Medicina integrativa

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Medicina integrativa
Medicina integrativa
Medicina integrativa é uma abordagem orientada para um sentido mais amplo de cura, que visa tratar a pessoa em seu todo: corpo,
mente e espírito. Enfatiza as relações entre o paciente e o médico, e combina tratamentos convencionais e terapias complementares
cuja segurança e eficácia tenham sido cientificamente provadas. Esta seção visa informar e atualizar o leitor nessa abordagem.
Marcelo Saad
Paulo de Tarso Lima
Editores da seção
Cura e saúde diálogos urgentes em:
Medicina & Educação
os males da alma(2), o que possibilita transitar entre o ato
de curar e a arte de cuidar.
Paulo de Tarso Lima1, Fernando César de Souza2
O mito de Quíron e a Organização Mundial da
Saúde
Para além do conceito formal da Organização Mundial
da Saúde (OMS), que, em 1947, definiu “Saúde” não
apenas como a ausência de doença, mas como um perfeito estado de bem-estar físico, mental, social e espiritual e não apenas a ausência de doença ou enfermidade, encontra-se, na mitologia grega, um caminho que
dá aos médicos gregos uma projeção a partir das divindades e das suas bases mitológicas, como Ártemis ou
Atenas. Não seria possível compreender a evolução da
Medicina sem um recorte aos mitos até chegar à escola
filosófica de Pitágoras (580-489 a.C.) e seus seguidores.
O mito de Asclépio expõe a dualidade “herói-deus”,
tão importante na Grécia do século XIII a.C. Asclépio
foi enviado ao monte Pélion para ser educado por Quíron, deus que trabalhava e agia com as mãos porque era
cirurgião e grande médico, também ao deus com sabedoria para compreender seus pacientes mediante o diálogo, considerado um dos remédios da cura. Asclépio,
como discípulo de Quíron, desenvolveu uma verdadeira
escola de Medicina na cidade de Epidauro e, com seu
método, preparava o caminho para seus alunos, entre
eles, Hipócrates (460 a.C.), que aprendeu a substituir
a ação generosa ou cruel dos deuses, pela observação
direta dos seus pacientes, descrito posteriormente no
Corpus Hippocraticum no qual era restabelecida a existência da força curativa inerente aos organismos vivos
denominada de “poder curativo da natureza”.
Membro do Programa de Medicina Integrativa da Universidade do Arizona – Estados Unidos;
Membro do Corpo Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE, São Paulo (SP), Brasil.
2
Doutor em Educação; Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares (GEPI) da
Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, São Paulo (SP), Brasil.
1
Na prática médica, há o confronto diário com a demanda por cura e saúde. A proposta deste artigo é a de
promover a reflexão sobre tais conceitos tendo como
base uma visão mito-filosófica aplicada aos momentos
atuais, tanto na área médica quanto na Educação, evidenciando o “professor cuidador” como a base de uma
diferenciada maneira de reaproximar o aspecto educativo ao do ato médico.
Ao pensar em conceituar a palavra cura, corre-se o
risco de atingir um alto grau de eficiência semântica,
forçando a uma unilateralidade em seu significado, ou
seja, curar é restabelecer a saúde. Assim, não são observadas outras reflexões implícitas em sua leitura e é
interrompida a transformação dessa palavra em ação,
envolvendo inevitavelmente histórias e sensações experimentadas no decorrer das buscas realizadas rumo ao
desenvolvimento e, simultaneamente, a uma imersão
no autoconhecimento(1). Desse modo, é possível afirmar
que a condição humana de compreender o significado
da cura vai além do senso comum da cura física conhecida no cotidiano.
Num retorno à gênese da palavra na língua latina, encontramos a cura, no sentido médico, como “sanare” ou
“curare” e, no sentido figurado, é entendida como curar
einstein: Educ Contin Saúde. 2010;8(1 Pt 2): 40-1
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O centauro Quíron possuía a imortalidade e um corpo metade cavalo e metade homem; vivia entre os homens e era um exímio médico, além de ensinar música e
as artes da guerra e da caça. Após ser atingido por uma
flecha envenenada de Hércules, passou a sentir fortes
dores e compreendeu que a melhor maneira de curar
sua ferida era conhecer bem o ponto de sensibilidade.
Ele sabia que essa ferida jamais cicatrizaria, mas buscava melhor forma de viver com a dor, apontando para
a gênese da doença e vivendo assim por longo período
quando orientou vários curadores.
Ao aproximar o papel do médico ou terapeuta do
papel do educador, um impulso seria dado a estas forças naturais descritas por Hipócrates, criando condições
para o processo de cura e tornando a terapia uma assistência para otimizar o potencial de desenvolvimento
de sujeitos autônomos e pensantes, bem próximo ao que
Freire*(3) propõe quando afirma que “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético
e não um favor que podemos ou não conceder uns aos
outros. (…) Saber que devo respeito exige de mim uma
prática em tudo, coerente com este saber”. Aqui vemos
o ato de curar, então, é posicionado paralelamente a essência do ensinar e o modo de perguntar passa de “em
que posso ajudá-lo” para “em que posso servi-lo”?
Conhecer para cuidar: diálogos com a
Medicina Integrativa
Os espaços de convivência e aprendizado podem ser espaços de construção conjunta e não apenas de repasse
de informações, tanto na escola como na clínica médica
ou hospital. Portanto, é possível criar um kosmos** diferenciado na formação dos profissionais que integre os
conteúdos e as sensações perceptivas, como a recuperação da sua matriz primeira, àquela que impulsiona as
carreiras profissionais.
Ousaríamos caminhar por experiências do nosso
novo mundo que se autocura ou se autodestrói, integrando as práticas meditativas às lógicas de formação humana, segundo as quais ouvir é primordial para cuidar. Essa
ousadia é acrescida ao respeito mútuo quando possibilita
uma revisão constante nos projetos de aprender e/ou ensinar, aceitando que o conhecimento é fluido e adaptável
às realidades humanas tão diversificadas.
Este artigo valora a força da palavra “cura” como
cuidado quase terapêutico, na medida em que, convidando os parceiros (profissionais da Educação e da
Saúde) para um aprendizado em mão dupla, como
eterno aprendiz e peregrino, é possível constatar que
não existem portas ou paredes que separam o cotidiano
docente do sonho de curar do médico, encontrado nos
princípios da Medicina.
Assim, os espaços serão terapêuticos na medida em que as intervenções dos profissionais forem
interdisciplinares(4) e capazes de mesclar teorias em
prol do poder autocurativo das pessoas, afirmando que
transitar e vivenciar uma “educação-próxima-de-nós” é
abrir-se às possibilidades de extasiar-se com as relações
do saber, do fazer, do ser e agora... do cuidar.
REFERÊNCIAS
1. Santos BS. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez; 2004.
2. Dicionário Português Latim. 2a ed. [S. l.]: Porto Editora; 2008. p. 191.
3. Freire P. Pedagogia da autonomia. Saberes necessários à prática educativa.
37a ed. São Paulo: Paz e Bem; 2008.
4. Fazenda ICA. Interdisciplinaridade: história, teoria e pesquisa. Campinas:
Papirus; 1994.
* Paulo Freire foi um educador brasileiro que se destacou por seu trabalho na área de Educação popular, voltada tanto para a Educação como para a formação de uma consciência crítica. É considerado
um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial. Ver www.paulofreire.org.
** Kosmos é o universo, a totalidade das coisas, mas é também o universo ordenado e elegante. Seu conceito estético é o que o torna grego. Há um aspecto científico também quando se trata do seu
ordenamento e, em princípio, por ser explicável.
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