Eu quero ver

Transcrição

Eu quero ver
Paulo Coelho
Aprendendo com os mais velhos
Aurangzeb engana os macacos
Era uma vez um jovem chamado Aurangzeb, cujo
trabalho era viajar de cidade em cidade, vendendo chapéus.
Certa tarde de verão, Aurangzeb atravessava uma
longa e monótona planície, quando se sentiu cansado e
resolveu tirar um cochilo. Encontrou uma mangueira, colocou o
saco com chapéus ao seu lado, deitou-se na sombra refrescante
da árvore, e dormiu.
Ao acordar, descobriu que todos os chapéus haviam
sumido. “Não! Não!” disse para si mesmo. “Com tanta gente
rica por aí, por que os ladrões decidiram roubar um homem uma
mercadoria de tão pouco valor?”
Ao olhar para cima, porém, viu que a mangueira
estava repleta de macacos, todos usando os seus chapéus.
Aurangzeb gritou irritado para os macacos, que
também retornaram seu grito.
Aurangzeb fez sinais agressivos com as mãos, e os
macacos o imitaram. Saltou para ver se conseguia pegar alguns
deles, mas os macacos também saltaram. Começou a jogar pedras
na direção da árvore, mas recebeu de volta uma chuva de
mangas que os bichos lhe atiraram.
“Que droga! Nunca vou conseguir recuperar minha
mercadoria!”, gritou.
Irritado, ele jogou seu chapéu no chão, e – qual a
sua surpresa – todos os macacos fizeram a mesma coisa.
Rapidamente, Aurangzeb recolheu tudo, e seguiu seu caminho.
Contou a história na cidade seguinte, e “Aurangzeb
engana os macacos” tornou-se uma lenda muito conhecida na
região, passando de pai para filho.
Cinqüenta anos mais tarde, o jovem Habib, neto do
famoso vendedor de chapéus Aurangzeb, ainda trabalhava no
negócio da família. Costumava seguir os passos da avó, e
ainda percorria as mesmas cidades.
Certa tarde, depois de uma longa caminhada,
sentiu-se cansado, encontrou a sombra de uma bela mangueira,
colocou o saco de chapéus ao seu lado, e deitou-se para
dormir um pouco.
Quando acordou, horas depois, descobriu que sua
mercadoria havia desaparecido. Blasfemou um pouco, mas - ao
olhar para cima - viu um bando de macacos usando os chapéus.
Por alguns instantes, sentiu-se frustrado, mas logo se
lembrou da história de Aurangzeb.
“Vou irritar um pouco estes macacos estúpidos”,
pensou consigo mesmo.
Habib assobiou para os macacos, e estes assobiaram
de volta. Acenou as mãos, puxou as orelhas, dançou, e os
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animais repetiram cada um de seus gestos. Assoou o nariz, e
escutou o ruído de vários narizes sendo assoados.
Vendo que tudo funcionava perfeitamente, jogou seu
chapéu no chão, esperando que todos fizessem a mesma coisa.
Um macaco desceu da árvore, pegou o chapéu que ele
havia atirado no chão, caminhou até Habib, bateu no seu ombro
e disse:
“Você acha que é o único que conseguiu aprender
alguma coisa com os mais velhos?”
Agindo como a geração anterior
Caminhando com minha mulher pelo deserto do Mojave,
muitas vezes encontrei as famosas cidades-fantasma:
construídas perto de minas de ouro, eram abandonadas quando
todo o produto da terra tinha sido extraído. Haviam cumprido
seu papel, e não tinha mais sentido continuar sendo
habitadas.
Caminhando com minha mulher pelas florestas dos
Pirineus, vi muitas árvores caídas, depois de terem vivido
por centenas de anos. Mas, diferente das cidades-fantasma, o
que aconteceu? Abriram espaço para que a luz penetrasse,
fertilizaram o solo, e seus troncos estavam cobertos de
vegetação nova.
A nossa velhice vai depender da maneira que
vivemos. Podemos terminar como uma cidade-fantasma. Ou como
uma generosa árvore - que continua a ser importante, mesmo
depois de não conseguir agüentar-se mais de pé.