Um português à conquista do mundo

Transcrição

Um português à conquista do mundo
Entrevista
Carlos
Dias
Um português à conquista do mundo
Vive no Mónaco, mas recebeu-nos num palacete brasonado no Minho
que ofereceu à mulher. O empresário que fez fortuna na Suíça na alta
relojoaria já investiu milhões em Portugal e aposta agora em Angola
Textos de Cândida Santos Silva
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eticuloso, exigente e preciso como um relógio suíço. É assim Carlos Dias. Um homem com uma vasta cultura, poliglota. Um empreendedor que subiu
na vida a pulso. Um empresário de sucesso que emigrou para França ainda muito jovem. Começou por
baixo. A lavar pratos em restaurantes em Paris até
perceber do metier, ganhar o gosto pela cozinha e
pelos vinhos. Fez um curso de Ciências Políticas na
Sorbonne e viajou para Itália, a sua segunda pátria,
como diz. Aí começou por desenhar móveis e editar livros. Casa com uma portuguesa também ela
emigrante e passam a viver na Suíça onde entra no
mundo exigente e competitivo da alta relojoaria.
Por essa altura ainda pensou abrir um restaurante,
tal era o gosto pela gastronomia. Atirou uma moeda
ao ar para decidir qual a opção que tomaria. Cara ou coroa? Por duas vezes saiu cara, a escolha que lhe indicava a restauração. Atirou uma terceira e o resultado foi
o mesmo. Carlos Dias decidiu por si próprio. Escolheu
coroa e a relojoaria. Começou um negócio próprio a
que chamou SOGEM (Société Genevoise de Mon-
tres) inicialmente com dois colaboradores, um dos
quais um Mestre relojoeiro chamado Roger Dubuis.
E foi com o nome do ‘seu’ relojoeiro que decidiu lançar a sua própria marca: Manufacture Roger Dubuis.
Construiu um império.
Criador de marcas, com gosto pelo design e pelo desenho (literalmente) de relógios e jóias, de vinhos e
garrafas. Com parte do que ganhou com a venda do
seu grupo de relojoaria em finais de 2008 ao Richemond Group, criou, entre outros negócios, várias empresas em Portugal. A holding chama-se Idealtower, e
engloba empresas tão diferentes como a Idealdrinks,
dedicada aos vinhos, destilados e produtos gourmet, a
Idealmead na área da saúde, a Ciberbit, que cria software de gestão e soluções para a área médica e hospitalar
e a WSBP, uma start-up de eficiência energética, que
monitoriza edifícios através de um software que visa
um melhor equilíbrio ambiental e a redução do consumo energético. A Idealtower, para além de Portugal,
onde já investiu mais de 150 milhões de euros, encontra-se em países como o Brasil, a China, Cabo Verde e >
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Carlos Dias não deixa
nada ao acaso nas
empresas que gere.
Nos vinhos desenha
as garrafas, os rótulos
e até as caixas
de madeira ou acrílico.
Cada desenho,
cada símbolo tem
um significado
> acaba de entrar no mercado angolano. Luanda e Benguela são a porta de entrada num país onde encontra
diferentes oportunidades. Em Outubro inaugura uma
plataforma de distribuição, armazenamento e logística, assim como um showroom e loja, com todo o portefólio da Idealdrinks. Ou seja, vinhos brancos, verdes
e tintos, espumantes, azeite, aguardente e destilados
de fruta, queijos, charcutaria e presuntos pata negra.
Luanda é a primeira cidade, Lobito virá a seguir. Depois... depois seguir-se-ão outros pontos e outros locais. Em Portugal já tem oito quintas, duas adegas
com as tecnologias mais modernas, uma destilaria
em Monção - que mais parece o mecanismo de um
relógio suíço topo de gama.
Carlos Dias gosta de se rodear dos melhores. E para
isso tem levado para as suas empresas grandes nomes
e referências mundiais. É o caso do francês Pascal
Chatonnet, reconhecido mundialmente como um dos
melhores enólogos, responsável por fazer, por exemplo, o espumante Colinas na Quinta Colinas de São
Lourenço na Bairrada, a gama de vinhos Principal
ou o Quinta da Pedra. Ou Gianni Capovilla, o maestro italiano conhecido como o ‘papa dos destilados’,
dono de uma das melhores destilarias do mundo. Carlos Dias levou um ano para convencer Capovilla a
desenvolver, para si, um projecto de destilaria em
Monção sem precedentes em Portugal.
A área da saúde é o berço do gru-
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po de Carlos Dias em Portugal. O nome da holding, Idealtower tem origem aí. Onde hoje está o
hospital Idealmed, em Coimbra, existia a Ideal,
uma firma de confecções, explica João da Cunha
Ferreira, braço-direito de Carlos Dias, vice-presidente da Idealtower. A unidade hospitalar de Coimbra, com várias valências, é o principal investimento feito pelo grupo na área da saúde, um valor acima de 50 milhões de euros. Foi adquirindo
unidades de saúde, em Cantanhede, Pombal, Figueira da Foz, Sangalhos e em Leiria.
Com a consolidação do investimento já realizado,
Carlos Dias quer exportar saúde para vários países.
«Criámos a Idealmed - Global Health Management e
com esta empresa queremos capitalizar e clonar o nosso savoir faire.Temos uma equipa que vai desde arquitectos, engenheiros civis, médicos, gestores, software
clínico, formaçãode pessoal médicoe auxiliar. A Idealmed tem cerca de 350 médicos, dos quais alguns dos
mais importantes são professores doutores da Universidade de Coimbra, reconhecidos e de prestígio mundial. Estão todas as valências médicas contempladas».
Carlos Dias diz ter a capacidade de fazer um hospital
‘Chave na Mão’ em qualquer país do mundo, adequado às necessidades e às capacidades financeiras e de recursos humanos quevá encontrar. «Temos uma parceria na China, com uma entidade governamental e um
partnerlocalnacidadedeXangaiqueestáacorrermuito bem. Estamos a ultimar um projecto para Cabo
Verde e a estudar várias propostas para Angola. Vemos Angola como um país amigo, onde se podem realizar parcerias com pessoas competentes e interessadas em projectos que julgo úteis para o seu país e portadoras de forte valor acrescentado». O empresário
quer fazer em Portugal vinhos que possam competir
com os melhores do mundo. Nos rótulos das garrafas
e nas caixas de madeira e de acrílico por si desenhadas
exibe com orgulho ‘Proudly Produced in Portugal’.
Carlos Dias quer que os seus produtos conquistem o
mundo e que o nome Portugal seja grande: O melhor
entre os melhores. Aos 57 anos é um homem discreto, distinto, disciplinado e destemido.
‘Gosto de correr
sem levantar poeira’
C
arlos Dias recebeu-nos no Minho, no Paço da Palmeira, uma quinta com um imponente palácio que
adquiriu ao Banco Comercial Português e onde se
realizavam as reuniões do Conselho de Administração do banco, quando o presidente era Jardim
Gonçalves. É onde fica quando vem a Portugal, já
que a sua residência permanente é no Mónaco. No
interior respira-se história, luxo e conforto. Está
tudo no seu lugar. O mobiliário antigo, as pratas,
as tapeçarias, parte da sua colecção de pintura. A
quinta, com o seu palácio brasonado, foi comprada para oferecer à mulher. Mais do que um gesto
de amor, foi «uma forma de reconhecimento pela
compreensão e paciência que sempre teve comigo»,
diz o homem que dedica, ainda hoje, todos os seus
dias ao trabalho. Lá fora, os jardins e as vinhas regem-se pelo rigor da personalidade do seu dono.
Tudo está no seu lugar, organizado, alinhado,
perfeito. É a quinta mais emblemática da Idealdrinks, a empresa que produz e comercializa os
seus vinhos. Dos 28 hectares de vinha que rodeiam o paço saem o Royal Palmeira e os vinhos
Eminência, que já chegaram à mesa do Papa.
O empresário, cordial, apesar de reservado, veste-se com bom gosto e distinção. O luxo, discreto, vê-se pelo seu fato Hermès, que lhe assenta na >
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«Tenho uma grande
dádiva com Portugal.
Foi aqui que nasci,
que aprendi a ler
e a escrever. Faz
sentido investir no
meu país, numa hora
em que precisa tanto
dos portugueses»
> perfeição. Nele tudo parece (e é) escolhido ao
pormenor. Os óculos, a camisa, a gravata, o cinto, os sapatos, ou o lenço ao peito. Sente-se ali a
força de um homem que se fez a si próprio. Há
orgulho, mas não há vaidade. Um senhor.
Já investiu uma verdadeira fortuna em Portugal. Porque o fez?
O grupo que criei em Portugal teve inicialmente uma razão mais emocional que racional. Hoje
deve e só pode prevalecer o aspecto racional.
Não vim para obter visibilidade ou notoriedade, também não vim para perder dinheiro. É
um investimento sério, um projecto a médio e
longo prazo. Direi até que os meus investimentos em Portugal se revestem de uma outra característica e que é a mais profunda dentro de
mim. Procuro que os meus projectos criem valor acrescentado para o país e possam contribuir para dinamizar o made in Portugal.
O retorno financeiro podia ser mais rápido se
comprasse quintas em França ou em Itália...
Tenho uma dádiva para com o meu país. Foi
aqui que aprendi a ler e a escrever. Criei ao
longo da minha vida riqueza para muitos países. E digo-o sem falsas modéstias. Em Itália
e na Suíça criei milhares de postos de trabalho
e paguei milhões em impostos. Isso não me
preocupa. Mas perturba-me o facto de nunca
ter feito o mesmo pelo meu país. Chegou essa
hora, e espero não me arrepender. A Suíça não
contribuiu para a minha educação, mas para a
minha emancipação. Direi que tenho angústia,
quase um remorso ao ver o país onde nasci e
do qual gosto muito, na situação em que está.
Se um amigo estrangeiro lhe perguntasse se deveria investir em Portugal, o que responderia?
A minha, neste momento, para um amigo, seria
a mais sincera e factual, responder-lhe-ia: joker.
Mas o senhor fê-lo.
Sim, mas não foi uma obrigação, ninguém mo
exigia, é um desafio pessoal. Pode ser um grande insucesso ou, e estou convencido disso, um
grande êxito. Convivemos mais facilmente com
o sucesso do que com o insucesso.
Em Portugal, na área da saúde e na produção de
vinho já investiu mais de 150 milhões de euros.
O risco está associado ao investimento. Todavia há imponderáveis que podem acontecer. Em
Portugal há uma situação política, económica e
financeira que tem sido abordada com extrema
insuficiência e ligeireza. Isto reflecte-se na qualidade de vida dos portugueses e em prejuízo
dos investimentos de pessoas que, com boa vontade e coragem, têm, ou querem cá apostar.
Diz que o Estado não acolhe da mesma maneira
os investimentos dos emigrantes e os investimentos dos estrangeiros. Como olha para a questão
dos vistos dourados?
Pura e simplesmente não olho. Quando se fala
em investimento estrangeiro em Portugal cometem-se algumas injustiças. Primeiro, no que
me diz respeito, parece que quando se é português e se vive fora do país, a palavra emigrante
é quase pejorativa. Mas os emigrantes têm muito orgulho e carinho por Portugal, andam, em
parte, a sustentar a economia portuguesa há décadas. Os maiores investidores em Portugal sem-
pre foram os portugueses e entre eles os emigrantes. Colocam no país diariamente vários milhões de euros. Mas esta é uma realidade que é
desvalorizada, porque a maior parte das vezes
não voltam e não votam. Por isso não representam, nem têm grande significado para os interesses político-partidários. Não me recordo de
alguma vez ter visto qualquer líder de um partido político português fazer campanha, dirigindo-se à diáspora portuguesa e convidando-a a
participar no desenvolvimento do seu país. Pelo
contrário, hoje incita-se a juventude a emigrar.
O que estamos a fazer de errado?
Portugal virou demasiadas vezes as costas ao
mar e aos próprios portugueses. E sempre que
voltámos as costas ao mar vimos o declínio do
nosso país. Fomos os primeiros navegadores, os
primeiros descobridores, traçámos rotas marítimas, inventámos o comércio pelo mar, mas
hoje não temos uma frota pesqueira, nem uma
companhia de navegação digna do nome. A Suíça, em comparação, não tem mar, não descobriu
nem a Índia, nem o Brasil, mas possui das maio-
res companhias de transportes marítimos do
mundo. Nós não temos aprendido nem com os
maus nem com os bons exemplos.
Nasceu na Bairrada.
Sou antes de mais um homem do mundo. Gosto de viver onde vivo. Mas se me perguntar onde
é que eu gostaria de morrer digo-lhe que seria
em qualquer lado, de preferência o mais tarde
possível, ou quando chegar o derradeiro momento. Mas faço questão que os meus restos mortais
venham a repousar ao lado dos meus falecidos
pais, na Bairrada.
Porquê a paixão pelo vinho?
Para mim a bebida mais importante é a água.
Nunca faremos uma bebida tão boa. A água serve essencialmente para matar a sede e acho que
não se deve beber um vinho com esse pressuposto. As pessoas quando abrem uma garrafa de vinho têm a possibilidade de sonhar, de ter emoções
e, com ele, momentos de celebração. O vinho
permite-nos fazer uma viagem pelos sentidos.
Vivo muito bem com esta paixão.
Quando começou a apreciar vinho?
Respondo-lhe com toda a franqueza. Em primeiro lugar os vinhos bons desejam-se mas muitas
vezes não se conseguem comprar pois são muito
caros. Foi em França, quando trabalhava em restaurantes, que tive acesso a informação e me pude
ir formando no mundo dos vinhos. Já provei dos
melhores do mundo, mas nenhum deles me deu
o grau de satisfação que encontro quando revejo
um amigo ou a emoção que encontrei com o nascimento de qualquer um dos meus quatro netos.
Quando se olha para a imagem dos seus vinhos,
percebe-se que há uma grande preocupação estética. Está ali o seu cunho pessoal.
Uma das minhas grandes paixões é o design e ao longo de muitos anos tenho sido eu que idealizo, desenho, realizo e coloco os produtos no mercado. Tenho essa mesma abordagem seja para um relógio,
uma jóia ou um vinho. Sou adepto da qualidade,
valorizada através de uma imagem singular e requintada. No caso dos meus vinhos, utilizo o meu
saber para vestir da forma mais exclusiva e elegante o conjunto de garrafas e packaging de todas as
propriedades. Dou muita importância à qualidade
e singularidade dos produtos, desejando que sejam
diferentes dos outros, uma vez que serão confrontados com a realidade de um mercado exigente e
competitivo.
Não é mais fácil encontrar a singularidade num
relógio do que num vinho?
Não direi isso. Direi apenas que há menos marcas de relógios do que de vinhos. O mundo da
relojoaria é muito complexo e de difícil acesso, e
nessa área, modestamente, já escrevi algumas páginas da sua história. O mercado do vinho também é difícil e global. E há outras nuances. Quando pensamos em alta relojoaria pensamos em Suíça, quando se pensa em grandes vinhos pensa-se
em França ou Itália. Portugal, infelizmente, ainda não está no topo dos países com esse reconhecimento mundial dos grandes vinhos. E eu quero contribuir para esse esforço. Gostaria muito
que os vinhos portugueses tivessem o mesmo
prestígio que a alta relojoaria suíça, sabendo que
>
sonhar alto não ofende os deuses.
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Ainda este mês abrirá uma loja em Luanda.
Em Luanda, teremos em exposição e venda os
produtos gourmet, com o nosso portefólio de vinhos e de espumantes, de aguardentes vínicas e
de destilados de fruta. Situa-se na variante de
Benfica para Viana. Inauguramos dia 26 de Outubro. No Lobito será mais tarde, mas as obras já
estão em curso.
E na área da saúde?
Os meus investimentos em Portugal na área da
saúde estão a desenvolver-se de forma positiva e por isso decidimos clonar o nosso savoir
faire. Pretendemos exportar saúde. A Idealmed
tem a capacidade de idealizar e desenvolver um
hospital ‘Chave na Mão’, em função das necessidades médicas, das capacidades financeiras e
de recursos humanos. Mas também formamos
localmente. Em Angola estão vários projectos
em apreciação.
«Considero-me um
eterno insatisfeito.
Tenho uma vida de
desafios permanentes.
Comigo e comigo
mesmo. Sou exigente
com os outros,
mas, não tanto quanto
o sou comigo mesmo»
> Foi por esse facto que colocou nos seus produtos a expressão ‘proudly produced in Portugal’?
Tenho orgulho em ser português, no meu país,
nos meus produtos e em alguns dos meus compatriotas.
Neste momento está focado na exportação.
Quais são os mercados onde está a investir?
Aconselho as empresas portuguesas a pensarem globalmente. Além de muitos países também aposto nos denominados Bric: Brasil, Rússia, Índia, China. Mas estão a nascer outros
Bric’s, que terão outro nome, sobretudo no continente africano, como, por exemplo, Angola, Moçambique, Argélia, África do Sul, Guiné Equatorial, a própria Nigéria. Acredito que
nas próximas décadas o continente africano
terá um papel importantíssimo e incontornável na economia mundial.
Está a fazer uma grande aposta em Angola.
O grupo, a Idealtower, é muito diversificado, e
presta-se à exportação. Vejo Angola como um
país amigo, onde se podem realizar parcerias
com pessoas competentes e interessadas em projectos que podem ser úteis e valorizadores.
Que outros projectos quer levar para Angola?
Na área da saúde, em softwares clínicos e em formação na área médica. Neste momento está mais
avançado o projecto dos vinhos e os produtos
gourmet. Os meus investimentos em Angola são
feitos em parceria com um partner local e o nosso objectivo é dar maior visibilidade aos produtos das minhas quintas, sejam eles vínicos ou gourmet. Estamos a falar do azeite, dos queijos, da
charcutaria e do presunto. Vamos abrir este mês
o primeiro espaço em Luanda. E outros se segui-
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No caso dos vinhos é o senhor que desenha os
rótulos, que concebe as caixas de madeira ou as
caixas em acrílico para as séries numeradas.
Encontro imenso prazer em desenvolver esses trabalhos, nomeadamente a criação de algumas garrafas para vinhos e destilados. Desenhei, por exemplo, a garrafa para o Alvarinho Quinta da Pedra.
Essa garrafa parece um trabalho de ourivesaria.
Foi um trabalho que me deu muito gosto fazer.
Desenho quase todos os rótulos. Há um deles pelo
qual tenho um carinho muito especial. Foi para o
vinho ‘Principal’, o nosso topo de gama da região
da Bairrada. O próprio nome foi inspirador para
desenvolver um conceito baseado em oito símbolos, que são visíveis neste rótulo, e que como numa
charada, recordam elos distantes entre o implícito que explica e o explícito que implica. Símbolos enigmáticos que exprimem um valor particular e lhe dão uma valência universal. São eles a
família e o amor, a espiritualidade e a cultura, o
abraço e o encontro, a amizade e a solidariedade,
o trabalho e o progresso, o universo e o planeta,
o sucesso e a carreira, a prosperidade e a riqueza.
É um homem de fé?
Sim, fui educado na religião cristã, sou católico,
não praticante, tenho fé em Deus, mas não sou fanático.
E fé nos homens?
Em alguns, qb.
Já se desiludiu com Deus?
Não. Só me desiludo comigo e com os homens.
Deus não se presta a desilusões.
feito. Não sou infeliz, antes pelo contrário, mas
penso que nunca alcançarei a felicidade total.
Olhando para o seu percurso, verifica-se que teve
uma vida singular, extraordinária, até.
Tenho um percurso de vida singular, extraordinário acho que não. O sucesso, por muito importante que seja, é apenas um complemento das
nossas vidas, que vivido com humildade pode ter
o seu mérito. Na relojoaria tive um sucesso relevante, mas não me fez levantar os pés do chão.
Sou o cliente mais exigente de tudo o que faço.
Como entrou no mundo da relojoaria?
Não foi premeditado. Sempre gostei de relógios.
Comprei o primeiro aos 19 anos, em Paris. Um
Jaeger-LeCoultre, Reverso, em aço. Um relógio
é muito mais do que um objecto para ler as horas. Comecei por comprar relógios de época, coleccionando e depois a viver no seu mundo. Conheci coleccionadores e frequentei os mais importantes leilões. Do hobbie ao negócio foi um
passo. Lancei um desafio a mim próprio. Era uma
paixão que tinha, mas não era a única. Na altura
sonhava em ter um restaurante extraordinário,
sendo eu um apaixonado pela cozinha. Mas não
tinha tempo nem disponibilidade financeira para
materializar ao mesmo tempo os dois negócios.
Consegue separar claramente a vida pessoal da
vida profissional?
Não separo nada, porque só vivo para o trabalho.
E infelizmente não dedico à família a atenção que
dedico ao trabalho.
A família não lhe cobra isso?
Cobra. Gostariam que tivesse mais tempo e disponibilidade para eles. São o que de mais importante tenho na vida.
A sua mulher é minhota. Ofereceu-lhe esta quinta. Foi uma manifestação de amor?
A minha mulher é luso-suiça. Nasceu no Minho,
em Arcos de Valdevez. É uma minhota a 100%.
Foi uma manifestação de amor, mas também um
acto de reconhecimento para com a sua paciência. Sempre fui um homem muito ausente. Nunca fui adicto a nada, apenas ao trabalho.
«Vejo Angola
como um país amigo,
onde se podem fazer
parcerias com pessoas
interessadas em fazer
projectos que
podem ser utéis
e valorizadores»
Por que optou pela relojoaria?
Simples, lancei uma moeda ao ar. Saiu restaurante. Lancei outra vez e saiu novamente restaurante. Decidi ir para a relojoaria. Hoje ainda tenho
a ambição de fazer um grande restaurante.
Como iniciou o seu projecto de relojoaria?
Comecei do nada. Com uma folha branca. Durante um ano, ao mesmo tempo que fazia consultoria para algumas marcas, ia desenhando os
meus próprios relógios. Até que decidi criar a
minha própria marca. Dei-lhe o nome de um
amigo, um relojoeiro, que estava sem trabalho e
que veio trabalhar comigo. Chama-se Roger Dubuis. Era um nome difícil, fui desaconselhado a
fazê-lo porque era impronunciável em várias línguas. Para além do Roger havia um engenheiro
mecânico e eu. Éramos três. A empresa chamava-se SOGEM e nasceu num espaço com 13 metros quadrados. Mais tarde, chamei-lhe Manufacture Roger Dubuis. E as três letras iniciais MRD - têm muito significado para mim. Método, rigor, disciplina. Mas também reivindicava legitimamente um produto manufacturado, distinguido com o prestigioso Punção de Genébra.
Desenvolvi uma empresa 100% verticalizada, não
dependendo de ninguém e isso foi fundamental.
Usa os relógios que criou?
Claro que uso! Mas também uso relógios que não
criei. Tenho muitos, não os tenho todos, por que
desenhei milhares deles.
O que o motiva?
Os desafios pessoais. Considero-me um eterno
insatisfeito. Tenho um vida de desafios permanentes. Comigo e comigo mesmo.
Fundou a empresa em 1995 e vendeu-a em 2008.
Porque o fez?
Não sou agarrado às coisas que faço. Uma empresa é um negócio, já a família não o é. A minha
filha e os meus netos não são um negócio, a minha mulher não é um negócio. As empresas fazem-se e desfazem-se. São apenas negócios.
É feliz?
É um dos grandes problemas do eterno insatis-
Pratica algum desporto?
Gosto de correr depressa sem levantar poeira.
FOTOGRAFIAS DE RUI VASCO
rão. Estamos a identificar outras cidades, onde
possamos desenvolver a marca Idealdrink &
Gourmet. Mas também já estamos no Brasil, assim como na Ásia, em parceria com um distribuidor de Hong Kong que cobre o mercado local, China e Taiwan.
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