As Práticas Matemáticas do Cotidiano e da Escola: O

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As Práticas Matemáticas do Cotidiano e da Escola: O
As Práticas Matemáticas do Cotidiano e da Escola: O Ensino da
Matemática em uma Turma do EJA do Primeiro Segmento
Jessica de Brito1
GD1 – Educação Matemática nos anos Iniciais do Ensino Fundamental
Nesta pesquisa buscou-se investigar de que modo ocorre o processo de ensino e aprendizagem da Matemática
numa sala de aula de Educação de Jovens e Adultos (EJA) do Termo I do primeiro segmento em uma escola
da rede municipal de São Carlos – SP. Metodologicamente a pesquisa é de abordagem qualitativa. O local em
que ocorreram as aulas foi em uma escola de Educação Infantil, que atendia crianças no período diurno, e no
noturno, a Educação dos Jovens e Adultos. Quanto aos participantes desse estudo, temos uma professora da
EJA e seus 13 alunos. Com o intuito de contemplar o objetivo dessa pesquisa, tivemos como instrumentos de
coleta de dados duas entrevistas - inicial e final - com a professora da EJA; tarefas relacionadas com o ensino
da Matemática desenvolvidas com alunos; diálogos reflexivos com a professora registrados no diário de campo
e entrevista com alunos da EJA. Nesse estudo, pudemos observar que existiam práticas matemáticas do
cotidiano e da escolar, e que, na turma investigada, havia muitos alunos que, mesmo sendo autônomos em
algumas delas (fazer compras, por exemplo), não conseguiam realizar suas próprias listas de produtos, não
exercendo, de fato, a cidadania que lhe é de direito. Nesse sentido, consideramos que a Matemática revelada
por esses alunos é um misto de práticas matemáticas advindas de diversos contextos nas quais foram ou ainda
são importantes para os educandos e educandas jovens e adulto/a (s) da EJA.
Palavras-chave: Educação Matemática. Anos Iniciais. Educação de Jovens e Adultos.
Introdução
A Educação de Jovens e Adultos (EJA) tem sido amplamente discutida no âmbito das
pesquisas, tanto na área da Educação como da Educação Matemática, se configurando como
um dos grandes desafios o fato de que seja oportunizado a jovens e adultos uma educação
1
Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). E-mail: [email protected]. Orientador: Profa. Dra.
Cármen Lúcia Brancaglion Passos.
de qualidade. Legalmente, podemos salientar que, a partir da Constituição Brasileira de
1988, os direitos à escolarização em qualquer idade foram defendidos e promulgados.
Ademais, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394/96 trouxe, como
novidade, a EJA como uma modalidade de ensino. Nesse ínterim, o Parecer nº 11 de 2000,
prioriza que a EJA, além de ser uma modalidade de ensino, tem como clientela estudantes
com particularidades culturais e sociais diferentes do público-alvo original da escola, ou seja,
as crianças e adolescente.
Por isso, requer além de uma formação específica para os professores que lecionam nessa
modalidade educacional, uma prática pedagógica e metodológica relativa ao cotidiano
desses educandos e educandas. Quando falamos em cotidiano, nos apoiamos em Heller
(1977), que considera que o cotidiano faz parte da vida, que estão inseridas as nossas
atividades corriqueiras e exigindo das pessoas, a todo o momento, modos diferentes de agir.
Frente ao exposto, sabemos que, segundo a perspectiva de Heller (1977) existem diversas
tarefas em diferentes contextos. Nesse texto, iremos abordar em especial o contexto escolar
e o cotidiano. Segundo a Proposta Curricular do primeiro segmento da EJA (BRASIL, 2001),
a educação voltada ao público jovem e adulto deve considerar as práticas do dia a dia para
que se possa priorizar o ensino de conceitos, conteúdos e procedimentos relativos às
disciplinas acadêmicas.
Além disso, de modo crítico, deve-se problematizar o que se aprende na escola relativo ao
que se presencia na vida, pois o objetivo da escola é promover a cidadania por meio do
conhecimento – historicamente e socialmente – elaborado pelos seres humanos a fim de que
haja a disseminação da cultura acadêmica ou escolar para que os alunos possam compreender
e intervir na sociedade em que vivem (BRASIL, 2001).
Nessa perspectiva, a organização dos conteúdos no primeiro segmento da EJA, segundo a
Proposta Curricular (BRASIL, 2001) pauta-se no ensino da Língua materna (Língua
Portuguesa) e da Linguagem Matemática.
Quanto ao processo de ensino e de aprendizagem da Matemática na EJA, Fonseca (2002),
ressalta que existem estratégias didáticas metodológicas de ensino que podem contribuir para
uma aprendizagem significativa no contexto dessa modalidade de ensino. Tais como:
Resolução de Problemas e a Modelagem Matemática. Já Oliveira (2007) enfatiza os jogos
pedagógicos como importantes recursos para o ensino da Matemática na EJA.
Para Fonseca (2002, p. 61), a Resolução de Problemas pode auxiliar na “compreensão da
forma do aluno organizar e mobilizar o conhecimento adquirido/construído, de modo à (re)
orientar a própria avaliação do trabalho, bem como as intervenções dos professores”, e a
intimidade dos mesmos com a Matemática.
Quanto a Modelagem Matemática, na EJA, esta se alia,
[...] a necessidade dos alunos em adquirirem instrumentos para resolver seus
problemas e a própria disponibilização e diversidade de informações e recursos
que o próprio aluno adulto traz para a sala de aula, adquiridos em sua vivência
social, familiar, profissional, esportiva, religiosa, sindical, etc. (FONSECA, 2002,
p. 78).
Em relação aos jogos pedagógicos, Santos (1997, p. 12) ressalta que, além de poder ser
priorizado em qualquer idade, o aspecto lúdico dessa metodologia de ensino não deve apenas
ser vista como uma diversão, já que, “[...] o desenvolvimento do aspecto lúdico facilita a
aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, social e cultural, [...] facilita os processos de
socialização comunicação, expressão e construção do conhecimento”. Dessa forma a
utilização dos jogos pedagógicos na EJA deve estimular os alunos a participarem mais ativa
em sala de aula. Desse modo, espera-se que “[...] quanto mais vivências lúdicas esses alunos
tiverem, maiores serão as suas participações em sala de aula” (OLIVEIRA, et al, 2007, p. 4).
Diante das estratégias didáticas metodológicas aqui mencionadas, a presente pesquisa,
através de jogos, de tarefas do livro didático e resolução de problemas, têm por objetivo
investigar de que modo ocorre o processo de ensino e aprendizagem da Matemática em uma
sala de aula de EJA do Termo I do primeiro segmento em uma escola da rede municipal de
São Carlos – SP.
Caminho metodológico
Este estudo teve como abordagem metodológica a pesquisa qualitativa. Para Gil (2002), os
estudos com caráter qualitativo, em geral, são utilizados para descobrir e refinar as questões
de pesquisa; e, além disso, busca compreender o fenômeno de estudo em seu ambiente usual.
Sendo assim, esta pesquisa de mestrado foi realizada em uma escola municipal de educação
infantil, localizada na periferia da cidade de São Carlos – SP, em que no período diurno
recebe as crianças, e no noturno, os adultos.
Os sujeitos da pesquisa foram à professora e os alunos. A professora, na ocasião da realização
da pesquisa, tinha 63 anos de idade com experiência na Educação Infantil e leciona há 20
anos na EJA. Quanto aos educandos, a sala de aula investigada contava com
aproximadamente 17 alunos, entretanto, na pesquisa participaram somente 13 estudantes,
sendo as alunas e suas respectivas idades: Isa (60), Sue (56), Gla (60), Ben (60), Gra (50),
Aux (53), Den (55) e Lou (61), e os alunos e suas respectivas idades: Cos (49), Mar (36),
Wel (21), Jos (46) e Wil (40). A maioria, das mulheres eram aposentadas sendo somente
Aux e Gra cozinheiras. Já os homens trabalhavam como pedreiros em construções civis. Em
relação ao espaço em que a pesquisa foi realizada tratava-se de uma sala de aula com carteiras
adequadas a adultos, mas com mobiliário de crianças, já que a escola era voltada ao público
infantil.
Em relação ao procedimento de coleta de dados, optamos por realizar entrevistas com a
professora e com os alunos, registradas em áudio; desenvolver tarefas matemáticas com a
turma, com registro em diário de campo; diálogos reflexivos com a professora a respeito dos
episódios ocorridos durante o desenvolvimento das tarefas com os alunos, que foram
acompanhadas pela professora e realizadas pela pesquisadora.
As entrevistas semiestruturadas com a professora foram realizadas no início da coleta de
dados (setembro de 2013) e ao término (dezembro de 2013). Essas entrevistas se
constituíram em um importante instrumento de coleta de dados, pois evidenciaram o que ela
pensava sobre a Matemática na EJA. Durante o período da coleta de dados ocorreram vários
diálogos reflexivos com a professora, os quais foram registrados no diário de campo da
pesquisadora.
As entrevistas com os alunos foram realizadas ao final da coleta de dados e contribuíram
para compreendermos as preocupações, bem como a aprendizagem da Matemática e
também as dificuldades que eles sentiram frente ao ensino dos conteúdos matemáticos
desenvolvidos no momento da coleta de dados e em seu dia a dia.
A entrevista com a professora nos deu pistas de como era desenvolvido o ensino de
matemática com seus alunos. A partir dessa informação é que as tarefas matemáticas foram
sendo construídas e submetidas à apreciação da professora. Cabe destacar que para a
construção das tarefas matemáticas foram consultadas as propostas pedagógicas relativas ao
ensino de matemática para jovens e adultos a partir da Proposta Curricular do primeiro
segmento da EJA.
A condução das tarefas na sala de aula era feita pela pesquisadora, com algumas intervenções
da professora da turma. Não foi autorizada a gravação em vídeo ou em áudio do momento
em que as tarefas eram desenvolvidas, nesse sentido, tão logo terminava a aula, eram feitos
registros reflexivos no caderno de campo dos episódios ocorridos durante as aulas. Esses
episódios muitas vezes eram objeto de diálogo com a professora da turma e
indicavam como as demais tarefas poderiam ser construídas e desenvolvidas com os alunos.
Nem todos os alunos participaram de todas as tarefas desenvolvidas devido a eles faltarem
muito das aulas.
Sendo assim, as tarefas realizadas com os alunos foram as seguintes:
1) O jogo Dominó até nove
•
Alunos: Den, Lou, Jos, Mar, Sue, Wel, Wil, Ben, Isa e Aux.
2) O uso do livro didático: Sistema de Numeração
Decimal
Alunos: Den, Gra, Lou, Wil, Mar, Isa, Cos,
Ben e Sue.
3) Tarefa: Contas a Pagar: o uso do dinheiro
Alunos: Isa, Cos e Lou.
4) O problema de dona Severina: As passagens de
ônibus
Alunos: Den, Lou, Sue, Wel, Ben, Isa e Wel.
5) A Farofa da dona Severina
•
Alunos: Isa, Wel, Sue, Isa, Wil, Ben, Lou, Gla e Gra.
Para melhor identificação dos dados coletados, optamos por caracterizar cada instrumento
de coleta de dados. Assim, quando se tratar das entrevistas – inicial e final - com a professora,
destacaremos o seguinte código: EPI ou EPF. Em relação à entrevista com os alunos,
destacaremos, por exemplo: EA Gra. Sobre os diálogos reflexivos com a professora,
ressaltaremos o seguinte código: DR 1 2 , por exemplo. E por fim, as tarefas serão
caracterizadas da seguinte maneira: T3, por exemplo. Quanto à análise dos dados coletados,
realizaremos uma discussão inicial em relação aos dados coletados em sala de aula.
A análise dos dados: algumas considerações
Quanto aos eixos de análise, priorizaremos: A Matemática no Cotidiano; e a Matemática da
Escola, ambos os eixos foram ficando evidentes durante a coleta de dados e
2
O número 1 diz respeito a primeira tarefa realizada “O Jogo dominó até nove”.
posteriormente, quando da análise. Tanto a Matemática no Cotidiano, quanto a Matemática
da Escola estiveram relacionados a todo o momento nessa pesquisa. Trazemos nesse texto
apenas dois episódios ilustrando cada um dos eixos.
A Matemática no Cotidiano
No que concerne o eixo de análise “A Matemática da vida”, destacamos algumas
considerações relativas às vivências relativas à aprendizagem e ao uso da Matemática
relatada dos alunos investigados. Na entrevista com a aluna Gra, quando questionada sobre
suas práticas Matemáticas relacionadas com o cotidiano, ressalta que utiliza a estimativa
como estratégia para as compras.
Gra: Então, por exemplo, domingo eu fui a um mercado onde o leite estava mais
barato, ou seja, R$ 1,70.
Então eu pensei: “Já que estou aqui, vou levar duas caixas”. Peguei duas caixas
de leite, e pensei comigo mesma: “Duas caixas de leite não vão dar nem R$
50,00”. Então eu peguei o feijão que estava R$ 2,99, ou seja, R$ 3,00. Peguei dois
pacotes de feijão e mais dois pacotes de nescafé que custavam aproximadamente
R$ 1,00.
Então pensei: “Essa compra vai dar aproximadamente R$ 56,00”. Quando passei
as compras no caixa, paguei um valor de R$ 57,00 (EA Gra).
A aluna Gra nos mostra sua independência em relação ao ato de fazer compras, isso quer
dizer que, na tarefa de verificar os preços e seus produtos, analisa primeiramente o que
precisa para o seu consumo próprio. Após essa análise procura os produtos que para ela
seriam a sua melhor compra e, verificando os valores dos mesmos, estima um total que
acredita que pagaria.
A autonomia dos educandos jovens e adultos é um aspecto para ser enfatizado, pois durante
a entrevista com alguns dos alunos, houve relatos interessantes sobre as tarefas que os
mesmos realizam sozinhos e com auxílio de outras pessoas.
A aluna Sue, ao mesmo tempo em que faz suas compras sozinhas e tem noções de seus gastos
como é o caso da aluna Gra – conforme mostramos acima – solicita a sua filha “[...] fazer
uma lista com os produtos e eu vou sozinha nos supermercados fazer a compra dos
produtos” (EA Sue).
Não diferente da aluna Sue, o mesmo ocorre com a aluna Gra, pois, “[...] minha filha faz a
lista dos produtos que preciso para o mês. Mas eu consigo ir sozinha ao mercado e fazer
compras. Faço as contas de cabeça. É mais rápido” (EA Gra).
Outras tarefas em que os alunos entrevistados enfatizaram não saberem fazer sozinhos é ir
ao banco. A aluna Lou ressalta que: “A única coisa que eu não sei ainda, mas quero aprender
e não parece ser difícil é usar o caixa eletrônico. Eu vou sozinha ao banco receber o meu
benefício. Eu tiro e coloco dinheiro na minha conta”.
Já o aluno Wil não consegue realizar compras sozinho, pois “ [...] Quem faz as coisas para
mim é minha irmã. Ela compra roupas e sapatos para mim”.
Podemos observar diante das falas desses alunos que, mesmo conseguindo resolver situações
relativas às práticas Matemáticas, existem muitas outras, que são importantes do ponto de
vista da cidadania: a ida ao banco com conhecimento e autonomia.
Para a Proposta Curricular do Primeiro Segmento da EJA (BRASIL, 2001, p. 163), os
conhecimentos advindos do espaço escolar, devem, em primeira instância: “[...] Favorecer a
maior integração dos educandos em seu ambiente social e natural, possibilitando a melhoria
de sua qualidade de vida”.
Desse modo, corroborando com Catalá (2010, p. 90) ressalta que a cidadania deve estar
envolta em:
Tarefas um tanto mais elementares como cobrar e pagar, compreender os recibos,
analisar gráficos em revistas, interpretar as porcentagens, etc.m e que devem ser
assumidas como ponto de partida, pois sem essas mínimas competências
matemáticas de sobrevivência dificilmente poderão ter uma vida normal na rua
(CATALÀ, 2010, p. 90).3
Podemos inferir que, a Matemática na qual Català (2010) se refere é aquela em que é
necessária ser utilizada no cotidiano, de modo a propiciar as competências para realizar ações
dentro dos mais variados contextos (familiar, do trabalho, e até mesmo dentro da escola).
Nessa perspectiva, percebemos que o que aprendemos na escola deve ter utilidade para o
enfrentamento das situações dos diversos contextos a qual as pessoas se inserem. Mesmo
que o contexto escolar seja diferente do contexto do cotidiano, o aluno jovem e adulto quer
possuir um conhecimento formativo (o que não sabem e querem aprender), que lhe é de
direito (FONSECA, 2002).
3
Tareas tanto o más elementales como cobrar y pagar, entender los recibos, mirar gráficas em lós periódicos,
interpretar los tantos por ciento, etc., y que deben ser asumidas como punto de partida, pues sin estas mínimas
competências matemáticas de supervivência dificilmente se puede hacer vida normal em la calle (CATALÀ,
2010, p. 90).
A Matemática da Escola
Em relação à Matemática da Escola, observada nessa pesquisa, os alunos a tem caracterizado
a partir do “ato de fazer contas”. Através da entrevista com a aluna Sue, a mesma relatou que
para aprender Matemática deve haver nas aulas dessa disciplina:
Sue: As contas, os números. Porque temos que fazer certo e comparar, não é?
Enquanto não estiver certo eu não sossego, porque você vai ver que a conta está
certa. Eu vou comprovar e enquanto não estiver certo. Quando a professora passa
o resultado na lousa eu não olho até eu fazer a minha e comparar com a dela para
ver se está certo (EA Sue).
É certo que, ao mesmo tempo em que devemos atender as especificidades pessoais, sociais,
culturais e emocionais dos alunos da EJA de modo a fazer com isso seja o foco da
metodologia de ensino que poderá considerar esses aspectos, o “[...] o professor deve ter um
domínio do conteúdo a ser ensinado” (NACARATO; PASSOS; CARVALHO, 2004, p. 28),
assim, como o educando tem a necessidade e o direito de aprender, sendo essa uma exigência
da atualidade. A partir do exposto, Bishop (1999, p. 18) salienta que “temos um sistema
social cada vez mais complexo para manejar seu entorno, cuja complexidade também
aumenta, e teremos que viver em uma sociedade familiarizada com a informática e com a
calculadora”. 4
Então podemos supor que, com a sociedade em constante mudança e avanços tecnológicos,
o currículo escolar deve propor conhecimentos, técnicas e habilidades compatíveis com as
necessidades da sociedade (BISHOP, 1999). Assim, verificamos um exemplo do que a
Proposta Curricular para o primeiro segmento da EJA (BRASIL, 2001) ressalta sobre o
ensino da Matemática para a clientela dessa modalidade de ensino. Para tal proposta
curricular, o ensino da Matemática para a EJA deve pautar-se em:
[...] métodos de investigação e raciocínio, formas de representação e comunicação.
Como ciência, a Matemática engloba um amplo campo de relações, regularidades
e coerências, despertando a curiosidade e instigando a capacidade de generalizar,
projetar, prever e abstrair. O desenvolvimento desses procedimentos amplia os
meios para compreender o mundo que nos cerca, tanto em situações mais
próximas, presentes na vida cotidiana, como naquelas de caráter mais geral (p.
101).
4
Tenemos um sistema social cada vez más complejo para manejar um entorno cuya complejidad también va
em aumento, y tenemos que vivir em uma saciedad entrada em la informática y familiarizada com la
calculadora (BISHOP, 1999, p. 17).
Sendo, os procedimentos e conceitos matemáticos importantes para a necessidade das
pessoas na sociedade, esta proposta prioriza a necessidade de levarmos em conta um ensino
de Matemática que relacione o cotidiano dos alunos jovens e adultos em processo de
aprendizagem com os conhecimentos científicos da escola, já que são com esses últimos que
esses educandos poderão compreender os assuntos relacionados com a Matemática, de modo
a utilizá-los em diferentes contextos.
Assim, como diz a aluna Lou, durante sua entrevista: “[...] Acho tudo que aprendemos tem
que ser usado para alguma coisa. E não é porque eu não trabalho mais que não vou precisar
conhecer e aprender mais coisas” (EA Lou). Nesse dialogo, percebemos que, como cidadã
de direitos e deveres, e mesmo sendo aposentada, a aluna Lou, enfatiza que necessita obter
conhecimentos novos, e que de alguma forma serão importantes e significativos a sua vida.
Em contrapartida às discussões aqui feitas sobre a Matemática para a cidadania, relataremos
a seguir, um exemplo, retirado de uma das experiências em relação às tarefas realizadas com
os educando da EJA, a partir da resolução de problemas:
Figura 1- Tarefa “Conta a Pagar”
Figura 2 – Continuação da tarefa “Conta a Pagar”
Dados da pesquisa (2013)
Dados da pesquisa (2013)
No quadro 1 abaixo, mostramos, a transcrição das informações descritas nas figuras 1 e 2:
Quadro 1 – Transcrições das informações das figuras 1 e 2.
Atividade:
No mês de outubro percebi que ainda tenho duas dívidas para pagar: a conta de luz, no
valor de R$ 90,00, e a conta de telefone, no valor de E$ 100,00. Tendo conhecimento do
valor dessas duas dívidas, quanto, no total estou devendo?
Dados da pesquisa (2013)
Como podemos observar o problema contido nas figuras 1 e 2 foram organizados a pedido
da professora, que limitou ao uso de valores inteiros. Dessa forma o referido problema trata
de uma situação fictícia (ECHEVERRÍA, 1998) que não traduz a realidade vivenciada no
cotidiano por esses sujeitos. E que coloca em dúvida novamente se a professora trabalha
efetivamente com situações problemas ou então o que a docente está considerando como
problemas.
Podemos observar que o problema proposto solicitava que os educandos calculassem o total
de dívidas que os mesmos tinham de pagar. Além disso, cada aluna recebeu uma quantia em
dinheiro fictício para que analisassem a dívida que relacionado com o problema acima
verificando se seria possível pagá-la. Após termos colocado coloca o problema na lousa, a
professora fez a seguinte consideração:
Professora: Nesse problema temos que resolver uma situação: Eu tenho uma
conta de noventa reais e outra de cem reais. Então devo verificar a quantidade em
dinheiro que tenho para olhar se vai dar para eu pagar essa dívida.
E então Isa, quanto a senhora está devendo no total?
Isa: Tenho cento e noventa reais de contas.
Professora: Isso, Isa. Então a senhora verificou que deve cento e noventa reais.
Para saber quanto é o total de suas dívidas, a senhora fez uma continha de adição,
não é?
Isa: É.
Professora: Ela somou as duas dívidas.
E então, qual é valor da dívida que vocês estão devendo? Cos:
cento e noventa reai (T3).
Primeiramente, quem faz as explicações do problema proposto na lousa é a professora. Além
de explicar a proposta, pergunta a aluna Isa quantos reais, tal educanda tinha de contas a
pagar. Enquanto a mesma responde R$ 190,00, a referida docente enfatiza como a aluna Isa
chegou nessa resposta. Após saber que as contas a serem pagas totalizaram um valor de R$
190,00, a professora solicitou que os alunos contassem a quantia em dinheiro fictício que
eles haviam recebido. Nesse caso, a aluna Isa tinha R$ 200,00. Para saber se daria para pagar
sua dívida de R$ 190,00, essa mesma educanda respondeu, na lousa, conforme figura 3
abaixo:
Figura 3 - Operação de subtração feita pela aluna Isa
Dados da pesquisa (2013)
Após esse episódio, presenciamos o seguinte dialogo entre a aluna Isa e a professora:
Professora: Agora é a Isa. Tá muito fácil o dela.
A dona Isa monta sozinha a conta dela. Não é dona Isa?
Isa vai até a lousa e escreve o número 190 fazendo o traço embaixo desse número
e colocando o resultado 10.
Professora: Mas dona Isa, vamos fazer a outra continha. Tá certinho o que a
senhora fez. Mas vem aqui de novo. A dona Isa consegue fazer a operação de
emprestar, não dona Isa?(T3)
O que a aluna Isa fez na lousa foi seguir sua própria lógica perante o problema proposto.
Hipoteticamente, para a aluna, nesse caso não havia necessidade de fazer um cálculo simples
de subtração, sendo R$ 200,00 menos R$ 190,00. Porém, a professora ressalta que, mesmo
estando certo o procedimento realizado pela aluna Isa, poderia ser realizada através do
algoritmo tradicional, ou seja, a “[...] a operação de emprestar” (T3).
Percebemos a valorização do algoritmo tradicional no excerto acima. Não houve
considerações feitas pela professora em relação a estratégias de solução do problema
proposto pela aluna Isa. Apenas a pontuação de que mesmo tendo feito daquele modo, os
educandos devem realizar os cálculos de modo tradicional. Desse modo, para Lave (1996,
p. 120),
As pessoas são verdadeiras histórias ambulantes dos cálculos que fizeram no
passado, mas não das operações de que se serviu para resolvê-los; os resultados
são como que transportados por elas para todo o lado, mas as operações são
inventadas no momento fazendo parte integrante dessa atividade normal e
situadas.
Na aula observada, percebemos que a aluna Isa agiu naturalmente, não se preocupando com
as formalizações matemáticas. Como algo comum do seu dia a dia, as contas e dívidas,
simples como o caso da subtração R$ 200,00 menos R$ 190,00, provavelmente são
realizadas mentalmente. Assim, as observações enfatizadas nesse eixo de análise nos
mostram que, o importante, para o ensino da Matemática na EJA está atrelado a
considerações dos diversos conhecimentos matemáticos, advindos tanto dentro, quanto fora
da escola. E nesse contexto, identificamos a cidadania como principal ponto a ser enfatizado
através das aulas dessa disciplina. E Por fim, o aluno da EJA, além de desejar compreender
novos conhecimentos, em que nunca ou pouco foram aprendidos em contextos escolares ou
não, também deseja que os seus saberes sejam valorizados, para que as mesmas possam fazer
parte das aulas de Matemática.
Algumas considerações
Diante do exposto, as aulas de Matemática não são neutras e também não devem transmitir
aos alunos a ideia de verdade absoluta. Assim, essa disciplina deve ser reconhecida como
fruto da necessidade humana.
Além disso, percebemos que, a Matemática revelada por esses alunos é um misto de práticas
Matemáticas advindos de diversos contextos nas quais foram ou ainda são importantes para
os educandos e educandas jovens e adulto/a (s). Diante disso, o professor da EJA deve ter
uma formação que lhe favoreça considerar as peculiaridades desse público, fazendo com que
haja, além do reconhecimento das práticas cotidianas desses alunos e alunas, a valorização
de conhecimentos novos para as práticas já existentes e também para as que virão.
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