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ISSN 1984-6223 POLITIZANDO Ano 1 - 1ª ed. abril de 2009 Boletim do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS/CEAM/UnB) POLÍTICAS SOCIAIS: FOCALIZAÇÃO X UNIVERSALIZAÇÃO Entrevista com a Profª. Potyara A. P. Pereira E MAIS: Vicente Faleiros Alternativas ao NeoliberalismoiEspaço do Aluno resumos de Teses, Dissertações e Trabalhos de Conclusão de Curso defendidos recentementei Bibliografias ComentadasiEventosiSugestão de Filmes POLITIZANDO TOME NOTA! EDITORIAL O informativo Politizando, Politizando do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS), do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares (CEAM), da Universidade de Brasília, visa, como o seu próprio nome sugere, veicular idéias, conhecimentos e informações politicamente posicionados. Isso quer dizer que o propósito central do projeto que deu vida a este veículo de comunicação é o de articular e difundir pensamentos e ações comprometidos com a crítica da realidade contemporânea caracterizada por uma profunda desigualdade social. Condenar essa desigualdade, cuja face mais cruel e inadmissível é a pobreza absoluta, à qual estão submetidos cerca de um bilhão de pessoas em todo o planeta, é um dever de cidadania urgente e necessário. Mas essa condenação não poderá estar desfalcada da análise das determinações estruturais e das escolhas políticas que forjam e perpetuam, no atual regime de acumulação capitalista, a distribuição socialmente injusta de custos e oportunidades. É com esse intento que tanto o texto do professor Vicente Faleiros sobre o neoliberalismo, como a entrevista com a professora Potyara Pereira sobre a disjuntiva focalização versus universalidade no campo das políticas sociais, se apresentam como um chamado à reflexão. As demais informações que compõem este boletim cumprem a finalidade de indicar outras incursões analíticas, inclusive discentes, sobre o tema geral da desigualdade, na Universidade de Brasília. Ao lançar mão de mais esse instrumento de difusão de sua produção intelectual e política o NEPPOS/CEAM reafirma a intenção de continuar perseguindo os dois principais objetivos que, em 1987, compuseram a sua proposta de criação, a saber: a) propiciar um espaço interdisciplinar e interinstitucional de reflexão e troca de conhecimento, com vista a permanente análise e crítica dos modelos de política social, oficialmente adotados; e b) garantir o sentido político da produção científica do Núcleo, seja socializando-a, seja colocando-a a serviço dos processos democráticos de formulação e implementação de políticas sociais. Durante a sua trajetória o NEPPOS sempre procurou registrar e difundir o conhecimento produzido pelos seus pesquisadores (professores, alunos e colaboradores externos à UnB), mesmo que de forma artesanal, dada a ausência de recursos financeiros próprios, por ser, o Núcleo, uma instituição eminentemente pública. Fazem parte dessa iniciativa a criação, desde fins os anos 1980, de uma Série intitulada “Política Social em Debate”, constituída de textos para discussão, com circulação restrita. Nesta Série e nos Cadernos do CEAM, assim como em livros publicados com o apoio do CNPq, os temas tratados sucintamente nesse Informativo são aprofundados. Com isso espera-se devolver à comunidade acadêmica e à sociedade brasileira em geral parte dos investimentos públicos recebidos. 28 a 30/abril IV Seminário Internacional de Política Social: Política Social, Trabalho e Democracia em Questão. Local: Auditório da FINATEC / Universidade de Brasília 05/maio Palestra: Sociedade Civil e Hegemonia com o Professor Jorge Luís Acanda (Universidad de Havana/Cuba) Local: Universidade de Brasília 28 a 30/maio I Congresso Baiano de Serviço Social Local: Faculdade Nobre (FAN) de Feira de Santana/BA 03 e 04/junho Mini-Curso “Trabalho e Serviço Social” com o Professor Sérgio Lessa (UFAL). Inscrições a partir do dia 20 de maio pelo e-mail: [email protected] Local: Universidade de Brasília. 25 a 28/agosto IV Jornada Internacional de Políticas Públicas. Local: Universidade Federal do Maranhão - São Luis/MA. EXPEDIENTE: Editora responsável: Camila Potyara Pereira Comissão Editorial: Potyara A. P. Pereira, Maria Auxiliadora César, Vitória Góis de Araújo e Marcos César Alves Siqueira Bolsistas: Rafaella de Oliveira da Câmara Ferreira, Micheli Reguss Doege e Carolina Vaz Revisão: Marcos César Alves Siqueira Criação e Diagramação: Camila Potyara Pereira Capa: Micheli Reguss Doege e Isan Rocha Agradecimentos: Evilásio Salvador, Joselito Pacheco e Cecília Cabrera Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social (NEPPOS / CEAM / UnB) Universidade de Brasília - Campus Universitário Darcy Ribeiro – Pavilhão Multiuso I, Gleba A, Bloco A. Asa Norte. CEP: 70910 –900. Brasília/ DF. Tel: +55 (61) 3307-2932. Website: www.neppos.unb.br E-mails: [email protected] ou [email protected] PÁGINA 2 POLITIZANDO ESPAÇO DO ALUNO AS BASTILHAS MODERNAS: O Albergue Conviver e a Gestão da População de Rua no Distrito Federal GRADUAÇÃO Autora: O estudo teve por objetivo identificar a ideologia liberal na resposta estatal à população de rua no Distrito Federal – DF. Para tanto, realizou uma comparação do discurso presente no Albergue Conviver – principal política pública destinada a esse contingente no DF – com os preceitos presentes nas Workhouses da Inglaterra Vitoriana, principal instrumento de controle da mendicância naquele período. Apesar das duas instituições possuírem práticas diferentes, o estudo concluiu que o ideal por detrás de ambas é similar, demonstrando serem versões de controle da pobreza separadas historicamente mas unidas em sua intenção última, que é a de recolher, segregar e expulsar a população de rua dos centros urbanos. MESTRADO Autora: Neimy Batista da Silva Orientadora: Profª. Ivanete Salete Boschetti Data de Defesa: Junho/2008 Instituição: Programa de Pós-Graduação em Política Social/Departamento de Serviço Social (SER)/Instituto de Ciências Humanas (IH)/ Universidade de Brasília (UnB) Talita Siqueira Cavaignac Orientadora: Profª. Camila Potyara Pereira Data de Defesa: março/2009 Instituição: Departamento de Serviço Social (SER)/Instituto de Ciências Humanas (IH)/Universidade de Brasília (UnB) DIFICULDADES E AVANÇOS NA IMPLANTAÇÃO DO SUS EM GOIÂNIA-GOIÁS NO PERÍODO DE 1997 A 2004 Esta dissertação teve como objeto a apreensão do processo de implementação do Sistema Único de Saúde (SUS), em duas gestões do município de Goiânia-Goiás (de 1997 a 2004) buscando estabelecer uma relação entre elas. A análise contemplou as dimensões da gestão – organização dos serviços e do controle democrático – e o papel das conferências e dos conselhos de saúde. Buscou ainda, problematizar a função do Estado e da sociedade civil na condução das políticas de saúde, ao destacar os interesses de classes, os conflitos e contradições presentes nesse processo histórico. Pela análise dos dados coletados, bem como de relatos obtidos de entrevistas, observou-se que as características de cada gestão se consolidam conforme as condições objetivas – conjuntura política, social, cultural – e o fortalecimento ou não da democracia, e da observância de alguns princípios como gestão participativa democrática, autonomia e emancipação. O ENVELHECIMENTO NA AGENDA DA POLÍTICA SOCIAL BRASILEIRA: Avanços e Limitações Esta tese discutiu o envelhecimento no contexto da política social no Brasil, elegendo como objeto de estudo a agenda governamental para a população idosa. O objetivo geral foi o de procurar saber, por meio da análise dessas políticas, como o Estado e a sociedade brasileira agem e atuam frente ao envelhecimento da população. A discussão partiu da hipótese de que a política para a população idosa não é elaborada e desenvolvida de forma multi e intersetorial e a de que a cidadania deste grupo social está sendo negligenciada, uma vez que seus direitos não estão sendo atendidos integralmente. Sendo assim, concluiu-se que as respostas políticas do Estado e da sociedade brasileira ainda são limitadas e incompatíveis com os emergentes desafios e oportunidades do envelhecimento populacional. A análise da agenda da política social para a população idosa identificou avanços e limitações na sua configuração. Em contrapartida, observou-se participação incisiva da seguridade social, especialmente na área da saúde e da assistência social. DOUTORADO Autora: Izabel Lima Pessoa Orientadora: Profª. Potyara A. P. Pereira Data de Defesa: Março/2009 Instituição: Programa de Pós-Graduação em Política Social/Departamento de Serviço Social (SER)/Instituto de Ciências Humanas (IH)/ Universidade de Brasília (UnB) PÁGINA 3 POLITIZANDO Vicente Faleiros Alternativas ao Neoliberalismo Na conjuntura da crise financeira de 2008, pelo menos dois movimentos, opostos entre si, nos levam a pensar alternativas ao neoliberalismo. O primeiro refere-se à nova regulação para uma purga do próprio capitalismo e o segundo a um movimento de crítica “para além do capitalismo”, para sua superação enquanto estrutura/superestrutura de exploração e de dominação do bloco hegemônico políticoeconômico-financeiro mundializado. A crise decorre, de imediato, da falência do sistema financeiro e de sua ideologia de “santificação” do mercado de aplicações e derivativos na competitividade mundial das transações financeiras sem freios e limites. O capital financeiro tornou-se um cassino em que ganham os “players” mais inescrupulosos e gananciosos e onde pagam a conta dos juros e taxas os mais pobres que necessitam de empréstimos para morar, comer, vestir-se ou divertir-se. A negociata imobiliária nos Estados Unidos, com empréstimos “subprime”, sem garantias e com cobranças faraônicas, implicou uma verdadeira venda de ilusões e de informações inadequadas para uma população excluída da habitação, levando as pessoas a se endividarem duas vezes mais que o valor do imóvel, proporcionando ganhos fantásticos aos intermediadores financeiros. A economia fictícia dominou a economia real. A crise não significou somente a falência do sistema financeiro, mas a falência da confiança nesse sistema, da ilusão dos ganhos das aplicações e dos créditos fáceis. A consequência disso foi a restrição do crédito e do consumo, com quedas abruptas na produção e no consumo, trazendo consequências maciças de desemprego, numa bola de neve. A queda do Produto Interno Bruto de vários países teve uma redução de uma rapidez, extensão e profundidade nunca historicamente registrada . O PIB da União Européia sofreu queda de 1,5% de outubro a dezembro de 2008, chegando a 6,2% nos Estados Unidos, 5,6% na Coréia e a 12,7% no Japão. Em 2009, segundo dados da OIT (FSP, 16/02/09, p.B12), as perdas de emprego podem chegar a 50 milhões de postos de trabalho. Nos Estados Unidos já se esvaíram 3,6 milhões de empregos e no Brasil 797 mil vagas desapareceram, de novembro de 2008 a janeiro de 2009. Os custos da crise estão sendo jogados nas costas dos trabalhadores. Diante da ameaça ao próprio sistema e a possibilidade PÁGINA 4 de uma crise política com manifestações sociais, a reação mais compartilhada pelos Estados foi a de salvar o sistema de mercado com dinheiro público, a partir da proposta do Primeiro Ministro da Inglaterra, Gordon Brown. Os radicais de direita, como membros do Partido Republicano norteamericano, mantêm sua declaração de fé no mercado e de “surpresa” com a crise. No mundo inteiro, inclusive no Brasil, estão sendo editados pacotes de subsídio a bancos, empresas e consumidores para restabelecer o crédito, com o discurso de salvar empregos. Combinam-se medidas monetárias, inclusive de aquisição de créditos podres, com políticas fiscais de redução de impostos para estimular o consumo. Nessa perspectiva, a alternativa à crise do neoliberalismo financeiro é a de socorrer o mercado com o preço que está sendo negociado, de maior regulação sobre as transações financeiras e possibilidade de maior protecionismo ou barreiras às importações, apesar do discurso e declarações a favor do livre comércio. É o que fez, por exemplo, a Argentina no início de 2009 e o que está na proposta do “buy american” de Barak Obama. Na crise de 1930 também houve mais intervenção do Estado, conforme proposto por Keynes, no sentido de estimular o consumo, articulando-o a políticas de seguro ou de assistência social (FALEIROS, 2008). Na crise de 2008/2009 os subsídios estatais priorizam os banqueiros e a confiança no mercado de crédito (chamada de crise de liquidez) e o alívio de impostos para empresas e consumidores. O foco da política não é a garantia de renda, mas a garantia do crédito lucrativo. Alguns governos, como o brasileiro, articulam inclusive, o uso do dinheiro destinado ao pagamento de benefícios, para subsidiar o sistema, por exemplo, com o adiamento dos pagamentos das empresas e prefeituras para a seguridade social, colocando conquistas consolidadas da previdência a serviço do capital financeiro. Essa alternativa ao neoliberalismo é a de transferir ao Estado o fracasso do mercado, contrariando o ideário neoliberal de reduzir o Estado, discurso que se desmorona, pois não há saída da crise sem o Estado com maior regulamentação. Esse fortalecimento do Estado é uma alternativa de se manter o mercado e a produção capitalista, podendo, no entanto, reduzir o lucro de um setor ou de vários setores capitalis- POLITIZANDO tas para a manutenção do sistema no seu todo (FALEIROS, 2008). Evo Morales) possibilita o questionamento do grupo hegemônico dominante e fortalece a A crítica mais profunda ao sistema não busca contra-hegemonia ao poder dos Estados Unisalvá-lo, mas superá-lo. A crítica, no entanto, dos e dos grupos dominantes. No entanto, essa implica a análise das forças em presença, prin- contra-hegemonia não aglutina forças suficiencipalmente dos movimentos de questionamen- tes nem dos operários (agentes históricos da to da estrutura capitalista. Em primeiro lugar, revolução no marxismo), nem dos pobres da estão os trabalhadores industriais ou de serviços periferia (visão marcusiana) e nem da multidão que veem saindo às ruas para não serem demi- (visão de Hardt e Negri), mas minam as ilusões tidos e nem terem salários reduzidos, no sentido do mercado e mostram outro tipo de Estado voltado para os interesses de garantir a vida e seu modo populares. Sem resistência e de vida já integrado no capi“O capital financeiro tornou- crítica não há, pois, alternatalismo. Podem forçar um retiva ao neoliberalismo que direcionamento das políticas se um cassino em que possa acumular forças para para manter ou ampliar bereverter a estrutura capitalisnefícios sociais. É a resistência. ganham os “players” mais ta. A resistência, por sua A força do operariado e de vez, é múltipla e diversa no suas organizações tornou-se cotidiano e pode ressurgir inescrupulosos e onde mais limitada com o neolibeem manifestações que se ralismo, como assinala Harapóiam em novas formas pagam a conta dos juros e vey, (2008), pois pressupõe de articulação como a innão somente que o mercado ternet e a informática, aglutaxas os mais pobres que seja a resposta, mas implica tinando setores que se mouma restauração do poder de classe dominante e de necessitam de empréstimos bilizam de forma pluripartidária como os movimentos concentração da riqueza. O individuo passou a ser o foco para morar, comer, vestir-se sociais de mulheres, negros, ecológicos, de deficientes, central dessa política. Quanpara protesto, pressão e do os coletivos de diversas ou divertir-se”. proposta. O protesto é funordens e de diversos segmendamental para se evidencitos se mobilizam contra essa institucionalização do mercado, do individuo e ar o inimigo como para construir a identidade da submissão dos trabalhadores, é que se pode do grupo; a pressão mobiliza os grupos domiolhar alternativas ao neoliberalismo nas suas nados por direitos e objetivos de curto e médio contradições, na dinâmica de relações de for- prazo e explicita o conflito; a proposta implica ça, onde a mídia dominante sustenta e se sus- tanto negociação e consenso como busca de uma sociedade igualitária, solidária, participatitenta com a ilusão do consumismo. O Fórum Social Mundial abriu a discussão de va e democrática, não sem custos de comunicoletivos de autogestão, defesa de direitos ou cação, organização, informação, debate, mode crítica que, muitas vezes, fazem parcerias bilização e com profunda crítica coletivamencom o Estado com maior ou menor controle de te construída. suas ações. É a luta contra o pensamento único. A parceria contraditória pode conquistar espaços políticos para grupos populares que vão possibilitando, embora de maneira limitada, a germinação de propostas que garantam direitos aos mais destituídos e desapossados. Assim, direitos de negros, índios, idosos, mulheres, crianças e adolescentes puderam ser formalizados e implementados, ao menos parcialmente, na democracia formal e com ampliação da democracia participativa. A conquista de governos por personalidades (Hugo Chaves) ou partidos com forte presença indígena (MAS – Movimento ao Socialismo de Referência Bibliográfica CECEÑA, Ana Esther (Org). Hegemonias e emancipações no século XXI. Buenos Aires: CLACSO, 2005 FALEIROS, Vicente de Paula. A política social do estado capitalista. 11ª ed. São Paulo: Cortez, 2008 HARDT, Michael; NEGRI, Antonio. Império. Rio de Janeiro: Record, 2001 HARVEY, David. O neoliberalismo. História e implicações. São Paulo: Edições Loyola, 2008 MARX, Karl. As crises econômicas do capitalismo. São Paulo:Ched Editorial, 1982 PÁGINA 5 OPINIÃO: Profª Potyara A. P. Pereira Políticas Sociais: Focalização X Universalização Entrevista com a Professora Potyara A. P. Pereira, titular do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília e Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Política Social, sobre a focalização X universalização das Políticas Sociais. Politizando: A focalização e a universalidade são dois princípios pelos quais diferentes experiências de política social pública, em diferentes contextos nacionais, vêm se pautando através dos tempos. Em sua opinião, quais os limites e possibilidades de aplicação desses dois princípios, no marco do capitalismo contemporâneo? Profª. Potyara: Realmente a focalização e a universalidade são dois princípios que fazem parte da história da política social e dependem do regime político prevalecente. No século XIX os reformadores sociais da esquerda européia defendiam medidas de proteção social que incluíssem todos indistintamente, enquanto os liberaisconservadores rechaçavam essa idéia por considerá-la esbanjadora. No século XX, o famoso Sistema de Seguridade Social britânico, inaugurado durante a Segunda Guerra Mundial, sob a liderança de um político de ideologia coletivista, William Beveridge, era universal e uniforme e, portanto, isento de comprovações de pobreza. Tal medida PÁGINA 6 encarnava o novo espírito de igualdade fomentado pela guerra. Entretanto, o regime político que a sustentava (de feição social-democrata), permitia a socialização do consumo, embora não da produção, e comprometia toda a sociedade com os custos dos riscos e infortúnios sociais a que todos estavam sujeitos. A partir do final dos anos 1970 outro regime político, de vocação individualista e meritocrática, se instalou em quase todo mundo, condenando o sistema de seguridade social público e universal. Esse regime, conhecido como neoliberal impera até hoje, apesar das suas atuais fragilidades, e jamais apoiou o princípio da universalização, especialmente quando este é aplicado na perspectiva dos direitos sociais. Don- A política social focalizada não configura um direito, mas uma ajuda institucional insuficiente e geralmente arrogante porque trata os pobres como devedores e não credores de uma dívida social não saldada pelos governos. de se conclui que, no marco do capitalismo contemporâneo, a universalidade não tem vez. É a focalização que está em alta. Politizando: Na sua produção bibliográfica, o princípio da focalização das políticas sociais não é considerado pertinente e consistente. Em vista disso, no seu en- tendimento, o que significa focalização das políticas sociais? Profª. Potyara: É a seleção dos merecedores da política social com base no critério da pobreza absoluta. Trata-se de um merecimento por destituição, inclusive de cidadania. Neste caso, a política social não configura um direito, mas uma ajuda institucional insuficiente e geralmente arrogante porque trata os pobres como devedores e não credores de uma dívida social não saldada pelos governos. No Brasil, a palavra focalização é uma tradução dos vocábulos ingleses targeting ou target-oriented que significa centrar as políticas sociais apenas nos indigentes. Politizando: Por que as políticas sociais focalizadas não são pertinentes e consistentes? Profª Potyara: Em primeiro lugar porque, como já foi dito, elas não se pautam pelo estatuto da cidadania. Além disso, elas selecionam arbitrariamente os mais pobres dentre os pobres, deixando muitos pobres sem atendimento; transformam um problema estrutural, como é a pobreza, em uma falta moral, estigmatizando, assim, os beneficiários da política; valem-se da ausência de poder de pressão social dos beneficiários para oferecer-lhes benefícios insuficientes ou de baixa qualidade; desqualificam as políticas sociais, inclusive a de assistência, ao transformá-las em ações filantrópicas. Politizando: Que razões não justificam o emprego deste princípio? Profª Potyara: Uma das principais razões é seu incorrigível efeito perverso, isto é, aumenta a pobreza em vez de diminuí-la ou combatêla. Como as políticas focalizadas deixam no desamparo significati- POLITIZANDO vas parcelas da população pobre, cedo essas parcelas descambam para a pobreza absoluta. Por outro lado, sem o amparo das políticas universais, a maioria da população compromete o seu orçamento doméstico com serviços sociais que deveriam ser bancados pelo Estado, sofrendo, assim, um processo de empobrecimento. Além disso, há estudos que garantem serem, as políticas focalizadas, mais onerosas que as universais, pois, ao contrário destas, aquelas exigem um aparato burocrático complexo para aplicar critérios de elegibilidade, controlar fraudes e punir fraudadores. Politizando: As políticas sociais focalizadas têm algum potencial preventivo da pobreza? Profª. Potyara: Nenhum. Elas são apenas paliativas. O princípio da universalidade é o que melhor contempla essa possibilidade porque, além de não discriminar os demandantes das políticas sociais, não considera essas políticas como fardo ou desperdício financeiro. Pelo contrário, tais políticas são consideradas investimentos nas capacidades humanas. Politizando: Qual a relação da focalização com a equidade? Profª. Potyara: Sendo a equidade um princípio que visa corrigir desigualdades, não vejo como a focalização, tal como descrita acima, possa ter alguma relação de correspondência com esse princípio. A universalidade sim, que por ter objetivos democráticos e pautar-se pelos direitos, pode ser enriquecida pela equidade e pelo compromisso desta em manter as diferenças e as diversidades imunes a discriminações e estigmas. Politizando: Que direitos de cidadania as políticas sociais focalizadas concretizam? Profª. Potyara: O direito à propriedade privada e à liberdade de mercado. Trata-se de direitos associados às necessidades do capital e não às necessidades sociais. Politizando: A seu ver, existe distinção entre os conceitos de focalização e seletividade? Em caso afirmativo, qual é essa distinção? Profª. Potyara: Se a seleção ocorrer como forma de melhor atender os que mais precisam ou são diferentes, a seletividade difere da focalização e se identifica com a equidade. Caso contrário, errado É identificar as políticas sociais focalizadas, com os seus efeitos perversos e estigma- tizadores, com a política pública de assistência social. Seria mais apropriado dizer que está havendo uma desassistencialização dos pobres, porque a focalização não os assiste. focalização ou seletividade, na pobreza, podem significar a mesma coisa. Politizando: Em sua opinião o princípio da focalização é antagônico ao da universalidade ou, na prática, um pode complementar o outro? Para mim são princípios antagônicos. O que, na prática, poderia complementar a universalidade seria a seletividade a serviço da equidade. Politizando: Como avalia a afirmação de que as políticas sociais focalizadas estigmatizam os seus destinatários e funcionam como “armadilhas da pobreza” (poverty trap)? Profª. Potyara: Considero uma afirmação correta. Efetivamente, uma das características das políticas sociais focalizadas é a de não liberarem os indigentes da situação de privação, pois, para que estes façam jus à política, têm que se manter na pobreza absoluta. Daí a pertinência da comparação: elas são de fato uma armadilha da pobreza. Politizando: A focalização das políticas sociais é geralmente identificada como uma ação de assistência social. O que acha do pensamento corrente de que as políticas sociais brasileiras estão se assistencializando? Profª. Potyara: É errado identificar as políticas sociais focalizadas, com os seus efeitos perversos e estigmatizadores, com a política pública de assistência social. Seria mais apropriado dizer que está havendo uma desassistencialização dos pobres, porque a focalização, como vimos, não os assiste. Politizando: Ultimamente, tem se tornado comum a divulgação de resultados de algumas pesquisas quantitativas indicando que houve redução da pobreza absoluta e da desigualdade no Brasil e que a situação social do país melhorou nos últimos anos. Quais as explicações para esses resultados? Profª. Potyara: Sem entrar no mérito das pesquisas referidas, posso dizer que, para quem não tinha nada, receber qualquer quantia de forma regular e certa, melhora a renda de quem recebe. Aí, o fator mais importante não é a quantia em si, que é irrisória, mas a certeza da proteção por mínima que seja. Com essa quantia certa o pobre faz milagres dentro de seu universo de carências crônicas. Mas, dizer que, com isso, houve diminuição das desigualdades, é esconder o fato de que o Brasil continua sendo um dos países mais desiguais do mundo, para não dizer que é um dos mais injustos socialmente. Afinal, a rigor, o Brasil não é um país pobre. PÁGINA 7 POLITIZANDO Recomenda Neste livro, resultado de anos de pesquisas e estudos, a autora aborda os temas referentes à política social de maneira a propor uma análise global. Sua proposta é discutir matérias por diversas vezes trabalhadas, lhes atribuindo, contudo, um aprofundamento individualizado. São apresentadas análises dos paradigmas que acompanharam a política social, principalmente no período do segundo pós-guerra, quando foi institucionalizado o Estado de Bem-Estar Social. Pereira dá ênfase em determinado momento às transformações sofridas pelas políticas sociais na sociedade neoliberal e explicita o jogo de conflitos e interesses que contornaram esse período. A autora utiliza ainda uma abordagem científica, buscando referências de autores renomados e sempre pontuando suas análises com os fatos históricos relacionados às políticas sociais. Este livro é dedicado aos iniciantes e já iniciados no estudo da política social, pois além de propiciar subsídios para discussões e questionamentos, faz referência a assuntos antigos, mas não suficientemente explorados. Partindo da ideia de que o campo da assistência social é na realidade um jogo de interesses políticos, econômicos e pessoais, Boschetti expõe sua rigorosa pesquisa sobre essa política como direito no âmbito do Governo Federal. Desta forma fornece uma ampla visão das principais características das políticas sociais a partir de 1994, por meio da investigação das diferentes dimensões interligadas que as constituem. Além de apresentar uma análise da natureza, das possibilidades e da inserção das políticas na Seguridade Social, a autora esclarece a questão do financiamento e da operacionalização da Política de Assistência Social depois da Lei Orgânica de 1993. Por fim, articula a análise empírica, o aprofundamento teórico e o questionamento político, por meio de um expressivo conjunto de dados que evidencia a predominância da visão restrita e equivocada da Assistência Social como política complementar, fragmentada e focalizada. Referência: PEREIRA, Potyara A. P. Política Social: Temas & Questões. São Paulo: Cortez, 2008. Referência: BOSCHETTI, Ivanete. Assistência Social no Brasil: um Direito entre Originalidade e Conservadorismo. Brasília: GESST/SER/UnB, 2003. Por Micheli Reguss Doege Aluna do 6º semestre de Serviço Social da UnB Por Rafaella Oliveira da Câmara Ferreira Aluna do 4ª semestre de Serviço Social da UnB O filme traça um paralelo entre o século XVIII, em que o escravo era tratado como um mero instrumento de geração de lucro aos Senhores sendo livremente comercializado, e os dias atuais, onde o seu papel é substituído pelo miserável, mas tendo o mesmo pano de fundo: o da exploração. Escancarada no primeiro momento e disfarçada no segundo. Ao assistirmos o filme de Sérgio Bianchi fica a impressão de estarmos diante de duas fotografias de uma mesma pessoa, sendo que o diferencial entre elas é unicamente a vestimenta característica a cada momento histórico. Em ambas temos o mesmo modelo: o da exploração do pobre, seja de forma crua e direta, seja disfarçada de filantropia, mas que, em essência, terminam por criar “escravos” de um mesmo moinho perverso. Referência: Sérgio Bianchi. Quanto Vale ou é por Quilo? Europa Filmes. Cor/108 min. Nov/2005. PÁGINA 8