Gusmão, J. 2008. Tese mestrado REDUCED

Transcrição

Gusmão, J. 2008. Tese mestrado REDUCED
UNIVERSIDADE DE LISBOA
Faculdade de Ciências
ESTUDO PRELIMINAR DA SUCESSÃO ENTOMOLÓGICA
(COM ÊNFASE NA ORDEM DIPTERA)
EM DIFERENTES CADÁVERES DE ANIMAIS SELVAGENS
NA SERRA DA ESTRELA
Mestrado na área da Biologia da Conservação
Dissertação orientada por
Prof. Doutora Mª Teresa Rebelo Ferreira Ramos Nabais Oliveira
Joana Botelho de Gusmão
Departamento de Biologia Animal
Lisboa, 2008
ii
ii
Trabalho realizado no Centro de Ecologia,
Recuperação
e
Vigilância
de
Animais
Selvagens do Parque Natural da Serra da
Estrela e no Laboratório de Entomologia do
Departamento de Biologia da FCUL.
iii
iv
AGRADECIMENTOS
Gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos às pessoas que me
acompanharam durante este ano, sem as quais, todo o trabalho realizado ao longo deste tempo
e o desenvolver desta dissertação, teriam sido impossíveis.
À minha orientadora, Prof. Doutora Mª Teresa Rebelo, pela orientação, pelo apoio,
incentivo e pela boa disposição!!
Ao Prof. Doutor Artur Serrano pela disponibilidade na revisão deste trabalho.
Ao CERVAS/PNSE pela cedência do espaço e do material de estudo.
Ao Dr. Ricardo Brandão pelo entusiasmo, apoio e hospitalidade.
A todo o pessoal do CERVAS pela amizade e apoio técnico.
Ao pessoal do laboratório de entomologia da FCUL, Catarina Prado e Castro, Israel Silva e
Mário Boieiro que foram ímpares no apoio, incentivo, disponibilidade e orientação que me
deram na realização deste trabalho!!
Ao professor Henrique Cabral pelo apoio e tempo disponibilizados na análise dos dados.
Ao Luís Pessanha pela cedência dos dados meteorológicos.
Mais do que agradecer, gostaria de dedicar este trabalho a toda a minha família e amigos,
pelo o apoio, amor e carinho incondicionais, dos quais eu ganho ânimo e força de vontade, não
só para trabalhar mas principalmente para viver!!
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vi
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
B .................................................................................................................................................................. Buteo buteo
C .............................................................................................................................................................. Columba livia
CERVAS ................................... Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens
DEC .........................................................................................................Dispositivos Experimentais de Campo
EF.............................................................................................................................................. Entomologia Forense
G .......................................................................................................................................................... Genetta genetta
I .............................................................................................................................................................................Inverno
ICNB ...........................................................Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidades
IPM ........................................................................................................................................ Intervalo Post Mortem
O.............................................................................................................................................. Oryctolagus cuniculus
P....................................................................................................................................................................... Primavera
PNSE ............................................................................................................Parque Natural da Serra da Estrela
POPNSE .............................................. Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela
S....................................................................................................................................................................... Sus scrofa
SF ................................................................................................................................................ Susseção Faunística
UEx .................................................................................................................................... Unidades Experimentais
V ............................................................................................................................................................... Vulpes vulpes
Z1 .......................................................................................................................................................................... Zona 1
Z2 .......................................................................................................................................................................... Zona 2
Z3 .......................................................................................................................................................................... Zona 3
vii
viii
RESUMO
Na sequência dos profícuos resultados, e consequente consolidação, dos estudos de
entomologia na área da Medicina Legal, tem-se desenvolvido um interesse crescente na área da
Veterinária Forense, com base no estudo da colonização entomológica de cadáveres da fauna
selvagem, com vista à monitorização das causas de morte, ou à detecção de maus tratos por
negligência das espécies protegidas (em convalescença ou em cativeiro) viabilizando, deste
modo, uma mais perfeita gestão ambiental. Com o presente trabalho pretendemos contribuir
para um melhor conhecimento da diversidade de artrópodes, com ênfase especificamente nos
dípteros que povoam os cadáveres de alguns vertebrados (aves e mamíferos) da macrofauna
autóctone da Serra da Estrela. Para o efeito, foram utilizados cadáveres de Genetta genetta L., de
Vulpes vulpes L., de Buteo buteo L., de Columba livia G., de Oryctolagus cuniculus L. e de Sus
scrofa L.. Em relação às condicionantes experimentais, o esquema foi implantado no andar basal
do Parque Natural da Serra da Estrela, comportando um total de 12 unidades experimentais (no
Inverno e na Primavera, em mamíferos e em aves, em três locais). A amostragem do material
entomológico foi feita pela captura em armadilhas do tipo pitfall e do tipo “Malaise”. Entre as
conclusões mais relevantes assinalam-se as seguintes: (i) número restrito de famílias, da fauna
díptera, preponderante no processo de decomposição de cadáveres, nas condições
experimentais; (ii) Especificidade da composição faunística dos dípteros comparada com a
verificada noutro trabalho realizado em Portugal (a menos de 100km de distância); (iii)
Especificidade do processo de decomposição dos cadáveres em função da natureza da espécie
e da massa corporal; (iv) Existência de diferentes padrões de evolução das temperaturas
corporais durante o processo de decomposição, para as diferentes espécies, marcados por
períodos específicos, cuja definição poderá ser condicionada pelas temperaturas ambientais, em
particular, acima dos 28 ºC.
Palavras-chave: Entomologia Forense; Diptera; cadáveres; Fauna selvagem e Serra da Estrela.
ix
x
ABSTRACT
A growing interest in Forensic Veterinary follows innovative results and the sequent
consolidation of entomological studies in the field of Forensic Medicine. Forensic Veterinary has
developed based on the study of insect colonization of wild life carrion, aimed at monitoring
causes of death and detecting negligent mistreatment of protected species, thus enabling a
more perfect and accurate environmental management. The present work aimed to improve
knowledge of arthropod diversity, with particular emphasis on flies (order Diptera) that colonize
the carrion of some vertebrates (mammals and birds) of the autochthonous macrofauna of Serra
da Estrela. For that purpose, the carrion of the following species were used: Genetta genetta L.,
Vulpes vulpes L., Buteo buteo L., Columba livia G., Oryctolagus cuniculus L. and Sus scrofa L.. The
experimental layout was implemented in the lower level of the Serra da Estrela Natural Park,
bearing a total of 12 units (encompassing winter and spring, mammals and birds, on three sites).
The sampling of insects was performed through pitfall and “Malaise” type traps. A list of the
most relevant conclusions include: (i) restrict number of the more relevant Diptera families in the
carrion’s decomposition process; (ii) Specificity of the Diptera fauna composition as compared in
another study made in Portugal (less than 100km apart); (iii) Specificity of the process of
decomposition of the carrion according to the nature of the species and their body mass; (iv)
Patterns of body temperature evolution during the decomposition process, for different species,
determined by specific periods, whose definition may be conditioned by environmental
temperatures, in particular above 28 ºC.
Key-words: Forensic Entomology; Diptera; carrions; wildlife and Serra da Estrela.
xi
xii
ÍNDICE
AGRADECIMENTOS .................................................................................................................................. v
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .....................................................................................................vii
RESUMO....................................................................................................................................................ix
ABSTRACT ................................................................................................................................................xi
1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................1
1.1 Sobre a Entomologia Forense ........................................................................................................................................... 2
1.1.1. Origem da entomologia forense ................................................................................................................................. 3
1.1.2 Âmbito da entomologia forense .................................................................................................................................. 4
1.1.3. Finalidade da entomologia forense ........................................................................................................................... 7
1.2. O Parque Natural da Serra da Estrela ........................................................................................................................... 8
1.2.1. Caracterização geoclimática.......................................................................................................................................... 8
1.2.2. Caracterização ecológica ..............................................................................................................................................10
1.3 Objectivos do presente estudo ......................................................................................................................................14
2. MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................................................... 17
2.1. Caracterização das condicionantes bióticas .............................................................................................................17
2.2. Caracterização das condicionantes abióticas ..........................................................................................................19
2.2.1. Oportunidade....................................................................................................................................................................19
2.2.2. Localização .........................................................................................................................................................................19
2.2.3. Dispositivos experimentais de campo.....................................................................................................................20
2.2.4. Disposição dos espécimes nos dispositivos experimentais de campo ......................................................21
2.3. Amostragem da fauna entomológica .........................................................................................................................22
2.3.1. Armadilha do tipo pitfall...............................................................................................................................................22
2.3.2. Armadilha do tipo “Malaise” .......................................................................................................................................24
2.3.3. Recolha do material ........................................................................................................................................................25
2.4. Triagem e identificação do material entomológico ..............................................................................................25
2.5. Análise dos resultados ......................................................................................................................................................25
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................................. 27
3.1. Condicionalismo climático ..............................................................................................................................................27
3.2. Diversidade entomológica no processo de decomposição dos cadáveres .................................................28
3.2.1. Representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição ...........................................31
3.2.2. Preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental ..................................34
3.2.3. Influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera .........................................................35
3.2.4. Comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha ..............................................................36
3.2.5. Efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres ..................................37
3.3. Comparação com outros resultados registados para a Região Centro de Portugal ...............................43
3.4. Morfotipos identificados dentro das famílias Muscidae e Calliphoridae .....................................................45
4. CONCLUSÕES ..................................................................................................................................... 47
4.1. Em relação ao clima ...........................................................................................................................................................47
4.2. Em relação à representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição.....................47
4.3. Em relação à preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental ..........48
4.4. Em relação à influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera .................................48
4.5. Em relação à comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha........................................49
4.6. Em relação ao efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres .......49
4.6.1. No caso da geneta ..........................................................................................................................................................49
4.6.2. No caso dos pombos (apenas aferido para o Inverno) ....................................................................................50
4.6.3. No caso da águia-d’asa-redonda (apenas aferido para a Primavera) ........................................................50
4.6.4. No caso da raposa ..........................................................................................................................................................50
4.7. Em relação à Metodologia ..............................................................................................................................................51
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................................... 55
ANEXOS
xiii
ÍNDICE DAS FIGURAS
Figura 1.1. – Exemplares de espécies incluídas em algumas das famílias mais frequentemente
referidas em estudos de Entomologia Forense.................................................................................................... 6
Figura 2.1. – Ortofotomapa da área de estudo (CERVAS) (retirada do Google Earth). Fotografias
das três zonas de amostragem (Z1, Z2 e Z3). .....................................................................................................20
Figura 3.1. – Precipitação e Temperatura. ............................................................................................................28
Figura 3.2. – Temperaturas máxima e mínima ao longo dos períodos de Inverno e Primavera, em
cada uma das três zonas consideradas no presente estudo: Z1-azul; Z2-laranja; Z3-verde. ..........31
Figura 3.3. – Gráfico de sectores de famílias. ......................................................................................................32
Figura 3.4. – Diagrama de ordenação para a totalidade dos dados experimentais. ...........................33
Figura 3.5. – Número de indivíduos amostrados de cada família (com mais de 12 indivíduos
capturados) na globalidade do esquema experimental. ................................................................................34
Figura 3.6. – Gráfico de sectores de famílias (Inverno / Primavera). ..........................................................35
Figura 3.7. – Número de indivíduos capturados de cada família (com mais de 12 indivíduos
capturados na totalidade) em cada um dos dois períodos experimentais, na globalidade do
esquema experimental. ................................................................................................................................................35
Figura 3.8. – Proporção do total de capturas em ambos os tipos de armadilhas (“Malaise” e
pitfall) utilizados no presente estudo para as espécies com um número total de capturas
superior a cinco indivíduos. .......................................................................................................................................37
Figura 3.9. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo)
com o número de indivíduos capturados durante o processo de decomposição. .............................38
Figura 3.10. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo)
com a temperatura corporal durante o processo de decomposição. .......................................................39
Figura 3.11. – Temperatura corporal ao longo da decomposição. Aves nas duas épocas de
amostragem, quatro pombos, e mamíferos nas duas épocas de amostragem, duas genetas.......43
Figura 3.12. – Famílias reconhecidas no presente estudo (de ocorrência no Inverno e Primavera)
e no estudo de Prado e Castro (2005), em relação com o processo de decomposição de
cadáveres ao ar livre......................................................................................................................................................44
Figura 3.13. – Número médio de capturas para os morfotipos, dentro das famílias Muscidae (MII
a MXVII) e Calliphoridae (CIII a CVII), com um número médio de espécimes identificados no
presente estudo superior a 12. .................................................................................................................................45
ÍNDICE DE QUADROS
Quadro 1.I. – Espécies de maior interesse cinegético e aves de pequeno porte, no PNSE. .............11
Quadro 1.II. – Mamíferos e aves de hábito alimentar predador e necrófago, do PNSE. ...................13
Quadro 1.III. – Espécies de répteis e anfíbios, registadas para o PNSE. ...................................................14
Quadro 2.I. – Espécimes utilizados em cada zona (ver subcapítulo 2.2.1) e em cada época
(Inverno e Primavera)....................................................................................................................................................18
Quadro 2.II. – Condições em que se encontravam os espécimes aquando da sua exposição aos
processos de decomposição......................................................................................................................................18
Quadro 2.III. – Intervalo de exposição dos espécimes utilizados em cada zona (Z1 a Z3) no final
do Inverno (I) e no final da Primavera (P). ............................................................................................................21
Quadro. 3.I. – Famílias de dípteros e respectivo número médio de indivíduos capturados, em
ambos os tipos de armadilha, na totalidade das colheitas, em cada situação – (Inverno,
Primavera) x (mamífero, ave). ....................................................................................................................................30
Quadro 3.II. – Correspondência dos morfotipos (M - Muscidae; C - Calliphoridae) com os níveis
taxonómicos identificados a jusante de família. ................................................................................................45
xiv
INTRODUÇÃO
1. INTRODUÇÃO
Na natureza, a reciclagem das estruturas orgânicas remanescentes após a morte dos
animais (em particular dos vertebrados), constitui um processo fundamental para o equilíbrio
ambiental, onde os insectos (e outros artrópodes) necrófagos se assumem como agentes
decisivos, por vezes coadjuvados por simbiontes e apesar da acção dos seus predadores. Para
além desta função fundamental, o estudo da entomologia de necrófagos tem-se revelado
especialmente profícuo em diversas áreas do foro judicial.
A relevância social do contexto legal, que impulsionou toda a investigação no âmbito da
entomologia forense (EF), permitiu o seu actual estado de desenvolvimento. Assim, sem prejuízo
do seu carácter forense (mas, também, por isso) aquela poderá ser diferenciada para uma nova
vocação, para a qual já existem exemplos concretos (e.g., Anderson, 1999) no capítulo da gestão
de áreas naturais.
Face à necessidade de aperfeiçoamento do arsenal à disposição da investigação criminal,
na área da defesa do ambiente, não se deverão menosprezar as potencialidades de uma
disciplina que, para além de permitir a determinação do intervalo post mortem (IPM) poderá,
ainda, fornecer informação decisiva noutros capítulos, como na detecção de casos de
envenenamento, poluição química ou incúria para com animais em cativeiro (seja este de
carácter didáctico ou para tratamento e convalescença).
O estudo da dinâmica da população entomológica activa nos processos de
decomposição de cadáveres, em ambiente natural, poderá deste modo constituir um indicador
precioso na vigilância e controlo das áreas naturais, para além da sua função no que se refere à
sua capacidade de reciclagem dos seus constituintes. Esta vertente particular do estudo da
entomologia, só por si sobejamente relevante para a gestão informada dos recursos naturais,
poderá assumir um carácter informativo acrescido (em particular no controlo e persuasão das
actividades predatórias dos recursos faunísticos, quer de carácter lúdico quer lucrativo, por
parte dos cidadãos) se a ela associarmos as metodologias, hoje em dia já bem estabelecidas, da
“entomologia forense”.
Mesmo que relacionados, em princípio, com o interesse forense, no âmbito da EF
médico-legal, os estudos regionais da fauna sarcosaprófaga são, como sobejamente
demonstrado na bibliografia (Arnaldos et al., 2006; Petrašiūnas, 2007), da maior relevância. Estão
nesta linha os estudos, exclusivamente dedicados à “sucessão faunística” (SF) na decomposição
de cadáveres da fauna selvagem, relativos a uma determinada região e a um determinado
período do ano, tais como os levados a cabo por Arnaldos et al. (2001, 2004) em Espanha; por
Turchetto et al. (2001), em Itália; por Watson (2003) e por Kimberly et al. (2005) nos EUA; mais
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
1
recentemente por Sharanowski et al. (2008) no Canadá; por Vanin et al. (2008) em Itália; por
Wang et al. (2008) na China; ou ainda por Velásquez (2008), na Venezuela. Todos estes estudos,
tal como Eberhardt & Elliot (2008) o demonstram, partem do reconhecimento da influência
decisiva do habitat na SF e na taxa de decomposição dos cadáveres, devendo manter-se
actualizados, na medida em que, como afirmam estes autores, “globalisation and climate change
are overcoming geographic barriers”. Isto mesmo, já tinha sido confirmado por Turchetto &
Vanin (2004) quando referem alguns casos, no Nordeste de Itália, de espécies alóctones vindas
do Sul.
Segundo Gupta & Setia (2004), “Along with species identification the next thing that is to be
done is to identify species in various ecosystems” e para alcançar esses objectivos “the research
has to be carried out in that particular area for which we are finding the species”. Em Portugal, no
entanto, pese embora o crescente envolvimento da comunidade científica nestas matérias,
temos apenas conhecimento de um único trabalho realizado em que são tidos em conta os
condicionalismos abióticos da dinâmica e acção da fauna entomológica necrófaga in situ (Prado
e Castro, 2005) no âmbito da Medicina Forense (pela natureza do animal utilizado no trabalho
experimental - Sus scrofa Linnaeus, 1758).
O Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), constitui uma Área Protegida, dotada de
condicionalismos ecológicos muito diversificados, o que lhe confere uma enorme riqueza
faunística, cuja preservação, face aos precários equilíbrios ambientais hoje em dia prevalecentes,
impõe a conjugação de todo o repositório científico actualmente disponível. Como afirma
Southwood (1978), no prefácio à primeira edição do seu livro “Ecological Methods”, “It is, in fact,
true to say that the ecologist may have need of recourse to almost all of the methods of the
biologist and many of those of the physical scientist”. Seria, pois, inconsequente ignorar as
potencialidades, já demonstradas, da EF na salvaguarda, cientificamente informada, dos recursos
faunísticos naturais.
Face ao referido, antes de explicitar os objectivos que nortearam a actividade
experimental, julgam-se ser úteis algumas considerações “sobre a entomologia forense” e
“sobre o Parque Natural da Serra da Estrela”.
1.1 Sobre a Entomologia Forense
A designação de Entomologia Forense refere-se ao estudo dos insectos na perspectiva da
sua capacidade de informação no que diz respeito a provas do âmbito judicial.
No entanto, o âmbito e o objectivo da EF têm vindo poderá transcender o estrito sentido
etimológico que lhe está implícito, como resultado da evolução dos meios científicos, hoje em
Introdução
2
dia postos à disposição desta disciplina, podendo constituir uma ferramenta relevante para a
vigilância e controlo do equilíbrio ecológico dos ecossistemas naturais.
1.1.1. Origem da entomologia forense
Como primeiro exemplo no âmbito da aplicação da EF, é recorrentemente referido o
episódio relatado por Sung Tz’u (aliás, Song Ci) em 1235, numa extensa obra com o título – na
tradução de McKnight (1981) – “Washing away of wrongs”, onde a descoberta de um homicídio,
perpetrado por golpes de foice, por um dos ceifeiros a trabalhar num arrozal, é conseguida pela
confissão, após identificação da arma do crime, viabilizada pela atracção preferencial da mesma
por parte de moscas, quando as foices dos diferentes ceifeiros foram expostas ao ar livre. Não
estando implícito, neste relato, um conhecimento sistematizado do estudo dos insectos que
avalize a utilização do termo “entomologia” é, no entanto, indubitável o conhecimento do
comportamento de certos dípteros face à presença, mesmo que vestigial, de sangue. Por outro
lado, se é verdade que a forma inteligente da identificação da arma do crime levou à confissão
do seu autor, trata-se na verdade de um contexto policial, sendo duvidoso (pelo menos em
termos jurídicos nas sociedades democráticas contemporâneas) o seu contexto forense.
Em 1668, o naturalista Redi (referido por Mégnin, 1894) demonstra, de forma irrefutável,
que os vermes que se desenvolvem nos cadáveres são provenientes dos ovos das moscas,
desferindo deste modo uma machadada decisiva na teoria da geração espontânea, até então
prevalecente. Deste modo foi-se abrindo caminho para a EF, como ciência aplicada que,
posteriormente, se viria a diferenciar, no âmbito da medicina legal. No entanto, segundo
Yovanovitch (1888), é apenas em 1831 que se regista a sugestão, feita por Orfila no seu “Traité
des exhumations juridiques”, da entomologia poder desempenhar uma função útil em medicina
legal, sendo atribuído a Bergeret d’Arbois, em 1848 (Mégnin, 1894) o primeiro caso jurídico em
que o testemunho entomológico foi decisivo.
O estabelecimento de uma metodologia capaz de conferir valor jurídico a esta disciplina,
cuja vocação se orienta, de início, exclusivamente para o esclarecimento de casos de homicídio,
é resultado da evolução dos estudos na área da entomologia.
O impulso proporcionado pelos avanços na área da sistemática, a que Lineu não é alheio,
é posteriormente complementado pelos estudos na área da morfologia e da genética, os quais,
servidos por um acervo de ferramentas científicas cada vez mais evoluídas – tais como a
microscopia óptica e electrónica (Sukontason et al., 2005, 2006a e 2006b), a electroforese, a
identificação através de DNA nuclear (Malgorn & Coquoz, 1999; He et al., 2007; Wells &
Sperling, 2001; Wells & Stevens, 2008) e mitocondrial (Benecke, 1998; Wallman & Donnellan,
2001; DiZinno et al., 2002; Harvey et al., 2003; Ames et al., 2006; Harvey et al., 2008), vêm
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
3
permitir uma identificação mais precisa das espécies entomológicas (e não só) envolvidas e,
com isso, uma inferência mais rigorosa dos dados em análise.
Se é verdade que a EF se assume como uma área científica de pleno direito em meados
do século XIX, é apenas a partir de meados do século XX que o reconhecimento da relevância
desta disciplina, no foro jurídico, se torna generalizado, passando a fazer parte da rotina das
investigações forenses nos países mais avançados nesta matéria.
Como refere Benecke (2001a), após um novo folgo que lhe é proporcionado, inicialmente
na Bélgica – com os estudos de Leclercq (1949) – e na Finlândia – em particular com os
trabalhos de Nuorteva (referido por Goff, 2001) – a EF atinge a plena maturidade no final do
século passado com os trabalhos de investigação desenvolvidos em diversos países, tais como
os EUA, a Rússia, o Canadá, a França, o Japão e, ainda a Inglaterra e a Índia. Este autor propõe
ainda o reconhecimento de Reinhart e Hofmann, da Alemanha, como cofundadores desta
disciplina.
1.1.2 Âmbito da entomologia forense
Como já se reconhece nos trabalhos de Mégnin (e.g. Mégnin, 1894) no âmbito da EF, para
além dos insectos, são abrangidos outros artrópodes (em particular os ácaros), nele se incluindo,
actualmente, uma diversidade faunística (não só de necrófagos obrigatórios, mas também das
espécies que, por parasitismo ou oportunismo, lhe estão associadas) a que apenas os cordados
parecem poder eximir-se.
Quanto à sua finalidade, já desde o início deste Século, Benecke (2001) afirmava que
“Judges, in numerous countries, finally decided that forensic entomology was suitable for use in
cases ranging from tricky high profile murders to wildlife violations”; novas perspectivas, no
entanto, se vão actualmente evidenciando, inclusivamente no foro do ambiente.
Os estudos no âmbito da EF são, geralmente, realizados em cadáveres de porco
doméstico (Sus scrofa) por ser muito similar ao cadáver humano no que diz respeito à anatomia
interna, distribuição de gordura, tamanho da cavidade peitoral e falta de pelagem espessa. Com
este tipo de material experimental, tal como com cadáveres de seres humanos, verifica-se que
os primeiros insectos na SF pertencem geralmente à ordem Diptera, podendo manifestar-se
outros taxa, mais ou menos diversos, segundo padrões sequenciais diferenciados em função
dos seus hábitos alimentares e de acordo com os condicionalismos geográficos ou
edafoclimáticos prevalecentes.
Na sua maioria necrófagos, entre os artrópodes de interesse na EF encontram-se, no
entanto, espécies dotadas de outros hábitos alimentares, tais como as predadoras, as omnívoras
e as acidentais (Wolff et al., 2001).
Introdução
4
Dentro da enorme diversidade da fauna artrópode que mais frequentemente é referida
pelo seu interesse para a EF, é, sem dúvida, na ordem Diptera que se situa a maioria das
espécies, tendo sido as moscas as testemunhas circunstanciais do que é frequentemente
reconhecido como o primeiro caso de EF (McKnight, 1981).
Como afirma Goff (2001) “the flies are usually the only uniformly reliable indicators of the
minimum postmortem interval”, acrescentando, que a actividade de outros insectos pode
reforçar uma estimativa baseada na actividade das moscas, mas não pode, só por si, indicar de
forma segura o IPM. Arnott & Turner (2008) corroboram esta ilacção ao afirmar: “Using the rate
of development of blowflies colonising a corpse, accumulated degree hours (ADH), or days (ADD),
is an established method used by forensic entomologists to estimate the post-mortem interval”.
Para além disso, os restos de material entomológico (exoesqueletos e invólucros pupais) podem
permanecer nos cadáveres muito para além da decomposição total dos tecidos moles (Bourel et
al., 2001a e 2001b; Archer & Elgar, 2003), permitindo informações relevantes para a
investigação.
Dentro da ordem Diptera, estão inseridas as famílias mais relevantes para a EF (Goff, 2001;
Gennard, 2007) por nelas se incluírem as espécies pioneiras na SF (pela sua maior apetência por
estados caracterizados por um maior teor de humidade), destacando-se, pela sua ubiquidade e
preponderância, as seguintes: Calliphoridae, onde se incluem as “moscas varejeiras”;
Sarcophagidae, compreendendo as espécies vulgarmente conhecidas por “moscas da carne” e;
Muscidae, da qual fazem parte as moscas domésticas. Ainda na ordem Diptera, mas
normalmente de ocorrência mais tardia na SF, destaca-se a família Piophilidae, onde se inclui a
“mosca do queijo” e mais posterior ainda; a Sepsidae, ou “mosca necrófaga negra”. Algumas das
espécies de dípteros mais relevantes, (algumas referidas por Gennard, 2007) para a região
Holárctica, em particular a Europa, ilustram-se na figura 1.1.
A ordem Coleoptera, normalmente ocorrendo em fase mais avançada do processo de
decomposição dos cadáveres, comporta algumas famílias particularmente relevantes na
confirmação das conclusões evidenciadas pela SF dos dípteros que, em grande parte, a
antecede. A sua preferência por estados de decomposição caracterizados por um mais baixo
teor de humidade, justifica a sua ocorrência mais tardia no processo de decomposição dos
cadáveres (Mégnin, 1984; Watson, 2003; Arnaldos et al., 2004; Martinez et al., 2007; Sharnowsky
et al., 2008; Wang et al., 2008; Eberhrdt et al., 2008).
Dentro da ordem Lepidoptera, existem traças que podem, em condições de teores de
humidade muito baixos, substituir os coleópteros, nas últimas fases da decomposição dos
cadáveres ou alimentar-se, na fase larvar, dos pêlos dos mamíferos, sendo os derradeiros
necrófagos a contribuir para a decomposição dos cadáveres (Goff, 2001).
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
5
Calliphoridae
Calliphora vicina
Calliphoridae
Calliphora vomitoria
Calliphoridae
Lucilia ilustris.
Calliphoridae
Lucilia sericata
Calliphoridae
Lucilia caesar
Calliphoridae
Chrysomya albiceps
Calliphoridae
Pollenia vagabunda
Fannidae
Fannia cunicularis
Muscidae
Phaonia subventa
Muscidae
Musca domestica
Muscidae
Musca autumnalis
Piophilidae
Piophila casei
Phoridae
Phalacrotophora sp.
Sarcophagidae
Sarcophaga sp.
Sepsidae
Sepsis punctum
Sphaeroceridae
Copromyza equina
Autores: Valter Jacinto; Rui Andrade e Brian
Figura 1.1. – Exemplares de algumas das famílias mais frequentemente referidas em estudos de
Entomologia Forense.
Na ordem Hymenoptera, se bem que existam exemplos de necrofagia, é particularmente
como predadores de outros insectos que povoam os cadáveres que as espécies nela incluídas se
distinguem, causando, por vezes, problemas na análise entomológica para a determinação do
IPM. As vespas, em particular as da família Vespidae, são predadores activos da generalidade
dos insectos, podendo causar atrasos consideráveis no processo de decomposição. Mas é, no
entanto, na família Formicidae que se encontram os predadores mais devastadores da fauna
necrófaga, em particular pela sua ubiquidade e capacidade de estabelecer, rapidamente,
numerosas colónias ecologicamente dominantes (Goff, 2001; Kimberly et al., 2001; Wang et al.,
2008).
Introdução
6
1.1.3. Finalidade da entomologia forense
O conhecimento resultante do estudo dos insectos associados a cadáveres (no âmbito da
generalidade dos aspectos relacionados com a sua biologia) pode ajudar a determinar uma
série de circunstâncias de importância decisiva para a investigação criminal, em particular o IPM
(Kashyap & Pillay, 1989; Malgorn & Coquoz, 1999; Turner & Wiltshire, 1999; Amendt et al., 2000;
Byrd & Allen, 2001; Campobasso et al., 2001; Marchenko, 2001; Musvasva et al., 2001; Stærkeby,
2001; Grassberger & Reiter, 2002; Gomes & Von Zuben, 2005; Clark & Wall, 2006; Gaudry et al.,
2006; Ireland & Turner, 2006; Hall & Amendt, 2007; Martinez et al., 2007; Zhu et al., 2007),
tendo-se desde início afirmado, por este facto, como uma disciplina – no âmbito da medicina
legal – vocacionada para a resolução de homicídios. No entanto, para além, do IPM, a EF pode
proporcionar respostas, igualmente decisivas, em outros aspectos da investigação criminal, tais
como, a título de exemplo: sobre deslocações do cadáver e identificação do local onde o crime
realmente ocorreu (Campobasso & Introna, 2001); sobre a eventualidade de ter havido violação,
pela identificação do perfil dos Short Tandem Repeats (STR) do cromossoma Y (Clery, 2001) ou;
sobre a detecção de drogas e outros produtos tóxicos em tecidos em decomposição (Introna et
al., 2001).
O seu objectivo inicial, na resolução de casos de homicídio, tem vindo, no entanto,
progressivamente a ampliar-se a outras áreas do âmbito judicial, reconhecendo-se hoje em dia,
de um modo geral, três áreas diferenciadas da EF, designadamente:
(i)
A “EF médico-legal”, que se refere à evidência que pode ser revelada pelos insectos em
situações de homicídio, suicídio, violação sexual, abuso físico e contrabando (Catts &
Goff, 1992). Neste âmbito incluem-se os casos de negligência, ou abuso físico, no
tratamento de crianças (Benecke & Lessig, 2001) e idosos (Benecke et al., 2004) indiciados
pela evidência de miíase (Patton, 1922), que James (in Gennard, 2007) define como a
invasão dos tecidos vivos do ser humano ou dos animais, por larvas de dípteros.
(ii)
A “EF urbana”, referente aos litígios resultantes da infestação de espaços habitacionais ou
de lazer. Teria cabimento nesta área o caso, diversas vezes referido na bibliografia sobre
ET, referente a uma disputa sobre a limpeza de gabinetes governamentais, resolvido, de
forma exemplar, por Nuorteva (in Goff, 2001, entre outros).
(iii)
A “EF dos produtos armazenados”, frequentemente evocada em caso de litígios sobre
infestação ou simples contaminação, por insectos – em particular os gorgulhos
(coleópteros) e as traças (lepidópteros) – de produtos alimentares, comercialmente
distribuídos.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
7
(iv)
A “Entomotoxicologia” é a disciplina relacionada com a análise de toxinas em insectos
(também aqui se extrapolando o conceito aos artrópodes) que se alimentam de
cadáveres. Usando o invólucro pupal e adultos dissecados de Lucilia sericata, Bourel et al.
2001b mostram como este material permite a detecção de morfina no pó da cutícula de
insectos criados em carne com 100 a 1000 mg/kg. Musvasva et al. (2001) refere que esta
disciplina pode ainda informar sobre a determinação do IPM, pela sua influência na taxa
de crescimento das larvas.
(v)
Mais recentemente, Anderson (1999) refere a “Wildlife forensic entomology” (que
julgamos apropriado traduzir, de forma não totalmente literal, por “EF da fauna
selvagem”), num trabalho em que relata o caso da morte ilegal de dois jovens ursos
pretos. Nesta área assume particular relevância a vigilância e salvaguarda de eventuais
casos de negligência, ou abuso físico, para com os animais selvagens em cativeiro (para
efeitos didácticos ou tratamento e recuperação) indiciados pela evidência de miíase.
No enquadramento desta última área, no entanto, o conhecimento da biologia de
insectos necrófagos tem-se revelado útil, não só na perspectiva dos conhecimentos
desenvolvidos no âmbito da EF médico-legal, mas também no âmbito da entomotoxicologia,
como no caso da investigação da aplicação não controlada de herbicidas e pesticidas ou da
utilização intencional de venenos e, também, no controlo de contaminação química não
intencional, assumindo-se, deste modo, os insectos necrófagos como bioindicadores ambientais
de maior relevância.
1.2. O Parque Natural da Serra da Estrela
O Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) é uma “Área Protegida” inserida na “Rede
Nacional de Áreas Protegidas” sob administração do Instituto da Conservação da Natureza e
Biodiversidade (ICNB), tutelado pelo Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e
Desenvolvimento Regional e está coberto pelo Sítio Rede Natura 2000 Serra da Estrela –
PTCON0014.
1.2.1. Caracterização geoclimática
Enquadrado nas unidades biogeográficas “Reino Holárctico, Região Mediterrânica, SubRegião Mediterrânica Ocidental, Super-província Mediterrânica Ibero-Atlântica, Província
Carpetano-Ibérico-Leonesa, sector Estrelense” (Costa et al., 1998) e com uma área de 89.164 ha,
o PNSE abrange toda a zona da Serra da Estrela, distribuindo-se por seis concelhos e 79
freguesias, designadamente a totalidade do concelho de Manteigas e parte dos concelhos de
Celorico da Beira, Guarda, Covilhã, Seia e Gouveia.
Introdução
8
A Serra da Estrela – desenvolvendo-se de Sudoeste para Nordeste, numa extensão de
cerca de 115km, com uma largura média de 25km e localizando-se na região centro de
Portugal, onde se assume como o sistema montanhoso mais marcante da orografia do território
continental nacional – constitui um maciço predominantemente granítico com alguns
afloramentos xistosos. Entre a Serra da Peña de Francia (em Espanha) e a Serra do Açor (em
Portugal) e subindo até uma altitude máxima de 1993m (a mais alta de Portugal Continental), a
Serra da Estrela integra-se na parte ocidental da Cordilheira Central Ibérica.
As unidades geológicas predominantes na região são constituídas, essencialmente, pelas
rochas graníticas de idade Varisca e as rochas metassedimentares de idade PrecâmbricaCâmbrica atravessadas, nas regiões mais baixas, por depósitos aluvionares e glaciários do
Quaternário. A mega estrutura regional designada por “zona de falha de Bragança-VilariçaManteigas”, é particularmente relevante na tectónica da área da Serra, correspondendo, como
assinalam Afonso et al. (2006), “a um deslizamento de movimento esquerdo que constitui uma
das mais importantes estruturas crustais do sistema tardi-Varisco e fracturas do Noroeste da
Ibéria”.
De entre as condicionantes macroclimáticas que afectam a Serra da Estrela destaca-se o
sistema Temperado, que actua de Norte para Sul, e o Sub-Mediterrânico, que actua de Sudeste
para Noroeste. A somar-se a estas condicionantes, a influência oceânica (exercida de Oeste para
Leste) faz com que esta seja a serra do sistema Central-Ibérico que apresenta o carácter
atlântico mais bem definido (Costa et al, 1998), situando-se a 100km do oceano. Por outro lado,
as influências continentais (que aqui se exercem de Leste para Oeste) acentuam o carácter SubMediterrânico, muito embora de uma forma mais atenuada que nas restantes regiões a Leste.
Como resultado destes factores, de acordo com Daveau, Vieira e Mora (in Afonso et al.,
2006), o clima da Serra da Estrela apresenta características mediterrânicas (com Verões quentes
e secos e Invernos chuvosos). Segundo o relatório do plano de ordenamento para o PNSE
(POPNSE) de Agosto do corrente ano (ICN, 2008), a estação húmida desenvolve-se desde
Outubro até Maio, tendo sido registados os valores mais elevados de precipitação, entre os
meses de Novembro e Março.
A precipitação média anual, fundamentalmente condicionada pela altitude e exposição,
varia, sensivelmente, entre os 900mm (como por exemplo no Vale do Mondego) e 2000mm,
sendo superior a este último valor na maior parte dos planaltos superiores e chegando a
ultrapassar os 2500mm nas imediações da Torre. Por força da orientação do relevo em relação à
deslocação normal da atmosfera, a zona ocidental do maciço, exposta aos fluxos dominantes
das massas de ar marítimo, apresenta um maior número de dias com precipitação do que a
zona oriental, muito embora o valor médio anual da precipitação seja ligeiramente inferior.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
9
Em relação ao regime térmico, a altitude e grande massa do maciço Central, condicionam
o gradiente vertical de temperatura por força da condensação nas massas de ar húmido de
origem oceânica. Também, segundo os dados do relatório do POPNSE, as temperaturas médias
nunca descem abaixo dos 0ºC, e os meses mais frios são os de Dezembro, Janeiro e Fevereiro.
Em Janeiro e Fevereiro foram registados os valores médios e absolutos mais baixos (valor
mínimo registado -16ºC em Fevereiro, nas Penhas da Saúde). Os meses mais quentes são os de
Julho e Agosto, sendo a temperatura média de 20ºC, podendo as temperaturas absolutas
ultrapassar os 30ºC.
1.2.2. Caracterização ecológica
Tradicionalmente, a demarcação dos domínios ecológicos no PNSE é feita, de uma forma
muito esquemática, em função da altitude, definindo-se três andares, nomeadamente: (i) o
“Basal”, que sobe até aos 900m e que é caracterizado por clima mesomediterrânico, um
domínio da série sub-húmida do azinhal do Pyro bourgeanae – Quercetum rotundifoliae, pelo
sobreiral mesomediterrânicos sub-húmidos a húmidos do Sanguisorbo agrimonioidis Quercetum suberis e pelo carvalhal-negral húmido do Arbuto unedonis - Quercetum pyrenaicae,
sendo uma zona de aproveitamento cultural intenso; (ii) o “Médio” que se situa entre as
altitudes dos 900m e os 1300m - de acordo com Pena & Cabral (1989) - ou entre os 900m e os
1600m – tal como definido na Rede Natura 2000 e de acordo com o POPNSE – e se caracteriza
por um clima supramediterrânico e por diversos matos, sendo dominado pelo carvalhal-negral
húmido do Holco mollis - Quercetum pyrenaicae (a parte superior do andar intermédio, cerca
dos 1200m, corresponde a uma zona de transição onde começa a dominar o Bidoal da Saxifrago
spathularidis – Betuletum celtibericae) e, mais acima; (iii) o “Superior”, que vai dos 1300m aos
1993m, caracterizado por um clima oromediterrânico, onde predomina o zimbral climácico
endémico da Lycopodio clavati – Juniperetum nani.
Na sua complexidade orográfica, onde domina o Planalto Central, coexistem diversos
tipos de outras paisagens, tais como as cristas, os planaltos a menor altitude, as encostas, os
vales glaciares e os vales mais recentes com cursos de água de maior ou menor permanência. O
tipo de relevo, a exposição, o substrato geológico e as características edáficas são os factores
primordiais de uma enorme variedade de condições ambientais específicas, traduzindo-se numa
grande diversidade de unidades ecológicas e, por consequência, numa grande diversidade
específica. A abundância da água do degelo alimenta uma rede hidrográfica onde se destacam
o Mondego, o Zêzere, o Alva e o Seia, diferenciando-se uma variedade assinalável de condições
ambientais, que se traduz na riqueza da sua flora e fauna selvagens.
Introdução
10
O PNSE constitui o local mais representativo do País para espécies da flora e comunidades
vegetais associadas a elevadas altitudes, proporcionando ambientes privilegiados para a
conservação dos recursos genéticos de algumas espécies raras e endémicas.
São, no entanto, cada vez mais evidentes as consequências da penetração da revolução
industrial (assaz modesta), do progressivo abandono dos sistemas agrícolas tradicionais (este,
sim, bem marcado), da ausência de uma política cinegética consentânea com as
sustentabilidade das suas potencialidades reais (e na falta de cumprimento das insuficientes
medidas legais existentes), do progressivo avanço de espécies arbóreas e arbustivas exóticas
(em particular as invasoras como, por exemplo, as acácias) e do flagelo dos incêndios.
As vítimas imediatas destes factores de erosão da diversidade genética são os pequenos
vertebrados (como os anfíbios, as pequenas aves e os herbívoros e outros roedores de pequeno
porte) com a consequente depauperação faunística a montante da cadeia alimentar.
Neste contexto, assumem particular relevância as espécies de maior interesse cinegético,
como o coelho-bravo e a lebre ibérica. O javali, até há pouco tempo considerado extinto, voltou
a aparecer nestas paragens, como resultado do galopante desaparecimento do lobo-ibérico
(quadro 1.I.).
Quadro 1.I. – Espécies de maior interesse cinegético e aves de pequeno porte, no PNSE.
Nome vernáculo
Designação científica
Categorias da União para a
Conservação*
Coelho-bravo
Oryctolagus cuniculus (Linnaeus, 1758)
NT
Lebre ibérica
Lepus granatensis Rosenhauer, 1856
LC
Javali
Sus scrofa Linnaeus, 1758
LC
Tordo-pinto
Turdus philomelos CL Brehm, 1831
NT
Pombo-torcaz
Columba palumbus Linnaeus, 1758
LC
Perdiz-cinzenta
Perdix perdix (Linnaeus, 1758)
RE
Codorniz
Coturnix coturnix (Linnaeus, 1758)).
LC
Gralha-de-bicoPyrrhocorax pyrrhocorax (Linnaeus,
EN
vermelho
1758)
Corvo
Corvus corax Linnaeus, 1758
NT
Alvéola-branca
Motacilla alba Linnaeus, 1758
LC
Ferreirinha-alpina
Prunella collaris Scopoli, 1769
NT
Poupa
Upupa epops Linnaeus, 1758
LC
* Versão 3.1 (IUCN 2001, 2003): Cabral et al. (2005).
LC – Pouco Preocupante; NT – Quase Ameaçado; VU – Vulnerável; EN – Em Perigo;
CR – Criticamente em Perigo; DD – Informação insuficiente e RE – Regionalmente Extinto.
Ainda a jusante da cadeia alimentar, vêm somar-se as aves como o grupo faunístico mais
representativo, com 151 espécies (17 ordens, representando 77% de todas as ordens da
avifauna portuguesa), sendo a ordem mais numerosa a Passeriformes que inclui espécies como
a gralha-de-bico-vermelho, o corvo, o tordo-pinto, a alvéola-branca e a ferreirinha-alpina. São
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
11
também exemplo da avifauna de pequeno porte da Serra da Estrela espécies como a poupa,
pertencente à ordem Coraciiformes, o pombo-torcaz, da ordem Columbiformes, e as galiformes,
perdiz-cinzenta e codorniz. Segundo o relatório do POPNSE, 91 espécies são nidificantes, 16 são
invernantes e 17 usam a serra como local de passagem.
No que se refere aos predadores, as consequências da degradação ambiental são ainda
mais óbvias, atingindo, indiscriminadamente, mamíferos e aves.
Entre os mamíferos que ainda podem ser vistos destaca-se o gato-bravo, o morcego-depeluche, o toirão, a doninha, a fuinha, o texugo, o sacarrabos, a lontra, a raposa, a geneta e,
embora raro, o lobo (em síntese no quadro 1.II).
Na classe das aves, podem ainda ser vistas espécies dentro da ordem Falconiformes tais
como o milhafre-preto, o tartaranhão-caçador, o tartaranhão-ruivo-dos-pauis, o abutre-preto, o
abutre-do-Egipto, o grifo, águia-cobreira, o açor, o gavião, a águia-d’asa-redonda, a águia-real,
a águia-calçada, o peneireiro e a águia de Bonelli; dentro da ordem Strigiformes, o mochogalego, bufo-real, mocho-d’orelhas, a coruja-do-mato e a coruja-das-torres; dentro da ordem
Ciconiformes, a cegonha-branca e a cegonha-negra e ainda, dentro da ordem Grouiformes, o
grou (quadro 1.II.).
Igualmente em risco de perda de variabilidade genética encontra-se uma ampla
diversidade de répteis e anfíbios, tais como a lagartixa-do-mato-ibérica, a lagartixa-damontanha, salamandra-lusitânica, rã-de-focinho-pontiagudo, a cobra-lisa-europeia (quadro
1.III.).
No capítulo dos invertebrados, a fauna registada é uma das mais ricas do país, cabendo
aos insectos a maior representação, em particular aos coleópteros (cerca de 800 espécies já
inventariadas), seguidos dos lepidópteros (com aproximadamente 550 espécies) e dos
himenópteros (com mais de 260 espécies). Nas restantes ordens de insectos (com cerca de 400
espécies reconhecidas) incluem-se os dípteros, os hemípteros, os ortópteros, os odonatos e os
dermápteros. Aos aracnídeos (com mais de 100 espécies) e miriápodes (com cerca de 20
espécies) soma-se, ainda, um número reduzido de outros artrópodes (Grosso, 2003).
Cabe pois, assim, a organismos oficiais como o ICNB a tutela dos recursos naturais do
PNSE, tendo para o efeito, como unidade operacional na Serra da Estrela, o Centro de Ecologia,
Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens” (CERVAS). Em simbiose, organismos como o
“Centro de interpretação da Serra da Estrela” (CISE), pertencente ao município de Seia, e outras
organizações não governamentais (ONG), tal como a associação “ALDEIA”, têm vindo a
desempenhar um papel de relevo na sensibilização relativamente a questões ligadas ao
património ambiental da Serra da Estrela, através da promoção de actividades no âmbito da
Introdução
12
educação ambiental, interpretação da natureza, turismo da natureza e da preservação da cultura
e tradições que sobrevivem nos meios rurais.
Quadro 1.II. – Mamíferos e aves de hábito alimentar predador e necrófago, do PNSE.
Nome vernáculo
Designação científica
Categorias da União para a
Conservação*
Gato-bravo
Felis silvestris Schreber, 1775
VU
Morcego-de-peluche
Miniopterus schreibersi (Kuhl, 1817)
VU
Toirão
Mustela putorius Linnaeus, 1758
DD
Doninha
Mustela nivalis Linnaeus, 1766
LC
Fuinha
Martes foina (Erxleben, 1777),
LC
Texugo
Meles meles (Linnaeus, 1758)
LC
Sacarrabos
Herpestes ichneumon (Linnaeus, 1758)
LC
Lontra
Lutra lutra (Linnaeus, 1758)
LC
Raposa (1)
Vulpes vulpes (Linnaeus, 1758)
LC
Geneta (1)
Genetta genetta (Linnaeus, 1758)
LC
Lobo
Canis lupus signatus Cabrera, 1907
LC
Milhafre-preto
Milvus migrans (Boddaert, 1783)
LC
Tartaranhão-caçador
Circus pygargus (Linnaeus, 1758)
EN
Tartaranhão-ruivo-dosCircus aeruginosus (Linnaeus, 1758)
VU
pauis
Abutre-preto (1)
Aegypius monachus Linnaeus, 1766
CR
Abutre do Egipto
Neophron percnopterus (Linnaeus,
EN
1758)
Grifo (1)
Gyps fulvus (Hablizl, 1783)
NT
Águia-cobreira
Circaetus gallicus (Gmelin, 1788)
NT
Açor
Accipiter gentilis (Linnaeus, 1758)
VU
Gavião
Accipiter nisus (Linnaeus, 1758)
LC
Águia-d’asa-redonda (1)
Buteo buteo (Linnaeus, 1758)
LC
Águia-real
Aquila chrysaetos (Linnaeus, 1758)
EN
Águia-calçada
Hieraaetus pennatus (Gmelin, 1788)
NT
Peneireiro
Falco tinnunculus Linnaeus, 1758
LC
Águia de Bonelli
Hieraaetus fasciatus (Vieillot, 1822)
EN
Mocho-galego
Athene noctua (Scopoli, 1769)
LC
Bufo-real
Bubo bubo (Linnaeus, 1758)
NT
Mocho-d’orelhas (1)
Otus scops (Linnaeus, 1758)
DD
Coruja-do-mato (1)
Strix aluco Linnaeus, 1758
LC
Coruja-das-torres
Tyto alba Scopoli, 1769
LC
Cegonha-branca
Ciconia coconia (Linnaeus, 1758)
LC
Cegonha-negra
Ciconia nigra (Linnaeus, 1758)
VU
Grou
Grus grus (Linnaeus, 1758)
VU
* Versão 3.1 (IUCN 2001, 2003): Almeida et al. (2005).
LC – Pouco Preocupante; NT – Quase Ameaçado; VU – Vulnerável; EN – Em Perigo;
CR – Criticamente em Perigo; DD – Informação insuficiente.
(1) - Espécies com maior número de ingressos no “Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de
Animais Selvagens” (CERVAS) em 2007 (PNSE, 2007).
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
13
Quadro 1.III. – Espécies de répteis e anfíbios, registadas para o PNSE.
Nome vernáculo
Designação científica
Categorias da União para a
Conservação*
Lagartixa-do-matoPsammodromus hispanicus Fitzinger,
NT
ibérica
1826
Lagartixa-da-montanha
Lacerta monticola Boulenger, 1905
VU
Salamandra-lusitânica
Chioglossa lusitanica Bocage, 1864
VU
Rã-de-focinhoDiscoglossus
galganoi
Capula,
NT
pontiagudo
Nascetti, Lanza, Bullini & Crespo, 1985
Cobra-lisa-europeia
Coronella austriaca Laurenti, 1768
VU
* Versão 3.1 (IUCN 2001, 2003): Cabral et al. (2005).
NT – Quase Ameaçado; VU – Vulnerável.
1.3 Objectivos do presente estudo
Na sequência dos profícuos resultados, e consequente consolidação, dos estudos de
entomologia na área da Medicina Legal, em relação a cadáveres humanos ou seus simulacros
(traduzidos num real valor informativo, sobejamente demonstrado em casos concretos), tem-se
desenvolvido um interesse crescente na área da Veterinária Forense, com base no estudo da
colonização entomológica de cadáveres da fauna selvagem (e.g. Anderson, 1999). Assim, a EF da
Fauna Selvagem visa a monitorização das causas de morte das espécies protegidas (ou da fauna
espontânea em geral) de forma a permitindo, ainda, uma avaliação mais correcta da situação
das diferentes espécies e do equilíbrio ecológico em geral, viabilizando, deste modo, uma mais
perfeita gestão ambiental.
Na ausência em Portugal, e concretamente no PNSE, de informação nesta matéria, este
estudo, a par de uma sucinta abordagem da SF, pretende contribuir, numa primeira
aproximação parcelar, para o desbravar do conhecimento das diferenças mais marcantes – face
a diferentes condicionantes abióticas e bióticas – em relação aos resultados até agora
verificados na identificação da fauna de dípteros, de forma a viabilizar um delineamento mais
rigoroso e objectivo dos futuros estudos a realizar na área da “EF da fauna selvagem”
contribuindo, ao mesmo tempo, para uma melhor informação dos estudos na área da “EF
médico-legal”.
Em conformidade com o que atrás referimos, no presente trabalho, não sendo possível
ambicionar qualquer “break through” na área do estudo de insectos necrófagos aplicado à
gestão de recursos naturais, pretendemos apresentar, de forma preliminar, a diversidade de
artrópodes, com ênfase especificamente nos dípteros, que povoam os cadáveres de alguns
vertebrados (aves e mamíferos) da macrofauna autóctone da Serra da Estrela, em duas estações
sucessivas do ano (Inverno e Primavera).
Introdução
14
Face à parcimónia dos dados de que dispomos, ocorre-nos a afirmação de Krebs (1989)
de que “in some cases it is impossible to collect a sufficient amount of data, given normal
budgetary restraints”.
Muito embora restrito no espectro microclimático que condiciona os fenómenos
biológicos na globalidade da área do PNSE, o trabalho experimental assume-se, no entanto,
como pioneiro na angariação de dados que, somados à posterior experimentação in situ no
PNSE poderão consolidar o conhecimento da dinâmica da fauna entomológica local, de modo a
informar as futuras acções de experimentação, gestão, fiscalização e controlo.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
15
MATERIAL E MÉTODOS
2. MATERIAL E MÉTODOS
Na concepção do delineamento experimental de campo da presente abordagem ao
estudo preliminar da sucessão entomológica com incidência na Ordem Diptera, em diferentes
cadáveres de animais selvagens, foram ponderadas as condicionantes fundamentais (de
natureza biótica e abiótica) da diversidade e dinâmica da fauna entomológica considerada e
concebidos os dispositivos de campo que, face aos recursos disponíveis, pareceram mais
adequados.
2.1. Caracterização das condicionantes bióticas
No âmbito das condicionantes de natureza biótica, reconhecem-se como particularmente
relevantes as variáveis associadas às características individuais do cadáver, tais como:

A espécie, pelas características biológicas a ela associadas, como por exemplo, a massa
corporal e a natureza e quantidade do revestimento cutâneo;

A idade, em particular pela sua influência na massa corporal e;

As causas de morte, na medida em que estas interfiram na exposição de tecidos moles e
líquidos humorais do cadáver.
O delineamento experimental comportou, em cada local e em cada época, sempre que
possível, a utilização do cadáver de um animal adulto de uma espécie de cada uma de duas
classes (uma de um mamífero e outra de uma ave) da fauna autóctone (ou mesmo alóctone,
desde que, reconhecidamente, já bem adaptada como no caso da geneta que é uma espécie
originária da Etiópia), facultados pelo CERVAS, em função das eventuais oportunidades. No
entanto, nas duas épocas de estudo (ver subcapítulo 2.2.1) não houve disponibilidade de
cadáveres de animais selvagens suficientes, para o número de armadilhas proposto, pelo que se
optou por utilizar, também, cadáveres de animais domésticos que, pela sua afinidade
filogenética, constituem um simulacro adequado dos animais selvagens de idêntica constituição
morfológica, anatómica e fisiológica.
Dadas as referidas contingências, de entre os animais selvagens, foram usados, tal como
se pode ver, em síntese, no Quadro 2.I., os seguintes cadáveres: dois de geneta (Genetta
genetta), neste trabalho referenciados por G1 e G2, um de raposa (Vulpes vulpes), referenciado
por V, e um de águia-d’asa-redonda (Buteo buteo), referenciado por B. De entre os animais
domésticos, foram usados cadáveres de quatro pombos domésticos (Columba livia),
referenciados por C1, C2, C3, e C4, de quatro coelhos (Oryctolagus cuniculus), referenciados por
O1, O2, O3, e O4 e um de leitão (Sus scrofa), referenciado por S.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
17
Quadro 2.I. – Espécimes utilizados em cada zona (ver subcapítulo 2.2.1) e em cada época
(Inverno e Primavera).
Zona/Época/Espécime
Nome Científico
Causa de morte
Z1/I/O1
Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758)
Desconhecida
Z1/I/C1
Columba livia (Gmelin 1789)
Imolação
Z2/I/O2
Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758)
Desconhecida
Z2/I/C2
Columba livia (Gmelin 1789)
Imolação
Z3/I/G1
Genetta genetta (Linnaeus 1758)
Atropelamento
Z3/I/C3
Columba livia (Gmelin 1789)
Imolação
Z1/P/O3
Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758)
Desconhecida
Z1/P/B
Buteo buteo (Linnaeus 1758)
Tiro
Z1/P/C4
Columba livia (Gmelin 1789)
Imolação
Z2/P/S
Sus scrofa Linnaeus 1758
Desconhecida
Z2/P/G2
Genetta genetta (Linnaeus 1758)
Atropelamento
Z2/P/V
Vulpes vulpes (Linnaeus 1758)
Atropelamento
Z3/P/O4
Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758)
Desconhecida
Os espécimes conservados pelo frio (-20
º
C) foram expostos ao processo de
decomposição após a sua total descongelação; os espécimes deliberadamente sacrificados para
efeito do presente trabalho experimental foram colocados na mesma situação imediatamente
após sua imolação; os espécimes recebidos no CERVAS, para alimentação das espécies
carnívoras (em cativeiro para tratamento e recuperação) foram expostos ao processo de
decomposição num período post mortem inferior a 24 horas tendo sido transportados em sacos
selados e os espécimes que morreram já no CERVAS foram colocados na mesma situação num
período post mortem inferior a 12 horas. As condições em que se encontravam os espécimes
utilizados neste estudo foram as que se podem ver, em síntese, no Quadro 2.II..
Quadro 2.II. – Condições em que se encontravam os espécimes aquando da sua exposição aos
processos de decomposição.
Espécime
Condições no início do ensaio
Z1/I/O1 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas)
Z1/I/C1 Após imolação no CERVAS, sem derramamento de sangue
Z2/I/O2 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas)
Z2/I/C2 Após imolação no CERVAS, sem derramamento de sangue
Z3/I/G1 Fresco (período post mortem inferior a 12 horas)
Z3/I/C3 Após imolação no CERVAS sem derramamento de sangue
Z1/P/O3 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas)
Z1/P/B
Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte)
Z1/P/C4 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas)
Z2/P/S
Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte)
Z2/P/G2 Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte)
Z2/P/V
Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte)
Z3/P/O4 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas)
Material e Métodos
18
2.2. Caracterização das condicionantes abióticas
No âmbito das condicionantes de natureza abiótica, a localização e a época do ano são
consideradas como decisivas pela sua relevância na configuração das variáveis associadas às
características climáticas, que se referem à própria prevalência das espécies entomológicas, e
microclimáticas, associadas às condições necessárias para a sua interveniência, tais como:
A localização geográfica, na medida da definição climática;
A altitude e exposição ao vento e ao sol, pela relevância na definição microclimáticas e por
interferência destes factores nas condições de intervenção da fauna entomológica.
Deste modo, a oportunidade, a localização e o dispositivo experimental de campo foram
assumidos como as condicionantes abióticas mais relevantes para o objectivo do presente
estudo.
2.2.1. Oportunidade
O trabalho experimental de campo foi realizado em duas épocas distintas:
Época de Inverno (I) – no final do Inverno, com início a 12 de Fevereiro e termo a 26 de Março,
Época de Primavera (P) – no final da Primavera, com início a 22 de Maio e termo a 6 de Julho.
Apesar das datas terem sido determinadas pelos constrangimentos temporais do
trabalho, estas acabam por ser representativas de duas épocas do ano bem definidas,
contribuindo assim, para a relevância dos resultados.
2.2.2. Localização
A área de estudo localizou-se nos terrenos do CERVAS, situados numa área florestal, em
Gouveia, entre os 700m e os 750m de altitude (andar basal), numa encosta exposta a NW. Neste
espaço, tal como assinalado na figura 2.1., elegeram-se três locais diferenciados em função do
ensombramento e da exposição aos ventos, nomeadamente:
Zona 1
Referenciada por “Z1”, situa-se perto do edifício principal do CERVAS, na zona mais
baixa dos terrenos do “Centro” (altitude de 710m, latitude de 7º34’30.02’’W e
longitude de 40º30’09.81’’N). É uma zona de baixo ensombramento, moderadamente
protegida do vento, devido à proximidade de alguns pinheiros e do edifício principal
do CERVAS.
Zona 2
Referenciada por “Z2”, situa-se perto do túnel de voo (altitude 714m, latitude
7º34’27.74’’W e longitude 40º30’10.26’’N). É a zona mais exposta ao vento, tendo
apenas vegetação rasteira em volta.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
19
Zona 3
Referenciada por “Z3”, situa-se, por trás das câmaras de muda, na zona mais elevada
(altitude de 724m, latitude de 7º34’28.28’’W e longitude de 40º30’08.09’’N). Esta é
uma zona pouco exposta ao sol e ao vento, estando protegida pelas câmaras de muda
e por vegetação arbustiva e arbórea que se encontra em volta.
Z1
Z2
Z3
Figura 2.1. – Ortofotomapa da área de estudo (CERVAS) (retirada do Google Earth). Fotografias
das três zonas de amostragem (Z1, Z2 e Z3).
2.2.3. Dispositivos experimentais de campo
Os dispositivos experimentais de campo (DEC),
concebidos para o presente estudo, comportam uma
estrutura, em “Dexion”, de suporte das armadilhas para
insectos e protecção contra predadores vertebrados,
constituída por perfis metálicos, em “L” (dez, de 50cm de
comprimento, e outros dois, de 1m de comprimento)
aparafusados
de
maneira
a
formar
uma
estrutura
semelhante a uma cadeira com uma base cúbica e um
espaldar quadrado (ambos com 0,5m de lado); no cubo
de base do DEC aplicou-se uma rede metálica com
malha quadrada, de 2cm de lado e uma rede
mosquiteira (em PVC) em duas das faces do cubo (figura
Figura 2.2. – Dispositivo experimental
de
campo
(DEC),
montado na área de
estudo.
2.2.).
Material e Métodos
20
Em cada uma das zonas experimentais atrás referidas foram colocados dois DEC, servidos
por um termómetro de temperaturas máximas e mínimas.
No presente trabalho, cada DEC, com o respectivo espécime e em cada época constitui
uma unidade experimental (UEx), sendo esta referida pela associação das referências da zona,
da época e do espécime, separadas por barra. Por exemplo: Z1/I/O refere-se à UEx na Zona 1,
na época de Inverno, com o espécime “coelho”.
2.2.4. Disposição dos espécimes nos dispositivos experimentais de campo
Em cada zona (Z1 a Z3) e em cada um dos dois períodos experimentais (I e P) foram
colocados, sempre que possível, um cadáver de ave, num dos DEC e outro de mamífero, no
outro DEC de modo a minimizar a influência das variáveis aquando da comparação da
entomofauna nos diferentes cadáveres. Esta duplicidade de classes (mamífero + ave), em cada
zona, não foi no entanto efectuada nas UEx Z1/P/C4, Z3/P/O4, Z2/P/S e Z2/P/V, em virtude da
falta de disponibilidade de cadáveres de aves no início da segunda época.
Os intervalos de exposição dos espécimes utilizados em cada zona (Z1 a Z3), na época de
Inverno (I) e na época de Primavera (P) inserem-se, em síntese, no Quadro 2.III. A discrepância
do número de dias de exposição dos cadáveres deve-se ao facto de alguns destes terem sido
levados por um predador nocturno desconhecido.
Quadro 2.III. – Intervalo de exposição dos espécimes utilizados em cada zona (Z1 a Z3) no final
do Inverno (I) e no final da Primavera (P).
Unidade experimental
Intervalo de exposição
Número de dias
Observações
Z1/I/O1
15 a 19 Fevereiro
4
*
Z1/I/C1
13 Fevereiro a 17 Março
34
Z2/I/O2
15 a 21 Fevereiro
6
*
Z2/I/C2
13 a 18 Fevereiro
6
*
Z3/I/G1
13 Fevereiro a 26 Março
43
Z3/I/C3
13 Fevereiro a 20 Março
37
Z1/P/O3
22 Maio a 3 Junho
13
***
Z1/P/B
22 Maio a 6 Julho
46
Z1/P/C4
17 Junho a 6 Julho
20
Z2/P/S
22 Maio a 3 Junho
13
**
Z2/P/G2
22 Maio a 6 Julho
46
Z2/P/V
17 Junho a 6 Julho
20
Z3/P/O4
22 Maio a 3 Junho
13
*
*
Levado por predador nocturno (não substituido).
**
Levado por predador nocturno e substituído, a 17 de Junho, por uma raposa (Z2/P/V).
***
Levado por predador nocturno e substituído, a 17 de Junho, por um pombo (Z1/P/C4).
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
21
2.3. Amostragem da fauna entomológica
São inúmeros os métodos de captura de material entomológico. Nos estudos da
dinâmica dos insectos, os métodos de captura do material entomológico são da maior
relevância, em particular na área da EF onde essa importância se estende, inclusivamente, aos
métodos utilizados para matar e preservar as larvas (Day & Wallman, 2008). Estas são
primordiais na determinação do IPM, pela circunstância de que, como assinalam Adams & Hall
(2003), “tratando-se de organismos poiquilotérmicos, o ritmo de crescimento das larvas é,
essencialmente, uma função da temperatura e do tempo”.
Os métodos de colheita de insectos, no entanto, divergem consoante se trata de estudos
directamente relacionados com a investigação criminal – para os quais, entre outros, Amendt &
Hall (2007) descrevem o equipamento mais adequado – ou com estudos na área do
reconhecimento entomológico e sua dinâmica.
Como afirmam Schoenly et al. (2007) "Pitfall traps and hand collections were broadly
effective at sampling both fly and beetle populations, whereas aerial netting and sticky traps
mostly targeted flies”. Em conformidade, no presente estudo, para a amostragem da fauna
díptera, foram utilizados dois tipos de armadilha: uma do tipo pitfall (colocada dentro de cada
DEC, junto ao cadáver) e outra do tipo “Malaise” (montada sobre o DEC).
2.3.1. Armadilha do tipo pitfall
Um dos tipos de armadilhas usadas para o estudo da
comunidade entomológica foi a armadilha de queda,
vulgarmente denominada pitfall. Estas armadilhas consistem
em recipientes de material variado, enterrados no solo,
ficando o bordo ao nível da superfície. Este tipo de
armadilha
é
particularmente
vocacionado
para
a
amostragem de artrópodes com actividade à superfície do
solo (Luff, 1975; Halsall & Wratten, 1988; New, 1998), como
por exemplo, aracnídeos, alguns grupos de coleópteros,
Figura 2.3. – Pitfall montada no
dispositivo
himenópteros (Luff, 1975; De Keer & Maelfait, 1987; Romero & Jaffe, 1989; New, 1998) e
dípteros (Hutson, 1978; Mclean, 1978).
Existem diversos tipos de armadilhas de queda, variando na forma, material de construção
(Luff, 1975) e noutras características, como a acoplagem de iscos (Romero et al., 1989), barreiras
na superfície ou a utilização de líquido conservante (Greenslade & Greenslade, 1971; Waage,
1985; Desender & Maelfait, 1986; New, 1998).
Material e Métodos
22
Entre os conservantes, o etilenoglicol tem sido muito utilizado neste tipo de trabalhos
pois possui uma baixa toxicidade, é inodoro e evapora lentamente, matando rapidamente os
animais e conservando-os durante cerca de duas semanas. De forma a diminuir a tensão
superficial do líquido conservante e evitar a fuga de animais, devem ainda adicionar-se algumas
gotas de detergente.
Este tipo de armadilha pode ainda ser modificado de forma a obter informação mais
específica, como por exemplo, sobre variações dos ritmos de actividade de espécies num
determinado habitat, ciclos de vida e períodos reprodutivos (Hagvar et al., 1978) ou sobre a
movimentação geográfica (Pausch et al., 1979; De Keer & Maelfait, 1987).
Os dados obtidos na amostragem com armadilhas de queda dizem respeito ao número
relativo de indivíduos capturados mas, também podem ser usados para aferir a diversidade de
uma comunidade (Luff, 1996; Halsall & Wratten, 1988). Pelo que, os dados vão depender, não só
da densidade e respectivo nível e período de actividade (Greenslade, 1964; Luff, 1996) como
também de outras características biológicas e das características das próprias armadilhas (Luff,
1975) ou, ainda, de variáveis ambientais, como por exemplo o tipo de vegetação presente
(Greenslade, 1964). O facto de serem pouco dispendiosas, relativamente simples de utilizar e
permitirem uma apropriada recolha de indivíduos a um correcto tratamento estatístico, tornouas num dos instrumentos mais utilizados no estudo de insectos e de outros artrópodes
terrestres (Luff, 1975; Spence & Niemela, 1994; Halsall & Wratten, 1988) desde a publicação de
Barber, em 1931, (in Dormann, 2000).
Para este tipo de armadilhas, no presente trabalho utilizaram-se copos de plástico, com
15cm de altura e diâmetro de 8,7cm (figura 2.3.).
Como líquido conservante utilizou-se etilenoglicol (Schmidt et al., 2006), a que se
adicionou algumas gotas de detergente, tendo o cuidado de manter sempre cerca de 1/3 do
volume do copo, face à variação do volume total em função das condições meteorológicas
(determinando excesso em tempo de chuva e défice em tempo quente e seco).
No entanto, a comparação do uso de diferentes pitfall (isto é, recipientes de diferentes
materiais, tamanhos, etc.) e características associadas a este método, acima referidas, revelam
uma eficiência diferencial das mesmas (Thomas & Sleeper, 1977) e a sua ineficiência na
determinação da abundância (Kaufmann, 2001), impondo uma particular atenção aquando da
análise dos dados (Baars, 1979), e tornando-se imperativo o uso de outro tipo de amostragem
complementar (Spence & Niemela, 1994; Romero & Jaffe, 1989).
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
23
2.3.2. Armadilha do tipo “Malaise”
A armadilha, cujo princípio e modo de operar se baseia na intersecção de voo e no
fototropismo dos insectos, consiste basicamente numa barreira de pano que não deixe passar
os insectos, direccionando-os para um recipiente, com líquido preservante, colocado no topo da
armadilha (Campos et al., 2000).
É uma armadilha que prima pelo seu grande potencial de captura e facilidade de uso (e.g.
Ellis & Thomas, 1994 in Campos et al., 2000). O facto de ser de fácil montagem, de baixo custo e
de capturar insectos sem a necessidade da presença do operador por longos períodos, são
algumas das vantagens desta armadilha (Campos et al., 2000).
As “Malaise” têm-se revelado úteis na captura de insectos pertencentes à ordem
Hymenoptera, Diptera, Thysanoptera e de outras (Darling & Packer, 1988; Strickler & Walker,
1993; Olsen & Midtgaard, 1996; Basset & Springate, 1992; Dutra & Marinoni, 1994; Ellis &
Thomas, 1994 in Campos et al., 2000). Como afirma Mclean (1978) referindo-se a armadilhas
“Malaise”, “It is excellent for collecting flying Diptera”.
Desde o modelo inicialmente proposto
por Malaise, em 1937 (Steyskal, 1981 in Campos
et al., 2000), têm sido feitos diferentes ajustes
consoante a necessidade e objectivo do trabalho
dos investigadores. A todos esses modelos
adaptados se tem dado o nome genérico de
“Malaise”. Assim, e para simplificar, manter-se-á
a denominação de “Malaise” para a armadilha
concebida para o presente trabalho. A “Malaise”
consistiu numa rede mosquiteira em PVC,
cozida em forma de cunha, apoiada na parte
superior do espaldar do DEC e estendendo-se
Figura 2.4. – “Malaise” adaptada ao presente
trabalho, montada na área de estudo.
para além das arestas superiores do cubo basal, por forma a canalizar a saída de insectos para a
mangueira de plástico transparente que os direcciona para os frascos de captura (figura 2.4.).
As mangueiras de plástico serviram de suporte aos frascos de captura por fixação às
respectivas tampas e estão, por sua vez, fixadas à parte mais alta do espaldar do DEC (1m de
altura) de modo a que a recolha se processasse da forma o mais selectiva possível, garantindo
que os espécimes recolhidos estejam relacionados com o cadáver.
Como líquido conservante utilizou-se, também aqui, o etilenoglicol.
Material e Métodos
24
2.3.3. Recolha do material
Durante o período de decomposição dos cadáveres procedeu-se à colheita e tratamento
do material entomológico, da seguinte forma:

Semanalmente, procedeu-se à substituição dos copos das pitfall, sendo os copos com o
material entomológico recolhido, conduzidos de imediato para o laboratório, onde o seu
conteúdo, após filtração através de material de poro fino (por forma a minimizar a perda
de material entomológico), foi guardado em copos com álcool a 70º, devidamente
identificados.

A recolha do material das “Malaise” foi feita com intervalos mais curtos (de um a três dias)
tendo sido acompanhada de uma recolha directa no cadáver e no interior do DEC, isto é,
captura de insectos ainda vivos que estivessem no cadáver e/ou no interior do DEC (a
calendarização das recolhas feitas ao longo dos dois períodos experimentais encontra-se
nas tabelas A.2. dos Anexos I e II).
Para além da recolha de material entomológico procedeu-se à observação e registo dos
dados meteorológicos (temperaturas máxima e mínima) bem como, à documentação
fotográfica tida por conveniente (anexo V). Foi, também, registada a temperatura corporal dos
cadáveres aquando da recolha do material entomológico. Durante todo o trabalho de campo
tentou-se minimizar a influência da vegetação na amostragem entomológica através do corte
da vegetação em volta e dentro das armadilhas.
2.4. Triagem e identificação do material entomológico
Durante o período de actividade de campo, procedeu-se a uma triagem parcial dos
imagos, no laboratório do CERVAS, com o apoio de um microscópio estereoscópico (ocular de
10x e objectiva até 4x).
Durante os meses de Abril, Julho e parte de Agosto, de 2008 completou-se o trabalho de
triagem no laboratório de entomologia do Departamento de Biologia Animal da FCUL,
procedendo-se à identificação das famílias de dípteros utilizando-se as chaves de identificação
de diversos autores (Unwin, 1981; de Baez, 1988; de Chinery, 1993; de Triplehorn & Johnson,
2005 e de Oosterrbroek, 2006).
2.5. Análise dos resultados
A abordagem à análise dos resultados, face ao elevado enviesamento dos dados
experimentais determinado pelo precário sistema de defesa do dispositivo experimental contra
a acção perturbadora dos predadores, comportou uma análise exploratória. Deste modo, este
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
25
estudo preliminar baseou-se na análise de correspondência para a totalidade dos dados
experimentais, recorrendo ao programa CANOCO for Windows versão 4.5 (ter Braak & Smilauer,
2002).
Informados pelos indícios manifestados no diagrama de ordenação da análise acima
citada, procedemos a uma apreciação de pormenor, para os diferentes parâmetros em estudo,
com base na representação diagramática após eliminação das situações de enviesamento dos
dados.
Material e Métodos
26
RESULTADOS E DISCUSSÃO
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A totalidade dos dados resultantes do trabalho de campo e de laboratório está inserida
nos anexos I, II, II e IV.
3.1. Condicionalismo climático
Dada a relevância das condicionantes climáticas na natureza e sequência das espécies de
dípteros que participam na decomposição de cadáveres, em ambiente natural, antecedemos a
apresentação dos resultados referentes às restantes condicionantes do processo de
decomposição dos cadáveres, de uma apreciação sumária dos dados climáticos a que o material
experimental esteve sujeito.
As temperaturas, máxima e mínima, a 1m do solo, por nós registadas em cada zona, para
as épocas de Inverno e de Primavera estão incluídas nas tabelas A.1., respectivamente dos
anexos I e II.
No gráfico da figura 3.1., comparam-se: (i) no gráfico de barras a precipitação total, para
os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Nelas (como referência para Gouveia) e para os
meses de Maio a Julho de 2004, em Coimbra, e a precipitação total média, nos meses de
Fevereiro a Julho, para os anos de 1971 a 2000, em Nelas; (ii) no gráfico de pontos, a média das
temperaturas médias diárias, para os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Gouveia, e para os
meses de Maio a Julho de 2004, em Coimbra, e a média das temperaturas médias diárias, nos
meses de Fevereiro a Julho, registada no período de 1971 a 2000 em Nelas. A opção pela
referência de Nelas (outras alternativas seriam Guarda e Penhas Douradas) justifica-se na maior
proximidade (na distância e/ou na altitude) e similitude relativamente aos dados registados no
CERVAS (Gouveia).
Em comparação com a média para o último trinténio, o quadro climático descrito nestes
gráficos, para a região de Gouveia, prefigura um Inverno e um Primavera quentes e secos, com
possível interferência nas épocas de retorno à plena actividade biológica das espécies dotadas
de latência invernal Isto é compatível com o acelerar do processo de decomposição dos
cadáveres, quer pelo incremento da actividade das espécies entomológicas termófilas, quer pelo
acelerar do processo de desidratação dos cadáveres, com a consequente aceleração do
processo de sucessão entomológica e, em particular, a rápida alteração da prevalência e
composição da fauna díptera (Goff, 2001).
Em qualquer das épocas do ano, como é bem evidente nesta última figura (figura 3.1.), a
temperatura foi sempre mais elevada no presente ano (2008), em comparação com o trinténio
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
27
de referência (1967 a 2000), o que, não sendo suficiente para o demonstrar, está pelo menos em
sintonia com o aquecimento global que se verifica actualmente no nosso planeta.
120
25
20
80
15
60
10
40
Temperatura (ºC)
Percipitação (mm)
100
5
20
0
0
Fevereiro
Março
Maio
Junho
Julho
Percipitação total média 1971-2000 (Nelas)
Percipitação total 2004 (Coimbra)
Percipitação total 2008 (Nelas)
Temperatura média diária 1971-2000 (Nelas)
Temperatura média diária 2004 (Coimbra)
Temperatura média diária 2008 (Gouveia)
Figura 3.1. – Precipitação e Temperatura.
Precipitação total para os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Nelas (como
referência para Gouveia) e para os meses de Maio a Julho de 2004, em Coimbra e a
precipitação total média, nos meses de Fevereiro a Julho, para os anos de 1971 a
2000 em Nelas; no gráfico de pontos, a média das temperaturas médias diárias para
os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Gouveia e para os meses de Maio a
Julho de 2004, em Coimbra, e a média das temperaturas médias diárias, nos meses
de Fevereiro a Julho, registada no período de 1971 a 2000, em Nelas.
De facto, na presente comparação, o valor médio das médias das temperaturas médias
diárias verificado em Maio para o último trinténio (15ºC) foi, no presente ano (2008), apenas
ligeiramente superior ao valor médio das médias diárias em Fevereiro (14ºC) e em Março (13ºC).
Um desvio, em relação à média do último trinténio, do nível verificado para as
temperaturas médias diárias (em média de +3,5ºC, na época de Inverno e de +1,7ºC, na de
Primavera) pode justificar uma alteração assinalável da fauna Diptera com um alargamento do
período anual de ocorrência da fauna residente, acompanhado, por um lado, pela eventual
invasão de espécies alóctones (Turchetto & Vanin 2004) e, por outro, pela eventual migração
para os andares superiores, das espécies com maior afinidade ou tolerância ao frio.
3.2. Diversidade entomológica no processo de decomposição dos cadáveres
A diversidade entomológica (fazendo assim referência aos artrópodes, em geral, como já
se tornou regra em estudos de EF), reconhecida no presente estudo incluiu, entre outras, as
ordens Diptera, Coleoptera, Homoptera, Hymenoptera, Hemiptera, Thysanoptera, Dermaptera,
Plecoptera, Colembola, Psocoptera e Lepidoptera, da classe Insecta propriamente dita, para
Resultados e Discussão
28
além de outros espécimes da classe Aracnida (ordem Araneae, Acari, Opiliones e
Pseudoscorpionida), Malacostraca (ordem Isopoda), Chilopoda, e Diplopoda. É, no entanto, na
classe Insecta que se inclui a maioria dos artrópodes capturados no presente trabalho
experimental e, entre estes, as ordens Collembola e Diptera destacam-se pela sua prevalência e
ubiquidade; a primeira, por incluir os insectos inerentes a qualquer solo, não tem sido
directamente conotada com o processo de decomposição de cadáveres, sendo o seu estudo, a
um nível mais pormenorizado, preterido, no presente trabalho, a favor da segunda, essa sim,
decisiva em qualquer estudo de EF (Erzinçlioglu, 1985; Greenberg, 1991; Benecke, 2001ab ou
Gennard, 2007, entre muitos outros). Quanto à ordem Coleoptera, cuja relevância em estudos
de EF é sobejamente reconhecida (Benecke, 1998; Goff, 2001; ou Gennard, 2007, entre muitos
outros) tivemos oportunidade de reconhecer algumas famílias, tais como a Dermestidae,
Silphidae, Staphylinidae, Carabidae, Cleridae e Nitidulidae, não tendo, no entanto, sido possível
o aprofundamento visado no início do estudo da sua relação com o processo de decomposição
dos cadáveres devido aos constrangimentos experimentais já referidos.
No quadro 3.I., incluem-se as médias para cada uma das quatro situações em questão (1ª
situação – cadáver de mamífero, no Inverno; 2ª situação – cadáver de ave, no Inverno; 3ª
situação – Cadáver de mamífero, na Primavera; 4ª situação – cadáver de ave, na Primavera) de
forma a reduzir o enviesamento dos dados consequente da falta de equidade no número de
espécimes representativos de cada uma das mesmas.
O número de espécimes de dípteros presente em cada DEC permitiu identificar as
eventuais preferências relativas das diferentes famílias no processo de decomposição dos
cadáveres, não permitindo, no entanto, uma associação com a evolução do referido processo
pelo facto de não se dispor de dispositivos de contagem de entradas e de saídas dos espécimes;
de um modo geral, não obstante, foi possível constatar um ligeiro prolongamento do período
de maior ocorrência de imagos, para lá do período de maior actividade larvar (denunciado na
temperatura corporal e constatado na observação directa).
Uma análise do comportamento relativo para cada zona experimental, em função da sua
exposição ao sol e ao vento, não foi possível, face ao acentuado enviesamento dos dados,
determinado pela perda de espécimes (cadáveres em decomposição). Como se pode ver na
figura 3.2., muito embora a diferenciação das temperaturas máxima e mínima para as diferentes
zonas não tenha sido, de um modo geral, particularmente notável, no Inverno registaram-se, na
zona Z1 (linha azul), de forma bastante consistente, valores da temperatura máxima acima dos
verificados nas restantes zonas, sendo este facto levado em conta, na análise da diferença do
comportamento relativo das diferentes famílias de dípteros presentes sempre que os resultados,
para a zona Z1, da temperatura máxima no Inverno sejam considerados, assumindo-se, nas
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
29
restantes situações, que os resultados se expressaram no âmbito de um condicionalismo
climático homogéneo (tabelas A.1. dos anexos I, II e VI).
Quadro. 3.I. – Famílias de dípteros e respectivo número médio de indivíduos capturados, em
ambos os tipos de armadilha, na totalidade das colheitas, em cada situação – (Inverno,
Primavera) x (mamífero, ave).
Épocas
Classes
Inverno
Mamalia
Primavera
Ave
Mamalia
Ave
Famílias
Malaise Pitfall Total Malaise Pitfall Total Malaise Pitfall Total Malaise Pitfall Total
Anthomyiidae
17
1
18
23
23
127
11
138
97
10
107
Asilidae
1
1
1
1
Bibionidae
4
5
1
1
1
1
2
Calliphoridae
17
3
20
3
2
6
31
19
51
75
19
94
Cecidomyiidae
1
1
1
Ceratopogonidae
1
1
1
1
Chironomidae
1
1
1
Conopidae
Dolichopodidae
Empididae
1
1
Fanniidae
13
13
1
1
61
62
17
5
22
Heleomyzidae
4
4
1
1
1
1
1
1
2
Lauxaniidae
1
1
Lonchopteridae
Muscidae
27
2
29
33
33
105
4
109
151
7
158
Mycetophilidae
Phoridae
1
1
1
1
1
1
2
2
3
1
4
Psychodidae
Rhagionidae
1
1
Rhinophoridae
Sarcophagidae
5
2
7
7
1
8
Scatopsidae
2
2
5
5
1
1
Sciaridae
6
6
4
5
10
0
1
1
1
1
Simuliidae
1
1
Sphaeroceridae
4
7
11
2
7
9
14
14
2
2
3
Stratiomyiidae
Syrphidae
1
1
1
1
Tachinidae
1
1
1
1
1
1
1
1
Trixoscelididae
1
1
2
2
2
1
2
Ulidiidae
4
4
1
1
Xylomyidae
1
1
1
1
Xylophagidae
1
1
Nota: O zero corresponde a uma média inferior a 0,5 e o traço a uma ausência de capturas. Por força dos
arredondamentos, o total nem sempre corresponde à soma das médias em ambas as armadilhas.
Linhas a verde-claro correspondem às famílias não incluídas na análise das relações quantitativas.
Muito embora a zona Z2 (linha laranja) esteja mais protegida que as restantes, está
também exposta ao sol por menos tempo ao longo do dia, o que justifica as máximas mais
baixas aqui verificadas no Inverno.
Resultados e Discussão
30
Temperaturas Máximas de Inverno (ºC)
Temperaturas Mínimas de Inverno (ºC)
50
20
40
15
10
30
5
20
0
10
-5
0
-10
13-Fev
23-Fev
04-Mar
14-Mar
24-Mar
13-Fev
Temperaturas Máximas de Primavera (ºC)
23-Fev
04-Mar
14-Mar
24-Mar
Temperaturas Mínimas de Primavera (ºC)
50
20
40
15
30
10
20
5
10
0
0
22-Mai
01-Jun
11-Jun
21-Jun
01-Jul
22-Mai
01-Jun
11-Jun
21-Jun
01-Jul
Figura 3.2. – Temperaturas máxima e mínima ao longo dos períodos de Inverno e Primavera, em
cada uma das três zonas consideradas no presente estudo: Z1-azul; Z2-laranja;
Z3-verde.
3.2.1. Representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição
A preponderância das famílias Anthomyiidae, Muscidae, Calliphoridae e Fanniidae é
evidente (vide figura 3.3.), em oposição com as famílias, Cecidomyiidae, Ceratopogonidae,
Chironomidae,
Mycetophilidae,
Conopidae,
Psychodidae,
Dolichopodidae,
Rhagionidae,
Empididae,
Lauxaniidae,
Rhynophoridae,
Lonchopteridae,
Simuliidae,
Stratiomyiidae,
Syrphidae, Ulidiidae, Xylophagidae, Xylomyidae, com uma presença média de 12 ou menos
espécimes em todo o dispositivo experimental. Estes últimos, dado o carácter esporádico da sua
ocorrência, não são considerados na apreciação quantitativa do comportamento relativo das
diferentes famílias. Não querendo ou podendo, no entanto, desprezar a sua acção na sucessão
inerente à decomposição das estruturas orgânicas.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
31
Calliphoridae
18%
Fanniidae
10%
2% Sarcophagidae
Anthomyiidae
30%
1% Sciaridae
4% Sphaeroceridae
Muscidae
35%
Figura 3.3. – Gráfico de sectores de famílias.
Preponderância relativa das famílias mais relevantes (famílias para as quais se
registou uma captura média superior a 12 indivíduos) na globalidade do esquema
experimental (valores relativos ao quadro 3.I.).
Numa primeira abordagem à interpretação dos dados experimentais, por forma a aferir
quais os condicionalismos mais relevantes no processo de decomposição de cadáveres por
efeito da actuação dos dípteros, procedemos a uma análise de correspondência, para a
totalidade dos dados experimentais (agregando num único grupo as famílias aqui consideradas
como esporádicas – menos de 12 espécimes na globalidade das capturas), incluindo-se, na
figura 3.4., o respectivo diagrama de ordenação.
Face ao elevado enviesamento dos dados, o diagrama apenas reflecte uma pequena
fracção da variância total, sugerindo a sua observação, no entanto, os seguintes considerandos:
1. Em relação aos espécimes de dípteros capturados nas armadilhas é notória uma forte
agregação das famílias mais representadas na totalidade das UEx, numa possível expressão
de identidade nas preferências climáticas;
2. Em relação às épocas, a de Primavera desempenha um papel mais agregador que a de
Inverno, sendo em relação a este último que se verificam os caso mais conspícuos de
afastamento (Z1/I/O1, Z2/I/C2 e Z2/I/O2);
3. Em relação aos espécimes de cadáveres utilizados no esquema experimental, é notória a
agregação, entre si, das UEx com geneta (Z3/I/G1 e Z2/P/G2) e, por outro lado, o seu
afastamento em relação às restantes, corroborando a nossa perspectiva de uma
especificidade do processo de decomposição dos cadáveres em função da natureza da
espécie onde se incluem;
Resultados e Discussão
32
4. Em relação a esta última espécie (a geneta) a agregação da posição das UEx em que está
incluída resulta, inclusivamente, para duas épocas e zonas diferentes, numa eventual
consequência de um efeito de tamponização contra as diferenças climatéricas que a sua
abundante pelagem poderá exercer;
5. Ainda no que se refere às famílias de dípteros presentes no esquema experimental, é
interessante verificar o posicionamento central, para os espécimes da família Sciaridae, em
relação às UEx de Inverno, Z1/I/O1, Z2/I/C2 e Z1/I/C1, corroborando a possibilidade de uma
maior afinidade para o período de Inverno, revelada pelos espécimes desta família que se
Eixo 1 (32,6% ∆T)
manifestaram no presente estudo.
Eixo 2 (21,3% ∆T)
Figura 3.4. – Diagrama de ordenação para a totalidade dos dados experimentais.
Diagrama obtido através da análise de correspondência. As unidades experimentais
(Uex) estão representadas por estrelas (aves) e círculos (mamíferos) e as famílias
representadas por triângulos azuis (o triângulo com a designação “Outros” refere-se
às restantes famílias para as quais foram capturados menos de 12 espécimes na
globalidade das capturas). A variância das espécies explicada pelos eixos é dada
como uma percentagem da variância total (∆T).
Com vista ao estudo da representatividade das diferentes famílias, face às diferentes
condicionantes que, supostamente, modulam o seu efeito no processo de decomposição dos
cadáveres, julgamos pertinente, numa análise de pormenor, proceder à apreciação da
preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental (Cap. 3.2.), da
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
33
influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera (Cap. 3.2.3) e da comparação
das capturas para os diferentes tipos de armadilha (Cap. 3.2.4).
3.2.2. Preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental
Na figura 3.5. ilustra-se a relação entre o número de indivíduos capturados de cada
família (com mais de 12 indivíduos capturados na totalidade) em cada um dos dois períodos
experimentais, na globalidade do esquema experimental.
511
450
400
350
Nº de indivíduos
300
250
200
150
100
50
0
Muscidae
Calliphoridae
Anthomyiidae
Fanniidae
Inverno
Sarcophagidae
Sciaridae
Sphaeroceridae
Primavera
Figura 3.5. – Número de indivíduos amostrados de cada família (com mais de 12 indivíduos
capturados) na globalidade do esquema experimental.
Uma preferência bem marcada pelo período da Primavera é óbvia para a generalidade
das famílias representadas no gráfico da figura 3.5., com a única excepção da família Sciaridae,
para a qual se verificou uma captura superior no período de Inverno; a família Sarcophagidae,
que revelou consistentemente a sua presença no período da Primavera (embora modesta), não
esteve presente em nenhuma das capturas no período do Inverno.
Na figura 3.6. pode-se ver a evolução da representatividade das diferentes famílias, da
época de Inverno para a de Primavera, constatando-se que, com excepção da família Muscidae,
que acusou uma redução na sua proporção em relação às restantes famílias dominantes
(Calliphoridae, Anthomyiidae e Fanniidae), as quatro famílias mais representadas acentuam a
sua hegemonia sobre as restantes (tabela A.2. do anexo VI).
Resultados e Discussão
34
Anthomyiidae
23%
Muscidae 35%
Muscidae 32%
Anthomyiidae
34%
Calliphoridae
14%
Sarcophagidae 2%
Sarcophagidae 0%
Fanniidae 8%
Sciaridae 9%
Sphaeroceridae 11%
Sciaridae 0%
Calliphoridae 16%
Sphaeroceridae 3%
Fanniidae 13%
Inverno
Primavera
Figura 3.6. – Gráfico de sectores de famílias (Inverno / Primavera).
Evolução da representatividade das diferentes famílias (com mais de 12 indivíduos
capturados na totalidade do dispositivo experimental) do Inverno para a Primavera,
em cada um dos dois períodos experimentais.
3.2.3. Influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera
Quanto à natureza dos cadáveres em decomposição, no gráfico da figura 3.7. ilustra-se a
posição relativa, para cada situação experimental ((mamífero vs ave) x (Inverno vs Primavera)).
Na análise deste quadro deverá ser tomado em conta o enviesamento dos dados em função da
massa total de matéria orgânica em decomposição (traduzida no peso estimado do cadáver) e
do número de amostragens de dípteros.
300
Nº de indivíduos
250
200
150
100
50
0
Muscidae
Calliphoridae
Mamíferos - Inverno
Anthomyiidae
Aves - Inverno
Fanniidae
Sarcophagidae
Mamíferos - Primavera
Sciaridae
Sphaeroceridae
Aves - Primavera
Figura 3.7. – Número de indivíduos capturados de cada família (com mais de 12 indivíduos
capturados na totalidade) em cada um dos dois períodos experimentais, na
globalidade do esquema experimental.
De forma a considerar apenas períodos de observação idênticos, neste gráfico os
mamíferos de Inverno são representados apenas por uma geneta e as aves por dois pombos (o
que, neste caso, representa uma massa de matéria orgânica apenas ligeiramente superior para o
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
35
mamífero). Na Primavera, uma geneta é comparada com uma águia-d’asa-redonda, numa
relação de massas corporais sensivelmente equitativa (tabela A. 3 do anexo VI).
Tomando em consideração as limitações referidas no parágrafo anterior, o gráfico da
figura 3.7. sugere as seguintes observações:
1.
As famílias Muscidae e Calliphoridae, na Primavera, revelam-se de forma mais numerosa no
cadáver de aves que no dos mamíferos, comportamento relativo este que, no Inverno, é
idêntico para as primeiras (aves) e inverso para os últimos (mamíferos);
2.
As famílias Anthomyiidae e Fanniidae, na Primavera, pelo contrário, revelam-se de forma
mais numerosa no cadáver de mamíferos que no das aves, sendo no Inverno a relação para
a família Anthomyiidae idêntica à revelada pela família Muscidae e para a família Fanniidae
idêntica à revelada pela família Calliphoridae;
3.
Para a família Sarcophagidae, que apenas se revelou no período da Primavera, verificou-se
igualmente um maior número de capturas associadas a cadáveres de mamíferos que ao de
aves, indiciando uma preferência que é muito marcada na família Sphaeroceridae, para este
mesmo período;
4.
No que se refere às aves, as famílias Sciaridae, e Sphaeroceridae, nas capturas de Inverno
revelaram uma presença mais numerosa que na Primavera;
5.
Para além da família Sarcophagidae, para a qual, em todos os dispositivos experimentais,
não se capturou qualquer indivíduo no Inverno, a ausência de capturas evidenciada neste
gráfico para a família Sciaridae, em mamíferos, no Inverno e aves na Primavera, e para a
família Sphaeroceridae, em aves, na Primavera, deve-se ao facto dos dispositivos
experimentais em que foram detectados não estarem incluídos nos dados que serviram de
base á elaboração deste gráfico.
3.2.4. Comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha
Como se pode ver na figura 3.8., as capturas nas armadilhas do tipo pitfall foram, em
geral, muito inferiores às verificadas nas armadilhas do tipo “Malaise”, aspecto este que apenas
não se evidencia nas famílias Sciaridae e Sphaeroceridae, onde esta relação é a inversa (anexos
III e IV). Podendo constituir justificação, para esta diversidade de comportamento, a
preponderância relativa do habito epígeo evidenciado nestas últimas famílias referidas,
associado à grande diversidade de recursos ao nível do solo e a existência de cadáveres de
outros artrópodes em putrefacção nas pitfall (funcionando como isco).
Resultados e Discussão
36
100%
80%
60%
40%
20%
Malaise
Ulidiidae
Trixoscelididae
Sphaeroceridae
Sciaridae
Scatopsidae
Sarcophagidae
Phoridae
Heleomyzidae
Fanniidae
Bibionidae
Anthomyiidae
Calliphoridae
Muscidae
0%
Pitfall
Figura 3.8. – Proporção do total de capturas em ambos os tipos de armadilhas (“Malaise” e
pitfall) utilizados no presente estudo para as espécies com um número total de
capturas superior a cinco indivíduos.
A importância da utilização de armadilhas do tipo pitfall (como sugerem Mclean, 1978 &
Hutson, 1978), como meio suplementar de captura, neste tipo de condicionalismo experimental,
estende-se aos dípteros predadores ou com actividade ao nível do solo, como se torna evidente
nos resultados ilustrados na figura 3.8.
3.2.5. Efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres
O estudo do efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos
cadáveres foi abordado na perspectiva do efeito da temperatura ambiente no número de
capturas e na perspectiva da relação entre a temperatura ambiente e a temperatura corporal
dos cadáveres.
A relação entre a temperatura ambiente e o número de indivíduos capturados está
evidente no gráfico da figura 3.9. onde, para além da especificidade das exigências exclusivas
para cada família (avaliada esta com base na diversidade das fases de decomposição dos
cadáveres), se revela uma preferência mais frequentemente associada às temperaturas mais
elevadas (tabelas A.3. e A.4. dos anexos I e II) .
Mais complexa e profícua foi a perspectiva da relação entre a temperatura ambiente e a
temperatura corporal dos cadáveres, que abordamos neste capítulo.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
37
Nº de indivíduos
50
40
40
30
30
20
20
10
10
0
Temperatura (ºC)
50
0
0
2
4
6
8
10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46
Nº de dias
Z1/I/C1
Temperatura média diária
50
50
40
40
30
30
20
20
c
10
10
0
Temperatura (ºC)
Nº de indivíduos
Z3/I/C3
0
0
2
4
6
8
10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46
Nº de dias
Temperatura média diária
120
50
100
40
80
30
60
20
40
10
20
0
0
0
2
4
6
8
10
12
14
Z1/P/B
16
18
20
22 24 26 28 30 32 34 36
Nº de dias
Z1/P/C4
Temperatura média diária
38
40
42
44
46
50
320
280
240
200
160
120
80
40
0
40
30
20
10
0
0
2
4
6
8
Temperatura (ºC)
Nº de indivíduos
Temperatura (ºC)
Nº de indivíduos
Z3/I/G1
10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46
Nº de dias
Z2/P/G2
Z2/P/V
Temperatura média diária
Figura 3.9. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo)
com o número de indivíduos capturados durante o processo de decomposição.
Na época de Inverno, dois pombos e uma geneta e na época de Primavera, uma
raposa, uma águia-d’asa-redonda e uma geneta.
Resultados e Discussão
38
No gráfico da figura 3.10. mostra-se a evolução da temperatura ambiental a 1m do solo e
das temperaturas corporais registadas em mamíferos (para o período de Inverno representados
por uma geneta e para o período de Primavera representados por uma raposa e uma geneta) e
aves (representadas, no período de Inverno pela média de dois pombos e, no período de
Primavera representadas por uma águia de asa redonda). Note-se que, por apenas dispormos
das temperaturas ambientais a 1m do solo, as temperaturas inseridas no gráfico diferem das
temperaturas verdadeiramente ambientais para os espécimes em decomposição ao longo das
24 horas do dia, pelo facto dos mesmos se encontrarem ao nível do solo.
Temperatura (ºC)
40
30
20
10
0
0
2
4
6
8
10
12
14 16
Z3/I/G1
18
20 22
24 26
28
30 32
34
36 38
40
42 44
46
Nº de dias
Temperatura média diária (ºC)
Temperatura (ºC)
40
30
20
10
0
0
2
4
6
8
10
12
14
Z2/P/G2
16 18
20
Z2/P/V
22
24
26
28 30
32
34
36
38
Temperatura média diária (ºC)
40 42
44
46
Nº de dias
Figura 3.10. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo)
com a temperatura corporal durante o processo de decomposição.
Na época de Inverno, geneta e média das temperaturas registadas em dois
pombos e na época de Primavera, geneta, raposa e uma águia-d’asa-redonda.
(continua)
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
39
Temperatura (ºC)
40
30
20
10
0
0
2
4
6
8
10
12
14 16
18
Pombos de Inverno
20 22
24 26
28
30 32
34
36 38
40
Temperatura média diária (ºC)
42 44
46
Nº de dias
Temperatura (ºC)
40
30
20
10
0
0
2
4
6
8
10
12
14 16
Z1/P/B
18
20 22
24 26
28
30 32
Temperatura média diária (ºC)
34
36 38
40
42 44
46
Nº de dias
Figura 3.10. (Cont.)
Nesta figura, a relação da evolução das temperaturas corporais (como eventual reflexo da
intensidade da actividade larvar) com as temperaturas médias diárias, sugere uma análise mais
detalhada, no que se refere, nomeadamente: (i) ao padrão da evolução das temperaturas
corporais, (ii) à comparação do padrão da evolução das temperaturas corporais para os
diferentes períodos experimentais e (iii) à relação das temperaturas corporais com a
temperatura ambiente.
Muito embora não tenhamos procedido ao reconhecimento de fases características ao
longo do processo de decomposição, em particular face às dificuldades impostas por
exuberantes revestimentos dérmicos (pelagens bastas ou penas) em massas corporais
reduzidas, julgamos poder reconhecer, para cada caso, um padrão da evolução das
temperaturas corporais durante o processo de decomposição caracterizado pelas seguintes
fases:
Resultados e Discussão
40
No caso da geneta
1.
A primeira fase, de cerca de sete dias, tanto no Inverno como na Primavera, durante os
quais a temperatura corporal acompanha, ligeiramente acima, as médias das temperaturas
ambientais, sendo de cerca de 14 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera;
2.
Segunda fase, do 7º ao 10º dia, em que se verificou uma subida abrupta da temperatura
corporal (independente da temperatura ambiente), até aos 26 ºC, tanto no Inverno como na
Primavera (numa eventual dependência do incremento da actividade larvar);
3.
Terceira fase em que a temperatura corporal, no Inverno, se mantém, acusando apenas um
ligeiro decréscimo de 1 ºC, do 10º até ao 17º dia e, na Primavera, continua a subir até aos
30 ºC, voltando a descer, lentamente, até ao 16º dia para os 26 ºC (vide figura 3.11. geneta
ao 12º dia);
4.
Quarta fase quando se regista uma descida brusca da temperatura até à temperatura
ambiente, da ordem dos 12 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera (acusando o
decréscimo da actividade larvar);
5.
Quinta fase, em que a influência da temperatura corporal se revela mais condicionada pela
temperatura ambiente do que pela actividade larvar.
No caso dos pombos (apenas aferido para o Inverno)
1.
Primeira fase, de cerca de 4 dias, durante os quais a temperatura corporal (25 ºC) está
sempre acima (em média +15 ºC) das temperaturas ambientais;
2.
Segunda fase, do 4º ao 7º dia, em que a temperatura corporal desce, até aos 8 ºC (5 ºC
abaixo da temperatura ambiental a 1m do solo);
3.
Terceira fase, do 7º ao 30º dia, em que a temperatura corporal, após voltar rapidamente
para temperaturas próximas das ambientais a 1m do solo (consequentemente, ligeiramente
acima da temperatura ambiental ao nível dos espécimes em decomposição), se mantém,
com algumas pequenas oscilações, à volta das temperaturas ambientais a 1m do solo;
4.
Quarta fase, a partir do 31º dia, quando se regista uma descida brusca da temperatura (da
ordem dos 10 ºC), mantendo-se, posteriormente, a uma temperatura cerca de menos 6 a 10
ºC inferior à temperatura a 1m do solo (muito provavelmente, igual à temperatura ambiente
ao nível do solo), acusando, assim, o fim da actividade larvar.
No caso da águia-d’asa-redonda (apenas aferido para a Primavera)
1.
Primeira fase, longa, de cerca de 31 dias, durante os quais a temperatura corporal está
sempre acima (em média +6 ºC) das temperaturas ambientais a 1m do solo;
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
41
2.
Segunda fase, do 31º dia para o 35º dia, em que a temperatura corporal desce 10 ºC (de 30
ºC para 20 ºC) numa tendência inversa à registada para a temperatura ambiente a 1m do
solo (que sobe dos 22 ºC para os 27 ºC);
3.
Terceira fase, a partir do 35º dia, em que a temperatura corporal, após recuperar a mesma
tendência das temperaturas ambientais a 1m do solo, se mantém a uma distância média de
cerca de 10 ºC em relação às mesmas, indiciando uma ausência de actividade larvar.
No caso da raposa
1.
A primeira fase, verificada para a geneta, não foi aqui perceptível, muito possivelmente pelo
facto deste espécime ter estado exposto ao povoamento por dípteros antes de ter sido
congelado (vide Cap. 2.1) e, posteriormente, ter estado a descongelar durante dois dias,
antes de ser colocada no DEC;
2.
A segunda fase referida para a geneta, de subida brusca da temperatura (independente da
temperatura ambiente), foi aqui de dois dias, e até aos 34 ºC;
3.
A terceira fase, verificada para a geneta, em que a temperatura corporal se mantém, teve
uma duração, na raposa, de 9 dias, situando-se no patamar médio de 34ºC (note-se que as
temperaturas médias ambientais, a 1m do solo, são aqui superiores, em cerca de +12 ºC, às
verificadas para a mesma fase na geneta);
4.
Finalmente as, quarta e quinta, fases admitidas no caso da geneta, ficam aqui confundidas
face às elevadas temperaturas ambientais prevalecentes.
A identidade da massa corporal e do tipo de pelagem da geneta e da raposa, justificam
uma afinidade da sequência do processo de decomposição, a qual, no entanto, à primeira vista,
não se evidencia no gráfico da figura 3.11. As discrepâncias que, em parte, se poderão justificar
nas vicissitudes impostas ao esquema experimental, parecem evidenciar a relevância das
temperaturas ambientais na definição dos padrões de decomposição dos cadáveres, em
particular, acima dos 28 ºC.
A apreciação, embora simplista, que acabamos de expor, para além de encontrar suporte
nos argumentos referidos, reforça-se, primordialmente, na consistência dos próprios padrões de
evolução das temperaturas corporais em diferentes épocas, para cadáveres da mesma espécie,
associada à especificidade de cada espécie, como é possível constatar, para as duas genetas e
para os pombos, no gráfico da figura 3.11. que a seguir se insere, no qual se regista a evolução
da temperatura corporal ao longo do processo de decomposição (traduzido no número de dias
após a colocação de espécime no terreno).
Resultados e Discussão
42
Temperatura (ºC)
40
30
20
10
0
0
2
4
6
8
10
12
14 16
Z1/I/C1
18
20 22
Z2/I/C2
24 26
Z3/I/C3
28
30 32
34
36 38
40
42 44
46
Nº de dias
Z1/P/C4
Temperatura (ºC)
40
30
20
10
0
0
2
4
6
8
10
12
14
16 18
Z3/I/G1
20
22 24
26
28 30
32
34
36 38
40
42 44
46
Nº de dias
Z2/P/G2
Figura 3.11. – Temperatura corporal ao longo da decomposição. Aves nas duas épocas de
amostragem, quatro pombos, e mamíferos nas duas épocas de amostragem, duas
genetas.
Da observação desta figura torna-se evidente a constância dos padrões da evolução das
temperaturas corporais, para a mesma espécie, constatando-se apenas um ligeiro desvio para
temperaturas mais altas, no caso em que a decomposição se processa durante a Primavera.
3.3. Comparação com outros resultados registados para a Região Centro de Portugal
Com vista a uma primeira aproximação para a caracterização da especificidade local da
fauna díptera, procedemos à comparação, ao nível taxonómico da família, dos resultados
encontrados no presente estudo, durante o Inverno e Primavera, com os resultados obtidos por
Prado e Castro (2005) para a região de Coimbra, durante a Primavera, admitindo-se que,
independentemente da sucessão e proporção entomológica ao longo do processo de
decomposição e natureza dos cadáveres, as famílias de dípteros presentes em cada local e
época do ano não diferem de forma acentuada de ano para ano (ver figura 3.11.).
Como se pode ver no esquema da figura 3.12., as famílias Asilidae, Bibionidae,
Chironomidae,
Conopidae,
Empididae,
Lonchopteridae,
Rhagionidae,
Rhynophoridae,
Simuliidae, Stratiomyiidae, Syrphidae, Ulidiidae, Xylophagidae e Xylomyidae, por nós
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
43
encontradas no presente estudo, não estão referidas no estudo de Coimbra. Em relação às
famílias Lonchopteridae, Rhagionidae, Rhynophoridae, que no presente estudo apenas se
revelam no Inverno, a discrepância pode justificar-se nas diferenças ambientais atribuíveis à
época do ano. Já o mesmo não se pode justificar para as restantes famílias, cuja ausência
apenas parece poder justificar-se nas diferenças climáticas (assaz bem marcadas, apesar da
proximidade geográfica).
As famílias Camillidae, Carnidae, Drosophilidae, Dryomyzidae, Otitidae, Piophilidae,
Platystomatidae, Sepsidae, Tethinidae e Therevidae, presentes no estudo de Coimbra, não foram
encontradas no presente estudo.
Psychodidae
Psychodidae
Inverno
Cecidomyiidae
Cecidomyiidae
Primavera
Mycetophilidae
Mycetophilidae
Inverno e Primavera
Phoridae
Phoridae
Anthomyiidae
Anthomyiidae
Lonchopteridae
Calliphoridae
Calliphoridae
Rhynophoridae
Fanniidae
Fanniidae
Rhagionidae
Muscidae
Muscidae
Asilidae
Tachinidae
Tachinidae
Otitidae
Empididae
Heleomyzidae
Heleomyzidae
Sepsidae
Xylophagidae
Sphaeroceridae
Sphaeroceridae
Carnidae
Syrphidae
Trixoscelididae
Trixoscelididae
Drosophilidae
Bibionidae
Ceratopogonidae
Ceratopogonidae
Camillidae
Chironomidae
Scatopsidae
Scatopsidae
Therevidae
Stratiomyiidae
Sciaridae
Sciaridae
Dryomyzidae
Conopidae
Dolichopodidae
Dolichopodidae
Piophilidae
Xylomyidae
Sarcophagidae
Sarcophagidae
Platystomatidae
Simuliidae
Lauxaniidae
Lauxaniidae
Tethinidae
Ulidiidae
Coimbra, 2004
Gouveia, 2008
(presente
(Prado e Castro,
estudo)
2005)
Famílias comuns aos dois estudos
Coimbra, 2004
Gouveia, 2008
(presente
(Prado e Castro,
estudo)
2005)
Famílias específicas para cada estudo
Nota: As famílias detectadas na época de Inverno estão representadas a azul; as famílias detectadas na
Primavera, a amarelo e as famílias detectadas em ambas as épocas, a verde.
Figura 3.12. – Famílias reconhecidas no presente estudo (de ocorrência no Inverno e Primavera)
e no estudo de Prado e Castro (2005), em relação com o processo de
decomposição de cadáveres ao ar livre.
Resultados e Discussão
44
3.4. Morfotipos identificados dentro das famílias Muscidae e Calliphoridae
Uma caracterização da especificidade da fauna díptera deverá ser baseada a um nível o
mais a jusante possível da escala taxonómica. Foi assim que, no exercício da identificação do
material entomológico capturado no presente estudo, procededeu-se à identificação de
morfotipos e taxa de nível inferior para as famílias Muscidae e Calliphoridae, estando estes
níveis igualmente listados em qualquer dos quadros em anexo (anexos III e VI).
No gráfico da figura 3.13. pode ver-se a proporção dos diferentes morfotipos dentro das
duas famílias, com um número médio de espécimes identificados no presente estudo, superior a
12.
Para sete destes morfotipos foi possível identificar o género, ou mesmo, a espécie,
mostrando-se, no quadro 3.II. a correspondência com os morfotipos referidos na figura 3.13.
236
40
104
35
Nº de indivíduos
30
49
36
25
(24)
20
15
10
5
0
M II
M III
M IV
M XII
Inverno
M XV
Primavera
M XVII
C III
Inverno
C IV
CV
C VI
C VII
Primavera
Figura 3.13. – Número médio de capturas para os morfotipos, dentro das famílias Muscidae (MII
a MXVII) e Calliphoridae (CIII a CVII), com um número médio de espécimes
identificados no presente estudo superior a 12.
Quadro 3.II. – Correspondência dos morfotipos (M - Muscidae; C - Calliphoridae) com os níveis
taxonómicos identificados a jusante de família.
Morfotipo
Taxon
Morfotipo
Taxon
M XI
Phaonia sp. Robineau-Desvoidy, 1830
M XIX
Muscina sp. Robineau-Desvoidy, 1831 (II)
M XII
Musca domestica Linnaeus, 1758
M XX
Muscina sp. Robineau-Desvoidy, 1832 (III)
M XIII
Myospila sp. Rondani, 1856
C III
Pollenia sp. Robineau-Desvoidy, 1830
M XIV
Hydrotaea sp. Robineau-Desvoidy, 1830 (I)
C IV
Calliphora vomitoria (Linnaeus,1758)
M XV
Hydroteae sp. Robineau-Desvoidy, 1831 (II)
CV
Calliphora vicina Robineau-Desvoidy, 1830
M XVI
Hydrotaea sp. Robineau-Desvoidy, 1832 (III)
C VI
Lucilia sp. Robineau-Desvoidy, 1830
M XVII
Hydrotaea sp. Robineau-Desvoidy, 1833 (♀)
C VII
Chrysomya sp. Robineau-Desvoidy, 1830
M XVIII
Muscina sp. Robineau-Desvoidy, 1830 (I)
C VIII
Calliphoridae (Recém Eclodidos)
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
45
Da análise desta figura 3.13., ressalta a diversidade nas preferências térmicas dos
diferentes morfotipos, assinalando-se, neste aspecto, os seguintes comportamentos:
1.
Muscidae IV e XV (Hydrotaea sp.) e Calliphoridae VI (Lucilia sp.) e VII (Chrysomyia sp.)
praticamente ausentes no período de Inverno;
2.
Muscidae II e XVII (Hydrotaea sp.♀) e Calliphoridae III (Pollenia sp.) e IV (Calliphora
vomitoria), com marcada preferência pelo período de Primavera;
3.
Calliphoridae V (Calliphora vicina) sem evidenciar uma preferência bem marcada por uma
das épocas ensaiadas;
Muscidae III e XII (Musca domestica), com uma maior preponderância no período de
Invernal.
Resultados e Discussão
46
CONCLUSÕES
4. CONCLUSÕES
Como primeira aproximação ao reconhecimento da fauna Diptera sarcosaprófaga, ao
nível do andar basal da Serra da Estrela, o presente estudo indicia as seguintes conclusões:
4.1. Em relação ao clima
1.
No presente ano, tanto na época de Inverno como na de Primavera, a temperatura em
Gouveia, assumindo como referência as médias dos valores do último trinténio (1967 a
2000) para Nelas, foi sempre mais elevada.
2.
Em relação à mesma referência, as quedas pluviométricas em Gouveia para as duas
épocas em estudo, foram muito inferiores, tanto no Inverno como na Primavera
(respectivamente entre 32mm e 36mm em média).
Este quadro, de Invernos e Primaveras mais quentes e secas, é compatível com o
actual aquecimento global, podendo interferir na composição e no padrão anual de actividade
das espécies de dípteros.
3
Muito embora as temperaturas máxima e mínima de Primavera e mínima de Inverno, para
as diferentes zonas, não tenha sido, de um modo geral, particularmente diferente da
média dos últimos anos, registaram-se, no Inverno, na zona Z1, de forma bastante
consistente, valores da temperatura máxima acima dos verificados nas restantes zonas,
apontando para a possibilidade de comportamentos particulares, em função da
exposição, num mesmo local.
4.2. Em relação à representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição
1.
Preponderância das famílias Anthomyiidae, Muscidae, Calliphoridae e Fanniidae (todas
incluídas na subordem Brachycera, infraordem Muscomorfa, secção Schizophora,
subsecção Calyptrata e, as duas primeiras e a última, na superfamília Muscoidea e a
terceira na superfamília Oestroidea) no processo de decomposição dos cadáveres, neste
condicionalismo ambiental;
2.
Com excepção da família Muscidae, esta preponderância acentua-se da época de Inverno
para a de Primavera;
3.
Ocorrência esporádica, com uma presença de 12 ou menos espécimes em todo o
dispositivo experimental, das famílias Cecidomyiidae, Ceratopogonidae, Chironomidae,
Conopidae, Dolichopodidae, Empididae, Lauxaniidae, Lonchopteridae, Mycetophilidae,
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
47
Psychodidae,
Rhagionidae,
Rhynophoridae,
Simuliidae,
Stratiomyiidae,
Syrphidae,
Ulidiidae, Xylophagidae, Xylomyidae;
4.3. Em relação à preponderância relativa das diferentes famílias em cada período
experimental
1.
Preferência bem marcada pelo período da Primavera para a maioria das famílias
capturadas, com excepção da família Sciaridae, para a qual se verificou uma captura
superior no período de Inverno;
2.
A família Sarcophagidae, que esteve presente (embora em número reduzido) em todos os
dispositivos experimentais, no período da Primavera, não esteve presente em nenhuma
das capturas no período do Inverno;
3.
Menor consistência dos resultados na época de Inverno;
4.4. Em relação à influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera
1.
Especificidade do processo de decomposição dos cadáveres em função da natureza da
espécie onde se incluem;
2.
As famílias Muscidae e Calliphoridae, na Primavera, revelam preferência por cadáveres de
aves em relação aos de mamíferos, preferência esta que no Inverno se mantém idêntica
para a primeira (Muscidae) mas se revela inversa para a segunda (Calliphoridae);
3.
As famílias Anthomyiidae e Fanniidae, na Primavera, pelo contrário, revelam-se de forma
mais numerosa no cadáver de mamíferos que no das aves;
4.
A preferência por cadáveres de mamíferos em relação aos de aves, na família
Anthomyiidae, mantém-se na Primavera;
5.
Pelo contrário, a família Fanniidae, na Primavera, revela preferência pelo cadáver de aves;
6.
Para a família Sarcophagidae, que apenas se revelou no período da Primavera, verificou-se igualmente um maior número de capturas associadas a cadáveres de mamíferos que
aos de aves, indiciando uma preferência que é muito marcada na família Sphaeroceridae,
para este mesmo período;
7.
No que se refere às aves, as famílias Sciaridae (da subordem Nematocera, infraordem
Bibionomorpha, superfamília Sciaroidea), e Sphaeroceridae (incluída na subordem
Brachycera, infraordem Muscomorfa, secção Schizophora, subsecção Acalyptrata,
superfamília Sphaeroceroidea), nas capturas de Inverno revelaram uma presença mais
numerosa que na Primavera;
Verifica-se, pois, uma forte afinidade taxonómica das famílias, da fauna díptera, mais
relevantes no processo de decomposição de cadáveres, na natureza.
Conclusões
48
4.5. Em relação à comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha
1.
As capturas nas armadilhas do tipo pitfall foram, em geral, muito inferiores às verificadas
nas armadilhas do tipo “Malaise”;
2.
Nas famílias Sciaridae e Sphaeroceridae, esta relação é a inversa, evidenciando o hábito
epígeo dos indivíduos capturados pertencentes a esta família;
3.
Evidencia-se, deste modo, a necessidade de utilização de armadilhas do tipo pitfall em
ensaios de “EF para a Fauna Selvagem”, também para a captura de dípteros.
4.6. Em relação ao efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos
cadáveres
Não permitindo este estudo a definição de “estádios de decomposição”, como balizas,
embora esquemáticas, importantes na sequenciação dos processos biológicos envolvidos na
decomposição de cadáveres, indiciam-se, no entanto, diferentes padrões da evolução das
temperaturas corporais durante o processo de decomposição, marcados por períodos
específicos, cuja definição poderá ser condicionada pelas temperaturas ambientais, em
particular, acima dos 28 ºC.
Estes períodos, que provisoriamente denominamos por “fases” de acordo com a natureza
dos cadáveres, evidenciam-se do seguinte modo:
4.6.1. No caso da geneta
6.
Primeira fase, de cerca de sete dias, tanto no Inverno como na Primavera, durante os quais
a temperatura corporal acompanha, ligeiramente acima, as médias das temperaturas
ambientais, sendo de cerca de 14 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera;
7.
Segunda fase, do 7º ao 10º dia, em que se verificou uma subida abrupta da temperatura
corporal (independente da temperatura ambiente), até aos 26 ºC, tanto no Inverno como
na Primavera (numa eventual dependência do incremento da actividade larvar);
8.
Terceira fase, em que a temperatura corporal no Inverno se mantém, acusando apenas um
ligeiro decréscimo de 1 ºC, do 10º até ao 17º dia e, na Primavera, continua a subir até aos
30 ºC, voltando a descer, lentamente, até ao 16º dia para os 26 ºC;
9.
Quarta fase, quando se regista uma descida brusca da temperatura até à temperatura
ambiente, da ordem dos 12 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera (acusando o
decréscimo da actividade larvar);
10.
Quinta fase, em que a influência da temperatura corporal se revela mais condicionada
pela temperatura ambiente do que pela actividade larvar.
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
49
4.6.2. No caso dos pombos (apenas aferido para o Inverno)
5.
Primeira fase, de cerca de 4 dias, durante os quais a temperatura corporal (25 ºC) está
sempre acima (em média +15 ºC) das temperaturas ambientais;
6.
Segunda fase, do 4º ao 7º dia, em que a temperatura corporal desce, até aos 8 ºC (5 ºC
abaixo da temperatura ambiental a 1m do solo);
7.
Terceira fase, do 7º ao 30º dia, em que a temperatura corporal, após voltar rapidamente
para
temperaturas
próximas
das
temperaturas
ambientais
a
1m
do
solo
(consequentemente, ligeiramente acima da temperatura ambiental ao nível dos espécimes
em decomposição), se mantém, com algumas pequenas oscilações, à volta das
temperaturas ambientais a 1m do solo;
8.
Quarta fase, a partir do 31º dia, quando se regista uma descida brusca da temperatura (da
ordem dos 10 ºC), mantendo-se, posteriormente, a uma temperatura à volta de menos 610 ºC que a temperatura a 1m do solo (muito provavelmente, igual à temperatura
ambiente ao nível do solo), acusando, assim, o fim da actividade larvar.
4.6.3. No caso da águia-d’asa-redonda (apenas aferido para a Primavera)
4.
Primeira fase, longa, de cerca de 31 dias, durante os quais a temperatura corporal está
sempre acima (em média +6 ºC) das temperaturas ambientais a 1m do solo;
5.
Segunda fase, do 31º dia para o 35º dia, em que a temperatura corporal desce 10 ºC (de
30 ºC para 20 ºC) numa tendência inversa à registada para a temperatura ambiente a 1m
do solo (que sobe dos 22 ºC para os 27 ºC);
6.
Terceira fase, a partir do 35º dia, em que a temperatura corporal, após recuperar a mesma
tendência das temperaturas ambientais a 1m do solo, se mantém a uma distância média
de cerca de 10 graus em relação às mesmas, indiciando uma ausência de actividade larvar;
4.6.4. No caso da raposa
5.
A primeira fase, verificada para a geneta, não foi aqui perceptível, muito possivelmente
pelo facto deste espécime ter estado exposto ao povoamento por dípteros antes de ter
sido congelado (vide Cap. 2.1) e, posteriormente, ter estado a descongelar durante dois
dias, antes de ser colocada no DEC;
6.
A segunda fase referida para a geneta, de subida brusca da temperatura (independente
da temperatura ambiente), foi aqui de dois dias, e até aos 34 ºC;
7.
A terceira fase, verificada para a geneta, em que a temperatura corporal se mantém, teve
uma duração, na raposa, de 9 dias, situando-se no patamar médio de 34ºC (note-se que
Conclusões
50
as temperaturas médias ambientais, a 1m do solo, são aqui superiores, em cerca de +12
ºC, às verificadas para a mesma fase na gineta);
8.
Finalmente as, quarta e quinta, fases admitidas no caso da geneta, ficam aqui confundidas
face às elevadas temperaturas ambientais prevalecentes.
Em relação aos referidos mamíferos (geneta e raposa), face à semelhança da massa
corporal e do tipo de pelagem, parece poder reconhecer-se uma identidade da sequência do
processo de decomposição, a qual, no presente estudo, é mascarada pelas vicissitudes impostas
ao esquema experimental e pela relevância das temperaturas ambientais no processo de
decomposição dos cadáveres.
Em relação às aves, parece possível identificar-se um padrão comum, apenas dentro
da mesma espécie, diferenciando-se o padrão do processo de decomposição para aves de porte
muito diverso.
4.7. Em relação à Metodologia
De modo a consolidar as presentes conclusões e obter novas ilações poder-se-ão fazer
modificações na metodologia ajustando-a aos objectivos pretendidos e às condicionantes
experimentais ou, apenas, complementar métodos usados para aferição de novos parâmetros.
No que diz respeito aos métodos usados para atingir os objectivos do presente trabalho,
estes poder-se-iam complementar através do uso de outros métodos ou pequenas
modificações dos métodos já usados. Nesta perspectiva poder-se-á considerar como novas
abordagens, a recolha diária de material entomológico facilitando e enriquecendo o tratamento
e a análise dos dados; a colocação de redes metálicas de protecção contra possíveis predadores,
evitando o empobrecimento da informação experimental; o registo das temperaturas do solo e
do ambiente em que se processa a decomposição dos cadáveres, aquando da amostragem
entomológica para posterior comparação com a temperatura corporal; o registo de informações
de campo feito sempre à mesma hora de modo a diminuir os efeitos da actividade de
determinadas espécies na interpretação das condições do local; a utilização de folhas de registo
onde se anotam todos os condicionalismos experimentais, aquando da recolha do material
entomológico; o aprofundamento da identificação do material entomológico (ordens Diptera e
Coleoptera por serem as mais relevantes neste tipo de estudo) até ao nível taxonómico da
espécie; a recolha diária e criação de larvas, para posterior identificação, de modo a corroborar a
relação das espécies recolhidas com o cadáver; e o registo fotográfico diário, como possível
método de determinação de estados definidos de decomposição.
Com base nos resultados preliminares, aqui apresentados, será possível uma abordagem,
mais bem informada, ao estudo do processo de decomposição in situ, no andar basal da Serra
Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
51
da Estrela, dos cadáveres de algumas espécies selvagens aí prevalecentes. Nesta perspectiva, e
sem prejuízo dos estudos vocacionados para a identificação expedita e rigorosa das espécies
prevalentes, ocorre-nos referir, como iniciativas relevantes a levar a cabo nesta matéria, as
seguintes:
1.
Promoção de estudos exploratórios de natureza idêntica à do presente trabalho
(salvaguardados das limitações a que o mesmo esteve sujeito), para os diferentes
condicionalismos ecológicos representativos de cada andar do PNSE;
2.
Subsequentemente, aprofundamento do estudo dos factores mais relevantes na
diferenciação dos processos de decomposição in situ das diferentes espécies, em
particular no que diz respeito à anatomia interna, massa corporal e tipo e densidade do
revestimento corporal e sua relação com as condicionantes microclimáticas;
3.
Com base nestes estudos, aprofundamento do estudo da fauna díptera preponderante
nos processos de decomposição in situ e sua interacção recíproca e com as restantes
condicionantes ecológicas, em particular no que se refere ao ajustamento das fórmulas
para determinação do IPM;
4.
Complementarmente, estudo da restante fauna artrópode de reconhecida relevância no
processo de decomposição e na determinação do IPM.
Estes estudos, de natureza exploratória, julgam-se poder ser enquadrados em trabalhos
experimentais para a elaboração de teses de mestrado.
Uma vez consolidado o conhecimento da acção da fauna artrópode nos processos de
decomposição in situ dos cadáveres das diferentes espécies, será possível uma abordagem mais
aprofundada da sua acção como indicadores biológicos, para o que, julgamos relevante as
seguintes iniciativas:
5.
Promoção de estudos de detecção de substâncias tóxicas e poluentes no material
entomológico vivo e remanescente (exoesqueletos, pupária, etc.) da decomposição de
cadáveres da fauna prevalecente, de particular relevância na vigilância e alerta de
situações de deterioração dos ecossistemas, capazes de interferir no processo de
conservação sustentada das espécies integrantes dos mesmos;
6.
Promoção de estudos de detecção de fenómenos de miíase em animais em cativeiro
(didáctico ou para tratamento e convalescença), com vista à salvaguarda de situações de
negligência e/ou maltrato).
Estes estudos, eventualmente mais demorados, poderão ainda ser enquadrados em
trabalhos de natureza académica.
Conclusões
52
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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larvae, and their effect on post-mortem larval length. Forensic Science International. 138:
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dos recursos hídricos subterrâneos em áreas urbanas e montanhosas (Norte e Centro de
Portugal): metodologias e técnicas. In: Actas do II Fórum Ibérico de Águas Engarrafadas e
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Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de
animais selvagens na Serra da Estrela
63
ANEXOS
Anexo I
Anexo II
Anexo III
Anexo IV
Anexo V
Figura A.1. – Águia-d’asa-redonda colocada dentro do dispositivo experimental na
época da Primavera (Z1/B/P): primeiro e último dias.
Figura A.2. – Geneta colocada dentro do dispositivo experimental na época da
Primavera (Z2/G2/P): primeiro e último dias.
Figura A.3. – Raposa colocada dentro do dispositivo experimental na época da
Primavera (Z2/V/P): primeiro e último dias.
Figura A.4. – Pombo colocada dentro do dispositivo experimental na época da
Primavera (Z1/C/P): primeiro e último dias.
Anexo VI

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