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“A EMERGÊNCIA DE UM PERFIL PROFISSIONAL TRANSFORMADOR NA
ADMINISTRAÇÃO”
AUTOR
Dalila Alves Corrêa
INSTITUIÇÃO
UNIMEP – UNIVERSIDADE METODISTA DE PIRACICABA
As gigantescas e inesperadas mudanças que estão ocorrendo no mundo moderno têm lançado sérios desafios aos
profissionais da Administração no sentido de compreender as necessidades emergentes de revisão e redireção dos
pressupostos que estão por trás das práticas administrativas tradicionais. Considerando ainda, o papel estratégico que
a ela vem sendo associado – enquanto uma cooperadora na empreitada de ajudar a corrigir o rumo insustentável que
tomou a sociedade moderna – aqueles desafios ampliam-se e recaem na evidência de que é preciso mudar as
predisposições mentais que sempre sustentaram a justificativa econômica como pretexto para adoção de ações e
estratégias, atualmente, inadequadas a complexidade do mundo organizacional.
A carência por revisão e reconsiderações neste campo têm também apontado para uma nova estirpe de
administradores com perfis profissionais assentados em valores e princípios humanísticos, bem como, melhores
preparados e conscientizados para os seus papéis numa sociedade globalizada que clama por justiça, melhores
processos de distribuição de renda, cidadania, segurança e qualidade de vida. Esta perspectiva tem enfatizado a
dimensão do “saber-ser” na competência do administrador.
Neste contexto, onde se emerge um perfil profissional humanista, localizamos seus impactos para os cursos de
Administração no Brasil e a necessidade destes darem continuidade ao processo de reforma curricular focando, desta
vez, a sua inovação no âmbito das demandas conhecidas. Assim, uma análise do perfil profissional transformador na
Administração é discutida no presente trabalho.
I – Introdução
Dentre as gigantescas mudanças que atualmente se aceleram em nossa direção estão os desafios de repensar e refazer
a Administração. Nossa cultura é tão impregnada de Administração que não é por demais complexo compreender a
sua linguagem e reconhecer o seu papel afinal, todos temos algo a administrar. De fato, muitos associam-lhe um
papel poderoso no sentido de colocá-la como uma cooperadora estratégica na empreitada de ajudar a corrigir o rumo
insustentável que tomou a sociedade moderna. Esta perspectiva é sustentada no aumento de ser cada vez mais
evidente a impossibilidade de satisfazer as atuais necessidades do mercado global com a utilização das práticas
administrativas das últimas décadas.
A administração enquanto arte, ciência e/ou técnica já foi definida, aceita e praticada como a direção de recursos
para a realização de uma tarefa predeterminada. Atualmente, ela avança vigorosamente para a capacitação dos
indivíduos que possam reagir criativamente a situações mutáveis e imprevisíveis.
As novas práticas administrativas instituídas pelos mais arrojados líderes empresariais englobam o respeito pelo ser
humano, a prática da responsabilidade social, o respeito a cidadania e a construção de uma sociedade global mais
qualificada e humanizada. Tais práticas nos chegam como frutos de um processo de mudança necessária nos
pressupostos que ainda estão por trás da Administração tradicional recaindo sempre na justificativa econômica como
pretexto para adoção de ações de outro modo indesejáveis.
A carência de novas predisposições mentais na Administração é de tal grandeza que uma demanda presente e
potencial de uma nova estirpe de administradores está se consubstanciando na análise de profissionais ligados ao
mundo empresarial. Historicamente o modelo de adminis trador foi se configurando com maior ênfase no âmbito da
racionalidade técnica e no uso da racionalidade instrumental com respeito a fins. Esta caracterização orientou e
sustentou por décadas a formação de profissionais assentada em valores e princípios comprometidos tão unicamente
com a dimensão econômica. Atualmente, este modelo de profissional está enfraquecendo e novos requisitos e novas
qualificações no perfil dos profissionais da Administração têm se constituído matéria de discussão nos campos
acadêmico e empresarial.
O ambiente organizacional moderno contextualizado num mundo de transitoriedade de valores está apontando
favoravelmente para perfis profissionais qualificados de competência em relacionamento humano, maturidade
emocional e valores humanistas e espirituais – a Administração revisada requer também um administrador mais
consciente do seu papel numa sociedade carente de profissionais -cidadãos.
Uma revisão bibliográfica sobre perfil profissional do administrador contemporâneo e potencial permitiu-nos apurar
uma tendência eminentemente voltada para a dimensão humanística onde, o “Saber-Ser” está desafiada a coexistir
com o “Saber-Fazer”.
Neste contexto de desafios uma questão crucial deverá ser enfrentada pelas escolas de Administração: assumir o
enfrentamento da questão referente as demandas de novas concepções e qualificações do trabalho do administrador
no sentido de incorporá-las nas suas política e prática de ensino.
A perspectiva traçada sobre o curso de Administração é alimentada, entre outros aspectos, pela nítida carência de
inovações curriculares e, sobretudo de pressupostos de gerenciamento compatíveis e articulados com os atuais
paradigmas e cenários complexos das organizações modernas e do trabalho administrativo.
Assim, é no contexto de promover uma discussão sobre a competência humanística na formação do profissional de
Administração que se assentam as bases do presente trabalho, tendo como foco a importância estratégica do ensino e
do papel dos cursos de Administração do país neste âmbito. O enfoque particularmente voltado para o Ensino de
Administração contempla a contribuição específica que ele pode conferir a construção e ao desenvolvimento daquela
competência.
II – O perfil profissional do administrador que emerge para o novo contexto mundial
A revista Exame de 26 de Julho de 1989 publicou um artigo intitulado “O executivo-chefe do terceiro milênio”¹
bastante chamativo (naquela época), para as organizações empresariais e instituições de ensino de Administração do
país. O artigo apresentou o perfil do líder de empresa que estará a frente dos negócios no século XXI.
Tal perfil foi uma das conclusões a que chegou uma investigação envolvendo 1508 executivos (de origem norteamericana, asiática, européia e latino-americana), provenientes de 20 países de seis idiomas distintos. A mesma foi
coordenada por dois professores da Graduate School of Business da Universidade de Colombia, sendo financiada
pela Korn Ferry Consulting International, uma das renomadas empresas de recrutamento dos USA, com escritório no
Brasil. Os resultados deste estudo, compilados de 190 mil respostas receberam o título de Relatório do Século XXI. ²
O perfil apurado apontou um modelo de gestor predominantemente:
“comunicativo, aberto, inspirado, automotivado, entusiasta, hábil com a mídia, analítico, colaborador, de
visão estrategista, esperto, disposto a correr riscos, aptos a lidar com a natureza humana, com o mercado, com a
multicultura, fluente em línguas, humano, criativo e ético.”.³
Tais características e atributos projetados para o perfil do profissional, entre outras análises, colidiram com o modelo
clássico de executivo do atual século uma vez que tais prospeções estariam evidenciando as novas necessidades de
revisão do modelo de competência profissional dos líderes empresariais.
Reconhecida a expressividade da pesquisa da Universidade de Columbia sobretudo, pela sua contribuição para as
organizações empresariais e instituições de ensino relacionadas com a Administração; ressalta-se que os traços,
características, atitudes, atributos, capacidades e habilidades dos administradores têm sido, desde as primeiras
décadas deste século, objeto de estudo da Administração e da Psicologia. Inicialmente tais estudos tentavam explorar
a teoria do traço no tocante à liderança buscando alguma espécie de atributos pessoais que pudessem ser
demonstrados como significativamente correlacionados com o sucesso do administrador4 .
Mais tarde os interesses por estudos nesta linha reduziram, em grande parte, pela ausência de constatações efetivas
ou incontestáveis e, também pela proliferação de traços de personalidade que podiam ser definidos
operacionalmente5 .
Todavia, o assunto ligado a perscrutação de perfis é retomado, na atual década, em nível mais complexo e sofisticado
da idéia de que há necessidade de ampliar o cabedal de atributos dos profissionais da Administração para além das
características identificáveis da personalidade.
Assim, os estudos mais recentes compartilham da necessidade de repensar a formação profissional do administrador
quer no âmbito da organização empresarial quer no âmbito da instituição de ensino que o forma, conforme passamos
a relatar.
O consultor e professor PASCARELLA 6 , descreveu, de maneira conspirante sobre o advento da nova organização e
do novo profissional:
“Está ocorrendo uma revolução silenciosa...(sic) nas corporações e nas empresas...(sic). O
gerenciamento e a administração estão caminhando para uma nova mentalidade, para uma nova percepção do
papel do indivíduo e da empresa. Quando os gerentes e administradores efetuarem uma radical modificação em seus
valores a corporação passará por uma reorientação radical a favor de uma maior e ampla visão do mundo.”
O autor condiciona a reorientação radical das organizações a uma significativa transmutação de valores pessoais dos
gerentes numa perspectiva bastante subjetiva.
MARCOVITH7 , descrevendo de modo objetivo, admite que a necessidade de revisão no modelo de competência
gerencial levou empresas e escolas a redefinir suas linhas de formação profissional:
“Em todo o mundo, a formação de dirigentes e o conteúdo da educação e treinamento em gestão está
sendo revista. As escolas de administração de maior prestígio nos Estados Unidos estão redefinindo suas missões,
afastando-se de modelos curriculares que datam da década de 50. Empresas aplicam interna e externamente
montantes crescentes em treinamento e desenvolvimento gerencial. Os métodos gerenciais japoneses são analisados,
adaptados, aperfeiçoados e propostos para adoção em outras culturas.”
COVRE8 , particulariza a necessidade de revisão na formação profissional do administrador para além da dimensão
positivista do ensino:
“A perspectiva tradicional do ensino de administração fundamentada sobretudo na racionalização
mecanicista cartesiana, não mais garante a produção de resultados satisfatórios e adequados para a formação de
administradores que irão atuar em cenários de transformações contínuas, porque se encontra em dissonância com a
realidade empresarial econômica atual.”
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Revista exame, seção Administração, 26/07/1989, pp.94-95.
Revista exame – op. cit.
Revista exame – op. cit. p. 95
STOGDILL, Ralph M. Personal factors associated with leadership. Journal of Psychology. 1948, 25.1.35-71;
SHARTLE, C. L. Leadership and executive performance. Personnell, 25:370-80.1949.
HODGKINSON, Christopher. Proposições para uma filosofia da administração. Ed. Atlas, SP, 1983.
PASCARELLA, Pery – The new archivers. New York Free Post, 1984, p. 173.
MARCOVITH, J. – Dirigentes para uma sociedade dual – FEA/USP, São Paulo, p. 1
COVRE, M.L.M. de – A formação e a ideologia do administrador de empresas. 3a.ed., Cortez, São Paulo, p. 1991, p. 27
O consultor e professor universitário GAJ9 descreveu que no início dos anos 80 fazia-se notar o surgimento de uma
nova geração de administradores renovadores, criativos, com visão futurista bastante apurada e com valores humanos
nobres.
“Estes profissionais mostram atitudes claras para o trabalho cooperativo e características como saber
ouvir, motivar, relacionar com grupos, ser participativo, humildade para acatar críticas, disposição para aceitar
desafios, objetivos definidos etc. (sic)”
BOTELHO10 advogado e consultor organizacional destacou a sinergia como sendo o atributo básico dos
administradores futuros, isto porque ela implica na existência de uma série de características e valores humanos
fundamentais:
“Os aspectos indispensáveis para que haja administradores sinergéticos passam pela pertinácia,
democratização das informações, capacidade de administrar conflitos, capacidade para gerar e implantar
mudanças, flexibilidade, criatividade, empatia, liderança etc. (sic)... sintetizo estas habilidades e competências em
quatro: humildade, simplicidade, comunicabilidade e uso correto do poder.”
Dedicando-se a atividade de prospecção de cenários macro/micro econômicos, mudanças emergentes e impactos nas
empresas, o economista, professor e consultor ROSSETTI11 descreve os seguintes atributos imprescindíveis dos
administradores fazendo-se destacar também, valores humanos:
“Ética, criatividade, coragem, intuitivo, estilo gerencial voltado para o consenso, automotivado para
buscar excelência, sensível à visão sistêmica e enfático em participação e comunicabilidade.”
Após desenvolverem uma pesquisa sobre o ensino de Administração em 60 universidades norte americanas os
professores PORTER et MCKBBIM (1988)12 concluíram, entre outros fatos, que o mundo empresarial requer uma
ênfase maior no desenvolvimento de habilidades de relacionamento humano. A mesma conclusão foi também
apurada pelo professor LOUIS (1990) num estudo de natureza longitudinal de 10 anos realizado com 200
estudantes/formandos.
KILMANN et SHEEELLEMANN13 , consultores da área de Marketing, descrevendo sobre as variáveis chaves da
competitividade organizacional destacaram como fator primaz a necessidade de conferir aos alunos de
Administração valores humanos:
“É inadiável a estratégia de enfatizar na formação dos estudantes de administração, capacitação em habilidades
humanas como: relacionamento interpessoal, administração de conflitos, relação família-negócio, além de incluir
conhecimentos de psicologia, ciência política e antropologia; acima de tudo deverão ser preparados em processos de
tomada de decisão.”
O casal NAISBITT e ABURDENE14 , renomados consultores e especialistas em tendências sociais do mundo,
discorrendo sobre as características humanas necessárias ao gestor do século XXI, enumera:
“Ser capaz de dirigir a si próprio, ser capaz de se agüentar sozinho, ser orientado para a ação, ter muita
energia, ser capaz de agüentar a incerteza.”
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9 – GAJ, Luís et al. Transição 2000: tendências, mudanças e estratégias. Makron Books, São Paulo, 1993, p.84
10 – BOTELHO – F. Eduardo – Do gerente ao líder: a evolução profissional. 2 a. Ed., Atlas, SP, 1991, p.163-164
11 – ROSSETTI, P. José – Perspectiva Nacional: macrotendências e mudanças emergentes, impactos nas empresas. Banco Nacional 90, São
Paulo, 1991, p.9
12 – Citados por MARCOVITH, op.cit.
13 – KILMANN, R.H. et SHELLEMANN, J.B. – Interating different approaches for achieving competitiveness. In: Making organizations
competitive. Jossey Bass, San Francisco, 1991, p. 45
14 – NAISBITT, J. Et ABUDERNE, P. – Reiventar a empresa. Editorial Presença, Ltda., Lisboa/Portugal, 1987, p.126.
15 – FERGUSSON, Marylin – A conspiração aquariana, 4a.ed., Record, Rio de Janeiro, 1980, p.354-355.
A jornalista e pesquisadora FERGUSSON15 , após concluir um estudo profundo referente as mudanças emergentes
dos anos 80 e, especificamente, ao abordar as reformas educacionais nos Estados Unidos focando os currículos das
escolas de Administração deu ênfase à necessidade de desenvolver nos estudantes:
“autoconfiança, iniciativa,
responsabilidade social e alegria.”
bondade,
espontaneidade,
expediente,
coragem,
criatividade,
A autora citando conclusões de pesquisas (desenvolvidas por universidades norte-americanas), referentes ao tema
novas relações no trabalho comenta sobre a performance dos administradores diante do cenário empresarial que se
descortina:
“o êxito dos administradores está associado a uma atitude de confiança, preocupação com a satisfação
pessoal dos empregados, privação do ego, vontade de ouvir, correr riscos, inovação, altas expectativas,
colaboração e capacidade de integrar idéias.”
“abertos ao complexo e ao misterioso, interessados em informações “silenciosas” (sic) e especulativas
(expressão facial, tom de voz, gestos, palpites, intuições), perscrutador do ambiente, percebendo, discutindo em
conjunto, intuindo.”
III. Os impactos do perfil profissional emergente na formação do administrador no Brasil
O enfoque sobre mudança na formação dos profissionais da Administração de Empresas relatados pelos autores e
diferentes profissionais, também aparece nos processos de reforma curricular do curso de Administração de
Empresas no Brasil, especificamente, por ocasião de 1995 quando, o Conselho Federal de Administração anuncia as
escolas de Administração anuncia as escolas de Administração o novo currículo daquele curso; onde, já se pode
observar as nuances da perspectiva da formação humanística. Ainda, no âmbito das instituições educacionais, o
enfoque humanista na formação do administrador passa a ser um dos aspectos de avaliação do estudante de
Administração – quando, em novembro de 1996 foi realizado no país o ENC.I – I Exame Nacional dos Cursos de
Administração, o provão. Trata-se de uma medida do Ministério da Educação e Desportos, do Conselho Federal de
Administração (CFA) e da Associação Nacional dos Cursos de Graduação em Administração (ANGRAD); que
basicamente buscou dar início – através da avaliação do estudante concluínte - a uma política de melhorias nos
cursos de Administração, prevendo ainda a realização gradual de um conjunto de avaliações a serem estendidas a
particularidades das instituições e dos docentes). Assim, destacamos as características projetadas para compor o
perfil do administrador a ser avaliado no ENC.I16
“- formação humanística e visão global que o habilite a compreender o meio social, político, econômico e
cultural no qual está inserido e a tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente”.
“ - internalização de valores de responsabilidade social, justiça e ética profissional”.,
“ - capacidade de compreensão da necessidade do contínuo aperfeiçoamento profissional e do
desenvolvimento da autoconfiança.”
Ainda que de forma vaga a formação humanística, aparece no perfil desejado do estudante de Administração sendo
associada à visão global onde, juntas formam as habilidades de compreensão e ação.
Uma síntese preliminar dos atributos, habilidades e características integrantes do perfil prospectado do administrador
– aqui levantados por diferentes autores, profissionais e educadores – aponta para valores de natureza humanística,
tais como:
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15 – FERGUSSON, Marylin – A conspiração aquariana, 4a. ed., Record, Rio de Janeiro, 1980, p.354-355
16 – Portaria Ministerial, 718/96. Revista do provão, p.21
capacidade de interagir com pessoas, de saber ouvir, aceitar críticas, de analisar e de refazer erros,
automotivar-se, de exercer domínio emocional, de privação do ego, de atitudes e de pensamento ético, intuitivo,
corajoso, participativo, alegre, franco, comunicativo, cooperador, responsável...
Essa constatação explícita a existência de demandas pela dimensão do “Saber-Ser” na profissão do administrador
numa posição de convívio com a dimensão do “Saber-Fazer”. Tal evidência denota uma atitude aberta que o
profissional necessariamente deverá desenvolver para atuar na complexidade organizacional, sobretudo porque tal
dimensão tem se tornado uma constante no gerenciamento moderno.
A dimensão do “Saber-Ser” no trabalho do administrador apresenta-se como uma expressão carente de
explicitações conceituais, porém, ela deve ser compreendida no âmbito de um conjunto de características pessoais
incluindo habilidades, atitudes, valores éticos, princípios morais, perfil educacional, cultural; enfim, traços e aspectos
humanistas que se adequam positivamente as dimensões demandadas na complexidade das organizações modernas,
particularmente os valores presentes no perfil das lideranças do século XXI.
Assim, a dimensão do “Saber-Ser” tendenciosamente está se configurando como um requisito das ações e das
práticas da empresa moderna – fundamentalmente porque a prevalecência da maioria dos problemas atuais destas
organizações ainda é decorrente de um modo deficiente de pensar, de uma carência por mudanças na predisposição
mental da organização (conteúdo), e não apenas de mudanças no nível da sua forma (contexto). Neste sentido o tipo
de mudança proposta recai nos valores pessoais conforme descreve HARMAN17 .
“Esses valores compreendem uma melhoria na qualidade dos relacionamentos, cooperação, carinho e
atenção, justiça social, valores humanitários, ecológicos e espirituais, bem como, respeito e confiança para com as
demais criaturas do planeta”.
Nesta consideração o “Saber-Ser” fundamenta-se como uma dimensão co-existindo com a dimensão do “SaberFazer”, pois os aspectos relacionados ao perfil não nascem simplesmente de pressões exteriores às pessoas (ou
refletem essas pressões). Eles surgem da tensão existente entre as impulsões ou desejos por mudanças vindos de
muitos indivíduos e de impulsões ou pressões de partes interessadas (stakerholders), fora da organização. Mas, uma
vez formados e estabelecidos, estes traços passarão a representar papel significativo no desenvolvimento econômico
e social e, consequentemente, “no fazer” do trabalho do administrador.
A própria literatura que aborda o gerenciamento e, predominantemente, a norte americana tem explorado progressiva
e intensivamente a vertente do “Saber-Ser” 18 na Administração. Tais abordagens (salvaguardas das precariedades
científico-metodológicas a que estão expostas), estão contribuindo para o alvorecer de novos pressupostos gerenciais
e mentais – ainda que sujeitas à discussões, debates, análises e validações. Porém, é inegável que um conluio e
declarada empatia por esta literatura em situação real de vida e de trabalho são percebidos e compartilhados quer por
escritores, pesquisadores, docentes, jornalistas, profissionais da Administração etc.
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17 – HARMAN, Willis – O mundo dos negócios no século XXI: um pano de fundo para o diálogo. Ed. Cultrix, SP, 1996, p.19
18 – Há um número grande de matérias sobre este assunto e relacionadas com o autogerenciamento e às múltiplas e conflitantes funções que o
administrador se vê obrigado a desempenhar. A maior parte das publicações existentes parecem enquadrar-se nas categorias de auto-ajuda ou
baseiam-se em diferentes correntes psicológicas, escolas filosóficas orientais, esoterismo e até cultismo. Vide por exemplo: produções da editora
Record/RJ: KNIGT, D. Guy – O I Ching na administração de empresas. Record/Nova era. SILVA, J. Et STONE, B. Robert – O método Silva de
Controle mental para executivos. TOPPEL, A . Eduard – Zen nos negócios. ROWAN, Roy – Gerente por intuição. (sem datas). BLANCHARD,
K. Et JOHNSON, S. – O poder da administração ética. RJ, 1990. HAWLEY, Jack-Reawakening the spirit in work, RJ, 1995. Outras produções:
RUTSCGER, J. – Achieving excellence: Creationg high -performance, spirited organizations. Brookline, Mass: Peak Dynamics, 1992. RENESCH,
J. – New traditions in business: Spirit and leadership in the 21 st century. San Francisco: Berrett-Koehler, 1991. KESTIN, H – Gerência do século
21. Berkeley Brasil ed, RJ, 1993. COVEY, R. Stephen – Os 7 hábitos das pessoas muito eficazes, Ed. Best Seller, 19a. ed., 1989. PARIKH,
Jagdish – Autogerenciamento: A busca de um novo estilo de liderança Saraiva, SP, 1994, MOSCOVICI, Fela – Renascença Organizacional. Ed.
José Olimpo, 5a. ed., RJ, 1993. ORSBON, Carol – Excelência interior: ética nos negócios e espiritualidade. Ed. Cultrix, SP, 1995 etc.
19 – BERNDT, Alexander – A inteligência emocional – artigo, revista do provão, p. 31
20 – GOLEMANN, Daniel – A inteligência emocional, 16a. ed., Ed. Objetiva, RJ, 1995.
BERNDT19 , presidente da ANGRAD e professor de Administração, admite que existe uma gama complexa de
atributos exigidos de um administrador, entre eles os de ordem pessoal. Citando o trabalho de GOLEMAN20 ,
BERNDT enumera, conforme abaixo, os atributos pessoais imprescindíveis que permeiam e perfazem a gama de
situações e vicissitudes do trabalho dos administradores:
“saber lidar com seus próprios sentimentos, ser autoconsciente, aceitar-se, controlar a tensão, intuir
sentimentos alheios, ser empático e revelar-se franco nos relacionamentos...”
HAWLEY21 , consultor norte americano empenhado na busca de modelos de comportamento gerencial para o século
XXI avança arrojadamente na explicitação da dimensão do “Saber-Ser” no trabalho gerencial quando relata:
“As questões fundamentais enfrentadas pelos gerentes e líderes contemporâneos não são mais da tarefa e
da estrutura e sim questões de espírito.”
Avançando nesta perspectiva o autor sugere atitudes e procedimentos pessoais aos gerentes (tais como paz interior,
verdade, boa conduta, amor, confiança, respeito, ética, solidariedade, intuição...), para que estes passam a incorporálos no seu trabalho e, possam ainda, vir a contribuir para introduzir mais ética e espiritualidade nos ambientes
empresariais. Tais atitudes enfocam, segundo o autor, os aspectos da Administração Dharmica22 .
“Em sânscrito, a palavra dharmica significa integridade muito profunda – viver segundo a verdade – Administração
dharmica significa levar todos os dias esta verdade para o trabalho. É uma fusão de espírito, caráter, valores humanos
e decência no local de trabalho e na vida como um todo.”
O relatório de um estudo desenvolvido pela Universidade de McGill/USA sobre modelo de gestão, patrocinado pela
IBM e citado por FERGUSSON23 , afirmou:
“Os executivos parecem apelar mais do que a maioria das pessoas para o processo do hemisfério
direito...(sic) onde estão as considerações mais sutis da existência espiritual”
Justificando a afirmação a jornalista esclarece que certas demandas típicas do gerenciamento, por exemplo, visão
sistêmica, é um fenômeno espiritual porque ela vai além de questões cotidianas, pois visão é um modo espiritual de
criar laços organizacionais sem o uso da coerção.
A pesquisadora, psicóloga social e professora da FGV/EAESP MOSCOVICI24 , descrevendo sobre o despertar dos
executivos sugere, como instrumento gerencial, o modelo de desenvolvimento holístico que contempla as física,
emocional, mental e espiritual do homem. O cerne deste modelo é a junção entre a vitalidade e o ajustamento das
quatro dimensões.
“O modelo holístico possibilita a incorporação de experiências místicas, da dimensão espiritual, ao
processo de desenvolvimento gerencial. Este passa a ser considerado um processo de desenvolvimento integral da
pessoa, do ser humano, que exerce uma função gerencial dentro da organização...abre ainda um espaço promissor
para recuperar a dimensão humana na organização tecnológica e valorizar o ser humano além das máquinas.”
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– BERNDT, Alexander – A inteligência emocional – artigo, revista do provão, p. 31
– GOLEMANN, Daniel – A inteligência emocional, 16a. ed., Ed. Objetiva, RJ, 1995.
– HAWLEY, jack – op. cit. p. 15
– idibid – p.16
– FERGUSSON, M. Op. cit., p. 357
– MOSCOVICI, F. – op. cit., pp.102-103
Descrevendo sobre o tema mudança e resistência à mudança organizacional MOSCOVICI, sugere aos gerentes que
recorram a perspectiva taoísta, expressa na filosofia oriental de TAO25 , como uma ferramenta para seguir o caminho
consciente ou ir conscientemente. Esta filosofia expõe as idéias sobre um mundo em constante transformação e os
significados de cada situação específica que a mudança traz.
IV – Conclusão
As considerações levantadas anteriormente, na perspectiva de diferentes profis sionais, apontam para indícios
significativos da necessidade da competência humanista no trabalho da Administração e nos ambientes
organizacionais – numa dimensão mais explícita e de proporções bem maiores do que nós, acadêmicos admitimos.
No entanto, além do assunto em si, na sua maioria, parece vago e complexo, mostra-se também como uma temática
de relevância secundária quando comparada a outras variáveis da agenda empresarial e científica; mas se
mencionado, existe, atrai interesses e encontra compartilhamento26 .
Admitimos ainda que a maior parte das obras que tratam o assunto originam-se de vivências
fundamentadas em experiências de auto-desenvolvimento e busca de vida pessoal digna e espiritualizada.
Esta direcionalidade não contempla preocupações que venham fornecer estruturas e conteúdos
pedagógicos adequados a prospecção de modelos e de metodologias que sustentam o desenvolvimento
dos requisitos que deverão ser contemplados na formação humanística do estudante de Administração.
Esta lacuna apresenta-se como uma oportunidade para o desenvolvimento de um estudo sistemático contemplado no âmbito da
competência do trabalho gerência e viabilizado no ensino da Administração.
Contudo, as considerações sobre a competência humanística no trabalho administrativo não se limitam obviamente a
qualidade e a idoneidade da produção literária – quanto a este aspecto a carência de precisão conceitual e de
adequabilidade à nível do seu ensino é conhecida. O que se busca inicialmente é uma elaboração explícita do
conceito do Saber-Ser no contexto da administração moderna e, mais especificamente, no trabalho do administrador.
A carência por estas explicitações apresenta-se como um desafio para o ensino da Administração emergindo a
necessidade de tratar esta temática no sentido de superar limitações curriculares. A demanda por considerações
humanísticas no trabalho administrativo está gradativamente se caracterizando como um requisito da competência
profissional e isto assinala também a necessidade de se construir e viabilizar novos pressupostos organizacionais e
administrativos que venham contemplar esta perspectiva.
A partir desta caracterização outras demandas vão se colocando, tal como, o conhecimento e análise de práticas
pedagógicas que os cursos de Administração do país possam estar adotando no sentido de estar atendendo esta
dimensão.
Entendemos que esta discussão remete-nos ainda a uma revisão sobre o “Como” o trabalho do administrador vem
sendo tecido e desempenhado ao longo deste século. Embora a regulamentação e a prática desta profissão aponta
para uma concepção tecnicista e uma atuação profissional fragmentada, as demandas concretas do mercado de
trabalho e do contexto da complexidade organizacional têm solicitado um administrador mais inteirado com as
dimensões sócio -político-cultural. Neste âmbito reforçamos a necessidade de uma qualificação também no campo de
novas competências.
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25 – MOSCOVICI, F. Op. cit, p.43-53
26 – Quanto a este aspecto basta levantar os inúmeros seminários relacionados a temática “espiritualização no trabalho” que estão proliferando
pelo país. No mês de Maio/97 foi realizado em São Paulo, no Maksoud Plaza Hotel o Seminário sobre “Organizações competitivas e humanizadas
– o redespertar espiritual no trabalho: práticas, princípios e resultados” contando inclusive com a presença do consultor americano Jack Hawley.
Entre os brasileiros estavam os freis Beto e Leonardo Boff falando para uma platéia de empresários e profissionais da Administração. Está
agendado para o mês de agosto/97 o “23º CONARH – Congresso Nacional de Recursos Humanos”, em São Paulo/SP, cujo tema abordará
discussões sobre auto-conhecimento e nova liderança no século XX (Jornal o ESP, 17/9/97). Em setembro/97, na cidade de Águas de Lindóia/SP,
acontecerá o “VI Congresso Holístico e Transpessoal internacional” que abordará os rumos e valores humanistas no século XXI. Segundo
organizadores este evento é de cunho científico e não esotérico (Jornal o ESP, 17/08/97).
Assim, a medida que o próprio trabalho administrativo amplia-se para além das perspectivas técnicas, variáveis como
regulamentação, prática, ensino, pesquisa em Administração carecem de análise e reconsiderações.
V – Bibliografia
BERNDT, Alexander – A inteligência emocional – artigo, revista do provão, p. 31
BLANCHARD, K. Et JOHNSON, S. – O poder da administração ética. RJ, 1990.
BOTELHO, F. Eduardo – Do gerente ao líder: a evolução profissional. 2a. ed., Atlas, SP, 1991.
COVEY, R. Stephen – Os 7 hábitos das pessoas muito eficazes. Ed. Best Seller, 19a. ed., 1989.
COVRE, M.L.M. de – A formação e a ideologia do administrador de empresas. 3a. ed., Cortez. São Paulo, 1991.
FERGUSSON, Marylin – A conspiração aquariana. 4a. ed., Record, Rio de Janeiro, 1980.
GAJ, Luis et al. – Transição 2000: tendências, mudanças e estratégias. Makron Books, São Paulo, 1990.
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