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ANTROPOLOGIA DO CORPO E CONSUMO ATRAVÉS DA
ANÁLISE DA VIGOREXIA
Mirela Valério Lopes
Discente de Mestrado na PUC-SP
Resumo: O presente artigo visa discutir os padrões estéticos do corpo brasileiro levando
em consideração, sobretudo o público masculino que atualmente teve seu corpo “descoberto”
pela mídia e pelas empresas de produtos estéticos impondo sobre estes um novo padrão de
corpo a ser atingido. A pressão midiática seria uma das responsáveis pela imposição de padrões
estéticos, do dito “corpo perfeito”, levando o indivíduo a cometer excessos como o uso de
drogas anabolizantes uma vez que estes aceleram o processo de aquisição de músculos e também
cometem excessos na prática repetitiva de exercícios físicos mesmo que desnecessários, o qual
se convencionou chamar de vigorexia, um distúrbio por exercícios físicos além de um distúrbio
de imagem no qual os praticantes não enxergam seu crescimento muscular.
Palavras-chave: Corpo; Consumo; Masculinidade; Vigorexia.
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INTRODUÇÃO
O presente artigo visa discutir o estatuto do corpo na sociedade brasileira atual em que ele passa
a ser objeto de consumo. A pressão midiática seria uma das responsáveis pela imposição de
padrões estéticos, do dito “corpo perfeito”, levando o indivíduo a cometer excessos como o uso de
drogas anabolizantes uma vez que estas aceleram o processo de aquisição de músculo e também
cometem excessos na prática repetitiva de exercícios físicos mesmo que desnecessários, o qual
a medicina convencionou chamar de vigorexia, um distúrbio por exercícios físicos excessivos
além de um distúrbio de imagem no qual os praticantes não enxergam seu crescimento muscular.
Tal fenômeno evidencia até onde o indivíduo está disposto a se sacrificar para atingir um corpo
correspondente aos padrões de beleza instituídos pela sociedade através da mídia. Para que isso
seja possível o corpo deve estar livre de gorduras e totalmente “trabalhado”. O público a ser
pesquisado é o masculino, por muito tempo negligenciado em pesquisas sobre beleza e corpo.
Estudos mais recentes mostram que os homens também se preocupam cada vez mais com a
estética corporal.
O corpo tornou-se objeto de estudo privilegiado na sociedade contemporânea e as
ciências sociais, sobretudo a antropologia, têm dado ênfase a análise do culto ao corpo,seus
desdobramentos relativos às relações sociais e a difusão da técnica corporal , resultante da
constante exposição dos corpos através da televisão, revistas, escolas,intervenções sociais de
um padrão a ser seguido.
Como a todas as categorias, a de corpo foi uma das que sofreu mutação ao longo das
mudanças da sociedade, principalmente quando se fala de sociedade ocidental. Na época
medieval havia uma mistura muito grande entre referências locais e populares e referências
cristãs. O homem bem como seu corpo era confundido com a comunidade, ou seja, o corpo
não era dissociado do seu dono uma vez que este nem dava tanta importância a sua existência,
separação que só será concretizada com a introdução da ideia individualista da Modernidade.
Com o advento da medicina e a necessidade de consolidá-la como ciência faz com que
o vocabulário anátomo- fisiológico se torne cada vez mais presente e dentro dessa linguagem a
separação do homem e do seu corpo. O corpo torna-se a partir daí um mero objeto de estudos
para a ciência que passa a dissociá-lo do indivíduo que o porta. Ele se torna um empecilho
e tem que ser esquecido e apagado através de rituais em que se deve ser comedido nos usos
corporais em público, passando a pesar quando a doença o atinge porque aí esse corpo mostra
sua existência, mostra que sempre esteve ali. Porém atualmente o corpo virou o centro das
atenções desse indivíduo dessa fase que se apresenta depois da Modernidade, uma época em
que a vida contingente, ou seja, uma vida cheia de incertezas os faz ver que o corpo é algo
sempre concreto e que sempre permanece com eles, como se fosse aquilo que procuravam
como a volta da tradição. Ao se dedicar ao corpo é como se, se dedicassem a essa volta as raízes
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e pudessem encontrar aquela comunidade almejada por todos.(LE BRETON, 2011)
O corpo tornou-se modelo objetivado de consumo, sendo exposto constantemente
na mídia e de certa forma sendo imposto às pessoas. Esse corpo imposto é o corpo magro
considerado saudável. Entretanto, não basta ser somente um corpo magro, é preciso que não
contenha resquícios de gordura (CASTRO, 2007). A gordura, nesse contexto, é a grande vilã,
uma inimiga interna que deve ser eliminada a todo custo por meio das práticas de gerenciamento
corporal, como por exemplo, a musculação (SAUTCHUK, 2007).
Apesar da maior parte dos trabalhos sobre padrões estéticos corporais até então estarem
focados no corpo feminino, uma vez que este foi sempre o alvo das indústrias e propagandas
ligadas à aparência física, há ultimamente estudos que tratam com igual alcance os corpos
masculinos, como o de Sabino (2002) que descreve o cotidiano de uma academia de ginástica e
musculação, mostrando as hierarquias presentes nesses espaços. O autor analisa como homens
praticantes de musculação compensariam sua baixa autoestima, referente às suas relações
pessoais e profissionais, escondendo-se na “carapaça de músculos que a associação com as
drogas produz.” (p.169). Segundo, Goldenberg, Sabino, e Ramos (2000) tais homens estariam
tentando exibir sua virilidade em um contexto social no qual a mulher ganhou grande destaque
no mercado de trabalho, ameaçando o poder delegado aos homens em séculos de opressão
patriarcal. (KAUFMAN, 20001)
O trabalho de Pope, Phillips e Olivardia (2000) refere-se ao Complexo de Adônis,em
que um conjunto de fatores psicológicos levariam o homem a negligenciar sua vida social por
conta da insegurança com sua aparência física. Apesar de se tratar de uma literatura da área
biomédica, os autores enfatizam que os distúrbios que acometem os homens pesquisados são
desencadeados pela pressão da sociedade e da mídia e, através da análise de mídias impressas
norte americanas mostram como o padrão corporal masculino mudou em um período de 20
anos, passando a privilegiar homens com uma massa muscular bem aparente, ao invés de
homens magros. Outra análise apresentada pelos autores trata dos brinquedos para meninos,
os bonecos que também apresentaram um aumento de massa muscular nesse mesmo período, o
que incutiria no homem, desde a infância, como o seu corpo deve ser para que seja valorizado
socialmente. O estudo revela um processo de busca do homem pela modificação de sua identidade
através do corpo, como se pela transformação do corpo a mudança em todos os aspectos da
vida fosse uma consequência daí decorrente. Segundo Castro (2007), a relação entre consumo
e corpo tem início quando este é redescoberto na década de 1950. O fato está relacionado
com a exposição publicitária do corpo no pós-segunda Guerra mundial, em que há a difusão
dos cuidados corporais, através de práticas como higiene, saúde, beleza e esportes. Outro fato
crucial na exposição do corpo se deve ao desenvolvimento do cinema e da televisão que, além
de comercializarem produtos de higiene pessoal, passam a ditar um padrão corporal e estético
inspirado em atores e atrizes de Hollywood. Também não pode ser esquecida a importância da
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democratização da moda, que resulta em um conjugado de consumo, efemeridade, cultura de
massa, fatores estes que ultrapassam as barreiras sociais.
Outro autor que discorre exaustivamente sobre a cultura do consumo é Featherstone
(1982, 1995), para quem a economia atual difere da economia clássica na qual o consumo estava
atrelado à produção. O autor mostra como os bens de consumo começaram a definir identidades
e estilos de vidas individuais. A discussão se pauta no que Baudrillard (1981) denominou de
mercadoria-signo, e o autor problematiza como o signo se descolou da mercadoria permitindo
ao individuo proceder entre elas às mais diversas relações associativas conforme o seu “estilo
de vida”.
E dentro da discussão sobre “estilo de vida” há a banalização do uso de drogas
anabolizantes e suplementos alimentares, bem como a nova tendência dos anabolizantes ditos
naturais. Sobre esse assunto é possível traçar paralelo com o trabalho de Azize (2005), a respeito
da banalização de antidepressivos e medicamentos usados para disfunções sexuais. Para o autor,
tal banalização está associada às noções de “qualidade de vida” e “estilo de vida” saudável,
valores veiculados tanto pela mídia como pelo discurso biomédico, nos quais, toda “doença”
deve ser tratada imediatamente. Nesse contexto, possuir um corpo sem gordura é sinal de um
estilo de vida saudável e o processo de aumento da massa muscular, através da musculação,
vale a pena ser empreendido, mesmo que leve tempo para dar resultados ou mesmo que haja a
necessidade de se recorrer ao uso constante de anabolizantes e suplementos alimentares para
acelerar o processo. É nessa conjuntura que os “medicamentos” passam a ser “acessórios” para
um estilo de vida saudável, exigência que engloba uma série de conhecimentos para a gerência
dos corpos como a nutrição, a educação física e a medicina. Os significados atribuídos a saúde
ultrapassam, então, os limites dos estados considerados normais e/ ou patológicos, uma vez que
estão relacionados à qualidade de vida e à doença, como no caso da obesidade, que foge dos
padrões estéticos corporais aceitáveis. (LATANZA, 2007)
METODOLOGIA:
A pesquisa de campo atual teve início no meio virtual. Seu “local” foi a página Facebook1, atual
rede social mais usada no Brasil, na qual os usuários criaram páginas para falar de assuntos
específicos de musculação como a página “Eu curto musculação”, “Em um relacionamento
1 Facebook é um site e serviço de rede social que foi lançada em 4 de fevereiro de 2004, operado e de propriedade
privada da Facebook Inc.. Em junho de 2012, o Facebook tinha mais de 950 milhões de usuários ativos. Os
usuários devem se registrar antes de utilizar o site, após isso, podem criar um perfil pessoal, adicionar outros
usuários como amigos e trocar mensagens, incluindo notificações automáticas quando atualizarem o seu perfil.
Além disso, os usuários podem participar de grupos de interesse comum de outros utilizadores, organizados por
escola, trabalho ou faculdade, ou outras características, e categorizar seus amigos em listas como “as pessoas do
trabalho” ou “amigos íntimos”. O nome do serviço decorre o nome coloquial para o livro dado aos alunos no início
do ano letivo por algumas administrações universitárias nos Estados Unidos para ajudar os alunos a conhecerem
uns aos outros.O Facebook permite que qualquer usuário que declare ter pelo menos 13 anos possa se tornar
usuário registrados do site. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Facebook> acesso em 24/09/12 11:40.
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sério com a academia” e páginas internacionais como a “ Muscle and Strength”. Nessas páginas
foram coletadas fotos e frases, bem como observados comentários (posts) sobre as fotos postadas
nas páginas o que possibilitou traçar bem o perfil dos praticantes de academia.
Após julho de 2012 a pesquisa começou a ser efetuada simultaneamente on e offline,
inicialmente frequentei uma academia do interior de São Paulo, por ocasião das minhas férias,
na qual coletei dados e desenvolvimento da rotina local.Após meu retorno para a cidade de
São Paulo me matriculei em uma academia cujo espaço possui três andares, situada na Zona
Oeste da Capital. No térreo tem a musculação (aparelhagem) e o que eles denominam de “pesos
livres”(anilhas e barras). No 1º andar ficam os aparelhos aeróbicos como esteiras (em torno
de 50 ou mais) e os elípticos2. No 2º andar fica uma parte com colchonetes e caneleiras, mais
alguns elípticos e os vestiários masculinos e femininos. Observei que as categorias usadas em
pesquisas anteriores tiradas da pesquisa de Sabino (2000) que classificam os participantes de
academia como fisiculturistas, ou seja, aqueles que malham com o intuito de participar de
uma competição, os veteranos, que seriam aqueles praticantes de academia de longa data e os
comuns,que seriam pessoas que só estariam de passagem pela academia ou aquelas que não
exagerariam tanto nos exercícios poderiam se repetir. Porém, algumas ressalvas devem ser
feitas pela dinâmica dessa academia ser totalmente diferente, como por exemplo funcionar aos
sábados e domingos, o que a torna mais interessante uma vez que as pessoas que frequentam
esses dias em particular mostra duas características: Uma de que metade das pessoas que
frequenta academia nesses dias são pessoas “viciadas” por musculação e a outra metade de
pessoas que não tem tempo suficiente para malhar durante a semana.
Em ambas as pesquisas o público pesquisado é o masculino jovem cujo objetivo é
entender o anseio por um corpo perfeito que vem acometendo os homens nos últimos anos e
a busca incessante por este como uma forma de individualização e ao mesmo tempo busca de
inserção em um grupo específico, qual seja, o dos “sarados”.
CORPO E MEDICINA - A ÂNSIA PELA CLASSIFICAÇÃO:
Na ânsia de classificar as doenças e enfermidades e torná-las cientificas os médicos tentaram
então separar o corpo do homem criando assim, dualidade e dualismo acerca da relação homemcorpo.
A história da relação entre corpo e homem é antiga visto que este acompanha o sujeito
por onde ele for. O autor David Le Breton (2011), inicia seus estudos na Idade Média e sua
transição para Idade Moderna para mostrar como a medicina e a sociedade em geral lidou e
ainda lida com o estatuto de corpo. Na Idade Média o gerenciamento do corpo misturava as
2 O Elíptico tem esse nome porque seus pedais fazem um movimento de elipse. Alguns dizem que é uma mistura
dos movimentos da esteira, da bicicleta e do stepper. < http://estarbemmelhor.blogspot.com.br/2011/09/eliptico-oque-e-e-como-escolher.html> acesso em 24/09/12 11:46.
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tradições populares nas quais não se colocavam tabus restritivos quanto aos usos do corpo,
como por exemplo, arrotar em público era um ato corriqueiro, já que era derivada de uma
necessidade fisiológica do próprio corpo, e as concepções cristãs nas quais o corpo era algo
sagrado, a “morada da alma” e por isso mesmo não poderia ser profanado. Nesse contexto, no
que diz respeito à medicina, existiam os barbeiros, que cuidavam das enfermidades enquanto
os médicos não eram muito bem vistos, e sua prática era associada ao uso de magia, uma vez
que profanavam o corpo. A partir do século XVII a medicina passa a ser uma profissão estudada
nas universidades e nas quais os estudantes e futuros médicos eram em sua maioria clérigos e
passam a desprezar aqueles “barbeiros” uma vez que possuíam o saber escolástico passando
assim a ter um status privilegiado dentro da sociedade. A partir daí começam as pesquisas sobre
o corpo e seu funcionamento que dariam origem ao individualismo corporal.
Esse individualismo começa, sobretudo com o dualismo existente entre homem e corpo,
ou seja, o corpo é um e a “alma” é outra. O rosto passa a ser bem demarcado como uma parte
importante a ser privilegiada, uma vez que era a marca da individualidade, ou seja, cada rosto
é único. É nesse contexto que as dissecações dos corpos acontecem e se inicia a descoberta
do funcionamento do corpo e as causas internas de suas doenças. De acordo Le Breton (2011)
a nova visão tem o início com Vesalius (1514-1564), com seu livro De Humanis Corporis
Fabrica que abre a invenção do corpo no pensamento ocidental, mostrando os obstáculos que
ainda deveriam ser ultrapassados para que o corpo fosse considerado virtualmente como distinto
do homem, como por exemplo, o embate entre a vontade do anatomista em conhecer o interior
corporal e o seu inconsciente ainda ligado às tradições.
Há nesse contexto o nascimento de um conceito moderno de corpo, porém, ligado à
concepção anterior do homem confundido com o microcosmo. Apesar disso, a penetração da
carne demonstra que há o distanciamento entre o homem moderno e o homem da Idade Média.
Descartes (1596-1650) será outro autor a discorrer sobre a separação do corpo e de seu “
dono” tratando o corpo através de uma metáfora mecânica, ou seja, “o corpo máquina” e nesse
contexto há também a separação do homem e do cosmos; ele já não terá um vinculo tão grande
com os outros atores sociais uma vez que o individuo encontra um fim em si mesmo. E nesse
âmbito o corpo passa ser um resto, algo pesado, cuja existência se dá somente quando o sujeito
está doente. Ao mesmo tempo há a legitimação do saber biomédico e a depreciação dos saberes
populares em relação ao corpo, mesmo que eles continuem existindo na clandestinidade. Todos
os aspectos relacionados ao corpo principiam ser classificados e, diferentemente da Idade Média
o corpo não é algo que se é e sim algo que se tem.
Atualmente o saber biomédico é o que define oficialmente o corpo nas sociedades
modernas mesmo que na vida contemporânea os indivíduos não tenham tanta consciência de
seus corpos se resignando com as informações passadas pela televisão, escola e outros meios.
Há ainda a procura na atualidade pelos saberes populares sobre o corpo, como aqueles vindos
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dos curandeiros, uma vez que estes saberes tratam o corpo somente como uma parte indissociada
do ser e não somente como um mero objeto que necessita de reparos, o que faz com que os
indivíduos se sintam mais a vontade e não vejam seus corpos somente como aquilo que os
atrapalha cotidianamente. O processo de cura que usa a eficácia simbólica não se preocupa
com as causas do problema e com o funcionamento dos órgãos e sim leva em conta a crença do
indivíduo na cura. Por essas razões que atualmente muitas pessoas passam a associar essas duas
formas terapêuticas principalmente quando estão desenganadas quanto a eficácia biomédica,
ressimbolizando algumas técnicas como, por exemplo, a acupuntura, saber oriental de cura que
atualmente virou prática biomédica, operando com as práticas terapêuticas o que Lévi-Strauss
chamou de bricolagem, que nesse contexto seriam as formas de agenciamento de maneiras
distintas e contraditórias de cuidado com o corpo.
O CORPO E SUA VISÃO COTIDIANA
Ao estudarmos o cotidiano dos indivíduos na sociedade atual devemos levar em consideração
o corpo assim como diz Le Breton:
O estudo do cotidiano centrado nos envolvimentos do corpo lembra que nesta
espuma dos dias o homem tece sua aventura pessoal, envelhece, ama, sente prazer
ou dor, indiferença ou cólera. As pulsações do coração fazem ouvir a permanência
de seus ecos na relação com o mundo do sujeito por meio da filtragem da vida
cotidiana (Le Breton,D. 2011 p. 143)
Ou seja, os rituais de existência feitos pelos homens durante sua vida cotidiana usam
o corpo em sua totalidade bem como estabelece relações e constrói seu estilo de vida através
dele, apesar de sua existência não ser “sentida”,dessa forma o individuo é levado pelas
pressões sociais a apagar seu corpo ritualmente e fazer com que ele fique invisível e não pese
nas relações cotidianas. Exemplo disso são certas manifestações corporais serem condenadas
quando aparecem em público como por exemplo, arrotos, flatulências, espirros etc, uma vez
que mostram que o corpo por mais que o indivíduo não aceite está presente e pesa, assim o é
também em caso de doenças. Nesses casos a dualidade homem-corpo escancara ao máximo,
o que para muitos é um sintoma de desordem.Por essa razão na atualidade tem sido pregado o
estilo de vida saudável uma vez que a saúde coloca harmonia nessa desordem já que o indivíduo
dá sentido ao seu corpo mediante essas práticas saudáveis.
Toda essa recorrência pela saúde e um corpo bem “construído” sem falhas se dá pela
importância que os atos de “olhar” e o “ser olhado” tem em nossa sociedade. O olhar é uma
figura hegemônica na sociabilidade urbana atual, tanto que o projeto arquitetônico das cidades é
desenhado para privilegiar a visibilidade, e, apesar disso, o corpo continua sendo negligenciado
por tais rituais de apagamento do corpo. Segundo P. Virillo, o corpo é um obstáculo ao avanço
do homem principalmente quando este não está saudável e ele só sentirá prazer em reencontrá-
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lo na prática de esportes. A musculação seria uma dessas formas de reencontro com o corpo;
essa é uma técnica corporal ocidental de gerenciamento do corpo cada vez mais difundida em
vários segmentos sociais como medida paliativa para as mais diversas doenças e que ajuda a
estabelecer essa harmonia e ratificar o estilo de vida saudável da sociedade moderna, colocando
o indivíduo em confronto com ele mesmo através do corpo, evidenciado a necessidade deste
por um enraizamento, ou seja, ser parte de um grupo e que possa recuperar sua identidade.
O corpo na atualidade, apesar de constantemente apagado por rituais de restrição de
seus usos em determinadas ocasiões sociais é, todavia usado pelo indivíduo, principalmente
na prática de esportes, como no caso do presente trabalho em que a musculação é forma de
construção da identidade dos indivíduos, principalmente os homens e jovens.
O LIMITE ENTRE SAÚDE E DOENÇA
Na contemporaneidade categorizar atos entre saudáveis e doentios não passa mais pela
descoberta ou não de uma enfermidade nos termos biomédicos. Nesse contexto observa-se
a ampliação do significado de saúde, em que levar uma vida saudável pressupõe percorrer os
caminhos de uma alimentação saudável, o que implica não consumir alimentos gordurosos, bem
como aderir a prática de exercícios físicos. Esses aspectos atualmente são veiculados pelas mais
diversas mídias como um “estilo de vida saudável” e estão cada vez mais relacionados com o
padrão de corpo belo, uma vez que, praticando exercícios e mantendo uma dieta equilibrada a
estética corporal é algo inevitável.
Porém, a maioria dos indivíduos não leva em conta que o padrão de corpo não se aplica
a todos, e as diferenças de metabolismo fazem com que para algumas pessoas o ideal seja
difícil quando não impossível de ser atingido. Dessa maneira alguns passam a seguir dietas
extremamente rígidas e um plano de exercícios massacrante, o que pode acarretar em práticas
como a anorexia e a bulimia e a vigorexia, objeto desta pesquisa. Esta prática está relacionada
majoritariamente com o público masculino, que exagera na prática de exercícios físicos, em
especial, a musculação, numa tentativa de obter resultados eficazes em um período de tempo
curto, tendo como possíveis resultado a lesão de ossos e fadiga muscular. Esse quadro se
estabelece quando que o praticante percebe que o resultado da musculação se dá de maneira
lenta mediante ao “treinamento” constante, levando ao extremo do significado de constante,
bem como a recorrência a suplementos alimentares, usado de maneira indevida e em casos
extremos o uso de esteroides anabolizantes.
Tanto os suplementos quanto os anabolizantes operam na mesma ótica pesquisada por
Azize (2002; 2005) para tratar dos medicamentos para obesidade, depressão e problemas sexuais.
O discurso biomédico produz a noção de uma “doença”, que precisa ser tratada a qualquer
custo. No caso do presente trabalho, a sobra de gordura no corpo é mal vista, sinal de que não
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existe uma preocupação com a saúde, levando o homem a procurar diversos medicamentos que
resolvam o seu problema, desde o remédio para emagrecer até os anabolizantes. Estes passam a
ser peças fundamentais na vida de seu usuário, uma forma não só de atingir o resultado corporal
almejado, mas também de se sentir “em paz com a consciência”. Nesse contexto, todos os
aparatos potencializadores da forma como os suplementos e anabolizantes, que puderem ser
utilizados para otimização do corpo serão usados, como o autor relatou na sua pesquisa, “se
existe, porque não usar?”. Nas palavras do autor,
Já não se trata mais de questionar o porquê do uso de medicamentos. A emergência
de novas tecnologias de cuidados do corpo e da saúde parece gerar novas
obrigações no cuidado de si. Um corpo que já não é mais o bastante se torna um
consumidor em potencial. Para ‘ser’, o corpo precisa estar à altura dos desejos dos
indivíduos em relação a ele. (AZIZE, P.13, 2005)
Dessa maneira, os indivíduos além de utilizarem todos os produtos ao seu alcance,
relativizam a dor na prática de exercícios, como se ela fosse algo inevitável, porém necessário,
como dizem muitos praticantes, uma “dor gostosa”, uma vez que sua ocorrência denota que
o resultado almejado está próximo de ser obtido. Essa representação da dor é corrente nas
sociedades ocidentais contemporâneas, pois ela se liga a superação dos limites pessoais; nessas
sociedades há atualmente a fragmentação das referências, e o corpo bem como a superação de
seus limites passa a ser o referencial. (LE BRETON, 2007). Nesse contexto, há a ocorrência de
alunos que treinam lesionados somente para não deixarem de obter resultados. Segundo eles,
treinar com uma lesão não parece ser uma atitude errônea, já que tal dor é recorrente à prática
de exercícios físicos.
A manutenção do corpo passa desse modo, refletir a capacidade do “cuidado de si”
do indivíduo, uma vez que mantendo seu corpo saudável e exercitado, mesmo que esse fato
pressuponha sentir dor, ou machucar-se eventualmente, ele viverá mais. Featherstone (1981)
denominou esse ato de health education, ou seja, uma educação em saúde na qual o individuo
aprende como se manter com qualidade de vida, através de dietas, exercícios físicos e o uso
de pílulas. Como salienta Azize, essas não são vistas como medicamentos e sim como um
potencializador para o alcance do “estilo de vida saudável”. Porém, segundo o autor, essa
pedagogia da saúde estaria cada vez mais influenciada pela idealização da cultura do consumo,
do corpo jovem e bonito. Neste contexto a academia também faz parte do itinerário terapêutico
de algumas pessoas, como, por exemplo, para correção de postura, para se livrar do estresse do
trabalho, bem como para prevenir doenças que possam vir a existir.
CULTO AO CORPO NA CULTURA DO CONSUMO
Em meados do século XIX, mostrar o corpo não era comum. As roupas tanto de homens quanto
de mulheres tinham por finalidade esconder qualquer parte do corpo que despertasse vazão aos
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desejos sexuais. No início do século XX verifica-se o desnudamento do corpo e vestimentas
mais flexíveis, com tecidos mais leves e que demarcam mais o corpo, como por exemplo, o
jeans,que começa a ganhar espaço na vida dos indivíduos bem como a aparência física passa
a depender do corpo, sendo os cuidados com este corpo essenciais e ele deve a partir de agora
ser moldado.
Ao passar dos séculos, as concepções sobre o corpo mudaram diversas vezes e na
atualidade, ele vem sendo muito explorado pela mídia. Porém, para que o corpo ganhasse tal
projeção, houve inúmeros conflitos e polêmicas ao longo dos anos, conforme suas partes iam
sendo reveladas pela indústria da moda; um exemplo disso é a polêmica causada pelo uso do
biquíni nos anos 50. (CASTRO 2007)
Atualmente o corpo explorado pelas mais diversas mídias consiste no corpo magro,
porém não esquelético, mas aquele com músculos bem distribuídos, proporcional e simétrico,
sem cicatrizes ou marcas. O corpo passa dessa maneira a ser consumido através de uma
pedagogia imagética engendrada pelas empresas de publicidade e propaganda, tornando-o
uma mercadoria-signo. Não só o corpo, mas também os produtos relacionados a ele passam
a ser mercadorias que são usadas de acordo com o estilo de vida do indivíduo. Esse fator,
segundo Le Breton (2011) seria um dos paradoxos da sociedade contemporânea que mostra
que apesar da vontade de não se evidenciá-lo , em certos lugares e em certos momentos a
sociedade o evidencia como em propagandas de higiene,roupas íntimas, etc. Dessa forma o
culto ao corpo passa a ser um dos ícones da cultura do consumo contemporâneo. Atualmente
não só as mulheres, como também os homens passam a ser doutrinados para a obtenção do
corpo perfeito, não só músculos, como a estética, a isso se deve o crescimento da venda de
cosméticos ao público masculino.
A cultura do consumo é amplamente discutida por Featherstone (1995),que traça um
panorama da economia clássica até os teóricos atuais mostrando como os bens produzidos
passaram da esfera da produção para a esfera do consumo, bem como, o valor de uso dos
produtos tornou-se secundário em relação ao seu valor de troca. Esse quadro se estabeleceu
mais precisamente na época do fordismo, em que houve a educação do público consumidor
pelas propagandas e mídias. A partir disso o autor estrutura a sua teoria da cultura do consumo
em três pilares:
1- concepção de que a cultura do consumo tem como premissa a expansão da
produção capitalista de mercadorias, através da acumulação material na forma de
bens e locais de compra e de consumo, como as atividades de lazer, que tem um
controle “sedutor” sobre a população;
2- concepção mais estritamente sociológica na qual a relação entre a satisfação
proporcionada pelos bens e seu acesso socialmente estruturado seja um jogo de
soma zero no qual a satisfação e o status dependem da exibição e da conservação
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das diferenças em condição de inflação em que as “pessoas usam mercadorias de
forma a criar vínculos ou estabelecer distinções sociais.”
3- essa concepção diz respeito aos prazeres emocionais do consumo, ou seja,
os sonhos e desejos celebrados no imaginário cultural consumista e em locais
específicos de consumo que produzem diversos tipos de excitação física e prazeres
estéticos. (FEATHERSTONE, Mike. p 31, 1995)
Segundo Featherstone (1982), vários autores nessa época começam a descrever um
novo tipo de personalidade, que foi denominada de narcísica, descreve um indivíduo que
tem autocontrole, está sempre preocupado com a sua saúde, tem medo do envelhecimento e
da morte, sempre procurando sinais de decadência do corpo e que usa seu corpo como uma
mercadoria (essa discussão pode ser encontrada em Goldenberg (2000), na qual há o uso do
capital corporal como uma forma de agenciamento das relações sociais contemporâneas). O
autor ainda salienta que essa nova cultura narcísica que emerge conjuntamente com a cultura
do consumo faz com que o indivíduo estabeleça uma nova relação com o seu corpo, que ele
denominou de performing self ou o eu performático. Ele constatou essa tendência através de
manuais de autoajuda que proclamavam o “eu” ideal no século XX, como pessoas que tinham
o dom de fascinar, atrair e magnetizar o outro não somente através da fala, mas também através
de sua imagem. Segundo ele o eu performático tornou-se mais amplamente aceito na era entre
guerras com a propagação de Hollywood e a legitimação na imprensa popular do novo ideal.
No campo da academia de ginástica e musculação, segundo Hansen e Vaz (2004), o
desempenho é desportivo, ou seja, a postura dos praticantes de academia passa a ser igual a de
atletas desportivos competidores, como por exemplo, superação da dor, não falhar, “treinar”,
obter um ótimo rendimento, sem contar a competição que existe em relação ao capital corporal
dos outros indivíduos presentes no interior do local. No meu campo, o desempenho desportivo
descrito acima estaria também ligado às roupas de ginástica que seriam de marcas famosas,
como Nike, Oakley, Adidas, Rebook, Everlast entre outras, mostrando que tal desempenho
não influencia somente na postura e na condução dos corpos, mas também na maneira como se
operacionaliza o consumo no local.
CONCLUSÃO:
Mais do que provar a ocorrência da vigorexia no meu campo, o objetivo desse artigo, foi mostrar
como a sociedade impõe um padrão de corpo e como essa imposição se torna massacrante
para algumas pessoas ao ponto de lhes acarretarem excessos. A pesquisa de campo foi muito
importante nesse sentido porque pude ver in locus como se sucedem as pressões dentro de
uma academia de ginástica e pude teorizar o que eu como praticante de musculação já havia
naturalizado há muito tempo. O que me levou a pesquisar sobre o tema foi primeiramente um
matéria veiculada na TV e depois a observação de que nas academias de ginástica e musculação
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em geral, o que é mais desejado é o corpo perfeito. E ao mesmo tempo comecei a estudar
teorias dentro da antropologia que tratavam da questão do corpo, não somente como um aparato
biológico como também toda a dimensão social envolta nas maneiras em que o gerenciamos.
Apesar da pesquisa ainda estar em andamento é possível algumas conclusões como por
exemplo, o estatuto do corpo na sociedade atual como algo marcante para a construção das
individualidades, no qual os indivíduos o usam como capital, ou seja, ter um corpo “sarado” faz
uma enorme diferença nas formas de gerenciamento da vida social. Outro ponto é a questão do
consumo que vai além de um mero consumo de coisas para o corpo e sim o consumo do corpo.
O indivíduo passa a construir um corpo como uma estratégia para sua auto divulgação no meio
social.
Nesse contexto, a pesquisa de campo também me levou a discussão de saúde uma vez
que esta é endossada correntemente no meio fitness pelos praticantes de musculação como
motivação principal de sua empreitada e a estética é mencionada por eles como algo secundário
e decorrente da manutenção do “estilo de vida saudável”. Nesse ínterim há a banalização do
uso de suplementos alimentares, bem como anabolizantes que passam a ser vistos como parte
de um tratamento e ao mesmo tempo não são vistos com o status de medicamento e sim como
aditivos que podem potencializar a saúde e a estética.
A musculação nesse âmbito é entendida como uma técnica corporal em relação ao
rendimento, uma vez que os movimentos dos praticantes são de certa forma adestrados para um
fim, qual seja, a definição muscular e extirpação da gordura corporal, bem como a “imitação
prestigiosa” daqueles que no presente campo, a sala de musculação possuem um maior capital
corporal. O habitus desse grupo em relação à musculação de dá pelo constante trabalho
muscular para um fim, bem como há a divisão sexual do trabalho muscular; prioritariamente os
homens malham as partes superiores do corpo, que são consideradas socialmente masculinas e
as mulheres malham as partes inferiores.
Os excessos são cometidos quando os resultados almejados não são conseguidos e
por ser a musculação um processo lento, o que leva muitos a treinarem lesionados e também
apresentarem overtrainnig, ou seja, fadiga muscular por excesso de treinamento, bem como
a administração errada de suplementos alimentares e anabolizantes. Nesse âmbito a dor é
vista como uma parte do treino e esta também denota que os resultados almejados estão sendo
conseguidos, o que leva com que a dor por uma lesão seja banalizada, uma vez que esta é
inerente as conquistas pelo corpo com uma total delineação muscular. Por isso o lema das
academias em geral é uma expressão norte americana, no pain no gain. Aqui as noções de saúde
e doença ficam um pouco confusas, pois a dor é algo visto comumente como inerente à doença,
mas nesse caso é visto como um “passo” para se conseguir a saúde perfeita. E também a cura
nesse caso é a eliminação da gordura e isso pode ser constatado pela expressão “corpo sarado”
que é o corpo tracejado de músculos em oposição ao “corpo doente”, dos obesos ou anoréxicos.
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ANTROPOLOGIA DO CORPO E CONSUMO ATRAVÉS DA ANÁLISE DA VIGOREXIA
A mídia, sobretudo a mídia impressa, no âmbito desse trabalho, é uma das maiores
reprodutoras dos padrões de corpo existente nas sociedades. Dentro da academia de ginástica
e musculação torna-se impossível não se influenciar com as imagens, primeiramente dos
professores e alunos veteranos que possuem um capital corporal valorizado dentro do local
e depois das revistas nos quais os modelos possuem um corpo inatingível pela maioria dos
indivíduos. As intervenções digitais muito presentes nesse tipo de mídia não são percebidas e
quando o são, os indivíduos as ignoram o que faz com que a confusão entre o real e a imagem
seja iminente, o que faz com que o corpo se torne uma mercadoria-signo, ou seja, além de ser
amplamente consumido é algo que dá status ao seu possuidor bem como o possibilita mediar
suas relações sociais através desse. A vigorexia, assim como descrita pelos meios biomédicos,
não foi encontrada no meu campo, ou seja, não encontrei nenhum praticante que eu poderia
afirmar ser vigorexo, porém, o vício em musculação, ou pelo menos, em estar na academia
constantemente mesmo que correndo na esteira foi o mais evidenciado pelos próprios praticantes
bem como pela observação participante. A vontade de “estar em forma” como uma maneira
de autoafirmação bem como uma maneira de ser visto aos olhos dos outros é recorrente. O
corpo passa então a ser vetor dos desejos de seu possuidor, passa a ser o seu passaporte para as
relações sociais dentro de uma sociedade em que os referencias se encontram fragmentados, em
que esse corpo como algo concreto dá o respaldo de continuidade.
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