I FEMUP – 1966

Transcrição

I FEMUP – 1966
I
FEMUP – 1966
POESIAS
1
AS FLORES
Autor: Claidir Simonetti
Declamador: O mesmo
2
O PALHAÇO
Autor: não consta
Declamador: não consta
3
A PRIMEIRA BOMBA ATÔMICA
Autor: Gentil Carraro
Declamador: O mesmo
4
MEDITAÇÃO
Autor(a): Elmita Simonetti
Declamador (a): A mesma
5
O PARAÍSO QUE EU SONHEI
Autor(a): Miralva S. Ribeiro
Declamador (a): A mesma
6
SONHAR
Autor(a): Deuslírio Ferreira
Declamador (a): O mesmo
7
METAMORFOSE SONHADA
Autor(a): Justiniano Antão
Declamador (a):
8
O AMOR
Autor(a): Maria Léia Sanches
Declamador (a): Elvira Maria
9
MARIA RIO BAHIA
Autor: Gomes da Silva
Declamador (a): Fernando da Silva
10
SINTO SAUDADES
Autor(a): Judith Terezinha de Barros
Declamador (a): Iracema Morais
11
HISTÓRIA DE UM AMOR
Autor(a): Idair José Chies
Declamador (a): O mesmo
12
QUANDO
Autor(a): Leônia Tenório Albuquerque
Declamador (a):
13
FALSOS DEVANEIOS
Autor(a): Silvio Kobus
Declamador (a): Eligio de Oliveira Netto
14
OBRIGADA
Autor(a): Rosa Asul
Declamador (a): Aparecida das Graças
15
ETERNO AMOR
Autor(a): José Demétrio Ribeiro
Declamador (a): Pedro Pereira
16
CÍRCULO VICIOSO
Autor(a): Geni Sanches R. Spúris
Declamador (a): Sónia Maria de Oliveira
As Flores
Claidir Simonetti
As flores são singelas, viventes.
De que o homem vive a usar.
De aroma suave e ardente.
Flores vermelhas ou multi-cores.
Que vive a vida a enfeitar.
Nossa vida estão nas flores.
As Flores meigas e viçosas.
São parte da nossa sorte.
Atraentes e formosas.
Que enfeitam a vida e a morte.
Flores, somente as flores.
Que condecoram jardins.
Planta sacra e divina.
Rosas, dalhas, jasmins.
As flores estão no bem e no mal
Estão nas promessas de amores.
O Palhaço
Num suntuoso salão, de luzes multicores,
iluminado, que parece da aurora o raiar,
forte aglomeração, de ricos, pobres e doutores,
esperavam ansiosos o iniciar, de grande espetáculo
Explodiria em risos e em gargalhadas os da vida maldizentes.
O imenso teatro estava lotado,
Todos olhavam atentos,
Ao ver se distinguiam a figura de listado
que então os faria gargalhadas a contento.
No entanto atrás do cortinado azul, alguém,
cuja mão sobre o rosto, fumava impaciente,
e de quando em vez, indo à porta murmurava: ninguém,
... Mas e o espetáculo? Céus! O que aconteceu àquele negligente?
Mas numa rua sombria,
Entre árvores amarelecidas e feias
Achava-se um casebre, que sumia
num recanto qualquer da mísera aldeia.
Ao contrário do teatro, a cena que ali passava
Era triste miserável e ao mesmo tempo comovente.
Sentado ao pé do leito, nervoso e desolado
Contempla a sua filhinha enferma e maltratada
Ao ver se conseguia ao menos olvidar,
Àquele teatro horrendo, no qual era esperado.
Aquela multidão cruel que o queria arrancar
do pé do leito pobre de uma filha adorada.
Aquela turba infame que tendia condenar,
Um anjo bom e indefeso a morrer sozinho,
Sem sentir sobre si, de seu pai nem um olhar
Sem merecer afinal um nada de carinho
Porém os ponteiros do relógio não paravam
Em sua mente mil pensamentos perpassavam.
Voltar ao teatro, cumprir o seu dever?
Deixar seu único bem no desamparo a morre?
Mas se comprometesse o espetáculo seria despedido.
_ Oh! Deus, melhor fora que ao nascer tivesse morrido,
Pois nesta situação, de que vale ser vivente?
Arrancando-o porém desses pensamentos tristes,
A menina, na qual a febre intensa persiste,
Indaga debilmente num delírio: Papai, o senhor está aqui?
Corre a cabeceira e afagando-lhe os cabelos carinhosamente
Diz: Sim querida, papai está aqui, contente?
Como que por essas palavras acalentada,
Virou-se na cama e permaneceu calada.
Novamente porém, o relógio o fez estremecer
Não podia esperar mais, o tempo urgia
Faltavam apenas dois minutos e era seu dever
Estar presente antes, era ordem da companhia
Chega-se trêmulo junto ao leito, fita-a comovido
e apertando-a quase inerte, junto a si murmuras
- Papai vai te deixar meu ser querido
Perdoa meu anjo, esta amargura
De deixar-te morrer sem minha presença
Teu pai é um palhaço, compreenda,
Precisa fazer sorrir uma multidão intensa.
Minha filha sinto uma dor imensa
Pela covardia que agora vou fazer
E se em minha ausência, algo acontecer,
Saiba que teu papai é uma palhaço, mas te ama.
Foi neste instante que um soluço irrompeu-lhe na garganta,
Acordando a menina que assustada a cabeça levanta,
E debilmente sorri: Papai, papai o Sr. Está aqui?
Não me deixe papai sua filhinha está muito doente, sim?
Com os olhos rasos d’agua lhe diz,
_ Querida, papai está aqui mas vai deixar-te sozinha
Porém, voltará logo, com presentes tudo que receber,
Vamos, durma e fique quietinha.
E com voz entrecortada suspira:
_ Adeus minha filhinha adeus querida...
Quando apareceu no palco multicor
Os aplausos deixaram em suspenso o ambiente.
Uns davam vivas, atiravam confetes e até flor,
E nesta alegria delirante e inconsciente
Não viam que matavam cruel e desumanamente
Um pobre homem, que para agradar a alheia multidão,
Em cada piada, em cada riso ou gracejo, lentamente
Ia fazendo em pedaços o próprio coração.
Cada gesto seu era com riso recebido
Tudo em festa, tudo era felicidade.
Porém, a sua alma gritava a toda força,
Contra essa orgia esta falsa sociedade,
A quem a dor alheia passa despercebida,
Na qual o egoísmo constantemente repousa
Em seus olhos havia um brilho estranho
Via sua filhinha sorrir, de olhos brilhantes e castanhos.
E quando terminava a primeira cena ao camarim voltou,
Viu a um canto na sala, alguém que soluçava.
E assustado a menina notou
E era a mesma que a sua casa mandara
a ver como passava sua filhinha, e disse:
_ Mas deixastes a menina sozinha?
Senhor...senhor sua filha morreu...
Quando entrei ouvi um pobre ai!
Cheguei-me junto a ela e a ouvi dizer papai!
Deixou-se cair numa cadeira e como louco gritou
_ Minha filha...minha filha, o que adiantou!
Minha filha morreu sozinha, chamando por mim!
Por que será meu Deus, que a sorte é injusta assim?
Mas neste momento os aplausos anunciavam
Que era um “palhaço” e devia voltar a cena
Pois pela sua presença delirantemente chamavam
_ Malditos! E de sua dor não tinham pena.
Revoltado contra tudo, nesta vida de amargor
Pregou o olhar, naquela turba em cheio
Miseráveis, cruéis, que roubará seu amor,
E os últimos instantes, que a teria junto ao seio.
E quando terminaram os aplausos delirantes
Ao invés de gritar e rir como fazia antes,
Permitiu que o pranto, corresse livremente.
E dando vasão a sua dor ardente,
Olhando a multidão, infame e desgraçada,
Em protesto explodiu em histérica gargalhada.
E este gargalhar sombrio, ecoou
Em todo salão, como um grito de dor...
E com os olhos rasos d’agua, numa
angústia sem nome, atira-lhe ao rosto
Estas acusações: gargalhe plateia,
Que seu mísero gargalhar
Se eleve até o céus.
Gargalha, e faz do coração alheio um pedaço.
Plateia infame e desnaturada... assiste em riso
O doloroso desfalecer do coração de um palhaço.
E assim também do palco da vida
Somos eternos palhaços
Que tendo a morte na alma, mostramo-nos sorridentes.
A vida é o palco, os palhaços somos nós
E a sociedade, quantas vezes, a plateia displicente.
A Primeira Bomba Atômica
Gentil Carraro
Foi numa tarde...não me recordo bem.
Será que foi no verão ou primavera?...
Parece-me que não estou mesmo certo!...
Não é possível meu Deus?...Que tempo era?
Até que enfim, agora me relembro:
Céu azul e o sol com muita claridade
Mas as borboletas volitavam funestas,
Coitadas...pressentiam a atrocidade
As montanhas, quais sentinelas implacáveis
Como que de sua inércia acordando
Divisaram bem pálidas de terror
O inimigo como um raio avançado!
O trágico ronco daquele monstro aéreo
Com tanta rapidez se aproximar,
Dava-lhes ímpetos de terrível cólera
Queriam correr e o povo alertar
As belas palmeiras em preces suplicantes
Filhas do amor e da liberdade,
Diante do cruel e tétrico destino,
Enlouqueceram por toda a eternidade!
Mas, o que foi de ti, é infeliz Cartago?
Testemunhas mentes, por que não falais?
Emudeceram de ver tanta infâmia,
Emudeceram de ouvir tantos ais!
Sabiá, ó sabiá, se ainda vives!
Tu que és o cantor ídolo das matas teus,
Canta tristíssima despedida assim:
“Ó minha querida Hiroshima... Adeus”!
Meditação
Elmita Simonetti
Com visão envidraçada,
Pela janela entre aberta,
Medito a aurora já raiada,
A terra ainda está deserta.
Mil anseios de um dia,
A Banda gorgedona a cantar,
Serena estampa qual melodia,
Uma ou outra nuvem há no céu.
Perto da janela um arvoredozinho,
Com dois filhotes a chiar.
Aconchegados num ninho,
Esperando o papai tico-tico chegar.
Ah!... A aurora como um diamante,
Ela raia entre mil cores.
Surge um dia primaveril, radiante,
Talvez felicidade, talvez dissabores.
O Paraíso que eu sonhei
Miralva S. Ribeiro
Na clara noite do verão,
Eu passeava pelos jardins floridos,
Que cheios de rosas em fragrância
Inspirava à poesia meu coração.
Sentindo toda beleza da vida
Sentará num dos bancos do jardim
Recebendo o aroma suave das rosas abertas
A luz reluzia intensamente em mim
Nesse momento mais belo,
Que enche-me de poesia a alma,
Deitei-me num dos bancos, com calma
deixei-me rolar dos lábios a palavra mais bela.
Amor!
Nesta hora o meu espírito
voltou ao passado distante,
Quisera que a noite fosse um infinito
Quisera que o amor em meu coração fosse constante.
Sonhar
Deuslírio Ferreira
Sonhar, pensamento de criança,
Que tem n’alma a esperança
De um amanhã lindo
E de um hoje eterno, nunca findo.
Esperança que se esvai,
Pensamento que nunca sai
Sonhar, sempre sonhar,
Persistir, antes de fazer pensar.
Sim sonhar, deixe-me sonhar
Antes que eu perca a esperança,
E viva apenas de lembranças
De um dia que se foi e de outro a passar.
Como é maravilhoso sonhar,
Ver o céu mais azul, o mundo
mais claro, e os dias a passar
num sonho puro e profundo.
Sim, sonhar, é ver a alma pungente,
num tom de amor,
que vive m toda gente
como um jardim vive uma flor.
Sim viver sonhando,
e ter a alma plangente
Por alguma coisa chorando
E por outra contente.
Sonhar e viver,
e sempre recordar
Aquilo que podemos fazer,
mas que fica sempre em sonhar.
E ver o passado, o presente, o futuro,
O passado já findo,
o presente sempre lindo,
o futuro cheio de surpresas, obscuro.
Hoje, vivo de sonhos que se vão,
Amanhã, verei o meu futuro à frente
E neste vai e vem que nunca irão,
Viverei a vida toda, contente.
Metamorfose Sonhada
Justiniano Antão
Sou como o presunçoso que se mete a grande
Nada lê, não busca a cultura
O que espera é que um milagre
Mostre a todos sua desventura.
Em todos os lugares de cabeça erguida
Está, fala muito, todos escutam
Mas conversa tola. Sempre é esquecida,
Todos esquecem, somente fitam.
Mas culpada disto é a natureza
Que me criou diferente mesmo
- Cérebro louco que causa tristeza
Enfiando a fronte, por aí, a esmo
Procuro fazer com que isso passe
Com uma calma incompreensível
Como se a natureza não mandasse
Como se isso fosse possível.
- Criador! Mudai minha mente
Mudai meu íntimo completamente
Para qu’eu possa ser o que sonho.
Se estou errado, porque muito peço
E que pouco nada adiantaria
Pelo tamanho do mundo me meço
Espero equilibrar-se, talvez um dia
Se alguns acham que agora sinto
- “Desiquilibrado não faz poesia”.
Eu não as faço, componho um verso
E a todos transmito minha agonia.
Criador me ponha em metamorfose
Ou antecipeis minha partida
E se não há nada para que transforme
Mudai então o sentido da vida
The END
O Amor
Maria Léia Sanches
Elvira Maria
O amor é algo quente
Que nos envolve de emoção
É um sentimento diferente
Que nasce no fundo do coração
É uma jóia tão preciosa
Um grande laço de amizade
É uma coisa maravilhosa
Que só traz felicidade
O amor não foi achado
Nem tirado dos versos seus
Foi o mais belo sentimento
Que nos foi dado pela lei de Deus.
Maria Rio Bahia
Gomes da Silva
Esta poesia somente deveria ser declamada no mês de maio,
mês das virgens, das noivas, das flores, para noivas e também para flores.
MARIA
MOÇA DO NORTE
DO SERTÃO
TROCADA NA GRANDE VIAGEM
POR GASOLINA E PEDAÇOS DE PÃO
PRIMEIRO RASGARAM O VESTIDO BORDADO
DEPOIS... A CARNE TENRA
... E MARIA GEMENDO...
CHORANDO A ÚLTIMA PUREZA
GOZANDO O PRIMEIRO PECADO.
MUITO CARRO PASSOU PELA ESTRADA
MUITO JOÃO PELO CORPO DE MARIA
E MARIA
MARIA RIO BAHIA
ACABADA
QUANDO MORREU SUA ÚLTIMA VONTADE
- FLORES NÃO!
QUERO GASOLINA E PÃO
NO CAIXÃO
NA COVA
NA ETERNIDADE
Sinto Saudades
Judith Teresinha de Barros
Quanta saudade sinto
Daquele teu doce olhar,
Um olhar meigo e suave
Que se fazia sonhar.
De tuas singelas palavras
Sinto saudade imensa!
Tamanha é a saudade
Que alegria e riso.
Sinto tanta saudade
Que já nem sei por que
A verdade... é que sinto
Saudade de você! ...
História de um amor
Idair José Chies
Te achei
um dia...
Olhei:
sorrias,
sorrias ...
e o riso
indeciso
da alma
fluía,
subia
e enchia
minh’alma
vazia.
Teus olhos
ansiosos,
curiosos,
acharam
os meus.
Meus lábios
medrosos,
gulosos,
beijaram
os teus...
que lábios,
meu Deus!
Tu eras,
Estela,
tão bela
donzela...
Tu eras,
Estela
ditosa,
formosa
qual rosa
Teu corpo
- Jesus! –
brincava,
bailava,
pairava,
na luz.
Depois...
os dois,
amados,
cansados,
saciados,
partimos
os elos...
os elos
tão belos
do amor
em flor.
Quando
Leônia Tenório Albuquerque
Quando partiste pálido pensando
Sentindo a amargura que eu também sentia
Não podias falar-me e eu, não podia
Dizer-te adeus... Estava soluçando.
E a soluçar eu fiquei divisando
O teu formoso vulto que fugia,
E quando o meu olhar já não te via
Meu pensamento foi te acompanhando.
E hoje... que mais te amo o mais te espero
Mais triste passo os dias esperando
Esperando em saudoso desespero
O teu regresso amor – diga-me quando?
Levo a mim mesma as vezes perguntando
Esse que eu amo que idolatro, que quero
Quando virá? Quando hei de vê-lo?
Quando irei abraça-lo e beijá-lo? Quando?
Falsos Devaneios
Silvio Kobus
HOJE é tudo impossível,
tudo impossível entre nós dois:
é impossível esquecer o primeiro beijo,
é impossível esquecer o último beijo,
a última carícia,
o último carinho,
a última palavra de amor!
HOJE é tudo impossível,
tudo impossível entre nós dois:
é impossível esquecer o teu olhar,
é impossível esquecer o teu sorriso,
a tua face quente,
o teu beijo doce,
a última palavra de amor!
HOJE é tudo impossível,
tudo impossível entre nós dois:
impossível que estamos separados,
impossível que o amor terminou,
que não és minha,
que eu não sou teu,
é impossível... meu Deus...é impossível!
Obrigada
Rosa Asul
OBRIGADA pelos dias felizes
que outrora vivi
Obrigada pelo mal de agora
Que me faz recordar de ti
Obrigada porque sentindo
Soubeste fazer-se feliz
Por pouco tempo, sim
Ao lado de quem eu tanto quis
Obrigada porque agora
Posso ver-te então
Dentro do negro mundo
Da terrível solidão
Eterno amor
José Demetrio Ribeiro
Roguei ao Senhor me Deus
Numa sincera oração
Que realizasse meus sonhos
E o gosto do meu coração
Sonhava encontrar alguém
Pra com amor adorar
É melhor um puro amor
Do que a gente enganar
Ao entrar em uma igreja
Buscando felicidade
Senti dois olhos castanhos
A me olhar com ansiedade
Nossos olhos se encontraram
E ouvi uma voz de fada
Dizer com suavidade
Eis sua princesa encantada
Após com ela falar
E sentir o seu calor
Acreditais realmente
Que no mundo existe amor.
Considero-te, querida
Presente vindo do céu
Sairás comigo da igreja
Vestida de branco véu.
Tu serás a minha vida
Ó querida princesinha
Um dia teremos um lar
E tu serás a rainha
Círculo Vicioso
Geni Sanches R. Spúris
Estou cansada de ver as mesmas coisas,
De sonhar os mesmos sonhos,
De viver a mesma vida! ...
Quisera dormir e acordar de repente,
Num mundo novo, desconhecido,
Só meu, diferente! ...
E então, meus olhos veriam,
Deslumbrados
Paisagens outras...
Meus pés pisariam novos caminhos,
Minhas mãos colheriam desconhecidas flores
E eu as guardaria em êxtase
E sonharia
Mas, um dia, meus olhos
Fatigados, já terias visto tudo
Meus sonhos se esgotariam
E a vida me pareceria monótona...
Eu haveria de proferir, então, novamente:
“Estou cansada de ver as mesmas coisas,
De sonhar os mesmos sonhos,
De viver a mesma vida!...”
Quisera dormir e acordar, de repente,
Num mundo novo, desconhecido,
Só meu, diferente!...
II
FEMUP - 1967
POESIAS
1
À BEIRA MAR
Autoria: Eliete Aparecida Linhares
2
MAIS UM DIA
Autoria: João Carlos Albuquerque
3
O ENGRAXATE
Autoria: Nêodo Noronha Dias
4
INVOCAÇÃO
Autoria: Dr. Alcides Corrêa
5
CHICO URUZUNGA
Autoria: Paulo Marcelo
6
O GAÚCHO BRASILEIRO
Autoria: Solstício Pinto de Azevêdo
7
INESQUECÍVEL MAMÃE
Autoria: Valter Mário Silva Castro
8
SONHO
Autoria: Ivens Maia de Carvalho
9
JOÃO DAS DORES
Autoria: Somog Ad Avlis
10
JUSTIÇA
Autoria: Neusa Sanches
11
VALE A PENA?
Autoria: G. Guimarães de Mello
12
SÚPLICA!
Autoria: Juan Durreg
À BEIRA MAR
À beira-mar estando, vi bater
As ondas nas rochas, que resistiam
A todos os ataques, sem tremer,
E nesta luta muda, me diziam
“Nunca conseguem as vagas do mar
vencer-nos, tirar-nos deste lugar”.
Mas, quando vi a areia aos meus pés,
Eu compreendi que era o resultado
Dos contínuos ataques às mares,
Que tinham a rocha despedaçado
E vi, que as águas eram mas potentes
Que todas as pedras, tão resistentes.
E vi, que a força das águas do mar,
Estava com seu trabalho paciente;
Lavavam essas rochas sem cessar.
Cavando-as sempre, se bem que lentamente,
E despedaçando-as todas assim,
E a sólida massa caiu por fim.
E tornou-se-me claro que também
O pecado mis duro e resistente
Há de ceder à força que provém
Do brando amor, que, continuamente,
Lava da alma orgulhosa a rocha dura;
Não há poder mais forte que a brandura.
Eliete Aparecida Linhares Scholz
MAIS UM DIA
Mais um dia chega ao fim.
Tudo até o momento é tristeza.
A tua ausência para mim é um tormento.
Já não suporto mais viver sem você!
Tudo e todos falam-me de você!
Impossível esquecer.
Não é falta de vontade! Já fiz o impossível para esquecer você.
Mas, foi tudo em vão.
Você é como um espinho cravado no fundo do meu coração!
O sol, com seus últimos raios se esconde, dando lugar a noite,
Mais doze horas de insônia,
A esperar um novo dia.
Talvez voltes para mim,
E, este dia serei feliz.
João Carlos Albuquerque
O ENGRAXATE
Que idade tem?
não sei ao certo... talvez oito
talvez nove
se faz sol, se chove
o engraxate está com sua caixa
seu sorriso de menino
sem pai e sem carinho
a trabalhar a trabalhar.
Desde o alvorecer a por do sol
o menino descalço e andrajoso
engraxa sapatos de comerciante
de banqueiro
de homem de dinheiro
de poeta do comerciário
daquele que vive de salário
do picareta do vigário.
Nos seus olhos a luz da esperança
que emana do olhar da-criança
que crê num mundo justiceiro.
Na bondade da humanidade
na sinceridade do mundo tão mesquinho
no céu na terra em toda natureza
e sorri um sorriso de pureza
pureza de menino.
Pai não tem
mãe não conheceu.
Ninguém jamais lhe acariciou
ou uma frase de amor lhe sussurrou.
Desconhece o amor este pequeno
No entanto há amor no seu olhar
amor no seu sorriso
e amor em seu trabalho de engraxar.
Suas noites são dormidas ao relento
tendo como teto o céu cheio de estrelas
e na companhia do vento
sua alma sob ao firmamento
em sonhos colossais.
Sonha com um lar o engraxate
com uma mãe que dizem ser boa
com um pai que todo mundo tem
e a dormir assim abandonado
triste e solitário
o engraxate traz na boca o riso
e dentro d’alma o belo paraíso
que não tem.
Enquanto dorme a vida continua
o mundo desconhece o drama seu
as luzes belas da cidade fria
os carros ricos desfilando à rua
mulheres belas homens com problemas
ninguém reparar o engraxate pobre
que no chão adormeceu.
Mas há sempre em nossa vida amarga
um amanhã.
E o menino maltrapilho e sujo
talvez tenha um amanhã feliz
Nesta vida tudo passa, e se
transforma
há sempre um porvir
e quem chora amargamente hoje
amanhã irá sorrir.
Nêodo Noronha Dias
INVOCAÇÃO
Do pórtico da existência podemos contemplar,
Quão maravilhosa, sutil, mimosa e bela!
É a natureza que na juventude secular revela.
Todo o encanto virgem que nos faz vibrar,
Obra primeira onde tudo está contido e certo,
Só mesmo o pai celeste te podia imaginar...
Criação divina que em tudo está presente!
Na imensidão do tempo e do espaço,
Levas contigo a humanidade no regaço
Feito incomparável em tudo estás latente.
Somos de ti uma minúscula partícula,
Neste todo vivo que se move velozmente.
Pai Onipotente, tu és a própria natureza em Flor!
Criaste o homem dando-lhe a essência espiritual,
Para que ele faça o bem sem praticar o mal;
Lança um olhar de advertência e também de amor,
Para que atentemos à divindade que nos deste.
A constelação – que é o próprio mundo em esplendor.
Dr. Alcides Corrêa
CHICO URUZUNGA
Naquele rancho onde poucos choram
Jaz um caixão todo em roxo ornado
u’a mulher grita insanamente
chorando a morte do marido amado...
Oh! triste fado desditoso, infame
que lucras tu a zombar de mim?
e tu Senhor que do céu nos fita
por que me fazes sofrer assim?...
Aí está o meu homem morto,
morto da morte que matou meu pai!
meu pai que foi morto foi de fome e sede,
de fome e sede todo pobre cai...
Um filho tenho que na vida brinca,
que na vida brinca e no charco rola;
outro eu trago dentro do meu ventre
no meu corpo seco que de forma chora...
Quantas crianças neste mundo sofrem
a dor pungente da inanição,
o pai labuta o dia inteiro
mas não tem dinheiro pr’a comprar o pão...
Naquele rancho onde poucos choram
jaz um caixão todo em roxo ornado;
um pobre homem macilento e sujo;
tuberculoso pelo chão molhado...
Saracura
bem-te-vi
tanajura
sucuri...
...uma capela
duas capelas...
três capelas...
...amarelas...
...e um padre rezando:
Por S. Juca e Santo Antão,
S. Francisco e Sebastião;
Por Lucas, Pedro e Miguel,
S. Bernardo e Manuel,
eu venho aqui implorar.
Por esta Bíblia Sagrada
pelos crentes venerada,
eu rogo a todos os Santos
que atendam os meus prantos
e venham o mundo arrumar.
Saracura
bem-te-vi
tanajura
sucuri...
...uma capela
duas capelas...
três capelas...
...amarelas...
...e um padre rezando:
Naquele rancho onde poucos choram
jaz um caixão todo em roxo ornado;
uma criança taciturna e magra
busca por Deus no céu imaculado...
Mamãe, que faz papai
estirado neste caixão?...
Aí está o meu homem morto,
Morto da morte que matou meu pai;
meu pai que morto foi de fome e sede
de fome e sede todo pobre cai...
Titio, que faz papai
Estirado neste caixão?...
Chico nasceu;
Chico lutou;
Chico morreu;
Chico acabou.
Papai! papai! acorde papai!
o sol está quente
a terra ardente,
lá vem vindo Bastião
co’a enxada na mão,
olhando pro chão,
chão todo regado,
chão todo plantado,
chão todo cultivado...
Naquele rancho onde poucos choram
jaz um caixão todo em roxo ornado;
traz dentro dele Chico Uruzunga
pelos podres vermes sendo devorado.
Paulo Marcelo
O GAÚCHO BRASILEIRO
Este tipo hospitaleiro,
Cá do sul do meu Brasil,
Sempre altivo e varonil,
É o Gaúcho Brasileiro!...
Rei do Pampa Centenário,
Desta Terra Farroupilha,
Batizado na Guerrilha,
Por Centauro Legendário!
Todo o filho do Rio Grande,
Como herdeiro de Sepé,
- O herói de Caiabté - ,
De caudilho fibra expande!...
Três séculos são passados,
De tradições deste Pago,
Legadas por Ínvio Vago,
Que na história é olvidado!...
“Esta Terra já tem dono”!
São Miguel foi doador,
Tiarajú “corregedor”
Não deixou no abandono!...
O Centauro dos Caudilhos
Por nativo telurismo,
Comandou com seu civismo,
Uma “indiada” corumilho:
Depois, vieram Farroupilhas,
Jardim, Cassal, Bento, Ulhêa...
Todos farrapos de proa,
Peleando pelas coxilhas!...
Prá libertar a Querência,
De um “regime escravisante”,
Prepotente e humilhante,
Proclamaram a Independência!
Em fumaça de cartucho,
Recomendo que tu leias
“Epopeias e Peleias”
- Para conhecer Gaúcho.
O rei do Pampa Centenário,
Desta Terra Farroupilha,
Batizado na guerrilha,
Por Centauro Legendário!
Saiba agora o companheiro,
Que este tipo hospitaleiro,
Cá do sul do meu Brasil,
Sempre altivo e varonil...
É o Gaúcho Brasileiro.
Garibaldi, um Italiano,
Que lutou pela decência,
Também quis independência
Deste Pago veterano!...
O Farrapo Marinheiro,
De dois mundos foi “turuna”,
Consagrando na Laguna,
A sua fibra de guerreiro!
Canabarrol Antonio Netto,
Bravos filhos deste Pampa,
Seus feitos estão na história
- Como exemplos de bravura,
- De heroísmo e de cultura,
Cintilando na sua glória!...
No velho Pago caudilho,
Temos marca colossal,
A Batalha do Seival...
Gravada em xucro estrilho,
Que se lê na sua Bandeira,
Simbolizando “Igualdade,
Liberdade, Humanidade”,
Conquistadas na trincheira!
X – Indio Sepé Tiarajú – combateu heroicamente em Caibaté, localidade do Município do Município
de Livramento, RGS.
XX – Indiada Corumilho, índios heróis guerreiros, irmão de Tiarajú da tribo de Tupis-Guaranis, da
região Missioneira no RGS.
XXX – Epopéias e Peleias, livro editado no Rio Grande do Sul, pelo historiador – Walter Spalding,
tratando dos episódios relativos à Revolução Farroupilha e de Vida dos Índios Sepé Tiraju,
considerado pelo consagrado Escritor Mansuette Bernarndes, “O primeiro Caudilho Riograndense”..
Livro de Cabeceira dos tradicionalistas Gaúchos. –
XXXX – Giuzzepe Garibaldi, navegador Italiano que participou da Revolução Farroupilha e
comandou a “Retirada da Laguna”, em Sta Catarina, no ano de 1.837.
XXXXX – Liberdade – Igualdade – Humanidade, foi o lema inscrito na Bandeira Farroupilha, na
República de Piratini – RGS. –
Solstício Pinto de Azevedo
INESQUECÍVEL MAMÃE
Oh! Querida mamãe!
Belo foi o amor que por mim dedicaste
Lembro-me ainda,
Quando criança, tu com tuas
Frases amorosas,
Alentava-me com belas histórias.
Tu, que com olhos meigos e singelos,
Com belos lábios cor de jambre,
Beijavas minha pequenina testa,
Dizendo, “Oh! Filho adorado,
Amor de minha vida”.
Querida mamãe, hoje, ao invés de beijos e palavras amorosas,
Rezo por tua alma que invade meu coração.
Imploro a Deus por tí.
Oh! mãe adorada,
Deus há de ouvir-me
E dar-te a salvação eterna.
Valter Mário Silva Castro
SONHO
Eu ia assim, despreocupado
a procura de certo alguém
ou talvez a mim mesmo.
Eu ia assim pela estrada da vida
caminhando, sozinho, à esmo.
Porém de súbito, vi-te
e logo em meu ser vibraram
mil pensamentos que voaram
pelo céu como aves assustadas.
Uma inquieta e dolorosa reação
fez com que se enchesse o meu coração.
Olhei-te. Quis enfim falar-te,
e não pude, porque passaste
como uma sombra, que se vai,
como o eco de um alaúde.
Porém, vi que eras um sonho.
A tarde agonizava, e eu ainda te buscava
com o pensamento e os olhos
mas naquela hora desaparecerias,
e no fundo das coisas sem alma,
ou da própria e indecifrável alma das coisas,
vibravam no ar estranhas melodias.
Foste embora, eu fui também.
Os dias tardos e sonolentos
como bois a subir montanhas passaram,
e la fiquei eu e meus pensamentos.
Hoje, depois de tanto tempo reencontrei-te.
Tarde? Nunca. Cedo? Talvez.
Desde que te vi a vez primeira
amo-te, e como é imenso este amor.
Urge aplacares a minha sede de espera,
de tortura, de amargor.
Nesta longa espera, não esqueci jamais
os teus olhos de misterioso ônix,
que espalham áureos reflexos.
Este busto, sereno e majestoso;
o calmo, augusto e divinizado rosto;
tens a beleza perturbadora e rara
como a de uma guerreira amazona,
que em marcha firme e triunfal,
a tudo vence e resplandece.
Desde há muito tua voz ficou vibrando,
no meu crepúsculo interior,
como um reflexo de sol, em riso de cristal.
Eis-me diante dos teus olhos,
como um náufrago de dilúvio,
relembrando quando tu disseste:
“Um dia hás de me encontrar,
e juntos haveremos de sonhar”.
E eu saí, com o fardo da desilusão
Triste, infeliz qual novo prometeu acorrentado,
Pela grande estrada da vida a caminhar.
Ivens Maia de Carvalho
JOÃO DAS DORES
Pai de João com vadia se juntou
a mãe coitada, morreu...
morreu do coração
João então casou com Maria
Mas Maria gostava de viajante
E um dia...
viajou.
A casa pelo senhorio pedida
do trabalho demitido
sem indenização
João então recorreu à justiça
- Subversivo! acusou o patrão.
João sem família, tinha febre
João sem casa, tinha frio
João sem trabalho, tinha fome
Mas João sem nada, tinha fé
A fé lhe mostrou esperança
A esperança... as portas da caridade
Pai de Santo deu passe, farofa não
o vigário só pão e água benta
o pastor uma bíblia e um sermão
aí então apareceu o delegado
e se deu... deu voz de prisão
Quatro velas sem flores
um preso maluco resmungando oração
assim morreu João
João no Nascimento das Dores.
Somog Ad Avlis
JUSTIÇA
O sol da existência se punha tristemente
no horizonte da vida.
E eu subi à montanha melancólica do existir
e de lá,
Descortinei o mundo...
Descortinei a vida...
Meu olhar perdeu-se nas divagações
E lentamente, eu vi o Universo...
Contemplei suas florestas virgens
e vi a pureza
Contemplei o céu e vi o esplendor!
Depois contemplei a civilização!...
As lágrimas inundaram
os olhos meus.
E entre a expressa nevoa de chorar
eu quis ver a justiça...
Mas vi... a conquista espacial
As copas mundiais
e o esplendor do Vaticano.
Eu vi o Vietnã,
Vi a tristeza...
a revolta...
E vi, atrás das cortinas de ferro,
farrapos humanos,
sem Deus...
sem liberdade... angustiados
Prostar-se como não sei,
com o olhar fito não sei onde
à rogar não sei a quem!
Justiça!...
Vi a Amazônia despovoada
e o controle da natalidade
Vi crenças...
Superstições...
o analfabetismo escravizador.
E à fosca luz dessas figuras,
confusas...
deploráveis...
Se me afigurar a grande pirâmide
Lá... no cimo,
Num colorido esplendoroso
Nas festas...
nos grandes salões
deita-se wisck nas taças...
estalam-se os cristais...
fulgura, as joias das damas elegantes...
deslumbra, o traje das debutantes...
convertendo-se na mais revoltante
festa, da prepotência
da imoralidade...
da irresponsabilidade...
e sobretudo da falsidade
da hipocrisia..
Baixei o olhar,
Ainda ofuscado pelas luzes do alto.
Meus olhos depararam-se
Com o centro da pirâmide!...
Aí, eu ví a força do ideal
Eu ví poetas em noites enluaradas
Cantar, suas canções de amor...
O operariado nas grandes fábricas;
Máquinas
Agitação...
Barulho ensurdecedor...
E no final do dia,
Cansaço...
Eu vi estudantes agitados.
Em plena madrugada,
Adormecidos sobre mil livros...
E os ví depois,
Chorar...
Chorar muito, abraçados a mãe
Que no tanque, labutara,
Horas a fio
Confiante...
Vi-os chorar junto ao pai
De enxada em punho, que
De sol a sol... trabalhara
Trabalhara na esperança...
Ó triste desengano!...
Seu filho não mais seria doutor
Excedera... na faculdade!
A fronte desse banhada de suor,
Banhada de lágrimas a face daquele
Mãos juntas...
Apertadas...
Levantadas...
Ao céu,
Numa súplica silente;
- Senhor, Justiça!
Estava quase em pranto
Doía-me esta contemplação.
Baixei os olhos
Mas... hh Deus...
Era a base da pirâmide.
Mulheres...
Crianças...
Pés descalços...
Bracinhos ao vento...
Frio!...
Fome!...
Miséria!...
Horror!...
Morte!...
“Crianças de bocas pretas do sofrer”.
Mamando nas negras tetas da miséria!...
Mas... oh imortal poeta da escravidão!...
Hoje, “s’tamos” em plena terra!...
S’tamos em pleno século XX!...
S’tamos em plena favela,
Em plena desolação.
De repente... olhares se voltam.
Adolescentes, escondem a nudez,
Crianças correm...
Gritam...
- É o doutor...
As crianças calaram-se...
Não; ele vinha trazer pão!
Vinha pintar a favela de amarelo
Vinha pintar a miséria de amarelo.
Adiante vi alguns homens,
Sentados a um canto.
No centro um senhor distinto.
A um lado um senhor,
De negro, falava.
Um tribunal!...
E o réu?
O réu?! Lá estava ele
Cabisbaixo...
- Mas... eu o conheço; é o Zéca!
Eu o vi crescer apanhando
Migalhas de pão,
Nas latas de lixo.
E ele chorava.
Vi-o mais tarde, roubar pão e leite
E também chorava.
Ao assistir na mais profunda miséria
A morte da mãe e irmãos,
Chorava amargamente.
Quantas vezes nos bancos de jardim,
Com a cabeça envolta nos trapos da favela,
Eu o vi chorar,
Sem ter ninguém que escutasse o seu pranto.
Mais tarde...
Seu retrato na primeira folha dos jornais!
Seu nome, em letras garrafais!
E agora, lá está o Zeca:
No Tribunal.
Fala a acusação:
- Assassino!..
Delinquente!...
Ladrão inveterano!...
Em seu rosto, nenhuma contração,
Nenhum gesto.
Ele não mais possuía coração.
Chorar...
Chorar?! Mas onde buscar lágrimas?
Não senhores... chorar, nunca mais.
E, aquela palavra,
A todo instante repetida,
Tinha para o Zéca,
O sabor de uma gargalhada.
Justiça!...
Justiça!...
Não mais resisti,
Meu rosto de lágrimas se inundara.
Desolada,
Triste,
Desesperada,
Em pranto,
De mãos cerradas,
Busquei o céu, o trono celeste.
Senhor!... nos Vos comove isto?!...
Não vos comove isto, Senhor?
Eu vos não peço justiça,
Eu vos peço piedade.
Eu vos peço amor.
Neusa Sanches
VALE A PENA?
Vale a pena?
Que vale?
Que vale recomeçar?
Mas, vale a pena?
sofrer e chorar?
Mas... vale mesmo a pena,
Insistir, insistir,
E se enganar?
Vale a pena,
Querer ficar,
Como antes,
Doido,
ferido,
desesperado,
fingido,
condenado,
e perdido?
Vale a pena?
Não vale,
Não fale
Que vale,
porque não vale...
Não adianta
recomeçar...
É um tempo perdido,
iludido ,
enganado,
sofrido,
triturado,
azucrinado,
pelo ódio,
pela dor,
pela crueldade,
pela maldade,
pela fúria,
pelo desprezo,
pelo desdém,
sem amor,
sem paz,
sem esperança,
sem tranquilidade,
sem carinho,
sem confiança,
sem calma,
sem nada,
sem nada mesmo.
Por que sem nada?
Por que esconder?
Nunca vale a pena,
Por que é bobagem,
é estupidez,
é loucura,
é mediocridade,
Já lhe digo,
porque você
precisa saber
como homem,
que a vida
ou é tudo,
ou é nada,
ou se vive,
ou se morre,
se acaba,
a cada minuto,
que passa,
que se vai,
que foge,
para o passado,
para longe,
longe demais,
bem distante,
sem fim...
Eu digo,
meu amigo,
e conto,
não minto,
eu digo,
o que sinto,
eu confesso,
não nego,
falo a verdade,
com sinceridade,
com franqueza,
com crueza,
digo já,
eu vou,
estou , estou.
Eu vou
fazer algo,
que arrepia,
que revolta,
que amedronta,
que faz bem,
a todos,
a mim,
a alguém
ou a ninguém
que pode,
que deve,
resolver
minha situação.
Eu quero,
sou sincero,
quero tudo,
menos então,
a desgraça,
a loucura,
o desespero...
...o desespero...
...desespero...
...a morte...
G. Guimarães de Mello
SÚPLICA!
Medito ao longe o horizonte
Buscando o infinito.
O céu azul... tão bonito
Lacrimejando nas águas da fonte.
Gorjeiam os passarinhos;
Trazendo mais vida
Aos seus ninhos.
Tudo é belo! Tudo sorri!
Só eu que não.
A razão desta vida perdi,
Quando perdi teu coração.
Te imploro, ó! Meu Senhor!
Se não mereço amor,
Dá-me um pouco de paz.
A paz que tanto sonhei
Um dia n’alma ter.
A paz que não terei
Enquanto longe de ti viver.
Te suplico, ó! Meu Deus!
Faça luzir sonhos
Na luz dos olhos meus.
Juan Durreg
ADOLESCÊNCIA
Quanto esplendor a gente sente nesta idade!
Bebendo a vida que a natureza cria,
Com o coração a pular no peito de alegria,
Pedindo a alguém que nos dê felicidade...
Quanta emoção nos invade mansamente!
A cada dia que alvorece em nossa vida,
Nunca cansemos de correr nesta avenida
Que vai levar-nos à glória de repente...
Quantas venturas nos momentos de folguedo!
Deixam radiante o nosso frágil coração,
Sempre na ânsia de descobrir um segredo;
Oh! mocidade que estás ainda em embrião!
Vive esta vida sem o terror do medo,
Antes que alguém venha a roubar a mão.
Dr. Alcides Corrêa
IV
FEMUP - 1969
POESIAS
1
CHICO PELANCA
Autoria: Paulo Marcelo Soares da Silva
2
CACHAÇA
Autoria: Solstício Pinto de Azevedo
3
QUESTÃO SOCIAL SEMPRE ATUAL
Autoria: Carlos da Silva, Gomildes Gomes e
Ricardo Antônio Dalestra
4
O GUARDA-CHUVA
Autoria: Paulo Marcelo Soares da Silva
5
FÉ E ESPERANÇA
Autoria: Januário Filodemo
6
IRONIA
Autoria: Ébano de Almeida
Declamação: Elmita Simonetti
7
BARCO VADIO
Autoria: Paulo Marcelo Soares da Silva
Declamação: Elmita Simonetti
8
ACOSSADO
Autoria: Antônio Carlos Flôres
9
O ALFA E O ÔMEGA
Autoria: “Tatiana”
10
MENINA LINDA
Autoria: Paulo Marcelo Soares da Silva
11
ROSA DOURADA
Autoria: José Amaury Pereira
CHICO PELANCA
Chico era filho de Leonor,
Leonor das Neves, lavadeira,
que ficava na beira do riacho conversando,
e à noite, amando!
O pai de Chico – havia,
havia, sim; mas não existia!...
Diziam ser filho de doutor,
viajante, turco,
operário
ou comerciante...
...e o pobre do Chico seguia adiante.
Assim Chico cresceu,
viveu na vadiagem
- morreu!
E ainda hoje, pelos bares sombrios,
quando toda tristeza morre,
quando o cego canta,
quando a cachaça corre,
quando a mulata ama,
- pelos bares da Bahia –
ouve-se o riso vagabundo
de Chico Pelanca.
Paulo Marcelo Soares da Silva
CACHAÇA
I
Arrastado pela sina,
por esta força oculta, que domina
a nossa vida do começo ao fim,
ou entrei num café,
pedi uma cana, e
olhando o copo límpido sem jaça,
disse assim:
CACHAÇA!
Maldigo a ti e também
a todos os teus irmãos
que o álcool torpe contém.
Eu vi crianças sem pai,
sem roupa, a tremer de fome,
na desgraça.
Quem foi que o pai lhes roubou?
Queres que eu diga o seu nome?
CACHAÇA:
E o ébrio que vi dormindo
Deitado numa sarjeta?
Parece até um condenado.
De fato, é um pobre forçado
o tu, cachaça, a grilheta.
Se o homem se torna bruto
que deixa a honra e a vida
ao pé da mesa do jôgo,
é porque, torpe bebida,
do teu espírito mau
no seu sangue corre o fogo!
És causa de suicídios,
de roubos, de mil traições:
És tu quem enche os presídios
de assassinos e ladrões:
És mais venenosa
que o próprio veneno,
por isso, cachaça,
eu te acuso, e condeno.
II
Olhei depois a mesa muito branca
onde o terceiro copo estava já vazio e pedi:
“Um cálice dos grandes,
bem depressa, garçom!
Estou sentindo frio.
Para esquentar este veneno é bom”.
Veio a “caninha”, pura e azulada,
dessas que em torno ao copo vão formando
um cordão de bolinhas transparentes
que parecem estrelas flutuando
numa taça de lágrimas silentes
as lágrimas que as viúvas têm chorado
no túmulo do seu amado.
Alguém chama “rosário de Maria”
esse cordão de astros refulgentes
que brilhando aos meus olhos parecia
ser feito de saudades que eu sentia
a reviverem n’alma, ternas, quentes,
embriagadoras, divinais, ardentes,
como a própria cachaça que eu bebia.
Naquelas gotas de alva transparência
esfumou-se o presente desgraçado
e eu vi as coisas boas da existência
que já estavam dormindo no passado.
Foi então que exclamei, emocionado:
“CACHAÇA: Mãe da beleza,
da poesia, da ilusão!
Lenitivo da tristeza
que mora no meu coração!
Se eu há pouco te ofendi,
se te tratei com dureza,
agora peço perdão.
Sem motivo,
eu, doido, te injuriei,
e, assim, procedendo, fui injusto,
e fui mau, e fui tolo, bem o sei,
a causa de nossos males
não és tu, bebida divinal!
III
Quem é que faz a guerra
e mente, e rouba,
e corrompe, conspurca e calunia,
transformando o vergel em lodaçal?
Quem é que esmaga o lírio imaculado
e entrega, na lama do pecado,
aos vermes vis da podridões do mal?
Somos nós!
É o homem que mesmo sem beber
é um animal estúpido e feroz!
A humanidade,
não presta pra nada,
é estulta e louca,
é espécie muito à-toa,
e só fica melhor quando na boca
entorna um copo de cachaça boa.
Quantas vezes um mísero vivente
desesperado e descrente,
vai procurar coragem na bebida,
para acabar a vida,
e tu, bálsamo bom, deusa consolas
depois de dissipados teus vapores
vai sofrer muito mais:
Tu lhe aumentas a dor
e assim fazes com todos!
Se nos ergues da lama
nos mergulha depois
no mais negro dos lodos!
Graças a ti
a gente canta e ri
e ama e sonha:
Mas também desce à condição mais vil,
degradante, medonha.
IV
Devia envergonhar-me até de defender-te,
e de beber-te,
mas teu poder dissipa até a vergonha.
Cachaça! Envolto em teus eflúvios maus,
eu esqueço o presentes desgraçado
e vejo as coisas boas da existência
ressurgindo das brumas do passado.
E não te acuso e nem defendo mais,
pois parei de pensar. Estou cansado.
O fantasma impiedoso da razão
já fugiu do meu crânio atribulado.
E está vazio meu velho coração
a quem a vida tanto tem magoado.
Sinto que pões nos ares emprestados
da trilha triste dos desesperados
um perfume letal, de flores mortas.
E levas a um abismo escuro e fundo
Porém Deus sabe como tu confortas
Os degradados das galés do mundo
que cambaleiam por estradas tortas.
CACHAÇA: DEUSA DOS IDIOTAS!
Solstício Pinto de Azevedo
QUESTÃO SOCIAL SEMPRE ATUAL
Pedro Pelado,
Sentado na calçada,
Sem calça, sem nada
Sem fé, sem carinho,
Sem pão e sem ninho
Descalço no chão
Num chão de espinho,
Do triste caminho
Da desilusão.
No rosto tristonho
De menino órfão,
Ele vive um sonho
Sem lar e sem pão
Su’alma pesada
De tanto vagas,
Conhece o nada
Sem nada pensar.
Pelo caminho da vida
Uma paz magoada,
Uma fé ressentida
Uma existência ceifada
Numa longa ferida.
Pedro Pelado,
Infeliz e cansado
De tanto sofrer...
Com o sangue gelado
De quem sofre calado
E nem pode morrer.
“Fator gerador da desgraça.
Eu sou a indiferença
A mais coletiva doença
Inimiga do povo na praça.”
- Que me importa,
Se tu vives sempre nu,
E pela vida uma felicidade
Que proclamas, mas não vem
- Que me importa.
Se eu vivo bem!
- Eu sou forte,
Tenho sangue para a luta
E não há nada que refute
A bonança e a sorte,
De quem sempre foi um forte.
- Se eu vivo bem calçado
Bem vestido e alimentado
Como então me preocupar
Com a pobreza, teu estado?
Vivo a vida e com prazer!.
Pois sou rico, forte e belo.
Eu e tu, a diferença
Desde o berço ao viver.
E não há quem me resista
Em tão grande esplendor!
Que me importa se é aflita
A tua vida sem amor?
- Se a desgraça te corrompe,
Se a fome já te alcança
Na alegria que se vai,
No fim da esperança
De conseguir a liberdade...
Que me importa a tua fome,
Se é a minha felicidade
A miséria que te consome?
“Fator gerador da desgraça.
Eu sou a indiferença
A mais coletiva doença
Inimiga do povo na praça.”
Eu governo o mundo, agora
Causo problemas emocionais
E cataclismos mundiais
Por este mundo a fora.
“Fator gerador da desgraça.
Eu sou a indiferença
A mais coletiva doença
Inimiga do povo na praça.”
Vivo no peito do fraco
Causando-lhe males até a morte
Só encontrando derrota
Na fala que emana do forte.
“Fator gerador da desgraça.
Eu sou a indiferença
A mais coletiva doença
Inimiga do povo na praça.”
Não ligo para operários
Odeiam minha abastança
E tenho medo do proletário
Abalam minha segurança.
“Dizem que o rei é rei,
- Mas é bom pr’os maus,
- E é mau pr’os bons
...Mas é rei, é lei!”
Carlos da Silva, Gomildes Gomes e Ricardo Antônio Balestra
O GUARDA-CHUVA
EMPRESTÁVEL,
VERDADEIRAMENTE EMPRESTÁVEL;
NEGRA CÔR, DE NEGRO SEM OLHOS,
SEM DENTES,
SEM UNHAS.
NEGRA CÔR, DE NEGRO;
E DEVIDO À SUA
EMPRESTABILIDADE,
À SUA SEGURANÇA E
À SUA UTILIDADE,
EMPRESTEI-O COMOVIDO,
ENTRISTECIDO,
CHATEADO,
POR TÊ-LO QUE EMPRESTAR
Paulo Marcelo Soares da Silva
FÉ E ESPERANÇA
Vai
e fala ao meu povo
as palavras que ponho em ti
Estas coisas diz aquele
que tem nas mãos
o tempo
das coisas
e dos homens;
O clamor de justiça
que exala tuas perversidades e demências
subiram até mim
E isto tenho contra ti
geração maldita
que expulsas
torturas
e matas
os que te amam
e me trazem
em si
Maldição sobre tudo
sobre vós
grandes sacerdotes
escribas
juízes
centuriões
senhores
que criam e exaltam
máquinas
humanas
e mecânicas
e loucamente querem perpetuar
as abominações
- já vencidas
Bem conheço a tua angústia
e ainda por algum tempo
estarás cativo
Então farei sobressair
da fraqueza
da humilhação,
da coisificação
a minha força
e como espada
ferirá de morte
tudo o que separa
o homem
do homem
E eis que o poder será dado
à autoridade
A paz já não será ausência de defesa,
Submissão
A liberdade não será medida
pela escolha de covardia
pelos que sabem
e do uso
dos que não sabem
mas participação no labor em
que o homem
se conhece
e se faz.
Januário Filodemo
IRONIA
O sol...
da aurora dos meus dias,
já não brilha
tão intensamente,
como antigamente...
como outrora.
As falsas manhãs
que despontavam
radiantes no horizonte,
não passavam
de efêmeros fulgores de instante...
Tudo é nada...
e nada existe
nos caminhos que minha alma,
embora triste,
em busca duma calma,
segue esperançada.
Poeta!
Aonde vais navegar?
Que mares de volúpia e de prazer,
que na estrada do dever,
procuras encontrar?
Louco!
Navegante errante,
que a estrela já não brilha...
o teu sol está distante,
e tua luz é fria!
não vês que te corrompes n’orgia?
Louco!
Tua nau está perdida,
destruída...
corrompida...
imergida
areia movediça,
no mar de ironia,
que em teus olhos não havia
em meio da cobiça!
Da abóbada celeste,
que fizeste
tão escura...
e impura
na amargura...
há um raio de esperança...
na tristeza que avança
e te alcança,
na íntima candura.
Levanta-te!
Tu, que estás cansado
de desejar,
e de não ter...
e que procuras delirante,
no prazer de um instante,
um mastro prá se erguer!
Levanta-te!
Que a vida é uma flor roxa,
que a luta não afrouxa...
e é preciso conquistar;
neste mundo de ironia
tão imundo e sem alegria,
onde o horror impera,
e o amor também quisera
poder triunfar!
Vai-te, Ironia!
Flor negra...
que a vida produz...
que desprovida de luz,
não convida, não seduz,
é mesmo uma mentira
como tudo qu’eu vira!
Ébano de Almeida
Declamação: Elmita Simonetti
BARCO VADIO
O mar
só; a tristeza
invadindo a alma do pescador.
A alegria do barco
que escorrega vadio sobre as ondas.
Não pensa em nada porque nunca pensou.
Só o mar,
só o barco,
só o vento
fazendo barulho. Vento
moleque que esparrama as flores murchas
do cemitério, que derruba vasos, que
limpa as ruas sombrias, que levanta
a saia curta da normalista bonita...
Barco vadio e
pescador triste.
A água bate na areia, escorrega sobre
a pedra e vai molhar
os pés da mulher que acordou nos braços
do homem moreno...
O vento do mar batendo a janela
do barraco abandonado; brisa fresca;
a mulher que amou sem preconceitos,
sem convenções, cansada, contemplando
a masculinidade do homem...
Na solidão do mar
barco é vida.
- Ah! mulata tu és filha de Iemanjá!
O homem ao teu lado é prazer sem coação,
é amor de vento,
é filho do silêncio!...
O barco escorrega
entre os suspiros
da mulher.
Sua vadiagem é gostosa,
Vai e vem... balança e balança...
...tudo é bonito...
...bonito o mar,
bonito o barco,
a dor e o prazer
da mulher que amou o homem,
que beijou sua face mulata,
que foi beijada e mastigada
sob a luz das estrelas, o marulhar
das ondas e o canto triste do
pescador.
Tudo é bonito!... Muito bonito!...
Autoria: Paulo Marcelo Soares da Silva
Declamação: Elmita Simonetti
ACOSSADO
Produzido por um meio
Sórdido, desencontrado,
Para a existência veio
Inocente, impreparado.
E sofreu, foi maltratado.
Não viveu, desenvolveu
Feições de gente. Coitado!
O que contaram aprendeu
Como um cão que é ensinado,
Conduzido e... desprezado.
Pensou ter distinguido
O que era certo e errado.
Desta forma foi traído
No que tinha acreditado.
Ficou só e abandonado
E assim ficou pensando
Como fora abocanhado
Pelas mentiras, tentando
Ver por quem fôra ludibriado
Quem o havia enganado?...
Fora a vida entrelaçada
De dúvidas e surpresas?
Ou sua mente impregnada
De confusões, tristezas
E cruas malvadezas?
Diferença comparada
Da prática à teoria
A instrução deturpada
Que o aniquilaria.
Bem, por certo não podia
...! O seu íntimo angustiado
Por psíquicas traições,
O semblante conturbado
Por nostálgicas tensões
Num trauma de vividas contorções!
Encontrou a confortante
Mão que dá ao desesperado
O auxílio estimulante
Para o caminho traçado...
Tornou-se então equilibrado,
Sentiu a verdade na vida,
Deixou de ser ACESSADO.
Antônio Carlos Flôres
O ALFA E O ÔMEGA
No princípio
a terra era disforme e escura
Era um nada
lançado no espaço
Terra vazia
silêncio antigo
sem comunicação exterior
Veio o homem e
viveu a terra
Olhou ao redor
e não compreendeu
tudo silêncio... vazio.
Houve dúvidas de gestos
Ânsias de amor
Não soube como surgira
Seu gênese noturno
procurou luz e fogo
um modo de levantar
de poder sair do chão
E se viesse a solidão?
Teve medo
solidão é a morte
A necessidade fremente
de companhia apoderou-se dele
Procurou outros homens...
Vagou muito tempo
buscou em todo lugar...
Veio a resposta:
mãos suplicantes
e desespero no olhar
“também tenho frio”
E aqueles homens, angustiados
Trapos humanos
acenderam uma fogueira
Atiraram-se a ela
com as forças que lhes restavam
As chamas queimaram as mãos
eram chamas traiçoeiras
queimando faces, íntimos
paixões...
Queimando tudo,
Arrasando
De repente
O homem sente que acabou
Olhou novamente ao redor
e viu a fogueira
Fogo violento demais para durar
O frio continuou
Frio de quem está só
O homem deu mais uns passos...
e tropeçou.
Arrastou-se tateando
Homem cego na noite
Outras formas indeterminadas
vagavam, caíam
e confundiam-se com outras
Inertes, insensíveis, iguais
O que as fazia diferentes?
O que as igualava
Ele ainda não sabia
E uma vez mais não entendeu
sofreu
O frio que sentia era maior.
quis continuar, teve medo
o caminho era escuro
Então fez uma tocha
e levou-a consigo
O caminho tornou-se claro
E ele viu outros homens
Em cada um procurou encontrar
o que buscava
Mas só achou confusão
E foi seguido
As tochas se multiplicavam
Mas a escuridão continuava a mesma
E êle sentiu ódio
porque sua busca era vã
E seu ódio se alastrou
Passou aos outros
gerou miséria,
Destruição, dor tristeza.
Estavam separados
Quiseram unir essas tochas
torná-las uma só
em um deles
aquele fogo jamais se extinguiria
Porque era eterno
E o homem viu.
Sentiu uma necessidade
enorme de dar
Entendeu. Amou
E partiu
Caminhou com rumo
Caminhou com fim
Ainda havia homens
no escuro
com frio
Fracos demais
para seguirem sozinhos
E a tocha acesa
acendeu
as apagadas
E caminhavam todos juntos
E o fogo purificador
imperecível
brilhante
Incendiou tôda a terra!
Tatiana
MENINA LINDA
Dia de tristeza... Dia vingativo feito de sombras,
cachaça e pontas de cigarros.
Dia de enterro e de choros, dia de plangentes saudades.
Sapatos soluçantes na calçada molhada.
Negros. Guarda-chuvas negros caminhando e
a velha de face molhada,
encolhida,
cansada,
agachada no beco escuro, obscuro
e triste...
Menina linda, cheia de pudor,
caminhando esquecida de sofrer.
Cabelos caindo nos ombros. Menina
linda, solitária... menina segurando
minhas mãos no engenho. Havia
o riacho e o cachorro. Eu e ela.
Olhos nos olhos. Cantiga suave
de engenho morto. Olhos nos olhos.
Rosa de ouro, amor de perfeição.
Menina nova, bonita,
sonhadora, sentada sob a roseira
mais linda que a flor,
mais linda que o engenho,
mais linda que o negro
analfabeto que ficava na beira
do riacho fazendo macumbas...
São Severino da Lombada tinha
sua capela. São Severino fazia
milagres. Cada coisa do chão, da terra,
da miséria, do povo...
Crucifixo singelo e rústico.
Menina linda na capela rezando,
o engenho morrendo. Dia de
tristeza: Engenho velho acabado,
destruído,
estragado...
Menina sonhando
Loira e donairosa.
Menina sonhando,
o tempo passando,
engenho acabado,
roseira acabada...
...São Severino da Lombada...
Menina que era afilhada de
ventania, foi se distanciando.
não ficávamos de mãos dadas ouvindo
a cantiga intermitente do engenho.
Menina linda não mais me escrevia
Foi se distanciando.
Menina linda foi sonho que passou
mas vive. Vive junto com o engenho,
com a roseira, com
com São Severino da Lombada
e a melodia triste do negro no atabaque.
Dia de tristeza. Domingo feito
de nuvens escuras e feias. Sombras
na escada triste. Chuva
renitente batendo no telhado,
escorrendo e caindo no balde vazio.
Menina linda!...
Paulo Marcelo da Silva
ROSA DOURADA
Encantado, uma rosa dourada
Em meu jardim de ilusões soterradas
vi nascer
Com um esplendor tão divino
Com a inocência de um sorriso-menino
vi crescer
Cultivei-a, com um carinho adulto
De dia, ao sol, seu perfume, de noite seu vulto
eu amava
Porém um dia, o raio quente de meu orgulho
E a tempestade de egoísmo e barulho
matava-a
Coitada, foi murchando... murchando... murchando...
Até que um dia, morreu... morreu sorrindo
E hoje, porém, só saudades
Essa rosa. Símbolo dos nossos amores
Em meu jardim só conheceu dores
e em meu coração... maldades.
José Amaury Pereira
V
FEMUP - 1970
POESIAS
1
AMÉLIA E JÚLIO
Autoria: Gentil Carraro (Caxias do Sul – RS)
Declamação: Gomildes Gomes
2
ANGÚSTIA OCULTA
Autoria: Homero Jaceguai Martins Silva
(Londrina – PR)
Declamação: Tomé Modesto Xavier
3
ANTAGONISMO
Autoria: Geni Sanches Rodrigues Spurio
(Paranavaí – PR)
Declamação: Geni Sanches Rodrigues Spurio
4
CAPITÃO SEM RUMO
Autoria: Homero Jaceguai Martins Silva
(Londrina – PR)
Declamação: Homero Jaceguai Martins Silva
5
DE UM PEQUENO MENDIGO
Autoria: Maria Marleide Lima (Paranavaí – PR)
Declamação: Nicolau Flor
6
DESENCONTRO
Autoria: Marília Barbalho (Paranavaí – PR)
Declamação: Marília Barbalho
7
INSTANTE QUE PASSOU
Autoria: Paulo Marcelo Soares da Silva
(Paranavaí – PR)
Declamação: Joaquim de Paula
8
MARIA DAS GRAÇAS, DE TODOS, DA
RUA...
Autoria: Paulo Marcelo Soares da Silva
(Paranavaí – PR)
Declamação: José Maria Cavalcanti
9
MIRAGEM
Autoria: Marize F. Canabrava (Paraíso do
Norte – PR)
Declamação: Maria Ondina Souza
10
O VENTO QUE PASSA
Autoria: Marize F. Canabrava (Paraíso do
Norte – PR)
Declamação: Cleodir dos Santos
11
REALIDADE
Autoria: Marília Barbalho (Paranavaí – PR)
Declamação: Elmita Simonetti
12
ROTINA
Autoria: Nêodo Noronha Dias (Paranavaí –
PR)
Declamação: Salinda Souza Santos
13
REVOLTA
Autoria: Nêodo Noronha Dias (Paranavaí –
PR)
Declamação:Florisvaldo Orlando
14
UM DIA NA VIDA DE UM LOUCO
Autoria: Aurindo da Silva (Maringá – PR)
Declamação: José de Mattos Filho
15
VERSO
Autoria: Maria Marleide Lima (Paranavaí – PR)
Declamação: Adelson Borin
AMÉLIA E JÚLIO
Amélia de Júlio
Júlio de Amélia
Julho mês
Da gravidez
De Amélia de Júlio
Amélia do subúrbio
Da cidade das fábricas
Do Júlio de fumaça
Da vida sem graça
De Amélia e Júlio
Casal, só de fogo!
Do abraço ao abraço
Do desejo no desejo
Da fuga do nada
Para o único prazer
De mais filhos fazer
Na vida implacável
De Amélia de Júlio
De Júlio, sem Amélia
Gentil Carraro
ANGÚSTIA OCULTA
Quando verde folha duma árvore se desprende
Pelo vento e na terra vai secar,
Há outra que à árvore ainda se prende
Fica triste de saudade a soluçar!
E a gente varre a folhinha verde,
Que caiu duma árvore do pomar,
Sem saber que ficou com uma saudade
Daquela que partiu para nunca mais voltar!
Muita gente que zomba da tristeza
Alheia, havia de chorar se adivinhasse,
Que a ausência de lágrimas, com certeza,
No rosto angustioso de quem não molha a face,
E folha invisível, de esplêndida beleza
Que caiu dentro da alma e lá fenece!
Homero Jaceguai Martins Silva
ANTAGONISMO
Mundo estranho esse nosso
Que tanto contraste encerra.
De um lado: risos, riquezas, glorias,
D’outro tanta miséria.
Armstrong desce à lua
E nela finca a bandeira
Que mil dinheiros custou.
“Na terra: tanta fome! Tanta guerra!”
Tanta tristeza sem fim!
Jovens que fogem à luta,
E que se escondem nas flores.
Transplantes de órgãos, de ideologias forjadas até.
Mas não de transplanta a fé
Que falta num e mora n’outro.
Donos do mundo, os homens matam
E em nome da justiça,
“Impando de ousadia”
O esquadrão da morte desafia
A verdade esquecida
Que deu origem às origens
E a própria vida...
Mundo de bombas e flores,
De inversão de valores,
de ódio e de amores...
Mundo que gira,
Que ri,
Que chora,
Que luta contra o tempo,
que sofre e está em conflito.
Desenvolvimento!
Progresso!
Tecnologia!
Comunicação!
Ausência de calor
de ternura...
Ausência de vida
de afeto...
Ânsia de querer
de receber...
De dar de coração...
Geni Sanches Rodrigues Spurio
CAPITÃO SEM RUMO
Muitas vezes em menino na goiabeira do quintal subia,
E ordenava todo o meu bando, em fila, embarcar,
E nesta verde nave imóvel eu percorria
Os mares do mundo inteiro... sem sair do lugar.
Do alto desta verde nave imóvel comandava, agia,
Imitava com gestos infantis, o velho lobo do mar!
Em torno a nave, da alcatifa verde desprendia
A mesma ausência aromática do oceano a marulhar!
Transformava-me em pirata-chefe e ordenava: - Abordar!
E de galho em galho saltando eu via a marujada,
Com espadas feitas de madeira, alegres a gritar!
O tempo cresceu-me, hoje, comando invisíveis velas no ar,
Hoje feito homem, sem frotas, sem velas, sem nada,
Aproo as quilhas dos meus sonhos, sem sair do lugar!
Homero Jaceguai Martins Silva
DE UM PEQUENO MENDIGO
Senhor, Não choro, estou acostumado
a ser sem lar, sem pão e sem carinho,
pequeno, magro e desajeitado,
viver na multidão e estar sozinho!
Agora é noite, estou sentindo frio.
Mas sabes? Finjo estar agasalhado,
pensando assim não tremo mais, sorrio,
me sinto bem, feliz, reconfortado!
Minhas pernas estão cansadas,
nem me ajoelho p’ra falar Contigo!
Andei muito, andei pelas calçadas,
quanta coisa aconteceu comigo!
Quando andava por si vagando,
vagando sim, vagando caminhava!
Sabes? Muitas vezes fiquei pensando,
chamei o sol de mau, meus pés queimava!
Como é esquisito tudo em minha mente!
Andei, nem me recordo onde estava,
abri os olhos, caminhei p’ra frente,
só vi a sombra que me acompanhava.
Vi muitos carros, movimento... gente!
Olhei p’ra todos, mas ninguém me olhou.
São tantas coisas que um menino sente!
Porque meu nome ninguém perguntou?
Maria Marleide de Lima
DESENCONTRO
Não sou poeta.
Sou apenas um ser,
Colocado entre o céu e a terra,
Com alma de vagabundo
e coração de beduíno.
Meus pés calosos
marcam as areias quentes,
No deserto em sim
Em que a vida se tornou.
Como cansa caminhar à toa!
Que jornada inútil aprendi!
Já não ser,
Se encontro o oásis,
Neste fremir angustiante,
Deixarei esta inutilidade
para ser alguém,
Pois falta-me a razão,
A razão é você,
E, sem você,
Sou um ser que não E...
Marília Barbalho
INSTANTE QUE PASSOU
Naquele instante que passou
(a noite fria... a escuridão):
- Chovia!
Cá dentro – Márcia sorridente,
lá fora tristeza e solidão.
Os bares fechados e nenhuma música,
somente o silêncio e mais nada.
As lágrimas da chuva,
limpavam serenamente a calçada.
Chovia,
o mar estava sossegado,
era noite fria.
A lâmpada pequena
o quarto quase nada iluminava,
a cama, a velha mesa
e a tristeza
de um retrato de mulher
velha e cansada.
As lágrimas da chuva,
limpavam serenamente a calçada.
E Márcia me abraçava.
Paulo Marcelo Soares da Silva
MARIA DAS GRAÇAS, DE TODOS, DA RUA...
Maria tinha graças até no nome. Era morena, morava num bairro escondido, e amava. Por isso Maria
das Graças – não é poesia... é alegria, é sonho, é a história cantada, repetida diariamente nos terreiros
de macumba, nas mandingas da mãe-preta. Maria tinha graças até no nome. Sua vida foi de boteco
em boteco. Amando negros que sabiam amar. Beijando bôcas que sabiam beijar. Sua história é a o
história do marulhar das ondas e do balouçar insano das palmas dos coqueiros, numa praia distante,
enfeitada com um sorriso de mulher, o som plangente de uma vila, e um samba quente de Baden
Powell ou Vinícius de Morais:
Maria das Graças,
morena,
cor de pitanga no chão,
caminhava o dia inteiro,
sorrindo, vendo o saveiro,
singrando o mar,
vadiando,
ao som de um violão.
Tinha na boca a doçura do jambo,
tinha nos olhos a alegria de ser mulher,
mulher...
...inteiramente mulher;
mulher que sabia amar
e que entregava o corpo
á beira mar,
para qualquer mulato,
para qualquer doutor,
para qualquer moleque,
com amor.
Assim Maria foi vivendo,
caminhando e vadiando,
brincando tanto de amor,
até que um dia desapareceu.
Mais tarde,
seu corpo, cor de pitanga,
foi encontrado,
com rosas, todo enfeitado,
nas águas frias do mar.
Paulo Marcelo Soares da Silva
MIRAGEM
Todo o meu caminho.
Todo o meu mulher.
E meus anseios,
vieram-me nas mãos,
numa entrega de ternura,
num misto de desejo e amor
num relance:
a miragem desejada
cumprindo o ideal.
Sem ver... sorri...
Um instante pairou
na solidão
Vi ninguém...
A lágrima rolou.
Marize F. Canabrava
O VENTO QUE PASSA
Na calçada da rua:
O nada.
Na vidraça da alma,
A chuva que cai.
Em minhas mãos,
uma tristeza
Se não tenho você...
A tarde fria,
O escuro da noite;
Este granito de vida
Nesta ausência de você.
Sigo passo a passo
Na estrada vazia
O vento.
O vento que passa!
Vai dizer a este alguém
Que minha’alma é sua.
Marize F. Canabrava
REALIDADE
Vês,
és homem.
Vens de pé, mísero e execrando.
Como um predestinado,
a vida
abandonou-o
ao seio da matéria.
Mas,
atônito,
põe-te a caminhar,
sonhando o esplendor
das régias pompas,
como se um sol fosse
na amplidão celeste,
como se fosse um Deus
no eterno Olimpo
entrando.
Amas loucamente .
As mulheres,
todas feitas para ti,
abraças,
como em desesperado adeus
Ah! parvo sonhador!
Acorda!
Apressa-te!
Sacode esse marasmo
pois que,
és homem
e és poeta!...
Terás, ainda,
de cantar
à luz das alvoradas,
destronando,
de peito dos infelizes,
as agonias lentas,
e despertando,
dos jovens,
as almas cristalinas
antes que,
à luz do sol poente,
quanto o vento
rufar sua marcha guerreira,
sua alma,
feita em pó,
voe pelas estradas...
Marília Barbalho
ROTINA
Levantar, interrompendo assim
Um sonho bom,
Para cair no inexorável quotidismo...
O eterno caminhar para defender
Com avidez humana
O pão de cada dia.
Casa trabalho, trabalho casa...
Rotina... As mesmas caras
A mesma apatia costumeira.
O mesmo enfadonho “bom dia”
Que se dá, embora chova o dia inteiro.
Falta de vontade de fazer nada...
Falta de dinheiro...
Rotina das conversas vazias
Numa mesa de bar.
Rotina enervante de automóveis e passar.
Rotina de carrinhos tão iguais...
De beijos pegajosos, sem saber,
Rotina de tudo, até de amor.
Mas temos que seguir como autônomos
No meio de tanta hipocrisia.
Sempre a nos saudar mutuamente
Com nossas saudações tão frias
Com nossos apáticos “bons dias”
Na mais velha e na mais chata das rotinas!
Nêodo Noronha Dias
REVOLTA
Que adianta...
Lamentações que saem formidando da garganta?
Pranto inútil saindo do olhar...
Magoado olhar?
Desespero enraizado n’alma,
Nostalgia aprofundando em mim
Sem ter fim?
Não adianta lamentar...
Nasci assim
E vida afora, em convulsões
Em mágoas
Irei vagando como vagam águas...
Sopradas pelo vento atroz
Vagando incerto
Buscando sempre o certo
Sem nunca o encontrar
Sou um pária
Um desloucado entre luzes claras
Um fantoche,
Causando risos loucos,
Embora com lágrimas no olhar
Minha morte?
Ah!... minha morte não será sentida...
Sem lamentações e sem ter flores...
Não adianta lamentar a vida
E sim brindar a morte que virá
Enchendo-me os olhos de esplendores.
Nêodo Noronha Dias
UM DIA NA VIDA DE UM LOUCO
Pisando descalço em pedras
Remando para lugares estranhos
Fitando o vazio da noite
Eu caminho como em sonhos.
Pedras de pontas finas
Não sinto e sigo em frente
O escuro não me deixa ver
Nem me lembro se sou gente.
Um dia existi
Onde, nem quero saber.
Meus cabelos caem nos olhos
E minhas unhas vou roer?
Não! elas merecem ser felizes.
Quem quis saber de mim?
Ninguém, pois não perderam nada
Esta noite eu chego lá.
Ou já é de madrugada?
Mas... porque comecei chorar?
E melhor do que sorrir?
Quero flores prá pisar
Estou ouvindo um galo latir.
Agora começou chover
Os pingos misturam com minhas lágrimas
Bem... Elas que se entendam
Chuvas ou lágrimas são feitas de água.
Que escuridão imensa!
Naquela descida vou morder minhas costas
Gozado, o sol nascendo junto com a lua
E a escuridão continua oposta.
Estou com sede
Quero um rio só pra mim
Mas eu não gosto de água
Sabe, vou pisar na minha mão
E pular no buraco sem fim.
Bem, amigos. Vou ficando por aqui
Sigam em frente que o buraco é logo ali
Boa viagem, nunca parem e... como vai, tudo bem?
Aurindo da Silva
VERSO
Tudo o que nasceu é verso,
verso louco,
verso louco,
verso de um mundo perverso!
Só existe vida, ou morte,
morte séria,
de miséria,
e vida ao que for mais forte!
Tudo que nasceu é verso,
verso existe,
verso triste,
verso de um mundo perverso.
Maria Marleide Lima
VII
FEMUP - 1972
POESIAS
1
EM HIROSHIMA ELES PLANTARAM A
SEMENTE
João Cristiniano /Paulo Roberto Nassar de Oliveira
Londrina - PR
2
INCÓGNITA
DONATO PARIZZOTO.
(Diretor ao centro de ciências Humanas da
Universidade Estadual de Londrina)
3
LEVITAÇÃO
Lourivaldo Baçan
4
PROCISÃO
AUTOR: Paulo Marcelo S. da Silva
Paranavaí
- PR
5
LEI SECA DO ERRO
Paulo Roberto Nassar de Oliveira
Londrina - PR.
6
CANÇÃO DOS OLHOS CRISTAIS
Nilson Monteiro Menezes
Londrina - PR.
7
A SAUDADE E O VIOLINO
Sandoval José dos Reis
Terra Boa
8
CANÇÃO EM LÁ SÓL E DÓ
Paulo Cesar de Oliveira
Paranavaí - PR
9
FAZ DE CONTA
Lourivaldo Perez Baçan
Uraí - PR
10
FILOSOFIAS DE ÔMEGA
Valmir Graciano
Paranavaí - PR
11
MONTMARTRE/ MONTMORT
CARLOS ALBERTO VERÇOLA SILVA
Novo Jornal – Londrina.
12
ÊXODO
NILSON MONTEIRO MENEZES
13
DESQUERER
Paulo César de Oliveira
Paranavaí - PR
14
ACALANTO PARA FEDERICO GARCIA LORCA
Paschoal Motta.
Belo Horizonte - MG
15
QUANDO VOCÊ VOLTAR
Antônio G. Vicente
Paranavaí - PR
16
O NEGRO GUARDA CHUVA
AUTOR: AMISAEL LEOPOLDO
Paranavaí - PR
17
MINHA REDE
José Luiz Orlando
Sumaré - Distrito
de Paranavaí – PR.
18
PERGUNTA À GUERRA
Autora: GENI SPÚRIO
PARANAVAÍ - PR
19
VIDA E MORTE DO MEU EU
Carmem Lúcia P. Klay
20
A MARCHA
(Epopeia Brasileira para o OESTE)
EM 14 CANTOS.
Paulo Marcelo S. Silva
Paranavaí - PR
EM HIROSHIMA ELES PLANTARAM A SEMENTE.
Em Hiroshima
eles plantaram a semente
quando um dos seus aviões
num sopro
fez colossal bola de chicletes
(que as crianças não viram)
e nos jornais um garrafal ruído de vitória.
(que eles responderam em coro.)
Isto quando ainda nem tínhamos nascido.
eles empapados de chicletes
(mascando sem cessar)
já sufocavam nossas esperanças
ao preço de doce e coca-cola.
(que eles comeram e tomaram falando em
vitória.)
Isto quando ainda nem tínhamos nascido.
mascando sem cessar
eles semearam novos beija-flores de aço,
(prometeram novos sopros)
e se afundaram pelas florestas do mundo,
prá cima dos telhados
carregados de Almanaques do Tio Patinhas,
Capitão Marvel, Tarzan.
(Isto quando ainda nem tínhamos nascido)
Elevaram seu Deus no céu das bolsas de valores,
(No fundo de uma nota de dólar)
E nos prometeram uma civilização de tutti- fruti,
ENQUANTO NASCIAMOS PERPLEXOS!
João Cristiniano
Paulo Roberto Nassar de Oliveira
LONDRINA PR
INCÓGNITA
Sem ninguém, sem ninguém, só, só, sozinho...
passa, passa, devagar, alguém
alguém com alguém na mente
alguém com alguém
no coração
sem ninguém, sem ninguém, alguém cabisbaixo passa
sonhando meditando amando apaixonante.
Ao grande mundo grande A1guém povoou-lhe:
seres brutos, seres sensíveis, seres gentes.
A tudo, alguém sem ninguém, indiferente:
sem um raio quente de sol.
sem a bonina buliçosa brincalhona
sem a apatia tediosa ardente
sem a melancolia da vida vaziante
sem a brisa fresca da alegre matina
sem a lua fria das pesquisas científicas.
sem as injustiças sociais dos pobres ricos
sem o estúpido racismo
Alguém sem ninguém ao lado
capitalismo americano
DONATO PARIZZOTO.
(Diretor ao centro de ciências Humanas da Universidade Estadual de Londrina)
LEVITAÇÃO
O espírito escorrega-me garganta abaixo
como se o fogo do inferno em pastilhas
Viesse encher-me o corpo de prazer.
Vibra lá fora a inutilidade das coisas
ao lado das coisas sem utilidades
que vibram como a poeira que lambe
pernas e macula sapatos polidos.
Bandeiras desfilam eufóricas
e os homens cá dentro rouquejam futebol.
A alegria passa por mim com violência
esbofeteando-me as faces apáticas
onde a tristeza toda do mundo existe.
Hoje estou triste, como estarei amanhã,
sempre fui. Será que Pasárgada existiu mesmo?
seria bom poder ir lá.
A inutilidade da massa ululante
que convive comigo e passa lá fora
deprime-me em suas roupas coloridas.
E eu que nunca usarei roupas coloridas
talvez devesse usar roupas coloridas.
Talvez devesse usar roupas coloridas
como as esferas que gravitam
e em sentido contrario isolar-me
em um todo onde seria estática peça.
Ou talvez devesse jogar fora
os óculos da sensibilidade e acertar
a visão das coisas como um homem comum
que come feijão com arroz e toma pinga
e usa roupas surradas.
Mas os homens falam de futebol
como se isso bastasse
enquanto opressivas perguntas
fazem tremer as mãos que seguram bandeiras lá fora:
será que poderei pagar aquela prestação?
por que me preocupar
se a metafísica ensina-me
a essência da lata vazia
transitória em substância
cheias de medo após jogadas fora
como carcaça de boi sorrindo ao céu
mordendo o céu?
Onde estarão agora as sereias de Ulisses?
Serão agora companheiras de Cândido?
Falo com a voz fácil que soa profunda
como se a fatalidade das coisas irrisórias
vivesse toda dentro de mim
e a minha vibração estourasse
como cidra ruim e sem gás.
E se eu fosse
balão? Subiria?
Ou deixaria me arrastar
até as terras da Ásia
onde os extremos concomitantes
pudessem talvez saciar-me?
Não sei mas a resposta existe.
Talvez eu devesse mesmo era sair com as bandeiras
pisando o mistério das latas vazias
em busca de uma reposta...
Não, não devo fazer nada.
Por que sonhar coisas tão tolas
quando eu gostaria de sair daqui
subir em uma arvore qualquer
atirar-me ao balanço da vida
e vir adormecer cá embaixo
no leito macio da grama verde?
AUTOR: Lourivaldo Baçan
PROCISÃO
O DIA, O MÊS CAMINHANDO,
EM BUSCA DO SEU SALÁRIO,
NO BOLSO ESQUERDO O MARTELO,
NA MÃO DIREITA O ROSÁRIO.
JOSÉ, A NEGRA, O ROSÁRIO,
MARTELO E CRISTO NAS MÃOS,
A VIDA ATRÁS DO SALÁRIO,
O DIA NA CONSTRUÇÃO.
- TIJOLO, FILHO, ORAÇÃ0!...
JOSÉ, A NEGRA, O ROSÁRIO,
VÃO SEGUINDO A PROCISSÃO,
ESPERANDO APÓS A MORTE,
A SORTE DA SALVAÇÃO!...
AUTOR: Paulo Marcelo S. da Silva
Paranavaí
- PR
LEI SECA DO ERRO
“Abre-te boca e proclama
Em plena praça da Sé,
O horror que o Nazismo infame
É.” (Mário de Andrade)
I
Decretaram a lei seca do erro
pra quem emigra,
luta e se arrasta pela Ladeira da Liberdade,
sem estátua cega (não se iludam)
ou com tochas (não se queimem),
Sem faixas de boas vindas, sem sorrisos,
Mas com corpo de muro duro
que corta o corpo da gente como faca
o raspa a carne como lixa.
II
Decretaram a lei seca do erro
pra quem vai por essa ladeira-labirinto,
Essa mulher mundana,
lábios pintados com splay negro: Liberdade Liberdade
Que abre o corpo e a gente escreve
com lápis de amor,
semeia sêmen de esperança
e explode num orgasmo do sol.
III
Esta decretada a lei seca do erro,
Esta proibido o erro transformado em filosofia:
esse “ errar é humano ”
o erro banal, trivial, simples,
o erro original, o erro mortal,
o erro cometido a um, a dois,
a mil, milhões (essa cumplicidade de erros)
Erros abertos, populares, escondidos.
Esta proibido o jogo dos Sete Erros
IV
Medidas drásticas Medidas drásticas
Afim duma cidade, estado ou nação
limpa de erros, limpa de gentes:
Não façam pipi, xixi,
não urinem nas escadas do Viaduto,
Não atentem contra o pudor,
Não assobiem, nem leiam tais revistas,
Não cacem aves pretas, nem verdes,
Não mostrem essa língua vermelha pra fora
FOI DECRETADA A LEI SECA DO ERRO
Paulo Roberto Nassar de Oliveira
Londrina - PR.
CANÇÃO DOS OLHOS CRISTAIS
Levanta poeta-operário
saúda a aurora
e os olhos do sol.
elevado-elevando-elevador
elevados preços- catástrofe
vitrines-vitrais-vidrados
vidrados olhos- catástrofe
enchente-enchendo-enxuta
enchendo fome-
catástrofe
II
Detém seus olhos
poeta
e caminha
meio a nossa catástrofe
tropical
absorve nosso corpo
encharcado
e não se de por covarde
deixe seus olhos andarem
por sobre os abutres
III
Levanta poeta
seus olhos sóis
e seca
nossas dores.
Nilson Monteiro Menezes
Londrina-Pr.
A SAUDADE E O VIOLINO
Ouço um som... quase uma voz... que doce encanto
Pulsa em meu peito o coração aflito
Minh'alma anseia e canta e vibra enquanto
o Pensamento voa ao infinito...
São suspiros de adeus... restos de um pranto...?
De um coração o palpitar aflito?
Que mística voz, que celeste canto,
Eco de amor em êxtase finito...?
É um tudo em um todo inebriante,
Paz que dorme nas asas do instante
Sereno de gentil felicidade.
Oh é um violino enamorado
Que __ quando chora __ pede, apaixonado
o beijo silencioso da saudade
Sandoval José dos Reis
Rua Miguel Couto, 972
Terra Boa
CANÇÃO EM LÁ SÓL E DÓ
O homem que nasceu só,
Que come pó,
Que toca em dó
Uma canção de dor,
Empunha enxada
Com a mão inchada,
E em lá se esvai
de amor!
E come o brilho ardente
Que lhe ofusca a mente
N´outra entoada!
E do sol, em sol,
Até a madrugada,
Canta o poema
Oriundo do nada!
O homem que come pó
E sente só os pés descalços,
Na rua canta em dó,
O fugir apressado
dos passos!
O homem que vive só,
Que come pó,
Que canta em lá, sol e dó,
e Descreve o mundo seu:
- SOU EU!
Paulo Cesar de Oliveira
Paranavaí-PR
FAZ DE CONTA
Ó flores da primavera
se me virem curvado ao peso dos meus versos
não liguem;
façam de contas que me curvo
para aspirar um novo perfume
e que a minha respiração cansada
seja o êxtase que se aproxima.
Ó flores da primavera
se me virem chorando a luz que se esvai
não liguem;
façam de contas que choro
uma flor perdida ao vento
e que o meu soluçar pausado
seja a saudade que chega.
E se virem que meus cabelos
caem como folhas outonais
digam ao vento de inverno que chega
que eu sou um homem sem vaidades
e que no faz de contas da vida
fiz contas, contas demais.
Lourivaldo Perez Baçan
Uraí-Pr
FILOSOFIAS DE ÔMEGA
E dois tumores o dilaceram,
Destroem-no, apodrecem-no
Dois tumores cruéis, abstratos, impiedosos
Um chama-se ódio, o outro amor
E mutilam o coração
Mas dele o sangue não se esvai,
só lagrimas,
Lágrimas de aço que deslizam até as bordas do inferno
Para formar um mar frio, infinito, intransponível,
Um mar de aço.
E o desespero me chega ao tentar cruzá-lo
Na ânsia violenta, louca, infernal
Suicida se torna minha tentativa
E minha lua azul tão longe, tão longe,
Que no caminho
Os meus sonhos, minhas flores, minhas carnes
Vou perdendo e....
Continuo...
E minhas lágrimas de aço
Também escorrem até as trevas do infinito
Para beijar a estrela que morreu junto à alma morta
Mas... mas ai de mim, agora,
Nada mais tenho,
Nem tumores, nem coração, nem lágrimas.
Valmir Graciano
Paranavaí - PR
MONTMARTRE/ MONTMORT
o homem que matou o homem que matou o homem mau que roubou a sopeira de porcelana chinesa que a
vovó ganhou da baronesa
Moulin Rouge não é mais aquele
horríveis pernas cabeludas
de bandimocinhos italianos
de Ringos, de Gringos, Djangos
substituíram as de La Goulue e Jane Avril
para ira e desgosto de Lautrec
que já não vai mais ao can-can.
E os cartazes mudaram muito...
O moinho crucificado em
eternas lâmpadas multicores.
Renoir ficou paralítico
e só toma café em casa.
O jardim esvaziou-se.
O grupo de Batignolle
mudou-se para o Louvre.
Michel, Gericault, Vernet
e Van Gogh
seus vizinhos.
Turistas americanos
de todos os países do mundo
expulsaram Pablo Basco
(que de vergonha até mudou de nome)
do Bateau Lavoir e tomaram
Bagtinolles, Nouvelle-Athénes, Lapin Agile
e todos os cafés, galerias, bares
e lavanderias
rubificando até mesmo
a elevada cúpula branca
de Notre-Dame du sacré-Coeur.
Apenas o ar continua livre
por entre mesas e cadeiras
nas calçadas das ruas
que continuam estreitas
onde até os casais
já não são os mesmos.
Cerveja em vez de absinto
- óbvio em vez de absurdo –
Das picantes canções
não ficaram nem ecos.
La maison rose
ficou branca de espanto
quando Utrillo
morreu bêbado
num beco sem saída.
E o moinho crucificado em
Eternas
Eternas
Eternas...
CARLOS ALBERTO VERÇOLA SILVA
Novo Jornal – Londrina.
ÊXODO
1- Chico sentiu—se Cristo.
lembrou Chico
do alecrim
da pastagem
e lambeu o bafo
das sujas calçadas
2- sentiu Chico
boca pastosa
e sonhou
feijão com arroz
couve frita
leite fresco
e
engoliu água poluída
3- Chico imaginou
manhã na roça
manjedoura
mugidos
transito assustou Chico
e lhe varou buzinando
4- Chico lembrou Maria
Maria vestida de chita
Maria bonita.
A fome traiu Maria
Maria traiu Chico
5- E assim caminhava Chico
na manhã vazia
na mão marmita fria
Chico pensando em Chico
nos filhos vazios
na casa vazia.
Maria
na cidade vazia
6- Chico recordou promessas
vida melhor garantias
e picotou cartão
Chico tragado
Chico graxa das engrenagens
Chico graça da roça
Chico crucificado
Aliás Chico já se sentia Cristo
AUTOR: NILSON MONTEIRO MENEZES
DESQUERER
ENTERRARAM O CABOCLO NO CHÃO
E O CABOCLO QUERIA VIVER
ENTERRARAM NO CHÃO O CABOCLO
QUE NÃO QUERIA MORRER.
TAPARAM SEU ROSTO DE TERRA
CABOCLO QUERIA SORRIR
TAPARAM DE TERRA SUA COVA
CABOCLO QUERIA PARTIR.
REZARAM PRA ELE O PAI NOSSO
QUERIA ELE AVE-MARIA
ENTERRARAM O CABOCLO SOZINHO
CABOCLO QUERIA MARIA.
ENTERRARAM O CABOCLO PELADO
CABOCLO QUERIA IR DE TERNO
CABOCLO QUERIA IR PRO CÉU
MANDARAM CABOCLO PRO INFERNO.
ENTERRAM O CABOCLO NO CHÃO
E VOLTARAM PRA CASA A DIZER
CABOCLO GOSTAVA DA GUERRA,
CABOCLO NÃO QUERIA MORRER.
Paulo César de Oliveira
Paranavaí - Pr.
ACALANTO PARA FEDERICO GARCIA LORCA
“A Federico se le ha comparado
a un niño”. (Vicente Aleixandre)
Dorme teu sono menino
irmãozinho Federico
que o dia espanhol não tarda
numa nova madrugada
O sangue de teu martírio
sobre o mundo respingou
tingiu Garcia e a esperança
com pandeiros galo e faca
O luar de verde lua
depositou sobre lorca
canções ciganas de morte
perto do guadalquivir
Dorme na terra de oliva
com travo de menta na alma
dorme o sono de mil anos
no sol que a Espanha te dá
A semente de teu corpo
fará nascer limoeiros
que se irão amarelando
com albores de amanhãs
Dorme teu sono e espera
amanhecer nosso dia
teu tempo é já findado
nós iremos te igualar.
Paschoal Motta.
Belo Horizonte - MG
QUANDO VOCÊ VOLTAR
Tó que não é só
Ah! Quando você voltar...
Sairei deste incerto vazio descolorido,
deste mundo do nada,
destas divagações sem nexo
desta obscuridade profunda e infinita.
Sairei deste inferno podre...
Do mundo de ódio, ambições desumanizadas...
do mundo irracional onde os vermes
devoram as carnes dilaceradas;
onde ideais morrem antes de nascer,
onde profetas falsos são o cristo
ou o próprio deus.
onde se adoram bezerros de ouro.
Ah! Que mundo este...
Ah! Mas quando você voltar...
Minhas células recompor-se-ão,
Meu sangue tornará, a correr em minhas veias, deixando de ser
lágrimas, e,
Minhas lágrimas sairão das artérias e voltarão a brilhar em meus
olhos,
As do pranto, estas secarão.
Sairei deste desespero
quando você voltar...
quando você voltar...
Sairei das profundezas da melancolia.
Sairei deste mundo sem você.
Reencontrar-me-ei... Sorrirei...
Meu canto novamente se fará ouvir.
Também você sorrirá... e quando isso acontecer...
Estaremos entrando no nosso mundo.
Antônio G. Vicente
Paranavaí - PR
O NEGRO GUARDA CHUVAS
Pobre negrinho
Sem nada
Sem carinho.
Bate em uma porta
Porta de uma grande casa
Propriedade de uma família rica
Rico Proprietário
O Francisco Fazendeiro
Homem cheio da grana
Otário,
Lá dentro ouvem sorrisos.
Sorridos
de gente sorrindo.
A porta é aberta
Ouve-se uma voz franzina
Adentra a sala fina
Voz de pequeno
Voz menina...
Pão.
Dê um pão tenho fome rico senhor
0 negrinho sai correndo, espantado
já distante ainda ouvia: “Saia daqui desgraçado”
Negro safado,
Me enoja sua cor
Calado
Encostou ao meio fio
Sentado.
Num momento todo o Universo se fechou
As nuvens brancas que pelo céu passeavam
Em uma só nuvem negra se transformou
Água veio... chuva,
o negrinho viu o senhor, protegido por negro
Guarda chuvas e gritou:
"Feche-o... deixe molhar-se, por favor
Olhe a cor, olhe a cor
Cabisbaixo, o senhor murmura baixinho
É negra sim senhor... Ë negra sim senhor...
AUTOR: AMISAEL LEOPOLDO
Paranavaí - PR
MINHA REDE
Desde o dia que nasci,
Estou tecendo minha rede.
Malha por malha,
Nó por nó.
Tecendo minha rede,
Sempre só.
Já gastei muita linha,
Já dei muitos nós.
Já errei tantas vezes,
Já desmanchei muitos nós.
Com a linha amassada
Foi mais difícil tecer,
Com pressa esqueci
De lavar minhas mãos,
Que estavam tão sujas
De chocolates e doces.
A barata justiceira
Minha rede roeu.
Desesperado estou
Não sei qual fazer
Se começo nova rede,
Ou se remendo esta mesma.
Já me arrependo do dia,
Que tais doces comia
Era tão doces
Eu não sabia
Que este dia chegaria
Ver na minha rede
Uma grande porcaria.
Espero que ela aguente
Para o céu me erguer um dia
Mas se os pés se arrebentarem
Num inferno eu cairei
E os nós de minha rede
Pra que é que serviriam ?
José Luiz Orlando
Sumaré - Distrito
de Paranavaí – Pr.
PERGUNTA À GUERRA
- Quem sois?
- Sou o homem que pensa,
que delibera,
que faz a guerra
que faz a guerra.
- Quem sois?
- Sou o homem que obedece,
que a vida esquece,
que não tem querer
para melhor morrer
para melhor morrer.
- Quem sois?
- Sou o fogo,
sou a bomba,
sou o corpo que tomba,
sou a miséria
séria.
Humanidade!..Preciso parar!..
Humanidade!..Eu sou a guerra!..
e
quero, descansar!..
HUMANIDADE
OLORANEMES
MTRRÇFSOSP
ERRAÃÂCROE
MAESONR LR
JRA CE AA
A R IN ÇN
R
AÇ ÃÇ
A OA
Autora: GENI SPÚRIO
PARANAVAÍ - PR
VIDA E MORTE DO MEU EU
Nasci morta
Filha de deuses e heróis fracassados
Morri na laje fria e dura de um túmulo branco
Comi o veneno da terra que me enterra
Sofri as lagrimas que me derramavam
Por eu deixar de ser eu
Tomei—as como se toma whisky
E ri
Achei engraçado ( me embriaguei )
E a falta de sol me afobava
A terra egoísta e ingrata me roubava
Os poucos raios solares que me aqueceriam
Era belo
Mas meus olhos nada viam.
Era escuro... Muito negro...
Fiz—me viva para lutar com os homens
Vivi morta
Filha de aristocratas decadentes
Morri entre ouro e diamante
Comi a comida que meu irmão me implorava
Sofri o terrível medo de ter medo
Por deixar de ser...Por deixar de ter...
Tomei leite
Porque a úlcera da desgraça me dilacerava
E chorei o protesto de quem gritava
A fome
O erro
O enterro
E a falta de amor me afobava
O mundo acabava ali
Era triste
Era podre
Mas eu estava lá,
Vivendo e rindo como eles... com eles
Era claro ( o brilho das joias )
Era claro ( eu ter tanto e não ser nada )
Nasci morta
A laje fria, as flores amarelas, azuis, imagino...
Sorri tranquila...
Carmem Lúcia P. Klay
Rua_ Professor João Cândido 398
A
MARCHA
(Epopeia Brasileira para o OESTE)
EM 14 CANTOS.
I
Vou caminhando,
rumo a jornada,
sem medo eu vou,
sem medo eu vou.
Vou pra luta sem temer,
sem medo eu vou.
O céu é cor de anil,
igual assim ninguém viu,
morena linda venha ver,
o meu Brasil que nasceu,
nos versos que eu escrevi
- Vamos, vamos cantar!
•••••••••••••••••••••••••••••
II
Não venho aqui pra falar
venho do sul e do norte
trago no peito saudades
sou gente de raça forte.
Não venho aqui pra falar
das coisas acontecidas
só venho aqui afirmar
do meu trabalho e da lida.
Não venho aqui pra falar
das ruas tristes da sorte
se venho em busca de terras
venho do sul e do norte.
não venho aqui pra falar
do meu rincão tão querido
trago esperança na frente
vou construir meu abrigo.
não venho aqui pra falar
da gente de pouca sorte
sigo a estrada da vida
Não tenho medo da morte.
Não venho aqui pra falar
sou pequeno e sou criança
trago amarrado no peito
certeza, força e confiança.
Não venho aqui pra falar
do presente ou do passado
venho afirmar o futuro
que vem comigo abraçado.
Levanta povo amigo
não venho aqui pra falar
levanta a poeira a terra
que a gente quer trabalhar.
III
Enterra a serra na árvore
derruba o mato Joaquim
Abraça a mulher querida
trabalho só mesmo assim.
Enterra a serra na árvore
faz o buraco no chão
levanta o peito pra vida
trabalha com o enxadão.
Enterra a serra na árvore
toca o cavalo João
atira a pedra no boi
entrega seu coração.
Enterra a serra na árvore
vai construindo a jornada
o mundo vai levantando
vai sorrindo a criançada.
Enterra a serra na árvore
vai construindo a jornada
o mundo vai levantando
vai sorrindo a criançada.
Enterra a serra na árvore
E veja o céu cor de anil
levanta Pedro Parado
vem construir o Brasil.
Enterra a serra na árvore
enterra a coragem no chão
vamos fazer a estrada
vamos tomar chimarrão.
Enterra a serra na árvore
enterra até cortar
vamos fazer a estrada
vamos comer vatapá.
- Quente ou frio? ! ...
IV
- Construa estrada, João...
É gente do sul e do norte
que vem aqui trabalhar
é gente de muita sorte
de fé, coragem e forte
que não vem pra só falar
é gente que vai construir
o destino neste chão
que sabe o seu rumo certo
quer comer do seu pão
que vai e volta e quer ir
e sabe vai construir
terra, lar e plantação.
V
Ouço o barulho do ouro
misturado ao do Araguaia
Gente navega pra cá
buscando estas riquezas
- que beleza!
Ouço o sorrir da criança
que chora no Tocantins
veio com a mãe do Madeira
e daqui não quer sair.
- Quer sorrir!
O sol bate e brilha e brinca
Nas águas do Paraguai
Ai! tem ouro nestas bandas
Ai! tem rios e muitas águas
- Ai! ...
VI
Moça, índia bonita!
rede tupi-guarani.
Gê, Caraíba, Aruaque,
esteiras de folhas, palmeiras
índia bonita faceira
brincando daqui pra lá
urucu e jenipapo
pra pintar o corpo lindo
juçana pra pegar moços
pra pegar peixe o puçá
landa, timbó, tingui,
a graça moça tupi
e o sol quente a brilhar.
VII
Caboclo de olhos largos
sorriso, muito calor
trabalha, a terra, coragem
abraça Maria Terra
e no calor da paragem
tem tempo pra seu amor
Sorri pro mundo sem medo
avança, aponta o dedo
para o destino que é certo
caboclo, chama Maria
descansa senta no chão
escuta o Pássaro caboclo
escuta o Pássaro Maria
é hora de poesia
esconde o sol no sertão
- Ai que bom!
VIII
Silencio gente!
que é, hora de rezar
mulheres sentem no chão
homens fiquem onde estão
e ouçam o sino tocar.
Silêncio gente!
que é hora de rezar!
O Padre vem caminhando
A oração sussurrando.
- Agora, vamos rezar!
••••••••••••••••••••••••••••••
Quieto homem! Quieto!
e faz a rede parar
não quero ver a criança
cair no chão – se cortar.
••••••••••••••••••••
IX
Eu plantei, eu plantei, eu plantei.
- Plantou o que?...
* Eu plantei cana verde
sete palmos de fundura
e antes da cana nascer
eu já comia rapadura.
Essa é forte:
- Eta indiarada guapa tchê!
- Ó chente, traz o menino Dadá
- 0 terrinha boa da bixiga!
Flores e vida na estrada,
a lua de madrugada,
a rede triste calada,
a gente nesta jornada,
a criança batizada,
Padre e a vida passada,
mulher, música e passarada!
Tutú marambá
não venha mais cá
que o pai do menino
te manda matá.
*A moda da chimarrita
veio de cima da serra
pulando de galho em galho
foi parar na outra terra.
*Sabiá canta na mata
descansa no pau agreste
um amor longe do outro
não dorme sono que preste.
X
1
Venho do mundo, cafusa
tenho o dom de violeiro
já marquei boiada a ferro
1
* Autores desconhecidos – trovas folclóricas
já fui rei dos boiadeiros
- Viola, Vida, Violeiro!
Venho da vida, cafusa
já fui casado e solteiro
hoje viúvo na vida
quero luta, e na lida
acompanhar o trabalho
deste povo hospitaleiro
- Sou da viola e violeira!
Venho do mundo, cafusa
tenho o dom de violeiro
já andei de sul a norte
não tenho medo da morte
afirmo sou violeiro
- Viola, Vida, Violeiro!
Venho da vida cafusa
canto pra moças bonitas
e também pro povo ouvir
- e canto desde criança
pois trago muita esperança
e sede de construir
- quero ver gente sorrir
- QUERO VER GENTE SORRIR
quero fazer a morada
nesta terra tão gentil
quero arranjar minha amada
deitar na rede calada
e olhar a passarada
neste céu cor do anil.
XI
Mulato olha onde pisa,
não garganteie no chão,
pode cair e quebrar
a perna, a cabeça e a mão.
- Sou da terra e do sertão!
Mulato, sei quem tu és,
mas não me queira enganar,
pra que tenhas meu amor
tens que a viola tocar.
- Mulato quero te amar!
Agora fico calada,
quero ouvir o teu cantar,
tange a viola mulato,
depois vamos conversar.
- Depois vamos conversar!
XII
Levanta o peito menino,
erga a cabeça José
venha ver seu novo lar,
balança a rede Mané.
Recua o boi seu Joaquim,
empurra o carro João,
trabalha a pedra, ó Pedro,
atira o barro no chão.
Construa estrada Francisco,
traga o tijolo Roberto,
faça uma reza seu Padre,
o nosso destino é certo.
Traz o menino Dadá,
faz mais filhos minha gente,
nosso país grandioso,
vamos plantar a semente.
Roberto, Pedro, José,
vamos todos dar as mãos
está na hora de rezar,
vamos fazer oração.
Escuta, o canto menina,
do tristonho violeiro,
olha na estrada menina,
o sorrir do boiadeiro.
Vem gente de toda a terra,
vem olhar a construção,
venham ver nosso trabalho,
fruto da força e coragem,
de todo este povo irmão.
XIII
Oh! Trabalha!
Trabalha meu irmão,
que o amor já vem.
Meu irmão,
que caminha pela estrada,
- Trabalha meu irmão!
Meu irmão que segue à caminhada,
- e já vai vencer!
O sol, já vai nascendo,
e a esperança da vida vai crescendo,
vai desenvolvendo
no contexto mundial,
no contexto da luta social!
O sol, já vai nascendo,
é a paz que aos poucos vai surgindo,
neste mundo de homens desumanos..
- é a flor que nasce num jardim,
é a morte da tristeza, enfim...
... assim
meu irmão que caminha pela estrada,
meu irmão que segue a caminhada,
trabalha meu irmão,
trabalha meu irmão,
que o amor já vem...
XIV
- Obrigado, gente amiga,
já fiz minha louvação
cantei a grandeza e a terra,
nesta pequena canção!
Paulo Marcelo S. Silva
Paranavaí - PR
VIII
FEMUP - 1973
1
MEDITANDO
Luno Volpato
Porto Rico – PR
2
PLANISFÉRIO
Antônio de P. Basseto Carvalho
Belo Horizonte – MG
3
MANIFESTO
César Alexandre Pereira
Porto Alegre – RS
4
PEDRO POETA
Alberto Kalic
Paranavaí - PR
11
AMOR... VIOLA... CABOCLO...
Alberto Kalil
Paranavaí – PR
12
CAMINHO SUAVE
Maximo Emílio Florindo
Marília – SP
13
PENSANDO NO ESPAÇO DO TEMPO
Autoria: Eunice Afonso Pinto
Cambé – PR
14
CONTRASTE
Edelson Afonso Pinto
Londrina – PR
5
HOJE O FUTURO
Alvanira Rezende Tagliamento
Paranavaí – PR
15
DEFINITIVAMENTE
Evandro Ribeiro da Silva
Londrina – PR
6
TÍBIA
Braz Moulin Louzada
Londrina – PR
16
HOMEM NO BARCO...MAR BRAVO...BARCO
SEM HOMEM
Telma Yara Janesko
Paranavaí – PR
7
HISTORINHA
Antônio de P. Carvalho
Belo Horizonte – MG
8
MADAME M
Brás Moulin Louzada
Londrina – PR
9
ODES PARA O MUNDO
Paulo Cesar de Oliveira
Paranavaí – PR
10
SOLIDÃO
Lurdes Marcelino Machado
Marília – SP
17
PAPEL PICADO
Edelson Afonso Pinto
Londrina – PR
18
O COTIDIANO DO BÓIA FRIA
Amizael Leopoldo Campos
Paranavaí – PR
19
VIDA
Mário José Negro Lencione
Limeira – SP
20
...H!
Luno Volpato
Porto Rico – PR
MEDITANDO
a vida o sonho o nada
a vida...
o sonho...
o nada...
o sonho da vida
a vida do nada
o sonho do nada
o nada da vida
o nada...
o sonho...
a vida...
a vida o sonho o nada
o nada o sonho a vida
a vida o nada o sonho
o nada o nada o nada
o sonho o sonho o sonho
a vida a vida a vida
o nada...
o sonho...
a vida...
a vida
Luno Volpato
PLANISFÉRIO
sobre este mar
ilhas
marilhas
eu instauro meu canto
e encontro
oceanos
das mais náuticas
áfricas.
como rasgo as águas rasas asas
em ruflo: irene
em procura tua
aluci(nada)mente.
sobre esta terra
cabos
ana, caibo rotas
em meu corpo índico
e te abraço alice
nos atlânticos que cultivo:
algas
agrárias.
como corta o campo
geográfico da vista
em que me perco.
E descubra américas
dos mais mágicos nautas
e as estrelas vagas: (astrolábio)
na constelação de scorpius...
Antônio de P. Basseto Carvalho
MANIFESTO
O mundo progride
o mundo me agride
o mundo progride
materialmente
O que de humano resta
nessa luta
está falido
o que pulsa ainda
é meu coração
que ama e se renova
em cada canção
O mundo progride
o mundo me agride
não tenho fórmulas
nem solução
para salvá-lo
em meus redutos de solidão
sei apenas amá-lo
Exposto à fúria
de sua estrutura
sem respaldo
difícil é desviá-lo
de seu fulcro de avidez
Se cada homem
em vez de praticar
uma agressão
um gesto insano
levasse consigo
um poema
uma flor
o mundo seria
mais humano
O que gerei
secou
neste varal de silêncio
pedra crescendo
na memória do que fui
no passo tardio
desta viagem sem regresso
Sei-me
na roupagem
ridículo
entre as traças
Mas não aceito a demanda
com que as coisas se desnudam
- Largo encargo de solidão
roendo as vestes
a boca vigiada
o grito
Locatário em julgamento
cativo na vigília
aguardo a solução
o despejo de tudo
O que farei com a lógica
nesta haurida conjuntura
se despidas estão as palavras
e a criatura?
Que direi deste traje
pusilânime o roto
deste rosto aforado
inquirido e opresso?
Nesta hasta
o que resta da alma
do corpo sem pecúlio?
honra critérios
se neste reino
nada fiz a contento
a não ser o invento
destes versos?
Exíguo é corpo
onde instauro o poema
devassada sinto-lhe a permanência
o salto frustrado
o verso em pânico
Ávidos
o matamos
na luta pela posse
onde inventamos as leis
e detemos o patrimônio
Nesta guerra
agressivos
geramos nossos filhos:
- A mão oclusa
acionando gatilhos
Da fera
visíveis se mostram os delitos
o oculto bote
os enigmas
Em vão forjei coisas maiores
e deixei o amor crescer
entre um verso e outro
Há trinta e nove anos
assisto os mesmos crimes
o silêncio crestando a fala
De que vale o reino
com seu pomos de usara
e a loucura dos gumes
De que vale o reino
e sua espada
o viço da bandeira
as honrarias
se poucos são os convivas
junto à mesa
Palavra por palavra
gastei meu verso
como quem joga
um duro jogo
como quem joga
a própria vida
Palavra por palavra
sobre a cabeça
senti a morte
e seu inferno
Da lâmina ficou-me
o ácido do corte
e a comitiva de seus gumes
No aço
desta balança
que nos nivela
tudo some
sem ajuste
some o nome
some o homem
some o nome
e sua honra
some o homem
e seu amor
Da roupagem
resta-lhe o sulco
e a camisa-de-força
Aos deuses
cada medida
tem seu peto
a hora escorre certa
com seus juros
e dividendos
Neste mercado
cada coisa tem seu preço
(somos todos negociáveis)
o lucro faz o homens
duros e vendáveis
Palavra por palavra
gastei meu verso
Palavra por palavra
Tenho uma única túnica
sem ciclo no corpo
devassada
trincada na haste
como um túnel no tempo
sempre feroz
Nesta nau inclusa
como um cão sem osso
inserido na partilha de meu pasto
eu não me endosso
Transcendo a gula
a gana a gala
com minha fome
com minha fala
Nada quero a mim
nesse degelo do tempo
onde mudamos de cara
como quem muda de roupa
E instalo meu verso
como um pealo
no sangue
no cerne
na carne
Marcado e remarcado
no íntimo e na esperança
lucros não dei
de tudo que fiz
restou pouco
lúcido ou louco
não aceito este empório
onde me atrelam
os valores se invertem
os conceitos se nivelam
e tudo morre no beco
morre o homem
morre o bicho
Domado no gesto
e no verbo vigiado
difícil é estar no mundo
desligado das ferezas
E quero a mesma medida
na minha mesa e na tua
quero o amor nascendo livre
de tua mão para minha
Tenho-me fora da posse
sem portas ou janelas de avidez
além delas passento meus rebanho
meu pasto é este sorver
os próprios lanhos
Poucos ouvem
o sonoro fuxo dos pés
lavrando o tempo
e as mãos
varadas pela ausência
neste poço
onde calamos o que somos no grito
- este impulso guardado na gaveta
Sob cobertores de medo
nutrimos o absurdo
incrustado nos poros
nas palavras
na espera sem solução
no abraço no poema
na busca inaudível
fora do corpo
como um soluço
oculto no lenço
Mar insondável este
mar
que nos martela o ofício
Mar tela de logro
mar logro
malogro
onde
quando posso
logro o logro e me recrio
Não conheço outra dimensão
senão esta em que me ergo
em alvenaria e concreto
até o último pavimento
Desterrado ou presente
com ajustes desajustes
sobre a pele do que sou
não escondo as tatuagens
Além a travessia
no pescoço a coleira de sempre
mas no íntimo o punho cerrado
Neste convívio sem rosto onde nos vendem
- objetos de consumo expostos à fúria
amarga é a cabala
que nos corrompe:
bigorna roendo o corpo
roendo o homem roendo a fala
neste convívio ergo meu grito
E no aço destes dardos em silêncio floresço cresço e me
reparto.
Com meus apetrechos
neste solo eivado
cavo as iguarias
fiz para tudo os requerimentos
de praxe
e aqui estou indeferido
preso a sirênicas manobras
Nesta purgação
vou consumindo o melhor de mim
mas
instaurado em meus alqueires
de isolamento
a cada manhã me reinvento
A esperança
é uma flor na mesa de todos nós
Conheço o mapa desta angústia
as ruas e suas dobras
- este caminhar entre muros
a rosto em deságio
E chego
como quem desembarca
de um tombo
ou de uma vontade adiada de
partir
com o mesmo terno gasto
e a boca doméstica
sem fereza
neste sorrir
ajustável ao corpo
e ao tempo que nos devassa
com suas maquinações
E chego
como se não tivesse partido
ou como quem parte
sem nunca chegar
com guindastes
e equilíbrios no gesto
Espero que tudo se cumpra
em largueza e liturgia:
os peixes no mar
a rosa no galho
na terra as pedras
e os homens
Neste túnel de insídias
onde nos subornam
me visto de uma renúncia iluminada
e imprimo uma energia à canção
uma esperança
Ascendo nas consciências
um novo brilho
uma nova ordem
como quem espera um filho
um acontecimento
E resisto. E resisto
Não sei até quando
mas resisto
sem gatilhos de apoio
ou escudos na pele
Cesar Alexandre Pereira
PEDRO POETA
Que sonhos! que glórias! que anseios!
que flores na vida! que lábios abertos!
que sonhos fulgentes de terna poesia!
meu Deus! que ilusões!
Que Céu! que ar! que flores!
Sem ver cá da terra um falso sorrir
os risos com risos e o gelo com fel
nas sedas do céu
Deixai que chore pois – rujam as cordas
insensível e estúpido como elas!
corre feio o trovão nos céus bramindo
quero às rajadas do tufão gemê-la
a canção dos meus últimos amores!
Foste Poeta – Pedro Poeta?
foi-te a imaginação rápida nuvem,
foi-te a alma – um véu adormecido,
a ti meu canto pois – Pedro Poeta.
Poeta da tormenta – alma dormida,
cantor das mágoas – enigmas da vida
e em pé – no pé os braços
- Poeta – o que era-te o mundo?
Um dia deram-te em presa aos vermes –
num mundo zombador – brindaste aos mortos
cantor da destruição
- mas que importa – se é teu nome imortal
- vem, pois, poeta amargo da descrença.
misterioso bretão de ardentes sonhos
Camões no Amor e Tasso na doçura
e entre a noite – o trovão
ecoa taça na mão e a fronte altiva
zombaremos do mundo!
Pedro Poeta
Castro Alves
Pedro!... qual destino ele tomou
por entre mundo e sóis
foi buscar na humanidade
as verdades da verdade.
Pedro pensava salvar Roma
e um circunscrito apogeu’
chorava aos céus de novo,
novos rumos, novas leis.
Começara um novo mundo,
Assim pensava Pedro pensando
que os fracos desditosos-tristes, deserdados,
sequiosos e deslumbrados...
contemplaram,
novos mundos
novos céus
Pedro tornou-se famoso,
por ser ele entre os loucos,
o mais louco pelo amor,
e nós, míseros cativos...
da
iniquidade
e da
dor.
Múltiplas vidas vivemos,
e em meio dos mortos-vivos,
no mistério dos destinos
viajamos.....................................................
..............................................................................
para a mesma luz volver.
Mas Pedro ainda não sabia
que a Europa ensanguentada
ajoelhou-se humilhada,
ao ver o trono imperfeito.
Desde as eras mais remotas
pensava Pedro........................................................
ser o braço potente
no
jugo
da
escravidão
Mas Pedro viu-se humilhado,
por santos e heróis,
Jazia Atenas vencida,
Entre as águias poderosas
......sob
o carro
da
opressão
Sou Pedro Poeta – não sou ninguém,
pela treva do espírito lancei-me,
no vale dos cadáveres sentei-me,
voltei-me para a vida.
Malicento – de minhas sufocações,
olhei a estrela de verão no céu perdida
Meu
Meu
Deus?
Deus?
A que mistérios me destinas!
Alberto Kalic
HOJE O FUTURO
No metálico resplandecente
a figura de um gigante
se eleva aos céus
em sua forma pontiaguda.
Na sua base de concreto
a rigidez dos pensamentos
em idas e voltas constantes.
Mil figuras multicoloridas
num liga e desliga interrupto,
movimentos milimétricos.
Num estrondo ensurdecedor
lavaredas e fumaça...
misturam-se num incrível clarão.
Eleva-se.
Pomposo e resoluto
em sua caminhada magistral
para um mundo novo
construído pelo homem.
Alvanira Rezende Tagliamento
TÍBIA
os dentes do tigre
cerram fileiras em torno de carne
e sangue
bengala
como tíbia ou como tigre
gala
até a morte pela febre
tíbia que brada pelo tigre de bengala
por uma segunda vez
os dentes do tigre de bengala
cerram fileiras
o pavoroso serrador
descansa em gabinete estreito e torto
agora
já na milésima dentada
a dor cede
migalha humana que resta
outro homem
mantém sua tíbia intacta.
Braz Moulin Louzada
HISTORINHA
Certa manhã
antes de ontem
as galinhas eram galinhas ainda
na porta ali da cozinha ali mesmo e
tia sinhá que era vó da gente vinha
trazendo a manhã distante na ponta do bastão
de arueira
Na hora do almoço a fumacinha agrícola do
fogão-de-rabo
era uma fumaça de sonho e a gente então
depois de sonhar
a gente saiu depois de tudo
e vou te contar como era:
depois da sala antiga
era só sair caçando passarinho,
ou os elefantes azuis de Stratford-on-Avon.
Antônio de P. Basseto Carvalho
MADAME M
a mancha murcha
cobre morta/martha mulher
igual/normal
martha mulher normal
de louca luta
foge
escondida na fuga normal
martha/martha
atrai/trai
atraiu/traiu
na foto focalizada
na imaginação usada
a presença de martha
martha mulher
mulher normal
igual/racional
focalizada martha morta
martha mulher morta
marcada
minha
tua
nossa, talvez morta
Brás Moulin Louzada
ODES PARA O MUNDO
Não contento
os mares desta vida.
Permaneço,
sonho,
amanso a dor importante
entre os girassóis distantes.
da tarde.
As folhas e flores
permam
mas as avenidas matam
e os barcos naufragam
no viver.
E as vidas se debatem
na sarjeta marcada
onde passo.
Sou menino,
Me contenho
a sofejar odes inéditas
que inerte o mundo
ignora.
Paulo Cesar de Oliveira
SOLIDÃO
Vazio...
Há um vácuo dentro de mim!
Que sou eu?
Quem fui eu? O que serei?
Mas... o que sou eu?
Hoje... sou um vazio.
O vácuo me abita
Espalha-se em todo meu ser.
Minhas mãos...
Pobres mãos!
Exploram meu corpo
Em busca de algo...
Em busca de que?
Estou mesmo aqui?
Será que existo?
Não sinto minha presença...
Mas... o que sou?
O nada responde:
Uma casa desabitada,
Um corpo sem alma,
Fantasma materializado,
Só... só...
O vazio se faz presente,
Frio, dorido, pungente...
Lurdes Marcelino Machado
AMOR... VIOLA... CABOCLO...
João era triste e solitário
por conforto – tinha a viola
sabia carpir e gemer
e cantar a modinha espanhola
que faz de amor um querer
e nas noites indolentes
que fazem estremecer.
João tinha Maria no pensamento
no coração muito amor...
nas mãos muito doer...
na viola a canção de maria
embalada na folia.
Quando Maria se ia
João desmaiava de amor
sobre seu leito de areia
ele tomava licor
Quando João sentia
a vinda de Maria
apanhava sua viola
numa canção sertaneja
que falava ao coração.
- Se tu viesses, Maria
verias que a vida é bela
no deserto do sertão.
Aqui tem mais amor os amores
e muito mais amor no coração
e na minha viola.
a canção do sertão...
Alberto Kalil
CAMINHO SUAVE
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que
tu manges?
qu’est ce que tu manges?
quésquetimanges?
quésquetumanges?
quesquetinana
quésquetinana
quésquetinhana
quéskétinhana
késkétinha
nana
Késkétinhana
Nana
casketinha
Inhana
cascatinha
Inhana
cascatinha
Maximo Emilio Florindo
PENSANDO NO ESPAÇO DO TEMPO
as horas lentas rola no tempo
meu pensamento baila no espaço
o espaço não dá espaço ao tempo
nem o tempo dá tempo ao espaço
o tempo passa; passa lento; lento e
inexoravelmente passa o tempo
meu pensamento baila; baila...
doidamente baila meu pensamento
o tempo traz, lento, loucura;
solidão o tempo traz, apático
louco vou ficando na conjetura
enquanto só, baila meu pensamento
tempo, espaço, espaço, tempo
baila ideia, ideia que cai
baila o tempo, loucura baila no pensamento
loucura que vem dança que se vai
o tempo baila e eu bailo no tempo
o espaço dança no tempo em mormaço
a loucura só e eu desatento no
espaço do tempo, do tempo em espaços.
Eunice Afonso Pinto
CONTRASTE
Lágrimas rolando,
no rosto caindo,
pingando,
correndo,
sem rumo,
sem prumo.
na face marcando
estranhos caminhos
de buscas e razões,
já que só de ilusões
a vida se apaga
a vida que o homem
um dia viveu.
Que sena,
que pena.
Busca infindada
Que é a namorada
da noite sem fim.
Contraste.
Voltaste.
Teu filho te busca
na vida. Rebusca
e encontra afinal,
razão para viver.
Meu pai!
Minha mãe!
Enfim os encontro,
Já mortos por dentro,
Já tarde demais!
Edelson Carlos Afonso Pinto
DEFINITIVAMENTE
Definitivamente!!!
Algo concreto
uma palavra que serra
encerra
Alguma coisa definida
definitiva
uma atitude
É um tédio final
é um murro (na cara)
é um riso rasgado
É uma pimenta na ferida (de alguém)
é uma porta que fecha
ou abre
É uma certeza
talvez incerta
é uma indecisão
talvez decisiva
Definitivamente
É o começo
é o fim
Coisa definitiva...
É uma imposição
Posição
talvez
um med’ódio crescente
é uma solução
talvez
Solver
solução
definitivamente
definitivamente
é a poesia em prosa
em prova
e
ou o sangue nas lágrimas
Definitivo
decisão
decisão
decisão
de fim
Evandro Ribeiro da Silva
HOMEM NO BARCO...MAR BRAVO...BARCO SEM HOMEM
Há um homem navegando.
Há um barco afundando.
Há um barco navegando.
Há um homem afundando
Ondas precipitadas
de blasfêmias e de vinganças,
de corrompidas desesperanças...
Porque o homem afunda?
Porque o barco navega?
O corpo desfalecido.
O corpo branco e macio
como um bastardo afogou-se,
que não queria penar.
Porque o barco navega
se o homem já afundou.
Telma Yara Janesko
PAPEL PICADO
Há tantos papéis jogados por aí
encerrando um mundo descortinado,
abrindo portas para um futuro
e fechando passagens do passado.
Há uma enormidade de coisas aprendidas
cansadas, batidas e guardadas.
Pelas esquinas ao léu, perdidas
das que antes já foram ensinadas.
Frases que choraram corações aflitos
e fórmulas que desmancharam pretensões;
suáveis versos transformados em gritos
e sentidas angústias já sem emoções.
Quanto papel picado por aí, rolando...
contendo coisas que fizeram história num passado.
Quantas frases que deixaram olhos chorando...
Pelas esquinas da vida, quanto papel picado!
Edson Carlos Afonso Pinto
O COTIDIANO DO BÓIA FRIA
É manhã,
rapidamente levanta
deixa o regaço,
a cama
tragado pelo cansaço
já que há muito não ama.
Manhã quente ou manhã fria
saúda a aurora e deixa tudo
a casa, o filho e Maria...
Segue sua jornada
carne calejada,
dilacerada.
Enxada no ombro
marmita na mão,
couve frito,
farinha e feijão.
De segunda a sexta...
E finalmente chega o sábado
com ele a fuga ao cotidiano.
Usa o dinheiro mirrado
suado.
Os dez cruzeiros ganhos a cada dia,
come feijão e arroz
ele, o filho e Maria...
Amizael Leopoldo Campos
VIDA
que trem ligeiro ela é...
tão cheio, às vezes.
Tão espremido e sujo para alguns,
espaçoso para outros...
Mas sempre carregado.
Todos vão nele,
balançando,
rangendo,
levados a carvão, a óleo cru, eletricamente...
Ninguém fica fora do trem.
Trem que geme,
trem que chora,
trem que ri,
trem que finge que vai, mas não vai!
Trem que luta, corre e morre.
Morre?
Morre sempre. Às vezes até vivendo já está morto.
Morre de enfarte!
Morre de câncer!
De sonhos perdidos.
de desespero incontido...
Morre de repente!
Como foi?
Não sabemos.
Amou demais...
Amou de menos... nunca amou!
Confusão.
Defeitos congênitos! E adquiridos... foram tantas as trombadas
Morto!
Um montão de ferros retorcidos, jogados a um canto.
Que pena... Era tão útil, serviu tanto!
Morto?
Reduzido a pó
Choro, lágrimas, flores, missa, saudade.
Morto!
Vendido, arrecadado o dinheiro, revertido, esquecido.
Morto!
Quantos anos... revertido a pó, esquecido.
Que adiantou correr tanto, trem?
Quantos te conheceram e te usaram e
hoje que é feito de ti e deles?
<< – Tu és pó e em pó de tornarás. >>
Vida – Pó –
Trem – Vida.
Trem – Vida – Pó.
Pó que redime,
que diminui,
que faz pensar...
Pó que se desmancha e se dilui...
Vida... ilusão... trem fantasma!
Mário José Negro Lencione
...H!
...lá da janela do meu quarto
– desorganizado –
consumindo a abundância dos meus mistérios
e a perscrutar
o século sofisticado
o mundo a caminhar
lá fora...
A vida que passa...
que foge
que corre
que voa
que vai que vai... que vai e não volta
lamentavelmente ou ainda bem?
Extasiado vejo
o carro que corre corre... que corre...
para onde?
corre
o homem cabisbaixo
a mulher demasiadamente pensativa
com uma trouxa na cabeça
a súplica mendigo
a criança choramingando
deixando rasto no barro que era poeira
a vida que vai
a morte que vem
e... sempre... sempre
o sinal vermelho
nos meus caminhos
nos meus tropeços
nos meus sonhares e dispersos e duvidosos
nas decepções constantes
nos pesadelos mentalmente arquitetados
nas angustias quotidianas
nos ideais frastrados
nas injustiças diárias
na existência <<desvivida>>
O sinal vermelho
o sinal vermelho
a luzir intensamente no meu mundo...
Ideias tensas
almenjos nublados
Proteções inúteis
sóis opacos
esperanças vazias
utopia ocultas
contemplações alucinadas
problemas!...
(quantos problemas!) só problemas
Intensamente
desordenadamente acumulados
quotidianamente superpostos
a monotonia das horas...
as horas de melancolia...
o silêncio a falar á consciência
emoções trucadas
sensações interrompidas
suspiros dolorosamente desfeitos
reticências misteriosas...
O sinal vermelho
o sinal vermelho em minha frente –
– constantemente –
não me deixa caminhar
e tropeço pelos paralelepípedos desencontrados
e caio
e luto
e sofro
e não desisto
resisto
insisto
existo
levanto
estou cansado can-sa-do
de estar cansado
de olhar o mundo complexo
de sondar mistérios
de analisar filosofias controvertidas
verdades contraditórias
de encruzilhadas sem caminhos
de músicas desafinada
de fatos que não existem
de coisas que não convence
realidades irreais
egoísmos aberrantes
soluções abstratas
certezas volúveis
frustrações que marcam fundo...
cansado
de sorrisos forçados
de esboços inexequíveis
de essências vazias
de apelos sem eco
acenos de mão que sucumbem...
cansado
de trilhar sendais brumosos
de vagar sem endereço
de ir sem saber para onde
perguntar cem achar resposta
procurar sem saber o quê
saber sem poder dizer
viver sem saber por que
de ser sem ser preciso
de talvez e poder-ser
de sinais vermelhos...
cansados...
hahhh!
de esperar angustiadamente um sinal verde...
cansado
...h!...
Luno Volpato
IX
FEMUP - 1974
POESIAS
1
JORNADA
Cezar Alexandre Pereira
Porto Alegre – RS
11
MOTIVOS
Gilmar Lassala Machado
Paranavaí – PR
2
REDORDAÇÃO DO PRIMEIRO TROPEÇO...
Sérgio Reinaldo Protzek
Paranavaí – PR
12
É PRECISO UM POUCO DE PACIÊNCIA
Cezar Alexandre Pereira
Porto Alegre – RS
3
SIM OU NÃO
Paulo Cezar de Oliveira
Paranavaí – PR
13
O TREM A VAPOR VÉM VINDO, MÃE
Antônio de Pádua Basseto Carvalho
Belo Horizonte – MG
4
PROTESTO
Rosalvo Pereira Leal
Paranavaí – PR
14
CONTO
Mauro Antônio Gasola
Campo Grande – MT
5
PARAVOLA
Antônio de Pádua B. Carvalho
Belo Horizonte – MG
15
ROTINA
Carlos Alberto Verçosa da Silva
Londrina – PR
6
JOÃO BOBO
Celso David Aoki
Londrina – PR
16
SONHO-EPILOGO
Autoria: Valmir Graciano
Paranavaí – PR
7
JARDIM
Luiz Carlos Leme Franco
Londrina – PR
17
REVELAÇÃO
Autoria: Valmir Graciano
Paranavaí – PR
8
OBRIGADO
Maria Marleide Lima
Paranavaí – PR
18
FORMIGAS
Carlos Alberto Verçosa da Silva
Londrina – PR
9
POEMA
Yukio Karassaki
Londrina – PR
19
UM E DOIS
Sérgio Reinaldo Protzek
Paranavaí – PR
10
GRITOS SEM CONTAS
José Carlos Beckauser
Paranavaí – PR
20
SEM DESTINO
Autoria: Valdomiro José dos Santos
Marília – SP
JORNADA
Aqui
alço o que habita
entre a palavra e a pedra
- equilíbrio diário
onde invento a canção
É no azul que eu planto meus rebanhos
e busco um céu
de pássaros libertos
Neste reino de aparatos
só nos resta solidão
Cresce a fera
não o fruto
vem a espera
mas não vem
a solução
O mundo nos devora
mas por ele
gasto minha melhor ternura
Das mortes que já tive
uma está visível no meu rosto
profunda
calada
- antiga inquilina
com minúcias no bote
Degrau por degrau
escalo os fardos
desta jornada
Degrau por degrau
carrego meus trastes
e a esperança em cada gesto
Como um cão sem osso
transcendo a guia
a gana a gala
com minha fome
com minha fala
Nada quero a mim
nesse degelo do tempo
onde mudamos de cara
como quem muda de roupa
Instalo meu verso
como um pealo
no sangue
no cerne
na carne
O que farei com a lógica
nesta haurida conjuntura
se despidas estão as palavras
e a criatura?
Estou só em meus legados
Enrolado à mesma engrenagem
que silencia todos os lábios
Mar insondável este
mar
que nos mar –
tela do ofício
Mar tela de logro
mar logro
malogro
onde
quando posso
logro
o logro
e me recrio
Abro canal
ao riso
e à fala
Disparo meu combate
Das gavetas
derrubei as etiquetas
o dúbio nas ante-salas
o medo
os protocolos
E tu
O que fazes
com teu esqueleto
com tua fome
com tua cara
exposta ao ridículo
a honra gasta
o crédito cortado
o salário curto
e a mesa rasa
Instaurado
em meus alqueires
de isolamento
a cada manhã
me reinvento
E resisto. E resisto
Não sei até quando
mas resisto
sem gatilho de apoio
ou escudos na pele
Das vestes
a nudez
é um grito
adiado no corpo
Mas de cada fome
que nos consome
e de cada angústia
que não tem nome
nascerá uma flor
uma esperança
Busco ao gesto
um ajuste sem ira
ao corpo
outra conduta
outra luta e não esta
que nos mutila
Eu quero a mesma medida
na minha mesa e na tua
Quero o amor nascendo livre
de tua mão para a minha
Neste largo mundo em litígio
aqui estou como um bicho
solitário
vigiado
Sem tutelagem
na pele e no crédito
enfrento o soco
e o tribunal
que me reprime
Em meus legados de solidão
resta-me apenas
este jeito feroz
de rebeldia
que rebenta em mim
por vocação
Nesta jornada
rejeito a mordaça
a cabala
e a sevícia dos gumes
Não tenho trincheiras
nem recursos vários
o que sou
está no curso
de mim mesmo
onde cavo a esperança
Cézar Alexandre Pereira
RECORDAÇÃO DO PRIMEIRO TROPEÇO
No começo da noite,
a fumaça contaminava tudo,
tudo... até a alma.
Sentia uma desgraça pairando no ar,
Irmã e amiga da fumaça.
Isolei-me da carne
e tentei sentir algo,
nada aparecia.
Furando o íntimo dos íntimos,
despejei no meu cálice de prata
as lágrimas d’alma,
vozes confusas aparentavam a mente,
empurrando o senão para a realidade.
Mentira,
parecia mesmo ser mentira
e não era, algo que havia em tudo,
contaminando a matéria
da qual eu me desligara,
por mais forte que fosse a voz do pensamento
ainda persistiam os rumores,
... como dum vento em meio à chuva
tentando empolgar os homens
a deixar os seus lares e beber.
Avolumava-se o meu interesse pelo
Desconhecido d’alma.
Milagre talvez,
certo ou errado, ainda hoje
não percebo o motivo,
mas tive vontade de aconchegar-me
à carne..
Fi-lo,
e quando meus se abriram
percebi que a fumaça havia desaparecido.
podia até nunca ter existido,
porém, com ela,
fora-se também
a imagem da morte
que antes impregnava as paredes,
o teto... até a própria luz.
Fiquei feliz...
amei ao mundo
e também tudo que nele
e sobre ele existia,
saí cantando, gritando,
penso até ter chorado de alegria,
esqueci-me das dores...
as significativas dores da alma.
Tinha então dezenove anos.
Por isso sou o maltrapilho que agora vês!
Sérgio Reinaldo Protzek
SIM OU NÃO
O morto
Eu cismo em subir um andaime qualquer.
Se caio arrebento o bronze que o asfalto
Contém.
Se subo mais esmago o ferro que o ar
Impera.
Eu cismo em cantar qualquer canção.
Se me afogo no meu canto sinto o aço
Das cordas de metais sufocando moinha voz.
Se consigo divagar o canto meu
Sinto o metálico pungir da aurora sem encanto.
Eu cismo em viver a vida toda.
Se ao menos alimento essa esperança
Sinto o asco da avenida putrefante
Que atropela minha vida em outro corpo.
Se morro.
Minha sepultura é cimento armado no meu único
Sonho esperançoso.
Se cismo a esquecer que a morte tem esse nome,
a vida com um nome lindo se faz amarga
Como amargo é o fel que o ferro espalha.
Se cismo derradeiramente a chorar.
Meu choro cai como o chumbo a alivia minha
Dor,
Mas não se cai o choro meu
Minh’alma dispara um tiro certo nas entranhas
Do meu pensamento.
E eu cismo em arriscar o sim ou não...
...Sozinho!
Paulo Cesar de Oliveira
PROTESTO
A estrada branca se entorta
O homem cansado corre à porta.
A “chuva” vem sem nuvens.
O “sol” parou ao meio.
O caboclo olha o centeio.
Na igreja o sino toca.
O rio no mar desemboca. E...
O tatu entra na “toca”
e ele cansado se volta:
não conseguiu sua presa,
mas para sua surpresa
O “leão” está na rua.
“Fugir! Fugir!” – para a “lua”,
mas o rio está na caminhada.
O caboclo pensa na estrada
muito branca, curvada,
mas foge, pensativo.
Deixo seu centeio lucrativo.
Diabo!...
Sol, lua, chuva,
centeio, tatu, leão...
As ondas no mar rebenta.
O sol parado esquenta
esquenta e a chuva não cai.
O tatu cansado não sai.
O rio para o mar se vai.
No mato sofre-se de “Chaga”.
Na igreja o “pecador” paga.
No sítio o centeio se estraga.
O sol está quente, parado.
O homem rico está mudado,
seu coração é transplantado.
O outro morre. Coitado!
Mas uns dias vive.
Diabo!...
Chaga, pecado,
transplante, centeio...
Dinheiro?, nunca teve.
Vive correndo pela estrada,
sem rumo, infernado,
pelo sol que não para,
pelo caboclo que não cala.
Grita, grita e dispara.
E louco?, não. Subjugado.
Não tem sol, nem ordenado.
Não há chuva, nem é assalariado.
Mas ele corre, prá frente.
Sua, sua, sua quente,
pela estrada branca, com curva.
Mas corre, corre, sua vista turva
e corre, corre pela estrada.
Diabo!...
Lutei,
Trabalhei,
Plantei,
não colhi,
nem recebi
Diabo!...
Rosalvo Pereira Leal
PARAVOLA
Em palavra vos digo
do pouso do pássaro
preso no muro
Em parábola vos digo
Da seiva e da fruta
mortos no ventre
E assim postos: apóstolos
pássaro e fruto
só me resta a semente
a ser lançada no escuro.
ANTONIO DE PADUA B. CARVALHO
Belo Horizonte – MG
JOÃO BOBO
Pobre João Bobo!
Eu sou João Bobo,
Tu és João Bobo,
Você é João Bobo,...
Não pode curtir a vida,
como outrora
Vivida por João Bobo
Que não tinha
Máquinas e Máquinas,
Tinha o ar puro da
Vida de outrora
Vivida por João Bobo.
Agora João Bobo
Nasce no tubo de ensaio,
Preparado e esterizado
Pela mão habilidosa
Do Homem;
Vem para a vida,
Onde máquinas
E céus poluídos,
Vão matando pobre
Do ser humano,
Transformando em objetos,
Objeto de adorno...
Pobre do João Bobo!
Não tem onde
Cair morto.
Nem terra existe mais,
Apenas o cimento
Dura e cru
Inventado pelo homem.
Viu-se construir puleiros,
De 20, 30 andares,
Para seres humanos.
Eu vi,
Tu viste,
Você viu...
E nada fez,
Apenas olhou, mas
Não sentiu
Os pesos
Doloridos que lhe vieram
Para sentir
O nada de ser nada.
CELSO DAVID AOKI
Londrina - PR
JARDIM
Jardim seco
jardim árido
jardim vida. Terra
jardim,
onde pássaros libertos
borboletas livres,
insetos aventureiros
passeavam, amavam
davam mostras de liberdade.
Encanto de jardim-Mundo
-Foi Deus quem fezagora sapos coaxam,
a libertinagem psicodélica
da vida conturbada
se acampa e aninha.
Estraga. Pena!
Brinquemos ainda
Alegremente em
Suas parcas flores,
rolemos nos gramados-Vida
pensemos em amor,
Enquanto podemos
enquanto nos deixam.
Jardim
que se poluiu
(já apareceu o Homem),
não há meios
de se te conservar
livre dos Homens,
daninhos, briguentos,
nojentos?
LUIZ CARLOS LEME FRANCO
Londrina - PR
OBRIGADO
Confunde o teu espírito franco,
o teu espaço branco
com este sol aterrador;
confunde tua individualidade
com esta falta de ascensorista,
com esta glória de homem – maquinista,
com este céu-computador;
confunde teu sorriso intenso,
teu coração imenso
ao amarelo interior
dos que se obrigaram
respirando este ar contaminado insistindo,
aspirando a poeira do mundo sorrindo
num caos-de-amor.
MARIA MARLEIDE LIMA
Paranavaí - PR
POEMA
Hoje,
Eu tive os versos
Mais lindos do mundo.
Não fossem rápidos com raio de luz
Não fosse leves como a brisa
Não fosse estas mãos retesadas,
rijas, lívidas assim...
e tê-los ia escrito.
Mas não importa:
o amanhã sempre terá
crianças navegando em sóis
flores dançando a ciranda
anjos no céu
o azul na palma da mão.
E alguém que fale sobre.
YUKIO KARASSAKI
Londrina - PR
GRITOS SEM CONTAS
Quer viver não sabe,
quer morrer não morre,
quando chora não sente,
ao falar sempre mente
quer cantar some a voz,
quer andar está trevo,
não sorri, pois tem medo,
seus dentes tem ouro,
e ouro é segredo
num deserto sem água,
abre os olhos,
a luz se apaga,
pensa que grita,
ninguém ouve,
some na soma,
desconta, desmonta,
sua mente tonta,
quer coragem medo afronta.
Pra jantar não tem janta,
sente frio, tá sem manta,
Vai rezar, mas pra que santa?
chama mãe que já morreu,
grita ao pai
que desapareceu
e ao irmão que nem nasceu
Ele pensa como doença,
precisa ser,
quer vencer,
Quer viver não sabe,
Quer morrer não morre!!!
JOSÉ CARLOS BECKAUSER
Paranavaí - PR
MOTIVOS
Era uma vez...
Pedro um dia
Resolveu entender os homens
Acendeu um cigarro.....
Afrouxou o nó da gravata.....
E batendo compassadamente a ponta de seu lápis
Pensou .... meditou ......
Sem compromisso
Para tudo existe a palavra chave
E isso Pedro descobriu.
MOTIVO, era isso ...... MOTIVOS
Figuras reais e lógicas bailavam em sua mente
O bêbado ........
O Burguês........
A freira ........
A prostituta ....
O poeta .........
O atleta ........
Era obvio .......
Todos tinham seus motivos
Nada mais justo que seus próprios motivos
Pedro sentiu ........
Consegui entender por um instante, os homens
Calmamente foi a janela
E via a cidade adormecida .......
O longo silêncio da noite
As vezes quebrado pelo
Longínquo latido de cães
Pedro compreendeu os homens
Acenou levemente com a cabeça
Como se concordando com alguma coisa
E com um sorriso triste
Foi dormir ........
O cigarro apagou-se.
GILMAR LASSALA MACHADO
Paranavaí – PR
É PRECISO UM POUCO DE PACIÊNCIA
É preciso um pouco de paciência
quando teu sonho fenecer
o amor terminar
e sentires uma louca
vontade de te matar
É preciso um pouco de paciência
É preciso um pouco de paciência
quando a calvície chegar
a solidão crescer
e o último cigarro apagar
na madrugada fria
É preciso um pouco de paciência
É preciso um pouco de paciência
nas salas de espera do mundo
no Oriente Médio
no Vietname
em cada minuto amargo
do teu horário agitado
e nas palavras decepadas
que morrem dentro de ti
É preciso um pouco de paciência
É preciso um pouco de paciência
ante teu prato vazio
nas longas horas de angústia
do teu colóquio frustrado
no olho aquém da vitrina
no dedo em riste
na solidão do sorriso
de teu rosto despojado
É preciso um pouco de paciência
É Preciso um pouco de paciência
junto ao título em protesto
no espanto dos cheques sem fundos
na ácida avidez
de nosso lucro frenético
nos truques de sonegar
a dura lei dos impostos
na gana de enriquecer
a qualquer preço e saúde
É preciso um pouco de paciência
É preciso um pouco de paciência
no teu fado de inquilino
sonhando reforma urbana
nos ventres adulterados
que já não geram mais frutos
nas filas que nos devoram
nos fundos sulcos rosto
da velhice prematura
na infância tão sem infância
( meninos que morrem cedo
de inanição e verminose
sem comover o país )
no teu suor derramado
que propiciou tanto lucro
É preciso um pouco de paciência
É preciso um pouco de paciência
no teu crédito abalado
na tua roupa puída
no teu sapato furado
É preciso um pouco de paciência
É preciso um pouco de paciência
na fome que te devora
no teu salário de engodo
no gesto policiado
de tua reivindicação
É preciso um pouco de paciência
É preciso um pouco de paciência
no teu dente cariado
em tua prole estiolada
na ação de teu despejo
da sofrida locação
e na nudez que se renova
em teu corpo desnutrido
É preciso um pouco de paciência
neste mundo insensível
É preciso
dez cofres de paciência por dia
um milhão de cruzeiros de esperteza
e a santa bondade
de São Francisco de Assis!
CEZAR ALEXANDRE PEREIRA
Porto Alegre - RS
O TREM A VAPOR VEM VINDO, MÃE
Os meninos urbanos do campo
Tinham velocípedes nas pernas
E um dia eu plantei um sonho
no quintal
E ele começou a florar,
No lado esquerdo do peito
Como chorava a infância entre meus dedos:
- Óia lá Óia-lá o trem chegando, mãe...
Os relógios nascem à medida
que o tempo
morre.
e cada dia, cada tempo
a mentira da vida sumia
entre os dedos da gente
o campo não tem relógios
mas os bois trazem ponteiros
na cabeça emplumada
de pesadelos aéreos
- E Óia lá os bois amanhecendo, mãe
Você amanhecendo os bois
depois de cada causo contado
prá mode eu dormir mais ligeiro
você construía seu caso
no entre sonho absurdo da noite
e a cidade vai aparecendo
de va ga riiiiinha...
detrás do vidro do trem
o pai tá dizendo sorrindo
: aquele riso dele dos comícios
nas eleições municipais:
que o tempo vai mudar pra melhor...
este trem vai trotando nos trilhos
mãe, e trincando a cara dos filhos
mas preciso carrear a conversa
antes que o vidro se parta
e um bodoque musculágil
se ponha
em posição de ataque
no meu bolso.
ANTONIO DE PÁDUA BASSETO CARVALHO
Belo Horizonte – MG
CONTO
Existe uma lenda
bonita e antiga
que fala dos campos
de vales floridos
e pomos maduros.
Diz de um homem
vestido de amor
brincando com graça
o jogo da paz
diz de mil homens
dando-se as mãos
beijando-se as mãos
beijando-se as frontes
parindo canções
e brincando de roda.
Existe outra lenda
pequena e terrível
que fala dos dias
de seres cansados
de ombros caídos
e pálidas faces
de tanto sofrer
que em noite de lua
viram morcego
e no ventre das éguas
põem-se a berrar
e cheios de sangue
já não são mais bichos
de novo são seres
de ombros caídos
de tanto sofrer
e voltam correndo
à casa noturna
na noite que finda
e transbordam em choro
as palavras perdidas
das almas sem fé
com braços sem força
rasgando as entranhas
tentando dizer
a verdade suprema
no beijo da vida
no explodir da ilusão.
MAURO ANTONIO GASOLA
CAMPO GRANDE - MT
BOTINA
Zeca chegou de longe
carne seca, a mulher
e a vontade: trabalhar
Zeca chegou descalço
cheirou verde a terra roxa
as árvores
as flores
os frutos
calçou a botina da esperança
e plantou o sêmen
a semente
a mulher, a terra, o verde
e raízes nasceram de seus pés
fincando seu corpo magro
no roxo do solo duro
a chuva molhou
a nova botina de Zeca
que pisou sol
- a barriga da terra estufouque pisou pó
- a barriga da mulher tambémo suor
o sangue
a lagrima
a mulher de Zeca pariu
a terra abortou
nem árvores
nem flores
nem frutos
a botina de Zeca rangeu
e plantou de novo
o sêmen
a semente
a mulher de Zeca pariu
num ano
a mulher de Zeca pariu
noutro
a mulher de Zeca pariu
sempre
e a terra de novo abortou
a botina de Zeca furou
- colheu mato e ilusão
Zeca ficou descalço
- lá longe não tinha geada
o sêmen
e Zeca sentiu saudade
o sêmen
e Zeca sentiu preguiça
o sêmen
agachou
Picou o fumo
e cuspiu
o suor
o sangue
(e a desgraça tomou forma na lágrima)
CARLOS ALBERTO VERÇOSA DA SILVA
Londrina - PR
SONHO-EPILOGO
Que fantástica caminhada!
Salpicada de dores, de incertezas,
de sentimentos em escombros...e
de duras conclusões.
De absurdos, de estranhos atos... e
esta minha irresistível vontade de continuar
depois de cada pausa no caminho.
E eu seguia assim... com a certeza
de quem vai encontrar,
buscando este universo;
E pouco à pouco foi-me chegando
a percepção do seu magnetismo,
da sua face oculta,
e uma imensa paz varando o meu íntimo,
depois a sua proximidade,
e a magnífica sensação de o estar descobrindo,
de possuí-lo; e o desejo de tocá-lo,
e de acariciá-lo
com a força branda de quem sabe amar!
Depois... só algumas palavras;
e esta impressão de estar morrendo interiormente,
e este despertar distante; a frustração,
e o ruído de alguma coisa quebrando dentro de mim;
e esta náusea do viver,
e este amargo despertar mostrando
que nenhum universo existe...
( nunca existiu!)
E de repente,
Um lento esmorecimento,
E uma irresistível vontade de chorar,
E a voz deste silêncio anunciando o tom,
E o incompreensível rumor do coração
num manso alento, e
numa vaga tentativa de consolo
me mostrando que tudo aconteceu...
como acontecem todas as coisas puras e belas,
( e que só nós vimos )
ninguém mais viu,
ninguém ouviu,
ninguém sentiu,
foi um gesto só nosso,
ninguém deve saber...
( ninguém saberá )
VALMIR GRACIANO
Paranavaí- Pr
REVELAÇÃO
Eu sou isto que sou;
Sou pobre, sou pintor, e sou poeta
Pintei corações abertos e escrevi muitas poesias
Que nem sei bem se é poesia
A verdade é que estou vivo, e trago a minha mensagem!...
Mas ... Nem sei bem se é mensagem,
Pois as minhas palavras... nem sei
se dizem muito ou nada.
Estou pensando em pintar constelações de girassóis dourados
Se bem que não é este o meu desejo...
O que eu queria mesmo era pintar __Um operário.
Como Drummond descreveu
E o seu medíocre retrato __tenho certeza
Nos falaria como nos falam as estrelas!
Eu queria também escrever a palavra liberdade,
Nos muros dos sonhos meus
Mas meu Deus!... O que fazem das minhas mãos!
O trabalho é o melhor salário!
E a fome? Dela eu já nada posso dizer
Porém tenha muita pena... mas é uma pena
só ter pena. Porque ter pena apenas ...
É preciso lutar! É preciso lutar!
Existe razão e razão, depende ... da razão
Razão pra se vir lutando
Mas tanta coisas passou, e ...
E que vontade de chorar, meu Deus!
Sentei no chão e chorei devagarinho, e
Devagarinho minhas lágrimas caíram
Puras como um amor
Doces como uma alegria!
E necessário chorar... pode...
Pode ser bom para o espírito.
Eu sou isto que sou!
Sou pobre, sou poeta e sou pintor,
Pode me chamar de louco,
Mas digo que sou sensato...
Porque vejo bem!
Guardo meus segredos entre flores.
VALMIR GRACIANO
Paranavaí - PR
FORMIGAS
O sol
de fazer suar cansaço
derrete a cabeça do operário
mas ele nem sente
e coloca argamassa
e assenta o tijolo,
quente.
O amor
de gostar sem ninguém saber
entra na cabeça do operário,
mas ele nem sonha
e trabalha escondendo
argamassa tijolo sol,
vergonha.
A incerteza
do próximo emprego
esquenta a cabeça do, operário,
mas ele nem pensa
e constrói preocupação
tijolo sol argamassa,
descrença
Todos os dias,
enquanto paredes de sol
tijolo amor incerteza
arranham o céu,
cabeças cheias de operários
descem mais no inferno
da terra
todas as noites.
CARLOS ALBERTO VERÇOSA DA SILVA
Londrina - Pr
UM E DOIS
Terça-feira.
Carnaval, sol quente...
O povo havia parado,
parado de andar, falar,
Forças recobravam-se para a noite.
... Os homens trabalhando.
Passou um carro, uma mulher,
uma virgem, uma prostituta.
- O grito agudo da criança
confundiu-se ao gemido do velho
no calor da tarde
... Mas os homens,
estes sim,
seguindo a imbecilidade
da hierarquia humana...
Continuavam trabalhando.
Seus lombos,
luzindo aos raios do rei celeste
Curvando-se a cada movimento
das enxadas ou enxadões,
... Ninguém parava para vê-los,
nada mudava o mormaço da terça-feira,
Terça-feira de carnaval.
Sons confusos penetravam nos meus ouvidos,
Apenas um porém era distinto...
a picareta
ela feria fortemente
o concreto... ou o asfalto?
nem sei mais...
só sei que os homens trabalhavam...
Vez por outra, uma nuvem
impelida pela natureza,
talvez compadecida
do esforço brutal dos homens,
encobria-os do furor selvagem do sol,
e ... mesmo assim, eles trabalhavam...
O povo parado,
E mulata sozinha,
o suco de laranja podre,
O ruído dos carros...
... E os homens trabalhando!
Seguindo a imbecilidade
da hierarquia humana,
continuavam e continuarão
sempre trabalhando!
... NA TERÇA-FEIRA DE CARNAVAL!
SÉRGIO REINALDO PROTZEK
Paranavaí - Pr
SEM DESTINO
Chovendo fortemente na estrada,
Eu, seguia.
Na minha frente focalizei uma rara paisagem:
Um lenço branco desesperado,
Numa mão se erguia.
Na outra, o peso da sua bagagem.
Rugiam, fortemente, os carros em sua frente,
Motoristas que não lhe viam:
Fingiam.
A acenar, ele continuava desesperadamente.
Lá longe... eu a tudo assistia.
Seguia... lentamente seguia...
Eu, o burro, as rédeas,
A chuva e a carroça.
A estrada, meu destino,
O caminho da roça.
Ele, o lenço, o aceno
Com o peso da bagagem,
No destino da estrada,
Na estrada da coragem.
Meu burro,
Lentamente caminhava.
Sentia em meu ombro o peso do mundo
Fortemente, caia a chuva...
Pesava...
Eu suspirava fortemente:
Suspiro profundo.
De repente,
Vi-me na frente dele,
E ele do meu lado:
- Carona? Ofereci-lhe.
Aceitou calado.
Seguimos viagem,
Lado a lado.
No peito, coragem.
No destino, o tempo.
Nos ombros, as chuvas
E, no rosto, o vento.
Na noite, o nublado
Na tempestade, o raio
Nós dois lado a lado
Dois loucos ou otários.
VALDOMIRO JOSÉ DOS SANTOS
Paranavaí-PR
X
FEMUP - 1975
POESIAS
1
POEMA PARA O MISTÉRIO DO PRIMEIRO
SILÊNCIO
Antônio Pádua B. Carvalho
2
NUVENS
Rosani Maria Nogara
3
ALELUIA
Rosalvo Pereira Leal
4
SUPLICA
Valdomiro José dos Santos
5
REFLEXÕES DE UM MATUTO
Marli Tereza Furtado
6
PRETO VELHO
Jair Rodrigues
7
VIOLÊNCIA DO IMÓVEL
Antônio Pádua B. Carvalho
8
A TRÔCO DE QUE?
Valmor Bremm
9
HOMEM
João da Silva Rêgo
10
PARÁBOLA
Adair José de Aguiar
11
PROCLAMAÇÃO
Paulo-Roberto C. Vaz
12
FIM DE MÊS
Rosani Maria Nogara
13
EVOLUÇÃO
Wilson F. de Lima
14
SALUSTIANO, POR EXEMPLO
Maria Leopoldina Resende
15
TECNOLOGIA
Julieta Maria de Andrade
16
NUNCA COBARDE
Daniel G. de Carvalho
17
CONTO
Paulo-Roberto C. Vaz
18
POEMA SEM NOME
Roberto Calil Nassar
19
LENDA
Niocéli Ferreira
20
NOTURNA
Aristides Rocha
POEMA PARA O MISTÉRIO DO PRIMEIRO SILÊNCIO
Preciso do repasto destas glebas
e lavrar teu corpo inexistente
(entre meus dedos: arados)
na agrária aurora em que me lavo e morro
Preciso do teu porto reconquisto
E gerar teu sumo consumado
(da memória insepulta dos instantes)
na vária idade em que me clamo e verto
Incauto em canto confinar-te em taca
e beber por inútil e vã
(como o álcool da última palavra)
na agrária gleba donde vingo
De enquanto tempo salvar nossos mistérios
para a posteridade dos iguais em que não fomos
De meu pânico ter-te sobre o ventre
como o verdejar do vento entre meus dedos
e o fluir das aves no teu canto
Destas palavras: a palavra subserva
há de aflorar aos poros do silêncio
Em superfície, o mármore do teu pranto
em círculo e ogia
nosso alento e acalento
em descobrir-te circunscrita no meu tempo
Pressentir teu corpo na agonia clara
e do poema arrebatar as vísceras, o sal
ou no labirinto do nada em planura
a flora do sorriso esconder-te
em minha boca, a ânsia da manhã
É preciso um modo e um verso novo
para o final do subssendo em que não somos
É preciso existir-te em sobressalto
e por látegas noites confinar-te o vôo
(na memória ausente dos relógios)
como se você pensasse: os crepúsculos nascem.
Antônio Pádua B. Carvalho
NUVENS
O cachorro voava de cabeça para baixo,
As patinhas apontando para o infinito,
Os olhos procurando Deus;
O rinoceronte bufava
Correndo sobre as plumas azuladas;
A menina boiava no espaço,
Mergulhando, docemente
Na fofura colorida.
Então, alguém soprou sorte
E a voz reboou na imensidão.
O trenzinho branco iniciou a marcha
Com sua carga de fantasias,
A fumaça envolveu-o.
Acelerou.
Tornando-se negro e pesado,
Parou.
E chegou.
Rosani Maria Nogara
ALELUIA
Acorda, meu irmão,
acorda desse sono tranquilo de sonhos de paz e amor
que o amor tomou rumo ignorado
e a paz é passageira.
Desperta, meu irmão,
desperta e saúda esse dia que entra por tua janela
que abençoa o teu leito duro e estreito
que abençoa o teu simples conforto de estar vivo.
Levanta, meu irmão,
levanta e caminha por essa casa de barro grosso.
que de barro grosso é o teu corpo
e a barro grosso tu te tornarás.
Caminha, meu irmão,
e salta esse poço que te barra os passos incertos,
que te atravanca o caminho a seguir,
que desperta a tua louca fúria.
Persegue, meu irmão,
persegue essa liberdade tão almejada,
essa justiça tão longínqua,
essa independência tão sonhada.
Porque sem liberdade não há justiça em independência.
Maneja, meu irmão,
Maneja tuas armas com a imparcialidade do juiz honesto,
com a força do guerreiro leal,
com a solidariedade do irmão de sangue.
Derruba meu irmão,
derruba essas imoralidades tão mesquinhas,
esses poderosos tão desvalidos,
esses arrogantes tão miseráveis.
Porque são eles a causa da tua incessante dor.
Trabalha, meu irmão,
trabalha com fidelidade, sem recusar conselhos
Trabalha pela legalidade sem violência
trabalha pela ordem sem anarquia.
Ergue, meu irmão,
ergue teus braços fortes como o raio e ligeiros como a luz
e serve à justiça sem dependência,
e quebra o poder diante da verdade,
Engrandece, meu irmão,
engrandece tua arte, sem menosprezar a dos outros.
Não sê baixo diante dos grandes,
nem arrogante diante dos miseráveis.
Bate, meu irmão,
bate essa poeira intragável dos dias de modorra,
essa canseira de longa espera,
esse silêncio dos dias de tirania.
Luta, meu irmão,
luta por esse ideal tão distante,
que é mais forte que os raios do sol ,
que a sombra da morte.
Porque sem ele tua vida é um servir sem rumo
e tua morte será um morrer de agonia.
Olha, meu irmão,
olha e protesta essa fome que alimenta teu povo,
essa morte do teu direito de ir e vir,
essa censura que estrangula a tua voz
e faz do teu protesto o teu porvir.
Corre, meu irmão,
corre por esses infinitos campos férteis,
infestados de fome, de sede de sol.
plantados de medo, de dor e de silêncio.
Canta, meu irmão,
canta essa mágoa que te turva os olhos,
que te embarga a voz, que te entorpece a alma,
Grita, meu irmão,
grita essa dor que te corroe as entranhas
que te queima a garganta seca.
que fere tua sede de ser gente também.
Chora, meu irmão,
Chora, como todo homem, esses lágrimas de sangue,
essa esperança perdida,
esse sonho desfeito,
essa morte que te avizinha silenciosa.
E morre, meu irmão,
morre de-vagar, bem lentamente.
Para que não digam que tu morreste,
mas que partiste-leve, diáfano e soberano,
como um rei,
como um profeta,
como um homem,
que tu és.
ALELUIA!
Rosalvo Pereira Leal
SUPLICA
É impossível alcançar o nada.
O que está perto
Quando não se vê,
Ele se distancia
E é intocável.
Mas a existência permanece
Sob este infinito azulado,
A esconder incertezas dos Deuses.
A estrada é esta;
Plena de tropeços
E desencontros de palavras.
As vezes ecoam fortes,
Enquanto eu
No tempo escasso,
Perpaço o aço metálico, no espaço,
Consumo palavras inesgotáveis;
Das flores, dos pássaros,
Faço meu leito no poema
E sonho o amanhã liberto.
Perpaço o aço metálico do espaço,
Insensível brado largo,
Do meu lado imundo,
Fundo precipício do mundo,
Abatido!
Uma espessa imagem,
Que contorce e retorce,
...Dores e agonias.
Mas de altos ares e brado firme,
Ecos humanizados e cruzados
Da escada humilhante;
Constante...
Degrau que sobe, ares, mares...
Salvo pássaro irônico, saio do precipício,
Atravesso calçadas nuas, cruas.
A fugir da vida,
Do nada!
Medo...
é incrível e veloz esta fuga.
Mas, por mais incrível e crível,
Perece o medo,
Diante do mundo esférico.
Mistério...
Todos ouvem ao longe uma canção
E por mais estúpidos que sejam
Percorrem o túnel... noite, mistério.
E no místico ensejo da vida... um nada! um abismo
Que se abre para o mundo.
...Que susto!
Efeito explosivo perdido no meu peito.
Salvo conduto,
No último degrau;
- Luto... Parado... Calado...
Entrego-me ao nada,
Cansado...
Suplico meus vultos
- Almas vívidas,
Que voam constantes
Caminhos aladas.
Parado no tempo
Do meu lado, a vida
No espaço metálico:
- Imploro...
Tento uma volta impassível,
No lento morrer da esperança,
Tenho que ser sempre esse mísero:
Que suplica e oferece.
Parando sempre ao meio
um sorriso nos lábios.
e no arco da corrente esférica,
Desvairando a loucura do medoSinto frio!
Por isto, no findar da escada,
Parado e cansado,
Imploro!
Valdomiro José dos Santos
REFLEXÕES DE UM MATUTO
Vem chegando a tardinha
Triste, triste, como ela só.
Inda bem que eu
Da cidade já estou de volta
É uma viagem bonitinha:
Passa céu, passa telhado,
Passa roça, passa milho,
Passa casal de namorados.
Oh! meu Deus que gostosura!
Prá casa já estou a caminho.
Ah! mas quantos passarinhos!
Coitadinhos...
Voam como uns bobinhos...
Ah! bobinhos,
Bobinhos somos nós,
Os homenzinhos,
Tão pequeninos!
Coitadinhos, coitadinhos!
Um dia vem-nos alegre,
O outro mais tristezinho...
Um traz vida,
Outro traz morte.
Ah! mas quantas voltas!
Da criança sai o adulto,
Pobrezinho!
Mais bobinho que o outro.
Sempre com as mesmas ilusões.
Pior ainda!
Com o complexo de que é superior.
Mas a que?
Aos passarinhos!
Coitadinhos...
Tão pequeninos...
Aos bichinhos?
Coitadinhos...
Tão acomodados no seu mundo!
Sem perturbar ninguém.
E sem nunca mudar sua rotina.
Ah! meu Deus, pobre dos homens!
Que será deles?
Tão pequeninos.
Parecem até formiguinhas
Correm pra lá.
Correm pra cá.
E acabam todos numa coisa só.
A morte...
Ih, ih, ih!
A morte...
Vem de mansinho,
Cata todos, um por um.
De repente, depressinha!
Às vezes, devagarinho.
E leva pro cemitério.
Coitadinhos,
Cemitério!
Ih, ih, ih!
Todos vão para lá quietinhos.
É uma paz, uma quietude.
E o homem,
Coitadinho,
Tem medo de ir lá de noite!
Meu Deus, que coisa!
Mas, falando da minha vida,
Tou chegando a minha casinha,
Tão pequenina!
Tão pobrezinha.
Pois é...
Lá está a Mariazinha!
Preparado o meu jantar,
Jantar...
O meu mata fome, a bem dizer.
Um feijãozinho, um arrozinho e,
Talvez uma abobrinha.
Porque, caprichoso eu sou.
Além da roça, pranto outras coisas
Pro sustento,
sustento, é...
sustento desse meu corpo
tão fraco, tão bruto.
Parece forte.
É, pois só parece.
Não aguenta nenhuma pancada.
Uma só na cabeça é bum!
Prumcaixão lá vou eu.
A Maria chora, o Pedrinho,
O Antônio choram.
Os vizinhos choram - ...
E o Joãozinho?
Esse não, coitadinho!
Já morreu mesmo de sarampo,
Coitadinhos!
É, sarampo.
Doença ruim...
Parece não ser nada, mas
Vai levando,
Levando...
Leva o meu,
Leva o do vizinho.
Vai levando os coitadinhos,
Só porque são pobrezinhos.
Isso é, são pobrezinhos.
Mas, que diacho?
Eles têm um pai!
Pai, mãe, irmão.
Mais que tudo, a inocência.
Inocência mesmo
No puro sentido.
E ilusão?
Tem eles?
Coitadinhos...
Tão quietinhos
O meu caçulinha!
Pois é, morreu.
Sarampo.
Doença ruim...
Não há de ser nada!
Pois é,
Matou.
Matou...
Morreu...
Acabou...
E depois, tem outra vida?
Deve ter
Mais triste ainda!
pros homens ver os seus erros.
Ver os erros e se arrependerem.
Arrependerem?!
Arrependerem de tanta coisa.
Coisa grande, coisa pequena,
de tudo um pouco.
Cada uma!
É,
mas os homens,
coitadinhos,
São tão pequenininhos.
São pior que os passarinhos.
Nossa?!
Pior que eles?
É, pois é.
Pior que eles,
Por que?
Por que, ora, porque .
Porque os passarinhos
São sozinhos
Algum mal fazem a alguém?
E os homens
Coitadinhos,
Fazem de tudo:
Constroem, constroem, constroem.
O que no fundo quer dizer.
Destroem, destroem, destroem.
Matam-se,
sobem,
corrompem,
Lutam depois para voltar ao normal,
Sofrem,
Choram,
Se confraternizam,
Depois esquecem,
Que são amigos,
Ficam inimigos outra vez.
Tudo porque pensam
Que são independentes.
Independentes de Deus.
Deus!
Mas, quem é Deus?
É o ser que faz com que os homens
Não façam mais desgraças ainda.
Porque?
Porque... imaginem só:
Nesse mundo tão pequeno,
Tão cheio de gente,
Acontece tantas desgraças.
O que não aconteceria
Se pelo menos a metade desta gente, não acreditasse Nele?
Todos morreriam.
É, todos.
Mas, talvez isso ainda, aconteça.
nem todos,
Coitadinhos.
Coitadinhos dos que sobraram.
Se sobrarem...
Ah!
Acho que é bom!
Inda bem que existe a noite,
O sono vem e eu esqueço tudo isso,
Que bom!
Ah’. coitadinho dos homens.
Tão pequenininhos.
Marli Tereza Furtado
PRETO VELHO
I
Preto velho
O Cigarro de palha
N’uma das mãos...
Apagado.
Na cabeça um sonho...
Frustrado
No futuro uma esperança...
Perdida,
No canto do chão o tamborim
Furado
Noutro canto, palitos
Queimados.
Preto Velho
Amigo de infância
Pai na adolescência.
Preto Velho
Sorriso maroto
Tristeza escondida
Preto Velho
Da América do Sal
Da América do Sol
Da América do Sul
Das perfídias aniz
Do verde dos campos
Preto Velho
Do ocre da terra
Da paz almejada
Do choro... sorrindo
Preto Velho
Mudo no vento
Mudo na canção
Mudo no tempo
Feliz em prantos
Preto velho
No carmim da hora
S’imbora chora
No que não pode dizer
Do choro da rua
Preto velho
Sua canção, já não canta
Sua voz já é muda
Mas o tempo o escuta
Preto Velho
Repousa n’um chão frio
Sem tempo, contratempo
Preto Velho
Da terra tu vieste
Pra terra tu voltaste
Preto Velho
Tu ficaste tão só
Mas, por que não me avisaste?
Que um dia ia partir
Preto Velho
Meu pai
Meu irmão
Meu amigo
Preto Velho
Velho Preto
Jair Rodrigues
VIOLÊNCIA DO IMÓVEL
Esta mão
Segurando a faca
e retendo o golpe
na manhã clara
Esta mão
assinando atas:
Tratados de homens
sem memória e gume
Penso/CORTAR O PÃO
(corpo e alma)
mas posso contudo,
abraçara lâmina
e esconder-me por ela
imóvel, imóvel.
Armo!
no quarto o cão
do fuzil:
cano e boca
à procura da caça
que sou eu.
Não só conheço
o timbre do disparo
como percorre e meço
a distância do alvo
No quarto
o espelho: HOLOFOTE
gela-me o corpo
em holocausto
II
A faca continua
imersa
na carne
imóvel
da mesa.
a carne continua
firme
nos ossos
flácidos
do pão.
(nos ossos
Nossos
de cada dia
lanças e dardos
se enc(l)avam
fundos)
(“em claves de sol
as andorinhas “
mortas
estouram na panela
do fogão)
Como pipocas em bombardeio aéreo...
Mas penso/LER OS JORNAIS!
- Se alguém sair sorrindo...
III
Esta mão
datilógrafa
e destino:
Fino papel
a punho alado
pelos dedos
da poesia.
Esta mão
grampeia
a carne, o sangue,
o suor e o sangue
abraçados no branco.
penso/ENGATILHAR O REVÓLVER
e atirar no perfil
da sombra
Penso/ENGATILHAR O PASSADO
e atirar na memória
do futuro
Mas o estampido
vai ser ouvido
na rua
dos meus tímpanos
e a casa
imóvel.
imóvel,
esconderá a violência
do meu segredo
nos jornais.
IV
O Poeta não só conhece
o alcance da faca
como arma
e calcula
a fundura do golpe...
Mas como posso
germinar a poesia
se esta mão
que golpeia máquinas
que assina atas
e assassinam os mortos
rompeu há milênios
meus cordões umbilicais?
Antônio de Pádua B. Carvalho
A TRÔCO DE QUE?
Chica.
Sentada na porta
berra.
A criança cai
Chica xinga,
o velho passa
Chica mexe,
o moço traz cachaça
Chica bebe, e espera...
mas êle vai embora
Chica não reclama.
Passa o Prefeito
Chica o chama,
ganha cem contos
Chica sorri.
E lá na venda
Chica faz compras,
o dono não cobra!
Chica já sabe.
À noitinha batem à porta
Chica atende.
Lá estão: - Prefeito, o moço, o caixeiro
Chica já sabe.
Vieram cobrar
Chica paga?!!
Valmor Bremm
HOMEM
Colhe-se conhecimentos... sabedoria nunca!
Pode-se encontrar... viver norteado,
Ela gera milagres mas não se deixa doutrinar!
“O Oposto de cada verdade é igualmente verdade”
A verdade é uma, a sabedoria também, o resto...
...O resto é múltiplo!
O Homem é múltiplo: ensina a se deixar ensinar!
A sabedoria é uma entre o Sansara e o Nirvana...
...entre a ilusão e a verdade... não ambos!
É sofrimento e redenção!
O Homem não é unilátero!
Não é só sansara nem nirvana...
Não é só demônio, nem pecador,
O tempo não é real;
Apenas a ilusão do papso que se estende
Entre a vida e a morte,
Entre o trépido e a cobrade
Entre o bem e o mal...
O pecador que eu sou... que nós somos,
O Herói que só é eu ou covarde que se vai ser
Voltará na paz de Brama.
Homem é discípulo capaz de ser augusto
Na ilusão do tempo.
O pecador não procura o caminho do Olimpo
Está contido no seu ego o próprio Zeus.
O homem não é imperfeito
Nem caminha para a perfeição... Não!
É perfeito em tudo que é
No seu verdadeiro estado de ser.
Para o homem que é íntegro
A morte é igual a vida...
O pecado como a santidade...
A inteligência qual a tolice...
Tudo é como é...
Na carência da Volúpia, do pecado,
Do mal, para saber que há sempre
Do outro lado da presença
O Homem que é
Sem coragem de querer ser!
João da Silva Rêgo
PARÁBOLA
(O filho pródigo: Luc. 15. 11-32)
I – Prelúdio
Tarde outonal – o solo atapetado
de folhas d’ouro, mortas, a fulgir...
Fuga de nuvens pelo céu – sentado,
o filho ingrato pôs-se a refletir!
Vem do bolso balseado, espesso e confundido,
O perfume silvestre sem frescor.
Tudo, ao redor, silencio comovido,
é tudo contrição, é tudo dor.
Na ramagem, que o vento desnudara,
um pássaro sequer geme ou bendiz.
Casa paterna, ó casa antiga e cara,
da mininice curta, mas feliz!
Há, na existência, o nada de um momento,
em que se sonha, à crise da ilusão;
em que, sem luz, inquieto e turbulente,
suspira e viaja o doido coração.
Enjoa-se o solar, falece o encanto
daquele ninho que nos viu sorrir.
E a nossa mãe que nos amava tanto...
Ó sacrilégio, temos de partir!
Em cada curva da jornada estranha,
uma queimura, em flor, nos faz cantar.
felicidade, que ilusão tamanha,
quem, nesta terra, pode te encontrar?...
II – A Partida
Partiu o filho Pródigo, sozinho,
levando n’alma ardentes arrebóis.
Pranteia o rocio à beira do caminho,
a refletir, ao sol, milhões de sóis.
E ele vai sorrindo, satisfeito,
mais leve e só – mais homem, por que não?
A brisa enfuna-lhe o pujante peito
e dentro dele, salta o coração.
Adeus, cuidados, lutas, desventuras,
crises, trabalhos, – tudo, enfim, adeus...
Ele é feliz, revoa nas alturas,
Vai vencer a terra e conquistar os céus!
E isso é apenas o começo:
Virão, depois, o sonho, o ouro – um grande amor
Um doce amor eterno e sem tropeço,
feito de sol, de ninhos, de luar, de flor.
Há, na existência, o nada de um momento,
em que se sonha às crise da ilusão,
em que, sem luz, inquieto e turbulento,
suspira e viaja o doido coração.
Quando ele for rico, rico de ternuras,
de adorações, de amores – rico, ó sim, feliz...
e nem se lembrar de velhas amarguras,
e ver já realizado tudo o que ele quis;
Então dirá, sorrindo e festejado:
Felicidade, por fim, eu te encontrei...
Como és linda, ó noite, – ó dia, como és doirado
Graças a Deus, meu lar, que eu te deixei!
Partiu o filho Pródigo, sozinho,
levando n’alma ardentes arrebóis.
Plantei o rocio, à beira do caminho.
a refletir, ao sol, milhões de sóis.
Em cada curva de jornada estranha,
Um quimera, em flor, nos faz cantar.
Felicidade, que ilusão tamanha,
quem, nesta terra, pode te encontrar?
III – O Ouropel
E engolfou-se em fugitivas glórias,
sorvendo a enorme taça do prazer.
Amou e foi amado – mil estórias
Lindas estórias teve de escrever.
E amou a vida – ao vento que galopa,
colheu aplausos, ovações ruidosas,
bebeu os vinhos da mais fina copa,
entre jardins de luxuriantes rosas,
Tudo matou – sacrificou a alma,
o próprio coração sacrificou.
E, da virtude, a linda, a verde palma,
sem remorso, assim, zás, aparou.
Deus, meus pais, ó céu – ó velharias,
bonitas lendas para adormecer.
vamos viver, aproveitar os dias,
pois tudo finda quando eu morrer.
Em cada curva da jornada estranha,
uma quimera, em flor, nos faz cantar.
Felicidade, que ilusão tamanha,
quem, nesta terra, pode te encontrar?
IV – O Retorno
Mas, um dia, tonto, fatigado,
sem afeições, farrapos a arrastar,
Fuga de nuvens pelo céu – sentado,
O Pródigo infeliz se pôs a chorar.
Caiu em si, sentiu ternura e anseios
de retornar depressa ao velho lar.
– Ai, como foram maus os seus passeios
e, agora, como é bom fugir, voltar...
Enganou-se, iludiram-no seus sonhos,
e ele, que da glória, conquistara a flor,
estremeceu aos turbilhões medonhos
da maior cruz que é a ilusão do amor!
Ah! como é ingrato o mundo e mentiroso
que assim depressa nos olvida o nome.
Hoje, nos louva aos gritos, venturoso,
e nos deixa, amanhã, morrer de fome!
Voltarei a meu pai, arrependido,
e lhe direi, chegando: pai, perdão.
Peguei – dá-me um cantinho no teu lar querido
para eu depor meu pobre coração.
Ergueu, na alma, lúrida tapera,
castelos de esperança e perdão.
E desnudava-se estrelada esfera,
num raio de luar, prateando o chão.
Voltou na mesma estrada que ele, outrora,
passou correndo atrás do vão prazer,
Não trazia bordão – surgia a aurora,
aos ecos festivais do alvorecer.
Mas vinha rico, vendo, na verdura,
nas pérolas de orvalho, o próprio sol.
O sol, essa visão que ri, fulgura,
deitando fogo às sedas do aranhol.
E ele vai sorrindo, contrafeito,
Mais livre e só – mais homem, por que não?
A brisa alenta-lhe o minguado peito
e, dentro dele, sofre um coração.
V – A Chegada
Que alegria eu senti, terna mãezinha,
quando, a soluçar, tímido, cheguei
e, na parede, sobre a escrivaninha,
o teu lindo retrato inda encontrei.
Que dita, minha mãe, entre os teus braços.
Juntinho de ti, a respirar...
Não olhes mais os meus maldosos passos,
mas só o meu amor que quer te amar.
Hoje, meu pai, eu venho comovido
Beijar-te as mãos calosas, paternais.
Cingir a fronte, humilde e agradecido,
a quem, o filho já esperou demais.
Vem, meu filho, – a mesma voz que tinhas...
Ah! como sempre eu me lembrei de ti!
Dez longos anos eu sonhei que vinhas...
Senhor, muito obrigado, ei-lo aqui:
Haja festa em minha casa, – este filho,
este filho, por quem tanto chorei,
trouxe à minha vida, um novo brilho,
estava perdido e eu o reencontrei.
VI – O Epílogo
Tu, religião Divina, misteriosa,
tu és a luz que doira e que me aquece.
Meu único refúgio, minha rosa,
Braços de mãe-carinho, me adormece.
Venho cansado, em lágrimas desfeito
meus olhos não tem cor, nem luz, nem brilho.
Dá-me um dulçor de paz sobre o teu peito.
Divina Religião, eu sou teu filho.
Só trouxe para dar-te as agonias,
Os desvarios da mente alucinada.
Quero um ninho de amor – as brumas freias
Ai, fizeram-me a vida enregelada.
Trago o suspiro – os ramos da saudade,
os cravos hibernais dos dissabores.
Acolhe-me, querida soledade,
afoga a minha dor nas tuas dores.
Religião, minha alma andou sequiesa,
suspirando por que amor lhe desse.
Nas noites de luar, sonhava airosa,
nas noites de luar, hoje, parece.
Ninguém lhe ouviu a nenia suspirosa
que andava pelo espaço, num clamor.
Pobre avezinha, quis beijar a rosa,
feriu-lhe a ponta aguda atrás da flor.
Ó Religião Divina, Ó Redentora,
Ó Luz que doira – Ó Eterno brilho,
Conforto derradeiro de quem chora,
VOLTEI,
Divina Religião, eu sou teu filho.
Adair José de Aguiar
PROCLAMAÇÃO
Instauro meu canto
No gume da esperança
e desço a avenida da vida,
que foi minha, que foi tua,
mostrando as chagas
do rosto.
Despido de piedade,
visto o ódio
nesta batalha.
Luto solene
com o mal que me agride.
Arrebato a injustiça
E ergo meu peito,
proclamo a verdade.
Não choro, nem rio.
Com o coração
planto o semem
de minhas mortes,
que hão de florescer
e derribar a injustiça
que ora me afronta
Flu-tu-o
no profundo mar
de ondas sanguíneas,
que revalam sem rumo,
sofismando bondade,
tapando a fome,
a VERDADE!
Exalto e luto,
enquanto os homens “encaramujam”.
No intransponível,
visto minha mortalha
e arquivo a ética.
Vou sem cartão-de-visita
enfrentar de braço livre,
punho cerrado,
a tribuna da FOME!
da GUERRA!
e da FARSA!
Instauro meu canto
no gume da esperança
e desço a avenida da vida,
que foi minha, que foi tua,
mostrando as chagas
do rosto.
Paulo-Roberto C. Vaz
FIM DE MÊS
Manhã de sol, manhã de primavera
da fábrica, avisto o letreiro
chegou o dia que tanto se espera
fim de mês, dinheiro.
Sorriso feliz e bem humorado
No beijo de despedida da Rozinha
– Volto tarde, carregando,
Trago pro jantar uma galinha.
No caminho vou pensando,
Ainda lembro seu pedido.
– Fico o dia inteiro te esperando
Não se esqueça de me trazer um vestido.
Não esqueço nada, faço planos
Calculo tudo pelo mês passado
Arroz, feijão, linha e pano
Quase não chega o ordenado.
Luz, água, telefone,
O Colégio do Manuel,
Mais ainda o que se come,
sem contar o aluguel.
Faço o cálculos exatinhos,
Desta vez não fico duro,
Foi generoso seu Juquinha,
Me deu aumento, tou seguro.
No corre-corre do mercado
Minhas coisas vou juntando,
Chego ao caixa afogueado,
– Quanto é? – vou perguntando.
Saí sem fôlego, apressado
Pedir desculpas para Rozinha,
E um adiantamento ao seu Juquinha
Para pagar o super-mercado.
Rosani Maria Nogara
EVOLUÇÃO
É preciso pensar
no dia que passa
na mistura de raça.
Eu penso em mim;
O que sou, o que vou...
Por que sou assim?
Conorete,
Sou preto,
Objeto,
Inseto.
Crescí,
Evolui,
Sou gente!
Humano,
Desumano,
Sou quente!
Humano,
Desumano,
Sou gente!
Pensante!
Errante.
Ah... eu já estou exausto...
E grito bem alto.
O mundo está surdo
E ignora tudo?
A mulher mata o feto,
A criança sem teto,
Pombas a cair,
Gente que não tem para onde fugir,
Crianças que morrem de fome
A fomes que temos a engolir
Sangue que corre.
Hei, irmão!
Já fez sua oração?
Cantou uma canção?
E o Cristo ouviu?
Mas estou na terra
E quero fazer guerra,
Sinto sede de matar;
Quem são minhas vítimas?
Oh... não!
Meu pai!... Meu irmão!
Fui mal de sorte,
Que importa a morte?
O poder está na mão do forte!
É preciso fazer guerra?
É preciso matar?
É preciso morrer?
Quando toda humanidade
Estiver morta
Terminará minha
Revolta!
Wilson F. de Lima
SALUSTIANO, POR EXEMPLO
Vejam o Salustiano,
pedreiro de profissão
e pai de família nas horas vagas.
Todo dia, às sete da manhã,
– menos aos domingos e feriados –
Salustiano chega no trabalho
Levando com ele:
uma hérnia,
um processo de desnutrição em franco desenvolvimento
a boca de raros dentes
e a necessidade de ganhar os cobres
para o sustento seu
e dos seus.
Sempre que possível,
faz hora extra
e ganha mais uns trocados
para as talagadas de cachaça,
as partidas de bocha
nas tardes de sábado
e para os palpites
no cartão da loteria.
Entre um palpite e outro
continua no batente,
misturando o cimento,
subindo e descendo nos elevadores,
assentando os tijolos,
moldando concreto,
infenso à cal, virando pó.
Maria Leopoldina Resende
TECNOLOGIA
– O mundo atual
O som atual,
A atualidade
A era tecnológica,
A era de espanto,
A era de pranto...
O homem pensativo
O homem sarnento
O homem; não homem...
Sonhando tecnologicamente.
Criou sons
Criou bombas
Cavou terra,
E tirou o céu de dentro de si.
Cadê o homem, meu Deus?
Tirou do pó
E, virou espanto
Cadê o canto,
O sussurro feliz da voz amiga?...
Por que tanta fadiga
Por que tanta grandeza
Cadê a nobreza
Dos corações amigos?
Cadê a união de seus irmãos?
Cadê a luz, buscada, tentada...
E nunca ganhada?
Cadê o sino ardente do coração,
Que ama, que sente
Que virá a crença
Que virá a benção
E virá o homem.
Mas a era é da tecnologia
A expansão é de cada minuto
O homem se sente um bruto,
Girando como céu na terra.
E não mais homem
E só mais técnico
E só máquina
E não mais sente
E só mais cria
E nada sente.
O homem disfarçado em técnico.
A era da tecnologia
E dos minutos contados.
Multidões de técnicos se reúnem
Com o pensamento tecnológico.
E não mais a massa humana,
Só atual, mal, artificial...
Julieta Maria de Andrade
NUNCA COBARDE
Deixe-me sozinho...
No meu vácuo
No meu mundo.
quero sentir o sabor,
da glória.
depois da vitória.
Deixa-me!!!
Ah! se eu pudesse
adentrar às minhas carnes.
às minhas vísceras,
ao meu cérebro,
dominar meu dedo,
esganar meus órgãos defeituosos
e expulsar os corpos estranhos.
Quero fazer-me germe,
atacar as multidões.
Ser vírus de peste qualquer.
Sorrir das vossas desgraças,
da minha.
Deixa-me! quero ser eu
“EU, no sexo,
que esgana
“Eu, na graça,
na desgraça,
Serei “EU” na raça,
Deixa-me.
Aqui quero montar
meu coliseu,
minha arena.
Aqui quero viver,
Crescer,
morrer,
ser, sei lá o que.
fizeram andaime,
montaram asas,
prá que! para que!!
quero voar sem asas
subir sem andaime,
quero sonhar sem sono,
quero ser concreto.
Quero matar,
esta sede QUE me devora,
deixa-me atmosfera,
Agora,
nesta hora.
em que meu tórax estoura,
em que língua,
tropica boca a fora
Eu... eu sem nora,
eu rico sem risco.
“Eu”! eu serei na força,
Na força dos meus músculos,
músculos hirtos.
No eco dos meus gritos,
na desgraça dos meus ritos.
destronarei os reis,
subirei até à coroa,
bradarei minhas leis,
Sem amor,
Serei
“EU”, soberbo
“EU” soberano
babo,
largas taças,
de ódio,
de farsa.
No meio deste novo,
no meio desta massa,
que caca
que amassa,
a todos... a si
população de traça.
Elos que quebram,
fortes se enfraquecem.
E no gluc da minh’alma
“sou livre”
deixaram-me afinal,
finalmente,
desamparado...
só...
sob o sol,
suor,
sal...
a pele racha,
o sangue corre,
escorre
no linho morre.
O sol me torra
do mundo a sova.
Em mim plantaram,
Talvez em você tenham plantadas
plantado o amor.
Protesto com os músculos,
não esmoreço.
sou livre...
Senti a volúpia
do prazer,
de quando queria ser.
“Eu” sei lá o que.
Nem sei,
Mas sou o que sou,
Sou o que fui,
Maldita a língua que diz.
Nesta penumbra aprendi,
Mas não me convenci...
A união me formou...
o amor me criou...
E como sou assim?
Egocêntrico egoísta deformado.
solitário ambicioso,
mas sem nada.
não amei
não ajudei,
não vivi,
neste lúgubre preâmbulo de vida,
Sou “eu”,
o resto é mentira,
dizem: integrar,
para não entregar.
Largue o sapo em areia quente,
ele corre...
Eu... no meu “eu”, não,
Cão de ante-mão,
sou eu...
Nunca um cobarde,
nunca pusilânime;...
Não reforma o mundo,
Imundo...
de todo imundo.
Então morro,
Párias...
Morro!!!
Daniel G. de Carvalho
CONTO
Era uma vez,
há muito tempo;
a fumaça operária do fogão
de Maria-doceira, que era mãe da gente,
trabalhava com as nuvens,
inventando fantasias de sonho,
E o campo era livre.
Livre ao gado manso
que pastava pensando bobagens.
Enquanto a gente florescia
banzando simplório
entre vagas artimanhas
do tempo casmurro.
Um dia,
Veio o trem-de-ferro apitando;
---biuiiiuiii – biuiiiuiii...
Assustando tudo que é vivente.
E levou meu pai,
Os bois e o sonho.
Agora só resta uma fumacinha,
fumacinha sem ofício, mas azul
como o céu daquele tempo.
Era uma vez,
há muito tempo...
Paulo-Roberto C. Vaz
POEMA SEM NOME
Uma nova indústria nasceu!
E dela fez-se edifícios
Cresceu a torre de Babel
E as glorias a revezar!
Uma nova indústria nasceu!
E toda profissão se enobreceu,
E o bicho excelso a sorrir!
Como o mundo a se abrir!
Uma nova industria nasceu!
E com ela veio o opróbrio,
A manchar com o sangue vil!
A glória da estandardização!
Uma nova industria nasceu!
Era medonha e altiva,
Na figura descrida e algoz!
Da estátua branqueada de luz!
Uma nova indústria nasceu!
descerrada pelas pontas dos espinhos,
Pairava pelo ar uma fibra!
Rasgada nas mortalhas sangrentas!
Uma nova indústria nasceu!
E dela fez-se um martírio,
O leão gritava em roucas vozes!
Para reprimir o sentimento fundo!
Uma nova industria nasceu!
um brinde à hora do clarão,
um brinde ao confuso murmúrio!
um brinde, outro à podridão!
Foi nesse dia!
Que os cálices vermelhos encheram as mesas
Que o sono profundo não mais voltou
O homem morto estirado ao longe
Foi esquecido sobre o lençol a gelar-se!
O perfume espalhava-se pelo chão,
cobrindo o tapete de esperanças vivas!
Foi nesse dia!
Soavam vozes! os cantos se desatavam,
em longos murmúrios! passos lentos!
– Soando nos telhados – a figura
Coberta do frio – mãos unidas!
Deixou alongar-se a embriaguez da orgia!
No alaúde – perfume do último brinde!
---Foi nesse dia!
Que o povo jazia entre expressões horror
Das faces cheias — queimadoras lágrimas!
E a mente ardida nunca pôde,
Ao mundo revelar tanto segredo!
Um fuzil dentre seus sonhos se desenhava
Do seu vivo ideal – tanta perdição!
Foi nesse dia’.
Que todos marchavam incontinente!
Ao bruxulear da tarde – secos lábios!
Ardiam e ferviam – sorrir forçado!
Quiça charco apodrecido – na terra!
Vitorioso nasceu sardanapalo – então o nojo!
Na mente a dúvida – astro perdulário!
Foi nesse dia!
que nas suntuosas mansões
Embuçadas em mantos de pérolas,
No veludo negro da sala de visitas!
Descorra-se a mais pura e linda rosa,
Correm-lhe pelas pétalas enegrecidas!
O sangue derradeiro de um povo esquecido’
Fortes, robustos, contentes, risonhos!
Era o doce no amargo sentido,
Era uma prole que se agitava
Das garras de uma águia silenciosa!
Razão! simples fato de uma memória
Que se perderá no universo infinito
Pois nunca se conheceu a razão
E dela nada se saberá entre as estrelas!
Quase totalmente apagado o sonho.
Da raça de olhos abertos e deslumbrados!
Prostrou-se por terra a prece da inquietação
Prostrou-se deixando no ar – ardor de sangue quente!
A bandeira apagada do sabor do vento,
Vacilavam em seus passos de covardes!
Mas venceram terras e espaços incertos,
Correu na veia delirante a dor do cortejo
Sobre a branca e virgem onda do mar,
Lá se ía, cheiro de rosas no ar do sono,
É a prece ouviu-se a distância!
marcando o compasso de medo e arrepio
Guiados por tropas de mil bandeiras
desceram montanhas e planícies,
perenemente atridos pela voz do silêncio
Filho do fogo – ardor de uma agonia!
Entre as arestas da lei triangular,
possuídos da mais remota harmonia;
se viram entre árvores – razão da vida!
Por anos romperam ínvias florestas
Chegaram por fim no alto monte
O que para eles era uma miramar!
Prostrados no alto monte rezavam;
Para a terra que adoravam,
E a prece Jesus Ouviu,
Porque na seguinte madrugada
Um sino convocava a multidão.
Já na paz reinante dos mancebos,
Homens de todas as fadigas!
Homens de todos os passados!
Ouviu-se risos de puras esperanças
E a bandeira solene foi erguida
Do alto monte para o céu que surgia;
Sobre a terra imensa do futuro
Onde outrora talvez ali reinasse
Uma indústria em decadência!
Enfim! finalmente!
Afeto! abrigo! uma oração!
Nos rostos magoados e doloridos
No corpo exausto e doentio
Tudo! tudo esquecido!
Passado --- surdo silêncio!
Chegaram, e juntos prosseguem;
Agora comem da mesma comida
Contemplando as portas abertas,
Esperando que a luz de um novo dia;
Os guie na manhã de sol ardente!
àqueles homens que cruzam o olhar no horizonte,
Sempre com os pés voltados ao caminho.
Homens de todas as jornadas!
De longas e árduas e longas jornadas!!!
Roberto Calil Nassar
LENDA
... Era passado,... era ontem inda...
bem manhãzinha, na porta da cozinha...
entre os ruídos das asas das galinhas
a fumacinha saindo pela chaminé,
... e o cheirinho gostoso de café
por entre as rosas maciças e orvalhadas
postas no verde fofo da graminha,
e o rio correndo calmo e limpo,
embaixo das limeiras, à sombra das campinas.
... Era passado, era ontem inda...
... E a gente era feliz nessa vidinha...
entre cantigas de galos e galinhas.
entre natais de presépios e de amor.
depois veio o progresso...
engolindo nos seus dragões de cimento e aço armado
... a grama fofa
... as roseiras,
... as campinhas...
... E tudo, tudo se virou passado.
Não mais as chaminés de fumacinha,
Não mais o cheiro de café de manhãzinha,
Não mais o rio, nem o galo e a galinha...
Niocéli Ferreira
NOTURNA
Uma rua comprida, deserta... molhada!
Cachorro uivando baixinho, na calçada...
Um carro parado... vazio.
Um homem, que passa apressado... com frio!
barulho de água, caindo no bueiro!
Gotas, pingando nas poças, que brilham
e rebrilham, a luz das lâmpadas!...
um bar, ainda aberto e muitos
outros já fechados... Apagados!
Um guarda fardado, quieto, parado
sob a marquise!
revólver e cassetete; á vista!
Um tiro’... dois outros tiros!...
Um grito, aflito, ao longe...
Um apito estridente, nervoso, apressado!
Outros apitos, que respondem!
Telefones, tilintam:...
Gipe, que surge, presto, ligeiro,
cortinas descidas...
Ambulância, que vai e
que vem, a polícia!
No bar, um que chega e vai dizendo!
Marido bateu na mulher!...
Ela deu-lhe um tiro...
Ela deu-lhe dois...
- Marido e revólver para a delegacia!
Mulher, para o necrotério!
Mais uma rodada de bebidas, que corre
No bar, que vai se fechando, as duas
e meia, da madrugada!
A chuva, continua caindo na cidade vazia
Uma gata, perseguida... vadia!...
Salta o muro, miando!
Cachorro, ainda uivando...
Um galo triste, ao longe... cantando.
- são três, são quatro... são cinco horas!
Um caminhão, carregado, ronca, saindo!
Carrinho de padeiro, bate o tampão!
Padeiro sonolento, entrega o pão
A chuva parou!... A manhã é linda!
É mais uma NOTURNA... que se finda!
Aristides Rocha
XI
FEMUP - 1976
POESIAS
1
O VIADUTO
Antônio Augusto Lages
Belo Horizonte - MG
2
CENA DE OUTONO,
ÁRVORES
Roberto Obszewski
Porto Alegre - RS
8
AMÉRICA
Valmir Graciano
Paranavaí
NO
3
ASAS
Reinério Luiz Moreira Simões
Rio de Janeiro
4
MINEIRIDADE Nº 15
Maria Aparecida Negrinho
Guaxupé - MG
5
NA ASA DA VIDA
Valdir Zamproni
Alto Paraná - PR
6
SONHOS ALADOS
Paulo Campos
Paranavaí
7
POSIÇÃO DE AGONIA
Luiz José de Souza
Marília - SP
CAMPO,
SOB
9
POLUICIDADE
José Lino Fruet
Pinheiros - SP
10
MÃO - MENINA
Dalila Bittencourt
União da Vitória - PR
11
RUA NEGRA, RUA TRISTE
Antonio Augusto Lages
Belo Horizonte - MG
12
AMOR DORMINHOCO
Antônio Roberto de Medeiros
Guaranésia - MG
13
AMARELA - ROSA - DE - CIMA
Luiz Édson Fachin
Curitiba - PR
14
NUNCA HAVERÁ UMA PORTA
José Lino Fruet
Pinheiros - SP
15
PROCISSÃO
Virgílio Moretzsohn Moreira
Ipanema - RJ
O VIADUTO
O viaduto.
O bloco bruto de braços cruzados. A crueza em
cruzes de concreto. Ambiciosas colunas
codificadas.
Viarupta.
A abrupta erupção
oculta o suor pesado/metrificado. A expressiva
engenharia ffrria.
Viaduto.
A angústia viável do trevo.
O oposto sobreposto irreverente às direções
indivisíveis.
Antônio Augusto Lages
CENA DE OUTONO, NO CAMPO, SOB ÁRVORES
quisera a calma
das tardes macias, vazias
de outono.
deitaríamos solenes
sob lençóis frios,
vazios
de nós mesmos.
falaríamos macio.
Só diríamos coisas
macias
e vazias
como nós mesmos.
ROBERTO OBSZEWSKI
A
S
A
S
(Est-ce que les oiseuax se cachent pour mourir? - François Coppée)
Anticrepúsculo das auras horas
e pálidas auroras
nos ares ciprestes.
pássaro, pássaro selvagem
quando fizeste
tua primeira viagem?
Anoitece
a noite tece
sua teia de segredos
seu pé-de-meia e enredos
nos ais agrestes.
pássaro, pássaro selvagem
por que fizestes
tua primeira viagem?
Meu punho
cumpre o testemunho: escravo do que escrevo
palavras graves reiventando a vida
nos lestoestes.
pássaro, pássaro selvagem
quando fizestes a derradeira viagem?
As coisas passam
e eu fico
pensando nelas
perseguindo a paisagem
em trancafiadas janelas
trancos afiados
em meus introversos conclaves.
Onde se esconderão, para morrer,
as aves?
REINÉRIO LUIZ MOREIRA SIMÕES
MINEIRIDADE Nº15
Minas
Meio de noite
Fundo de mundo
E a sol ido dos homens
Desa(ni)mados
MARIA APARECIDA NEGRINHO
NA ASA DA VIDA
Venho de longe; com vontade.
De longe,
Nas asas do vento em busca:
da vida;
do amor;
da Rosa.
De longe,
Nas asas do vento cheguei
Da vontade, com-vontade semeei:
Vida, da vida;
Amor, do Ser;
rosas, do meu amor-Rosa.
De longe,
Nas asas do vento fiquei
E da vontade, sem-vontade colhi:
da vida, vida sem-vida;
amor, do Ser-Horror;
rosas, para Rosa-do-meu amor, morta.
Para longe,
Nas asas do vento,
Vou!
ou...
Com minhas mãos calejadas de Homem
Cavo minha sepultura.
VALDIR ZAMPRONI
SONHOS ALADOS
No lençol verdejante do pasto,
mugia suas lamúrias o gado.
E nós, os meninos
nus de roupas e pensamentos,
chupávamos laranja
e brincávamos de manja.
A manhã, daquele tempo,
não tinha cor definida,
ria sempre comprida
em nossos pés sem divisas.
Entre bois, cavalos e aves,
brotávamos utópicas imagens.
No mundo havia um sabor
sonoro-embalsamante
de ledos corações pulsantes.
E o prado destramelado e livre.
Motivo hoje de nossos repastos,
repastos de sonhos alados.
PAULO CAMPOS
P O S I Ç Ã O
D E
A G O N I A
Dantes havia boi em campo,
água boiando em água,
sol dançando em sombras,
noites em luar:
passear amando à beira do abismo.
Havia dantes pássaros em galhos amarelos.
Em outro lado do rio
viam gente dançando em margem,
corriam ainda nela bichos de nossa infância,
fantasmas sem reversão, almejados.
Borboletas naqueles pinos
copulavam e voavam em pares,
ver vento dançando nelas, levando escamas;
chuvas caíam e molhavam nosso espaço em todo,
extraindo da terra seu aroma natural,
a gente ficava como bêbados,
simulando a vida, espraiando, de lado
Não era preciso criar encerados
de endurecer e de cobertura,
chuvas vêm,
varam lonas
e aparecem em pingos em baços olhos.
PRECISO DE VAZIOS,
DE ESPAÇOS VÁCUOS: POMBA VOANDO NA CHUVA,
DE NULOS OBLÍQUOS: ONDE HÁ LENADE?
MEUS CORPOS, MY BODIES,
E M FL UT UA R P A RA O A R;
OSCILAÇÕES COM PONTEIROS
LUIZ JOSÉ DE SOUZA
AMÉRICA
América!
Rosa-solidão.
Menina violentada!
Onde estão seus semeadores? América!
Ventre de poetas, porto de amores, que fizeram de ti?
América!
Berço de Neruda,
criança adormecida
onde está a tua vida, América?
América!
“Há um tempo de plantar
com as mãos e há um tempo
de plantar as própriasmãos”.
Chegou o tempo
de plantar o corpo inteiro, América!
Chegou o tempo de cantar ao
seu ouvido
a mágica música da esperança
orquestrada pela independência
em cada nota!
Chegou o tempo
de deitar contigo
e de varar teu íntimo
com a liberdade;
e de fazer gerar filhos verdadeiros,
América, minha menina.
minha cova; minha mãe!
EM MAGNÉSIO ANDANTES, BOCEJANTES.
HAVERÁ LUGAR PARA O BOI EM ESPETÁCULO EM ARQUIBANCADA,
AO MENOS UM SINAL DE MAIS?
PRECISO DE VAZIOS,
DE ESPAÇOS VÁCUOS: VOO RASANTE SEM ASAS,
DE ÂNGULOS OBTUSOS: O QUE HÁ AO LONGE?
EM JARDINS, A VIDA É DOIS DESLOCAMENTOS,
HORIZONTAL, VERTICAL.
DENTRO DO CANTEIRO MAIOR HÃ0 VARIADAS FLORES,
ROSAS, BAIXAS; ALTAS, DÁLIAS.
AS MAIS QUANDO, SUBCOLOCADAS:
SOU POETA.
VALMIR GRACIANO
POLUICIDADE
Tóxica loucura
que mata
e não diverte.
Alucinação
corre nas artérias
da cidade-formiga
suicida.
(o formigueiro se deteriora
aos poucos
formigando
formigando...)
Pólis doente.
Pólis curtindo
o mal da época
- a poluicidade.
JOSÉ LINO FRUET
MÃO-MENINA
Um fininho fio d'água,
riscando manta-Verdinha,
a um raio de sol
cintila.
Projeta pela janela
aquela imagem-lembrança
que não cansa de ser minha.
Cor-de-rosa
levemente
a mão-medrosa da ausente
descortina: seu cortejo de coisas
de seres simples
modestos
seus gestos
seus costumes
Tudo! Tudo!
De um mundo distante
Mudo.
Valorizado da voz-vaga
da maciez
do perfume
do lilás
e do gosto
da saudade-maga.
Sem rosto,
O muxirão
Afiadas foices fuzilam
no eito orvalhado, grande.
Pés pesados pisando...
Fofos-baques-farvalhos
de ramagens caídas,
Sol de agosto queimando.
Cheiro-murcho expandindo
e impregnando-se em minha vida.
...Marcando passos de valsa
os pés do Chico-chinelá
e as sandálias amarelas
da cabocla Conceição.
... O rio
Pitangueiras pintando
de mil pontinhos vermelhos
a margem e o trêmulo-espelho
do leito limpo do Leão.
Onde o cardume fervilha
abrindo à flor-das-águas
elásticas rosas-de-onda
que se estirando - redondas,
beijam a beira da ilha
escarpa do paredão.
Ao lado, ali, do granito
suspensa
parada
barbatanas estiradas
desova uma traíra.
- Sentada na pedra-pensa
menina-medrosa pensa...
Mil-e–um sonhos vão brotando
borbulhantes
transparentes
enrolando-se em correntes
na transparência do Rio.
A saudade
Sem medo a saudade-mansa
os olhos-calmos descansa
lá na paisagem que viu.
Enquanto - espalmadinha,
mão-menina acarinha
- os dedos inda molhados
da transparência do rio –
uns fios de cabelos brancos
que escorrem disfarçados
da cabeça da velhinha.
DALILA BITTENCOURT
RUA NEGRA, RUA TRISTE
Rua Negra.
Rua triste.
Rua preta
pintada de brancos borrões
de luzes elasticamente elétricas
a flutuarem no asfalto
Rua negra
de arvores fantasmagóricas
formidavelmente frias
alinhadas a postes esqueléticos.
Rua triste
longinquamente longa
asfaltosamente negra
chuvosamente compassada
de melancolia escura.
ANTÔNIO AUGUSTO LAGES
AMOR DORMINHOCO
O meu amor dorme.
Acima de qualquer suspeita
a vida dorme.
O quarto a meia luz,
o lábio a meio riso.
Diabo de momento esse
que deixa a gente de
calças curtas,
virando pirueta.
Diabo de luar esse
que há lá fora,
só porque o amor dorme
na cama
e no meu coração.
Acorda amor dorminhoco!
ANTÔNIO ROBERTO DE MEDEIROS
AMARELA-ROSA-DE-CIMA
Na Consolação,
A d e lbe rt in o f u g iu
embaixo da pinga
No mato coçou a espinha
Adormeceu
Tinha sonhos: casar com Rosa, morar na cidade, traba lhar na construção
de Seu Antonho, comprar um rádio...
Sonhou até com a morte.
Aí, seu sonho se fez realidade.
LUIZ EDSON FACHIN
NUNCA HAVERÁ UMA PORTA
Se
teimas em tecer a tua teia
volta após volta em torno
do fatídico centro
- redemoinho de tuas ambições
e centro do universo de tua cupidez –
em circunvoluções predeterminadas
fechando o círculo e a esfera
sobre ti mesmo
então
nunca haverá uma porta
por onde possam passar
os que vierem te socorrer
desta loucura.
JOSÉ LINO FRUET
PROCISSÃO
Estou fichado no arquivo do esquecimento
e por mim passam os viajantes
que vão levar mãos cheias,
d e quê? d e t u do
para um conde de mil terras
e tantos amores
que seu nome está espalhado por aí
e todos o pronunciam.
Por mim passam as vozes
e os gritos,
as pratas, os leques, e tudo
que vai parar no mar.
Passa o padre e sua fé,
o bispo, cuidando da nossa,
o João, que não atirou a primeira pedra,
a mulher, com olhos de vidro,
os homens de uma vez (sem destaque),
os tios que vêm de longe,
o rosto que já conheço,
eu também passo,
misturado no pó.
VIRGÍLIO MORETZSOHN MOREIRA
XII
FEMUP - 1977
POESIAS
A LAPIDAÇÃO DO POETA
Maria Aparecida Negrinho
Guaxupé - MG
APONTAMENTO
Paulo Roberto de Mello Monti
Itaqui - RS
DE VEZ EM QUANDO
Paulo Roberto de Mello Monti
Itaqui - RS
BAR
Nilson Monteiro
Londrina - PR
NORDESTE
Carlos Jerônimo Vieira
Paranavaí
ÁGUA PLANA
Waldomiro José dos Santos
Curitiba - PR
ESCALADA
Álvaro Girotto
Londrina - PR
PALAVRA
Hamilton Farias
Curitiba - PR
SARANDI
Dalila Bittencourt
União da Vitória
VOZES
Dalila Bittencourt
União da Vitória
TERRITÓRIOS DA MANHÃ
Antonio de Padua Barreto
Belo Horizonte - MG
LIRA AQUÁTICA
Antonio de Padua Barreto
Belo Horizonte - MG
RIO MANSO
Vanderlei Oliveira Timóteo
Belo Horizonte - MG
(sem título)
Luiz Ricardo Sgarbi
São Paulo
BARAFUSTE
Artiflex Blauen
Jaraguá do Sul
A LAPIDAÇÃO DO POETA
Se você quer de um homem
um poeta,
Dê-lhe o papel e a pena
Rouba-lhe o amor
Dê-lhe uma espada de presente
Coloque-o sobre um cavalete
Pegue uma espátula
E cava em seu rosto
Vírgulas de espanto
e de dor.
E faça correr duas gotas
certinhas, bem certinhas.
Ponha bastante sal em sua boca
E por favor,
Tire-o de dentro deste edifício.
MARIA APARECIDO NEGRINHO
APONTAMENTO
Fim de tarde.
O sol se debruça
Lá ao longe...
Uma brisa
Sacode as cortinas
E a saudade se acomoda
Num canto do coração.
PAULO ROBERTO DE MELLO MONTI
DE VEZ EM QUANDO...
De vez em quando
Me deixo levar
Pelas ruas, pé-ante-pé (não devo acordar meus fantasmas...)
Examinando ou me deixando examinar
Em cada calçada
Em cada casa
Alguns restos de mim
Perdidos (ou encontrados...).
Alguns pedaços de sorrisos inocentes
Ou pedaços de preguiçosas tardes deverão...
Ah! O verão... (o verão boceja nuvens brancas no azul...)
E sigo andando
Agora mais rápido!
É melhor deixar meus fantasmas dormirem!
PAULO ROBERTO DE MELLO MONTI
BAR
No Forinha bebemos
última lágrima do fundo dos copos,
a gargalhada esquecida
dentro das carteiras
atrás dos balcões
no ponto de ônibus
na fila da previdência.
Destilamos a madrugada
como pastores da noite
contando fantasias,
suportando o amém.
Metemos o pau no preço do feijão,
nos preços, nos donos dos preços,
xingamos o juiz,
cascateamos sobre saias,
roubamos o vinho do padre
e as estrelas do general,
jogamos álcool sobre feridas
e embebedamos nossos sonhos.
No Forinha cantamos
antigas novas canções proibidas
as ruas proibidas
as praças proibidas
as bocas proibidas
as crianças proibidas
os amores
as dores
os versos
as notícias
a rouquidão desafinada da noite
No Forinha provamos
de sua farofa
cheiro de quitanda de subúrbio,
engolimos seu espaço simples,
frito com calabresa,
batido com limão,
democrata,
recheio de notícias de fome:
todo o mundo nas mesas de lata,
misturado aos ossos dos frangos sorteados no bingo,
aos ossos do ladrão atropelado
e aos cartazes que nos tragam, baforadas.
Perpetuamos os porres,
afogando os olhos,
arrebitando o fígado,
gozando a poesia,
confundindo a lucidez,
embaçando as noites perpétuas
e rindo dela
gargalhando dela,
a escuridão que nos envolve.
NILSON MONTEIRO
NORDESTE
Capineiros jeremiados
Suam...
Sulcam a terra, esperam...
Nada.
Imploram Fadas, enfadam...
Sofrem.
Lágrimas regam o solo,
Morrem...
O dia vem, o amanhã também
E nada....
CARLOS JERÓNIMO VIEIRA
ÁGUA PLANA
Palavra que reconheço
O baque deste navio.
Este navio tem gente
E esta viagem, porto
- Onde?
Não sei.
Palavra que reconheço,
Como o meu,
Os mesmos rostos
No espelho,
Cara a cara
Fitando olhos,
Reconheço estes ombros
Largos e incansáveis.
Palavra que reconheço
Este peso,
Progênito desta dança,
Desta farça
Que embaça
A faca
Que mata.
Magnífico é o dia
Que não me reconheço,
E meço os mesmos passos.
Sem contar os passos,
Com um olhar prateado,
Nesta viagem
Prenhe de esperança
WALDOMIRO JOSÉ DOS SANTOS
ESCALADA
Já se passavam dez minutos,
aguardava paciente.
A porta abriu,
eu e mais gente entramos;
fui o primeiro:
olharam-me como se eu fosse um pária,
o elevador principiou a subida;
de terno azul marinho, desbotado,
camisa branca de colarinho marrom.
Há anos estava sendo coçado
subia e descia
num vai e vem constante
- o ascensorista
Primeiro andar
o tiba tava lotada
olhares se cruzavam
em busca de nada.
Parou.
Porta abriu,
desceu um caxexa.
Silêncio.
Porta fechou.
Silêncio.
Sobe.
Ao meu lado, um letrado,
pelo rosto imaginei,
bem vestido, sério, olhar penetrante.
Segundo andar.
Direto, sem baldeação,
todos iam subindo na vida.
Desviei o olhar
para a retaguarda;
quieto, de mãos entrelaçadas,
nos olhos dizia
era um humilde
e, pelo que notei, sofria de Pantofobia,
a cela ambulante subia
levava os pecadores para o céu.
Terceiro andar.
Desceu o patau.
Por infelicidade,
Deu um encontrão
com duas que entravam.
Pediu desculpas
e, com jeito de gravame,
o papalvo sumiu
Quarto andar.
As duas que entraram,
(sem par, sem iguais);
uma de falar lene,
outra de falar vulgar;
palraram até não mais poderem
do lado do homem; sobe e desce
um chulo, testificava...
no sexto...
no sexto...
sem por favor, sem nada
Quinto andar.
Desceram uns anjos.
A porta enguiçou.
A força venceu a razão.
Chute.
Porta fechou.
Seguiu o enlatado
Já não tanto lotado.
Sexto andar.
Pra mim chega.
Fico aqui.
O caixote continuou...
ALVARO GIROTTO
PALAVRA
Se a palavra
fosse o germe
o nervo
da
vida,
a questão
já estaria
(há muito)
decidida.
Mas a palavra
é pouco,
nada defende
além de manter
aceso
o fogo
o fato
avivar
na memória
os mortos
e os vencidos.
HAMILTON FARIA
SARANDI
Sarandi -- para de sarandear!!
Minha década-menina
viu-te, sarandi, debruçado
sobre a correnteza agreste
de um rio...
Viu tuas linguinhas cor-de-rosa
esfiapadas, cheirosas
lamberem e regarem a transparência do Leão
-- Ora, tão longe... tanges tua esponja
e choras respingos
de tempo e distância
no meu coração.
Sarandi -- azul e leve levanta...
aqui -- nesta presença.
Seca, nos meus olhos, sóis de agosto,
tua esponja-flor
e esbate antigas-rosas de minhas faces
no ocre do tempo
que em empoa o rosto.
Sarandi -- da infância e da ausência
por que decresces?
Reaparece!!
Volta aqui -- em meu ombro
descansa a cabeça
e adormece!!
DALILA BITTENCOURT
VOZES
Som-morno...
Som-mormaço do sertão
aqueceu-me a infância
e a imaginação.
Dentro de mim
ouço sons.
a uma voz, trios, quartetos,
frequentemente -- um dueto:
voz de pai, voz de filha
entoando, à luz de lampião,
na densidade da noite-cabocla.
Enquanto um tic...tic...tic...rotino de goteira
escorria
bolhas frias, finas e ligeiras
transparentes de ilusão
no toc-toc...toc-toc...da corrente quente/sem fronteiras/
do meu coração.
Adolescente.
...Ouço os Setes de Setembro da escola
cantando o «Já podeis...», em duas filas
desfilando pelas ruas-vermelhas da Vila.
Extinta e boa.
O assovio da vara -- feita batuta
na mão-maestra de mestre Atílio.
Ai de quem destoa!
Como eu destoava.
...Ouço a banda do coreto da Igreja
tocando uma cançoneta italiana...
O som-oco da mão do bêbado da bodega
dando «dedos» de «mora»
na mesa de meu pai,
ou cantando-mole e «Moretina bella»
...Ouço voz de mães-moça,
e caminho da roça,
rezando dentro de mim
um Pater Noster «pitchinin».
E voz madura de pai
Segura -- dando-me conselhos
e às maninhas, e ao irmão mais velho.
Voz que ouvirei jamais! ...
Ouço aplausos, vaias,
poemas, palmas e falas
das noites serenas/recentes/
nas salas de aula.
Assim...solenes e a meio-tom
ao ritmo do coração
soam, vozes, sem fim...
Procissões
de variados matizes de sons
Verdes, lilases... Vivos!
Cantando
Falando
rezando
passando
Acordes felizes
que arranco agora
ao arco-arquivo
-- Violino da memória.
DALILA BITTENCOURT
TERRITÓRIOS DA MANHÃ
O que acontece nos jornais
é o que sonhamos na noite anterior
porque sabemos que a vida não cabe nos territórios de um travesseiro
ou de uma flor
E na mesa posta entre o café e o almoço
o velho mundo tosse e arde
em lama e terror e grita
e clama por piedade e panelas
de pressão estouram miolos de teto
e tudo é feito de papel crepom e folhas de flandres
Enquanto na Holanda uma cruz e derrubada
para alimentar lareiras menininhos
pintados colhem morangos no Brasil
azul, o mar salga as feridas da pátria
onde hei de contrariar a ordem
natural das coisas e instalar em mim
uma democracia.
O Amazonas coça a barriga verde das jaçanãs
e os jacarés espantam mosquitos
com a cauda.
E acordo sempre com cheiro de tinta
no rosto
e suco de tomate ou sangue
no peito
porque meu corpo é uma história
de mentiras e sacrilégios
Mas o que acontece nos jornais
é um susto transitório
que resta nas manhãs além das manhãs
tropeços, padarias e relógios
ANTONIO DE PADUA BARRETO
LIRA AQUÁTICA
Nadar sobre o pó moído das águas transcendentais. No exílio
vestir teu corpo de nuvens e escarpas tatuadas de flores e escamas
Sorver o sangue último da posse
e ferir-te de incertas manhãs
equilibradas no fundo
de minhas frias regiões
E de tua súbita pousada
resguardar a fuga e o lençol
Nada mais nos calar
sob ou sobre
a cama em dilúvio
Pois em teu curvo porte:
devoluto território
que conheço
dobrar-me-ei exausto e anoitecido
pra te contar meus endereços.
ANTONIO DE PÁDUA BARRETO CARVALHO
RIO MANSO
Onde vais balorde passante
com teu andar lasso, retirante,
com olhos dormido a procurar?
Se é o val da correnteza comprida,
estás atrasado dois dias de vida,
corres o risco de não chegar,
Por que não procuras a vazante,
que se encontra pouco distante,
que nem um dia de vida dá?
Mas como teu corpo é exaurido,
não tem o menor sentido
proibir-lhe descansar.
Durma sem ser deserido;
agradeça do rio ter bebido
a água pra te salvar.
Se as estrelas do céu não te dormem,
se na noite não tiver frio,
arrasta teu corpo pra margem
e sonha
no barro do rio.
Não te assustes se na madrugada
vir aqui toda boiada
prá sede poder matar;
não pisarão teu corpo batido,
esses bichos já têm entendido
de um pobre não judiar.
Dorme passante antes que te conte
que o sol já vai nascer;
Que lá prá trás do monte
está o val prá te morrer.
VANDERLEI OLIVEIRA DE TIMOTEO
(sem título)
Parecerei exausto
sob o
rosto adormecido.
Acreditarão ver-me
finito
entre a
moldura escura.
Pensarão em
fim na
hora do
COMEÇO
Olharão a terra
quando o
quer importa
éo
AR.
Intentarão ver
quando é
preciso sentir.
Voltarei
NOVO
entre os velhos
que sendo
novos
me virão
VELHO.
Vestirei o traje
que há
de ficar
cansado,
que novamente
abandonarei,
para ser
NOVO
entre os
VELHOS.
LUIZ RICARDO ALCANTARA SGARBI
BARAFUSTE
Andei
Com cuidado felino
Dilatando
Os poros limpos
Do som
num só solfejo
CRAC-CRAC-CRAC-CRAC-CRAC-CR
Espírito de porco
Quebrou meu ritmo
Com um contra-baixo
Contra-mão
Contra-cultura
Contra-producente
Contra-poluição
Desandei a andar
Sem rumo
Contra-Nada-E-Tudo
A gritar desesperado:
- Parem,
Quero silêncio
Porque tenho um
Encontro marcado
Comigo mesmo.
Parem,
com este
Barulho infernal.
Parem, por favor!
ARTIFLEX BLAUEN
XIII
FEMUP - 1978
POESIA
1
CHICO TEANDO E TERNO REGULAR,
MENTE!
João da Silva Rêgo
Paranavaí - PR
2
ALAGADOS
Miryan Motta Tibal
Bela Aliança - SP
3
JORNALEIRO
Carlos Jerônimo Vieira
Paranavaí - PR
4
HORTALIÇAS
Nilton Toshio Takayada
Londrina - PR
5
ELEGIA
Reinério Luiz Moreira Simões
6
A FILA
Rosalvo Pereira Leal
Paranavaí - PR
7
SÃO PAULO
Marlene Soares Pinheiro
São Paulo
8
ANTES
Lindenberg de Resende Miranda
Lagoa da Prata - MG
9
CANSAÇO
Ernesto Henrique da Silva
Sumarézinho - SP
10
SINGULAR IDADE
Ernesto Henrique da Silva
Sumarézinho - SP
11
VISÃO OBBSCURA
Aristides Rocha
12
PEDRO
Richard Carvalho
Cambé - Pr
13
SOCRATEANDO
Maria Aparecida Miranda
Cianorte - PR
14
VOCÊ MANHÃ
Autoria: Carlos Jurua
15
O MURO
Autoria: Lourivaldo Pontedura
CHICO TEANDO E TERNO REGULAR, MENTE!
O color
ido de quem sonha
a dor do irre
alizando em ar
marinho.
O Chico
tear em brim
cadeira de sentar
a mão cheia de feli
cidade que ví
eram chicotes no chico
teando algodão.
De terno regular
mente ao Vivaldi
fere o peito em color
ido de quem perdeu a avó
mitando números e conta habilida des inf initas .
Chico
teando b r i m e algodão
Terno regular
mentando princípios
E um fogo de queimar argila no chão
chato
de um mundo cão!
Dá pra entender uma coisa dessa?
Nos batem nas costas com sorriso de gesso
E nos fazem descer da cama depressa
Nos atirando deveres sem preço.
Mas chico
teia
Com vontade de sentar
a mão cheia de "Feli"
cidade escura.
JOÃO DA SILVA REGO
ALAGADOS
Meus olhos estão cerrados
pois não querem ver.
Enquanto escuto Mozart
(Concerto nº2 em D maior K 128)
o pouco que meus frágeis olhos puderam saber
voltam as imagens fugidas em alguma parte
de minha cabeça sonolenta:
OS ROSTOS DOS MENINOS
que queriam ser fotografados
conscientes da fama de sua miséria?
sorriem com seus olhos vivos
tais mais abertos que os meus
por isso sinto—me confusa...
talvez sejam estes meus olhos
tão apegados às virtudes da realidade
que se agarram aos sorrisos
fugindo ao resto:
inquietantes cenas dos ângulos visuais
porque do contrário
meu sorriso murcharia
e os meninos saberiam que são famosos
por desgraçados que são
e jamais sorririam.
MIRYAN MOTTA TIBAL
JORNALEIRO
No deslizar da noite
Quando os cachorros
São mais cachorros,
Entre miados e miados
De gato assombrados,
Senta-se na poltrona verde
Dos campos agrestes
A madrugada boêmia, bordada
Por estrelas e raios de luzes
De lua nostálgica.
E eu
Entre os olhos arregalados
Da manhã ao canto de galos
E de galinhas matutinas,
Sento-me ao leito
Com a boca aberta até as orelhas
A espreguiçar-me como todo barriga-verde.
Depois, calço os sapatos do tempo
E boto na rua as minhas pernas-garrincha.
- Olha o jornal!
Noticias frescas da noite risonha!
(homem mata Amásia
Ladrões assaltam taxi
E matam motorista pelado;
Estupro a adolescente na BR...)
Olha o jornal!
CARLOS JERONIMO VIEIRA
HORTALIÇAS
- Sinta os tic-tacs dos relógios
de carne automatizados......
......SORRYndo,
CRYando
raizes liquidificadas.
-MILTON"Tapetedelistras", Som de anjos falidos,
com asas
no penhor,
"Tapetedelistras",
Imposto de rendas e babados,
Sutis carpets
Homens pré-panos construidos!
-RE-BI-TES-, mas firmados, o que CAL-USOU isto!
Mesa farta de
tolices-tinha
Nestas alimen-ta-ações
De magos-gias,
Ali está -"vão" de pontes mentais "suis"
Cida não Cidas?
Tapetedelistras
Ajude a urbanizar a cidade....
Faça das síndromes caquéticas de uma vida -sua -vida
que não hão de vir , refulgirem em ligações terminais
ao longo
de um córrego
treansbordando refrigências
de ignições vitais
refratadas em cada um de nós!
MILTOM TOSHIO YAKAYAMA
ELEGIA
(A supernova Neide)
1. para caminhar até teu olhos
estudei sombras e perfis
eu me fiz
um coração abismado de voragens
eu me adentrei
nos campos de emoções selvagens
eu desfiz
a engenharia celeste
parainventar primaveras
e sob a ventania
lácida dos dias
alcancei
teus olhos
2. para encontrar teu sorriso
naveguei sem bússolas
e portulanos
tantos
rios e oceanos
cavalguei distâncias
que os cavalos do tempo
não m pareciam findar
e de muito morrer no mar
nestas sandálias do pescador
colhi o enigma do pescar
o peixe preciso
a mais alva / ave / flor
— o teu sorriso
3. o discurso dos loucos
não definirá tua beleza
a alquimia dos santos
não explicará teu corpo
4. pleno de palavras
perante tuas dançarinas
eu esqueço os verbos
versos
rimas
e meu calo
ou falo
eu me dar de todo
gaivota em mergulho
luz sem espelho
5. por tua pele morena
posso mais
que as metáforas
deste frágil
poema.....
REINERIO LUIZ MOREIRA SIMÕES
A FILA
Na fila dos incompreendidos
somente ele sonhava
Em casa a mulher
sonhava que a fila ia ser curta
e que ele logo voltaria
pra levá-la para o hospital
E na fila ele aguardava
e sonhava
sonhava e rezava para nascer um filho
Depois de quatro meninas
um menino era só
o que ele queria
E em casa
a mulher gemia e sorria e sonhava
Depois de quatro filhos
paridos com parteira
e muita dor
ia ter um filho no hospital
com médico e tudo
E na fila
a fila não andava
E ele esperava e sonhava
e rezava
E em casa
a mulher gemia (não sorria)
e chorava e rezava e sonhava
E na fila
ele se impacientado (não sonhava)
e rezava (pra fila andar)
E em casa
a mulher chorava e rezava
e gritava (não sonhava)
E na fila (sem fila)
ele se desesperava
o guichê fechava
o aviso SÓ AMANHÃ surgia
e ele implorava
e chorava
e gritava
e xingava
Em casa (depois)
somente ele chorava
Não rezava
nem sonhava
nem gritava
nem xingava
A mulher não chorava
nem sonhava
nem rezava
nem gritava
Apenas tinha uma lágrima morta
nos olhos
Rosalvo Pereira Leal
SÃO PAULO
Pervilhas-colméia humana enloquecida
tumultuas e galgas incessante
Em fúria desvairada o aberto espaço
Nos edifícios de cristal, concreto e aço.
Rasteia-te pelas artérias de asfalto
Ondulas aqui e acolá pelos elevados
Detém-te-rapidamente - nas praças
Resfolegando e descansando teu cansaço.
Mas, logo retomas tua faina
E emerges adoidado da poluída fumaça
das monstruosas chaminés de tuas fábricas.
Alongas-te tarde a dentro - suor e trabalho Para a noite ressurgires da tua acinzentada garoa
Numa orgia feérica de luzes e de cores.
Marlene Soares Pinheiro
ANTES
Cale a boca
Sua voz rouca,
Sua palavra ôca
Fazem a verdade pouca.
Então, antes calado
Que mentindo.
Antes mentindo
Que matado.
Antes o antes que depois,
Antes um defeito que doi,
Mas a perfeição é pouca
E antes não tivesse aberto a boca!
Lindenberg de Ressende Miranda
CANSAÇO
Suprema façanha de nossa ciência
O aço ocupa todos os espaços
O aço é sempre notícia.
O aço é um bom negócio
O aço...virtude e vícios,
Mas o aço cintila
no espaço
e faz o sangue C
a
i
r
O aço é forte e reflete
o fracasso
de homem fraco que o faz.
O aço cintila
O homem vacila
e a consciência oscila
entre
a força
e
O aço tem mil finções:
sustenta o Edifício
solta chamas
forja embarcações
produz sons
vence distância
transporta pessoas e ambições
Por isso o aço se deduz
e traz suave sensação do progresso.
Mas o aço lanço e s t r i l h a ç o s
que cegam e rasgam
as faces das crianças crescidas
Então o aço desfaz
o sonho sensato,
o senso
e o ato.
Ernesto Henrique da Silva
SINGULAR IDADE
Nesta solar idade,
busco apenas
o sol.
Nesta vital idade,
pelustro apenas
a vida.
Eu sou
a mão espontânea
sem os nervos da agressão,
a cabeça pensante
que não se pôs em leilão,
o amor esquecido
que se negou a morrer.
E enquanto boquiabertos
e estupidamente alegres,
eles olham as máquinas pulsantes,
enternecido choro.
(Onde, os irmãos?
Onde, os seres humanos.)
E se o amor não vier,
porque os olhos lúbricos, metalizados,
fizeram-no invisível,
hei de desintegrar-me
numa tarde de sol,
abraçado a um cão vadio
ou beijando a areia morna...
Porque atingi a solar idade
e busco apenas
o Sol.
E eles, que somente aprenderam
a comprar, a vender, a fingir, e a temer
dirão, em sua imbecilidade,
que a morte do louco seria ótimo tema
para um quadro surrealista-patético.
E tudo assim, porque atingi a solar idade,
e busquei apenas o Sol.
Ernesto Henrique da Silva
VISÃO OBSCURA
Pega-me da mão cansada
a conduz-se pela estrada
faz-me pois sorrir
De onde eu venho?
quem eu sou?
nada disso agora interessa-te
Só sei
que vivo neste mundo escuro
aterrador
só sei
que ouço essa brisa mansa
que vem da madrugada
trazer acalantos e prantos d'algum lugar
Só sei
que sinto humanidade louca
caminhar em rumo neste patamar
Eu não vejo a lua
mas sinto o calor do sol
não vejo as guerras
mas sinto o ódio e o mal
Eu não vejo o corpo
mas sinto n'alma
a louca de ser em ser
a não descer jamais
Eu não vejo os carros correndo
mas sinto o movimento do mundo
porém coisas e coisas são para mim
paradas e pacatas
Pergunta-me se tenho amigos?
sim, meus óculos, minha bengala e meu chapéu
Pergunta-me se sinto ódio no coração?
Não: Pois a humanidade toda pareceu
Hoje porém
simplesmente quero
a verdade dos abraços no meu abraço
o soluçar profundo
neste meu escuro mundo.
PEDRO
Era um país recheado
de coisas horríveis
Era uma nação moldada
de sorrisos fúnebres.
Era uma mãe
de traços comuns
peitos pretos secos de leite.
Era uma mulher
de silêncio nato
cheio de pavor
aguardando sempre
partos inocentes:
agora nascia Pedro.
Vinha servente
lixeiro
engraxate
boia-fria
pedreiro.
Com fome e já tinha medo.
Richard Carvalho
SOCRATEANDO
INCOMODADO, DESANIMADO, ESPREGUIÇADO,
COMPLICADO, INDIVIDADO, ENCUCADO
_ NASCI
MEIO POETA, MEIO LOUCO, MEIO MUDO,
MEIO MESTRE, MEIO ASTRO, MEIO NADA
_ SAI.
Ó, MINHA POBRE POESIA:
RUAS DESCALÇAS, HOMENS COM NOME, LADRÕES
PROSTITUTAS, GATOS E FLORES
_ EU VI.
MENTIRAS E VERDADES, ALEGRIAS E MUITA DOR
LÁGRIMAS E RISOS
_ CONHECI.
ESTRADAS E AMORES, LOTERIAS E PISIQUIATRAS
_ PROCUREI.
_ Ó, MINHA CARA POESIA:
FILOSOFIAS, CRENÇAS E DEUSES
_ COMPAREI.
IDEOLOGIAS, SONHOS E ILUSÕES
_ FABRIQUEI.
_ Ó, MINHA INCONCRETA POESIA:
AUTÓDROMOS, FERROVIÁRIAS, AEROPORTOS
PORTOS E RODOVIÁRIAS
_ PERCORRI.
BIBLIOTECAS, TEMPLOS, CARTOMANTES
ADIVINHADORES, SÁBIOS E ASTRÓLOGOS
_ VISITEI.
_ Ó, MINHA INCULTA POESIA:
LUGARES OBSCENOS
POVOS ESTRANHOS
DANÇAS ALEGRES
GLÓRIAS DE NADA
_ PASSEI
E NO ESPELHO DA CARA DE DENTRO
_ LIBERTEI-ME
_ Ó, MINHA LÍRICA POESIA:
Maria Aparecida Miranda
VOCÊ MANHÃ
Manhã na graça de ser você.
Você na textura de ser manhã.
Você no primeiro pingo
da torneira.
Na mesa junto à xícara
Nas notícias.
Manhã no gole manso
do café.
Manhã no charme de ser você.
Você na sensação de ser manhã
Manhã você.
Você manhã.
Que é mais você.
Que é mais manhã.
Carlos Jurua
O MURO
Existe a favela
E do seu lado uma indústria
A indústria construiu um muro alto
Separando-se da favela.
Mas não separou o cheiro da favela.
Não separou o corpo do operário
do sangue que funciona a máquina,
e de noite repousa no barraco podre
escuro e nojento.
O muro não separa.
Apenas tapa os olhos, esconde
Cobre o cenário remelento
pra que as visitas não vejam.
LORIVALDO PONTEDURA
.
XI
FEMUP – 1979
POESIAS
1
VOCÊ SABE O QUE É POESIA?
Marina de Oliveira
Maringá - PR
2
CORAÇÃO OPEN-MARKET
Rui Werneck de Capistrano
Curitiba - PR
3
TENSÃO E DISTENSÃO
Aníbal Pagamunci
Maristela (Alto Paraná) - PR
4
AO TRABALHO E A INFÂNCIA
Zaida Garcia Amaral
Fortaleza - CE
5
ECOLÓGICO
José Machado de Mattos
Belo Horizonte - MG
6
INVOLUÇÃO
José Pereira Gondin
Areia - Paraíba
7
MONÓLOGO DA ANGÚSTIA
Suely Dadalti Fragoso
Santos - SP
8
O PESCADOR
Newton Pinder
Santos - SP
9
ESPERANÇA
Myriam Motta Tibau
São Paulo
10
SEMBLANTES MOLDADOS EM FILA
Marcos Mendra
Belo Horizonte - MG
11
GALÁXIAS
Nêodo Noronha Dias
Paranavaí - PR
12
FLORSBELA
Eni Gonçalves
Paranavaí - PR
13
BUSCA
José Eduardo de Siqueira
Londrina - PR
14
TERNURA MATINAL
João da Silva Rego
Curitiba - PR
15
AMÉRICA
José Gomes Pimenta
Divinópolis - MG
VOCÊ SABE O QUE É POESIA?
VOCÊ SABE O QUE É POESIA?
- Poesia é a água da fonte,
é a linha do horizonte,
encontrando-se com o mar sem fim,
é a correnteza leve dos rios,
é o retumbar dos ventos frios,
lá nas árvores do jardim.
VOCÊ SABE O QUE É POESIA?
- Poesia é noite de lua,
mais pálida que a luz da rua,
jorrando prata no ar,
é o verão que aprecio,
é o ar quente e macio,
é a alegria de amar.
VOCÊ SABE O QUE É POESIA?
- São ondas do mar bravias,
o tédio horas vazias,
são sonhos de primavera,
é a personagem passageira,
é madrugada seresteira,
é a angústia da espera.
VOCÊ SABE O QUE É POESIA?
- É um bando de andorinhas,
são as águas ribeirinhas,
brotando puras do chão,
é o céu azul, as estrelas brilhantes,
é o amor que está distante,
mas vivo no coração.
VOCÊ SABE O QUE É POESIA?
- É Deus nosso criador,
é a mensagem de amor,
que traz a criança ao nascer,
poesia é uma bela mulher
amada e bem querida,
poesia é tudo que houver,
poesia... é a própria vida.
MARINA DE OLIVEIRA
CORAÇÃO OPEN-MARKET
Fui abrir conta no banco do jardim
para depositar meu cansaço
alegaram a necessidade de uma quantia
muito alta que só com muito esforço arranjei
mas no mesmo jardim roubaram o talão de cheques
e me deixaram logo sem fundos
empenhei na caixa econômica das surpresas
a palavra amor
recebi em troca uma cautela
que me recomendava extrema cautela
investi letra por letra
na palavra carinho
faliu a editora que fazia dicionários
reagi acreditando na poupança
escolhi a caderneta da esperança
só rendeu ao fim de um trimestre
umas poucas juras de caridade
e a correção monetária calculada
sobre a pequena palavra fé
resultou pequena e miserável
fiz leilão de um jogo de palavras secretas que a mim me havia custado fortuna
ninguém deu mais de dez mil réis antigos
afiançando que estavam sem fio
gastas pelo tempo e uso
tentei imóveis
não encontrei palavras imóveis
agora na bolsa joguei palavras de ação verbos todos que mal sabia conjugar
esses subiram na cotação
estavam em alta permanente
em todos os jornais
em todas as esquinas
em todas as cabeças
em todos corações
matar roubar maltratar violentar
esquecer ofender derrubar
usei até alguns para meu sustento
não minto
agora deixo meu coração open-market
para aplicações desinteressadas
de quem interessado estiver
aceito ações escusas em baixa
aceito quadros de sentimentos falsos inflação de egoísmo.
menor saldo de vida
dívida de amor antigo ou longínquo
déficit na vontade
amizade com protocolo
obras de arte e astúcia consagradas
pelo esquecimento
amor overnight
dívida externa de prazer
desequilíbrio na balança orçamentária
do coração
verdade com preço congelado
10% de carinho
especulações várias na bolsa e no bolso crise na produção emocional
ações ordinárias e ridículas ao portador
aceito
mentiras descontáveis a longo prazo
cartão de crédito
para a irracionalidade
salário mínimo de afeto
falcatrua na alegria
crise existencial a juros bancários inflação no custo de vida espiritual corrupção paga com medo
vergonha inveja
aceito
produto interno brutalizado
superávit de ódio
interesse fechado em baixa apropriação indébita do sexo
e sentidos
dores herdadas ou adquiridas
justiça no câmbio negro
aceito intimação no cartório da paz falência requerida de todos os sonhos conta encerrada para a
liberdade
leilão de anseios
aceito coração feito em pedaços
pelas quatro operações matemáticas
e
na raiz quadrada do tempo
viro máquina de calcular
ou computador
e
submetido aos caprichos do operador
não erro.
RUI WERNECK DE CAPISTRANO
TENSÃO E DISTENSÃO
O Sol era feio,.........................................................
Dentro de casa estava ruim, .................................
A música sem ritmo, .........................................
E eu pra lá e pra cá, ............................................
Escrever não dava, ...........................................
Ler também não, .................................................
Cantar pior, .....................................................
E eu prá lá e prá cá. ............................................
A flor era feia, .....................................................
A ave me irritava, ................................................
O Sono do cão me intrigava, ................................
E Eu pra lá e pra cá. .........................................
Nem fome nem sede, ...........................................
Nem frio nem calor, .................. ...............
... e nem dor, ......................................................
E Eu prá lá e prá cá, ............................................
Nem conversar, ...............................................
Nem ouvir, .....................................................
Nem rir ou chorar, ...............................................
E Eu pra lá e pra cá. ............................................
Parei ......................................................................... ..
Que é isso? . . . . . . . . . .
É a vida conclui. .
.
.
.
Relaxei. .
.
.
.
ENTENDI---------------------------------A vida é bela._______ _______ _________
É só uma questão de ângulo e visão,____
SAREI._________________________________
ANÍBAL PAGAMUNCI
AO TRABALHO E À INFÂNCIA
Todos trabalham!
__E as crianças?
__Deixai-lhes a infância!
Lá fora o vento ruge esbatendo as nuvens;
O Sol dardejante, fecunda,
No emprego o Pai se empenha incansável, Mamãe lá dentro, labuta!
__E o Menino?
__Dorme ainda;
É tão cedo!...
Lá fora o Sol a pino, marca o Meio-dia,
No arame secam as roupas;
Abelhas transportam néctar,
As Formigas, previdentes, armazenam viveres, Na árvore, um sanhaçu arruma o ninho,
Lá dentro, Mamãe serve o almoço.
__E o Menino?
__Come bem!
Já se vai o Sol embora...
O Vento amaina;
Agora é Brisa que afaga as flores!
Solou o <<Ângelus>>!
A estrada se anima,
Os Trabalhadores voltam;
O Pai vai chegar...
Mamãe espera,
O Cão, alerta, guarda a soleira,
__E o Menino?
__Brinca feliz!
Que bom ser criança!
Menino aproveita...
Dorme, come, brinca!
Sê bom, meigo, alegre, carinhoso;
Deus, abençoai as Crianças!
Livrai-as do seu grande inimigo:
O Tempo!
ZAIDA GARCIA AMARAL
ECOLÓGICO
Talvez, mais lógico que o eco
fosse o silêncio
o verde silêncio
mudo no coração do homem
Talvez, mais homem que o homem
fosse o eco
o lógico manifesto
de um silêncio cansado
de esperar verde
o amanhã.
Talvez, mais que o amanhã
fosse o sangue correndo nas veias
do concreto, secreto e indiscreto edifício
atrapalhando o lazer
e driblando a ilusão
Talvez, mais lúdico
fosse brincar de regar a emoção
e mais emocionante que o brinquedo,
fosse talvez o brado
o eco lógico da natureza:
a mãe gritando forte
a certeza do passarinho
que fará do amanhã liberdade.
JOSÉ MACHADO DE MATTOS
INVOLUÇÃO
Experimente ser você,
por pouco tempo, por alguns instantes.
Só, sem vizinho, sem rumo, sem norte.
Ser alguém,
só um simples alguém,
anônimo, incógnito entre tantos,
entre muitos que o dia-a-dia traga e absorve,
no vaivém, no fluxo e refluxo,
do passar do tempo, do passar da vida.
Procure e se integre nesse alguém distante,
que você traz em si, no entanto nega, esconde.
Cuja família é enorme, preenchendo todos os lugares.
Porém apenas ligados por anseios,
por ideias e ideais pendentes,
pela sede de viver livre, de gritar.
De protestar quando algo vai errado,
quando uma atitude incorreta impediu a alegria,
a explosão descontraída e intrinsecamente dentro da lei, quando lá dentro o seu ser se abrasa.
Siga e denote ao mundo a sua repulsa,
por essa vida que lhe endivida o espirito, ante os desejos de conquistas insidiosas e a sede de TER,
mesmo nada sendo.
Viva nesse alguém e caminhe um pouco a frente. Tenha por nome um «Zé Qualquer»,
seguido por uma marca de cigarro, ou de qualquer bebida.
Conquiste o céu para seu teto
e as estrelas por lume dos seus dias.
Esqueça tudo, desapegue-se de todos,
corra livre ao encontro do vento,
desdenhando o tacão do opressor.
Pisei firme na calçada dura e amoleça-a. afundando os pés as vezes sobre a relva fresca.
Reverencie aqueles que ao seu lado,
procuram o nada que não tem preço.
Despreze porém as rendas e as joias,
a barriga cheia nos espíritos ocos.
A palavra fluente das consciências apertadas e endividadas,
o riso fácil do estômago doentio e ulcerado.
A mão que a mão lhe aperta e simultaneamente aflouxa,
porque nada lhe deixa de coeso,
nada de novo desperta em você,
ou modifica a firmeza de seu pensar,
pois nada de valor encerra.
Corra mais, procure a distância.
É hoje, é hora.
Seus braços cansados talvez já não ardam,
nada transpiram do entusiasmos de antanho.
Corra mais e mais um pouco.
Voe se possível, se suas pernas fraquejarem
e talvez você veja o fim;
a derrocada dos sonhos,
a liberdade ultrajada, amordaçada, engodada,
encarcerada, vendida, comprada.
Sepultada sob a laje de um “mármore reto”,
porém jamais esquecida.
Esqueça.
Esqueça e pare.
Volte e se integre ao consumo
e talvez ao invés do “Zé Qualquer”,
você seja um “João Ninguém”,
aquele que nada vê,
que nada sabe e por isso vive,
na luxúria, no bem estar social,
como homem e cidadão honrado,
destituído apenas do pensar,
AMNÉSIO.
José Pereira Gondim
MONÓLOGO DA ANGÚSTIA
I – A ANGÚSTIA DA RAZÃO
Desabrochou uma flor pela realidade,
Um botão escondido nas trevas
Veio à luz.
Angustiou a melodia de estar aqui,
Calou a voz dos violões,
E chorou,
A corola se mostrou tão fria
Que nada poderia
Superar a razão.
Hoje, morre uma flor porque nasce outra,
Porque não há espaço
Para ambas.
Mas o que morre será sempre lembrado
Como puro e sagrado,
Pois é morto.
E o que fica é a angústia doce
De ir dormir lembrando
Que já foi feliz.
II – A ANGÚSTIA DO MOMENTO
Não há luz no horizonte.
Trevas à minha volta
Apagaram meu sol,
Roubaram-me a estrela.
Não há mais sorrisos
Em beijos roubados;
Não há sonhos,
Acabou.
Entrecerraram-se os olhos
De tudo que houve entre nós,
E está tentando morrer,
O que resta em cada um.
III – A ANGÚSTIA DA ALMA
O meu conteúdo foi náufrago
Na irracionalidade do seu sorriso,
Na inconsequência do seu ser,
E na minha própria sensibilidade.
Afoguei-me em sóis e em estrelas
E o mundo então se fez melancolia.
IV – A ANGÚSTIA DA CARNE
Eu quero a força de um abraço quente,
De bocas se buscando sem censura,
De corpos se tocando pelo instinto.
Quero sentir um corpo tão perto
Que me pareça ser o meu mesmo,
Quero de um calor de excitação
Um inverno da era glacial.
Quero o sol de Aquarius no horizonte
E o som de uma flauta nos ouvidos,
Um bem-te-vi que diga que me ama,
Um João-de-barro que me dê um lar.
V – A ANGÚSTIA DO CALVÁRIO
Hoje choveu também mar sobre mim
E eu, então, me imaginei preenchida
Pela presença do teu pensamento.
Náufraga já morta, vou me afogar,
Suicidar-me antes que não me matem.
Vou buscando na falta de ti a razão de te ter,
Vou achando alegria em sentir saudade de te ter
A chuva cai, e me leva com ela
Ao mar, onde eu não serei onda nunca,
Pois não posso deixar de ser o remanso.
Suely Dadalti Fragoso
O PESCADOR
Pela encarquilhada pelo sol e o vento,
No peito, a esperança em cada dia.
Busca no mar o precioso alimento
Sem saber se volta ou não da pescaria.
Em seu casebre humilde e inseguro
Dorme o filho, em improvisado berço.
Ajoelhada, a mulher, num canto escuro,
Reza em preces mudas desfiando um terço,
Ao sabor das ondas, rema, acostumado,
Enquanto o horizonte descortina.
“Quem sabe hoje, na rede, aprisionado
Não lhe cairá um bagre, um paru, uma corvina”!
Se nada conseguir, não põe defeito;
“Pois Deus é grande e sempre dá-se jeito;
Morrer de fome é só pra quem vadia”.
A volta ao lar para si já é conquista;
Ontem ele voltou sem ter desdita,
Amanhã... Bem, amanhã...É outro dia.
Newton Pinder
ESPERANÇA
_ O mar desce em turbilhão
_ ferve alucinante o coração.
_ o céu se espraia em paz
_ o espírito se eleva fugaz
e há um ângulo visual, pontual, analítico, preciso e infinito.
E eu sou o horizonte.
Sinto-me o horizonte.
Sei que sou o horizonte.
Sei que é lá que estou,
mas só me vejo da terra,
e sabe-se lá quantas léguas separam-me de mim.
Bem conheço, do mar, o fundo.
O céu é um temor que não concebo.
Tolero-lhes apenas as superfícies.
(algumas ondas pequenas,
um barco vagando em meu rumo,
um pássaro – possível mensageiro,
qualquer ilha – membro perdido)
E nesse impasse fica o meu partido,
Incômodo, desconfortabilíssimo.
Sinto-me um ser insólito e decepado.
Vem à noite e me transforma em quase nada,
lastimável estrela decadente,
que a escuridão toca levemente,
porque não quer quebrar-lhe a face.
E como tem sido caridosa comigo esta noite...
maternal e tão delicada.
Da terra nada sei.
A ela sou inteiramente avessa.
Só me lembro de seus vermes convulsivos,
Contorcendo-se no vil abismo,
Que o muro separa.
Já não iludo-me mais
com aquelas brancas paredes,
com os grandes salões,
os corredores verdes...
cinicamente intermináveis!
Só vejo e sinto essas grades!
e como são frias,
são pesadas!
Por detrás desse olhar
vexado e submisso
o sol complacente virou
uma esperança mais remota
que o horizonte protegido é para a estrela
decadente.
Mas eis que um dia
soprará o vento
e eu serei no paraíso,
não sei onde,
pouco importa,
o velho, o novo, universo
renascendo.
Myriam Motta Tibau
SEMBLANTES MOLDADOS EM FILA
Pintaria eu todas paredes que quisesse,
como quadros abertos em sentimentos e prece,
abriria sim, todas as portas que houvesse,
presas com fios finos de aranha que tece.
Não veria semblantes moldados em fila,
sob toscas luzes de cidade ou vila;
nem teria eu o medo em constante vigília,
sentinela mórbida em posição de ilha.
Viveria só em um tempo de acontecer
a vida ou coisas que não fizessem morrer,
sentiria sim, o confronto de amanhecer
no sonho de tudo que nunca fosse perder.
... sumários desejos, prioridade adiada,
Delírios de sonhos, vontade contestada,
Abertas as portas, o dilúvio na entrada,
paredes eu vejo, pintadas de nada.
Marcus Mendra
GALÁXIAS
Mais serve à nós pobres profanos
A angustia o sofrimento insano
O sacrifício, a dor doída,
Do que o fulgor esplendoroso
O êxtase profundo, a alegria
Pois a felicidade fugidia
Só se apresenta após o desenlace
Onde a ilusão que inebria
Todo o fulgor, toda a fantasia
Extinguem-se no pó.
Diluem-se na fumaça.
Desaparecem.
Somem.
Evaporam.
E na transmutação
Seremos partículas disformes
A vagar por galáxias estranhas
Mais perto das estrelas
Mais próximos de asteroides.
Formaremos, longe da impureza,
Miríades de luzes contundentes
junto a outros entes
No espaço sideral.
Neôdo Noronha Dias
FLORSBELA
(na porta de entrada são vasos de acácias que olham...)
Remexe a solidão.
Esfrego o corpo na relva.
É o chão.
Caiu uma gota. Vai chover logo.
Penso na chuva molhando tudo.
Moço bonito aquele. Penso.
Que mãos, enormes e morenas!...Os homens negros são belos.,
Mãe preta é bela. Tem tetas enormes e sua voz é vento, embala a gente...
Mãe preta! Há quanto tempo...nessa mesma relva, estórias e cantigas...
Remexo a solidão.
Um lago, um barco como se fosse uma lágrima,
arrastando sonhos...
Fico no chão. Como a semente fica,
Assim fico,
e a chuva vem.
Ventos e barcos passam,
negros e luas passam,
mãos e beijos passam,
a chuva passa.
Depois daqui? Virão dias. Os dias virão limpos e secos,
cheirando alfazema...
Espreguiço-me
A chuva lava as cores e os parques de diversão,
a chuva lava o almeirão que mastigo e
os vasos dependurados.
Só não lava a solidão.
Penso.
Os negros de muitas chuvas botam-me arrepios na espinha.
Ficam nas portas adulando auroras,
Suspirando por um mar que nunca vem.
Vejo-a
Mãe preta ali está, com suas tetas enormes.
Delas escorrem o leite branco,
tão branco que parece dia.
Mãe preta canta...sua voz rouca de ventania...
Mãe preta ri. Dentes brancos como o leite de suas tetas.
Eni Gonçalves
BUSCA
Crianças
Saibam que onde não há jardins
as pedras substituem as flores
E a trepidação incessante
emudece os pássaros
inventa palavras novas
Tornando esquecidas as mais belas
Aprendam a perguntar
Por quê?
(A vida se recebe pronta?
Por quê nossos heróis só falam inglês?)
Aproveitem as manhãs
quando as avenidas estão desertas,
Conversem na linguagem das árvores
Descobrirão que as verdades
estão nos formigueiros
Não no rosto de mascarados
As dores
Nos corpos mutilados dos operários
despencados dos andaimes
Não nas tripas em cólicas
dos homens gordos
Busquem crianças
Mais tarde vestirão o disfarce
dos adultos
Aí as janelas se fecharão
E as cidades serão construídas
sem flores e frutos
apenas com cinzas
e blocos de concreto
e desespero.
José Eduardo de Siqueira
TERNURA MATINAL
Oh! ...vagabunda brisa da manhã...
que desces entre o orvalho e a neblina...
Apaga da noite os sonhos indeléveis
E dá-me as cores de uma canção menina!
Povoa meus lábios com teus licores...
Ávidos estão pelo alento que me enleia.
Sejas o prepúcio de uma realidade amena
E deixa que meu corpo a esmo se meneia.
Oh!...Vagabunda brisa da manhã...
Desce com teu manto frio néctar que jorras calada
Como sentindo a lágrima do céu que chora.
Deixa morrer os matagais que empanam a luz,
Os pirilampos que não luziam nas trevas.
Cobre o peito sem mácula do inocente,
E não deixa comigo o acerbo que levas.
Oh!...brisa vagabunda...que percorrestes
Desde os palacetes aos casebres favelais...
Não guarda os rancores dos que percebem pouco
Nem fica no espaço, brisa cálida, um minuto mais.
Desce e me envolve que preciso esquecer
D' auroras que não me trazem reminiscências...
És a sombra de um passado sem saudades,
A perspectiva de um presente em reticências.
Oh! Brisa da manhã que vagabunda fenece
Sob raios de um gigante que a deflora louco;
Não permita que as flores dobrem incólumes,
E fica me envolvendo agora, só mais um pouco.
João da Silva Rego
AMÉRICA
sulano
pacato
americano
submissuicida
saúva, pera e maça
plantador de banana
colhedor de cacau
seringuino e nordesteiro
camponeiro e boiadino
submissuicidamericano
sulino sulano
fulano
carregando fardo e farda
suportando fardo e farda
debaixo de fardo e farda
chega um tirano
atirando chega
chega de tirano
chega um tirano
atira no tirano
no sulano americano
pacato sulino americano
a cena é sina
plantando cana
amor e cana
amoricano
pacato acato
sulano americano pacato
mulato americano pacato
empacando
com trapos e tiras
retira os tiras
a gente agente
com gente contingente continente
pingente penitente
sulano pacato submissuicida
diante de um pelotão
de fuzilamento
de fuzil aumento
do custo de vida
do cuspe da vida
caro carro escarro
submissuicida
acreditando
que entre o estampido, o seu vergar e o tombo
cai primeiro o tirano que atira
o tirano atira
e todo tirano atira
e todo tirano que atira
cai primeiro que o condenado
atirando no condenado
há tirano condenado
sulano pacino
americato
após a luta, o luto
após o luto, a luta
não cora a enxada de enfrentar o sabre
quem cora é o sabre de cair no chão
camponato
sulês
americano
sulano
enxada que sabe cair no chão
mas sabe voltar ao ar
vaivém de enxada
no ar tirano e camponês no chão
no chão tirano e camponês nos ar
sulano
camponino
americano
sulino
equatorino
chilaio
brasilino
argentaio
peruíno
uruguano
colombeiro
bolivino
venezuelaio
sulino com cubano
sulano concubino
chega tirano
chega atirando
chega de tirano
cai tirano
atirando cai
sulino enxada
ora em baixo
ora em cima
lutador e pacato
submissuicida
americida
repúblicas
dos estados unidos
repúblicas
feder ativas
José Gomes Pimenta
XV
FEMUP - 1980
POESIAS
1
RECEITA LÍRICA
Cécero Braz de A. Vieira
2
MOMENTO
Eduardo Cabral Junior
3
ODE AO ÍNDIO
Paulo C. C. Guggiana
Rio Grande do Sul
4
ÂNGULOS
Autor: Edson Molina
5
VERSÍCULO NADA = CAPITULO ZERO
José Gomes Pimenta
6
COISAS TRISTES
Vera Lúcia de Oliveira
7
ANTI – EU
José Carpes de Andrade
Maringá-PR
8
PAZ E AMOR
Emir Mãncia
Curitiba/PR
9
REMANESCENTE DE 68
Peos Ruski Cardoso Lopes
Rio de Janeiro/ RJ
10
PEGUE ESTA ONDA
Antonio Carlos Doszczovski
Londrina/PR
11
BRUXOS NO SÓTÃO
Rui Werneck Deca Capistrano
Curitiba/PR
RECEITA LÍRICA
Cícero Braz de A. Vieira
Quando for o tempo das lembranças mortas e a noite pender seu cacho de
estrelas maduras,
e quando as nódoas de soro
nas soleiras das portas
for apenas penugem de aroma,
abre as janelas desta mesma sala
para em segredo
entronizar a lua.
Quando o silêncio for a nuvem de uma rua
e a espera
crispado punho de telefone
olha o retrato na parede fala
fala teu nome.
Quando o vazio da praça
for tombadilho de navio,
e o vento de repente
acender o velame das árvores,
deixa na pele adormecer o rio.
(com sua boca de água
o rio (ru)mina a cidade.
Com sua lágrima lerda
imensa
o rio e estrada deserta e pensa.
Com seu braço
Também de água
abarca as ruas de passo a passo).
Depois (muito depois)
os convidados da festa de evolaram
e é quando
nas janelas desta mesma sala
as vozes são desenho que murcharam.
Então
quando o silêncio for teu coração de bruma
semeia praias de viagens
no teu mar de azul e espuma.
Tenta
um sonho ao menos
em suas mãos antigas,
quando a cortina
toda neblina
apaga a face que te inventa.
E beija
a sombra orvalhando na vidraça
o pássaro na sempre despedida,
Quando a saudade é um gesto que se esgarça.
Ingenuamente
escreve no teu chão murmúrios de acalanto
tecendo a madrugada
em ouropéis e lendas.
Enquanto
as asas da ternura pousam tristes
sobre o enrugado candelabro
seco,
ensina a trilha do caminho
ferindo em luz a longa reticência
do teu sorriso.
Pede-se ausência
pouco é preciso
para quem ama de morrer sozinho:
sala erma
noite velha;
janela – a mesma
de outra era.
Mas quando
for quase a amanhecendo e nevar silêncio
e as cores brancas do céu pousarem a sala
abrirem devagar as pálpebras do espelho
cego,
é uma planície de casas flutuar desde o nascente até o estuário da igreja e seu
viveiro do sinos;
quando for
um instante de amor tão puro quanto o fogo
o frágil como a cinza,
e os olhos se entenderem no diálogo
de austera solidão;
quando
um rio de paz rodilhar teu sono,
tecar ilhas
à flor do tempo longo,
livre cantarás teu poema
quando for o mistério naufragar nesta sala
MOMENTO
Eduardo Cabral Junior
Tens um relógio
abotoado no peito
Entre tua asa
e tua mão de ferro
Entre teus dedos aflitos
a hora
e teu grito
não segura a pulsação da cidade
nem faz queimar a história
em movimento.
Tens um relógio
e eu não tenho tempo
Tens uma fome
onde eu não tenho corpo
mas amo teu nome
como uma estrela
longe
e sinto
como uma luz
aqui.
Mas teu grito
Não segura a história
nem deixa marca é efêmera
mas teu beijo é eterno
como um medo
e não cabe neste poema
ODE AO ÍNDIO
Paulo C. C. Guggiana
A aurora
carimbava seus passaportes
de hortelã.
Eras livre
em tua república
araucária,
eras com a água pura
das ravinas,
livre como a brisa de cristal.
Brilhavam tuas mãos
como as rochas preciosas,
ruminavas ritmos,
te defendiam
as árvores que brotavam
como soldados pacíficos
e se perfilavam
como espadas noturnas.
Eras cidadão da pátria guarani
e vivias comungando
do pão da natureza;
era feita de húmus, do sangue
da terra, a tua natural dignidade.
Assim eras, até
virem os estranhos brancos,
com seus aviões inseticidas,
com suas sirenes sedentas de pássaros,
com seus tratores
que agiam como tanques,
com seus cruentos pesticidas.
As serras, em mãos loucas – guilhotinavam
a alegria feita de ramos.
Mas resistes,
enquanto choras a morte
de tua mãe
e o envenenamento de teu filho.
Triste te recolhes
ao refúgio herdado,
onde amas por instinto
e onde a tarde receosa
seus cavalos reclina
o seu bailado
de pelos e líricos maneja.
Minha esperança
Ressuscita – os olhos escuros da avó guarani.
é linda de novo.
E quando a noite
recolhe as perdidas flechas do crepúsculo,
te digo – até amanhã –
e vejo uma imensa certeza
em teu sorriso esquimó.
Sobreviverás, sobreviverás; povoada de gralha
azuis, bombardeada de estrelas,
cantará iluminada
a pátria araucária.
ÂNGULOS
Edson Molina
1 De noite os pesadelos
batam pesadas portas que estrondam.
2 Na cabeça recomeça um filme
em câmera lenta
do amigo agonizante como um pardal...
3 As avenidas afundam,
os automóveis conspiram.
Alguém que acorda em sobressalto
vai olhar o filho, ele dorme.
O nariz respirando dentro da noite.
O corpo encolhido
Como um pêndulo quebrado.
4 E nesta hora um ponto qualquer do mundo
Estarão mirando estrelas
Ou britando pedras.
A noite é feita de muita maneira
VERSÍCULO NADA = CAPITULO ZERO
José Gomes Pimenta
Meu cordel embaraçado,
Novelo desenrolado,
Mostra o teu verso quebrado
Sem rima para cantar,
mas canta, mesmo embolado,
com o verso modificado
e canta tudo mudado
para o povo acompanhar.
“Minha terra tem palmeiras”
e nela “plantado dá”.
Os “verdes mares bravios”,
livres de toda sujeira,
têm as bênçãos de Iemanjá.
A crista do mar é branca,
o pico do monte é verde,
o leito do rio é limpo.
Não há fumaça nos ares
nem ódio nos corações.
Não há veneno nas frutas
nem boia-fria sem pão.
Não há posseiro sem terra
nem Índio sem amplidão.
No meu País verde-anil,
os machos todos são puros,
as prostitutas são virgens,
o amor se faz nas cancelas
nas dobras do sol da tarde
com aurora de lua cheia
em cada cair da noite
No meu mundo está na Bíblia
e nos versos do Alcorão.
Vem do Nirvana de Buda,
da palavra de Confúcio,
sai da doçura das lamas,
cai das palavras de Brahma,
das noivas de Salomão.
Vem das tábuas de Moisés,
dos clarins de Josué,
da maça do Paraiso,
do sacrifício de Abraão
Eu sou da terra do Zero
que é feita de muitos nadas
como o perfume do lixo,
a limpeza das sarjetas,
a pureza que há nas putas,
todo o amor das prostitutas,
um general sem estrelas,
um cabaré de donzelas,
um fuzil que não tem balas,
e um mundo sempre melhor.
Eu sou do “quão seras tamen”,
da liberdade tardia,
da independência sem morte,
de um peito cheio de paz,
onde o herói não é quem mata,
mas quem deixa matar.
E no país dos meus nadas
a criancinha inocente,
brincando de ser feliz,
repete toda contente
os versos que a gente diz:
A pata saiu do ninho,
pulou na pena da peta,
correu de medo da pita,
pulou no papo da pota
e o quinto ovo gorou.
O sapo foi para o céu
na viola do urubu
e o jacaré na lagoa
tão sozinho – coisa boa! –
ficou todo jururu.
Quem quiser venha comigo,
pois hoje eu volto pra lá.
Quem fica não tem destino,
só quem anda vai chegar.
Vou rever minha utopia
onde se diz todo dia
que a liberdade chegou.
Lá se brinca de poeta,
todo domingo é domingo
e o natal tem muito amor
A minha alma é uma criança
e, mesmo tendo esperança,
só cabe do que hoje sou
e vai vivendo o presente,
pois o futuro inda vem
e o passado já passou.
COISAS TRISTES
Vera Lúcia de Oliveira
Amo as coisas profundas
as coisas tristes
e profundas
um toco de cigarro aceso
na desforra da tarde
o silêncio de todos os hospitais
onde crianças jazem
uma cadeira sem pernas
as coisas como homens
a eternidade abandona
no meio do caminho
ANTI – EU
José Cabral de Andrade
Eu não sou apenas este ser que se move na rua
com roupas tão semelhantes a tantos outros
que também se movem por estas mesma rua.
Meus passos levam ilhas misteriosas.
montanhas ainda virgens, mares por onde apenas a imaginação navegou.
E na limitação de meus passos, a certeza que a morte é exata, e o corpo se dissolverá
num reencontro às origens.
E o amor terá a forma de barco, voando por cima destas ilhas e fazendo minhas mãos
roçarem em teu corpo e meus lábios murmurarem palavras que relembrem preces
antigas, de religiões milenares, naufragadas no mar e existentes dentro de mim.
O amor, o sonho e a morte preenchem este vácuo, mas existe, como num espelho, um
outro eu, que é anti-eu. Eu sem morte, sem sonhos e até sem amor, que vai ficando
gravado em ondas, em anti-ondas e formam meu caminho, na rua, a velhinha que
balança na cadeira, olha com seus olhos opacos e enxerga apenas meu vulto, muitas
vezes multiplicando, sua visão não deforma meu ser, mostra apenas uma nova face do
mesmo objeto. Eu andando na rua e os olhos me veem de mil formas.
Se me apalpo sinto me concreto, dimensionado posso ser medido, pesado, triturado,
escravizado.
E no entanto, se meus olhos fossem, mais poderosos, veriam que sou formado de
imensos vazios, e há estrelas, planetas, luas, água dentro dos planetas, plantas, animais
e uma outra espécie de seres que também sonham, amam-se matam, e talvez eu
pudesse ver, dentro de meu próprio coração, uma criatura assim chorando.
Eu não percebo mistério algum em ser universos habitados, sinto apenas um pouco de
solidão, quando penso nos vazios que servem de orbitas para os planetas, luas e sol
que me habitam,
E ai percebo que minha vida é retrato de minha composição: tem horas que sou luz e
brilho, tem horas que sou vácuo, tem horas que uma escuridão de lágrimas música
dentro de mim.
Um carro freia na esquina. Uma criança olha assustada. Esta casa é azul. E todos veem
o que eu vejo.
E teus seios surgem na outra esquina, sólidos, querendo voar pela tua blusa
transparente, e eu sinto um sabor antigo de estar andando, de meus passos terem os
mesmos sons que outros passos que vão seguindo por esta mesma rua...
E de mãos dadas saímos a flutuar,
bebendo a luz em grandes taças,
para o alto, para o alto! Onde o silêncio tem voz e descobre-se o porquê da caminhada,
o sentido de estarmos aqui agora,
acordando com nossos beijos
esta vontade, esta certeza,
tão perigoso e para tantos,
tão temida,
que haverá de construir
um mundo novo
e inteiramente repleto de amor...
PAZ E AMOR
Emir Mãncia
Paz e amor, bicho
Escondida de baixo da saia da borboleta,
No alucinante Vagalume da discoteca,
Na Narcose do Individualismo,
A Sofrida Década de 70?
Paz e Amor Bicho
Na fileira dos Anônimos,
Na preguiça da Televisão,
Na Velocidade do Carro sem Gasolina?
Paz e Amor, Bicho
No Risquinho da Loteca
No Pileque Semanal,
No Solitário Camping Lotado?
Paz e Amor, Bicho
Na Tua Luta sem resposta,
No sexo Grupal,
No X Salada, Na Coca-Cola,
Na Jaquetade Couro e Blue Jeans?
Paz e Amor.
Durma, não te canses. Não Lutes.
A Bomba já está Pronta
E o gatilho Próximo.
Tudo explode e estas só,
Diante do Espelho.
Paz e Amor Bicho;
REMANESCENTE DE 68
Peos Ruski Cardoso Lopes
Ele era um sonhador e todas as coisas do mundo eram demasiadamente loucas
para que seus ouvidos ouvissem. E na cabeça dele voava um doce pensamento.
Lá habitava um bicho manso, que tinha como amor, o destino; como os preços,
a vida; tinha ainda como nome, a liberdade.
uma louca liberdade
loucamente, mente a mente
mente que mente desvariada,
mente desvariada...
... Jovem coração a ex-plodir.
(outra de suas esperanças?
- “Há de vir um,
somente um,
um único
coração transbordante
alimentar toda
essa gente”)...
... e seu dinheiro era sua coragem,
coragem
sim, coragem
de dizer não...
,,, e seus segredos eram habitados por
Corpos celestiais perdidos, perdidos...
... na psico, psico
Psico-loca-délica(é délica)
Psicodélica revolução.
VIDA-VIDA-VIDA que habitava seu coração
de sonhador,
com desbundes- bunde-bundes
multiestrelares.
“- Ah, mãe Maria,
Lá se foi a ave,
m’escapou a ave, ave, ave migratória;
ave, ave, ave Maria!”
Ele viu um sol qualquer, habitando seus olhos.
E sua presença, sença...
com licença que ele vai
curti-la (la presença, sença, sença), montado em mágicos pensamentos...!
- Bonitos dias aqueles, não? só de Sol
e Sol
e Sol.
Sol bom de estar numa boa,
sob o sol,
sol bom de se curtir numa boa, sobre o Sol,
nascendo para um lugar longe das gaiolas-de-vidro e cimento.
e cianureto (de potássio, evidente),
e frios e frios
e mais frios corações frios.
Um lugar qualquer do Universo
(ou era dentro de mim mesmo,
do Universo dentro de mim mesmo, que me perdi)
Hoje. (Faixa de tempo ingrata, essa hoje, não?)
Hoje. Esse dia ingrato.
Esse dia em um beijo,
beijo, beijo derradeiro
foi dado, ainda que carinhosamente,
pelas lembranças,
bem no meio da festa, da vida dele,
com um tiro certeiro, do John Weyne.
Tamanha ingratidão, viche...
Não arrepare não. Era só imaginação que morre aos 80. anos 80.
Só nos resta esperar por um novo começo.
Com todo respeito, sem indignação, despede-se meu coração comigo
Bem Vindo terno-de-vidro!
(Perdão, Drummond).
PEGUE ESTA ONDA
Antonio Carlos Doszczovski
Finas fibras de vidro sob a terra
seixal de prata
lago vertente do horizonte.
Escreva seu nome na testa
e bata a cabeça no primeiro poste.
E amo todo domingo
há um gosto de breakfast na boca.
Como todo domingo
dos jornais saem sangue
e as vezes entoam
uma decifrada ópera nas igrejas
enquanto os clarins
melodiam os pátios dos quartéis
Hoje é domingo
já que todos sabem que você existe
faça o anfitrião da nossa festa
da nossa dívida
da nossa sopa
da nossa carne
da nossa energia
pegue esta onda de maravilhas
e distribua para cada brasileiro
que as multis vão te apoiar.
Aproveite o domingo
porque todos ainda estão bêbados
e assinam papéis
Mas só hoje
Porque amanhã é segunda.
É o dia do povo
que varrerá as fibras de vidro
e notará que seixal de prata
foi criado para ceifar as cabeças
corrupto
aproveite este dia flamboyant
porque amanhã é outra ideia.
BRUXOS NO SÓTÃO
Rui Werneck Deca Capistrano
Da reunião anual dos bruxos
Ficou uma certeza:
há o coração doente e a cabeça
está cansada.
Na bola de cristal, cacos de vida
Perpetuam inutilmente a espécie.
Reunidos, esses cacos formam
um rastro fundo no caminho.
Impossível segui-lo.
Há o pó mágico das areias
que tudo descobre.
Uma película finíssima invada
o campo da revisão. Esqueço.
Vejo o revelo.
Fracassos, vícios, separações
amorosas e familiares.
Vejo o revelo.
Volta do companheiro ao lar,
Desmandos, casamentos rompidos,
Perturbações mentais, desamor.
Vejo o revelo.
Nervosismo, ansiedade, trapaças,
ligações perigosas, boas safras,
alegria, prosperidade, felicidade e morte.
De costas para o público preparo o truque
infalível. A rota casaca mal encobre as
minhas dores, desamores, e certas curvas
da infância.
Na hora H tiro esperanças?
Ou a cartola está sem fundos e o coelho
escapa, aos risos da plateia?
O riso é ilusão, porém.
É uma advertência. Iludo a sério:
O riso é ilusão.
E a plateia não tem rosto.
Meus dedos ágeis, meus gestos preciosos,
sob o facho de luz, fazem desaparecer,
a lâmpada vermelha, a moeda do senhor
que adormeceu em todas as almas,
O serrote foi para o amolador.
Cancele o número da mulher dividida.
Mas o programa é vasto e atraente.
Vejo e revelo. Vejo e revejo.
Dúvidas, dívidas, corações divididos.
Sua completa satisfação
ou o dinheiro de volta.
No lado da sombra se forma o número final.
A plateia impaciente se mexe, faz
zum-zum, assobia.
A plateia vaia?
Quer ver água transformar-se em sangue?
E aonde vai circular esse sangue?
Na verdade vou transformar o sangue em água.
E vou beber solenemente a água
Pela sede que a plateia tem de me ver
falhar de novo.
Um lenço branco, quem tem? Tem?
Truque?
Não, o espetáculo já terminou.
É para chorar mesmo.
XVI
FEMUP – 1981
POESIAS
1
AUTO RETRATO
Autor: José Diniz da Costa Neto
7
FILHOS DA AMÉRICA
Autora: Maria Aparecida Miranda
2
EXÍLIO
Autor: Nilson Monteiro
8
TUDO BEM
Autor: Antônio João Teixeira
3
OITAVO ANDAR
Autor: Osni de Souza Calixto
9
NOVELA DAS OITO
Autor: José Eduardo de Siqueira
4
SOLIDÃO
Autor: Marcos Carlson
10
POEMA INACABADO
Autora: Leda de Souza Canabrava
5
FACÇÕES
Autor: Carlos Alberto Francovig
Filho
11
RESPOSTA
Autora: Norma Shirakura
6
A FLECHA
Autor: Rui Werneck de Capistrano
12
PAISAGEM
Autor: Ailton Hermes Rodrigues
AUTO RETRATO
Oscilam dentro de mim
e brigam
meus muitos pedaços.
Na verdade
eles se perseguem,
reservadamente.
São cínicos
estes meus países internos,
estar minhas muitas faces
tão reais
e escondidas,
estes muitos eus
que a natureza
aprisiona
na minha obsoleta
prisão do corpo.
Estranhos são
estes imprevisíveis
sócios de mim mesmo.
Políticos, eles são o governo,
e na democracia,
eu, o povo.
Os elejo e os renego,
numa lírica acrobaxia
de viver e não sabe r,
na mistura do querer
o sim e o não
na mesma palavra coerente.
Fico assim me alternando
entre a verdade e o sofisma
Na confusão dos séculos
não posso perder
a lucidez dos meus erros.
Preciso aprender ainda,
antes da morte,
o que é o eterno,
e por que nome chamar
dentro de mim
a vida
para que não me abandone,
amada e quente,
bela e louca.
É inconstitucional
este meu país
habitado e povoado
de mim mesmo.
É subversivo este ódio,
e o tempo é terrorista
A quem esqueço.
Afinal para mim não importa
o dia, importa
ser feliz na busca
e no encontro,
nesta parte minha, irrequieta,
inconformada, humana
e irreprimível
onde me expando,
convicto,
longe da burocracia
dos meus pés pequenos e lentos.
Na minha mão
habitam
minhas palavras do silêncio.
E todas gritam nos meus dedos
no mesmo instante.
E por um destes caprichos
do acaso
se misturam como estrelas maliciosas
a varrer
os corpos da ilusão.
Por falar de minhas fronteiras
e limites
minha boca é mensageira
incansável
neste meu constante conflito
de caminhar e prosseguir.
Quer saber em mim
o amanhã
onde surgirá o futuro.
E eu não abro mão
da minha renúncia
às tolices do destino.
Não entrego as minhas vontades
aos atos de exceção
nem aos decretos do imprevisto.
Não nasci,
portanto,
naquele quarto de amor,
nem pode deter-me
o social,
o animal,
ou esta minha pobre carne
material.
Na verdade, antes do sol,
no escuro, antes da luz,
eu era aquele rumor
antes do rumor,
aquele furor da mutação,
aquele intento de rebeldia
que se faz vento,
e movimento,
explosão e fogo e homem.
Do viver não me excluirei
nem no sequestro do meu corpo.
Entre o absoluto e o nada
existe o Ser,
e em mim,
este obstáculo respira
comigo
e me agita.
Porque sou a soma
destes meus acidentes
de pensar e querer.
e na vontade
subjugo por mim
meus eus,
meus pedaços que me amam
e me odeiam.
Porque sou muitos
com apenas este rosto,
e sou milhares
a olhar, a disputar
a beleza e o milagre
na janela pequena,
mas feliz,
dos meus olhos.
Não sou um.
E isto é confissão.
Entre nós que somos eu
habita ao menos
a mesma força de seguir
e a mesma denúncia
natural denúncia
de que neste corpo pequeno
apenas por milagre
estamos nós, passageiros,
a navegar
e mar inconcebível
da vida.
José Diniz da Costa Neto
EXÍLIO
Há tão pouco tempo, amiga
e pássaros já vieram
bicar a saliva das retinas
Há tão pouco tempo, amiga
e já espantei nuvens
de lágrimas do peito
Há tão pouco tempo, amiga
e já secou a alegria
das goteiras do sonho
Prendi o sol com alfinete
nos olhos e
travei a lua com visgo
nos lábios.
Fiquei com as manhãs engasgadas
e noites represadas,
assim querendo
barrar
o atropelo do vento
e agarrar
o tempo pelos cabelos.
Há tão pouco tempo, amiga
e os dias escorrem
pelas calhas do dedos,
indiferentes
Há tão pouco tempo, amiga
e as saudades arranham
as teias do cérebro,
teimosas.
Nilson Monteiro
OITAVO ANDAR
Deixa subir contigo, amigo
Para que te seja branda, a noite,
que se prenuncia triste.
Não haverá trabalho, não há
Nem os sonhos, não haverão
(aqueles que sonhavas, junto dos teus
outras noites)
Nem haverá luzes, não há
(embora as veja, daqui, lá fora
a iluminar a noite)
Nem alegria, não há
Neste teu sono, salutar.
Que fizeram da noite, amigo?
Aquela, da lua, das estrelas,
da brisa e do teu sonhar?
E que fizeram de ti, amigo?
Aquele, da força e da alegria,
que não conheci, outros irmãos.
O Denis dorme lá dentro
(será que dorme?)
O sono, que ele, merece bem mais
Lá fora, ladra o cão, impaciente,
como a querer acordar os Deuses,
a noite, lá fora
Não é possível,
que as estrelas, a lua e Deus
continuem impassíveis, a ver
do meu irmão, tanto sofrimento,
Insiste, lá fora, o cão
Ali, na entre-sala, dorme o Denis
Aqui, à luz artificial, escrevo eu
(um desabafo talvez)
Pois me parece igual a nossa dor.
(Dorme o Denis, o cão, a noite,
escravo eu, deste oitavo andar)
Não é mais possível,
que as estrelas, a lua e Deus,
lá fora, não escutem meus lamentos
Dorme a noite, o Denis, a lua,
o cão e Deus,
Dormem as estrelas, o lago,
a logo, também eu
(é uma forma nojenta de
ocultar o próprio lamento)
E eu também tenho a minha covardia
Osni de Souza Calixto
SOLIDÃO
São três e quinze da manhã
e só não estou só
porque no dourado do conhaque
afogo tua ausência.
(Uma solução para quem está sentindo o peso
do sapato de um guarda-noturno
anunciando a fome de seu filho
sonâmbulo
carregado de revolta
ou
da queda de uma folha
anunciando a fraqueza de sua árvore
urbana
carregada de outono).
Esta noite de sábado faz-se só
perdida
esquecida
no meio de todas as ruas paranaenses.
Aqui já se desenha a neblina
as luzes dos postes são obrigadas
a retalhar a névoa
que mergulha no intimo do céu
para nos cegar de desejos.
Pelos buracos traiçoeiros das sarjetas
os palitos de sorvete da vontade
e os papéis amassados do inconformismo
ensaiam a solidão de uma cidade.
Ao luar esboçado o orvalho
preso nas esmeraldas de teus olhos
brilham-me lágrimas
tristes e amargas
me contando que existe uma mulher
em algum lugar deste país.
Nas retinas acesas dos edifícios
os pneus ainda conseguem machucar
a avenida sem destino
e os carrinhos de cachorro-quente estão felizes por
(isso).
As latas
vazias de cerveja
fecundam a árvore mais próxima
como se o jardim fosse um quarto de hotel
onde se cobra por hora.
(Depois
como o lixeiro abriga as latas
vazias de cerveja
o hoteleiro troca os lençóis
cheios de vida.)
Minhas cicatrizes já não apalpam
os buracos traiçoeiros das sarjetas
mas eu ainda chuto a solidão de uma cidade.
Elas também já não se umedecem
com o reflexo do orvalho
mas eu ainda aprendo a mulher
em algum lugar deste país.
São quatro e quinze da manhã
e só não continuo só
porque no dourado do conhaque
afogo tua ausência.
Marcos Carlson
FACÇÕES
em frente ao espelho
não consigo ver nada
além
do inverso
que a imagem me transmite.
ao lado do relógio: as frutas
e o tempo passa sem pressa
consumindo tudo que é vida.
tiro uma fotografia
congelo todo o momento
e guardo, talvez, uma lembrança.
novamente em frente ao espelho
o relógio marca
(não há momento congelado)
apenas a vida
a tua vida a minha vida
a vida das frutas.
o inverso.
Carlos Alberto Francovig Filho
FILHOS DA AMÉRICA
Ó, terra minha amada
terra dos tapajós
tupiniquins e
carijós
terra minha, cobiça
dos europeus e dos
asiáticos
briga ferrenha entre
espanhóis e holandeses
hoje colônia ainda
do grande império moderno
Ó, terra amada minha
terra dos analfabetos
e da preguiça doentia
terra dos assaltantes
por um pouco de comida
e espancamentos por medo
e estupros e violências
que ninguém se preocupou
em explicar ainda
terra das estatísticas
falhas
das probabilísticas
neutras
da vida depois dos quarenta
(que não é o começo mas
que é o fim mesmo)
Ó, amada terra minha
terra de Castro Alves
de Gonçalves Dias e
Paulo Freire
diz conhecer-te bem
um tal chamado Amaral
Neto
e exportam tuas imagens
gigantes
e vendem teu verde
lindo
como outrora teu ouro
teus peixes teus gênios
terra da Angra dos Reis
terra das baixadas fluminenses
terra das festas da uva
e dos vatapás picantes
ora terra dos coronéis no
ciclo da cana
ora dos generais no ciclo do
álcool
(que diferença faz?!)
terra dos decursos de prazo
das oposições valentes
e do homem macho, sim sinhô
DANÇAS EMBRIAGADOS TEUS DEUSES
IRÔNICOS E JEITOSOS TEUS FILHOS
LATINOS SOBREVIVEM COMO PODEM
Ó, minha terra amada
de talentos escondidos
de gritos sufocados
(jazidos no Ipiranga)
de sonhos paridos à força
e mortos incógnitos
na calada da noite
quando tudo que é pardo
vira gato.
Maria Aparecida Miranda
TUDO BEM
Tudo bem
O rosto composto
A palavra certa
Os gestos medidos
Postura correta
Medidas sensatas
Tudo sob controle!
Olhar reto
Límpido
Racional
Eu vou bem, obrigado.
Mas agora,
Te afasta de mim
Carrega o teus caos
Leva teu suor, teu sangue
Tua boca experiente de muitos sabores
Tua pele escaldada, impudica
Insensata
Teus olhos de seda com brilhos de inferno
Teu sexo incrível, vibrante
De mel
Leva teu choro, teu grito, teus lábios
Teu medo, teu toque, teu corpo
Real
Me deixa em paz dentro de mim
Com a hora certa
A roupa limpa
O ar sereno
Branco
Só
Antonio João Teixeira
NOVELA DAS OITO
Descendo as escadas do tempo
encontro um menino
os pés perdidos
numa imensa poça d’água
Os amigos nas peladas
nas esquinas
nas mentiras singelas
A sopa quente nas tigelas
Nas noites
histórias de medo
De dia
pequenos roubos
no armazém do Seu Alfredo
Tempo de encontros maneiros
conversa fiada
longos devaneios
Hoje
Na sala
fala o Aparelho
doloroso no espelho
E na escuridão
Duentes de pedras
Seres mambembes
as bocas geladas as conversas entrecostadas
- Apague a luz
- Passe o biscoito
- Psiu! a novela das oito.
JOSÉ EDUARDO DE SIQUEIRA
POEMA INACABADO
Eu tenho um poema inacabado,
Que me enche de mágoas,
Que é feito de silêncio...
Um poema de amor; de águas límpidas; de céu
macio...
Poema,
Que molha meu rosto, enternece minha alma,
E me rouba expressões...
É sol que a nuvem cobriu;
É semente que germinou e não rasgou o ventre da
terra...
Está no luar,
Na fria madrugada dorme;
Traz cores tristes do poente,
Está no casto corpo das flores...
Meu poema,
Que deixou meus braços estendidos
No frio da espera inútil,
Numa espera angustiosa,
Numa espera de azul e rosa...
Meu poema,
Que se iniciou lindo e Deus colheu inacabado...
Meu poema,
Meu filho!
LEDA DE SOUZA CANABRAVA
RESPOSTA
Porque nada é definido
Porque nada é eterno
Porque nada é imutável
Porque nada é semente.
Porque a morte existe
para cada instante,
dando lugar
a outro instante
sem herança e sem passado.
Porque nada é exato,
devo ser aniquilada
pelas imperfeições
e nascer para rascunhos
mais tarde arquivados.
NORMA SHIRAKURA
PAISAGEM
Preparo a fuga no que penso.
Posso ser tudo, até mesmo eu,
O ser de alguém que se deteu
No miúdo do muito imenso.
Parece fácil se condenso
O mundo nas palavras densas.
E vou por esta experiência
Falando dos sentidos densos.
Uma tarde, no dia, é tarde,
Uma palavra para esta hora.
E fica e vai embora
Sem a palavra e sem alarde.
O sol, brilho naquilo que arde,
É todo uma emissão sonora.
Monossílabo, muito embora
É sendo também uma parte.
Do todo e decomposto.
Tarde é uma parte do sendo,
Dissílabo parte do tempo,
Dezembro, janeiro ou agosto.
A cadeira tem pressuposto
No desenho e no material.
Chega-se somente ao final
Quando nela o objeto posto.
É plena na palavra dela,
Ser feito na designação.
Cadeira, nome que lhe dão,
É nome sozinho, mais ela.
Coisa uma nas suas paralelas.
Resumindo: Numa cadeira,
Com esta palavra primeira,
A tarde debruça amarela
No uso da palavra segunda,
E o sol, agora acentuado,
Põe-se inteiro derramado
Sobre duas palavras fundas.
As palavras, pois oriundas
As três dos olhos, esta nova,
Uma quarta, depois da prova
Da mente, quinta, que circunda
Esta resumida paisagem,
Apresentam-se uma sexta-feira Palavra, inesperada e destra:
Inutilidade (de viagem).
Sinto, persistindo asondagem,
No objeto, que é o ser, o nome,
Palavra exata que o consome,
Herança da nossa linhagem.
Palavra no objeto estamos
Nele, ou sentindo no que sente.
Nomes que lhe são referentes,
Espelhados e sendo vamos.
Suas vestes são nossos panos,
A nudez espanta o mistério.
Uma ou mais sílabas a sério
Mais um ser, um sentir trajamos.
Eis porque abandono o trajeto,
Sem jamais ter daqui saldo,
Vendo ao longo nomes caídos.
Cadeira, tarde, sol, objetos...
AILTON HERMES RODRIGUES

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