Gusmão, J. 2008. Tese mestrado REDUCED
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Gusmão, J. 2008. Tese mestrado REDUCED
UNIVERSIDADE DE LISBOA Faculdade de Ciências ESTUDO PRELIMINAR DA SUCESSÃO ENTOMOLÓGICA (COM ÊNFASE NA ORDEM DIPTERA) EM DIFERENTES CADÁVERES DE ANIMAIS SELVAGENS NA SERRA DA ESTRELA Mestrado na área da Biologia da Conservação Dissertação orientada por Prof. Doutora Mª Teresa Rebelo Ferreira Ramos Nabais Oliveira Joana Botelho de Gusmão Departamento de Biologia Animal Lisboa, 2008 ii ii Trabalho realizado no Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens do Parque Natural da Serra da Estrela e no Laboratório de Entomologia do Departamento de Biologia da FCUL. iii iv AGRADECIMENTOS Gostaria de expressar os meus sinceros agradecimentos às pessoas que me acompanharam durante este ano, sem as quais, todo o trabalho realizado ao longo deste tempo e o desenvolver desta dissertação, teriam sido impossíveis. À minha orientadora, Prof. Doutora Mª Teresa Rebelo, pela orientação, pelo apoio, incentivo e pela boa disposição!! Ao Prof. Doutor Artur Serrano pela disponibilidade na revisão deste trabalho. Ao CERVAS/PNSE pela cedência do espaço e do material de estudo. Ao Dr. Ricardo Brandão pelo entusiasmo, apoio e hospitalidade. A todo o pessoal do CERVAS pela amizade e apoio técnico. Ao pessoal do laboratório de entomologia da FCUL, Catarina Prado e Castro, Israel Silva e Mário Boieiro que foram ímpares no apoio, incentivo, disponibilidade e orientação que me deram na realização deste trabalho!! Ao professor Henrique Cabral pelo apoio e tempo disponibilizados na análise dos dados. Ao Luís Pessanha pela cedência dos dados meteorológicos. Mais do que agradecer, gostaria de dedicar este trabalho a toda a minha família e amigos, pelo o apoio, amor e carinho incondicionais, dos quais eu ganho ânimo e força de vontade, não só para trabalhar mas principalmente para viver!! v vi LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS B .................................................................................................................................................................. Buteo buteo C .............................................................................................................................................................. Columba livia CERVAS ................................... Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens DEC .........................................................................................................Dispositivos Experimentais de Campo EF.............................................................................................................................................. Entomologia Forense G .......................................................................................................................................................... Genetta genetta I .............................................................................................................................................................................Inverno ICNB ...........................................................Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidades IPM ........................................................................................................................................ Intervalo Post Mortem O.............................................................................................................................................. Oryctolagus cuniculus P....................................................................................................................................................................... Primavera PNSE ............................................................................................................Parque Natural da Serra da Estrela POPNSE .............................................. Plano de Ordenamento do Parque Natural da Serra da Estrela S....................................................................................................................................................................... Sus scrofa SF ................................................................................................................................................ Susseção Faunística UEx .................................................................................................................................... Unidades Experimentais V ............................................................................................................................................................... Vulpes vulpes Z1 .......................................................................................................................................................................... Zona 1 Z2 .......................................................................................................................................................................... Zona 2 Z3 .......................................................................................................................................................................... Zona 3 vii viii RESUMO Na sequência dos profícuos resultados, e consequente consolidação, dos estudos de entomologia na área da Medicina Legal, tem-se desenvolvido um interesse crescente na área da Veterinária Forense, com base no estudo da colonização entomológica de cadáveres da fauna selvagem, com vista à monitorização das causas de morte, ou à detecção de maus tratos por negligência das espécies protegidas (em convalescença ou em cativeiro) viabilizando, deste modo, uma mais perfeita gestão ambiental. Com o presente trabalho pretendemos contribuir para um melhor conhecimento da diversidade de artrópodes, com ênfase especificamente nos dípteros que povoam os cadáveres de alguns vertebrados (aves e mamíferos) da macrofauna autóctone da Serra da Estrela. Para o efeito, foram utilizados cadáveres de Genetta genetta L., de Vulpes vulpes L., de Buteo buteo L., de Columba livia G., de Oryctolagus cuniculus L. e de Sus scrofa L.. Em relação às condicionantes experimentais, o esquema foi implantado no andar basal do Parque Natural da Serra da Estrela, comportando um total de 12 unidades experimentais (no Inverno e na Primavera, em mamíferos e em aves, em três locais). A amostragem do material entomológico foi feita pela captura em armadilhas do tipo pitfall e do tipo “Malaise”. Entre as conclusões mais relevantes assinalam-se as seguintes: (i) número restrito de famílias, da fauna díptera, preponderante no processo de decomposição de cadáveres, nas condições experimentais; (ii) Especificidade da composição faunística dos dípteros comparada com a verificada noutro trabalho realizado em Portugal (a menos de 100km de distância); (iii) Especificidade do processo de decomposição dos cadáveres em função da natureza da espécie e da massa corporal; (iv) Existência de diferentes padrões de evolução das temperaturas corporais durante o processo de decomposição, para as diferentes espécies, marcados por períodos específicos, cuja definição poderá ser condicionada pelas temperaturas ambientais, em particular, acima dos 28 ºC. Palavras-chave: Entomologia Forense; Diptera; cadáveres; Fauna selvagem e Serra da Estrela. ix x ABSTRACT A growing interest in Forensic Veterinary follows innovative results and the sequent consolidation of entomological studies in the field of Forensic Medicine. Forensic Veterinary has developed based on the study of insect colonization of wild life carrion, aimed at monitoring causes of death and detecting negligent mistreatment of protected species, thus enabling a more perfect and accurate environmental management. The present work aimed to improve knowledge of arthropod diversity, with particular emphasis on flies (order Diptera) that colonize the carrion of some vertebrates (mammals and birds) of the autochthonous macrofauna of Serra da Estrela. For that purpose, the carrion of the following species were used: Genetta genetta L., Vulpes vulpes L., Buteo buteo L., Columba livia G., Oryctolagus cuniculus L. and Sus scrofa L.. The experimental layout was implemented in the lower level of the Serra da Estrela Natural Park, bearing a total of 12 units (encompassing winter and spring, mammals and birds, on three sites). The sampling of insects was performed through pitfall and “Malaise” type traps. A list of the most relevant conclusions include: (i) restrict number of the more relevant Diptera families in the carrion’s decomposition process; (ii) Specificity of the Diptera fauna composition as compared in another study made in Portugal (less than 100km apart); (iii) Specificity of the process of decomposition of the carrion according to the nature of the species and their body mass; (iv) Patterns of body temperature evolution during the decomposition process, for different species, determined by specific periods, whose definition may be conditioned by environmental temperatures, in particular above 28 ºC. Key-words: Forensic Entomology; Diptera; carrions; wildlife and Serra da Estrela. xi xii ÍNDICE AGRADECIMENTOS .................................................................................................................................. v LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS .....................................................................................................vii RESUMO....................................................................................................................................................ix ABSTRACT ................................................................................................................................................xi 1. INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................1 1.1 Sobre a Entomologia Forense ........................................................................................................................................... 2 1.1.1. Origem da entomologia forense ................................................................................................................................. 3 1.1.2 Âmbito da entomologia forense .................................................................................................................................. 4 1.1.3. Finalidade da entomologia forense ........................................................................................................................... 7 1.2. O Parque Natural da Serra da Estrela ........................................................................................................................... 8 1.2.1. Caracterização geoclimática.......................................................................................................................................... 8 1.2.2. Caracterização ecológica ..............................................................................................................................................10 1.3 Objectivos do presente estudo ......................................................................................................................................14 2. MATERIAL E MÉTODOS .................................................................................................................... 17 2.1. Caracterização das condicionantes bióticas .............................................................................................................17 2.2. Caracterização das condicionantes abióticas ..........................................................................................................19 2.2.1. Oportunidade....................................................................................................................................................................19 2.2.2. Localização .........................................................................................................................................................................19 2.2.3. Dispositivos experimentais de campo.....................................................................................................................20 2.2.4. Disposição dos espécimes nos dispositivos experimentais de campo ......................................................21 2.3. Amostragem da fauna entomológica .........................................................................................................................22 2.3.1. Armadilha do tipo pitfall...............................................................................................................................................22 2.3.2. Armadilha do tipo “Malaise” .......................................................................................................................................24 2.3.3. Recolha do material ........................................................................................................................................................25 2.4. Triagem e identificação do material entomológico ..............................................................................................25 2.5. Análise dos resultados ......................................................................................................................................................25 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO ............................................................................................................. 27 3.1. Condicionalismo climático ..............................................................................................................................................27 3.2. Diversidade entomológica no processo de decomposição dos cadáveres .................................................28 3.2.1. Representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição ...........................................31 3.2.2. Preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental ..................................34 3.2.3. Influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera .........................................................35 3.2.4. Comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha ..............................................................36 3.2.5. Efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres ..................................37 3.3. Comparação com outros resultados registados para a Região Centro de Portugal ...............................43 3.4. Morfotipos identificados dentro das famílias Muscidae e Calliphoridae .....................................................45 4. CONCLUSÕES ..................................................................................................................................... 47 4.1. Em relação ao clima ...........................................................................................................................................................47 4.2. Em relação à representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição.....................47 4.3. Em relação à preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental ..........48 4.4. Em relação à influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera .................................48 4.5. Em relação à comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha........................................49 4.6. Em relação ao efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres .......49 4.6.1. No caso da geneta ..........................................................................................................................................................49 4.6.2. No caso dos pombos (apenas aferido para o Inverno) ....................................................................................50 4.6.3. No caso da águia-d’asa-redonda (apenas aferido para a Primavera) ........................................................50 4.6.4. No caso da raposa ..........................................................................................................................................................50 4.7. Em relação à Metodologia ..............................................................................................................................................51 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS....................................................................................................... 55 ANEXOS xiii ÍNDICE DAS FIGURAS Figura 1.1. – Exemplares de espécies incluídas em algumas das famílias mais frequentemente referidas em estudos de Entomologia Forense.................................................................................................... 6 Figura 2.1. – Ortofotomapa da área de estudo (CERVAS) (retirada do Google Earth). Fotografias das três zonas de amostragem (Z1, Z2 e Z3). .....................................................................................................20 Figura 3.1. – Precipitação e Temperatura. ............................................................................................................28 Figura 3.2. – Temperaturas máxima e mínima ao longo dos períodos de Inverno e Primavera, em cada uma das três zonas consideradas no presente estudo: Z1-azul; Z2-laranja; Z3-verde. ..........31 Figura 3.3. – Gráfico de sectores de famílias. ......................................................................................................32 Figura 3.4. – Diagrama de ordenação para a totalidade dos dados experimentais. ...........................33 Figura 3.5. – Número de indivíduos amostrados de cada família (com mais de 12 indivíduos capturados) na globalidade do esquema experimental. ................................................................................34 Figura 3.6. – Gráfico de sectores de famílias (Inverno / Primavera). ..........................................................35 Figura 3.7. – Número de indivíduos capturados de cada família (com mais de 12 indivíduos capturados na totalidade) em cada um dos dois períodos experimentais, na globalidade do esquema experimental. ................................................................................................................................................35 Figura 3.8. – Proporção do total de capturas em ambos os tipos de armadilhas (“Malaise” e pitfall) utilizados no presente estudo para as espécies com um número total de capturas superior a cinco indivíduos. .......................................................................................................................................37 Figura 3.9. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo) com o número de indivíduos capturados durante o processo de decomposição. .............................38 Figura 3.10. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo) com a temperatura corporal durante o processo de decomposição. .......................................................39 Figura 3.11. – Temperatura corporal ao longo da decomposição. Aves nas duas épocas de amostragem, quatro pombos, e mamíferos nas duas épocas de amostragem, duas genetas.......43 Figura 3.12. – Famílias reconhecidas no presente estudo (de ocorrência no Inverno e Primavera) e no estudo de Prado e Castro (2005), em relação com o processo de decomposição de cadáveres ao ar livre......................................................................................................................................................44 Figura 3.13. – Número médio de capturas para os morfotipos, dentro das famílias Muscidae (MII a MXVII) e Calliphoridae (CIII a CVII), com um número médio de espécimes identificados no presente estudo superior a 12. .................................................................................................................................45 ÍNDICE DE QUADROS Quadro 1.I. – Espécies de maior interesse cinegético e aves de pequeno porte, no PNSE. .............11 Quadro 1.II. – Mamíferos e aves de hábito alimentar predador e necrófago, do PNSE. ...................13 Quadro 1.III. – Espécies de répteis e anfíbios, registadas para o PNSE. ...................................................14 Quadro 2.I. – Espécimes utilizados em cada zona (ver subcapítulo 2.2.1) e em cada época (Inverno e Primavera)....................................................................................................................................................18 Quadro 2.II. – Condições em que se encontravam os espécimes aquando da sua exposição aos processos de decomposição......................................................................................................................................18 Quadro 2.III. – Intervalo de exposição dos espécimes utilizados em cada zona (Z1 a Z3) no final do Inverno (I) e no final da Primavera (P). ............................................................................................................21 Quadro. 3.I. – Famílias de dípteros e respectivo número médio de indivíduos capturados, em ambos os tipos de armadilha, na totalidade das colheitas, em cada situação – (Inverno, Primavera) x (mamífero, ave). ....................................................................................................................................30 Quadro 3.II. – Correspondência dos morfotipos (M - Muscidae; C - Calliphoridae) com os níveis taxonómicos identificados a jusante de família. ................................................................................................45 xiv INTRODUÇÃO 1. INTRODUÇÃO Na natureza, a reciclagem das estruturas orgânicas remanescentes após a morte dos animais (em particular dos vertebrados), constitui um processo fundamental para o equilíbrio ambiental, onde os insectos (e outros artrópodes) necrófagos se assumem como agentes decisivos, por vezes coadjuvados por simbiontes e apesar da acção dos seus predadores. Para além desta função fundamental, o estudo da entomologia de necrófagos tem-se revelado especialmente profícuo em diversas áreas do foro judicial. A relevância social do contexto legal, que impulsionou toda a investigação no âmbito da entomologia forense (EF), permitiu o seu actual estado de desenvolvimento. Assim, sem prejuízo do seu carácter forense (mas, também, por isso) aquela poderá ser diferenciada para uma nova vocação, para a qual já existem exemplos concretos (e.g., Anderson, 1999) no capítulo da gestão de áreas naturais. Face à necessidade de aperfeiçoamento do arsenal à disposição da investigação criminal, na área da defesa do ambiente, não se deverão menosprezar as potencialidades de uma disciplina que, para além de permitir a determinação do intervalo post mortem (IPM) poderá, ainda, fornecer informação decisiva noutros capítulos, como na detecção de casos de envenenamento, poluição química ou incúria para com animais em cativeiro (seja este de carácter didáctico ou para tratamento e convalescença). O estudo da dinâmica da população entomológica activa nos processos de decomposição de cadáveres, em ambiente natural, poderá deste modo constituir um indicador precioso na vigilância e controlo das áreas naturais, para além da sua função no que se refere à sua capacidade de reciclagem dos seus constituintes. Esta vertente particular do estudo da entomologia, só por si sobejamente relevante para a gestão informada dos recursos naturais, poderá assumir um carácter informativo acrescido (em particular no controlo e persuasão das actividades predatórias dos recursos faunísticos, quer de carácter lúdico quer lucrativo, por parte dos cidadãos) se a ela associarmos as metodologias, hoje em dia já bem estabelecidas, da “entomologia forense”. Mesmo que relacionados, em princípio, com o interesse forense, no âmbito da EF médico-legal, os estudos regionais da fauna sarcosaprófaga são, como sobejamente demonstrado na bibliografia (Arnaldos et al., 2006; Petrašiūnas, 2007), da maior relevância. Estão nesta linha os estudos, exclusivamente dedicados à “sucessão faunística” (SF) na decomposição de cadáveres da fauna selvagem, relativos a uma determinada região e a um determinado período do ano, tais como os levados a cabo por Arnaldos et al. (2001, 2004) em Espanha; por Turchetto et al. (2001), em Itália; por Watson (2003) e por Kimberly et al. (2005) nos EUA; mais Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 1 recentemente por Sharanowski et al. (2008) no Canadá; por Vanin et al. (2008) em Itália; por Wang et al. (2008) na China; ou ainda por Velásquez (2008), na Venezuela. Todos estes estudos, tal como Eberhardt & Elliot (2008) o demonstram, partem do reconhecimento da influência decisiva do habitat na SF e na taxa de decomposição dos cadáveres, devendo manter-se actualizados, na medida em que, como afirmam estes autores, “globalisation and climate change are overcoming geographic barriers”. Isto mesmo, já tinha sido confirmado por Turchetto & Vanin (2004) quando referem alguns casos, no Nordeste de Itália, de espécies alóctones vindas do Sul. Segundo Gupta & Setia (2004), “Along with species identification the next thing that is to be done is to identify species in various ecosystems” e para alcançar esses objectivos “the research has to be carried out in that particular area for which we are finding the species”. Em Portugal, no entanto, pese embora o crescente envolvimento da comunidade científica nestas matérias, temos apenas conhecimento de um único trabalho realizado em que são tidos em conta os condicionalismos abióticos da dinâmica e acção da fauna entomológica necrófaga in situ (Prado e Castro, 2005) no âmbito da Medicina Forense (pela natureza do animal utilizado no trabalho experimental - Sus scrofa Linnaeus, 1758). O Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), constitui uma Área Protegida, dotada de condicionalismos ecológicos muito diversificados, o que lhe confere uma enorme riqueza faunística, cuja preservação, face aos precários equilíbrios ambientais hoje em dia prevalecentes, impõe a conjugação de todo o repositório científico actualmente disponível. Como afirma Southwood (1978), no prefácio à primeira edição do seu livro “Ecological Methods”, “It is, in fact, true to say that the ecologist may have need of recourse to almost all of the methods of the biologist and many of those of the physical scientist”. Seria, pois, inconsequente ignorar as potencialidades, já demonstradas, da EF na salvaguarda, cientificamente informada, dos recursos faunísticos naturais. Face ao referido, antes de explicitar os objectivos que nortearam a actividade experimental, julgam-se ser úteis algumas considerações “sobre a entomologia forense” e “sobre o Parque Natural da Serra da Estrela”. 1.1 Sobre a Entomologia Forense A designação de Entomologia Forense refere-se ao estudo dos insectos na perspectiva da sua capacidade de informação no que diz respeito a provas do âmbito judicial. No entanto, o âmbito e o objectivo da EF têm vindo poderá transcender o estrito sentido etimológico que lhe está implícito, como resultado da evolução dos meios científicos, hoje em Introdução 2 dia postos à disposição desta disciplina, podendo constituir uma ferramenta relevante para a vigilância e controlo do equilíbrio ecológico dos ecossistemas naturais. 1.1.1. Origem da entomologia forense Como primeiro exemplo no âmbito da aplicação da EF, é recorrentemente referido o episódio relatado por Sung Tz’u (aliás, Song Ci) em 1235, numa extensa obra com o título – na tradução de McKnight (1981) – “Washing away of wrongs”, onde a descoberta de um homicídio, perpetrado por golpes de foice, por um dos ceifeiros a trabalhar num arrozal, é conseguida pela confissão, após identificação da arma do crime, viabilizada pela atracção preferencial da mesma por parte de moscas, quando as foices dos diferentes ceifeiros foram expostas ao ar livre. Não estando implícito, neste relato, um conhecimento sistematizado do estudo dos insectos que avalize a utilização do termo “entomologia” é, no entanto, indubitável o conhecimento do comportamento de certos dípteros face à presença, mesmo que vestigial, de sangue. Por outro lado, se é verdade que a forma inteligente da identificação da arma do crime levou à confissão do seu autor, trata-se na verdade de um contexto policial, sendo duvidoso (pelo menos em termos jurídicos nas sociedades democráticas contemporâneas) o seu contexto forense. Em 1668, o naturalista Redi (referido por Mégnin, 1894) demonstra, de forma irrefutável, que os vermes que se desenvolvem nos cadáveres são provenientes dos ovos das moscas, desferindo deste modo uma machadada decisiva na teoria da geração espontânea, até então prevalecente. Deste modo foi-se abrindo caminho para a EF, como ciência aplicada que, posteriormente, se viria a diferenciar, no âmbito da medicina legal. No entanto, segundo Yovanovitch (1888), é apenas em 1831 que se regista a sugestão, feita por Orfila no seu “Traité des exhumations juridiques”, da entomologia poder desempenhar uma função útil em medicina legal, sendo atribuído a Bergeret d’Arbois, em 1848 (Mégnin, 1894) o primeiro caso jurídico em que o testemunho entomológico foi decisivo. O estabelecimento de uma metodologia capaz de conferir valor jurídico a esta disciplina, cuja vocação se orienta, de início, exclusivamente para o esclarecimento de casos de homicídio, é resultado da evolução dos estudos na área da entomologia. O impulso proporcionado pelos avanços na área da sistemática, a que Lineu não é alheio, é posteriormente complementado pelos estudos na área da morfologia e da genética, os quais, servidos por um acervo de ferramentas científicas cada vez mais evoluídas – tais como a microscopia óptica e electrónica (Sukontason et al., 2005, 2006a e 2006b), a electroforese, a identificação através de DNA nuclear (Malgorn & Coquoz, 1999; He et al., 2007; Wells & Sperling, 2001; Wells & Stevens, 2008) e mitocondrial (Benecke, 1998; Wallman & Donnellan, 2001; DiZinno et al., 2002; Harvey et al., 2003; Ames et al., 2006; Harvey et al., 2008), vêm Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 3 permitir uma identificação mais precisa das espécies entomológicas (e não só) envolvidas e, com isso, uma inferência mais rigorosa dos dados em análise. Se é verdade que a EF se assume como uma área científica de pleno direito em meados do século XIX, é apenas a partir de meados do século XX que o reconhecimento da relevância desta disciplina, no foro jurídico, se torna generalizado, passando a fazer parte da rotina das investigações forenses nos países mais avançados nesta matéria. Como refere Benecke (2001a), após um novo folgo que lhe é proporcionado, inicialmente na Bélgica – com os estudos de Leclercq (1949) – e na Finlândia – em particular com os trabalhos de Nuorteva (referido por Goff, 2001) – a EF atinge a plena maturidade no final do século passado com os trabalhos de investigação desenvolvidos em diversos países, tais como os EUA, a Rússia, o Canadá, a França, o Japão e, ainda a Inglaterra e a Índia. Este autor propõe ainda o reconhecimento de Reinhart e Hofmann, da Alemanha, como cofundadores desta disciplina. 1.1.2 Âmbito da entomologia forense Como já se reconhece nos trabalhos de Mégnin (e.g. Mégnin, 1894) no âmbito da EF, para além dos insectos, são abrangidos outros artrópodes (em particular os ácaros), nele se incluindo, actualmente, uma diversidade faunística (não só de necrófagos obrigatórios, mas também das espécies que, por parasitismo ou oportunismo, lhe estão associadas) a que apenas os cordados parecem poder eximir-se. Quanto à sua finalidade, já desde o início deste Século, Benecke (2001) afirmava que “Judges, in numerous countries, finally decided that forensic entomology was suitable for use in cases ranging from tricky high profile murders to wildlife violations”; novas perspectivas, no entanto, se vão actualmente evidenciando, inclusivamente no foro do ambiente. Os estudos no âmbito da EF são, geralmente, realizados em cadáveres de porco doméstico (Sus scrofa) por ser muito similar ao cadáver humano no que diz respeito à anatomia interna, distribuição de gordura, tamanho da cavidade peitoral e falta de pelagem espessa. Com este tipo de material experimental, tal como com cadáveres de seres humanos, verifica-se que os primeiros insectos na SF pertencem geralmente à ordem Diptera, podendo manifestar-se outros taxa, mais ou menos diversos, segundo padrões sequenciais diferenciados em função dos seus hábitos alimentares e de acordo com os condicionalismos geográficos ou edafoclimáticos prevalecentes. Na sua maioria necrófagos, entre os artrópodes de interesse na EF encontram-se, no entanto, espécies dotadas de outros hábitos alimentares, tais como as predadoras, as omnívoras e as acidentais (Wolff et al., 2001). Introdução 4 Dentro da enorme diversidade da fauna artrópode que mais frequentemente é referida pelo seu interesse para a EF, é, sem dúvida, na ordem Diptera que se situa a maioria das espécies, tendo sido as moscas as testemunhas circunstanciais do que é frequentemente reconhecido como o primeiro caso de EF (McKnight, 1981). Como afirma Goff (2001) “the flies are usually the only uniformly reliable indicators of the minimum postmortem interval”, acrescentando, que a actividade de outros insectos pode reforçar uma estimativa baseada na actividade das moscas, mas não pode, só por si, indicar de forma segura o IPM. Arnott & Turner (2008) corroboram esta ilacção ao afirmar: “Using the rate of development of blowflies colonising a corpse, accumulated degree hours (ADH), or days (ADD), is an established method used by forensic entomologists to estimate the post-mortem interval”. Para além disso, os restos de material entomológico (exoesqueletos e invólucros pupais) podem permanecer nos cadáveres muito para além da decomposição total dos tecidos moles (Bourel et al., 2001a e 2001b; Archer & Elgar, 2003), permitindo informações relevantes para a investigação. Dentro da ordem Diptera, estão inseridas as famílias mais relevantes para a EF (Goff, 2001; Gennard, 2007) por nelas se incluírem as espécies pioneiras na SF (pela sua maior apetência por estados caracterizados por um maior teor de humidade), destacando-se, pela sua ubiquidade e preponderância, as seguintes: Calliphoridae, onde se incluem as “moscas varejeiras”; Sarcophagidae, compreendendo as espécies vulgarmente conhecidas por “moscas da carne” e; Muscidae, da qual fazem parte as moscas domésticas. Ainda na ordem Diptera, mas normalmente de ocorrência mais tardia na SF, destaca-se a família Piophilidae, onde se inclui a “mosca do queijo” e mais posterior ainda; a Sepsidae, ou “mosca necrófaga negra”. Algumas das espécies de dípteros mais relevantes, (algumas referidas por Gennard, 2007) para a região Holárctica, em particular a Europa, ilustram-se na figura 1.1. A ordem Coleoptera, normalmente ocorrendo em fase mais avançada do processo de decomposição dos cadáveres, comporta algumas famílias particularmente relevantes na confirmação das conclusões evidenciadas pela SF dos dípteros que, em grande parte, a antecede. A sua preferência por estados de decomposição caracterizados por um mais baixo teor de humidade, justifica a sua ocorrência mais tardia no processo de decomposição dos cadáveres (Mégnin, 1984; Watson, 2003; Arnaldos et al., 2004; Martinez et al., 2007; Sharnowsky et al., 2008; Wang et al., 2008; Eberhrdt et al., 2008). Dentro da ordem Lepidoptera, existem traças que podem, em condições de teores de humidade muito baixos, substituir os coleópteros, nas últimas fases da decomposição dos cadáveres ou alimentar-se, na fase larvar, dos pêlos dos mamíferos, sendo os derradeiros necrófagos a contribuir para a decomposição dos cadáveres (Goff, 2001). Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 5 Calliphoridae Calliphora vicina Calliphoridae Calliphora vomitoria Calliphoridae Lucilia ilustris. Calliphoridae Lucilia sericata Calliphoridae Lucilia caesar Calliphoridae Chrysomya albiceps Calliphoridae Pollenia vagabunda Fannidae Fannia cunicularis Muscidae Phaonia subventa Muscidae Musca domestica Muscidae Musca autumnalis Piophilidae Piophila casei Phoridae Phalacrotophora sp. Sarcophagidae Sarcophaga sp. Sepsidae Sepsis punctum Sphaeroceridae Copromyza equina Autores: Valter Jacinto; Rui Andrade e Brian Figura 1.1. – Exemplares de algumas das famílias mais frequentemente referidas em estudos de Entomologia Forense. Na ordem Hymenoptera, se bem que existam exemplos de necrofagia, é particularmente como predadores de outros insectos que povoam os cadáveres que as espécies nela incluídas se distinguem, causando, por vezes, problemas na análise entomológica para a determinação do IPM. As vespas, em particular as da família Vespidae, são predadores activos da generalidade dos insectos, podendo causar atrasos consideráveis no processo de decomposição. Mas é, no entanto, na família Formicidae que se encontram os predadores mais devastadores da fauna necrófaga, em particular pela sua ubiquidade e capacidade de estabelecer, rapidamente, numerosas colónias ecologicamente dominantes (Goff, 2001; Kimberly et al., 2001; Wang et al., 2008). Introdução 6 1.1.3. Finalidade da entomologia forense O conhecimento resultante do estudo dos insectos associados a cadáveres (no âmbito da generalidade dos aspectos relacionados com a sua biologia) pode ajudar a determinar uma série de circunstâncias de importância decisiva para a investigação criminal, em particular o IPM (Kashyap & Pillay, 1989; Malgorn & Coquoz, 1999; Turner & Wiltshire, 1999; Amendt et al., 2000; Byrd & Allen, 2001; Campobasso et al., 2001; Marchenko, 2001; Musvasva et al., 2001; Stærkeby, 2001; Grassberger & Reiter, 2002; Gomes & Von Zuben, 2005; Clark & Wall, 2006; Gaudry et al., 2006; Ireland & Turner, 2006; Hall & Amendt, 2007; Martinez et al., 2007; Zhu et al., 2007), tendo-se desde início afirmado, por este facto, como uma disciplina – no âmbito da medicina legal – vocacionada para a resolução de homicídios. No entanto, para além, do IPM, a EF pode proporcionar respostas, igualmente decisivas, em outros aspectos da investigação criminal, tais como, a título de exemplo: sobre deslocações do cadáver e identificação do local onde o crime realmente ocorreu (Campobasso & Introna, 2001); sobre a eventualidade de ter havido violação, pela identificação do perfil dos Short Tandem Repeats (STR) do cromossoma Y (Clery, 2001) ou; sobre a detecção de drogas e outros produtos tóxicos em tecidos em decomposição (Introna et al., 2001). O seu objectivo inicial, na resolução de casos de homicídio, tem vindo, no entanto, progressivamente a ampliar-se a outras áreas do âmbito judicial, reconhecendo-se hoje em dia, de um modo geral, três áreas diferenciadas da EF, designadamente: (i) A “EF médico-legal”, que se refere à evidência que pode ser revelada pelos insectos em situações de homicídio, suicídio, violação sexual, abuso físico e contrabando (Catts & Goff, 1992). Neste âmbito incluem-se os casos de negligência, ou abuso físico, no tratamento de crianças (Benecke & Lessig, 2001) e idosos (Benecke et al., 2004) indiciados pela evidência de miíase (Patton, 1922), que James (in Gennard, 2007) define como a invasão dos tecidos vivos do ser humano ou dos animais, por larvas de dípteros. (ii) A “EF urbana”, referente aos litígios resultantes da infestação de espaços habitacionais ou de lazer. Teria cabimento nesta área o caso, diversas vezes referido na bibliografia sobre ET, referente a uma disputa sobre a limpeza de gabinetes governamentais, resolvido, de forma exemplar, por Nuorteva (in Goff, 2001, entre outros). (iii) A “EF dos produtos armazenados”, frequentemente evocada em caso de litígios sobre infestação ou simples contaminação, por insectos – em particular os gorgulhos (coleópteros) e as traças (lepidópteros) – de produtos alimentares, comercialmente distribuídos. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 7 (iv) A “Entomotoxicologia” é a disciplina relacionada com a análise de toxinas em insectos (também aqui se extrapolando o conceito aos artrópodes) que se alimentam de cadáveres. Usando o invólucro pupal e adultos dissecados de Lucilia sericata, Bourel et al. 2001b mostram como este material permite a detecção de morfina no pó da cutícula de insectos criados em carne com 100 a 1000 mg/kg. Musvasva et al. (2001) refere que esta disciplina pode ainda informar sobre a determinação do IPM, pela sua influência na taxa de crescimento das larvas. (v) Mais recentemente, Anderson (1999) refere a “Wildlife forensic entomology” (que julgamos apropriado traduzir, de forma não totalmente literal, por “EF da fauna selvagem”), num trabalho em que relata o caso da morte ilegal de dois jovens ursos pretos. Nesta área assume particular relevância a vigilância e salvaguarda de eventuais casos de negligência, ou abuso físico, para com os animais selvagens em cativeiro (para efeitos didácticos ou tratamento e recuperação) indiciados pela evidência de miíase. No enquadramento desta última área, no entanto, o conhecimento da biologia de insectos necrófagos tem-se revelado útil, não só na perspectiva dos conhecimentos desenvolvidos no âmbito da EF médico-legal, mas também no âmbito da entomotoxicologia, como no caso da investigação da aplicação não controlada de herbicidas e pesticidas ou da utilização intencional de venenos e, também, no controlo de contaminação química não intencional, assumindo-se, deste modo, os insectos necrófagos como bioindicadores ambientais de maior relevância. 1.2. O Parque Natural da Serra da Estrela O Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE) é uma “Área Protegida” inserida na “Rede Nacional de Áreas Protegidas” sob administração do Instituto da Conservação da Natureza e Biodiversidade (ICNB), tutelado pelo Ministério do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional e está coberto pelo Sítio Rede Natura 2000 Serra da Estrela – PTCON0014. 1.2.1. Caracterização geoclimática Enquadrado nas unidades biogeográficas “Reino Holárctico, Região Mediterrânica, SubRegião Mediterrânica Ocidental, Super-província Mediterrânica Ibero-Atlântica, Província Carpetano-Ibérico-Leonesa, sector Estrelense” (Costa et al., 1998) e com uma área de 89.164 ha, o PNSE abrange toda a zona da Serra da Estrela, distribuindo-se por seis concelhos e 79 freguesias, designadamente a totalidade do concelho de Manteigas e parte dos concelhos de Celorico da Beira, Guarda, Covilhã, Seia e Gouveia. Introdução 8 A Serra da Estrela – desenvolvendo-se de Sudoeste para Nordeste, numa extensão de cerca de 115km, com uma largura média de 25km e localizando-se na região centro de Portugal, onde se assume como o sistema montanhoso mais marcante da orografia do território continental nacional – constitui um maciço predominantemente granítico com alguns afloramentos xistosos. Entre a Serra da Peña de Francia (em Espanha) e a Serra do Açor (em Portugal) e subindo até uma altitude máxima de 1993m (a mais alta de Portugal Continental), a Serra da Estrela integra-se na parte ocidental da Cordilheira Central Ibérica. As unidades geológicas predominantes na região são constituídas, essencialmente, pelas rochas graníticas de idade Varisca e as rochas metassedimentares de idade PrecâmbricaCâmbrica atravessadas, nas regiões mais baixas, por depósitos aluvionares e glaciários do Quaternário. A mega estrutura regional designada por “zona de falha de Bragança-VilariçaManteigas”, é particularmente relevante na tectónica da área da Serra, correspondendo, como assinalam Afonso et al. (2006), “a um deslizamento de movimento esquerdo que constitui uma das mais importantes estruturas crustais do sistema tardi-Varisco e fracturas do Noroeste da Ibéria”. De entre as condicionantes macroclimáticas que afectam a Serra da Estrela destaca-se o sistema Temperado, que actua de Norte para Sul, e o Sub-Mediterrânico, que actua de Sudeste para Noroeste. A somar-se a estas condicionantes, a influência oceânica (exercida de Oeste para Leste) faz com que esta seja a serra do sistema Central-Ibérico que apresenta o carácter atlântico mais bem definido (Costa et al, 1998), situando-se a 100km do oceano. Por outro lado, as influências continentais (que aqui se exercem de Leste para Oeste) acentuam o carácter SubMediterrânico, muito embora de uma forma mais atenuada que nas restantes regiões a Leste. Como resultado destes factores, de acordo com Daveau, Vieira e Mora (in Afonso et al., 2006), o clima da Serra da Estrela apresenta características mediterrânicas (com Verões quentes e secos e Invernos chuvosos). Segundo o relatório do plano de ordenamento para o PNSE (POPNSE) de Agosto do corrente ano (ICN, 2008), a estação húmida desenvolve-se desde Outubro até Maio, tendo sido registados os valores mais elevados de precipitação, entre os meses de Novembro e Março. A precipitação média anual, fundamentalmente condicionada pela altitude e exposição, varia, sensivelmente, entre os 900mm (como por exemplo no Vale do Mondego) e 2000mm, sendo superior a este último valor na maior parte dos planaltos superiores e chegando a ultrapassar os 2500mm nas imediações da Torre. Por força da orientação do relevo em relação à deslocação normal da atmosfera, a zona ocidental do maciço, exposta aos fluxos dominantes das massas de ar marítimo, apresenta um maior número de dias com precipitação do que a zona oriental, muito embora o valor médio anual da precipitação seja ligeiramente inferior. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 9 Em relação ao regime térmico, a altitude e grande massa do maciço Central, condicionam o gradiente vertical de temperatura por força da condensação nas massas de ar húmido de origem oceânica. Também, segundo os dados do relatório do POPNSE, as temperaturas médias nunca descem abaixo dos 0ºC, e os meses mais frios são os de Dezembro, Janeiro e Fevereiro. Em Janeiro e Fevereiro foram registados os valores médios e absolutos mais baixos (valor mínimo registado -16ºC em Fevereiro, nas Penhas da Saúde). Os meses mais quentes são os de Julho e Agosto, sendo a temperatura média de 20ºC, podendo as temperaturas absolutas ultrapassar os 30ºC. 1.2.2. Caracterização ecológica Tradicionalmente, a demarcação dos domínios ecológicos no PNSE é feita, de uma forma muito esquemática, em função da altitude, definindo-se três andares, nomeadamente: (i) o “Basal”, que sobe até aos 900m e que é caracterizado por clima mesomediterrânico, um domínio da série sub-húmida do azinhal do Pyro bourgeanae – Quercetum rotundifoliae, pelo sobreiral mesomediterrânicos sub-húmidos a húmidos do Sanguisorbo agrimonioidis Quercetum suberis e pelo carvalhal-negral húmido do Arbuto unedonis - Quercetum pyrenaicae, sendo uma zona de aproveitamento cultural intenso; (ii) o “Médio” que se situa entre as altitudes dos 900m e os 1300m - de acordo com Pena & Cabral (1989) - ou entre os 900m e os 1600m – tal como definido na Rede Natura 2000 e de acordo com o POPNSE – e se caracteriza por um clima supramediterrânico e por diversos matos, sendo dominado pelo carvalhal-negral húmido do Holco mollis - Quercetum pyrenaicae (a parte superior do andar intermédio, cerca dos 1200m, corresponde a uma zona de transição onde começa a dominar o Bidoal da Saxifrago spathularidis – Betuletum celtibericae) e, mais acima; (iii) o “Superior”, que vai dos 1300m aos 1993m, caracterizado por um clima oromediterrânico, onde predomina o zimbral climácico endémico da Lycopodio clavati – Juniperetum nani. Na sua complexidade orográfica, onde domina o Planalto Central, coexistem diversos tipos de outras paisagens, tais como as cristas, os planaltos a menor altitude, as encostas, os vales glaciares e os vales mais recentes com cursos de água de maior ou menor permanência. O tipo de relevo, a exposição, o substrato geológico e as características edáficas são os factores primordiais de uma enorme variedade de condições ambientais específicas, traduzindo-se numa grande diversidade de unidades ecológicas e, por consequência, numa grande diversidade específica. A abundância da água do degelo alimenta uma rede hidrográfica onde se destacam o Mondego, o Zêzere, o Alva e o Seia, diferenciando-se uma variedade assinalável de condições ambientais, que se traduz na riqueza da sua flora e fauna selvagens. Introdução 10 O PNSE constitui o local mais representativo do País para espécies da flora e comunidades vegetais associadas a elevadas altitudes, proporcionando ambientes privilegiados para a conservação dos recursos genéticos de algumas espécies raras e endémicas. São, no entanto, cada vez mais evidentes as consequências da penetração da revolução industrial (assaz modesta), do progressivo abandono dos sistemas agrícolas tradicionais (este, sim, bem marcado), da ausência de uma política cinegética consentânea com as sustentabilidade das suas potencialidades reais (e na falta de cumprimento das insuficientes medidas legais existentes), do progressivo avanço de espécies arbóreas e arbustivas exóticas (em particular as invasoras como, por exemplo, as acácias) e do flagelo dos incêndios. As vítimas imediatas destes factores de erosão da diversidade genética são os pequenos vertebrados (como os anfíbios, as pequenas aves e os herbívoros e outros roedores de pequeno porte) com a consequente depauperação faunística a montante da cadeia alimentar. Neste contexto, assumem particular relevância as espécies de maior interesse cinegético, como o coelho-bravo e a lebre ibérica. O javali, até há pouco tempo considerado extinto, voltou a aparecer nestas paragens, como resultado do galopante desaparecimento do lobo-ibérico (quadro 1.I.). Quadro 1.I. – Espécies de maior interesse cinegético e aves de pequeno porte, no PNSE. Nome vernáculo Designação científica Categorias da União para a Conservação* Coelho-bravo Oryctolagus cuniculus (Linnaeus, 1758) NT Lebre ibérica Lepus granatensis Rosenhauer, 1856 LC Javali Sus scrofa Linnaeus, 1758 LC Tordo-pinto Turdus philomelos CL Brehm, 1831 NT Pombo-torcaz Columba palumbus Linnaeus, 1758 LC Perdiz-cinzenta Perdix perdix (Linnaeus, 1758) RE Codorniz Coturnix coturnix (Linnaeus, 1758)). LC Gralha-de-bicoPyrrhocorax pyrrhocorax (Linnaeus, EN vermelho 1758) Corvo Corvus corax Linnaeus, 1758 NT Alvéola-branca Motacilla alba Linnaeus, 1758 LC Ferreirinha-alpina Prunella collaris Scopoli, 1769 NT Poupa Upupa epops Linnaeus, 1758 LC * Versão 3.1 (IUCN 2001, 2003): Cabral et al. (2005). LC – Pouco Preocupante; NT – Quase Ameaçado; VU – Vulnerável; EN – Em Perigo; CR – Criticamente em Perigo; DD – Informação insuficiente e RE – Regionalmente Extinto. Ainda a jusante da cadeia alimentar, vêm somar-se as aves como o grupo faunístico mais representativo, com 151 espécies (17 ordens, representando 77% de todas as ordens da avifauna portuguesa), sendo a ordem mais numerosa a Passeriformes que inclui espécies como a gralha-de-bico-vermelho, o corvo, o tordo-pinto, a alvéola-branca e a ferreirinha-alpina. São Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 11 também exemplo da avifauna de pequeno porte da Serra da Estrela espécies como a poupa, pertencente à ordem Coraciiformes, o pombo-torcaz, da ordem Columbiformes, e as galiformes, perdiz-cinzenta e codorniz. Segundo o relatório do POPNSE, 91 espécies são nidificantes, 16 são invernantes e 17 usam a serra como local de passagem. No que se refere aos predadores, as consequências da degradação ambiental são ainda mais óbvias, atingindo, indiscriminadamente, mamíferos e aves. Entre os mamíferos que ainda podem ser vistos destaca-se o gato-bravo, o morcego-depeluche, o toirão, a doninha, a fuinha, o texugo, o sacarrabos, a lontra, a raposa, a geneta e, embora raro, o lobo (em síntese no quadro 1.II). Na classe das aves, podem ainda ser vistas espécies dentro da ordem Falconiformes tais como o milhafre-preto, o tartaranhão-caçador, o tartaranhão-ruivo-dos-pauis, o abutre-preto, o abutre-do-Egipto, o grifo, águia-cobreira, o açor, o gavião, a águia-d’asa-redonda, a águia-real, a águia-calçada, o peneireiro e a águia de Bonelli; dentro da ordem Strigiformes, o mochogalego, bufo-real, mocho-d’orelhas, a coruja-do-mato e a coruja-das-torres; dentro da ordem Ciconiformes, a cegonha-branca e a cegonha-negra e ainda, dentro da ordem Grouiformes, o grou (quadro 1.II.). Igualmente em risco de perda de variabilidade genética encontra-se uma ampla diversidade de répteis e anfíbios, tais como a lagartixa-do-mato-ibérica, a lagartixa-damontanha, salamandra-lusitânica, rã-de-focinho-pontiagudo, a cobra-lisa-europeia (quadro 1.III.). No capítulo dos invertebrados, a fauna registada é uma das mais ricas do país, cabendo aos insectos a maior representação, em particular aos coleópteros (cerca de 800 espécies já inventariadas), seguidos dos lepidópteros (com aproximadamente 550 espécies) e dos himenópteros (com mais de 260 espécies). Nas restantes ordens de insectos (com cerca de 400 espécies reconhecidas) incluem-se os dípteros, os hemípteros, os ortópteros, os odonatos e os dermápteros. Aos aracnídeos (com mais de 100 espécies) e miriápodes (com cerca de 20 espécies) soma-se, ainda, um número reduzido de outros artrópodes (Grosso, 2003). Cabe pois, assim, a organismos oficiais como o ICNB a tutela dos recursos naturais do PNSE, tendo para o efeito, como unidade operacional na Serra da Estrela, o Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens” (CERVAS). Em simbiose, organismos como o “Centro de interpretação da Serra da Estrela” (CISE), pertencente ao município de Seia, e outras organizações não governamentais (ONG), tal como a associação “ALDEIA”, têm vindo a desempenhar um papel de relevo na sensibilização relativamente a questões ligadas ao património ambiental da Serra da Estrela, através da promoção de actividades no âmbito da Introdução 12 educação ambiental, interpretação da natureza, turismo da natureza e da preservação da cultura e tradições que sobrevivem nos meios rurais. Quadro 1.II. – Mamíferos e aves de hábito alimentar predador e necrófago, do PNSE. Nome vernáculo Designação científica Categorias da União para a Conservação* Gato-bravo Felis silvestris Schreber, 1775 VU Morcego-de-peluche Miniopterus schreibersi (Kuhl, 1817) VU Toirão Mustela putorius Linnaeus, 1758 DD Doninha Mustela nivalis Linnaeus, 1766 LC Fuinha Martes foina (Erxleben, 1777), LC Texugo Meles meles (Linnaeus, 1758) LC Sacarrabos Herpestes ichneumon (Linnaeus, 1758) LC Lontra Lutra lutra (Linnaeus, 1758) LC Raposa (1) Vulpes vulpes (Linnaeus, 1758) LC Geneta (1) Genetta genetta (Linnaeus, 1758) LC Lobo Canis lupus signatus Cabrera, 1907 LC Milhafre-preto Milvus migrans (Boddaert, 1783) LC Tartaranhão-caçador Circus pygargus (Linnaeus, 1758) EN Tartaranhão-ruivo-dosCircus aeruginosus (Linnaeus, 1758) VU pauis Abutre-preto (1) Aegypius monachus Linnaeus, 1766 CR Abutre do Egipto Neophron percnopterus (Linnaeus, EN 1758) Grifo (1) Gyps fulvus (Hablizl, 1783) NT Águia-cobreira Circaetus gallicus (Gmelin, 1788) NT Açor Accipiter gentilis (Linnaeus, 1758) VU Gavião Accipiter nisus (Linnaeus, 1758) LC Águia-d’asa-redonda (1) Buteo buteo (Linnaeus, 1758) LC Águia-real Aquila chrysaetos (Linnaeus, 1758) EN Águia-calçada Hieraaetus pennatus (Gmelin, 1788) NT Peneireiro Falco tinnunculus Linnaeus, 1758 LC Águia de Bonelli Hieraaetus fasciatus (Vieillot, 1822) EN Mocho-galego Athene noctua (Scopoli, 1769) LC Bufo-real Bubo bubo (Linnaeus, 1758) NT Mocho-d’orelhas (1) Otus scops (Linnaeus, 1758) DD Coruja-do-mato (1) Strix aluco Linnaeus, 1758 LC Coruja-das-torres Tyto alba Scopoli, 1769 LC Cegonha-branca Ciconia coconia (Linnaeus, 1758) LC Cegonha-negra Ciconia nigra (Linnaeus, 1758) VU Grou Grus grus (Linnaeus, 1758) VU * Versão 3.1 (IUCN 2001, 2003): Almeida et al. (2005). LC – Pouco Preocupante; NT – Quase Ameaçado; VU – Vulnerável; EN – Em Perigo; CR – Criticamente em Perigo; DD – Informação insuficiente. (1) - Espécies com maior número de ingressos no “Centro de Ecologia, Recuperação e Vigilância de Animais Selvagens” (CERVAS) em 2007 (PNSE, 2007). Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 13 Quadro 1.III. – Espécies de répteis e anfíbios, registadas para o PNSE. Nome vernáculo Designação científica Categorias da União para a Conservação* Lagartixa-do-matoPsammodromus hispanicus Fitzinger, NT ibérica 1826 Lagartixa-da-montanha Lacerta monticola Boulenger, 1905 VU Salamandra-lusitânica Chioglossa lusitanica Bocage, 1864 VU Rã-de-focinhoDiscoglossus galganoi Capula, NT pontiagudo Nascetti, Lanza, Bullini & Crespo, 1985 Cobra-lisa-europeia Coronella austriaca Laurenti, 1768 VU * Versão 3.1 (IUCN 2001, 2003): Cabral et al. (2005). NT – Quase Ameaçado; VU – Vulnerável. 1.3 Objectivos do presente estudo Na sequência dos profícuos resultados, e consequente consolidação, dos estudos de entomologia na área da Medicina Legal, em relação a cadáveres humanos ou seus simulacros (traduzidos num real valor informativo, sobejamente demonstrado em casos concretos), tem-se desenvolvido um interesse crescente na área da Veterinária Forense, com base no estudo da colonização entomológica de cadáveres da fauna selvagem (e.g. Anderson, 1999). Assim, a EF da Fauna Selvagem visa a monitorização das causas de morte das espécies protegidas (ou da fauna espontânea em geral) de forma a permitindo, ainda, uma avaliação mais correcta da situação das diferentes espécies e do equilíbrio ecológico em geral, viabilizando, deste modo, uma mais perfeita gestão ambiental. Na ausência em Portugal, e concretamente no PNSE, de informação nesta matéria, este estudo, a par de uma sucinta abordagem da SF, pretende contribuir, numa primeira aproximação parcelar, para o desbravar do conhecimento das diferenças mais marcantes – face a diferentes condicionantes abióticas e bióticas – em relação aos resultados até agora verificados na identificação da fauna de dípteros, de forma a viabilizar um delineamento mais rigoroso e objectivo dos futuros estudos a realizar na área da “EF da fauna selvagem” contribuindo, ao mesmo tempo, para uma melhor informação dos estudos na área da “EF médico-legal”. Em conformidade com o que atrás referimos, no presente trabalho, não sendo possível ambicionar qualquer “break through” na área do estudo de insectos necrófagos aplicado à gestão de recursos naturais, pretendemos apresentar, de forma preliminar, a diversidade de artrópodes, com ênfase especificamente nos dípteros, que povoam os cadáveres de alguns vertebrados (aves e mamíferos) da macrofauna autóctone da Serra da Estrela, em duas estações sucessivas do ano (Inverno e Primavera). Introdução 14 Face à parcimónia dos dados de que dispomos, ocorre-nos a afirmação de Krebs (1989) de que “in some cases it is impossible to collect a sufficient amount of data, given normal budgetary restraints”. Muito embora restrito no espectro microclimático que condiciona os fenómenos biológicos na globalidade da área do PNSE, o trabalho experimental assume-se, no entanto, como pioneiro na angariação de dados que, somados à posterior experimentação in situ no PNSE poderão consolidar o conhecimento da dinâmica da fauna entomológica local, de modo a informar as futuras acções de experimentação, gestão, fiscalização e controlo. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 15 MATERIAL E MÉTODOS 2. MATERIAL E MÉTODOS Na concepção do delineamento experimental de campo da presente abordagem ao estudo preliminar da sucessão entomológica com incidência na Ordem Diptera, em diferentes cadáveres de animais selvagens, foram ponderadas as condicionantes fundamentais (de natureza biótica e abiótica) da diversidade e dinâmica da fauna entomológica considerada e concebidos os dispositivos de campo que, face aos recursos disponíveis, pareceram mais adequados. 2.1. Caracterização das condicionantes bióticas No âmbito das condicionantes de natureza biótica, reconhecem-se como particularmente relevantes as variáveis associadas às características individuais do cadáver, tais como: A espécie, pelas características biológicas a ela associadas, como por exemplo, a massa corporal e a natureza e quantidade do revestimento cutâneo; A idade, em particular pela sua influência na massa corporal e; As causas de morte, na medida em que estas interfiram na exposição de tecidos moles e líquidos humorais do cadáver. O delineamento experimental comportou, em cada local e em cada época, sempre que possível, a utilização do cadáver de um animal adulto de uma espécie de cada uma de duas classes (uma de um mamífero e outra de uma ave) da fauna autóctone (ou mesmo alóctone, desde que, reconhecidamente, já bem adaptada como no caso da geneta que é uma espécie originária da Etiópia), facultados pelo CERVAS, em função das eventuais oportunidades. No entanto, nas duas épocas de estudo (ver subcapítulo 2.2.1) não houve disponibilidade de cadáveres de animais selvagens suficientes, para o número de armadilhas proposto, pelo que se optou por utilizar, também, cadáveres de animais domésticos que, pela sua afinidade filogenética, constituem um simulacro adequado dos animais selvagens de idêntica constituição morfológica, anatómica e fisiológica. Dadas as referidas contingências, de entre os animais selvagens, foram usados, tal como se pode ver, em síntese, no Quadro 2.I., os seguintes cadáveres: dois de geneta (Genetta genetta), neste trabalho referenciados por G1 e G2, um de raposa (Vulpes vulpes), referenciado por V, e um de águia-d’asa-redonda (Buteo buteo), referenciado por B. De entre os animais domésticos, foram usados cadáveres de quatro pombos domésticos (Columba livia), referenciados por C1, C2, C3, e C4, de quatro coelhos (Oryctolagus cuniculus), referenciados por O1, O2, O3, e O4 e um de leitão (Sus scrofa), referenciado por S. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 17 Quadro 2.I. – Espécimes utilizados em cada zona (ver subcapítulo 2.2.1) e em cada época (Inverno e Primavera). Zona/Época/Espécime Nome Científico Causa de morte Z1/I/O1 Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758) Desconhecida Z1/I/C1 Columba livia (Gmelin 1789) Imolação Z2/I/O2 Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758) Desconhecida Z2/I/C2 Columba livia (Gmelin 1789) Imolação Z3/I/G1 Genetta genetta (Linnaeus 1758) Atropelamento Z3/I/C3 Columba livia (Gmelin 1789) Imolação Z1/P/O3 Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758) Desconhecida Z1/P/B Buteo buteo (Linnaeus 1758) Tiro Z1/P/C4 Columba livia (Gmelin 1789) Imolação Z2/P/S Sus scrofa Linnaeus 1758 Desconhecida Z2/P/G2 Genetta genetta (Linnaeus 1758) Atropelamento Z2/P/V Vulpes vulpes (Linnaeus 1758) Atropelamento Z3/P/O4 Oryctolagus cuniculus (Linnaeus 1758) Desconhecida Os espécimes conservados pelo frio (-20 º C) foram expostos ao processo de decomposição após a sua total descongelação; os espécimes deliberadamente sacrificados para efeito do presente trabalho experimental foram colocados na mesma situação imediatamente após sua imolação; os espécimes recebidos no CERVAS, para alimentação das espécies carnívoras (em cativeiro para tratamento e recuperação) foram expostos ao processo de decomposição num período post mortem inferior a 24 horas tendo sido transportados em sacos selados e os espécimes que morreram já no CERVAS foram colocados na mesma situação num período post mortem inferior a 12 horas. As condições em que se encontravam os espécimes utilizados neste estudo foram as que se podem ver, em síntese, no Quadro 2.II.. Quadro 2.II. – Condições em que se encontravam os espécimes aquando da sua exposição aos processos de decomposição. Espécime Condições no início do ensaio Z1/I/O1 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas) Z1/I/C1 Após imolação no CERVAS, sem derramamento de sangue Z2/I/O2 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas) Z2/I/C2 Após imolação no CERVAS, sem derramamento de sangue Z3/I/G1 Fresco (período post mortem inferior a 12 horas) Z3/I/C3 Após imolação no CERVAS sem derramamento de sangue Z1/P/O3 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas) Z1/P/B Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte) Z1/P/C4 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas) Z2/P/S Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte) Z2/P/G2 Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte) Z2/P/V Após dois dias de descongelação (posta a congelar imediatamente após a morte) Z3/P/O4 Fresco (período post mortem inferior a 24 horas) Material e Métodos 18 2.2. Caracterização das condicionantes abióticas No âmbito das condicionantes de natureza abiótica, a localização e a época do ano são consideradas como decisivas pela sua relevância na configuração das variáveis associadas às características climáticas, que se referem à própria prevalência das espécies entomológicas, e microclimáticas, associadas às condições necessárias para a sua interveniência, tais como: A localização geográfica, na medida da definição climática; A altitude e exposição ao vento e ao sol, pela relevância na definição microclimáticas e por interferência destes factores nas condições de intervenção da fauna entomológica. Deste modo, a oportunidade, a localização e o dispositivo experimental de campo foram assumidos como as condicionantes abióticas mais relevantes para o objectivo do presente estudo. 2.2.1. Oportunidade O trabalho experimental de campo foi realizado em duas épocas distintas: Época de Inverno (I) – no final do Inverno, com início a 12 de Fevereiro e termo a 26 de Março, Época de Primavera (P) – no final da Primavera, com início a 22 de Maio e termo a 6 de Julho. Apesar das datas terem sido determinadas pelos constrangimentos temporais do trabalho, estas acabam por ser representativas de duas épocas do ano bem definidas, contribuindo assim, para a relevância dos resultados. 2.2.2. Localização A área de estudo localizou-se nos terrenos do CERVAS, situados numa área florestal, em Gouveia, entre os 700m e os 750m de altitude (andar basal), numa encosta exposta a NW. Neste espaço, tal como assinalado na figura 2.1., elegeram-se três locais diferenciados em função do ensombramento e da exposição aos ventos, nomeadamente: Zona 1 Referenciada por “Z1”, situa-se perto do edifício principal do CERVAS, na zona mais baixa dos terrenos do “Centro” (altitude de 710m, latitude de 7º34’30.02’’W e longitude de 40º30’09.81’’N). É uma zona de baixo ensombramento, moderadamente protegida do vento, devido à proximidade de alguns pinheiros e do edifício principal do CERVAS. Zona 2 Referenciada por “Z2”, situa-se perto do túnel de voo (altitude 714m, latitude 7º34’27.74’’W e longitude 40º30’10.26’’N). É a zona mais exposta ao vento, tendo apenas vegetação rasteira em volta. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 19 Zona 3 Referenciada por “Z3”, situa-se, por trás das câmaras de muda, na zona mais elevada (altitude de 724m, latitude de 7º34’28.28’’W e longitude de 40º30’08.09’’N). Esta é uma zona pouco exposta ao sol e ao vento, estando protegida pelas câmaras de muda e por vegetação arbustiva e arbórea que se encontra em volta. Z1 Z2 Z3 Figura 2.1. – Ortofotomapa da área de estudo (CERVAS) (retirada do Google Earth). Fotografias das três zonas de amostragem (Z1, Z2 e Z3). 2.2.3. Dispositivos experimentais de campo Os dispositivos experimentais de campo (DEC), concebidos para o presente estudo, comportam uma estrutura, em “Dexion”, de suporte das armadilhas para insectos e protecção contra predadores vertebrados, constituída por perfis metálicos, em “L” (dez, de 50cm de comprimento, e outros dois, de 1m de comprimento) aparafusados de maneira a formar uma estrutura semelhante a uma cadeira com uma base cúbica e um espaldar quadrado (ambos com 0,5m de lado); no cubo de base do DEC aplicou-se uma rede metálica com malha quadrada, de 2cm de lado e uma rede mosquiteira (em PVC) em duas das faces do cubo (figura Figura 2.2. – Dispositivo experimental de campo (DEC), montado na área de estudo. 2.2.). Material e Métodos 20 Em cada uma das zonas experimentais atrás referidas foram colocados dois DEC, servidos por um termómetro de temperaturas máximas e mínimas. No presente trabalho, cada DEC, com o respectivo espécime e em cada época constitui uma unidade experimental (UEx), sendo esta referida pela associação das referências da zona, da época e do espécime, separadas por barra. Por exemplo: Z1/I/O refere-se à UEx na Zona 1, na época de Inverno, com o espécime “coelho”. 2.2.4. Disposição dos espécimes nos dispositivos experimentais de campo Em cada zona (Z1 a Z3) e em cada um dos dois períodos experimentais (I e P) foram colocados, sempre que possível, um cadáver de ave, num dos DEC e outro de mamífero, no outro DEC de modo a minimizar a influência das variáveis aquando da comparação da entomofauna nos diferentes cadáveres. Esta duplicidade de classes (mamífero + ave), em cada zona, não foi no entanto efectuada nas UEx Z1/P/C4, Z3/P/O4, Z2/P/S e Z2/P/V, em virtude da falta de disponibilidade de cadáveres de aves no início da segunda época. Os intervalos de exposição dos espécimes utilizados em cada zona (Z1 a Z3), na época de Inverno (I) e na época de Primavera (P) inserem-se, em síntese, no Quadro 2.III. A discrepância do número de dias de exposição dos cadáveres deve-se ao facto de alguns destes terem sido levados por um predador nocturno desconhecido. Quadro 2.III. – Intervalo de exposição dos espécimes utilizados em cada zona (Z1 a Z3) no final do Inverno (I) e no final da Primavera (P). Unidade experimental Intervalo de exposição Número de dias Observações Z1/I/O1 15 a 19 Fevereiro 4 * Z1/I/C1 13 Fevereiro a 17 Março 34 Z2/I/O2 15 a 21 Fevereiro 6 * Z2/I/C2 13 a 18 Fevereiro 6 * Z3/I/G1 13 Fevereiro a 26 Março 43 Z3/I/C3 13 Fevereiro a 20 Março 37 Z1/P/O3 22 Maio a 3 Junho 13 *** Z1/P/B 22 Maio a 6 Julho 46 Z1/P/C4 17 Junho a 6 Julho 20 Z2/P/S 22 Maio a 3 Junho 13 ** Z2/P/G2 22 Maio a 6 Julho 46 Z2/P/V 17 Junho a 6 Julho 20 Z3/P/O4 22 Maio a 3 Junho 13 * * Levado por predador nocturno (não substituido). ** Levado por predador nocturno e substituído, a 17 de Junho, por uma raposa (Z2/P/V). *** Levado por predador nocturno e substituído, a 17 de Junho, por um pombo (Z1/P/C4). Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 21 2.3. Amostragem da fauna entomológica São inúmeros os métodos de captura de material entomológico. Nos estudos da dinâmica dos insectos, os métodos de captura do material entomológico são da maior relevância, em particular na área da EF onde essa importância se estende, inclusivamente, aos métodos utilizados para matar e preservar as larvas (Day & Wallman, 2008). Estas são primordiais na determinação do IPM, pela circunstância de que, como assinalam Adams & Hall (2003), “tratando-se de organismos poiquilotérmicos, o ritmo de crescimento das larvas é, essencialmente, uma função da temperatura e do tempo”. Os métodos de colheita de insectos, no entanto, divergem consoante se trata de estudos directamente relacionados com a investigação criminal – para os quais, entre outros, Amendt & Hall (2007) descrevem o equipamento mais adequado – ou com estudos na área do reconhecimento entomológico e sua dinâmica. Como afirmam Schoenly et al. (2007) "Pitfall traps and hand collections were broadly effective at sampling both fly and beetle populations, whereas aerial netting and sticky traps mostly targeted flies”. Em conformidade, no presente estudo, para a amostragem da fauna díptera, foram utilizados dois tipos de armadilha: uma do tipo pitfall (colocada dentro de cada DEC, junto ao cadáver) e outra do tipo “Malaise” (montada sobre o DEC). 2.3.1. Armadilha do tipo pitfall Um dos tipos de armadilhas usadas para o estudo da comunidade entomológica foi a armadilha de queda, vulgarmente denominada pitfall. Estas armadilhas consistem em recipientes de material variado, enterrados no solo, ficando o bordo ao nível da superfície. Este tipo de armadilha é particularmente vocacionado para a amostragem de artrópodes com actividade à superfície do solo (Luff, 1975; Halsall & Wratten, 1988; New, 1998), como por exemplo, aracnídeos, alguns grupos de coleópteros, Figura 2.3. – Pitfall montada no dispositivo himenópteros (Luff, 1975; De Keer & Maelfait, 1987; Romero & Jaffe, 1989; New, 1998) e dípteros (Hutson, 1978; Mclean, 1978). Existem diversos tipos de armadilhas de queda, variando na forma, material de construção (Luff, 1975) e noutras características, como a acoplagem de iscos (Romero et al., 1989), barreiras na superfície ou a utilização de líquido conservante (Greenslade & Greenslade, 1971; Waage, 1985; Desender & Maelfait, 1986; New, 1998). Material e Métodos 22 Entre os conservantes, o etilenoglicol tem sido muito utilizado neste tipo de trabalhos pois possui uma baixa toxicidade, é inodoro e evapora lentamente, matando rapidamente os animais e conservando-os durante cerca de duas semanas. De forma a diminuir a tensão superficial do líquido conservante e evitar a fuga de animais, devem ainda adicionar-se algumas gotas de detergente. Este tipo de armadilha pode ainda ser modificado de forma a obter informação mais específica, como por exemplo, sobre variações dos ritmos de actividade de espécies num determinado habitat, ciclos de vida e períodos reprodutivos (Hagvar et al., 1978) ou sobre a movimentação geográfica (Pausch et al., 1979; De Keer & Maelfait, 1987). Os dados obtidos na amostragem com armadilhas de queda dizem respeito ao número relativo de indivíduos capturados mas, também podem ser usados para aferir a diversidade de uma comunidade (Luff, 1996; Halsall & Wratten, 1988). Pelo que, os dados vão depender, não só da densidade e respectivo nível e período de actividade (Greenslade, 1964; Luff, 1996) como também de outras características biológicas e das características das próprias armadilhas (Luff, 1975) ou, ainda, de variáveis ambientais, como por exemplo o tipo de vegetação presente (Greenslade, 1964). O facto de serem pouco dispendiosas, relativamente simples de utilizar e permitirem uma apropriada recolha de indivíduos a um correcto tratamento estatístico, tornouas num dos instrumentos mais utilizados no estudo de insectos e de outros artrópodes terrestres (Luff, 1975; Spence & Niemela, 1994; Halsall & Wratten, 1988) desde a publicação de Barber, em 1931, (in Dormann, 2000). Para este tipo de armadilhas, no presente trabalho utilizaram-se copos de plástico, com 15cm de altura e diâmetro de 8,7cm (figura 2.3.). Como líquido conservante utilizou-se etilenoglicol (Schmidt et al., 2006), a que se adicionou algumas gotas de detergente, tendo o cuidado de manter sempre cerca de 1/3 do volume do copo, face à variação do volume total em função das condições meteorológicas (determinando excesso em tempo de chuva e défice em tempo quente e seco). No entanto, a comparação do uso de diferentes pitfall (isto é, recipientes de diferentes materiais, tamanhos, etc.) e características associadas a este método, acima referidas, revelam uma eficiência diferencial das mesmas (Thomas & Sleeper, 1977) e a sua ineficiência na determinação da abundância (Kaufmann, 2001), impondo uma particular atenção aquando da análise dos dados (Baars, 1979), e tornando-se imperativo o uso de outro tipo de amostragem complementar (Spence & Niemela, 1994; Romero & Jaffe, 1989). Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 23 2.3.2. Armadilha do tipo “Malaise” A armadilha, cujo princípio e modo de operar se baseia na intersecção de voo e no fototropismo dos insectos, consiste basicamente numa barreira de pano que não deixe passar os insectos, direccionando-os para um recipiente, com líquido preservante, colocado no topo da armadilha (Campos et al., 2000). É uma armadilha que prima pelo seu grande potencial de captura e facilidade de uso (e.g. Ellis & Thomas, 1994 in Campos et al., 2000). O facto de ser de fácil montagem, de baixo custo e de capturar insectos sem a necessidade da presença do operador por longos períodos, são algumas das vantagens desta armadilha (Campos et al., 2000). As “Malaise” têm-se revelado úteis na captura de insectos pertencentes à ordem Hymenoptera, Diptera, Thysanoptera e de outras (Darling & Packer, 1988; Strickler & Walker, 1993; Olsen & Midtgaard, 1996; Basset & Springate, 1992; Dutra & Marinoni, 1994; Ellis & Thomas, 1994 in Campos et al., 2000). Como afirma Mclean (1978) referindo-se a armadilhas “Malaise”, “It is excellent for collecting flying Diptera”. Desde o modelo inicialmente proposto por Malaise, em 1937 (Steyskal, 1981 in Campos et al., 2000), têm sido feitos diferentes ajustes consoante a necessidade e objectivo do trabalho dos investigadores. A todos esses modelos adaptados se tem dado o nome genérico de “Malaise”. Assim, e para simplificar, manter-se-á a denominação de “Malaise” para a armadilha concebida para o presente trabalho. A “Malaise” consistiu numa rede mosquiteira em PVC, cozida em forma de cunha, apoiada na parte superior do espaldar do DEC e estendendo-se Figura 2.4. – “Malaise” adaptada ao presente trabalho, montada na área de estudo. para além das arestas superiores do cubo basal, por forma a canalizar a saída de insectos para a mangueira de plástico transparente que os direcciona para os frascos de captura (figura 2.4.). As mangueiras de plástico serviram de suporte aos frascos de captura por fixação às respectivas tampas e estão, por sua vez, fixadas à parte mais alta do espaldar do DEC (1m de altura) de modo a que a recolha se processasse da forma o mais selectiva possível, garantindo que os espécimes recolhidos estejam relacionados com o cadáver. Como líquido conservante utilizou-se, também aqui, o etilenoglicol. Material e Métodos 24 2.3.3. Recolha do material Durante o período de decomposição dos cadáveres procedeu-se à colheita e tratamento do material entomológico, da seguinte forma: Semanalmente, procedeu-se à substituição dos copos das pitfall, sendo os copos com o material entomológico recolhido, conduzidos de imediato para o laboratório, onde o seu conteúdo, após filtração através de material de poro fino (por forma a minimizar a perda de material entomológico), foi guardado em copos com álcool a 70º, devidamente identificados. A recolha do material das “Malaise” foi feita com intervalos mais curtos (de um a três dias) tendo sido acompanhada de uma recolha directa no cadáver e no interior do DEC, isto é, captura de insectos ainda vivos que estivessem no cadáver e/ou no interior do DEC (a calendarização das recolhas feitas ao longo dos dois períodos experimentais encontra-se nas tabelas A.2. dos Anexos I e II). Para além da recolha de material entomológico procedeu-se à observação e registo dos dados meteorológicos (temperaturas máxima e mínima) bem como, à documentação fotográfica tida por conveniente (anexo V). Foi, também, registada a temperatura corporal dos cadáveres aquando da recolha do material entomológico. Durante todo o trabalho de campo tentou-se minimizar a influência da vegetação na amostragem entomológica através do corte da vegetação em volta e dentro das armadilhas. 2.4. Triagem e identificação do material entomológico Durante o período de actividade de campo, procedeu-se a uma triagem parcial dos imagos, no laboratório do CERVAS, com o apoio de um microscópio estereoscópico (ocular de 10x e objectiva até 4x). Durante os meses de Abril, Julho e parte de Agosto, de 2008 completou-se o trabalho de triagem no laboratório de entomologia do Departamento de Biologia Animal da FCUL, procedendo-se à identificação das famílias de dípteros utilizando-se as chaves de identificação de diversos autores (Unwin, 1981; de Baez, 1988; de Chinery, 1993; de Triplehorn & Johnson, 2005 e de Oosterrbroek, 2006). 2.5. Análise dos resultados A abordagem à análise dos resultados, face ao elevado enviesamento dos dados experimentais determinado pelo precário sistema de defesa do dispositivo experimental contra a acção perturbadora dos predadores, comportou uma análise exploratória. Deste modo, este Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 25 estudo preliminar baseou-se na análise de correspondência para a totalidade dos dados experimentais, recorrendo ao programa CANOCO for Windows versão 4.5 (ter Braak & Smilauer, 2002). Informados pelos indícios manifestados no diagrama de ordenação da análise acima citada, procedemos a uma apreciação de pormenor, para os diferentes parâmetros em estudo, com base na representação diagramática após eliminação das situações de enviesamento dos dados. Material e Métodos 26 RESULTADOS E DISCUSSÃO 3. RESULTADOS E DISCUSSÃO A totalidade dos dados resultantes do trabalho de campo e de laboratório está inserida nos anexos I, II, II e IV. 3.1. Condicionalismo climático Dada a relevância das condicionantes climáticas na natureza e sequência das espécies de dípteros que participam na decomposição de cadáveres, em ambiente natural, antecedemos a apresentação dos resultados referentes às restantes condicionantes do processo de decomposição dos cadáveres, de uma apreciação sumária dos dados climáticos a que o material experimental esteve sujeito. As temperaturas, máxima e mínima, a 1m do solo, por nós registadas em cada zona, para as épocas de Inverno e de Primavera estão incluídas nas tabelas A.1., respectivamente dos anexos I e II. No gráfico da figura 3.1., comparam-se: (i) no gráfico de barras a precipitação total, para os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Nelas (como referência para Gouveia) e para os meses de Maio a Julho de 2004, em Coimbra, e a precipitação total média, nos meses de Fevereiro a Julho, para os anos de 1971 a 2000, em Nelas; (ii) no gráfico de pontos, a média das temperaturas médias diárias, para os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Gouveia, e para os meses de Maio a Julho de 2004, em Coimbra, e a média das temperaturas médias diárias, nos meses de Fevereiro a Julho, registada no período de 1971 a 2000 em Nelas. A opção pela referência de Nelas (outras alternativas seriam Guarda e Penhas Douradas) justifica-se na maior proximidade (na distância e/ou na altitude) e similitude relativamente aos dados registados no CERVAS (Gouveia). Em comparação com a média para o último trinténio, o quadro climático descrito nestes gráficos, para a região de Gouveia, prefigura um Inverno e um Primavera quentes e secos, com possível interferência nas épocas de retorno à plena actividade biológica das espécies dotadas de latência invernal Isto é compatível com o acelerar do processo de decomposição dos cadáveres, quer pelo incremento da actividade das espécies entomológicas termófilas, quer pelo acelerar do processo de desidratação dos cadáveres, com a consequente aceleração do processo de sucessão entomológica e, em particular, a rápida alteração da prevalência e composição da fauna díptera (Goff, 2001). Em qualquer das épocas do ano, como é bem evidente nesta última figura (figura 3.1.), a temperatura foi sempre mais elevada no presente ano (2008), em comparação com o trinténio Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 27 de referência (1967 a 2000), o que, não sendo suficiente para o demonstrar, está pelo menos em sintonia com o aquecimento global que se verifica actualmente no nosso planeta. 120 25 20 80 15 60 10 40 Temperatura (ºC) Percipitação (mm) 100 5 20 0 0 Fevereiro Março Maio Junho Julho Percipitação total média 1971-2000 (Nelas) Percipitação total 2004 (Coimbra) Percipitação total 2008 (Nelas) Temperatura média diária 1971-2000 (Nelas) Temperatura média diária 2004 (Coimbra) Temperatura média diária 2008 (Gouveia) Figura 3.1. – Precipitação e Temperatura. Precipitação total para os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Nelas (como referência para Gouveia) e para os meses de Maio a Julho de 2004, em Coimbra e a precipitação total média, nos meses de Fevereiro a Julho, para os anos de 1971 a 2000 em Nelas; no gráfico de pontos, a média das temperaturas médias diárias para os meses de Fevereiro a Julho de 2008, em Gouveia e para os meses de Maio a Julho de 2004, em Coimbra, e a média das temperaturas médias diárias, nos meses de Fevereiro a Julho, registada no período de 1971 a 2000, em Nelas. De facto, na presente comparação, o valor médio das médias das temperaturas médias diárias verificado em Maio para o último trinténio (15ºC) foi, no presente ano (2008), apenas ligeiramente superior ao valor médio das médias diárias em Fevereiro (14ºC) e em Março (13ºC). Um desvio, em relação à média do último trinténio, do nível verificado para as temperaturas médias diárias (em média de +3,5ºC, na época de Inverno e de +1,7ºC, na de Primavera) pode justificar uma alteração assinalável da fauna Diptera com um alargamento do período anual de ocorrência da fauna residente, acompanhado, por um lado, pela eventual invasão de espécies alóctones (Turchetto & Vanin 2004) e, por outro, pela eventual migração para os andares superiores, das espécies com maior afinidade ou tolerância ao frio. 3.2. Diversidade entomológica no processo de decomposição dos cadáveres A diversidade entomológica (fazendo assim referência aos artrópodes, em geral, como já se tornou regra em estudos de EF), reconhecida no presente estudo incluiu, entre outras, as ordens Diptera, Coleoptera, Homoptera, Hymenoptera, Hemiptera, Thysanoptera, Dermaptera, Plecoptera, Colembola, Psocoptera e Lepidoptera, da classe Insecta propriamente dita, para Resultados e Discussão 28 além de outros espécimes da classe Aracnida (ordem Araneae, Acari, Opiliones e Pseudoscorpionida), Malacostraca (ordem Isopoda), Chilopoda, e Diplopoda. É, no entanto, na classe Insecta que se inclui a maioria dos artrópodes capturados no presente trabalho experimental e, entre estes, as ordens Collembola e Diptera destacam-se pela sua prevalência e ubiquidade; a primeira, por incluir os insectos inerentes a qualquer solo, não tem sido directamente conotada com o processo de decomposição de cadáveres, sendo o seu estudo, a um nível mais pormenorizado, preterido, no presente trabalho, a favor da segunda, essa sim, decisiva em qualquer estudo de EF (Erzinçlioglu, 1985; Greenberg, 1991; Benecke, 2001ab ou Gennard, 2007, entre muitos outros). Quanto à ordem Coleoptera, cuja relevância em estudos de EF é sobejamente reconhecida (Benecke, 1998; Goff, 2001; ou Gennard, 2007, entre muitos outros) tivemos oportunidade de reconhecer algumas famílias, tais como a Dermestidae, Silphidae, Staphylinidae, Carabidae, Cleridae e Nitidulidae, não tendo, no entanto, sido possível o aprofundamento visado no início do estudo da sua relação com o processo de decomposição dos cadáveres devido aos constrangimentos experimentais já referidos. No quadro 3.I., incluem-se as médias para cada uma das quatro situações em questão (1ª situação – cadáver de mamífero, no Inverno; 2ª situação – cadáver de ave, no Inverno; 3ª situação – Cadáver de mamífero, na Primavera; 4ª situação – cadáver de ave, na Primavera) de forma a reduzir o enviesamento dos dados consequente da falta de equidade no número de espécimes representativos de cada uma das mesmas. O número de espécimes de dípteros presente em cada DEC permitiu identificar as eventuais preferências relativas das diferentes famílias no processo de decomposição dos cadáveres, não permitindo, no entanto, uma associação com a evolução do referido processo pelo facto de não se dispor de dispositivos de contagem de entradas e de saídas dos espécimes; de um modo geral, não obstante, foi possível constatar um ligeiro prolongamento do período de maior ocorrência de imagos, para lá do período de maior actividade larvar (denunciado na temperatura corporal e constatado na observação directa). Uma análise do comportamento relativo para cada zona experimental, em função da sua exposição ao sol e ao vento, não foi possível, face ao acentuado enviesamento dos dados, determinado pela perda de espécimes (cadáveres em decomposição). Como se pode ver na figura 3.2., muito embora a diferenciação das temperaturas máxima e mínima para as diferentes zonas não tenha sido, de um modo geral, particularmente notável, no Inverno registaram-se, na zona Z1 (linha azul), de forma bastante consistente, valores da temperatura máxima acima dos verificados nas restantes zonas, sendo este facto levado em conta, na análise da diferença do comportamento relativo das diferentes famílias de dípteros presentes sempre que os resultados, para a zona Z1, da temperatura máxima no Inverno sejam considerados, assumindo-se, nas Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 29 restantes situações, que os resultados se expressaram no âmbito de um condicionalismo climático homogéneo (tabelas A.1. dos anexos I, II e VI). Quadro. 3.I. – Famílias de dípteros e respectivo número médio de indivíduos capturados, em ambos os tipos de armadilha, na totalidade das colheitas, em cada situação – (Inverno, Primavera) x (mamífero, ave). Épocas Classes Inverno Mamalia Primavera Ave Mamalia Ave Famílias Malaise Pitfall Total Malaise Pitfall Total Malaise Pitfall Total Malaise Pitfall Total Anthomyiidae 17 1 18 23 23 127 11 138 97 10 107 Asilidae 1 1 1 1 Bibionidae 4 5 1 1 1 1 2 Calliphoridae 17 3 20 3 2 6 31 19 51 75 19 94 Cecidomyiidae 1 1 1 Ceratopogonidae 1 1 1 1 Chironomidae 1 1 1 Conopidae Dolichopodidae Empididae 1 1 Fanniidae 13 13 1 1 61 62 17 5 22 Heleomyzidae 4 4 1 1 1 1 1 1 2 Lauxaniidae 1 1 Lonchopteridae Muscidae 27 2 29 33 33 105 4 109 151 7 158 Mycetophilidae Phoridae 1 1 1 1 1 1 2 2 3 1 4 Psychodidae Rhagionidae 1 1 Rhinophoridae Sarcophagidae 5 2 7 7 1 8 Scatopsidae 2 2 5 5 1 1 Sciaridae 6 6 4 5 10 0 1 1 1 1 Simuliidae 1 1 Sphaeroceridae 4 7 11 2 7 9 14 14 2 2 3 Stratiomyiidae Syrphidae 1 1 1 1 Tachinidae 1 1 1 1 1 1 1 1 Trixoscelididae 1 1 2 2 2 1 2 Ulidiidae 4 4 1 1 Xylomyidae 1 1 1 1 Xylophagidae 1 1 Nota: O zero corresponde a uma média inferior a 0,5 e o traço a uma ausência de capturas. Por força dos arredondamentos, o total nem sempre corresponde à soma das médias em ambas as armadilhas. Linhas a verde-claro correspondem às famílias não incluídas na análise das relações quantitativas. Muito embora a zona Z2 (linha laranja) esteja mais protegida que as restantes, está também exposta ao sol por menos tempo ao longo do dia, o que justifica as máximas mais baixas aqui verificadas no Inverno. Resultados e Discussão 30 Temperaturas Máximas de Inverno (ºC) Temperaturas Mínimas de Inverno (ºC) 50 20 40 15 10 30 5 20 0 10 -5 0 -10 13-Fev 23-Fev 04-Mar 14-Mar 24-Mar 13-Fev Temperaturas Máximas de Primavera (ºC) 23-Fev 04-Mar 14-Mar 24-Mar Temperaturas Mínimas de Primavera (ºC) 50 20 40 15 30 10 20 5 10 0 0 22-Mai 01-Jun 11-Jun 21-Jun 01-Jul 22-Mai 01-Jun 11-Jun 21-Jun 01-Jul Figura 3.2. – Temperaturas máxima e mínima ao longo dos períodos de Inverno e Primavera, em cada uma das três zonas consideradas no presente estudo: Z1-azul; Z2-laranja; Z3-verde. 3.2.1. Representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição A preponderância das famílias Anthomyiidae, Muscidae, Calliphoridae e Fanniidae é evidente (vide figura 3.3.), em oposição com as famílias, Cecidomyiidae, Ceratopogonidae, Chironomidae, Mycetophilidae, Conopidae, Psychodidae, Dolichopodidae, Rhagionidae, Empididae, Lauxaniidae, Rhynophoridae, Lonchopteridae, Simuliidae, Stratiomyiidae, Syrphidae, Ulidiidae, Xylophagidae, Xylomyidae, com uma presença média de 12 ou menos espécimes em todo o dispositivo experimental. Estes últimos, dado o carácter esporádico da sua ocorrência, não são considerados na apreciação quantitativa do comportamento relativo das diferentes famílias. Não querendo ou podendo, no entanto, desprezar a sua acção na sucessão inerente à decomposição das estruturas orgânicas. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 31 Calliphoridae 18% Fanniidae 10% 2% Sarcophagidae Anthomyiidae 30% 1% Sciaridae 4% Sphaeroceridae Muscidae 35% Figura 3.3. – Gráfico de sectores de famílias. Preponderância relativa das famílias mais relevantes (famílias para as quais se registou uma captura média superior a 12 indivíduos) na globalidade do esquema experimental (valores relativos ao quadro 3.I.). Numa primeira abordagem à interpretação dos dados experimentais, por forma a aferir quais os condicionalismos mais relevantes no processo de decomposição de cadáveres por efeito da actuação dos dípteros, procedemos a uma análise de correspondência, para a totalidade dos dados experimentais (agregando num único grupo as famílias aqui consideradas como esporádicas – menos de 12 espécimes na globalidade das capturas), incluindo-se, na figura 3.4., o respectivo diagrama de ordenação. Face ao elevado enviesamento dos dados, o diagrama apenas reflecte uma pequena fracção da variância total, sugerindo a sua observação, no entanto, os seguintes considerandos: 1. Em relação aos espécimes de dípteros capturados nas armadilhas é notória uma forte agregação das famílias mais representadas na totalidade das UEx, numa possível expressão de identidade nas preferências climáticas; 2. Em relação às épocas, a de Primavera desempenha um papel mais agregador que a de Inverno, sendo em relação a este último que se verificam os caso mais conspícuos de afastamento (Z1/I/O1, Z2/I/C2 e Z2/I/O2); 3. Em relação aos espécimes de cadáveres utilizados no esquema experimental, é notória a agregação, entre si, das UEx com geneta (Z3/I/G1 e Z2/P/G2) e, por outro lado, o seu afastamento em relação às restantes, corroborando a nossa perspectiva de uma especificidade do processo de decomposição dos cadáveres em função da natureza da espécie onde se incluem; Resultados e Discussão 32 4. Em relação a esta última espécie (a geneta) a agregação da posição das UEx em que está incluída resulta, inclusivamente, para duas épocas e zonas diferentes, numa eventual consequência de um efeito de tamponização contra as diferenças climatéricas que a sua abundante pelagem poderá exercer; 5. Ainda no que se refere às famílias de dípteros presentes no esquema experimental, é interessante verificar o posicionamento central, para os espécimes da família Sciaridae, em relação às UEx de Inverno, Z1/I/O1, Z2/I/C2 e Z1/I/C1, corroborando a possibilidade de uma maior afinidade para o período de Inverno, revelada pelos espécimes desta família que se Eixo 1 (32,6% ∆T) manifestaram no presente estudo. Eixo 2 (21,3% ∆T) Figura 3.4. – Diagrama de ordenação para a totalidade dos dados experimentais. Diagrama obtido através da análise de correspondência. As unidades experimentais (Uex) estão representadas por estrelas (aves) e círculos (mamíferos) e as famílias representadas por triângulos azuis (o triângulo com a designação “Outros” refere-se às restantes famílias para as quais foram capturados menos de 12 espécimes na globalidade das capturas). A variância das espécies explicada pelos eixos é dada como uma percentagem da variância total (∆T). Com vista ao estudo da representatividade das diferentes famílias, face às diferentes condicionantes que, supostamente, modulam o seu efeito no processo de decomposição dos cadáveres, julgamos pertinente, numa análise de pormenor, proceder à apreciação da preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental (Cap. 3.2.), da Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 33 influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera (Cap. 3.2.3) e da comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha (Cap. 3.2.4). 3.2.2. Preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental Na figura 3.5. ilustra-se a relação entre o número de indivíduos capturados de cada família (com mais de 12 indivíduos capturados na totalidade) em cada um dos dois períodos experimentais, na globalidade do esquema experimental. 511 450 400 350 Nº de indivíduos 300 250 200 150 100 50 0 Muscidae Calliphoridae Anthomyiidae Fanniidae Inverno Sarcophagidae Sciaridae Sphaeroceridae Primavera Figura 3.5. – Número de indivíduos amostrados de cada família (com mais de 12 indivíduos capturados) na globalidade do esquema experimental. Uma preferência bem marcada pelo período da Primavera é óbvia para a generalidade das famílias representadas no gráfico da figura 3.5., com a única excepção da família Sciaridae, para a qual se verificou uma captura superior no período de Inverno; a família Sarcophagidae, que revelou consistentemente a sua presença no período da Primavera (embora modesta), não esteve presente em nenhuma das capturas no período do Inverno. Na figura 3.6. pode-se ver a evolução da representatividade das diferentes famílias, da época de Inverno para a de Primavera, constatando-se que, com excepção da família Muscidae, que acusou uma redução na sua proporção em relação às restantes famílias dominantes (Calliphoridae, Anthomyiidae e Fanniidae), as quatro famílias mais representadas acentuam a sua hegemonia sobre as restantes (tabela A.2. do anexo VI). Resultados e Discussão 34 Anthomyiidae 23% Muscidae 35% Muscidae 32% Anthomyiidae 34% Calliphoridae 14% Sarcophagidae 2% Sarcophagidae 0% Fanniidae 8% Sciaridae 9% Sphaeroceridae 11% Sciaridae 0% Calliphoridae 16% Sphaeroceridae 3% Fanniidae 13% Inverno Primavera Figura 3.6. – Gráfico de sectores de famílias (Inverno / Primavera). Evolução da representatividade das diferentes famílias (com mais de 12 indivíduos capturados na totalidade do dispositivo experimental) do Inverno para a Primavera, em cada um dos dois períodos experimentais. 3.2.3. Influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera Quanto à natureza dos cadáveres em decomposição, no gráfico da figura 3.7. ilustra-se a posição relativa, para cada situação experimental ((mamífero vs ave) x (Inverno vs Primavera)). Na análise deste quadro deverá ser tomado em conta o enviesamento dos dados em função da massa total de matéria orgânica em decomposição (traduzida no peso estimado do cadáver) e do número de amostragens de dípteros. 300 Nº de indivíduos 250 200 150 100 50 0 Muscidae Calliphoridae Mamíferos - Inverno Anthomyiidae Aves - Inverno Fanniidae Sarcophagidae Mamíferos - Primavera Sciaridae Sphaeroceridae Aves - Primavera Figura 3.7. – Número de indivíduos capturados de cada família (com mais de 12 indivíduos capturados na totalidade) em cada um dos dois períodos experimentais, na globalidade do esquema experimental. De forma a considerar apenas períodos de observação idênticos, neste gráfico os mamíferos de Inverno são representados apenas por uma geneta e as aves por dois pombos (o que, neste caso, representa uma massa de matéria orgânica apenas ligeiramente superior para o Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 35 mamífero). Na Primavera, uma geneta é comparada com uma águia-d’asa-redonda, numa relação de massas corporais sensivelmente equitativa (tabela A. 3 do anexo VI). Tomando em consideração as limitações referidas no parágrafo anterior, o gráfico da figura 3.7. sugere as seguintes observações: 1. As famílias Muscidae e Calliphoridae, na Primavera, revelam-se de forma mais numerosa no cadáver de aves que no dos mamíferos, comportamento relativo este que, no Inverno, é idêntico para as primeiras (aves) e inverso para os últimos (mamíferos); 2. As famílias Anthomyiidae e Fanniidae, na Primavera, pelo contrário, revelam-se de forma mais numerosa no cadáver de mamíferos que no das aves, sendo no Inverno a relação para a família Anthomyiidae idêntica à revelada pela família Muscidae e para a família Fanniidae idêntica à revelada pela família Calliphoridae; 3. Para a família Sarcophagidae, que apenas se revelou no período da Primavera, verificou-se igualmente um maior número de capturas associadas a cadáveres de mamíferos que ao de aves, indiciando uma preferência que é muito marcada na família Sphaeroceridae, para este mesmo período; 4. No que se refere às aves, as famílias Sciaridae, e Sphaeroceridae, nas capturas de Inverno revelaram uma presença mais numerosa que na Primavera; 5. Para além da família Sarcophagidae, para a qual, em todos os dispositivos experimentais, não se capturou qualquer indivíduo no Inverno, a ausência de capturas evidenciada neste gráfico para a família Sciaridae, em mamíferos, no Inverno e aves na Primavera, e para a família Sphaeroceridae, em aves, na Primavera, deve-se ao facto dos dispositivos experimentais em que foram detectados não estarem incluídos nos dados que serviram de base á elaboração deste gráfico. 3.2.4. Comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha Como se pode ver na figura 3.8., as capturas nas armadilhas do tipo pitfall foram, em geral, muito inferiores às verificadas nas armadilhas do tipo “Malaise”, aspecto este que apenas não se evidencia nas famílias Sciaridae e Sphaeroceridae, onde esta relação é a inversa (anexos III e IV). Podendo constituir justificação, para esta diversidade de comportamento, a preponderância relativa do habito epígeo evidenciado nestas últimas famílias referidas, associado à grande diversidade de recursos ao nível do solo e a existência de cadáveres de outros artrópodes em putrefacção nas pitfall (funcionando como isco). Resultados e Discussão 36 100% 80% 60% 40% 20% Malaise Ulidiidae Trixoscelididae Sphaeroceridae Sciaridae Scatopsidae Sarcophagidae Phoridae Heleomyzidae Fanniidae Bibionidae Anthomyiidae Calliphoridae Muscidae 0% Pitfall Figura 3.8. – Proporção do total de capturas em ambos os tipos de armadilhas (“Malaise” e pitfall) utilizados no presente estudo para as espécies com um número total de capturas superior a cinco indivíduos. A importância da utilização de armadilhas do tipo pitfall (como sugerem Mclean, 1978 & Hutson, 1978), como meio suplementar de captura, neste tipo de condicionalismo experimental, estende-se aos dípteros predadores ou com actividade ao nível do solo, como se torna evidente nos resultados ilustrados na figura 3.8. 3.2.5. Efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres O estudo do efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres foi abordado na perspectiva do efeito da temperatura ambiente no número de capturas e na perspectiva da relação entre a temperatura ambiente e a temperatura corporal dos cadáveres. A relação entre a temperatura ambiente e o número de indivíduos capturados está evidente no gráfico da figura 3.9. onde, para além da especificidade das exigências exclusivas para cada família (avaliada esta com base na diversidade das fases de decomposição dos cadáveres), se revela uma preferência mais frequentemente associada às temperaturas mais elevadas (tabelas A.3. e A.4. dos anexos I e II) . Mais complexa e profícua foi a perspectiva da relação entre a temperatura ambiente e a temperatura corporal dos cadáveres, que abordamos neste capítulo. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 37 Nº de indivíduos 50 40 40 30 30 20 20 10 10 0 Temperatura (ºC) 50 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Nº de dias Z1/I/C1 Temperatura média diária 50 50 40 40 30 30 20 20 c 10 10 0 Temperatura (ºC) Nº de indivíduos Z3/I/C3 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Nº de dias Temperatura média diária 120 50 100 40 80 30 60 20 40 10 20 0 0 0 2 4 6 8 10 12 14 Z1/P/B 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 Nº de dias Z1/P/C4 Temperatura média diária 38 40 42 44 46 50 320 280 240 200 160 120 80 40 0 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 Temperatura (ºC) Nº de indivíduos Temperatura (ºC) Nº de indivíduos Z3/I/G1 10 12 14 16 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Nº de dias Z2/P/G2 Z2/P/V Temperatura média diária Figura 3.9. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo) com o número de indivíduos capturados durante o processo de decomposição. Na época de Inverno, dois pombos e uma geneta e na época de Primavera, uma raposa, uma águia-d’asa-redonda e uma geneta. Resultados e Discussão 38 No gráfico da figura 3.10. mostra-se a evolução da temperatura ambiental a 1m do solo e das temperaturas corporais registadas em mamíferos (para o período de Inverno representados por uma geneta e para o período de Primavera representados por uma raposa e uma geneta) e aves (representadas, no período de Inverno pela média de dois pombos e, no período de Primavera representadas por uma águia de asa redonda). Note-se que, por apenas dispormos das temperaturas ambientais a 1m do solo, as temperaturas inseridas no gráfico diferem das temperaturas verdadeiramente ambientais para os espécimes em decomposição ao longo das 24 horas do dia, pelo facto dos mesmos se encontrarem ao nível do solo. Temperatura (ºC) 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Z3/I/G1 18 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Nº de dias Temperatura média diária (ºC) Temperatura (ºC) 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 10 12 14 Z2/P/G2 16 18 20 Z2/P/V 22 24 26 28 30 32 34 36 38 Temperatura média diária (ºC) 40 42 44 46 Nº de dias Figura 3.10. – Relação da temperatura ambiente (temperatura média diária (ºC) a 1m do solo) com a temperatura corporal durante o processo de decomposição. Na época de Inverno, geneta e média das temperaturas registadas em dois pombos e na época de Primavera, geneta, raposa e uma águia-d’asa-redonda. (continua) Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 39 Temperatura (ºC) 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 Pombos de Inverno 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 Temperatura média diária (ºC) 42 44 46 Nº de dias Temperatura (ºC) 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Z1/P/B 18 20 22 24 26 28 30 32 Temperatura média diária (ºC) 34 36 38 40 42 44 46 Nº de dias Figura 3.10. (Cont.) Nesta figura, a relação da evolução das temperaturas corporais (como eventual reflexo da intensidade da actividade larvar) com as temperaturas médias diárias, sugere uma análise mais detalhada, no que se refere, nomeadamente: (i) ao padrão da evolução das temperaturas corporais, (ii) à comparação do padrão da evolução das temperaturas corporais para os diferentes períodos experimentais e (iii) à relação das temperaturas corporais com a temperatura ambiente. Muito embora não tenhamos procedido ao reconhecimento de fases características ao longo do processo de decomposição, em particular face às dificuldades impostas por exuberantes revestimentos dérmicos (pelagens bastas ou penas) em massas corporais reduzidas, julgamos poder reconhecer, para cada caso, um padrão da evolução das temperaturas corporais durante o processo de decomposição caracterizado pelas seguintes fases: Resultados e Discussão 40 No caso da geneta 1. A primeira fase, de cerca de sete dias, tanto no Inverno como na Primavera, durante os quais a temperatura corporal acompanha, ligeiramente acima, as médias das temperaturas ambientais, sendo de cerca de 14 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera; 2. Segunda fase, do 7º ao 10º dia, em que se verificou uma subida abrupta da temperatura corporal (independente da temperatura ambiente), até aos 26 ºC, tanto no Inverno como na Primavera (numa eventual dependência do incremento da actividade larvar); 3. Terceira fase em que a temperatura corporal, no Inverno, se mantém, acusando apenas um ligeiro decréscimo de 1 ºC, do 10º até ao 17º dia e, na Primavera, continua a subir até aos 30 ºC, voltando a descer, lentamente, até ao 16º dia para os 26 ºC (vide figura 3.11. geneta ao 12º dia); 4. Quarta fase quando se regista uma descida brusca da temperatura até à temperatura ambiente, da ordem dos 12 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera (acusando o decréscimo da actividade larvar); 5. Quinta fase, em que a influência da temperatura corporal se revela mais condicionada pela temperatura ambiente do que pela actividade larvar. No caso dos pombos (apenas aferido para o Inverno) 1. Primeira fase, de cerca de 4 dias, durante os quais a temperatura corporal (25 ºC) está sempre acima (em média +15 ºC) das temperaturas ambientais; 2. Segunda fase, do 4º ao 7º dia, em que a temperatura corporal desce, até aos 8 ºC (5 ºC abaixo da temperatura ambiental a 1m do solo); 3. Terceira fase, do 7º ao 30º dia, em que a temperatura corporal, após voltar rapidamente para temperaturas próximas das ambientais a 1m do solo (consequentemente, ligeiramente acima da temperatura ambiental ao nível dos espécimes em decomposição), se mantém, com algumas pequenas oscilações, à volta das temperaturas ambientais a 1m do solo; 4. Quarta fase, a partir do 31º dia, quando se regista uma descida brusca da temperatura (da ordem dos 10 ºC), mantendo-se, posteriormente, a uma temperatura cerca de menos 6 a 10 ºC inferior à temperatura a 1m do solo (muito provavelmente, igual à temperatura ambiente ao nível do solo), acusando, assim, o fim da actividade larvar. No caso da águia-d’asa-redonda (apenas aferido para a Primavera) 1. Primeira fase, longa, de cerca de 31 dias, durante os quais a temperatura corporal está sempre acima (em média +6 ºC) das temperaturas ambientais a 1m do solo; Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 41 2. Segunda fase, do 31º dia para o 35º dia, em que a temperatura corporal desce 10 ºC (de 30 ºC para 20 ºC) numa tendência inversa à registada para a temperatura ambiente a 1m do solo (que sobe dos 22 ºC para os 27 ºC); 3. Terceira fase, a partir do 35º dia, em que a temperatura corporal, após recuperar a mesma tendência das temperaturas ambientais a 1m do solo, se mantém a uma distância média de cerca de 10 ºC em relação às mesmas, indiciando uma ausência de actividade larvar. No caso da raposa 1. A primeira fase, verificada para a geneta, não foi aqui perceptível, muito possivelmente pelo facto deste espécime ter estado exposto ao povoamento por dípteros antes de ter sido congelado (vide Cap. 2.1) e, posteriormente, ter estado a descongelar durante dois dias, antes de ser colocada no DEC; 2. A segunda fase referida para a geneta, de subida brusca da temperatura (independente da temperatura ambiente), foi aqui de dois dias, e até aos 34 ºC; 3. A terceira fase, verificada para a geneta, em que a temperatura corporal se mantém, teve uma duração, na raposa, de 9 dias, situando-se no patamar médio de 34ºC (note-se que as temperaturas médias ambientais, a 1m do solo, são aqui superiores, em cerca de +12 ºC, às verificadas para a mesma fase na geneta); 4. Finalmente as, quarta e quinta, fases admitidas no caso da geneta, ficam aqui confundidas face às elevadas temperaturas ambientais prevalecentes. A identidade da massa corporal e do tipo de pelagem da geneta e da raposa, justificam uma afinidade da sequência do processo de decomposição, a qual, no entanto, à primeira vista, não se evidencia no gráfico da figura 3.11. As discrepâncias que, em parte, se poderão justificar nas vicissitudes impostas ao esquema experimental, parecem evidenciar a relevância das temperaturas ambientais na definição dos padrões de decomposição dos cadáveres, em particular, acima dos 28 ºC. A apreciação, embora simplista, que acabamos de expor, para além de encontrar suporte nos argumentos referidos, reforça-se, primordialmente, na consistência dos próprios padrões de evolução das temperaturas corporais em diferentes épocas, para cadáveres da mesma espécie, associada à especificidade de cada espécie, como é possível constatar, para as duas genetas e para os pombos, no gráfico da figura 3.11. que a seguir se insere, no qual se regista a evolução da temperatura corporal ao longo do processo de decomposição (traduzido no número de dias após a colocação de espécime no terreno). Resultados e Discussão 42 Temperatura (ºC) 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 Z1/I/C1 18 20 22 Z2/I/C2 24 26 Z3/I/C3 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Nº de dias Z1/P/C4 Temperatura (ºC) 40 30 20 10 0 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 Z3/I/G1 20 22 24 26 28 30 32 34 36 38 40 42 44 46 Nº de dias Z2/P/G2 Figura 3.11. – Temperatura corporal ao longo da decomposição. Aves nas duas épocas de amostragem, quatro pombos, e mamíferos nas duas épocas de amostragem, duas genetas. Da observação desta figura torna-se evidente a constância dos padrões da evolução das temperaturas corporais, para a mesma espécie, constatando-se apenas um ligeiro desvio para temperaturas mais altas, no caso em que a decomposição se processa durante a Primavera. 3.3. Comparação com outros resultados registados para a Região Centro de Portugal Com vista a uma primeira aproximação para a caracterização da especificidade local da fauna díptera, procedemos à comparação, ao nível taxonómico da família, dos resultados encontrados no presente estudo, durante o Inverno e Primavera, com os resultados obtidos por Prado e Castro (2005) para a região de Coimbra, durante a Primavera, admitindo-se que, independentemente da sucessão e proporção entomológica ao longo do processo de decomposição e natureza dos cadáveres, as famílias de dípteros presentes em cada local e época do ano não diferem de forma acentuada de ano para ano (ver figura 3.11.). Como se pode ver no esquema da figura 3.12., as famílias Asilidae, Bibionidae, Chironomidae, Conopidae, Empididae, Lonchopteridae, Rhagionidae, Rhynophoridae, Simuliidae, Stratiomyiidae, Syrphidae, Ulidiidae, Xylophagidae e Xylomyidae, por nós Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 43 encontradas no presente estudo, não estão referidas no estudo de Coimbra. Em relação às famílias Lonchopteridae, Rhagionidae, Rhynophoridae, que no presente estudo apenas se revelam no Inverno, a discrepância pode justificar-se nas diferenças ambientais atribuíveis à época do ano. Já o mesmo não se pode justificar para as restantes famílias, cuja ausência apenas parece poder justificar-se nas diferenças climáticas (assaz bem marcadas, apesar da proximidade geográfica). As famílias Camillidae, Carnidae, Drosophilidae, Dryomyzidae, Otitidae, Piophilidae, Platystomatidae, Sepsidae, Tethinidae e Therevidae, presentes no estudo de Coimbra, não foram encontradas no presente estudo. Psychodidae Psychodidae Inverno Cecidomyiidae Cecidomyiidae Primavera Mycetophilidae Mycetophilidae Inverno e Primavera Phoridae Phoridae Anthomyiidae Anthomyiidae Lonchopteridae Calliphoridae Calliphoridae Rhynophoridae Fanniidae Fanniidae Rhagionidae Muscidae Muscidae Asilidae Tachinidae Tachinidae Otitidae Empididae Heleomyzidae Heleomyzidae Sepsidae Xylophagidae Sphaeroceridae Sphaeroceridae Carnidae Syrphidae Trixoscelididae Trixoscelididae Drosophilidae Bibionidae Ceratopogonidae Ceratopogonidae Camillidae Chironomidae Scatopsidae Scatopsidae Therevidae Stratiomyiidae Sciaridae Sciaridae Dryomyzidae Conopidae Dolichopodidae Dolichopodidae Piophilidae Xylomyidae Sarcophagidae Sarcophagidae Platystomatidae Simuliidae Lauxaniidae Lauxaniidae Tethinidae Ulidiidae Coimbra, 2004 Gouveia, 2008 (presente (Prado e Castro, estudo) 2005) Famílias comuns aos dois estudos Coimbra, 2004 Gouveia, 2008 (presente (Prado e Castro, estudo) 2005) Famílias específicas para cada estudo Nota: As famílias detectadas na época de Inverno estão representadas a azul; as famílias detectadas na Primavera, a amarelo e as famílias detectadas em ambas as épocas, a verde. Figura 3.12. – Famílias reconhecidas no presente estudo (de ocorrência no Inverno e Primavera) e no estudo de Prado e Castro (2005), em relação com o processo de decomposição de cadáveres ao ar livre. Resultados e Discussão 44 3.4. Morfotipos identificados dentro das famílias Muscidae e Calliphoridae Uma caracterização da especificidade da fauna díptera deverá ser baseada a um nível o mais a jusante possível da escala taxonómica. Foi assim que, no exercício da identificação do material entomológico capturado no presente estudo, procededeu-se à identificação de morfotipos e taxa de nível inferior para as famílias Muscidae e Calliphoridae, estando estes níveis igualmente listados em qualquer dos quadros em anexo (anexos III e VI). No gráfico da figura 3.13. pode ver-se a proporção dos diferentes morfotipos dentro das duas famílias, com um número médio de espécimes identificados no presente estudo, superior a 12. Para sete destes morfotipos foi possível identificar o género, ou mesmo, a espécie, mostrando-se, no quadro 3.II. a correspondência com os morfotipos referidos na figura 3.13. 236 40 104 35 Nº de indivíduos 30 49 36 25 (24) 20 15 10 5 0 M II M III M IV M XII Inverno M XV Primavera M XVII C III Inverno C IV CV C VI C VII Primavera Figura 3.13. – Número médio de capturas para os morfotipos, dentro das famílias Muscidae (MII a MXVII) e Calliphoridae (CIII a CVII), com um número médio de espécimes identificados no presente estudo superior a 12. Quadro 3.II. – Correspondência dos morfotipos (M - Muscidae; C - Calliphoridae) com os níveis taxonómicos identificados a jusante de família. Morfotipo Taxon Morfotipo Taxon M XI Phaonia sp. Robineau-Desvoidy, 1830 M XIX Muscina sp. Robineau-Desvoidy, 1831 (II) M XII Musca domestica Linnaeus, 1758 M XX Muscina sp. Robineau-Desvoidy, 1832 (III) M XIII Myospila sp. Rondani, 1856 C III Pollenia sp. Robineau-Desvoidy, 1830 M XIV Hydrotaea sp. Robineau-Desvoidy, 1830 (I) C IV Calliphora vomitoria (Linnaeus,1758) M XV Hydroteae sp. Robineau-Desvoidy, 1831 (II) CV Calliphora vicina Robineau-Desvoidy, 1830 M XVI Hydrotaea sp. Robineau-Desvoidy, 1832 (III) C VI Lucilia sp. Robineau-Desvoidy, 1830 M XVII Hydrotaea sp. Robineau-Desvoidy, 1833 (♀) C VII Chrysomya sp. Robineau-Desvoidy, 1830 M XVIII Muscina sp. Robineau-Desvoidy, 1830 (I) C VIII Calliphoridae (Recém Eclodidos) Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 45 Da análise desta figura 3.13., ressalta a diversidade nas preferências térmicas dos diferentes morfotipos, assinalando-se, neste aspecto, os seguintes comportamentos: 1. Muscidae IV e XV (Hydrotaea sp.) e Calliphoridae VI (Lucilia sp.) e VII (Chrysomyia sp.) praticamente ausentes no período de Inverno; 2. Muscidae II e XVII (Hydrotaea sp.♀) e Calliphoridae III (Pollenia sp.) e IV (Calliphora vomitoria), com marcada preferência pelo período de Primavera; 3. Calliphoridae V (Calliphora vicina) sem evidenciar uma preferência bem marcada por uma das épocas ensaiadas; Muscidae III e XII (Musca domestica), com uma maior preponderância no período de Invernal. Resultados e Discussão 46 CONCLUSÕES 4. CONCLUSÕES Como primeira aproximação ao reconhecimento da fauna Diptera sarcosaprófaga, ao nível do andar basal da Serra da Estrela, o presente estudo indicia as seguintes conclusões: 4.1. Em relação ao clima 1. No presente ano, tanto na época de Inverno como na de Primavera, a temperatura em Gouveia, assumindo como referência as médias dos valores do último trinténio (1967 a 2000) para Nelas, foi sempre mais elevada. 2. Em relação à mesma referência, as quedas pluviométricas em Gouveia para as duas épocas em estudo, foram muito inferiores, tanto no Inverno como na Primavera (respectivamente entre 32mm e 36mm em média). Este quadro, de Invernos e Primaveras mais quentes e secas, é compatível com o actual aquecimento global, podendo interferir na composição e no padrão anual de actividade das espécies de dípteros. 3 Muito embora as temperaturas máxima e mínima de Primavera e mínima de Inverno, para as diferentes zonas, não tenha sido, de um modo geral, particularmente diferente da média dos últimos anos, registaram-se, no Inverno, na zona Z1, de forma bastante consistente, valores da temperatura máxima acima dos verificados nas restantes zonas, apontando para a possibilidade de comportamentos particulares, em função da exposição, num mesmo local. 4.2. Em relação à representatividade das diferentes famílias no processo de decomposição 1. Preponderância das famílias Anthomyiidae, Muscidae, Calliphoridae e Fanniidae (todas incluídas na subordem Brachycera, infraordem Muscomorfa, secção Schizophora, subsecção Calyptrata e, as duas primeiras e a última, na superfamília Muscoidea e a terceira na superfamília Oestroidea) no processo de decomposição dos cadáveres, neste condicionalismo ambiental; 2. Com excepção da família Muscidae, esta preponderância acentua-se da época de Inverno para a de Primavera; 3. Ocorrência esporádica, com uma presença de 12 ou menos espécimes em todo o dispositivo experimental, das famílias Cecidomyiidae, Ceratopogonidae, Chironomidae, Conopidae, Dolichopodidae, Empididae, Lauxaniidae, Lonchopteridae, Mycetophilidae, Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 47 Psychodidae, Rhagionidae, Rhynophoridae, Simuliidae, Stratiomyiidae, Syrphidae, Ulidiidae, Xylophagidae, Xylomyidae; 4.3. Em relação à preponderância relativa das diferentes famílias em cada período experimental 1. Preferência bem marcada pelo período da Primavera para a maioria das famílias capturadas, com excepção da família Sciaridae, para a qual se verificou uma captura superior no período de Inverno; 2. A família Sarcophagidae, que esteve presente (embora em número reduzido) em todos os dispositivos experimentais, no período da Primavera, não esteve presente em nenhuma das capturas no período do Inverno; 3. Menor consistência dos resultados na época de Inverno; 4.4. Em relação à influência da natureza do cadáver na composição da fauna díptera 1. Especificidade do processo de decomposição dos cadáveres em função da natureza da espécie onde se incluem; 2. As famílias Muscidae e Calliphoridae, na Primavera, revelam preferência por cadáveres de aves em relação aos de mamíferos, preferência esta que no Inverno se mantém idêntica para a primeira (Muscidae) mas se revela inversa para a segunda (Calliphoridae); 3. As famílias Anthomyiidae e Fanniidae, na Primavera, pelo contrário, revelam-se de forma mais numerosa no cadáver de mamíferos que no das aves; 4. A preferência por cadáveres de mamíferos em relação aos de aves, na família Anthomyiidae, mantém-se na Primavera; 5. Pelo contrário, a família Fanniidae, na Primavera, revela preferência pelo cadáver de aves; 6. Para a família Sarcophagidae, que apenas se revelou no período da Primavera, verificou-se igualmente um maior número de capturas associadas a cadáveres de mamíferos que aos de aves, indiciando uma preferência que é muito marcada na família Sphaeroceridae, para este mesmo período; 7. No que se refere às aves, as famílias Sciaridae (da subordem Nematocera, infraordem Bibionomorpha, superfamília Sciaroidea), e Sphaeroceridae (incluída na subordem Brachycera, infraordem Muscomorfa, secção Schizophora, subsecção Acalyptrata, superfamília Sphaeroceroidea), nas capturas de Inverno revelaram uma presença mais numerosa que na Primavera; Verifica-se, pois, uma forte afinidade taxonómica das famílias, da fauna díptera, mais relevantes no processo de decomposição de cadáveres, na natureza. Conclusões 48 4.5. Em relação à comparação das capturas para os diferentes tipos de armadilha 1. As capturas nas armadilhas do tipo pitfall foram, em geral, muito inferiores às verificadas nas armadilhas do tipo “Malaise”; 2. Nas famílias Sciaridae e Sphaeroceridae, esta relação é a inversa, evidenciando o hábito epígeo dos indivíduos capturados pertencentes a esta família; 3. Evidencia-se, deste modo, a necessidade de utilização de armadilhas do tipo pitfall em ensaios de “EF para a Fauna Selvagem”, também para a captura de dípteros. 4.6. Em relação ao efeito da temperatura ambiente no processo de decomposição dos cadáveres Não permitindo este estudo a definição de “estádios de decomposição”, como balizas, embora esquemáticas, importantes na sequenciação dos processos biológicos envolvidos na decomposição de cadáveres, indiciam-se, no entanto, diferentes padrões da evolução das temperaturas corporais durante o processo de decomposição, marcados por períodos específicos, cuja definição poderá ser condicionada pelas temperaturas ambientais, em particular, acima dos 28 ºC. Estes períodos, que provisoriamente denominamos por “fases” de acordo com a natureza dos cadáveres, evidenciam-se do seguinte modo: 4.6.1. No caso da geneta 6. Primeira fase, de cerca de sete dias, tanto no Inverno como na Primavera, durante os quais a temperatura corporal acompanha, ligeiramente acima, as médias das temperaturas ambientais, sendo de cerca de 14 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera; 7. Segunda fase, do 7º ao 10º dia, em que se verificou uma subida abrupta da temperatura corporal (independente da temperatura ambiente), até aos 26 ºC, tanto no Inverno como na Primavera (numa eventual dependência do incremento da actividade larvar); 8. Terceira fase, em que a temperatura corporal no Inverno se mantém, acusando apenas um ligeiro decréscimo de 1 ºC, do 10º até ao 17º dia e, na Primavera, continua a subir até aos 30 ºC, voltando a descer, lentamente, até ao 16º dia para os 26 ºC; 9. Quarta fase, quando se regista uma descida brusca da temperatura até à temperatura ambiente, da ordem dos 12 ºC, no Inverno, e de 17 ºC, na Primavera (acusando o decréscimo da actividade larvar); 10. Quinta fase, em que a influência da temperatura corporal se revela mais condicionada pela temperatura ambiente do que pela actividade larvar. Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 49 4.6.2. No caso dos pombos (apenas aferido para o Inverno) 5. Primeira fase, de cerca de 4 dias, durante os quais a temperatura corporal (25 ºC) está sempre acima (em média +15 ºC) das temperaturas ambientais; 6. Segunda fase, do 4º ao 7º dia, em que a temperatura corporal desce, até aos 8 ºC (5 ºC abaixo da temperatura ambiental a 1m do solo); 7. Terceira fase, do 7º ao 30º dia, em que a temperatura corporal, após voltar rapidamente para temperaturas próximas das temperaturas ambientais a 1m do solo (consequentemente, ligeiramente acima da temperatura ambiental ao nível dos espécimes em decomposição), se mantém, com algumas pequenas oscilações, à volta das temperaturas ambientais a 1m do solo; 8. Quarta fase, a partir do 31º dia, quando se regista uma descida brusca da temperatura (da ordem dos 10 ºC), mantendo-se, posteriormente, a uma temperatura à volta de menos 610 ºC que a temperatura a 1m do solo (muito provavelmente, igual à temperatura ambiente ao nível do solo), acusando, assim, o fim da actividade larvar. 4.6.3. No caso da águia-d’asa-redonda (apenas aferido para a Primavera) 4. Primeira fase, longa, de cerca de 31 dias, durante os quais a temperatura corporal está sempre acima (em média +6 ºC) das temperaturas ambientais a 1m do solo; 5. Segunda fase, do 31º dia para o 35º dia, em que a temperatura corporal desce 10 ºC (de 30 ºC para 20 ºC) numa tendência inversa à registada para a temperatura ambiente a 1m do solo (que sobe dos 22 ºC para os 27 ºC); 6. Terceira fase, a partir do 35º dia, em que a temperatura corporal, após recuperar a mesma tendência das temperaturas ambientais a 1m do solo, se mantém a uma distância média de cerca de 10 graus em relação às mesmas, indiciando uma ausência de actividade larvar; 4.6.4. No caso da raposa 5. A primeira fase, verificada para a geneta, não foi aqui perceptível, muito possivelmente pelo facto deste espécime ter estado exposto ao povoamento por dípteros antes de ter sido congelado (vide Cap. 2.1) e, posteriormente, ter estado a descongelar durante dois dias, antes de ser colocada no DEC; 6. A segunda fase referida para a geneta, de subida brusca da temperatura (independente da temperatura ambiente), foi aqui de dois dias, e até aos 34 ºC; 7. A terceira fase, verificada para a geneta, em que a temperatura corporal se mantém, teve uma duração, na raposa, de 9 dias, situando-se no patamar médio de 34ºC (note-se que Conclusões 50 as temperaturas médias ambientais, a 1m do solo, são aqui superiores, em cerca de +12 ºC, às verificadas para a mesma fase na gineta); 8. Finalmente as, quarta e quinta, fases admitidas no caso da geneta, ficam aqui confundidas face às elevadas temperaturas ambientais prevalecentes. Em relação aos referidos mamíferos (geneta e raposa), face à semelhança da massa corporal e do tipo de pelagem, parece poder reconhecer-se uma identidade da sequência do processo de decomposição, a qual, no presente estudo, é mascarada pelas vicissitudes impostas ao esquema experimental e pela relevância das temperaturas ambientais no processo de decomposição dos cadáveres. Em relação às aves, parece possível identificar-se um padrão comum, apenas dentro da mesma espécie, diferenciando-se o padrão do processo de decomposição para aves de porte muito diverso. 4.7. Em relação à Metodologia De modo a consolidar as presentes conclusões e obter novas ilações poder-se-ão fazer modificações na metodologia ajustando-a aos objectivos pretendidos e às condicionantes experimentais ou, apenas, complementar métodos usados para aferição de novos parâmetros. No que diz respeito aos métodos usados para atingir os objectivos do presente trabalho, estes poder-se-iam complementar através do uso de outros métodos ou pequenas modificações dos métodos já usados. Nesta perspectiva poder-se-á considerar como novas abordagens, a recolha diária de material entomológico facilitando e enriquecendo o tratamento e a análise dos dados; a colocação de redes metálicas de protecção contra possíveis predadores, evitando o empobrecimento da informação experimental; o registo das temperaturas do solo e do ambiente em que se processa a decomposição dos cadáveres, aquando da amostragem entomológica para posterior comparação com a temperatura corporal; o registo de informações de campo feito sempre à mesma hora de modo a diminuir os efeitos da actividade de determinadas espécies na interpretação das condições do local; a utilização de folhas de registo onde se anotam todos os condicionalismos experimentais, aquando da recolha do material entomológico; o aprofundamento da identificação do material entomológico (ordens Diptera e Coleoptera por serem as mais relevantes neste tipo de estudo) até ao nível taxonómico da espécie; a recolha diária e criação de larvas, para posterior identificação, de modo a corroborar a relação das espécies recolhidas com o cadáver; e o registo fotográfico diário, como possível método de determinação de estados definidos de decomposição. Com base nos resultados preliminares, aqui apresentados, será possível uma abordagem, mais bem informada, ao estudo do processo de decomposição in situ, no andar basal da Serra Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 51 da Estrela, dos cadáveres de algumas espécies selvagens aí prevalecentes. Nesta perspectiva, e sem prejuízo dos estudos vocacionados para a identificação expedita e rigorosa das espécies prevalentes, ocorre-nos referir, como iniciativas relevantes a levar a cabo nesta matéria, as seguintes: 1. Promoção de estudos exploratórios de natureza idêntica à do presente trabalho (salvaguardados das limitações a que o mesmo esteve sujeito), para os diferentes condicionalismos ecológicos representativos de cada andar do PNSE; 2. Subsequentemente, aprofundamento do estudo dos factores mais relevantes na diferenciação dos processos de decomposição in situ das diferentes espécies, em particular no que diz respeito à anatomia interna, massa corporal e tipo e densidade do revestimento corporal e sua relação com as condicionantes microclimáticas; 3. Com base nestes estudos, aprofundamento do estudo da fauna díptera preponderante nos processos de decomposição in situ e sua interacção recíproca e com as restantes condicionantes ecológicas, em particular no que se refere ao ajustamento das fórmulas para determinação do IPM; 4. Complementarmente, estudo da restante fauna artrópode de reconhecida relevância no processo de decomposição e na determinação do IPM. Estes estudos, de natureza exploratória, julgam-se poder ser enquadrados em trabalhos experimentais para a elaboração de teses de mestrado. Uma vez consolidado o conhecimento da acção da fauna artrópode nos processos de decomposição in situ dos cadáveres das diferentes espécies, será possível uma abordagem mais aprofundada da sua acção como indicadores biológicos, para o que, julgamos relevante as seguintes iniciativas: 5. Promoção de estudos de detecção de substâncias tóxicas e poluentes no material entomológico vivo e remanescente (exoesqueletos, pupária, etc.) da decomposição de cadáveres da fauna prevalecente, de particular relevância na vigilância e alerta de situações de deterioração dos ecossistemas, capazes de interferir no processo de conservação sustentada das espécies integrantes dos mesmos; 6. Promoção de estudos de detecção de fenómenos de miíase em animais em cativeiro (didáctico ou para tratamento e convalescença), com vista à salvaguarda de situações de negligência e/ou maltrato). Estes estudos, eventualmente mais demorados, poderão ainda ser enquadrados em trabalhos de natureza académica. Conclusões 52 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Adams, Z.J.O. & Hall, M.J.R. 2003. Methods used for the killing and preservation of blowfly larvae, and their effect on post-mortem larval length. Forensic Science International. 138: 50-61. Afonso, M.J.; Marques, E.J.; Marques, J.M.; Carreira, P.M.; Fonseca, P.E.; Gomes, A.; Carvalho, M.J.; Samper, J.; Borges, S.F; Rocha, F.T. & Chaminé, H.I. 2006. Caracterização multidisciplinar dos recursos hídricos subterrâneos em áreas urbanas e montanhosas (Norte e Centro de Portugal): metodologias e técnicas. In: Actas do II Fórum Ibérico de Águas Engarrafadas e Termalismo. p. 234-242. Amendt, J. & Hall, M.. 2007. Forensic entomology: Standards and guidelines. Proceedings of the 6th International Congress of the Baltic Medico-Legal Association: New technologies in forensic medicine. Forensic Science International. 169(supl.1):27. Amendt, J.; Krettek, R.; Niess, C.; Zehner, R. & Bratzke, H. 2000. 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Estudo preliminar da sucessão entomológica (com ênfase na ordem Diptera) em diferentes cadáveres de animais selvagens na Serra da Estrela 63 ANEXOS Anexo I Anexo II Anexo III Anexo IV Anexo V Figura A.1. – Águia-d’asa-redonda colocada dentro do dispositivo experimental na época da Primavera (Z1/B/P): primeiro e último dias. Figura A.2. – Geneta colocada dentro do dispositivo experimental na época da Primavera (Z2/G2/P): primeiro e último dias. Figura A.3. – Raposa colocada dentro do dispositivo experimental na época da Primavera (Z2/V/P): primeiro e último dias. Figura A.4. – Pombo colocada dentro do dispositivo experimental na época da Primavera (Z1/C/P): primeiro e último dias. Anexo VI