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URBANISMO DE EXCEÇÃO E TRANSFORMAÇÃO DA NORMA
MEDELLÍN- COLÔMBIA, SÃO PAULO-BRASIL
Maria Lucia Refinetti Martins
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo. Universidade de São Paulo, Brasil
Professora Titular [email protected]
Rua do Lago, 876, 05508-080 - São Paulo – SP, BR
+55 11 99930 8099
Análida Rincón Patiño.
Escuela de Planeación Urbano-Regional. Facultad de Arquitectura. Universidad Nacional de
Colombia sede Medellín.
Profesora Asociada [email protected]
Calle 59ª No. 63-20 Medellín. UNC, núcleo El Volador – Medellín, CO
+57 44309425; + 57 3113404919
Palavras chave: Agenda Urbana, Normas Urbanas, Transformações sócio-territoriais,
Negociação territorial
O século XX conviveu com princípios e normas Urbanísticas associados ao modernismo, à
racionalidade e a um conceito subjacente de “Interesse Público” e de “Bem Estar Coletivo”.
Ao lado de projetos e obras de iniciativa do Poder Público, estava presente no ordenamento
a construção das cidades, um quadro de “comando e controle”, apoiado em leis de Uso e
Ocupação do Solo e Código de Edificações.
Nas décadas finais e com alguma defasagem, a América Latina foi sacudida por um avanço
da globalização, associada a um modelo econômico de ajustes neo-liberais, que marcaram
a virada do século.
No entanto, logo a seguir, os primeiros anos do novo século trazem na maior parte da
América Latina a chegada de governos nacionais que, de modo mais ou menos intenso
conforme o país, passam a questionar o modelo estritamente neo-liberal e se assumem
como portadores de um olhar mais desenvolvimentista e menos dependente. A essa nova
política se somam alterações na economia mundial, evidenciadas a partir da crise
americana dos subprime e de um extenso mal estar e crise social –habitacional que ali se
expressou fundamentalmente nas maiores cidades.
Governos sul-americanos se lançam a posições que, se de um lado dialogam com o grande
capital, de outro investem em ganhos sociais e ampliação do mercado consumidor e
melhoria de algumas condições sociais para estratos mais amplos da pirâmide social.
É esse quadro que vai se manifestar nas cidades hoje, sob a forma de áreas com
desenvolvimento muito diferenciado no conjunto do território urbano. Vale à pena observar
tanto os impactos territoriais de políticas nacionais, econômicas e sociais (que têm uma
dimensão territorial regional) quanto o que se passa no espaço intra-urbano, em que novos
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instrumentos urbanísticos, negociais, são aprovados. Ao mesmo tempo, a queda dos juros
básicos no conjunto da economia carreiam para o espaço urbano e para o setor imobiliário
importantes capitais que buscam reproduzir-se de forma ampliada nas cidades.
O que se observa é uma melhoria das condições de renda e consumo das classes de menor
renda, ao lado de maior radicalização nas desigualdades de qualidade e padrão urbano em
diferentes zonas da cidade.
As alterações na normativa urbanística e a interseção entre políticas nacionais e locais são
dos temas mais relevantes a serem compreendidos, assim como a expressão econômicofinanceira que o solo urbano (ou as localizações urbanas) vem adquirindo.
1. Objetivos
Este trabalho, partindo de uma caracterização, contextualização e interpretação das
principais transformações urbanas vividas ao longo do século XXI em nossas cidades:
Medellín e São Paulo, inicia uma discussão sobre as mudanças recentes nas formas,
instrumentos e procedimentos do Planejamento Urbano bem como seu produto e impactos
na cidade. Procura evidenciar os termos dessa nova agenda urbana que advém de nova
normativa urbana surgida na virada do século. É uma normativa que abre espaço à
negociação e que resulta por implementar-se por um modelo baseado na exceção, seja no
campo das ações do capital ou de respostas ao setor popular, no qual o primeiro amplificou
significativamente seu universo de vantagens e o segundo teve raros ganhos via
instrumentos que deveriam favorecê-lo e perdas significativas nas áreas onde operações
urbanas e planes locales foram aplicados.
Muitas das transformações urbanas vividas nas últimas décadas estão associadas a
transformações de procedimentos e normas adotadas pelo Estado em nível local, das
territorialidades do poder político e econômico e das formas de intervenção. O impacto
provocado por esses processos requer leituras e interpretações das expressões territoriais
próprias de cada cidade como também o reconhecimento de aspectos gerais e comuns que
merecem considerações mais específicas de cada uma e comparadas. Essas são as
motivações que levam a apresentar uma reflexão a partir dos casos de Medellín - Colômbia
e de São - Brasil.
Colômbia e Brasil foram, desde o final do século XX e início do XXI, referências latinoamericanas em termos de uma legislação urbana inovadora e concebida na perspectiva
progressista, que pautaram, por meio da Ley 388 (de 1997) e do Estatuto da Cidade (de
2001), o reconhecimento normativo da função social da cidade e da propriedade e a
recuperação para a coletividade de rendas urbanas socialmente produzidas.
Enquanto a lei brasileira arrola uma série de instrumentos legais a serem usados na esfera
local (municípios), a lei colombiana parece mais orientada à intervenção, enfatizando a
importância do poder político do estado no nível local para racionalizar a intervenção sobre o
território e orientar seu desenvolvimento e aproveitamento sustentável. A lei provê as
autoridades locais de ferramentas para dirigir e orientar o par: planejamento-gestão.
No Brasil, o Estatuto da Cidade articula pela primeira vez na história do país as regulações
referentes ao uso e ocupação do solo e à propriedade, temas que até então eram tratados
separadamente, em legislações próprias e sem conexão uma com outra.
Faltando ainda aprofundar a investigação, o que se pode considerar é que o formato das
duas leis, apesar de guardarem muitas semelhanças, expressa muitas diferenças, algumas
delas decorrentes de suas origens: enquanto a lei colombiana advém basicamente do meio
técnico-académico, com uma “caixa de ferramentas” composta por instrumentos bastante
amplos, coerentes entre si, de planejamento, gestão, jurídicos e financeiros para intervir no
território urbano-rural, a brasileira é uma costura de demandas de diversos setores sociais
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do meio urbano e por isso inclui uma gama de instrumentos, que buscam responder às
diferentes forças sociais articuladas em torno do “Movimento Nacional pela Reforma
Urbana”, que lhe deram origem. Contem tanto instrumentos de recuperação para o poder
público de ganhos da valorização urbana (portanto, associando, de algum modo, o estado
ao mercado – como na Lei colombiana), quanto outros, que procuram “proteger”
determinadas áreas em relação ao mercado – como é o caso das ZEIS (Zona Especial de
Interesse Social).
No entanto, e a pesar dos propósitos sociais e dos princípios que nortearam essas
normativas, hoje a transformação urbana está orientada e determinada por normas de
exceção, de negociação cotidiana e estratégica, que têm sido mais funcionais ao capital do
que ao setor social.
Vainer (2011) refere-se à “Cidade de Exceção” como uma nova forma de regime urbano em
que os aparatos institucionais formais progressivamente abdicam de parcelas de suas
atribuições e poderes (como no contexto de grandes eventos ou grandes intervenções para
as quais se criaram regimes especiais ou dos diferentes modelos de parcerias públicoprivadas) para agências específicas, paralelas às formas institucionais regulares, às quais
transferem parte das funções públicas do estado.
Não é dessa esfera que se tratará aqui, mas dos procedimentos correntes, dentro do estado
e por ele operados de forma direta. Trata-se de regras que contemplam o tratamento de
exceção que favorecem o setor formal da produção imobiliária assim como os que visam
qualificar e produzir melhorias num amplo quadro de informalidade. Nesses termos, o texto
desenvolve a abordagem por meio de dois eixos analíticos: 1. As exceções para o capital:
normas urbanísticas e as novas territorialidades do poder político e econômico e 2. As
exceções de caráter social: Zonas Especiais de Interesse Social e Regularização Fundiária
(no caso brasileiro) e os Projetos Urbanos Integrais (no caso colombiano).
Essa aproximação se desenvolve partindo de alguns instrumentos que consideramos terem
papel estratégico em termos de aplicação das duas normas (Estatuto da Cidade e Ley 388):
as Operações Urbanas para o caso de São Paulo e os Planes Parciales para o caso de
Medellín. Para o segundo eixo referenciamos para o caso de São Paulo as ZEIS (Zonas
Especiais de Interesse Social) e os planos de Regularização Fundiária e, para o caso de
Medellín, os PUIs (Proyectos Urbanos Integrales) que se desenvolvem na periferia da
cidade.
2. As exceções para o capital: normas urbanísticas e as novas territorialidades do
poder político e econômico
A Ley de Desarrollo Territorial (Ley 388 de 1997 – Colômbia) e o Estatuto da Cidade (Lei
10.257 de 2001 – Brasil) permitem novas práticas territoriais que possibilitam ao Estado
local, reeditar, transformar ou reconstruir novos sentidos territoriais (tratamentos urbanos,
projetos integrais, operações urbanas, outorga onerosa de direito de construir). Por meio
desses instrumentos de planejamento e gestão se capturam novos territórios via poder
político e económico, instalando-se nova hierarquia territorial. São espaços revalorizados
como lugares metropolitanos e internacionais. Formam-se novas fronteiras regionais dentro
da cidade e se criam novas periferias.
Poderíamos dizer que o Estado, na Colômbia, mediante as disposições contidas no Plan de
Ordenamiento Territorial (conforme Ley 388 de 1997), define e agencia as condições para
futuras intervenções urbanas e, no caso dos planes parciales, os agentes privados
(promotores, incorporadores, proprietários, etc.) contando com tais condições, formulam e
executam o plan parcial, basicamente centrados num uso eficiente e rentável do solo
urbano. As experiências dos planes parciales, como um dos instrumentos mais potentes da
Ley 388, em Medellín evidenciam uma disputa pela apropriação de rendas urbanas por
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parte do capital organizado e seus agentes (empresas imobiliárias e de construção), visível
na paulatina incorporação de novos usos.
O Plano Parcial é precisamente o instrumento que concretiza a articulação entre o
planejamento e a gestão do solo. Os Planos Parciais são normas de competência técnica
que institucionalizam e administram conflitos gerados entre os agentes envolvidos no
desenvolvimento urbano da área objeto de intervenção, permitindo ao estado local o
controle e gestão dos mesmos, ao estabelecer as regras do jogo para uma participação
eficaz dos agentes privados e uma otimização dos resultados.
Os Planos Parciais se constituem em estratégia de “cooperação” entre o poder político do
estado local e o poder econômico exercido por agentes privados e se traduzem em arranjos
territoriais para a revalorização de solos em lugares estratégicos e sua transformação
espacial a novas territorialidades urbanas.
De acordo com as condições originais dos perímetros se atribuem os tratamentos
urbanísticos e se orientam as ações a empreender. Nos perímetros com tratamentos
urbanísticos de desenvolvimento, geralmente o objetivo é reutilizar terras com localização
estratégica e altas possibilidades de aproveitamento urbanístico, que fazem a operação
atrativa ao mercado imobiliário formal e ao capital financeiro, pela rentabilidade que pode
obter.
Sendo um instrumento que concentra espacialmente ações públicas e privadas num em
determinados perímetros específicos, implementa nesses locais mudanças físicas e sociais,
criando ilhas de exceção dentro do tecido urbano regular.
O correspondente aos Planos Parciais, em São Paulo, são as Operações Urbanas, definidas
no Estatuto da Cidade como o “conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo
Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários
permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar em uma área
transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental” (art 32,
§ 1º).
Em ambos os casos – Medellín e São Paulo, o que se observa é a implantação dessas
intervenções em regiões muito específicas da cidade: na zona sul de Medellín,
especificamente nas comunas El Poblado, Guayabal e Belén e na zona centro-leste e nas
margens do Río Medellín, eixo de valorização imobiliária que conecta vários dos Planos
Parciais. Em São Paulo, as operações em curso se encontram no quadrante sudoeste da
cidade, região de maior valorização.
Em ambos os casos fica evidente o caráter estratégico de porções do território para
localização do capital. Representam os âmbitos de atuação de agentes econômicos,
viabilizados pelo poder político do Estado local, que se instalam, impulsionam e promovem o
aproveitamento do solo em setores da cidade que se caracterizam por oferecer maiores
vantagens comparativas.
As experiências dos Planes Parciales estudados (Rincón 2011) evidenciam uma disputa
pela apropriação de rendas urbanas latentes no centro da cidade e no eixo espacial do rio
Medellín por parte do capital, visível nos esforços de adensamento e na progressiva
expulsão de grupos sociais vulneráveis decorrente da inclusão de novos usos.
No caso de São Paulo, há uma trajetória da história política nacional, que cabe destacar,
para melhor compreensão da situação presente. Os princípios do Estatuto da Cidade
definiram-se no contexto político da elaboração da nova constituição, após o final do Regime
Militar, em que o referencial da “Reforma Urbana” e da democratização do acesso e usufruto
da cidade eram o motor da proposta dessa legislação. Buscava superar uma legislação com
padrões elitistas que remetiam os setores populares à informalidade. Criou instrumentos que
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permitiam negociações e potencializavam melhores condições para o setor popular. No
entanto, a alteração na correlação de forças que se deu pouco depois, na virada do século,
trouxe como resultado um quadro em que os novos instrumentos, ao incluir negociação, se
tornaram mais funcionais ao mercado do que às conquistas sociais, o que se manifesta nas
Operações Urbanas e no uso da outorga onerosa.
As Operações Urbanas Consorciadas configuram-se como recortes no tecido urbano
regular, em que podem ser previstas medidas como: modificação de índices e
características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações
das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente; a regularização de
construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente.
A proposta de Operação Urbana, com seu conjunto de intervenções deve ser aprovada por
lei municipal. Essa lei poderá prever a emissão pelo Município de quantidade determinada
de certificados de potencial adicional de construção, que serão alienados em leilão ou
utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação. São os
Certificados de Potencial Adicional de Construção.
Os Certificados de Potencial Adicional de Construção podem ser livremente negociados,
mas conversíveis em direito de construir unicamente na área objeto da operação. Sua
aquisição, em leilões públicos, pode ser feita desvinculada de um projeto de edificação
específico, o que permite a seu adquirente utilizá-lo onde e quando quiser (desde que dentro
do perímetro da Operação). Isso acarreta imprevisibilidade em relação à produção e
impossibilidade de acompanhamento pela sociedade quanto à regularidade, já que os
referenciais do que é permitido, em que quantidade e onde, são extremamente vagos e
dependem da forma como o interessado aplicar seu potencial construtivo adicional,
adquirido como outorga onerosa. Por meio do pagamento dessa outorga onerosa é possível
obter potencial adicional de construção e a modificação dos usos e parâmetros urbanísticos
estabelecidos na legislação vigente de uso e ocupação do solo para os lotes contidos no
interior do perímetro da Operação Urbana
Uma vez adquiridos em leilão público promovido pelo município, os Certificados de Potencial
Adicional de Construir (CEPACs) podem ser negociados livremente até que seus direitos
sejam vinculados a projeto de edificação para um lote específico, que deverá ser submetido
aos trâmites normais de aprovação junto à Prefeitura Municipal de São Paulo. Podem assim
transformar-se em ativo especulativo por um longo prazo.
3. As exceções de caráter social: Zonas Especiais de Interesse Social, Regularização
Fundiária e os Projetos Urbanos Integrais
No caso de São Paulo, o contraponto às Operações Urbanas são as Zonas Especiais de
Interesse Social (ZEIS). São parcelas de área urbana instituída pelo Plano Diretor ou
definida por outra lei municipal, destinadas predominantemente à moradia de população de
baixa renda e sujeita a regras específicas de parcelamento, uso e ocupação do solo. Assim
como as Operações Urbanas, são também recortes delimitados no tecido urbano regular.
De modo oposto ao objetivo das Operações Urbanas, que têm por perspectiva a valorização
do território, as ZEIS se caracterizam como reserva para a implantação de Habitação de
Interesse Social. De certa forma contêm a ideia de “proteção” em relação ao mercado e à
especulação.
Apesar de em São Paulo serem cinco as modalidades de ZEIS, para não entrar em
detalhes, podem ser simplificadas em dois tipos: aquelas que se destinam a provisão de
novas unidades (ZEIS 2, 3, 4 e 5) e a ZEIS 1, de regularização.
Cabe notar, no entanto, primeiro a desproporção entre o total da área destinada a
Operações Urbanas e a ZEIS e segundo, que nos 13 anos em que existem, apenas
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pequena parcela do total dessas áreas delimitadas como ZEIS para provisão foram
efetivamente ocupadas por Habitação de Interesse Social.
A Regularização Fundiária de Interesse Social consiste no conjunto de medidas jurídicas,
urbanísticas, ambientais e sociais que visam à regularização de assentamentos irregulares e
à titulação de seus ocupantes, de modo a garantir o direito social à moradia, o pleno
desenvolvimento das funções sociais da propriedade urbana e o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Nesses perímetros, para acomodar a ocupação já existente, auto-construída, informal, mas
contendo grande investimento pessoal de seus ocupantes na edificação das moradias, as
exigências regulares, são substituídas por Plano de Regularização que inclua melhorias
ainda que em padrão abaixo das normas gerais para novos parcelamentos e edificações.
Não é um modelo que expulsa, mas inclui num menor nível de qualidade, pela flexibilização
das normas. Esse tipo de ação se imbrica com um urbanismo autoconstruído e informal, em
alguns casos construído historicamente de modo comunitário.
Nesse campo, existe um paralelismo com Medellín, porém com menos semelhanças do que
aquele que ocorre entre Operações Urbanas e Planes Locales. Em Medellín hoje estão
presentes os PUIs (Proyectos Urbanos Integrales), surgidos a partir de 2004.
Anteriormente, em fins do século XX foi proposto o programa de “melhoramento integral’,
criado depois de tentativas sem sucesso, nas décadas de 60 a 80, de erradicar de maneira
coercitiva os assentamentos informais e os processos de auto-construção de moradias.
O Progama Integral de Mejoramiento de Barrios Subnormales de Medellín (PRIMED) foi um
programa piloto de cooperação entre a cidade de Medellín, os governos da Colômbia e
Alemanha (Ministério de Cooperação Econômica e Banco de Reconstrução e
Desenvolvimento) e Nações Unidas. O programa tinha um enfoque de reordenamento
urbanístico que incluía melhoramento do bairro e das moradias, mitigação de risco,
promoção e participação comunitária, legalização e gestão do território.
Em 1999, sob a Lei 388 de 1997 foi formulado o primeiro Plano de Ordenamento Territorial
(POT) de Medellín, em que é identificada a localização dos assentamentos informais
sujeitos ao Mejoramiento Integral, proposto para “superar carências do entorno: espaço
público, vias, transporte e equipamento social e produtivo, assim como a legalização de
edificações e melhoria das habitações (artigo 156). Esse POT também definiu Planes de
Regularización y Legalización Urbanística (PRLU), como instrumentos de planejamento e
gestão territorial nos denominados assentamentos de “desenvolvimento incompleto”. Esses
planos, que se assemelham às políticas brasileiras, se iniciam na década de 2000, sem
surtir o efeito esperado, ficando a maioria na etapa de formulação, diagnósticos ou estudos
técnicos.
Assim, foram os Proyectos Urbanos Integrales (PUI) os que inauguram uma forma de
intervenção urbana na periferia, que se incorpora como parte da política urbana. Durante a
administração de Sergio Fajardo (2004-2007) surgem os PUI como una das principais ações
de transformação urbana da cidade e estratégia de intervenção física nos setores informais.
Por seu grande e rápido impacto em termos físico-espaciais e grande apoio do governo
urbano, os PUI ganharam importância em relação aos Planos de Regularização e
Legalização Urbanística.
O Projeto Urbano Integral foi concebido como um instrumento de planejamento e
intervenção física de grande porte em zonas caracterizadas por altos índices de
marginalidade, segregação, pobreza e violência. Nesses termos, escolheu a comuna
noroeste, comuna reconhecida internacionalmente pelo alto nível de violência, como
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primeiro piloto. Inaugurou-se aí um sistema de transporte de media capacidade, o
Metrocable, que por teleférico conecta a cidade informal ao Metro.
Posteriormente, em 2006 se definiu a implementação do PUI da Comuna 13 e em seguida
das 5 e 6 (nordeste). Em 2008 teve início o projeto do PUI das comunas 8 e 9 (centro-oeste)
e, finalmente, em 2012 o PUI de La Iguaná. Se bem esses projetos tenham sido
incorporados aos planos de desenvolvimento (e aos ajustes do Plano de Ordenamento
Territorial POT), no período mais recente (2012 – 2015) parece ter diminuído sua
importância, com o surgimento de um novo projeto urbano: O Cinturão Verde Metropolitano,
cujo objetivo é controlar a expansão urbana (sob forma de assentamentos informais) e se
promove a implantação de projetos turísticos.
4. Em síntese
Entre os Planes Locales e as Operações Urbanas, que são exceções à norma geral em
favor do mercado; as ZEIS em favor da proteção frente ao mercado para garantir espaço
para Habitação de Interesse Social e a Regularização Urbanística e Fundiária como
alternativa de acolher a informalidade consolidada, a cidade se apresenta como uma gama
de legalidades e exceções, com formas bastante explícitas, e outras, ao contrário, invisíveis
ou dissimuladas, outras tantas amparadas por um “guarda chuva” legal.
Em São Paulo (incluída Região Metropolitana), a Urbanização de Favelas e a Regularização
de loteamentos informais mantêm a população em seu local, assegurando direitos e
melhorias, mas configurando uma cidade de menor qualidade. Acolhe e legitima a situação
real, mas não garante a integral formalidade e inclusão.
Em Medellín os PUIs, acompanhados de grandes obras de infraestrutura e de equipamentos
sociais e espaços públicos na periferia, articulados aos metrocables projetaram a cidade
internacionalmente, como modelo de desenvolvimento urbano e cidade inovadora. No
entanto, dez anos depois de implementado esse modelo, os questionamentos surgem em
torno da inclusão e equidade social. Alguns projetos implicaram em deslocamento de
população devido ao aumento do custo de vida. Alguns PUIs geraram especulação no preço
da terra e se tornaram atrativos para o setor imobiliário. E finalmente o Urbanismo Social se
mostrou essencialmente como uma política de governabilidade e controle territorial a partir
de uma estratégia urbanística. Nas obras públicas não só está depositada a esperança de
transformação social senão também conseguir a paz e a convivência. No entanto, o conflito
armado vivido nessas área se deslocou para outras partes da cidade, o que coloca em
questão a estratégia de “reconquista territorial” pretendida pelo governo municipal.
As remoções e deslocamentos de população de seus territórios que estão sendo
revitalizadas ou renovados por grandes projetos de infraestrutura, intervenções viárias,
grandes equipamentos e paradoxalmente por projetos habitacionais em que não estão
incluídos, violam o direito à permanência de populações vulneráveis no território.
Desse modo vem se configurando um grupo social formado por removidos e deslocados
pelo novo desenvolvimentismo urbano. São famílias que em muitos casos já tinham sido
relocadas por estrem em zonas de risco ou removidas de modo forçado pela violência de
grupos armados.
Por outro lado, é também considerável, em São Paulo, o número de desalojados, parte
deles por obras associadas à operações urbanas, parte por obras públicas, parte por
remoções devidas à necessidade de desadensamento nos casos de urbanização de favelas.
São famílias que recebem um pequeno montante para que se mudem (e frequentemente se
instalam em outro local de modo improvisado) e outras que passam a viver sob “bolsa
aluguel”, medida provisória e muitas vezes descontinuada para casos de remoção.
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Bibliografia
BRASIL, LEI Nº 10.257 de 2001. Estatuto da Cidade
MARTINS, M. L. R. Acompanhamento do Grupo Gestor da Operação Urbana Consorciada
Água Espraiada.
Ministerio de Ambiente, Vivienda y Desarrollo Territorial Formulación y aplicación de la ley
388 de 1997 en Colombia, una práctica colectiva hecha realidad – Bogotá , 2008
RINCÓN, A. Nuevas territorialidad del poder político y económico en Medellín a partir de
instrumentos de regulación del suelo urbano establecidas en la ley 388 de 1997.
Experiencias de Planes Parciales. Medellín, Universidad Nacional de Colombia, 2011.
SÃO PAULO, Município. LEI Nº 13.260, 28 DE DEZEMBRO DE 2001. Operação Urbana
Consorciada Água Espraiada.
SÃO PAULO, Município. Revisão do Plano Diretor. GT Habitação, apresentação. PMSP
2013
VAINER,C.B. Cidade de Exceção: reflexões a partir do Rio de Janeiro. Anais do XIV
Encontro Nacional da ANPUR. Rio de Janeiro, 2011

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