Diagnosticar para educar, cuidar e formar

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Diagnosticar para educar, cuidar e formar
ANÁLISE DA ACÇÃO EDUCATIVA
DIAGNOSTICAR PARA EDUCAR, CUIDAR E
FORMAR
COMUNICAR PARA AGIR
ESPELHAR PARA AJUDAR O OUTRO
Problemáticas transversais à Educação e à Enfermagem
Luís Marques Barbosa
2005
Índice
1) Uma nova pedagogia precisa-se
2) A Escola Sensível e Transformacionista, uma solução para o futuro
3) Entre o desempenho dos agentes educativos e o agir dos enfermeiros são muitas
as similitudes
4) O espelhamento mediatizado enquanto instrumento de formação de agentes de
ensino e de enfermeiros
4.1) Um pouco de história
4.2) Fundamentos metodológicos do espelhamento
4.3) Princípios para aplicação da técnica
5) A dimensão prática do espelhamento
6) Bibliografia de apoio
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Introdução
Uma das actividades a que já há algum tempo nos temos votado é a de tentar estabelecer
pontos de contacto entre a Educação e o Mundo da Saúde. Fazêmo-lo por duas razões: a
primeira porque temos da Escola uma ideia de instituição que tem a obrigação não só de
ensinar crianças e alunos mas, também, de cuidar desses mesmos aprendentes uma vez
que neles desencadeia fenómenos complexos pelos quais tem de passar a assumir inteira
responsabilidade já que, sabemos hoje, eles tanto interferem no seu crescimento como
no seu desenvolvimento; a segunda tem a ver com o facto de entendermos que se no
âmbito de desenvolvimento da acção educativa a intervenção dos agentes educativos
modernos algum sentido ganha, para lá de serem meros informadores de conteúdos, é
porque o sentido de ajuda ao outro deve estar sempre presente a marcar os seus
diferentes desempenhos.
De resto, para nós é ponto assente: as organizações educativas ou trabalham a favor das
crianças e alunos que dentro delas evoluem, ou funcionam contra esses actores.
Claro que os nossos propósitos não são os de misturar as águas dos dois universos
anteriores, ao invés, o que nos move é aproveitar o que cada um deles tem em comum
valorizando o que possuem de diferente.
Não tem sido tarefa fácil essa a de organizar os “links” por onde os conhecimentos
particulares das duas áreas de intervenção possam transcorrer, não apenas porque a
inércia da Escola portuguesa continua a ser muito grande mas, também, porque os
agentes de ensino só muito lentamente se vão abrindo a novas ideias.
De tal forma por vezes nos sentimos nadando contra a corrente que não raro pensamos
mesmo que o deserto onde pregamos transforma as nossas palavras em ecos menores e
sem ressunância. Porém, como não desistimos, lá vamos transmitindo as nossas
convicções.
O instrumento que mais utilizamos para o propósito anterior é a Formação Profissional
e os públicos que tentamos sensibilizar são, do lado da Educação, educadores de
infância e professores dos diferentes ciclos de ensino, do lado da Saúde, os enfermeiros.
A uns e a outros falamos de Pedagogia e a ambos os actores dizemos que trabalhar nas
escolas e agir nos hospitais tem muito em comum. Quando perante esta nossa afirmação
nos interpelam pedindo que esclareçamos a ideia, fazemos referência à tipologia da
intervenção que os educadores de infância promovem no interior de creches e jardins de
infância para mostrar quanta semelhança existe entre a sua actuação e a que os
enfermeiros promovem quando lidam com crianças nas situações de intervenção clínica.
Para mostrar ainda como durante um dia de trabalho na Escola a dimensão
comunicativa é lastro fundamental do trabalho dos professores, referimos por fim que se
o enfermeiro tem de fazer da pessoa humana o seu objecto de trabalho o mesmo se
passa com os agentes de ensino anteriores já que quer seja na creche, na escola ou até na
universidade têm também, e sempre, o ser humano como seu interlocutor.
Claro que uma coisa é tratar de quem se apresenta doente, outra bem diferente é ensinar
quem vai à escola para aprender. Porém, como temos das organizações educativas a
ideia de que são espaços onde muito para lá das práticas de ensino e de aprendizagem o
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que tem de ser preocupação primeira é produzir factores que levem à criação de
ambientes estáveis e propícios ao crescimento e desenvolvimento de seres humanos,
então encontramos aqui uma outra estreita ligação entre o ser professor e o ser
enfermeiro, já que tanto um como o outro não podem funcionar sem ter em conta que o
que fizerem com os humanos para quem trabalham não pode pôr em risco a sua
integridade física e psíquica.
Se nos hospitais o enfermeiro tem a obrigação de cuidar dos outros fazendo-o bem, nas
escolas os educadores e professores têm também de cuidar e bem tanto da criança utente
de creches e jardins de infância, como dos alunos a quem ensinam conteúdos escolares.
Claro que a natureza dos cuidados é diferente nos dois contextos, mas se hoje se diz que
o êxito de um tratamento, qualquer que seja, passa muito pela Pedagogia que ao doente
se ministra, então tanto num lado como no outro encontramos esse mesmo universo de
conhecimento particular como instrumento fundamental.
Se a Escola difere dos hospitais e das enfermarias facto é que à luz das ideias anteriores
encontramos muitos pontos de contacto. Primeiro, porque se a acção do professor não
pode ser confundida com a do enfermeiro, facto é que ambos têm o cuidar e o ensinar
como actividades que marcam muito o regime de competências com que têm de
desenvolver os seus desempenhos. Depois, porque se cuidar é, como vimos em ambos
os contextos, cuidar dos humanos e se a Pedagogia é uma ciência única, então os seus
princípios e as metodologias tanto são recursos utilizados pelos agentes de ensino como
pelos profissionais de enfermagem.
Na Escola diz-se que comunicar é dialogar e tanto quanto nos vamos apercebendo
também nas áreas onde actuam os enfermeiros se diz que não há cuidar sem comunicar
afirmando-se que este desiderato só se atinge quando existe diálogo com os utentes dos
cuidados.
A estreita relação entre a Educação e a Saúde é aqui uma evidência e se atrás dissémos
que o êxito das intervenções dos profissionais a que vimos fazendo referência depende
da forma como conseguem aplicar as competências que foram adquirindo ao longo da
sua experiência profissional, então o que decorre do exposto é que a âncora comum que
sustenta a prática profissional de ambos é a Formação Profissional. Competências de
cuidar para comunicar com o outro, dialogando com ele, e de ensinar a fim de ministrar
ensinamentos que possibilitem aprendizagens úteis, eis uma segunda trave mestra que
faz de agentes de ensino e enfermeiros pares de universos afins.
Se o diálogo com o outro implica utilizar os sentidos que se possuem, e mais do que
simpatizar ou antipatizar com alguém, ser capaz de empatizar com ele é o vínculo
essencial da relação que se tem de estabelecer, então tanto ao professor como ao
enfermeiro está vedado excluir quem quer que seja do seu universo de relação por meras
questões de preconceito.
Possuir competências empáticas e treiná-las para que as mesmas sejam objecto de
actualização permanente é pois preocupação comum aos dois profissionais referidos.
Claro que o diálogo pressupõe olhar o outro, observá-lo e por via disso ser capaz de
organizar uma aranha interactiva onde o exercíco de espelhamento se afirma a teia que
há que tecer, a fim de conseguir manter a relação. Também aqui nos parece que existem
similitudes entre as actuações de enfermeiros e professores
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Sendo dos que afirmamos que um dos handicapes das Ciências da Educação é não
serem capazes de construir os seus próprios instrumentos de acção somos também dos
que entendemos que não é por tal facto que estas Ciências devem ficar paradas. Por isso
advogamos que a importação para a Educação de técnicas oriundas de outros domínios
científicos deve ser feita sempre que tal favoreça avanços no conhecimentos dos
fenómenos educativos e desde que com esse comportamento se vá tentando fazer
aparecer instrumentos construídos pelas suas ciências. Se trazemos à colação este
problema é porque achamos que o exercício não quebra a linha lógica que vimos
desenvolvendo, senão vejamos: É ou não verdade que um dos problemas delicados que
se coloca à afirmação dos enfermeiros como corpo científico autónomo tem a ver com o
facto de terem de trabalhar utilizando o chamado modelo de intervenção biomédico e
que muitas das técnicas e procedimentos da sua área de acção são importados do
universo médico? Se a resposta é afirmativa, então eis aqui mais um facto a permitir
vislumbrar quão próximos estão os dois profissionais anteriores.
Uma das afirmações que produzimos é que a Escola do futuro tem de trabalhar com
base nas necessidades educativas das crianças e formativas dos agentes de ensino. Em
decorrência desta exigência dizemos também que para tal, não só temos de ter nas
Escolas um agente de ensino com um perfil totalmente diferente do que até aqui existia,
como pensamos que a prática do diagnóstico de necessidades tem de passar a ser um
instrumento de utilização quotidiana. Claro que quando referimos esta intenção somos
de imediato contrariados por uns quantos que nos advertem dizendo que o diagnóstico
não pertence ao universo da Educação e que a sua utilização é meramente clínica.
Somos então sempre obrigados a referir que o esforço que estamos a fazer é o de
construir instrumentos de diagnósticos de necessidades a utilizar em salas de aula sem
que os mesmos se fundem nas práticas clínicas, deixando também expresso que é nosso
propósito formar os agentes de ensino para a utilização adequada dos instrumentos que
vamos produzindo.
Como somos agentes de formação a trabalhar nas Escolas de enfermagem, então
também junto de enfermeiros em formação tanto inicial como especializada
transmitimos os nossos propósitos, já que sendo muitas das acções executadas nestas
instituições de carácter meramente pedagógico, estultícia seria que os diagnósticos
educativos e formativos fossem marcados por preocupações apenas clínicas.
Da Saúde procuramos importar para a Escola a atitude de ajuda sem a qual pensamos
que as organizações educativas do futuro não funcionarão. Porém, entenda-se que ao
contrário do que poderia pensar-se este é talvez um dos desideratos mais difíceis de
cumprir já que não tendo sido a Escola tradicional orientada para ajudar a criança a
aprender mas mais para lhe impor o saber, muitos dos professores actuais entendem
ainda que a atitude de criar afinidades com os alunos é sinónimo de perca de autoridade.
Mas a pergunta que aqui fazemos é se algo de semelhante se passa nos contextos de
intervenção dos enfermeiros. Então do lado da enfermagem não é facto que muitos
enfermeiros se escudam nos procedimentos técnicos para assim dessimularem os seus
preconceitos para com os doentes? Assim sendo, também aqui as afinidades são
estreitas.
Por via do que dissemos encontramos razões para agir procurando estreitar as relações
entre a área da Educação e da Saúde. Deste modo, agimos formando educadores,
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professores e enfermeiros. Tivemos outrora dúvidas quanto a este caminhar, mas
contactos com especialistas diversos e em especial com a Prof. Doutora Margon
Phaneuf conduziram-nos a dissipar esse cenário cinzento. Porquê? Porque pensando nós
que a chave para abrir o caminho do sucesso educativo e formativo é a comunicação e a
relação, encontrámos na obra “Comunication, entretien, relation d’aide et validation”
respostas a muitas das nossas interrogações.
Nesta brochura ensaiamos uma possível aproximação entre as nossas preocupações e as
da Profª Phaneuf. Por um lado procuramos dar conta de como pensamos que a futura
Escola, a que chamamos Sensível e Transformacionista, tem de ser contexto de acção de
novos e diferentes profissionais que não só façam dos afectos o cenário de fundo da sua
organização, mas que marquem também a comunicação pela atitude de cuidar e
empatizar com outro a fim de o ajudar a reconfigurar as suas experiências de vida e logo
as aprendizagens. Por outro, tentamos dar conta de como este último propósito encontra
na formação em enfermagem uma linha lógica de intervenção em tudo semelhante à dos
agentes de ensino, já que tanto estes como os enfermeiros devem ser olhados enquanto
actores orientados para minimizar insucessos nas experiências da vida humana.
Assim, na primeira parte deste documento apelamos à necessidade de termos uma
Escola bem diferente da que tem sido timbre nas nossas actuais sociedades e
enunciamos os princípios segundo os quais pensamos que essa nossa nova Escola deve
ancorar. Recuperamos muito do que escrevemos na obra “Da Análise de Contextos
Educativos e da Criança Enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e
Trransformacionista”, publicada em Lisboa, pela Escola Superior de Educação João de
Deus, em 2001 e tansmitimos ideias desenvolvidas com mais profundidade no último
livro que escrevemos com o título “A Escola Sensível e Trnaformacionista – Uma
Organização Educativa para o Futuro” que as Edições Cosmos publicaram em Alpiarça
no ano de 2004.
Depois, num segundo capítulo, chamamos à colação ideias da Profª Phaneuf escritas na
sua obra “Communication, entretien, relation d’aide et validation” editada por Karole
Lauzier em Les Éditions de la Chenelière McGraw-Hill, Montréal (Québec), 2002, para
evidenciar como as suas preocupações orientadas para a formação dos enfermeiros
ganham similitude com as nosssas quando em causa está formar os educadores e
professores para a problemática da comunicação, sobretudo quando esta tem de ser
marcada pela preocupação de transmitir bem estar ao outro (propósito que na nossa
Escola tem de ser atitude central de quem ensina).
Por fim, recuperando ideias escritas em “Ensaios sobre Fenomenologia do
Conhecimento – Do Espelhamento à Transcendência”, obra publicada pela
Universidade de Évora em 2003, procuramos mostrar como a prática do espelhamento,
enquanto técnica que concebemos, desenvolvemos e aplicamos na formação de
educadores, professores e enfermeiros é, tem de ser, utensílio fundamental de todo
aquele cujo dia a dia, passado tanto a formar como a ensinar, é levado a fazer interagir o
seu eu com o dos seus semelhantes.
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1) Uma Nova Escola precisa-se
O Diagnóstico de necessidades em Educação, mesmo que importado da área da
Saúde, tem de ser prática quotidiana nas escolas
A afirmação anterior, de tão peremptória que é, impõe uma interrogação. Porquê? Esta
interpelação exige esclarecimento.
Claro que os educadores e professores não trabalham à toa. Por isso, quando falamos da
necessidade de introdur a prática do diagnóstico de necessidades nas escolas estamos a
dizer que o que se torna verdadeiramente indispensável é que os agentes de ensino
recorram cada vez mais a práticas de rigor científico a fim de ultrapassaram
progressivamente o tão estafado empirismo com que em muitas situações ainda actuam.
Feito o esclarecimento entramos directa e definitivamente no assunto que nos move.Em
intervenções diversas temos defendido a ideia de que a descoberta da Escola, da sua
força e, sobretudo, da sua importância enquanto instrumento de afirmação de
saberes, é um dos fenómenos educativos mais interessantes da sociedade actual.
Uma das formas de evidenciar a afirmação anterior torna-se bem clara quando a própria
sociedade cria outras instituições com igual desiderato e faz passar a mensagem de que,
se os problemas da Escola se resolverem, resolvem-se também os da sociedade. Claro
que para nós estas mensagens mascaram apenas os grandes problemas. O facto em si
não nos espanta já que o questionamento à escola não é fenómeno apenas dos nossos
dias. Não nos preocuparia esta forma de estar se ela indiciasse uma tomada de
consciência face à própria função social que a Escola deve cumprir e se o sucessivo pôr
em causa, a que hoje se assiste, significasse um pensar acrescido sobre o perfil de quem
deve ensinar. Tão pouco apreensivos ficaríamos se os impulsos para a mudança
aparecessem em função de pressões geradas no interior das instituições escolares e se
em consequência de reflexão por parte de quem nelas trabalha.
Para que a finalidade das nossas apreensões seja bem equacionada esclareçamos que
quando nos referimos à Escola, fazêmo-lo em sentido lato, significando que
enquadramos nesse conceito todos os organismos de intervenção educativa
independentemente do tipo de aprendizagens que neles se ministrem. Assim sendo, o
nosso conceito de escola incorpora tanto a Creche como a Escola do Ensino Básico ou
Secundário e, porque não, até mesmo a Universidade. É essa mesma dimensão que nos
faz pensar que o vocábulo professor está nitidamente em desuso levando-nos a propor a
sua substituição pelo de agente educativo, até porque para nós também este profissional
não pode mais ser entendido apenas como alguém que se limite a meras transmissões de
saberes. A problemática é portanto muito abrangente e tem como pano de fundo a
necessidade de equacionar o contributo que a Educação e suas ciências podem e devem
dar para a melhoria da vida dos cidadãos. É inquestionável o direito que as populações
têm em assumir posição face às preocupações anteriores, mas a legitimidade de certas
intervenções e a forma como actualmente se procura impôr à Escola, e aos professores,
o sentido das mudanças, merece-nos reflexão acrescida.
Falar da Escola sem dela ter conhecimento está na ordem do dia e dizer ao
professor o que ele deve fazer tornou-se um lugar comum. Não entendemos
bizarras tais formas de afirmação cívica já que, ao invés, encontramos argumentos
justificativos para estes comportamentos. O primeiro, poderá ser justamente a
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preocupante inércia da Escola face à evolução das sociedades bem como o enorme
alheamento da classe docente para com as questões que a mesma encerra. O
segundo é configurado pela ausência de uma pedagogia que ajude a ver mais claro
os limites das áreas de intervenção e as frontreias entre a Educação, a Formação e
a Cultura. A ligação entre os dois factos anteriores é muito forte e provoca no
interior do próprio sistema educativo uma enorme onda de indefinições que não
sendo parada no seu fluxo, origina múltiplas disfunções tanto no sistema de ensino,
como na formação de docentes. Por não se ser capaz de parar essa turbulência
continua-se a ministrar ensinos de inúmeras didácticas específicas desenquadradas
de adequadas dimensões curriculares.
O leque de questões que anteriormente referimos foi inicialmente por nós tratado na
obra que publicámos em 1998 com o título “Pensar a Escola e seus Actores” e tem
sofrido desenvolvimentos sistemáticos e diversos tanto em “Da Análise de Contextos
Educativos e da Criança enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e
Transformacionista” que foi editada em 2001 como ainda em “Ensaio sobre o
Desenvolvimento Humano-De Uma Teoria Emergente da Prática ao Mundo como
Implicação” que o Instituto Piaget publicou em 2002, ou de forma mais técnica e
científica na obra ultimamente publicada.
Ausência de claro entendimento quanto às funções que as sociedades actuais incumbem
à Escola e actuação demasiado empírica por parte dos que nela trabalham tem sido
problemática por nós reflectida nas nossas obras. Ensaiando nelas sempre uma ligação
estreita entre as duas temáticas, tentamos porém fazê-lo de forma não abusiva, embora
implicante, já que pensamos ser de facto em função da anomalia expressa que a
formação de professores continua a preocupar-se em formar os docentes mais em torno
de métodos e técnicas de ensino, que de outras dimensões científicas.
As preocupações anteriores levantam inúmeros problemas, entre outras razões porque:
“O homem de hoje não se forma convenientemente se for mobilizado
só para saber utilizar métodos e técnicas de forma exemplar e a
evolução da Educação depende não da existência da Pedagogia
enquanto sua única ciência, mas do contributo de vários saberes que,
organizados em rede, façam aparecer um paradigma verdadeiramente
educacional.”
Dissémo-lo na obra citada e tínhamos já aprofundado o tema em 1990 em a “A
Formação do Jovem-Um Modelo Interactivo, publicada pelas Edições A.S.A. O
problema é que, para além de sabermos pouco sobre as reais funções que a Escola deve
ter na sociedade, e de não conhecermos ainda o verdadeiro perfil da função docente, é
também uma evidência que a descoberta da Escola não tem conduzido a uma real
compreensão das inúmeras dificuldades com que as crianças se confrontram quando em
múltiplas situações de aprendizagem. São afirmações contidas nas actas do colóquio que
a “Association Francophone d’Investigation et de Recherche Scientifique en Éducation”
publicou em 1994 e que já nós em tese de doutoramento, em 1992, tínhamos referido na
Universidade francesa de Caen.
Assim continua a ser. Pese embora as intenções que se enunciam em muitas das
reformas e a existência de imensos projectos de intervenção educativa, facto é que
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os esforços na formação de professores, e de outros agentes educativos, não têm
impedido que continue a existir um vasto leque de profissionais de ensino a
desenvolver a sua actividade sem ter uma clara noção daquilo que o aluno é
enquanto indivíduo. Diríamos mesmo, sem saber daquilo que ele necessita ser, quer
como agente de aprendizagens, quer enquanto alguém em permanente formação e
integração social. Esta temática, por nós tratada nas obras citadas, continua também na
ordem do dia, sem que tenhamos assistido a intervenções de fundo verdadeiramente
reparadoras do disfuncionamento em causa.
2) A Escola Sensível e Transformacionista, uma solução para o futuro
Como já dissemos, o conjunto de temáticas que tratamos nesta brochura têm sido
por nós desenvolvidas em obras diversas. Porém, e porque muitas das práticas da
acção educativa em que nos temos envolvido vêm-nos permitindo visualizar novas
e diferentes formas de aplicar os princípios porque nos batemos trazemo-los de
novo aqui à colação embora sofrendo diferente enquadramento. É exemplo do que
se disse o facto de pensarmos hoje a acção educativa fortemente condicionada ao
que vimos designando por “Transversalidade educativa”.
Conceito novo introduzido por nós nos programas da formação de educadores e
professores com o qual pretendemos trabalhar a ideia de que face ao entendimento de
que o Sistema Educativo tem de ser pensado como um longo processo em que a
influência da acção educativa sobre os seres humanos começa quando estes ainda de
tenra idade entram para a Creche, aos três meses, e deixa de ser exercida sobre muitos
deles quando por volta dos vinte e cinco anos obtêm um curso superior.
Este novo conceito serve-nos para mostrar como por via desta nova concepção as
próprias organizações educativas devem ser entendidas partes de um processo em que se
é facto podem ser concebidas de forma autónoma não menos forçoso se torna pensá-las
fortemente ligadas, já que o trabalho que nelas se faz com a criança na Creche respalda
para o que mais tarde com ela se realiza no 1º Ciclo, da mesma forma que facto idêntico
acontece em relação ao trabalho nos 2º e 3º Ciclos, sendo até de referir que mesmo na
Universidade é-se confrontado com a qualidade da acção educativa desenvolvida em
anos antecedentes.
A noção de transversalidade educativa não é por nós trabalhada apenas no que
respeita à ligação das instituições que tutelam a educação e a formação dos seres
humanos. Pensando que quem passa por todo o Sistema é a criança ( na Creche é
até designada por bébé) que se vai desenvolvendo e transformando em jovem e
mais tarde em adulto, chamamos a atenção dos nossos alunos para o facto de que
o grande suporte de toda a actividade educacional e formativa é o processo de
desenvolvimento humano.
Fazêmo-lo para referir que tendo em conta o desabrochar de capacidades afectivas e
cognitivas da criança, o trabalho de ensinamento orientado no sentido de que as
aprendizagens se cumpram é obrigatoriamente sustentado pelas particularidades de três
tipos de relações específicas: a relação de apego que antecede a educativa e que é típica
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da Creche, a relação educativa/pedagógica muito particular do trabalho no Jardim de
Infância e a relação pedagógica/educativa que é suporte essencial da Escola a partir do
1º Ciclo.
Desenvolvemos o tema chamando a atenção para o facto de que também aqui a
“Tranversalidade relacional” deve ser respeitada, já que pese embora o Sistema
Educativo ser pensado por níveis, facto é que o ser humano que o transcorre é
sempre o mesmo evoluindo na vida através de dois processos de dinâmica
progressiva e gradual, a saber, o do seu crescimento e, como anteriormente
referimos, o do correspondente desenvolvimento que é complementar do anterior.
É uma abordagem que nos vem permitindo avançar com a ideia de que também os
agentes educativos devem pensar as suas intervenções em regime de transversalidade a
fim de que educadores e professores se empenhem em articular de forma estreita as suas
intervenções.
Estamos então determinados em formar agentes de ensino que rejeitando a concepção
espartilhada do actual Sistema sejam capazes de funcionar em regime de estreita
relação entre pares e pensem as suas actividades em equipa por forma a que o processo
de ensino seja cada vez mais próximo do de desenvolvimento da criança, do jovem ou
até do adulto que se forma.
A segunda ideia que enfatizamos, que é objecto de desenvolvimento maior na
última obra que publicámos e é, como pensamos se percebe, central na abordagem
feita nesta bruchura, é de que os agentes educativos não podem mais actuar sem
ser com base na prática do diagnóstico de necessidades.
Claro que por via das preocupaçõe anteiores justifica-se que princípios oriundos da
psicologia e da psicanálise sejam definitivamente transportados para o interior da sua
formação desses actores educativos a fim de poderem agir com conhecimento das
características específicas dos seres humanos que são seus objectos de trabalho e estudo.
Duas determinantes orientam o nosso trabalho de formação de agentes de ensino:
levá-los a organizar a sua intervenção quotidiana na sala de aula a partir de cartas
de sinais de necessidades com duas valências: educativas porque emitidas pelas
crianças e formativas porque respeitando temáticas de auto-formação pensadas
pelos agentes educativos mas em função das necessidades emitidas pelas crianças,
ou seja, cartas onde cada educador ou professor identifique a sua própria formação em
função daquele para quem desenvolve o seu desempenho.
A terceira ideia que justifica o novo enquadramento de conceitos respeita o
entendimento de que também as organizações educativas têm de ser concebidas e
geridas em função dos pressupostos anteriores, o que significa que o seu projecto
educativo deve ser concebido em função do desenvolvimento dos seres humanos
que as frequentam. Mas porque a Escola assume nos nossos dias uma centralidade
acrescida bom é que quem tenha a responsabilidade de a gerir o faça intuindo a
organização escolar como “pivot” do desenvolvimento de locais e regiões. Este é
desiderato que também desenvolvemos em extensão e profundidade nas obras
anteriormente referidas.
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Expressas as ideias anteriores bom é que reforcemos a convicção de que nas nossas
intervenções move-nos sempre a intenção de referir como pensamos a Escola um
vasto observatório caracterizador da acção educativa, uma estrutura sensível e
transformacionista a ser organizada com base no diagnóstico de necessidades
educativas das crianças e alunos e formativas dos professores.
Assim sendo, se algumas ideias novas aduzimos quando falamos ou escrevemos, outras
há que chamamos à colação, não tanto pelo facto de ser a primeira vez que as referimos
mas, porque ligadas às anteriores, nos vêm permitindo construir cenários diferentes de
enquadramento das situações pedagógicas.
Pensamos então que através do último livro que publicámos não fazemos a repetição do
que escrevemos em obras anteriores mas sim a reconfiguração de muitas das nossas
convicções escritas agora num formato que se pode assumir típico de um projecto de
desenvolvimento científico que tendo vindo a ser construído progressivamente se
apresenta agora como um todo que pensamos coerente. A ser verdadeira a afirmação
anterior torne-se a mesma extensiva à brochura que agora publicamos.
Princípios há então que como outrora continuam a ser para nós como que lanternas a
balizar a rota que seguimos. Em jeito de ajuda à memória deixemo-los expressos:
A prática pedagógica dos nossos dias tem de ser suportada pela ideia de que são vários
e complexos os objectos de trabalho sobre os quais deve recair, em simultâneo, a
atenção dos agentes de ensino;
A articulação desta complexidade tem de estar subordinada ao que chamamos
princípio da multireferencialidade de objectos de análise;
Esta subordinação tem de ser estrategicamente sustentada, ou seja, organizada em
função de diagnósticos das necessidades educativas de quem aprende e formativas de
quem ensina;
A finalidade última para que deve tender a sua organização é a de ajudar o outro no
seu crescimento e desenvolvimento integral.
Trata-se pois de montar na Escola um outro caminhar onde todos são pares e por isso
todos se devem ajudar mutuamente. Por isso, entendemos que a nossa Escola tem de ter
uma pedagogia orientada pelo sentido de ajuda. Em primeira instância uma ajuda à
criança para que, ao olhá-la, a deixemos de pensar como um mero tubo digestivo que
come e dorme. Depois, porque é indispensável ajudar o educador e o professor, já que,
não tendo este hoje apenas essa criança como seu objecto de estudo, se vê confrontado
com a necessidade de ter de centrar a sua atenção em múltiplos universos que passaram
a ser da sua responsabilidade integrar de forma eficaz na complexa acção educativa. Por
fim, ajudando funcionários e pais a lidarem de forma eficiente com a panóplia que esta
nova e turbulenta realidade propõe.
Tal como pensamos, a nossa pedagogia de ajuda tem de se fundar na criação e
institucionalização de uma atitude a que chamamos “extensão de Si” e que implica
que a acção de ensinar se paute pela preocupação de saber estar com, ou seja, não
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querer estar apenas presente na mesma situação em que, ensinando, o outro tem de
aprender, mantendo-nos apenas a seu lado, ou perto dele.
Mais do que preocupado com os produtos das aprendizagens o que este agente de ensino
tem de saber é que grande parte do seu empenho diário terá de ser orientado para a
construção de apropriadas situações de aprendizagem. É o princípio de que as
aprendizagens humanas mais do que dependerem de sofisticadas metodologias são
presas fáceis da qualidade das relações que o organismo estabelece com o seu meio
ambiente. É por isso que dizemos e escrevemos que por muito excelentes que as
metodologias possam ser, ao educador e professor do futuro se exige, cada vez mais,
forte domínio de competências pessoais.
Empatizar com o outro sendo capaz de percepcionar a forma como sente cada
momento do aprender, possuir a capacidade de ir imaginando novos cenários
mudando sistematicamente os elementos das paisagens de aprendizagem a fim de
que se crie a possibilidade de que a natureza humana do aprendente experimente
novas possibilidades de actuação e levar este actor a colocar no presente o seu
arsenal de saberes a fim de, por imaginação, ser capaz de recriar no agora situações
que só no futuro possam vir a ser reais, eis o leque de competências que a extensão
de Si impõe significando que a acção educativa vai passar a exigir que sejam as
capacidades humanas capazes de suportar as competências acima referidas os
indicadores configurantes do cartão de apresentação do futuro mas já necessário
agente de ensino.
É o leque das competências referidas e por inerência das capacidades que as mesmas
implicam que serve de rede ao exercício da extensabilidade de Si. A esta rede a que
gostamos mais de chamar aranha apelidamos de estrutura de terceira dimensão a qual,
impondo treino aturado executado em situações pedagógicas diárias concretas para que
as respectivas capacidades se transformem e actualizem sistemática e progressivamente
em competências orientadas para o exercício da acção do ensinar, implica que em
resposta aquele que aprende corresponda através de comportamentos e atitudes
adaptativas, também eles organizados em rede de competências mas agora de
aprendizagem, ao exercíco da extensabilidade acima eferida. Claro que se é a quem
ensina que compete iniciar o exercício da criação da “extensão de Si” nas situações
pedagógicas, facto é que inevitável se torne que quem aprende tenha de ser par
obrigatório da partilha dessa extensabilidade.
Quem ensina terá então de se assumir como um espelho daquele que aprende. Assim
sendo, se a construção de um bom espelho é essencial para o estabelecimento de uma
eficaz relação de ajuda servindo justamente para aumentar e alimentar a comunicação
que se estabelece entre os pares dialogantes, então a pedagogia que lhe está subjacente
não pode fugir a esta determinação. Como poder então ignorar as características pessoais
dos intervenientes no diálogo? Como ao mesmo tempo deixar de ter o grupo como
suporte desse diálogo? E como agir sem respeitar o cenário onde o mesmo se desenrola?
Como por fim determinar novas acções sem ter a preocupação de conseguir o melhor
clima possível para que o comunicar e o agir se façam adequadamente?
Se saber ensinar é uma determinação indispensável, saber organizar os grupos de actores
por forma a que se estabeleça o diálogo adequado à ajuda injectando o sistema que
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configura a pedagogia que se aplica é, pois, exigência que se coloca ao agente de ensino
da nossa Escola Sensível e Transformacionista.
Algo porém nos distingue de outros e a pequenina nuance está em termos
enunciado como pressuposto básico do nosso modelo que o agente de ensino
responsável pela organização grupal se disponha não só a organizar cartas de sinais
das necessidades dos aprendentes como ainda determine a partir delas as suas
próprias necessidades de auto-formação.
Avisados que estamos face ao falhanço de certas práticas de desenvolvimento dizemos
que indo além desta perspectiva o que nos interessa é que a Pedagogia de Ajuda
introduza nas organizações educativas a ideia de que mais do que desenvolver o que
importa é sustentar as alterações que as mundivivências dos actores enquanto
aprendentes vão vivendo. Assim sendo, o nosso modelo pedagógico pode ser
apelidado, não de desenvolvimentista, mas de sustentador de alterações pedagógicas
induzidas.
A nossa Pedagogia de Ajuda trai todos quantos avaliem o sucesso das organizações
educativas apenas pelo sucesso nas aprendizagens escolares e à pergunta de Alberto
Souza (1997) indagando se à sociedade interessa ter na Escola crianças com elevado
nível cognitivo e deficiente vida afectiva ou social dizemos peremptoriamente não. Não
porque sabemos hoje quão trágica e enganadora é essa atitude e não porque tal como o
autor refere na sua obra também sabemos que tanto melhor são as aprendizagens
escolares quanto melhores são os suportes afectivos e sociais dos aprendentes (entendase aqui criança, jovem adolescente ou adulto que aprende e o professor ou educador que
ensina). Estamos conscientes que o nosso modelo é tencional, mas isso não constitui
para nós “handicap” pois como anteriormente referimos entendemos que não há
aprendizagem sem tensão. O que importa é que quem tem a responsabilidade de
conduzir o modelo saiba ver em cada momento do caminhar qual a tipologia dessa
mesma tensão.
Se o diagnóstico das necessidades educativas e formativas é vital para fazer
funcionar a Pedagogia de Ajuda bom será que pensemos que é justamente a forma
como a tensão provocada pelas aprendizagens se manifesta o indicador primeiro
que urge ser capaz de registar, pois é ele que permite ao agente educativo inferir
dos níveis de conforto ou desconforto, prazer ou desprazer, motivação ou
desmotivação segundo os quais quem aprende vai vivendo o processo de
ensino/aprendizagem e sobretudo dos níveis de quebra de partilha com que muitas
vezes o aprendente está nas situações pedagógicas.
São as preocupações até aqui explicitadas que nos levam a Ministrar na Universidade de
Évora um seminário de formação soburdinado ao tema “O Agente Educativo e a criação
da Extensão de Si”. Para quê? Sobretudo para sensibilizar os actores de intervenção
educativa para as questões da relação pedagógica e da sua influência sobre a dimensão
humana quando, nas suas actividades lectivas, desencadeiam, obrigatoriamente,
fenómenos comunicativos que se projectam sobre as crianças e alunos com que privam
no seu quotidiano. Vejamos o programa desse mesmo seminário:
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UNIVERSIDADE DE ÉVORA
SEMINÁRIO
PROFISSIONALIDADE E EDUCAÇÃO
“O Agente Educativo e a criação da “Extensão de Si”
Responsável: Prof. Doutor Luís Marques Barbosa
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PROGRAMA
Nocão de “mediação afectiva”
A noção educativa e formativa em pedagogia
A “transferência” e “contra-trnaferência pedagógica”
O estatuto do professor
O papel do professor
O estatuto do aluno
Da representação à categorização que o professor faz do aluno
Natureza do diálogo educativo
Poder e “contrato pedagógico”
Interação e espelhamento na relação pedagógica
O jogo das forças inconscientes
Os fantasmas
O conflito inconsciente do docente
A comunicão inconsciente da relação pedagógica
A transferência pedagógica
A contra-transferência pedagógica
O desejo na relação pedagógica
A sedução na relação pedagógica
O processo de identificação
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3) Entre o desempenho de agentes educativos e o agir dos enfermeiros são muitas
as similitudes
Acaso é difícil aceitar que muitas das preocupações expressas no programa do
seminário anterior e nos parágrafos que o antecederam são possíveis de transpor para a
forma de actuar dos enfermeiros? Pensamos que não. Entre outras razões porque para
além de poderem ser enquadradas no contexto das temáticas formativas de tipo
profissional, as podemos compaginar numa problemática mais fina, a saber, a que trata
as questões da comunicação.
Claro que o exercício agora aqui sugerido não é senão intencional. Através dele visamos
criar condições para aproximar as nossas preocupações das que marcam a
intencionalidade formativa de Margot Phaneuf. Um primeiro facto vale a pena referir:
talvez porque a ilustre professora tenha formação em Ciências da Educação, tal como
nós, sentimo-nos, desde o primeiro momento em que entrámos em contacto com as suas
convições muito próximos das sua preocupações. Tal como para Phaneuf o corpo é para
nós o eixo central da rede interactiva que o comunicar exige e da mesma forma que para
a ela também o sentimento de ajuda é no contexto da nossa postura formativa o vínculo
que pode e deve alimentar toda a partilha entre o ensinar e o aprender quer este
exercício se faça na Escola quer no Hospital.
Foram justamente os sentimentos expressos nos parágrafos anteriores que nos fizeram
aproximar ainda mais das coisas da saúde. Porquê? Porque também neste contexto o
diagnóstico é essencial, o comunicar indispensável e a ajuda à partilha de emoções e
sensações intencionalidade imprescindível.
Phaneuf justifica a pertinência das suas abordagens explicitando dois queixumes face ao
agir de muitos enfermeiros: que não raro dão mais importância às tarefas de organização
das intervenções e aplicações de métodos, técnicas e medicamentos que aos próprios
doentes, e que nessa voragem a relação humana torna-se automática, impessoal,
transformando-se a pessoa para quem o agir se cumpre numa mera coisa.
Nós, como de resto já referimos anteriormente, procuramos uma nova Escola, entre
outras razões, porque a actual nos parece desumanizada, justamente porque os agentes
de ensino se preocupam mais com os métodos e as técnicas que com as necessidades
específicas das crianças e alunos.
Claro que nas escolas comunica-se mas vale a pena perguntar de que tipo é essa mesma
comunicação e sobretudo para que fins a mesma se organiza. É uma pergunta que a
autora formula de forma diferente mas quanto a nós para atingir o mesmo objectivo que
é o de enfatizar a necessidade de que o comunicar, em sítios onde o ajudar é actividade
mais nobre, se sustente pela preocupação de humanizar o próprio diálogo.
Observar o outro, contactá-lo intencionalmente e sobretudo procurando conhecer as
suas dificuldades eis o que entende ser a chave para o estabelecimento de relações
conseguidas. No momento em que muitos dos nossos estudo dão conta de que na Escola
uma enorme quantidade de crianças e alunos movem-se sem que os agentes de ensino
contactem com elas dias a fio, a preocupação anterior ganha dimensão acrescida.
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Sublinhe-se aqui a importância do ouvir e veja-se então que o observar não é apenas
para satisfazer a curiosidade. Da vida do dia a dia sabemos que ao sermos olhados sem
que para lá disso se estabeleça a possibilidade de interpelações mútuas a desconfiança
instala-se. Mas do quotidiano sabemos também que quando acreditamos que somos
ouvidos para lá de olhados a aceitabilidade do outro aparece, entre outras razões porque
tal acto de partilha permite que muitas das angústias que nos tranzem e muitas das
preocupações que amarfanhamos no íntimo se dissipam ou atenuam pelo facto de terem
sido explicitadas a outrém.
Nas acções de formação temos investido imenso na prática do ouvir e por isso nos
sentimos príximos das procupações de Margot Phaneuf.
A Comunicação é, no âmbito no nosso trabalho quotidiano, uma actividade integrada
em propostas de formação e nos nossos planos de actividades figuram sempre seis
objectivos que procuramos sejam atingidos: fazer com que os propósitos da
comunicação sejam claramente intuídos por aqueles que frequentam as acções, que
valorizem a componente afectiva e informativa da comunicação, que assimilem os
princípios fundamentais da comunicação, que apreendam a relação enquanto eixo
central do processo comunicacional, que valorizem as atitudes facilitadoras e que sejam
capazes de identificar os obstáculos à comunicação.
Mas para que procuramos nós tornar tanto os agentes de ensino como os enfermeiros
sensíveis aos objectivos anteriores? Primeiro, para que assumam que é de enorme
responsabilidade influenciar o outro no que quer que seja e para o que quer que seja.
Depois, porque seja na aula, seja na enfermaria, é da maior utilidade procurar
estabelecer a confiança da pessoa enquanto aluno ou utente de cuidados na nossa
própria acção. Além do mais porque o respeito e a confiabilidade têm de ser
introduzidos. Por fim, porque a criação da Extensão de Si implica que o dar-se dos eus
aconteça num momento de parceria de responsabilidades partilhadas.
Se nos domínios da enfermagem é indispensável salvaguardar o total respeito pela caixa
preta que a zona de intimidade de cada pessoa representa, na escola tal não é menos
verdadeiro. Confrange-nos a forma como em muitas escolas ouvimos falar de alunos
pais ou professores, da mesma forma que ficamos desagradados quando em hospitais
ouvimos mensagens que transportam a marca do desrespeito pelo outro.
É para nós motivo de agrado quando no interior de uma escola sentimos que o observar
é prática bem treinada e bem mais satisfeitos ficamos quando verificamos que a ela se
cola um ouvir calmo e sereno e um olhar terno e respeitador. Margot Phaneuf evidencia
bem estes propósitos na sua obra e valoriza bem até as características do olhar a fim de
chamar a atenção para o facto de que a expressão facial é cartão de visita fundamental
nas coisas da comunicação humana.
Ficamos por vezes siderados quando em muitos jardins de infância e noutras
instituições educativas constatamos níveis de ruído por vezes verdadeiramente
ensurdecedores. Por isso, nas nossas acções formativas chamamos a atenção para a
necessidade de nestas instituições se privilegiar o silêncio ao lado das manifestações
obrigatoriamente mais exuberantes. Claro que aqui somos traídos por uma cultura que
cada vez mais afirma o barulho como forma de estar. Pensamos que tal como nós
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Phaneuf sente a mesma necessidade e por isso dedica ao tema espaço acrescido na sua
obra.
Na nossa Escola as famílias das crianças e alunos são parceiros fundamentais dos
educadores e professores. A referência tem hoje, felizmente, menos relevância que
outrora. Mas o que interessa neste momento sublinhar é que no âmbito dos cuidados de
saúde e da enfermagem em particular referir a importância de uma boa relação com a
família daquele a quem se ministra cuidados é mensagem de primeiro plano.
Definitivamente Saúde e Educação estão cada vez mais perto.
Há anos lutámos muito para que na Universidade onde trabalhamos fosse incluída nos
currículos formativos dos Educadores de Infância uma disciplina a que chamámos
“Expressão e Criatividade” e o objectivo primeiro que procurámos atingir foi o de
possibilitar aos agentes de ensino em formação o treino das suas capacidades
perceptivas por forma a saberem utilizar a chamada linguagem não verbal. Constituíu
drama o conjunto de entraves que tivemos de ultrapassar e ainda hoje sentimos que a
temática é pouco valorizado pelos académicos. Por isso ficamos contentes quando em
“Communication, entretien, relation d’aide et validation” esta problemática é
desenvolvida com respeito. Reforçamos mesmo o nosso entusiasmo porque na obra não
só se fala das características da comunicação verbal e não verbal como ainda se refere a
importância de uma ser compatível com a outra.
Também há alguns anos já introduzimos nas disciplinas que são da nossa
responsabilidade ensinar, e logo desde o primeiro ano da formação inicial, a temática
das questões da percepção. Porquê? Porque a intenção é não só de encaminhar a atenção
dos alunos para a necessidade de estudá-la enquanto processo complexo mas, também,
perceberem a influência dos factores físicos e psicológicos que interferem na sua
organização, levando-os o inferir daí as implicações que tais complexidades trazem à
construção comunicativa.
Como dissemos anteriormente, valorizamos o diagnóstico de necessidades. Por isso, nas
nossas aulas valorizamos o treino da observação de comportamentos indiciadores de
conforto/desconforto, prazer/desprazer, aceitação/rejeição, o que significa dizer que
procuramos que os alunos se habituem a organizar uma comunicação de tipo funcional
onde pontifique a simplicidade de expressão, a concisão descritiva, a precisão do
explicitado, a clareza de raciocínio, a pertinência temática, a leveza argumentativa e a
adaptação contextual. Do mesmo modo treinamos estes aspectos na formação que
ministramos aos enfermeiros. Porquê? Porque o êxito comunicativo está justamente no
exercício destas competências sobretudo porque, tal como referimos anteriormente,
mais do que simpatizar ou antipatizar com o outro está em causa ser capaz de empatizar
com ele.
Se no cuidar o conhecimento dos diferentes actores que integram o leque de interacções
que obrigatoriamente o enfermeiro tem de desencadear é de importância vital, nas
organizações educativas tal não é menos importante. Por isso, ser informado sobre o que
a ciência diz dos chamados estilos comunicativos dos sentimentos que as interacções
provocam, das necessidades afectivas que geram, das motivações que desencadeiam e
dos mecanismos de defesa que fazem eclodir, transforma-se em conteúdos formativos
tão importantes como saber observar, saber ouvir e saber falar com o outro. Em
Métodos e Técnicas de Investigação aprende-se então a fazer a constução de guiões de
18
observação e de entrevista bem como a organizar grupos de interacção para discussões
partilhadas.
O trabalho formativo a que nos votamos não é fácil e muito menos simples. Ao invés, é
exigente e complexo. Nele encontramos até hoje fortes motivos de interesse e por isso
redobramos a motivação. Porém, dois fenómenos nos marcam mais que outros: o
primeiro tem a ver com o facto de tanto do lado da formação de educadores e
professores, como da enfermagem, lidarmos na formação inicial com populações de
alunos muito jovens com idades compreendidas entre os 18 e os 24 anos, ou seja, com
seres humanos a viver a sua fase de desenvolvimento interior mais instável à qual se
cola um período difícil e doloroso de inserção profissional; o segundo com a inércia à
mudança que profissionais instalados manifestam nas acções de formação dos cursos de
especialização. Tal significa então que para muitos dos nossos alunos a abordagem das
questões da comunicação é vivida de forma intensa, já que quer seja temática tratada de
forma mais ou menos individual quer abordada em estruturas grupais o eu de cada um
acaba sempre por se sentir posto em causa, quanto mais não seja porque a criação do
sentimento de pertencimento ao nós não se faz sem que o indivíduo teste interna e
externamente a complexa conexão do seu eu com o eu de cada um com quem priva.
Assim, se treinar a emergência das manifestações de empatia e trabalhar sobre a
problemática dos mecanismos de defesa é acção da maior relevância, fazê-lo com as
populações referidas assume-se tarefa de dificuldade acrescida. Daí que utilizando as
competências criadas pela formação em investigação tenhamos partido para a
construção e aplicação de técnica que aplicada ao longo das acções de formação
possibilitasse a amortecimento do impacto negativo dos dois fenómenos anteriormente
referidos. A técnica do Espelhamento Mediatizado que hoje utilizamos tanto na
formação inicial como na especializada de agentes de ensino e enfermeiros é então o
instrumento científico que resultou desse investimento.
O percurso que fizemos neste capítulo visou satisfazer duas intenções: mostrar como
nos sentimos próximos das preocupações de Margot Phaneuf e criar condições para
introduzir a temática seguinte. Quanto à primeira pensamos que, embora de forma muito
singela, conseguimos fazer a demonstração do propósito. No que respeita à segunda
resta-nos pensar que uma vez lido o próximo capítulo se possa dizer o mesmo.
4) O Espelhamento mediatizado enquanto instrumento de formação de agentes de
ensino e de enfermeiros
O nascimento de uma nova metodologia. Questões de princípio
Sendo nossa intenção deixar expressas algumas ideias quanto à fundamentação da
técnica do espelhamento, parece-nos conveniente que expressemos em nota introdutória
algumas posições de princípio que, balizando as nossas estratégias da sua utilização,
certamente ajudarão a compreender melhor porque razão temos sido tão reservados na
enunciação pública das nossas concepções.
A primeira preocupação que queremos sublinhar é a de que a técnica do espelhamento é
por nós aplicada tendo em conta que esta técnica, qualquer técnica, mais não é que um
mero instrumento com o qual o homem satura semanticamente o Mundo, que o mesmo
19
é dizer, engendra sistemáticas linguagens através das quais procura compreender mais
profundamente o Universo.
Poderíamos desenvolver aqui inúmeras teorias através das quais tal exercício se pode
fazer, porém o nosso propósito é darmos conta de como ancoramos esta preocupação
em dois corpos de ideias particulares, a saber: as naturalísticas, segundo as quais Hegel
entende que o espírito dialoga com o Ser, as fenomenológicas que, desenvolvidas por
Husserl, permitem visualizar uma das formas mais particulares em que o pensamento se
assume fabuloso descritor da realidade.
A segunda preocupação que nos move é a de expressarmos que não nos entendemos os
pais do espelhamento, já que este recurso técnico de índole relacional é muito antigo e
tem sido utilizado de diversos modos em diferentes culturas e sociedades.
Pensando ser nosso dever referir que também não fomos os iniciadores da utilização do
espelhamento como técnica de formação, em particular nos domínios profissionais,
achamos porém ser de bom tom assumir que, no tocante ao jogo de espelhos, somos de
facto responsáveis pela introdução de uma metodologia diferente da que tem sido
tradicionalmente aplicada na investigação em geral e nos domínios das Ciências da
Educação em particular. De facto, procurando que através do espelhamento o Homem
se assuma mediador do conhecimento, a forma como o aplicamos inova muitas das
práticas de observação e análise seguidas não só na formação superior de professores
mas, também, na investigação educacional.
4.1) Um pouco de história
Parece-nos importante a enunciação das ideias anteriores não para arvorar as mesmas
em bandeiras com que queiramos defender autonomias científicas, mas porque no
momento em que a autoridade académica já não se estabelece em função do saber
científico é mais fácil a uns quantos apropriarem-se das ideias dos outros que construir
as suas.
Somos peremptórios: os nossos estudos para inovar a utilização dos jogos de espelhos
começaram perto de 1992 quando em Lisboa, no interior de um Instituto de Educação
Física, desenvolvemos investigações no âmbito da formação de professores de educação
física e aí procurámos que eventuais alterações das suas práticas provocassem
subsequentes mudanças organizacionais.
Vale a pena dizer que as décadas de 1970/80 e 1980/90 foram os períodos de ouro da
aplicação em Portugal, no âmbito da formação de professores, das chamadas
autoscopias e que a utilização da técnica de observação naturalista era moda
incontornável. Também nós enquanto formadores profissionais de professores
utilizámos as duas técnicas anteriores um pouco por todo o lado sendo justamente por
via disso que cedo percebemos duas coisas: a autoscopia apresentava-se técnica limitada
face a análise de desempenhos, a observação naturalista, tal como havíamos aprendido,
necessitava ser inovada.
Quanto à primeira técnica, as suas limitações foram por nós claramente diagnosticadas
quando integrando equipas de investigação percebemos que pedir a um profissional que
após a realização de uma tarefa dissesse como lhe parecia ter decorrido o trabalho, e
20
levá-lo a enunciar os pontos fortes e fracos dos seus desempenhos, não era suficiente
para lhe aumentar significativamente o nível de tomada de consciência face à
complexidade da estrutura do processo de trabalho. Quanto à observação naturalista,
cedo percebemos que a utilização da técnica com o fim de proporcionar a caracterização
e descrição dos fenómenos, tal como eles ocorrem, só era possível se a observação fosse
pensada sistemicamente, se a sua utilização pressupusesse formação prévia dos
observadores e, ainda, se existissem práticas de autoformação não só ao longo do
processo observacional mas também durante o decurso das análises aos fenómenos que
se queiram estudar.
À medida que as nossas investigações iam decorrendo procurámos sempre inovar as
formas de utilizar as técnicas anteriores mas foi quando realizámos investigação na
Escola de Investigadores Criminais em Portugal que alterámos significativamente as
nossas metodologias de investigação quando, no âmbito de posterior intervenção,
integrámos as ideias acima referidas nos propósitos metodológicos. Substituímos aí a
autoscopia tradicional por um processo de trabalho em que sustentámos as análises às
tarefas por reflexões analógicas entre verbalizações feitas pelos analisados e imagens
videogravadas captadas em simultâneo aos seus desempenhos.
Aprofundámos as mudanças aos processos de investigação quando anos a seguir
desenvolvemos no Instituto do Trabalho Portuário uma investigação conducente à
mudança do processo formativo dos então estivadores do porto de Lisboa. Aqui, às duas
práticas anteriores colámos aquilo a que chamámos a observação multireferenciada e
que no essencial se traduz pela intervenção de juízes que enquanto também
observadores apenas colocam questões a quem é espelhado, no sentido de que este parta
para a descoberta dos reais entraves ao que chamamos “aumento do potencial de
performance”.
Foi porém no Instituto de Educação Física anteriormente referido que com mais clareza
vislumbrámos a nova forma de utilizar o jogo de espelhos. Na nossa tese de
doutoramento damos conta de como trabalhámos junto de professores de múltiplas
actividades gímnicas e desportivas, de como actuámos com os praticantes das mesmas,
de como interviémos perto dos frequentadores mais diversos do Instituto e, por fim, de
como utilizámos o espelhamento nas actividades de análise e diagnóstico de
necessidades educativas, formativas e culturais dos próprios directores da instituição.
4.2) Fundamentos metodológicos do Espelhamento
O espelhamento tem na técnica de Observação o seu grande suporte e as metodologias
da sua aplicação resultaram das inovações técnicas atrás referidas. Enfatize-se porém
que na utilização da observação seguimos de perto as ideias de Witrock uma vez que
este autor pensa esta técnica como um sistema.
O espelhamento é hoje uma técnica que pode ser utilizada para introduzir junto dos
profissionais práticas de reflexão sistemática, fazendo-os passar, em tempo controlado,
da mera descrição factual dos fenómenos para a utilização da análise naturalista e
21
procurando depois que cheguem à análise crítica. É um trabalho que pode ser
desenvolvido a pares, ou em grupo, e que utilizando no início justamente o que se vem
designando por observação naturalista, ao jeito de Albano Estrela, visa que o plano
observacional pressuponha também a utilização da observação participante e
participada.
Nas primeiras fases da utilização da observação aceitamos mesmo que algumas delas se
façam sem grandes preocupações científicas e vamos ao ponto de aceitar que as mesmas
não sirvam senão para ajudar os participantes no espelhamento a estabelecer relações,
manter a atenção sobre determinados objectos e variáveis de análise, controlar as sua
emoções e sentimentos face ao que observam, suspender os seus juízos a fim de
aumentarem as suas possibilidades de participar nas acções de observação de forma
distendida. Porém, sendo nossa intenção que a observação se utilize como processo
consciente, sugerimos sempre aos espelhados que antes de qualquer observação
determinem com rigor os objectivos das mesmas. Quem observa deverá ser sempre
capaz de responder às seguintes questões:
O que se observa?
Quem se observa?
Como se observa?
Quando se observa?
Em que lugar se observa?
Como se registam os dados observados?
O que se deve registar?
Como se devem analisar os dados?
Que uso se deve fazer dos dados analisados?
São perguntas cujas repostas, se justificam formação prévia dos espelhados, impõem
também que a mesma tenha continuidade ao longo de todo o processo de espelhamento.
São vários os propósitos que a observação visa cumprir: descrever e caracterizar
fenómenos a fim de construir dos mesmos imagens mentais que constituam seguras
representações de acontecimentos, processos de trabalho, actividades e tarefas bem
como os desempenhos que as mesmas implicam.
Sendo a selectividade uma característica inevitável da observação, a metodologia que
montamos pressupõe sempre a utilização alongado do processo observacional, o que
quer dizer que subordinamos sempre a um plano faseado no tempo qualquer intervenção
desta técnica.
22
Um objectivo procuramos com pertinácia: que os espelhados se habituem a recolher
dados apropriados e suficientes para assegurar boas descrições e caracterizações do que
querem ver, que o mesmo é dizer, do que pretendem analisar e estudar.
É sempre da forma como se consegue satisfazer as exigências que até aqui foram
explicitadas que depende a capacidade de responder eficazmente a questões como as
que a seguir enunciamos:
Pressupostos teóricos em análise.
Questões a desenvolver ao longo das análises.
Objectivos definidos ou a definir.
Hipóteses colocadas ou a colocar.
Estudos a realizar.
Grau de desenvolvimento do processo de espelhamento.
Como dissemos, o nosso entendimento da observação é o de que esta deve ser utilizada
como um sistema. Nos seminários doutorais que desenvolvemos utilizamos o seguinte
esquema para mostrar como intuímos a observação:
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A OBSERVAÇÃO ENQUANTO FENÓMENO MULTIFACETADO
Observações
avulsas
quotidianas
Observações
Deliberadas
Sistemáticas
não
Sistemáticas
Menos
Mais
Formais
Formais
Situações
espontâneas
Situações
Específicas,
questões não
particulares
Situações
específicas,
questões
particulares
Descrições de superfície
Descrições das estruturas
profundas
Entendimento do real
Compreensão do real
Olhar
Ver
Observar
Clarifica as descrições factuais
Induz na busca pelo significado das acções
Permite contrastes
Torna viáveis certos vínculos causais
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Parte-se do pressuposto de que se os espelhados forem capazes de utilizar em crescendo
os diferentes modos de observar enquanto analisam o que fazem, e o que os outros
executam, ficam também em condições não só de serem reflexivos como críticos face a
si e ao Mundo.
O espelhamento não é uma organização de práticas de observação por justaposição e
acúmulo de informação. Ao invés, funda-se na reformulação sistemática dos protocolos
de observação elaborados e sustenta-se na renovação constante dos discursos analíticos.
Por isso, a sua processologia é sempre concebida em espiral e esta está intimamente
ligada ao nível de entendimento e compreensão com que os espelhados se referem aos
factos e fenómenos analisados. Assim sendo, todo o processo evolui com base na
tomada de consciência manifestada por quem se espelha e, por isso, o encaminhamento
do espelhamento por diferentes estádios de entendimento a caminho da compreensão
dos fenómenos pressupõe anuência prévia dos espelhados.
A utilização desta técnica exige sempre que no início do processo esteja presente um
observador especializado que não tendo por função substituir os espelhados deve
providenciar ao enquadramento adequado dos participantes nas acções de espelho.
É facto que, dependendo da capacidade de autoformação manifestada por estes últimos,
os jogos de espelhos podem ir ficando entregues aos próprios espelhados à medida que
estes vão sendo capazes de visualizar mais pormenores dos universos que analisam.
Porém, a experiência diz-nos que a presença de juizes com funções mediadoras entre os
intervenientes no espelhamento revela-se da maior utilidade.
Ao contrário do que muitos pensam o espelhamento não tem só na observação a sua
base de sustentação. O diálogo é talvez o lastro fundamental de toda a aplicação da
técnica. Cedo nos apercebemos deste pormenor porque de há muito que pensamos que
tão importante para compreender o Mundo é vê-lo como ouvi-lo.
O espelhamento visa, em primeiro lugar, a criação da capacidade de escolha de um
parceiro que seja par nas observações. Depois, actividades de aproximação e aceitação
negociada dos objectivos das análises. A seguir, a maturação de uma linguagem emitida
pela positiva, mesmo quando há que falar de aspectos negativos e, por fim, a aquisição
de um linguajar despido de juízos de valor.
O espelhamento é para nós um processo interactivo em que os espelhados evoluem da
observação para a acção e desta para a avaliação, do dito e feito, para refazerem a
experiência de acordo com informações continuamente assimiladas. Por isso, chamamos
a este processo de renovação das vivências e entendemo-lo algo diverso do que vem
sendo chamado de renomeação das experiências. De facto, não se trata aqui de voltar a
fazer o já feito mas de renovar mentalmente os referentes segundo os quais se havia
agido.
Nas nossas últimas intervenções temos organizado o processo do espelhamento de
forma espiralada arquitectando o mesmo em três patamares: um primeiro em que os
espelhados actuam em grupo de pares fechado e apenas com o apoio de um observador
25
enquadrador, um segundo em que os espelhados cotejam os protocolos de observação
com observadores de retaguarda e um terceiro em que a análise é sujeita ao confronto
com especialistas.
Claro que estamos a ver como no espelhamento é tão importante a função dos
espelhados como dos observadores enquadradores ou os de retaguarda. Os espelhados
são sempre aqueles que aceitam o jogo dos espelhos porque querem melhorar as suas
performances profissionais. A estes se pede que escolham o par com quem querem fazer
as análises às actividades e tarefas em relação às quais lhes interessa visualizar os
comportamentos de execução. Claro que sendo o espelhamento uma técnica por nós
utilizada em contextos profissionais aconselha-se sempre que qualquer que seja o par
escolhido este conheça bem os contextos profissionais onde as actividades decorrem e
tenha também das tarefas conhecimento profundo a fim de ser alguém bem sintonizado
com os comportamentos que os desempenhos das mesmas exigem.
A função do observador enquadrador é sempre a de organizar adequadamente as
situações de espelhamento e de enquadrar eficazmente os actores que se determinaram a
executar o jogo dos espelhos. Não sendo determinante que seja alguém treinado para
executar os desempenhos dos espelhados deve porém estar no mínimo enquadrado com
os pressupostos e objectivos dos modos de estar e fazer dos espelhados. É evidente que
este tipo de observador deve dominar as técnicas de observação e deve ainda ser alguém
que se disponha a exercer uma atitude pedagógica face aos espelhados. Por isso, deve
conhecer os objectivos a que se propõem os espelhados, as estratégias que querem
seguir nas análises e identificar os aspectos particulares segundo os quais os espelhados
actuam enquanto executantes de actividades profissionais.
Ao longo do processo de espelhamento bom é que procure ir identificando a forma
como cada espelhado exibe o seu saber, o seu saber-fazer e saber-estar, e mesmo que a
recolha destes elementos não seja para confrontar directamente quem se espelha com o
seu retrato, eles devem servir para ajudar os espelhados a sugerir ideias, práticas de
acção e eventuais soluções para os problemas desenhados ao longo do espelhamento.
Uma das funções essenciais deste enquadrador é a de encaminhar os espelhados para a
possibilidade de serem capazes de referir em alternativa ou em regime de
complementaridade três tipos de estratégias face aos problemas que pelo espelhamento
detectaram: curativas se as disfunções identificadas exigem intervenção imediata,
remediativas se os males evidenciados ainda podem esperar por soluções a médio e a
curto prazo e preventivas se apenas há que tentar que o que se faz bem continue a ser
bem feito ou a ser ainda melhor executado.
Já as funções dos observadores de retaguarda são bem distintas das que são típicas do
observador anterior. Levados a olhar os espelhados enquanto estes procuram transmitir
as suas experiências analíticas a um grupo alargado de actores, a sua função é a de
recolocar sistematicamente o diálogo encetado em torno do que chamamos problemas
pivot, ou seja, aquelas questões em relação às quais parece haver dificuldades de
abordagem, ou que causam mais constrangimento abordar.
Com o espelhamento procuramos justamente criar as possibilidades de se aceder a esse
outro patamar essencial do ser. No espelhamento o Eu, abstraindo, nega o determinismo
26
e num primeiro instante fecha-se sobre si, não para se enquistar, mas para, ao invés, se
recolher num acto humilde de olhar-se a si mesmo e tornar-se livre de preconceitos.
É assim que qualquer Eu atinge a liberdade universal, negando-se para deixar que o seu
oposto se afirme. Analisa-se então a si para que de si e em síntese emerja o outro
enquanto alteridade. Fazendo como a cegonha que num determinado momento atira o
seu progenitor para fora do ninho para que se afirme voando, o Eu de cada um atira
mesmo o do outro para fora da sua natureza, deixando que o outro se afirme, e quanto
mais o outro é em si mais se torna ser absoluto na sua integridade.
O espelhamento é de facto para nós uma técnica que se funda na relação dialógica. Não
esqueçamos que ela é introduzida por nós para provocar mudanças em
comportamentos, sobretudo nos gestos técnicos de elevada precisão, e que por isso é,
normalmente, desenvolvida apenas entre duas pessoas.
Lembremos ainda que o espelhamento é realizado durante o treino de uma determinada
tarefa e que os pares vão alternando as suas funções de observador do outro com a de
executante a ser observado pelo par.
Embora numa fase inicial da situação de espelho aceitemos a presença de outros
elementos que possam ajudar à montagem dos cenários de execução, o espelhamento
visa provocar efeitos de mudança apenas e só nos pares em diálogo estreito.
Por ser sustentada pela presença forte das técnicas de observação aos comportamentos e
execuções alheias, a caracterização do real é no início fortemente marcada pela
intersubjectividade com que os sujeitos se dão na luta pela afirmação dos seus Eus.
Porém, verdade se diga que a enunciação entre os actores de aspectos correctivos e a
alternância de papéis que faz com que num momento um seja observador e depois
passe a observado vai impondo progressivamente o reconhecimento do Eu do outro.
Mas a pergunta pode aqui ser feita: e porque razão atinge elevado nível ético este
percurso em crescendo? Porque pelo espelhamento os participantes acabam por se
reconhecer no interior de uma situação que passa a ser uma mundivivência comum.
Nela sentem que os efeitos da presença do outro Eu proporciona desenvolvimento das
competências de iniciativa, decisão, observação, implicação, tolerância, partilha,
responsabilização, reflexão e sobretudo espírito crítico.
Quem connosco trabalha sabe que um dos nossos objectivos é orientar os espelhados
para um aprofundamento das reflexões tornando sobretudo mais dinâmicas as análises
críticas.
Fazemo-lo introduzindo a necessidade de se organizarem duas dimensões estratégicas:
de natureza correctiva, levando os actores através de acções programadas a tomar
consciência dos pontos fortes e fracos das execuções técnicas, pedindo que enunciem
actividades de correcção; de natureza preventiva, procurando que tomem consciência
das dificuldades próprias e alheias e que sejam pensadas atempada e conjuntamente
tarefas de retaguarda que permitam prevenir, em tempo, os inêxitos detectados.
27
Pelo espelhamento exige-se então um dar-se amplo, não sendo difícil aceitar que esta
entrega, para acontecer, faz emergir o conflito, ou seja, uma interacção complexa que
para ser gerida tanto necessita que se utilizem saberes teóricos como práticos.
E se o Eu é de facto a unidade primariamente pura, tal como refere Hegel, que para se
conhecer a si e reconhecer as particularidades dos outros Eus exige uma relação
conflituante, então o conflito é a instância sobre que se funda toda a dialéctica do
diálogo que o Homem tem de manter com o Mundo.
De facto assim é, já que a posse objectal, seja das flores em negociação, seja do amor
do outro, ou até dos conhecimentos teóricos e práticos que se vão adquirindo pressupõe
uma dimensão ética em que opressões e seus opostos, ostracizações e aceitações,
prazeres e seus contrários se vão fazendo e desfazendo, para se refazerem
sistematicamente, a favor de uma sabedoria cada vez mais universal que só se consegue
atingir quanto melhor se vai conhecendo a particularidade das coisas.
É o que acontece nas nossas acções de formação. Pelo espelhamento uns actores
observam outros e a tempos planeados alteram os seus papéis e expressam entre pares
os dados dos registos que efectuaram e registaram em protocolos de observação.
As opiniões sobre o outro, mesmo que sejam dadas na perspectiva de provocar
melhorias, são quase sempre recebidas com forte presença dos efeitos desencadeados
pelo por em marcha dos inúmeros mecanismos de defesa que as sensações anteriores
desencadeiam. Faz-se aqui aparecer de imediato os indicadores do conflito. Porém,
“Tal dialéctica reconstrói a opressão e o restabelecimento da situação
dialógica como uma relação ética. Neste movimento, o único que é
permitido chamar-se dialéctico, as relações lógicas de uma
comunicação distorcida pela violência exercem também uma violência
prática.”
Quer isto dizer que a interacção que se desencadeia, pese embora as tensões que têm de
ser vividas, impõe um entendimento de nível superior para que inevitavelmente os
epelhados tendem. Já vivemos bastas vezes este efeito, quer enquanto espelhados, quer
como espelhadores, para podermos afirmar que Hegel tem aqui razão.
Pese embora ser sempre sem dúvida elevado o nível de subjectividade que esta relação
dialógica impõe aos actores nela intervenientes, há que referir que é justamente a
vivência desta conflitualidade que vai tornando possível o aparecimento das estratégias
objectivas de apropriação do Mundo, sejam elas na perspectiva de condução do outro,
seja na de se assimilar mais e melhor o conhecimento técnico e científico. Porquê?
Porque o diálogo que se estabelece, visando passar da mera reflexão à análise mais
profunda do real, aumenta significativamente a objectividade com que se analisa e
induz na construção de uma comunicação mais rica e mais cuidada.
Espelhar-se é então mergulhar no intersubjectivo, é conflituar, porque a comunicação é
sempre distorcida mas também é isso porque a linguagem que se utiliza na relação é
cada vez mais depurada.
28
A busca do Eu que serve de oposto torna-se uma prática de objectivação. Através dela
aumenta a reflexão após a execução das tarefas analisadas, os actores participantes na
acção são colocados num processo interactivo marcado pela necessidade de
compreenderem a lógica dos procedimentos mútuos.
Pelo diálogo interactivo aumentam a segurança em si e no outro, e porque o real
aparece por fim mais transparente há espaço mental para as preocupações de executar
as acções com mais qualidade técnica.
A luta que se joga é apenas e só pelo reconhecimento: primeiro de si como
individualidade contida no universal que o Mundo configura, depois do outro como
alteridade.
O espelhamento reivindica o conflito mas não alimenta os comportamentos delituosos.
Estes ficam de fora porque a dimensão é Ética. Funda-se na humildade do ser e na
busca pela concórdia que conduz à harmonia.
O QUE O ESPELHAMENTO FAZ AUMENTAR
A autonomia face ao indivíduo e à técnica
As intenções de corresponsabilização
O espírito crítico
O desenvolvimento relacional entre os pares
O relacionamento entre os intervenientes no processo dialéctico
A coesão da parceria por obrigar à vivência mútua de momentos de sucesso e insucesso
O nível de determinação da reflexão após as execuções
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O QUE O ESPELHAMENTO FAZ DIMINUIR
O stress dos actores ao longo da execução das actividades
O distanciamento de estatutos
Os preconceitos sociais
O distanciamento calculado entre pares
O medo de reflectir conjuntamente
A fuga às análises
O desinteresse em realçar os pontos fracos
As dificuldades de auto-consciencialização
O cansaço nas aprendizagens
As dificuldades de observação
As dificuldades de caracterização do real
As dificuldades de descrever os objectos do conhecimento
A ausência de responsabilização
Espelhar-se é então partir em busca da consciência total, é salvar o Ser já que jogando
o jogo do pertencimento ao nós se vai renunciando ao particular que existe em cada Eu
para se aceder à universalidade do Ser.
Espelhar é enredar-se numa conexão comunicativa de elevado constrangimento.
Porquê? Porque tal acto implica religar num só momento a Educação que se adquiriu,
com a cultura que se possui, à formação que se recebe.
O processo é essencialmente auto-formativo e a “violência” do mesmo radica no facto
de que a tomada de posse de uma consciência alargada implica a aquisição de um nível
de abstracção que impõe prescindir da futilidade do que é supérfluo a favor daquilo que
se torna essencial. Entenda-se porém que obrigatório se torna ter em conta que no
espelhamento se têm de sacrificar os interesses pessoais a favor dos que se vão
afirmando mais universais.
30
Na formação profissional esta prática torna-se essencial e se ela ocorrer em contextos
organizacionais precisos tanto melhor, já que abstraindo de si o Homem parte para o
Mundo. Sendo cada vez mais capaz de se elevar sobre os contextos onde actua vai
tornando menos emocionais as suas intervenções, porque através do espelhamento vai
acedendo à serenidade interior que o caminho para a sabedoria permite. Por essa razão
dizemos a miúde que a luta do futuro é pela autonomização dos indivíduos e das
organizações onde vive e trabalha.
Claro que para nós o espelhamento ajuda tanto numa como noutra das tarefas, mas,
mais do que isso, o que a utilização desta técnica permite é aquilo a que chamamos de
renomeação do já dito, ou seja, o exercício de uma actividade que recorrendo à
memorização vai permitindo que cada nome se atribua tendo em conta o léxico que se
adquiriu e se assimilou, ora para inventar nova palavra, ora para melhorar a utilização
de outras já utilizadas.
É o aumento da tomada de consciência que o espelhamento permite e é
ao mesmo tempo a actualização da memória que está em jogo.
Dar nomes às coisas é interpelar os factos, pedir-lhe indicações precisas e isso obriga a
remontar ao já referenciado. É aqui, neste momento preciso, que a instância do “RE” a
que tanto nos referimos entra em funcionamento.
Este “RE” é então de facto o núcleo onde se dá a relação do físico com o psíquico e
onde em Damásio nasce o “sentimento de si”. Lido com atenção este “avant- propos”
permite-nos ir ainda mais longe:
Na vida mental há tons diferentes, nós dizemos nuvens, e a nossa vida pode ser
orientada em função desse matiz. Em obra que escrevemos antes deste texto deixámos
expresso como entendemos que os esquemas mentais de acção se engendram na mente.
Aqui procuramos dar conta de como pensamos que os mesmos rompem a opacidade
das nuvens de informação que se organizam no cérebro e partem para a dimensão
teleológica da busca pela transcendência.
Não se rompe a opacidade sem que se comecem a desenhar imagens mentais e estas,
ao emergirem, vêm acompanhadas de tendências par agir. Temos referido várias vezes
que para entrar em acção o Homem tem primeiramente que encontrar um significado
plausível para se por em marcha e estar decidido a querer realizar a acção. Se este
empenhamento existir e a ele chamamos de intencionalidade orientada, então o
indivíduo determina-se em dialogar com o Mundo, e esse exercício significa ir
conhecendo melhor o universo que o rodeia, ou seja, ir cada vez mais sendo
proprietário do próprio Mundo.
A este exercício chamamos nós transformar os objectos que nos rodeiam, sejam eles
teóricos ou práticos, em objectos/objectivados. Pelo que se lê de Bergson a construção
das imagens mentais, ou seja, das representações, visa justamente responder à
intencionalidade anterior.
31
Mas como se desencadeia tal desiderato? Toda a representação mental é acompanhada
de tendências, isto é, da vontade de agir orientada para o objecto e este tanto pode ser
uma realidade prática como abstracta, tanto pode ser um querer fazer, como um querer
pensar. De facto, tanto pode ser uma coisa como outra, mas, no momento do agir, se
não existir a fusão das duas intenções sabemos hoje que o Homem não cumpre a
totalidade da sua relação com o Mundo. Porquê? Porque se, de facto, ao pensar o
Homem existe, como diz Descart, não menos é correcto afirmar, como o fazemos, que
se existimos, logo pensamos.
Cumpre-se então assim o “RE” supremo que tanto nos apraz evidenciar. Pelo “RE”ligar anterior pode então o Homem cumprir a sua própria totalidade de ser, mas facto é
que por efeitos diversos de cultura mal assumida este mesmo Homem tem sido
impedido de aceder a esta realização total.
Orientado ora para a teoria, ora para a prática, e pouco habituado à síntese que a
universalidade do “RE” impõe, o indivíduo criou a rotina de olhar os objectos por
meias janelas. Aproveita mal a tensão psicológica que subjaz à problemática enunciada
por Bergson e malbaratando as enormes possibilidades do “RE” fecha-se muitas vezes
dentro de pensamentos e perspectivas redutoras de diálogo com o Mundo.
Repare-se porém que a revisitação da memória pode ser a chave para o refazer de
tendências enquistadas, refundindo o que em nós existe de teórico e de prático, e este é,
sem dúvida, um profundo exercício de transcendência.
Pelo espelhamento identifica-se o já memorizado mas, quase em simultâneo, pode
renomear-se o já assimilado. É uma dialéctica que exige aprendizagem e formação
adequada para que o trabalho de caracterizar o Mundo que nos rodeia, e descrevê-lo
adequadamente, se cumpra na justa medida.
Habermas aceita o que Hegel entende por dialéctica do trabalho, e sobretudo a
afirmação de que nesta acção de renomear as coisas o trabalho dialécticamente
executado serve de mediador entre o sujeito que caracteriza o Mundo e este que é
sistematicamente renomeado.
Nós também aceitamos esta asserção, mas o que mais nos parece importante realçar é o
facto de, pelo espelhamento, o Homem aprender, através do jogo dos Eus, a deixar em
suspensão a satisfação imediata dos seus desejos, transferindo as energias da realização
das acções para o próprio objecto do processo interactivo desencadeado. Em Hegel:
“O trabalho é por este lado, um transformar-se em coisa. A cisão do
Eu enquanto desejo (a saber: numa instância do Eu que escrutiniza a
realidade e nas pretensões reprimidas dos instintos) é justamente o
transformar-se em objecto” (p. 26)
Efeito decisivo, já que partindo para uma tomada de consciência superior o Eu que se
espelha deixa de se preocupar apenas com a imediatez de objectivos facilitistas
procurando projectar-se para a universalidade do Ser. São os juízos de valor com que
normalmente se marca a linguagem do quotidiano que se abandonam, porque passou-se
a estar mais orientado para as finalidades últimas a cumprir pela espécie. É então aqui
32
que o Eu de cada actor interveniente nas acções inscreve o seu dar-se numa dimensão
teleológica.
Já não é só a Educação que importa utilizar para que o espelhamento se cumpra a
preceito, nem apenas a formação recebida chega para satisfazer a eticidade onde os Eus
espelhados se instalam. Porquê? Porque cada vez mais a natureza que os caracteriza vai
apelando para um outro plano que é o da cultura. Tal como fez Habermas, entendemos
não dever esquecer que:
“Na metodologia da faculdade teleológica de julgar, Kant considera a
cultura como o fim último da natureza, na medida em que
compreendemos esta como um sistema teleológico.” (p. 27)
A partir da matriz anterior, onde referimos algumas opiniões de actores sujeitos ao
espelhamento, vislumbra-se a possibilidade de inferir vários efeitos do espelhamento
sobre o Eu de cada interveniente nas situações de espelho: primeiro, instala os actores
numa dimensão ética teleologicamente vivida; depois, indu-los a mergulhar numa
consciência moral acrescida e, por fim, obriga-os a tomar consciência de que a
utilização cega da técnica, de qualquer técnica, os conduz a uma instrumentalização
aniquilante.
Ao lado da humildade a que esta prática obriga vislumbra-se então a necessidade de ser
astuto, ou seja, a de adquirir comportamentos cautelosos, já que o ajuizar do que se
sabe, e sobretudo do que se faz e se vê fazer, impõe a serenidade de se ser cada vez
mais ético e obrigatoriamente mais moral. São preocupações que tornam quem se
espelha progressivamente menos fechado sobre si e mais aberto aos outros, mais
sensível para com o Mundo.
São preocupações que treinadas com habituação fazem emergir aquilo a que chamamos
a atitude de renomear as experiência vividas e que, no fundo, se traduz pela capacidade
de utilizar triplicemente a tomada de consciência: dando nome às coisas e aprendendo a
chamá-las pelo designativo correcto.
Encaminhando o utilizador do Mundo, que o mesmo é dizer, das técnicas, astutamente
através das estratégias de acção mais adequadas aos procedimentos justos e eficazes, e
procurando que reconheça de forma sistemática, não apenas o que de correcto acontece
nesse diálogo, como o que de impróprio é dito ou feito, cada experiência dilui-se no
momento da reflexão a favor de outras formas de a intuir de novas maneiras.
Mais uma vez nos aproximamos de Hegel, se não vejamos através do que é referido na
obra que analisamos:
“Nas lições de Iena, Hegel desenvolve a tríplice identidade da
consciência: que dá nomes, da consciência astuta e da consciência
reconhecida. Estas identidades constituem-se na dialéctica da
representação, do trabalho e da luta pelo reconhecimento.” (p. 29)
Vale a pena dizer que se desde há muito nos sentimos identificados com esta
perspectiva hegeliana é porque a intuímos, tal como Habermas, a base fundamental
para toda a aproximação fenomenológica que o Homem pode fazer no seu diálogo com
33
o Mundo. Dito de outra maneira, sustentamos que toda a prática de caracterização do
Mundo e da descrição dos fenómenos passa pela capacidade de renomear as
experiências vividas, ou seja, de utilizar triplicemente a consciência.
É esta tomada de consciência que em nosso entendimento faz emergir a efectiva
capacidade de criticar adequadamente e que permite ir além da mera reflexão. É esta
possibilidade natural de ir utilizando a linguagem de forma cada vez mais apropriada,
de se ser progressivamente mais astuto nas escolhas estratégicas e de reconhecer
humilde, mas eticamente, o que se é, se faz e sobretudo o que se sabe, que transforma a
técnica do espelhamento numa prática da transcendência.
Porquê? Porque a renomeação da experiência permite a cada um reconhecer que, para
além do muito que se possa conhecer, fica ainda o que de muito há a saber para cumprir
adequadamente o estar do Homem no Mundo.
É então por possuir esta capacidade natural de utilizar a linguagem que o Homem se
transcende. Claro que a transcendência pressupõe a organização de categorias mentais
que, como já referimos em obra publicada, visam não apenas a organização dos
esquemas mentais de acção como, também, da padronização modelar de
comportamentos.
Nos nossos escritos vislumbra-se a ideia de que somos de facto favoráveis à
naturalização da linguagem como estrutura fundante da fenomenologia enquanto
actividade de bem descrever os objectos com que o Homem priva, isto é, com o Mundo
que o rodeia.
Mas não esqueçamos porém que nessas obras temos defendido que a prática da
caracterização é a actividade que, ligando a atitude natural de pesquisa à da descrição
fenomenológica, se afirma um processo propedêutico a toda a crítica do conhecimento.
Transcende-se então o Homem sempre que se torna caminhante do processo anterior.
Porém, facto é que se tal não acontecer não é porque exista nele a possibilidade de
organizar sínteses transcendentais antecipatórias. A nossa oposição a Kant é aqui
visível como já o fora quando defendemos em tese de doutoramento que a relação
fenómeno/númeno, tão cara ao filósofo, enfermava de uma concepção redutora.
O espelhamento é então importante: primeiro, porque recoloca o Homem na sua
dimensão natural, a fim de que aprenda a utilizar uma adequada atitude de pesquisa que
o diálogo com o Mundo lhe impõe. Depois, porque o leva a ser bom caracterizador dos
factos que vive, dos contextos onde se determina e das situações onde as suas
mundivivências se desenrolam. Por fim, porque a caracterização do Mundo implica que
se saiba descrever a si, aos outros e ao próprio Mundo como objecto.
Fá-lo através da renomeação sistemática das experiências efectuadas e utilizando um
diálogo de Eus pautado pela humildade de saber ser, estar e fazer. Este tem como
característica dominante o facto de obrigar o indivíduo a reconhecer que o seu
conhecimento é limitado, fazendo-o abandonar pragmatismos interesseiros a favor da
aceitação de uma ética marcada pelo entendimento de que a transcendência se consegue
sobretudo pela aquisição de uma sabedoria valorizadora mais do saber da experiência
feito que do conhecer instrumentalizado.
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Não nos parece difícil que se aceite que através da leitura de Habermas nos
encontrámos de forma mais estreita com Hegel e Kant. Fizémo-lo intencionalmente
porque nos motivou a tentativa de estruturar o que podemos chamar a dimensão
naturalista da técnica do espelhamento.
Porém, e porque como já dissemos, as nossas perspectivas de investigação colam com
as concepções fenomenológicas de Husserl, inevitável se torna que desenvolvamos
agora as ideias procurando dar conta de como entendemos que os pressupostos
husserlianos se podem apresentar também fundantes da técnica em análise.
4.3) Princípios para a aplicação da técnica
Diz-nos a experiência que de facto um bom começo para a aplicação desta técnica é
fazer com que a tentativa de compreender mais profundamente o Mundo se inicie sem a
preocupação de criticar saberes que se têm, ou que estão na posse de outros ainda que,
tal como Hegel nos adverte, a prática da negatividade seja a primeira atitude que o
espírito desencadeia quando em causa está querermo-nos apropriar do Mundo.
Porquê esta nossa preocupação? Porque, tal como Husserl diz:
“Na atitude espiritual natural viramo-nos, intuitivamente e
intelectualmente para as coisas que, em cada caso, nos estão dadas e
obviamente nos estão dadas, se bem que de modo diverso e em
diferentes espécies de ser, segundo a fonte e o grau de conhecimento.”
(p. 39)
É um momento em que exprimimos o que a experiência directa nos dá, fazendo-o de
acordo com aquilo que nos move no momento. Não esquecemos que actuamos sempre
em função daquilo que directamente experienciamos. Contudo, o grau de abertura ao
Mundo e ao outro permite que, com certa facilidade, extrapolemos das mundivivências
pessoais para o âmbito da generalização, ou que, na inversa, se parta desta para integrar
em nós novos conhecimentos em novas experiências.
Quando pelo espelhamento se consegue este grau de abertura sente-se que os
conhecimentos que se vão adquirindo não se sucedem em fila, e que as acções que
propomos viver não se intuem como se estivessem à espera da sua vez para serem
realizadas. Ao invés, é a emergência de um pensamento determinante lógico que se
sente eclodir, e é sobretudo a visualização dos dados empíricos que nos servem de
esteio.
Sente-se também que a progressão natural do conhecimento é feita em função de um
conflito cognitivo que estala e se intensifica à medida que o, ou os objectos, que
queremos conhecer melhor, se tornam mais intencionalmente motivos de apropriação.
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A curiosidade aqui é que a dimensão natural que se procura só é atingível quando se
instala um profundo regime de contradições que a um tempo são por vezes angustiantes
mas, também, estimulam a aceitar o percurso fenomenológico do conhecer.
Claro que as contradições perturbam as motivações para o agir, até porque questões de
auto estima interferem nas decisões em prosseguir, mas sem sombra de dúvida se sente
que os conhecimentos mais débeis vão cedendo aos saberes mais fortes e que o mundo
das recordações se vai abrindo aos novos estímulos percepcionados.
Em síntese, diga-se, que estamos aqui no âmbito da reflexão natural mais simples,
ocorrendo então perguntar como se vence esta etapa inicial a favor de outra em que a
procura pelo conhecimento se quer mais estruturada e objectiva.
Tal como Hegel nos sugeriu sempre que o Eu parte para o confronto com outros Eus
enquista-se, ou seja, fecha-se na sua particularidade para só depois se abrir ao universal.
É o tal momento da negação que Husserl designa como o fenómeno segundo o qual o
conhecimento surge à mente como mistério. Mas enquanto algo de misterioso, aparece
carregado da intencionalidade de que seja desvendado o mistério que se constituíu.
Acaso o ditado popular não diz que o fruto proibido é o mais apetecido?
Conhecer é neste momento para o espírito um facto da natureza, e tal como também
Hegel nos disse, a sua atitude negativista vai-se vencendo com o surgimento da
necessidade de se ser objectivo. Em Husserl verifica-se que esta mundivivência que é
fenomenológica faz surgir a necessidade de investigar a natureza, o que dito de outra
maneira é o mesmo que dizer de pesquisa.
É justamente a fusão que desenhámos no parágrafo anterior que nos tem feito
reivindicar a atitude de pesquisa como o primeiro grande alicerce de toda a investigação
científica.
É talvez neste texto que pela primeira vez formulamos com precisão este conceito, mas
tal não nos tem feito evitar que todo o nosso trabalho de investigador e formador de
investigadores seja marcado pela exigência de fazer com que esta atitude se imponha
antes mesmo de serem realizadas acções de investigação. Porquê? Porque se esta
naturalidade espiritual não existir na mente do investigador pode acontecer que a
objectividade com que se parte para a apropriação do real não seja senão um mero
escape à subjectividade com que o Homem caracteriza e descreve o Mundo.
Interessa-nos esta atitude porque através dela habituamo-nos a aceitar o conhecimento
como um facto natural mas do qual faz parte a luta para o tornar cada vez mais
objectivo.
É então esta aparente contradição que faz emergir a necessidade de recorrer à
investigação, não apenas usando a reflexão como estratégia primeira mas a análise
crítica também, e em consequência.
Claro que numa primeira instância todo o conhecimento é um dado psíquico, mas
Husserl habituou-nos a colocar aqui uma intrigante questão:
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“O conhecimento é, em todas as suas configurações, uma vivência
psíquica: é conhecimento do sujeito que conhece. Perante ele estão os
objectos conhecidos. Mas, como pode o conhecimento estar certo da
sua consonância com os objectos conhecidos, como pode ir além de si
e atingir fidedignamente os objectos?” (p. 42)
Na passagem do pensamento natural para a atitude crítica do conhecimento nasce não
só o que Husserl chama uma gramática pura, ou seja, uma capacidade de renomear os
objectos segundo lógicas diversas das que nos permitiam utilizá-los empiricamente
mas, também, uma lógica normativa que baliza as estratégias de acção na utilização
desses mesmo objectos.
Dito de forma mais corrente, aprimora-se a linguagem e aumenta o rigor na
manipulação do Mundo. Isto significa não só um momento de profunda reorganização
do pensamento como também de construção de novas técnicas de pensar. É então neste
momento que o pensamento parte para as análises críticas tão caras ao conhecimento
científico.
Espelhar significa então ser capaz de num primeiro momento de reflexão enquistarmonos a fim de viver a negatividade para que, deixando que na mente ocorram as
transformações referidas, se consiga criar capacidades de caracterizar a realidade de
outras maneiras e segundo novas linguagens. É como anteriormente se referiu deixar
que apareça em nós a intencionalidade e a vontade de organizar criticamente o
conhecimento. É, a limite, deixar que se instale o mistério do não conhecido a fim de
começarmos a mergulhar nessa opacidade.
O espelhamento torna mais fácil a renomeação das experiências, mesmo daquelas que
nos parecem mais íntimas. É consequência de se querer abandonar a posição de
enquistamento com que se iniciou a reflexão sobre o diálogo que estabelecemos com o
Mundo. Tal fica a dever-se ao facto de aumentar no indivíduo o seu índice de
questionamento, a si, aos outros e ao próprio Mundo, e de se porem em marcha os
princípios que defendemos na nossa obra Ensaios sobre o desenvolvimento humano.
Na figura a seguir pode ver-se como entendemos que o espelhamento ajuda o Homem a
dialogar com o Mundo. Acautelemo-nos, porém, já que este exercício não é um acto
fácil. Intuição e imaginação dão-se de um lado, para forçar a razão do outro.
Interessante é contudo verificar que as três capacidades juntam esforços para fazer com
que apareçam zonas de intercepção, cuja finalidade é deixar que se expressem
necessidades. São estas zonas de confluência que chamamos ondas informativas da
mente.
Na mente, sucessivos bloqueios acontecem, porque diversos constrangimentos à acção
paralisam o aparecimento do sentido do agir. Torna-se então necessário caracterizar
sistematicamente o Mundo para que, reflectindo sobre ele, mude o estado de paralisia
anterior. Porém, reflectir só, não chega, já que a reflexão por si não permite que se
expressem muitas das necessidades latentes que vagueiam no mar do pensamento.
As ondas que se vão formando crescem em curva a partir desse mar revolto e a sua
concavidade consubstancia a superficie das análises que o pensador vai fazendo, a fim
de poder navegar nessa interioridade, a um tempo fina, mas deslizante. Qual surfista
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que aproveita a dinâmica analítica do túnel que se forma, o caminhante, que o mesmo é
dizer, navegante, espera então o tempo derradeiro da síntese que o momento de toque
da crista da onda com o mar à frente simboliza, para sair do túnel que atrás de si se vai
progressivamente fechando.
A habilidade está em não cair e em ir aproveitando a velocidade das análises para, por
fim, se deixar submergir, já perto de terra firme, pela síntese das águas então menos
turbulentas e revoltas. Importa sobretudo não cair durante a viagem, e se ser exímio nos
movimentos de adestramentos típicos do surfar a onda é importante, não menos o é ser
capaz de manter o equilíbrio que as sistemáticas análises impõem. Para tal, torna-se
indispensável caracterizar sistematicamente a situação que a todo o momento se
transfigura, descrever pelos sentidos as características do mar onde se navega, tipificar
adequadamente cada momento e particularidade dos fenómenos experienciados,
sobretudo os de deslizamento e subida na concavidade da onda e os de adequação do
tempo de execução ao espaço exíguo que se tem para abrir, na mesma, a linha de rumo
que se tem de seguir, a fim de que a acção se cumpra com sentido adequado. Há que ser
então analítico mas, acima de tudo, utilizador parcimonioso das competências criticas
que o jogo de equilíbrios anteriores impõe.
Pelo espelhamento adquire-se e aprimora-se essa competência, sendo justamente este
ganho que se torna decisivo, já que por via dele se perde o medo em agir, conquistandose a serenidade humilde de nos deixarmos conduzir pela acção, ainda que pertencendonos determiná-la a contento.
O exemplo anterior do surfista talvez facilite a compreensão do esquema racional que a
figura a seguir consubstancia:
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vendo, olhando, escutando
para caracterizar
Intuição e imaginação dão-se para
organizar a relação traços,/indícioscampos de acção
negociando a explicitação de
necessidades intgernas e externas
fazendo aparecer o sentido
da acção orientado para a
reflexão conducente à mudança
zona de confluência das necessidades latentes com as
explicitadas
razão emerge para constranger
o agir
tornando necessário o aparecimento de cartas de sinais de necessidades
razão emerge para constranger
o agir
tornando necessário o aparecimento de cartas de estratégias de acção
intuição, imaginação e razão
dão-se para desocultar a acção
tornando necessário o aparecimento de ambientes
não só reflexivos mas também técnico/críticos
Com a emergência das preocupações analíticas e críticas faz-se nascer a tendência para
a organização de dados que passem a ser os referentes para as mundivivências que se
desejam experimentar. É o que se pode designar por entendimento de dados absolutos e
que não sendo determinados pela objectividade das realizações imediatas se afirmam
indicadores das finalidades últimas para que tendem as acções do Homem. Descobre-se
então aqui a dimensão teleológica do pensamento e por isso se pode dizer que a
fenomenologia enquanto crítica do conhecimento, faz descobrir os desígnios ocultos da
espécie.
Não custa certamente aceitar que segundo a perspectiva fenomenológica a imaginação é
a grande responsável pelo conhecimento. Nas nossas obras dizemos mesmo que esta
responsabilidade se estende ao conhecimento científico.
Na perspectiva husserliana a imaginação é a capacidade que o Homem mobiliza,
quando já suficientemente capaz de exercer o questionamento eficaz se sente
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capacitado para reinterpretar o conhecimento que imana das suas interpelações ao real.
É esta a função do cógito e por isso Descarte dizia que “se penso logo existo”.
Da dialéctica que aqui estamos a desenhar faz parte agora aprofundar as análises
críticas a fim de deixar que se instale a intencionalidade de diálogo com o Mundo. É o
deixar de conceber o diálogo anterior apenas em função de interesses pessoais e
permitir que a relação com outros Eus seja marcada pela intencionalidade de
orientarmos a caminhada para o universo que nos rodeia em função de indicadores que
nos são sempre externos. Imaginando transcendemo-nos e caracterizando os fenómenos
vamos intuindo que eles são diversos, ainda que neles se manifeste o que é universal.
Descrevendo-os vamo-los intuindo nas suas particularidades
O espelhamento ajuda à redução fenomenológica já que, de análise em análise, de
síntese em síntese, se vai descrevendo com mais rigor o que é imanente e, ao mesmo
tempo, desvendando o que é transcendente. Tomamos então posse do Ser.
O processo dialéctico da fenomenologia do conhecimento acaba com a organização e
implementação de novos e diferentes modos de ser, ou seja, com a aquisição de
comportamentos diferentes dos que se tinham como normais e marcavam a relação com
o Mundo. E se os modos do ser se alteram não menos é verdadeiro que se modificam as
formas de estar e fazer. Eis a consequência directa da entrada em funcionamento dos
novos dados trazidos pela intuição, fruídos pela percepção e laboriosamente trabalhados
pela imaginação.
O conjunto de ideias que anteriormente desenvolvemos em torno da problemática do
espelhamento tem sido, como de resto várias vezes referimos, desenvolvido por nós na
formação dos enfermeiros. Temo-lo feito leccionando tanto na formação inicial como
na especializada. Por isso, ao encerrar o conteúdo desta brochura, parece-nos correto
dar a conhecer o programa segundo o qual temos desenvolvido as nossas leccionações.
40
- SEMINÁRIO DE FORMAÇÃO -
O ESPELHAMENTO COMO TÉCNICA DE FORMAÇÃO
Espelhar para transcender
Prof. Doutor: Luís Marques Barbosa
41
Programa
1ª Unidade temática
O nascimento de uma nova metodologia. Questões de princípio
2ª Unidade temática
Um pouco de história
3ª Unidade temática
Fundamentos teóricos do Espelhamento
4º Unidade temática
Fundamentos metodológicos do Espelhamento
5ª Unidade temática
A criação de situações de Espelhamento
6 Bibliografia de apoio
A aplicação da técnica do espelhamento traz consigo a necessidade de o professor
recorrer a uma postura de observador da acção prática da criança, não se centrando
apenas na avaliação formal, mas sim nos elementos de controlo da relação
educador/educando, que o mesmo é dizer, formador/formando, que favoreçam e
desenvolvam a empatia entre ambos.
Fortemente orientada para a Pedagogia de Ajuda ao Outro podemos materializá-la em
esquema do seguinte modo:
42
Técnica de Espelhamento
1º momento - Observação de estudantes em situação de sala de aula sujeitos ainda a
acções de formação descontextualizada mas manifestando já
comportamentos típicos de procedimentos espontâneos que permitem
avaliar da adequação dos mesmos a futuras situações concretas, face não
só às suas possibilidades de execução mas, também, tendo em conta
reais necessidades de acompanhamento (ênfase na provável relação
futura com crianças e alunos em situações de intervenção concretas).
2º momento - Observação de gestos técnicos simples em contexto, sua sequêncialização
e orientação tendo em conta os objectivos das execuções.
- Observação com parceiro das tarefas realizadas e das suas características.
3º momento - Observação de gestos próprios e avaliação pessoal dos mesmos aquando
da aplicação de técnicas básicas sujeita a validação de supervisor.
1ª. Fase
- Avaliação de indicadores técnicos e relacionais.
- Avaliação de indicadores de utilização de recursos.
- Avaliação de competências relacionais.
2ª. Fase
-Avaliação das capacidades de controlo emocional durante as execuções.
- Avaliação da conquista da autonomia.
- Avaliação do controlo das emoções pessoais.
3ª. Fase
- Avaliação da forma como o agente em formação construiu a
representação simbólica da acção.
Fonte: BARBOSA, L. (1994) – La caracterization des processus de formation et la
formation des formateurs comme strategies de changement organizationnel. Tese de
Doutoramento apresentada na Universidade de CAEN (p.296).
Como já várias vezes referimos, temos procurado adaptar muitas das nossas
intervenções técnicas ao universo da formação em enfermagem. Neste nosso esforço
temos sido secundados por colegas que procurando desenvolver as suas linhas de
investigação têm permitido não só testar as múltiplas aproximações ensaiadas mas,
também, inovar alguns aspectos das aplicações instrumentais e metodológicas. Um dos
exemplos do que acabamos de referir pode ser expresso ao colocar a seguir a matriz
resultante da aplicação do modelo anterior da técnica do espelhamento ao contexto da
formação inicial de enfermeiros:
43
Técnica de Espelhamento
ACÇÃO - Observação em situação simulada:
- Dos gestos técnicos, sua sequêncialização e orientação.
- Das tarefas realizadas e suas características.
(Estudantes em situação de sala de aula, confrontados com os
seus procedimentos espontâneos e pondo em evidência as
suas possibilidades e necessidades face à hipótese de futura
relação concreta com doentes).
ACÇÃO - Observação em situações concretas (desenvolvimento a pares):
1ª. Fase
- Dos gestos típicos da manipulação de técnicas básicas (medir
tensão arterial, fazer um penso,...).
- Da forma como faz a exploração da intervenção
técnica/relacional.
- Da forma como manipula os materiais (pinças, seringas,
sondas,…)
- Da forma como utiliza competências relacionais.
2ª. Fase
- Das capacidades de controlo emocional durante a prestação
de cuidados.
- Da forma como organiza a acção e a controla, tendo em conta
a necessária conquista da autonomia e do adequado autoconceito.
3ª. Fase
- Da forma como explora e controla as emoções pessoais e
colaterais.
- Da forma como constrói a representação simbólica da acção.
Fonte : FERREIRA, C : Dissertação de mestrado apresentada na Universidade de
Évora, adaptado de BARBOSA, L. (1994) – La caracterization des processus de
formation et la formation des formateurs comme strategies de changement
organizationnel. Tese de Doutoramento apresentada na Universidade de CAEN (p.296).
A encerrar vale a pena ainda dar conta de algumas da fichas de trabalho que colocamos
à consideração dos alunos em formação a fim de que a partir das mensagens nelas
contidas reflictam sobre a importância da utilização da técnica do espelhamento
mediatizado.
44
5) A Dimensão prática do espelhamento
FICHAS PARA DESENVOLVIMENTO
DE
TRABALHOS PRÁTICOS
45
Ficha 1
Diz-nos a experiência que um bom começo
para a aplicação desta técnica é fazer
com que a tentativa de compreender melhor a
realidade se inicie sem a preocupação de
criticar saberes que se têm, ou que estão na
posse de outros, ainda que a prática da
negatividade seja a primeira atitude que o
espírito desencadeia quando em causa está
quermos compreender melhor Mundo.
46
Ficha 2
Fundamentos
Espelhamento
metodológicos
do
Tem na técnica de Observação o seu grande
suporte.
É utilizado para introduzir práticas de reflexão
sistemática.
É utilizado para que se passe da descrição factual
dos fenómenos para a análise crítica.
Pode ser desenvolvido a pares, ou em grupo.
47
Ficha 3
Perguntas que devem ser feitas antes de
aplicar a técnica
Como se devem analisar os dados?
O que se observa?
Quem se observa?
Como se observa?
Quando se observa?
Em que lugar se observa?
Como se registam os dados observados?
O que se deve registar?
Que uso se deve fazer dos dados analisados?
48
Ficha 4
No acto educativo é cada vez mais
necessário trabalhar com base no:
Diagnóstico de necessidades
49
Ficha 5
Educativas dos alunos
Formativas dos agentes educativos
50
Ficha 6
A atitude de pesquisa implica:
Saber caracterizar o real
51
Ficha 7
E saber caracterizar o real implica:
Descrever fenómenos
Tipificar indicadores de análise
Categorizar informação
Seleccionar informação
Aplicar informação
52
Ficha 8
Saber observar:
O que se observa
Quem se observa
Como se observa
Quando se observa
Onde se observa
53
Ficha 9
Quando a problemática é humana
também é necessário:
Ouvir o outro
54
Ficha 10
Para reconhecer
identidade
melhor
a
sua
Para lhe exprimir adequadas opiniões
Para lhe fazer justos pedidos
Para enfatizar as suas atitudes
Para lhe recusar atitudes
55
Ficha 11
Para ouvir
críticas
atentamente
as
suas
Para lhe emitir respeitosas críticas
Para o motivar a contento
Para o ajudar a vencer medos
56
Ficha 12
Para o ajudar a adaptar-se a novas
situações
Para empatizar com ele
Para prevenir insucessos
Para gerir conflitualidades
57
Ficha 13
A fim de sermos orientados no Sentido
de ajuda ao outro
Criando distanciamento calculado
Criando distanciamento autonómico
Criando a escuta selectiva
Organizando a escuta defensiva
Construindo a escuta intencional
Preparando a escuta avaliativa
58
Ficha 14
Preparando a escuta contundente
Organizando o sentimento de empatia
e a
Pedagogia de ajuda
59
Ficha 15
Como aplicar a técnica
Observações
avulsas
quotidianas
Observações
Deliberadas
Sistemáticas
não
Sistemáticas
Menos
Mais
Formais
Formais
Situações
espontâneas
Situações
Específicas,
questões não
particulares
Situações
específicas,
questões
particulares
Descrições de superfície
Descrições das estruturas
profundas
Entendimento do real
Compreensão do real
Olhar
Ver
Observar
Clarifica as descrições factuais
Induz na busca pelo significado das acções
Permite contrastes
Torna viáveis certos vínculos causais
60
Ficha 16
O QUE O ESPELHAMENTO FAZ AUMENTAR
A autonomia face ao indivíduo e à técnica
As intenções de corresponsabilização
O espírito crítico
O desenvolvimento relacional entre os pares
O relacionamento entre os intervenientes no processo
dialéctico
A coesão da parceria por obrigar à vivência mútua de
momentos de sucesso e insucesso
O nível de determinação da reflexão após as execuções
61
Ficha 17
O QUE O ESPELHAMENTO FAZ DIMINUIR
O stress dos actores ao longo da execução das
actividades
O distanciamento de estatutos
Os preconceitos sociais
O distanciamento calculado entre pares
O medo de reflectir conjuntamente
A fuga às análises
O desinteresse em realçar os pontos fracos
As dificuldades de auto-consciencialização
O cansaço nas aprendizagens
As dificuldades de caracterização do real
As dificuldades de descrever os objectos do
conhecimento
62
6) Bibliografia geral de apoio
Barbosa, L.; La Caracterisation des processus de formation et la formation des
formateurs comme strategies de changement organisationnel (vol.I,II.III); Caen,
Université de Caen (tese de doutoramento), 1994
Barbosa, L.; Da Análise de Contextos Educativos e da Criança enquanto Objecto de
Estudo à Escola Sensível e Transformacionista; Lisboa, Escola Superior de Educação
João de Deus, 2001
Barbosa, Luís Marques: “Uma Perspectiva Pedagógica na Formação Profissional”;
Lisboa, “Noesis a Revista do Professor”, nº 1, 1987
Barbosa, Luís Marques: A Formação do Jovem-Um Modelo Interactivo; Porto, Edições
A.S.A, 1990
Barbosa, Luís Marques: La Caracterisation des processus de formation des formateurs
comme strategies de changement organisationnel (I, II e III); Caen, Université de Caen
(tese para defesa do grau de doutor), 1994
Barbosa, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de Investigação
(policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de Educação João de
Deus, 1997
Barbosa, Luís Marques: Pensar a Escola e seus Actores, Mem-Martins, Associação de
Professores de Sintra, 1997
Barbosa, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de Investigação
(policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de Educação João de
Deus, 1997
Barbosa, Luís Marques: Ciências da Educação e Fundamentos de Gestão; Lisboa,
Escola Superior de Educação João de Deus, 1999
Barbosa, Luís Marques: A Avaliação e a Supervisão, Instrumentos de Gestão
Estratégica das Organizações Educativas; Lisboa, Escola Superior de Educação João de
Deus, 1999
Barbosa, Luís Marques: Da Relação Educativa à Relação Pedagógica, Lisboa, Escola
Superior de Educação João de Deus, 2000
Barbosa, Luís Marques: Da Análise de Contextos Educativos e da Criança Enquanto
Objecto de Estudo à Escola Sensível e Transformacionista, Lisboa, Escola Superior de
Educação João de Deus, 2001
Barbosa, Luís Marques: Ensaio Sobre o Desenvolvimento Humano - De Uma Teoria
Emergente da Prática ao Mundo como Implicação, Lisboa, Instituto Piaget, 2002
osa
63
Barb, Luís Marques: Ensaio Sobre Fenomenologia do Conhecimento – Do
Espelhamento à Transcendência, Évora, Universidade de Évora, 2003
Barbosa, Luís Marques: A Escola Sensível e Transformacionista – Uma Organização
Educativa para o Futuro; Alpiarça, Edições Cosmos, 2004
Bergson, H.; Matiére et mémoire; Paris, P.U.F., 1999 (6ª ed.)
Bergson, H.; Ensaios sobre os Dados Imediatos da Consciência; Lisboa, Edições
70,1988
Ferreira, Carlos Manuel Santos: Terapêuticas Complementares: Um Contributo para a
divulgação da Homeopatia; Coimbra, 1996
Ferreira, Carlos Manuel Santos e al: Terapias Naturais na Prática de Enfermagem;
Coimbra, Formasau, 2003
Habermas, J; Técnica e Ciência como “Ideologia”; Lisboa, Edições 70, 1997
Hegel, G.W.F.; Fenomenologia do Espírito; Petrópolis, Editora Vozes, 2001, (parte I,
6ª Ed.), (parte II, 5ª Ed.)
Husserl, E.; A Ideia da Fenomenologia; Lisboa, Edições 70, 1989
Kant, E.; Critique de la raison pure, Paris, P.U.F., 1944
Phaneuf, Margot: Guide d’apprentissage en milieu psychiatrique, Saint-Hyacinthe,
Édisem, 1980
Phaneuf, Margot : Guide d’apprentissage de la démarche de soins, Paris, Masson, 1996
Phaneuf, Margot : La planification de soins. Un système intégré et personnalisé,
Montréal, Chenelière/McGraw-Hill, 1996
Phaneuf, Margot : Relação de Ajuda. Elemento de competência da enfermeira,
traduzido por Nídia Salgueiro, Coimbra, Portugal, Cuidar, 1997
Phaneuf, Margot: Démarche de soins face au vieillissement perturbé, Paris, Masson,
1998
Phaneuf, Margot e Louise Grondin : Diagnostic infirmier et rôle autonome de
l’infirmière, Montréal, Études vivantes, 2000
Phaneuf, Margot: Comunicação, entrevista, relação de ajuda e validação; Lisboa,
Lusodidáctica 2005
As temáticas anteriormente desenvolvidas foram amplamente problematizadas no
âmbito de um curso intensivo realizado em Portugal, na Universidade de Évora e no
contexto de formação superior especializada conforme a seguir se dá conta.
64
UNIVERSIDADE DE ÉVORA
DEPARTAMENTO DE PEDAGOGIA E EDUCAÇÃO, ESCOLA
SUPERIOR DE ENFERMAGEM S. JOÃO DE DEUS (ÉVORA)
Mestrado: A Criança em Diferentes Contextos Educativos
-Curso Intensivo“Os efeitos de espelho, Comunicação e Sentido de Ajuda, preocupações
comuns à Educação e à Saúde”
Intervenientes :
Profª. Doutora Margot Phaneuf, (Participação
especial)
Prof. Doutor Luís Marques Barbosa, Universidade
de Évora
Profª Coordenadora Drª Gabriela Calado, Escola
Superior de Enfermagem S. João de Deus
Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes, Escola
Superior de Enfermagem S. João de Deus
Drª Anjos Bento, Escola Superior de Enfermagem
S. João de Deus
Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira, Escola
Superior de Enfermagem, Bissaya Barreto
Fevereiro, 2005
Apoios:
Edições Cosmos
Lusodidáctica
Fundação Molina
Fundação Eugénio
de Almeida
65
Programa
17.02.05
9,00 h
Recepção aos participantes, cumprimentos e satisfação de formalidades
9,30 h
Sessão plenária: “Os Efeitos de Espelho, Comunicação e
Sentido de Ajuda, preocupações comuns à Educação e à
Saúde
Intervenientes: Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes
Prof. Doutor Luís Marques Barbosa
Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira
Profª. Doutora Margot Phaneuf
Nota: Intervenções dirigidas tanto para os alunos da Escola de Enfermagem
S. João de Deus como para os da Universidade de Évora, como ainda para
outros profissionais da Saúde e Educação.
11,00 h Abertura do Curso
1ª sessão temática: “Os Doentes e os Enfermeiros;
Construção de Uma Relação”.
Responsáveis: Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes e Drª. Anjos Bento
Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem
como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da
Saúde e Educação, mas enfatizando relações terapêuticas.
12,30 h
Almoço
66
14,00 h (Continuação do Curso)
2ª sessão temática: “A Comunicação e a Relação como
Instrumentos Terapêuticos”
Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf
Nota: Intervenções dirigidas tanto para os alunos da Escola de Enfermagem
S. João de Deus como para os da Universidade de Évora, como ainda para
outros profissionais da Saúde e Educação.
16,00 h pausa
16,30 h
3ª sessão temática: “Diagnóstico de necessidades e
Pedagogia de Ajuda, instrumentos fundamentais tanto
no Ensino como na Formação Profissional” (1ª parte)
Responsável: Prof. Doutor Luís Marques Barbosa
Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem
como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da
Saúde e Educação, mas enfatizando as relações de tipo educativo/formativo.
18,30h
Lançamento da obra: « Communication, entretien,
relation d’aide et validation »
Autora: Profª. Doutora Margot Phaneuf
Sessão apoiada por Edições Lusodidáctica que editam a obra e a ter lugar
na Escola de Enfermagem S. João de Deus, Évora.
20,00 h Jantar social
67
18.02.05 (Continuação do Curso)
10,00 h
4ª sessão temática: “A organização da Comunicação
funcional, preocupação profissional quotidiana »
Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf
Nota: Intervenções dirigidas tanto para os alunos da Escola de Enfermagem
S. João de Deus como para os da Universidade de Évora, como ainda para
outros profissionais da Saúde e Educação.
12,30 h Almoço
14,00 h
5ª sessão temática: “Diagnóstico de necessidades e
Pedagogia de Ajuda, instrumentos fundamentais tanto
no Ensino como na Formação Profissional” (2ª parte)
Responsável: Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira
Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem
como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da
Saúde e Educação, mas enfatizando as relações de tipo educativo/formativo.
16,00 h pausa
16,30 h
6ª sessão temática: “Conhecer e interagir com o outro,
jogos de mecanismos de adaptação e de defesa”
Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf
Problemática orientada tanto para os alunos da Escola de Enfermagem
como da Universidade de Évora, como ainda para outros profissionais da
Saúde e Educação.
68
18,30 h
Lançamento da obra: “A Escola Sensível e TransformacionistaUma Organização para o Futuro”
Autor: Prof. Doutor Luís Marques Barbosa
Sessão apoiada por Edições Cosmos que editam a obra e a ter lugar na
Universidade de Évora.
19.02.05
10,00 h
7ª sessão temática: “A Validação enquanto técnica de
comunicação nas situações de ajuda complexa”
Responsável: Profª. Doutora Margot Phaneuf
Sessão destinada a todos os inscritos no Curso e durante a qual se procura
enfatizar a importância da utilização desta técnica tanto no domínio da
Saúde como no âmbito da Educação Especial, sobretudo quando se lida
com seres humanos possuídos de défices cognitivos.
12,30 h Almoço
14,00 h
Sessão de síntese temática : “Efeitos de espelho e
desenvolvimento profissional”
Profª. Doutora Margot Phaneuf
Prof. Doutor Luís Marques Barbosa
Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira
Prof. Coordenador Dr. Manuel Lopes
Sessão apoiada pela apresentação de trabalhos orientados por
investigadores portugueses, destinada a todos os inscritos e durante a qual
se enfatizará a pertinência da utilização da técnica do espelhamento, tanto
nos domínios da Saúde como nos da Educação e Formação. Aproveitar-se-á
o momento para relevar também a importância de ter esta técnica como
sustentáculo da Investigação-Acção/Formação sempre que a pesquisa esteja
orientada para o desenvolvimento humano e organizacional.
17,30 h Sessão de encerramento
69
Os Dinamizadores das sessões:
Prof.ª Doutora Margot Phaneuf
Após ter obtido uma formação universitária em Ciências de Enfermagem, Margot
Phaneuf obtém, na Faculdade de Ciências da Educação da Universidade de Montreal,
uma “Maîtrise” em Educação e um Doutoramento em Didáctica. A sua carreira tem-se
repartido não só por actividades de ensino e formação universitária mas, também, na
área dos cuidados de enfermagem. Autora de vastíssima obra, os seus livros e artigos
repartem-se pelos domínios da planificação dos cuidados de enfermagem, a formação de
enfermeiros e de agentes de intervenção social, a formação farmacológica e a avaliação
de competências profissionais. É consultora superior para questões de saúde e formação
profissional junto de vários governos e instituições internacionais, actuando neste
momento de forma muito particular junto do Governo do Québec e da Comissão
Europeia.
Saliente-se que a Prof.ª Margot tem feito questão de que os seus últimos livros,
orientados sobretudo para a formação dos enfermeiros, respaldem as grandes
preocupações que têm timbrado as reformas educativas canadianas e europeias, o que
significa que ao ler-se os seus livros e ao privar-se com a autora se colhe a sensação de
se estar perante fontes ricas de saber experienciado e actualizado.
Quando se entra em contacto com o que escreve sobre a temática da Comunicação e se
ouve a forma como dialoga com os seus interlocutores rápido se percebe que a maneira
como intui a problemática do diálogo colhe o Homem em toda a sua extensão.
Preocupada com os chamados défices de relação, Margot Phaneuf assemelha-se a uma
verdadeira operária da reconstrução do diálogo. Não estamos porém perante uma
trabalhadora da linguagem técnico/esteriotipada, ao invés, nas suas intervenções sentese a fusão entre a utilização técnica e científica da linguagem e a arte de bem dirigir a
palavra. Nos prefácios que autores insuspeitos escrevem para anteceder os conteúdos
dos seus livros lê-se que a autora possui a rara capacidade de explicar com simplicidade
tanto as particularidades da teoria como as matreirices da prática, sendo sentimento
generalizado que no final dos seus cursos se fica mais apto a encetar o exercício difícil
do “saber estar com” o outro.
70
As sua principais obras são:
PHANEUF, Margot: Guide d’apprentissage en milieu psychiatrique, Saint-Hyacinthe,
Édisem, 1980
PHANEUF, Margot : Guide d’apprentissage de la démarche de soins, Paris, Masson,
1996
PHANEUF, Margot : La planification de soins. Un système intégré et personnalisé,
Montréal, Chenelière/McGraw-Hill, 1996
PHANEUF, Margot : Relação de Ajuda. Elemento de competência da enfermeira,
traduzido por Nídia Salgueiro, Coimbra, Portugal, Cuidar, 1997
PHANEUF, Margot: Démarche de soins face au vieillissement perturbé, Paris, Masson,
1998
PHANEUF, Margot e Louise Grondin : Diagnostic infirmier et rôle autonome de
l’infirmière, Montréal, Études vivantes, 2000
PHANEUF, Margot: Communication, entretien, relation d’aide et validation; Montréal
(Québec), Les Éditions de la Chenelière, McGraw-Hill, 2002
71
Prof. Doutor Luís Marques Barbosa
Licenciado em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa e
em Ciências da Educação pela Universidade de Caen (França). Nesta mesma
Universidade fez a “Maîtrise” em Psicologia e Ciências da Educação e o Doutoramento
em Letras e Ciências Humanas/Ciências da Educação.
Professor Associado de nomeação definitiva da Universidade de Évora, ensina Filosofia
do Desenvolvimento, investiga em Análise da Acção Educativa e na Formação de
Educadores e Professores. Ligado ao Ensino Técnico-Profissional, tem também
exercido funções docentes na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro e na
Universidade Católica Portuguesa.
No Instituto Superior de Línguas e Administração foi responsável pelas cadeiras de
Psicossociologia das Organizações e Comunicação Organizacional. Sendo colaborador
da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação de Lisboa, tem leccionado ainda
na Escola Superior de Educação João de Deus em Lisboa e na Escola Superior de
Enfermagem de Évora as disciplinas de Métodos e Técnicas de Investigação em
Educação, Observação e Caracterização da Realidade e Pedagogia Geral.
Tendo sido responsável pela concepção e implementação, em Lisboa, de um centro de
formação e integração social para jovens em risco, deixou expresso na obra “A
Formação do Jovem – Um Modelo Interactivo” (Porto, Ed. ASA, 1990) a estrutura do
modelo pedagógico arquitectado bem como os currículos alternativos que, ao longo do
tempo, foram desenvolvidos.
As principais obras são:
BARBOSA, Luís Marques: “Uma Perspectiva Pedagógica na Formação
Profissional”; Lisboa, “Noesis a Revista do Professor”, nº 1, 1987
BARBOSA, Luís Marques: A Formação do Jovem-Um Modelo Interactivo;
Porto, Edições A.S.A, 1990
BARBOSA, Luís Marques: La Caracterisation des processus de formation des
formateurs comme strategies de changement organisationnel (I, II e III); Caen,
Université de Caen (tese para defesa do grau de doutor), 1994
BARBOSA, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de
Investigação (policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de
Educação João de Deus, 1997
BARBOSA, Luís Marques: Pensar a Escola e seus Actores, Mem-Martins,
Associação de Professores de Sintra, 1997
72
BARBOSA, Luís Marques: Seminário de Orientação de Projectos de
Investigação (policopiado); Lisboa, Universidade de Évora e Escola Superior de
Educação João de Deus, 1997
BARBOSA, Luís Marques: Ciências da Educação e Fundamentos de Gestão;
Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 1999
BARBOSA, Luís Marques: A Avaliação e a Supervisão, Instrumentos de
Gestão Estratégica das Organizações Educativas; Lisboa, Escola Superior de
Educação João de Deus, 1999
BARBOSA, Luís Marques: Da Relação Educativa à Relação Pedagógica,
Lisboa, Escola Superior de Educação João de Deus, 2000
BARBOSA, Luís Marques: Da Análise de Contextos Educativos e da Criança
Enquanto Objecto de Estudo à Escola Sensível e Transformacionista, Lisboa,
Escola Superior de Educação João de Deus, 2001
BARBOSA, Luís Marques: Ensaio Sobre o Desenvolvimento Humano - De
Uma Teoria Emergente da Prática ao Mundo como Implicação, Lisboa, Instituto
Piaget, 2002
BARBOSA, Luís Marques: Ensaio Sobre Fenomenologia do Conhecimento –
Do Espelhamento à Transcendência, Évora, Universidade de Évora, 2003
BARBOSA, Luís Marques: A Escola Sensível e Transformacionista – Uma
Organização Educativa para o Futuro; Alpiarça, Edições Cosmos, 2004
73
Prof. Coordenador Dr. Carlos Ferreira
Licenciado em Enfermagem pela Escola Superior de Enfermagem Dr. Ângelo da
Fonseca é Mestre em Educação/Administração Escolar pela Universidade de Évora
onde se encontra a preparar tese de doutoramento em Ciências da Educação. Os seus
domínios de investigação são tanto o Ensino Clínico como as Ciências de Educação.
Repartindo as suas actividades lectivas tanto pela formação inicial como pela
especializada de enfermeiros procura construir um novo modelo de formação. Em Maio
do presente ano cumpriu mais um ano de trabalhos do projecto que abraçou.
Pese embora os muitos afazeres que a vida docente lhe impõe, o Dr. Carlos Ferreira
nunca se remeteu a uma inércia expectante dando conta nos seus relatórios de como tem
desenvolvido as actividades de pesquisa por forma a criar parcerias institucionais
orientadas para as actividades de investigação.
Sendo seu propósito conseguir mudanças nos processos de formação dos enfermeiros e,
por via disso, implementar novo e diferente modelo de formação do que vem sendo
tradicionalmente seguido nas escolas de enfermagem, o Dr. Carlos Ferreira tem
dedicado os primeiros anos de trabalho de investigação à análise e caracterização de
contextos de intervenção, à negociação institucional do seu plano de trabalho, à
organização de parcerias institucionais, ao estudo de pressupostos teóricos de
ancoramento da investigação e a acções de auto-formação.
Tendo-se especializado na utilização da técnica de espelhamento mediatizado, o seu
maior esforço actual vai no sentido de generalizar a aplicação deste instrumento de
formação.
As suas obras são:
FERREIRA, Carlos Manuel Santos: Terapêuticas Complementares: Um Contributo
para a divulgação da Homeopatia; Coimbra, 1996
FERREIRA, Carlos Manuel Santos e al: Terapias Naturais na Prática de Enfermagem;
Coimbra, Formasau, 2003
74