A preservação e o acesso de acervos fonográficos.

Transcrição

A preservação e o acesso de acervos fonográficos.
Relato de Pesquisa
A preservação e o acesso de acervos fonográficos – relato de pesquisa
por
SILVA,
SILVA, Sé
Sérgio Conde de Albite
Doutor em Ciência da Informação, mestre em Memória
Social, arquivista-conservador e professor da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO
[email protected]
RESUMO
Relata as diferentes etapas, processos e principais resultados de dois projetos de pesquisa
sobre preservação e acesso de acervos sonoros compostos por discos de vinil e de gomalaca. Os acervos, objetos da pesquisa, estão custodiados no Instituto Cultural Cravo AlbinICCA e na Divisão de Música e Arquivo Sonoro da Biblioteca Nacional-BN, ambos com
sede no Rio de Janeiro. Os projetos foram desenvolvidos entre agosto de 2001 e abril de
2006. As etapas de pesquisa e de intervenção consideraram, de forma integral e
indissociável, a preservação e o acesso dos discos, e contemplaram a conservação
(higienização e consolidação física) das unidades documentais, o acondicionamento, a
descrição, a formatação de bancos de dados, arquivos de metadados e a digitalização
sonora das músicas para acesso em intranet e/ou internet.
Palavras-chave: preservação e acesso de acervos fonográficos – arquivos sonoros – discos
de vinil e goma-laca – discos de música brasileira
ABSTRACT
This research report presents the different stages and processes of two projects that
involved research of technologies and materials and its subsequent implementation. Such
projects were developed in collections with Brazilian's music record-discs of two cultural
institutions in Rio de Janeiro: the Instituto Cultural Cravo Albin-ICCA and the Biblioteca
Nacional-BN (National Library), between August of 2001 and April of 2006. The research
and the treatment considered, in a integral way, the cleaning and the physical conservation
of the documental units, the packaging, the archive description, the formatting of a
databases and its metadata files, the digitization of the music for access in intranet and/or
internet.
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INTRODUÇÃO
A par da revisão de literatura, do campo teórico conceitual e da pesquisa de
materiais envolvidos nos projetos de pesquisa, priorizou-se apresentar neste relato os
processos e os principais resultados dos projetos intitulados “Organização e Preservação
de Acervos do Instituto Cultural Cravo Albin (2001-2004)” e “Passado Musical (20052006)”. Justifica-se essa escolha em razão de demanda sobre o tema manifestada por
arquivistas e conservadores de várias partes do Brasil e em vista do aumento significativo
de instituições que começam a tratar seus acervos fonográficos.
No âmbito dos dois projetos de pesquisa, a preservação foi entendida como toda
ação que se destina a salvaguardar e a recuperar as condições físicas, proporcionando
permanência e durabilidade aos materiais dos suportes, possibilitando a disseminação da
informação. Isto significa que o conceito de preservação a longo prazo ultrapassa a
intervenção física nos suportes ao contemplar o acesso contínuo à informação. Significa,
também que há uma relação hierárquica entre os conceitos de preservação, conservação,
restauração e conservação preventivas e as respectivas ações de intervenção (SILVA, 1998,
p. 9). Isto é, a preservação engloba as conservação e a restauração (ações corretivas) e a
conservação preventiva (ações preventivas). Os usos e os recursos das tecnologias de
informação e comunicação-TICs corroboram a ampliação do conceito de preservação,
uma vez que o principal foco no uso das TICs é o conteúdo intelectual dos objetos.
Garantir a continuidade do acesso é o principal objetivo da preservação que transforma
objetos analógicos em objetos digitais.
O objetivo geral de ambos os projetos foi o de preservar os registros e democratizar
o acesso a uma parte do passado musical brasileiro armazenado nos itens das coleções
fonográficas tratadas. O desenvolvimento e aprimoramento de metodologias, bem como a
capacitação de técnicos e estagiários dos cursos de graduação em Arquivologia e
Biblioteconomia, tendo em vista a continuidade das ações que visam implantar outros
projetos semelhantes, também se impuseram como objetivos importantes. Outro objetivo
foi a promoção da difusão das informações sobre os tratamentos de preservação e
organização pesquisados, desenvolvidos, testados e aplicados no acervo fonográfico
tratado através de publicações de referência técnico-científica em meio impresso e virtual,
bem como de estratégias de comunicação de seus resultados e participação em eventos
científicos.
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Mais especificamente, objetivou-se ainda, desenvolver metodologia de preservação,
organização, arranjo e descrição arquivística de documentos sonoros; formular,
implementar e testar técnicas de higienização e acondicionamento para conservação de
acervos fonográficos; identificar e construir planilha de dados técnicos e de conteúdo de
cada item documental (discos); arranjar, física e intelectualmente, os acervos, oferecendo
uma distribuição estrutural do acervo que refletisse a acumulação e o acesso; descrever,
visando a produção de instrumentos de pesquisa tradicionais como guia, inventários,
catálogos, índices etc., e instrumentos de consulta via Internet; divulgar os conhecimentos
adquiridos e a metodologia adotada.
A pouca quantidade de acervos fonográficos devidamente tratados, preservados,
documentados e com seus dados disponíveis em bases e centros de referência justifica os
esforços e os investimentos aplicados nos estudos e nos tratamentos de documentos
sonoros. A preservação e a organização de acervos fonográficos abrem perspectivas para
novas e definitivas ações na área. A identificação de metodologias de catalogação,
descrição e de preservação de arquivos fonográficos, e a respectiva verificação da
propriedade de sua aplicação, poderão contribuir para diminuir a lacuna existente na área.
Os acervos tratados fazem parte da memória musical do Brasil. Neles, estão
registradas interpretações de músicas brasileiras, compositores, intérpretes, idéias e ideais
de diferentes épocas. Além disso, uma outra memória está presente nos discos – a da
própria tecnologia dos registros sonoros. A digitalização, ainda que mude o suporte
original em decorrência do uso de uma outra tecnologia, permite preservar e tornar
acessível a informação registrada, isto é, as músicas gravadas nos discos1.
Em busca da troca de experiências, de interlocução e de referenciais necessários
para o desenvolvimento da pesquisa e dos testes e da intervenção propriamente dita,
foram mantidos contatos com profissionais e instituições da área como Arquivo Nacional
(http://www.arquivonacional.gov.br), Biblioteca Nacional (http://www.bn.br), Instituto
Moreira
Salles
(http://www.ims.uol.com.br),
Fundação
Casa
de
Rui
Barbosa
(http://www.casaruibarbosa.gov.br), Metalgâmica Produtos Gráficos Ltda., Polysom Fábrica
1
No projeto do ICCA, a definição dos acervos objetos de intervenção foi feita pelo titular do arquivo e
presidente do Instituto, Ricardo Cravo Albin. No projeto Passado Musical, coube à equipe do projeto
selecionar, entre milhares de discos de 78rpm os de música brasileira que seriam tratados. Foram
considerados como discos de música brasileira os registros com a participação de pelo menos um brasileiro,
seja como compositor, seja como intérprete. Isto é, foram considerados como discos de música brasileira,
por exemplo, o registro de Frank Sinatra (cantor norte-americano) cantando uma composição de Tom Jobim
(compositor brasileiro), ou então, Francisco Alves (intérprete brasileiro) cantando George Gershwin
(compositor norte-americano).
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de Vinil (Belford Roxo), Gráfica Teatral Ltda, DocPro-Rio, entre outros. Pesquisa em
inúmeros sites na internet como a Music Division of National Library of Canadá
(http://www.collectionscanada.gc.ca/music-performing-arts/index-e.html),
mundial
no
tratamento
de
documentos
sonoros;
Library
referência
of
Congress
(http://www.loc.gov/index.html), Projeto CPBA – Conservação Preventiva em Bibliotecas e
Arquivos (www.cpba.net); Rochester Institute of Technology (http://www.rit.edu/); Task
Force on Archiving Digital Information, comissionada pelas The Comission on Preservation
and Access e The Research Libraries Group, disponível no site do CLIR – Council on
Library Information and Resources, National Media Laboratory (http://www.clir.org/), dos
EUA, entre outros.
Este relato apresenta, na ordem, o item Sobre Registros Fonográficos,
Fonográficos com alguns
nomes, datas e fatos tidos como relevantes no desenvolvimento da tecnologia de som,
bem como aspectos constitutivos dos discos, a substância formadora do som nas gravações
originais e os formatos e materiais das cópias de reprodução. Em Os Projetos
Desenvolvidos são descritas as características gerais de ambos os projetos (“Organização e
preservação de acervos do Instituto Cultural Cravo Albin” e Projeto “Passado Musical”),
especificidades e elementos indicativos do universo de intervenção. No item O Processo
de Intervenção estão registradas as etapas e as ações preliminares realizadas, as principais
causas e sinais de deterioração encontrados, os relatos das atividades de conservação dos
acervos e de processamento da informação (com imagens ilustrativas) e respectivos
produtos: as entidades informacionais resultantes. Este relatório conclui-se com as
considerações finais e as referências das obras consultadas.
SOBRE OS REGISTROS FONOGRÁFICOS
A identificação e os estudos da literatura específica sobre o tema e o conhecimento
adquirido no percurso possibilitaram e subsidiaram ações posteriores como diagnóstico do
acervo, reconhecimento da natureza dos materiais e das tecnologias dos discos, critérios e
ordem das intervenções. Além disso, foi possível conhecer um pouco mais da história das
gravações e dos discos. Os aspectos considerados relevantes são relacionados a seguir.
Nomes, datas e fatos
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Início do Século XIX - Thomaz Young desenvolve um vibroscópio capaz de produzir uma
“tradução” gráfica das vibrações sonoras de um diapasão. Martinville chega ao
fonoautógrafo com o qual consegue o primeiro registro gráfico da vibração da voz. Charles
Gros idealiza um equipamento que grava e reproduz o som e Thomaz Edison constrói o
fonógrafo, o primeiro “armazenador” de som capaz de gravar e reproduzir sons em rolos e
cilindros.
1877 – A Tin-Foil Phonograph realiza a primeira gravação sonora e reproduz um poema
recitado por Thomaz Edison.
1887/88 – Com o advento do gramophone, o disco substitui o rolo/cilindro para gravar e
reproduzir sons. Emile Berlinger desenvolve a sulcagem lateral.
1891 – Frederico Figner (1866-1946) chega ao Brasil e, em 1902, funda a Casa Edison,
que comercializava cilindros de cera (amberol) e discos, fonógrafos, partituras e
instrumentos musicais.
1924 – Western Electric Co. desenvolve tecnologia que transforma a gravação mecânica
(com uso de corneta) em gravação elétrica com uso de microfone e amplificação (o
microfone capta as diferenças da pressão do ar que vibra ao seu redor levada pela
propagação das ondas sonoras e o amplificador converte as diferenças de pressão do ar
em diferenças de tensão de corrente elétrica).
1925 - Victor Talking Machine e a Columbia industrializam e comercializam cópias de
discos.
1931 – RCA Victor desenvolve a tecnologia de microsulcos e a velocidade de 33e1/3rpm
(rotações por minuto).
1946 – Surgem as primeiras capas personalizadas no Brasil.
1948 – Peter Goldmark desenvolve o Long-Playing (LP), um disco de longa duração capaz
de registrar entre 8 a 12 músicas com cerca de 3 minutos cada. Até então, os discos de 78
rpm, em sua grande maioria, registravam apenas uma música de cada lado do disco,
também com cerca de 3 minutos cada.
1951 – Disseminação do LP pelo mundo.
1964 – Ano do último disco de 78rpm gravado no Brasil.
1980 – Advento do compact-disc CD.
2000 – Surge a tecnologia do MP3.
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Dos discos e da
da substância
substância formadora do som – o formato e o material dos discos
O acetato de celulose, um polímero modificado (sal orgânico) é um produto
sintético obtido por reação química entre a celulose vegetal e o ácido acético (etano/etila).
Foi o material usado para a fase inicial de captura do som até o advento das fitas
magnéticas. Antes da industrialização e comercialização das cópias de discos, um mesmo
e único disco de acetato, que havia capturado e registrado o som original emitido
diretamente de uma fonte sonora, era utilizado também para reproduzir esse som. A fina e
sensível camada de acetato de celulose exigia uma base mais rígida de alumínio, vidro,
madeira ou cartão e uma cobertura de laca com óleo de ricínio para poder ser
transportada e manuseada. Alguns discos de acetato, usados como matriz na captura do
som, apresentam, impressos no rótulo, acompanhando o perímetro da circunferência
externa do rótulo, uma série numerada em pequenos quadrados (geralmente, de 1 a 40)
que sinalizavam a quem fosse reproduzir o disco, quantas vezes o disco já havia sido
tocado e quantas vezes ele ainda poderia ser ouvido com qualidade. A cada reprodução,
um número era riscado.
Com o surgimento das fitas magnéticas e dos gravadores, o disco de acetato
continuou sendo usado apenas pela indústria do vinil para a “produção do master ou corte
do áudio”.2 A captura do som passou a ser feita, preferencialmente, pelas fitas magnéticas.
Até 1950, os discos em goma-laca constituem praticamente a totalidade dos
acervos. Os diâmetros variavam entre 16, 14 e 10 polegadas, sendo este último o mais
freqüente. Sua constituição era de 19% de goma-laca e de 81% de cargas como goma do
Gongo, vinsol, negro de carbono, esterearto de zinco, carbonato de cálcio, silicato de
alumínio, estopa de algodão, sílica, barita, cera de carnaúba, etc. A grande maioria era
reproduzida na velocidade de 78rpm (no projeto Passado Musical foram encontrados
2
Etapas do processo industrial de fabricação das cópias de reprodução vinil: 1º) Produção do “master” em
acetato: corte do áudio com o registro do áudio original em um disco de 14 polegadas (lacquer disc 14")
acetato
com sulcagem lateral em baixo relevo. 2º) Produção do “original”:
“original” o “master” em acetato (da etapa
anterior) é banhado em um processo chamado de galvanosplastia que fixa a prata no acetato, cujo
resultado é um disco com sulcagem lateral em alto relevo. É reservado como cópia de segurança, caso o
processo a seguir sofra algum tipo de problema, evitando ter-se de produzir um novo “master” de acetato,
um material bem mais caro. 3º) Produção da “madre”:
“madre” do “master” é feita a “madre” em sulcagem lateral e
em baixo relevo. É com a “madre” que realiza-se o controle de qualidade do áudio. Se este não for de boa
qualidade, abandona-se a “madre” e volta-se ao original para produzir uma nova “madre”. 4º) Produção da
“matriz”:
“matriz” da “madre” se produz a “matriz” com sulcagem lateral em alto relevo. É a “matriz” que será
usada na prensagem de cada uma das cópias a serem produzidas. Há uma matriz para o lado A e outra
para o lado B de cada disco.
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discos com velocidades de 76 e até 74rpm). Com o avanço das tecnologias de reprodução
surgiram os discos com a velocidade de 45rpm.
Depois de 1950, surgem os discos de vinil, produzidos com matéria derivada do
petróleo (policloreto de vinila, elemento resultante da indústria petroquímica), são
materiais sintéticos (matéria plástica – matéria versátil e com capacidade de moldagem)
formados por cadeias moleculares longas (polímeros), podendo ser considerados análogos
sintéticos das cadeias poliméricas de carbono que constitutivas das fibras de celulose.
Os diâmetros dos discos de vinil variavam entre 16, 12, 10 e 7 polegadas. O de 7
polegadas era denominados de “compacto” (apenas uma música de cada lado) ou de
“compacto duplo” (com duas músicas de cada lado). Era um artifício da indústria
fonográfica para fazer chegar, mais rapidamente, aos consumidores os sucessos musicais.
O chamado Long-Playing, com cerca de 12 músicas, velocidade de reprodução de
33e1/3rpm e diâmetro de 12 polegadas torna-se hegemônico até ser substituído pelo CD
(compact disc).
Entre os cerca de 12 mil discos estudados e tratados em ambos os projetos, havia 8
mil discos de vinil (ICCA) e 4 mil discos de goma-laca (BN).
OS PROJETOS DESENVOLVIDOS
Muitos aspectos e grande parte da metodologia de intervenção foram comuns aos
dois projetos. Em ambos os projeto, adotaram-se duas etapas de intervenção desenvolvidas,
necessariamente, de forma seqüencial. Isto é, depois de definido o universo das unidades
documentais a serem tratadas, realizada a sua separação física e concluído o diagnóstico
geral, a intervenção iniciava-se pela conservação do acervo. À medida que as atividades de
conservação eram concluídas, os discos tratados e acondicionados de forma definitiva
eram enviados para a etapa do processamento da informação. Após a conclusão do
processamento da informação, os discos eram então enviados para a digitalização sonora,
para depois serem levados para a reserva técnica.
A digitalização sonora dos discos também exigiu uma série de testes comparativos
de reprodução sonora e captura do som entre discos não higienizados e discos
higienizados realizadas e discutidos por todos os profissionais envolvidos. Foram ainda
estudadas e testadas agulhas, toca-discos e velocidades de gravação para conhecer os
melhores efeitos e procedimentos.
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Alguns padrões de ordem geral e preliminar à intervenção direta nos discos foram
estabelecidos e passaram a compor a metodologia de tratamento dos acervos fonográficos
em questão. Com isso, tratava-se de diminuir os riscos de erros e intervenções indevidas
que pudessem prejudicar o desenvolvimento seguro dos projetos, bem como oferecer
diretrizes para as equipes da conservação do acervo e do processamento da informação.
•
PRESERVA-SE A INFORMAÇÃO – isto significa que qualquer medida de
preservação que intervenha na informação registrada no disco (som/música), no
encarte e na capa (ficha técnica/letras de músicas/textos/fotografias/imagens etc.)
deve ser pensado e repensado antes de ser aplicada.
•
SENTIDO ESTÉTICO – complementar à questão da preservação da informação
(questão principal), é preciso considerar um certo sentido estético nas medidas
aplicadas para a conservação dos encartes e, principalmente, das capas. Muitas
vezes, um documento
conservado de maneira deficiente compromete mais o
acesso à sua informação do que um documento que não recebeu qualquer
tratamento de conservação.
•
DIAGNÓSTICO – é o mais difícil, mas é essencial. Sem um diagnóstico preciso dos
problemas que ameaçam a preservação da informação e a durabilidade e
permanência do suporte qualquer intervenção é temerária e contraproducente. É
uma questão complexa, mas não pode ser evitada.
•
MENOS É MAIS – isto significa que quanto menos se interferir, melhor. É preciso
estabelecer a justa medida (para isso um bom diagnóstico é essencial): garantir
consistência física ao suporte com um mínimo de intervenção.
•
ONDE INTERVIR – se e quando tiver de intervir, fazer de forma que a intervenção
não se sobreponha ou prejudique a informação. Nas capas, por exemplo, sempre
pelo verso ou por dentro do documento ou por onde não exista qualquer tipo de
informação. A intervenção que se sobrepõe à informação é sempre exceção e
somente deve ser realizada após as devidas discussões e estudos de alternativas.
•
BASE PARA O TRABALHO – os trabalhos devem ser realizados sobre um papel
mata-borrão e entretela. Os instrumentos utilizados devem ser muito bem limpos
após o seu uso diário.
•
QUALIDADE – a equipe como um todo deve se responsabilizar pela qualidade do
trabalho. Ou seja, antes de encaminhar as unidades documentais preservadas para
o Processamento da Informação todos devem verificar se o trabalho de todos está
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bem feito. Deve se refazer as intervenções até se chegar a uma unanimidade em
relação à qualidade do trabalho.
•
NÃO ARRISCAR – os diagnósticos ou as medidas de preservação que implicarem
em riscos ou que não tenham o consenso da equipe devem ser separadas e
colocadas em uma caixa “Problemas” para análise e discussões posteriores.
Projeto “Organização e preservação de acervos do Instituto Cultural Cravo Albin”
Albin”
O projeto do Instituto Cultural Cravo Albin teve como universo de intervenção
cerca de oito mil discos de vinil, de 33 rpm (rotações por minuto) com registros de música
brasileira.
Foi
desenvolvido,
entre
agosto
de
2001
e
dezembro
de
2004,
concomitantemente e esteve vinculado ao “Projeto Dicionário Cravo Albin de Música
Brasileira”,
este último sob a coordenação geral do professor Dr. Julio Diniz, da
Faculdade de Letras da PUC-Rio, ambos com apoio da FAPERJ.
O Arquivo do ICCA é constituído pela “Fundo Ricardo Cravo Albin” com os
documentos das atividades e funções de seu titular, e por diversas coleções fonográficas de
terceiros, doadas e acumuladas pelo ICCA. Na época (2001), o total do acervo fonográfico
do ICCA compreendia mais de 15.000 mil discos de 12, 10 e 8 polegadas (longplays em
vinil, 78rpm em goma-laca, compactos simples e duplos), 2.000 fitas magnéticas sonoras
de rolo, 700 fitas magnéticas cassete e 500 CDs. Desse universo, tratou-se de identificar
um conjunto de discos produzido, recebido e acumulado em razão das atividades
profissionais do titular do acervo, Ricardo Cravo Albin. O objeto específico de intervenção
do Projeto de Organização e Preservação de Acervos do Instituto Cultural Cravo Albin foi
a série “Fonográfica” do “Fundo Ricardo Cravo Albin”. O arranjo então concebido reflete
essa circunstância.
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É preciso destacar que, muito além das intervenções diretas de preservação e de arranjo e
descrição nas unidades documentais, o projeto de Organização e Preservação de Acervos
do ICCA pautou-se pela busca e identificação de metodologia que garantisse a propriedade
do tratamento aplicado, o que envolveu tempo e atenção para pesquisa de materiais, para
técnicas de conservação, a concepção de arranjo físico e intelectual e de notação
específica para o acervo bem como para a concepção e produção de planilhas ISAD(G).
Paralelamente, teve-se a preocupação com a escolha e aquisição de mobiliário, de
equipamentos e de materiais arquivísticos que oferecessem
permanência ao acervo,
segurança e conforto humano.
O projeto se iniciou com os primeiros contatos com a direção do ICCA e com o
Ricardo Cravo Albin e com a formação de uma equipe com uma conservadorarestauradora sênior, uma arquivista sênior, e estagiários dos cursos de Arquivologia da
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-UNIRIO, sob a coordenação do
professor-pesquisador Sérgio Albite, do Departamento de Estudos e Processos Arquivísticos
do Centro de Ciências Humanas e Sociais da UNIRIO). As discussões sobre as diretrizes e
linhas de atuação, visitas ao acervo, busca de referência bibliográficas nacionais e
internacionais, visitas técnicas a instituições referenciais no tratamento de discos, o início
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propriamente dito das pesquisas e das escolhas dos materiais e equipamentos foram etapas
subsequentes. Com a liberação das primeiras verbas, foram realizadas as compras de
materiais, móveis e equipamentos, o estudo e a definição do espaço e distribuição das
salas de trabalho,
reformulação dos ambientes e o mapeamento geral do acervo. A
pesquisa e a metodologia das intervenções técnicas de tratamento de conservação e
processamento da informação foram consolidados no desenvolvimento de um projeto
piloto com 130 discos. Com isso foi possível observar os principais problemas bem como
traçar uma linha de intervenção propriamente dita.
Em dezembro de 2004, quando se encerra o projeto de Organização e Preservação
de Acervos do Instituto Cultural Cravo Albin, estavam preservadas (higienizadas e
acondicionadas) e
processadas (arranjadas e descritas) 7.870 unidades documentais
(discos de vinil).
A metodologia desenvolvida, testada e consolidada no ICCA com apoio da FAPERJ
em discos de vinil foi ajustada e aplicada na conservação de acervo e processamento da
informação dos discos de 78rpm em goma-laca da Divisão de Música e Arquivo Sonoro da
Biblioteca Nacional, no projeto denominado “Passado Musical”, com apoio Petrobras
Cultural.
Projeto “Passado Musical”
O segundo projeto de preservação de que trata este relato, denominado “Passado
Musical”, foi realizado entre janeiro de 2005 e abril de 2006, e teve como universo de
intervenção quatro mil discos de 78 rpm em goma-laca e acetato do Divisão de Música e
Arquivo Sonoro da Biblioteca Nacional. Foi desenvolvido em parceria com o Laboratório
de Automação de Museus, Bibliotecas Digitais e Arquivos da PUC-Rio sob a coordenação
geral da professora Ana Pavani, com apoio da Petrobrás Cultural.
O projeto Passado Musical, essencialmente interdisciplinar, reuniu equipes com
competências distintas e complementares. A equipe do LAMBDA-PUC, responsável pela
coordenação geral e integração do projeto, formava com analistas de sistemas,
programadores, bibliotecária, web designer e estagiários de biblioteconomia, informática e
engenharia.
A identificação e seleção das unidades documentais para tratamento, conservação
do acervo de discos em suporte tradicional e descrição de conteúdo em sistema
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informatizado contou com uma conservadora-restauradora sênior, uma arquivista sênior, e
estagiários dos cursos de Arquivologia e Biblioteconomia da Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro - UNIRIO e da Universidade Federal Fluminense - UFF, sob a
coordenação do professor-pesquisador Sérgio Albite, do Departamento de Estudos e
Processos Arquivísticos do Centro de Ciências Humanas e Sociais da UNIRIO.
A digitalização dos discos e a conversão sonora da gravação analógica para digital
foi realizada pela DocPro, uma empresa brasileira, com técnicos e tecnologia brasileira.
Além dos profissionais da empresa, trabalharam no projeto estagiários dos Cursos Técnicos
CEFET/RJ – Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca e da
ETE/FAETEC – Escola Técnica Estadual Visconde de Mauá / Fundação de Amparo à Escola
Técnica do Estado do Rio de Janeiro.
O desenvolvimento do hot site para o portal da Biblioteca Digital ficou a cargo da
Marlin, empresa com soluções e idéias em tecnologia e comunicação digital.
Como é possível observar, o Passado Musical preocupou-se também com a
formação de recursos humanos. Estagiários de várias instituições e com diferentes áreas de
formação profissional aprimoraram seus conhecimentos acadêmicos.
No desenvolvimento do Projeto Passado Musical encontraram-se discos dignos de
se mencionar, quer por sua antiguidade, por aspectos curiosos, prêmios etc. É preciso
considerar que parte do acervo do Passado Musical foi produzido em um momento em
que a tecnologia e a indústria de discos, no Brasil e no mundo, ainda não estavam
consolidadas. Isto significa que muitos exemplares chegaram ao mercado, a arquivos e
bibliotecas, ou mesmo às mãos de colecionadores com nítidos sinais do momento em que
a tecnologia e a indústria se encontravam. Os próprios discos de acetato gravados ao vivo
na Rádio Nacional são exemplo disso. Quer dizer, não havia então, a tecnologia das fitas
magnéticas sonoras e dos gravadores, de rolo ou cassete, que vieram a facilitar a gravação
de eventos, musicais ou outros, ao vivo. Assim, a Rádio Nacional gravava muitos de seus
programas de auditório ou alguma apresentação individual de um determinado intérprete,
usando um disco de acetato virgem para a captura do som. Isto significa que o mesmo
disco usado para capturar o som emitido pelo artista era usado para reproduzir o som
gravado. Não havia também tecnologia para fabricação de cópias. Os discos assim
gravados são discos únicos. Mario de Andrade, entre outros, usou esse recurso em suas
pesquisas de música brasileira. Em decorrência disso, as informações (nome do intérprete,
do compositor, da música etc.) que constam dos rótulos das gravações produzidas ao vivo
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na e pela Rádio Nacional eram datilografadas (usando-se uma máquina de escrever), para
depois ser o rótulo colado ao disco. Originalmente impresso no rótulo apenas o símbolo e
prefixo da rádio – PRE-8. Os discos de acetato virgem eram, originalmente, gravados
apenas em um dos lados. O lado sem o registro sonoro era “enfeitado” com desenhos e
formas variadas em alto relevo.
Há no acervo da BN, alguns discos singulares, como um samba de Ataulfo Alves
gravado em Japonês. Ao ouvi-lo, a melodia e o ritmo são imediatamente reconhecidos,
mas a letra está vertida para o Japonês (disco 27.13). O disco mais antigo do acervo
tratado pelo Passado Musical, e, provavelmente, um dos mais antigos da discografia
brasileira, data de 1900, tendo recebido dois prêmios na França em 1903 e 1904 (disco
26.3). Este disco tem rotação de 76 rpm. Foi encontrado um único disco cuja letra da
canção está impressa no rótulo, o que é pouco comum (disco 76.4). O disco 64.2 tem
rótulos com design diferente, apesar de ser, obviamente, da mesma gravadora, em cada
um dos lados do disco, e o disco 118.7 tem rótulos de tamanhos diferentes em cada um
dos seus lados. Há um disco, que alguns musicólogos consideram raro, com 7,5 polegadas
de diâmetro (o que é uma medida fora do padrão. Os diâmetros convencionais são 7, 10,
10,5, 12 e 16 polegadas), da Odeon com as músicas “As cortadeiras”, interpretada por
Bahiano, e “Risonha Morena”, interpretada pela Banda da Casa Edison (disco 118.5).
Foram encontrados sete de oito discos da coleção (discos 2.12 / 80.12 / 80.13 / 92.9
/135.15 / 157.4 / 161.2) das gravações feitas por Villa-Lobos e Stokowsky, em 1940, em
um navio fundeado na Baía de Guanabara com os equipamentos de gravação vindos dos
EUA. Participaram dessa gravação Donga, Cartola e a bateria da Mangueira, entre outros.
O diagnóstico do estado geral dos acervos, a escolha aleatória de cerca de 1,5% das
unidades documentais do acervo para o desenvolvimento de “projeto-piloto” com vista aos
testes iniciais necessários para definição de abordagem e identificação de especificidades
de cada um dos suportes (vinil e goma-laca/acetato), os testes de higienização com jatos
de ar, banho com lauril-sulfato de sódio (Detertec) e Tergytol para remoção de fungos,
gorduras e sujidades mais resistentes, bem como testes dos materiais de acondicionamento
e a concepção e formatação da planilha de descrição arquivística, reunindo elementos da
Norma ISAD(G) e do Formato Marc para arquivo sonoro, possibilitaram a consolidação,
adaptação ou a alteração das ações inicialmente propostas.
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O PROCESSO DE INTERVENÇÃO
Etapas e ações preliminares
•
Formação da equipe: um arquivista-conservador, professor e pesquisador e
coordenador técnico-científico de duas equipes: a de Conservação do Acervo,
formada por um conservador-restaurador sênior e quatro estagiários; e de
Processamento da Informação, formada por um arquivista sênior e outros 4
estagiários trabalhando em turnos alternados (manhã e tarde).
•
Formulação de normas, parâmetros e diretrizes de investigação e da intervenção
técnica, formatadas em um plano escrito.
•
Elaboração de uma listagem com equipamentos, instrumentos, material
permanente e de consumo.
•
Acompanhamento na escolha e adaptações de salas para a criação de um
ambiente de trabalho técnico para a equipe.
•
Diagnóstico e levantamento preliminar das condições gerais do acervo.
•
Identificação, entrevistas e busca de anotações e registros existentes sobre a
organização, a localização, as formas de aquisição e de acúmulo do acervo.
•
Diagnóstico preliminar das condições físicas de conservação e de reprodução
(audição) do acervo.
•
Diagnóstico preliminar para a identificação de algum método de organização ou
critério de acúmulo e proveniência originalmente aplicado.
•
Transferência controlada do acervo ou de parte do acervo a ser tratado do local
original para as salas de tratamento técnico.
•
Desenvolvimento de projeto piloto para identificação de particularidades, de
testes de metodologia (planilhamento, higienização, acondicionamento, arranjo
e descrição) e para a confirmação da metodologia ou formulação de alternativas
de tratamento.
•
Elaboração de uma listagem com a ordem seqüencial das unidades documentais
a serem tratadas.
•
Acondicionamento preliminar dos discos em caixas de polipropileno rígido com
15 unidades por caixa. As caixas aguardam em prateleira reservada para tal que
a equipe de CA as leve para tratamento.
48
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•
Concepção e configuração, em conjunto com representantes das instituições
titulares dos acervos e com técnicos em informática, dos campos que
constituirão a planilha em papel e/ou o banco de dados para a descrição.
Principais causas e sinais de
de deterioração encontrados
•
Deterioração por tensões internas diferentes entre materiais diferentes
sobrepostos, como o acetato de celulose e a base de vidro, ou de papel, de
alumínio.
•
Descolamento do acetato do (segundo) suporte de alumínio, vidro ou papel,
com surgimento de bolhas.
•
Ataques de fungos e microorganismos.
•
Reação com os materiais de acessórios (capas e envelopes de plásticos e
papelão e equipamentos de reprodução).
•
Manuseio e acondicionamento incorreto.
•
Vandalismo, como riscos com lápis de cera na área de reprodução
(microssulcos).
•
Degradação pelo atrito das agulhas de reprodução dos aparelhos de som.
•
Amolecimento
por
calor
acentuado
por
empilhamento,
provocando
empenamento da superfície dos discos.
•
Manchas resultantes da ação do metabolismo dos microorganismos.
•
Acúmulo de poeira que penetra nos sulcos dificultando a passagem da agulha,
provocando riscos e interferências e impedindo a correta reprodução do som.
•
Descolamento das camadas de acetato, tanto da forma de bolhas como de
pedaços faltantes nas trilhas sonoras.
Da conservação dos acervos
Ainda que existam algumas diferenças fundamentais no tratamento de conservação
entre os discos de vinil, goma-laca (extremamente frágil) e acetato (descolamento da
camada de acetato, o que impossibilita o jateamento a ar), a maior parte dos aspectos é
comum, como segue.
Separação dos discos e das capas, encartes, envelopes internos e externos. Nos
discos de vinil, as capas em cartão/papel aguardam tratamento de conservação posterior e
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os envelopes plásticos originais (externo e interno) são eliminados. Nos discos de 78 rpm,
como as capas (fabricadas em sua quase totalidade em papel Kraft de péssima qualidade
para preservação e geralmente em adiantado processo de degradação) eram padronizadas
pela gravadora e não personalizadas por disco (sem arte-gráfica que identificasse e
diferenciasse um disco do outro), optou-se por preservar apenas dois exemplares de cada
um dos modelos existentes em melhor estado estrutural (físico) e informacional (conteúdo)
para posterior tratamento de conservação (planificação, consolidação do suporte, reparos
de rasgos etc.). Apenas em 1946, as capas dos discos de 78rpm começaram a receber
desenhos e alusões gráficas temáticas, como discos de carnaval, discos de natal etc.
Exemplos das primeiras capas de discos de 78rpm
O disco passa então para a higienização com jato de ar. Os discos são jateados
com pistola de ar sobre papel mataborrão. O movimento do jato de ar deverá acompanhar
o espiral dos microsulcos de cada lado do disco. Após o jateamento, serão acondicionados
em entretela enquanto aguardam ser encaminhados à área de banho. O jato de ar
mostrou-se muito mais eficiente que a aspiração.
Limpeza mecânica com jateamento de ar
Na área de banho, os discos receberão um tratamento com detergente específico.
Serão imersos em água com o detergente já diluído e friccionados com trinchas de pelo de
marta, também acompanhando o sentido dos microsulcos. Muitas vezes, para a remoção
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completa dos fungos no é necessário a aplicação de 3, 4 ou 5 banhos. A solução de
Detertec3 para os discos em vinil foi de 1,2% (18 mL de Detertec por 1,5 L de água) e para
os discos em goma-laca e acetato foi de 0,16% (2,5 mL de Detertec por 1,5 L de água). Os
testes com o Tegitol, importando da Talas, EUA, não se revelou adequado nem fácil de ser
manuseado. A remoção do detergente deve ser feita em água corrente e abundante. Após
o banho, os discos recebem um novo jateamento de ar para acelerar a secagem e para a
remoção de possíveis resíduos e são postos no escorredor para a completa secagem.
Tratamento aquoso
Os discos somente deverão ser acondicionados nas capas quando estiverem
completamente secos. É preciso observar o clima do ambiente da área de tratamento e da
reserva técnica. O disco é então colocado diretamente em um envelope de Tyvek e este
dentro de um envelope de polipropileno.
Disco já tratado, sendo acondicionado em envelope Tyvek e em envelope de polipropileno
3
O lauril-sulfato de cobre solúvel em éter do Detertec, detergente em ambos os projetos, foi também utilizado pela
indústria de discos na higienização do máster, do original, da madre e da matriz.
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Etiquetas, selos e materiais estranhos (sem informação auto-explicativa ou
referenciada) e que impedem a leitura de alguma informação original do rótulo devem ser
removidos e eliminadas. Os discos são, então, acondicionados de forma definitiva em uma
caixa plástica (polipropileno) rígida (15 unidades documentais por caixa). As caixas
plásticas de acondicionamento definitivo recebem uma etiqueta externa com a logomarca
do projeto, um número seqüencial e a numeração-limite dos discos contidos.
As caixas com os discos devidamente conservados e acondicionados são enviadas
para a estante organizadora da linha de produção rigorosamente na mesma ordem original
recebida, onde aguardam a equipe do Processamento da Informação.
Quinze discos acondicionados em
caixa plástica rígida
Estante organizadora da
linha de produção
Do processamento
processamento da informação
Após o tratamento de conservação, os discos aguardam na estante organizadora o
início do processamento da informação, descrição em planilha digital de cada unidade
documental. Antes de iniciar a descrição, deverá ser verificado se os discos estão na
ordem correta. Deverá ser feita, também, a identificação e a separação das "duplicatas
idênticas". São consideradas duplicatas idênticas aqueles discos de mesmo conteúdo
fonográfico e de fichas técnicas rigorosamente iguais.
A descrição das unidades documentais consiste no preenchimento em uma planilha
em papel ou diretamente em um banco de dados com cerca de 30 campos, inclusive com
o título de cada uma das músicas dos discos. As informações para a descrição são retiradas
exclusivamente do rótulo dos discos. Observou-se que as informações nas capas
ilustrativas são freqüentemente incorretas. Quando as informações estiverem ilegíveis ou
mesmo forem inexistentes no rótulo do disco, deve ser realizado um levantamento e um
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busca em bancos de dados sobre arquivos sonoros, em sites especializados no tema e na
literatura da área. Todas as informações atribuídas4 deverão vir entre colchetes. As
informações retiradas dos rótulos dos discos devem obedecer, rigorosamente, o formato
em que constam no disco, ou seja, sem correção de grafia, desdobramento de nomes e
títulos abreviados ou outra qualquer. Nos casos em que a correção da grafia original ou o
desdobramento de abreviaturas, por exemplo, forem importantes para a melhor
compreensão da unidade descrita, devem ser registrados no campo “Observações” das
planilhas. As planilhas, depois de completamente preenchidas, deverão ser conferidas e ter
os seus dados checados por pelo menos dois membros diferentes da equipe, além de
quem fez a descrição.
Exemplo de planilha de banco de dados para descrição produzida pela equipe do LAMBDA-PUC/Rio para o
projeto Passado Musical.
Após a revisão das planilhas, os discos recebem uma notação automática do
computador, que é um código numérico seqüencial, exclusivo e identificador de cada
unidade documental (disco). Esta notação deverá ser impressa em duas etiquetas autoadesivas. Uma etiqueta é colada no envelope Tyvek e outra no rótulo do disco processado.
Toda e qualquer manipulação dos discos é feita com o uso de luvas de helanca branca.
Depois da descrição completa, das conferências e de etiquetados, os discos voltam aos
envelopes de Tyvek e de polipropileno e são devolvidos às caixas polipropileno rígido.
Para se garantir o controle do Processamento da Informação os discos deverão ser
dispostos na estante destinada segundo a etapa do processamento em que se encontram:
•
4
Discos para planilhamento
Informações atribuídas são os dados e informações relevantes, obtidas em fonte confiável e segura pela equipe de
descrição, e não existentes no rótulo do disco descrito.
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•
•
•
Discos para revisão do planilhamento efetuado
“Problemas”
Discos prontos para serem enviados à digitalização sonora
Para minimamente garantir o controle das atividades de processamento da
informação, forma formulados e implementados alguns procedimentos e normas para a
descrição
•
As unidades documentais que chegam da conservação devem ter a ordem na caixa
conferida, bem como verificada a existência de duplicatas idênticas e/ou discos
com músicas sem participação de brasileiros. Quando existirem, estes deverão ser
retirados da caixa, com o devido registro do fato.
•
Deve-se retirar uma caixa por vez da prateleira “Discos conferidos - Prontos para
descrever”, e obedecer rigorosamente a ordem numérica seqüencial das caixas.
•
Deve ser feita a descrição completa e total de todas as unidades documentais da
caixa em que se trabalha, bem como fazer pelo menos uma revisão geral das
unidades documentais descritas, antes de enviar a caixa para a prateleira “Discos
descritos – Conferir e etiquetar” e apanhar nova caixa para descrever.
•
Em qualquer das prateleiras, a ordem numérica seqüencial das caixas deve ser
sempre rigorosamente respeitada. A ausência de uma caixa, por qualquer motivo,
deve ficar evidente pelo vão correspondente na prateleira. A descrição deve
respeitar a ordem seqüencial das unidades documentais na caixa, bem como a
conferência das unidades documentais.
•
Após a conclusão da conferência da caixa, as unidades documentais deverão ser
etiquetadas, bem como os respectivos envelopes Tyvek. As etiquetas somente serão
afixadas quando a caixa for considerada absolutamente pronta. A aplicação
definitiva da etiqueta no disco e no envelope Tyvek deve ser tomada como uma
espécie de “selo de qualidade” do trabalho executado.
•
As etiquetas dos envelopes Tyvek deverão ser coladas no canto superior direito do
verso do envelope (na aba do envelope). As etiquetas do rótulo deverão ser coladas
no lado A do disco, preferencialmente na parte central do rótulo, de tal forma que
não se sobreponha a qualquer informação existente no rótulo.
•
Somente após a colocação das etiquetas é que os discos poderão ser enviados para
a prateleira “Discos para a digitalização sonora” da estante organizadora.
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•
Após a digitalização sonora, os dados faltantes na descrição, como tempo de
duração das faixas e do disco e idioma, deverão conferidos e, se necessário,
incluídos ou alterados no banco de dados.
•
No fim de cada dia de trabalho, as caixas deverão ser recolhidas às respectivas
prateleiras, de acordo com a etapa do processamento em que se encontram.
•
A transferência das caixas para a reserva técnica deverá ser feita apenas após a
conferência das etiquetas dos discos e da sua correta posição de acondicionamento
nos envelopes.
Concluída a etapa do processamento da informação, os discos são voltam para a
estante organizadora da produção para aguardar a digitalização das músicas. Na
digitalização, devem ser produzidas uma matriz de preservação, uma matriz de
reprodução e cópias para consulta de todo o acervo digitalizado.
Todos os procedimentos (conservação de acervo e processamento da informação)
recebem documentação fotográfica e são registrados por escrito em um “Diário de bordo”.
Entidades
Entidades informacionais resultantes
Ao fim de cada projeto, com a conclusão de todas as etapas, resultam os seguintes
produtos, denominados de “entidades informacionais” (cf. Ana Pavani, LAMBDA-PUCRio):
•
Acervo analógico: os discos em acetato, goma-laca ou vinil conservados e
acondicionados;
•
Catálogo do acervo analógico: discos catalogados/descritos em Formato MARC
e/ou ISAD(G), e etiquetados;
•
Acervo digital: as músicas digitalizadas, constituindo arquivos digitais sonoros;
•
Catálogo do acervo digital: listagem dos metadados dos objetos digitais sonoros.
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Quadro com as entidades informacionais e seus
relacionamentos:
Acervo
analógico
(discos)
Catálogo do
acervo
analógico
catalogação
digitalização
Acervo digital
catalogação
Catálogo do
acervo digital
Fonte: PAVANI, Ana. Laboratório de Automação de Museus, Bibliotecas Digitais e
Arquivos. PUC-Rio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS À GUISA DE CONCLUSÃO
CONCLUSÃO
À medida que as atividades de conservação dos acervos e de processamento da
informação se desenvolviam, foi importante para as equipes observar, relatar e discutir era
a propriedade das intervenções, os riscos envolvidos e as necessárias alternativas.
Foi parte indissociável de ambos os projetos, a identificação de materiais
adequados para a preservação de documentos sonoros, a busca e a consolidação de uma
metodologia de tratamento seguro e eficaz, a elaboração coerente dos arranjos e das
descrições dos acervos e o acompanhamento e troca de impressões e dados na formulação
das bases de dados para o acesso e pesquisa.
As observações técnicas, os progressos alcançados no tratamento, o uso de novos
materiais e a identificação de fornecedores que se interessaram em atender à demanda e
às necessidades das equipes, quer fornecendo materiais, quer produzindo artefatos para
guarda dos discos, servirão de referência para uma área em futuros projetos de
preservação.
Com o desenvolvimento satisfatório verificado, tanto do ponto de vista técnico e de
ações específicas de intervenção, como do trabalho interdisciplinar de pesquisa, foi
possível perceber o potencial existente em ambos os projetos, o que motivou este relato, e
justificou a retomada do tema, apesar dos anos decorridos de suas conclusões. A
oportunidade de contribuir com o desenvolvimento da área na divulgação desse
conhecimento, concretizado nesta publicação, levou em conta que ambos os projetos
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foram, em última instância, apoiados por verbas públicas (FAPERJ e Petrobras Cultural) o
que também justificaria, mais uma vez, a reincidência no tema.
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