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Processo N. 12.0000.2012.007531-1/CDA Requerente: Miguel Sebastião da Cruz Arruda Objeto: Desagravo Público Relator: Cons. Carlos Magno Couto PARECER Incursionando-me pelas veredas probatórias insertas nos autos, estou plenamente convencido que a presente ofensa relacionada ao exercício da profissão reclama com a urgência possível a concessão de desagravo público, que poderá ser realizado em sessão solene, na sede da Subseção de Corumbá/MS. Isso porque, antes mesmo de cuidar da advocacia, a lei determina que essa instituição OAB, de inspiração francesa, com raízes no togarum consortium, dos romanos, também denominado collegium, tem por finalidade primeira o defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito e pugnar pela boa aplicação das leis (art. 44, inciso I, do EAOAB). As normas constitucionais e infra demonstram a determinação imperiosa de que sejam acatadas as disposições legais pertinentes à advocacia. A defesa do Estado democrático de direito implica o respeito ao que está legalmente positivado, até como forma de garantia da estabilidade jurídica e da segurança das instituições e do cidadão. Assim, é bem de ver, à luz do que estatui o Parágrafo único do Art. 6º, da Lei da Advocacia, que poderia ser adjetivada de “Lei da Cidadania”, a seguinte regência legal: “as autoridades, os servidores públicos e os serventuários da justiça devem dispensar ao advogado, no exercício da profissão, tratamento compatível com a dignidade da advocacia e condições adequadas a seu desempenho”. Daí constituir direito do advogado comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis, assim como ingressar livremente nas salas e dependência de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares, permanecendo sentado ou em pé e retirar-se, independentemente de licença. Para Paulo Luiz Netto Lôbo, se no passado, prerrogativa podia ser confundida com privilégio, na atualidade, prerrogativa profissional significa direito exclusivo e indispensável ao exercício de determinada profissão, no interesse social. E no caso da advocacia, configura condições legais de exercício de seu múnus público, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão. Cumprindo observar que a prisão do cliente não pode prejudicar a atividade do profissional da advocacia, pois, como dito com exatidão pelo mestre Paulo Lôbo, a tutela do sigilo envolve o direito do advogado em comunicar-se pessoal e reservadamente com o cliente preso, sem qualquer interferência ou impedimento do estabelecimento prisional e dos agentes policiais. A eventual incomunicabilidade do cliente preso não vincula o advogado, mesmo quando ainda não munido de procuração, fato muito frequente nestas situações. O descumprimento desta regra importa crime de abuso de autoridade. Neste ponto, o Estatuto regulamenta o que dispõe o artigo 5º, LXIII, da Constituição que assegura ao preso, sempre, a assistência de advogado. Mormente, se como advertido pela Suprema Corte, por um dos seus maiores vultos, no caso, o Ministro Celso de Mello: “A unilateralidade das investigações preparatórias da ação penal não autoriza a Polícia Judiciária a desrespeitar as garantias jurídicas que assistem ao indiciado, que não mais pode ser considerado mero objeto de investigações. O indiciado é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cujo inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzirlhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial”. Valendo mencionar, por oportuno, que a tormentosa questão acima alentada resultou na tramitação perante o Congresso Nacional do Projeto de Lei n. 4.606/2012, que acrescenta dispositivo ao CPP, para determinar a obrigatoriedade de acompanhamento, por advogado, do inquérito policial. Não se podendo negar, nessa perspectiva, que neste País, o controle do Ministério Público sobre a Polícia é realmente, como disse o Ministro Gilmar Mendes do Supremo, algo “litero-poético-recreativo”. De modo que parece haver chegado a hora de uma ação mais afirmativa e pedagógica dos onze mil advogados sul-mato-grossenses contra as violações a direitos, prerrogativas, dignidade e prestígio da advocacia, exigindo-se que se discuta com seriedade um órgão de controle efetivo da Polícia, assim como, a inclusão de matérias relacionadas às irrecusáveis prerrogativas dos advogados em todos os concursos públicos que digam respeito à administração da justiça. Indagando-se, inclusive da sociedade brasileira, qual o modelo de Polícia judiciária que se quer, porque a Polícia no fundo, revela o grau de civilidade de um povo, ainda que nas palavras de Francesco Carnelutti, em sua obra “As Misérias do Processo Penal”, o direito penal seja visto como uma “pobre coisa”. Cumprindo enfatizar nessa passagem, que o Art. 133 da CF, esse importantíssimo dispositivo constitucional, estabelece que o advogado é indispensável à administração da justiça, isto quer dizer obrigatório, e, tanto se vê que é necessário, que quando se fala em direitos ou Justiça, não é dos Juízes, Promotores, e Delegados de Polícia que se lembra, é do advogado. Precisamos reagir. Lutar até o fim contra a prática abusiva e atentatória à dignidade da profissão e às normas éticas-jurídicas que lhe regram o exercício, pois como escreveu para os tempos Kant, em sua obra, “A luta pelo Direito”: “Todos os direitos da humanidade foram conquistados com luta”. Isso porque, só se preserva os direitos de todos os advogados se se preserva os direitos de um. O nosso dever é dignificar a cidadania encerrada em nós mesmos. Não permitindo que o Direito seja pisoteado impunemente, posto que, a nossa função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou culpado, a voz dos seus direitos. Esta é uma posição de defesa de princípios. Por isso esse Desagravo Público deve ser um pregão cívico da advocacia sul-mato-grossense. No caso concreto dos autos, os desmandos da autoridade policial são incompatíveis com a compostura e a gravidade das responsabilidades de uma polícia judiciária moderna e contemporânea, visto que, é intranquilizador ler no ano de 2013, num Auto de Prisão em Flagrante, um dicionário de abusos e arbítrio, dentre os quais, destaca-se pela sua aberrante abusividade, o seguinte fragmento confesso de bizarrice, de negação irracional e intolerável dos direitos da pessoa humana, que afronta a autoridade do Estatuto da Advocacia brasileira, a saber: “O interrogando foi cientificado de seus direitos constitucionais, inclusive o de permanecer calado. Sendo-lhe assegurado a assistência da família e de advogado, sendo que o advogado Miguel compareceu e por não ser permitida a entrevista prévia com seu cliente e, ainda, por ser pedido que ele respeitasse o interrogatório que estava prestes a começar, foi solicitado que ele se retirasse da sala”. ( Grifos não originais) ( cf. fls. 11 dos autos) Sendo oportuno lembrar nessa passagem, Nelson Rodrigues, quando proclamava com razão, que o “Subdesenvolvimento não se improvisa, é uma obra de séculos”. Há setores da Polícia que, na realidade, não são contemporâneos do presente. São remanescentes dos estágios mais primitivos da nossa formação cultural. Os procedimentos estatutários da Ordem e da democracia são decepcionantes para aqueles que não têm apreço pela Justiça nem pela democracia. A concessão deste Desagravo Público, é ato de Justiça, firme e eloquente da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional do Mato Grosso do Sul, de afirmação das franquias, das prerrogativas e das insubstituíveis funções da advocacia criminal sul-mato-grossense, de modo, a proteger a altivez do advogado, dando efetividade ao lema preconizado pela atual gestão do Conselho Federal: “advogado respeitado, cidadão valorizado”. Isso porque, as prerrogativas são exercidas pelo advogado, mas pertencem aos cidadãos. Logo devemos exigir o respeito ao advogado do cidadão por parte de todas as autoridades públicas. A Ordem, na grandiosa significação de sua finalidade, diante de uma violação das prerrogativas da advocacia deve ser para o advogado uma espécie de luz na noite. Os advogados sul-mato-grossenses não compactuam com aqueles que teimam em agir fora das balizas normativas do Estado Democrático de Direito, até porque, os direitos e deveres da advocacia interessam ao próprio Estado, cabendo a este o dever de protegê-los contra qualquer restrição, posto que o direito à observância estrita da lei pelas autoridades policiais traduz uma prerrogativa insuprimível da cidadania. Deste modo, com as mãos sobre esses autos de desagravo público, reafirmo o juramento prestado na Sessão inaugural deste Conselho, quando prometemos manter, defender e cumprir as finalidades da OAB, exercendo com dedicação e ética as atribuições delegadas e pugnando pela dignidade, independência, prerrogativas e valorização da advocacia. (cf. art. 42 do RI/OAB/MS) Por tais razões, opino, pela concessão do desagravo público e ao fazê-lo, cumpro simultaneamente dois deveres de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil: o de garantir os direitos estatutários da advocacia e o de reafirmar a prevalência do Estado Democrático de Direito sobre o arbítrio da autoridade ofensora, devendo o Requerente ser desagravado publicamente, na forma disposta no Estatuto e no Regulamento Geral, em sessão solene, dando-se prévia ciência ao ofendido, com expedição de convites às autoridades e aos órgãos de divulgação, designando-se orador que proclame o desagravo em nome da Ordem, podendo o desagravado usar da palavra, se assim o desejar. ( cf. Art. 214, Parágrafo 1º, do RI/OAB/MS) Abro aqui um parêntesis para consignar que particularmente tenho a autoconsciência de que todas as palavras que pronunciei neste Parecer, na plenitude de seus valores e de suas funções mais altas, serão esquecidas, mas a solidariedade deste colegiado ao advogado ofendido, que cumpre o papel social de garantidor dos valores constitucionais não passará. Poder votar pelo desagravo de um advogado ofendido em seus direitos e prerrogativas, de falar em Justiça, liberdade, democracia, protestando com ciência e consciência, pela evolução civilizatória de um povo, é algo que dá sentido a nossas vidas e um certo respeito por nós mesmos. Por derradeiro, por tais razões, com fundamento no parágrafo 2º, do art. 214, do Regimento Interno, dê-se conhecimento imediato a autoridade ofensora e a seu superior hierárquico. Devendo na sessão de desagravo, o Presidente ler a nota a ser publicada na imprensa e site da OAB/MS e encaminhada ao ofensor e às demais autoridades. (art. 215 do RI/OAB-MS), assim como, seja oficiada a Corregedoria de Polícia Civil, com cópia integral dos autos, para apuração de infração disciplinar por parte da autoridade ofensora, oficiando-se ainda o Ministério Público Estadual, com cópia integral dos autos, para apuração, em tese, do cometimento de crime de Abuso de Autoridade (Art. 3º da Lei n. 4898/65), sem prejuízo de outras providências ou gestões que o Presidente do Conselho julgue adequadas. É o parecer, que submeto a deliberação prévia do Conselho Seccional. Campo Grande, 22 de março de 2013. Carlos Magno Couto Conselheiro Estadual