Os tres Mosqueteiros.p65

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Os tres Mosqueteiros.p65
Capítulo XIX
Plano de campanha
D’Artagnan dirigiu-se imediatamente à mansão do senhor de Treville. Ele
refletira que em alguns minutos o cardeal seria prevenido por aquele infernal
desconhecido, o qual parecia ser seu agente, e pensou, com razão, não haver um
minuto a perder.
O coração do jovem gascão transbordava de alegria. Afinal, era uma ocasião
onde, ao mesmo tempo, poderia conquistar glória e dinheiro, e, como primeiro
encorajamento, aproximara-o de uma mulher que ele adorava. Este acaso fazia
por ele muito mais do que ousaria pedir à Providência Divina.
O senhor de Treville encontrava-se em seu salão, rodeado por sua corte
habitual de nobres cavalheiros. D’Artagnan, conhecido como habitual da casa,
dirigiu-se diretamente ao gabinete do capitão, pedindo para avisa-lo da sua presença
com urgência, pois o assunto era importante.
D’Artagnan esperara apenas cinco minutos, quando o capitão entrou. Ao
primeiro olhar, vendo a alegria estampada no rosto do jovem, o digno capitão
percebeu que algo de efetivamente novo acontecia.
Ao longo de todo o caminho para a mansão do senhor de Treville, ele se
perguntava se poderia lhe confiar o segredo, ou se apenas pediria carta branca
para tratar de um assunto secreto. Contudo, o senhor de Treville sempre fora tão
leal, tão perfeito com ele, era tão devotado ao rei e à rainha, odiava tão
cordialmente o cardeal, que o jovem decidiu tudo lhe contar.
Você pediu para me ver confidencialmente, jovem amigo? Perguntou o senhor
de Treville.
Sim, senhor, disse d’Artagnan, e perdoe-me por perturbar a sua tranqüilidade,
mas, quando souber como o assunto é importante, tenho certeza de ser perdoado.
Então diga, estou às ordens.
Trata-se de nada mais, nada menos, declarou d’Artagnan, abaixando a voz,
do que da honra, e talvez até mesmo da vida da rainha.
O que está dizendo? Indagou o senhor de Treville, olhando em torno de si,
para se certificar de estarem realmente a sós, e fitando o jovem interrogativamente.
Digo, senhor, que o acaso me tornou senhor de um segredo...
Que espero o senhor guarde para si, meu jovem, pela sua honra!
...Mas que devo confiar ao senhor, meu capitão, porque apenas o senhor
poderá me ajudar na missão que acabo de receber de Sua Majestade.
O segredo é apenas seu?
Não, senhor, é um segredo da rainha.
E o senhor foi autorizado pela rainha a revela-lo a mim? Perguntou o capitão.
Não, senhor, ao contrário, recebi recomendação expressa de manter o mais
absoluto segredo.
E qual a razão de trair o segredo comigo?
Porque, como já lhe disse, sem o seu auxílio nada posso, e receio que o senhor
o negará, se não souber do que se trata.
Guarde seu segredo, meu jovem, diga-me apenas do que precisa.
Preciso que o senhor consiga, junto ao senhor des Essarts, uma licença de
quinze dias.
Para quando?
Para esta noite mesmo.
O senhor pretende deixar Paris?
Vou numa missão.
Ao menos pode dizer para onde?
Vou a Londres.
Alguém terá interesse em que o senhor não consiga cumprir a missão?
Penso que o cardeal fará tudo no mundo para impedir o meu sucesso.
E o senhor parte sozinho?
Sim.
Neste caso, o senhor não passará da vila de Bondy, sou eu quem está lhe
garantindo isso, palavra de Treville.
E por que?
O senhor será assassinado.
Serei morto tentando cumprir com o meu dever.
Mas assim a sua missão não será cumprida.
É verdade, concordou d’Artagnan.
Creia-me, continuou de Treville, em empreitadas como esta é preciso de
quatro, para que um consiga o objetivo.
Ah! O senhor tem razão, exclamou o jovem...mas...o senhor tem à sua
disposição o Athos, o Porthos e o Aramis...será que eu poderia pedir a ajuda
deles?
Sem lhes confiar o segredo que eu não quero conhecer?
Nos juramos fidelidade eterna, um por todos, todos por um, tenho cega
confiança em seu devotamento; além disso, o senhor poderá lhes dizer que tem
plena confiança em mim, e eles acreditarão, como o senhor acreditou.
Bem, posso dar uma licença de quinze dias para cada um, e apenas isso: para
Athos, alegando que seus ferimentos ainda o fazem sofrer, e assim poderá ir à
estação termal de Forges; Porthos e Aramis, como não querem abandonar seu
amigo, irão com ele, para ajuda-lo em sua dolorosa situação. A licença que eu
lhes darei será prova da autorização da viagem.
Obrigado, senhor, mil vezes obrigado!
Vá logo encontra-los, e que tudo se arranje esta noite mesmo. Ah!, primeiro,
escreva o pedido ao senhor des Essarts. É possível que o senhor esteja com um
espião na sua cola, e sua visita, quase certamente já do conhecimento do cardeal,
será legitimada.
D’Artagnan escreveu o pedido de licença, e o senhor de Treville, recebendoa, assegurou que antes das duas horas da madrugada as ordens estariam entregues
aos respectivos viajantes.
Tenha a bondade de mandar entregar a minha licença na casa do Athos,
pediu o jovem, temo que, se voltar para a minha, terei algum problema.
Fique tranqüilo. Adeus, e boa viagem! A propósito, disse o senhor de Treville,
chamando-o de volta:
D’Artagnan parou junto da porta.
O senhor tem dinheiro?
O jovem gascão sorriu, sacudindo o saco de moedas em seu bolso.
Mas...é o bastante?
Trezentas pistolas de ouro.
Tudo bem, você poderia viajar ao fim do mundo com tanto dinheiro. Então,
vá logo!
D’Artagnan saudou o capitão mais uma vez, que lhe estendeu a mão; o jovem
apertou-a com um respeito mesclado de gratidão. Desde que chegara a Paris
somente tinha elogios para este excelente homem, que há muito tempo considerava
digno e leal.
Sua primeira visita foi a Aramis; não voltara a ver seu amigo desde a famosa
noite em que seguira a senhora Bonacieux. Havia mais: ele pensou ter observado
no amigo uma profunda tristeza marcando seu rosto.
E nesta noite também, Aramis parecia sombrio e sonhador; D’Artagnan fez
algumas perguntas a respeito desta profunda melancolia; Aramis desculpou-se,
declarando que estudava o décimo oitavo capítulo de um livro de Santo Agostinho,
e fora obrigado a escrever sobre ele um comentário em latim para a semana seguinte,
e isso o preocupava bastante.
Enquanto os dois amigos conversavam, um criado do senhor de Treville
apareceu, trazendo um pequeno pacote.
O que é isso? Perguntou o mosqueteiro.
A licença que o senhor pediu, respondeu o lacaio.
Eu não pedi licença alguma! Exclamou Aramis.
Cale-se, pegue a licença, sussurrou d’Artagnan. E o senhor, meu amigo, aqui
está uma pequena moeda de ouro pelo seu trabalho. Diga ao senhor de Treville
que o Aramis agradece muito a gentileza. Pode ir.
O criado saudou com um largo gesto de reconhecimento e saiu.
O que significa isso? Perguntou um intrigado Aramis.
Prepare tudo o que necessita para uma viagem de quinze dias e siga-me.
Mas...não posso deixar Paris neste momento sem saber...
Aramis parou.
O que aconteceu com ela, não é mesmo? Continuou d’Artagnan.
Quem? Indagou o amigo.
A mulher que esteve aqui, a mulher dona do lenço bordado.
Quem lhe disse que havia uma mulher aqui? Retrucou Aramis, tornando-se
mais pálido do que a morte.
Eu a vi.
E você sabe quem é ela?
Tenho quase certeza...
Escute, Aramis, você, que sabe tanta coisa, sabe o que aconteceu com esta
mulher?
Presumo que ela voltou para Tours.
Para Tours? Sim, você a conhece. Mas como ela voltou para Tours sem me
dizer nada?
Porque ela ficou com medo de ser presa.
E por que ela não me escreveu
Porque ela ficou com medo de compromete-lo.
D’Artagnan, você me devolve a vida! Exclamou Aramis. Eu me acreditava
desprezado, traído. Fiquei tão feliz em revê-la! Não podia acreditar que ela estivesse
sacrificando sua liberdade apenas para me ver, mas, qual o motivo da sua vinda a
Paris?
Pelo mesmo motivo que hoje nos obriga a ir até a Inglaterra.
E qual é este motivo? Indagou o mosqueteiro.
Um dia você saberá, Aramis; contudo, no momento, imitarei a precaução da
sobrinha do doutor.
Aramis sorriu, por ter se lembrado da pequena história que contara uma noite
aos amigos.
Tudo bem, se ela saiu de Paris, e você está seguro disso, d”artagnan, nada
mais me prende aqui, e estou pronto a segui-lo. Você estava dizendo que vamos...?
Até a casa do Athos, ao menos neste instante, e se quer me seguir, peço-lhe
o favor de se apressar, já perdemos tempo demais. A propósito, avise o Bazin.
O Bazin vai conosco? Perguntou Aramis.
Talvez. Em todo o caso, é melhor ele estar preparado para nos acompanhar
até a casa do Athos.
Aramis chamou o criado, e após ter ordenado que viesse encontra-los na casa
do Athos, exclamou:
Então, partamos! E pegou sua capa, sua espada e suas três pistolas, abrindo
inutilmente algumas gavetas, para ver se encontrava alguma arma de fogo
desgarrada. Depois, verificando ser sua pesquisa absolutamente inútil, seguiu o
jovem gascão, perguntando a si mesmo como o cadete tinha tanta certeza quanto
à mulher em sua casa, e mais, como tinha tanta certeza do destino dessa mulher.
Contudo, ao sair, Aramis colocou a mão no braço do amigo, e olhando-o
fixamente, perguntou:
Você não falou a ninguém sobre esta mulher?
A ninguém neste mundo.
Nem mesmo ao Athos e o Aramis?
Não lhes disse nada mesmo!
Ainda bem.
Tranqüilo a respeito de um assunto tão importante, Aramis continuou seu
caminho, na companhia de d’Artagnan; em breve os dois chegaram à casa de
Athos.
Pode me explicar o que significam esta licença e esta carta que acabei de
receber? Indagou um espantado Athos.
A carta dizia:
“Meu caro Athos, vejo que a sua saúde exige um repouso de quinze dias.
Assim, trate de ir para Forges, ou qualquer outra estação de águas, e fique curado
logo.
Seu afeiçoado amigo,
Treville”.
Tudo bem, esta licença e a carta significam que você deve me seguir, caro
Athos.
Até os banhos de Forges?
Lá, ou qualquer outro lugar próximo.
A serviço do rei?
Do rei, ou da rainha; afinal, somos ou não servidores de Suas Majestades?
Neste momento Porthos entrou.
Por Deus, exclamou ele, olha que coisa estranha: desde quando, entre os
mosqueteiros, são dadas licenças sem terem sido pedidas?
Desde o momento em que eles têm amigos que pedem por eles, explicou
d’Artagnan.
Ah! Ah! Gritou Porthos, parece que temos novidades por aqui?
Sim, partimos agora mesmo, disse Aramis.
Mas para onde? Insistiu Porthos.
Pela minha fé, não sei de nada, disse Athos: pergunte ao d’Artagnan.
Para Londres, senhores, declarou o gascão.
Londres? Assustou-se Porthos; e o que vamos fazer lá?
Eis algo que não posso dizer, senhores; vocês precisam confiar em mim.
Mas...para ir até Londres é necessário dinheiro, acrescentou Porthos, e eu
não tenho!
Nem eu, disse Aramis.
Muito menos eu, finalizou Athos.
Mas eu tenho, retrucou d’Artagnan, tirando do bolso o seu tesouro, jogando
o saco de moedas sobre a mesa. Nesse saco estão trezentas pistolas de ouro; cada
um fica com setenta e cinco; isso deve bastar para irmos até Londres e voltar. De
qualquer maneira, fiquem tranqüilos, não chegaremos todos a Londres.
E qual a razão?
Porque, segundo todas as probabilidades, alguns de nós ficarão pelo caminho.
Mas...então é uma campanha de guerra o que vamos fazer?
E das mais perigosas, asseguro a todos.
Ora veja, mas se vamos arriscar nossos ricos pescocinhos, exclamou Porthos,
ao menos devemos saber porque?
Não pergunte nada, resmungou Athos.
Contudo, interveio Aramis, sou da opinião do Porthos.
O rei tem o costume de lhes prestar contas? Quando recebem uma ordem:
vão combater na Gasconha, ou, vão batalhar em Flandres, vocês perguntam: por
que? Não, vocês sequer ficam inquietos, filosofou o jovem gascão.
D’Artagnan tem razão, concordou Athos, aqui estão as três licenças,
concedidas pelo senhor de Treville, aqui estão trezentas pistolas de ouro, saídas
não sabemos de onde. Vamos nos fazer matar, seguindo ordens, ou não vamos?
Por que tantas perguntas? D’Artagnan, estou pronto a segui-lo!
Eu também, concordou Porthos.
E eu também, disse Aramis. De qualquer maneira, não fico aborrecido
deixando Paris. Preciso de alguma diversão.
Está certo, todos vocês irão se divertir muito, amigos, fiquem tranqüilos,
disse d’artagnan.
E agora, quando partimos? Perguntou Athos.
Imediatamente, respondeu o gascão, não temos um minuto a perder.
Olá! Grimaud, Planchet, Mousqueton, Bazin! Gritaram os jovens, chamando
os criados, limpem nossas botas e tragam nossos cavalos até aqui.
Cada mosqueteiro deixava seu cavalo na estrebaria do quartel, bem como o
do seu criado.
Os criados correram para atender as ordens.
E agora, precisamos preparar o plano de campanha, disse Porthos. Para onde
iremos em primeiro lugar?
Para Calais, disse d’Artagnan, é o lugar mais próximo para chegarmos a
Londres.
Tudo bem, posso dar um conselho? Indagou Porthos.
Fale, meu amigo.
Quatro homens viajando juntos chamarão a atenção; assim, d’Artagnan dará
suas instruções a cada um, eu partirei pelo caminho de Boulogne, para limpar a
área. Athos partirá duas horas depois, pelo caminho de Amiens; Aramis nos
seguirá, pela rota de Noyon; quanto a d’Artagnan, irá por onde achar melhor,
com a roupa do Planchet, ao passo que o Planchet irá conosco, fantasiado de
d’Artagnan, com o uniforme da guarda.
Senhores, disse Athos, minha opinião é a de que não devemos incluir criado
algum num assunto tão importante: um segredo poderá ser involuntariamente
revelado por um gentil homem, mas quase sempre é vendido por criados.
O plano de Porthos me parece impraticável, afirmou d’Artagnan, e eu mesmo
ignoro quais instruções poderia lhes fornecer. Sou portador de uma carta, posso
lhes dizer apenas isso. Assim, não posso fazer três cópias da carta, pois está lacrada;
entendo, portanto, que devemos viajar juntos. Esta carta eu guardei no bolso do
meu gibão; assim falando, mostrou a carta e o bolso. Se eu for morto, um de vocês
pega esta carta, e continuará o caminho. Se for morto, será a vez de outro, e assim
por diante; basta apenas um de nós chegar ao destino, e está feito!
Bravo, d’Artagnan, sua opinião é a melhor, exclamou Athos. Bem, de qualquer
maneira, precisamos ser coerentes: o capitão me mandou tomar banhos, mas eu
prefiro banhos de mar, afinal sou livre, faço o que quero. Se nos detiverem,
mostraremos a carta do senhor de Treville, e todos mostrarão as licenças; se nos
atacarem, nós nos defendemos; seja lá o que perguntarem, estamos apenas querendo
tomar uns banhos de mar; afinal, quatro homens isolados pouco podem fazer, ao
passo que quatro reunidos já fazem uma pequena companhia armada. Além disso,
armaremos nossos criados com pistolas e mosquetões, se porventura mandarem
um esquadrão contra nós, combateremos, o que importa é a carta chegar ao seu
destino.
Muito bem, exclamou Aramis, você fala pouco, Athos, mas quando fala é
como se fosse o próprio Espírito Santo. Por mim, adoto o plano do Athos. E você,
Porthos?
Eu também, declarou o gigante, se isso convém ao d’Artagnan, afinal, ele é o
mensageiro, e naturalmente o chefe da empreitada, ele decide, nós executamos.
Tudo bem, afirmou d’Artagnan, decido adotar o plano do Athos; vamos partir
em meia hora.
Aceitamos! Declararam em coro os três mosqueteiros.
E cada um deles estendeu a mão para o saco de dinheiro, pegaram setenta e
cinco moedas e foram terminar os preparativos para partir na hora combinada.

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