feridas... Vem-me ao pensamento
o hábito, para a lei mosaica na época de Jesus de afastar sempre os leprosos para que não
contagiassem... Há pessoas que se distanciam porque sentem vergonha, aquela vergonha que lhes
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impede de mostrar as chagas... E afastam-se talvez um pouco melindradas com a Igreja, mas no
fundo, lá dentro, há uma ferida... O que elas querem é um afago! E vós, amados irmãos —
pergunto-vos — conheceis as feridas dos vossos paroquianos? Conseguis intuí-las? Permaneceis
próximos deles? É a única pergunta...
Misericórdia significa nem mãos-largas nem rigor.
Voltemos ao sacramento da Reconciliação. Nós, sacerdotes, ouvimos muitas vezes a experiência
dos nossos fiéis, que nos descrevem como encontraram na Confissão um presbítero muito
«rigoroso», ou então muito «largo», rigorista ou laxista. E isto não deve ser assim. Que entre os
confessores haja diferenças de estilo, é normal, mas tais diferenças não podem referir-se à
substância, ou seja, à sã doutrina moral e à misericórdia. Nem o laxista nem o rigorista dão
testemunho de Jesus Cristo, porque nem um nem outro faz bem à pessoa com a qual se encontra. O
rigorista lava as próprias mãos: com efeito, fixa-se na lei entendida de modo insensível e rígido;
também o laxista lava as próprias mãos: só aparentemente é misericordioso, mas na realidade não
leva a sério o problema daquela consciência, minimizando assim o pecado. A verdadeira
misericórdia interessa-se pela pessoa, ouve-a atentamente, aproxima-se com respeito e com verdade
da sua situação, acompanhando-a no caminho da reconciliação. Sim, não há dúvida, isto é
cansativo. O sacerdote verdadeiramente misericordioso comporta-se como o Bom Samaritano... mas
porque motivo age assim? Porque o seu coração é capaz de compaixão, é o Coração de Cristo!
Sabemos bem que nem o laxismo nem o rigorismo fazem crescer a santidade. Talvez alguns
rigoristas possam parecer santos, santos... Contudo, pensai em Pelágio, e depois poderemos falar...
Eles não santificam o sacerdote, nem santificam o fiel; nem o laxismo, nem o rigorismo! Ao
contrário, a misericórdia acompanha o caminho da santidade, acompanha-a e fá-la desenvolver-se...
É demasiado trabalho para um pároco? É verdade, é demasiado trabalho! E de que modo ele
acompanha e faz progredir o caminho da santidade? Através do sofrimento pastoral, que é uma
forma de misericórdia. O que significa sofrimento pastoral? Quer dizer sofrer pelas pessoas e com
as pessoas. E isto não é fácil! Sofrer como um pai e como uma mãe sofrem pelos seus próprios
filhos; permiti que diga, até com ansiedade...
Para me explicar, também eu vos dirijo algumas interrogações, que me ajudam, quando um
sacerdote vem ter comigo. Ajudam-me também quando me encontro a sós com o Senhor!
Diz-me: tu choras? Ou perdemos as lágrimas? Recordo que os Missais antigos, aqueles de outrora,
contêm uma oração extremamente bonita para pedir o dom das lágrimas. A oração encetava assim:
«Senhor, Vós que confiastes a Moisés o mandato de bater na pedra para que dela brotasse a água,
batei na pedra do meu coração, para que eu verta lágrimas...»: aquela oração era assim, mais ou
menos assim. Era muito bonita! Contudo, quantos de nós choram diante do sofrimento de uma
criança, perante a destruição de uma família, diante de tantas pessoas que não encontram o seu
caminho? ... O pranto do sacerdote... Tu choras? Ou neste presbitério nós perdemos as lágrimas?
Tu choras pelo teu povo? Diz-me, tu recitas a prece de intercessão diante do Tabernáculo?
Tu lutas com o Senhor pelo teu povo, como Abraão lutou: «E se houver menos? E se houver só 25?
E se houver só 20?...» (cf. Gn 18, 22-33). Aquela prece de intercessão cheia de coragem... Nós
falamos de parrésia, de intrepidez apostólica, e pensamos nos planos pastorais, o que é bom, mas
também a própria parrésia é necessária na oração. Tu lutas com o Senhor? Debates com o Senhor
como fez Moisés? Quando o Senhor estava farto, cansado do seu povo, disse-lhe: «Fica tranquilo...
Eu... destruirei todos, e far-te-ei chefe de um outro povo». «Não, não! Se Vós destruirdes o povo,
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destruireis também a mim!». Mas eles eram intrépidos! E eu faço-vos uma pergunta: também nós
somos intrépidos, para lutar com Deus pelo nosso povo?
Dirijo-vos mais uma pergunta: à noite, como terminais o vosso dia? Com o Senhor, ou com a
televisão?
Como é o teu relacionamento com aqueles que te ajudam a tornar-te mais misericordioso? Ou seja,
como é o teu relacionamento com as crianças, com as pessoas idosas, com os enfermos? Tu sabes
acariciá-los, ou tens vergonha de afagar um idoso?
Não tenhas vergonha da carne do teu irmão (cf. Reflexiones en esperanza, I cap.). No final, seremos
julgados segundo o modo como soubemos aproximar-nos de «cada carne» — como se diz em
Isaías. Não te envergonhes da carne do teu irmão! «Aproximemo-nos»: proximidade, afinidade;
aproximemo-nos da carne do nosso irmão. O sacerdote e o levita que passaram antes do Bom
Samaritano não souberam aproximar-se daquela pessoa maltratada pelos bandidos. O seu coração
estava fechado. Talvez o sacerdote tenha visto o relógio, dizendo: «Devo ir à Missa, não posso
chegar atrasado para a Missa», e foi embora. Justificações! Quantas vezes nós encontramos
justificações, a fim de evitar um problema, uma pessoa. O outro, o levita, ou o doutor da lei, o
advogado, disse: «Não, não posso, porque se eu fizer isto, amanhã terei que prestar testemunho e
perderei tempo...». Desculpas! ... Eles tinham o coração fechado. Mas o coração fechado justifica-se
sempre por aquilo que não leva a cabo. Mas o samaritano, ao contrário, abre o seu coração, deixa-se
comover nas suas vísceras, e este movimento interior traduz-se em obra prática, numa intervenção
concreta para ajudar aquela pessoa.
No fim dos tempos, só serão admitidos à contemplação da carne glorificada de Cristo aqueles que
não se tiverem envergonhado da carne do seu irmão ferido e excluído.
Confesso-vos — e isto faz-me bem — que às vezes leio o elenco sobre o qual eu serei julgado, fazme bem: ele encontra-se no cap. 25 de Mateus.
Foram estas as coisas que vieram ao meu pensamento, para as compartilhar convosco. Elas são um
pouco assim, são como me vieram... [O cardeal Vallini: «Um bom exame de consciência»] Isto farnos-á bem. [aplauso].
Em Buenos Aires — falo-vos agora de outro presbítero — havia um confessor famoso: ele era
sacramentino. Praticamente todo o clero ia confessar-se com ele. Quando João Paulo II pediu um
confessor à Nunciatura, numa das duas vezes que veio, ele foi escolhido. É idoso, muito idoso... Foi
o provincial da sua Ordem, foi professor... mas sempre confessor, sempre. E na igreja do Santíssimo
Sacramento havia sempre fila. Naquela época, eu era vigário-geral e residia na sede da Cúria. Todos
os dias de manhã cedo eu descia à sala do fax para ver se tinha chegado algo. E na manhã de Páscoa
li um fax enviado pelo superior da comunidade: «Ontem, meia hora antes da Vigília pascal, faleceu
o padre Aristi, com 94 — ou 96? — anos. O funeral terá lugar em tal dia...». E na manhã de Páscoa
eu tinha que ir almoçar com os presbíteros da casa de repouso — como de costume eu fazia na
Páscoa — e então — disse comigo mesmo — depois do almoço irei à igreja. Era uma igreja grande,
muito grande, com uma cripta particularmente bonita. Desci à cripta e lá estava o féretro; só
estavam presentes duas velhinhas que rezavam, e não havia flores. Pensei: mas este homem, que
perdoou os pecados a todo o clero de Buenos Aires, e também a mim, nem sequer uma flor... Subi e
fui a um florista — porque em Buenos Aires há floristas nas esquinas, ao longo das ruas, nos
lugares onde passam as pessoas — e então comprei algumas flores, rosas... Depois, voltei e comecei
a preparar bem o caixão, com as flores... Olhei para o Rosário que ele tinha nas mãos... Veio-me
algo imediatamente ao pensamento — aquele ladrão que todos temos dentro de nós, não? — e
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enquanto eu arranjava as flores, peguei na cruz do Rosário e, com um pouco de força, arranquei-a.
Naquele momento olhei para ele e disse: «Concede-me metade da tua misericórdia». Senti uma
força que me incutiu a coragem de fazer isto e de recitar aquela oração! Em seguida, coloquei
aquela cruz aqui, no bolso. As camisas do Papa não têm bolsos, mas eu trago-a sempre comigo num
saquinho de pano e, desde aquele dia até hoje, aquela cruz está comigo. E quando me vem um
pensamento mau contra uma pessoa qualquer, a minha mão vem sempre para o peito, sempre. E
sinto a graça! Sinto que me faz bem. [aplauso]. Como faz bem o exemplo de um sacerdote
misericordioso, de um presbítero que se aproxima das feridas...
Se pensardes, também vós indubitavelmente conhecestes tantos, muitos, porque os sacerdotes da
Itália são bons. São bons! Na minha opinião, se a Itália ainda é tão forte, não é tanto por causa dos
seus Bispos, quanto dos párocos, dos presbíteros! É verdade, isto é verdade! Não vos incenso um
pouco para vos confortar, mas sinto que é assim!
Misericórdia. Pensai nos numerosos sacerdotes que se encontram no Céu e pedi-lhes esta graça!
Que vos concedam aquela misericórdia que eles mesmos tiveram para com os seus fiéis. Isto faz
bem!
Muito obrigado pela escuta e por terdes vindo aqui!
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL
DE TIMOR LESTE EM VISITA
«AD LIMINA APOSTOLORUM»
Segunda-feira, 17 de Março de 2014
Amados irmãos no episcopado!
No amor de Cristo, saúdo cordialmente toda a Igreja de Deus em Timor Leste, aqui representada
por vós, seus pastores, que viestes «conhecer Pedro» na pessoa do seu Sucessor e «pôr à sua
apreciação» o vosso serviço à causa do Evangelho (cf. Gal 1, 18; 2, 2). Agradeço a D. Basílio, bispo
de Baucau e presidente da Conferência Episcopal, as amáveis palavras que me dirigiu em nome de
todos e que manifestam o crescimento admirável das vossas comunidades e o seu anseio de serem
fiéis ao Evangelho. Alegro-me convosco, porque a sementeira da Boa Nova de Jesus, iniciada na
vossa terra há quase quinhentos anos, cresceu e frutificou num povo que, desde a grande provação
do último quartel do século XX, decidida e corajosamente se confessa católico. A criação da nova
diocese de Maliana, nos princípios de 2010, e a instituição da Conferência Episcopal Timorense,
nos fins de 2011, são sinais positivos da obra que o Senhor iniciou entre vós e quer levar a bom
termo (cf. Flp 1, 6).
Estes sinais, ao mesmo tempo que exprimem a radicação da Igreja em Timor, convidam os seus
filhos e filhas a um testemunho alto de vida cristã e a um redobrado esforço de evangelização para
levarem a Boa Nova a todos os estratos da sociedade, transformando-a a partir de dentro (cf. Exort.
ap. Evangelii nuntiandi, 18). Pelos vossos relatórios quinquenais e demais notícias, pude dar-me
conta do espírito fraterno que anima o povo timorense e os seus líderes na construção duma nação
livre, solidária e justa para todos. Ao longo destes anos que vos separam da última visita ad limina
– realizada em Outubro de 2002, ou seja, poucos meses depois do suspirado e venturoso nascimento
da vossa Pátria –, não faltaram dolorosas surpresas de ajustamento nacional, com a Igreja a recordar
as bases necessárias duma sociedade que pretenda ser digna do homem e do seu destino
transcendente. Estou certo de que vós, com os sacerdotes, continuareis a desempenhar a função de
consciência crítica da nação, mantendo para isso a devida independência do poder político numa
colaboração equidistante que lhe deixe a responsabilidade de cuidar e promover o bem comum da
sociedade.
De facto, a Igreja pede apenas uma coisa no âmbito da sociedade: a liberdade de anunciar o
Evangelho de modo integral, mesmo quando vai contra corrente defendendo valores que ela recebeu
e a que deve permanecer fiel. E vós, queridos irmãos, não tenhais medo de oferecer esta
contribuição da Igreja para bem da sociedade inteira. Faz-nos bem lembrar estas palavras do
Concílio Vaticano II: «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje,
sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as
tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana
que não encontre eco no seu coração» (Const. past. Gaudium et spes, 1). Na verdade o Pai do Céu,
ao enviar seu Filho na nossa carne, pôs em nós as suas entranhas de misericórdia. E, sem a
misericórdia, poucas possibilidades temos hoje de nos inserir num mundo de “feridos” que tem
necessidade de compreensão, de perdão, de amor. Por isso, não me canso de chamar a Igreja inteira
à «revolução da ternura»(Exort. ap. Evangelii gaudium, 88). Os agentes de evangelização devem ser
capazes de aquecer o coração das pessoas, de caminhar na noite com elas, de dialogar com as suas
ilusões e desilusões, de recompor as suas desintegrações.
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Sem diminuir o valor do ideal evangélico, é preciso acompanhar, com misericórdia e paciência, as
etapas possíveis de crescimento das pessoas, que se vão construindo dia após dia. Por isso, na
partilha fraterna e solidária da Conferência Episcopal, voltai repetidamente sobre este desafio duma
sólida formação de sacerdotes, religiosos e fiéis leigos. Grandes esperanças depositais nos vossos
Seminários, Noviciados e, ultimamente, no Instituto Superior de Filosofia e Teologia «Dom Jaime
Garcia Goulart»; mas não deixeis de provocar e fazer crescer a corrente de solidariedade também
entre outras Igrejas locais, nomeadamente com o envio de seminaristas maiores para fazerem seus
estudos em universidades eclesiásticas ou – talvez com maior proveito – sacerdotes para as
especializações mais necessárias aos diversos serviços da comunidade eclesial de Timor Leste.
Fazem falta formadores e professores qualificados de teologia nomeadamente para consolidarem os
resultados alcançados no campo da evangelização enriquecendo a Igreja com o seu “rosto
timorense”.
Naturalmente não se pretende uma evangelização realizada apenas por agentes qualificados,
enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas acções. Pelo contrário, temos de fazer
de cada cristão um protagonista. «Se uma pessoa experimentou verdadeiramente o amor de Deus
que a salva, não precisa de muito tempo de preparação para sair a anunciá-lo, não pode esperar que
lhe dêem muitas lições ou longas instruções. Cada cristão é missionário na medida em que se
encontrou com o amor de Deus em Cristo Jesus» (Ibid., 120). E, se alguém acolheu este amor que
lhe devolve o sentido da vida, não poderá conter o desejo de o comunicar aos outros. Aqui está a
fonte da acção evangelizadora. O coração crente sabe que, sem Jesus, a vida não é a mesma coisa.
Pois bem! Aquilo que descobriu, o que o ajuda a viver e lhe dá esperança, isso deve comunicar aos
outros.
Como sabemos, amados irmãos, em todos os baptizados – desde o primeiro ao último – actua o
Espírito que impele a evangelizar. Esta «presença do Espírito confere aos cristãos uma certa
conaturalidade com as realidades divinas e uma sabedoria que lhes permite captá-las intuitivamente,
embora não possuam os meios adequados para expressá-las com precisão» (Ibid., 119). Nestas
limitações da linguagem, vemos aflorar a necessidade de evangelizar as culturas para inculturar o
Evangelho, porque «uma fé que não se torna cultura – como escrevia João Paulo II – é uma fé não
plenamente acolhida, não inteiramente pensada e não fielmente vivida» (Carta de fundação do
Conselho Pontifício da Cultura, 20 de Maio de 1982, 2). Se, nos vários contextos culturais de
Timor Leste, a fé e a evangelização não forem capazes de dizer Deus, anunciar a vitória de Cristo
sobre o drama da condição humana, abrir espaços para o Espírito renovador, é porque não estão
suficientemente vivas nos fiéis cristãos, que necessitam de um caminho de formação e
amadurecimento. Isto «implica tomar muito a sério em cada pessoa o projecto que Deus tem para
ela. Cada ser humano precisa sempre mais de Cristo, e a evangelização não deveria deixar que
alguém se contente com pouco, mas possa dizer com plena verdade: “Já não sou eu que vivo, mas é
Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20)» (Exort. ap. Evangelii gaudium,160).
E, se vive no crente, Cristo abrirá as páginas com o desígnio de Deus ainda seladas para as culturas
locais, fazendo despontar outras formas de expressão, sinais mais eloquentes, palavras cheias de
renovado significado. No livro do Apocalipse (cf. 5, 1-10), há uma página elucidativa: fala-se de
um livro fechado com sete selos, que só Cristo é capaz de abrir; Ele é o Cordeiro imolado, que, com
o seu sangue, resgatou para Deus, homens de todas as tribos, línguas, povos e nações. Timor Leste,
o Céu resgatou-te, para que te abras ao Céu. Tudo isto representa uma série de desafios para
permitir uma compreensão mais fácil da Palavra de Deus e melhor recepção dos Sacramentos. Mas
um desafio não é uma ameaça. A consciência missionária supõe hoje possuir o valor humilde do
diálogo e a convicção firme de apresentar uma proposta de plenitude humana no vosso contexto
cultural.
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Amados irmãos no episcopado, quis limitar-me a três pontos, objecto das vossas preocupações: o
primeiro, a vossa contribuição como consciência crítica da nação; o segundo, movida por entranhas
de misericórdia, a Igreja inteira sai em missão; e, enfim, exprimir a Boa Nova da salvação nas
línguas locais. Parece-me poder reconduzir tudo a esta imagem que vos é familiar e amada: o povo
fiel em peregrinação aos santuários marianos, sob a guia do Bispo (digo «guiar», que não é
sinónimo de comandar, dominar). E o lugar do Bispo pode ser triplo: à frente, para indicar o
caminho ao seu povo; no meio, para o manter unido e neutralizar debandadas; ou atrás, para evitar
que alguém se atrase ou desgarre, mas, fundamentalmente, porque o próprio rebanho é dotado de
olfacto para encontrar novos caminhos: o sentido da fé. Em todo o caso, sede homens capazes de
sustentar, com amor e paciência, os passos de Deus em seu povo e valorizai tudo aquilo que o
mantém unido, acautelando de eventuais perigos, mas sobretudo fazendo crescer a esperança: haja
sol e luz nos corações! Ao mesmo tempo que vos agradeço todos os esforços realizados ao serviço
do Evangelho, peço ao povo timorense que reze por mim; eu confio-o à protecção da Imaculada
Conceição – invocada carinhosamente sob o título de «Virgem de Aitara» – por cuja intercessão
imploro para vós, para os sacerdotes, os religiosos e religiosas, para os seminaristas, noviços e
noviças, para os catequistas, os animadores dos movimentos eclesiais e a briosa juventude,
para as famílias com as suas crianças e os seus idosos e todos os restantes membros do povo de
Deus, a abundância das graças do Céu, em penhor das quais lhes concedo a Bênção
Apostólica.
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PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 19 de Março de 2014
Vídeo
Prezados irmãos e irmãs, bom dia!
Hoje, 19 de Março, celebramos a festa solene de são José, Esposo de Maria e Padroeiro da Igreja
universal. Por conseguinte, dedicamos esta catequese a ele, que merece todo o nosso
reconhecimento e a nossa devoção, pelo modo como ele soube proteger a Virgem Santa e o Filho
Jesus. O ser guardião é a característica de são José: é a sua grande missão, ser guardião, como eu
recordava precisamente há um ano.
Hoje, gostaria de retomar o tema da protecção, a partir de uma perspectiva particular: a perspectiva
da educação. Olhemos para José como o modelo do educador, que protege e acompanha Jesus no
seu caminho de crescimento, «em sabedoria, idade e graça», como reza o Evangelho de Lucas (2,
52). Ele era o pai de Jesus: o pai de Jesus era Deus, mas ele desempenhava o papel de pai de Jesus,
era pai de Jesus para o fazer crescer. E como o fez crescer? Em sabedoria, idade e graça. E podemos
procurar utilizar precisamente estas três palavras — sabedoria, idade e graça — como uma base
para a nossa reflexão.
Comecemos pela idade, que constitui a dimensão mais natural, o crescimento físico e psicológico.
Juntamente com Maria, José cuidava de Jesus antes de tudo a partir deste ponto de vista, ou seja,
«criou-o», preocupando-se a fim de que não lhe faltasse o necessário para um desenvolvimento
sadio. Não esqueçamos que a tutela cheia de esmero da vida do Menino comportou também a fuga
para o Egipto, a dura experiência de viver como refugiados — José foi um refugiado, juntamente
com Maria e Jesus — para fugir da ameaça de Herodes. Depois, quando voltaram para a pátria,
estabelecendo-se em Nazaré, há outro período da vida escondida de Jesus na sua família, no seio da
Sagrada Família. Naqueles anos, José ensinou a Jesus também o seu trabalho, e Jesus aprendeu a
profissão de carpinteiro, juntamente com o seu pai José. Foi assim que José educou Jesus, a tal
ponto que, quando era adulto, lhe chamavam «o filho do carpinteiro» (Mt 13, 55).
Passemos à segunda dimensão da educação de Jesus, a da «sabedoria». Diz a Escritura que o
princípio da sabedoria é o temor do Senhor (cf. Pr 1, 7; Eclo 1, 14). Temor não tanto no sentido de
medo, mas de respeito sagrado, de adoração e de obediência à sua vontade, que procura sempre o
nosso bem. José foi para Jesus exemplo e mestre desta sabedoria, que se alimenta da Palavra de
Deus. Podemos pensar no modo como José educou o pequeno Jesus a ouvir as Sagradas Escrituras,
principalmente acompanhando-o aos sábados à sinagoga de Nazaré. E José acompanhava-o para
que Jesus ouvisse a Palavra de Deus na sinagoga. E a prova da escuta profunda de Jesus em relação
a Deus, José e Maria tiveram-na — de uma maneira que os surpreendeu — quando ele, com doze
anos, permaneceu no templo de Jerusalém sem que eles o soubessem; e encontraram-no depois de
três dias, enquanto dialogava com os doutores da lei, os quais ficaram admirados com a sua
sabedoria. Eis: Jesus está repleto de sabedoria, porque é o Filho de Deus, mas o Pai celeste valeu-se
da colaboração de são José, a fim de que o seu Filho pudesse crescer «cheio de sabedoria» (Lc 2,
40).
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E por fim, a dimensão da «graça». Diz ainda são Lucas, referindo-se a Jesus: «A graça de Deus
estava sobre Ele» (2, 40). Aqui, certamente a parte reservada a são José é mais limitada do que aos
âmbitos da idade e da sabedoria. Todavia, seria um erro grave pensar que um pai e uma mãe nada
podem fazer para educar os filhos a crescer na graça de Deus. Crescer em idade, crescer em
sabedoria, crescer em graça: este é o trabalho que José levou a cabo em relação a Jesus: fazê-lo
crescer nestas três dimensões, ajudá-lo a crescer. José fê-lo de um modo verdadeiramente único,
insuperável. Com efeito, ele tinha desposado a mulher «cheia de graça» (Lc 1, 28), e sabia bem que
Jesus tinha sido concebido por obra do Espírito Santo. Portanto, neste campo da graça, a sua obra
educativa consistia em secundar a obra do Espírito no coração e na vida de Jesus, em sintonia com
Nossa Senhora. Este âmbito educativo é o mais específico da fé, da oração, da adoração e da
aceitação da vontade de Deus e do seu desígnio. Também e sobretudo nesta dimensão da graça, José
educou Jesus primariamente com o exemplo: o exemplo de um «homem justo» (Mt 1, 19), que se
deixa sempre guiar pela fé, e sabe que a salvação não deriva da observância da lei, mas da graça de
Deus, do seu amor e da sua fidelidade.
Queridos irmãos e irmãs, a missão de são José é sem dúvida única e irrepetível, porque Jesus
é absolutamente único. E todavia, protegendo Jesus, educando-o a crescer em idade,
sabedoria e graça, ele constitui um modelo para cada educador, em especial para cada pai.
São José é o modelo do educador e do pai. Portanto, confio à sua salvaguarda todos os pais, os
sacerdotes — que são pais — e aqueles que desempenham uma tarefa educativa na Igreja e na
sociedade. De modo especial, gostaria de saudar hoje, dia dos pais, todos os pais: saúdo-vos de
coração! Vejamos: há pais na praça? Pais, erguei a mão! Mas quantos pais! Parabéns,
parabéns a vós neste vosso dia! Peço para vós a graça de permanecer sempre muito próximos
dos vossos filhos, deixando-os crescer, mas próximos, próximos! Eles têm necessidade de vós,
da vossa presença, da vossa proximidade e do vosso amor. Sede para eles como são José:
guardiões do seu crescimento em idade, sabedoria e graça. Guardiões do seu caminho,
educadores; e caminhai com eles. E com esta proximidade, sereis verdadeiros educadores.
Obrigado por tudo aquilo que vós fazeis pelos vossos filhos: obrigado! Muitas felicitações a
vós, e boa festa dos pais a todos os pais que estão aqui presentes, a todos os pais. Que são José
vos abençoe e vos acompanhe. E alguns de nós perderam o pai, que já partiu porque o Senhor
o chamou; muitas pessoas que estão na praça não têm pai. Podemos rezar por todos os pais do
mundo, pelos pais vivos e também por aqueles defuntos, e pelos nossos pais; e podemos fazê-lo
juntos, cada qual recordando o seu próprio pai, quer esteja vivo quer já tenha falecido. E
oremos ao grande Pai de todos nós, o Pai. Um «Pai-Nosso» pelos nossos pais: Pai nosso...
E muitos parabéns aos pais!
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA GUINÉ POR OCASIÃO DA VISITA
«AD LIMINA APOSTOLORUM»
Segunda-feira, 24 de Março de 2014
Amados irmãos no episcopado!
Sede bem-vindos por ocasião da vossa peregrinação a Roma para a visita ad limina! Viestes junto
dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo, que aqui prestaram testemunho de Cristo morto e
ressuscitado até à doação da vida. Eles são, ainda hoje, os modelos de todos os pastores aos quais o
Senhor confia o seu povo. Eles podem servir de apoio para vos esclarecer e amparar no
cumprimento do vosso cargo.
Agradeço a Dom Emmanuel Félémou, Presidente da vossa Conferência episcopal, as palavras que
me dirigiu em vosso nome. Gostaria de expressar o meu profundo afecto a cada um de vós, e
através de vós, aos vossos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e a todos os fiéis leigos das
vossas dioceses. Permiti-me mencionar aqui também o Cardeal Robert Sarah, o qual, depois de ter
servido generosamente a Igreja no vosso país, é um dos meus apreciados colaboradores.
Também faço questão de vos manifestar o meu reconhecimento pelo bom trabalho de evangelização
realizado na Guiné. Os discípulos de Cristo formam um corpo muito vivo, o qual manifesta a
alegria do Evangelho mediante o entusiasmo da sua fé, mesmo se as condições nas quais a Boa
Nova é anunciada são com frequência difíceis. À primeira vista os meios de evangelização
poderiam parecer irrisórios. Longe de vos desencorajar nunca esqueçais que ela é a obra do próprio
Jesus, além de quanto nós podemos descobrir e compreender (cf. Evangelii gaudium, 12). Por outro
lado, vós não estais sozinhos porque todo o povo é missionário juntamente convosco (cf. ibid., n.
119). Por conseguinte, deveis ter muita confiança e fazer-vos resolutamente ao largo.
Contudo, para que o Evangelho comova e converta os corações em profundidade, devemos
recordar-nos que só permanecendo unidos no amor podemos prestar testemunho da verdade do
Evangelho: «Que todos sejam um só, para que o mundo creia» (Jo 17, 21) diz-nos Jesus. A Igreja
precisa da comunhão entre vós e com o Sucessor de Pedro. As discórdias entre cristãos são o maior
obstáculo à evangelização. Favorecem a criação de grupos que se aproveitam da pobreza e da
credulidade das pessoas para lhes propor soluções fáceis, mas ilusórias, para os seus problemas.
Num mundo ferido por tantos conflitos étnicos, políticos e religiosos, as nossas comunidades devem
ser «autenticamente fraternas e reconciliadas, isto é, uma luz que atrai sempre» (ibid., n. 101).
Para que o anúncio do Evangelho dê frutos, toda a nossa existência deve ser coerente com o
Evangelho que anunciamos. Sinto-me feliz por verificar que isto já se tornou uma realidade viva,
sob muitos pontos de vista, nas vossas dioceses. Penso antes de tudo nos fiéis leigos comprometidos
na pastoral, e em particular nos catequistas que realizam um trabalho insubstituível de
evangelização e de animação das comunidades cristãs. Agradeço-lhes de coração. Abristes centros
de formação que se destinam a eles, e não posso deixar de vos convidar a perseverar nos esforços
empreendidos a fim de garantir a qualidade desta formação. Comprometei-vos também em apoiar as
famílias cujo modelo cristão deve ser proposto e vivido sem ambiguidade, quando a poligamia
ainda está difundida e os matrimónios mistos são cada vez mais frequentes.
135
Tendes também a tarefa primordial de convidar os fiéis a rezar e a viver numa autêntica
proximidade a Deus, pois é a qualidade do amor de Deus que impulsiona qualquer dinamismo
missionário (cf. Evangelii gaudium, 264). Mediante a celebração digna da Eucaristia, os fiéis
podem entrar no Mistério do Senhor que doa a sua vida por eles, e nele encontrar a alegria e a
esperança, o alívio na provação, a força para prosseguir o caminho.
Sugiro-vos também que convideis os leigos, sobretudo os mais jovens, a testemunhar a sua fé
comprometendo-se antes de tudo na sociedade, mostrando deste modo o interesse que têm pelo seu
país. Em colaboração com as diversas realidades da vida social, que eles sejam sempre e em toda a
parte artífices de paz e de reconciliação para lutar contra a pobreza extrema com a qual a Guiné se
confronta. Nesta perspectiva, apesar das dificuldades encontradas, encorajo-vos a aprofundar as
relações com os vossos compatriotas muçulmanos, aprendendo reciprocamente a aceitar as
diferentes maneiras de ser, de pensar e de se expressar.
O meu pensamento dirige-se também aos religiosos e religiosas que, na diversidade dos seus
carismas, dão a sua contribuição ao povo guineense com a insubstituível oração de adoração,
de louvor e intercessão. Vivendo com frequência numa situação de grande pobreza, em
colaboração com os leigos, eles manifestam a caridade de Cristo mediante as suas obras de
assistência à população, quer no campo da saúde quer da educação e da instrução. Garantolhes o meu apoio e a minha prece. Eles realizam uma verdadeira evangelização com as obras,
e prestam um testemunho autêntico da ternura de Deus por todos os homens, em particular
pelos mais pobres e débeis, testemunho que toca os corações e radica solidamente a fé dos
fiéis. Não obstante a escassez dos meios e a imensidão da tarefa convido-vos a apoiá-los
sempre, quer espiritual quer materialmente, a fim de que perseverem nas suas obras de
evangelização e de promoção social.
O apostolado dos sacerdotes, generosamente entregues às tarefas do ministério, é muitas vezes
difícil, em particular devido ao seu número muito exíguo. Asseguro-lhes a minha proximidade
e o meu encorajamento. Sede para eles pais e amigos que amparam e guiam com coração e
espírito fraterno. Também os sacerdotes devem viver em coerência com quanto pregam, pois
é a própria credibilidade do testemunho da Igreja que está em jogo. É indispensável fazer o
possível para suscitar vocações sacerdotais abundantes e sólidas. Congratulo-me convosco
pela recente abertura do Seminário Maior «Bento XVI», acontecimento que dá esperança no
futuro. Por conseguinte, aproveitai desta página que se abre na história do clero guineense a
fim de suscitar um novo impulso à vida sacerdotal. A formação no Seminário deve oferecer
aos jovens um caminho sério de crescimento intelectual e espiritual. Que a santidade
sacerdotal lhes seja proposta de modo autêntico, começando pelo exemplo de sacerdotes que
vivem a sua vocação na alegria; os futuros sacerdotes aprenderão a viver em verdade as
exigências do celibato eclesiástico, assim como a justa relação com os bens materiais, a
rejeição da vida mundana e do carreirismo — pois o sacerdócio não é um meio de promoção
social — assim como o compromisso real ao lado dos mais pobres.
Amados irmãos no episcopado, confio todos vós, assim como os sacerdotes, as pessoas
consagradas, os catequistas e os fiéis leigos das vossas dioceses, à protecção da Virgem Maria, Mãe
da Igreja, e concedo-vos de coração a Bênção apostólica.
136
PAPA FRANCISCO
AUDIÊNCIA GERAL
Praça de São Pedro
Quarta-feira, 26 de Março de 2014
Vídeo
Estimados irmãos e irmãs
Já tivemos a ocasião de recordar que os três Sacramentos do Baptismo, da Confirmação e da
Eucaristia, juntos, constituem o mistério da «iniciação cristã», um único e grande acontecimento de
graça que nos regenera em Cristo. Esta é a vocação fundamental que irmana todos na Igreja, como
discípulos do Senhor Jesus. Além disso, há dois Sacramentos que correspondem a duas vocações
específicas: eles são o da Ordem e do Matrimónio. Eles constituem dois caminhos grandiosos
através dos quais o cristão pode fazer da própria vida um dom de amor, a exemplo e no nome de
Cristo, cooperando assim para a edificação da Igreja.
Cadenciada nos três graus de episcopado, presbiterado e diaconado, a Ordem é o Sacramento que
habilita para o exercício do ministério, confiado pelo Senhor Jesus aos Apóstolos, de apascentar a
sua grei, no poder do Espírito e segundo o seu coração. Apascentar o rebanho de Jesus não com o
poder da força humana, nem com o próprio poder, mas com o poder do Espírito, e segundo o seu
coração, o coração de Jesus, que é um coração de amor. O sacerdote, o bispo e o diácono devem
apascentar a grei do Senhor com amor. Se não o fizerem com amor é inútil. E neste sentido, os
ministros que são escolhidos e consagrados para este serviço prolongam no tempo a presença de
Jesus, se o fizerem com o poder do Espírito Santo, em nome de Deus e com amor.
Um primeiro aspecto. Quem é ordenado é posto como chefe da comunidade. No entanto, é «chefe»,
mas para Jesus significa pôr a própria autoridade ao serviço, como Ele mesmo demonstrou e
ensinou aos seus discípulos com estas palavras: «Vós sabeis que os chefes das nações as subjugam,
e que os grandes as governam com autoridade. Não seja assim entre vós. Todo aquele que quiser
tornar-se grande entre vós, seja vosso servo. E quem quiser tornar-se o primeiro entre vós, seja
vosso escravo. Assim como o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar a
sua vida em resgate por muitos» (Mt 20, 25-28; Mc 10, 42-45). O bispo que não está ao serviço da
comunidade não pratica o bem; o sacerdote, o presbítero que não está ao serviço da sua comunidade
não faz bem, erra.
Outra característica que deriva sempre desta união sacramental com Cristo é o amor apaixonado
pela Igreja. Pensemos naquele trecho da Carta aos Efésios, onde são Paulo diz que Cristo «amou a
Igreja e se entregou por ela, para a santificar, purificando-a pela água do baptismo com a palavra, e
para a apresentar a si mesmo toda gloriosa, sem mácula, sem ruga, sem qualquer outro defeito
semelhante» (5, 25-27). Em virtude da Ordem, o ministro dedica-se inteiramente à própria
comunidade, amando-a com todo o seu coração: é a sua família. O bispo e o sacerdote amam a
Igreja na sua comunidade, amam-na fortemente. Como? Como o próprio Cristo ama a Igreja. São
Paulo dirá a mesma coisa acerca do matrimónio: o esposo ama a sua esposa como Cristo ama a
Igreja. Trata-se de um grande mistério de amor: do ministério sacerdotal e do matrimónio, dois
Sacramentos que constituem a vereda pela qual, habitualmente, as pessoas se encaminham rumo ao
Senhor.
137
Um último aspecto. O apóstolo Paulo recomenda ao discípulo Timóteo que não descuide, aliás, que
reavive sempre o seu dom. A dádiva que lhe foi confiada mediante a imposição das mãos (cf. 1 Tm
4, 14; 2 Tm 1, 6). Quando não se alimenta o ministério, o ministério do bispo, o ministério do
sacerdote com a oração, com a escuta da Palavra de Deus e com a celebração quotidiana da
Eucaristia, mas também com uma frequentação do Sacramento da Penitência, acaba-se
inevitavelmente por perder de vista o sentido autêntico do próprio serviço e a alegria que deriva de
uma profunda comunhão com Jesus.
O bispo que não reza, o prelado que não escuta a Palavra de Deus, que não celebra todos os dias,
que não se confessa regularmente e, do mesmo modo, o sacerdote que não age assim, a longo prazo
perdem a união com Jesus, adquirindo uma mediocridade que não é positiva para a Igreja. Por isso,
devemos ajudar os bispos e os sacerdotes a rezar, a ouvir a Palavra de Deus, que é pão quotidiano, a
celebrar todos os dias a Eucaristia e a confessar-se de maneira habitual. Isto é muito importante
porque diz respeito precisamente à santificação dos bispos e dos presbíteros.
Gostaria de concluir com um pensamento que me vem à mente: mas como se deve fazer para
ser sacerdote, onde se vende o acesso ao sacerdócio? Não, não se vende! Trata-se de uma
iniciativa que o Senhor toma. É o Senhor que chama. E chama cada um daqueles que Ele
deseja como presbíteros. Talvez aqui haja alguns jovens que sentiram no seu coração este
apelo, o desejo de se tornar sacerdotes, a vontade de servir os outros em tudo aquilo que vem
de Deus, o desejo de estar durante a vida inteira ao serviço para catequizar, baptizar,
perdoar, celebrar a Eucaristia, curar os enfermos... e assim durante a vida inteira! Se algum
de vós sentiu isto no seu coração, foi Jesus que o pôs ali. Esmerai-vos por este convite e rezai a
fim de que ele prospere e dê frutos na Igreja inteira.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DE MADAGASCAR
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Sexta-feira, 28 de Março de 2014
Queridos irmãos no Episcopado
É para mim uma grande alegria encontrar-vos por ocasião da vossa visita ad limina. Agradeço a D.
Désiré Tsarahazana, Presidente da vossa Conferência episcopal, as palavras cordiais que me dirigiu
em vosso nome. Através dele transmito as minhas saudações cordiais aos sacerdotes, às pessoas
consagradas, aos catequistas e a todos os fiéis leigos das vossas dioceses. Espero que a vossa
peregrinação aos túmulos dos Apóstolos seja para vós e para as vossas Igrejas locais a ocasião para
uma renovação espiritual e missionária, e também um sinal da vossa comunhão com o Sucessor de
Pedro e a Igreja universal.
Em primeiro lugar, desejo dar graças convosco pela vitalidade da Igreja em Madagáscar e
agradecer-vos o vosso corajoso e perseverante trabalho de evangelização. Saber que nesta obra, que
realizais em condições difíceis, Deus age sempre, «permite-nos manter a alegria no meio duma
tarefa tão exigente» (Evangelii gaudium, 12). Esta alegria tem a sua origem no encontro pessoal
com Cristo e no acolhimento da sua mensagem de misericórdia. É uma exigência primária para os
evangelizadores, cuja missão consiste em favorecer este encontro do Senhor com os homens e as
mulheres rumo aos quais são enviados.
Queridos irmãos, o vosso país desde há muitos anos atravessa um período difícil e vive sérias
dificuldades socioeconómicas. Vós exortastes toda a sociedade a levantar-se para construir um
futuro novo. Não posso deixar de vos encorajar a ocupar todo o vosso espaço neste trabalho de
reconstrução, no respeito dos direitos e deveres de cada indivíduo. É importante que mantenhais
relações construtivas com as Autoridades do vosso país. Cabe a vós buscar a unidade, a justiça e a
paz para servir melhor o vosso povo, recusando qualquer implicação em querelas políticas em
detrimento do bem comum. Que a vossa palavra e as vossas acções possam manifestar sempre a
vossa comunhão profunda!
Nesta perspectiva, desejo saudar o compromisso insubstituível das vossas dioceses nas obras
sociais. De facto, há uma ligação íntima entre evangelização e promoção humana, que se deve
exprimir e desenvolver em toda a acção evangelizadora (cf. Evangelii gaudium, 178). Portanto,
encorajo-vos a perseverar na atenção que dedicais aos pobres, apoiando, material e espiritualmente,
todos os que se ocupam deles, em particular as Congregações religiosas que agradeço de todo
coração a sua abnegação e o testemunho autêntico que dão do amor de Cristo por todos os homens.
Convido-vos também a interpelar sem receio toda a sociedade malgaxe, especialmente os seus
responsáveis, sobre a questão da pobreza, que se deve em grande medida à corrupção e à falta de
atenção ao bem comum.
Também a educação é para vós um âmbito que exige esforços consideráveis; conheço na sua
totalidade o bem que a escola católica faz aos jovens e às suas famílias, através da sua acção
evangelizadora.
A contribuição intelectual, cultural e moral que toda a sociedade malgaxe recebe é importante. Por
conseguinte, é necessário fazer com que o maior número possível de crianças, inclusive as das
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famílias mais pobres, possa ser escolarizada, dado que, devido às dificuldades económicas, muitos
pais não têm esta possibilidade. Do mesmo modo, convido-vos a trabalhar a fim de que nos
institutos públicos possa ser garantida uma presença cristã. Espero que os cristãos comprometidos
no mundo da educação possam contribuir para formar nos valores evangélicos e humanos as jovens
gerações que serão também os líderes da sociedade futura!
Na vossa mensagem de encerramento do Ano da Fé, lamentastes a perda da verdadeira fihavanana,
aquela forma de viver característica da vossa cultura, que favorece a harmonia e a solidariedade
entre os malgaxes. Os valores que o Criador infundiu na vossa cultura devem continuar a ser
transmitidos, iluminando-os a partir de dentro através da mensagem evangélica. Assim a dignidade
da pessoa humana, a cultura da paz, do diálogo e da reconciliação poderão reencontrar o seu lugar
na sociedade em vista de um futuro melhor.
Realizastes, nas vossas dioceses, um programa de formação à vida e ao amor, ambicioso e muito
dinâmico. Encoraja-vos a perseverar neste caminho, mesmo se isso parece ir contra a corrente em
relação à mentalidade actual. A preparação ao matrimónio deve, por quanto possível, ser
aprofundada. Enquanto numerosas ameaças gravam sobre a família, célula vital da sociedade e da
Igreja, ela «precisa de ser protegida e defendida, para poder prestar à sociedade o serviço que dela
se espera, isto é, dar-lhe homens e mulheres capazes de construir um tecido social de paz e
harmonia» (Africae munus, 43). Além disso, as famílias necessitam mais do que nunca ser apoiadas
no seu caminho de fé. Que elas possam encontrar perseverança e força na oração, na escuta da
Sagrada Escritura e nos sacramentos!
Perante os novos desafios no campo inter-religioso, parece-me urgente desenvolver, e até por vezes
empreender, um diálogo lúcido e construtivo, a fim de manter a paz entre as comunidades e
favorecer o bem comum. Mas sobretudo, convido-vos a nunca duvidar do dinamismo do Evangelho
e nem da sua capacidade de converter os corações para Cristo ressuscitado, e de conduzir as pessoas
ao longo do caminho da salvação que esperam no mais profundo de si mesmas.
Portanto, é necessário que a fé, da qual os cristãos dão testemunho, seja vivida no dia-a-dia. A
vida deve ser coerente com a fé para que o testemunho seja credível; convido-vos também a
suscitar nas vossas comunidades, a todos os níveis, um trabalho de aprofundamento da fé
para a viver de forma cada vez mais vigorosa. Este convite é dirigido sobretudo ao clero e às
pessoas consagradas. O sacerdócio e a vida consagrada não são instrumentos de ascensão
social, mas um serviço a Deus e aos homens. Portanto, uma atenção especial deve ser dedicada
ao discernimento das vocações sacerdotais e religiosas, quer nas dioceses quer nos diversos
institutos de vida consagrada. A castidade e a obediência devem ser consideradas com
grandíssima estima, e cabe a vós recordá-lo constantemente; estas virtudes devem ser
apresentadas e vividas sem ambiguidades pelos formadores nos seminários e nos noviciados.
O mesmo vale para a relação com os bens temporais e a prudência na sua gestão. O
contratestemunho neste âmbito é particularmente desastroso devido ao escândalo que
provoca, sobretudo face a uma população que vive na indigência.
Vós tendes também o dever de estar próximos e dar grande atenção à vida e à situação de
cada um dos vossos sacerdotes, cujas condições de vida são por vezes muito difíceis, por causa
da solidão, da falta de meios, da vastidão da tarefa, e que se encontram particularmente
expostos. Garanto-lhes a minha estima e o meu encorajamento na sua missão, a fim de que
sejais pastores segundo o coração de Deus, próximos dos fiéis e desejosos de anunciar-lhes a
Palavra de vida. Queridos Irmãos Bispos, amai os vossos sacerdotes, ajudai-os a viver numa
união íntima com Cristo! A comunhão entre vós e com o vosso presbyterium é fonte de alegria
e de fecundidade no anúncio do Evangelho.
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Que o Senhor continue a derramar sobre vós as suas graças de luz, de coragem e de força! Por
minha vez, exorto-vos a viver sempre na esperança que nos vem da presença do Ressuscitado e
reitero o meu afecto fraterno. Confio cada um de vós, assim como todos os vossos diocesanos, à
protecção e à intercessão materna da Virgem Maria e concedo de todo o coração a Bênção
apostólica.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES NO CAPÍTULO GERAL
DA SOCIEDADE SALESIANA DE SÃO JOÃO BOSCO
Sala Clementina
Segunda-feira, 31 de Março de 2014
Amados irmãos, bem-vindos!
Agradeço ao padre Angelo as suas palavras. Formulo a ele e ao novo Conselho geral os votos de
saber servir guiando, acompanhando e sustentando a Congregação salesiana no seu caminho. O
Espírito Santo vos ajude a enfrentar as expectativas e desafios do nosso tempo, especialmente dos
jovens, e a interpretá-los à luz do Evangelho e do vosso carisma.
Imagino que durante o Capítulo — que teve como tema «Testemunhas da radicalidade
evangélica» — sempre tivestes diante de vós Dom Bosco e os jovens, e Dom Bosco com o seu
lema: «Da mihi animas, cetera tolle». Ele fortalecia este programa com outros dois elementos:
trabalho e temperança. Recordo que no colégio era proibido fazer a sesta!... Temperança! Aos
salesianos e a nós! «O trabalho e a temperança — dizia — farão florescer a Congregação».
Quando se pensa em trabalhar pelo bem das almas, supera-se a tentação da mundanidade
espiritual, não se procuram outras coisas, mas só Deus e o seu Reino. Além disso, temperança é
sentido da medida, contentar-se, ser simples. A pobreza de Dom Bosco e da mãe Margarida
inspire em cada salesiano e em cada uma das vossas comunidades uma vida essencial e austera,
proximidade dos pobres, transparência e responsabilidade na gestão dos bens.
A evangelização dos jovens é a missão que o Espírito Santo vos confiou na Igreja. Ela está
intimamente ligada à sua educação: o caminho de fé insere-se na senda de crescimento e o
Evangelho enriquece até o amadurecimento humano. É preciso preparar os jovens para trabalhar
na sociedade segundo o espírito do Evangelho, como agentes de justiça e paz, e para viver na
Igreja como protagonistas. Por isso, vós recorreis aos necessários aprofundamentos e
actualizações pedagógicos e culturais, para responder à actual emergência educacional. A
experiência de Dom Bosco e o seu «sistema preventivo» vos sustenham sempre no compromisso a
viver com os jovens. A presença no meio deles se distinga pela ternura, que Dom Bosco chamava
carinho, experimentando também novas linguagens, mas consciente de que a linguagem do
coração é fundamental para se aproximar deles e ser seu amigo.
Aqui é fundamental a dimensão vocacional. Às vezes a vocação para a vida consagrada
é confundida com uma opção de voluntariado, e esta visão deturpada não faz bem para
os Institutos. O ano de 2015, dedicado à vida consagrada, será uma ocasião favorável
para apresentar aos jovens a sua beleza. Contudo, é preciso evitar visões parciais, para
não suscitar respostas vocacionais frágeis, fomentadas por motivações insuficientes.
As vocações apostólicas são, ordinariamente, fruto de uma boa pastoral juvenil. O
cuidado pelas vocações exige atenções específicas: antes de tudo a oração, depois
obras próprias, percursos personalizados, coragem da proposta, acompanhamento e
participação das famílias. A geografia vocacional mudou e continua a mudar, e isto
significa novas exigências para a formação, o acompanhamento e o discernimento.
Trabalhando com os jovens, vós encontrais o mundo da exclusão juvenil. E isto é terrível! Hoje, é
tremendo pensar que aqui no Ocidente existem mais de 75 milhões de jovens desempregados!
Pensemos na vasta realidade do desemprego, com tantas consequências negativas! Pensemos nas
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dependências, que infelizmente são múltiplas, mas derivam da raiz comum da falta de amor
genuíno. Ir ao encontro dos jovens marginalizados exige coragem, maturidade e muita oração. E
para esta obra é preciso enviar os melhores, os melhores! Pode haver o risco de se deixar tomar
pelo entusiasmo, enviando para tais confins pessoas de boa vontade, mas inadequadas. Por isso, é
necessário um discernimento atento e um acompanhamento constante. O critério é o seguinte: os
melhores devem partir. «Preciso deste para o fazer superior aqui, ou para estudar teologia...».
Mas se tu tens aquela missão, envia-o para lá! Os melhores!
Graças a Deus, vós não viveis nem trabalhais como indivíduos isolados, mas como comunidade: e
dai graças a Deus por isto! A comunidade sustém todo o apostolado. Às vezes as comunidades
religiosas são imbuídas por tensões, com o risco do individualismo e da dispersão, mas são
necessárias comunicação profunda e relações autênticas. A força humanizadora do Evangelho é
testemunhada pela fraternidade vivida em comunidade, feita de acolhimento, respeito, entreajuda,
compreensão, amabilidade, perdão e alegria. O espírito de família que Dom Bosco vos deixou
ajuda muito neste sentido, favorece a perseverança e cria estímulo para a vida consagrada.
Caros irmãos, o bicentenário do nascimento de Dom Bosco já está às portas. Será um momento
propício para repropor o carisma do vosso Fundador. Maria Auxiliadora nunca deixou faltar a sua
ajuda na vida da Congregação, e decerto não a deixará faltar nem sequer no porvir. A sua
intercessão maternal vos faça alcançar de Deus os frutos almejados e esperados. Abençoo-vos,
rezo por vós e, por favor, também vós rezai por mim. Obrigado!
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DE RUANDA POR OCASIÃO
DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Quinta-feira, 3 de Abril de 2014
Prezados Irmãos Bispos
Bem-vindos a Roma, por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum! Desejo de todo o coração
que, pela intercessão de são Pedro e de são Paulo, e à luz do seu testemunho, possais renovar no
vosso coração a fé e a coragem necessários para a vossa exigente missão pastoral. Agradeço a
Sua Excelência D. Smaradge Mbonyntege, Presidente da vossa Conferência Episcopal, a
mensagem cordial que acabou de me dirigir. Através de vós, exprimo o meu profundo afecto aos
sacerdotes, aos religiosos, às religiosas e aos fiéis leigos das vossas dioceses, assim como a todos
os habitantes do vosso país.
Daqui a poucos dias o Ruanda comemorará o vigésimo aniversário do início do horrível genocídio
que provocou tantos sofrimentos e feridas, que ainda estão longe de terem sido cicatrizadas. Unome de todo o coração ao luto nacional, enquanto vos garanto a minha prece por vós, pelas vossas
comunidades muitas vezes dilaceradas, por todas as vítimas e pelas suas famílias, assim como por
todo o povo ruandês, sem distinção de religião, etnia ou opção política.
Vinte anos depois daqueles acontecimentos trágicos, a reconciliação e cura das feridas
permanecem certamente a prioridade da Igreja no Ruanda. Encorajo-vos a perseverar neste
compromisso, que já assumistes através de numerosas iniciativas. O perdão das ofensas e a
reconciliação autêntica, que poderiam parecer impossíveis para o olhar humano após tantos
sofrimentos, são contudo um dom que é possível receber de Cristo mediante a vida de fé e a
oração, embora o caminho seja longo e exija paciência, respeito recíproco e diálogo. Portanto, a
Igreja desempenha um papel importante na reconstrução de uma sociedade ruandesa
reconciliada; portanto, com todo o dinamismo da vossa fé e da esperança cristã, ide em frente
com determinação, dando incansavelmente testemunho da verdade.
Contudo, devemos recordar que só se estivermos unidos no amor poderemos fazer com que o
Evangelho sensibilize e converta os corações em profundidade: «Para que sejam perfeitos na
unidade e o mundo reconheça que me enviaste e os amaste, como amaste a mim» (Jo 17, 23),
diz-nos Jesus. Assim, é importante que, superando os preconceitos e as divisões étnicas, a Igreja
fale em uníssono, manifeste a sua unidade e confirme a sua comunhão com a Igreja universal e
com o Sucessor de Pedro.
Nesta perspectiva de reconciliação nacional, é também necessário fortalecer as relações de
confiança entre a Igreja e o Estado. A celebração de 6 de Junho próximo, do cinquentenário do
início das relações diplomáticas entre o Ruanda e a Santa Sé, pode ser a ocasião para recordar os
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frutos benéficos que todos podem esperar de tais relações, para o bem do povo ruandês. Um
diálogo construtivo e autêntico com as Autoridades não poderá deixar de favorecer a obra comum
de reconciliação e de reconstrução da sociedade em volta dos valores da dignidade humana, da
justiça e da paz. Sede uma Igreja «que sai», capaz de tomar a iniciativa (cf. Evangelii gaudium,
24), e de estabelecer a confiança.
Não tenhais medo de pôr em evidência a contribuição insubstituível da Igreja para o bem comum.
Sei que o trabalho desempenhado, em particular nos âmbitos da educação e da saúde, é
considerável. A este propósito, quero recordar a obra perseverante dos Institutos religiosos que,
com muitas pessoas de boa vontade, se dedicam a todos àqueles que a guerra feriu, quer na alma
quer no corpo, de modo particular às viúvas e aos órfãos, mas também às pessoas idosas, aos
doentes e às crianças. A vida religiosa, através da adoração e da prece, torna credível o
testemunho que a Igreja dá de Cristo ressuscitado e do seu amor por todos os homens,
especialmente pelos mais pobres.
A educação dos jovens é a chave do futuro num país onde a população se renova rapidamente.
«Esta juventude é um dom e um tesouro de Deus, pelo qual a Igreja inteira se sente agradecida
ao Senhor da vida. É preciso amar esta juventude, estimá-la e respeitá-la» (Africae munus, 60). É
igualmente dever da Igreja formar as crianças e os jovens para os valores evangélicos, que
encontrarão sobretudo na familiaridade com a Palavra de Deus, a qual assim será para eles como
que uma bússola para lhes indicar a rota que devem seguir. Que aprendam a ser membros activos
e generosos da sociedade, porque é sobre eles que se apoia o seu futuro. Por isso, é preciso
fortalecer a pastoral nas universidades e escolas, católicas e públicas, procurando sempre unir a
missão educacional ao anúncio explícito do Evangelho, que nunca devem ser separados (cf.
Evangelii gaudium, 132 e 134).
Na tarefa de evangelização e reconstrução, os leigos desempenham um papel fundamental.
Gostaria de agradecer calorosamente, em primeiro lugar, a todos os catequistas o seu
compromisso generoso e perseverante. Os leigos participam profundamente na vida das
Comunidades Eclesiais de Base, nos movimentos, nas escolas e nas obras caritativas, assim como
nos diversos âmbitos da vida social. Depois, é necessário dirigir uma atenção especial à sua
formação e ao seu sustento, tanto na vida espiritual como na formação humana e intelectual, que
deve ser de alta qualidade. Com efeito, o seu compromisso na sociedade só será credível na
medida em que eles forem competentes e honestos.
É necessário prestar uma atenção muito particular às famílias, que são as células vitais
da sociedade e da Igreja, e que hoje se encontram profundamente ameaçadas pelo
processo de secularização; além disso, no vosso país, numerosas famílias foram
divididas e recompostas. Elas precisam da vossa solicitude, da vossa proximidade e do
vosso encorajamento. Antes de tudo, é no próprio âmbito das famílias que os jovens
podem experimentar os valores autenticamente cristãos de integridade, fidelidade,
honestidade e dom de si, que permitem conhecer a verdadeira felicidade, em
conformidade com o Coração de Deus.
145
Finalmente, faço questão de manifestar a minha gratidão aos sacerdotes que se
dedicam generosamente ao seu ministério. A sua tarefa é mais gravosa, porque ainda
não são muito numerosos. Exorto-vos a aperfeiçoar constantemente a formação
humana, intelectual e espiritual dos seminaristas. Que tenham sempre como
formadores modelos jubilosos de realização presbiteral! Esmerai-vos por permanecer
ao lado dos sacerdotes, para os ouvir com disponibilidade. A sua tarefa é difícil e eles
têm absolutamente necessidade do vosso apoio e do vosso encorajamento pessoal.
Não descuideis a sua formação permanente, enquanto vos exorto a multiplicar as
ocasiões de encontro e de contactos fraternais.
Amados Irmãos, asseguro-vos mais uma vez o meu afecto por vós, pelas vossas comunidades
diocesanas, pelo Ruanda inteiro, enquanto confio todos vós à salvaguarda maternal da Virgem
Maria. A Mãe de Jesus quis manifestar-se no vosso país a crianças, recordando-lhes a eficácia do
jejum e da oração, de modo particular a recitação do Rosário. Desejo intensamente que possais
fazer com que o Santuário de Kibeho irradie ainda mais o amor de Maria por todos os seus filhos,
de maneira especial por aqueles que são mais pobres e mais feridos, e que constitua para a Igreja
no Ruanda, e até mais além, um apelo a dirigir-se com confiança a «Nossa Senhora das Dores», a
fim de que Ela acompanhe cada um no seu caminho e lhe confira o dom da reconciliação e da paz.
É do íntimo do coração que vos concedo a Bênção apostólica.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA TANZÂNIA POR OCASIÃO DA VISITA
«AD LIMINA APOSTOLORUM»
Segunda-feira, 7 de Abril de 2014
Amados Irmãos Bispos
Dou-vos as boas-vindas fraternas por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum, que constitui
uma oportunidade para fortalecer os vínculos de comunhão entre a Igreja na Tanzânia e a Sé de
Pedro. Agradeço ao arcebispo Ngalalekumtwa as palavras cheias de desvelo que ele pronunciou
em vosso nome, assim como no nome dos sacerdotes, dos religiosos, das religiosas e de todos os
fiéis leigos do vosso país. Peço-vos a amabilidade de lhes garantir as minhas preces e a minha
proximidade espiritual.
A Igreja na Tanzânia tem sido abençoada por numerosos dons, pelos quais temos o dever de dar
graças a Deus. Em primeiro lugar, penso na história impressionante da obra missionária de lés a
lés naquela região. Tendo chegado com o desejo de fazer conhecer e amar «o nome que está
acima de todos os outros nomes» (Fl 2, 9), aqueles evangelizadores, cheios de Espírito, lançaram
fundamentos sólidos para a Igreja, que inspiraram as gerações sucessivas nos seus esforços para
proclamar o Evangelho e edificar o Corpo de Cristo. Ainda hoje, a abordagem missionária deve ser
«o paradigma de cada obra da Igreja» (Evangelii gaudium, 15). Construindo no fundamento do
zelo e dos sacrifícios dos primeiros evangelizadores, deveis continuar a manter e alimentar este
imperativo missionário, a fim de que o Evangelho possa imbuir cada vez mais as obras de
apostolado, lançando a sua luz sobre todos os âmbitos da sociedade tanzaniana. Deste modo, será
possível escrever um capítulo novo e dinâmico da grande história missionária e evangélica do
vosso país.
Portanto, a obra de evangelização na Tanzânia não é apenas um importante acontecimento do
passado; não, realiza-se todos os dias, mediante o trabalho pastoral da Igreja nas paróquias, na
liturgia, na recepção dos sacramentos, no apostolado educativo, nas iniciativas no campo da
saúde, na catequese e na vida dos simples cristãos. Ela é levada a cabo cada vez que os fiéis
crentes despertam as mentes e os corações daqueles que, por qualquer motivo que seja, têm
dificuldade de viver a graça do Evangelho. Esta obra realiza-se sobretudo — através de palavras e
da integridade de vida — proclamando Jesus Cristo crucificado e ressuscitado a quantos ainda não
conhecem a alegria que deriva do amor por Ele e do abandono da própria vida nas suas mãos.
Este é o grande desafio que o povo de Deus na Tanzânia deve enfrentar hoje: dar um testemunho
convincente da redenção amorosa da humanidade por parte de Jesus Cristo, experimentada e
celebrada pela comunidade dos fiéis na Igreja.
Aqui, penso de modo particular no testemunho do discipulado missionário (cf.Evangelii gaudium,
119-120), oferecido pelos agentes do apostolado da Igreja no campo da saúde, não sem cuidar de
147
quantos sofrem de Hiv/Aids e de todos aqueles que, diligentemente, procuram educar as pessoas
nos âmbitos da responsabilidade sexual e da castidade. Penso inclusive em todos aqueles que se
dedicam ao desenvolvimento integral dos pobres e, de forma especial, das mulheres e das
crianças em necessidade. Possa o Espírito Santo, que instilou força, sabedoria e santidade nos
missionários pioneiros da Tanzânia, continuar a inspirar toda a Igreja particular no seu testemunho
vital.
Considerando a importância crítica do ministério de ensinar, santificar e governar a grei de Cristo,
é sempre grande a necessidade de presbíteros santos, bem formados e zelosos. Uno-me a vós,
manifestando gratidão e encorajamento pelo ministério dos vossos sacerdotes. Os sacrifícios que
eles fazem, e que muitas vezes só Deus conhece, são fonte de graças abundantes e de santidade.
Como seus pais e irmãos em Cristo, tendes a responsabilidade urgente de garantir que os
presbíteros recebam uma adequada formação humana, espiritual, intelectual e pastoral, não
apenas no seminário, mas durante a sua vida inteira (cf. Pastores dabo vobis, 43-59). Isto
permitir-lhes-á dedicar-se de maneira mais completa ao ministério sacerdotal, em fidelidade
enorme às promessas feitas durante a ordenação. Esta formação deve ser permanente; só através
da conversão quotidiana e do crescimento na caridade pastoral eles poderão amadurecer como
eficazes agentes de renovação espiritual e de unidade cristã nas respectivas paróquias e, a
exemplo de Jesus, congregar pessoas «de todos... os povos e línguas» (Ap 7, 9) para prestar
louvor e glória a Deus Pai. Como homens de profunda sabedoria e autênticos chefes espirituais, os
sacerdotes constituirão um manancial de inspiração para o seu rebanho, levando assim numerosos
jovens a responder com generosidade ao chamado do Senhor a servir o seu povo no sacerdócio.
O papel indispensável dos fiéis leigos na evangelização permanente do vosso país foi salientado de
maneira clarividente por dois acontecimentos eclesiais recentes: o Congresso eucarístico nacional
de 2012 e o Seminário realizado no encerramento do Ano da Fé. Aprecio os vossos esforços de
promover iniciativas semelhantes, que contribuem em grande medida para fortalecer a fé no meio
do povo de Deus na Tanzânia. Um exercício do apostolado dos leigos particularmente saliente é o
dos catequistas e das catequistas do vosso país, que trabalham para transmitir o Evangelho e a
plenitude da vida cristã. No vosso serviço à Igreja particular, envidai todos os esforços para
proporcionar aos catequistas uma compreensão integral do ensinamento da Igreja. Isto ajudá-losá não apenas a enfrentar os desafios da superstição, das seitas agressivas e do secularismo, mas
também — o que é ainda mais importante — a compartilhar a beleza e a riqueza da fé católica
com os outros, de maneira particular com os jovens. Assim, em fidelidade à missão recebida
mediante o baptismo, cada membro da Igreja poderá renovar a Igreja e a sociedade como
fermento a partir de dentro. Como discípulos leigos bem formados, saberão «imbuir de valores
morais a cultura e as obras do homem» (Lumen gentium, 36), o que é enormemente necessário
na nossa época.
Caros Irmãos, a obra de evangelização começa na própria casa. O dom constituído pelas famílias
sadias é sentido com especial vitalidade na África. Além disso, o amor da Igreja pela família e a
sua solicitude pastoral para com ela encontram-se no cerne da nova evangelização. Como bem
sabeis, convoquei para o fim deste ano um Sínodo dedicado à família, cujo cuidado pastoral
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constituiu uma solicitude fulcral da segunda Assembleia Especial para a África do Sínodo dos
Bispos, em 2009. Possa o nosso encontro hodierno ser um incentivo a examinar a vossa resposta
comum ao apelo do Sínodo a um apostolado mais enérgico a favor da família, mediante uma
assistência espiritual e material determinada e generosa (cf. Africae munus, 43). Promovendo a
oração, a fidelidade conjugal, a monogamia, a pureza e o serviço recíproco humilde no seio das
famílias, a Igreja continua a oferecer uma contribuição inestimável para o bem-estar social da
Tanzânia que, juntamente com os seus apostolados nos campos da educação e da saúde, sem
dúvida favorecerá maiores estabilidade e progresso no vosso país. Não existe melhor serviço que a
Igreja possa oferecer, do que o seu testemunho da nossa convicção acerca da santidade do dom
da vida concedido por Deus e do papel essencial desempenhado por famílias espirituais estáveis
na preparação das gerações mais jovens, a fim de que levem uma vida virtuosa e enfrentem os
desafios do futuro com sabedoria, intrepidez e generosidade.
É-me particularmente encorajador saber que a Tanzânia está comprometida em garantir a
liberdade aos seguidores das várias religiões, para que possam pôr em prática a própria fé. A
salvaguarda e promoção permanentes deste direito direito humano fundamental revigora a
sociedade ajudando os crentes, em fidelidade aos ditames da sua consciência e no respeito pela
dignidade e pelos direitos de todos, a fomentar a unidade social, a paz e o bem comum. Estou-vos
grato pelos vossos esforços permanentes em vista de promover o perdão, a paz e o diálogo,
enquanto pastoreais o vosso povo em difíceis situações de intolerância e, por vezes, inclusive de
violência e de perseguição. A vossa liderança orante e unida — que já produz frutos, enquanto
enfrentais conjuntamente estes desafios — continuará a indicar o caminho para quantos estão
confiados aos vossos cuidados pastorais e à sociedade mais ampla. Exorto-vos também a trabalhar
lado a lado com as instituições governamentais e cívicas neste âmbito, de maneira a assegurar
que o Estado de direito prevaleça como instrumento indispensável para garantir relações sociais
justas e pacíficas. Oro a fim de que o vosso exemplo, bem como aquele da Igreja inteira no vosso
país, continue a inspirar todas as pessoas de boa vontade que aspiram pela paz.
Estimados Irmãos Bispos, com estes pensamentos confio todos vós à intercessão de Maria, Mãe da
Igreja, enquanto vos concedo carinhosamente a minha Bênção apostólica, que de bom grado faço
extensiva a todos os amados presbíteros, religiosos, religiosas e fiéis leigos do vosso país.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
À COMUNIDADE DA PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE GREGORIANA
E DOS INSTITUTOS CONSAGRADOS
Sala Paulo VI
Quinta-feira, 10 de Abril de 2014
Senhores Cardeais
Venerados Irmãos no Episcopado
e no Sacerdócio Caríssimos irmãos e irmãs!
Dou boas-vindas a todos vós, professores, estudantes e pessoal não docente da Pontifícia
Universidade Gregoriana, do Pontifício Instituto Bíblico e do Pontifício Instituto Oriental. Saúdo o
Padre Nicolás, o Padre Delegado e todos os demais Superiores, assim como os Cardeais e Bispos
aqui presentes. Obrigado!
As Instituições às quais vós pertenceis — reunidas em Consórcio pelo Papa Pio XI em 1928 —
estão confiadas à Companhia de Jesus e compartilham o mesmo desejo de «militar para Deus sob
o estandarte da Cruz e servir unicamente o Senhor e a Igreja sua Esposa, à disposição do Romano
Pontífice, Vigário de Cristo na terra» (Fórmula, 1). É importante que entre elas se desenvolvam a
colaboração e as sinergias, conservando a memória histórica e, ao mesmo tempo, assumindo o
presente e olhando para o futuro — o Padre-Geral dizia «olhar para longe», rumo ao horizonte —
olhando para o futuro com criatividade e imaginação, procurando ter uma visão global da situação
e dos desafios contemporâneos, bem como um modo comum de os enfrentar, encontrando
caminhos novos sem medo.
O primeiro aspecto que gostaria de salientar, pensando no vosso compromisso, quer como
docentes quer como estudantes e como funcionários das Instituições, é o da valorização do
próprio lugar onde vos encontrais para trabalhar e estudar, ou seja, a cidade e principalmente a
Igreja de Roma. Existe um passado e um presente. Existem as raízes da fé; as memórias dos
Apóstolos e dos Mártires; e existem o «hoje» eclesial, o caminho contemporâneo desta Igreja que
preside à caridade, ao serviço da unidade e da universalidade. Nada disto se pode presumir, mas
deve ser vivido e valorizado com um compromisso que, em parte, é institucional e em parte
pessoal, deixado à iniciativa de cada um.
Mas ao mesmo tempo manifestais aqui a variedade das vossas Igrejas de proveniência e das
vossas culturas. Esta é uma das riquezas inestimáveis das instituições romanas. Ela oferece uma
preciosa oportunidade de crescimento na fé e de abertura da mente e do coração ao horizonte da
catolicidade. No contexto deste horizonte, o diálogo entre «centro» e «periferias» adquire forma
própria, ou seja, a forma evangélica, segundo a lógica de Deus que chega ao centro a partir da
periferia, e depois volta para a periferia.
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O outro aspecto que gostaria de compartilhar convosco consiste na relação entre estudo e vida
espiritual. O vosso compromisso intelectual, tanto no ensino como na pesquisa, no estudo a na
formação mais vasta, será tanto mais fecundo e eficaz, quanto mais for animado pelo amor a
Cristo e à Igreja, quanto mais sólida e harmoniosa for a relação entre estudo e oração. Não se
trata de algo antigo, este é o centro!
Eis um dos desafios da nossa época: transmitir o saber e oferecer uma sua chave de compreensão
vital, não um amontoado de noções desligadas entre si. É necessária uma verdadeira
hermenêutica evangélica para compreender melhor a vida, o mundo, os homens, não de uma
síntese mas de uma atmosfera espiritual de investigação e certeza fundamentada nas verdades da
razão e da fé. A filosofia e a teologia permitem adquirir as convicções que consolidam e fortalecem
o intelecto e iluminam a vontade... mas tudo isto só será fecundo, se for feito com a mente aberta
e de joelhos! O teólogo que se compraz com o seu pensamento completo e concluído é um
medíocre! O bom teólogo e filósofo mantém um pensamento aberto, ou seja incompleto, sempre
aberto ao maius de Deus e da Verdade, sempre em fase de desenvolvimento, segundo aquela lei
que são Vicente de Lerins descreve do seguinte modo: «Annis consolidetur, dilatetur tempore,
sublimetur aetate» (Commonitorium primum, 23: PL 50, 668): consolida-se ao longo dos anos,
dilata-se com o tempo e aprofunda-se com a idade. Assim é o teólogo que tem a mente aberta. E
o teólogo que não reza e não adora a Deus acaba afundando no seu narcisismo repugnante. E
esta é uma doença eclesiástica. O narcisismo dos teólogos e dos pensadores faz muito mal, é
repulsivo.
A finalidade dos estudos em cada Universidade Pontifícia é eclesial. A investigação e o estudo
devem ser integrados com a vida pessoal e comunitária, com o compromisso missionário, com a
caridade fraternal, com a partilha com os pobres, com a atenção à vida interior na relação com o
Senhor. Os vossos Institutos não são máquinas para produzir teólogos e filósofos, mas
comunidades onde amadurecer, e o crescimento acontece no seio da família. Na família
universitária há o carisma de governo, confiado aos superiores, e há a diaconia do pessoal não
docente, que é indispensável para criar o ambiente familiar na vida quotidiana, e também para
criar uma atitude de humanidade e de sabedoria concreta, que fará dos estudantes de hoje
pessoas capazes de construir a humanidade, de transmitir a verdade na dimensão humana, de
estar conscientes de que se falta a bondade e a beleza de pertencer a uma família de trabalho,
acabam por ser intelectuais desprovidos de talento, eticistas sem bondade, pensadores carentes
do esplendor da beleza e simplesmente «disfarçados» de formalismos. O contacto respeitoso e
quotidiano com a laboriosidade e o testemunho dos homens e das mulheres que trabalham nas
vossas Instituições conferir-vos-á aquela dose de realismo tão necessária a fim de que o vosso
saber seja ciência humana e não de laboratório.
Caros irmãos, confio cada um de vós, o vosso estudo e o vosso trabalho à intercessão de Maria,
Sedes Sapientiae, de santo Inácio de Loyola e dos outros vossos santos padroeiros. Abençoo-vos
de coração e rezo por vós. Por favor, peço-vos que também vós oreis por mim. Obrigado!
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Agora, antes de vos conceder a Bênção, convido-vos a rezar a Nossa Senhora, à Mãe, para que
nos ajude e nos proteja. Ave Maria...
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS SEMINARISTAS E SACERDOTES
DO PONTIFÍCIO COLÉGIO LEONINO DE ANAGNI
Sala Clementina
Segunda-feira, 14 de Abril de 2014
Estimados Irmãos Bispos
Sacerdotes e Seminaristas!
Saúdo todos vós que formais a comunidade do Pontifício Colégio Leonino de Anagni. Agradeço ao
Reitor as palavras que me dirigiu em nome de todos. Dirijo uma saudação especial a vós, queridos
seminaristas, que quisestes vir a Roma a pé. Sois corajosos! Esta peregrinação é um símbolo
muito bonito do vosso caminho de formação, e deve ser percorrido com entusiasmo e
perseverança, no amor de Cristo e na comunhão fraterna.
O «Leonino», como Seminário regional, oferece o seu serviço a algumas Dioceses do Lácio. No
sulco da tradição formativa ele é chamado, no presente da Igreja, a propor aos candidatos ao
sacerdócio uma experiência capaz de transformar os seus programas vocacionais em fecunda
realidade apostólica. Como cada Seminário, também o vosso tem a finalidade de preparar os
futuros ministros ordenados, num clima de oração, estudo e fraternidade. Esta é a atmosfera
evangélica, esta é a vida repleta de Espírito Santo e de humanidade, que permite a quantos nela
se imergem, assimilar no dia-a-dia os sentimentos de Jesus Cristo, o seu amor pelo Pai e pela
Igreja, a sua dedicação incondicional ao Povo de Deus. Oração, estudo, fraternidade e também
vida apostólica: eis os quatro pilares da formação, que interagem. A vida espiritual, forte; a vida
intelectual, séria; a vida comunitária e, finalmente, a vida apostólica, mas não em ordem de
importância. As quatro são importantes: se faltar uma, a formação não é boa. E todas interagem
entre si. Quatro pilares, quatro dimensões que devem conotar um Seminário.
Prezados seminaristas, vós não vos preparais para desempenhar uma profissão, para ser
funcionários de uma empresa ou de um organismo burocrático. Dispomos de tantos presbíteros a
meio caminho! É uma lástima, que não tenham conseguido alcançar a plenitude: têm alguns
aspectos de funcionários, uma dimensão burocrática, e isto não beneficia a Igreja. Recomendo-vos
que presteis atenção para não decair nisto! Preparais-vos para ser pastores à imagem de Jesus
Bom Pastor, para ser como Ele e em sua Pessoa no meio do seu rebanho, para apascentar as suas
ovelhas.
Diante desta vocação, podemos responder como Maria ao anjo: «Como isto será possível?» (cf. Lc
1, 34). Tornar-se «bons pastores» à imagem de Jesus é algo demasiado grande, e nós somos tão
pequeninos... É verdade! Estes dias pensei na Missa crismal de Quinta-Feira Santa e tive esta
sensação, que o dom tão grande que nós recebemos fortalece a nossa pequenez: somos os mais
pequeninos de todos os homens. É verdade, trata-se de algo demasiado grande, mas não é obra
153
nossa! É obra do Espírito Santo, com a nossa colaboração. Trata-se de nos oferecermos
humildemente a nós mesmos, como barro para ser plasmado a fim de que o oleiro, que é Deus, o
modele com a água e o fogo, com a Palavra e o Espírito. Trata-se de entrar naquilo que São Paulo
diz: «Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim» (Gl 2, 20). Somente assim podemos
ser diáconos e presbíteros na Igreja, só assim podemos apascentar o povo de Deus e orientá-lo
não pelas nossas sendas, mas pela vereda de Jesus, aliás, pelo Caminho que é Jesus.
É verdade que, no início, nem sempre há uma rectidão total de intenções. Mas eu ousaria dizer: é
difícil que haja! Em todos nós sempre havia pequenos elementos que não tinham em si a rectidão
de intenções, mas isto resolve-se com o tempo, com a conversão diária. Pensemos nos Apóstolos!
Pensai em Tiago e João, que queriam tornar-se um o primeiro-ministro e o outro o ministro da
economia, porque era mais importante. Os Apóstolos ainda não tinham esta rectidão, pensavam
em algo diferente, e com muita paciência o Senhor emendou a sua intenção, a qual se tornou tão
recta que no final eles chegaram a dar a própria vida na pregação e no martírio. Não vos
amedronteis! «Mas eu não tenho certeza se quero ser sacerdote por promoção...». «Mas tu amas
Jesus?» «Sim». «Fala com o teu padre espiritual, fala com os teus formadores, reza, reza e reza, e
assim verás que a rectidão de intenção progredirá».
E este caminho significa meditar todos os dias o Evangelho, para o transmitir com a vida e a
pregação; significa experimentar a misericórdia de Deus no sacramento da reconciliação. E nunca
abandoneis isto! Confessai-vos sempre! E assim sereis ministros generosos e misericordiosos,
porque sentireis a misericórdia de Deus em vós. Significa alimentar-se com a fé e com o amor da
Eucaristia, alimentando com ela o povo cristão; significa ser homens de oração, para se tornar voz
de Cristo que louva o Pai e intercede continuamente pelos irmãos (cf. Hb 7, 25). A oração de
intercessão, recitada por homens grandiosos — Moisés, Abraão — que lutavam com Deus em prol
do povo, é uma oração intrépida diante de Deus. Se vós — e digo isto de todo o coração, sem
ofender! — se vós, se um de vós não estiver disposto a seguir este caminho, com estas atitudes e
estas experiências, é melhor que tenha a coragem de procurar outra vereda! Na Igreja existem
muitos modos de dar testemunho cristão e numerosos caminhos que levam rumo à santidade. Na
sequela ministerial de Jesus não há lugar para a mediocridade, aquela mediocridade que leva
sempre a usar o santo povo de Deus para a nossa própria vantagem. Ai dos maus pastores que se
apascentam a si mesmos, e não o rebanho! — exclamavam os Profetas (cf. Ez 34, 1-6) com
grande força! E Agostinho cita esta frase profética no seu De Pastoribus, cuja leitura a meditação
vos recomendo. Mas ai dos mais pastores porque o Seminário, digamos a verdade, não é um
esconderijo para tantos limites que podemos ter, um refúgio para faltas psicológicas ou para quem
não tem a coragem de ir em frente na vida e procura ali um lugar para se defender. Não, não é
isto! Se o vosso Seminário fosse este, tornar-se-ia uma hipoteca para a Igreja! Não, o Seminário é
precisamente para ir em frente, em frente por este caminho. E quando ouvimos os Profetas dizer
«Ai de vós!», que este «Ai de vós!» vos faça meditar seriamente sobre o vosso futuro. Certa vez,
Pio XI disse que era melhor perder uma vocação do que arriscar com um candidato não seguro.
Ele era alpinista, conhecia estas situações.
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Caríssimos, agradeço-vos esta vossa visita. Estou-vos grato por terdes vindo a pé. E acompanhovos com a minha oração e a minha Bênção, enquanto vos confio à Virgem, que é Mãe. Nunca a
esqueçais! Os místicos russos diziam que no momento das turbulências espirituais é necessário
refugiar-se sob o manto da Santa Mãe de Deus. Nunca saiais dali! Cobertos com o manto. E por
favor, rezai por mim!
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SANTA MISSA CRISMAL
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Quinta-feira, 17 de Abril de 2014
Vídeo
Galeria fotográfica
Ungidos com o óleo da alegria
Amados irmãos no sacerdócio! No Hoje da Quinta-feira Santa, em que Cristo levou o seu amor por
nós até ao extremo (cf. Jo 13, 1), comemoramos o dia feliz da instituição do sacerdócio e o da
nossa ordenação sacerdotal. O Senhor ungiu-nos em Cristo com óleo da alegria, e esta unção
convida-nos a acolher e cuidar deste grande dom: a alegria, o júbilo sacerdotal. A alegria do
sacerdote é um bem precioso tanto para si mesmo como para todo o povo fiel de Deus: do meio
deste povo fiel é chamado o sacerdote para ser ungido e ao mesmo povo é enviado para ungir.
Ungidos com óleo de alegria para ungir com óleo de alegria. A alegria sacerdotal tem a sua fonte
no Amor do Pai, e o Senhor deseja que a alegria deste amor «esteja em nós» e «seja completa»
(Jo 15, 11). Gosto de pensar na alegria contemplando Nossa Senhora: Maria é «Mãe do Evangelho
vivente, manancial de alegria para os pequeninos» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 288), e creio
não exagerar se dissermos que o sacerdote é uma pessoa muito pequena: a grandeza
incomensurável do dom que nos é dado para o ministério relega-nos entre os menores dos
homens. O sacerdote é o mais pobre dos homens, se Jesus não o enriquece com a sua pobreza; é
o servo mais inútil, se Jesus não o trata como amigo; é o mais louco dos homens, se Jesus não o
instrui pacientemente como fez com Pedro; o mais indefeso dos cristãos, se o Bom Pastor não o
fortifica no meio do rebanho. Não há ninguém menor que um sacerdote deixado meramente às
suas forças; por isso, a nossa oração de defesa contra toda a cilada do Maligno é a oração da
nossa Mãe: sou sacerdote, porque Ele olhou com bondade para a minha pequenez (cf. Lc 1, 48).
E, a partir desta pequenez, recebemos a nossa alegria. Alegria na nossa pequenez!
Na nossa alegria sacerdotal, encontro três características significativas: uma alegria que nos unge
(sem nos tornar untuosos, sumptuosos e presunçosos), uma alegria incorruptível e uma alegria
missionária que irradia para todos e todos atrai a começar, inversamente, pelos mais distantes.
Uma alegria que nos unge. Quer dizer: penetrou no íntimo do nosso coração, configurou-o e
fortificou-o sacramentalmente. Os sinais da liturgia da ordenação falam-nos do desejo materno
que a Igreja tem de transmitir e comunicar tudo aquilo que o Senhor nos deu: a imposição das
mãos, a unção com o santo Crisma, o revestir-se com os paramentos sagrados, a participação
imediata na primeira Consagração... A graça enche-nos e derrama-se íntegra, abundante e plena
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em cada sacerdote. Ungidos até aos ossos... e a nossa alegria, que brota de dentro, é o eco desta
unção.
Uma alegria incorruptível. A integridade do Dom – ninguém lhe pode tirar nem acrescentar nada –
é fonte incessante de alegria: uma alegria incorruptível, a propósito da qual prometeu o Senhor
que ninguém no-la poderá tirar (cf. Jo 16, 22). Pode ser adormentada ou sufocada pelo pecado ou
pelas preocupações da vida, mas, no fundo, permanece intacta como o tição aceso dum cepo
queimado sob as cinzas, e sempre se pode renovar. Permanece sempre actual a recomendação de
Paulo a Timóteo: reaviva o fogo do dom de Deus, que está em ti pela imposição das minhas mãos
(cf. 2 Tm 1, 6).
Uma alegria missionária. Sobre esta terceira característica, quero alongar-me mais convosco
sublinhando-a de maneira especial: a alegria do sacerdote está intimamente relacionada com o
povo fiel e santo de Deus, porque se trata de uma alegria eminentemente missionária. A unção
ordena-se para ungir o povo fiel e santo de Deus: para baptizar e confirmar, para curar e
consagrar, para abençoar, para consolar e evangelizar.
E, sendo uma alegria que flui apenas quando o pastor está no meio do seu rebanho (mesmo no
silêncio da oração, o pastor que adora o Pai está no meio das suas ovelhas), é, por isso, uma
«alegria guardada» por este mesmo rebanho. Mesmo nos momentos de tristeza, quando tudo
parece entenebrecer-se e nos seduz a vertigem do isolamento, naqueles momentos apáticos e
chatos que por vezes nos assaltam na vida sacerdotal (e pelos quais também eu passei), mesmo
em tais momentos o povo de Deus é capaz de guardar a alegria, é capaz de proteger-te, abraçarte, ajudar-te a abrir o coração e reencontrar uma alegria renovada.
«Alegria guardada» pelo rebanho e guardada também por três irmãs que a rodeiam, protegem e
defendem: irmã pobreza, irmã fidelidade e irmã obediência.
A alegria do sacerdote é uma alegria que tem como irmã a pobreza. O sacerdote é pobre de
alegrias meramente humanas: renunciou a tantas coisas! E, visto que é pobre – ele que tantas
coisas dá aos outros –, a sua alegria deve pedi-la ao Senhor e ao povo fiel de Deus. Não deve
buscá-la ele mesmo. Sabemos que o nosso povo é generosíssimo a agradecer aos sacerdotes os
mínimos gestos de bênção e, de modo especial, os Sacramentos. Muitos, falando da crise de
identidade sacerdotal, não têm em conta que a identidade pressupõe pertença. Não há identidade
– e, consequentemente, alegria de viver – sem uma activa e empenhada pertença ao povo fiel de
Deus (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 268). O sacerdote que pretende encontrar a identidade
sacerdotal indagando introspectivamente na própria interioridade, talvez não encontre nada mais
senão sinais que dizem «saída»: sai de ti mesmo, sai em busca de Deus na adoração, sai e dá ao
teu povo aquilo que te foi confiado, e o teu povo terá o cuidado de fazer-te sentir e experimentar
quem és, como te chamas, qual é a tua identidade e fazer-te-á rejubilar com aquele cem por um
que o Senhor prometeu aos seus servos. Se não sais de ti mesmo, o óleo torna-se rançoso e a
unção não pode ser fecunda. Sair de si mesmo requer despojar-se de si, comporta pobreza.
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A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a fidelidade. Não tanto no sentido de que
seremos todos «imaculados» (quem dera que o fôssemos, com a graça de Deus!), dado que
somos pecadores, como sobretudo no sentido de uma fidelidade sempre nova à única Esposa, a
Igreja. Aqui está a chave da fecundidade. Os filhos espirituais que o Senhor dá a cada sacerdote,
aqueles que baptizou, as famílias que abençoou e ajudou a caminhar, os doentes que apoia, os
jovens com quem partilha a catequese e a formação, os pobres que socorre… todos eles são esta
«Esposa» que o sacerdote se sente feliz em tratar como sua predilecta e única amada e ser-lhe fiel
sem cessar. É a Igreja viva, com nome e apelido, da qual o sacerdote cuida na sua paróquia ou na
missão que lhe foi confiada, é essa que lhe dá alegria quando lhe é fiel, quando faz tudo o que
deve fazer e deixa tudo o que deve deixar contanto que permaneça no meio das ovelhas que o
Senhor lhe confiou: «Apascenta as minhas ovelhas» (Jo 21, 16.17).
A alegria sacerdotal é uma alegria que tem como irmã a obediência. Obediência à Igreja na
Hierarquia que nos dá, por assim dizer, não só o âmbito mais externo da obediência: a paróquia à
qual sou enviado, as faculdades do ministério, aquele encargo particular... e ainda a união com
Deus Pai, de Quem deriva toda a paternidade. Mas também a obediência à Igreja no serviço:
disponibilidade e prontidão para servir a todos, sempre e da melhor maneira, à imagem de «Nossa
Senhora da prontidão» (cf. Lc 1, 39: meta spoudes), que acorre a servir sua prima e está atenta à
cozinha de Caná, onde falta o vinho. A disponibilidade do sacerdote faz da Igreja a Casa das
portas abertas, refúgio para os pecadores, lar para aqueles que vivem na rua, casa de cura para
os doentes, acampamento para os jovens, sessão de catequese para as crianças da Primeira
Comunhão... Onde o povo de Deus tem um desejo ou uma necessidade, aí está o sacerdote que
sabe escutar (ob-audire) e pressente um mandato amoroso de Cristo que o envia a socorrer com
misericórdia tal necessidade ou a apoiar aqueles bons desejos com caridade criativa.
Aquele que é chamado saiba que existe neste mundo uma alegria genuína e plena: a de ser
tomado pelo povo que uma pessoa alguém ama até ao ponto de ser enviada a ele como
dispensadora dos dons e das consolações de Jesus, o único Bom Pastor, que, cheio de profunda
compaixão por todos os humildes e os excluídos desta terra, cansados e abatidos como ovelhas
sem pastor, quis associar muitos sacerdotes ao seu ministério para, na pessoa deles, permanecer
e agir Ele próprio em benefício do seu povo.
Nesta Quinta-feira santa, peço ao Senhor Jesus que faça descobrir a muitos jovens aquele ardor
do coração que faz acender a alegria logo que alguém tem a feliz audácia de responder com
prontidão à sua chamada.
Nesta Quinta-feira santa, peço ao Senhor Jesus que conserve o brilho jubiloso nos olhos dos
recém-ordenados, que partem para «se dar a comer» pelo mundo, para consumar-se no meio do
povo fiel de Deus, que exultam preparando a primeira homilia, a primeira Missa, o primeiro
Baptismo, a primeira Confissão... é a alegria de poder pela primeira vez, como ungidos, partilhar –
maravilhados – o tesouro do Evangelho e sentir que o povo fiel volta a ungir-te de outra maneira:
com os seus pedidos, inclinando a cabeça para que tu os abençoes, apertando-te as mãos,
apresentando-te aos seus filhos, intercedendo pelos seus doentes... Conserva, Senhor, nos teus
158
sacerdotes jovens, a alegria de começar, de fazer cada coisa como nova, a alegria de consumar a
vida por Ti.
Nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que confirme a alegria sacerdotal daqueles
que têm muitos anos de ministério. Aquela alegria que, sem desaparecer dos olhos, pousa sobre
os ombros de quantos suportam o peso do ministério, aqueles sacerdotes que já tomaram o pulso
ao trabalho, reúnem as suas forças e se rearmam: «tomam fôlego», como dizem os desportistas.
Conserva, Senhor, a profundidade e a sábia maturidade da alegria dos sacerdotes adultos. Saibam
orar como Neemias: a alegria do Senhor é a minha força (cf. Ne 8, 10).
Enfim, nesta Quinta-feira sacerdotal, peço ao Senhor Jesus que brilhe a alegria dos sacerdotes
idosos, sãos ou doentes. É a alegria da Cruz, que dimana da certeza de possuir um tesouro
incorruptível num vaso de barro que se vai desfazendo. Saibam estar bem em qualquer lugar,
sentindo na fugacidade do tempo o sabor do eterno (Guardini). Sintam, Senhor, a alegria de
passar a chama, a alegria de ver crescer os filhos dos filhos e de saudar, sorrindo e com
mansidão, as promessas, naquela esperança que não desilude.
159
VIGÍLIA PASCAL NA NOITE SANTA
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Sábado Santo, 19 de Abril de 2014
Vídeo
Galeria fotográfica
O Evangelho da ressurreição de Jesus Cristo começa referindo o caminho das mulheres para o
sepulcro, ao alvorecer do dia depois do sábado. Querem honrar o corpo do Senhor e vão ao
túmulo, mas encontram-no aberto e vazio. Um anjo majestoso diz-lhes: «Não tenhais medo!» (Mt
28, 5). E ordena-lhes que levem esta notícia aos discípulos: «Ele ressuscitou dos mortos e vai à
vossa frente para a Galileia» (28, 7). As mulheres fogem de lá imediatamente, mas, ao longo da
estrada, sai-lhes ao encontro o próprio Jesus que lhes diz: «Não temais. Ide anunciar aos meus
irmãos que partam para a Galileia. Lá me verão» (28, 10). «Não tenhais medo», «Não temais»:
essa é uma voz que encoraja a abrir o coração para receber este anúncio.
Depois da morte do Mestre, os discípulos tinham-se dispersado; a sua fé quebrantara-se, tudo
parecia ter acabado: desabadas as certezas, apagadas as esperanças. Mas agora, aquele anúncio
das mulheres, embora incrível, chegava como um raio de luz na escuridão. A notícia espalha-se:
Jesus ressuscitou, como predissera... E de igual modo a ordem de partir para a Galileia; duas
vezes a ouviram as mulheres, primeiro do anjo, depois do próprio Jesus: «Partam para a Galileia.
Lá Me verão». «Não temais» e «ide para a Galileia».
A Galileia é o lugar da primeira chamada, onde tudo começara! Trata-se de voltar lá,
voltar ao lugar da primeira chamada. Jesus passara pela margem do lago, enquanto os
pescadores estavam a consertar as redes. Chamara-os e eles, deixando tudo,
seguiram-No» (cf. Mt 4, 18-22).
Voltar à Galileia significa reler tudo a partir da cruz e da vitória; sem medo, «não
temais». Reler tudo – a pregação, os milagres, a nova comunidade, os entusiasmos e
as deserções, até a traição – reler tudo a partir do fim, que é um novo início, a partir
deste supremo acto de amor.
Também para cada um de nós há uma «Galileia», no princípio do caminho com Jesus.
«Partir para a Galileia» significa uma coisa estupenda, significa redescobrirmos o
nosso Baptismo como fonte viva, tirarmos energia nova da raiz da nossa fé e da nossa
experiência cristã. Voltar para a Galileia significa antes de tudo retornar lá, àquele
ponto incandescente onde a Graça de Deus me tocou no início do caminho. É desta
fagulha que posso acender o fogo para o dia de hoje, para cada dia, e levar calor e luz
160
aos meus irmãos e às minhas irmãs. A partir daquela fagulha, acende-se uma alegria
humilde, uma alegria que não ofende o sofrimento e o desespero, uma alegria mansa e
bondosa.
Na vida do cristão, depois do Baptismo, há também outra «Galileia», uma «Galileia»
mais existencial: a experiência do encontro pessoal com Jesus Cristo, que me chamou
para O seguir e participar na sua missão. Neste sentido, voltar à Galileia significa
guardar no coração a memória viva desta chamada, quando Jesus passou pela minha
estrada, olhou-me com misericórdia, pediu-me para O seguir; voltar para Galileia
significa recuperar a lembrança daquele momento em que os olhos d’Ele se cruzaram
com os meus, quando me fez sentir que me amava.
Hoje, nesta noite, cada um de nós pode interrogar-se: Qual é a minha Galileia? Tratase de fazer memória, ir de encontro à lembrança. Onde é a minha Galileia? Lembro-me
dela? Ou esqueci-a? Procura e a encontrarás! Ali o Senhor te espera. Andei por
estradas e sendas que ma fizeram esquecer. Senhor, ajudai-me! Dizei-me qual é a
minha Galileia. Como sabeis, eu quero voltar lá para Vos encontrar e deixar-me
abraçar pela vossa misericórdia. Não tenhais medo, não temais, voltai para a Galileia!
O Evangelho é claro: é preciso voltar lá, para ver Jesus ressuscitado e tornar-se testemunha da
sua ressurreição. Não é voltar atrás, não é nostalgia. É voltar ao primeiro amor, para receber o
fogo que Jesus acendeu no mundo, e levá-lo a todos até aos confins da terra. Voltai para a Galileia
sem medo.
«Galileia dos gentios» (Mt 4, 15; Is 8, 23): horizonte do Ressuscitado, horizonte da Igreja; desejo
intenso de encontro... Ponhamo-nos a caminho!
161
SANTA MISSA E CANONIZAÇÃO DOS BEATOS JOÃO XXIII E JOÃO PAULO II
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Praça de São Pedro
II Domingo de Páscoa (ou da Divina Misericórdia), 27 de Abril de 2014
Vídeo
Galeria fotográfica
No centro deste domingo, que encerra a Oitava de Páscoa e que São João Paulo II quis dedicar à
Misericórdia Divina, encontramos as chagas gloriosas de Jesus ressuscitado.
Já as mostrara quando apareceu pela primeira vez aos Apóstolos, ao anoitecer do dia depois do
sábado, o dia da Ressurreição. Mas, naquela noite – como ouvimos –, Tomé não estava; e quando
os outros lhe disseram que tinham visto o Senhor, respondeu que, se não visse e tocasse aquelas
feridas, não acreditaria. Oito dias depois, Jesus apareceu de novo no meio dos discípulos, no
Cenáculo, encontrando-se presente também Tomé; dirigindo-Se a ele, convidou-o a tocar as suas
chagas. E então aquele homem sincero, aquele homem habituado a verificar tudo pessoalmente,
ajoelhou-se diante de Jesus e disse: «Meu Senhor e meu Deus!» (Jo 20, 28).
Se as chagas de Jesus podem ser de escândalo para a fé, são também a verificação da fé. Por
isso, no corpo de Cristo ressuscitado, as chagas não desaparecem, continuam, porque aquelas
chagas são o sinal permanente do amor de Deus por nós, sendo indispensáveis para crer em
Deus: não para crer que Deus existe, mas sim que Deus é amor, misericórdia, fidelidade. Citando
Isaías, São Pedro escreve aos cristãos: «pelas suas chagas, fostes curados» (1 Ped 2, 24; cf. Is
53, 5).
São João XXIII e São João Paulo II tiveram a coragem de contemplar as feridas de
Jesus, tocar as suas mãos chagadas e o seu lado trespassado. Não tiveram vergonha
da carne de Cristo, não se escandalizaram d’Ele, da sua cruz; não tiveram vergonha da
carne do irmão (cf. Is 58, 7), porque em cada pessoa atribulada viam Jesus. Foram
dois homens corajosos, cheios da parresia do Espírito Santo, e deram testemunho da
bondade de Deus, da sua misericórdia, à Igreja e ao mundo.
Foram sacerdotes, bispos e papas do século XX. Conheceram as suas tragédias, mas
não foram vencidos por elas. Mais forte, neles, era Deus; mais forte era a fé em Jesus
Cristo, Redentor do homem e Senhor da história; mais forte, neles, era a misericórdia
de Deus que se manifesta nestas cinco chagas; mais forte era a proximidade materna
de Maria.
162
Nestes dois homens contemplativos das chagas de Cristo e testemunhas da sua
misericórdia, habitava «uma esperança viva», juntamente com «uma alegria
indescritível e irradiante» (1 Ped 1, 3.8). A esperança e a alegria que Cristo
ressuscitado dá aos seus discípulos, e de que nada e ninguém os pode privar. A
esperança e a alegria pascais, passadas pelo crisol do despojamento, do
aniquilamento, da proximidade aos pecadores levada até ao extremo, até à náusea
pela amargura daquele cálice. Estas são a esperança e a alegria que os dois santos
Papas receberam como dom do Senhor ressuscitado, tendo-as, por sua vez, doado em
abundância ao Povo de Deus, recebendo sua eterna gratidão.
Esta esperança e esta alegria respiravam-se na primeira comunidade dos crentes, em Jerusalém,
de que falam os Actos dos Apóstolos (cf. 2, 42-47), que ouvimos na segunda Leitura. É uma
comunidade onde se viveo essencial do Evangelho, isto é, o amor, a misericórdia, com
simplicidade e fraternidade.
E esta é a imagem de Igreja que o Concílio Vaticano II teve diante de si. João XXIII e João Paulo
II colaboraram com o Espírito Santo para restabelecer e actualizar a Igreja segundo a sua
fisionomia originária, a fisionomia que lhe deram os santos ao longo dos séculos. Não esqueçamos
que são precisamente os santos que levam avante e fazem crescer a Igreja. Na convocação do
Concílio, São João XXIII demonstrou uma delicada docilidade ao Espírito Santo, deixou-se conduzir
e foi para a Igreja um pastor, um guia-guiado, guiado pelo Espírito. Este foi o seu grande serviço à
Igreja; por isso gosto de pensar nele como o Papa da docilidade ao Espírito Santo.
Neste serviço ao Povo de Deus, São João Paulo II foi o Papa da família. Ele mesmo disse uma vez
que assim gostaria de ser lembrado: como o Papa da família. Apraz-me sublinhá-lo no momento
em que estamos a viver um caminho sinodal sobre a família e com as famílias, um caminho que
ele seguramente acompanha e sustenta do Céu.
Que estes dois novos santos Pastores do Povo de Deus intercedam pela Igreja para que, durante
estes doisanos de caminho sinodal, seja dócilao Espírito Santo no serviço pastoral à família. Que
ambos nos ensinem a não nos escandalizarmos das chagas de Cristo, a penetrarmos no mistério
da misericórdia divina que sempre espera, sempre perdoa, porque sempre ama.
163
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DO SRI LANKA POR OCASIÃO
DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Sábado, 3 de Maio de 2014
Queridos Irmãos Bispos!
É para mim uma grande alegria acolher-vos aqui, por ocasião da vossa visita ad Limina
Apostolorum, que serve para renovar a vossa comunhão com o Sucessor de Pedro e oferecer uma
oportunidade para reflectir sobre a vida da Igreja no Sri Lanka. Agradeço ao Cardeal Ranjith as
suas cordiais palavras de saudação que me transmitiu em vosso nome e no de todos os fiéis das
vossas Igrejas locais. Peço-vos para lhes transmitir as minhas saudações e o meu amor, e para
lhes expressar a minha solidariedade e atenção. Recordo com afecto o meu recente encontro na
Basílica de São Pedro com alguns membros da comunidade do Sri Lanka, durante a sua
peregrinação a Roma, para celebrar o septuagésimo quinto aniversário da consagração do vosso
país à Bem-aventurada Mãe. Espero, queridos Irmãos, que estes dias de reflexão e de oração vos
confirmem na fé e no conhecimento dos numerosos dons que vós, os sacerdotes, as mulheres e os
homens consagrados e os fiéis leigos recebestes em Cristo.
Desejo agora compartilhar convosco algumas reflexões sobre este tesouro, que está no centro da
nossa vida na Igreja e da nossa missão para com a sociedade, cuja beleza e riqueza vimos tão
claramente durante o Ano da Fé. A nossa fé e os dons que recebemos não podem ser postos de
lado, mas devem ser compartilhados livremente e encontrar expressão na nossa vida diária. De
facto, a nossa vocação é «ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer anunciar e
levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se sente perdido, necessitado de
ter respostas que encorajem, dêem esperança e novo vigor para o caminho» (Evangelii gaudium,
114). O Sri Lanka precisa de modo particular deste fermento. Depois de muitos anos de luta e
derramamento de sangue, finalmente a guerra no vosso país acabou. De facto, surgiu uma nova
aurora de esperança, pois o povo agora pensa em reconstruir a própria vida e as próprias
comunidades. Em resposta a isso, através da vossa recente Carta pastoral Towards Reconciliation
and Rebuilding of our Nation (Rumo à reconciliação e à reconstrução da nossa nação), procurastes
ir ao encontro de todos os cidadãos do Sri Lanka com uma mensagem profética inspirada no
Evangelho, que quer acompanhá-los nas suas provações. Embora a guerra tenha terminado,
observais justamente que ainda muito deve ser feito para promover a reconciliação, respeitar os
direitos humanos de todas as pessoas e ultrapassar as tensões étnicas que permanecem. Desejo
unir-me a vós para transmitir uma especial palavra de consolação a todos os que perderam os
próprios entes queridos durante a guerra e permanecem na incerteza acerca do próprio destino.
Recordando o apelo de são Paulo para levarmos os fardos pesados uns aos outros (cf. Gl 6, 2),
possam as vossas comunidades, firmes na fé, permanecer próximas de quantos ainda choram e
sofrem por causa dos efeitos duradouros da guerra.
164
Como observastes, os católicos no Sri Lanka desejam contribuir, juntamente com os diversos
membros da sociedade, para a obra de reconciliação e de reconstrução. Uma destas contribuições
é a promoção da unidade. Com efeito, enquanto o país procura unir-se e restabelecer-se, a Igreja
encontra-se numa posição única para oferecer uma imagem viva de unidade na fé, pois tem a
bênção de poder contar entre as suas fileiras quer o povo cingalês quer o tamil. Nas paróquias e
nas escolas, cingaleses e tamis têm a oportunidade de viver, estudar, trabalhar e celebrar o culto
juntos. Através destas mesmas entidades, especialmente as paróquias e as missões, vós conheceis
também intimamente as preocupações e os medos das pessoas, em particular o modo como
podem ser marginalizadas e desconfiar uns dos outros. Os fiéis, cientes das questões que suscitam
tensões entre cingaleses e tamis, podem oferecer um clima de diálogo capaz de construir uma
sociedade mais justa e equitativa.
Outra contribuição importante da Igreja para o novo desenvolvimento consiste no seu trabalho
caritativo, que mostra o rosto misericordioso de Cristo. A Caritas Sri Lanka deve ser elogiada pelo
seu compromisso depois do tsunami de 2004 e pelos seus esforços a favor da reconciliação e da
reconstrução pós-conflito, especialmente nas regiões mais atingidas. A Igreja no Sri Lanka
desempenha também um serviço generoso nos âmbitos da educação, da assistência no campo da
saúde e da ajuda aos pobres. Enquanto o país goza de um crescente desenvolvimento económico,
este testemunho profético de serviço e de compaixão torna-se ainda mais importante: demonstra
que também os pobres não devem ser esquecidos, nem se pode permitir que a desigualdade
aumente. Pelo contrário, o vosso ministério e o vosso compromisso devem favorecer a inclusão de
todos na sociedade, pois «enquanto não se eliminar a exclusão e a desigualdade dentro da
sociedade e entre os vários povos será impossível desenraizar a violência» (Evangelii gaudium,
59).
O Sri Lanka é um país não só com uma rica diversidade étnica, mas também com várias tradições
religiosas; isto evidencia o importante diálogo inter-religioso e ecuménico para promover o
conhecimento e o enriquecimento recíprocos. Os vossos esforços a este respeito são louváveis e
estão a dar frutos. Permitem que a Igreja colabore mais facilmente com os outros para garantir
uma paz duradoura e asseguram-lhe a liberdade para perseguir os próprios objectivos,
especialmente educando os jovens na fé e testemunhando livremente a vida cristã. Contudo, o Sri
Lanka tem também assistido ao crescimento dos extremistas religiosos que, promovendo um falso
sentido de unidade nacional baseado numa única identidade religiosa, criaram tensões através das
várias acções de intimidação e violência. Embora estas tensões possam ameaçar as relações interreligiosas e ecuménicas, a Igreja no Sri Lanka deve continuar a manter-se firme na busca de
parceiros na paz e de interlocutores no diálogo. Os actos de intimidação atingem também a
comunidade católica, portanto é ainda mais necessário confirmar as pessoas na fé. As iniciativas
da Igreja para desenvolver pequenas comunidades centradas na Palavra de Deus e promover a
piedade popular são modos exemplares para garantir os fiéis da proximidade de Cristo e da sua
Igreja.
Na importante tarefa de transmitir a fé e promover a reconciliação e o diálogo sois
ajudados, em primeiro lugar, pelos vossos sacerdotes. Uno-me a vós na acção de
165
graças a Deus pelas muitas vocações sacerdotais que suscitou entre os fiéis no Sri
Lanka. Com efeito, os numerosos sacerdotes locais que servem o Povo de Deus são
uma grande bênção e fruto directo das sementes missionárias plantadas há muito
tempo. A fim de que os vossos sacerdotes possam oferecer um serviço digno e ser
pastores autênticos, exorto-vos a prestar atenção à sua formação humana, intelectual,
espiritual e pastoral, não só nos anos da formação no seminário, mas ao longo de toda
a sua vida de serviço generoso. Sede para eles verdadeiros pais, atentos às suas
necessidades e presentes na sua vida, reconhecendo que muitas vezes trabalham em
situações difíceis e com recursos limitados. Juntamente convosco, agradeço-lhes a sua
fidelidade e o seu testemunho, e convido-os a uma santidade cada vez maior através
da oração e da conversão quotidiana.
Uno-me a vós também para dar graças a Deus Omnipotente pelo ministério e o
testemunho dos homens e das mulheres consagradas e de todos os leigos que apoiam
e servem os apostolados da Igreja e que vivem fielmente a própria vida cristã.
Juntamente com o clero, e em comunhão convosco na qualidade de Pastores das
Igrejas locais, mostram o poder santificador do Espírito Santo, que transforma a Igreja
e torna todos nós fermento para o mundo. A sua vocação é fundamental para a difusão
do Evangelho e é cada vez mais importante, especialmente no seio das grandes
comunidades rurais e no campo da educação, onde muitas vezes faltam catequistas
preparados. Dado que o ministério do Bispo nunca é realizado no isolamento, mas
sempre junto com todos os baptizados, encorajo-vos a continuar a ajudar os fiéis para
que reconhecem os seus dons, pondo-os ao serviço da Igreja.
Enfim, aprecio os vossos esforços para servir a família, «célula fundamental da sociedade, [...]
onde se aprende a conviver na diferença e a pertencer aos outros e onde os pais transmitem a fé
aos seus filhos» (Evangelii gaudium, 66). A próxima assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos
falará sobre a família e procurará modos cada vez mais novos e criativos com os quais a Igreja
possa ajudar aquelas Igrejas domésticas. No Sri Lanka a guerra deixou tantas famílias deslocadas
e em luto devido à morte de entes queridos. Muitos perderam o emprego e, por conseguinte, as
famílias foram separadas porque os cônjuges deixam a própria casa para procurar trabalho. Existe
também o grande desafio e a crescente realidade dos matrimónios mistos, que exigem uma maior
atenção relativamente à preparação e à assistência dos casais para que ofereçam uma formação
religiosa aos filhos. Quando estamos atentos em relação às nossas famílias e às suas
necessidades, quando compreendemos as suas dificuldades e as suas esperanças, revigoramos o
testemunho da Igreja e a sua proclamação do Evangelho. Apoiando sobretudo o amor e a
fidelidade conjugal, ajudamos os fiéis a viver a sua vocação livremente e com alegria, e abrimos as
novas gerações à vida de Cristo e da sua Igreja. O vosso compromisso em prol das famílias não
ajuda só a Igreja, mas a sociedade do Sri Lanka no seu conjunto, em particular nos seus esforços
de reconciliação e de unidade. Portanto, exorto-vos a ser cada vez mais zelosos e a trabalhar com
as autoridades governamentais e os outros líderes religiosos para garantir que a dignidade e a
primazia da família sejam apoiadas.
166
Com estes sentimentos, queridos Irmãos, confio-vos à intercessão de Nossa Senhora de Lanka, e
concedo de bom grado a minha Bênção Apostólica a vós e a todos os amados sacerdotes, aos
homens e às mulheres consagradas e ao povo leigo do Sri Lan
167
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DO BURUNDI POR OCASIÃO
DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Segunda-feira, 5 de Maio de 2014
Amados irmãos no episcopado!
Dou-vos as boas-vindas por ocasião da vossa peregrinação a Roma para a visita ad limina!
Agradeço a D. Gervais Banshimiybusa, Presidente da vossa Conferência episcopal, as palavras que
me dirigiu em vosso nome. Através de vós saúdo todos os fiéis das vossas Igrejas diocesanas,
sobretudo os sacerdotes, os religiosos e as religiosas, assim como os fiéis leigos comprometidos no
serviço pastoral e todos os burundianos. Formulo os votos de que os Apóstolos Pedro e Paulo vos
amparem e fortaleçam no exercício do vosso ministério apostólico. No seguimento de Jesus eles
derramaram o seu sangue pelo serviço do Evangelho; a seu exemplo, somos chamados a ir até ao
fim na nossa dedicação ao povo que nos está confiado. E gostaria de recordar a memória de D.
Michael A. Courtney, Núncio Apostólico, que foi fiel até ao dom da sua vida à missão que lhe tinha
sido confiada ao serviço do Burundi.
Sinto-me feliz por sublinhar o espírito de comunhão que fazeis questão de manter com a Sé de
Pedro. Com efeito, a unidade é uma condição indispensável para a fecundidade do anúncio do
Evangelho. Espero que ela se fortaleça ainda mais num clima de confiança e de colaboração
fraterna. Por outro lado, esta colaboração é também necessária para as relações que a Igreja
pretende manter com o Estado. O Acordo-quadro entre a Santa Sé e a República do Burundi,
assinado em Novembro de 2012 e que entrou em vigor em Fevereiro passado com o intercâmbio
dos instrumentos de ratificação, rico de futuro para o anúncio do Evangelho, é um fruto excelente.
Não posso deixar de vos encorajar a desempenhar o vosso papel — e já o fazeis — no diálogo
social e político, e a encontrar sem hesitações os poderes públicos. As pessoas com cargos de
autoridade são as primeiras que precisam do vosso testemunho de fé e do vosso anúncio corajoso
dos valores cristãos, para que conheçam antes de tudo a doutrina social da Igreja, para que
apreciem o seu valor e neles se inspirem para a gestão dos assuntos públicos.
Com efeito, o vosso país conheceu num passado ainda recente, conflitos terríveis; e o povo
burundiano está muitas vezes dividido, feridas profundas ainda não cicatrizaram. Só uma
conversão autêntica dos corações ao Evangelho pode levar os homens ao amor fraterno e ao
perdão, pois só «na medida em que Ele conseguir reinar entre nós, a vida social será um espaço
de fraternidade, de justiça, de paz, de dignidade para todos» (Evangelii gaudium, 180). A
evangelização em profundidade do vosso povo continua a ser a vossa primeira preocupação,
porque «a Igreja, para chegar a uma verdadeira reconciliação [...] precisa de testemunhas que
estejam profundamente radicadas em Cristo» (Africae munus, 34), testemunhas que sintonizem a
sua vida com a sua fé.
168
E as primeiras testemunhas chamadas a viver esta autenticidade da conversão são
naturalmente os sacerdotes. Saúdo-os com afecto, e convido-os a viver na verdade e
na alegria os seus compromissos sacerdotais que exprimem a sua entrega total a
Cristo, à Igreja e ao Reino de Deus (cf. Africae munus, 111). Por outro lado, não posso
deixar de vos encorajar a ocupar-vos da formação dos seminaristas, que o Senhor
chama numerosos no vosso país, e alegro-me com a recente abertura de um quarto
Seminário maior. Além da formação intelectual indispensável, os futuros sacerdotes
devem receber também uma sólida formação espiritual, humana e pastoral. São os
quatro pilares da formação! Com efeito, é durante toda a sua vida, no dia-a-dia dos
seus relacionamentos humanos, que eles levarão o Evangelho a todos; não deve haver
no ministério sacerdotal um predomínio «do aspecto administrativo sobre o pastoral,
bem como uma sacramentalização sem outras formas de evangelização» (Evangelii
gaudium, 63). O diálogo pessoal que o seminarista mantém com o Senhor está na base
de qualquer caminho vocacional. Desta fonte deve brotar o impulso missionário do
sacerdote, chamado a «sair» decididamente para anunciar o Evangelho (Evangelii
gaudium, 24). As vocações são hoje frágeis, e os jovens precisam de ser
acompanhados activamente no seu percurso. Devem ter por formadores sacerdotes
que sejam verdadeiros exemplos de alegria e perfeição sacerdotal, que estejam
próximos deles, que partilhem a sua vida, que os escutem deveras para os conhecer
bem a fim de os guiar melhor. Só a este preço se pode fazer um discernimento justo, e
evitar erros desagradáveis.
De igual modo, as pessoas consagradas, prestam testemunho da sua fé em Jesus
durante toda a sua vida. Elas «não só constituem uma ajuda necessária e preciosa na
actividade pastoral, mas são também uma manifestação da natureza íntima da
vocação cristã» (Africae munus, 118). Congratulo-me pelo trabalho louvável que as
congregações religiosas realizam nas suas obras sociais no campo da educação, da
assistência e da saúde, assim como a ajuda aos refugiados que se encontram em
grande número no vosso país. Eles manifestam «o vínculo indissolúvel entre o
acolhimento e o anúncio salvífico e um amor fraterno activo» (Evangelii gaudium,
179). Convido-vos a acompanhar com muita solicitude a vida religiosa, que se
desenvolve nas vossas Igrejas locais. As numerosas comunidades novas que se
formam precisam do vosso discernimento atento e prudente para garantir uma sólida
formação dos seus membros e acompanhar as mudanças que são chamados a viver em
vista do bem de toda a Igreja.
Numerosos leigos, através de diversos movimentos e associações, colaboram com generosidade
nas obras sociais. Seria bom reforçar incessantemente esta colaboração frutuosa e indispensável
entre as diferentes forças eclesiais, num espírito de solidariedade e partilha, para fazer com que o
povo cristão no seu conjunto, no Burundi, seja missionário.
A formação, quer humana quer cristã, da juventude é uma chave para o futuro num país onde a
população se renova rapidamente; sei que ela é uma das vossas prioridades. Num mundo em vias
169
de secularização é necessário oferecer às jovens gerações uma visão autêntica da existência, da
sociedade, da família. Encorajo-vos a perseverar na obra educativa que já realizais em grande
medida: o número de escolas católicas é importante, o ensino proporcionado é de qualidade. Fazei
quanto for possível para que, a todos os níveis, os formadores estejam eles mesmos solidamente
enraizados na fé e na prática do Evangelho. Não hesiteis em fazer com que o maior número
possível de jovens possa beneficiar do anúncio da fé, inclusive nos institutos públicos; que a Igreja
esteja presente também no ensino superior e nas Universidades, a fim de sensibilizar os
responsáveis da sociedade futura para os valores cristãos, para que ela seja mais humana e mais
justa.
Amados Irmãos, o vosso país viveu uma história recente difícil, atravessada pela divisão e pela
violência, num contexto de pobreza que infelizmente persiste. Não obstante isto, os esforços
corajosos de evangelização que fazeis no vosso ministério pastoral dão numerosos frutos de
conversão e reconciliação. Convido-vos a não perder a esperança, mas a ir em frente com
coragem, com um espírito missionário renovado, para levar a Boa Nova a quantos ainda a
esperam ou a quantos dela têm mais necessidade, para que conheçam finalmente a misericórdia
do Senhor.
Confio todos vós, assim como os sacerdotes, as pessoas consagradas, os catequistas e os fiéis
leigos das vossas dioceses, à protecção da Virgem Maria, Mãe da Igreja, e concedo-vos de coração
a Bênção apostólica.
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DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL DA ETIÓPIA E DA
ERITREIA
POR OCASIÃO DA VISITA «AD LIMINA APORTOLORUM»
Sexta-feira, 9 de Maio de 2014
Queridos Irmãos Bispos!
Dou-vos as cordiais boas-vindas por ocasião da vossa visita ad limina Apostolorum, em
peregrinação para rezar junto dos túmulos dos Santos Pedro e Paulo. Esta é uma oportunidade
jubilosa, pois a vossa presença fortalece os vossos vínculos de amor e de comunhão com o
Sucessor de Pedro. Estou confiante que estes dias de reflexão e de oração sejam para vós uma
fonte de renovação e sirvam para aprofundar os laços da vossa amizade em Jesus Cristo e a vossa
cooperação fraterna ao serviço do Evangelho. Desejo dirigir especiais palavras de agradecimento
ao arcebispo Souraphiel pela saudação que me dirigiu em vosso nome e em nome dos fiéis das
vossas Igrejas locais. Peço-vos para lhes transmitir a minha saudação e asseguro-vos o meu
profundo afecto e proximidade espiritual.
A vossa visita oferece-nos também uma oportunidade para reflectir juntos sobre a vida da Igreja
na Etiópia e na Eritreia e para falar das alegrias e dos desafios que deveis enfrentar
quotidianamente. Mesmo provindo de países diferentes e pertencendo a ritos diversos, cada um
com a sua particular riqueza, a vossa missão ao serviço de Cristo e da sua Igreja é a mesma:
proclamar o Evangelho e edificar os fiéis na santidade, unidade e caridade. Quando esta missão é
realizada em colaboração e com o apoio recíproco, a Igreja, unida no Espírito, respira com os dois
pulmões do Oriente e do Ocidente e inflama de amor por Cristo (cf. Constituição apostólica Sacri
canones). Estou grato por tudo o que fazeis para demonstrar esta comunhão colegial, que é por si
só um testemunho da unidade do Povo de Deus nascida da fé em Jesus Cristo.
Esta fé, presente nas vossas terras desde os primórdios da Igreja (cf. Act 8, 26-40), foi alimentada
e renovada ao longo dos anos por missionários devotos que, impulsionados pelo amor de Cristo,
proclamaram o Evangelho a fim de que «aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos,
mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou» (2 Cor 5, 15). Hoje necessitamos deste
espírito missionário para anunciar a mensagem salvífica da nova vida em Cristo a toda a
sociedade, não só a quantos não a conhecem, mas também aos fiéis, a fim de que possam sentir
mais uma vez o vigor do Evangelho e ser encorajados a encontrar modos sempre novos e criativos
para viver e celebrar a sua fé» (cf. Evangelii Gaudium, 11).
Esta grande tarefa de evangelização, que vos é confiada como sucessores dos
Apóstolos, podeis desempenhá-la sobretudo em comunhão com os vossos sacerdotes.
Uno-me a vós na gratidão para com os sacerdotes que servem as vossas Igrejas locais,
quer os que crescerem nas vossas comunidades, quer os que vieram como
171
missionários. Através do seu ministério sacramental e da sua pregação, como também
através das suas obras caritativas, estes sacerdotes tornam visível a presença de
Cristo e manifestam o Seu amor pela humanidade. Se devem ser anunciadores santos e
eficazes do Evangelho, é essencial porém que eles mesmos sejam constantemente
evangelizados. Isto deveria acontecer em primeiro lugar no seminário, através de uma
formação humana, espiritual, intelectual e pastoral integral. Esta formação ajudará a
instilar nos sacerdotes para toda a vida o amor pela oração, pela aprendizagem e pelo
sacrifício de si. Mas eles precisam também do vosso interesse activo pela sua vida e
pelo seu ministério. Exorto-vos a serdes padres bons e generosos para com os vossos
sacerdotes, presentes e atentos às suas necessidades humanas e espirituais, e à sua
formação permanente no sacerdócio. Além disso, é importante que seja favorecida
uma fraternidade autêntica entre os sacerdotes, a fim de que possam acompanhar-se
reciprocamente no seu ministério e carregar os fardos uns dos outros. Deste modo,
poderão responder de forma mais generosa à graça de Deus na sua vida e dar
testemunho da alegria do discipulado cristão.
A missão da Igreja na Etiópia e na Eritreia foi levada em frente com o apoio de
numerosos religiosos e religiosas que, as longo de muitas gerações, cooperaram
generosamente para a edificação das vossas comunidades locais. Muitos deixaram a
própria terra e família para se estabelecerem no corno de África e unir-se aos
religiosos locais a fim de ensinar aos jovens, de assistir os doentes e de responder às
questões pastorais da vossas comunidades. Ao fazê-lo, reflectiram o rosto
misericordioso de Cristo e ajudaram as vossas Igrejas a viver o Evangelho. Uno-me a
vós na acção de graças a Deus Omnipotente por estes religiosos e religiosas, do
passado e do presente, pelo seu sacrifício e serviço indispensáveis. Como parte do
vosso ministério episcopal, peço-vos para encorajar e apoiar os seus esforços
constantes a fim de servir as necessidades espirituais e materiais actuais do povo da
Etiópia e da Eritreia.
Como indiquei claramente no concílio Vaticano II, a obra de evangelização não é reservada ao
clero e aos religiosos, mas compete a todos os fiéis cristãos, que são chamados a proclamar o
amor salvífico que experimentaram no Senhor Jesus (cf. Apostolicam Actuositatem, 6). Aprecio os
esforços que realizastes a fim de criar novas oportunidades para a formação catequética dos fiéis e
para ir ao encontro dos jovens, que se encontram naquele momento decisivo da sua vida em que
são desafiados a aprofundar a sua relação com Cristo e com a sua Igreja e em que procuram
construir uma família própria. Perante os numerosos desafios na sociedade contemporânea, entre
os quais uma cultura cada vez mais secularizada e sempre menos oportunidades de um trabalho
digno, é fundamental que homens e mulheres leigos sábios e comprometidos guiem os jovens no
discernimento que devem dar à própria vida e garantir-se um futuro. Para uma abordagem
catequética mais eficaz é importante também continuar a identificar e a preparar líderes leigos
qualificados, a fim de ajudar a formar os fiéis e, desta maneira, tornar presente «a fragrância da
presença solidária de Jesus e o seu olhar pessoal» (Evangelii Gaudium, 169).
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Queridos irmãos Bispos, juntamente com os sacerdotes, os religiosos, as religiosas e os fiéis leigos
das vossas Igrejas locais, sois chamados a espalhar esta fragrância de Cristo na Etiópia e na
Eritreia (cf. 2 Cor 2, 14). Muitos anos de conflito e tensões constantes, além de uma pobreza
generalizada e condições de seca, causaram tanto sofrimento às pessoas. Agradeço-vos pelos
generosos programas sociais que, inspirados no Evangelho, ofereceis em colaboração com as
diversas entidades religiosas, caritativas e governamentais, que visam aliviar este sofrimento.
Penso em particular nas numerosas crianças que servis, as quais sofrem a fome e ficaram órfãos
por causa da violência e da pobreza. Penso também nos jovens que, como muitos amigos seus e
familiares, gostariam possivelmente de fugir do próprio país em busca de oportunidades e correm
o risco de perder a vida em viagens perigosas. E naturalmente devemos sempre recordar os
numerosos idosos que, entre tantas dificuldades, podem facilmente ser esquecidos. Os vossos
esforços em relação a eles, que dão um testemunho tão forte do amor de Deus entre vós, são
uma graça extraordinária para as pessoas. Na vossa preocupação amorosa para com os pobres e
oprimidos, continuai a procurar novas oportunidades para cooperar com as autoridades civis na
promoção bem comum.
Ciente das dificuldades que deveis enfrentar e das bênçãos que recebeis, uno-me a todos vós na
oração por uma nova efusão de graça sobre a amada Igreja na Etiópia e na Eritreia. Confiando-vos
à intercessão de Maria, Mãe da Igreja, concedo de bom grado a minha Bênção Apostólica a vós e
aos sacerdotes, aos homens e às mulheres consagrados e às pessoas leigas da Etiópia e da
Eritreia.
173
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
DURANTE O ENCONTRO PROMOVIDO
PELA CONFERÊNCIA ITALIANA DOS INSTITUTOS SECULARES
Sala do Consistório
Sábado, 10 de Maio de 2014
Palavras improvisadas:
Escrevi um discurso para vós, mas hoje aconteceu algo. A culpa é minha porque concedi duas
audiências não digo ao mesmo tempo, mas quase. Por isso entrego-vos o discurso, porque lê-lo é
tedioso, e prefiro dizer-vos duas ou três coisas que talvez vos ajudarão.
Desde o tempo em que Pio XII pensou isto, e depois a Provida Mater Ecclesia, foi um gesto
revolucionário na Igreja. Os institutos seculares são precisamente um gesto de coragem que a
Igreja fez naquele momento; dar estrutura, atribuir institucionalidade aos institutos seculares. E a
partir daquele momento até hoje é tão grande o bem que fizestes à Igreja, com coragem porque
há necessidade de coragem para viver no mundo. Muitos de vós, no vosso apartamento vão, vêm;
alguns em pequenas comunidades. Todos os dias, fazer a vida de uma pessoa que vive no mundo,
e ao mesmo tempo guardar a contemplação, esta dimensão contemplativa em relação ao Senhor e
também ao mundo, contemplar a realidade, como contemplar as belezas do mundo, e também os
grandes pecados da sociedade, os desvios, todas estas coisas, e sempre em tensão espiritual...
Por isso a vossa vocação é fascinante, porque é uma vocação que está precisamente ali, onde está
em questão a salvação não só das pessoas, mas das instituições. E de tantas instituições leigas
necessárias no mundo. Por isto eu penso assim, que com a Provida Mater Ecclesia a Igreja fez um
gesto deveras revolucionário!
Espero que conserveis sempre esta atitude de ir além, não só além, mas mais além e no meio, lá
onde tudo está em questão: a política, a economia, a educação, a família... ali! Talvez seja
possível que tenhais a tentação de pensar: «Mas o que posso eu fazer?». Quando surge esta
tentação recordai-vos de que o Senhor nos falou do grão de mostarda! E a vossa vida é como a
semente... ali; é como o fermento... ali. É fazer o possível para que o Reino venha, cresça e seja
grande e também que guarde muita gente, como a árvore da mostarda. Pensai nisto. Vida
pequena, gesto pequeno; vida normal, mas fermento, semente, que faz crescer. E isto dá-vos o
conforto. Os resultados neste balanço sobre o Reino de Deus não se vêem. Só o Senhor nos faz
sentir algo... Veremos os resultado no céu.
E para isto é importante que tenhais muita esperança! É uma graça que deveis pedir ao Senhor,
sempre: a esperança que nunca desilude. Nunca desilude! Uma esperança que vai em frente. Eu
aconselho-vos a ler com muita frequência o capítulo 11 da Carta aos Hebreus, aquele capítulo da
esperança. E aprender que muitos dos nossos pais percorreram este caminho sem resultados, mas
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viram-nos de longe. A esperança... É isto que vos desejo. Muito obrigado pelo que fazeis na
Igreja; muito obrigado pela oração e pelas acções. Obrigado pela esperança. E não esqueçais:
sede revolucionários!
Texto do discurso preparado e entregue pelo Pontífice:
Amados irmãos e irmãs!
Recebo-vos por ocasião da vossa Assembleia e saúdo-vos dizendo-vos: conheço e aprecio a vossa
vocação! Ela é uma das formas mais recentes de vida consagrada reconhecidas e aprovadas pela
Igreja, e talvez por isto ainda não é totalmente compreendida. Não desanimeis: vós pertenceis
àquela Igreja pobre e em saída que desejo!
Por vocação sois leigos e sacerdotes como os outros no meio dos outros, levais uma vida normal,
privada de sinais exteriores, sem o apoio de uma vida comunitária, sem a visibilidade de um
apostolado organizado ou de obras específicas. Sois ricos só da experiência totalizadora do amor
de Deus e por isto sois capazes de conhecer e partilhar a fadiga da vida nas suas multíplices
expressões, fermentando-as com a luz e com a força do Evangelho.
Sede sinal daquela Igreja dialogante da qual fala Paulo VI na Encíclica Ecclesiam suam: «Não se
salva o mundo estando fora — afirma —; é preciso, como o Verbo de Deus que se fez homem,
identificar-se, em certa medida, com as formas de vida daqueles aos quais se pretende levar a
mensagem de Cristo, é preciso partilhar, sem estabelecer distâncias de privilégios, ou diafragma
de diálogo incompreensível, o hábito comum, sob condição de que seja humano e honesto,
sobretudo dos mais pequenos, se quisermos ser ouvidos e compreendidos. É necessário, ainda
antes de falar, ouvir a voz, aliás o coração do homem; compreendê-lo, e na medida do possível
respeitá-lo e, quando o merece, satisfazê-lo. É preciso tornar-se irmãos dos homens no mesmo
acto com o qual queremos ser seus pastores, pais e mestres. O clima do diálogo é a amizade.
Aliás, o serviço» (n. 90).
O tema da vossa Assembleia, «No coração das vicissitudes humanas: os desafios de uma
sociedade complexa», indica o campo da vossa missão e da vossa profecia. Estais no mundo mas
não sois do mundo, levando dentro de vós o essencial da mensagem cristã: o amor do Pai que
salva. Estais no coração do mundo com o coração de Deus.
A vossa vocação faz com que estejais interessados em cada homem e nas suas
instâncias mais profundas, que muitas vezes não são expressas ou são mascaradas.
Em virtude do amor de Deus que encontrastes e conhecestes, sois capazes de
proximidade e ternura. Assim podeis estar tão próximos que tocais do alto as suas
feridas e expectativas, as suas perguntas e as suas necessidades, com aquela ternura
que é expressão de uma cura que elimina qualquer distância. Como o Samaritano que
passou adiante e viu e sentiu compaixão. Está aqui o movimento no qual a vossa
vocação vos compromete: passar ao lado de cada homem e tornar-vos o próximo de
cada pessoa que encontrais; porque o vosso permanecer no mundo não é
175
simplesmente uma condição sociológica, mas é uma realidade teologal que vos chama
a um estar consciente, atento, que sabe entrever, ver e tocar a carne do irmão.
Se isto não acontece, se vos tornastes distraídos, ou ainda pior, se não conheceis este
mundo contemporâneo mas conheceis e frequentais só o mundo mais conveniente
para vós ou que mais vos seduz, então é urgente uma conversão! A vossa é uma
vocação por sua natureza em saída, não só porque vos leva para o alto, mas também e
sobretudo porque vos pede que habiteis lá onde habitam todos os homens.
A Itália é a Nação com o maior número de Institutos seculares e de membros. Sede um fermento
que pode produzir um pão bom para muitos, aquele pão do qual há tanta fome: a escuta das
necessidades, dos desejos, das desilusões, da esperança. Como quem vos precedeu na vossa
vocação, podeis voltar a dar esperança aos jovens, ajudar os idosos, abrir caminhos para o futuro,
difundir o amor em todos os lugares e em cada situação. Se isto não acontecer, se a vossa vida
diária estiver privada de testemunho e de profecia, então, volto a repetir-vos, é urgente uma
conversão!
Nunca percais o impulso de caminhar pelas vias do mundo, a consciência de que caminhar, ir até
com passo incerto e coxeando, é sempre melhor do que estar parados, fechados nas próprias
perguntas ou certezas. A paixão missionária, a alegria do encontro com Cristo que vos estimula a
partilhar com os outros a beleza da fé, afasta o risco de permanecer bloqueados no individualismo.
O pensamento que o homem propõe como artífice de si mesmo, guiado apenas pelas próprias
escolhas e desejos, muitas vezes revestidos com o hábito aparentemente belo da liberdade e do
respeito, corre o risco de minar os fundamentos da vida consagrada, sobretudo da secular. É
urgente reavaliar o sentido de pertença à vossa comunidade vocacional que, precisamente porque
não se funda numa vida comum, encontra os seus pontos de força no carisma. Por isso, se cada
um de vós é para os outros uma possibilidade preciosa de encontro com Deus, trata-se de
redescobrir a responsabilidade de ser profecia como comunidade, de procurar juntos, com
humildade e com paciência, uma palavra de sentido que pode ser um dom para o país e para a
Igreja, e dela dar testemunho com simplicidade. Vós sois como antenas prontas a colher os
germes de novidade suscitados pelo Espírito Santo, e podeis ajudar a comunidade eclesial a
assumir este olhar de bem e encontrar caminhos novos e corajosos para alcançar todos.
Pobres entre os pobres, mas com o coração ardente. Nunca parados, sempre a caminho. Juntos e
enviados, também quando estais sós, porque a consagração faz de vós uma centelha viva de
Igreja. Sempre a caminho com aquela virtude que é uma virtude peregrina: a alegria!
Obrigado, caríssimos, pelo que sois. O Senhor vos abençoe e Nossa Senhora vos proteja. E rezai
por mim!
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MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO
PARA O 51º DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES
11 DE MAIO DE 2014 - IV DOMINGO DE PÁSCOA
Vocações, testemunho da verdade
Amados irmãos e irmãs!
1. Narra o Evangelho que «Jesus percorria as cidades e as aldeias (...). Contemplando a multidão,
encheu-Se de compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor. Disse,
então, aos seus discípulos: “A messe é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, portanto,
ao Senhor da messe para que envie trabalhadores para a sua messe”» (Mt 9, 35-38). Estas
palavras causam-nos surpresa, porque todos sabemos que, primeiro, é preciso lavrar, semear e
cultivar, para depois, no tempo devido, se poder ceifar uma messe grande. Jesus, ao invés, afirma
que «a messe é grande». Quem trabalhou para que houvesse tal resultado? A resposta é uma só:
Deus. Evidentemente, o campo de que fala Jesus é a humanidade, somos nós. E a acção eficaz,
que é causa de «muito fruto», deve-se à graça de Deus, à comunhão com Ele (cf. Jo 15, 5). Assim
a oração, que Jesus pede à Igreja, relaciona-se com o pedido de aumentar o número daqueles
que estão ao serviço do seu Reino. São Paulo, que foi um destes «colaboradores de Deus»,
trabalhou incansavelmente pela causa do Evangelho e da Igreja. Com a consciência de quem
experimentou, pessoalmente, como a vontade salvífica de Deus é imperscrutável e como a
iniciativa da graça está na origem de toda a vocação, o Apóstolo recorda aos cristãos de Corinto:
«Vós sois o seu [de Deus] terreno de cultivo» (1 Cor 3, 9). Por isso, do íntimo do nosso coração,
brota, primeiro, a admiração por uma messe grande que só Deus pode conceder; depois, a
gratidão por um amor que sempre nos precede; e, por fim, a adoração pela obra realizada por Ele,
que requer a nossa livre adesão para agir com Ele e por Ele.
2. Muitas vezes rezámos estas palavras do Salmista: «O Senhor é Deus; foi Ele quem nos criou e
nós pertencemos-Lhe, somos o seu povo e as ovelhas do seu rebanho» (Sal 100/99, 3); ou então:
«O Senhor escolheu para Si Jacob, e Israel, para seu domínio preferido» (Sal 135/134, 4). Nós
somos «domínio» de Deus, não no sentido duma posse que torna escravos, mas dum vínculo forte
que nos une a Deus e entre nós, segundo um pacto de aliança que permanece para sempre,
«porque o seu amor é eterno!» (Sal 136/135, 1). Por exemplo, na narração da vocação do profeta
Jeremias, Deus recorda que Ele vigia continuamente sobre a sua Palavra para que se cumpra em
nós. A imagem adoptada é a do ramo da amendoeira, que é a primeira de todas as árvores a
florescer, anunciando o renascimento da vida na Primavera (cf. Jr 1, 11-12). Tudo provém d’Ele e
é dádiva sua: o mundo, a vida, a morte, o presente, o futuro, mas – tranquiliza-nos o Apóstolo «vós sois de Cristo e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 23). Aqui temos explicada a modalidade de
pertença a Deus: através da relação única e pessoal com Jesus, que o Baptismo nos conferiu
desde o início do nosso renascimento para a vida nova. Por conseguinte, é Cristo que nos interpela
continuamente com a sua Palavra, pedindo para termos confiança n’Ele, amando-O «com todo o
177
coração, com todo o entendimento, com todas as forças» (Mc 12, 33). Embora na pluralidade das
estradas, toda a vocação exige sempre um êxodo de si mesmo para centrar a própria existência
em Cristo e no seu Evangelho. Quer na vida conjugal, quer nas formas de consagração religiosa,
quer ainda na vida sacerdotal, é necessário superar os modos de pensar e de agir que não estão
conformes com a vontade de Deus. É «um êxodo que nos leva por um caminho de adoração ao
Senhor e de serviço a Ele nos irmãos e nas irmãs» (Discurso à União Internacional das Superioras
Gerais, 8 de Maio de 2013). Por isso, todos somos chamados a adorar Cristo no íntimo dos nossos
corações (cf. 1 Ped 3, 15), para nos deixarmos alcançar pelo impulso da graça contido na semente
da Palavra, que deve crescer em nós e transformar-se em serviço concreto ao próximo. Não
devemos ter medo: Deus acompanha, com paixão e perícia, a obra saída das suas mãos, em cada
estação da vida. Ele nunca nos abandona! Tem a peito a realização do seu projecto sobre nós,
mas pretende consegui-lo contando com a nossa adesão e a nossa colaboração.
3. Também hoje Jesus vive e caminha nas nossas realidades da vida ordinária, para Se aproximar
de todos, a começar pelos últimos, e nos curar das nossas enfermidades e doenças. Dirijo-me
agora àqueles que estão dispostos justamente a pôr-se à escuta da voz de Cristo, que ressoa na
Igreja, para compreenderem qual possa ser a sua vocação. Convido-vos a ouvir e seguir Jesus, a
deixar-vos transformar interiormente pelas suas palavras que «são espírito e são vida» (Jo 6, 63).
Maria, Mãe de Jesus e nossa, repete também a nós: «Fazei o que Ele vos disser!» (Jo 2, 5). Farvos-á bem participar, confiadamente, num caminho comunitário que saiba despertar em vós e ao
vosso redor as melhores energias. A vocação é um fruto que amadurece no terreno bem cultivado
do amor uns aos outros que se faz serviço recíproco, no contexto duma vida eclesial autêntica.
Nenhuma vocação nasce por si, nem vive para si. A vocação brota do coração de Deus e germina
na terra boa do povo fiel, na experiência do amor fraterno. Porventura não disse Jesus que «por
isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13,
35)?
4. Amados irmãos e irmãs, viver esta «medida alta da vida cristã ordinária» (João Paulo II, Carta
ap. Novo millennio ineunte, 31) significa, por vezes, ir contra a corrente e implica encontrar
também obstáculos, fora e dentro de nós. O próprio Jesus nos adverte: muitas vezes a boa
semente da Palavra de Deus é roubada pelo Maligno, bloqueada pelas tribulações, sufocada por
preocupações e seduções mundanas (cf. Mt 13, 19-22). Todas estas dificuldades poder-nos-iam
desanimar, fazendo-nos optar por caminhos aparentemente mais cómodos. Mas a verdadeira
alegria dos chamados consiste em crer e experimentar que o Senhor é fiel e, com Ele, podemos
caminhar, ser discípulos e testemunhas do amor de Deus, abrir o coração a grandes ideais, a
coisas grandes. «Nós, cristãos, não somos escolhidos pelo Senhor para coisas pequenas; ide
sempre mais além, rumo às coisas grandes. Jogai a vida por grandes ideais!» (Homilia na Missa
para os crismandos, 28 de Abril de 2013). A vós, Bispos, sacerdotes, religiosos, comunidades e
famílias cristãs, peço que orienteis a pastoral vocacional nesta direcção, acompanhando os jovens
por percursos de santidade que, sendo pessoais, «exigem uma verdadeira e própria pedagogia da
santidade, capaz de se adaptar ao ritmo dos indivíduos; deverá integrar as riquezas da proposta
lançada a todos com as formas tradicionais de ajuda pessoal e de grupo e as formas mais recentes
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oferecidas pelas associações e movimentos reconhecidos pela Igreja» (João Paulo II, Carta ap.
Novo millennio ineunte, 31).
Disponhamos, pois, o nosso coração para que seja «boa terra» a fim de ouvir, acolher e viver a
Palavra e, assim, dar fruto. Quanto mais soubermos unir-nos a Jesus pela oração, a Sagrada
Escritura, a Eucaristia, os Sacramentos celebrados e vividos na Igreja, pela fraternidade vivida,
tanto mais há-de crescer em nós a alegria de colaborar com Deus no serviço do Reino de
misericórdia e verdade, de justiça e paz. E a colheita será grande, proporcional à graça que
tivermos sabido, com docilidade, acolher em nós. Com estes votos e pedindo-vos que rezeis por
mim, de coração concedo a todos a minha Bênção Apostólica.
Vaticano, 15 de Janeiro de 2014
FRANCISCO
179
ORDENAÇÕES PRESBITERIAIS
DIA MUNDIAL DE ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
IV Domingo de Páscoa, 11 de Maio de 2014
Vídeo
Galeria fotográfica
Queridos irmãos!
Estes nossos filhos e irmãos foram chamados à ordem do presbiterado. Como vós bem sabeis, o
Senhor Jesus é o único sumo sacerdote do Novo Testamento; mas n’Ele também todo o povo
santo de Deus foi constituído povo sacerdotal. Contudo, entre todos os seus discípulos, o Senhor
Jesus quer escolher alguns em particular, para que exercendo publicamente na Igreja em seu
nome o ofício sacerdotal a favor de todos os homens, continuem a sua pessoal missão de mestre,
sacerdote e pastor.
Depois de uma reflexão madura, agora estamos prestes a elevar à ordem dos presbíteros estes
nossos irmãos, a fim de que ao serviço de Cristo mestre, sacerdote e pastor cooperem para
edificar o Corpo de Cristo, que é a Igreja, no povo de Deus e templo santo do Espírito.
Com efeito, eles serão configurados a Cristo sumo e eterno sacerdote, ou seja, serão consagrados
como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento, e com este título, que os une no sacerdócio ao
seu bispo, serão pregadores do Evangelho, pastores do povo de Deus, e presidirão as acções de
culto, especialmente na celebração do sacrifício do Senhor.
Quanto a vós, irmãos e filhos diletíssimos, que estais para ser promovidos à ordem do
presbiterado, considerai que exercitando o ministério da sagrada doutrina sereis participantes da
missão de Cristo, único mestre. Proclamai a todos aquela Palavra, que vós mesmos recebeis com
alegria, das vossas mães, das vossas catequistas. Lede e meditai assiduamente a palavra do
Senhor para acreditar naquilo que lestes, ensinai o que aprendestes na fé, vivei o que ensinastes.
Portanto, a vossa doutrina, que não é propriedade vossa, seja nutrimento para o povo de Deus:
vós não sois proprietários da doutrina! É a doutrina do Senhor, e vós deveis ser fiéis à doutrina do
Senhor! Por conseguinte, a vossa doutrina seja o alimento para o povo de Deus, o perfume da
vossa vida seja alegria e apoio aos fiéis de Cristo, para que com a palavra e o exemplo edifiqueis a
casa de Deus, que é a Igreja.
E assim vós continuareis a obra santificadora de Cristo. Mediante o vosso ministério o Sacrifício
espiritual dos fiéis torna-se perfeito, porque unido ao sacrifício de Cristo, que pelas vossas mãos
180
em nome de toda a Igreja é oferecido de modo incruento sobre o altar na celebração dos santos
mistérios.
Portanto, reconhecei o que fazeis, imitai o que celebrais, para que, participando no mistério da
morte e ressurreição do Senhor, carregueis a morte de Cristo nos vossos membros e caminheis
com ele na novidade de vida.
Com o baptismo agregareis novos fiéis ao povo de Deus; com o sacramento da Penitência
perdoareis os pecados em nome de Cristo e da Igreja. E aqui quero deter-me e pedir-vos, por
amor a Jesus Cristo: nunca vos canseis de ser misericordiosos! Por favor! Tende esta capacidade
de perdão que o Senhor teve, o qual não veio para condenar, mas para perdoar! Tende
misericórdia, tanta! E se tiverdes o escrúpulo de ser demasiado «perdoadores», pensai naquele
santo sacerdote do qual vos falei, que ia diante do tabernáculo e dizia: «Perdoa-me, Senhor, se
perdoei demasiado. Mas foste tu que me deste o mau exemplo!». E eu digo-vos, verdadeiramente:
sofro tanto quando encontro pessoas que já não se vão confessar, porque foram maltratadas,
repreendidas. Sentiram que lhes eram fechadas na cara as portas da igreja! Por favor, não façais
isso: misericórdia, misericórdia! O bom pastor entra pela porta e a porta da misericórdia são as
chagas do Senhor: se entrardes no vosso ministério pelas chagas do Senhor, não sareis bons
pastores.
Com o Óleo santo dareis alívio aos enfermos; celebrando os ritos sagrados e elevando nas várias
horas do dia as orações de louvor e de súplica, vós sereis a voz do povo de Deus e da humanidade
inteira.
Cientes de que fostes sido escolhidos entres os homens e constituídos em seu favor para estar ao
serviço das coisas de Deus, exercitai com júbilo e caridade sincera a obra sacerdotal de Cristo,
concentrados unicamente em agradar a Deus e não a vós mesmos.
E pensai naquilo que dizia santo Agostinho sobre os pastores que procuravam agradar a si
mesmos, que usavam as ovelhas do Senhor como refeição e para se vestirem, para vestir a
majestade de um ministério que não se sabia se era de Deus. Enfim, participando na missão de
Cristo, chefe e pastor, em comunhão filial com o vosso bispo, comprometei-vos por unir os fiéis
numa única família, para os conduzir a Deus por meio de Cristo no Espírito Santo. Tende sempre
diante dos olhos o exemplo do Bom Pastor, que não veio para ser servido, mas para servir, e
procurar salvar o que estava perdido.
181
PAPA FRANCISCO
REGINA COELI
Praça de São Pedro
Domingo, 11 de Maio de 2014
Vídeo
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
O evangelista João apresenta-nos neste quarto domingo do tempo pascal, a imagem de Jesus
Bom Pastor. Contemplando esta página do Evangelho, podemos compreender o tipo de relação
que Jesus mantinha com os seus discípulos: um relacionamento baseado na ternura, no amor, no
conhecimento recíproco e na promessa de um dom incomensurável: «Vim — diz Jesus — para que
todos tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10, 10). Este relacionamento é o modelo das
relações entre os cristãos e entre os seres humanos.
Também hoje, como no tempo de Jesus, muitos se propõem como «pastores» das nossas
existências; mas só o Ressuscitado é o Pastor verdadeiro, que nos dá vida em abundância.
Convido todos a ter confiança no Senhor que nos guia. Mas não só: Ele acompanha-nos, caminha
connosco. Escutemos a sua Palavra com mente e coração abertos, para alimentar a nossa fé,
iluminar a nossa consciência e seguir os ensinamentos do Evangelho.
Neste domingo, rezemos pelos Pastores da Igreja, por todos os bispos, inclusive pelo
bispo de Roma, por todos os sacerdotes, por todos! Em particular, rezemos pelos novos
presbíteros da Diocese de Roma, que acabei de ordenar na Basílica de São Pedro. Uma
saudação aos 13 sacerdotes! O Senhor nos ajude, a nós pastores, a sermos sempre
fiéis ao Mestre e guias sábios e iluminados do povo de Deus que nos foi confiado.
Também a vós, por favor, peço que nos ajudeis: a sermos bons pastores. Certa vez li
um texto muito bonito sobre o modo como o povo de Deus ajuda os bispos e os
sacerdotes a ser bons pastores. É um escrito de São Cesário de Arles, um sacerdote dos
primeiros séculos da Igreja. Ele explicava que o povo de Deus deve ajudar o pastor, e
dava este exemplo: quando um novilho sente fome, vai ter com a mãe para obter o
leite. Contudo, a vaca não o dá imediatamente: parece que o retenha para si. E que faz
o novilho? Bate com o nariz no ubre da vaca para que o leite desça. É uma linda
imagem! Assim — disse o santo — também vós deveis agir com os pastores: Bater
sempre à sua porta, ao seu coração, para que vos dêem o leite da doutrina, da graça e
da guia. E peço-vos, por favor, incomodai os pastores, importunai os pastores, todos
nós pastores, a fim de que possamos dar-vos o leite da graça, da doutrina e da guia.
Importunai! Pensai na bonita imagem do bezerro que importuna a mãe para que lhe dê
o alimento.
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À imitação de Jesus, cada Pastor «às vezes irá à frente para indicar a estrada e apoiar
a esperança do povo — o pastor às vezes deve estar na frente — outras vezes
permanecerá no meio de todos com a sua proximidade simples e misericordiosa, e
nalgumas circunstâncias deve caminhar atrás do povo, para ajudar os que ficaram por
último» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 31). Que todos os Pastores sejam assim!
Importunai os pastores para que vos dêem a guia da doutrina e da graça.
Neste domingo celebra-se o Dia mundial de oração pelas vocações. Na Mensagem
deste ano recordei que «cada vocação requer um êxodo de si mesmo para centrar a
própria existência em Cristo e no seu Evangelho» (n. 2). Portanto, a chamada a seguir
Jesus é entusiasmante e ao mesmo tempo comprometida. Para que se realize, é
necessário entrar sempre em profunda amizade com o Senhor para poder viver d’Ele e
por Ele.
Rezemos para que também neste tempo, muitos jovens ouçam a voz do Senhor, que
corre sempre o risco de ser sufocada por tantas outras vozes. Peçamos pelos jovens:
talvez aqui nesta praça haja algum que ouve a voz do Senhor que o chama ao
sacerdócio; rezemos por ele e por todos os jovens que são chamados.
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DIÁLOGO DO PAPA FRANCISCO
COM OS ALUNOS DOS PONTIFÍCIO COLÉGIOS
E INTERNATOS DE ROMA
Sala Paulo VI
Segunda-feira, 12 de Maio de 2014
Bom dia, e agradeço-vos muito esta presença. Agradeço ao Cardeal Stella as suas palavras, e peço
desculpa pelo atraso. Sim, porque estão aqui os Bispos mexicanos em visita ad limina... e quando
se está com os mexicanos, está-se tão bem, tão bem, que não nos damos conta do tempo que
passa!
Aos 146 de vós que provindes de países do Médio Oriente, alguns também da Ucrânia, desejo
dizer que estou muito próximo de vós neste momento de sofrimento: deveras, muito próximo, e
na oração. Sofre-se tanto, na Igreja; a Igreja sofre tanto e a Igreja sofredora é também a Igreja
perseguida nalgumas partes, e estou-vos próximo. Obrigado. E agora gostaria que... Havia
perguntas, eu li-as, mas se as quiserdes trocar ou fazê-las de modo mais espontâneo, nenhum
problema, com a máxima liberdade!
Bom dia, Santo Padre. Chamo-me Daniel, venho dos Estados Unidos, sou diácono e estou no
Colégio Norte-Americano. Viemos a Roma sobretudo para uma formação académica e para
assumir este compromisso. Como fazer para não descuidar uma formação sacerdotal integral, quer
a nível pessoal quer comunitário? Obrigado.
Obrigado pela pergunta. É verdade: a vossa principal finalidade, aqui, é a formação académica:
licenciar-se nisto, naquilo... Mas há o perigo do academicismo. Sim, os Bispos enviam-vos para cá
para que obtenhais uma licenciatura, mas também para que regresseis à diocese. Mas na diocese
deveis trabalhar no presbitério, como presbíteros, presbíteros formados. E se se cai neste perigo
do academicismo, já não regressa o padre, mas o «doutor». E isto é perigoso. Há quatro pilares
na formação sacerdotal: eu já disse isto muitas vezes, talvez o tenhais ouvido.
Quatro pilares: a formação espiritual, a formação académica, a formação comunitária e a formação
apostólica. É verdade que aqui, em Roma, se acentua — foi para isto que viestes — a formação
intelectual; mas os outros três pilares devem ser cultivados, e os quatro interagem entre si, e eu
não posso entender um padre que vem formar-se aqui, em Roma, e que não tem uma vida
comunitária, isso não é bom. Ou não cuida da vida espiritual — a Missa diária, a oração
quotidiana, a lectio divina, a oração pessoal com o Senhor — ou da vida apostólica: no fim-desemana é preciso fazer alguma coisa, mudar um pouco de ar, mas também de ar apostólico, fazer
ali algo... É verdade que o estudo é uma dimensão apostólica; mas é importante que também os
outros três pilares sejam cuidados! O purismo académico não faz bem, não faz bem. Por isso
gostei da tua pergunta, porque me dá a oportunidade de vos dizer estas coisas. O Senhor
chamou-vos a ser sacerdotes, a ser presbíteros: esta é a regra fundamental. E há outra coisa que
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gostaria de focalizar: se se vê só a parte académica, há o perigo de escorregar nas ideologias, e
isto faz adoecer. Faz adoecer também o conceito de Igreja. Para compreender a Igreja é preciso
compreendê-la com o estudo mas também com a oração, com a vida comunitária e apostólica.
Quando escorregamos numa ideologia, e vamos por essa estrada, temos uma hermenêutica não
cristã, uma hermenêutica da Igreja ideológica. E isto faz mal, é uma doença. A hermenêutica da
Igreja deve ser a hermenêutica que a Igreja mesmo proporciona, que a Igreja nos dá.
Compreender a Igreja com olhos de cristão; compreender a Igreja com mente de cristão;
compreender a Igreja com coração de cristão; compreender a Igreja pela actividade cristã. De
outro modo, não se compreende a Igreja ou então compreendemo-la mal. Por isso é importante
frisar, sim, o trabalho académico, porque foi para isto que fostes enviados; mas não descuideis os
outros três pilares: a vida espiritual, a vida comunitária e a vida apostólica. Não sei se isto
responde à tua pergunta... Obrigado.
Bom dia, Santo Padre. Chamo-me Tomás, da China. Sou seminarista do Colégio Urbano. Por
vezes, viver em comunidade não é fácil: o que nos aconselha, partindo também da sua
experiência, para fazer da nossa comunidade um lugar de crescimento humano e espiritual e de
prática da caridade sacerdotal?
Uma vez, um bispo idoso da América Latina disse: «É muito melhor o pior seminário do que o nãoseminário». Se uma pessoa se prepara sozinha para o sacerdócio, sem comunidade, isto faz mal. A
vida do seminário, ou seja, a vida comunitária, é muito importante. É muito importante porque há
a partilha entre os irmãos, que caminham rumo ao sacerdócio; mas há também problemas, há
lutas; lutas de poder, de ideias, até lutas sub-reptícias; e verificam-se os pecados capitais: a
inveja, o ciúme... Mas também coisas boas: a amizade, o intercâmbio de ideias, e isto é o
importante da vida comunitária. A vida comunitária não é o paraíso, é pelo menos o purgatório —
não, não é isso... [riem], mas não é o paraíso! Um santo jesuíta dizia que a maior penitência, para
ele, era a vida comunitária. É verdade, não é? Por isso penso que devemos ir em frente, na vida
comunitária. Mas como? Há quatro ou cinco coisas que nos ajudam muito. Nunca, nunca falar mal
dos outros. Se tenho algo contra o outro, ou se não concordo: dizê-lo directamente! Mas nós
clérigos temos a tentação de não falar directamente, de ser demasiado diplomáticos, aquela
linguagem clerical... Mas, faz-nos mal! Recordo que uma vez, há 22 anos: acabado de ser
nomeado bispo, tinha como secretário naquela «vigariaria» — Buenos Aires está dividida em
quatro «vigariarias» — naquela «vigariaria» eu tinha como secretário um sacerdote jovem,
ordenado de recente. E eu, nos primeiros meses, fiz algo, e tomei uma decisão um pouco
diplomática — demasiado diplomática — e com as consequências que derivam destas decisões que
não são tomadas no Senhor, não? E no fim, disse-lhe: «Mas repara, que problema, não sei como
resolvê-lo...». E ele olhou para mim — um jovem! — e disse: «Vossa Excelência fez mal. Não
tomou uma decisão paterna», e disse-me três ou quatro coisas fortes! Muito respeitoso, mas
disse-as. E depois, quando foi embora, eu pensei: «Nunca o vou afastar do lugar de secretário: ele
é um verdadeiro irmão!». Ao contrário, aqueles que te dizem coisas agradáveis na cara e depois,
pelas costas, coisas não tão belas... Isto é importante... As indiscrições são a peste de uma
comunidade; falemos directamente, sempre. E se não se tem a coragem de falar na cara, fala com
o superior ou com o director, e ele ajudar-te-á. Mas não se deve ir pelos quartos dos
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companheiros para falar mal! Diz-se que mexerico é coisa de mulher, mas também dos homens,
também nossa! Nós bisbilhotamos bastante! E isto destrói a comunidade. Depois, outra coisa é
ouvir, escutar as opiniões diversas e discutir as opiniões, mas bem, procurando a verdade, a
unidade: isto ajuda a comunidade. O meu padre espiritual, certa vez — eu estudava filosofia; ele
era um filósofo, um metafísico, mas era um bom padre espiritual — fui ter com ele e apresentouse o problema que eu sentia raiva de uma pessoa: «Mas, dele, porque isto, isso e aquilo...»; disse
ao padre espiritual tudo o que tinha dentro. E ele fez-me uma só pergunta: «Diz-me, tu rezaste
por ele?». Nada mais. E eu disse: «Não». E ele ficou em silêncio. «A conversa terminou», disseme. Rezar, rezar por todos os membros da comunidade, mas rezar sobretudo por aqueles com os
quais tenho problemas ou dos quais eu não gosto, porque não gostar de uma pessoa algumas
vezes é natural, instintivo. Rezar, e o Senhor fará o resto, mas rezar sempre. A oração
comunitária. Estas duas coisas — não queria falar tanto — mas garanto-vos que se vós fizerdes
estas duas coisas, a comunidade vai em frente, pode-se viver bem, pode-se discutir bem, pode-se
rezar bem juntos. Duas pequenas coisas: não falar mal dos outros e rezar por aqueles com os
quais temos problemas. Posso dizer mais, mas penso que isto é suficiente.
Bom dia, Santo Padre.
Bom dia.
Chamo-me Charbel, sou um seminarista do Líbano e estou a formar-me no Colégio Sedes
Sapientiae. Antes de formular a pergunta, gostaria de agradecer a Vossa Santidade a proximidade
ao nosso povo no Líbano e em todo o Médio Oriente. A minha pergunta é esta: no ano passado,
Vossa Santidade deixou a sua terra e a sua Pátria. Que nos recomenda para gerir melhor a nossa
chegada e estadia em Roma?
Mas, é diferente... a sua chegada a Roma, em relação à transferência de diocese que se deu
comigo: é um pouco diferente, mas está bem... Recordo a primeira vez que deixei [a minha terra]
para vir estudar aqui... Primeiro há a novidade, é a novidade das coisas, e devemos ser pacientes
connosco. Os primeiros tempos é como um tempo de noivado: tudo é belo, ah, as novidades, as
coisas...; mas isto não deve ser repreendido, é assim! Acontece isto a todos, acontece a todos que
as coisas sejam assim. E depois, voltando a um dos pilares, antes de tudo a integração na vida da
comunidade e na vida do estudo, directamente. Vim para isto, para fazer isto. E depois, procurar
um trabalho para o fim-de-semana, um trabalho apostólico, é importante. Não ficar fechado e não
ser dispersivo. Mas os primeiros tempos são a fase da novidade: «Gostaria de fazer isto, de visitar
aquele museu, de ver este filme, ou isto e aquilo...». Mas em frente, não vos preocupeis, é normal
que isto aconteça. Mas depois, levar a sério. O que vim fazer? Estudar. Estuda a sério! E aproveita
das muitas oportunidades que esta estadia te proporciona. A novidade das universalidades:
conhecer pessoas de tantos lugares diferentes, de muitos países diversos, de tantas culturas
diferentes; a oportunidade do diálogo entre vós: «Mas como é isto na tua pátria? E aquilo? E na
minha é...»; este intercâmbio faz muito bem, muito bem. Penso que simplesmente não falaria
mais. Mas não vos assusteis com aquela alegria das novidades: é a alegria do primeiro noivado,
antes que comecem os problemas. E em frente. Depois, levar a sério.
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Bom dia, Santo Padre. Chamo-me Daniele Ortiz e sou mexicano. Aqui em Roma vivo no Colégio
Maria Mater Ecclesiae. Em fidelidade à nossa vocação precisamos de um discernimento constante,
vigilância e disciplina pessoal. Como fez Vossa Santidade quando era seminarista, quando era
sacerdote, quando foi bispo e agora que é Pontífice? E que nos aconselha a este propósito?
Obrigado.
Obrigado. Tu pronunciaste a palavra vigilância. Esta é uma atitude cristã: a vigilância. A vigilância
sobre ti mesmo: o que acontece no meu coração? Porque o meu tesouro está onde o meu coração
estiver. O que acontece ali? Os Padres orientais dizem que se deve conhecer bem se o meu
coração é uma turbulência ou se está tranquilo. Primeira pergunta: vigilância sobre o coração: está
em turbulência? Se está em turbulência, não se pode ver o que tem dentro. Como o mar, não é?
Não se vêem os peixes, quando o mar está assim... O primeiro conselho, quando o coração está
turbulento, é o conselho dos Padres russos: ir sob o manto da Santa Mãe de Deus. Recordai-vos
que a primeira antífona latina é precisamente esta: em tempos de turbulência, procurar refúgio
sob o manto da Santa Mãe de Deus. É a antífona «Sub tuum presidium confugimus, Sancta Dei
Genitrix»: é a primeira antífona latina de Nossa Senhora. É curioso, não é? Vigiar. Há turbulência?
Antes de tudo, ir lá, e esperar lá que haja um pouco de calma: com a oração, com a entrega a
Nossa Senhora... Algum de vós dir-me-á: «Mas, Padre, neste tempo de tanta modernidade boa, da
psiquiatria, da psicologia, nestes momentos de turbulência penso que seria melhor ir ao psiquiatra
para que me ajude...». Não digo que não, mas antes de tudo ir ter com a Mãe: porque a um
sacerdote que se esquece da Mãe, e sobretudo nos momentos de turbulência, falta-lhe algo. É um
padre órfão: esqueceu-se da sua mãe! É nos momentos difíceis que a criança procura a mãe,
sempre. E nós somos crianças, na vida espiritual, nunca esqueçamos isto! Vigiar sobre como está
o meu coração. Tempo de turbulência, ir procurar refúgio sob o manto da Santa Mãe de Deus.
Assim dizem os monges russos, e na realidade é assim. Depois, que faço? Procuro compreender o
que acontece, mas sempre em paz. Compreender em paz. Depois volta a paz e posso fazer a
discussio conscientiae. Quando estou em paz, não há turbulência: «Que aconteceu hoje no meu
coração?». E isto é vigiar. Vigiar não significa ir à sala de torturas, não! Significa olhar para o
coração. Nós devemos ser donos do nosso coração. Que sente o meu coração, o que procura? O
que me faz hoje feliz e o que não me fez feliz? Nunca findar o dia sem fazer isto. Uma pergunta
que faço, como bispo, aos sacerdotes é: «Diz-me, como vais dormir?». «Oh, destruído, Padre,
porque há tanto trabalho, a paróquia, tanto... Depois janto algo, como depressa e vou para a
cama, vejo televisão e descontraio-me um pouco...». «E antes não passas pelo tabernáculo?». Há
coisas que nos mostram onde está o nosso coração. Nunca, nunca — e isto é vigilância! — findar o
dia sem ir ali um pouco, diante do Senhor; olhai e perguntai: «Que aconteceu no meu coração?».
Nos momentos tristes, nos momentos felizes: como era aquela tristeza, como era aquela alegria?
Isto é vigilância. Vigiar também sobre as depressões e entusiasmos. «Hoje sinto-me abatido, não
sei o que acontece». Vigiar: porque me sinto abatido? Talvez convenha que vás falar com alguém
que te ajude?... Isto é vigilância. «Oh, sinto-me contente!». Mas por que me sinto contente, hoje?
Que aconteceu no meu coração? Isto não é uma introspecção estéril, não, não! É conhecer o
estado do meu coração, a minha vida, como caminho pela via do Senhor. Porque, se não há
vigilância, o coração disperde-se; e a imaginação vai atrás: «vai, vai...»; e depois pode acabar
mal. Gosto da pergunta sobre a vigilância. Estas não são coisas antigas, não são coisas superadas.
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São coisas humanas, e como todas as coisas humanas, são eternas. Levá-las-emos sempre
connosco. Vigiar sobre o coração era precisamente a sabedoria dos primeiros monges cristãos;
ensinavam isto, a vigiar sobre o coração.
Posso fazer um parêntese? Por que falei de Nossa Senhora? Aconselho-vos o que vos disse há
pouco, procurar refúgio... Um bom relacionamento com Nossa Senhora; relação com Nossa
Senhora ajuda-nos a ter um bom relacionamento com a Igreja: as duas são Mães... Conheceis o
lindo trecho de santo Isaac, abade da Estrela: o que se pode dizer de Maria pode dizer-se da
Igreja e também da nossa alma. As três são femininas, as três são mães, as três dão vida. A
relação com Nossa Senhora é uma relação de filho... Vigiar sobre isto: se não tivermos um bom
relacionamento com Nossa Senhora, haverá um pouco de orfandade no meu coração. Recordome, uma vez, há 30 anos, estava no Norte da Europa: tinha que ir lá para a educação da
Universidade de Córdova, da qual naquele momento eu era vice-chanceler. E convidou-me uma
família de católicos praticantes; aquele era um país secularizado demais. E no jantar, tinham
muitos filhos, eram católicos praticantes, ambos professores universitários, e também catequistas.
A um certo ponto, falando de Jesus Cristo — entusiastas de Jesus Cristo, falo de há trinta anos —
disseram: «Sim, graças a Deus superámos a etapa de Nossa Senhora...». E que significa isto,
perguntei. «Sim, porque descobrimos Jesus Cristo, e já não precisamos dela». Senti-me um pouco
contristado, não compreendi bem. E falámos um pouco sobre este aspecto. Não é esta a
maturidade! Não é maturidade, esquecer a mãe é mau... E, dizendo de outro modo: se não
quiseres Nossa Senhora por Mãe, sem dúvida tê-la-ás por sogra! E isto não é bom! Obrigado.
Viva Jesus, viva Maria! Obrigado, Santo Padre, pelas suas palavras sobre Nossa Senhora. Chamome Inácio e venho de Manila, Filipinas. Estou a fazer a pós-graduação em mariologia na Pontifícia
Faculdade Teológica Marianum, e resido no Pontifício Colégio Filipino. Santo Padre, a minha
pergunta é: a Igreja precisa de pastores capazes de guiar, governar, comunicar como o mundo de
hoje exige. Como se aprende e se exerce a liderança na vida sacerdotal, assumindo o modelo de
Cristo que se abaixou até à cruz, e morte de cruz? Obrigado.
Mas o teu bispo é um grande comunicador!
É o Cardeal Tagle...
A liderança... é este o centro da pergunta... Há um só caminho — depois falarei dos pastores —
mas no respeitante à liderança há um só caminho: o serviço. Não existe outro. Se possuíres
muitas qualidades — comunicar, etc. — mas não fores um servo, a tua liderança decairá, não
serve, não é capaz de convocar. Só o serviço: estar ao serviço... Recordo-me de um padre
espiritual muito bom, o povo procurava-o, a ponto que às vezes não podia recitar todo o breviário.
E à noite, ia diante do Senhor e dizia: «Senhor, repara, não fiz a tua vontade, mas nem sequer a
minha! Fiz a vontade dos outros!». Assim, ambos — o Senhor e ele — consolavam-se. O serviço
consiste em fazer, muitas vezes, a vontade dos outros. Um sacerdote que trabalhava num bairro
muito pobre — muito pobre! — uma «vila miséria», uma favela, disse: «Precisaria de fechar todas
as janelas, todas as portas, porque a um certo ponto é demais, é muito o que me vêm pedir: esta
coisa espiritual, esta coisa material, que no fim teria vontade de fechar tudo. Mas isto não é do
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Senhor», dizia. É verdade: quando não há serviço, não se pode guiar um povo. O pastor deve
ajudar o povo a crescer, a caminhar. Ontem, na Leitura fiquei curioso porque se lia no Evangelho a
palavra «impelir»: o pastor impele as ovelhas para que vão procurar a erva. Fiquei curioso: fá-las
sair, fá-las sair à força! O original tem um certo tom disto: fá-las sair, mas à força. É como
escorraçar: «vai, vai!». O pastor que faz crescer o seu povo e o seu povo que caminha sempre
com o seu pastor. Algumas vezes, o pastor deve ir à frente, para indicar o caminho; outras, no
meio, para ver o que acontece; muitas vezes, atrás, para ajudar os últimos e também para seguir
o faro das ovelhas que sabem onde está a erva boa. O pastor... Santo Agostinho, retomando
Ezequiel, diz que deve estar ao serviço das ovelhas e frisa dois perigos: o pastor que explora as
ovelhas para comer, para ganhar dinheiro, por interesse económico, material, e o pastor que
explora as ovelhas para se vestir bem. A carne e a lã. Diz santo Agostinho. Lede aquele lindo
sermão De pastoribus. É preciso lê-lo e voltar a lê-lo. Sim, são os dois pecados dos pastores: o
dinheiro, tornam-se ricos e fazem as coisas por dinheiro — pastores de negócios — e a vaidade,
são os pastores que se julgam num estado superior ao seu povo, indiferentes... pensemos, os
pastores-príncipes. O pastor-comerciante e o pastor-príncipe. São estas as duas tentações que
santo Agostinho, retomando aquele trecho de Ezequiel, menciona no seu sermão. É verdade, um
pastor que se procura a si mesmo, tanto pela via do dinheiro como pela via da vaidade, não é um
servo, não possui uma liderança verdadeira. A humildade deve ser a arma do pastor: humilde,
sempre ao serviço. Deve procurar o serviço. E não é fácil ser humilde, não, não é fácil! Dizem os
monges do deserto que a vaidade é como a cebola: tu, quando pegas numa cebola, começas a
descascá-la, e sentes-te vaidoso e começas e desfolhar a vaidade. E uma, e duas, e outra folha, e
outra ainda, outra, outra... no fim, obténs... nada. «Ah, graças a Deus, descasquei a cebola,
descasquei a vaidade». Se fizeres assim, terás o cheiro da cebola! Assim dizem os Padres do
deserto. A vaidade é assim. Certa vez ouvi um jesuíta — bom, um homem bondoso — mas era tão
vaidoso, tão vaidoso... E todos lhe dizíamos: «Tu és vaidoso!», mas ele era tão bondoso que todos
o perdoavam. E foi fazer os exercícios espirituais, e quando voltou disse-nos, a nós, na
comunidade: Que exercícios bons!». Fiz oito dias de Céu, e achei que eu era tão vaidoso! Mas
graças a Deus, venci todas as paixões!». A vaidade é assim! É muito difícil fazer com que um
padre perca da vaidade. Mas o povo de Deus perdoa muitas coisas: perdoa se tiveste uma queda
afectiva, perdoa. Perdoa se escorregaste com um pouco de vinho, perdoa. Mas não perdoa se
fores um pastor apegado ao dinheiro, se fores um pastor vaidoso que não trata bem o povo.
Porque o vaidoso não trata bem as pessoas. Dinheiro, vaidade e orgulho. Os três degraus que nos
conduzem a todos os pecados. O povo de Deus compreende as nossas debilidades, e perdoa-as;
mas estas duas, não as perdoa! Não perdoa o apego ao dinheiro no pastor. E não perdoa se não é
tratado bem. É curioso, não é? Estes dois defeitos, devemos lutar para não os ter. Depois, a
liderança deve ser no serviço, mas com um amor pessoal pelo povo. Certa vez ouvi o seguinte
acerca de um pároco: «Aquele homem conhecia o nome de todas as pessoas do seu bairro, até
dos cães!». É bonito! Estava próximo, conhecia cada um, sabia a história de todas as famílias,
sabia tudo. E ajudava. Estava tão próximo... Proximidade, serviço, humildade, pobreza e sacrifício.
Recordo os velhos párocos de Buenos Aires, quando não havia o telemóvel, a secretaria telefónica;
dormiam com o telefone ao seu lado. Ninguém morria sem os Sacramentos. Chamavam-nos a
todas as horas: levantavam-se e iam. Serviço, serviço. E quando eu era bispo, sofria quando
telefonava para uma paróquia e me respondia uma secretaria telefónica... Assim não há liderança!
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Como podes guiar um povo se não o ouves, se não estás ao seu serviço? São estas as coisas que
me vêm assim, um pouco... não em ordem, mas para responder à tua pergunta...
Bom dia, Santo Padre.
Bom dia.
Chamo-me Sèrge, venho dos Camarões. A minha formação está a ser feita no Colégio de São
Paulo Apóstolo. Eis a pergunta: quando regressarmos às nossas dioceses e comunidades, seremos
chamados a novas responsabilidades ministeriais e a novas tarefas formativas. Como podemos
fazer conviver de modo equilibrado todas as dimensões da vida ministerial: a oração, os
compromissos pastorais, as tarefas formativas sem descuidar nenhuma delas? Obrigado.
Há uma pergunta à qual eu não respondi: passou despercebida, talvez — o inconsciente é
desonesto! — e quero relacioná-la com esta. Perguntavam-me: «Como faz Vossa Santidade, como
Papa, estas coisas?». Também a tua... Responderei à tua, contando, com muita simplicidade, o
que faço para não descuidar as coisas. A oração. Procuro, de manhã, recitar as laudes e também
rezar um pouco, a lectio divina, com o Senhor. Quando me levanto. Primeiro leio os «cifrados», e
depois faço isto. Em seguida, celebro a Missa. Depois, começa o trabalho: o trabalho que um dia é
de um tipo, outro dia de outro... procuro fazê-lo seguindo uma ordem. Ao meio-dia, almoço,
depois um pouco de sesta; a seguir, às três — desculpai — recito as Vésperas às três... Se não as
recito àquela hora, já não as recito! Sim e também a leitura, o Ofício da leitura do dia seguinte.
Depois o trabalho da tarde, as coisas que devo fazer... A seguir faço um pouco de adoração e
recito o Rosário; jantar, e acaba. Este é um bom esquema. Mas certas vezes não se pode fazer
tudo, porque me deixo levar por exigências imprudentes: demasiado trabalho, ou pensar que se
não faço isto hoje não o farei amanhã... não se faz a adoração, nem a sesta, nem isto... E também
aqui, a vigilância: vós regressareis à diocese e acontecerá convosco o que acontece comigo: é
normal. O trabalho, a oração, um pouco de tempo para repousar, sair de casa, caminhar um
pouco, tudo isto é importante... mas deveis regulá-lo com a vigilância e também com os
conselhos... O ideal é chegar cansado ao fim do dia: isto é o ideal. Não precisar de comprimidos:
acabar cansado. Mas com um bom cansaço. Com um bom cansaço, não com um cansaço
imprudente, porque isto faz mal à saúde, e com o tempo paga-se caro. Olho para a cara do
Sandro, que ri e diz: «Mas Vossa Santidade não faz isto!». É verdade. Este é o ideal, mas nem
sempre o faço, porque também eu sou pecador, e nem sempre sou tão organizado. Mas é isto que
deves fazer...
Bom dia Santo Padre, eu sou Fernando Rodriguez, sou um sacerdote novo, do México, fui
ordenado há um mês, e vivo no Colégio mexicano. Vossa Santidade recordou-nos que a Igreja
precisa de uma nova evangelização. Na Evangelii gaudium, Vossa Santidade analisou a preparação
da pregação, a homilia e o anúncio como forma de um diálogo apaixonado entre pastor e o seu
povo. Poderia voltar a falar sobre este tema da nova evangelização? E também nos perguntamos,
Santidade, como deveria ser o sacerdote para a nova evangelização. Qual ou quais deveriam ser
as suas características? Obrigado.
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Quando são João Paulo II — eu pensava que era a primeira vez, mas depois disseram-me que não
era — falou da nova evangelização, foi em Santo Domingo em 1992. E ele disse que tinha de ser
nova na metodologia, no fervor, no zelo apostólico, e a terceira não me recordo... Quem se
recorda? A expressão! Procurar uma expressão que se sintonize com a unicidade dos tempos. E,
para mim, no Documento de Aparecida é muito claro! Este Documento de Aparecida desenvolve
bem isto. Para mim a evangelização exige sair de si mesmo; requer a dimensão do transcendente:
o transcendente na adoração de Deus, na contemplação, e o transcendente para com os irmãos,
para com o povo. Sair de si, sair! Para mim isto é como o nó da evangelização. Sair significa
chegar, ou seja, proximidade. Se não saíres de ti mesmo, não terás proximidade! Proximidade.
Estar próximo das pessoas, próximo de todos, de todos aqueles aos quais devemos estar
próximos. Todo o povo. Sair. proximidade. Não se pode evangelizar sem proximidade.
Proximidade, mas cordial; proximidade no amor, também proximidade física; estar próximo. E tu
relacionas a homilia com isto. O problema das homilias tediosas — por assim dizer — o problema
das homilias tediosas é que não há proximidade. É na homilia que se mede a proximidade do
pastor ao seu povo. Se na homilia, imaginemos, te prolongas por 20, 25, 30 ou 40 minutos — não
são fantasias, isto acontece — e falares de coisas abstractas, de verdades da fé, não fazes uma
homilia, fazes escola! É uma coisa diferente! Não estás próximo do povo. Por isso a homilia é
importante: para calibrar, para conhecer bem a proximidade do sacerdote. Penso que
normalmente as nossas homilias não são boas, não são precisamente do género literário
homilético: são conferências, lições ou reflexões. Mas a homilia — e isto perguntai-o aos
professores de teologia — a homilia na Missa, a Palavra é Deus forte, é um sacramental. Para
Lutero era quase um sacramento: era ex opere operato, a Palavra pregada; para outros é ex
opere operantis, apenas. Mas penso que está no centro, um pouco das duas. A teologia da homilia
é quase um sacramental. É diverso do dizer duas palavras sobre um tema. É outra coisa. Supõe
oração, estudo, conhecimento das pessoas às quais falarás, supõe proximidade. Na homilia, para
se fazer uma boa evangelização, devemos progredir bastante, estamos atrasados. É um dos
pontos da conversão dos quais hoje a Igreja precisa: preparar bem as homilias, para que o povo
compreenda. E depois de oito minutos, a atenção distrai-se. Uma homilia que dura mais de oito,
dez minutos não é boa. Deve ser breve, forte. Aconselho-vos dois livros, dos meus tempos, mas
são bons, para este aspecto da homilia, porque vos ajudarão muito. O primeiro, «Teologia da
pregação», de Hugo Rahner. Não de Karl, de Hugo. Pode-se ler bem Hugo, Karl é difícil de ler.
Este é uma jóia: «Teologia da pregação». E o outro é do padre Domenico Grasso, que nos
introduz no que consiste uma homilia. Penso que tem o mesmo título: «Teologia da pregação».
Ajudar-vos-á bastante. A proximidade, a homilia... Há outra coisa que queria dizer... Sair,
proximidade, a homilia como medida de como estou próximo do povo de Deus. E outra categoria
que gosto de usar é das periferias. Quando se sai não se deve chegar só a meio caminho, mas ir
até ao fim. Alguns dizem que se deve começar a evangelização pelos mais distantes, como fazia o
Senhor. É isto que a tua pergunta suscita em mim. Mas este aspecto da homilia é verdadeiro: para
mim é um dos problemas que a Igreja deve estudar e converter-se. As homilias, as homilias: não
são fazer escola, não são conferências, são outra coisa. Agrada-me quando os sacerdotes se
reúnem duas horas para preparar a homilia do domingo seguinte, porque se cria um clima de
oração, de estudo, de intercâmbio de opiniões. Isto é bom, faz bem. Prepará-la com outro, muito
bem.
191
Louvado seja Jesus Cristo! Chamo-me Voicek, vivo no Pontifício Colégio Polaco, estudo teologia
moral. Santo Padre, o ministério presbiteral ao serviço do nosso povo a exemplo de Cristo e da sua
missão, o que nos recomenda para permanecermos bem dispostos e alegres no serviço ao povo
de Deus? Quais qualidades humanas nos aconselha e recomenda que cultivemos para sermos
imagem do Bom Pastor e viver aquela a que Vossa Santidade chamou «mística do encontro»?
Falei de algumas coisas que se devem fazer, principalmente na oração. Mas parto da tua última
palavra para dizer algo, que se deve acrescentar a todas as que já disse, que foram ditas e que
conduzem precisamente à tua pergunta. Disses-te «mística do encontro». O encontro. A
capacidade de se encontrar. A capacidade de procurar juntos o caminho, o método, muitas coisas.
Este encontro. E significa também não se assustar, não se apavorar com as coisas. O bom pastor
não se deve assustar. Talvez sinta receio dentro, mas nunca se assusta. Sabe que o Senhor o
ajuda. O encontro com as pessoas das quais te deves ocupar na cura pastoral; o encontro com o
seu Bispo. É importante o encontro com o Bispo. É importante também que o Bispo se deixe
encontrar. É importante... porque algumas vezes se ouve: «Disseste isto ao teu Bispo? Sim, pedi
audiência, mas já passaram quatro meses. Estou à espera!». Isto não é bom, não. Ir ter com o
Bispo e que o Bispo se deixe encontrar. O diálogo. Mas sobretudo gostaria de dizer uma coisa: o
encontro entre os sacerdotes, entre vós. A amizade sacerdotal: ela é um tesouro, um tesouro que
se deve cultivar entre vós. A amizade entre vós. A amizade sacerdotal. Nem todos podem ser
amigos íntimos. Mas como é bonita uma amizade sacerdotal! Quando os sacerdotes, como dois,
três, quatro irmãos, se conhecem, falam dos seus problemas, das suas alegrias, das suas
expectativas, de muitas coisas... Amizade sacerdotal. Procurai isto, é importante. Ser amigos.
Penso que isto ajuda muito a levar a vida sacerdotal, a viver a vida espiritual, a vida apostólica, a
vida comunitária e também a vida intelectual: a amizade sacerdotal. Se encontrasse um sacerdote
que me diz: «Nunca tive um amigo», pensaria que este sacerdote não teve uma das alegrias mais
agradáveis da vida sacerdotal, a amizade sacerdotal. É o que desejo a cada um de vós. Desejo
que sejais amigos daqueles que o Senhor põe no vosso caminho para a amizade. Desejo isto na
vida. A amizade sacerdotal é uma força de perseverança, de alegria apostólica, de coragem,
também de sentido do humorismo. É belo, muito belo! Eis o que penso. Agradeço-vos a paciência!
E agora podemos rezar a Nossa Senhora, pedir a bênção...
Regina caeli...
192
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DO MÉXICO POR OCASIÃO
DA VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Sala Clementina
Segunda-feira, 19 de Maio de 2014
Antes de entregar o discurso escrito aos Prelados, o Pontífice improvisou as seguintes palavras:
Agradeço-vos a visita. Obrigado ao Presidente da Conferência, Cardeal Robles. O discurso que
assinei ser-vos-á entregue, a cada um, assim posso saudar-vos um por um como queríeis.
Obrigado pela vossa proximidade. Aprendi muito daquilo que me dissestes. Deixastes-me
preocupações sérias em relação às vossas Igrejas: algumas sofrem muito devido aos problemas
que o Cardeal Robles mencionou. São problemas sérios. No entanto, vejo que a vossa Igreja está
consolidada sobre fundamentos muito sólidos. E em vós é muito forte o vínculo com a Mãe do
Senhor... E isto é muito importante! É muito importante! Maria não vos deixará sozinhos diante de
tantos problemas, tão dolorosos... Alguns dos seus filhos atravessam a fronteira, todos os
problemas das migrações, os que não chegam ao outro lado... Filhos que morrem, assassinados
por mãos de sicários recrutados... Todos problemas sérios! E também a droga, que hoje é uma
situação que vos faz sofrer gravemente. Um sofrimento quando um camponês vos diz: «Que
queres que eu faça? Se cultivo milho vivo um mês, mas se planto ópio vivo o ano inteiro!». Estai
com o vosso povo, sempre! A única recomendação que vos daria, feita com o coração — também
o discurso foi feito com o coração, mas esta é ainda mais de coração — é a dupla transcendência.
A primeira transcendência está na oração ao Senhor: não vos esqueçais da oração. É a
«negociação» dos Bispos com Deus pelo próprio povo. Não vos esqueçais! E a segunda
transcendência, a proximidade ao próprio povo. E com estas duas intenções, vamos em frente!
Com esta dupla intenção, continuemos! Rezai por mim que eu rezo por vós. E muito obrigado!
Queridos irmãos no episcopado!
Recebei a minha mais cordial saudação de boas-vindas por ocasião da vossa visita ad limina
Apostolorum. Agradeço ao cardeal José Francisco Robles, Arcebispo de Guadalajara e Presidente
da Conferência do Episcopado Mexicano, as cordiais palavras que me dirigiu em nome de todos,
como testemunho da comunhão que nos une no anúncio autêntico do Evangelho.
Nesses últimos anos, a celebração do Bicentenário da Independência do México e do Centenário
da Revolução Mexicana constituiu uma ocasião propícia para unir os esforços a favor da paz social
e de uma convivência justa, livre e democrática. Assim, vos encorajou o meu predecessor Bento
XVI, convidando-vos a «não vos deixar intimidar pelas forças do mal, a ser corajosos e a trabalhar
193
a fim de que a linfa das vossas raízes cristãs faça florescer o vosso presente e futuro» (Cerimónia
de despedida no aeroporto de Guanajuato, 26 de Março de 2012).
Como para muitos outros países latino-americanos, não se pode entender a história do México
sem os valores cristãos que apoiam o espírito do seu povo. Não é estranha a isto Nossa Senhora
de Guadalupe, Padroeira de toda a América, que em mais de uma ocasião, com ternura de mãe,
contribuiu para a reconciliação e libertação integral do povo mexicano, não com a espada nem
com a força, mas com amor e fé. Desde o início, a «Mãe do veríssimo e único Deus, daquele que é
o autor da vida», pediu a san Juan Diego para lhe construir «uma casa pequena» onde pudesse
acolher maternalmente tanto os próximos como os distantes (Nican Mopohua, 26).
Actualmente, as múltiplas violências que afligem a sociedade mexicana, e em particular os jovens,
constituem um renovado apelo a promover este espírito de concórdia através da cultura do
encontro, do diálogo e da paz. Certamente, não compete aos Pastores oferecer soluções técnicas
nem adoptar medidas políticas, que transcendam o âmbito pastoral; contudo, eles não podem
deixar de anunciar a todos a Boa Nova: que Deus, na sua misericórdia, se fez homem e pobre (cf.
2 Cor 8, 9) e quis sofrer juntamente com quem sofre, para nos salvar. Só podemos viver a
fidelidade a Jesus Cristo como solidariedade comprometida e próxima ao povo nas suas
necessidades, oferecendo a partir de dentro os valores do Evangelho.
Conheço o vosso compromisso pelos necessitados, pelas pessoas sem recursos, os
desempregados, os que trabalham em condições desumanas, os que não têm acesso aos serviços
sociais, os migrantes em busca de melhores condições de vida, os camponeses... Sei da vossa
preocupação pelas vítimas do narcotráfico e pelos grupos sociais mais vulneráveis, e do vosso
compromisso pela defesa dos direitos humanos e o desenvolvimento integral da pessoa. Tudo isto,
que é expressão da «íntima ligação» existente entre o anúncio do Evangelho e a busca do bem do
próximo (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 178), sem dúvida contribui para dar
credibilidade à Igreja e relevância à voz dos seus Pastores.
Não hesiteis em frisar a contribuição inestimável da fé para «a cidade dos homens e a sua vida
comum» (Carta Encíclica Lumen fidei, 54). Neste âmbito, a tarefa dos fiéis leigos é insubstituível. A
sua apreciada colaboração intereclesial nunca deveria faltar no cumprimento da sua vocação
específica: transformar o mundo segundo Cristo. A missão da Igreja não pode prescindir dos leigos
que, haurindo força da Palavra de Deus, dos sacramentos e da oração, devem viver a fé no
coração da família, da escola, do trabalho, dos movimentos populares, dos sindicatos, dos partidos
e até do Governo, dando testemunho da alegria do Evangelho. Convido-vos a promover a sua
responsabilidade secular e a oferecer-lhes uma preparação adequada para tornar visível a
dimensão pública da fé. Para este fim, a Doutrina Social da Igreja é um válido instrumento que
pode ajudar os cristãos no seu compromisso diário para edificar um mundo mais justo e solidário.
Deste modo serão superadas também as dificuldades que surgirem na transmissão geracional da
fé cristã. Os jovens constatarão com os próprios olhos testemunhos vivos da fé, que realmente
encarnam na vida o que os lábios professam (cf. Carta Encíclica Lumen fidei, 38). Além disso,
nascerão espontaneamente novos processos de evangelização da cultura que contribuem para
194
regenerar a vida social e, ao mesmo tempo, fazem com que a fé seja mais resistente aos ataques
do secularismo (cf. Exortação Apostólica Evangelii gaudium, 68 e 122).
Neste sentido o potencial da piedade popular, que é «a modalidade na qual a fé recebida se
encarna numa cultura e continua a transmitir-se» (Ibid., 123), constitui um «imprescindível ponto
de partida para obter que a fé do povo adquira maturidade e profundidade» (Congregação para o
culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, Directório sobre piedade e liturgia, 64).
A família, célula fundamental da sociedade e «primeiro centro de evangelização» (III Conferência
Geral do Episcopado Latino-Americano, Documento de Puebla, 617), é um meio privilegiado para
que o tesouro da fé seja transmitido de pais para filhos. Os momentos frequentes de diálogo no
seio das famílias e a oração em conjunto consentem que as crianças sintam a fé como parte
integrante da vida quotidiana. Por conseguinte, encorajo-vos a intensificar a pastoral da família —
certamente o valor mais precioso para os nossos povos — a fim de que, diante da cultura
desumana da morte, se torne promotora da cultura do respeito pela vida em todas as suas fases,
desde a concepção até à morte natural.
No momento presente, no qual as mediações da fé são cada vez mais escassas, a pastoral da
iniciação cristã adquire um relevo particular para facilitar a experiência de Deus. Para esta
finalidade é necessário poder contar com catequistas apaixonados de Cristo, e que O tendo
encontrado pessoalmente, sejam capazes de cultivar uma fé sincera, livre e jubilosa nas crianças e
nos jovens.
Nunca deixarei de evidenciar a importância que a paróquia assume na vivência da fé
com coerência e sem complexos na sociedade actual. Ela é «a própria Igreja que vive
no meio das casas dos seus filhos e filhas» (João Paulo II, Exortação Apostólica póssinodal Christifideles laici, 26), o âmbito eclesial que garante o anúncio do Evangelho,
a caridade generosa e a celebração litúrgica. Nesta tarefa, os sacerdotes são os
primeiros e mais preciosos colaboradores para levar Deus aos homens e os homens a
Deus. Além de promover espaços de formação e preparação permanente, não
esqueçais o encontro pessoal com cada um deles, para vos interessar sobre a sua
situação, encorajar os seus trabalhos pastorais e propor-lhes repetidamente como
modelo, com as palavras e o exemplo, Jesus Cristo Sacerdote, que nos exorta a
despojar-nos dos adornos da mundanidade, do dinheiro e do poder.
Não vos canseis de apoiar e acompanhar os consagrados e consagradas no seu
caminho. Com a riqueza da sua espiritualidade específica e a partir da tensão comum
para a caridade perfeita, eles pertencem «inseparavelmente à vida e à santidade» da
Igreja (Lumen gentium, 44). Portanto, o seu valor inegável é a integração na pastoral
diocesana como «sentinelas» que mantêm o desejo de Deus vivo no mundo e o
despertam no coração de muitas pessoas com sede de infinito.
Enfim, penso com esperança nos jovens que ouvem a chamada de Deus. Cuidai
sobretudo a promoção, selecção e formação das vocações para o sacerdócio e a vida
195
consagrada. Elas são expressão da fecundidade da Igreja e da sua capacidade de gerar
discípulos e missionários que lancem em todo o mundo a semente do Reino de Deus.
Queridos irmãos, alegro-me em ver que nos vossos planos pastorais acolhestes as indicações de
Aparecida, da qual se celebra nestes dias o 7º aniversário, frisando a importância da missão
continental permanente que põe toda a pastoral da Igreja em chave missionária e exige que cada
um de nós cresça em parresia. Deste modo podemos dar testemunho de Cristo com a vida
também a quantos se afastaram e sair de nós mesmos para trabalhar com entusiasmo na obra
que nos foi confiada, mantendo ao mesmo tempo os braços elevados em oração, porque a força
do Evangelho não é algo meramente humano, mas um prolongamento da iniciativa do Pai que
enviou o seu Filho para a salvação do mundo.
Antes de me despedir, peço-vos que saudai o povo mexicano. Pedi aos vossos fiéis que rezem por
mim, porque tenho necessidade. E peço-vos também para levar a minha saudação, saudação de
filho, à Virgem de Guadalupe. Que Ela, Estrela da nova evangelização, vos proteja e guie todos
para o seu divino Filho! Com os votos de que a alegria de Cristo ressuscitado ilumine os vossos
corações, vos concedo a Bênção Apostólica.
196
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
NA INAUGURAÇÃO DA 66ª ASSEMBLEIA GERAL
DA CONFERÊNCIA EPISCOPAL ITALIANA
Aula do Sínodo
Segunda-feira, 19 de Maio de 2014
Vídeo
[depois do momento de oração]
Sempre me impressionou o modo como termina este diálogo entre Jesus e Pedro: «Segue-me!»
(Jo 21, 19). A última palavra! Pedro tinha passado por muitos estados de espírito; naquele
momento, a vergonha, porque se recordava das três vezes que tinha negado Jesus, e depois um
pouco de constrangimento, pois não sabia como responder; e por fim a paz, pois sentiu-se
tranquilo com aquele «segue-me!». Mas em seguida mais uma vez veio o tentador, a tentação da
curiosidade: «Diz-me, Senhor, deste [do apóstolo João] o que me podes dizer? O que acontecerá
com ele?». «Não te importes com isto. Segue-me!». Gostaria de ir embora só com esta
mensagem... Senti-o enquanto ouvia isto: «Não te importes com isto. Segue-me!». Aquele seguir
Jesus: isto é importante! É mais importante para nós. Isto sempre me impressionou...
Obrigado por este convite, agradeço ao Presidente as suas palavras. Estou grato aos membros da
Presidência... Um jornal dizia, acerca dos membros da Presidência, que «este é homem do Papa,
aquele outro não é homem do Papa, este aqui é homem do Papa...». Mas a Presidência, composta
por cinco ou seis, são todos homens do Papa, para falar com esta linguagem «política»... Contudo,
nós devemos utilizar a linguagem da comunhão. Mas, por vezes, a imprensa inventa muitas coisas,
não?
Enquanto me preparava para este encontro de graça, meditei várias vezes sobre as palavras do
apóstolo, que expressam o que tenho — quanto todos nós temos — no coração: «Desejo
ardentemente ver-vos, a fim de vos comunicar algumas graças espirituais que vos possam
confirmar, ou melhor, para que também eu seja encorajado juntamente convosco naquela fé que
nos é comum» (Rm 1, 11-12).
Vivi este ano, procurando acompanhar o passo de cada um de vós: nos encontros pessoais, nas
audiências e nas visitas no território, ouvi e compartilhei a narração de esperanças, dificuldades e
preocupações pastorais; partícipes da mesma mesa, fortalecemo-nos encontrando no pão partido
o perfume de um encontro, razão derradeira do nosso caminhar rumo à cidade dos homens, com
o rosto alegre e a disponibilidade a constituirmos presença e evangelho de vida.
197
Neste momento, juntamente com o reconhecimento pelo vosso serviço generoso, gostaria de vos
oferecer algumas reflexões com as quais revisitar o ministério, a fim de que se conforme cada vez
mais com a vontade d’Aquele que nos pôs na guia da sua Igreja.
O povo fiel observa-nos. O povo olha para nós! Recordo-me de um filme: «As crianças olham para
nós»; era bonito! O povo olha para nós. Olha para nós a fim de ser ajudado a captar a
singularidade da própria vida quotidiana no contexto do desígnio providencial de Deus. A nossa
missão é exigente: requer que conheçamos o Senhor até habitar nele; e, ao mesmo tempo, que
tenhamos a nossa morada na vida das nossas Igrejas particulares, até conhecer os seus rostos,
necessidades e potencialidades. Embora a síntese desta exigência dupla esteja confiada à
responsabilidade de cada um, determinadas características são contudo comuns; e hoje gostaria
de indicar três delas, que contribuem para delinear o nosso perfil de Pastores de uma Igreja que
é, antes de tudo, comunidade do Ressuscitado, portanto do seu corpo e, finalmente, antecipação e
promessa do Reino.
Deste modo, também tenciono ir ao encontro — pelo menos indirectamente — de quantos se
interrogam sobre quais são as expectativas do Bispo de Roma acerca do Episcopado italiano.
1. Pastores de uma Igreja comunidade do Ressuscitado
Portanto, perguntemo-nos: quem é Jesus Cristo para mim? Como foi que Ele marcou a verdade da
minha história? Que diz dele a minha vida?
Irmãos, a fé é memória viva de um encontro, alimentado com o fogo da Palavra que plasma o
ministério e unge todo o nosso povo; a fé é um selo posto no coração: sem este cuidado, sem a
oração assídua, o Pastor expõe-se ao perigo de se envergonhar do Evangelho, acabando por diluir
o escândalo da Cruz na sabedoria mundana.
As tentações, que procuram ofuscar o primado de Deus e do seu Cristo, são uma «legião» na vida
do Pastor: vão da tibieza, que acaba na mediocridade, à busca de uma vida sossegada, que
esquiva renúncias e sacrifícios. É tentação a pressa pastoral, ao mesmo nível da sua meia-irmã,
aquela acídia que leva à intolerância, como se tudo fosse apenas um peso. Tentação é a
presunção de quem se ilude que pode contar unicamente com as suas próprias forças, com a
abundância de recursos e de estruturas, com as estratégias organizacionais que sabe pôr em
acção. Tentação é acomodar-se na tristeza que, enquanto apaga qualquer expectativa e
criatividade, nos deixa insatisfeitos e portanto incapazes de entrar na vida concreta do nosso povo,
e de o entender à luz da manhã de Páscoa.
Irmãos, se nos afastarmos de Jesus Cristo, se o encontro com Ele perder o seu viço, acabaremos
por tocar com a mão somente a esterilidade das nossas palavras e das nossas iniciativas. Porque
os planos pastorais são úteis, mas a nossa confiança está posta algures: no Espírito do Senhor que
— na medida da nossa docilidade — nos abre de par em par, continuamente, os horizontes da
missão.
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Para evitar que se encalhe nos recifes, a nossa vida espiritual não pode reduzir-se a poucos
momentos religiosos. Na sucessão dos dias e das estações, no suceder-se das idades e dos
acontecimentos, exercitemo-nos a fim de nos considerarmos pessoas que contemplam Aquele que
não passa: espiritualidade significa regresso ao essencial, àquele bem que ninguém nos pode tirar,
ao único bem verdadeiramente necessário. Até nos momentos de aridez, quando as situações
pastorais se tornam difíceis e quando temos a impressão de estarmos sozinhos, ela é um manto
de consolação maior do que qualquer dissabor; é a medida de liberdade do juízo do chamado
«senso comum»; é fonte de júbilo, que nos leva a receber tudo das mãos de Deus, a ponto de
contemplarmos a sua presença em tudo e em todos.
Portanto, não nos cansemos de procurar o Senhor — de nos deixarmos buscar por Ele — de cuidar
da nossa relação com Ele no silêncio e na escuta orante. Mantenhamos fixo o nosso olhar sobre
Ele, centro do tempo e da história; reservemos espaço à sua presença em nós; é Ele o princípio e
o fundamento que cobre de misericórdia as nossas debilidades e tudo transfigura e renova; Ele é
aquilo que de mais precioso somos chamados a oferecer à nossa gente, caso contrário
acabaremos por deixá-lo à mercê de uma sociedade da indiferença, se não mesmo do desespero.
Dele — ainda que o ignorasse — vive cada homem. Por Ele, Homem das Bem-Aventuranças —
página evangélica que volta quotidianamente à minha meditação — passa a medida alta da
santidade: se tivermos a intenção de O seguir, não nos é dado outro caminho. Percorrendo-o com
Ele, descobrimo-nos como povo, a ponto de reconhecer com enlevo e gratidão que tudo é graça,
inclusive as dificuldades e as contradições da vivência humana, se forem experimentadas com o
coração aberto ao Senhor, com a paciência do artesão e com o coração do pecador arrependido.
Assim, e memória da fé é companhia e pertença eclesial: eis a segunda característica do nosso
perfil.
2. Pastores de uma Igreja Corpo do Senhor
Procuremos interrogar-nos mais uma vez: que imagem tenho da Igreja, da minha comunidade
eclesial? Sinto-me seu filho, além de Pastor? Sei dar graças a Deus, ou vejo sobretudo os atrasos,
os defeitos e as faltas? Quanto estou disposto a sofrer por ela?
Irmãos, a Igreja — no tesouro da sua Tradição viva, que em última análise reluz no santo
testemunho de João XXIII e de João Paulo II— é a outra graça à qual devemos sentir-nos
profundamente devedores. De resto, se entramos no Mistério do Crucifixo, se encontramos o
Ressuscitado, é em virtude do seu corpo que, enquanto tal, só pode ser um. É dom,
responsabilidade, unidade: ser seu sacramento configura a nossa missão. Exige um coração
despojado de todo o interesse mundano, distante da vaidade e da discórdia; um coração
acolhedor, capaz de sentir com os outros e também de os considerar mais dignos de si mesmos.
Assim nos aconselha o apóstolo.
Nesta perspectiva ressoam mais contemporâneas do que nunca as palavras com as quais, há
exactamente cinquenta anos, o Venerável Papa Paulo VI— que teremos a alegria de proclamar
Beato no dia 19 do próximo mês de Outubro, no encerramento do Sínodo Extraordinário dos
199
Bispos sobre a Família — se dirigia precisamente aos membros da Conferência Episcopal Italiana,
pondo como «questão vital para a Igreja» o serviço à unidade: «Chegou o momento (e
deveríamos nós magoar-nos por isso?) de incutir em nós mesmos e de imprimir na vida
eclesiástica italiana um forte e renovado espírito de unidade». Hoje ser-vos-á distribuído aquele
discurso. É uma jóia! É como se tivesse sido pronunciado ontem, é assim!
Estamos persuadidos disto: a falta ou contudo a pobreza de comunhão constitui o maior
escândalo, a heresia que deturpa a face do Senhor e dilacera a sua Igreja. Nada justifica a divisão:
é melhor ceder, é melhor renunciar — às vezes dispostos até a assumir a prova de uma injustiça
— do que lacerar a túnica e escandalizar o povo santo de Deus.
Por isso, como Pastores, temos o dever de evitar tentações que, diversamente, nos desfiguram: a
gestão personalista do próprio tempo, como se pudesse existir um bem-estar prescindindo do bem
das nossas comunidades; os mexericos, as meias-verdades que se tornam mentiras, a ladainha
das queixas que faz entrever desilusões profundas; a dureza de quem julga sem se comprometer
e o laxismo de quantos condescendem sem se preocupar com o próximo. Ainda mais: a corrosão
do ciúme, a cegueira induzida pela inveja, a ambição que gera correntes, conspirações,
sectarismo: como é vazio o céu de quem vive obcecado por si mesmo... E depois, o fechamento
que vai às formas do passado para procurar as seguranças perdidas; e a pretensão de quantos
gostariam de defender a unidade, negando as diversidades, humilhando deste modo os dons com
os quais Deus continua a tornar a sua Igreja jovem e bela...
Precisamente a experiência eclesial constitui o antídoto mais eficaz contra estas tentações.
Promana da única Eucaristia, cuja força de coesão gera fraternidade, possibilidade de se acolher e
perdoar reciprocamente, e de caminhar juntos; Eucaristia, da qual nasce a capacidade de fazer
própria uma atitude de gratidão sincera e de conservar a paz até nos momentos mais difíceis:
aquela paz que não nos deixa ser subjugados pelos conflitos — que depois, às vezes, se revelam
como um crisol purificador — mas também impede que nos deixemos embalar no sonho de
recomeçar sempre alhures.
A espiritualidade eucarística requer participação e colegialidade, para um discernimento pastoral
que se alimenta do diálogo, da busca e do esforço de pensar juntos: não é sem motivo que Paulo
VI, no discurso acima citado — depois de ter definido o Concílio «uma graça», «uma ocasião única
e feliz», «um momento incomparável», «ápice de caridade hierárquica e fraterna», «voz de
espiritualidade, bondade e paz no mundo inteiro» — indica como «nota dominante» a «livre e
ampla possibilidade de investigação, de debate e de expressão». E numa assembleia isto é
importante. Cada qual diz abertamente aos irmãos o que sente; e isto edifica e ajuda a Igreja. É
preciso dizê-lo sem vergonha, assim...
Este é o modo, para a Conferência episcopal, de ser espaço vital de comunhão ao serviço da
unidade, na valorização das dioceses, até das mais pequeninas. Portanto, a partir das Conferências
regionais não vos canseis de manter entre vós relacionamentos no sinal da abertura e da estima
recíproca: a força de uma rede está nas relações de qualidade, que anulam as distâncias e
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aproximam os territórios mediante o confronto, o intercâmbio de experiências e a tensão para a
colaboração.
Como bem sabeis, os nossos sacerdotes são muitas vezes provados pelas exigências do ministério
e, às vezes, até desanimados pela impressão da insuficiência dos resultados: eduquemo-nos para
não nos limitarmos ao cálculo de receitas e entradas, à averiguação se quanto julgamos ter
oferecido corresponde depois à colheita: o nosso — mais do que de balanços — é o tempo
daquela paciência, que constitui o nome do amor maduro, a verdade do nosso doar-nos humilde,
gratuito e confiante à Igreja. Procurai assegurar-lhes proximidade e compreensão, fazei com que
no vosso coração eles possam sentir-se sempre em casa; cuidar da sua formação humana,
cultural, afectiva e espiritual; a Assembleia extraordinária do próximo mês de Novembro, dedicada
precisamente à vida dos presbíteros, constitui uma oportunidade que deve ser preparada com
atenção especial.
Promovei a vida religiosa: ontem, a sua identidade estava ligada principalmente às obras,
enquanto hoje ela constitui uma reserva preciosa de futuro, sob a condição de que saiba
apresentar-se como sinal visível, como solicitação para todos viverem segundo o Evangelho. Pedi
aos consagrados, aos religiosos e às religiosas que sejam testemunhas jubilosas: não se pode
anunciar Jesus de maneira enfadonha; sobretudo porque, quando se perde a alegria, acaba-se por
ler a realidade, a história e a própria vida sob uma luz adulterada.
Amai as pessoas e as comunidades com uma dedicação generosa e total: elas são os vossos
membros! Escutai o rebanho. Confiai no seu sentido de fé e de Igreja, que se manifesta também
sob numerosas formas de piedade popular. Tende confiança no santo povo de Deus que tem a
força para reconhecer os caminhos rectos. Acompanhai com magnanimidade o crescimento da coresponsabilidade laical; reconhecei espaços de pensamento, de projecção e de acção nas mulheres
e nos jovens: com as suas intuições e a sua ajuda sereis capazes de não vos demorardes ainda
com uma pastoral de conservação — efectivamente genérica, dispersiva, fragmentada e pouco
influente — assumindo, ao contrário, uma pastoral que se concentre no essencial. Como resume,
com a profundidade dos simples, Santa Teresa do Menino Jesus: «Amá-lo e levá-lo a ser amado».
Que este seja o núcleo das Orientações para o anúncio e a catequese que enfrentareis durante
estes dias.
Irmãos, no nosso contexto muitas vezes confuso e desagregado, a primeira missão eclesial
permanece aquela de ser fermento de unidade, que leveda no tornar-se próximo e nas várias
formas de reconciliação: somente juntos conseguiremos — e esta é a característica conclusiva do
perfil do Pastor — ser profecia do Reino.
3. Pastores de uma Igreja antecipação e promessa do Reino
A este propósito, perguntemo-nos: observo as pessoas e os acontecimentos com o olhar de Deus?
«Tive fome... tive sede... eu era forasteiro... estava nu... doente... estava na prisão» (Mt 25, 3146): temo o juízo Deus? Por conseguinte, esforço-me para espalhar abundantemente a semente
do bom grão no campo do mundo?
201
Também aqui se apresentam tentações que, somadas àquelas sobre as quais já pudemos meditar,
impedem o crescimento do Reino, o desígnio de Deus para a família humana. Elas exprimem-se
segundo a distinção que às vezes aceitamos fazer entre «os nossos» e «os outros»; nas limitações
de quem se sente persuadido de estar farto dos próprios problemas, sem dever preocupar-se
também com a injustiça que é causa dos problemas dos outros; na expectativa estéril daqueles
que não saem do próprio recinto e não atravessam a praça, mas permanecem sentados ao pé do
campanário, deixando que o mundo vá pelo seu caminho.
O respiro que anima a Igreja é muito diferente. Ela é continuamente convertida pelo Reino que
anuncia e do qual é antecipação e promessa: Reino que é e que há-de vir, sem que ninguém
possa presumir defini-lo de modo exaustivo; Reino que vai mais além, que é maior do que os
nossos esquemas e raciocínios, ou que — talvez mais simplesmente — é tão pequenino, humilde e
escondido na massa da humanidade, porque emprega a sua força segundo os critérios de Deus,
revelados na Cruz do Filho.
Servir o Reino exige de nós que vivamos descentrados de nós mesmos, orientados para o
encontro que, de resto, é o caminho para encontrarmos verdadeiramente aquilo que somos:
anunciadores da verdade de Cristo e da sua misericórdia. Verdade e misericórdia: não as
separemos. Nunca! «A caridade na verdade — recordou-nos o Papa Bento XVI — é a principal
força propulsora para o verdadeiro desenvolvimento de cada pessoa e da humanidade inteira»
(Carta Encíclica Caritas in veritate, 1). Sem a verdade, o amor acaba numa caixa vazia, que cada
um enche à sua própria discrição: e «um cristianismo de caridade sem verdade pode ser
facilmente confundido com uma reserva de bons sentimentos, úteis para a convivência social mas
marginais» que, enquanto tais, não incidem sobre os projectos e os processos de construção do
desenvolvimento humano (Ibid., n. 4).
Irmãos, com esta clarividência, o vosso anúncio seja depois cadenciado pela eloquência dos
gestos. Recomendo-vos: a eloquência dos gestos!
Como Pastores, sede simples no estilo de vida, abnegados, pobres e misericordiosos, para
caminhar rapidamente e para nada interpor entre vós e os outros.
Sede interiormente livres, para poder estar próximos das pessoas, atentos para aprender a sua
linguagem, para se aproximar de cada um com caridade, permanecendo ao lado das pessoas
durante as noites das suas solidões, das suas inquietações e dos seus fracassos: acompanhai-as
até aquecer o seu coração, estimulando-as deste modo a empreender um caminho de sentido que
restitua dignidade, esperança e fecundidade à vida.
Entre os «lugares» onde a vossa presença me parece mais necessária e significativa — e em
relação aos quais um excesso de prudência condenaria à irrelevância — encontra-se antes de tudo
a família. Hoje, a comunidade doméstica é fortemente penalizada por uma cultura que privilegia os
direitos individuais e transmite uma lógica do provisório. Tornai-vos voz convicta daquela que é a
primeira célula de toda a sociedade. Dai testemunho da sua centralidade e da beleza. Promovei
tanto a vida do concebido como a do idoso. Apoiai os pais no difícil e entusiasmante caminho
202
educativo. E não deixeis de vos debruçardes com a compaixão do samaritano sobre quantos se
encontram feridos nos afectos e sentem que o seu projecto de vida está comprometido.
Outro espaço que hoje não podemos desertar é a sala de espera apinhada de pessoas sem
trabalho: desempregados, subsidiados, precários, onde onde o drama de quem não sabe como
levar o pão para casa se embate com aquele de quantos não conseguem mandar em frente a
empresa. Trata-se de uma emergência histórica, que interpela a responsabilidade social de todos:
como Igreja, ajudemo-los a não ceder ao catastrofismo e à resignação, apoiando mediante todas
as formas de solidariedade criativa o compromisso de quantos, perdendo o trabalho, se sentem
desprovidos até da própria dignidade.
Finalmente, a tábua de salvação que se deve lançar é o abraço acolhedor aos migrantes: eles
fogem da intolerância, da perseguição e da falta de futuro. Que ninguém dirija o próprio olhar
para o outro lado. A caridade, que é testemunho da generosidade de muitas pessoas, é o nosso
modo de viver e de interpretas a vida: em virtude deste dinamismo, o Evangelho continuará a
difundir-se por atracção.
De modo mais geral, as situações difíceis vividas por muitos dos nossos contemporâneos vos
encontrem atentos e partícipes, prontos para pôr em discussão um modelo de desenvolvimento
que explora a criação, sacrifica as pessoas sobre o altar do lucro e cria novas formas de
marginalização e de exclusão. A necessidade de um novo humanismo é conclamada por uma
sociedade desprovida de esperança, que vacila em muitas das suas certezas fundamentais,
depauperada por uma crise que, mais do que económica, é cultural, moral e espiritual.
Considerando este cenário, o discernimento comunitário seja a alma do percurso de preparação
para o Congresso eclesial nacional de Florença, no próximo ano: que ele ajude, por favor, a não se
limitar ao plano — por mais nobre que seja — das ideias, mas coloque óculos capazes de ver e
compreender a realidade e, portanto, caminhos para a governar, procurando tornar mais justa e
fraterna a comunidade dos homens.
Ide ao encontro de quem quer que pergunte a razão da vossa esperança: acolhei a sua cultura,
transmiti-lhe respeitosamente a memória da fé e a companhia da Igreja e em seguida os sinais da
fraternidade, da gratidão e da solidariedade, que antecipam nos dias do homem os reflexos do
Domingo que não conhece ocaso.
Caros irmãos, o nosso encontro desta tarde e, mais em geral, desta vossa assembleia é uma
graça; é experiência de partilha e de sinodalidade; é motivo de confiança renovada no Espírito
Santo: quanto a nós, devemos ouvir o sopro da sua voz para o secundar mediante a oferenda da
nossa liberdade.
Acompanho-vos com a minha oração e a minha proximidade. E vós, orai por mim, principalmente
na vigília desta viagem que me leva peregrino a Amã, Belém e Jerusalém, a cinquenta anos do
histórico encontro entre o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras: levo comigo a vossa
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proximidade partícipe e solidária à Igreja-Mãe e às populações que habitam a terra abençoada
onde nosso Senhor viveu, morreu e ressuscitou. Obrigado!
204
PEREGRINAÇÃO DE SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO À TERRA SANTA
POR OCASIÃO DO 50º ANIVERSÁRIO DO ENCONTRO EM JERUSALÉM
ENTRE O PAPA PAULO VI E O PATRIARCA ATENÁGORAS
24-26 DE MAIO DE 2014
ENCONTRO COM SACERDOTES, RELIGIOSOS, RELIGIOSAS E SEMINARISTAS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Igreja do Getsémani, Jerusalém
Segunda-feira, 26 de Maio de 2014
Vídeo
«[Jesus] saiu então e foi (...) para o Monte das Oliveiras. E os discípulos seguiram
também com Ele» (Lc 22, 39).
Quando chega a hora marcada por Deus para salvar a humanidade da escravidão do
pecado, Jesus retira-Se aqui, no Getsémani, ao pé do Monte das Oliveiras.
Encontramo-nos neste lugar santo, santificado pela oração de Jesus, pela sua
angústia, pelo seu suor de sangue; santificado sobretudo pelo seu «sim» à vontade
amorosa do Pai. Quase sentimos temor de abeirar-nos dos sentimentos que Jesus
experimentou naquela hora; entramos, em pontas de pés, naquele espaço interior,
onde se decidiu o drama do mundo.
Naquela hora, Jesus sentiu a necessidade de rezar e ter perto d’Ele os seus discípulos,
os seus amigos, que O tinham seguido e partilhado mais de perto a sua missão. Mas o
seguimento aqui, no Getsémani, torna-se difícil e incerto; prevalecem a dúvida, o
cansaço e o pavor. Na rápida sucessão dos eventos da paixão de Jesus, os discípulos
assumirão diferentes atitudes perante o Mestre: atitudes de proximidade, de
distanciamento, de incerteza.
Será bom para todos nós – bispos, sacerdotes, pessoas consagradas, seminaristas –
perguntarmo-nos neste lugar: Quem sou eu perante o meu Senhor que sofre?
Sou daqueles que, convidados por Jesus a velar com Ele, adormecem e, em vez de
rezar, procuram evadir-se fechando os olhos frente à realidade?
Ou reconheço-me naqueles que fugiram por medo, abandonando o Mestre na hora
mais trágica da sua vida terrena?
Porventura há em mim a hipocrisia, a falsidade daquele que O vendeu por trinta
moedas, que fora chamado amigo e no entanto traiu Jesus?
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Reconheço-me naqueles que foram fracos e O renegaram, como Pedro? Pouco antes,
ele prometera a Jesus segui-Lo até à morte (cf. Lc 22, 33); depois, encurralado e
dominado pelo medo, jura que não O conhece.
Assemelho-me àqueles que já organizavam a sua vida sem Ele, como os dois discípulos
de Emaús, insensatos e de coração lento para acreditar nas palavras dos profetas (cf.
Lc 24, 25)?
Ou então, graças a Deus, encontro-me entre aqueles que foram fiéis até ao fim, como a
Virgem Maria e o apóstolo João? No Gólgota, quando tudo se torna escuro e toda a
esperança parece extinta, somente o amor é mais forte que a morte. O amor de Mãe e
do discípulo predilecto impele-os a permanecerem ao pé da cruz, para compartilhar até
ao fundo o sofrimento de Jesus.
Reconheço-me naqueles que imitaram o seu Mestre até ao martírio, dando testemunho
que Ele era tudo para eles, a força incomparável da sua missão e o horizonte último da
sua vida?
A amizade de Jesus por nós, a sua fidelidade e a sua misericórdia são o dom
inestimável que nos encoraja a continuar, com confiança, a segui-Lo, apesar das
nossas quedas, dos nossos erros e também das nossas traições.
Todavia esta bondade do Senhor não nos isenta da vigilância frente ao tentador, ao
pecado, ao mal e à traição que podem atravessar também a vida sacerdotal e religiosa.
Todos nós estamos expostos ao pecado, ao mal, à traição. Sentimos a desproporção
entre a grandeza da chamada de Jesus e a nossa pequenez, entre a sublimidade da
missão e a nossa fragilidade humana. Mas o Senhor, na sua grande bondade e infinita
misericórdia, sempre nos toma pela mão, para não nos afogarmos no mar do
acabrunhamento. Ele está sempre ao nosso lado, nunca nos deixa sozinhos. Portanto,
não nos deixemos vencer pelo medo e o desalento, mas, com coragem e confiança,
sigamos em frente no nosso caminho e na nossa missão.
Vós, amados irmãos e irmãs, sois chamados a seguir o Senhor com alegria nesta Terra
bendita! É um dom e também é uma responsabilidade. A vossa presença aqui é muito
importante; toda a Igreja vos está agradecida e apoia com a oração. A partir deste
lugar santo, desejo além disso dirigir uma saudação carinhosa a todos os cristãos de
Jerusalém: quero assegurar que os recordo com afecto e que rezo por eles, bem ciente
de quão difícil é a sua vida na cidade. Exorto-os a serem testemunhas corajosas da
Paixão do Senhor, mas também da sua Ressurreição, com alegria e esperança.
Imitemos a Virgem Maria e São João, permanecendo junto das muitas cruzes onde
Jesus ainda está crucificado. Esta é a estrada pela qual o nosso Redentor nos chama a
segui-Lo: não há outra, é esta!
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«Se alguém Me serve, que Me siga, e onde Eu estiver, aí estará também o meu servo»
(Jo 12, 26).
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PEREGRINAÇÃO DE SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO À TERRA SANTA
POR OCASIÃO DO 50º ANIVERSÁRIO DO ENCONTRO EM JERUSALÉM
ENTRE O PAPA PAULO VI E O PATRIARCA ATENÁGORAS
24-26 DE MAIO DE 2014
SANTA MISSA COM OS ORDINÁRIOS DA TERRA SANTA E COM O SÉQUITO
PAPAL
HOMILIA DO SANTO PADRE
Sala do Cenáculo (Jerusalém)
Segunda-feira, 26 de Maio de 2014
Vídeo
É um grande dom que nos concede o Senhor, ao reunir-nos aqui, no Cenáculo, para
celebrar a Eucaristia. Ao mesmo tempo que vos saúdo com fraterna alegria, penso
afectuosamente nos Patriarcas Orientais Católicos que, nestes dias, tomaram parte na
minha peregrinação. Desejo agradecer-lhes pela sua significativa presença,
particularmente preciosa para mim, e asseguro que ocupam um lugar especial no meu
coração e na minha oração. Aqui, onde Jesus comeu a Última Ceia com os Apóstolos;
onde, ressuscitado, apareceu no meio deles; onde o Espírito Santo desceu
poderosamente sobre Maria e os discípulos, aqui nasceu a Igreja, e nasceu em saída.
Daqui partiu, com o Pão repartido nas mãos, as chagas de Jesus nos olhos e o Espírito
de amor no coração.
Jesus ressuscitado, enviado pelo Pai, no Cenáculo comunicou aos Apóstolos o seu
próprio Espírito e, com a sua força, enviou-os a renovar a face da terra (cf. Sal 104,
30).
Sair, partir, não quer dizer esquecer. A Igreja em saída guarda a memória daquilo que
aconteceu aqui; o Espírito Paráclito recorda-lhe cada palavra, cada gesto, e revela o
seu significado.
O Cenáculo recorda-nos o serviço, o lava-pés que Jesus realizou, como exemplo para
os seus discípulos. Lavar os pés uns aos outros significa acolher-se, aceitar-se, amarse, servir-se reciprocamente. Quer dizer servir o pobre, o doente, o marginalizado, a
pessoa que me é antipática, aquela que me dá fastídio.
O Cenáculo recorda-nos, com a Eucaristia, o sacrifício. Em cada celebração eucarística,
Jesus oferece-Se por nós ao Pai, para que também nós possamos unir-nos a Ele,
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oferecendo a Deus a nossa vida, o nosso trabalho, as nossas alegrias e as nossas
penas..., oferecer tudo em sacrifício espiritual.
E o Cenáculo recorda-nos também a amizade. «Já não vos chamo servos – disse Jesus
aos Doze – (…) mas a vós chamei-vos amigos» (Jo 15, 15). O Senhor faz de nós seus
amigos, confia-nos a vontade do Pai e dá-Se-nos a Si mesmo. Esta é a experiência mais
bela do cristão e, de modo particular, do sacerdote: tornar-se amigo do Senhor Jesus,
e descobrir no seu coração que Ele é amigo.
O Cenáculo recorda-nos a despedida do Mestre e a promessa de reencontrar-se com os
seus amigos: «Quando Eu tiver ido (…), virei novamente e hei-de levar-vos para junto
de Mim, a fim de que, onde Eu estou, vós estejais também» (Jo 14, 3). Jesus não nos
deixa, nunca nos abandona, vai à nossa frente para a casa do Pai; e, para lá, nos quer
levar consigo.
Mas, o Cenáculo recorda também a mesquinhez, a curiosidade – «quem é o traidor?» –
a traição. E reproduzir na vida estas atitudes não sucede só nem sempre aos outros,
mas pode suceder a cada um de nós, quando olhamos com desdém o irmão e o
julgamos; quando, com os nossos pecados, atraiçoamos Jesus.
O Cenáculo recorda-nos a partilha, a fraternidade, a harmonia, a paz entre nós. Quanto
amor, quanto bem jorrou do Cenáculo! Quanta caridade saiu daqui como um rio da sua
fonte, que, ao princípio, é um ribeiro e depois se alarga e torna grande... Todos os
santos beberam daqui; o grande rio da santidade da Igreja, sempre sem cessar, tem
origem daqui, do Coração de Cristo, da Eucaristia, do seu Santo Espírito.
Finalmente, o Cenáculo recorda-nos o nascimento da nova família, a Igreja, a nossa
santa mãe Igreja hierárquica, constituída por Jesus ressuscitado. Família esta, que tem
uma Mãe, a Virgem Maria. As famílias cristãs pertencem a esta grande família e, nela,
encontram luz e força para caminhar e se renovar no meio das fadigas e provações da
vida. Para esta grande família, estão convidados e chamados todos os filhos de Deus
de cada povo e língua, todos irmãos e filhos do único Pai que está nos céus.
Este é o horizonte do Cenáculo: o horizonte do Ressuscitado e da Igreja.
Daqui parte a Igreja em saída, animada pelo sopro vital do Espírito. Reunida em
oração com a Mãe de Jesus, ela sempre revive a espera de uma renovada efusão do
Espírito Santo: Desça o vosso Espírito, Senhor, e renove a face da terra (cf. Sal 104,
30)!
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PEREGRINAÇÃO DE SUA SANTIDADE O PAPA FRANCISCO À TERRA SANTA
POR OCASIÃO DO 50º ANIVERSÁRIO DO ENCONTRO EM JERUSALÉM
ENTRE O PAPA PAULO VI E O PATRIARCA ATENÁGORAS
24-26 DE MAIO DE 2014
ENTREVISTA CONCEDIDA PELO SANTO PADRE AOS JORNALISTAS
DURANTE O VOO DE REGRESSO DA TERRA SANTA
Segunda-feira, 26 de Maio de 2014
……………
(Padre Lombardi )
Agora a segunda pergunta, da parte do grupo de língua inglesa.
P.– Vossa Santidade falou com palavras muito duras contra o abuso sexual dos menores por parte
do clero, dos sacerdotes. Criou uma comissão especial para enfrentar melhor este problema a
nível da Igreja universal. Numa linha prática: sabemos já que, em todas as Igrejas locais, há
normas que impõem como forte obrigação moral e, muitas vezes, legal a colaboração com as
autoridades civis locais, ora de uma forma ora de outra. Que fará Vossa Santidade se houver um
bispo que claramente não tenha honrado, não tenha observado estas obrigações?
R. – (Santo Padre)
Na Argentina, acerca dos privilegiados, dizemos: «Este é um filho de papá». Neste problema, não
haverá filhos de papá. Neste momento, temos três bispos sob investigação: sob investigação, três;
e um já foi condenado faltando apenas avaliar a pena a aplicar. Não há privilégios. Este abuso dos
menores é um crime muito, muito bruto… Sabemos que é um problema grave por todo o lado,
mas a mim interessa a Igreja. Um sacerdote que faz isto, trai o Corpo do Senhor, porque este
sacerdote deve levar este menino, esta menina, este adolescente, esta adolescente à santidade; e
este adolescente, esta menina confia… E ele, em vez de os levar à santidade, abusa deles. Isto é
gravíssimo! É precisamente – só para dar uma comparação – como fazer uma Missa negra. Tu
deves levá-lo à santidade, e acabas por o precipitar num problema que durará a vida inteira...
Proximamente, em Santa Marta, haverá uma Missa com algumas pessoas que sofreram abusos e,
depois, uma reunião com elas: eu e elas, com o Cardeal O'Malley, que é da Comissão. Sobre isto,
há que continuar: tolerância zero.
……………..
Obrigado, Santidade. Agora pedimos que venha o representante de língua alemã.
P. - Obrigado, Santidade. Durante a sua peregrinação, falou longamente e encontrou várias vezes
o Patriarca Bartolomeu. Perguntávamo-nos se teríeis também falado dos passos concretos de
210
aproximação, e se houve ocasião para falar também dum ponto concreto: refiro-me aos padres
casados, uma questão premente para muitos católicos, na Alemanha. Pergunto-me se a Igreja
Católica não poderá aprender algo das Igrejas ortodoxas. Obrigado.
R. – (Santo Padre)
A Igreja Católica já tem padres casados, não tem? Os católicos gregos, os católicos coptas... No
rito oriental, existem padres casados. Porque o celibato não é um dogma de fé; é uma regra de
vida que eu aprecio muito e creio que seja um dom para a Igreja. Não sendo um dogma de fé,
sempre temos a porta aberta: neste momento, não temos em programa falar disso, pelo menos
para já. Temos coisas mais importantes a abordar. Com Bartolomeu, este tema não foi tocado,
porque é deveras secundário nas relações com os ortodoxos. Falámos da unidade: a unidade que
se vai fazendo ao longo da estrada, a unidade é um caminho. Não poderemos jamais fazer a
unidade num congresso de teologia. E ele disse-me que era verdade aquilo que eu sabia, ou seja,
que Atenágoras disse ao Papa Paulo VI: «Nós caminhamos juntos, em paz… e todos os teólogos
metemo-los numa ilha para que discutam entre eles, nós caminhamos na vida». É verdade, eu
pensava que sim... Mas seria verdade ou não? É verdade: disse-mo nestes dias Bartolomeu.
Caminhar juntos, rezar juntos, trabalhar juntos em tantas coisas que podemos fazer juntos,
ajudar-nos conjuntamente. Por exemplo, com as igrejas. Em Roma, e em muitas outras cidades,
os ortodoxos usam igrejas católicas ora num horário ora noutro; é uma ajuda neste caminhar
juntos. Outra coisa de que falámos – e talvez se faça alguma coisa no Conselho Pan-Ortodoxo –
foi a data da Páscoa, porque é um pouco ridículo: - Diz-me, o teu Cristo quando ressuscita? - Na
próxima semana. – O meu ressuscitou na passada… Sim, a data da Páscoa é um sinal de unidade.
E, com Bartolomeu, falámos como irmãos. Queremo-nos bem, falámos das dificuldades do nosso
governo. E uma coisa de que falámos bastante foi o problema da ecologia: ele está muito
preocupado, e eu também; falamos bastante de fazermos um trabalho conjunto sobre este
problema. Obrigado.
(Padre Lombardi)
Uma vez que não somos apenas europeus ou americanos e assim por diante, mas também
asiáticos, agora será feita uma pergunta pelo representante do grupo asiático, até porque Vossa
Santidade se está preparando também para fazer viagens à Ásia.
P. - A sua próxima viagem será à Coreia do Sul e por isso a pergunta que gostaria de lhe fazer é a
propósito das regiões asiáticas. Em países vizinhos à Coreia do Sul, não há liberdade de religião
nem liberdade de expressão. Que pensa fazer em favor das pessoas que sofrem por causa destas
situações?
R. – (Santo Padre)
Relativamente à Ásia, estão programadas duas viagens: esta à Coreia do Sul, para o encontro dos
jovens asiáticos, e depois, no próximo mês de Janeiro, uma viagem de dois dias ao Sri Lanka e,
em seguida, às Filipinas, na área que sofreu o tifão. O problema da negação da liberdade de
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praticar a religião não existe apenas em alguns países asiáticos – em alguns, sim! –, mas também
noutros países do mundo. A liberdade religiosa é uma realidade que nem todos os países têm.
Alguns mantêm um controlo mais ou menos ligeiro, tranquilo; outros adoptam medidas que
acabam numa verdadeira perseguição dos crentes. Há mártires! Há mártires, hoje; mártires
cristãos. Católicos e não-católicos, mas mártires. Nalguns lugares, não se pode trazer o crucifixo,
ou não podes ter uma Bíblia. Não podes ensinar o catecismo às crianças, hoje! Eu creio – e acho
que não me engano – que, neste tempo, há mais mártires do que nos primeiros tempos da Igreja.
Devemos aproximar-nos, em alguns lugares com prudência, para ir ajudá-los; devemos rezar
muito por estas Igrejas que sofrem: sofrem tanto! E também os bispos, a própria Santa Sé
trabalha com discrição para ajudar estes países, os cristãos destes países. Mas não é fácil. Por
exemplo, vou dizer-te uma coisa. Num determinado país, é proibido rezar juntos; é proibido! Mas
os cristãos que lá se encontram querem celebrar a Eucaristia! E há um tal, operário de profissão,
que é sacerdote. Ele vai lá; põem-se à mesa, fingindo que tomam o chá e celebram a Eucaristia.
Se chega a polícia, escondem imediatamente os livros e estão a tomar o chá. Isto acontece hoje.
Não é fácil.
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ORDENAÇÃO EPISCOPAL
HOMILIA DO PAPA FRANCISCO
Basílica Vaticana
Sexta-feira, 30 de Maio de 2014
Vídeo
Caríssimos irmãos e filhos, meditemos atentamente sobre a elevada responsabilidade
eclesial à qual é promovido este nosso irmão.
Nosso Senhor Jesus Cristo, enviado pelo Pai para redimir os homens, mandou por sua
vez ao mundo os doze Apóstolos para que, cheios do poder do Espírito Santo,
anunciassem o Evangelho a todos os povos e, reunindo-os sob o único Pastor, os
santificassem e guiassem para a salvação.
Com a finalidade de perpetuar este ministério apostólico de geração em geração, os
Doze convocaram colaboradores transmitindo-lhes, com a imposição das mãos, o dom
do Espírito recebido de Cristo, que conferia a plenitude do sacramento da Ordem.
Assim, através da sucessão ininterrupta dos bispos na tradição viva da Igreja,
conservou-se este ministério primário e a obra do Salvador continua a desenvolver-se
até aos nossos dias.
No bispo circundado pelos seus presbíteros no meio de vós está presente nosso Senhor
Jesus Cristo, Sumo Sacerdote para toda a eternidade. Com efeito, é Cristo que no
ministério do bispo continua a pregar o Evangelho de salvação e a santificar os fiéis
mediante os Sacramentos da fé; é Cristo que, na paternidade do bispo, acrescenta
novos membros ao seu corpo que é a Igreja; é Cristo que, na sabedoria e prudência do
bispo, orienta o povo de Deus na peregrinação terrena até à felicidade eterna.
Portanto, recebei com alegria e gratidão este nosso irmão que nós bispos, com a
imposição das mãos, associamos ao colégio episcopal. Prestai-lhe a honra que se deve
ao ministro de Cristo e ao dispensador dos mistérios de Deus, ao qual foram confiados
o testemunho do Evangelho e o ministério do Espírito para a santificação. Recordai-vos
das palavras de Jesus aos Apóstolos: «Quem vos ouve, ouve a mim; quem vos rejeita,
rejeita a mim; e quem me rejeita, rejeita Aquele que me enviou» (Lc 10, 16).
Quanto a ti, Fabio, caríssimo irmão eleito pelo Senhor, medita, pois foste escolhido entre os
homens e para os homens foste constituído nas realidades que dizem respeito a Deus. Foste eleito
pelo rebanho: que nunca sobrevenham a vaidade, o orgulho e a soberba. E foste constituído para
os homens: que a tua atitude seja sempre de serviço. Como Jesus, assim. Com efeito, episcopado
213
é o nome de um serviço e não de uma honra, dado que ao bispo compete mais servir do que
dominar, segundo o mandamento do Mestre: «Aquele que entre vós é o maior, torne-se como o
último; e o que governa seja como o servo». Recomendo-te que tenhas presentes as palavras
paulinas que ouvimos hoje: vigia sobre ti mesmo e sobre o povo de Deus. Este vigiar significa ser
sentinela, estar atento para te defenderes a ti mesmo de tantos pecados e de muitas atitudes
mundanas, mas também para defender o povo de Deus contra os lobos que, segundo Paulo,
teriam vindo.
Anuncia a Palavra em cada ocasião, oportuna e inoportuna; admoesta, repreende e exorta com
toda a magnanimidade e doutrina. E, mediante a oração e a oferta do Sacrifício pelo teu povo,
haure da plenitude da santidade de Cristo a riqueza multiforme da graça divina. E vigiar sobre o
povo significa também rezar, orar pelo povo, como fazia Moisés: com as mãos elevadas, aquela
prece de intercessão, a oração corajosa diante do Senhor pelo povo.
Na Igreja a ti confiada sê guardião e dispensador dos mistérios de Cristo. Posto pelo Pai à frente
da sua família, segue sempre o exemplo do Bom Pastor, que conhece as suas ovelhas, é por elas
conhecido e, por elas, não hesitou oferecer a própria vida.
Ama com amor de pai e de irmão todos aqueles que Deus te confiar: em primeiro lugar, os
presbíteros e os diáconos, teus colaboradores no ministério; mas também os pobres, os indefesos
e quantos tiverem necessidade de acolhimento e de ajuda. Exorta os fiéis a cooperar no
compromisso apostólico e escuta-os de bom grado.
Presta grande atenção a quantos não pertencem ao único redil de Cristo, porque também eles te
foram confiados no Senhor. E reza por eles!
Recorda-te que na Igreja católica, congregada no vínculo da caridade, estás unido ao colégio dos
bispos e deves ter em ti a solicitude por todas as Igrejas, socorrendo generosamente aquelas que
são mais necessitadas de assistência. Na minha opinião, isto ser-te-á fácil na tarefa que te foi
confiada na Secretaria do Sínodo dos Bispos.
Vigia, vigia com amor sobre toda a grei, na qual o Espírito Santo te insere para reger a Igreja de
Deus. Vigia, não adormeças, vigia, sê uma sentinela, e que o Senhor te acompanhe, que Ele te
acompanhe nesta vigilância que hoje te confio em nome do Pai, cuja imagem tu tornas presente;
em nome do seu Filho Jesus Cristo, pelo qual foste constituído mestre, sacerdote e pastor; e em
nome do Espírito Santo, que dá vida à Igreja e, com o seu poder, sustenta a nossa debilidade.
214
PAPA FRANCISCO
REGINA COELI
Praça de São Pedro
Domingo, 1º de Junho de 2014
Vídeo
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Celebra-se hoje, na Itália e noutros países, a Ascensão de Jesus ao céu, que aconteceu quarenta
dias depois da Páscoa. Os Actos dos Apóstolos narram este episódio, a separação final do Senhor
Jesus dos seus discípulos e deste mundo (cf. Act 1, 2.9). O Evangelho de Mateus, ao contrário,
descreve o mandato de Jesus aos discípulos: o convite a ir, a partir para anunciar a todos os povos
a sua mensagem de salvação (cf. Mt 28, 16-20). «Ir», ou melhor, «partir» torna-se a palavrachave da festa de hoje: Jesus parte para o Pai e dá aos discípulos o mandato de partir pelo
mundo.
Jesus parte, sobe ao Céu, isto é, volta para o Pai pelo qual tinha sido enviado ao mundo. Cumpriu
o seu trabalho, e depois voltou para o Pai. Mas não se trata de uma separação, porque Ele
permanece para sempre connosco, de uma forma nova. Com a sua Ascensão, o Senhor
ressuscitado atrai o olhar dos Apóstolos — e também o nosso — às alturas do Céu para nos
mostrar que a meta do nosso caminho é o Pai. Ele mesmo tinha dito que se teria ido embora para
nos preparar um lugar no Céu. Contudo, Jesus permanece presente e activo nas vicissitudes da
história humana com o poder e com os dons do seu Espírito; está ao lado de cada um de nós:
mesmo se não o vemos com os olhos, Ele está connosco! Acompanha-nos, guia-nos, pega-nos
pela mão e ergue-nos quando caímos. Jesus ressuscitado está próximo dos cristãos perseguidos e
discriminados; está próximo de cada homem e mulher que sofre. Está próximo de todos nós,
também hoje está aqui connosco na praça; o Senhor está connosco! Vós acreditais nisto? Então
digamo-lo juntos: o Senhor está connosco!
Jesus, quando volta para o Céu leva ao Pai uma prenda. Que prenda é? As suas chagas. O seu
corpo lindíssimo, sem manchas, sem as feridas da flagelação, mas conserva as chagas. Quando
volta para o Pai mostra-lhe as chagas e diz-lhe: «Repara Pai, este é o preço do perdão que Tu
dás». Quando o Pai vê as chagas de Jesus perdoa-nos sempre, não porque nós somos bons, mas
porque Jesus pagou por nós. Olhando para as chagas de Jesus, o Pai torna-se mais
misericordioso. Este é o grande trabalho de Jesus hoje no Céu: mostrar ao Pai o preço do perdão,
as suas chagas. Esta é uma coisa agradável que nos estimula a não ter medo de pedir perdão; o
Pai perdoa sempre, porque vê as chagas de Jesus, vê o nosso pecado e perdoa-o.
Mas Jesus está presente também mediante a Igreja, que Ele enviou para prolongar a
sua missão. A última palavra de Jesus aos discípulos é o mandato de partir: «Ide, pois,
e fazei discípulos de todas as Nações» (Mt 28, 19). É um mandamento claro, não
facultativo! A comunidade cristã é uma comunidade «de saída», «de partida». E ainda:
a Igreja nasceu «de saída». E vós dir-me-eis: e as comunidades de clausura? Sim,
também elas, porque estão sempre «de saída» com a oração, com o coração aberto ao
mundo, aos horizontes de Deus. E os idosos, os doentes? Também eles, com a oração e
a união nas chagas de Jesus.
215
Aos seus discípulos missionários Jesus diz: «Eu estarei sempre convosco, todos os
dias, até ao fim do mundo» (v. 20). Sozinhos, sem Jesus, nada podemos fazer! Na obra
apostólica só as nossas forças, os nossos recursos, as nossas estruturas não são
suficientes, embora sejam necessárias. Sem a presença do Senhor e sem a força do seu
Espírito o nosso trabalho, mesmo se bem organizado, resulta ineficaz. E assim vamos
dizer ao povo quem é Jesus. E juntamente com Jesus acompanha-nos Maria, nossa
Mãe. Ela já está na casa do Pai, é Rainha do Céu e assim a invocamos neste tempo;
como Jesus ela está connosco, caminha connosco, é a Mãe da nossa esperança.
216
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS BISPOS DO ZIMBÁBUE
EM VISITA «AD LIMINA APOSTOLORUM»
Segunda-feira, 2 de Junho de 2014
Amados Irmãos Bispos
«A paz esteja convosco!» (Jo 20, 19). Dou-vos as boas-vindas, a vós que viestes em peregrinação
ad limina Apostolorum até aos túmulos dos Apóstolos, por cuja intercessão nos encontramos a
rezar aqui, enquanto procurais unidade e força inspiradas pela sua vida oferecida ao serviço de
Cristo e da sua Igreja. Agradeço a D. Bhasera as cordiais palavras de saudação proferidas em
nome dos Bispos e de todos os católicos do Zimbábue; possam estes dias de oração e de
solidariedade entre os seus pastores e o Sucessor de Pedro ser um tempo de fecunda renovação
espiritual.
Podemos louvar a Deus pelo testemunho autêntico da morte e ressurreição de Jesus, oferecido
pela Igreja no Zimbábue, florescida no início da história cristã na África meridional. Os vossos
predecessores no episcopado, juntamente com os seus sacerdotes, religiosos e colaboradores
leigos — muitos dos quais são missionários provenientes de países distantes — dedicaram a
própria vida a fazer com que a fé pudesse radicar-se e prosperar na vossa terra. Em todo o
Zimbábue as estações missionárias cresceram até se tornar paróquias e dioceses. A Igreja tornouse indígena, uma árvore jovem e frondosa no jardim do Senhor, cheia de vida e de frutos
abundantes. Gerações de zimbabuenses — entre os quais diversos líderes políticos — foram
educadas em escolas pertencentes à Igreja. Durante muitas décadas, os hospitais católicos
curaram enfermos, proporcionando-lhes a cura física e psicológica. Na vossa terra nasceram
numerosas vocações ao sacerdócio e à vida religiosa, e ainda continuam a florescer. Por todas
estas graças, e não obstante os numerosos desafios, a nossa prece de acção de graças eleva-se
ao Senhor como uma imolação na noite.
A Igreja no vosso país permaneceu ao lado do seu povo, tanto antes como depois da
independência, inclusive durante estes anos de imenso sofrimento em que milhões de pessoas
abandonaram o país devido à frustração e ao desespero, em que se perderam muitas vidas, em
que se derramaram lágrimas copiosas. No exercício do vosso ministério profético, destes uma voz
forte a todas as pessoas em dificuldade no vosso país, especialmente aos oprimidos e aos
refugiados. Penso de maneira particular na vossa Carta pastoral de 2007, Deus escuta o clamor
dos oprimidos: «O povo que sofre no Zimbábue geme em agonia: “Sentinela, Sentinela, em que
pé está a noite?”». Nela demonstrastes que a crise é tanto espiritual como moral, estendendo-se
desde os tempos coloniais até ao presente e que, em última análise, as «estruturas de pecado»
inseridas na ordem social estão radicadas no pecado pessoal, exigindo por isso de todos uma
profunda conversão pessoal e um renovado sentido moral, iluminado pelo Evangelho.
Os cristãos estão presentes em todos os âmbitos do conflito no Zimbábue e, por conseguinte,
exorto-vos a orientar todos com grande ternura rumo à unidade e à purificação: trata-se de um
217
povo tanto negro como branco, alguns mais ricos mas na grande maioria mais pobres,
pertencentes a numerosas tribos; os seguidores de Cristo pertencem a todos os partidos políticos,
alguns em posição de autoridade, muitos não. Mas juntos, como único povo peregrino de Deus,
têm necessidade de conversão e de purificação para se tornar cada vez mais plenamente «um só
corpo, um só espírito em Cristo» (cf. Ef 4, 4). Através da pregação e das obras de apostolado,
possam as vossas Igrejas locais demonstrar que a «reconciliação não é um gesto isolado, mas um
longo processo em virtude do qual cada um se vê restabelecido no amor; um amor que cura por
acção da Palavra de Deus» (Africae munus, 34).
Enquanto a fidelidade dos zimbabuenses já é um bálsamo derramado sobre algumas destas
feridas nacionais, estou consciente de que muitas pessoas alcançaram os próprios limites humanos
e já não sabem para onde ir. No meio de tudo isto, peço-vos que animeis os fiéis a nunca
perderem de vista os modos como Deus presta ouvidos às suas súplicas e atende as suas preces
porque, como vós mesmos escrevestes, não pode deixar de ouvir o clamor dos pobres. Neste
tempo de Páscoa, enquanto a Igreja no mundo inteiro celebra a vitória de Cristo sobre a força do
pecado e da morte, o Evangelho da Ressurreição, cuja proclamação vos foi confiada, deve ser
anunciado e vivido de maneira clara no Zimbábue. Nunca esqueçamos a lição da Ressurreição:
«Num campo arrasado, volta a aparecer a vida, tenaz e invencível. Haverá muitas coisas más, mas
o bem sempre tende a reaparecer e espalhar-se. Cada dia, no mundo, renasce a beleza, que
ressuscita transformada através dos dramas da história» (Evangelii gaudium, 276).
Proclamai intrepidamente este Evangelho de esperança, anunciando a mensagem do Senhor no
meio das incertezas da nossa época, pregando de maneira incansável o perdão e a misericórdia de
Deus. Continuai a animar os fiéis a renovar o seu encontro pessoal com o Senhor ressuscitado e a
voltar a frequentar os sacramentos, especialmente da Reconciliação e da Sagrada Eucaristia, fonte
e ápice da nossa vida cristã.
Como pastores da grei sempre dócil ao Espírito Santo (cf. Act 20, 28), colaborai
estreitamente para promover a unidade com os vossos presbíteros, procurando
eliminar qualquer forma de dissensão e de interesse pessoal. Encorajo-vos a continuar
a discernir as vocações ao sacerdócio: homens que, depois da formação, com um
coração magnânimo de pastores e pais, saiam ao encontro do seu povo em todas as
regiões do país. Acompanhai atentamente os vossos sacerdotes recém-ordenados, a
fim de que levem uma vida recta e justa. Exortai-os a continuar a pregar e a viver —
em cada momento oportuno e inoportuno — os valores evangélicos da verdade e da
integridade, bem como a beleza de uma existência vivida na fé, no amor a Deus e no
serviço generoso ao próximo, na esperança profética de justiça no país.
O futuro da Igreja no Zimbábue e na África no seu conjunto depende amplamente da
formação dos fiéis (cf. Ecclesia in Africa, 75). Além de sacerdotes santos, a Igreja tem
necessidade também de catequistas zelosos, bem formados, que trabalhem com o
clero e com os leigos, a fim de que aquilo em que ela acredita se reflicta no modo como
o seu povo vive no seio da sociedade. Sustentai os numerosos religiosos e religiosas
que santificam o país com um coração indiviso no amor a Deus e ao seu povo.
Manifestai uma solicitude particular pela preparação e pela orientação clarividente dos
jovens católicos que aspiram ao matrimónio cristão, descerrando-lhes assim a riqueza
218
dos ensinamentos morais da Igreja a propósito da vida e do amor, e contribuindo para
fazer com que eles encontrem a verdade autêntica na liberdade de mães e pais.
Estimados Irmãos Bispos, durante estes dias em que vós e toda a Igreja no Zimbábue sois
renovados no júbilo pascal do Senhor ressuscitado, rezo a fim de que volteis para casa fortalecidos
na comunhão fraterna. Faço votos por que termineis este encontro com o Sucessor de Pedro mais
determinados a oferecer tudo ao serviço da Palavra, a fim de que os católicos no Zimbábue se
tornem cada vez mais sal da terra africana e luz do mundo. Confio-vos, juntamente com o clero,
os religiosos e os fiéis leigos das respectivas dioceses, à intercessão de Maria, Rainha da África e
Mãe da Igreja, enquanto concedo a todos a minha cordial Bênção apostólica, como penhor de
esperança e de alegria no Senhor.
219
DISCURSO DO PAPA FRANCISCO
AOS PARTICIPANTES DO CONGRESSO PASTORAL
DA DIOCESE DE ROMA
Segunda-feira, 16 de Junho de 2014
Vídeo
Em primeiro lugar, boa tarde a todos!
Sinto-me feliz por estar no meio de vós.
Agradeço ao cardeal Vigário as palavras de afecto e de confiança que me dirigiu em nome de
todos vós. Agradeço também ao sacerdote Giampiero Palmieri e aos dois catequistas Ada e
Pierpaolo, que explicaram a situação. Eu respondi-lhes: «Dissestes tudo! Só concedo a bênção e
vou-me embora». Eles são espertos!
Sem dúvida, gostaria de dizer algo: aprouve-me muito que tu, padre Giampiero, tenhas
mencionado a Evangelii nuntiandi. Ainda hoje, é o documento pastoral mais importante do pósConcílio, e não foi ultrapassado. Devemos beber sempre dele. Aquela Exortação Apostólica é uma
fonte de inspiração. E foi o grande Paulo VI que a escreveu de próprio punho. Porque depois
daquele Sínodo não se punham de acordo se era preciso escrever uma Exortação, ou não... e no
final o relator — era são João Paulo II — reuniu todas as folhas e entregou-as ao Papa, como se
dissesse: «Arranja-te tu, irmão!». Paulo VI leu tudo e, com aquela sua paciência, começou a
escrever. Para mim, é precisamente o testamento pastoral do grande Paulo VI. E não foi
ultrapassada. É uma fonte de bem para a pastoral. Obrigado por a ter mencionado, e que seja
sempre um ponto de referência!
Durante este ano, visitando algumas paróquias, tive a oportunidade de me encontrar com muitas
pessoas, que muitas vezes fugazmente mas com grande confiança, me manifestaram as suas
esperanças, as suas expectativas, juntamente com as suas penas e os seus problemas. Inclusive
nas numerosas cartas que recebo cada dia, leio acerca de homens e mulheres que se sentem
desnorteados, porque a vida é muitas vezes cansativa e não se consegue encontrar o seu sentido
e valor. É demasiado acelerada! Imagino como é convulso o dia de um pai ou de uma mãe, que se
levantam cedo, acompanham os filhos à escola e depois vão trabalhar, muitas vezes em lugares
onde existem tensões e conflitos, também em lugares distantes. Antes de vir aqui, fui à cozinha
para beber um café; o cozinheiro estava presente e eu disse-lhe: «De quanto tempo precisas para
voltar para casa?»; «De uma hora e meia...». Uma hora e meia! E quando volta para casa, há os
filhos, a esposa... E devem atravessar Roma com o seu trânsito. Muitas vezes todos nós podemos
sentir-nos sozinhos assim. Sentir-nos carregados com um peso que nos esmaga, e então
perguntamo-nos: mas isto é vida? Brota no nosso coração esta interrogação: como podemos fazer
para que os nossos filhos, os nossos jovens, consigam dar um sentido à sua vida? Porque também
eles sentem que este modo de viver às vezes é desumano, e não sabem que rumo tomar a fim de
que a vida seja boa, e de que se possam sentir felizes por se levantar de manhã.
220
Quando confesso os recém-casados, que me falam sobre os filhos, dirijo-lhes sempre uma
pergunta: «E tu, tens tempo para brincar com os teus filhos?». E muitas vezes ouço o pai
responder: «Mas padre, quando vou trabalhar de manhã, eles ainda dormem, e quando volto à
noite, já estão na cama, dormem». Isto não é vida! É uma cruz difícil. Não é humano. Quando eu
era Arcebispo na outra diocese, tinha a oportunidade de falar mais frequentemente do que hoje
com os adolescentes e os jovens, e dei-me conta de que sofriam de orfandade. As nossas crianças
e os nossos jovens sofrem de orfandade! Na minha opinião, também em Roma acontece a mesma
coisa. Os jovens são órfãos de um caminho seguro para percorrer, de um mestre em quem
confiar, de ideais que aqueçam o coração, de esperanças que sustentem o cansaço do viver
quotidiano. São órfãos, mas conservam vivo no seu coração o desejo de tudo isto! Esta é a
sociedade dos órfãos. Pensemos nisto, é importante. Órfãos, sem memória de família: porque, por
exemplo, os avós foram afastados para casas de repouso, não têm aquela presença, aquela
memória de família; órfãos, sem o carinho do hoje, com um afecto apressado demais: o pai está
cansado, a mãe está cansada, vão dormir... E eles permanecem órfãos. Órfãos de gratuidade:
aquilo que eu dizia antes, aquela gratuidade do pai e da mãe que sabem perder tempo para
brincar com os filhos. Temos necessidade de sentido de gratuidade: nas famílias, nas paróquias e
na sociedade inteira. E quando pensamos que o Senhor se nos revelou na gratuidade, ou seja,
como Graça, isto é ainda mais importante. Aquela necessidade de gratuidade humana, que é como
abrir o coração à graça de Deus. Tudo é grátis: Ele vem e concede-nos a sua graça. Mas se nós
não tivermos o sentido da gratuidade na família, na escola e na paróquia, ser-nos-á muito difícil
compreender no que consiste a graça de Deus, aquela graça que não se vende nem se compra,
que é um presente, um dum de Deus: é o próprio Deus! E por isso são órfãos de gratuidade.
Jesus fez-nos uma grande promessa: «Não vos deixarei órfãos!» (Jo 14, 18), porque Ele é o
caminho a percorrer, o Mestre que devemos ouvir, a esperança que não desilude. Como podemos
deixar de sentir o arder o nosso coração e dizer a todos, de modo especial aos jovens: «Tu não és
órfão! Jesus Cristo revelou-nos que Deus é Pai e quer ajudar-te, porque te ama». Eis o profundo
sentido da iniciação cristã: gerar para a fé quer dizer anunciar que nós não somos órfãos. Porque
até a sociedade renega os seus filhos! Por exemplo, a praticamente 40% dos jovens italianas, ela
não oferece um trabalho. Que significa? «Não me interesso por ti. Tu és material descartável.
Lamento, mas a vida é assim!». Também a sociedade torna órfãos os jovens. Pensai no que
significa que 75 milhões de jovens nesta civilização europeia, jovens com menos de 25 anos, não
têm um trabalho... Esta civilização deixa-os órfãos. Nós somos um povo que quer fazer crescer os
seus filhos com esta certeza de que têm um pai, uma família, uma mãe. A nossa sociedade
tecnológica — já o dizia Paulo VI — multiplica ao infinito as ocasiões de prazer, de distracção e de
curiosidade, mas não é capaz de levar o homem à alegria autêntica. Tantas comodidades, tantas
coisas bonitas, mas onde está a alegria? Para amar a vida não temos necessidade de a encher de
coisas, que depois se tornam ídolos; precisamos de Jesus que olhe para nós. É o seu olhar que
nos diz: é bom que tu vivas, a tua vida não é inútil, porque a ti foi confiado uma grande tarefa. Eis
no que consiste a verdadeira sabedoria: num olhar novo sobre a vida, que nasce do encontro com
Jesus.
O cardeal Vallini falou sobre este caminho de conversão pastoral missionária. É um caminho que
se percorre e que se deve cumprir e nós ainda temos a graça de o poder realizar. A conversão não
é fácil, porque significa transformar a vida, mudar de método, alterar muitas coisas e também
transformar a alma. Mas este caminho de conversão conferir-nos-á a identidade de um povo que
sabe gerar filhos, não de um povo estéril! Se nós, como Igreja, não soubermos gerar filhos, algo
221
não funciona! O grande desafio da Igreja hoje é tornar-se mãe: mãe! Não uma ONG bem
organizada, com numerosos planos pastorais... Sem dúvida, precisamos também deles... Contudo,
eles não são essenciais, mas uma ajuda. Ajuda para quê? Para a maternidade da Igreja. Se a
Igreja não for mãe, é triste dizer que se torna solteirona, mas é isto que se torna, solteirona! E
assim não é fecunda. Não só faz filhos, a Igreja, pois a sua identidade é fazer filhos, ou seja,
evangelizar, como dizia Paulo VI na Evangelii nuntiandi. A identidade da Igreja é esta: evangelizar,
ou seja, fazer filhos. Penso na nossa mãe Sara, que tinha envelhecido sem filhos; penso em
Isabel, a esposa de Zacarias, envelhecida sem filhos; penso em Noemi, mais uma mulher que
envelheceu sem descendência... E estas mulheres estéreis tiveram filhos, receberam uma
descendência: o Senhor é capaz de o fazer! Mas para isto a Igreja deve fazer algo, deve mudar,
deve converter-se para se tornar mãe. Ela deve ser fecunda! A fecundidade é a graça que hoje
nós temos o dever de pedir ao Espírito Santo, para podermos ir em frente na nossa conversão
pastoral e missionária. Não se trata, não é questão de ir à procura de prosélitos, não, não, nem de
ir tocar à campainha: «O senhor quer entrar nesta agremiação que se chama Igreja católica? ...».
É preciso preencher uma ficha, mais um sócio... A Igreja — já nos disse Bento XVI — não cresce
por proselitismo, mas por atracção, por atracção maternal, pela sua oferta de maternidade; cresce
por ternura, para a maternidade, para o testemunho que gera cada vez mais filhos. A nossa Mãe
Igreja envelheceu um pouco... Não devemos falar da Igreja «avó», mas ela envelheceu um
pouco... Temos o dever de a rejuvenescer! Devemos rejuvenescê-la, mas sem a levar ao cirurgião
para que lhe faça uma operação de cosmética, não! Não é este o rejuvenescimento genuíno da
Igreja, assim não vale! A Igreja torna-se mais jovem quando é capaz de gerar mais filhos; tornase tanto mais jovem quanto mais se torna mãe. Esta é a nossa mãe, a Igreja, e o nosso amor de
filhos. Estar na Igreja significa estar em casa, com a mãe; na casa da mãe. Eis a grandeza da
revelação.
É um envelhecimento que... julgo... — não sei se o padre Giampiero ou o cardeal — falou de fuga
da vida comunitária, e isto é verdade: o individualismo leva-nos à fuga da vida comunitária, e isto
faz envelhecer a Igreja. Vamos visitar uma instituição que já não é mãe; ela oferece-nos uma
certa identidade, como a selecção de futebol: «Sou desta selecção, sou torcedor da católica!». E
isto acontece quando se verifica a fuga da vida comunitária, a fuga da família. Devemos recuperar
a memória, a memória da Igreja que é povo de Deus. Hoje falta-nos o sentido da história. Temos
medo do tempo: nada de tempo, nenhum percurso, nada, nada! Tudo agora! Vivemos no reino do
presente, da situação. Somente este espaço, esse espaço, aquele espaço, sem tempo. Também
nas comunicações: luzes, o momento presente, o telemóvel, a mensagem... A linguagem mais
abreviada, mais reduzida. Tudo se realiza depressa, porque somos escravos da situação.
Recuperar a memória na paciência de Deus, que não teve pressa na sua história de salvação, que
nos acompanhou ao longo da história, que para nós preferiu uma história longa, de muitos anos,
caminhando ao nosso lado.
No presente — falarei depois sobre isto, se sobrar tempo — pronunciarei uma única palavra:
acolhimento. Eis, o acolhimento. E mais uma, que vós dissestes: ternura. Uma mãe é terna, sabe
acariciar. Mas quando nós vemos a pobre gente que vai à paróquia com este problema e com
aquele, e não sabe como mover-se nesse ambiente, porque não vão com frequência à paróquia, e
encontram uma secretária que ralha, que fecha a porta: «Não, para fazer isto o senhor deve pagar
isto, isso e aquilo! E deve fazer isto e isso... Pegue neste papel, o senhor deve fazer isto...». Estas
pessoas não se sentem na casa da mãe! Talvez se sintam no gabinete administrativo, mas não na
casa da mãe. E as secretárias, as novas «ostiárias» da Igreja! Mas secretária paroquial quer dizer
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abrir a porta da casa da mãe, não fechá-la! E pode-se fechar a porta de muitas maneiras. Em
Buenos Aires havia uma famosa secretária paroquial: todos lhe chamavam «tarântula»... não
acrescento mais nada! Saber abrir a porta no presente: acolhimento e ternura.
Também os sacerdotes, os párocos e os vice-párocos têm muito trabalho e compreendo que às
vezes se sentem um pouco cansados; mas um pároco que é demasiado impaciente não age bem!
Por vezes entendo, entendo... Certa vez tive que ouvir uma senhora humilde, muito humilde, que
na juventude deixara a Igreja; agora era mãe de família, tinha voltado para a Igreja, e dizia:
«Padre, deixei a Igreja porque na paróquia, quando eu era uma menina — não sei se se preparava
para a Crisma, não tenho a certeza... — chegou uma mulher com uma criança e pediu ao pároco
que a baptizasse... — isto aconteceu há muito tempo e não aqui em Roma, noutro lugar — e o
pároco disse que sim, mas a mulher devia pagar... «Mas não tenho dinheiro!». «Vai a casa, pega
no que tiveres, traz-mo e então baptizarei o teu filho!». E aquela mulher falou-me na presença de
Deus! Isto acontece... Isto não significa acolher, mas fechar a porta! No presente: ternura e
acolhimento.
E para o porvir, esperança e paciência. Demos testemunho de esperança e vamos em frente. E a
família? É paciência! Aquilo que são Paulo nos diz: suportai-vos reciprocamente, uns aos outros.
Suportai-vos. É assim!
Mas voltemos ao texto. As pessoas que se aproximam sabem, pela unção do Espírito Santo, que a
Igreja conserva o tesouro do olhar de Jesus. Quanto a nós, devemos oferecê-lo a todos. Quando
chegam à paróquia — talvez eu me repita, porque tomei um rumo diferente, afastei-me do texto
— que atitude devemos ter? Temos o dever de acolher sempre todos com um coração generoso,
como em família, pedindo ao senhor que nos torne capazes de participar nas dificuldades e nos
problemas que muitas vezes os adolescentes e os jovens encontram na vida.
Devemos ter o Coração de Jesus que, «contemplando a multidão, encheu-se de
compaixão por ela, pois estava cansada e abatida, como ovelhas sem pastor» (Mt 9,
36). Contemplando a multidão, encheu-se de compaixão por ela. Gosto de sonhar uma
Igreja que viva a compaixão de Jesus. Compaixão é «padecer com», sentir aquilo que
os outros sentem, acompanhar nos sentimentos. É a Igreja Mãe, como uma mãe que
afaga os seus filhos com compaixão. Uma Igreja que tenha um coração sem confins,
mas não só o coração: também o olhar, a docilidade do olhar de Jesus, que
frequentemente é muito mais eloquente do que muitas palavras. As pessoas esperam
encontrar em nós o olhar de Jesus, por vezes sem o saber; trata-se de um olhar
tranquilo e feliz que entra no coração. Mas — como disseram os vossos representantes
— a paróquia inteira deve ser uma comunidade hospitaleira, não apenas os sacerdotes
e os catequistas. A paróquia inteira! Acolher...
Temos o dever de repensar o nível de acolhimento das nossas paróquias, se os horários
das suas actividades favorecem a participação dos jovens, se somos capazes de falar a
sua linguagem e de ver inclusive nos demais ambientes (como por exemplo no
desporto e nas novas tecnologias) outras possibilidades para anunciar o Evangelho.
Tornemo-nos audazes na exploração de renovadas modalidades mediante as quais as
nossas comunidades se tornem casas com as portas sempre abertas. Portas abertas!
Contudo, é importante que ao acolhimento se siga uma clara proposta de fé; uma
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proposta de fé muitas vezes não explícita, mas com uma certa atitude, com o
testemunho: nesta instituição que se chama Igreja, nesta instituição que se denomina
paróquia respira-se um ar de fé, porque nela se crê no Senhor Jesus.
Pedir-vos-ei que estudeis bem bem estas situações que recordei, esta orfandade; e
estudar como fazer recuperar a memória de família; como fazer para que nas
paróquias haja afecto e gratuidade, a fim de que a paróquia não seja uma instituição
vinculada unicamente às situações do momento. Não, que seja histórica, que seja um
caminho de conversão pastoral. Que no presente saiba acolher com ternura, e que
consiga fazer os seus filhos progredir na esperança e na paciência.
Estimo muito os sacerdotes, porque não é fácil ser pároco. É mais fácil ser bispo do que
pároco, porque nós bispos temos sempre a possibilidade de manter a distância, ou de
nos escondermos por detrás do «Sua Excelência», e isto defende-nos! Mas ser pároco,
quando batem à tua porta: «Padre, há este problema; padre há isto e aquilo...». Não é
fácil! Quando alguém vem ter contigo para contar os problemas da família, ou de um
morto, ou quando as «jovens da cáritas» vêm para falar mal das chamadas «jovens da
catequese»... Não é fácil ser pároco!
Contudo quero dizer algo, que já disse numa outra ocasião: a Igreja italiana é muito
forte graças aos párocos! Aqueles párocos que — hoje têm outro sistema — dormiam
com o telefone na mesinha de cabeceira e que se levantavam a qualquer hora para ir
ao encontro de uma pessoa enferma... Ninguém morria sem os Sacramentos...
Próximos! Os párocos devem estar próximos! E depois? Abandonaram esta memória de
evangelização...
Pensemos na Igreja Mãe e digamos à nossa Mãe Igreja aquilo que Isabel disse a Maria,
quando se tinha tornado mãe, à espera do filho: «Bem-aventurada és Tu, porque
acreditaste!».
Desejamos uma Igreja de fé, que creia que o Senhor é capaz de a transformar em mãe,
de lhe conceder muitos filhos. A nossa Santa Mãe Igreja. Obrigado!
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VISITA PASTORAL DO PAPA FRANCISCO A CASSANO ALLO JONIO (CALÁBRIA)
ENCONTRO COM OS SACERDOTES DIOCESANOS
DISCURSO DO SANTO PADRE
Catedral de Cassano allo Jonio
Sábado, 21 de Junho de 2014
Discurso preparado pelo Santo Padre e entregue durante o Encontro
Amados Sacerdotes
Agradeço-vos a vossa hospitalidade! Desejei muito este encontro convosco, que
carregais o peso quotidiano do trabalho paroquial.
Antes de tudo, gostaria de compartilhar convosco a alegria de ser sacerdote. A
surpresa sempre nova de ser chamado, aliás, de ser chamado pelo Senhor Jesus.
Chamado a segui-lo, a estar com Ele para ir ao encontro dos outros levando-lhes Ele, a
sua palavra, o seu perdão... Para o homem não há nada mais bonito do que isto, não é
verdade? Quando nós, presbíteros, nos encontramos diante do Tabernáculo e
permanecemos ali por um momento em silêncio, sentimos o olhar de Jesus novamente
sobre nós, e este olhar renova-nos e reanima-nos...
Sem dúvida, às vezes não é fácil permanecer diante do Senhor; não é fácil porque
muitas situações, muitas pessoas, nos preocupam... contudo, às vezes não é fácil
porque sentimos uma certa dificuldade, o olhar de Jesus inquieta-nos um pouco,
chegando a pôr-nos em crise... Mas isto faz-nos bem! No silêncio da oração, Jesus levanos a ver se trabalhamos como bons operários ou se, talvez, nos tornamos um pouco
«empregados»; se somos «canais» abertos, generosos, através dos quais correm
abundantemente o seu amor e a sua graça ou se, ao contrário, nos colocamos no
centro e assim, em vez de sermos «canais» tornamo-nos «barreiras» que não
contribuem para o encontro com o Senhor, com a luz e força do Evangelho.
E o segundo elemento que desejo compartilhar convosco é a beleza da fraternidade: a
beleza de sermos sacerdotes juntos, de não seguirmos o Senhor sozinhos, não um por
um mas juntos, apesar da grande variedade dos dons e das personalidades; aliás, é
precisamente isto que enriquece presbitério, esta diversidade de proveniências, de
idades, de talentos... E tudo isto vivido na comunhão, e na fraternidade.
Também isto não é fácil, não é imediato nem certo. Antes de tudo, porque inclusive
nós, sacerdotes, vivemos mergulhados na cultura subjectivista de hoje, nesta cultura
que exalta o eu a ponto de o idolatrar. Além disso, por causa de um certo
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individualismo pastoral infelizmente alastrado nas nossas dioceses. Por conseguinte,
devemos reagir a isto mediante a escolha da fraternidade. Intencionalmente, falo de
«escolha». Não pode ser apenas algo deixado ao caso, às circunstâncias favoráveis...
Não, trata-se de uma escolha, que corresponde à realidade que nos constitui, à dádiva
que recebemos mas que deve ser sempre acolhida e cultivada: a comunhão em Cristo
no sacerdócio, ao redor do Bispo. Esta comunhão pede para ser vivida, procurando
formas concretas adequadas aos tempos e à realidade do território, mas sempre em
perspectiva apostólica, com estilo missionário, com fraternidade e simplicidade de
vida. Quando Jesus diz: «Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se vos
amardes uns aos outros» (Jo 13, 35), di-lo certamente a todos, para em primeiro lugar
aos Doze, àqueles que Ele mesmo chamou a segui-lo mais de perto.
A alegria de ser sacerdote e a beleza da fraternidade. Eis os dois elementos que,
pensando em vós, eram mais importantes para mim. Só vos faço uma última menção:
encorajo-vos no vosso trabalho com as famílias e para a família. Trata-se de uma
ocupação que o Senhor nos pede que desempenhemos de modo especial neste tempo,
um período difícil quer para a família como instituição, quer para as famílias, devido à
crise. Mas precisamente quando o tempo é difícil, Deus faz sentir a sua proximidade, a
sua graça e a força profética da sua Palavra. E nós somos chamados a ser
testemunhas, mediadores desta proximidade às famílias e desta força profética para a
família.
Caros irmãos, agradeço-vos! E vamos em frente, animados pelo amor comum ao
Senhor e à santa Mãe Igreja. Que Nossa Senhora vos proteja e vos acompanhe.
Permaneçamos unidos na oração. Obrigado!
226
PAPA FRANCISCO
ANGELUS
Praça de São Pedro
Domingo, 22 de Junho de 2014
Vídeo
Queridos irmãos e irmãs, bom dia!
Na Itália e em muitos outros países celebra-se neste domingo a festa do Corpo e Sangue de Cristo
— usa-se muitas vezes o nome latino: Corpus Domini ou Corpus Christi. A Comunidade eclesial
recolhe-se em volta da Eucaristia para adorar o tesouro mais precioso que Jesus lhe deixou.
O Evangelho de João apresenta o discurso do «pão da vida», pronunciado por Jesus na sinagoga
de Carfanaum, no qual afirma: «Eu sou o pão vivo que desceu do céu. Se alguém comer deste
pão, viverá para sempre. Este pão é a minha carne, que eu darei pela vida do mundo» (Jo 6, 51).
Jesus frisa que não veio a este mundo para dar algo, mas para se dar a si mesmo, a sua vida,
como alimento por quantos têm fé n’Ele. Esta nossa comunhão com o Senhor compromete-nos, a
nós seus discípulos, a imitá-lo, fazendo da nossa existência, com as nossas atitudes, um pão
repartido pelos outros, como o Mestre repartiu o pão que é realmente a sua carne. Para nós, ao
contrário, são os comportamentos generosos em relação ao próximo que demonstram a atitude de
repartir a vida pelos outros.
Todas as vezes que participamos na Santa Missa e nos alimentamos do Corpo de Cristo, a
presença de Jesus e do Espírito Santo age em nós , plasma o nosso coração, comunica-nos
atitudes interiores que se traduzem em comportamentos segundo o Evangelho. Antes de tudo a
docilidade à Palavra de Deus, depois a fraternidade entre nós, a coragem do testemunho cristão, a
fantasia da caridade, a capacidade de dar esperança aos desencorajados, de acolher os excluídos.
Deste modo a Eucaristia faz amadurecer o nosso estilo de vida cristã. A caridade de Cristo,
acolhida com o coração aberto, muda-nos, transforma-nos, torna-nos capazes de amar não
segundo a medida humana, sempre limitada, mas segundo a medida de Deus. E qual é a medida
de Deus? Sem medida! A medida de Deus é sem medida. Tudo! Tudo! Não se pode medir o amor
de Deus: é sem medida! Tornemo-nos então capazes de amar também quem não nos ama: e isto
não é fácil. Amar quem não nos ama... Não é fácil! Porque se sabemos que uma pessoa não gosta
de nós, também nós somos levados a não gostar dela. Mas não deve ser assim! Devemos amar
também quem não nos ama! Opor-nos ao mal com o bem, perdoar, partilhar, acolher. Graças a
Jesus e ao seu Espírito, também a nossa vida se torna «pão partido» pelos nossos irmãos. E
vivendo assim descobrimos a verdadeira alegria! A alegria de fazer-se dom, para retribuir o grande
dom que recebemos primeiro, sem merecimento nosso. Isto é bom: a nossa vida faz-se dom! Isto
significa imitar Jesus. Gostaria de recordar estas duas coisas. Primeira: a medida do amor de Deus
é amar sem medida. É claro? E a nossa vida, com o amor de Jesus, recebendo a Eucaristia, faz-se
dom. Como foi a vida de Jesus. Não esquecer estas duas coisas: a medida do amor de Deus é
amar sem medida. E seguindo Jesus, nós, com a Eucaristia, fazemos da nossa vida um dom.
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Jesus, pão de vida eterna, desceu do céu e fez-se carne graças à fé de Maria Santíssima. Depois
de o ter levado consigo com amor inefável, ela seguiu-o fielmente até à cruz e à ressurreição.
Peçamos a Nossa Senhora que nos ajude a redescobrir a beleza da Eucaristia, a fazer dela o
centro da nossa vida, sobretudo na Missa dominical e na adoração.
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SAUDAÇÃO DO PAPA FRANCISCO
AOS JOVENS DA DIOCESE DE ROMA
EM BUSCA VOCACIONAL
Gruta de Lourdes, Jardins do Vaticano
Sábado, 28 de Junho de 2014
Antes de tudo peço desculpas pelo atraso, mas a verdade é que não me dei conta do tempo.
Estava a manter uma conversa tão interessante que nem me dei conta. Desculpai-me! Isto não se
faz, a pontualidade deve ser mantida.
«Agradeço-vos esta visita a Nossa Senhora que é tão importante na nossa vida. Ela acompanhanos na escolha definitiva, a vocacional, porque também acompanhou o Filho no seu caminho
vocacional que foi tão difícil e doloroso. Ela acompanha-nos sempre.
Quando um cristão me diz, não propriamente que não ama Nossa Senhora, mas que não sente a
necessidade de a procurar ou de rezar a Ela, sinto-me triste. Recordo certa vez, há quase 40 anos,
estava na Bélgica, num convento, e havia um casal de catequistas, ambos professores
universitários, com filhos, uma linda família, e falavam de Jesus Cristo tão bem. Mas, num
determinado momento perguntei: «E a devoção a Nossa Senhora?». «Mas nós superamos esta
etapa. Conhecemos tanto Jesus Cristo que não precisamos de Nossa Senhora». E o que me veio à
mente e ao coração foi: «Pobres órfãos!». É assim, não é? Porque um cristão sem Nossa Senhora
é órfão. Também sem a Igreja é órfão. O cristão tem necessidade destas duas mulheres, duas
mães, duas virgens: a Igreja e Nossa Senhora. E para fazer o teste de uma vocação cristã correcta
é preciso perguntar-se: «Como vai a minha relação com estas duas mães que tenho?», com a mãe
Igreja e com a mãe Nossa Senhora. Este não é um pensamento de «piedade», não. É teologia
pura. Esta é teologia. Como vai a minha relação com a Igreja, com a minha mãe Igreja, com a
santa mãe Igreja hierárquica? E a minha relação com Nossa Senhora, que é a minha mãe?
Isto é bom: nunca a deixeis e não caminheis sozinhos. Desejo-vos um bom caminho de
discernimento. Para cada um de nós o Senhor reserva uma vocação, um lugar no qual Ele quer
que vivamos a nossa existência. Mas é necessário buscá-lo, encontrá-lo; e depois continuar, ir em
frente.
Gostaria de acrescentar algo mais — além da Igreja e de Nossa Senhora — o sentido do definitivo.
Isto para nós é importante porque vivemos uma cultura do provisório: isto sim, mas por algum
tempo, e para outro tempo... Casas-te? Sim, sim, mas até que o amor dure, depois cada um na
própria casa de novo...
Um jovem — contou-me um bispo — um jovem profissional, disse-lhe: «Gostaria de ser sacerdote,
mas só por dez anos». É assim, é o provisório. Temos medo do definitivo. E para escolher uma
vocação, uma qualquer, até aquelas «de estado», o matrimónio, a vida consagrada, o sacerdócio,
devemos ter uma perspectiva do definitivo. E a isto opõe-se a cultura do provisório. É uma parte
da cultura que temos de viver nesta época, mas vivê-la e vencê-la.
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Muito bem. Também sobre este aspecto do definitivo, acredito que quem tem mais garantida a
estrada definitiva é o Papa! Porque ele... onde acabará o Papa? Ali, naquele túmulo, não?
Agradeço-vos muito esta visita e convido-vos a rezar a Nossa Senhora ou, não sei, a cantar... A
«Salve Rainha»... Sabeis cantá-la? Cantemos a «Salve Rainha» a Nossa Senhora todos juntos?
Vamos!
(Canto...).
Agora a vós, às vossas famílias, a todos concedo a Bênção e peço-vos, por favor, rezai por mim.
(Bênção...).
Obrigado a vós! Muito obrigado! Feliz caminho!
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