Revista Paulo Freire_14
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Revista Paulo Freire_14
Quilombolas de Brejão e da Resina colhem os frutos da luta Depois dos bancos e da ditadura, a vez da mídia? Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE nº 14 - Sergipe - julho - 2012 - R$ 5,00 O bispo dos pobres www.sintese.org.br Indústria da seca ou das cercas? Para entender: a família real e a gênese da indústria da seca OS MUITO RICOS E O MITO DE QUE SERIAM “CRIADORES DE EMPREGOS” HÁBITO DE LER ESTÁ ALÉM DOS LIVROS 1 2 primeiras palavras Ir até a raiz J á fazem parte do calendário brasileiro as campanhas de solidariedade anuais que objetivam recolher alimentos e outras doações com o objetivo de reduzir o sofrimento do povo nordestino com a seca. São inúmeras as reportagem mostrando a dramática situação. Mas é apena a falta de chuva que impõe sofrimento? O porquê desse quadro não ter sido solucionado? Todos sabem que a questão da seca no Nordeste não é nova e esse é o tema principal da edição de julho da nossa revista. “Indústria da seca ou das cercas?” Essa pergunta começa a ser respondida pelo sociólogo Antônio Gomes Barbosa a partir da raiz do problema. Ele propõe ir até a gênese da seca e mostra sua existência desde a presença da família real no Brasil. É um excelente material para o debate inicial sobre o tema. Nessa mesma linha o padre Isaías Nascimento resgata uma luta do povo pobre de Sergipe, o bispo Dom José Brandão de Castro, um homem que dedicou sua vida à construção concreta de um reino de justiça. Aliado a esse material escrito pelo padre Isaías, está também uma excelente reportagem do jornalista George Washington sobre os frutos da luta do povo quilombola de Brejão dos Negros e Resina, no município de Brejo Grande, em Sergipe. George resgata um pouco da luta dessas duas comunidades, mas principalmente revela os resultados das conquistas já apurados. Como se percebe, os textos da seca, de Dom José Brandão de Castro e da Resina e Brejão dos Negros estão interligados e podem resultar numa série de trabalhos e discussões nas escolas. Também com o objetivo de ir até a raiz dos problemas, Saul Leblon escreve a partir de um trabalho extraordinário do professor Venício Lima que trata de um tema que o Governo do Brasil precisa enfrentar: a mídia. É uma leitura obrigató- ria o texto “Depois dos bancos e da ditadura, a vez da mídia?”. Será que a mídia será passada a limpo? Nesta edição de julho reproduzimos uma entrevista publicada na Agência Brasil com o historiador Roger Chartier, que participou de um Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários. É uma entrevista inquietante, onde ele para além dos livros. “Pesquisas que perguntam às pessoas se elas lêem livros estão sempre ignorando que a leitura é muito mais do que ler livros. Basta ver em todos os comportamentos da sociedade que a leitura é uma prática fundamental e disseminada”. Para fechar, outra leitura obrigatória porque questiona mito social: quem disse que os muito ricos seriam os maiores geradores de empregos? Paul Buchheit vai mostrar que isso não é bem assim. Nossa edição de julho é encerrada como sempre com a arte dos educadores através da poesia e da imagem. Boa leitura. Angela Melo Presidenta do SINTESE Revista de Formação Político-Pedagógica do SINTESE Rua Campos, 107 – B. São José - Aracaju-Se CEP: 49015-220 [email protected] www.sintese.org.br Redação e Assinaturas Telefax: (0**79) 2104-9800 José Cristian Góes Editor (DRT/SE 633) Diego Oliveira Coordenação Gráfica (DRT/SE 1094) Conselho editorial: Angela Melo, Joel Almeida, Sandra Moares, Edinalva Mendes, Hildebrando Maia, Janieire Miranda, Ana Luzia, Ivonete Cruz, Izabel Nascimento, Edileide Barrozo, Franklin Magalhães, Elda Góis Os artigos assinados nesta edição não refletem necessariamente o entendimento da direção do Sintese. onde achar FALE CONOSCO O bispo dos pobres Quilombolas de Brejão e da Resina colhem os frutos da luta Depois dos bancos e da ditadura, a vez da mídia? 04 07 09 Os muito ricos e o mito de que seriam “criadores de empregos” Hábito de ler está além dos livros A família real e a gênese da indústria da seca 16 11 12 Tel: (79) 2104-9800 (Bárbara Eloah) E-mail: [email protected] Saber e Poesia Imagem de Luta 18 19 ASSINATURA SOCIAL - R$ 150 (12 exemplares) ASSINATURA ANUAL NÃO FILIADOS - R$ 100 (12 exemplares) ASSINATURA ANUAL NOVOS-FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares) ASSINATURA ANUAL FILIADOS - R$ 60 (12 exemplares) 3 Nossa História O bispo dos pobres Padre Isaías Nascimento* A humanidade, diante das precariedades da vida (opressão, doença, fome, desigualdades, morte...), busca insaciavelmente soluções melhores para o seu viver junto a Deus. É um desejo que a faz movimentar-se, um correr sempre atrás, um estar sempre A CAMINHO do melhor. Neste sentido as religiões são o canal, através dos mitos, ritos, interditos e economia para alcançá-lo. Isto é, elas são o canal de comunicação entre o finito, o ser humano, e o infinito, 4 o Sagrado. Entre o histórico, falível, finito e o meta-histórico, infalível, infinito, eterno. As teologias são construções teóricas para iluminar a caminhada de fé da religião a fim de que “o homem suba às sumas alturas”. No momento histórico que elas podem ser subdivididas em dois grupos: as que devem estar sintonizadas ao magistério oficial das grandes religiões, com suas respectivas escolas (as teologias oficiais), e as outras que estão bem distantes do controle da oficialidade (as teologias pentecostais). Imaginação utópica e discernimento pastoral na ação pastoral de Dom José Brandão de Castro na Diocese de Propriá/SE As religiões favorecem o encontro entre as realidades aparentemente opostas - humana e divina, céu e terra – favorecendo uma convivência que influencia na construção das realidades factíveis da humanidade, justificando, na maioria das vezes o “status quo”, frustando, muitas vezes, o desejo humano de querer, ainda no chão da história, o melhor para si e para os seus iguais. A história está repleta de exemplos de sociedades que procuraram reagir à realidade, mobilizando o povo oprimido, insatisfeito, que forma a base social para construir outra sobre os alicerces da justiça social, principalmente. Na nossa tradição judaico-cristã vemos no Antigo Testamento, a reação de Javé, o Deus dos Hebreus, diante do seu povo escravizado no Egito: ele se solidariza aos escravos no processo de libertação e caminha com eles em direção a uma terra prometida (Ex 3). Os profetas são porta-vozes do Deus Javé que está ali, no meio do povo, reagindo contra a opressão interna, geralmente entre os seus, aos pobres e da viúvas, e prometendo justiça através da vinda de um Messias (ungido) que fará acontecer um mundo melhor. No Novo Testamento vemos a chegada de Jesus, reconhecido como o Messias de Deus, como resposta radical de Deus/Javé às vitimas da opressão e do desespero: os pobres (Lc 2 e 4, 16ss). A encarnação do Verbo revela a presença do Deus-Amor que se faz e se é presente no meio do povo pobre. As primeiras comunidades revelam a adesão dos pobres ao novo projeto de Deus: viver uma vida de Comunidade de Irmãos e irmãs, onde a vida de oração, de escuta à palavra dos apóstolos, à Palavra de Deus e a partilha do pão são basilares para a nova sociedade. No nosso continente americano encontramos na tradição dos povos No nosso continente americano encontramos na tradição dos povos indígenas o sonho com uma sociedade ideal, a “Yvy marã ei’” (Terra Sem Males) bem anterior que os povos europeus indígenas o sonho com uma sociedade ideal, a “Yvy marã ei’” (Terra sem Males) bem mais anterior que os povos europeus, que também esboçaram no papel, propostas de modelo de sociedade ideal: “A República” (de Platão), “Utopia” (de Thomaz Morus, 1516), “A Cidade do Sol” (de Tommaso Campanella, 1613) “Shangri-la” (de James Hilton, 1925) e outras. Para as Igrejas Cristãs o exemplo de vida das primeiras comunidades cristãs, lá em Atos dos Apóstolos, continua sendo a referência de discernimento profundo sobre o jeito de anunciar e vivenciar o evangelho em todas as partes do mundo. Na sociedade ocidental elas foram, e continuam sendo o que chamo de farol utópico[1] que oferecem valores basilares de fraternidade, liberdade e igualdade, que clarearam e continuam várias experiências no ocidente: desde as conhecidas comunidades utópicas, a própria revolução francesa, várias comunidades messiânicas no Brasil, como Canudos, Caldeirão e outras. Como também as novas comunidades cristãs que estão surgindo no seio das Igrejas Cristãs. Ceb’s: um novo jeito de ser igreja - Com o advento do Concílio Vaticano II e sua aplicação na América Latina a partir do Documento de Medellin (1968), diante das ditaduras militares e a crescente situação de empobrecimento no continente latino americano, surgiram as Comunidades Eclesiais de Base, como o lugar de encontro e convivência e organização dos pobres, “que têm sido escolas que têm ajudado a formar cristãos comprometidos com sua fé, discípulos e missionários do Senhor, como testemunha a entrega generosa, até derramar o sangue, de muitos de seus membros. Elas abraçam a experiência das primeiras comunidades, como estão descritas nos Atos dos Apóstolos (At 2, 42-47)”[2]. A partir delas surgiram ações sociais em defesa da vida: a luta pela terra foi a mola propulsora para outras ações cidadãs: luta por moradia, por energia, calçamento, etc. Aqui em Sergipe, no tempo do arcebispo Dom José Vicente Távora temos os primeiros registros das primeiras comunidades eclesiais As comunidades lutavam por dignidade e vida: desde a defesa da terra indígena do Povo Xokó, defesa dos posseiros e da reforma agrária (ainda não se falava “de base”) em 1966: “Em Aracaju [capital do Estado] era marcante a presença dos padres franceses na região de Maruim e Santo Amaro, como também de uma equipe de pastoral coordenada pelo Pe. Pierre Averran nas periferias pobres da Capital do Estado. Era presença da Igreja nos bairros Manuel Preto, Brasília, Porto Dantas, Santos Dumont que, à luz da Palavra de Deus, se organizavam para lutar por melhorias de condições de vida”[3]. Foi em 1970 que chegaram os frades franciscanos para a paróquia de Porto da Folha, Diocese de Propriá, na região do Baixo São Francisco. A partir deles surge a primeira escola de formação catequética de leigos animadores das comunidades. A Diocese de Propriá assume, em Assembléia Diocesana de Pastoral, como uma de suas prioridades e estimula sua organização com as CEB’s no Brasil. As comunidades lutavam por dignidade e vida: desde a defesa da terra indígena do Povo Xokó, defesa dos posseiros e da reforma agrária. Seus animadores eram tachados de subversivos. Vários agentes foram perseguidos. Mas o bispo da Diocese de Propriá estava sempre junto em sua defesa: “Por ocasião da ultima campanha política, uma bem orquestrada campanha tomou como alvo de seus ataques as Comunidades Eclesiais de Base. Foram tachadas de comunistas, de subversivas, de revoltosas contra a autoridade do papa, de anti-igreja. Pobres comunidades. Elas querem ser, isto sim, sementes de um mundo novo, de um mundo mais fiel a Jesus Cristo, de um mundo mais irmão, de um mundo mais humano. É claro que não temos ilusões. Por ora, elas são fracas, representam apenas um fogo debaixo do monturo. Ou, se quisermos lembrar a belíssima imagem utilizada pelo próprio Cristo, elas são uma sementizinha humilde e desprezada que está sendo lançada nas terras do Brasil”[4]. E assim, através das CEB’s os pobres desta região do Baixo São Francisco – índios, posseiros e sem-terra – animados pelos agentes de pastoral continua>> 5 A poesia do animador da CEB’s em nossa Diocese, Jorge Pereira Lima, continua sendo catequético, utópico, e atual na caminhada dos pobres Optando preferencialmente pelos pobres, deu-se uma volta por cima de uma cultura religiosa conformista 6 (padres, religiosas e bispo) amadureceram sua fé em Jesus Cristo, levantaram a cabeça e vieram para o meio social assumir seu lugar de sujeito social. Elas, mesmo carentes de melhor articulação, continuam germinando a sociedade através de pequenos grupos que exercem influência nas lutas pelos direitos sociais através de associações de jovens, de mulheres, de bairros, de luta pela terra e moradia. Os quilombolas que o digam. A poesia do animador da CEB’s em nossa Diocese, Jorge Pereira Lima, continua sendo catequético, utópico, e atual na caminhada dos pobres: “Nossa alegria é saber que um dia, todo este povo se libertará, Pois Jesus Cristo é o Senhor do Mundo, nossa Esperança realizará. Pois Jesus manda libertar os pobres, e ser cristão é ser libertador. Nascemos livres pra crescer na vida e não ser pobres pra viver na dor”. Foi sempre a partir da análise concreta da realidade que a Diocese de Propriá planejou seus planos de pastoral. Mas, somente a partir de Medellin é que a dimensão profética, á luz da Teolo- gia da Libertação, a pastoral foi incisiva na luta pela inclusão social. Optando preferencialmente pelos pobres, deu-se uma volta por cima de uma cultura religiosa conformista em que “Deus quer assim” diante de tanta miséria que campeava esta região. A formação pastoral fortaleceu as comunidades e suas lideranças, como também se respeitou e amadureceu a religiosidade popular e por sua vez o exercício da cidadania. Os resultados são visíveis. Ao passar dos anos se vê o quanto esta região se fortaleceu no surgimento de organizações populares e através delas no exercício da cidadania. As condições de vida econômica melhoram muito, principalmente no sertão sergipano onde estão localizados o maior número de assentamentos agrários do Sergipe. Continua, não tão forte, a relação fé e política, devido ao clericalismo pentecostal em voga. Como também continua forte as expressões de religiosidade popular. Acredito que a fé no Deus de Jesus, o Cristo, proporcionou àquelas comunidades e pessoas que acreditaram, perseveraram e foram à luta, construir, ainda aqui na terra, na região do baixo São Francisco em Sergipe, comunidades, tanto nas cidades como nas comunidades rurais, mais humanizadas, apesar dos chamam à missão. * É coordenador da Pastoral Social da Diocese de Propriá/SE R EFER ÊNCIAS: Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 178. São Paulo: Edições CNBB, Paulus, Paulinas, 2007. Pág 91. HINK EL A M MERT, F. J. e JIMÉNEZ, E. M.. Reproducción de la vida, Utopia y Libertad: por uma economia orietanda hacia la vida. Otra Economía Volumen II - Nº 2 - 1º semestre/ 2008 – pág. 26 - ISSN 1851-4715 http:// www.r iless.or g/otraecono mia/hinke2.pdf (25.10.10 22h09) Jornal da Diocese de Propriá “A DEFESA”, 1983, pág 1. NASCIMENTO, Pe. Isaias. Dom Távora, O Bispo dos Operários. Um homem além do seu tempo. São Paulo: Paulinas, 2ª edição, 2009. 252 p. [1] Aqui entendido o significado de utopia conforme o teólogo Franz Hinkelammert: “La utopía es una fuente de ideas sobre el sentido de la vida, una referencia para el juicio, una reflexión sobre el destino, una imaginación de los horizontes”. Hinkelammert, F. J. e Jiménez , E. M.. Reproducción de la vida, Utopia y Libertad: por uma economia orietanda hacia la vida. Otra Economía - Volumen II - Nº 2 - 1º semestre/ 2008 – pág. 26 - ISSN 1851-4715 - www. riless.org/otraeconomia (25.10.10 - 22h09) [2] Documento de Aparecida. Texto Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, 178. São Paulo: Edições CNBB, Paulus, Paulinas, 2007. Pág 91. [3] NASCIMENTO, Pe. Isaias. Dom Távora, O Bispo dos Operários. Um homem além do seu tempo. São Paulo: Paulinas, 2ª edição, 2009. Pág. 123 [4] MAIS UMA ASSEMBLÉIA DAS COMUNIDADES DE BASE. Jornal A DEFESA, julho de 1983, pág.1. Nossa História que compre toda a produção, antes que as chuvas venham forte e prejudique a produção”, aponta o técnico, que também é quilombola. Preço melhor Para Gilvan Pereira, 41 anos, quilombola, professor de Matemática e produtor na Batateiras, uma coisa puxa a outra. Tendo a casa de fari atrai compradores e melhora o preço do produto. “Hoje nós temos apenas a matéria prima. Com a casa de nal com um preço muito melhor e mercado certo”, avalia. Gilvan, nascido e criado em Brejão, é um claro exemplo de que a luta organizada e a persistência levam à conquista de direitos e de cidadania. Hoje ele planta, além da mandioca, melancia e leguminosas como o feijão. Mas ele lembra que cresceu sofrendo na pele as agruras de ser quilombola dentro da terra de verdadeiros senhores feudais. “Era tudo na mão dos fazendeiros da região. Eles tinham as terras, que viviam abandonadas, sem produzir nada, a não ser coco, e as pessoas não podiam plantar o que queriam. Melhorou cem por cento. Agora podemos plantar e criar animais dentro do que é nosso, sem medo de ninguém. É uma alegria só Mas, com a colheita, surver as pessoas trabalhando gem dois obstáculos para os pra si, não para os outros”, quilombolas: a falta de uma comemora. casa de farinha – há o espaço “Pena que ainda tem quijá construído, mas falta o malombola que não tem a consquinário, avaliado em quase ciência da luta e o valor da R$ 80 mil – e a falta de um conquista. Essas pessoas não comprador direto de toda a se reconhecem e acabam danprodução, o que traria mais do apoio aos fazendeiros. Isso é que precisa mudar. Nós estores. tamos progredindo, andando “Essas terras são muito com as nossas próprias penas, boas, tanto que estamos vene eles continuam parados”, do aqui uma excelente producritica o professor e agricultor ção de macaxeira. Mas como quilombola. a comunidade ainda não tem Ele destaca o papel do mandato da deputada Ana raiz e fazer a farinha, o preLúcia, que sempre esteve com ço não é bom. E falta ainda os quilombolas de Brejão e da comprador para a produção, o que vamos estar tentando continua>> buscar nos próximos dias um Quilombolas de Brejão e da Resina colhem os frutos da luta George Washington Comunidades de remanescentes de quilombos de Brejo Grande comemoram as boas safras de mandioca e arroz George Washington* Comunidades de remanescentes de quilombos de Brejo Grande comemoram as boas safras de mandioca e arroz Depois do reconhecimento e imissão de posse de suas terras, há pouco mais de um ano, a vida é outra para os quilombolas de Brejão dos Negros, encravada numa bela, porém ainda carente região próxima à foz do rio São Francisco, no município de Brejo Grande, norte de Sergipe. Mesmo com todas as desde que passaram a ser os donos das suas terras, quando receberam o documento Batateiras pelo Incra (Instituto de Colonização e Reforma Agrária), em 1º de março de 2011, os quilombolas organizados plantam de tudo e já colhem os frutos do seu trabalho e da luta de muitos anos pelo reconhecimento e reintegração do seu território. Na Batateiras, são 469 hectares agricultáveis, onde cerca de 50 famílias trabalham em regime de partilha comunitária, cada um com o seu espaço de plantio, onde escolhem o que vão plantar. No momento, a boa produção de mandioca, ou macaxeira, como preferem chamar, está pronta para ser colhida e comercializada, o que traz grande alegria para os produtores, “Agora é buscar melhorar o nosso plantio para colher mais” Iraneide Machado mas também preocupação. Segundo o técnico agrícola Juvenal Patrício, assessor da deputada estadual Ana Lúcia, que presta assessoria aos quilombolas, as terras são boas para o plantio de tubérculos, leguminosas e hortaliças. A boa produção da mandioca, alerta, deve ser colhida logo, antes que fortes chuvas caiam e possam comprometer a colheita. 7 Resina, outra conquista próxima à fazenda. “Não tenho dúvidas de que se não fosse a presença dela, talvez não estivéssemos nas condições que estamos hoje, com a posse das terras. Ela sempre acreditou nessa luta junto com a gente”, lembra. Vida bem melhor - A quilombola Risalva dos Santos, há 27 anos na região, não gosta muito de relembrar o passado. “Foi muito sofrimento. É melhor nem lembrar”, diz. Ela prefere falar da vida a partir de março de 2011, quando a comunidade conquistou a titulação sobre a Fazenda Batateiras. “Aí a vida começou a melhorar de verdade. Só não estamos melhor porque faltam a nossa casa de farinha e encontrar um bom comprador. Resina: produção de arroz se destaca Nem o mais otimista dos quilombolas da Resina, às margens do rio São Francisco, em Brejo Grande, imaginaria uma safra tão boa de arroz cultivado nas lagoas em que, até dezembro de 2010, pertenciam a um grupo de fazendeiros que irregularmente ocupava a área e não permitia qualquer tipo de exploração em nenhuma das oito lagoas que margeiam o quilombo sem consentimento. Com o reconhecimento da área como pertencente à União, em 30 de dezembro de 2010, e o consequente trabalho do Incra de titular tamento das comunidades tradicionais que ali vivem, o cenário mudou. Até então, as famílias quilombolas da Resina sofriam com as inúmeras ameaças, inclusive de morte, e com a queima de suas casas, destruição de roças, impedimento da pesca nas lagoas marginais e manguezais, entre outros tipos de violência. A Construtora Norcon – hoje Norcon-Rossi – chegou a adquirir terras na Resina para a construção de um grande resort, mas depois de muita 8 Mas a vida é outra”, faz questão de pontuar com um sorriso, mesmo que tímido. “Antes, não tinha situação ruim como a nossa não. A gente vivia que nem bicho bruto no pau. Agora a gente pode plantar de tudo e colher pra gente mesmo. Temos muito ainda por conquistar, mas a vida é outra quando se tem terra pra plantar”, exalta a agri- mais retorno”, explica Iraneide. Ela ressaltou não só o apoio da deputada Ana Lúcia, como também do ex-deputado federal pelo PT Iran Barbosa, que sempre acompanharam a luta resistência dos quilombolas e dos quilombolas da Resina e resistiram, junto com eles, nos pressão social recuou da ideia. Hoje os quilombolas come- momentos mais tensos e difíceis. “Eles sempre estiverem juntos moram a colheita dos frutos da sua luta e do trabalho ár- com a gente, sempre nos apoiaduo nas lagoas que cercam ram. Graças a eles, até a Justia região, antes propriedades ça chegou aqui”, exaltou. Iraneide denuncia uma nova privadas e inacessíveis à comunidade. O arroz vingou. Já estratégia dos fazendeiros, que foram colhidas e comercializa- tiveram que deixar a área por das 2.340 sacas de grãos de determinação da Justiça, para primeira qualidade. Outras três minar a resistência dos quilomlagoas estão plantadas e, no bolas e prejudicar suas planta ções. “Estão cortando as nossas colher mais 3.000 sacas. Toda a cercas e jogando o gado para produção está sendo comercia- dentro da nossa área, e o gado está comendo a produção. A lizada em Alagoas. “Pra nós é uma alegria só. gente já denunciou e o caso está Antes, vivíamos como excluídos. na Justiça. Mas até que a JusHoje a gente planta o que qui- ser e colhe o resultado da nossa produção?”, indaga, com preoluta. A vida é outra”, comemo- cupação, a líder quilombola. Felicidade só ra a líder quilombola Iraneide José Francisco Possidônio Machado dos Santos, 36 anos, dos Santos, o Chicão, 42 anos, agricultora e pescadora tradié uma felicidade só. Natural cional. Ela lembra que antes só se da Resina, ele comemora a boa plantava quando os fazendei- produção de arroz e a nova reros deixavam, e sequer tinham alidade vivida pela comunidao direito de explorar as lagoas, muitas cercadas e vigiadas por jagunços para impedir o acesso dos quilombolas. “Agora é buscar melhorar, com o apoio da Emdagro, o nosso plantio para colher mais, e também se capacitar para conseguir vender melhor e ter cultora quilombola, que faz questão de falar da sua roça. “A gente planta macaxeira, inhame, melancia, feijão, milho, coco, tomate, pimentão, cebola roxa. Planta de tudo e colhe bem. A terra é tudo pra gente”, conta. * Jornalista e assessor do Gabinete da Dep. Estadual Ana Lúcia de. “Essa é a maior riqueza que nós tem, a nossa terra. Antes a gente era muito massacrado, humilhado. Agora é uma felicidade só. Nós planta o que quer, tem a nossa rocinha, planta o arroz, pesca. Agora nós pode viver em paz”, fala, com um jeito peculiar e sorriso maroto. Ele rememora o passado e conta que viu o pai, já falecido, sofrer muito com os fazendeiros. “Davam uma rocinha pra ele fazer, mas tinha de cuidar do coco. Quando o coco crescia, eles jogavam o gado e a gente tinha que sair. Ninguém podia fazer nada, porque as terras eram deles”, lembra. “Foi muita luta. Eu mesmo fui ameaçado de morte e processado. Mas quem tem Deus e luta, não cansa por esperar. Um dia consegue”, da mulher, na sua casinha, de frente para o arrozal. Conjuntura A desregulação persistente na área das comunicações no país não é uma excrescência alimentada pelo ‘petismo degenerado’, como querem alguns. Ela é parte - talvez a mais sensível - de uma supre ram da ausência do Estado em distintas dimensões da vida social, o credo legitimaminucioso levantamento de dor de uma dominação reiparadoxos entre o que a lei terada a ferro, fogo, Cachodetermina, aquilo que a eseiras, Policarpos e Dadás. O querda sempre se propôs a colapso da ordem neoliberal fazer e o saldo de suas hesitadesde 2008 trincou essa blinções e recuos quando teve a dagem que se esfarela agora chance de implementá-lo. nas ruas do mundo em múlVenício é um intelectual tiplas frentes. A atualíssima contribuição do novo livro para não dar a essa tomograde Venício inclui o mapea % mento de todas as trancas hegeliano. Não há vínculos e interditos, com as corresentre a sua peneira histórica pondentes chaves e alavane os arroubos dos que trocas legais e democráticas que peçam no próprio radicalisagora, mais que nunca, estão mo ao vociferar contra uma maduras para serem acionarealidade que desobedece das no crepúsculo do poder idéias cerzidas à margem dos neoliberal. " & sociedade. continua>> Depois dos bancos e da ditadura, a vez da mídia? de responder à questão desdobrada nessa coletânea de Expoente de uma corajo- artigos, leitura obrigatória sa linhagem de intelectuais e para quem, a exemplo do que jornalistas responsável por dizia Brizola, acredita que ‘ ! enquanto houver poder equiciedade brasileira em relação valente ao da Rede Globo no à mídia, que graças a eles pas- país , não haverá democracia sou de referência a referido efetiva em nossa sociedano debate político, Venício de’. O aggiornamento dessa de Lima causa um estorvo constatação na obra de Veníadicional aos olhos e ouvidos cio leva a seguinte indagação: adestrados na facilidade do ‘Os dois mandatos do Preardil maniqueísta. Professor sidente Lula representaram aposentado de Ciência Políti- um avanço para a democratica e Comunicação da UNB, zação das comunicações?’ Mais incomodo que a com mais de oito livros sodúvida é o fato de que o aubre o tema, Venício açoita a tor não hesita em incluir na direita e não poupa a esquerárdua tarefa da resposta um "# uma verdadeira democracia que não pode existir sem diversidade e pluralidade de informação. As análises que brotam dessa equidistancia engajada dispensam a frase exclamativa para privilegiar o dado, o fato, a legislação, o abuso e a sua consequência. Doem mais que pancada. Há 24 anos, a Constituição brasileira determinou a criação de um Conselho de Comunicação Social no Congresso para auxiliar na implementação e regulação da mídia, dotando-a do escopo plural que a redemocratização preconizou. Não foi feito até hoje. O fato sig ! to ‘até hoje’, constitui justamente o objeto das arguições e análises do mais recente livro de Venício de Lima (“Política de Comunicações: um balanço dos governos Lula --2003/2010 -editora Publisher Brasil). Nele, o intelectual que não desdenha do legado histórico do ciclo Lula, nem por isso alivia o rigor crítico quando se trata Saul Leblon * 9 Uma cobertura Mais de uma vez, porém, o autor recordará que não se trata apenas de um jogo mecânico de ajustes e encaixes lisos e frios como azulejar um banheiro. Há interesses que não se rendem. E outros cooptáveis. Numa síntese de como as coisas são e acontecem, e para que possam não se repetir nessa hora propícia, Venício de Lima desce às entranhas e vai buscar no livro escrito pelo ex-ministro Antônio Palocci (Sobre formigas e cigarras - Editora Objetiva, 2007), o relato de um diálogo pedagógico entre a mídia hegemônica e o poder ascendente. Nesse diálogo ocorrido em 2002, Palocci relata como consultou a Globo durante a elaboração da “Carta ao Povo Brasileiro”, documento que o PT divulgaria em junho daquele ano, para tranqüilizar o mercado ! eventual governo liderado por Lula. No livro (páginas 31 e 32), o ex-ministro explica que, depois de preparar diferentes versões do documento, procurou empresários e formadores de opinião para dialogar sobre o assunto. Eis o trecho: “Um deles foi o João Roberto Marinho, das Organizações Globo, a quem eu fora apresentado semanas antes. Peguei o telefone e liguei para ele. – Estamos com um problema sério nesta eleição – iniciei. Há uma percepção de crise econômica e estamos preocupados com isso. Estamos pensando em editar um manifesto com os nossos compromissos. Com seu radar bastante atento às mudanças de humor do mercado, João Roberto abordou o assunto de forma franca: – A crise é muito maior do que vocês estão pensando – ele disse, sem esconder sua 10 > seu projeto de Regulação da dificulta o sucesMídia: so político ou, ao “Quatro observações”, dispara Venício Lima na secontrário, uma quência da citação. “Primeicobertura política ro, se políticos querem “se favorável, ajuda, acertar” com concessionácontribui rios e/ou donos de grupos de mídia, está implícito, por óbvio, que acreditam que eles (os donos) determinam ou " no sentido das coberturas jornalísticas. Segundo, tanto uns quanto outros – políticos e concessionários/donos – acreditam que a cobertura política da mídia determina ou in" cesso político. Terceiro, se isso é verdade, uma cobertura política so político ou, ao contrário, uma cobertura política favorável, ajuda, contribui. Quarto, ambos – políticos e concessionários/donos de preocupação. Há muita inse- necessário para impedir que grupos de mídia – não paregurança sobre o futuro e, por a dívida interna aumente e cem acreditar na existência isso, acho muito bom vocês de uma cobertura jornalística fazerem, sim, um manifesto. cidade do governo de honrar imparcial (ou nada disso seria necessário). Comentei as linhas gerais seus compromissos”. Finalmente, uma velha do documento e paramos – O que você acha? – perquestão que se recoloca dianjustamente no ponto sobre o guntei. superávit das contas públicas. – Um número forte pode- te da realidade que, sabemos, – Se vocês não forem fa- ria ser melhor – respondeu. existe tanto nos Estados lar sobre isso – advertiu ele – = Unidos como no Brasil: no é melhor nem soltar o docu- isso, o texto está bom. Acho caso dos concessionários dos serviços públicos de rádio e '*% que dá conta.” televisão, que existem para sobre o qual o mercado está mais preocupado. Depois de conversar com atender ao interesse coleti– E qual você acha que João Roberto Marinho, An- vo e não ao interesse privadeve ser o compromisso do tonio Palocci explica como do de indivíduos ou grupos – empresariais, religiosos novo governo? – perguntei. alterou o documento: ou quaisquer outros – não – Em minha opinião, deve ser algo um pouco acima de “Achei melhor trocar constituiria uma ameaça im4%, que é o que parece estar a palavra `enquanto´, que portante à democracia perse tornando um consenso no dava noção de tempo, por `o mitir que ocupem posição de mercado. O fato é que a dívi- quanto´, que dava noção de tamanho poder como atores tamanho e da disposição de políticos nas democracias e se há algo que vocês devem aumentá-lo, que era como o contemporâneas? criticar no atual governo é problema se colocava naque '; %'< le momento.” Em seguida, Antonio Palocci lê trechos do docuVenício de Lima arrema(do artigo “Candidatos se mento para João Roberto ta o artigo com a seguinte acertam primeiro com a mídia”, Marinho. observação de atualidade irde 09-09-2008; in Observatório “Vamos preservar o supe- retocável quando o governo da Mídia). rávit primário o quanto for Dilma parece próximo de, política negativa Debate Hábito de ler está além dos livros O historiador esteve no Brasil para participar do 2º Colóquio Internacional de Estudos Linguísticos e Literários, realizado pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Em entrevista à Agência Brasil, o professor e historiador avaliou que os meios digitais ampliam as possibilidades de leitura, mas ressaltou que parte da sociedade ainda está excluída dessa realidade. “O analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital”, disse. Agência Brasil: Uma pesquisa divulgada recentemente indicou que o brasileiro lê em média quatro livros por ano (a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada pelo Instituto Pró-Livro em abril). Podemos considerar essa quantidade grande ou pequena em relação a outros países? Roger Chartier: Em primeiro lugar, me parece que o ato de ler não se trata necessariamente de ler livros. Essas pesquisas que perguntam às pessoas se elas leem livros estão sempre ignorando que a leitura é muito mais do que ler livros. Basta ver em todos os comportamentos da sociedade que a leitura é uma prática fundamental e disseminada. Isso inclui a leitura dos livros, mas muita gente diz que não lê livros e de fato está lendo objetos impressos que poderiam ser considerados [jornais, revistas, revistas em quadrinhos, entre outras publicações]. Não devemos ser pessimistas, o que se deve pensar é que a prática da leitura é mais frequente, importante e necessária do que poderia indicar uma pesquisa sobre o número de livros lidos. AB: Hoje a leitura está em diferentes plataformas? Chartier: Absolutamente, quando há a entrada no mundo digital abre-se uma possibilidade de leitura mais importante que antes. Não posso comparar imediatamente, mas nos últimos anos houve um recuo do número de livros lidos, mas não necessariamente porque as pessoas estão lendo pouco. É mais uma transformação das práticas culturais. É gente que tinha o costume de comprar e ler muitos livros e agora talvez gaste o mesmo dinheiro com outras formas de diversão. AB: A mesma pesquisa que trouxe a média de livro lidos pelos brasileiros aponta que a população prefere outras atividade à leitura, como ver televisão ou acessar a internet. Chartier: Isso não seria próprio do brasileiro. Penso que em qualquer sociedade do mundo [a pesquisa] teria o mesmo resultado. Talvez com porcentagens diferentes. Uma pesquisa francesa do Ministério da Cultura mostrou que houve uma redistribuição dos gastos culturais para o teatro, o turismo, a viagem e o próprio meio digital. AB: Na sua avaliação, essa evolução tecnológica da leitura do impresso para os meios digitais tem o papel de ampliar ou reduzir o número de leitores? Chartier: Representa uma possibilidade de leitura mais forte do que antes. Quantas vezes nós somos obrigados a preencher formulários para comprar algo, ler e-mails. Tudo isso está num mundo digital que é construído pela leitura e a escrita. Mas também há fronteiras, não se pode pensar que cada um tem um acesso imediato [ao meio digital]. É totalmente um mundo que impõe mais leitura e escrita. Por outro lado, é um mundo onde a Um dos maiores especialistas em leitura do mundo diz que o hábito de ler está muito além dos livros e defende que os governos têm papel importante na promoção de uma sociedade mais leitora. leitura tradicional dos textos que são considerados livros, de ver uma obra que tem uma coerência, uma singularidade, aqui [nos meios digitais] se confronta com uma prática de leitura que é mais descontínua. A percepção da obra intelectual ou estética no mundo digital é um processo muito mais complicado porque há fragmentos e trechos de textos aparecendo na tela. AB: Na sua opinião, a responsabilidade de promover o hábito da leitura em uma sociedade é da escola? Chartier: Os sociólogos mostram que, evidentemente, a escola pode corrigir desigualdades que nascem na sociedade mesmo [para o acesso à leitura]. Mas ao mesmo tem " dades de uma sociedade. Então me parece que, também, é as crianças possam ter incorporados instrumentos de relação com a cultura escrita e que essa desigualdade social deveria ser considerada e corrigida pela escola que normalmente pode dar aos que estão desprovidos os instrumento de conhecimento ou de compreensão da cultura escrita. É uma relação complexa entre a escola e o mundo social. E é claro que a escola não pode fazer tudo. AB: Esse é um papel também dos governos? Chartier: Os governos têm um papel múltiplo. Ele pode ajudar por meio de campanhas de incentivo à leitura, de recursos às famílias mais desprovidas de capital cultural e pode ajudar pela atenção ao sistema escolar. São três maneira de interação que me parecem fundamentais. AB: No Brasil ainda temos quase 14 milhões de analfabetos e boa parte da população tem pouco domínio da leitura e escrita – são as pessoas consideradas analfabetas funcionais. Isso não é um entrave ao estímulo da leitura? Chartier: É preciso diferenciar o analfabetismo radical, que é quando a pessoa está realmente fora da possibilidade de ler e escrever da outra forma que seria uma ' Há ainda uma outra forma de analfabetismo que seria da historialidade no mundo digital, uma nova fronteira entre os que estão dentro desse mundo e outros que, por razões econômicas e culturais, '; analfabetismo pode ser o radical, o funcional ou o digital. Cada um precisa de uma forma de aculturação, de pedagogia e didática diferente, mas os três também são tarefas importantes não só para os governos, mas para a sociedade inteira. AB: Na sua avaliação, a exclusão dos meios digitais poderia ser considerada uma nova forma de analfabetismo? Chartier: Me parece que isso é importante e há uma ilusão que vem de quem escreve sobre o mundo digital, porque já está nele e pensa que a sociedade inteira está digitalizada, mas não é o caso. Evidente há muitos obstáculos e fronteiras para entrar nesse mundo. Começando pela própria compra dos instrumentos e terminando com a capacidade de fazer um bom uso dessas novas técnicas. Essa é uma outra tarefa dada à escola de permitir a aprendizagem dessa nova técnica, mas não somente de aprender a ler e escrever, mas como fazer isso na tela do computador. (Redação da Agência Brasil) 11 Capa A família real e a gênese da indústria da seca Estado, secas e histórias de vidas, mortes e ausências 12 Antonio Gomes Barbosa* No Semiárido, neste ano de 2012, vive-se uma das maiores secas dos últimos 30 anos. Como facilmente será observada, conjunturalmente, esta é a primeira grande seca no país @ K tado Democrático de Direitos. Nenhum dos presidentes anteriores: José Sarney, Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique ou Lula, se viram frente a uma seca de tamanha dimensão. Neste contexto se faz necessário aprofundar o tema, entender seus efeitos e intervir em seus desdobramentos. O que comumente se conhece como seca ou estiagem, é um fenômeno natural que ocorre em várias outras regiões do planeta. São fenômenos cíclicos que obedecem @ cáveis, portanto, passíveis de previsão. A seca em si, enquanto fenômeno natural, não se caracteriza como problema, é parte do funcionamento regular da natureza. Porém, seus efeitos têm se mostrado implacáveis em países que pouco enfrenta a questão a partir da construção de infraestruturas hídricas para o estoque. No tocante ao Semiárido brasileiro, pelo que se constata ao observar os últimos 200 anos, as secas de maior intensidade aconteceram em intervalos aproximados de 30 anos. Uma história que vem de longe - Para o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor de “1808”, obra ganhadora do prêmio Jabuti de Literatura e que descreve a história da família real no Brasil sob o comando do Imperador Dom João VI, ao destacar os elementos conjunturais que contribuíram para o movimento da proclamação da República Pernambucana, no Nordeste, em 1817, cita a seca de 1816 dentre os principais fatores. Os efeitos da seca foram tamanhos que, somado a fragilidade do Estado, se tornara terreno propício às ideias libertárias e sociais que passavam a alterar a geopolítica mundial. Em um país continental e ainda colônia, o que se espera- va do Estado, comandado pela família real, longe dos ventos das revoluções liberais, era uma presença maior na vida das regiões. Essa qualidade na presença estabelece uma divisão mais justa dos “recursos públicos”, formados para além do tesouro da coroa, da mineração e da exportação do açúcar e de grãos - de altos impostos, cobrados indistintamente. Porém, o que se observou foi a destinação destes quase que exclusivamente para garantir o luxo e a boa vida da família real e de uma pequena aristocracia em seu entorno, sediada no Rio de Janeiro. Neste caso, a seca do Sertão jamais se constituiria prioridade de Estado, muito menos resultaria em uma ação no sentido resolutivo do problema. Porém, os efeitos da seca ! ! cantes assim para o centro do poder. Para alguns, o que era problema poderia vir a ser oportunidade. Alguns anos depois, na primeira Carta Magna, artigo 179 da Constituição Política do Império do Brasil, assinada em 1824, K lizado para com os casos Registros na imprensa - O jornal Cearense, importante fonte de regismo norte delatam, tros e informações sobre impressionadoraa grande seca dos anos mente, a nossa im1877/1878, na edição de 26 de abril de 1877, com previdência, embora o título “Secca” publica o seja o único fato em depoimento de um ilustre nossa vida nacional, morador da cidade de Araao qual se pode aplicati, Dr. Miguel de Castro, que ao descrever a situcar o princípio da ação vivida naquele ano previsão” (Euclides faz menção a outra grande da Cunha, Cruzadas seca vivida anterior aquela: nos Sertões). Estamos a braços com uma secca, que será muito mais danosa e fatal que a de 1845, em que, aliás, muita gente sucumbiu a fome. de calamidades nacionais. Dom Pedro II, em Surge então a “Garantia condições políticas difedo Socorro Público”. A renciadas à de Dom João partir desse momento, VI, considerado por muinascem as condições ju- tos um imperador sensato, rídicas para o surgimento genuinamente brasileiro e da “Indústria da Seca”. bom gestor, vivenciou as Se a primeira grande duas outras secas do períseca vivenciada pela fa- odo Imperial. Na primeira mília real aconteceria oito de seu reinado, muitos poanos após a sua chegada ao Brasil, 1816, a última governo estava no início, acontecera 11 anos antes era frágil e com muitas Z% cisões, que para manter nascimento da República. o poder, tivera que enMas, como se observará, veredar pela prática da no intervalo entre estas distribuição de favores e duas, existiu outra grande continua>> seca. “As secas do extre- 13 Capa benesses para conquistar aliados. Mas, em precisos 29 anos após a seca de 1816, uma nova tragédia assolava o Sertão, pelo relato A grande corrupção não seria possível se não fosse expressão de uma cultura da corrupção miúda e cotidiana do Dr. Miguel de Aracati no Ceará: “muita gente sucumbiu à fome”. Os efeitos novamente foram devastadores: perda total de lavouras e de rebanhos, existência de um exército de retirantes e morte de milhares no campo. Em tais situações, a alternativa para quem é camponês, e por algum motivo continuara vivo, era fugir para as médias e grandes cidades no entorno em busca de melhores condições de vida. Para garantir a alimentação dos familiares, muitos eram levados à mendicância e/ou a cometer pequenos delitos, sobretudo furtos. Para os que permaneciam no campo, o cardápio alimentar era escasso e pouco convencional: cactos, raízes, répteis, pássaros, animais silvestres, entre ou- 14 tros. Da parte do Estado quase nada foi feito, a seca passou incólume. Porém, diferente da de 1816, esta não provocou grandes revoltas políticas dos poderosos na região. Alguns coronéis/fazendeiros/políticos, agora amparados pela Constituição, foram até agraciados com a nova política do “socorro”. Na prática, se no reinado de Dom Pedro I foram criadas as bases jurídicas para o surgimento da “Indústria da Seca”, é no reinado de Dom Pedro II que esta se inaugura e se fortalece. A aproximação com os coronéis da seca permitiu uma relação passiva entre a Coroa e os coronéis do Nordeste. Se por um lado não se enfrentava de forma concreta os problemas apresentados pela seca, por outro, a política de benesses do império permitia o repasse de recursos públicos que alimentavam a politica local. Esta por sua vez, alinhava-se cada vez mais ao governo central. (publicada na Adital) * É Sociólogo, coordenador do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2) da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA). A seca de 1877 quadro 1 A nos depois, agora em 1877, uma nova grande seca apresenta-se ao governo de Dom Pedro II, que, já mais experiente e fortalecido, embora enfrentasse a oposição dos abolicionistas, pouco fez de diferente em relação à seca anterior. Limita do os coronéis do Nordeste com sua política de socorro, agora materializada na construção de açudes em áreas particulares, contratação de trabalhadores a preços irrisórios para frentes de serviços nas fazendas dos coronéis e repasse de montantes de recursos para ser dividido entre as lideranças políticas, que por sua vez, voltava em apoio político à Família Real no parlamento. A política de uma mão lava a outra. Quanto à seca em si, o discurso era de ser preciso combatê-la. No campo concreto, não existiam ações que amenizassem os efeitos e as consequências sociais da seca, sobretudo para a grande população desprovida de quaisquer bens materiais. As poucas vozes que se levantavam contra Dom Pedro II e o parlamento (deputados e senadores), formadas em grande parte pelos abolicionistas, pouco repercutiam na mídia nacional. Destaque importante deve ser dado ao artigo de Major Capote, publicação da Gazeta de Notícias, em 13 de julho de 1877, com o título “A secca do Ceará e governo imperial”, artigo que o Jornal do Commércio negou-se a publicar, que relata a importância dada ao fato pelo Imperador e a passividade do 13/7/1877 Jornal do Commércio Morre o povo a fome no Norte, o Imperador diverte-se em Pariz! Não há um deputado, um senador que tenha a coragem de interpellar esse desgraçado governo, a bem de saber que seus suditos morrem a fome, quando elle banqueteia-se e diverte-se longe d’esse mesmo povo que com o suor lhe paga para bem manter suas prerrogativas e efensa! parlamento brasileiro. (veja quadro1) Enquanto o Imperador e o parlamento pouco se linchavam para a seca no Nordeste, o jornal Cearense registrava o alastramento de seus efeitos pelo Piauí, Ceará, Rio Grande Norte, Paraíba e outros. No centro das notícias: a escassez de alimentos, quadro 2 10/6/1877 Horrores da fome – Cearense No Ceará já morre gente de fome; “A desesperadora crise da secca vae cada vez mais em augmento, por todo este município, cuja população vive em sobressaltos, e já muitos se acham em preparativos de emigrar para essa capital...” ....................... “Já morreram quatro crianças victimas da fome; e o povo não tem mais de que se sustentar, porque se esgotaram as raízes de mucuná e pau mocó...” Capa perda dos rebanhos, mortalidade de crianças e adultos e a existência de um grande contingente de retirantes vagando pelos campos e cidades em busca de alimentos. No Ceará, a fome, a morte, o desespero e a migração reinavam.(veja quadro 2) Para as demais regiões do país, em especial Sul e Sudeste, pela fragilidade e domínio da imprensa, a seca era totalmente desconhecida, era como se nem existisse. Até que em abril de 1878, a Revista O Besouro, do editor e caricaturista Raphael Bordallo Pinheiro, publica o artigo de capa “A seca do Ceará”, onde descreve de forma sarcástica o “socorro” dado pela Companhia de Feno Nacional aos animais que morriam de fome, enquanto os retirantes permaneciam sem socorro (ALMEIDA, 2011). Em maio, o jornal enviara o jovem José do Patrocínio para uma cobertura da seca, que já no caminho, registrava suas impressões, que seriam enviadas e publicadas pela A Gazeta de Notícias: Criancinhas nuas e seminuas, com os rostos escaveirados, cabelos emaranhados sobre crânios enegrecidos pelo pó das longas jornadas, com as omoplatas e vértebras cobertas apenas por pele ressequida, ventres desmesurados, pés inchados, cujos dedos e calcanhares foram disformados por parasitas animais, vagam sozinhas ou em grupo, tossindo a sua anemia e invocando, com a voz fraquíssima, o nome de Deus em socorro da orfandade. Para além de romper o silêncio e dar visibilidade à seca de 1877/1878, de mostrar a inexistência da ação do Estado brasileiro, esta matéria do O Bezouro ainda viria estabelecer dois outros grandes marcos na história do Brasil. Uma, o início do fotojornalismo nacional, a outra, menos gloriosa, e com repercussões até os dias de hoje, a criação de um imaginário de Nordeste de fome, miséria, terra rachada e de pessoas precisando de socorro. Um lugar inviável. De morte e de dor. Para muitos estudiosos da história do Nordeste, com a seca de 1877/1878, a partir das imagens apresentadas e da grande repercussão que estas criaram, não apenas outros jornais enveredariam por este prisma, como até mesmos os passariam a se reportar à região a partir destas ima !" Nordeste surgiu a partir daí é correta, mas este não é o verdadeiro Nordeste. A indústria da seca - Se os problemas da região estavam associados à falta de água e à existência de um povo (sub-raça) incapaz de resolver seus próprios problemas, a saída não poderia ser outra, se não, a de mudar a sequidão da região através da construção de grandes açudes, da prática da irrigação e até da transposição do rio São Francisco, e socorrer o povo. Esta formulação caiu como luva nos interesses da já iniciada e agora, organizada, “INDÚSTRIA DA SECA”. O editorial do jornal Cearense, de 7 de junho de 1877 trata sobre o tema. (quadro 3) quadro 3 07/6/1877 Jornal Cearense TRABALHO E NÃO ESMOLA O que convém as províncias flagelladas pela secca é o socorro distribuido pelos seus habitantes, de modo que o solo seja o primeiro tirar proveito e adquirir armas para appolas às inclemências climatéricas. Neste caso, o trabalho será um meio e o melhoramento da província o fim dos socorros prestados pelo governo a particulares. ........................ E preciso que o sr. Dezembargador presidente se capacite de que o único meio de reter a população em seus respectivos sítios, é dotar a província de seus melhoramentos, é favorecer a abertura de açudes e depósitos d’água, principal agente fertilisador e conservador da lavoura. Parte da imprensa local destacava a “ajuda” da Família Real como esmola e cobrava iniciativas ancoradas localmente como saída para a relação de dependência. Muitos que aqui viviam eram “novos livres” ou ex-escravos fugidos das fazendas e/ou das secas; eram trabalhadores do corte da cana e do plantio do café; eram vaqueiros; eram mestiços e indígenas, que, em busca de melhores dias, vieram habitar a região. Os limites não se restringiam à seca, estavam, sobretudo, na concentração das terras e na precariedade no mundo do trabalho. Mesmo com todo o descuido da Família Real com o povo do Nordeste, o im- pério viu a região crescer ada. Com abolição da escravatura, que não se deu o trabalho de alterar a estrutura fundiária no país, a quase totalidade das famílias do campo permaneceu como “moradores” dos seus antigos senhores como nas condições de meeiros, arrendatários, capatazes, vaqueiros, etc. Outra parte, simplesmente vagava. Foi este povo que construiu as bases para uma ciência da Convivência com o Semiárido, o que abordaremos de forma mais detalhada nos próximos artigos, em especial no terceiro e quarto desta série. 15 Outra leitura Os muito ricos e o mito de que seriam “criadores de empregos” Paul Buchheit* Em 1889, no seu artigo O Evangelho da Riqueza [Gospel of Wealth], Andrew Carnegie ensinava que os norte-americanos deveriam considerar bem vinda a concentração da riqueza nas mãos de poucos, porque “a superior sabedoria, experiência e habilidade” 16 Os mais ricos – indivíduos e empresas – são muito bons em acumular fortunas. E são melhores ainda na arte de cultivar o mito de que seriam “criadores de empregos”. dos ricos garantiria benefícios para todos. Mais recentemente, Edward Conard, autor de Unintended Consequences: Why Everything You’ve Been Told About the Economy Is Wrong [Consequências indesejadas: por que tudo o que lhe contaram sobre a economia está errado], disse: “Como socieda- de, não estamos a oferecer aos nossos raros talentos ' K tamos pagando pouco aos que correm riscos”. (1) Será verdade? Será que, se dermos todo o dinheiro aos norte-americanos mais ricos, estará garantido que o empregarão sabiamente e que criarão empregos e estimularão os investimen- tos em pequenos negócios ! a sociedade? Isso parece ser o que pensam os 18 altos executivos de grandes empresas que escreveram, em carta ao Secretário do Tesouro Timothy Geithner, que qualquer aumento nos impostos sobre ganhos de capital reduzirá o investimento, “quando precisamos formar capitais nos EUA para criar empregos e expandir nossa economia.” Os 18 empresários e executivos que assinam a carta não listam qualquer prova a favor de suas ideias, porque não há o que prove esse tipo de delírio. Os factos são outros: Arriscar em empregos? Os muitos ricos não gostam de arriscar em empregos - ; sionais da alta gestão e da ! presentavam, em 2005, cerca de 60% do 1% de norte-americanos mais ricos. Os empresários empreendedores não chegavam a 3%. Estudo recente constatou que menos de 1% de todos os empresários empreendedores vinham de ambientes muito ricos ou muito pobres. A grande massa dos investimentos dos norte-americanos mais ricos toma o rumo do exterior – para fora dos EUA, onde os mais ricos aplicam 57% do Investimento de risco? próprio dinheiro e enchem - Os muito ricos não gostam suas fábricas com trabade investimentos de risco lhadores mal remunerados Analistas de mercado de e superexplorados. NúmeMarketwatch estimam que ros do Departamento de mais de 90% do património Comércio mostram que as acumulado pelos milionários empresas norte-americanas está aplicado numa combina- cortaram cerca de 2,9 mição de investimentos de bai- lhões de empregos nos xo risco (bondse dinheiro), EUA entre 2000 e 2009. Ao no mercado de ações e em mesmo tempo, criaram 2,4 propriedade imobiliária. Se- milhões de subempregos gundo o economista Richard fora dos EUA. Wolff, cerca de metade do O mais provável é que os patrimônio do 1% mais rico muito ricos absolutamente está aplicado em fundos não nunca pensem em criar emincorporados (contas comer- pregos, sejam quais forem, ciais pessoais). O Wall Street nos EUA. Pesquisas mosJournal anota que cerca de tram que 60% dos investimais de ¾ do patrimônio dos dores com patrimônio de que valem individualmente $25 milhões ou mais estão mais de $20 milhões está in- investindo no exterior até vestido em fundos hedge. 1/3 de tudo que têm. Nos A parte do investimento EUA, a riqueza extra que aplicada em negócios ini- teria sido criada pelos corciantes em 2011 não chegou tes de impostos da era Bush a 1% dos investimentos dos evaram aos “piores númericos nos EUA. ros do trabalho, de toda a A investigação de Men- história”. O grande criador *" \^ de empregos nos EUA, como diria Nick Hanauer, ricos gastam menos de 2% (2) é o consumidor de clasdo próprio dinheiro para se média. estimular negócios iniciantes. A última coisa que queNão gostam de invesrem, pelo que se pode ver, tir - As empresas norteé investir no arriscadíssimo -americanas muito ricas negócio de contratar gente não gostam de investir nos para inovar. EUA. Como as empresas As empresas norte-americanas muito ricas não gostam de investir nos Estados Unidos gastam o próprio dinheiro? Em larga medida, não gastam. Segundo a agência Moody’s, o caixa de empre ! -americanas subiu 3% entre 1980 e 2011 e chega hoje a $1,24 trilhões. A razão património/dinheiro das empresas quase triplicou entre 1980 e 2010. Estima-se que o dinheiro paralisado como reserva de caixa nas empresas norte-americanas bastaria para manter empregados 3,5 milhões de pessoas a mais, durante cinco anos, com salário anual de $40 mil dólares. As empresas que mais preservam suas reservas de caixa, entre as quais Apple, Google, Intel, Coca Cola e Chevron, gastam o seu dinheiro na recompra de ações (o que faz subir o preço das ações preferenciais), em dividendos para investidores e na compra de empresas subsidiárias. Segundo Bloomberg, a recompra de ações alcança hoje um dos mais altos picos dos últimos 25 anos. A empresa Apple alega ter criado 500 mil empregos para a economia dos EUA, mas aí estão contados entusiastas da construção de aplicativos e os motoristas da Fedex que entregam iPhones a domicílio. A Apple emprega hoje nos EUA 47 mil pessoas: é 1/10 da força de trabalho da General Motors nos anos 1990s. Os riquíssimos investem, isso sim, no exterior. Também investem mais em “drenar cérebros” para o exterior – empresários, cientistas, médicos – do que em apoiar a melhoria da educação nos EUA. Há um campo no qual as grandes empresas gostam de gastar dinheiro: em bônus aos altos executivos. Bancos, sobretudo, cujos gastos extras são muitas vezes cobertos por empréstimos de juro zero que lhes garante o FED – Federal Reserve. Os mais ricos – indivíduos e empresas – são muito bons em acumular fortunas. E são melhores ainda na arte de cultivar o mito de que seriam “criadores de empregos”. * da Common Dreams via Esquerda.net REFERÊNCIAS [1] New York Times, 1/5/2012, “The Purpose of Spectacular Wealth, According to a Spectacularly Wealthy Guy” [O objetivo da riqueza espetacular, segundo alguém espetacularmente rico], assinado por Adam Davidson, onde se lê: “(…) recentemente, encontrei Edward Conard na 5ª. Avenida, entre a Av. Madison e a Rua 57, bem em frente de seu escritório [na empresa] Bain Capital, o Fundo de Investimento em Participações que ele ajudou a converter em negócio multibilionário, à custa de comprar empresas em frangalhos, consertá-las e revendê-las com gordos lucros. Conard, que se aposentou há três anos, quando completou 51 anos, não é membro só do 1%: é membro também do 0,1%. Sua fortuna está na casa das centenas de milhões: vive em uma casa no Upper East Side, perto da 5ª. Avenida; e é um dos principais doadores de campanha de seu antigo patrão, depois sócio, e amigo, Mitt Romney”. 17 Este é o espaço dedicado à produção do COLETIVO SABER E POESIA DO SINTESE, um grupo de professores da rede pública que une a força da militância à sabedoria poética. Legisladores Submissos Antônio Dantas Santos Professor da Rede Municipal de Itabaiana-SE O Legislativo nasceu Para ser o principal poder, Isso lá no iluminismo Hoje o que é que a gente vê? Uma porção de lagartixas, Submissos de dar nojo, Que em sua imensa maioria, Votam pra prejudicar o povo. Seria a participação, Popular e coletiva, Para combater os abusos Da prática absolutista. Não se impõe enquanto poder, São simples reprodutores! Dos descasos do executivo, São eternos apoiadores! Neste jogo de cartas marcadas, De acordos e conchavos, Ter a maioria na Câmara implica dizer Que tudo está dominado. Estou mentindo vereadores? Diga lá, ô deputados? Queiram parar de ser omissos, Respeite o povo, e seus mandatos. Na Câmara de Vereadores Do meu amável município, Assim como na Assembleia Legislativa, Tudo segue o mesmo escrito. Tem que rezar na Cartilha, Não mijar fora do caco. Se dizem bancada situacionista, Submissos, desgraçados! Parasitas do palácio, Vermes e dissimulados, Rifam a mãe se for o caso, Para garantir um novo mandato. Caras cínicas, fascistas, Que dizem uma coisa e fazem o contrário. 18 Gostaria de lembrá-los, Nem todo mundo é otário. Tanta luta para construir Nosso Plano de Carreira, Anos de esforço e estudo Foram jogados na lixeira. Valorizar Educação Nunca foi prioridade... Isso só lá no Palanque, Conservadorismo covarde. “É melhor pagar bem a um professor Do que a um general...” Disse um libertador mexicano, Mas no Brasil, isso faz mal! A ideia é manter o povo na ignorância Para nem saber cobrar direitos. Sinistra prática nefasta, Golpe baixo, mas perfeito. “Professor representa perigo, É formador de opinião! Se dermos um bom salário, Fará a transformação” Assim falava um velho político, Num desses papos de quiosque. Quando soube que eu era professor Olhou pra mim e disse: “Coitado, pobre!” São acordos feitos em gabinetes, Alegando a tal governabilidade. O que se vê na essência É uma tremenda falta de caráter. Na galeria da Assembleia, E das Câmaras Municipais: Silêncio, Tensão, Revolta e Choro, Em cenas e cores tristes e banais. Mas, igualmente a semente { " A Luta não para aqui. Haveremos de vencer! Voto Mariana Celestina Félix Bezerra Professora da Rede Municipal de Aquidabã-SE Meu povo, vamos votar, Não por uma obrigação Lembrando que através dele Mudamos uma nação! Pense bem para escolher Nosso voto não é mercadoria Não se troca, nem se vende É uma forma de exercer A nossa democracia! O candidato se achando esperto Faz de tudo pra se eleger Beija o pobre, abraça o rico Para o pleito poder vencer. Passa dias sem dormir Em plena dedicação, Atende a todos com gentileza Não faz acepção, Em seu discurso garante: Saúde, lazer e educação Após eleito é outra história, Diz: “Eu não conheço você!” Esquecem suas promessas, Desrespeitam a legislação, Compram bois, compram fazendas, Com o dinheiro da nação! E o povo nesse dilema, Sem escolas, sem estradas, Sem lazer, sem nada! Começa a esmorecer Por uma escolha errada, Quatro anos vão padecer. XIV Forró do SINTESÃO: a festa de quem faz a luta Ascom/SINTESE Imagens da Luta 19 20