e-book simposio - Mestrado em Desenvolvimento Territorial

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e-book simposio - Mestrado em Desenvolvimento Territorial
Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvimento Territorial Sustentável:
Políticas, Ecologias e Saberes
Artigos, Resumos e Projetos
Anais do I Simpósio Brasileiro de Desenvolvimento Territorial Sustentável
ORGANIZADORES
Juliana Quadros
Péricles Augusto dos Santos
VOLUME I
NÚMERO I
Organização
Juliana Quadros
Péricles Augusto dos Santos
Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvimento Territorial Sustentável:
Políticas, Ecologias e Saberes
Artigos, Resumos e Projetos
Anais do I Simpósio Brasileiro de Desenvolvimento Territorial Sustentável
1ª Edição
Universidade Federal do Paraná, Matinhos, 2015
ISBN 978-85-63839-25-1
Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvimento Territorial Sustentável:
Políticas, Ecologias e Saberes
VOLUME I, NÚMERO I, 2015
ANAIS DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUSTENTÁVEL
29 A 30 DE OUTUBRO DE 2015
MATINHOS | PR
DIÁLOGOS INTERDISCIPLINARES EM DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: POLÍTICAS, ECOLOGIAS E SABERES.
ANAIS DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUSTENTÁVEL (I SBDTS)
29 a 30 de Outubro de 2015
Matinhos | PR
Realização:
PROJETO GRÁFICO
Apoio:
Capa: Péricles Augusto dos Santos
Projeto Gráfico e Diagramação - Péricles Augusto dos Santos
Revisão do Apêndice de Resumos: Loide Sulamita Mendes do Nascimento.
Copyright© dos editores
ISBN 978-85-63839-25-1
Caro Leitor,
A Comissão Organizadora, com muita alegria, apresenta o Ebook “Diálogos Interdisciplinares em Desenvolvimento Territorial Sustentável: Políticas, Ecologias e Saberes” com os Anais do I Simpósio Brasileiro de Desenvolvimento Territorial Sustentável.
A proposta do evento nasceu em 2014, no seio do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial
Sustentável (PPGDTS), sediado no Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR Litoral), município
de Matinhos, litoral do Estado do Paraná. Nossa região está entre os maiores remanescentes de Mata Atlântica
do Brasil, cercada por ilhas, baías, manguezais, praias e florestas. Aqui vivem muitas comunidades tradicionais,
o que torna a materialização deste simpósio nesse cenário específico, uma empreitada de simbologia muito
grande.
Ao longo de doze meses, um coletivo de voluntários (docentes, mestrandos/as técnicos/as administrativos e
estudantes de graduação) trabalhou árdua e afetuosamente para estruturar este evento. Buscando sempre contemplar uma programação científica que promovesse reflexões e intercâmbio de experiências, ajudando a pensar
a questão do desenvolvimento territorial sustentável e suas diferentes conexões interdisciplinares. Acreditamos
que o sucesso do evento seja fruto principalmente da adesão de cada um/uma de vocês participantes, que
acreditaram em nossa proposta e atenderam ao nosso chamado, vindo de diversas regiões do país e também
de outros países.
Ficamos muito honrados com o recebimento de mais de 200 trabalhos científicos na primeira edição de um simpósio, que já nasce grande, e esperamos que frutifique e se amplie em suas próximas edições.
Portanto, agradecemos a participação de todos/as congressistas, palestrantes, mediadores/as, assim como o
empenho e dedicação de todas as pessoas e instituições que contribuíram para tornar o sonho deste evento algo
real e concreto.
Este Ebook está organizado em três sessões. A primeira traz como capítulos os artigos completos apresentados
nos 13 Grupos de Trabalho do evento. A segunda sessão traz como suplemento do Ebook os resumos apresentados durante a sessão de paíneis do evento. Por fim a terceira sessão traz os projetos de pesquisa apresentados no “Consórcio de Projeto de Pesquisas”.
Esperamos desta forma que as reflexões produzidas por cada autor possa ser divulgada de forma ampla e democrática, sempre com o objetivo de promover o diálogo dos saberes para construção do conhecimento sobre o
Desenvolvimento Territorial Sustentável.
I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Dilma Vana Rousseff
MINISTRO DA EDUCAÇÃO
Renato Janine Ribeiro
UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANÁ
REITOR
Prof. Dr. Zaki Akel Sobrinho
VICE-REITOR
Prof. Dr. Rogério Andrade Mulinari
PRÓ-REITOR DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
Prof. Dr. Edilson Sergio Silveira
SETOR LITORAL
DIRETOR DO SETOR LITORAL
Prof. Dr. Valdo José Cavallet
VICE DIRETOR
Prof. Dr. Renato Bochicchio
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL - UFPR
COORDENADORA
Profª. Drª. Liliani Marília Tiepolo
VICE- COORDENADOR
Prof. Dr. Rodrigo Rossi Horochovski
PRESIDENTE DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
Prof. Dr. Marcos Claudio Signorelli
COORDENADORA DA COMISSÃO COMISSÃO CIENTÍFICA DO I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
Profª. Drª. Juliana Quadros
I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
COMISSÃO CIENTÍFICA
Antômio Carlos Diegues
Clóvis Reis
Dimas Floriani
Fernando Henrique de Sousa Paz
Joseli Maria Silva
Juliana Quadros
Leandro Angelo Pereira
Lilian Blanck de Oliveira
Marcos Aurelio Saquet
Marcos Cláudio Signorelli
Marta de Azevedo Irving
Paul Elliot Little
Péricles Augusto dos Santos
Rafael Metri
Sandra Mara Maciel Lima
Ulysses Paulino de Albuquerque
Valdir Frigo Denardin
AVALIADORES
Adriana Lucinda de Oliveira
Ana Christina Duarte Pires
Ana Maria Franco
Charlotte F. R. N. de Couto Melo
Cinthia Sena Abrahão
Clóvis Wanzinack
Christiane Rocha
Daniele Resende Archanjo
Emerson Joucoski
Fernando Henrique de Sousa Paz
Helena Midori Kashiwagi
Ivan Jairo Junckes
Juliana Quadros
Junior Ruiz Garcia
Liliani Marilia Tiepolo
Luciana Ferreira
Luciana Vieira Castilho Weinert
Luciano Huergo
Luiz Augusto Mestre
Luiz Everson da Silva
Luiz F. Guimarães Schwartzman
Manoel Flores Lesama
Marcelo Chemin
Marcelo Varella
Marcia Regina Ferreira
Marcos Claudio Signorelli
Marcos de Vasconcellos Gernet
Marisete T. Hoffmann Horochovski
Maira Taiza Sulzbach
Nadia Terezinha Covolan
Paulo Henrique Carneiro Marques
Péricles Augusto dos Santos
Ricardo Monteiro
Rodrigo Arantes Reis
Rodrigo Rossi Horochovski
Valdir Frigo Denardin
Wanderlei do Amaral
I Simpósio Brasileiro de Desenvolvimento Territorial Sustentável
Universidade Federal do Paraná - Setorr Litoral | de 29 a 30 de Outubro de 2015
COMISSÃO ORGANIZADORA
Alex Freitag
Alexandre Hofart Arins
Alides Baptista Chimin Júnior
Amanda Sell Tavares
Ana Clara Giraldi Costa
Andreia Cristina da Silva
Andreia Machado
Andressa Luz Borges
Areta da Costa Mendes
Beatriz Leite Ferreira Cabral
Claudemir D. Miranda Junior
Cleonice Schull da Cruz
Daniela Resende Archanjo
Daniele Schneider
Diogo Camargo Pires
Edipo Vinicius dos Santos Tagliatella
Elaine Paduch
Elisama Dias
Ellen Santo
Erica Vicente Onofre
Fernanda de Souza Sezerino
Fernando Henrique de Sousa Paz
Flávia Gabrielle Koprovski
Isadora Mendes Costa
Ivan Jairo Junckes
Janelize Felisbino Nascimento
Jhonatan Carlos dos Santos
João Rafael Deron
José Carlos Muniz
Juliana Quadros
I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
Ketlyn Rodrigues
Larissa Amâncio
Lorena Costa de Queiroz
Luana dos Santos Bueno
Luciana Castilho Weinert
Luiz Eduardo Geara
Manuela França Abalem
Marcela Godoy dos Santos
Marcelo Chemin
Marcos Claudio Signorelli
Maria Karonlinne L. de Medeiros
Mariane Gonçalves de lima
Micaela Góis Boechat Boaventura
Mirna Carriel Cleto
Nadia Ansilago
Natali Calderari
Patricia Aparecida Model
Paula Moreira da Silva
Pedro Sarkis Simões de Oliveira
Péricles Augusto dos Santos
Rafael Punhatoski
Rodrigo Arantes Reis
Samaroni Pinheiro
Samyra Tazaki Dote
Stephany Mayara Barros
Thiago Lopes Leandro
Tieme Carvalho Nishiyama
Wanderlei do Amaral
SUMÁRIO
GRUPO DE TRABALHO I - FEDERALISMO GOVERNANÇA E IMPLANTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DUAS COLÔNIAS RURAIS DE PARANAGUÁ
-PR: A EXPERIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO......................................................................................................................017
BUROCRATAS A NÍVEL DE RUA E SUAS AÇÕES.......................................................................................................022
COMO AS POLÍTICAS PÚBLICAS FORAM IMPLEMENTADAS NO TERRITÓRIO VALE DO RIBEIRA PAULISTA?......................................................................................................................................................................................026
DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO DE CASO NO VALE DO RIBEIRA, PR,
BRASIL..............................................................................................................................................................................032
PARLAMENTARES EM AÇÃO: UM ESTUDO DAS PROPOSITURAS DE QUATRO DEPUTADOS FEDERAIS EVANGÉLICOS DO ESTADO DO PARANÁ NA 54ª LEGISLATURA....................................................................................037
POLÍTICAS PÚBLICAS, POLÍTICAS SOCIAIS E O MODELO FEDERATIVO BRASILEIRO..................................042
GRUPO DE TRABALHO II - EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E CIDADANIA
A COMUNIDADE ESCOLAR COMO TERRITÓRIO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES DA ESCOLA MUNICIPAL HEINZ WITTITZ EM GUARATUBA – PR....................................................................................048
A EDUCOMUNICAÇÃO SOCIOAMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL.........................................................................................................................051
A FAMÍLIA E A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES PARAA PROMOÇÃO E AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA ATRAVÉS DE PROJETOS.................................................................................056
CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL.....................................................................................................................................................................................063
MAPEAMENTO DE MÍDIAS CIDADÃS COMO FERRAMENTA AO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL.....067
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MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE: DIFUNDINDO O DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL..............................................................................................................................................................073
ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL PARA O MUNICÍPIO DE INÁCIO MARTINS - PR.........................................................................................................................................................................132
VIOLÊNCIA NO AMBIENTE ESCOLAR: QUESTÕES DE PODER ENTRE ESTUDANTES DO LITORAL DO PARANÁ...............................................................................................................................................................................078
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: LIMITES SOCIAIS DO CRESCIMENTO.....................138
ECODESENVOLVIMENTO COMO RESPOSTA A UMA CRISE MULTIDIMENSIONAL.......................................143
GRUPO DE TRABALHO III - GÊNERO E DIVERSIDADE
A INSERÇÃO DA PERSPECTIVA DE GÊNERO EM POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO: UMA QUESTÃO
DE PODER.......................................................................................................................................................................084
A LIBERDADE FEMININA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM OLHAR A PARTIR DE AMARTYA SEN.
..........................................................................................................................................................................................089
SISTEMAS AGROALIMENTARES LOCALIZADOS, NOVAS RURALIDADES E A INDICAÇÃO GEOGRÁFICA
COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO.............................................................................148
TIPICAMENTE CAIÇARA: A CATAIA ENQUANTO PRODUTO DA COMUNIDADE DE BARRA DO ARARAPIRA/GUARAQUEÇABA-PR........................................................................................................................................153
GRUPO DE TRABALHO V - RURALIDADES, TRABALHO E SUSTENTABILIDADE
DA EPIDEMIA DE CESARIANAS AO RESGATE DO PARTO NATURAL................................................................092
EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO E DIVERSIDADE E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CENÁRIO ESCOLAR........................................................................................................................................097
MULHERES TRABALHADORAS NA AREA DE SEGURANÇA PÚBLICA DO LITORAL DO PARANÁ: INERSECÇÕES ENTRE GÊNERO, TRABALHO, VIOLÊNCIA(S) E SAÚDE...........................................................................102
POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PARA OS HOMENS DE MATINHOS – PR: OBSTÁCULOS NA ATENÇÃO
PRIMÁRIA À SAÚDE.....................................................................................................................................................107
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES EM NOVA ANDRADINA - MS......................................................112
REDES SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA INTERSETORIAL NO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ/PR.....................................................................................................117
GRUPO DE TRABALHO IV - DESENVOLVIMENTO, SABERES LOCAIS E TEMPORALIDADES
“NA BAÍA MUDOU TAMBÉM, PORQUE TUDO MUDA”: PERCEPÇÃO DE MORADORES SOBRE TEMPORALIDADES, BAÍA DE GUARATUBA, PR.......................................................................................................................123
RELAÇÕES, PRÁTICAS E ESTRUTURAS DE RECIPROCIDADE NA PESCA DA TAINHA NA ILHA DO MEL....127
A EROSÃO EM ESTRADAS NÃO PAVIMENTADAS NA BACIA DO RIO DO ATALHO EM CRUZ MACHADO
– PR..................................................................................................................................................................................160
ENTRE A PRESENÇA E AUSENCIA: ANALISE DAS PECULIRIDADES DO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO
DO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR............................................................................................................................165
MERCADO INSTITUCIONAL NO TERRITÓRIO DO MARAJÓ: O CASO DO PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE
ALIMENTOS...................................................................................................................................................................171
O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS SOB A ÓPTICA DA TEORIA DA JUSTIÇA COMO EQUIDADE.....................................................................................................................................................................................175
PERFIL DO CONSUMIDOR DE PESCADOS E/OU FRUTOS DO MAR NO LITORAL DO PARANÁ...................181
PRODUÇÃO DE BANANA NO LITORAL DO PARANÁ - REFLEXÕES SOBRE O DESENVOLVIMENTO RURAL
NA REGIÃO OU IMPLICAÇÕES PARA O DESENVOLVIMENTO DA REGIÃO.....................................................188
GRUPO DE TRABALHO VI - AGROECOLOGIA E PRODUÇÃO ORGÂNICA
A AGROECOLOGIA E DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: OS SABERES LOCAIS COMO
PROMOTORES DE DESENVOLVIMENTO E DE NOVAS RELAÇÕES DE GÊNERO............................................193
A IMPORTÂNCIA DAS INOVAÇÕES SOCIOTÉCNICAS PARA O FORTALECIMENTO DA AGRICULTURA FA-
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MILIAR DE BASE ECOLÓGICA – O CASO DA REDE ECOVIDA..........................................................................198
VALE DO ITAJAÍ, RIO DO SUL (SC)..........................................................................................................................262
RESSIGNIFICAÇÃO DOS PAPÉIS SOCIAIS DE MULHERES NA AGRICULTURA FAMILIAR E CAMPONESA
DE BASE AGROECOLÓGICA.....................................................................................................................................202
MONITORAMENTO DE AMÔNIA NA ATMOSFERA EM PARANAGUÁ-PR.........................................................266
OS PROTOCOLOS COMUNITÁRIOS COMO INSTRUMENTOS DA AGROECOLOGIA PARA A PROTEÇÃO DOS
SABERES TRADICIONAIS DOS AGRICULTORES FAMILIARES..........................................................................206
POLÍTICAS PÚBLICAS E SAÚDE DA CRIANÇA: A INSERÇÃO DO FISIOTERAPEUTA NA PUERICULTURA
EM PONTAL DO PARANÁ/PR.....................................................................................................................................269
POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA, SAÚDE E CIDADES PORTUÁRIAS - PERSPECTIVAS PARA PARANAGUÁ.....274
PERSPECTIVAS DE SUSTENTABILIDADE TERRITORIAL NO CENÁRIO DA PAISAGEM CULTURAL CAFEEIRA: O PAPEL DAS ORGANIZAÇÕES CAFEEIRAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA NO DEPARTAMENTO DE
RISARALDA/COLÔMBIA............................................................................................................................................211
PAISAGISMO AGROECOLÓGICO..............................................................................................................................216
SAÚDE AMBIENTAL NO MUNICÍPIO DE MATINHOS/PR: DISCUSSÃO A PARTIR DA QUALIDADE AMBIENTAL DAS BACIAS HIDROGRÁFICAS........................................................................................................................280
ORGANIZAÇÃO DOS CENTROS DE REFERÊNCIA EM SAÚDE DO TRABALHADOR (CEREST) E SÉRIE HISTÓRICA DAS NOTIFICAÇÕES DOS AGRAVOS DE SAÚDE DO TRABALHADOR NO PARANÁ (2010-2014)....285
CASOS DE SUCESSO DE PRODUTORES CERTIFICADOS PELO PROGRAMA PARANAENSE DE CERTIFICAÇÃO DE PRODUTOS ORGÂNICOS, NÚCLEO GUARAPUAVA..............................................................................219
GRUPO DE TRABALHO IX - ÁREAS PROTEGIDAS, RISCO E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
A REDE ECOVIDA DE AGROECOLOGIA: NÚCLEO SUDOESTE DO PARANÁ (BRASIL)................................223
GESTÃO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO E (PSEUDO) PARTICIPAÇÃO SOCIAL......................................291
GRUPO DE TRABALHO VII - TURISMO E MEIO AMBIENTE
CONSERVAÇÃO DA NATUREZA E CONFLITOS AMBIENTAIS: UMA ANÁLISE DAS ÁREAS NATURAIS PROTEGIDAS DO LITORAL DO PARANÁ........................................................................................................................296
CICLOTURISMO E AGROECOLOGIA. VETORES PARA A SUSTENTABILIDADE TERRITORIAL..................232
ESTRADA DA GRACIOSA...........................................................................................................................................237
O TURISMO DE BASE COMUNITÁRIA E SAZONALIDADE NO LITORAL DO PARANÁ................................241
DISPUTAS E LÓGICAS DE USO DO PARQUE NACIONAL MARINHO DAS ILHAS DOS CURRAIS, ESTADO
DO PARANÁ..................................................................................................................................................................301
VULNERABILIDADE SOCIOAMBIENTAL NO ENTORNO DE UNIDADES DE CONSERVAÇÃO: O CASO DO
MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ....................................................................................................................................306
TURISMO COMO UM POSSÍVEL FATOR DE ECODESENVOLVIMENTO............................................................246
TURISMO EM PARQUES DO LITORAL DO PARANÁ: CORRELAÇÃO ENTRE ATIVIDADES TURÍSTICAS POTENCIAIS/COMPATÍVEIS E REALIZADAS..............................................................................................................250
TURISMO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: PERCEPÇÕES SOBRE O LITORAL
DO PARANÁ..................................................................................................................................................................255
GRUPO DE TRABALHO VIII - SAÚDE E AMBIENTE
AVALIAÇÃO DE CONFORTO TÉRMICO EM AMBIENTES COM COBERTURA VERDE NA REGIÃO DO ALTO
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AS RELAÇÕES ENTRE DESASTRE E TERRITÓRIO COMO EXPRESSÃO DOS CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS: AS DIMENSÕES TERRITORIAIS DOS DESASTRES NO VALE DO ITAJAÍ/SC.........................................311
MUDANÇAS NO CLIMA E NA NATUREZA: A PERCEPÇÃO DOS PESCADORES DA VILA SÃO PEDRO EM
NAVEGANTES/SC.........................................................................................................................................................316
SAPOS EM ÁGUA FERVENTE?: PERCEPÇÕES DOS MORADORES DO BAIRRO SÃO PEDRO, NAVEGANTES
(SC) SOBRE AS TRANSFORMAÇÕES AMBIENTAIS ADVINDAS DA DENSIFICAÇÃO URBANA E DO FENÔMENO DAS MUDANÇAS CLIMÁTICAS...................................................................................................................322
UMA ANÁLISE DAS OCORRÊNCIAS E DOS AFETADOS POR DESASTRES NO LITORAL DO PARANÁ COM
BASE NO SISTEMA INTEGRADO DE DEFESA CIVIL............................................................................................326
PERCEPÇÃO AMBIENTAL DE PRODUTORES RURAIS DO MUNICÍPIO DE DIONÍSIO (MG) SOBRE FUNÇÕES
E SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS..................................................................................................................................388
GRUPO DE TRABALHO X - CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E JUSTTIÇA AMBIENTAL
TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ÓLEO ESSENCIAL DE Baccharis milleflora (Leess.) A.P. De (Asteraceae)
NOS CAMPOS GERAIS DA FLORESTA ATLÂNTICA DO ESTADO DO PARANÁ................................................392
A PROPOSTA DA GESTÃO TERRITORIAL DE TERRAS INDÍGENAS COMO MEIO DE SE ALCANÇAR A SUSTENTABILIDADE.........................................................................................................................................................332
A RESSIGNIFICAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL COMO ENFRENTAMENTO A UM CONFLITO TERRITORIAL NO LITORAL DO PARANÁ...............................................................................................................................337
AVALIAÇÃO DAS REDES SOCIOAMBIENTAIS DE MEDIAÇÃO DA POLÍTICA DO TERRITÓRIO DA CIDADANIA DO BAIXO TOCANTINS-PA...........................................................................................................................341
TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DOS COMPOSTOS VOLÁTEIS DE FOLHAS DE Varronia curassavica Vell. (Boraginaceae) SUBMETIDAS A DIFERENTES MÉTODOS DE SECAGEM..................................................................398
UTILIZAÇÃO DE RECURSOS HÍDRICOS NA IRRIGAÇÃO.....................................................................................402
VALORAÇÃO DOS RECURSOS NATURAIS EM PONTAL DO PARANÁ...............................................................406
EFEITOS SOCIOAMBIENTAIS DA BARRAGEM NORTE NO MUNICÍPIO DE JOSÉ BOITEUX – SC...............346
GRUPO DE TRABALHO XII - ZONA COSTEIRA, CRESCIMENTO URBANO E ORDENAMENTO TERRITORIAL
IMPLICAÇÕES DE POLÍTICAS PARA A PESCA ARTESANAL COSTEIRA NA TRAJETÓRIA DE DESENVOLVIMENTO DA BAÍA DA ILHA GRANDE (RIO DE JANEIRO).................................................................................351
VELHAS REVOLTAS, NOVAS MÁQUINAS: ORDENAMENTO TERRITORIAL E DIREITO À CIDADE NO TERRITÓRIO DO BAIRRO JARDIM JACARANDÁ II – PARANAGUÁ – PR.................................................................413
OS MOVIMENTOS SOCIAIS E A JUSTIÇA AMBIENTAL: O CASO DO MOVIMENTO INTERESTADUAL DAS
QUEBRADEIRAS DE COCO BABAÇU......................................................................................................................357
CONSEQUÊNCIAS DA OCUPAÇÃO EM ÁREAS LITORÂNEAS: ESTUDO DE CASO DO MUNICÍPIO DE NAVEGANTES – SANTA CATARINA................................................................................................................................418
PESCADORES TRADICIONAIS DA VILA DA BARRA DO SUPERAGUI: DESAFIOS E CONFLITOS...............362
CONSIDERAÇÕES SOBRE CRESCIMENTO CAPITALISTA E MEIO AMBIENTE: UMA CONTRADIÇÃO ANUNCIADA..............................................................................................................................................................................424
GRUPO DE TRABALHO XI - RECURSOS NATURAIS, BIOTECNOLOGIA E SERVIÇOS ECOSSISTÊMICOS
LEGISLAÇÃO AMBIENTAL E URBANÍSTICA BRASILEIRA: O CASO IL CAMPANÁRIO VILLAGGIO RESORT
EM JURERÊ INTERNACIONAL - FLORIANÓPOLIS/SC...........................................................................................429
ADOÇÃO DE INOVAÇÃO EM PARQUES TECNOLÓGICOS: COMPUTAÇÃO EM NUVEM E A REDUÇÃO DOS
IMPACTOS AMBIENTAIS............................................................................................................................................369
NEM SÓ DE AÇORIANOS SE DEU A COLONIZAÇÃO DO LITORAL DE SANTA CATARINA...........................433
CAPTAÇÃO DE ÁGUA DA CHUVA VIABILIDADE ECONOMICA EM ESTABELECIMENTO COMERCIAL –
ILHA DO MEL ESTUDO DE CASO.............................................................................................................................374
O ESPAÇO EM MOVIMENTO: ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DA ILHA DOS VALADARES NO LITORAL DO
PARANÁ - PR..................................................................................................................................................................439
EMPREGO DE DESREGULADORES ENDÓCRINOS NA CRIAÇÃO E REPRODUÇÃO DE ANIMAIS PARA CONSUMO HUMANO E SUAS CONSEQUÊNCIAS..........................................................................................................379
GRUPO DE TRABALHO XIII - ARTE E CULTURA
GESTÃO DE RECURSOS HÍDRICOS TRANSFRONTEIRIÇOS: O CASO DO RIO ACRE E O IMPACTO SOBRE
A FRONTEIRA BRASIL - BOLÍVIA.............................................................................................................................384
I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
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EMPODERAMENTO E CAPACITAÇÃO PARA AS MULHERES DO “ARTESANATO ESTAÇÃO” NA CIDADE DE
ANTONINA – PARANÁ – BRASIL................................................................................................................................446
OIKOS DA AMAZÔNIA: O ESTUDO FOTOETNOGRÁFICO COMO FORMA DE ENTENDER AS RELAÇÕES
CULTURAIS MATERIALIZADAS NO ESPAÇO..........................................................................................................449
ANÁLISE COMPARATIVA DE INDICADORES SOCIOECONÔMICOS DE CIDADES BALNEÁRIAS COM ELEVADO POTENCIAL PORTUÁRIO: O CASO DE ITAPOÁ-SC E PONTAL DO PARANÁ-PR...................................463
APÊNDICE DE SUPLEMENTOS - RESUMOS
O TURISMO RURAL COMO CONTRIBUIÇÃO PARA A VALORIZAÇÃO DO PATRIMÔNIO RURAL NO MUNICÍPIO DE PALMEIRA/PR...............................................................................................................................................464
CARACTERIZAÇÃO QUIMICOAMBIENTAL DOS SOLOS DO ENTORNO DO PORTO DE PARANAGUÁ, PR...457
POLÍTICAS PÚBLICAS E DESENVOLVIMENTO RURAL: ANÁLISE DO PRONAF NO LITORAL DO PARANÁ.464
PAISAGEM SUSTENTADA: ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS PARA PLANEJAMENTO E CONSTRUÇÃO
SUSTENTÁVEL NO BRASIL........................................................................................................................................457
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A ÉTICA: O MEIO AMBIENTE EM CRISE.................................................................465
PAISAGEM SUSTENTADA: PRINCÍPIOS DE PLANEJAMENTO E CONSTRUÇÃO SUSTENTÁVEL NO BRASIL....................................................................................................................................................................................458
“CATRAIAS” DO RIO OIAPOQUE E DINÂMICA TERRITORIAL TRANSFRONTEIRIÇA FRANCO-BRASILEIRA.....................................................................................................................................................................................465
VILA CEPILHO: UMA EXPERIÊNCIA DE TERRITORIALIZAÇÃO NA GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM....458
(IN)VISIBILIDADE DE PRÁTICAS AMBIENTAIS NA PRODUÇÃO DA Maranta arundinacea L. ARARUTA NO
MUNICÍPIO DE SÃO FELIPE – BA...............................................................................................................................466
TAQUARUÇU: DESAFIOS PARA A ARQUITETURA VERNACULAR EM SUA PAISAGEM................................459
POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL E TERRITORIAL: DINÂMICAS TERRITORIAIS COMPLEMENTARES OU PARALELAS? ESTUDO DE CASO NO ESTADO DO PARANÁ...................................................459
PERSPECTIVAS DE POTENCIAL GEOTURÍSTICO DO ASTROBLEMA DE CABEÇA DE SAPO-MA................460
AS TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO(TIC) NOS CURSOS SUPERIORES DE ADMINISTRAÇÃO OFERTADOS NA MODALIDADE PRESENCIAL E A DISTÂNCIA NA CIDADE DE SANTA MARIA/
RS.....................................................................................................................................................................................460
A FEIRA LIVRE COMO CANAL DE COMERCIALIZAÇÃO E “LÓCUS” DE RELAÇÕES IDENTITÁRIAS: O CASO
DA MATINFEIRA – PR....................................................................................................................................................466
ASSEMBLEIA DE AVES EM POLEIROS ARTIFICIAIS UTILIZADOS NA RESTAURAÇÃO ECOLÓGICA DE HÁBITATS ALTERADOS NO CERRADO E MATA ATLÂNTICA NO BRASIL...............................................................467
O ENSINO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL APLICADO A MATA DE CAZUZINHA, UM RESQUÍCIO DE MATA
ATLÂNTICA DO MUNICÍPIO DE CRUZ DAS ALMAS - BA......................................................................................467
MANEJO AGROECOLÓGICO DO SOLO.....................................................................................................................461
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
E REDES DE ATENDIMENTO A SAÚDE DE PARANAGUÁ/PR...............................................................................468
INDICADORES PARTICIPATIVOS LOCAIS DE SAÚDE EM COMUNIDADES DO ENTORNO DA MICROBACIA
DO RIO SAGRADO NA FLORESTA ATLÂNTICA DO BRASIL: UM OLHAR PARA A SUSTENTABILIDADE...461
A REATIVAÇÃO DA BASE OPERACIONAL DA TECHINT EM PONTAL DO PARANÁ: ANÁLISE DO PROCESSO
DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL............................................................................................................................468
OS IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS DOS REJEITOS ORGÂNICOS SÓLIDOS DO MERCADO DE PESCADOS
MANOEL MACHADO - MATINHOS/PARANÁ...........................................................................................................462
A DISTRIBUIÇÃO DO CRÉDITO RURAL NO TERRITÓRIO DA PRODUÇÃO NOS ANOS DE 2013 E 2014.......469
A EXPERIÊNCIA DA ROMARIA DO DIVINO ESPÍRITO SANTO: UMA ESTRATÉGIA DE PROMOÇÃO DE SAÚDE NA COMUNIDADE DA BARRA DO ARARAPIRA/ LITORAL NORTE DO PARANÁ –2015...........................462
DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL CONFLITANTE: A INSTALAÇÃO DA UTE PORTO DO ITAQUI DE SÃO
LUÍS - MA E A COMUNIDADE REASSENTADA VILA RESIDENCIAL NOVA CANAÃ DE PAÇO DO LUMIAR
- MA..................................................................................................................................................................................469
IDENTIDADE AMBIENTAL NA PÓS-MODERNIDADE: O DILEMA DO EDUCADOR/CONSUMIDOR.............463
PLANEJAMENTO URBANO E DINÂMICA TERRITORIAL NUMA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA: UM ESTUDO
I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
SOBRE O MUNICÍPIO DE SÃO LUIS GONZAGA DO MARANHÃO.......................................................................470
REDE DE SAÚDE MATERNO-INFANTIL DE UM MUNICÍPIO DO LITORAL DO PARANÁ................................476
OLHARES DO GRUPO FISIOTERAPÊUTICO NO RIO SAGRADO, MORRETES - PR........................................470
A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO MATERIAL EDIFICADO COMO ELEMENTO DO DESENVOLVIMENTO
REGIONAL E DO TURÍSTICO LOCAL NO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR........................................................477
O TURISMO COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL DA COMUNIDADE FAXINALENSE TAQUARI DOS RIBEIROS EM RIO AZUL-PR........................................................471
TEOR E COMPOSIÇÃO QUÍMICA DO ÓLEO ESSENCIAL DE ESPÉCIES NATIVAS DA FAMÍLIA LAMIACEAE
NA FLORESTA ATLÂNTICA DO SUL DO BRASIL..................................................................................................471
USO DE FOTOGRAFIAS NA RECONSTRUÇÃO GEOHISTÓRICA DA PAISAGEM URBANA/RURAL DO MUNICÍPIO DE CAMPO MOURÃO-PR............................................................................................................................472
METODOLOGIA PARA A ELABORAÇÃO DE UM CIRCUITO CICLOVIÁRIO: O CASO DO MUNICÍPIO DE
MATINHOS – PARANÁ................................................................................................................................................472
MANEJO E CONSERVAÇÃO DO SOLO: PERCEPÇÕES EM COMUNIDADES RURAIS DA MATA ATLÂNTICA
DO LITORAL DO PARANÁ............................................................................................................................................477
A VISIBILIDADE E O POTENCIAL DOS PRODUTOS ORGÂNICOS NO/DO LITORAL DO PARANÁ: UMA QUESTÃO SOCIOECONÔMICA AMBIENTAL.....................................................................................................................478
NEGOCIAÇÃO DE CONFLITOS SOCIOAMBIENTAIS E GOVERNANÇA TERRITORIAL: O CASO DA BAÍA DA
ILHA GRANDE E SUAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO........................................................................................478
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL NO LITORAL DO PARANÁ: UMA QUESTÃO DE DESENVOLVIMENTO,
PODER E JUSTIÇA.........................................................................................................................................................479
TURISMO NO LITORAL DO PARANÁ (BRASIL): CARACTERIZAÇÃO DO USO TURÍSTICO DO PARQUE NACIONAL SAINT HILAIRE/LANGE..............................................................................................................................473
O PROTOCOLO COMUNITÁRIO DO BAILIQUE COMO FERRAMENTA DE GESTÃO TERRITORIAL............479
PROJETO RADIAL NO SUL DE PORTUGAL E NO LITORAL DO PARANÁ: MOVIMENTOS LITORÂNEOS EM
PERSPECTIVA DE DESENVOLVIMENTO..................................................................................................................473
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ZONAS RURAIS: ESTUDO DE CASO NO TERRITÓRIO MEIO OESTE
CONTESTADO EM SANTA CATARINA.......................................................................................................................480
AGROTÓXICOS EM ESTABELECIMENTOS AGROPECUÁRIOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS SOCIOAMBIENTAIS NO LITORAL DO PARANÁ................................................................................................................................474
ANÁLISE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL DO VALE DO RIBEIRA PAULISTA...............................................................................................................................................................................480
POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DAS POPULAÇÕES DO CAMPO E DA FLORESTA: UM OLHAR
TEÓRICO DAS INIQUIDADES EM SAÚDE...............................................................................................................474
PLANTAS INDICADORAS DE SOLO: ESTUDO E CARACTERIZAÇÃO DE PLANTAS ESPONTÂNEAS EM ÁREAS DE PRODUÇÃO AGRÍCOLA..................................................................................................................................481
ANÁLISE POPULACIONAL NO PERÍODO 1970 – 2010: O ÊXODO RURAL NO LITORAL PARANAENSE, PARANÁ E BRASIL...........................................................................................................................................................475
AS RELAÇÕES SOCIAIS ENTRE O PARQUE NACIONAL DE SAINT-HILAIRE/LANGE E SUA ZONA RURAL
DE ENTORNO (FACE LESTE – PR 508).......................................................................................................................481
A PERCEPÇÃO DO PROCESSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES ENVOLVIDOS NUM
PROJETO CIENTÍFICO DESENVOLVIDO PELA UFPR LITORAL..........................................................................475
O ENSINO DE CIÊNCIAS NAS ESCOLAS E O OLHAR DO ALUNO CAIÇARA SOBRE O LITORAL.................482
PROGRAMA AQUISIÇÃO DE ALIMENTO: O ESTUDO DE CASO NO MUNICÍPIO DE PONTE SERRADA-SC...482
O CONCURSO DE DESENHO “PATRIMÔNIOS DO LITORAL DO PARANÁ” COMO AÇÃO DE EDUCAÇÃO
PATRIMONIAL..............................................................................................................................................................476
GESTÃO DA INFORMAÇÃO E POLÍTICAS PÚBLICAS: DESENVOLVIMENTO DE SOFTWARE DE APOIO À
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PROMOVENDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL ATRAVÉS DA RECICLAGEM PARA PRESERVAÇÃO
DO MEIO AMBIENTE: O CASO DA SECRETARIA AMBIENTAL DA PREFEITURA DE PARANAGUÁ.............483
LEVANTAMENTO DA UTILIZAÇÃO DO MANGUE-VERMELHO (Rizophora mangle) COMO MEDICAMENTO
FITOTERÁPICO PARA O TRATAMENTO DE ENFERMIDADE CUTÂNEA DE PESCADORES DO MERCADO
DO PEIXE DE MATINHOS-PR......................................................................................................................................483
RESULTADOS PRELIMINARES DE ANÁLISE DE COMPONENTES PRINCIPAIS PARA INVESTIGAÇÃO DA
DINÂMICA DA POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA EM PARANAGUÁ – PR....................................................................484
FORMAÇÃO CONTINUADA DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE A RESPEITO DAS DEFICIENCIAS:
UMA EXPERIÊNCIA DE REDES NA UNIDADE DE SAÚDE SERRARIA DO ROCHA..........................................484
EDUCAÇÃO EM SAÚDE SOBRE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA PARA AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE
DA ILHA DO VALADARES: UMA EXPERIÊNCIA TERRITORIAL EM SAÚDE.....................................................485
GESTÃO COMPARTILHADA INTERNACIONAL DO AQUÍFERO GUARANI EM BUSCA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO E SUSTENTÁVEL.........................................................................................................................485
CONCEPÇÕES DE PROFISSIONAIS DA EDUAÇÃO DIANTE DA VIOLÊNCIA NAS MÍDIAS............................486
RESULTADOS PRELIMINARES DO USO DA TÉCNICA FUZZY E ANÁLISE ELEMENTAR DE CASCAS DE ÁRVORE PARA ELABORAÇÃO DE MAPAS DE RISCO.................................................................................................486
CONCENTRAÇÃO ATMOSFÉRICA DE DIÓXIDO DE NITROGÊNIO (NO2) NO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ
- PR...................................................................................................................................................................................487
TENSIONISTA E SUA IMPORTÂNCIA NA TRANSFORMAÇÃO DO ENSINO DO DIREITO AGRÁRIO...............491
DO MINHOCUÇU AO PEQUI: O USO DE RECURSOS NATURAIS NA COMUNIDADE QUILOMBOLA DA PONTINHA – MG......................................................................................................................................................................491
VALORIZAÇÃO DAS CULTURAS TRADICIONAIS: ROMPENDO OS PRECONCEITOS, UMA OLHAR DESDE
A SOCIOLINGUÍSTICA...................................................................................................................................................492
POPULAÇÕES TRADICIONAIS E UNIDADES DE CONSERVAÇÃO NO CAMPO TEÓRICO DA SOBREPOSIÇÃO
TERRITORIAL..................................................................................................................................................................492
EVOLUÇÃO SOCIECONÔMICA DO ESTADO DE RONDÔNIA DE 2002 A 2014: ANTES E DURANTE A CONSTRUÇÃO DAS USINAS HIDRELÉTRICAS DE JIRAU E SANTO ANTÔNIO............................................................493
O LIXO E OS IMPACTOS AMBIENTAIS........................................................................................................................493
QUALIDADE DO AR: MATERIAL PARTICULADO EM SUSPENSÃO NA ATMOSFERA DO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ........................................................................................................................................................................494
A CADEIA DE VALOR NA PESCA ARTESANAL DO CAMARÃO- ROSA NA LAGOA DOS PATOS: UM ESTUDO
DE CASO NO MUNICÍPIO DE SÃO LOURENÇO DO SUL..........................................................................................494
MODELAGEM DIGITAL DO TERRENO APLICADO AO NOVO CÓDIGO FLORESTAL BRASILEIRO: UM ESTUDO DE CASO DO PARÂMETRO DECLIVIDADE.........................................................................................................495
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA APA DE GUARAQUEÇABA, UMA ANÁLISE DA GESTÃO PARTICIPATIVA.....487
UM OLHAR SOBRE A EDUCAÇÃO DO CAMPO.......................................................................................................488
SAÚDE DO TRABALHADOR E A POLÍTICA ECONÔMICA.....................................................................................488
A ESTAÇÃO ECOLÓGICA DO CERRADO DE CAMPO MOURÃO NA PERSPECTIVA DA EDUCAÇÃO AMIENTAL...................................................................................................................................................................................489
RESULTADOS PRELIMINARES DE UMA PROPOSTA DE PESQUISA INTERDISCIPLINAR NO ASSENTAMENTO
NHUNDIAQUARA, MORRETES - PR............................................................................................................................495
USO DA TERRA E CONFLITOS AMBIENTAIS NA PAISAGEM DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO DO CAMPO,
CAMPO MOURÃO-PR.....................................................................................................................................................496
IMPACTO DE EVENTOS CLIMÁTICOS NA ECONOMIA DA PESCA DO CAMARÃO-ROSA CAPTURADO NA
REGIÃO DA LAGOA DOS PATOS..................................................................................................................................496
COMUNIDADES SUSTENTABLES COMO ESTRATEGIA DE PROTECCIÓN DEL SUELO RURAL...................489
A ABORDAGEM DE EXTENSÃO RURAL PARA COMUNIDADES DE PESCADORES ARTESANAIS...............490
A (RE)PRODUÇÃO DOS SABERES LOCAIS INDÍGENAS NO PARACURI PROMOVENDO DESENVOLVIMENTO
TERRITORIAL SUSTENTÁVEL EM ICOARACI-BELÉM/PA....................................................................................497
A AGROECOLOGIA APROXIMANDO SUJEITOS, DIREITOS E NATUREZA: RELATO DA EXPERIÊNCIA EX-
A GESTÃO E INOVAÇÃO DE CIDADES E O PAPEL DOS SERVIDORES E DA SOCIEDADE NA ELABORAÇÃO
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DE NOVOS MODELOS DE GESTÃO AMBIENTAL E DE POLÍTICAS PÚBLICAS: UM ESTUDO DE CASO DA
REDE FORMADA NO MUNICÍPIO DE RONCADOR-PR...........................................................................................497
ANÁLISE DE CENÁRIOS PROSPECTIVOS PARA A COGESTÃO ADAPTATIVA DA PESCA ARTESANAL DE CAMARÕES..........................................................................................................................................................................529
ADMINISTRAÇÃO VERDE E ECONOMIA VERDE: UM MOVIMENTO DE SENSIBILIZAÇÃO SOCIAL.........498
ANÁLISE DO PROCESSO DE EMANCIPAÇÃO DO MUNICÍPIO DE PONTAL DO PARANÁ E SEUS DESDOBRAMENTOS...........................................................................................................................................................................531
COLETA SELETIVA: FERRAMENTA DE RECICLAGEM DE RESÍDUOS SÓLIDOS E ATITUDES......................498
RECICLAR É PRECISO: BRINQUEDOS PEDAGÓGICOS QUE CONSCIENTIZAM..............................................499
A IMPORTÂNCIA DA UTILIZAÇÃO DOS ESTUDOS SOCIOECONÔMICOS DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL COMO UMA FERRAMENTA DE GESTÃO TERRITORIAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA POPULAÇÃO
LOCAL.............................................................................................................................................................................499
APÊNDICE DE SUPLEMENTOS - PROJETOS DE PESQUISA
PRÁTICAS DE GESTÃO DE RECURSOS COMUNS E ALIANÇAS ESTRATÉGICAS: APOIO À TOMADA DE DECISÕES NA CONSERVAÇÃO SOCIOAMBIENTAL DO LITORAL DO PARANÁ...................................................501
MONITORAMENTO SOCIOAMBIENTAL PARTICIPATIVO PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL: PROPOSTA DE FORMULAÇÃO DE INDICADORES PARA UM SISTEMA LAGUNAR DA REGIÃO
SUL DO BRASIL.............................................................................................................................................................505
O PADDD BRASILEIRO: ESTUDO COMPARATIVO DAS UNIDADES DE CONSERVAÇÃO AFETADAS PELOS
COMPLEXOS HIDRELÉTRICOS DO MADEIRA E DO TAPAJÓS............................................................................510
AVALIAÇÃO DO MANEJO SUSTENTÁVEL DO FRUTO DA PALMEIRA JUÇARA (EUTERPE EDULIS MARTIUS) NA MATA ATLÂNTICA: UM ESTUDO DE CASO COM AGRICULTORES FAMILIARES DA ZONA DE
AMORTECIMENTO DO PARQUE NACIONAL SAINT HILAIRE - LANGE, LITORAL DO PARANÁ..................513
A CONSTRUÇÃO DE ESTRATÉGIAS NA REPRODUÇÃO SOCIAL DOS AGRICULTORES ASSENTADOS: UM
ENFOQUE SOBRE A PRODUÇÃO DE LEITE EM SANTANA DO LIVRAMENTO/RS..........................................516
MENSURAÇÃO DE IMPACTOS SOCIAIS: UMA ANÁLISE SOBRE VULNERABILIDADE AMBIENTAL DE COMUNIDADES DE PESCADORES ARTESANAIS SUJEITAS AOS IMPACTOS DE EMPREENDIMENTOS COSTEIROS..................................................................................................................................................................................520
A EXPANSÃO PORTUÁRIA E A PERDA DE TERRITÓRIOS TRADICIONAIS DOS PESCADORES ARTESANAIS
NO MUNICÍPIO DE RIO GRANDE – RS......................................................................................................................525
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POLÍTICA PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL NO LITORAL PARANAENSE: POSSIBILIDADE DE AMPLIAÇÃO
DA RESOLUTIVIDADE DE SUAS AÇÕES...................................................................................................................535
ANÁLISE DO PADRÃO DE COBERTURA DO SOLO NO MUNICÍPIO DE TEFÉ-AM POR MEIO DE DADOS DE
SENSORIAMENTO REMOTO ORBITAL ÓPTICO......................................................................................................539
GRUPO DE TRABALHO I
Federalismo Governança e Implantação de Políticas Públicas
BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE POLÍTICAS PÚBLICAS EM DUAS COLÔNIAS RURAIS DE PARANAGUÁ-PR: A EXPERIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO
Ana Elisa Penha1; Marcus Aurelio S. da Silva2; Luiz Ricardo Toniolo3; Renata de Fátima Tozetti4
Professora Drª: Marisete Teresinha Hofmann-Horochovski5
RESUMO
O presente diagnóstico das colônias Quintilha e Maria Luiza, localizadas na área rural do Município de Paranaguá-PR, tem
por objetivo levantar alguns indicadores para melhor compreender as dinâmicas existentes resultantes das interações entre
a sociedade e a natureza. O enfoque principal deste artigo foi destacar as políticas públicas, sobretudo, Educação, Saúde e
Assistência Social. Nesse sentido, antes do diagnóstico de cada uma, foi necessário mencionar um referencial normativo
enfatizando o grau de autonomia da esfera municipal para a implantação da política pública correspondente. Os dados
foram obtidos por meio da pesquisa de abordagem qualitativa, realizando levantamento a partir do diálogo de saberes e
disciplinas através de visitas/entrevistas e da consulta de dados secundários sobre essas políticas públicas. As informações
permitiram constatar as dificuldades de acesso da população local aos equipamentos sociais apesar da legislação que municipalizou grande parte desses serviços.
Palavras-chave: Diagnóstico. Área rural de Paranaguá. Políticas Públicas. Interdisciplinaridade.
ABSTRACT
This diagnosis of Quintilha and Maria Luiza colonies located in the rural area of the municipality of Paranaguá-PR aims
to raise some indicators to better understand the dynamics existing resulting from interactions between society and nature.
The main focus of this article was to highlight public policies, particularly Education, Health and Social Assistance. In
this regard, before the diagnosis of each, it was necessary to mention a normative framework emphasizing the degree of
autonomy of the municipal level for the implementation of relevant public policy. Data were obtained through qualitative
research, conducting survey from the disciplines of knowledge and dialogue through visits/interviews and consultation
of secondary on these public policies. The information allowed toverify the difficulties of access of local people to social
facilities despite legislation that municipalized most of these services.
Key words: Diagnosis. Rural area of Paranaguá. Public Policy. Interdisciplinarity.
1
2
3
4
5
Psicóloga. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR. E-mail: [email protected]
Pedagogo. Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR. E-mail: [email protected]
Historiador. Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR E-mail: [email protected]
Pedagoga. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável – UFPR E-mail: [email protected]
Socióloga. Docente do PPGDTS – UFPR. E-mail: [email protected]
17
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GT - 01
INTRODUÇÃO
O conceito de desenvolvimento, por muito tempo atrelado à ideia de crescimento econômico, tem sido debatido
de forma mais abrangente e preocupa-se com a vida humana. Contudo, como afirma Sachs, (2007, p. 292) “o desenvolvimento socioeconômico é um processo” que depende de “restrições impostas pelo meio ambiente natural” e pela história.
Esta afirmação remete à ideia de dois sistemas que interagem, o sistema natureza e o sistema sociedades abordadas por
Raynault (2002, p. 13) como requisito para a “compreensão da realidade concreta”. Por muito tempo, dentro do paradigma
científico moderno, as interações e os processos foram deixados de lado e foram priorizadas abordagens lineares, focadas
em indicadores somente econômicos ou somente físicos da natureza.
De acordo com Boaventura Santos (2001, p. 69), este paradigma dominante possui limitações que o mergulharam
numa crise “profunda e irreversível”. Assim, um novo (e necessário) paradigma exige aproximações científicas que levem
em consideração as interações de diferentes disciplinas no ambiente acadêmico e saberes locais fora desse ambiente. Essa
complexidade, inerente à realidade, exige uma prática interdisciplinar para uma compreensão em busca de uma “completude” (PHILIPI JR, 2000, p. 22).
O presente trabalho nasceu de uma proposta interdisciplinar elaborada na disciplina Construção da Pesquisa Interdisciplinar I, no Programa de Mestrado em Desenvolvimento Territorial Sustentável, da Universidade Federal do Paraná –
Setor Litoral. A partir de diversos olhares sobre um objeto comum, tal abordagem teve a finalidade de estabelecer diálogos
entre diferentes formas de conhecimento e entre o conhecimento científico e outros saberes, com o intuito de construir um
diagnóstico interdisciplinar; um caminho alternativo de análise e percepção de uma realidade existente. De forma geral,
o diagnóstico tinha por objetivo evidenciar as heterogeneidades desse espaço, a fim de melhor compreender as dinâmicas
existentes por detrás da diversidade de situações. Trata-se de uma relação análise/descrição em um quadro espacial comum
com diferentes olhares disciplinares sobre uma mesma realidade, o qual possibilitou identificar recursos e potencialidades
que possam constituir-se em reais oportunidades de desenvolvimento. Assim, o diagnóstico não tem o propósito de “erguer
fronteiras estanques”, como afirma Raynaut (2004, p. 28).
Nesta perspectiva, o diagnóstico é um instrumento dinâmico que permite a compreensão da realidade local, através
da “coleta e organização de dados empíricos” (op. cit. p. 28). Para viabilizar a coleta de dados, foi organizado, num primeiro momento, o trabalho em três dimensões – natureza e cultura, trabalho e economia, e políticas públicas. Num segundo
momento, os dados foram trabalhados coletiva e interdisciplinarmente, para alcançar o objetivo proposto pela disciplina.
Ressalta-se que as informações aqui utilizadas referem-se apenas a primeira parte desse exercício.
Neste artigo, as análises se debruçam sobre as políticas públicas desenvolvidas nestas colônias tendo como foco
levantar informações sobre a atuação dessas políticas sociais nas áreas da educação, assistência social e saúde, sobretudo
quanto à existência de aparelhos sociais, ou seja, escolas, unidades de saúde e centros de referência. Como políticas públicas, entendemos a ação do Estado com o propósito de enfrentamento de problemas identificáveis. Os aparelhos sociais,
por outro lado se manifestam no sentido de dar suporte à atuação do Estado em determinada área, tendo como objetivo a
garantia de serviços de base à população.
Sendo assim, as políticas públicas representam, de fato, a ação do Estado, ou ainda de acordo com Oliveira (2013,
p. 15), “o Estado em ação”, em suas respectivas esferas, sendo os Governos federal, estadual e municipal, dentro de suas
responsabilidades e competências constituídas legalmente, as quais, Souza (2006, p. 22), nos aponta como a “divisão territorial de poder governamental”. De certa forma podemos designar política pública como uma “ferramenta das decisões
do governo”; ferramenta que afeta diretamente a vida dos cidadãos (op. cit. p.22). No entanto, nos alerta a autora para o
fato de não haver uma única definição para o termo “política pública”.
Por fim, é importante destacar que, além da introdução, este trabalho está dividido em três partes. A primeira parte
destinada a metodologia descreve as técnicas de pesquisa utilizadas para obtenção dos dados e informações, a segunda
parte demonstra os principais aspectos das políticas públicas, dentre eles: demografia, para justificar o recorte espacial
analisado, educação, assistência social e saúde. Por último a conclusão finaliza o estudo, envolvendo a percepção dos
pesquisadores em relação ao desafio de se construir um diagnóstico coletivo, apontando estratégias para que as políticas
públicas se efetivem de fato para aqueles que dela necessitam.
METODOLOGIA
O enfoque principal de nosso grupo, como já dito anteriormente, foram as políticas públicas, especialmente as de
Educação, Saúde e Assistência Social. Nesse sentido, antes do diagnóstico de cada uma, foi necessário um referencial
normativo enfatizando o grau de autonomia da esfera municipal para a implantação da política pública correspondente.
DISCUSSÃO: RECORTE ESPACIAL E DEMOGRAFIA
O litoral paranaense possui uma área de 806,225 km², entre o Oceano Atlântico e a Serra do Mar, composto por
sete municípios, a saber: Guaraqueçaba, Antonina, Morretes, Paranaguá, Pontal do Paraná, Matinhos e Guaratuba. Suas
principais fontes econômicas são as atividades portuárias, agropecuária, agricultura, silvicultura, criação de animais,
extração vegetal e pesca. Neste trabalho foram analisadas duas localidades específicas: a Colônia Quintilha e a Colônia
Maria Luiza, ambas na área rural do município de Paranaguá, conforme apresenta o mapa da figura 1.
A área das colônias Quintilha e Maria Luiza localizam-se próximas e dentro de uma unidade de conservação, o Parque
Nacional Saint Hilaire Lange e da Área de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba. Embora, a região seja acessada
parcialmente pela rodovia Alexandra-Matinhos, a PR-508, as famílias de agricultores enfrentam diversas limitações por
conta da legislação ambiental que restringe certas atividades econômicas6.
Figura 1
Para obtenção das informações, foram utilizadas técnicas de pesquisa qualitativa, por entendê-las como as mais
adequadas para identificar as dimensões de desenvolvimento local e sua relação com o meio rural. Dessa forma, para
a coleta de dados primários, foram usadas as técnicas de observação e das informações vivas, não escritas, obtidas em
entrevistas e discussões com informantes privilegiados, com experiência e conhecimentos locais, colhidas em visitas de
campos às referidas colônias. Mas, não se deve compreender as análises quantitativa e qualitativa enquanto “modos opostos e inconciliáveis de ver a realidade” (CARDOSO, 1986, p. 95). Através de entrevistas semi-estruturadas procuramos valorizar a observação e a participação. O processo de observação é mediado pelo contexto da entrevista com as diversas interferências, inclusive a formação acadêmica dos mestrandos. Por outro lado, a participação dos mestrandos nas entrevistas foi orientada pelos professores do PPGDTS no sentido
de não cristalizar o discurso local ou legitimar lideranças conforme comenta Alba Zaluar (CARDOSO, 1986, p. 113).
Tal aproximação visou primeiramente à realização do diagnóstico para a composição de um quadro comum dentro
de uma complementaridade entre ensino e pesquisa (RAYNAUT, 2002, p.19). Essa abordagem faz parte da concepção
pedagógica do Programa de Doutorado em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR e permite a construção de interações críticas e possíveis problemas de pesquisa.
Para a coleta de dados secundários foram utilizadas como fontes de pesquisa a base de dados censitários do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), os Cadernos Municipais do Instituto Paranaense de Desenvolvimento
Econômico e Social (IPARDES) e o Instituto Paranaense de Assistência Técnica e Extensão Rural (EMATER). Tais indicadores levantados tem o propósito de ser um pré-requisito para a este diagnóstico e posterior elaboração de hipóteses
para outros pesquisadores (RAYNAUT, 2002, p. 139).
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Mapa do setor censitário e localização das Colônias Quintilha e Maria Luiza
Fonte: Bruno Gurgatz/Lab Móvel UFPR com adaptação de Ricardo Toniolo/PPGDTS UFPR
6 A forte presença do aparato regulamentar, tanto nas limitações das Unidades de Conservação quanto às restrições impostas pelo
uso e ocupação do solo da APA de Guaratuba e do Parque Nacional, propiciam conflitos entre o poder público e os moradores das colônias, trazendo à discussão problemas referentes à redefinição dos limites do Paraná e a presença de apoio institucional nas colônias.
O levantamento dos dados demográficos foi feito a partir do painel de dados do IBGE de 2010. As colônias fazem
parte de um único setor censitário, o correspondente ao número 411820405000193. O painel do IBGE apresenta os dados
de duas formas básicas: por Municípios ou por Setores Censitários, sendo que essas delimitações possuem razões bem
específicas. A classificação por Municípios visa, entre outros, justificar o repasse de recursos e a classificação por Setores,
a delimitação da equipe ou do recenseador em campo para coleta de dados.
Os duzentos e setenta e oito moradores estão distribuídos por 105 domicílios em equivalência na quantidade
homens e mulheres. Vale observar que certas discrepâncias gráficas tais como número de homens entre 65 e 69 anos, ou
ainda, 30 e 34 anos na pirâmide etária (figura 2) não representam grandes diferenças, pois são compensadas com faixas
etárias acima ou abaixo. Tais diferenças gráficas são resultantes do baixo número de residentes em que dois ou três aumentam consideravelmente o número/tamanho do gráfico.
Figura 2
em 1998, foi fator decisivo na implementação de uma municipalização do ensino fundamental. Neste caso, para alcançar
seus objetivos, o governo federal adotou a estratégia de constitucionalizar as transferências intra-estaduais, eliminando a
incerteza quanto ao recebimento dos recursos vinculados à oferta de matrículas. (ARRETCHE, 2004, p 24).
A atual LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 9.394/96 prevê autonomia para que os municípios organizem Sistema Municipal de Ensino (SME) próprio de acordo com a realidade local. Desta forma, a Secretaria
Municipal de Administração e Gestão Pessoal de Paranaguá, sancionou a Lei Complementar nº 069/2007, em seu artigo
5º, inciso I, apresenta que o SME compreenderá as escolas das diversas modalidades e os órgãos municipais de educação,
sendo: a) Secretaria Municipal de Educação Integral; b) Conselho Municipal de Educação; c) Conselho Municipal de Alimentação Escolar; d) Conselho Municipal de Acompanhamento e Controle Social do FUNDEB - Fundo de Manutenção
e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização do Magistério.
O artigo 21 garante ao SME de Paranaguá assegurar às unidades escolares progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira. Ainda, o artigo 49 estabelece que a “identidade da escola do campo é definida por sua vinculação (...) à realidade”. Dentro desta perspectiva de autonomia preconizada pela legislação, verificamos
a ausência de grande parte desses órgãos o que dificulta a participação, deliberação e gestão dos recursos.
Em contato telefônico com a atual Presidente do CME - Conselho Municipal de Educação, foi informado que
estas escolas do campo ofertam classes multisseriadas. As Colônias Maria Luiza e Quintilha possuem como escola de
referência a Escola Rural José Chemure localizada na rodovia PR 508 Alexandra-Matinhos, que de acordo com a base de
dados do PDDE – Programa Dinheiro Direto na Escola, possui atualmente 21 alunos matriculados. Em relação a esta escola, que está compreendida dentro da Colônia Maria Luiza, a Presidente relatou que não há APMF – Associação de Pais,
Professores, Mestres e Funcionários, nem UEx – Unidade Executora própria, devido provavelmente a falta de interesse
da comunidade local em gerir estas associações ou conselhos. Sendo assim, conforme previsto no artigo 21, destacado
acima, o recurso financeiro recebido através do PDDE é direcionado para a Secretaria Municipal de Educação/Prefeitura
e repassado via CME às unidades, que de acordo com a Presidente do CME, convocam os professores em reuniões para
definição do destino dessa verba.
Fonte: IBGE, 2010.
Não há CMEI – Centro Municipal de Educação Infantil na comunidade, e a partir do quinto ano, as crianças e adolescentes precisam deslocar-se até a área urbana de Paranaguá com o ônibus escolar da prefeitura, e geralmente passam a
frequentar as escolas estaduais Alberto Gomes da Veiga, Faria Sobrinho e Vidal Vanhoni, conforme relato de moradores.
Durante visita de campo às colônias, pode-se constatar que em uma das propriedades, de composição familiar, não foram
feitos destaques para a questão do estudo, apesar de se observar crianças e adolescentes na área.
EDUCAÇÃO
A partir da descentralização fiscal e administrativa, normatizada pela Constituição Federal de 1988, os municípios passam a gerir a educação fundamental e infantil, devendo, os estados e municípios investirem 25% de suas receitas
com educação. É importante dizer que a criação do Fundo de desenvolvimento da Educação Fundamental (FUNDEF),
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ASSISTÊNCIA SOCIAL
A Constituinte apontou as diretrizes da descentralização e participação e a direção da construção das leis de regulamentação da Assistência Social. A LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social (1993), regulamentou os artigos consti-
tucionais que tratam da Política Pública de Assistência Social. Após esse momento, foi aprovada a PNAS - Política Nacional da Assistência Social (2004), que propõe a implementação da LOAS na perspectiva de um sistema único, o SUAS
- Sistema Único da Assistência Social. Em seguida, as NOBs - Normas Operacionais Básicas (2005/2006) expressaram
os modos dos serviços a serem desenvolvidos, bem como os aspectos relacionados à gestão do trabalho. Na sequência,
a Lei Federal 12.435/11 ofereceu como principal contribuição o reconhecimento legal do SUAS como sistema oficial de
organização da Política Pública de Assistência Social no Brasil.
Os princípios do SUAS se referem à universalidade, gratuidade, integralidade da proteção social, intersetorialidade e equidade e possui como seguranças afiançadas pelo mesmo, a acolhida, a renda, o convívio ou vivência familiar, o
desenvolvimento da autonomia, o apoio e auxílio. São ainda diretrizes estruturantes da gestão do SUAS: primazia do Estado na condução da política, descentralização político administrativa, financiamento partilhado entre a União, os Estados
e os Municípios, matricialidade sócio-familiar, territorialização, controle social e participação popular.
Nesta perspectiva, o atendimento está organizado por níveis de complexidade assim estruturada:
• Proteção Social Básica: possui caráter preventivo, é ofertada nos territórios com vistas ao fortalecimento
de vínculos familiares e comunitários e à promoção de cidadania.
• Proteção Social Especial de Média Complexidade: atua junto a usuários que tiveram seus direitos violados, na perspectiva de fortalecimento e reconstrução de vínculos para superação da situação da violação
vivenciada.
• Proteção Social de Alta Complexidade: destinada a usuários que sofreram violação de direitos e encontram-se com vínculos rompidos. Está também associada a ações em casos de calamidades públicas.
Através de levantamento da realidade do município de Paranaguá, foi possível verificar que no território, os serviços condizentes com a Proteção Social Básica ocorrem por meio do equipamento CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) Vila Garcia, sendo este o órgão responsável pelo atendimento da população das colônias Quintilha e Maria
Luiza. Após contato telefônico e diálogo com as assistentes sociais do local, foi possível levantar os seguintes dados: o
referido CRAS atende ainda as colônias Pereira, Rio das Pombas, Morro Inglês e outros 9 (nove) bairros do município
de Paranaguá. A equipe do equipamento público é composta por três profissionais de nível superior, sendo 2 (duas) assistentes sociais e 1 (uma) psicóloga, bem como 1 (uma) coordenadora e 1 (um) auxiliar administrativo. O atendimento nas
colônias em questão ocorre por meio de visitas domiciliares, convite e sensibilização para participação em oficinas. Há
ainda existência do Programa Família Paranaense, porém o mesmo, segundo relato, encontra-se atualmente inviabilizado.
A equipe relata a necessidade de contratação de outros profissionais como educadores sociais, oficineiros e equipe técnica.
No município de Paranaguá existe um CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência Social que atende
situações que ultrapassam os serviços da Proteção Social Básica (violação de direitos/fragilidade de vínculos).
Os serviços da Proteção Social Especial de Alta Complexidade ocorrem por meio de um albergue e dois abrigos
institucionais (casas lares): Lar dos Meninos e Lar das Meninas. Enquanto política de atendimento possui ainda um Restaurante Popular, localizado na Rua Felipe Chede, em frente ao Ginásio de Esportes Joaquim Tramujas. Em relação as
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serviço relacionado à assistência jurídica, a mesma Secretaria possui a Defensoria Pública.
Enquanto órgãos permanentes, deliberativos e consultivos que tem por finalidade avaliar, elaborar, propor e fiscalizar as políticas de direitos, o município possui os seguintes Conselhos Municipais: Assistência Social, da Criança e
do Adolescente, da Juventude, da Mulher e do Idoso. Há ainda o Conselho Tutelar, equipamento de caráter autônomo e
permanente, que possui como função zelar pelos direitos da infância e adolescência, conforme os princípios estabelecidos
pelo ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente. Assim como as demais políticas, a maior parte dos aparelhos pertencem
à área urbana do município.
SAÚDE
Ao contrário da Política Pública voltada para a Educação, em que o governo federal garante certa autonomia para
os municípios, a Política Nacional de Saúde é bastante centralizada. O financiamento, formulação e coordenação de uma
política nacional de saúde, como aponta Arretche (2004, p. 22), “está sob o comando do governo federal que estabelece
todas as normas dessa política setorizada, através do Ministério da saúde”. Dessa forma, os governos subnacionais são
totalmente dependentes da transferência de verbas para a manutenção deste setor.
Ao final da estrada citada, atravessando a rodovia PR 508, foi possível visualizar, à beira da desta, a Unidade de
Saúde Santa Escomação, conforme indicado na figura 3.
Figura 3
Unidade de Saúde Santa Escomação
Fonte: Os autores
A partir de levantamento realizado junto à população local, nesta Unidade Básica de Saúde (UBS) são ofertados
atendimentos por profissional Clínico Geral, Ginecologia e Dentista. No caso de urgências/emergências, a população é
atendida pelo Hospital Regional de Paranaguá no perímetro urbano. E, nos casos de maior necessidade, a população é
encaminhada ao Centro de Municipal de Especialidades quando há necessidades de outras especialidades. Os casos que
envolvem questões referentes à saúde mental são atendidos pelo CAPS – Centro de Atenção Psicossocial “Solar dos Girassóis”, também na área urbana do município.
Perspec., São Paulo, v. 18, n. 2, June 2004. Disponível em: http://goo.gl/tWfZvl
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debate. São Bernardo do Campo: ABCD Maior, UFABC, 2013.
PHILIPPI JR, Arlindo et al. Interdisciplinaridade em Ciências Ambientais. São Paulo: Signus Editora, 2000.
CONCLUSÃO
O trabalho interdisciplinar requer comunicação em torno de problemas e realidades comuns, porém, analisados
de diferentes formas por vários olhares. Para realizar este diagnóstico, observou-se que a turma 2015 do Programa de
Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável (PPGDTS/UFPR) teve a iniciativa de dialogar para buscar
alternativas de comum acordo no momento da definição das dimensões para iniciar a pesquisa, o que gerou momentos de
tensão, dúvida e discussão, mas que posteriormente resultaram em grande riqueza de informações.
Verifica-se que
a utilização das políticas públicas pela população inicia-se muitas vezes por serviços fundamentais, mas pode vir a ser
abrangida a partir das necessidades decorrentes do cotidiano. Assim, em virtude de determinada ocorrência, a demanda
por um serviço liga-se aos demais serviços ou esferas. Deste modo, a procura por um Clínico Geral pode demandar a
utilização de um especialista, como por exemplo um Cardiologista. A partir deste último, fazem-se necessários exames
que podem ultrapassar a esfera municipal e abranger a espera nacional, como no caso da necessidade de uma cirurgia de
transplante de órgão. Da mesma forma, uma pessoa no desenvolvimento de seu processo educacional, inicia sua formação na escola pública municipal, passa pela estadual, até chegar à Universidade. Ao passar a fazer uso da política deste
equipamento, tal pessoa estará fazendo uso dos serviços advindos da esfera nacional.
Deste modo, é possível que os serviços oferecidos à população em questão ocorram em primeira instância através
dos equipamentos públicos municipais que pertencem ao município de Paranaguá, que se encontram ou se deslocam até
as colônias. Porém, as necessidades decorrentes podem abranger o município de Matinhos, como no caso do acesso à
Universidade, ou à capital Curitiba, bem como no caso de acesso a serviços de saúde de alta complexidade. Assim, a rede
de atendimentos acaba criando uma configuração que se entrelaça e se ramifica nos mesmos ou diferentes pontos, envolvendo os mesmos atores sociais, que demandam às diversas políticas públicas. Por tratar-se de uma área rural, foi possível
observar as dificuldades de acesso/proximidade das ações em relação ao território.
Desta forma, é importante que as políticas públicas estejam a serviço destes atores e que sejam construídas por
eles, para que realmente tenham sentido e eficácia. Tais políticas devem oportunizar uma relação horizontal entre os
envolvidos, jamais sendo imposta ou engessada. Aqueles que delas necessitam sabem realmente suas necessidades e as
aplicações dessas leis precisam fazer sentido para quem as utiliza e não para quem as redige, que muitas vezes sequer
conhece as reais necessidades locais de cada população.
REFERÊNCIAS
ARRETCHE, Marta. Federalismo e políticas sociais no Brasil: problemas de coordenação e autonomia. São Paulo
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20-45.
BUROCRATAS A NÍVEL DE RUA E SUAS AÇÕES
Valéria dos Santos de Oliveira1; Daniele Schneider2; Rodrigo Rossi Horochovski3
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar os burocratas a nível de rua, sua importância, suas ações, desdobramentos
e a segurança pública neste contexto, a Constituição de 1988 impulsionou a expansão do emprego público, devido à
universalização de serviços básicos, como saúde, educação e segurança pública, resultando assim na importância da
burocracia das ruas. A literatura abordando esses burocratas tem apontado as principais discussões existentes tanto em
nível internacional como nacional. Portanto, faremos uma discussão teórica entre burocratas a nível de rua, políticas
públicas e segurança pública.
Palavras-chave: burocratas a nível de rua, políticas públicas e segurança pública.
ABSTRACT
This paper aims to present the Street-Level Bureaucracy, its importance, its actions, unfoldings and public safety in this
context, the Constitution of 1988 boosted the expansion of public employment due to the universalization of basic services such as health, education and public safety, resulting in importance of the bureaucracy of the streets. The literature
addressing these bureaucrats have pointed out the major existing discussions both at international and national levels.
Therefore, we will make a theoretical approximation between Street-Level Bureaucracy, public policies and public safety.
Key-words: Street-Level Bureaucracy, public policies and public safety.
INTRODUÇÃO
A discussão sobre o papel e influência dos burocratas no processo de implementação é central e importante para
compreendermos como, estas ações são colocadas em prática e quais são os fatores que influenciam na mudança de rumos
e nos resultados das políticas públicas (LOTTA, 2012).
A relação entre burocracia, organização e implementação das políticas, é importante porque discute o porquê
de políticas serem bem-sucedidas ou fracassarem. Nos diversos estudos de políticas públicas, principalmente no Brasil,
o campo é bastante incipiente. A maioria deles se remete à atuação da alta burocracia, ou seja dos homens públicos de
carreira, que são detentores de saber especializado e que ocupam altos cargos na máquina pública consequentemente
tornam-se os responsáveis por decisões de políticas públicas.
Contudo existe um outro segmento da burocracia que está vinculado à prestação de serviços à comunidade,
atualmente este segmento é crescente, tendo considerável importância nos processos de criação dos estados de bem-estar
social e da universalização dos serviços básicos, são eles os burocratas a nível de rua (street level bureaucracy).
Para Lipsky (1980) os burocratas de rua são funcionários que trabalham diretamente no contato com os usuários
dos serviços públicos, em um curso regular de rotina, em interação constante com os cidadãos, como, por exemplo, policiais, professores, profissionais de saúde, entre outros.
No Brasil, após a Constituição de 1988, ocorreu a expansão do emprego público, devido à universalização de serviços básicos, como saúde e educação, daí a importância da burocracia das ruas. Para a maioria dos cidadãos, sua relação
com o Estado ocorre através desses agentes de Estado (burocratas a nível de rua), pois estes servidores em suas atividades
provém serviços públicos, discriminam quem tem ou não acesso a serviços e estipulam sanções aos cidadãos.
DISCUSSÃO
Burocratas a Nível de Rua e suas Ações
Considerando o exposto, surge então novos modelos teóricos e pesquisas empíricas acerca do papel destes burocratas, identificando a complexificação deste papel, segundo Lipsky (1980) pois são o foco da controvérsia política, porque são pressionados pelas demandas de serviços para aumentarem a efetividade e a responsividade e ao mesmo tempo
são pressionados pelos cidadãos para aumentarem a eficiência e eficácia.
O referido autor levanta ainda uma questão central que surge na relação entre agentes implementadores e cidadãos. Afirma que as pessoas chegam aos burocratas de rua como indivíduos únicos, portadores de diferentes experiências
de vida, personalidades, expectativas e necessidades. No entanto, quando encontram os burocratas de rua, transformamse em clientes, identificáveis e alocáveis em alguns padrões e categorias sociais, passando a ser tratados, de acordo com
esses padrões unificados e indiferenciados.
1
2
3
Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - e-mail: [email protected];
Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - e-mail: [email protected];
Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral - e-mail: [email protected].
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Entretanto, os burocratas de rua experimentam os problemas dos clientes como categorias de ação e suas demandas individuais como solicitações agregadas, padronizadas e categorizadas dentro das possibilidades de respostas e
serviços que estão aptos a prestar.
Segundo Lotta (2012) a partir de análises empíricas, os burocratas nas sociedades contemporâneas, não apenas
administram, mas participam com os políticos do processo de tomada de decisão.
A autora ainda reconhece que existe uma lacuna sobre a implementação de políticas referente principalmente às
interações e valores envolvidos nestes processos:
...os agentes de implementação lidam, em sua prática, com processos de interação que envolvem diferentes valores, referenciais e identidades. Nesses processos de interação, portanto, entram no contexto as mais variadas identidades, demandas, necessidades e referenciais, além de constrangimentos
e normas institucionais, que devem ser negociados pra a construção das práticas de implementação.
Esses processos requerem negociações entre os diversos fatores que aparecem na interação, para que
se possa, efetivamente, implementar as políticas públicas. (LOTTA, 2010, P.53)
A atuação da burocracia nas linhas de frente do Estado deve ser referenciada, em grande parte, por ocuparem uma
posição de decisão em última instância na implementação de políticas públicas. Essa característica é de grande importância, porque abre possiblidades para que suas ações possam ser rebatidas e discutidas pelos cidadãos.
Uma das discussões apontadas por Lipsky (1980) a respeito dos burocratas a nível de rua, é a discricionariedade
desses agentes, reconhecendo a autonomia que possuem na implementação das políticas públicas, pois suas ações individuais acabam tornando-se o comportamento da agência pela qual respondem e que representam. Dependendo da ação
que os burocratas a nível de rua exerçam com os usuários de serviços, o exercício da função pública pode ser causa de
bem ou mal estar social, pois personifica a relação do Estado com o cidadão.
Quanto as relações pessoais, na prática, o princípio da impessoalidade, que idealmente norteia a prestação dos
serviços públicos, vê-se relativizado, à medida que no ato da prestação de serviços, ressaltam-se elementos subjetivos, à
base de traços culturais existentes na sociedade, muitos deles indesejáveis, como racismo, machismo, preconceito social,
preconceito sexual, etc. É o caso por exemplo do agente público que discrimina negros, mulheres, pobres, homossexuais
no ato da prestação do serviço público.
Se no espírito das leis o Estado busca a neutralidade e a imparcialidade, tratando a todos de forma equânime, com
espírito republicano, no âmbito da sua ação concreta, a máquina pública revela-se o contrário disso. Esta atuação explicaria o reduzido impacto que políticas públicas tem sobre determinada populações-alvo. No caso, a política pública pode
mesmo ser bem concebida, dispor de recursos adequados: humanos, materiais e financeiros, e mesmo assim revelar baixa
eficácia, a depender da atuação do agente público no ato de prestar o serviço (LIPSKY, 1980).
A burocracia como descreveu Weber (2002), pensada como o modelo ideal de funcionalidade para o contexto
do Estado moderno, deve ser associada a duas características fundamentais para que se compreenda sua manutenção e
legitimidade: a impessoalidade e a universalidade. A burocracia é impessoal e universalista porque, uma vez que deve
operar pela lógica racional-legal para existir, se legitimar, é obrigada a reconhecer os cidadãos de forma formalizada,
como iguais.
Lipsky (1980), caracteriza o burocrata de nível de rua como um “policy maker”, ou seja, um indivíduo cuja função
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é o de literalmente realizar as políticas públicas, que lida rotineiramente com a realidade da função pública.
A condição de estar no nível de rua, em interação com o público das políticas, permite ao burocrata que ocupa esta
posição, a amplitude de escolhas como realizador das políticas públicas e está pautada no seu relativo poder discricionário
e a relativa autonomia das autoridades organizacionais, o que estão inter-relacionadas para a constituição dos burocratas
das pontas como um entregador ou um executor dos serviços públicos.
Neste sentido Lotta (2010), relata sobre o poder discricionário:
A discricionariedade exercida pelos burocratas é, portanto, resultado da interação que exercem entre
seus próprios valores, valores de outros atores envolvidos, os procedimentos, restrições, estruturas,
incentivos, encorajamentos e proibições. Assim, é necessário examinar os padrões de interação para
compreender por que as ações foram feitas daquela forma. A questão, portanto, é olhar para o ambiente
institucional e relacional dentro do qual a burocracia opera. (LOTTA, 2010, P.4).
Conforme Arretche (2001), há uma grande distância entre os objetivos e o desenho concebidos originalmente
pelos formuladores das políticas públicas e a tradução de tais concepções em intervenções públicas. Essa distância diz
respeito a contingências da implementação, explicadas, em grande parte, pelas decisões tomadas por uma cadeia de implementadores no contexto político, institucional e econômico em que operam.
A literatura tem abordado essas decisões tomadas pelos implementadores como exercício de sua discricionariedade, considerando que esses agentes têm grande impacto sobre as políticas públicas implementadas devido à autonomia
que possuem no momento da implementação.
Assim, podemos considerar que as instituições impactam as práticas dos burocratas de rua, mas também que as
ações, valores, referências e contextos dos indivíduos acabam por influenciar suas decisões.
Assim, os fatores institucionais e organizacionais são determinantes para se compreender como os burocratas
implementadores agem, na medida em que, ao longo da cadeia de implementação, são construídos contextos específicos
sobre os quais os burocratas poderão atuar.
Dessa forma, as próprias decisões que serão tomadas e a discricionariedade que será exercida pelos implementadores têm como pano de fundo condições específicas colocadas pelo contexto, as quais podem, inclusive ampliar ou
limitar o espaço para discricionariedade.
Segurança Pública
Neste contexto vamos abordar essas questões relacionadas a segurança pública. O exercício da discricionariedade
na atuação policial em uma sociedade democrática suscita diversas questões, estimulando propostas de reformas nas polícias e, ao mesmo, causando polêmica entre estudiosos e profissionais da área.
Meyers e Vorsagner (2010) lembram que o alcance e a direção da discricionariedade estão ligados também à complexidade organizacional e das tarefas desempenhadas por eles:
A complexidade aumenta a necessidade de decisões discricionárias pelos trabalhadores de linha de
frente junto com a dificuldade de supervisão e monitoramento de suas ações. A promulgação de regras
e procedimentos muitas vezes gera efeitos contrários e força os burocratas de nível de rua a selecionar
as regras a serem aplicadas. (MEYERS; VORSANGER, 2010, p.254).
Muniz (2008) observa a atuação dos policiais, analisa a ação desses profissionais e a discricionariedade na aplicação das leis, demonstra como a atuação policial, no que diz respeito à aplicação seletiva das leis, sofre grande variação
individual a partir das escolhas e do exercício da discricionariedade desses policiais.
A segurança pública tem motivado o desenvolvimento de diversas agendas, por outro lado também tem dividido a
opinião dos profissionais atuantes na área de segurança pública, políticos e cidadãos quanto à possibilidade destas agendas responderem de forma factível e consequente à democratização das práticas de segurança pública, principalmente da
policial.
Uma das visões mais problemáticas e, ao mesmo tempo, uma das mais corriqueiras que se tem sobre as instituições policiais é a de que elas “fazem cumprir a lei”. Nada é mais enganoso e inconsistente com a realidade das polícias.
Apesar de caracterizar-se como um consenso e revestir-se de uma roupagem legalista, esta visão oculta os elementos que
conformam a polícia como um instrumento de coerção sob consentimento social subordinado ao império da lei (Bittner,
1990; Muniz e Proença Jr, 2006c). Ela mascara, particularmente, o recurso fundamental à discricionariedade nos processos de tomada de decisão.
A imagem de que a polícia está aplicando a legislação de forma literal e automática, sobretudo nas atividades de
combate ao crime, compromete o entendimento da natureza da ação policial nas sociedades democráticas. Ela fomenta,
portanto, a ilusão de que uma ‘polícia cidadã’ corresponderia a agir em situações de emergência, em contextos que trazem elementos de incerteza, risco e perigo, ressentindo-se de algum espaço de autonomia e liberdade para decidir qual é
alternativa mais apropriada de atuação.
Segundo Klockrars (1985) essa visão legalista fracassa em termos explicativos porque orienta-se ela posição inobservável na vida social de que a lei inventa o mundo. Sucumbe em termos instrumentais uma vez que não reconhece o
grande espaço discricional existente na práxis policial, o qual molda a conduta profissional dos policiais mais do que as
normas legais.
Diante da impossibilidade real de poder prever ou antecipar qualquer acaso ou surpresa de violência intrínsecos às
demandas da população, a intervenção policial se dá exatamente na tomada de decisões discricionárias, onde evidencia-se
que as leis existentes é uma entre outras referências relevantes a serem consideradas no processo decisório.
Estas decisões, por sua vez, resultam da convergência entre os determinantes políticos, legais, normativos e técnicos que informam o mandato policial e as exigências contextuais e idiossincráticas oriundas de cada situação particular.
Delas se extrai um acervo de conhecimentos, um saber prático, uma práxis que orienta o comportamento policial, no qual
o conjunto de leis existentes é uma entre outras referências relevantes a serem consideradas (Muniz, 1999).
(Kenneth, Davis Culp apud Klockars, 1985:93).
Há ao menos três elementos importantes na definição acima que valem à pena serem enfatizados. O primeiro deles
reporta-se ao sujeito da decisão.
A discricionariedade é apresentada como uma capacidade que é exercida tanto por policiais individualmente,
quanto pela organização policial. Trata-se de um aspecto importante, ainda que pareça óbvio, porque permite compreender que o recurso à discricionariedade não se restringe às escolhas que policiais fazem nas ruas no curso do seu trabalho
diário.
Assim como os agentes da ponta da linha, as agências policiais estão, diariamente, tomando importantes decisões
discricionárias quando decidem aonde alocar pessoal; o que deve ser ensinado nas academias policiais; qual a prioridade
no atendimento às emergências; quando recompensar ou punir policiais; como encaminhar as reclamações dos cidadãos,
etc. Todas estas e muitas outras decisões da administração policial tanto afetam as atividades e atitudes dos policiais nas
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ruas, quanto podem interferir na qualidade de vida dos cidadãos.
A maioria das decisões policiais tem como encaminhamento ora “não fazer nada” em termos legais ou normativos,
ora “nada fazer” como resultado de falhas ao se considerar modos alternativos de fazer alguma coisa sem à aplicação
da legislação (Skolnick,1994; Muniz, 1999; Muniz e Proença Jr, 2006). Tanto num caso como noutro tem-se um tipo de
inação em relação aos procedimentos formais e normativos estabelecidos. Estas decisões que resultam em alguma forma
de “não agir” possuem baixa visibilidade. São por vezes intencionalmente ocultadas do público e, por conseguinte, mais
difíceis de influenciar ou controlar (Goldstein,1977; Klockars, 1985). A visão de que os policiais possuem bem mais poderes do que os cidadãos que policiam, permite uma leitura da
discricionariedade como um expressivo acréscimo de poder policial. Num jogo de relações já pontuadas pela assimetria,
este suposto “poder a mais” pode ser percebido como um sobrepeso que faria a balança pender ainda mais para o lado
daqueles agentes que controlam, coagem e custodiam. Aos olhos do senso comum, a desproporção de recursos é mais
palpável nas interações entre policiais e cidadãos do que nas relações de poder estabelecidas entre outros profissionais e
o seu público.
Diante dessa evidência é razoável supor que o decisionismo policial possa vir a ser objeto de uma espécie de
desconfiança coletiva prévia. E isto de tal forma que a discricionariedade policial pode ser apreendida como algo que se
suspeita por antecipação, requerendo uma vigilância redobrada dos que policiam e uma dúvida estruturante por parte dos
cidadãos policiados.
Em parte por conta desse tipo de suspeita, muitas polícias e policiais tentam minimizar e até mesmo negar seus
poderes discricionários, especialmente o selective enforcement ou a aplicação seletiva da lei. Conforme ressalta Klockars
(1985:94), os políticos, por diversas motivações, tendem a seguir pelo mesmo caminho, tratando a polícia como se ela
tivesse muito pouco ou quase nenhuma autonomia decisória no emprego da legislação. Os cidadãos, de um modo geral,
reforçariam também este mesmo coro endossando a visão de que o papel da polícia seria mesmo “fazer cumprir a lei” tal
como foi escrita.
O que disso se afasta, por exemplo, o real cotidiano do trabalho policial, pode vir a ser recebido paradoxalmente
com receio e, até mesmo, como um possível desvio de conduta. Mas, à primeira vista, policiais, políticos e cidadãos têm
boas razões para estabelecerem uma compreensão ambígua e, em boa medida, uma leitura negativa do recurso discricionário particularmente quando ele resulta na aplicação seletiva da lei (Klockars, 1985).
É sabido que a maioria dos Estados possui algum dispositivo legal que estabelece que as polícias devam aplicar
todas as leis de forma plena e integral. É óbvio que este tipo de normatividade não se mostra factível na vida real.
Todavia, ela converte claramente a aplicação de todas as leis relacionadas à segurança das pessoas e do patrimônio, em uma efetiva obrigação ou um dever da polícia. Sob este ângulo, a aplicação seletiva da lei seria apreciada como
um ato extralegal ou mais propriamente ilegal (Klockars,1985).
E isto de tal maneira que toda ação policial estaria, no limite, condenada à clandestinidade e a extenuação de seus
procedimentos pela necessidade operacional da violação da lei para poder cumpri-la.
Todavia, é necessário uma abordagem sistêmica e contextual dos problemas que seja capaz de distinguir os falsos
problemas das reais questões que estruturam e desafiam o provimento de segurança pública nas democracias contemporâneas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No processo de construção do Estado Social uma nova força emergiu: a burocracia de nível de rua. A literatura
abordando esses burocratas tem apontado as principais discussões existentes tanto em nível internacional como nacional,
a exemplo do caso Brasileiro onde priorizamos a segurança pública.
“Street-Level Bureaucracy” – burocracia de nível de rua, foi traduzido pela literatura brasileira como o termo
designado pioneiramente por Michael Lipsky para denominar uma classe específica da estrutura burocrática dos governos contemporâneos. Lipsky (1980) discute e busca apontar como a literatura tem conceituado e categorizado esses
burocratas de nível de rua, analisando a questão da discriocionaridade, papel central para se compreender como atuam os
burocratas de nível de rua no processo de implementação de políticas públicas.
Os burocratas a nível de rua são entre outros os funcionários públicos que se caracterizam por estarem alocados
nas pontas dos serviços públicos, em contato direto com a população, lidando diariamente com as políticas públicas em
seu nível operacional bem como com os conflitos decorrentes desta interação, a exemplo de professores, policiais, agentes
de saúde, assistentes sociais, entre outros.
É necessário um olhar apurado para que se conheça não somente as questões finais das políticas públicas, mas
também seu impacto nos processos de implementação do Estado junto ao cidadão. Neste bojo, Lotta (2009) discorre sobre
o momento de implementação das políticas públicas como uma situação real de mediação entre os agentes implementadores, os cidadãos e o poder público.
A atuação da burocracia nas linhas de frente do Estado deve ser referenciada, em grande parte, por ocuparem uma
posição de decisão em última instância na implementação de políticas públicas. Essa característica é de grande importância, porque abre possiblidades para que suas ações possam ser rebatidas e discutidas pelos cidadãos.
área. A segurança pública tem motivado o desenvolvimento de diversas agendas, por outro lado também tem dividido a
opinião dos profissionais atuantes na área de segurança pública, políticos e cidadãos quanto à possibilidade destas agendas responderem de forma factível e consequente à democratização das práticas de segurança pública, principalmente da
policial.
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Quanto as relações pessoais, na prática, o princípio da impessoalidade, que idealmente norteia a prestação dos
serviços públicos, vê-se relativizado, à medida que no ato da prestação de serviços, ressaltam-se elementos subjetivos, à
base de traços culturais existentes na sociedade, muitos deles indesejáveis, como racismo, machismo, preconceito social,
preconceito sexual entre outros. É o caso do agente público que discrimina negros, mulheres, pobres, homossexuais no
ato da prestação do serviço público.
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A literatura tem abordado essas decisões tomadas pelos implementadores como exercício de sua discricionariedade, considerando que esses agentes têm grande impacto sobre as políticas públicas implementadas devido à autonomia
que possuem no momento da implementação. Assim, podemos considerar que as instituições impactam as práticas dos
burocratas de rua, mas também que as ações, valores, referências e contextos dos indivíduos acabam pro influenciar suas
decisões.
Meyers e Vorsagner (2010) lembram que o alcance e a direção da discricionariedade estão ligados também à complexidade organizacional e das tarefas desempenhadas por eles. Muniz (2008) observa a atuação dos policiais, analisa
a ação desses profissionais e a discricionariedade na aplicação das leis, demonstra como a atuação policial, no que diz
respeito à aplicação seletiva das leis, sofre grande variação individual a partir das escolhas e do exercício da discricionariedade desses policiais.
O exercício da discricionariedade na atuação policial em uma sociedade democrática suscita diversas questões,
estimulando propostas de reformas nas polícias e, ao mesmo, causando polêmica entre estudiosos e profissionais da
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RESUMO
Eu elaborei uma breve revisão histórica em torno das políticas públicas implementadas no Vale do Ribeira no decorrer
do século XX até o momento atual. A pesquisa é qualitativa e foi elaborada a partir de uma revisão bibliográfica. Ao
longo da exposição observa-se um contexto de políticas executadas com pouca efetividade quanto à construção do bem
público. Porém, nota-se um movimento recente de arranjos institucionais mais estruturados e uma sociedade civil mais
organizada, refletindo um quadro de aprendizagem, tensões e desafios em torno do potencial de construção de novas
regras nas arenas e nos ambientes institucionais do território.
Palavras-chave: Políticas Públicas, Território Vale do Ribeira, Sustentabilidade.
ABSTRACT
I Drew up a brief historical review around the public policy implemented on Ribeira Valley territory from the twentieth
century. The research is qualitative and was prepared from a literature review. Throughout the exhibition, there is a context of polícies with little effectiveness as the construction of public good. However, there is a recent movement of more
structrured institutional arrangements and a more organized civil society, reflecting a learning framework, tensions, and
challenges around the potential building of new rules in the arenas and territorial institutional environments.
Key-words: Public Policy, Ribeira Valley Territory, Sustainability.
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Gestor Ambiental e mestre em Ciência Ambiental pela Universidade de São Paulo (USP) [email protected].
INTRODUÇÃO
comunidades indígenas já existentes no Vale (MUNARI, 2009).
O debate em torno da ação estatal no Brasil encontrou fértil terreno com a transição ao regime democrático
das últimas três décadas (O’DONNELL, 1991). Este debate vem sendo estabelecido com uma crescente variedade de
abordagens, dentre elas, a estrutura do Estado, as instituições, os processos e fases de execução da política, a abordagem cognitiva dos atores, e as redes de políticas públicas (GRISA, 2010), visando compreender um novo arcabouço de
premissas da relação Estado-sociedade, tais como a participação popular e gestão social, a descentralização dos arranjos
institucionais, o fortalecimento de entes federados, a redução da máquina estatal, entre outros. Em que pese o papel
historicamente central do Estado no desenvolvimento econômico e no planejamento do país, principalmente a partir do
início do século XX, é clara a heterogeneidade do processo desta intervenção, devido aos contextos e realidades também
diversas do território brasileiro (CEZAR, 2012).
O início do século XX destaca-se a imigração japonesa na região. A colonização nipônica iniciada em 1913 resultou de um acordo entre o governo estadual de Manuel Joaquim Albuquerque Lins (1912-1916) e do Sindicato de Tóquio,
ao qual segundo o acordo, eram asseguradas a doação de terras, a isenção de impostos e o pagamento por famílias instaladas. Em 1918 foi criada a K.K.K.K. (Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha) - Companhia Ultramarina de Empreendimentos
S. A. em Registro, filial da Companhia Imperial Japonesa de Imigração que se tornaria responsável pela colonização
regional (AOKI; LIMA, 2011). Na década de 1930, o governo de Getúlio Vargas (1930-1945) repassa recursos para expansão da produção agrícola de teicultura e bananicultura (MUNARI, 2009). Esta articulação recoloca o Vale nos trilhos
do desenvolvimento econômico, adicionado às obras de abertura de estradas em direção ao planalto paulista e para Juquiá,
visando o escoamento de variedades pela via férrea Santos-Juquiá, construída entre 1913 e 1915 pela empresa inglesa
Southern San Paulo Railway. Entretanto, a integração ao mercado se deu com variedades de baixo valor agregado, essencialmente alimentos de baixo custo. A colonização e a relativa ascendência econômica tão só se resumiram às regiões
mais dinâmicas, notadamente a cidade de Registro e o seu entorno próximo (BRAGA, 1999).
Este ensaio tem por objetivo ilustrar a evolução histórica das políticas públicas direcionadas ao território Vale do
Ribeira paulista, enveredando “na investigação de processos e escolhas que se deram ‘no passado’, mesmo próximo, e
que influenciam o presente” (HOCHMAN, 2007, p. 153). Esta análise será contextualizada a partir do papel do Estado
como indutor do desenvolvimento. Os argumentos estão organizados da seguinte forma: uma breve contextualização do
Vale do Ribeira, seguido pelos comentários sobre as ações regionais iniciadas a partir da metade do século XX, e finalmente alguns comentários sobre as políticas territoriais executadas a partir da última década com o paralelo da discussão
sobre sobreposição de políticas públicas estaduais e federais no território. Termino o escrito com breves comentários
reflexivos em relação às perspectivas políticas no Vale do Ribeira.
VALE DO RIBEIRA: COLONIZAÇÃO E FORMAS DE OCUPAÇÃO
O Vale do Ribeira está localizado na porção sul do Estado de São Paulo, sendo composto por 25 municípios. Sua
população contém 450 mil habitantes ocupando uma área de aproximadamente 18.000 km2, ou, cerca de 7% do território estadual. A região guarda o maior corredor de mata atlântica do país, possuindo inúmeras comunidades tradicionais,
além de ser moradia de agricultores familiares e camponeses, comunidades estas em resultado das investidas históricas
de colonização regional. Recentemente, a região experimenta processos de diversificação da produção agrícola e o crescimento de serviços em torno do turismo ecológico e rural, além do fortalecimento do serviço público regional (SILVA
Jr., 2015).
A ocupação regional data do século XVI, com a fundação da então vila de Cananéia em 1531. Disto decorre a
ocupação do interior via Rio Ribeira de Iguape. Com a descoberta de ouro de aluvião no século XVII, se deu início ao
ciclo de extração, constituindo a cidade de Iguape o nó logístico e econômico regional. No século XIX, das margens do
Rio Ribeira de Iguape surge o ciclo do arroz com base no trabalho escravo. que seria suprimido no fim do referido período devido à expansão cafeeira no planalto paulista e no Vale do Paraíba (CEZAR, 2012; FURTADO, 2005). A maior
parte da população, à exceção de uma pequena elite que produzia arroz “por falta de opção” (VALENTIN, 2006, p. 16),
volta-se para a agricultura de subsistência nas regiões mais afastadas, levando ao processo chamado de “caipirização”
(BRAGA, 1999). Esse processo consolidou as comunidades quilombolas, ribeirinhas e caiçaras em conjunto com as
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A partir da década de 1940, as investidas de colonização e ocupação dão início aos conflitos em torno da posse
da terra e da exploração de espécies da mata atlântica, tal como o palmito Juçara (Euterpe edulis Martius), e a invasão e
compra de terras por grandes fazendeiros. O aumento do desflorestamento da mata atlântica na região motivou a implantação das políticas ambientais de comando e controle, principalmente a partir da década de 1950, sendo o Parque Estadual
Turístico do Alto Ribeira (PETAR) seu marco inicial, além das legislações restritivas à exploração de flora e fauna do bioma1 (ADAMS et al, 2013). Interessante notar, em paralelo à ocupação regional e investidas tímidas econômicas no Vale
do Ribeira na primeira metade do século XX, observava-se no plano nacional e principalmente em São Paulo a expansão
industrial via estratégia de substituição das importações, refletindo a perspectiva desenvolvimentista do Estado da época.
Entretanto, a atuação focada nos centros mais desenvolvidos, notadamente a região sudeste, fez acentuar as disparidades
socioeconômicas regionais (CEZAR, 2012).
A AÇÃO DO ESTADO NO VALE A PARTIR DA DÉCADA DE 1950
A preocupação em torno da integração nacional e da perspectiva regional de desenvolvimento das regiões que não
acompanharam a transição industrial (CEZAR, 2012), foram fatores determinantes para uma atuação estatal mais incisiva no Vale do Ribeira. Em 1950, o governo estadual de Ademar de Barros (1947-1951) inaugurou o Hospital Regional
Dr. Leopoldo Bevilacqua (HRBL) em Pariquera-Açu, que se tornaria referencia regional no atendimento ao público. Em
1961, com o objetivo de integrar a região sul ao resto do país, Juscelino Kubitscheck (1956-1961) inaugura a Rodovia
Regis Bittencourt. A rodovia foi a maior indutora de infraestrutura e dinamizadora da economia no Vale do Ribeira (BRAGA, 1999; MUNARI, 2009; RESENDE, 2002).
O primeiro esboço de planejamento regional partiu do mandato do governador Carvalho Pinto (1959-1962) com o
denominado Plano de Ação. O plano buscava a melhoria, aperfeiçoamento e atualização da atuação do Estado para promoção do aumento da qualidade de vida da população e do desenvolvimento econômico. Deste plano, surge a “Operação
Caiçara”, iniciada com o propósito de formar uma comissão de técnicos e representantes estatais (Comissão 1045), para
a elaboração de estudos voltados a melhor compreensão da complexidade social e econômica do Vale. Cria-se então um
decreto fundindo a Comissão 1045 com a Comissão do Litoral do Estado, com fins de aprofundar os estudos e criar diretrizes voltadas ao desenvolvimento regional (BRAGA, 1999). Apesar das ações previstas no Plano de Ação não serem
implementadas, destaca-se este momento como um marco por ser a primeira vez na qual o Estado se debruça sobre o
Vale do Ribeira com o proposito de solução integrada dos problemas. Por outro lado, a experiência de planejamento foi
perdida com a não execução do Plano de Ação, e o planejamento governamental teve que ser reiniciado do zero para a
região (TODESCO, 2010).
O Governo Adhemar de Barros (1963-1966) primou pela agenda de planejamento regional, elevando o Grupo de
Planejamento à categoria de Secretaria de Planejamento, além da elaboração do Plano de Desenvolvimento Integrado
– PLADI (1964-1969). Apesar do PLADI ter sido considerado uma proposta melhorada do Plano de Ação, a sua elaboração foi realizada sem considerar o quadro orçamentário das secretarias e órgãos diretamente envolvidos, acarretando
na não implementação deste plano (BRAGA, 1999). O governo de Lauro Natel (1966-1967) criou o Plano Global de
Desenvolvimento do Vale do Ribeira e Litoral Sul (PGD-VR). A elaboração deste plano ficou a cargo do Serviço do
Vale do Ribeira (SVR), órgão vinculado ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), que contratou a BRASCONSULT – Engenheiros Projetistas e Consultorias Técnicas Administrativas S.C para a elaboração deste novo plano.
Porém, as ações executadas a partir deste planejamento se resumiram a pequenas obras de infraestruturas e a incidência
de medidas assistencialistas, (BRAGA, 1999).
A entrada do governo Abreu Sodré (1967-1971) reforçou as ações do SVR nas áreas de infraestrutura e exploração de potenciais turísticos. Em 1969 cria-se a SUDELPA, entidade autárquica com o objetivo de promover o desenvolvimento regional articulado com os órgãos estaduais e municipais. A proposta da SUDELPA foi baseada na Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), que por sua vez foi inspirada pelo “Tenesse Valley Autority”,
política desenvolvida nos EUA na década de 1930 voltada ao “desenvolvimento integrado de bacias hidrográficas”, articulando obras de infraestrutura e hidroeletricidade com o desenvolvimento agropecuário de uma dada região (BRAGA,
1999; CEZAR, 2012).
Os mandatos de Lauro Natel (1971-1978) são considerados a fase áurea da SUDELPA, já que mais de 60% de
todo o orçamento durante a história da autarquia foram implantados neste período. Entretanto, a maior parte das obras
de infraestruturas foram direcionadas às porções mais desenvolvidas do Vale. Um dos exemplos mais claros é Ferrovia
Paulista S.A. (FEPASA) construindo os ramais de trem Itararé-Apiaí (1973) e Juquiá-Cajati (1987), ligando-os ao então
ramal Juquiá-Santos, visando o escoamento de produtos da indústria do cimento do grupo Serrana e do grupo Camargo
Corrêa. Além disso, foram direcionados esforços esparsos no sentido de continuidade dos estudos e ações para promover
o turismo, principalmente em Cananéia e Eldorado (BRAGA, 1999; TODESCO, 2010).
O Governo Paulo Salim Maluf (1979-1982) marca a fase negra da autarquia. As implicações políticas entre a
continuidade do desenvolvimento da superintendência pelo governo federal não era de interesse do então governante estadual. O reflexo desta tensão política foi à redução orçamentária da SUDELPA com a consequente interrupção das obras
de infraestruturas e projetos de desenvolvimento do Vale. As ações por parte da autarquia se viram novamente voltadas
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a pequenas obras, com ausência de planejamento e tratamento direto com as prefeituras, reforçando as práticas clientelistas. Como reflexo, intensificou-se os conflitos fundiários e a degradação ambiental, principalmente com a atividade
extrativista (BRAGA, 1999; COMISSÃO CAMPONESA DA VERDADE, 2014; RESENDE, 2002).
Franco Montoro (1983-1986) assume o governo em meio a uma crise econômica a nível mundial (CEZAR, 2012).
Porém, este governo veio com a proposta de priorização, por um lado, das questões ambientais, criando o Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA) em 1983 e a Secretaria do Meio Ambiente (SMA) em 1986 (RESENDE, 2002),
e por outro lado, pelo fortalecimento da gestão democrática, do planejamento regional e do apoio à agricultura familiar,
incluindo o fortalecimento da SUDELPA (BRAGA, 1999). O governo lançou em 1985 o Plano Diretor do Desenvolvimento Agrícola do Vale do Ribeira, o MASTERPLAN. Diferente dos planos anteriores que orientavam esforços na
infraestrutura, o MASTERPLAN foi o primeiro plano que objetivava resolução de problemas dos pequenos agricultores
da região, fundamentalmente a questão da posse irregular da terra, já que, não muito diferente do momento atual, cerca
de 40% das propriedades da região não possuíam situação dominial regularizada (RESENDE, 2002).
Sob o guarda-chuva do MASTERPLAN, o governo integrou o Centro de Desenvolvimento Agrícola do Vale do
Ribeira (CEDAVAL), criado em 1982 como braço operacional da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento
(SAA). Este órgão, foi criado por interesses externos (à saber, do governo japonês), para desenvolver a atividade agropecuária na região. Uma das linhas do CEDAVAL seria a implantação do Projeto de Monitoria Agrícola, voltado aos agricultores familiares. Contudo, o projeto falhou por ter a proposta de investir maciçamente na promoção de uma agricultura
sofisticada e moderna, sem levar em conta “as condições atípicas da região do Vale, dos pontos de vista socioeconômico,
fundiário e ambiental” (IDESC, 2005, p. 17).
Outras ações realizadas direcionadas especificamente a agricultura familiar foi o Projeto Emergencial de Apoio
à Pequena Agricultura (PEAPA), o Programa de Ação Comunitária do Vale do Ribeira (PACI-VR) e o Programa de Regularização Fundiária. Tanto o PEAPA como o PACI-VR não saíram do papel logo no seu início (IDESC, 2005). Já o
Programa de Regularização Fundiária realizou diagnóstico e ações de mediação de conflito fundiário com os pequenos
posseiros. Porém, o programa foi descontinuado com o término do governo Franco Montoro. As ações orientadas ao
desenvolvimento socioambiental serviram para dificultar a prática de clientelismo entre prefeituras e governo do Estado,
o que gerou reação contrária dos prefeitos em relação à SUDELPA. Com a entrada do governo Orestes Quércia (19871991), o tema que tratava sobre o fechamento da SUDELPA ganhou prioridade na agenda de governo, convergindo com
a bandeira dos municípios, pois estes se viam com pouca margem de manobra em relação às práticas clientelistas durante
o governo de Franco Montoro (BRAGA, 1999). Neste momento de crise da superintendência que levava a cabo o planejamento regional, os agricultores familiares simplesmente são esquecidos, já que todas às políticas direcionadas a esta
categoria estavam sob o guarda-chuva da agora extinta SUDELPA.
Se por um lado observamos a intensificação das relações conflituosas entre agentes públicos e comunidades em
decorrência à execução das políticas de desenvolvimento regional, por outro temos um estado, tanto nas esferas federal
e estadual, que reduziu substancialmente suas ações na região ribeirense na década de 1990, principalmente no tocante
ao planos de desenvolvimento regional. Vale ressaltar o contexto internacional centrado pelo Consenso de Washington
que impingiu uma agenda de governo centrada no combate a inflação e equilíbrio fiscal no contexto nacional (CEZAR,
2012). A ação do governo estadual se resumiu ao financiamento de projetos ambientais e de desenvolvimento local em
articulação com Organizações Não-Governamentais (ONGs) que pouco surtiu efeito. Entretanto, vale destacar que, na
década supracitada, os governos da União lançaram políticas até então inéditas para o campo, como o a aposentadoria
rural lançada em 1991, a Lei da Reforma Agrária e do Rito Sumário em 1993, o Programa Saúde da Família (PSF), lançado em 1994 e o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), lançado em 1996. O impacto
destas políticas foi determinante para reduzir o êxodo rural e para criar novas dinâmicas socioeconômicas no campo, gerando indicadores de mudanças sociais e econômicas positivas em relação aos grandes centros urbanos (ABRAMOVAY;
FAVARETO, 2010; ADAMS et al, 2013).
Em 1989 surge no Vale o Consórcio de Desenvolvimento Intermunicipal do Vale do Ribeira (CODIVAR), integrando inicialmente 20 municípios em torno da otimização de ações de desenvolvimento socioeconômico na região
(CRUZ et al., 2009). Junto ao CODIVAR, em 1991 foi criado o Fundo de Desenvolvimento Econômico e Social do Vale
do Ribeira (FVR), o qual serviu para a criação das indústrias têxteis de Registro (FRANÇA, 2005). Em 1996, o governo
de Mario Covas (1995-2001) implementou o Comitê de Bacias Hidrográficas do Rio Ribeira de Iguape e Litoral Sul CBH-RB (RESENDE, 2002), com o objetivo de gestão dos recursos hídricos através dos planos de bacias hidrográficas
e dos projetos financiados pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FEHIDRO). Foi o CBH-RB que participou da
construção do Plano de Emergência executado após as cheias de 1997 que ocorreram no Vale. Entretanto, a maior parte
das ações foram voltadas somente para obras de infraestrutura, contudo, sem o processo de mediação com as populações
mais afetadas pelas enchentes.
Entre 1999 e 2002 há uma primeira integração de ações entre o governo federal e estadual com a realização do
Fórum de Desenvolvimento do Vale do Ribeira, executado a partir do Programa Comunidade Ativa (PCA) do governo
Fernando Henrique Cardoso (1995-2002). A ação foi coordenada em ambas as esferas com o objetivo de induzir a estratégia de Desenvolvimento Local Integrado e Sustentável (DLIS). O processo de execução da estratégia foi amplamente
participativo, o que resultou em 2001 no Programa de Fortalecimento das Vocações das Comunidades do Vale do Ribeira
- Agenda Rural (ROMÃO et al, 2005). A inovação do plano integrou esforços do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS, atual CONDRAF) na esfera federal,
do CODIVAR e do CBH no âmbito estadual e no âmbito local do Sindicato Regional da Agricultura Familiar do Vale
do Ribeira e Litoral Sul (SINTRAVALE). O plano foi elaborado, no entanto, pela ausência de compromisso financeiro
por parte dos governos, impediu a execução do mesmo (IDESC, 2005). Entretanto, esta experiência foi fundamental
para o surgimento de associações, cooperativas e sindicatos da região, além de fortalecer as organizações já existentes
(COELHO; FAVARETO, 2008).
NOVO CICLO DE POLÍTICAS NOS ANOS 2000: CONTINUIDADES E NOVOS DESAFIOS
No início do século XXI foram constituídos novos arranjos institucionais pelo governo federal. Este momento
marca o reposicionamento do Estado como ator central no planejamento do desenvolvimento social e regulador dos
mecanismos econômicos (CEZAR, 2012). Houve a reestruturação das políticas sociais com o surgimento do Programa
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Fome Zero (ADAMS, et al, 2013), e a implementação de políticas públicas de desenvolvimento rural sob o enfoque
territorial (FAVARETO; SCHORDER, 2007; SILVA Jr, 2015), com a implantação do Programa Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Territórios Rurais (PRONAT) lançado em 2003 no governo de Luiz Inácio Lula da Silva
(2003-2010).
No Vale do Ribeira, o arranjo territorial foi formado a partir da articulação de três ministérios: o MDA, o Ministério de Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e o Ministério do Meio Ambiente (MMA), tendo o Consórcio
de Segurança Alimentar e Desenvolvimento Social (CONSAD), fundado em 2004, como a arena de negociação e decisão das ações e verbas disponibilizadas pelos três ministérios. Ainda houve uma tentativa de integração deste arranjo
com o Plano de Ação da Mesorregião Diferenciada Vales do Ribeira e Guaraqueçaba (PROMESO), a cargo do Ministério da Integração Nacional (MIN), porém tal articulação não foi concretizada (SILVA Jr., 2015). Deste arranjo, em 2005
iniciou-se a construção do denominado Projeto Vale do Ribeira Sustentável (PVRS). Este projeto foi coordenado pelo
Instituto para o Desenvolvimento Sustentável e Cidadania no Vale do Ribeira (IDESC), com a intenção de construir
um plano territorial e a construção de editais para fomentar projetos de desenvolvimento e fortalecimento de lideranças
locais. A aplicação de uma metodologia cuidadosamente elaborada de participação e construção do projeto territorial
promoveu uma centelha de empoderamento por parte das organizações da sociedade civil participantes do processo,
além da legitimação do CONSAD como colegiado privilegiado para a busca de demandas e soluções para o desenvolvimento do território (COELHO; FAVARETO, 2008). Entretanto, o PVRS não foi executado devido ao baixo nível de
compromisso por parte dos tomadores de decisão, adicionando-se ao fato da baixa densidade e complementaridade das
instituições locais e regionais quanto a real implementação de um projeto territorial (FAVARETO; SCHRODER, 2007).
Em 2008 foi lançado o Programa Territórios da Cidadania (PTC). Este programa surgiu com a pretensão de dar
continuidade a ações do PRONAT a partir da universalização das políticas sociais em articulação com o desenvolvimento rural sustentável dos territórios. Esta estratégia seria organizada pela integração horizontal e vertical dos governos,
órgãos públicos e organizações privadas visando à viabilização de planos territoriais construídos em articulação aos diferentes atores e interesses. Entretanto, a execução PTC no Vale do Ribeira encontrou inúmeros obstáculos, destacando
a saída do IDESC da coordenação do CONSAD, a dificuldade de articular a participação com as ações do programa e o
crescente número de imbróglios em torno do funcionamento do colegiado. A quantidade de impedimentos chegou a tal
ponto dos participantes decidirem pelo fechamento do CONSAD em 2014, para constituir em seu lugar um Colegiado
de Desenvolvimento Territorial (CODETER) com o objetivo de construir um novo ciclo da política a partir da realização
de convênios com universidades públicas para a gestão do PTC (SILVA Jr., 2015).
Além das políticas federais, o governo estadual criou arranjos institucionais e ações voltadas ao desenvolvimento do Vale do Ribeira. Primeiramente, em 2001 o CODIVAR transforma-se no Consórcio Intermunicipal de Saúde do
Vale do Ribeira – CONSAÚDE, entretanto, sem deixar de atuar nas antigas competências de desenvolvimento regional
(CRUZ et al, 2009). O CONSAÚDE possui um importante papel na gestão da saúde pública regional. Ademais, o Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas do Estado de São Paulo (PEMH), uma das principais políticas do governo
estadual, fruto de um acordo entre o Estado de São Paulo e o Banco Mundial, está sob a incumbência da Coordenadoria
de Assistência Técnica Integral – CATI (NETO; CLEMENTE, 2014). Este programa surgiu a partir da preocupação decorrente da degradação ambiental e pelo combate à pobreza rural, sendo dividido em duas fases: a primeira, executada
entre 2000 e 2008, voltada a projetos de infraestrutura e a segunda, o Microbacias II – Acesso ao mercado foi iniciada
em 2010 e segue em execução. Outra política implementada no âmbito estadual, o Programa Minha Terra (PMT), foi
lançado em 2002 a cargo da Fundação Instituto de Terras de São Paulo (ITESP), órgão da Secretaria e Justiça e da defesa
da Cidadania do estado (GOBBO, 2011). Tendo o objetivo de realizar a regularização fundiária para comunidades mais
vulneráveis, o programa ganhou continuidade e se transformou em política de Estado em 2010. Dentre as ações mais
recentes levadas a cabo pelo governo estadual, o Programa Paulista Agricultura de Interesse Social (PPAIS) foi lançado
pela CATI em 2011, visando fortalecer a comercialização da agricultura familiar via compras públicas. O pouco tempo
de execução e articulação do PPAIS impossibilita qualquer análise mais robusta desta política.
A esquematização abaixo sintetiza o fio de argumentação proposto.
Planos, projetos e programas
2010
2000
CF 88
1980
1960
1940
1920
1900
Linha do tempo das políticas públicas do Vale do Ribeira
Plano de Açao/Operação Caiçara
MASTERPLAN
L. Ref. Agr.
Aposentadoria rural
PSF
PRONAF
PEMH-II/CATI
PEMH-I/CATI
PMT/ITESP
PFZ/MDS
PRONAT/MDA
PVRS
PROMESO/MIN
PTC/MDA
PPAIS/CATI
ZEE/SMA
Arranjos institucionais e
CEDAVAL
CONSEMA
SMA
ABRAMOVAY, Ricardo; FAVARETO, Arilson S. Contrastes territoriais dos indicadores de renda, pobreza monetária e
desigualdade no Brasil da década de 1990. Ruris, v. 4, n. 1, mar. 2010.
Intervenções/
infraestrutura
CODETER/MDA
30
Agradeço as contribuições e críticas elaboradas por Alexandre Antunes Ribeiro Filho.
REFERÊNCIAS
CONSAÚDE
FVR
CBH-VR
DLIS-Agenda Rural
CONSAD-VR
*
As políticas públicas implementadas no Vale do Ribeira evidencia por um lado, a trajetória de inúmeros planos e
ações que não resultaram num diálogo entre a gestão pública e as demandas da sociedade civil, pouco contribuindo para
a construção de um norte orientador e planejado voltado para a sustentabilidade dos processos produtivos e da construção
do bem público (GALVANESE; FAVARETO, 2014). Nota-se como o Estado brasileiro não possui uma atuação homogênea em seu território, onde as estratégias e capacidade de criação de novas estruturas e regras podem variar de uma
região para outra. Na outra mão, numa análise mais detida, percebe-se que a construção de uma estrutura institucional
mais robusta e plural na região ribeirense é mais visível somente a partir da década de 1990. Ou seja, hoje há um maior
número de arranjos institucionais e ações executadas por parte dos diversos entes estatais na região de forma contínua,
apesar da atuação fragmentada e sob forte componente político-partidário (COELHO; FAVARETO, 2008; SILVA Jr.,
2015). Sob o prisma de O’Donnell (1991), percebe-se a resistência do sistema democrático delegativo, ou, um sistema
formado por uma transição democrática recente, com pouca densidade institucional e com a ausência de obrigatoriedade
por parte do tomador de decisão e dos gestores na prestação de contas da gestão pública, o que impossibilita medidas de
questionamento ou sanção por parte da sociedade civil. Entretanto, Coelho e Favareto (2008) sugerem que, as organizações sociais existentes no Vale do Ribeira, importante aspecto regional das últimas três décadas, tem o potencial de criar
eventos de tensões, negociações e pressões em torno de suas demandas. Adiciona-se a manutenção da mata atlântica e a
riqueza sociocultural do Vale como atributos imprescindíveis para alavancar estratégias de desenvolvimento territorial
sustentável. É possível conceber um cenário na qual a sociedade civil organizada forme redes de pressão nas diferentes
arenas da gestão pública em torno da construção de maior convergência quanto à atuação territorial integrada, múltipla,
com perspectiva ao longo prazo sob a ótica da sustentabilidade.
AGRADECIMENTOS
SUDELPA
CODIVAR
CONSIDERAÇÕES FINAIS
K.K.K.K.
Ramal Santos-Cajati*
Hospital Dr. Leopoldo Bevilacqua
PETAR
BR-116
Plano de Emergência Contra Cheias
Governo Estadual
Governo Federal
Construída pela Southern San Paulo Railway , comprada pela FEPASA em 1971 e desativada em 1997.
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(Endnotes)
1
Silva Jr. (2015) e Todesco (2010) possuem uma lista atual das unidades de conservação. Resende (2002) e Gomes
e colaboradores (2013) abordam os impactos socioambientais da legislação florestal. Para uma análise histórico-ecológica regional, ver Adams e colaboradores (2013). Oliveira e colaboradores (2015) abordam o processo de implementação
do Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro e o Zoneamento Ecológico Econômico, que está em fase de consulta
popular e audiências públicas.
DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS:
UM ESTUDO DE CASO NO VALE DO RIBEIRA, PR, BRASIL
Dayana Lilian Rosa Miranda1; Bruno Martins Augusto Gomes2
RESUMO
No parte paranaense do Vale do Ribeira (Brasil), encontram-se as mais baixas taxas de Índice de Desenvolvimento
Humano – IDH da região. Dessa forma, o governo deste estado considera o território como sendo prioritário para a
implementação de um conjunto de políticas públicas que visem melhorar as condições de vida da população local.
Dessa forma, mediante um estudo de caso no Vale do Ribeira - PR, este artigo tem como objetivo analisar como o
desenvolvimento rural de um território é influenciado pelas ações do setor público. Para tanto, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica junto a observações in loco, com o intuito de, respectivamente, coletar dados históricos sobre o tema e
verificar a condição em que a região se encontra atualmente. Assim, foi possível constatar que o Vale do Ribeira participou
de forma marginal dos benefícios que o conjunto de políticas públicas direcionadas à região, com exceção daqueles
produtores mais estruturados e/ou mais integrados ao mercado. A pecuária e o reflorestamento de Pinus e Eucalyptus
tiveram um forte incremento nesse período, aumentando ainda mais a concentração fundiária e de renda na região. Assim,
pode-se concluir que a agricultura familiar tem relevância no alcance do desenvolvimento rural e sustentável do meio,
mas este êxito é dependente das políticas públicas.
Palavras-chave: Desenvolvimento Rural. Sustentabilidade. Vale do Ribeira.
ABSTRACT
In its the part of Paraná state, Vale do Ribeira (Brazil) are the most lowest rates of Human Development Index - HDI, that
makes the region to be considered by Paraná government as priority for a set public policies implementation that aim at
to improve the local population life conditions. Therefore, through a case study of Vale do Ribeira, this article has with
goal to analyze how the rural development of a territory is influenced by the public sector actions. Thus, was realized
a bibliographic search and on-site observations, in order to, respectively, to collect historical data about the theme and
to verify the current territory condition. Therefore, was possible to find that the Vale do Ribeira participated marginally
of the public policies benefits directed to the region, with the exception those more structured producers and / or more
integrated to the market. The livestock and the reforestation of pine and eucalyptus had an increase strong in this period,
further increasing land concentration and income in the region. Thus, we can conclude that the family farming has relevant
to achievement of rural and sustainable environment development, but this success is dependent of the public policies.
Key-words: Rural Development. Sustainability. Vale do Ribeira.
1 Mestra em Planejamento Territorial e Desenvolvimento Socioambiental – UDESC. E-mail: [email protected]
2
Doutor em Políticas Públicas - UFPR. Professor da UFPR. E-mail: [email protected]
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1. INTRODUÇÃO
Segundo Navarro (2001), durante muito tempo, o desenvolvimento rural foi associado ao conjunto de ações
do Estado e de organismos internacionais destinados a intervenções nas regiões rurais pobres que não conseguiam se
integrar ao processo de modernização agrícola, preconizando ações de intervenção dirigidas e orientadas sob um caráter
compensatório. Esta realidade se fez presente na região do Vale do Ribeira (PR) a qual conta com ricos patrimônios
ambientais e culturais, porém acusa baixa qualidade de vida e desenvolvimento econômico em função das características
geográficas e das opções de políticas públicas vinculadas à região.
O território do Vale do Ribeira está localizado na Bacia Hidrográfica Ribeira do Iguape e no Complexo Estuarino
Lagunar de Iguape-Cananéia-Paranaguá, abrangendo as regiões sudeste do Estado de São Paulo e leste do Estado do
Paraná. A região paranaense é composta por sete municípios: Adrianópolis, Bocaiúva do Sul, Cerro Azul, Doutor Ulisses,
Itaperuçu, Rio Branco do Sul e Tunas do Paraná.
Este território tem sua base econômica atrelada, principalmente, à agricultura familiar - com predomínio de culturas
de milho, feijão e mandioca, e ao extrativismo vegetal e mineral. A agricultura ocupa 30% do território, emprega 70% da
mão-de-obra, gera 60% da arrecadação municipal e contribui com cerca de 20% do PIB regional (IPARDES, 2011). Mas
na região do Vale do Ribeira estão as mais baixas taxas de Índice de Desenvolvimento Humano, apresentando um IDH
media de 0,65 - o que a faz ser considerada pelo governo paranaense como prioritária para a implementação de um de
políticas públicas que visem melhorar as condições de vida da população local.
Dessa forma este artigo tem como objetivo analisar como o desenvolvimento rural de um território é influenciado
pelas ações do setor público mediante um estudo de caso do Vale do Ribeira. Para tanto, em termos metodológicos, foi
realizada uma pesquisa qualitativa adotando a análise bibliográfica e a observação in loco, com o intuito de, respectivamente,
coletar dados históricos sobre o tema e constatar a condição em que este território se encontrava. Como estratégia da
pesquisa, optou-se por adotar a abordagem de estudo de caso, pelo fato desta ser uma estratégia de investigação em que
o pesquisador explora profundamente um programa, um evento, uma atividade ou um processo (Creswell, 2010). Então,
foi elaborada a análise dos dados coletados, a qual é exposta a seguir pautando-se em um resgate das principais políticas
públicas que impactaram no desenvolvimento rural do território. Por fim, expõe-se uma síntese desta relação entre as
ações implementadas pelo setor público e o desenvolvimento rural alcançado a partir da experiência do Vale do Ribeira,
assim como são apresentadas propostas para pesquisas futuras comprometidas com a temática.
2. DESENVOLVIMENTO RURAL
Navarro (2001) expõe que o “conceito de desenvolvimento rural altera-se ao longo do tempo, influenciado por
diversas conjunturas e, principalmente, pelos novos condicionantes que o desenvolvimento mais geral da economia e da
vida social gradualmente impõem às famílias e às atividades rurais”. Ainda segundo o autor:
Desenvolvimento rural, portanto, pode ser analisado a posteriori, neste caso referindo-se às análises sobre
programas já realizados pelo Estado (em seus diferentes níveis) visando a alterar facetas do mundo rural a
partir de objetivos previamente definidos. Mas pode se referir também à elaboração de uma “ação prática”
para o futuro, qual seja, implantar uma estratégia de desenvolvimento rural, para um período vindouro
(assim, existiriam diversas metodologias de construção de tal estratégia, bem como um amplo debate sobre
seus objetivos e prioridades principais) (NAVARRO, 2001, p.88).
Entende-se por desenvolvimento rural, a melhoria das condições de vida das pessoas residentes nas áreas e regiões
rurais, através de processos sociais que respeitem e articulem os princípios de eficiência econômica, equidade social
e territorial, qualidade patrimonial e ambiental, sustentabilidade, participação democrática e responsabilidade cívica
(BRASIL, 2003).
Conforme Moreira e Carmo (2004), o termo desenvolvimento rural foi disseminado notadamente na década de
1970, como estratégia para contrabalançar os efeitos negativos da modernização da agricultura que incidia sobre os
países do terceiro mundo, convergindo com o modelo de “desenvolvimento comunitário” amplamente aplicado pelas
agências internacionais de desenvolvimento durante as décadas de 1950 e 1960. Já na década de 1980, eis que surge
então outro intento modernizador revolucionário, agora implementado por meio de técnicas e estruturas de difusionismo
mais agressivas e integradas. Era o Desenvolvimento Rural Integrado que surgia a partir de teorias sociológicas,
antropológicas e econômicas da modernização agrária, com base nas premissas de que: 1) a causa da pobreza rural nos
países subdesenvolvidos era a carência de tecnologias adequadas às suas circunstâncias e à falta de capital humano para
realizar a mudança tecnológica; 2) o responsável por essa carência de capital humano era a falta de investimentos em
pesquisa, experimentação agrícola e educação rural; e 3) a falta de investimentos devia-se às políticas nacionais que não
valorizavam a agricultura (MOREIRA e CARMO, 2004).
No Brasil, nos anos de 1990 a sustentabilidade foi incorporada às estratégias de desenvolvimento rural, sob a
forma de programas de desenvolvimento rural sustentável, agora mediante a industrialização sustentável da agricultura
(Moreira E Carmo, 2004). Schneinder (2010) acredita que, a partir desse período, as políticas públicas e discussões
teóricas sobre o desenvolvimento rural reemergiram em bases inteiramente diferentes daquelas da década de 1970.
Sob influência das transformações sociais, políticas e econômicas que se operaram no âmbito do Estado brasileiro, as
discussões específicas sobre o tema do desenvolvimento rural e as políticas governamentais voltaram-se para a reforma
agrária, crédito para agricultura familiar, segurança alimentar, combate às formas precárias de trabalho, regularização
fundiária, apoio às populações tradicionais (quilombolas, ribeirinhos) e ações de desenvolvimento territorial.
Porém, Moreira e Carmo (2004) destaca a também presente a estratégia de industrializar sustentavelmente a
agricultura gerando um modelo hegemônico que padroniza o manejo industrial dos recursos naturais, sem levar em
consideração as especificidades de cada país, território, região ou lugar. Altieri (2002) esclarece que tal forma de
manejo é incompatível com o conceito de sustentabilidade ecológica, pois a agricultura industrializada transforma os
ciclos naturais e os processos biológicos, forçando as bases da reprodução biótica do ar, da água e da terra. Assim,
entende-se como Desenvolvimento Rural Sustentável – DRS um conjunto de práticas e tecnologias aplicadas ao meio
rural que possibilite a exploração e utilização racional dos recursos naturais com o menor impacto possível, propiciando
a sustentabilidade do meio também para as gerações futuras (ALTIERI, 2004). Segundo Maluf (2001) a temática territorial permitiu a emergência, na definição de políticas públicas, de
um discurso de revalorização do meio rural, antes negligenciado em ações de desenvolvimento regional, que eram
basicamente voltadas para a estruturação dos espaços urbanos. O meio rural deixa de ser entendido somente por suas
características produtivas e passa a ser valorizado também por seus aspectos sociais, culturais e ambientais; assim como
o posicionamento contrário à dicotomia rural-urbano, que negligencia as relações sociais desenvolvidas na prática em
decorrência dos diversos mecanismos de integração entre estes espaços.
De acordo com o MDA (2003), as políticas de desenvolvimento territorial devem levar em consideração as quatro
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dimensões elementares do desenvolvimento, quais sejam: (i) economia, (ii) sociedade e cultura, (iii) ambiente e (iv)
política e instituições; sendo necessário entender os processos de desenvolvimento como algo que envolve múltiplas
dimensões, cada qual contribuindo de uma determinada maneira para o futuro e a sustentabilidade do território.
Abramovay (2010) acrescenta que a concepção de território abre caminho para um avanço notável na concepção
do estudo do desenvolvimento, visto a ênfase na maneira de como os diferentes atores – públicos, privados e sociedade
civil organizada – relacionam-se no plano local. Martins (2009) discute a abordagem em que se refere ao desenvolvimento
e regulação socioambiental dos territórios rurais a partir de esferas públicas de governança política das áreas rurais que
venham a representar, além dos interesses agrícolas, os demais setores sociais ligados à dinamização e otimização das
economias locais e regionais e a preservação da cultura.
Fox (1990), Navarro (1999, 2002) e Martins (1999, 2003), indicam que os processos de desenvolvimento ligados
à participação e organização popular podem e devem contribuir efetivamente para estimular a “emancipação social”, criar
mecanismos de responsabilização (accountability) e promover a democratização da sociedade, a participação dos atores
e a coesão social e territorial.
No entanto, Schneinder (2010) sustenta a afirmativa de que a formulação da agenda de ações do Estado é menos
influenciada pelos demandantes diretos das políticas, no caso os agricultores e as populações rurais, do que pelos
estudiosos e mediadores. O autor relata que a agenda de questões que formam as políticas de desenvolvimento rural do
Estado brasileiro desde a década de 1990 é permeada pelas ideias e propostas colhidas pelos formuladores de políticas
(police makers) junto aos estudiosos e mediadores.
Cazella (2012) defende uma formulação de políticas públicas de desenvolvimento rural mais próxima das
propostas do desenvolvimento territorial, ou seja, contemplando: (i) ações permanentes de reassentamentos de famílias
para o alcance do reordenamento territorial e fundiário - reforma agrária e crédito fundiário; (ii) microfinanças; (iii)
pluriatividade - exercício de outras atividades remuneradas associadas à agricultura; e (iv) a valorização do caráter
multifuncional da agricultura familiar - segurança alimentar, conservação ambiental, manutenção de paisagens rurais,
geração de novas ocupações, entre outros.
Neste sentido Abramovay (2010) argumenta que num país marcado pela tradição latifundiária como o Brasil, o
acesso à terra, ao crédito e ao mercado são fundamentais para o processo de desenvolvimento rural. Como exposto por
Guimarães (1977) o latifúndio é o grande responsável pelo atraso no campo – afinal este apresentava baixos índices de
produtividade e altos índices de exploração dos trabalhadores rurais.
Em suma, acredita-se que os estudos sobre o desenvolvimento rural no Brasil precisam buscar uma maior
emancipação do modelo de desenvolvimento adotado a partir das ações do Estado, das políticas públicas e até mesmo da
participação social, em vias de atingir uma perspectiva real da necessidade emergencial dos processos de mudança social.
3. DESENVOLVIMENTO RURAL E POLÍTICAS PÚBLICAS NO VALE DO RIBEIRA
O Vale do Ribeira – PR conta, a partir dos anos 1970, com um conjunto de ações de Programas Governamentais
que dão ênfase para a agricultura da região. Dentre as políticas públicas implantadas na região anteriormente, merece
destaque o Programa Integrado de Desenvolvimento do Litoral e Alto Ribeira – PRODELAR, criado em 1976 pelo
governo do Paraná, que objetivava sumariamente o desenvolvimento da região Litoral e Alto Ribeira (BIANCHINI,
2010). Este Programa não via na atividade um potencial projeto voltado ao desenvolvimento “econômico” da região,
por isso ele priorizou a atividade de pesquisa e exploração mineral como sendo uma atividade econômica com potencial
para o alcance do então desenvolvimento econômico do território. Segundo mesma fonte, dentre as políticas de médio e
longo prazo, foram previstas a criação de um polo cimenteiro na região e, em segundo plano, o aproveitamento da laranja
em Cerro Azul. Como políticas de curto prazo, de forma marginal foi previsto o apoio à agricultura em cadeias como a
do leite, fruticultura (mamão e citrus), olericultura (tomate, pimentão e alho) e as culturas de subsistência, além de um
programa de regularização fundiária dos municípios que compõe o território.
Porém, a fragilidade da assistência técnica e do investimento em pesquisa, a ausência de cooperativas, bancos,
agroindústrias bem como canais de mercado e meios de escoamento da produção impossibilitaram a consolidação de
cadeias como a da hortifruticultura, a do leite e da laranja (BIANCHINI, 2010). Já a prioridade do PRODELAR, que era
investir em pesquisa e exploração mineral, acabou se concretizando quando subsídios governamentais foram destinados à
pesquisa e exploração mineral, acarretando no fortalecimento e ampliação do polo cimenteiro nos municípios de Itaperuçu
e Rio Branco do Sul.
Souza (1976) expõe que, frente às limitações impostas pelo relevo do território, fortaleceu-se, na década de
1970, uma outra atividade econômica impulsionada pelos incentivos fiscais promovidos pelo Governo Federal na região,
sendo estes revertidos para plantios comerciais de madeira de reflorestamento de Pinus e Eucalyptus, tendo em vista
que a região não seria supostamente adequada para a agricultura mecanizada. Destaca-se que, naquele período, tem-se o
processo de modernização da agricultura no Brasil como um marco histórico no que tange ao desenvolvimento do setor
agrícola nacional. Souza (1976) afirma ainda que com a implantação das áreas de reflorestamento muitas comunidades
e porções de área rural de municípios inteiros acompanharam a desconfiguração do verde da Mata Atlântica presente
no Vale do Ribeira, causada pela ação do vento e do homem. Destaca-se que nos municípios de Rio Branco do Sul e
Itaperuçu o reflorestamento das espécies é mais significativo e recorrente.
Na década de 1980 tem-se no governo do estado o Programa de Apoio à População Carente do Alto Ribeira
- PRÓ-RIBEIRA, criado como parte integrante do Programa de Desenvolvimento Regional - Apoio às Populações
Carentes, elaborado pelo IPARDES e financiado por agências multilaterais de desenvolvimento (BIANCHINI, 2010).
A proposta era a promoção do incentivo à melhoria da produção de culturas de subsistência, como o milho e o feijão,
aos novos implementos agrícolas de tração animal, à citricultura, à pecuária (leite, caprinocultura e suinocultura).
Ele trabalhava ainda as temáticas de apicultura, armazenagem, comercialização, melhoria de estradas, regularização
fundiária, saneamento rural, e até mesmo a diversificação da pequena propriedade a partir do reflorestamento de Pinus ou
Eucalyptus e/ou Bracatinga ou Erva-mate, em áreas impróprias à agricultura em até três hectares da propriedade. O
resultado revelou que a diversificação agropecuária foi modesta, ao passo que o reflorestamento de Pinus e Eucalyptus
foi significativo, principalmente no que tange aos municípios de Itaperuçu e Rio Branco do Sul.
Ainda na década de 1980 ocorreu o Projeto Integrado de Apoio ao Pequeno Produtor Rural - PRÓ-RURAL,
criado em 1981 pelo Governo do Estado do Paraná com apoio do BID, visando à ampliação da estrutura da ATER, da
Pesquisa, do apoio ao associativismo, criação de associações e melhora de infraestrutura e dinamização do uso do crédito
rural (BIANCHINI, 2010). O PRÓ-RURAL tinha o objetivo de aumentar a produção agropecuária, o nível de renda
dos produtores e, consequentemente, a qualidade de vida. Como resultado, o Programa proporcionou um incremento às
principais cadeias produtivas da região, com um alcance pequeno no universo dos pequenos agricultores, beneficiando,
34
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portanto, agricultores com melhor nível de tecnologia. Porém, o impacto mais significativo que se pode atribuir ao PRORURAL foi a recuperação da “máquina estatal” durante os anos 1980, dando a ela condições de operacionalidade através
da criação de novos escritórios da EMATER, com a consequente ampliação no número de técnicos, veículos e rede de
apoio à pesquisa na agricultura.
Segundo a mesma fonte, em 1989, é implementado o Programa de Manejo das Águas, Conservação do Solo e
Controle da Poluição em Microbacias Hidrográficas - PARANÁ RURAL. Este previa a conservação de solos e da água
e o controle da poluição, além de confirmar a microbacia hidrográfica como unidade de planejamento e ação prioritária
para as regiões mais dinâmicas da agricultura e uma das mais impactadas pelo uso intensivo do solo. Este novo Programa
foi priorizado em relação ao PRÓ-RURAL. Assim, foram priorizadas as áreas mais férteis e dinâmicas do Estado, que são
as regiões norte e oeste, com uma agricultura mais intensiva e uma maior demanda de manejo do solo e da água, assim
como de controle da poluição. Logo, os investimentos do PARANÁ RURAL no Vale foram proporcionais à importância
econômica da região e à capacidade de contrapartida de seus agricultores ou ainda a adequação da tecnologia e da
assistência técnica à realidade regional, recebendo o território, assim, poucos recursos.
Com o término do PRÓ-RURAL é criado então, em 1998, o Paraná 12 Meses, executado pelo Governo do Estado
com apoio financeiro do Banco Mundial, estando em atividade até abril de 2006. Os componentes básicos do Programa
previam o desenvolvimento social e produtivo do beneficiário e o fortalecimento institucional e desenvolvimento
tecnológico. Em sua concepção o programa se pautava na viabilização da agricultura a partir dos agricultores e seus
familiares, enquanto cidadãos e profissionais da agricultura. O Paraná 12 Meses propunha avançar nos hortifrutigranjeiros
e na revitalização da cafeicultura além de agregar mais valor na produção com o incremento da agroindustrialização,
traduzidas em um plano de ação. Porém, o Programa favoreceu agricultores localizados em áreas mais férteis com
sistemas mais intensivos, o que não era o caso do Vale do Ribeira. O apoio à agricultura foi pequeno, não atendendo
novamente às reais demandas dos agricultores familiares da região, principalmente os de menor renda. Em relação ao
meio ambiente, faltou a adequação das propostas técnicas do Programa às reais necessidades dos agricultores e da região
(BIANCHINI, 2010).
Nas duas primeiras décadas dos anos 2000 encontram-se disponíveis para acesso por parte dos agricultores as
seguintes políticas públicas voltadas para a manutenção, apoio e desenvolvimento da agricultura familiar: o (i) Programa
Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – PRONAF, que objetiva fortalecer as atividades desenvolvidas pelo
produtor familiar por meio da integração do agricultor com a cadeia produtiva; (ii) Programa de Aquisição de Alimentos
– PAA, que visa adquirir produtos da agricultura familiar para formacao de estoques de alimentos, controlar preços,
e realizar doações simultâneas para famílias e grupos sociais em situação de insegurança alimentar; o (iii) Programa
Nacional de Alimentação Escolar – PNAE, que oferta refeições balanceadas e nutritivas a estudantes da rede pública de
ensino; o (iv) Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural - PRONAMP que é voltado ao médio produtor rural,
sendo financiamentos cedidos quando a renda do agricultor ultrapassa o valor máximo de investimento estabelecido pelo
PRONAF; o (v) Programa de Garantia da Atividade Agropecuária – PROAGRO, que consiste em um seguro da safra;
o (vi) Finame Agrícola, que consiste no auxílio via crédito, à produção e à comercialização de máquinas, implementos
agrícolas, bens de informática e automação destinados à produção agropecuária; e por fim, o (vii) ABC da Agricultura de
baixo carbono, que é uma linha de crédito que tem como objetivo incentivar a adoção de técnicas agrícolas sustentáveis
que contribuam para a redução das emissões de gases de efeito estufa e para a preservação dos recursos naturais.
Contudo, o território do Vale do Ribeira participou de forma marginal desse processo, em se tratando do
desenvolvimento regional que tais políticas públicas implementadas poderiam ter trazido ao território, embora produtores
mais estruturados e/ou mais integrados ao mercado tenham se beneficiado diretamente desde as últimas décadas do século
XX. A pecuária e o reflorestamento de Pinus e Eucalyptus tiveram um forte incremento nesse período, aumentando ainda
mais a concentração fundiária e de renda na região.
Os sujeitos locais envolvidos relatam que antes da década de 1970 a economia agrícola local era boa, mas que os
modos de produção eram um tanto quanto sofridos para o agricultor. Após esse período veio uma crise para a agricultura
local, com uma queda significativa nos preços e a desvalorização dos principais produtos destinados à comercialização
(milho, feijão e mandioca), acarretando no abandono das atividades da lavoura e grande êxodo rural nos municípios por
conta do fato. Grande parcela dos agricultores que permaneceram no campo arrendou suas terras para plantações de Pinus
e Braquiária para o gado, fato que acarretou no empobrecimento e infertilidade do solo. Com isso, intensificaram-se os
processos de queimada e inserção de adubos químicos e/ou sintéticos no solo, o que somou para um maior empobrecimento,
aceleração de processos de erosão e infertilidade dos solos cultiváveis da região.
Os agricultores familiares, sem maiores opções, se inseriram crescentemente na dinâmica do mercado - a
monocultura extensiva do Pinus e Eucalyptus, fato que acarretou na perda de autonomia do processo produtivo, forçando
muitos agricultores familiares a migrarem para outros locais. Muitos agricultores familiares ainda não têm acesso à
regularização fundiária de suas propriedades, o que dificulta o acesso a um conjunto de políticas públicas como o crédito
rural, habitação e subsídios governamentais via projetos de desenvolvimento rural, sem falar na produção agrícola, que
depende do acesso à terra para ser desenvolvida.
Há um sentimento presente nos locais de que a agricultura nos municípios está acabando devido ao envelhecimento
das pessoas que habitam o campo, permanecendo no meio rural somente os pais e avós, visto que a juventude está
migrando para os pólos urbanos e também por conta dos efeitos que o cultivo do Pinus e a extração de minérios irão
acarretar ao solo e, consequentemente, à atividade da agricultura futuramente, ao passo que outros atores envolvidos
citam a necessidade de “corrigir os erros do passado” através da recuperação do solo e utilização do manejo orgânico e
agroecológico na cultura de produção.
Contudo, segundo os sujeitos ligados à agricultura familiar local, a partir do início dos anos 2000, a realidade
do Vale do Ribeira obteve melhoras com a criação das entidades representativas de classe, a utilização de maquinário
no campo nas áreas apropriáveis, a facilitação do transporte da mercadoria produzida, a diversificação da produção para
subsistência e comercialização e o acesso por parte dos agricultores familiares às políticas públicas e programas de
governo tratados no presente estudo.
Como possíveis soluções para aperfeiçoar a agricultura local foram citadas questões inerente à recuperação das
práticas antigas de mutirões (puxirões); a permanência dos programas atuais de governo, o aumento das cotas e criação de
novos programas em prol do benefício do setor, independente da mudança de governo; a ampliação dos canais de mercado,
a melhoria na logística de comercialização e valorização dos preços dos produtos; o desenvolvimento de agroindústrias
locais, para beneficiar e processar os alimentos produzidos localmente; a profissionalização do meio rural através da
oferta de capacitação, principalmente para os jovens; o estimulo à produção orgânica e agroecológica e a facilidade de
acesso à certificação dos produtos; assim como a melhoria na assistência técnica de produção.
Portanto, sob o ponto de vista adotado na presente pesquisa, tem-se que a modernização da agricultura representou
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o processo pelo qual o progresso tecnológico se internalizou na agricultura, modificando o tipo de relação que o agricultor
estabelecia com a natureza e os sistemas produtivos, mostrando desarticulação dos sistemas de valores preexistentes e o
abandono de formas tradicionais de sociabilidade em comunidades tradicionais. Nota-se também que os agricultores que
não tinham acesso à terra e a outros recursos produtivos não se ajustaram às condições do modelo vigente, permanecendo
a grande maioria fora da dinâmica de “desenvolvimento rural”.
Em suma, a lógica operacionalizada a partir das políticas públicas vistas em campo, revela uma perspectiva de
reintegração e fortalecimento da produção de alimentos a nível local, propiciando aos agricultores familiares estratégias
antes não acessadas de subsídios de produção e comercialização, de modo a estruturar condições que permitirão a
comercialização através de outros instrumentos locais e regionais. As atuais políticas públicas em vigência nos municípios
revelam uma garantia das condições de mantenimento do agricultor familiar no campo, ao que se refere à racionalidade
econômica e produtiva e a oportunização de ressignificação das relações internas e externas da lógica familiar, representando
um instrumento de “subsídio” da agricultura familiar, com foco no estímulo à produção de alimentos para o consumo local.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em um país marcado pela visível tradição latifundiária como o Brasil, o acesso à terra, ao crédito, ao mercado e
todos os subcomponentes implícitos no processo consistem em iniciativas primordiais para composição do alcance do
desenvolvimento para as populações residentes no meio rural. Neste cenário, políticas públicas voltadas para o fortalecimento
da agricultura familiar possibilitam novos rumos para o alcance do desenvolvimento rural com equidade social e melhoria
na qualidade de vida dos agricultores. Portanto, este texto teve o objetivo de analisar como o desenvolvimento rural de um
território é influenciado pelas ações do setor público mediante um estudo de caso do Vale do Ribeira.
Ficou evidente que está institucionalizado entre os tomadores de decisão do setor público a formulação de políticas
públicas voltadas para a regiao do Vale do Ribeira, porém, estas pouco alcançam a promoção do desenvolvimento
sustentável deste território. Algumas, como as relacionadas à pecuária e ao reflorestamento de Pinus e Eucalyptus inclusive
aumentaram a concentração fundiária e de renda na região. Da mesma forma é comum estas gerarem benefícios para
alguns produtores mais estruturados e/ou mais integrados ao mercado.
Como implicação teórica, este artigo expõe a relevância da agricultura familiar para o alcance do desenvolvimento
rural e sustentável do meio, realçando a dependência destes objetivos em relação às políticas públicas e agricultura na
discussão e redimensionamento do modelo predominante de desenvolvimento rural. O mesmo processo que gerou a
exclusão e o abandono do campo por famílias de agricultores de pequena escala, também foi responsável pelo surgimento
de uma nova dinâmica no campo, que vem apontando caminhos considerados viáveis como solução para uma permanência
digna de homens e mulheres no meio rural por meio da agricultura familiar. Desde os anos 1990, vem surgindo uma
legitimação desta enquanto estratégia desenvolvimento rural sustentável e no cenário político que envolve o setor.
Como implicação prática permite defender a importância dos agricultores familiares organizados sob a forma
de modelo baseado nos moldes cooperativos/associativos organizem sua produção e comercialização. Esta articulação
se constituirá como um veículo de comercialização, mas também como uma ferramenta de politização dos agricultores
de base familiar, de desenvolvimento de processos culturais de produção orgânica e agroecológica. Portanto, funcionará
como um estímulo do desenvolvimento rural a partir do local.
Finalmente, pesquisas futuras podem dedicar-se a investigação com os diversos sujeitos envolvidos acerca de
uma possível mudança de enfoque na aplicação das políticas públicas em curso pudesse ter sido continuada, de modo
a criar condições que alterem o ambiente institucional local e regional, revelando potencialidades e criando assim, de
forma conjunta, estratégias que possam vir a ter implicações no desenvolvimento e na definição de políticas públicas
e diretrizes de planejamento e gestão ligadas ao desenvolvimento rural sustentável, de forma a organizar os processos
político-institucionais ligados à agricultura familiar e sua dinâmica socioprodutiva local e regional. Também como lacuna
de pesquisa teve-se o não mapeamento, por insuficiência de dados disponíveis, da distribuição espacial das políticas
públicas em curso, seguido da impossibilidade de categorização de acesso através de um mapa ilustrativo que mostrasse
a realidade in loco dos principais perfis de beneficiários, as comunidades em que estão situados, se são residentes ou não,
as principais atividades agropecuárias envolvidas, entre outros, ferramenta que possibilitaria gerar um diagnóstico atual
das políticas públicas em curso e até mesmo um prognóstico e/ou cenário ideal baseado nos dados coletados em campo.
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SOUZA, D. M. P.. Alterações físicas químicas e biológicas provocadas pela cultura de Pinus em alguns solos do
Paraná. Curitiba: SCA UFPR, 1976 (mimeografado).
PARLAMENTARES EM AÇÃO: UM ESTUDO DAS PROPOSITURAS DE QUATRO DEPUTADOS FEDERAIS EVANGÉLICOS DO ESTADO DO PARANÁ NA 54ª LEGISLATURA.
Fernando Henrique de Sousa Paz1
RESUMO
Esta pesquisa analisa atuações de deputados federais do estado do Paraná integrantes da Frente Parlamentar Evangélica
entre os anos 2011-2015. O objetivo é identificar autorias, temas pautados e a presença de temas ligados à teoria do
desenvolvimento sustentável em proposituras na Câmara dos Deputados do Brasil, durante a 54ª Legislatura. Acreditase que a metodologia empregue e o resultado da análise das proposituras parlamentares podem contribuir com novos
estudos da atuação parlamentar.
Esta pesquisa analisa parte da atuação dos deputados federais do estado do Paraná integrantes da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) no Congresso Nacional do Brasil entre os anos 2011-2015. André Zacharow, Edmar Arruda,
Fernando Francischini e Hidekazu Takayama foram os parlamentares paranaenses que na 54ª Legislatura da Câmara dos
Deputados compuseram a FPE.2
Existem n formas de se buscar conhecer os sentidos da atuação parlamentar, inclusive aquelas que partindo da
análise de produções jornalísticas sobre as atividades dos parlamentares, ou de entrevistas com os próprios parlamentares, acerca dos motivos para suas proposituras, também buscam explicar particularidades de um conjunto de relações
sociais que tem na atuação parlamentar uma de suas expressões. A forma escolhida, nesta pesquisa, para apreender particularidades da atuação parlamentar, bem como da base social na qual se assentou tais atuações – porque se há atuação
parlamentar há base social onde ela se assenta – prioriza a análise do conteúdo das proposituras parlamentares, considerando os parlamentares como propositores de temas apreciados no parlamento e os assuntos pautados como aquilo que
possibilitou determinados relacionamentos entre um conjunto de parlamentares da câmara baixa do Brasil.
Aqui, considerou-se, após identificadas mais de cinco centenas de proposituras, que determinado conjunto de
parlamentares formou uma rede de relacionamentos ao pautarem, individual ou coletivamente, uma série de assuntos
– como se verá a seguir – no parlamento. Para tanto foi necessária, inicialmente, a identificação dos elementos – temas
pautados – capazes de unir maior ou menor conjunto de parlamentares. Esses elementos, aqui, não são considerados os
únicos a possibilitarem relacionamentos entre parlamentares no interior daquela instituição, tampouco se pode afirmar
a existência de outros elementos, ou de outros tipos de relacionamentos, a partir da metodologia empregue para analise
dos dados coletados.
Compreendemos a atuação parlamentar como ação de influenciar sobre todas as partes do Estado-Nação (o executivo, o legislativo, o judiciário, as forças armadas e as instituições públicas ou privadas) a partir do parlamento.
A teoria do desenvolvimento sustentável abrange um campo vasto de conhecimentos que tem como principal
razão de ser a preocupação com o impacto da atividade humana nos recursos naturais, hoje e amanhã. Diminuir tal impacto, proteger e garantir recursos naturais para as gerações futuras, sem deixar de lado preocupações com justiça social
são, desde os idos de 1970, os grandes objetivos dos que tomam tal teoria para iluminar o desenvolvimento de novas
práticas sociais. Para os objetivos desta pesquisa, dois marcos teóricos da teoria do desenvolvimento sustentável foram
destacados: o da economia ecológica e o do ecodesenvolvimento.
A economia ecológica encara a economia humana como parte do ecossistema e não o ecossistema como um ente
servil da economia humana. Além de considerar que para se realizar ao infinito o crescimento econômico sempre esbarrará na escassez de recursos naturais, preocupa-se em reparar estragos na natureza ocasionados pela utilização dos mesmos
considerando, sobremaneira, a existência de estragos irreparáveis e, assim, preocupa-se de modo especial com a gestão
dos resíduos dos processos produtivos, reservando a ela lugar de destaque na economia humana. A economia ecológica
visa uma sustentabilidade ao ver a necessidade de se pensar modelos produtivos que não levem os recursos naturais ao
declínio contínuo de seus estoques (DENARDIN, 2003).
1 Aluno do PPGDTS da Universidade Federal do Paraná
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O marco teórico do ecodesenvolvimento, a partir de Sachs (2007), se assemelha ao da economia ecológica ao
2
www.fpebrasil.com.br/portal/index.php/os-deputados Visitado em 15 de março de 2015.
apresentar severa preocupação com as necessidades das futuras gerações e, para além, mostra-se preocupado com a
existência de estruturas participativas de planejamento e gestão das atividades humanas que impactam sobre os recursos
naturais e sobre as necessidades materiais e imateriais das sociedades. Tal proposta de ecodesenvolvimento abrange certas
noções de sustentabilidade que são: 1- ecológica: necessidade de utilização de técnicas de baixo impacto para a natureza
e de melhor aproveitamento dos recursos naturais; 2- social: atender necessidades materiais e imateriais do todo social;
3- econômica: alocação e gestão de recursos públicos e privados considerando as necessidades macrossociais; 4- espacial:
equilíbrio entre o campo e a cidade por meio de uma melhor distribuição de assentamentos humanos e atividades econômicas; 5- cultural: transformações endógenas por meio da manutenção da cultura material e imaterial.
E assim chegamos à fase de apresentar as rotas trilhadas que tornaram possível algum entendimento acerca de uma
rede de autores e de temas pautados na Câmara dos Deputados, isto é, compreender sentidos da atuação dessas quatro
atuações parlamentares.
Nas eleições de 2010 o número de vagas para representantes do estado do Paraná na câmara baixa do Brasil era
de 303, o que veio a ser mudado para 29, nas eleições de 2014. O número de candidatos a essas vagas foi de 337, sendo
que 265 foram considerados aptos e os outros 72 foram considerados não aptos a assumirem o cargo no caso de serem
eleitos.4 Desses, de acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, 20 não entregaram a prestação de contas final.5 O Paraná,
em 2010, já contava com seus atuais 399 municípios e, à época, com uma população de 10.444.526 , desses, aproximadamente 7.584.579 era de eleitores.7 Compareceram às urnas, nas eleições de 2010, 7.597.999 eleitores paranaenses8.
Os deputados federais eleitos foram: Ratinhos Junior; Hermes Parcianello Frangão; André Vargas; Alex Canziani; Cida
Borguetti; Delegado Francischini; João Arruda; Rubens Bueno; Osmar Serraglio; Micheletto; Giacobo; Hauly; Nelson
Meurer; Takayama; Zeca Dirceu; Angelo Vanhoni; Dilceu Sperafico; Alfredo Kaefer; Eduardo Sciarra; André Zacharow;
Sandro Alex; Reinhold Stephanes; Assis do Couto; DR Rosinha; Cezar Silvestri; Lupion; Nelson Padovani; Edmar Arruda; Rosane Ferreira; Leopoldo Meyer.9
6
O primeiro passo dado foi no sentido de identificar algum perfil biográfico desses parlamentares. Posteriormente,
buscamos as proposituras deles no parlamento. Quanto aos perfis, nos detemos a informações sobre as atuações desses
parlamentares somente na 54ª Legislatura da Câmara dos Deputados. Portanto, informações sobre atuações em outras legislaturas da Câmara dos Deputados não constam nos resumidos perfis biográficos aqui apresentados. O caminho para se
chegar ao perfil biográfico do parlamentar, por dentro da página da Câmara dos Deputados é o seguinte: acesse o site da
Câmara dos Deputados: <www2.camara.leg.br/>; na Secção “Deputados”, acesse o item “Conheça os Deputados”
(o endereço da página passará a ser: <http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa>); no item “Pesquisa de
Deputados”, digite o nome do parlamentar e escolha a legislatura de seu interesse (para esta pesquisa a legislatura
escolhida foi a 54ª); acesse o link do resultado obtido para visualizar as informações biográficas do parlamentar
3
www.tse.jus.br/noticias-tse/2013/Abril/tse-redefine-cadeiras-na-camara-dos-deputados-para-eleicoes-2014 Visitado em 15 de março de
2015.
4
http://divulgacand2010.tse.jus.br/divulgacand2010/ Visitado em 15 de março de 2015.
5
http://spce2010.tse.jus.br/spceweb.consulta.prestacaoconta2010/pesquisaCandidato.jsp Visitado em 15 de março de 2015.
6
Censo IBGE – 2010.
7
www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/consulta-quantitativo Visitado em 15 de março de 2015.
8
www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes-anteriores/eleicoes-2010/estatisticas-de-eleitorado Visitado em 15 de março de 2015.
9
A relação de nomes foi elaborada a partir de informações colhidas em: www.tse.jus.br/eleicoes/eleicoes anteriores/eleicoes-2010/estatisticas-de-eleitorado Visitado em 15 de março de 2015.
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escolhido.
André Zacharow, nascido em 1939, natural de Jaguariaíva (PR), é advogado, economista e professor. Na câmara
baixa exerceu mandato entre 2003 e 2007 pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Posteriormente, para a legislatura
dos anos 2007-2011, assumiu como suplente entre outubro de 2008 e março de 2010 pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e, uma vez mais, também pelo PMDB, foi eleito à 54ª legislatura – 2011-2015. No exercício
do cargo na 54ª legislatura integrou 7 comissões permanentes, 4 comissões especiais e 1 comissão parlamentar de inquérito na Câmara dos Deputados. Ao longo dos anos exerceu o cargo de diretor do Banco Regional de Desenvolvimento do
Extremo Sul e do Banco de Desenvolvimento do Paraná, presidente da Companhia de Desenvolvimento e do Centro Internacional de Tecnologia de Software, ambos em Curitiba, diretor superintendente do Instituto de Previdência do Paraná,
Auditor Chefe da Itaipu e Diretor Presidente da Fundação de Pensão dos Funcionário da Itaipu, presidente da Sociedade
Evangélica Beneficente e diretor da Associação das Empresas da Cidade Industrial de Curitiba. Também foi professor
titular na Universidade Federal do Paraná e na Faculdade Católica de Administração e Economia em Curitiba. Em suas
passagens pela câmara baixa, ora esteve filiado ao PDT, ora ao PMDB, outrora esteve filiado ao Partido Progressista (PP)
e, também, ao Partido Socialista Brasileiro (PSB).10
Edmar de Souza Arruda, nascido em 1959, natural de Maringá (PR), é economista. Na câmara baixa exerceu
mandato na 54ª legislatura (2011-2015) pelo Partido Social Cristão (PSC) e foi reeleito ao cargo, pelo mesmo partido,
para a legislatura atual. Na anterior, integrou 10 comissões permanentes, 14 comissões especiais, 1 comissão parlamentar
de inquérito e 3 grupos de trabalho na Câmara dos Deputados. É sócio das empresas Cantareira Construções e Empreendimentos Imobiliários Ltda, Ecoplaneta Reflorestamento S.A., Ecoalumi Alumínio Ltda, BRA Incorporadora Ltda e da
Brazcana Agroindustrial S.A. Exerceu o mandato de vereador no município de Maringá (PR), entre os anos 2001 e 2004.
Ao longo dos anos exerceu, também, os cargos de presidente do Programa de Apoio às Igrejas e Entidades sem Fins Lucrativos e da Fundação Isis Bruder, ambas com sede no município de Maringá (PR), e o de vice-presidente de Serviços
Sociais do Sindicato da Habitação do Paraná. É filiado ao PSC desde 2009.11
Fernando Destito Francischini, nascido em 1970, natural de Londrina, PR, é delegado de Polícia Federal. Exerceu
mandato na 54ª legislatura (2011-2015) pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e foi reeleito ao cargo,
desta vez pelo Partido Solidariedade (SD), para a 55ª legislatura da Câmara dos Deputados. Em sua primeira passagem
pela câmara baixa integrou 10 comissões permanentes, 14 comissões especiais, 1 comissão parlamentar de inquérito, 1
grupo de trabalho, e ainda a Frente Parlamentar da Redução de Maioridade Penal e o Conselho de Ética da Câmara dos
Deputados. Nos anos 1996 e 1997, em Curitiba, exerceu os cargos de Comandante de Pelotão da RONE (Cia Choque) e
Subcomandante do Comando de Operações Especiais da Polícia Militar do estado do Paraná. Em 1998 e 1999, exerceu
o cargo de Chefe do Setor de Análise de Informações Sobre Drogas e Terrorismo da INTERPOL no departamento de
Polícia Federal em Brasília, DF. Entre 1998 e 2007, também ligado à Polícia Federal, exerceu os cargos de professor na
Academia Nacional de Polícia, em Brasília, DF, Chefe de Setor de Análise de Dados de Inteligência Policial do Diretor
Executivo, em Brasília, DF, Chefe da Delegacia de Repressão a Crimes Patrimoniais, em Curitiba, PR, Chefe do Serviço
Regional Sul da Coordenação de Operações Especiais de Fronteiras, em Curitiba, PR, e Chefe da Delegacia de Repressão
a Entorpecentes, em São Paulo, SP. Exerceu ainda o cargo de Subsecretário de Inteligência na Secretaria de Estado da
10
11
www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=74377 Visitado em 15 de março de 2015.
www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=160578 Visitado em 15 de março de 2015.
Segurança Pública no estado do Espírito Santo, em 2003, e o de Secretário Municipal Antidrogas de Curitiba, PR, entre os
anos 2008 e 2010. Representou o Ministério da Justiça e a Polícia Federal do Brasil no Grupo de Trabalho “Delitual” do
Mercosul, em Caracas, Venezuela, no ano 2005. É filiado ao Sindicato dos Policiais Federais desde 2008. Já esteve filiado
ao PSDB, ao Partido Ecológico Nacional (PEN) e hoje encontra-se filiado ao SD.12
Hidekazu Takayama, nascido em 1948, natural de Rolândia, PR, é Ministro Religioso da Igreja Evangélica Assembleia de Deus desde 1970. Exerceu mandato de deputado federal entre os anos de 2003 e 2007 pelo PTB, tendo sido
reconduzido ao cargo na legislatura seguinte, anos 2007-2011, pelo PMDB, reeleito ao cargo para a 54ª legislatura, anos
2011-2015, pelo PSC, e novamente reeleito para a legislatura atual (2015-2019), também pelo PSC. Na 54º legislatura
da câmara baixa esteve como 4º Suplente de Secretário da Mesa Diretora entre fevereiro de 2013 e janeiro de 2015, além
de ter integrado 9 comissões permanentes, 15 comissões especiais e 1 comissão parlamentar de inquérito ao longo desse
mandato. Em suas passagens pela câmara baixa, esteve em duas missões oficiais, uma em 2008, nos EUA, e outra em
2014, no Japão. Ao longo dos anos foi vereador em Curitiba, PR, entre 1989 e 1993, pelo PMDB, e duas vezes deputado
estadual no Paraná, uma entre 1996 e 1999, pelo Partido da Frente Liberal (PFL), e outra entre 1999 e 2002, também pelo
mesmo partido. Exerceu ainda o cargo de Diretor de Relações Públicas da Associação AEADEPAR-FACEL, entre 1998
e 2000, e o de Conselheiro do SEB do Hospital Evangélico, entre 1990 e 1993, ambos em Curitiba, PR. Durante a década
1991-2001, participou como conferencista em 8 convenções da Igreja Evangélica Assembleia de Deus, sendo 1 em Portugal, 1 na Alemanha, 1 na França e 5 no Brasil. Já esteve filiado ao PMDB, PFL, PTB, PSB, Partido dos Aposentados da
Nação (PAN), e, desde 2007, está filiado ao PSC.13
Identificados os deputados federais eleitos pelo estado do Paraná em 2010, identificados aqueles que compuseram
a FPE durante os anos da 54ª Legislatura da câmara baixa, identificados os perfis biográficos dos quatro parlamentares
evangélicos, partirmos para a tarefa de encontrar todas as proposituras feitas pelos mesmos no exercício da atividade parlamentar. Para se chegar a visualizar as proposituras de um deputado federal o caminho a percorrer é o seguinte: acesse o
site da Câmara dos Deputados: <www2.camara.leg.br/>; na Secção “Deputados”, acesse o item “Conheça os Deputados”
(o endereço da página passará a ser: <http://www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa>); no item “Pesquisa de Deputados”, digite o nome do parlamentar e escolha a legislatura de seu interesse (para esta pesquisa a legislatura escolhida foi
a 54ª); acesse o link do resultado obtido; acesse o item “Proposições de Autoria do Deputado”. No resultado da busca
serão apresentadas todas as proposituras feitas pelo parlamentar em todas as legislaturas nas quais ele atuou, começando
pela atual – se for o caso do parlamentar estar exercendo mandato – ou pela mais recente, até a mais antiga.
Seguimos a trilha apresentada anteriormente e dispomos o resultado encontrado na tabela abaixo:
Tabela 01. Proposituras na 54ª Legislatura da Câmara dos Deputados (2011-2015)
DEPUTADO FEDERAL
QUANTIDADE
André Zacharow
22
Edmar de Souza Arruda
108
Delelegado Fernando Destito Francischini
367
Hidekazu Takayama
60
TOTAL
557
Fonte: Câmara dos Deputados Federais.
12
13
www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=160646 Visitado em 15 de março de 2015.
www2.camara.leg.br/deputados/pesquisa/layouts_deputados_biografia?pk=74385 Visitado em 15 de março de 2015.
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Posteriormente, para cada um dos casos encontrados, o conteúdo do resultado apresentado na página da Câmara
dos Deputados foi copiado e levado para o editor de texto do pacote LibreOffice.14 Nele, somente as informações autoria
e conteúdo da ementa foram preservadas, todo o restante foi deletado. Quando da limpeza dos dados, percebemos que
muitos casos de proposituras foram disponibilizados no site da Câmara dos Deputados de forma duplicada. Às vezes se
tratando de cópia integral, às vezes cópia do conteúdo da propositura com informações outras somente sobre a situação
da propositura (aguardando providências internas; aguardando despacho do Presidente da Câmara dos Deputados; tramitando em conjunto; arquivada; aguardando vistas; tramitação do requerimento finalizada; pronta para pauta; aguardando
resposta; etc.); deletamos todos os casos duplicados e o montante de proposituras analisadas foi o seguinte:
Tabela 02. Proposituras analisadas
DEPUTADO FEDERAL
QUANTIDADE
André Zacharow
18
Edmar de Souza Arruda
96
Delelegado Fernando Destito Francischini
335
Hidekazu Takayama
60
TOTAL
509
Fonte: Dados do Autor.
Preservadas tais informações (autoria e conteúdo das ementas das proposituras), as separamos por “;”, como também, quando a propositura contava com mais de um autor, separamos os nomes desses autores também por “;”. Depois
de separar por “;” autor e conteúdo da ementa, partimos para a tarefa de classificar assunto o conteúdo das ementas das
proposituras. No editor de texto, cada caso foi alocado em uma linha diferente e, para cada linha, num total de 509, temos
as seguintes informações: autor ou autores, conteúdo da ementa da propositura e assunto da propositura. Isto foi necessário para posteriormente podermos transformar o arquivo de texto num arquivo de planilha eletrônica, também do pacote
LibreOffice15, o que facilitou a análise dos dados. O que estamos chamando de assunto da propositura decorre da leitura do
texto da ementa da propositura e posterior classificação. Tratamos de classificar por assunto os 509 casos de proposituras
encontradas.
A imagem abaixo serve de exemplo para mostrar dois casos reais de proposituras que têm como autor o parlamentar Fernando Francischini.16 Ao buscarmos conhecer o assunto de cada uma das 509 proposituras optamos por mantermonos fiéis ao texto da ementa da propositura, quando possível, e, para os casos em que isto não foi possível, recorremos
aos textos das leis e/ou de projetos de leis indicados no texto da ementa da propositura para então nos mantermos fiéis
ao assunto do conteúdo desses textos. Para os dois casos que constam na imagem abaixo, e que por ora nos servem de
exemplos para demonstrarmos parte da metodologia utilizada, o que realizamos foi: caso 1- foi possível se manter fiel
ao texto; caso 2- foi necessário buscar a lei para então se manter fiel ao conteúdo do texto da lei. Para o primeiro caso o
classificamos com o assunto Código de Trânsito Brasileiro, e o segundo, com o assunto ICMS.
14
15
16
THE DOCUMENT FOUNDATION. LibreOffice, [s.l.: 4.3.], 2014.
THE DOCUMENT FOUNDATION. LibreOffice, [s.l.: 4.3.], 2014.
www.camara.gov.br/internet/sileg/Prop_lista.asp?Autor=5310383&Limite=N Visitado em 15 de março de 2015.
Imagem 01.
Forças Nacionais; Formação de militares; Frente Parlamentar da Segurança Pública; Fronteiras Nacionais; FUNAI; Fundo de Participação dos Municípios; Fundo Nacional de Segurança Pública; Gases radioativos; Gibi da Associação Nacional da Indústria
de Armas e Munições; Guarda municipal; IBAMA; ICMS; Idosos; Igreja Evangélica Assembleia de Deus; Importação; Imposto
de renda; IPI; ISS; IDEB, Índices de violência; Infrações; Inmetro; Instituição privada; Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior; Interceptações ilegais; Isenção em concurso público; Isenção na importação de artigos olímpicos;
Isenção de IPI para portadores de deficiências; Isenção para pessoas com deficiência auditiva; Isonomia e Negros; Itambé – PR;
Ivatuba – PR; Jornada de seis horas diárias; Jornada de trabalho para enfermeiros; Jussara – PR; Justiça Militar da União; Lavagem de dinheiro; Legislação; Legislação penal; Lenalidomida; Leonel de Moura Brizola; Legislação ambiental; Licitação pública;
Loterias; Maioridade penal; Manoel Revaldaves da Silva; Mapa da violência 2011; Maria Helena – PR; Maus tratos em animais;
Fonte: Câmara dos Deputados.
Homofobia e MEC; Medicamentos; Meia-entrada; Meio ambiente; Mercado financeiro e de capitais; Meritocracia; Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento; Ministério da Fazenda; Ministério da Saúde; Ministério da Segurança Pública; Ministério
do Planejamento; Ministério dos Esportes; Ministério do Trabalho e Emprego; Ministério do Turismo; Ministra Chefe da Secretaria
Em 13 proposituras não foi possível identificar o assuntos das mesmas. Para as outras 496, foram identificados
310 assuntos diferentes, que estão listados no quadro abaixo. Em negrito visualiza-se aqueles que correspondem àquelas
proposituras que estão em sintonia com os temas e as preocupações dos marcos teóricos do desenvolvimento sustentável
apresentados anteriormente.
de Comunicação Social da Presidência da República; Ministra de Estado Chefe da Casa Civil; Ministro Chefe da Secretaria Geral
da Presidência da República; Ministro da Ciência e Tecnologia; Ministro de Estado da Justiça; Ministro de Estado da Previdência
Social; Ministro de Estado do Trabalho e Emprego; Ministro de Estado Secretário-geral da Presidência da República; Moção de
repúdio ao governo da Venezuela; Nelson Verri; Normas; Notícias; Nova redação; Novo Itacolomi – PR; Obras no Estado do Maranhão; ONG Afroreggae; Operação Monte Carlo; Operação Voucher; Operações policiais; Organizações religiosas; Pagamento de
mensalidade; Paiçandu – PR; Peculato; Pensão Especial para Lais Souxa; Pesquisa fraudulenta; Petrobras; PIS; Piso Salarial Nacio-
Aborto; Acessibilidade; Acidente nuclear; Acidentes Copa 2014; Adoção de pessoas; Anatel; Anistia para policiais; Anvisa; Aposentadoria por invalidez; Apresentação da pessoa presa; Áreas de preservação permanente; Armas e munições; Assistência a brasileiros no exterior; Atendimento presencial; Atendimento presencial e audiovisual; Banco Central do Brasil; BNDS e Delta Engenharia; Brasil e Japão; Relações exteriores entre Brasil e Paraguai; Brasil e Vaticano; Caixa Econômica Federal; Caixa eletrônicos;
Cargo comissionado; Cargos comissionados; Cartórios; Centenário do Sul – PR; Cesta básica; Cibercrimes; Clérigos; Código Br
aille; Código de Defesa do Consumidor; Código de Processo Civil; Código de Processo Penal; Código de Trânsito Brasileiro; Código Eleitoral; Código Penal; Combate ao Crime Organizado; Combate às drogas; Comissão de Turismo e Desporto; Companhias
aéreas; Comunicação Social; Conselho Federal de Odontologia; Conselho Nacional de Ministros de Confissão Religiosa; Conselho
Nacional de Trânsito; Conselho Nacional de Direitos Humanos; Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; Contas de campanha; Contra incêndios; Contribuição de inativos; Copa 2014; Corpo de Bombeiros Militar; Corrupção; Cota para negros; Cotas raciais nas empresas; Crédito tributário; Criação de subcomissão permanente; Criação de municípios; Crime ambiental
e os polimeros; Crimes contra a mulher; Crimes hediondos; Infância, juventude e criminalidade; Cruzeiro do Sul – PR; Custódia
de presos; Defensivos agrícolas; Defensoria Pública da União; Defesa nacional; Delação premiada; Denúncias contra parlamentares; Descontos; Descriminalização do aborto; Desoneração da folha de pagamentos; Despesas; Dia Nacional da Oração; Direção
homicida-suicida; Direito de resposta; Direito de resposta; Direito dos estagiários; Diversidade biológica; Divórcio; Doações ECA;
Doadores de medula óssea; Dossiê dos aloprados; Doutor Camargo – PR; Drogas; ECA; ECT Fundo de Pensão; Eletrobras; Elizete
Aparecida Romangnoli Piveta Assunção; Emendas Parlamentares; Energia elétrica; Energia nuclear; Ensino fundamental; Ensino
superior; Entidades beneficentes; Infraestrutura de escolas; Espionagem; Estado da Bahia; Estado do Paraná; Estatuto do Consumidor; Estatuto da Advocacia e da OAB; Estatuto do Portador de Deficiência; Estoques públicos de alimentos; Exame Nacional de
Ensino Médio; Farmácias; Fator Previdenciário; Feriados; Ferrovias; FGTS; Animais em filmes pornográficos; Forças Armadas;
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nal para Agentes Comunitário de Saúde; PIS e PASEP; Planos privados; Poder Judiciário da União; Polícia Civil; Polícia Federal;
Policiais; Policiais e aposentadoria; Policiais Militares; Política monetária; Política nacional; Política nacional do meio ambiente;
Políticas pública de estímulo ao consumo; Portes de armas de fogo; Posse dos deputados federais; Prêmio de Direitos Humanos
Evandro Lins e Silva; Prêmio Transparência e Fiscalização Pública; Presidência da República; Previdência Social; Primeira Igreja
Batista de Curitiba; Procedimento regimental; Profissão; Programa A Voz do Brasil; Programa Bolsa Família; Programa Crack
É Possível Vencer; Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior; Programa
Medicina Social; Programa Minha Casa Minha Vida; Programa Nacional de Educação Fiscal; Programa Nacional de Segurança
Pública com Cidadania; Programa Segundo Tempo; Programa Universidade Para Todos; Progressão no regime prisional; Proibição
da eliminação de animais; Projeto Casa de Direitos; Qualificação de mão de obra; Quotas eleitorais; Realização de missão oficial;
Reconhecimento da República Saara Ocidental; Recursos financeiros; Redução da maioridade penal; Redução tarifária; Reforma
política; Reforma Protestante; Registro; Reincidência; Religião; Remuneração; Repasse de recursos para Adrianópolis – PR; Rodovias; Salário Mínimo; Salários nas Embaixadas; Sarandi – PR; Saúde; Saúde do trabalhador; Saúde mental; Secretaria-Geral da
Presidência da República; Secretarias de Segurança Pública; Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo; Segurança
digital; Seguro rural; Seguros de vida; Servidores da Justiça; Servidores públicos; SESI; Sessão plenária; Simpósio Internacional de
Polícia Executiva; Sistema Financeiro Nacional; Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras; Sistema Nacional de Armas;
Sistema penitenciário; Sistema prisional; Sólidos a granel; Secretaria de Patrimônio da União; Subsídio do Defensor Público-Geral Federal; Supremo Tribunal Federal; SUS; Tabagismo; Tarifa; Telefonia; Telefonia móvel; Terra Rica – PR; Terras indígenas;
Timemania; Tipificação penal; TJ-DF; Tortura na Ditadura; Trabalho; Trabalho de adolescentes; Trabalho infantil; Tráfico de crianças; Transferências intergovernamentais; Trânsito de veículos antigos; Transporte; Tratamento contra o crack; Tribunais Regionais
Federais; Tribunal do júri; Tribunal Regional Federal; Tributação de bebidas; Tuneiras do Oeste – PR; TV NBR; União de pessoas
do mesmo sexo; UOL; Valorização da família; Ventania – PR; Viagem parlamentar à China; Violência na WEB; Visita à fábrica de
munições CBC e a fábrica de armamentos Taurus; Voto aberto.
Para o assunto “Acidente nuclear” está a propositura, de autoria única (Hidekazu Takayama), que expressa preocupações com a possibilidade de acidentes nucleares no Brasil. No assunto “Áreas de preservação permanente” encontramos a propositura, também de autoria única (Edmar Arruda), que buscava colocar na ordem do dia a apreciação do
Projeto de Lei nº 1.876, de 1999, que dispunha sobre áreas de preservação permanente, reserva legal e exploração florestal. Para o assunto “Crime ambiental e os polimeros” o que se tem é a propositura, também de autoria única (Fernando
Francischini) em que o mesmo solicitou a realização de audiência pública para debater crime ambiental e a destinação
final de lixo que contém polimeros. No assunto “Gases radioativos” têm-se duas proposituras, de autoria única (Hidekazu
Takayama), para que José Augusto Perrotta desse explicações na Câmara dos Deputados sobre a contaminação de plutônio e urânio no planeta Terra decorrentes da explosão de reatores nucleares no Japão. Para o assunto “Meio ambiente”
há a propositura, também de autoria única (Hidekazu Takayama), que buscava acrescentar dispositivo à Lei nº 4.771, de
1965 (Código Florestal) para permitir a retirada de folhas verdes ou secas com características farmacológicas comprovadas. No assunto “Terras indígenas” têm-se duas proposituras, uma reunindo vinte parlamentares como autores e a outra
reunindo dezesseis, que buscavam a presença de ministros de Estado para debate no interior da Câmara dos Deputados
demarcações de terras indígenas.
No exercício de comparação, percebe-se que das 496 proposituras onde foi possível identificarmos o assunto de
cada uma delas, cerca de 2% do total (8 proposituras) está em sintonia com as preocupações socioambientais dos marcos
teóricos do desenvolvimento sustentável apresentados anteriormente. Sendo que o restante, perto de 98 % das proposituras (488 casos), tratam de outros assuntos.
A análise das 509 proposituras, observando os nomes dos proponentes, para além dos 4 parlamentares apresentados anteriormente, possibilitou a identificação de outros 330 parlamentares. A propositura que mais contou com autores, 128 parlamentares, versou sobre o reconhecimento do Saara Ocidental como Estado e instalação de escritórios de
representação deste Estado no Brasil. Mas as 8 proposituras que se aproximaram das preocupações do desenvolvimento
sustentável, como vimos anteriormente, não se mostraram capazes de aglutinar considerável número de parlamentares,
considerando que a câmara baixa do Brasil, à época, também contava com o mesmo número atual de cadeiras, que é de
513.
Se por um lado encontramos apenas um reduzidíssimo número de proposituras alinhadas com as preocupações do
desenvolvimento sustentável, o que demonstra claramente que na 54ª Legislatura o sentido da atuação por proposituras
desses 4 deputados federais do estado do Paraná não era o mesmo das preocupações do desenvolvimento sustentável,
por outro, e talvez de maior interesse, têm-se no desenvolvimento e na aplicação do método de análise da atuação parlamentar, aqui apresentado, os motivos para chegarmos a concluir que os sentidos da atuação por proposituras desses 4
parlamentares não esteve alinhado com as preocupações do desenvolvimento sustentável. Assim consideramos,
a partir dos nossos exercícios nesta pesquisa, bem como dos resultados obtidos, que a metodologia empregue para investigar os sentidos da atuação parlamentar a partir do estudo das proposituras se mostra eficiente. Novos estudos validarão
ou refutarão tanto a metodologia como os resultados apresentados, veremos.
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REFERÊNCIAS
DENARDIN, Valdir F. Abordagens econômicas sobre o meio ambiente e suas implicações quanto aos usos dos recursos
naturais. Teoria e Evidência Econômica, n. 21, v. 11, Nov. 2003, p. 129-150.
SACHS, Ignacy. Rumo à ecossocioeconomia: teoria e prática do desenvolvimento. VIEIRA, P. F. (Org.). São Paulo:
Cortez, 2007. (cap.10 e 11).
SACHS, Y. Caminhos para o desenvolvimento sustentável. STROH, P. Y. (Org.). Rio de Janeiro/RJ: Garamond, 2009.
POLÍTICAS PÚBLICAS, POLÍTICAS SOCIAIS E O MODELO FEDERATIVO BRASILEIRO
Solange Aparecida Duarte1; Valéria dos Santos de Oliveira2; Rodrigo Rossi Horochovski3
RESUMO
Este artigo tem como objetivo apresentar como as políticas públicas e as políticas sociais se comportam para a efetivação
de suas demandas no modelo federativo brasileiro considerando elementos trazidos a partir da Constituição de 1988. A
produção de políticas públicas bem como o comportamento dos diversos atores envolvidos é que irão descrever de que
forma um problema passa a ser uma política pública, considerando que a mesma é composta por fases e as suas implicações. Para tanto, propomos uma aproximação teórica entre políticas públicas, políticas sociais e modelo federativo
brasileiro.
Palavras-chave: políticas públicas, políticas sociais e modelo federativo.
ABSTRACT
This paper aims to present how public policies and social policies work for the accomplishment of their demands goals in
the Brazilian federative model considering information brought from the Constitution of 1988. The production of public
policies as well as the behavior of the various actors involved is what will describe how a problem becomes a possible
solution as a public policy, considering that it is made up of stages and their implications. Therefore, we propose a theoretical approximation between public policies, social policies and the brazilian federative model.
Key-words: public policy, social policies and federative model.
INTRODUÇÃO
O estado brasileiro, mesmo com todos os avanços que têm sido propagados acerca das tentativas da diminuição
das desigualdades sociais, ainda está longe para que parcela significativa da população seja efetivamente contemplada
com as políticas públicas no que diz respeito às muitas mazelas que nos são diariamente visíveis. Para tratar deste tema
são muitas as vertentes a serem consideradas para que se consiga atender as várias dimensões que compõe os indivíduos.
De maneira ainda incipiente, já vem acontecendo algumas ações, porém, em virtude de uma estrutura burocrática, individualista e interesseira do modelo federativo praticado no Brasil e as condições para que haja a governabilidade nesta
federação, acarretam inúmeras situações criando grandes dificuldades para que esses problemas sejam suficientemente
substanciais para fazer parte da agenda governamental e assim obtermos uma efetiva possibilidade de ações através de
políticas públicas.
Este artigo tem como objetivo apresentar como as políticas públicas e as políticas sociais se comportam para a efetivação de suas demandas neste modelo federativo. A preocupação em descrever este tripé, se apresenta em consequência
da forma como vem sendo construídas essas discussões pelos autores que se dedicam a escrever sobre políticas públicas,
bem como sobre as políticas sociais que se efetivam através de ações das políticas públicas.
As variáveis aqui mencionadas são consequência da proposta de um Estado democrático antes proposto e ratificado pela Constituição Federal de 1988. Para atender ao propósito desta discussão, entender que o Estado apresenta um
sistema presidencialista e, compreender as implicações deste, são vitais no tocante a busca do por que seria necessário
que pessoas que se apresentam em situação de vulnerabilidade precisariam estar nas bases para esta compreensão e assim
poderem buscar aquilo que lhes é de direito com mais propriedade. Entender que todas as linhas de ação desta sociedade
são definidas através das políticas seria, alias, é fundamental para que as pessoas passem de uma situação de meros expectadores da sua vida, a protagonistas da sua construção histórica.
METODOLOGIA
O tema das políticas públicas enquanto discussão é amplo e se apresenta cada vez mais necessário às políticas
sociais devido à imbricação que existe entre uma e outra. Neste contexto, este artigo propõe buscar alguns autores que
produziram debates acerca destas temáticas tratando de cada uma das politicas especificas ou trabalhando sobre ambas
supracitadas. Para tal entende-se que trazer uma breve revisão de literatura através da pesquisa bibliográfica se torna bastante viável metodologicamente.
1
Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, e-mail: [email protected];
3
Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, e-mail: [email protected].
2
Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral, e-mail: [email protected];
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Entende-se que é necessário ter o cuidado numa metodologia como esta, de não tornar-se prolixo com os autores
trabalhados, como destaca PINHEIRO (2005, p.29) “A revisão de literatura pode ter como objetivos determinar o ‘estado
da arte’”, o que neste artigo tem-se todo cuidado, pois este aparato literário é fruto de um momento distante para esta condição e, portanto, é importante mensurar como está a produção do tema e sendo assim validar como se apresenta o nível
das discussões acerca de um assunto.
Na proposta das políticas públicas discutirem o que é relevante para o tema, tem se apresentado de certa forma
complexo, pois, como estas são construídas e efetivadas por ciclos, têm-se algumas fases deste ciclo com mais e outras
com menos produção até o momento para compor o arcabouço literário. Sendo assim pretende-se apresentar como o
tema tem tratado alguns dos momentos da produção das políticas públicas.
Dentro das políticas públicas existe um ciclo, denominado “Ciclo das políticas públicas” ou “fases da política”,
ou ainda, fases do “processo de políticas públicas”, que é constituído por definição de agenda, identificação de alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação.
Neste artigo, apenas cita-se as fases que compõe as políticas públicas, mas devido a carência de literatura em
língua portuguesa que algumas fases apresentam, não é possível ainda fazer e ou selecionar as devidas, nos dois níveis
de revisão como o proposto por Alves quando argumenta:
Os atores envolvidos são inicialmente os financiadores dos programas, os seus dirigentes e os técnicos do programa. A crítica à tradicional perspectiva hierárquica, top-down leva a considerar os interesses e necessidades dos “clientes”
ou beneficiários do programa. Pode ser usada por gerentes de outros programas e de serviços similares do setor público;
agentes do Governo Federal e representantes de organizações da sociedade civil e de fundações; membros das câmaras
legislativas dos distintos níveis de governo; cientistas sociais; por outros avaliadores; pelas organizações; pelo público
em geral (FARIA e FILGUEIRAS, 2003).
..... que há dois tipos básico de revisão de literatura: a) aquela que o pesquisador precisa para o seu
próprio consumo, isto é, para ter clareza sobre as principais questões teórico-metodológica pertinentes
ao tema escolhido; e b) aquela que vai efetivamente integrar o relatório do estudo. (ALVES, 1992, p. 54).
Em virtude dos estudos das políticas públicas que nasceram nos Estados Unidos da América, existe disponível
uma significativa quantidade de literatura, o que comparado ao Brasil, pode-se compreender ainda engatinhando. Por
isso é necessário que a academia assuma a sua função precípua de produzir e encaminhar a discussão acerca deste tema.
Países em desenvolvimento e de democracia recente ou recém-democratizados, não conseguiram ainda formar
coalizões políticas capazes de equacionar, a questão de como desenhar politicas públicas capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico e de promover a inclusão social (SOUZA, 2007).
DISCUSSÃO
Políticas Sociais
Compreendendo as Políticas Públicas – síntese de aspectos relevantes
Desde a constituição de 1988, a participação social tem sido reafirmada no Brasil como fundamento dos mecanismos institucionais que visam garantir a efetiva proteção social contra riscos e vulnerabilidades e também a vigência dos
direitos sociais (SILVA, JACCOUD, BERGHIN, 2005). Direitos estes de todas as matizes, principalmente neste contexto
dos direitos aos movimentos sociais, que necessitam de políticas públicas e políticas sociais para que minimizem e acabem com os problemas estruturais da sociedade.
Como ponto de partida propomos descrever a política pública como a “ação do governo”, abordando assim uma
breve conceituação e histórico dos estudos de políticas públicas. A Política pública é um campo multidisciplinar que busca “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável independente) e quando necessário indicar mudanças no
rumo dessas ações (variável dependente) (SOUZA, 2007). A política pública após a formulação desdobra-se em planos,
programas, projetos, bases de dados ou sistemas de informação.
A política pública como área de conhecimento e disciplina acadêmica nasce nos Estados Unidos. Na Europa a
área de políticas públicas surge como desdobramento de trabalhos baseados em teorias explicativas sobre o papel do Estado e do Governo, produtor de políticas públicas, entretanto nos EUA observa-se que a ênfase se dá nos estudos “sobre
a ação do governo”. Para tanto observa-se que os estudos sobre políticas públicas, ou sobre “o governo em ação”, não são
novos na ciência política, tendo ganhado destaque a partir da emergência de programas de bem-estar social (OLIVEIRA,
2013).
Muito da literatura especializada não tem tradução para o português, mas o interesse dos pesquisadores pelos
processos de planejamento, implementação e avaliação das políticas públicas, em diversas áreas, principalmente as do
campo de públicas, vem expandido os estudos da área.
É evidente que não há consenso sobre a definição de políticas públicas, no entanto esse panorama nos traz um
leque de possibilidades de interpretações, mas, por outro lado nos auxilia para o que pretendemos desenvolver na pesquisa, como destacado, por exemplo, na visão de Lynn, que é “um conjunto de ações do governo que irão produzir efeitos
específicos”, o que vem de encontro com o que aqui vamos tratar.
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Uma das relações consideradas fundamentais é a que se estabelece entre Estado e políticas sociais, ou entre a concepção de Estado e a(s) política(s) que este implementa em uma determinada sociedade. Quando
se focaliza as políticas sociais (como as de educação, saúde, previdência, habitação entre outras) os fatores envolvidos para a aferição de seu “sucesso” ou “fracasso” são complexos, variados, e exigem grande
esforço de análise (HÖFLING, 2001).
A garantia de direitos sociais nos campos da educação, saúde [...] foi acompanhada da consolidação de uma nova
institucionalidade objetivando assegurar a presença de múltiplos atores sociais.
Políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão de proteção social implementada pelo Estado, voltadas para a redistribuição dos benefícios sociais, visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo
desenvolvimento socioeconômico (HÖFLING, 2001).
Com uma visão contemporânea optamos por trazer à luz de forma simplificada a visão de Celso Furtado, grande referência do pensamento econômico brasileiro e do economista indiano Amartya Sen no que tange a questão do
desenvolvimento. Neste sentido para Furtado (2004), o desenvolvimento não é apenas um processo de acumulação e
de aumento de produtividade macroeconômica, mas principalmente o caminho de acesso a formas sociais mais aptas a
estimular a criatividade humana e responder as aspirações da coletividade. Na visão de Sen, o desenvolvimento requer que se removam as principais fontes de privação de liberdade: pobreza e tirania, carência de oportunidades econômicas e destituição social sistemática, negligência dos serviços públicos e
intolerância ou interferência excessiva de Estados repressivos. Portanto espera-se que esse desenvolvimento como assim
citado pelos autores, atinja todas as camadas sociais inclusive através de politicas sociais e políticas públicas, garantindo
minimamente os direitos dessa população.
Um problema para se constituir em uma Política Pública
A Constituição Federal de 1988, também denominada de Constituição cidadã, define o Brasil como um Estado
Democrático e de Direito. Sendo assim precisa criar mecanismos para que busque assegurar que as diferenças significativas existentes entre os mais abastados e os menos privilegiados fossem minoradas. Políticas públicas são implementadas
e definidas através de políticas setoriais ou sociais para que se construam ações. A constituição de 1988 marcou aspectos
importantes no que se refere à mudança de visão referente a educação, a diversidade, a cultura, e aos movimentos sociais.
O caminho a ser seguido passa então a ser considerado, em virtude da forma como questões têm sido tratadas e
como chegam a se transformar numa política pública. A participação dos indivíduos em espaços de discussão tem sido
fundamental, para que se tenham elementos para constituir dados significativos e criando condições a possibilitar que um
problema seja de tamanha relevância e que passe então à categoria de política pública.
O modelo da federação brasileira constituídas em três instâncias de governos, as desigualdades regionais que são
apresentadas, e a viabilização para governar em virtude do sistema presidencialista com as políticas de coalizão que são
consequências, criam alguns entraves para a organização e constituição de uma agenda pública. No processo de formulação da política pública muitos fatores pesam nesta tomada de decisão. Para SOUZA (2012):
a visão mais comum da teoria da escolha racional, de que o processo decisório sobre políticas públicas
resulta apenas de barganhas negociadas entre indivíduos que perseguem seu auto-interesse, é contestada
pela visão de que interesses (ou preferências) são mobilizados não só pelo auto-interesse, mas também
por processos institucionais de socialização, por novas ideias e por processos gerados pela história de cada
país (SOUZA, 2012, p.82).
Seguindo neste caminho Marchetti (2013) entende que para que se avance no debate acerca das políticas públicas
é necessário que tenhamos “consolidação e estabilidades das instituições financeiras”. Sendo assim, “a estabilidade do
regime é variável decisiva para uma agenda de políticas públicas orientada por preferências mais plurais”.
No que diz respeito a efetivar uma política pública quando instituída no âmbito do Governo Federal União, Estados e Municípios não têm a obrigatoriedade de implementá-las, uma vez que estas políticas não seja prioridade para os
governos locais. Sobre isso ARRETCHE (2004) afirma:
[...] a autoridade do governo federal para induzir as decisões dos governos locais, no sentido de que
estas venham a coincidir com suas próprias prioridades, permanece limitada, uma vez que estes detêm
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autonomia fiscal e política, tendo portanto, condições institucionais para não aderir às políticas federais
(ARRETCHE, 2004, p.19).
O que foi descrito sobre a política de coalizão existente no Brasil, reflete nas três instâncias de poder e, portanto,
a implementação desta ou daquela política pública local, também perpassa pelos mesmos elementos anteriormente descrito. Mesmo com as barreiras da governabilidade impostas para o executivo, ainda existem caminhos legais de que se
avance na conciliação com os programas, que podem acontecer por meio das Medidas Provisórias e dos Decretos Leis.
Sobre essas ações para governar, MARCHETTI (2013) relata: “A governabilidade de coalizão é uma possibilidade que
traz para o cenário um elemento que é a Medida Provisória (MPs) que permite que o Executivo negocie essa possibilidade
de governar com o Legislativo”.
Este modelo federativo brasileiro garante um mecanismo institucional básico que é a discordância e a mesma
fornece por sua vez uma grande diversidade de políticas, o que incorre na não possibilidade da não implementação de
determinadas políticas ou ainda a desigualdade de implementação das mesmas.
Nas três esferas de governo, havendo a opção pela implementação de uma política, esta poderá acontecer sob
duas abordagens: a abordagem top dow ou a abordagem bottom-up. A abordagem top dow desenhada pelas altas burocracias tem a sua implementação descrita de forma a que se aplique, a política em si considerando que a mesma se dá pela
interação entre os objetivos definidos e as ações que a efetivam. Já a abordagem bottom-up, também desenhada pelas
altas burocracias tem seu diferencial na aplicação da política por entender que se deve considerar no processo, além dos
objetivos a serem atingidos, também a sua elaboração numa construção na perspectiva do consenso entre quem elabora
e aqueles que executam.
O modelo de implementação bottom-up tem sua base identitária com o que propõe a Constituição Federal vigente.
Sendo assim, há um elemento fundamental nesta forma de abordagem que é a participação da sociedade civil organizada
juntamente com seus afiliados. Essa participação traz dados das suas inserções e intervenções nos conselhos das políticas
públicas, que variam desde apenas conselheiros da sociedade civil denominados “Conselheiros Não Governamentais” e
ou até mesmo a estarem mais envolvidos como na condição de representantes nestes conselhos na função de “Conselheiros Governamentais”.
Com a democracia se consolidando no aparelho do Estado, essas participações nestes níveis de decisão, traz no
seu interior uma maior responsabilização sobre as ações efetivas no campo da gestão pública. Surge o accountability e
assim maneiras de se intervir sobre os direitos e deveres do Estado acerca das suas atuações para com as instituições e
com os cidadãos nas políticas sociais.
As liberdades substantivas já defendidas por SEN (2010), quando discute sobre a possibilidade de intervenções
na máquina do Estado, valores como conscientização, empoderamento, igualdade de oportunidade são fundamentais que
passem a fazer parte da agenda de debates dos implementadores das políticas públicas e das políticas setoriais uma vez
que estão legalmente previstas constitucionalmente esses atores sociais.
Essa agenda sugere então um modelo de gestão dita Gestão Participativa. Wampler (2010) define a gestão participativa como, “a devolução aos cidadãos do poder de decisão na formulação de políticas locais, através da estrutura de
espaços que conformam a participação tanto do Estado, quanto da sociedade civil, produz novas formas de engajamento
entre estes atores”. Ainda nesta perspectiva, segundo o autor, comunidades são criadas a partir destes espaços de participação. Três tipos de comunidades se expandem: a comunidade de políticas públicas, a comunidade do associativismo
e a comunidade política.
A gestão participativa nos três formatos apresentados anteriormente, tem no Brasil, um peso do ponto de vista das
ações com os cidadãos; ações essas que deveriam atuar nos legislativos em todas as instâncias de governos que compõe
a federação brasileira. Como já descrito anteriormente, funcionários e líderes comunitários representam em grande parte
comunidades organizadas, assim atuam intermediando através da seleção de demandas emergentes com as suas ações
nos conselhos.
A Participação dos Conselhos e as Políticas Públicas.
Na década de 1930, no Brasil a saúde é a política pública que mais tem se apresentado com a sua função precípua.
Em 1986 o Conselho Nacional de Saúde, determina para a Constituição Federal de 1988 as ações para a implementação
do Sistema Único de Saúde SUS. Portanto, a implementação de uma política pública como a saúde, a educação, a segurança, a habitação e demais, trazem para a sociedade grandes movimentações sejam elas culturais, econômicas e ou
sociais. Daí a se perceber, porquê os grandes embates políticos no entorno da formulação para essas agendas.
A política pública é uma ferramenta de intervenção social e, portanto, os seus resultados têm impactos na economia. Por isso SOUZA (2012) diz “políticas públicas repercutem na economia e na sociedade, daí porque qualquer teoria
da política pública precisa também explicar as inter-relações entre Estado, política, economia e sociedade”.
Estudar política pública se dá na medida que se opta por explicar uma política social e todo processo que permeiam a ação desta propriamente dita. Trabalhar na possibilidade de que se efetive a política pública na prática, acontecerá na medida em que estas terão as suas definições explicitadas e discutidas nos conselhos representativos.
A participação das representações governamentais e não governamentais nestes conselhos ficam a encargos dos
seus regimentos internos o que variam significativamente, dependendo de que área da política pública está sendo implementada nas políticas sociais. Essas variações segundo CÔRTES (2010):
Políticas públicas – especialmente as políticas sociais – têm importância diferenciada, no contexto geral
da administração governamental, tendo em vista a parcela da população para qual a provisão – benefícios,
bens e serviços – se destina e o modo como ela é financiada, produzida e distribuída (CÔRTES, 2010,
p.129).
Enfim para a garantia de todas as condições para o real exercício da cidadania, é necessário que as ações a serem
realizadas pelo Estado, aconteçam de forma justa e equânime. Logo as políticas públicas devem ser o elemento que deve
oportunizar e garantir esta melhoria da qualidade de vida da população, com vistas a efetivar uma ação da qual origina-se
o binômio política pública.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ainda há muito a percorrer para que as políticas públicas sejam públicas para todos. Se faz necessário repensar
as ações governamentais e formas de interferências. O modelo federativo proposto, não está fora deste repensar uma vez
que as questões problemas, para se tornarem política públicas passam por tantos vieses que acabam se tornando sempre o
elemento de barganha entre aqueles que propõe e aqueles que a efetivam propriamente dito.
Realizar levantamento da revisão da literatura de políticas públicas e políticas sociais, do modelo federativo, fomentar reflexões foram aspectos presentes e propostos neste artigo.
Neste sentido buscar compreender e protagonizar possibilidades de que esse estudo se torne viável e desafiador
para o que propomos tanto no sentido de acumulo das revisões teóricas quanto a expectativa do que poderá ser gerado
como resultado e evidencia dessa pesquisa.
Nos questionamos: até que ponto, a proposta de um novo sistema político, com um novo desenho federativo seria
satisfatório, no que diz respeito a atender as sua reais demandas que precisam das políticas públicas como único meio de
exercer a sua cidadania e mesmo como resultado de uma ação política.
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GRUPO DE TRABALHO II
Educação, Comunicação e Cidadania
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A COMUNIDADE ESCOLAR COMO TERRITÓRIO DA FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES
DA ESCOLA MUNICIPAL HEINZ WITTITZ EM GUARATUBA – PR.
Luiz Ricardo Toniolo1
RESUMO
Diante da necessidade de aproximação da Universidade dos saberes das comunidades, o presente artigo pretendeu avaliar
primeiramente o papel da comunidade escolar no processo de fortalecimento do capital social (identidades e relações solidárias) na Escola Municipal Vereador Heinz Wittitz no Município de Guaratuba – PR. Em seguida, pretendeu-se perceber
a importância da aproximação da Universidade Federal do Paraná através do Curso de Extensão em Gestão de Processos
de Educação, Diversidade e Inclusão ministrado pelos estudantes do Curso de Especialização em Gestão de Processos de
Educação.
ABSTRACT
Given the need to approach the University of knowledge communities, the present article first assess the role of the
school community in the process of strengthening social capital (identity and solidary relations) at the Municipal School
Councilman Heinz Wittitz in the municipality of Guaratuba - PR. Then it was intended to realize the importance of the
approximation of the Federal University of Parana through the Course Extension in Management Processes Education,
Diversity and Inclusion taught by students of the Specialization Course in Education Process Management.
Introdução
GT - 02
A escola historicamente é associada a um discurso de emancipação, sobretudo, pessoal. Afinal é preciso estudar
“para ser alguém na vida”. Este discurso reforça a ideia de que desenvolvimento é acúmulo de riquezas, cargos e coisas.
Esta concepção colonialista da educação se materializa pela implantação de sistemas de ensino, receitas prontas e automatização de respostas. Enfim, uma formação com objetivo de inserção no mercado de trabalho.
Por outro lado, a emancipação pode ser entendida como um “processo de satisfação de liberdades” (SEN, 2010).
Essa emancipação que não se limita ao conceito mercadológico de bem estar, defende a realização de liberdades para as
pessoas. Liberdade de aprender e ser o que desejar. Assim, uma educação voltada para a capacitação de mão de obra para
o mercado é o caminho inverso da emancipação do indivíduo e da satisfação das liberdades. Dessa forma, a Escola Básica pode ser um espaço de emancipação, não por orientação do Estado, mas por meio
da formação continuada dos sujeitos envolvidos, ou seja, a comunidade escolar.
Por esse caminho, a aproximação entre a Universidade e a Escola Básica pode representar um produtivo processo
de formação para a comunidade escolar, sobretudo os professores e professoras. Esta aproximação através de cursos de
formação continuada pode favorecer um ambiente de discussão e conhecimento de experiências comunitárias, solidárias,
sustentáveis, ricas em experiências significativas, especialmente, no contexto de crise de conhecimento e recontextualização das identidades (SANTOS, 1997).
É importante ressaltar a diferença entre a formação e a capacitação dos profissionais. A capacitação profissionais
refere-se à apropriação de técnicas, muitas vezes de repetição, como o uso de tecnologias da informática. É o caso de
alguns dos candidatos a tutores de Ensino à Distância que apesar das diferentes formações recebem a mesma capacitação
para uso do moodle (ferramenta on-line para ensino à distância) para todas as disciplinas (NICOLODI, 2012). Assim, a
formação dos professores vai além da capacitação pois se dá de forma contextualizada, ou seja, nas experiências. Esta
formação contextualiza mais responde às necessidades dos professores e que “no momento que a realiza, mais eles a valorizam” (CUNHA, 2005).
O espaço escolar é diversificado. Composto por professores, estudantes, demais funcionários e familiares. Dessa forma, o espaço escolar é potencialmente rico para experiências de aprendizagem. Através do Curso de extensão em
Gestão de Processos de Educação, Diversidade e Inclusão - GPEDI, ofertado pela UFPR Litoral e multiplicado pelos
Cursistas da Especialização foram possíveis diversas aproximações com o espaço da escola básica.
1
Mestrando em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR [email protected].
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A tarefa da multiplicação não era a repetição de receitas elaboradas a partir de outra realidade, mas ambiente profícuo de discussão da realidade local. As pessoas envolvidas no processo não tardaram em discutir problemas que poderiam resolver, ao invés de procurar desculpas externas para o fracasso. Essas pessoas que participaram do Curso não eram
apenas os professores, faziam parte de um universo mais amplo de profissionais de educação. Havia ali profissionais da
secretária, da limpeza, da merenda escolar, etc. Tal diversidade no Curso foi uma grata surpresa e essencial para a multiplicação, pois permitiu novos olhares e a construção de uma identidade de comunidade escolar. Assim, a comunidade não
é um espaço. É um território! Que segundo Maria Isabel da Cunha inclui:
(...) iniciativas institucionais de formação continuada. Envolvem, também, as ações institucionais que acontecem por
iniciativa dos próprios grupos de professores/projetos/associações profissionais etc. (CUNHA, 2008).
Afinal envolve “iniciativas de formação continuada, instituições, conhecimentos próprios da comunidade, conexões com
outras comunidades, assim, refizemos uma antiga pergunta: “Por que não estabelecer uma ‘intimidade’ entre os saberes
curriculares fundamentais aos alunos e experiência social que eles têm como indivíduos?” (FREIRE, 2009, p.30) A resposta para esta pergunta leva ao processo de formação de um território de uma comunidade com seus saberes e experiências.
Sob este olhar procuramos realizar um levantamento das experiências de aprendizagem e estimular a democratização dessas experiências como parte integrante do Curso de extensão em Gestão de Processos de Educação, Diversidade
e Inclusão.
JUSTIFICATIVA
O espaço escolar tem sido marcado pela influência de modelos que privilegiam o conteúdo e a formação de trabalhadores para o mercado de trabalho. A percepção dessa educação funcionalista impede que haja a valorização dos saberes
locais de um determinado lugar, assim como dos profissionais e estudantes.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação especifica a necessidade de adequação de planos de aula, projetos político
-pedagógicos, currículos e avaliações à realidade local para toda a educação básica no país (BRASIL, 1996). Diante disso,
se faz necessária a valorização de práticas pedagógicas voltadas para o local, que fazem parte da realidade da comunidade.
Embora, tal proposta já estivesse no discurso dos pioneiros de 1932 (AZEVEDO, 1932), ainda percebe-se lacunas nas
práticas docentes que possibilitem experiências significativas.
Contudo, percebe-se, também, a impossibilidade de ação central por parte do Estado em adaptar as práticas pedagógicas à realidade local. Esta impossibilidade é tanto operacional quanto ideológica. Dessa forma, cabe à comunidade
escolar provocar experiências de aprendizagem que façam sentido para a realidade do estudante. Essa responsabilidade é
da comunidade tanto por capacidade e sintonia quanto por necessidade de sobrevivência.
Assim, a partir da concepção da comunidade como território, logo com capacidade criativa, é preciso que haja
uma adaptação dos processos de aprendizagem resultantes desse poder criativo local.
Essas práticas pedagógicas podem ser desenvolvidas por atores sociais que se posicionem como mediadores do
processo pedagógico, que focam seu trabalho na efetiva aprendizagem do estudante e que não se prendam às limitações
externas para alcançar seus objetivos. Isso significa, também, desenvolver propostas didáticas baseadas em problemas que
possibilitam novos olhares para o mundo e para si mesmos. Através dessas práticas pedagógicas o papel da escola pode
ser dimensionado como um território de valorização e afirmação da identidade da comunidade.
Mas, para tanto, esse novo paradigma ganhará força a partir de um diálogo mais intenso entre a Universidade e a
comunidade escolar da Educação Básica. Daí a importância de formação continuada para aproximar e interagir a Univer49
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sidade e a educação básica. Esta aproximação supera a visão de que a profissão do professor se reduz a um conjunto de
técnicas que seriam diferentes dos saberes da universidade (NÓVOA, 1995). Através de cursos de formação continuada
para esses atores sociais da comunidade escolar, esta aproximação permite conexões que possibilitem conhecimentos
interdisciplinares, democráticos e, consequentemente, mais interessantes para estudantes e profissionais.
METODOLOGIA
Esta aproximação Universidade-Escola básica para o propósito desta pesquisa foi realizada a partir da multiplicação do Curso de extensão em Gestão de Processos de Educação, Diversidade e Inclusão - GPEDI - para os profissionais
de educação básica do Município de Guaratuba, litoral sul do Paraná. Contando com o acompanhamento dos professores
da Universidade, o dia-a-dia do curso foi vivenciado pelos professores-cursistas da Especialização GPEDI que, inclusive,
são do próprio município.
Os inscritos no curso chegaram a cento e noventa e quatro. Embora, tenha ocorrido algumas desistências, a carga
horária de cento e oitenta horas foi realizada por cento e vinte e seis extensionistas. O grupo, além de numeroso, se revelou, também, bastante diverso, cmposto por professoras e professores da educação infantil; Fundamental I; Fundamental
II; Ensino Médio; estudantes de Magistério; profissionais da secretária; biblioteca; inspetoria; merenda escolar e limpeza.
Esta diversidade representou um desafio no preparo dos materiais do Curso, entretanto, se revelou – através dos relatos
dos cursistas – a vivência mais significativa.
Diante dessa realidade, o objetivo do nosso Curso não poderia ser fechado. Foi o andamento do Curso que revelou
novos problemas de pesquisa e, portanto, novos objetivos. Porém, ficou claro desde os primeiros encontros de preparação
com os demais professores multiplicadores que o objetivo era conhecer/se aproximar parte da realidade da educação básica de Guaratuba. Este “conhecer/aproximar” não seria feito através de tabelas, questionários, números, e sim, de entender
a vivência de atores sociais. Seguindo essa perspectiva a comunidade escolar é lugar que reúne possíveis atores que compartilham certas ideias que podem contribuir para romper com uma educação colonialista e voltada para o mercado. Mas,
essas comunidades precisam de interação, espaços de diálogo, trocas e debates, formando redes. Assim, essas redes que
são criadas a partir de demandas se solidarizam em seus objetivos superando a visão de “classe social” por “ator social”
e de “luta de classes” por “movimento social” (SCHERER-WARREN,1996).
Nesse sentido, o objetivo principal da pesquisa foi, no primeiro momento, provocar diálogos com a comunidade
escolar para a criação de projetos de aprendizagem baseado em problemas. Contudo, a partir dos contatos com os professores, foi possível perceber diversas experiências significativas de aprendizado. Assim, o objetivo principal foi complementado: conhecer as experiências da comunidade escolar que valorizem saberes locais, processos de aprendizagem por
problemas, economias solidárias e ações ambientais.
Dessa forma, o meio escolhido para a aproximação foi a pesquisa ação que “incorpora a ação como sua dimensão
constitutiva –, o pesquisador em educação não deixa dúvidas sobre a relevância conferida à prática em seu processo de
investigação. Tratou-se, assim, de uma pesquisa que buscou articular a relação entre teoria e prática no processo mesmo
de construção do conhecimento” (MIRANDA, 2006).
DISCUSSÃO
Por conta do processo de multiplicação que foi realizado por professores do próprio município, houve no início
certas resistências em relação ao fato de que não eram professores “de fora”. Porém, desde o início dos diálogos houve
uma clara intenção de romper com as expectativas de “receitas de sucesso” para a prática de sala. Esse rompimento contribuiu para o fortalecimento dos atores sociais como o caso da professora afastada que, inicialmente, acreditou que não
poderia participar por não estar na função, mas que se sentiu confortável ao ser incluída e perceber que suas experiências
tinham significado; as professoras que viajavam da área rural por duas horas até chegar à área urbana que ficaram sensibilizadas pelo convite.
Ficamos bastante tocados, pois os relatos de problemas e soluções foram enriquecedores e nos fizeram pensar como estes
espaços de valorização de saberes e fazeres são raros. A chegada dos estudantes do curso de formação de professores com
os olhos cheios de otimismo foram provocações de ânimo para os demais. Enfim, as interações entre os multiplicadores e
os multiplicados permitiram a construção de uma identidade.
Buscamos a aproximação com as experiências dos profissionais da comunidade escolar como forma de valorização das identidades e saberes locais. Nesse sentido, o foco é explicado, pois “a experiência é o que nos passa, o que
nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa não o que acontece, ou que toca” (LARROSA, 2014). Muitas vezes, a
palavra experiência acaba se confundindo com experimento, que dá uma ideia de sujeito e objeto, estímulo e resposta.
Contudo, segundo Vygostki, uma atividade psíquica superior que é o aprender se dá através da criação de instrumentos
para a resolução de problemas (FRIEDRICH, 2012).
Uma das grandes questões presentes, senão a maior, é a problemática ambiental. A busca de instrumentais para
a resolução de problemas ambientais é uma atividade psíquica que supera a simples relação de pergunta e resposta tão
comum na realidade escolar tradicional. A partir de problemáticas ambientais, a comunidade escolar internaliza e busca
soluções quando há espaço para interações. Essa internalização se dá de forma interdisciplinar tanto para apresentar saídas
para a crise ambiental quanto para a crise do conhecimento (LEFF, 2011).
Nesse sentido, o “problema” das sobras alimentares da merenda escolar apontada pelas merendeiras foi resolvido
através da aproximação com as professoras da mesma escola. Interessante foram os depoimentos de duas professoras que
se surpreenderam com a ação da merendeira, pois, dificilmente, equipes de limpeza ou de alimentação são vistas como
parte do processo de educação. Assim, foi necessário um olhar mais amplo da escola, muito além, de docentes e discentes.
Este novo olhar, ampliado, incluiu profissionais que são vistos apenas como técnicos e, até mesmo, menosprezados na comunidade. A partir do problema foram discutidas democraticamente possíveis soluções sustentáveis para os
resíduos orgânicos. A pesquisa de métodos de tratamento dos resíduos levou à construção de composteiras que permitiram
não apenas a destinação do resíduo, mas, o uso do húmus para fertilização. Naturalmente, que as soluções não foram imediatas. Cartazes de conscientização produzidos pelos estudantes,
aprendizado e apropriação de técnicas, pesquisa de soluções mais adequadas e valorização do húmus para o cultivo de
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hortas. Muitas técnicas e conteúdos foram apreendidos a partir da solução democrática da compostagem. Os achados da
pesquisa nos conduziram à várias técnicas de compostagem. A partir de experiências na internet encontramos um modelo
de composteira adequado à escola (RODRIGUES, 2014). A ideia prosperou para dar uso ao húmus produzido pelas composteiras e estudantes e professoras organizaram uma horta orgânica num espaço sem utilização que representava ameaça
às crianças.
Outro grupo de profissionais da comunidade escolar levantou a questão da dificuldade de trazer os pais para participarem dos processos da escola. Tal problema foi levantado a partir da discussão de que cabe à escola mais responsabilidades que antes eram da família e, ainda, o fato de que os pais não comparecem às reuniões.
A multiplicação do Curso de extensão não foi só superação de problemas, também gerou certos desconfortos.
Diante do questionamento: “E a Escola convida a família a participar do processo de aprendizagem ou só chama os pais
quando há um problema?”, muitas foram as reações , assim como novas dúvidas surgiram e a possibilidade da autocrítica.
Diante dessa problematização, duas professoras lembraram um projeto realizado em 2013. O projeto de produção
de sabão ecológico como oportunidade de aprender e de envolver as famílias com o processo de aprendizagem na escola.
Os estudantes das séries finais do ensino fundamental I da Escola Municipal Vereador Heinz Wittitz pesquisaram com a
comunidade sobre o uso do sabão ecológico. Após a tabulação, constataram o desconhecimento sobre o produto. As professoras pesquisaram a técnica de fabricação para realizar na escola e os pais foram convocados para ajudar na produção.
A interdisciplinaridade no projeto de aprendizagem é evidente. Conhecimentos que de outro modo estariam isolados em
cada disciplina foram integradas no processo e permitiram novas conexões. Assim, estudantes, familiares e profissionais
se envolveram na produção do sabão ecológico. Alguns compreenderam a eficiência superior do produto e, também, a
oportunidade de uma economia ecológica e solidária, além, é claro, do envolvimento dos pais na comunidade escolar.
A percepção inicial do Curso de extensão foi de um processo de formação continuada que pretendia aproximar os
professores de parte dos saberes da Universidade, como o conhecimento de políticas públicas, textos científicos e orientações. Embora tivesse a certeza da existência de saberes por parte da comunidade escolar, o processo foi uma imersão em
um espaço de troca de saberes, possibilitando o contato com um potencial criador de comunidades. Além da oportunidade
de conhecer experiências e soluções próprias de cada comunidade, foi possível realizar trocas enriquecedoras para as
práticas pedagógicas de todos os envolvidos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tais resultados nos alertaram para a necessidade de dois tipos de espaço. O primeiro espaço é a divulgação dessas
experiências em ambientes interativos e periódico de circulação para as comunidades escolares. Percebeu-se que a maior
parte dos professores desempenham atividades criativas e que levam em consideração experiências locais, éticas e solidárias. Esta interação virtual tem ocorrido com os atores sociais nas redes sociais com a formação de grupos e repositórios
digitais, mas de forma, dispersa o que dificulta a divulgação para outras comunidades. Esta divulgação é importante não
para a mera reprodução de práticas, mas com a finalidade, de ser a matéria prima para adaptações e aperfeiçoamentos. O
segundo espaço, a necessidade de se manter cursos de formação continuada para a maior aproximação dos profissionais
entre si e com a Universidade como forma de valorizar o trabalho desenvolvido nas escolas, como também aproximar
dos estudantes e professores da Universidade, oportunidades de conhecer os caminhos de práticas significativas de
aprendizado.
A EDUCOMUNICAÇÃO SOCIOAMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA PARA O DESENVOLVIMENTO
DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL
Tatiana de Medeiros Canziani1; Marcelo Luís Korelo2
REFERÊNCIAS
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RESUMO
A Educomunicação Socioambiental foi proposta pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), como linha de ação para
o desenvolvimento da Educação Ambiental (EA) no Brasil. A escolha dessa metodologia ocorre de modo integrado ao
processo de implementação da Política Nacional de Educação Ambiental, criada pela Lei no 9.795/99, e que culminou
no Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA). Por meio do ProNEA, adotou-se a Comunicação para a
Educação Ambiental como forma de produzir, gerir e disponibilizar, de forma interativa e dinâmica, as informações
relativas à Educação Ambiental. De 2004 a 2007, o Departamento de Educação Ambiental (DEA) do MMA desenvolveu
um material de orientação de práticas de comunicação para a EA com a intenção de dar suporte a propostas de políticas
públicas voltadas ao tema ambiental através da educação e comunicação. Em 2008, foram publicadas as Diretrizes da
Educomunicação Socioambiental. O objetivo desse artigo é analisar a documentação produzida pelo Ministério do
Meio Ambiente, voltado à Educação Ambiental, com a finalidade de verificar quais são os princípios, objetivos e ações
propostas pelo MMA que sustentam a difusão de ações educomunicativas socioambientais em espaços não-formais.
Palavras-chave: Educação Ambiental. Educomunicação. Educomunicação socioambiental.
ABSTRACT
The Social-environmental Educommunication was proposed by the Ministry of Environment (Ministério do Meio
Ambiente - MMA) as a line of action for the development of Environmental Education (EE) in Brazil. The choice of
this methodology occurs in an integrated manner the implementation process of the National Environmental Education
Policy, created by Law n. 9.795/99, and culminated in the National Environmental Education Program (Programa
Nacional de Educação Ambiental - ProNEA). Through ProNEA, the Communication for Environmental Education
was adopted as a way to produce, maintain and make available, in an interactive and dynamic way, the information
relating to environmental education. From 2004 to 2007, the Department of Environmental Education (Departamento de
Educação Ambiental - DEA) of MMA has developed a guidance material for communication practices of EE intended
to support. In 2008, the Guidelines were published in Environmental Educommunication. The aim of this paper is to
analyze the documentation produced by the Ministry of Environment, focused on Environmental Education, in order to
verify what are the principles, objectives and actions proposed by the MMA that support the diffusion of environmental
educommunication actions in non-formal spaces.
Key words: Environmental Education. Educommunication. Socioenvironmental Educommunication.
SEN, Amartya. (2010) Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 461p.
ZAOUAL, Hassan. (2006) Nova economia das iniciativas locais: uma introdução ao pensamento pós-global. Rio de
Janeiro: DP&A: Consulado geral da França: COPPE/UFRJ, 253p.
51
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1
Professora do Instituto Federal do Paraná – Campus Curitiba. Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade
de São Paulo. e-mail: [email protected]
2
Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Meio Ambiente Urbano e Industrial (PPGMAUI) da Universidade Federal do Paraná.
e-mail: [email protected]
1 INTRODUÇÃO
Educomunicação Socioambiental.
A partir da promulgação da Lei n .9.795/99 , em fevereiro de 1999, foi instituída no Brasil a Política Nacional de Educação
Ambiental. Essa legislação tem por objetivo esclarecer e definir o que o Estado entende por Educação Ambiental (EA) e a quem
confere a responsabilidade pelo desenvolvimento de ações que visem promover a EA em território nacional. Além disso, o documento
traz os princípios básicos e os objetivos fundamentais da mesma.
o
3
Com relação à Política Nacional de Meio Ambiente, a lei determina que as atividades vinculadas a essa política pública
devem ser desenvolvidas a partir de linhas de ação pré-determinadas, e ocorrer em espaços educativos formais e não formais, com a
intenção de capacitar recursos humanos; desenvolver estudos, pesquisas e experimentações; produzir e divulgar material educativo
e acompanhar e avaliar essas ações educativas.
2 METODOLOGIA
Trata-se de um estudo científico, de abordagem qualitativa, com objetivos descritivos. A pesquisa documental é adotada
como procedimento para o desenvolvimento da pesquisa dentro da metodologia escolhida. Essa documentação é indireta, de tipo
escrito, visto que foi produzida quase em sua maioria pelo Ministério do Meio Ambiente. Ao mesmo tempo, o trabalho se vale da
pesquisa bibliográfica como suporte para discutir os pressupostos teóricos surgidos ao longo da análise.
Em razão da instituição dessa política nacional, foi criado o Programa Nacional de Educação Ambiental, o ProNEA. O
ProNEA propõe missão, diretrizes e princípios que orientam sua linha de atuação, e por conseguinte as demais ações de educação
ambiental do Ministério do Meio Ambiente (MMA), baseados no Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis
3 AS AÇÕES DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE EM PROL DO DESENVOLVI-MENTO DA
EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL: A BUSCA POR UMA LINHA DE ATUAÇÃO DEFINIDA POR
POLÍTICAS PÚBLICAS NA ÁREA
e Responsabilidade Global4. Essas diretrizes foram elaboradas no ano de 2004, a partir de um processo de consulta pública que
envolveu mais de 800 educadores ambientais brasileiros, em parceria com as Comissões Interinstitucionais Estaduais de Educação
Ambiental (CIEAs) e as Redes de Educação Ambiental.
3.1A LEI NO 9.795/99 E A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL
O ProNEA (BRASIL, 2005) defende que a “Comunicação para a Educação Ambiental” deve ser uma das linhas de ação
desenvolvidas para promover a Educação Ambiental e para que se produza, gere e disponibilize, de forma interativa e dinâmica, as
informações relativas à EA.
Em outubro de 2004, acontece a I Oficina Nacional de Comunicação e Educação Ambiental. Das discussões e proposições
desse evento tem início a construção de um documento, também de cunho orientativo, sobre educomunicação socioambiental. Uma
primeira versão-base é criada alguns meses depois, em junho de 2005 (BRASIL, 2005). Essas informações, entretanto, somente são
sistematizadas, finalizadas e publicadas em 2008, após participação e colaboração de mais de 60 especialistas na área.
As Diretrizes para a Educomunicação Socioambiental como linha de ação para promoção da Educação Ambiental são
publicadas no documento Educomunicação Socioambiental: comunicação popular e educação5, o objeto de estudo desse artigo.
Esse trabalho tem a finalidade de verificar quais são os princípios, objetivos e ações propostas pelo ProNEA, do Ministério do
Meio Ambiente, que sustentam a difusão de ações educomunicativas socioambientais em espaços não-formais. Opta-se, nesse
sentido, por focalizar a pesquisa, em virtude de recortes metodológicos, nos espaços não-formais de educação, ainda que o material
consultado proponha ações para a educação formal e informal.
Entende-se que a análise dessa documentação, extravasa os horizontes de uma consulta bibliográfica, e caminha em direção
ao concreto, ao se refletir em programas e ações reais de Educação Ambiental por meio da Educomunicação Socioambiental, que se
valem das orientações contidas nesse material através de princípios sustentados por uma política pública nacional em consolidação.
Por esse motivo, faz-se importante revisitar o modo como se estabeleceu/ vem se estabelecendo esse cenário em torno da
3
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei n .9795/99, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política
Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 27 fev. 1999.
4
O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global é um documento elaborado por educadores
ambientais, jovens e pessoas ligadas ao meio ambiente de vários países do mundo, publicado durante a 1º Jornada de Educação Ambiental, que
se tornou referência para a Educação Ambiental.
5
BRASIL. Educomunicação socioambiental: comunicação popular e educação. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2008.
o
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A Lei no 9.795/99 define Educação Ambiental, em seu Artigo de no 1, como os
“[...] processos por meio dos
quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a
conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.” (BRASIL,
1999)
Em virtude desse caráter protagonista de envolvimento dos sujeitos, propõe que deve ocorrer de modo essencial e permanente
na educação nacional. Além disso, necessita se dar de maneira articulada em todos os níveis e modalidades do processo educativo,
seja ele formal e/ou não-formal.
Igualmente como a educação, trata-se, portanto, de um direito do cidadão. São responsáveis pelo cumprimento desse direito,
o Poder Público, mas também as instituições educativas, os órgãos integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama,
os meios de comunicação de massa, as empresas, entidades de classe, instituições públicas e privadas, assim como a sociedade como
um todo.
Essas instituições devem se incumbir de promover a educação ambiental por meio da definição de políticas públicas, através
da integração a programas educacionais, de conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente e também de formação de
trabalhadores. Essa promoção deve visar a atuação individual e coletiva que se volte para a prevenção, identificação e a solução dos
problemas ambientais e ocorrer de modo permanente através da disseminação de informações e práticas educativas sobre o meio
ambiente.
A legislação (BRASIL, 1999) indica ainda, Artigo de no 4, que a Educação Ambiental está amparada em oito
princípios básicos. São eles: I - o enfoque humanista, holístico, democrático e participativo; II - a concepção de meio
ambiente na sua totalidade, considerando a interdependência entre o meio natural, o meio sócio-econômico e o cultural,
sob o enfoque da sustentabilidade; III - o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, na perspectiva da inter, multi
e transdisciplinaridade; IV - a vinculação entre a ética, a educação, o trabalho e as práticas sociais; V - a garantia de
continuidade e permanência do processo educativo; VI - a permanente avaliação crítica do processo educativo; VII - a
abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais e globais; VIII - o reconhecimento e o respeito
à pluralidade e à diversidade individual e cultural.
Baseados nesses princípios foram estabelecidos objetivos fundamentais para que a Educação Ambiental faça
cumprir, como desenvolver uma compreensão integrada de meio ambiente, pensada a partir de relações múltiplas e
complexas, de modo integrado à ecologia, psicologia, legislação, política, sociedade, economia, ciência, cultura e ética.
Ademais, cabe à EA garantir a democratização de informações ambientais, estimular a consciência crítica sobre as
questões socioambientais, incentivar a participação social nas causas ambientais como valor intrínseco do exercício da
cidadania e como fundamento para o futuro da humanidade, além de fomentar a integração entre ciência e tecnologia.
Nesse mesmo sentido, a EA tem por missão estimular a cooperação entre diferentes regiões brasileiras com o objetivo de
construir uma sociedade ambientalmente equilibrada.
A análise da Política Nacional de Educação Ambiental, Lei no 9.795/99, expressa uma preocupação em promover
a formação do cidadão através dos processos educativos, escolares e não-escolares. Dessa intencionalidade, requer-se
que se propicie capacitação de recursos humanos, o desenvolvimento de estudos e pesquisas e também produção e
divulgação de material educativo.
Essas ações devem buscar o aprimoramento de instrumentos e metodologias que visem a incorporação da
dimensão ambiental, a participação dos interessados, o apoio a iniciativas e experiências locais e regionais.
Com relação à Educação Ambiental nos espaços não-formais, a Lei no 9.795/99, esclarece que “Entendem-se por
educação ambiental não-formal as ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da coletividade sobre as questões
ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente”. (BRASIL, 1999)6
Com o objetivo de estimular essas ações e práticas educativas em espaços não-formais, o Poder Público, em nível
federal, estadual e municipal, incentivará que haja: I - a difusão, por intermédio dos meios de comunicação de massa,
em espaços nobres, de programas e campanhas educativas, e de informações acerca de temas relacionados ao meio
ambiente; II - a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não-governamentais na formulação
e execução de programas e atividades vinculadas à educação ambiental não-formal; III - a participação de empresas
públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e
as organizações não-governamentais; IV - a sensibilização da sociedade para a importância das unidades de conservação;
V - a sensibilização ambiental das populações tradicionais ligadas às unidades de conservação; VI - a sensibilização
ambiental dos agricultores; VII - o ecoturismo.
social na proteção, recuperação e melhoria das condições ambientais e de qualidade de vida”. (BRASIL, 2005, p.33) As diretrizes
estabelecidas pelo ProNEA devem ser reconhecidas pelos governos, em razão de seu caráter prioritário e permanente.
O ProNEA propõe as seguintes diretrizes para implementação de programas/ ações de Educação Ambiental: Transversalidade
e Interdisciplinaridade; Descentralização Espacial e Institucional; Sustentabilidade Socioambiental; Democracia e Participação
Social; Aperfeiçoamento e Fortalecimento dos Sistemas de Ensino, Meio Ambiente e outros que tenham interface com a educação
ambiental.
Além disso, são estabelecidos princípios aos quais esses projetos voltados ao desenvolvimento da EA devem se orientar,
segundo o Programa Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999, p.37).
• Concepção de ambiente em sua totalidade, considerando a interdependência sistêmica entre o meio natural
e o construído, o socioeconômico e o cultural, o físico e o espiritual, sob o enfoque da sustentabilidade.
• Abordagem articulada das questões ambientais locais, regionais, nacionais, transfronteiriças e globais.
• Respeito à liberdade e à equidade de gênero.
• Reconhecimento da diversidade cultural, étnica, racial, genética, de espécies e de ecossistemas.
• Enfoque humanista, histórico, crítico, político, democrático, participativo, inclusivo, dialógico,
cooperativo e emancipatório.
• Compromisso com a cidadania ambiental.
• Vinculação entre as diferentes dimensões do conhecimento; entre os valores éticos e estéticos; entre a
educação, o trabalho, a cultura e as práticas sociais.
• Democratização na produção e divulgação do conhecimento e fomento à interatividade na informação.
• Pluralismo de idéias e concepções pedagógicas.
• Garantia de continuidade e permanência do processo educativo.
• Permanente avaliação crítica e construtiva do processo educativo.
• Coerência entre o pensar, o falar, o sentir e o fazer.
• Transparência.
3.2O PROGRAMA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A COMUNICAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO
AMBIENTAL COMO LINHA DE AÇÃO
A criação da Diretoria do Programa Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) ocorre em 1999, de maneira paralela à
promulgação da Política Nacional de Educação Ambiental. De 1999 a 2003, o ProNEA encontra-se em processo de construção de
suas Diretrizes, por meio de reuniões com especialistas da área de educação ambiental, audiências públicas e eventos. Essas diretrizes
são publicadas no ano de 2003 e trazem consigo a intenção de assegurar, de modo equilibrado, a interação e a integração “[...] das
múltiplas dimensões da sustentabilidade ambiental [...] ao desenvolvimento do país, buscando o envolvimento e a participação
6
BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Lei no.9.795/99, de 27 de abril de 1999. Artigo no. 13.
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Essas diretrizes tem como objetivo geral, dar conta da missão a ela indicada que é possibilitar que a Educação Ambiental
contribua para a construção de sociedades sustentáveis com pessoas atuantes e felizes em todo o Brasil. Além disso, devem visar a
promoção de processos voltados aos valores humanistas, ao desenvolvimento de conhecimentos, habilidades, atitudes e competências
– condições importantes para a construção de sociedades sustentáveis com cidadãos participativos.
Como linhas de ações e estratégias são sugeridas: 1) Gestão e Planejamento da Educação Ambiental no país; 2) Formação
de Educadores e Educadoras Ambientais; 3) Comunicação para a Educação Ambiental; 4) Inclusão da Educação Ambiental nas
Instituições de Ensino; 5) Monitoramento e Avaliação de Políticas, Programas e Projetos de Educação Ambiental.
O foco desse estudo é a linha de ação de no 3, Comunicação para a Educação Ambiental. A Comunicação para a Educação
Ambiental se divide em dois eixos: a Comunicação e tecnologia para a educação ambiental e a Produção e apoio à elaboração de
materiais educativos e didático-pedagógicos.
A Comunicação e tecnologia para a educação ambiental se refere mais às questões de promoção, divulgação e estímulo
de projetos, ações e políticas públicas, através de informações e conhecimento sobre a EA, por meio de produtos audiovisuais e
impressos divulgados pelos meios de comunicação de massa.
São objetivos da Educomunicação para o desenvolvimento das políticas socioambientais: 1) O estímulo e a difusão da
comunicação popular participativa no campo da Educação Ambiental brasileira, com o fim de fortalecer a ação educadora coletiva
pela sustentabilidade; 2) A contribuição para a elaboração e a implementação de uma Política Nacional de Comunicação e Informação
Ambiental.
Baseada nos estudos de Soares9 (1999), a Educomunicação Ambiental ou Socioambiental adquire nova expressão como
suporte para o desenvolvimento da Educação Ambiental.
Têm-se como estratégias para promover a Comunicação para a Educação Ambiental: que as informações sejam de caráter
educativo, por meio de uma linguagem acessível, com integração entre as diferentes mídias. Estimula-se que haja produção artísticas
e literárias como forma de fomentar a discussão de questões ambientais. Ressalta-se que essas informações divulgadas reconheçam
experiências de Educação Ambiental locais e sejam socializadas por meio de “Salas Verdes”. Também se estimula a criação de canais
de acesso às informações ambientais, produção de programas temáticos e a elaboração de planos e programas de comunicação para
instâncias governamentais. Com relação à criação de um banco de dados que disponibilize informações sobre Educação Ambiental7
e um cadastro nacional de agentes de EA, o ProNEA prevê a centralização nos sites do MMA, principalmente o do Departamento de
Educação Ambiental (DEA). Além disso, prevê a alimentação desse banco de dados, pela sociedade em geral. Por fim, existe uma
preocupação com a capacitação para as tecnologias de informação e comunicação.
O eixo Produção e apoio à elaboração de materiais educativos e didático-pedagógicos firma uma parceria entre os Ministérios
do Meio Ambiente e Ministério da Educação (MEC), tanto para a aquisição como para a produção de material impresso e audiovisual
para trabalhar a Educação Ambiental em todo o país, de modo nacional, regional e local. Ademais, prevê a utilização de ensino
a distância. Além da implantação de rádios comunitárias em polos irradiadores, a partir de parceria com a Associação Brasileira
de Rádios Comunitárias, para produção de programação, especialmente, voltada para o público jovem “[...] como instrumento
pedagógico e de fomento às atividades ambientalmente sustentáveis.” (BRASIL, 2005, p.50)
3.3A EDUCOMUNICAÇÃO SOCIOAMBIENTAL COMO POLÍTICA PÚBLICA
A Educomunicação Socioambiental é adotada pelo Ministério do Meio Ambiente como política integrante da trajetória que
vem sendo estabelecida pela Educação Ambiental em nível nacional, desde 1999. Por esse motivo, tem por finalidade possibilitar
que se cumpra o estabelecido pela Lei no 9.795/99, pela Política Nacional de Educação Ambiental e pelo Programa Nacional de
Educação Ambiental (ProNEA).
O referencial teórico da Educomunicação (SOARES, 1999)8 é assim adotado, pois dá conta de sistematizar o quadro de
referência para a toda ação comunicativa no campo da Educação Ambiental. Assim como contribui com a construção de uma Política
Nacional de Comunicação e Informação Ambiental. Acredita-se que “[...]A Educomunicação aproxima o campo da Educação
Ambiental à perspectiva de uma comunicação popular educadora, autonomista e democrática.” (BRASIL, 2008, p.9)
Refere-se ao conjunto de ações e valores que correspondem à dimensão pedagógica dos processos
comunicativos ambientais, marcados pelo dialogismo, pela participação e pelo trabalho coletivo. A
indissociabilidade entre questões sociais e ambientais no fazer-pensar dos atos educativos e comunicativos
é ressaltada pelo termo socioambiental. A dimensão pedagógica, nesse caso em particular, tem foco no
“como” se gera os saberes e “o que” se aprende na produção cultural, na interação social e com a natureza.
(BRASIL, 2008, p.10)
Os Ministérios do Meio Ambiente e da Educação (BRASIL, 2008) definiram oito princípios norteadores para a
Educomunicação Socioambiental. São eles: 1) Compromisso com o diálogo permanente e continuado; 2º - Compromisso com a
interatividade e produção participativa de conteúdos; 3o - Compromisso com a transversalidade; 4º - Compromisso com o Encontro/
Diálogo de Saberes; 5º - Compromisso com proteção e valorização do conhecimento tradicional e popular; 6º - Compromisso
com a democratização da comunicação e com a acessibilidade à informação socioambiental; 7º - Compromisso com o direito à
comunicação; 8º - Compromisso com a não discriminação e o respeito à individualidade e diversidade humana.
Esses princípios orientadores servirão de direção para o desenvolvimento de atividades e processos voltados à Educomunicação
Socioambiental, executadas por qualquer segmento da sociedade. As atividades propostas podem seguir três linhas de ação: Articulação
de Ecossistemas Comunicativos no campo da Educação Ambiental, Produção interativa/participativa em mídias massivas e Formação
do Educomunicador Socioambiental.
O documento sobre a Educomunicação (BRASIL, 2008) sugere ainda meios para que essas ações complementares integradas
sejam implementadas. Sugere-se que se: realizem diagnósticos e mapeamentos iniciais da comunicação em todos os níveis; desenvolvam
pesquisas e publicações de metodologias apropriadas para diagnóstico da comunicação, para formação de educomunicadores e para
a elaboração de programas; apoie, em seu âmbito de atuação, a constituição de estruturas educadoras voltadas para a informação e a
comunicação popular em meio ambiente; articulem bases virtuais de informação (páginas, plataformas, sistemas) não somente devido
a seu caráter de autopromoção, mas como fomento para as discussões sobre o tema; trabalhe em rede com os campos da educação,
da comunicação e da informação ambiental; apoie o planejamento e a gestão de programas de Educomunicação Socioambiental, em
qualquer nível do poder público, como meio de fortalecer a Educação Ambiental como prática de todos; e, por fim, que se defina os
meios institucionais para apoio permanente e financiamento da Educomunicação Socioambiental.
A Educomunicação, como as Diretrizes do ProNEA (BRASIL, 2003), valem-se da transversalidade e da participação social
por meio de recursos pedagógicos, baseados no dialogismo e na autonomia, para o desenvolvimento de suas ações.
7
O Sistema Brasileiro de Informação em Educação Ambiental (SIBEA) reúne dados sobre o tema em um portal do Ministério da
Educação.
8 SOARES, I.O. Comunicação/Educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. Brasília, 1999.
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9
O Prof. Dr. Ismar de Oliveira Soares é coordenador-geral do Núcleo de Educação e Educação (NCE) da Universidade de São Paulo desde
a sua fundação em 1996.
4 DISCUSSÃO
A adoção da Educomunicação Socioambiental nos espaços não-formais é tratada dentro das Diretrizes da Educomunicação
Socioambiental (BRASIL, 2008) do Ministério do Meio Ambiente como um campo de aplicação para a linha de ação. Juntamente com
a educação não-formal, são alocados os processos formativos populares e informais. Em outro lado, o documento define a educação
formal também como espaço de execução dos projetos socioambientais, entretanto com um potencial menor de exemplificação e
com menos possibilidades de atuação do que o ambiente não-formal.
São exemplos de campos de atuação da Educomunicação, segundo as Diretrizes da educomunicação Socioambiental
(BRASIL, 2008): Educomunicação nos Coletivos Educadores para Territórios Sustentáveis; Educomunicação para a constituição
de Municípios Educadores Sustentáveis, nas Cidades-Escola e nos Bairros-Escola; Educomunicação nas Redes de Educação e / ou
de Comunicação Ambiental; e, Educomunicação Socioambiental na Pesquisa Participativa em Meio Ambiente.
A Educomunicação nos Coletivos Educadores para Territórios Sustentáveis se refere às possibilidades de tratar a Educação
Ambiental como um ação permanente, organizada em prol da sustentabilidade. Dessa maneira, supõe-se a organização de documentos
com essa finalidade, projetos político-pedagógicos, currículos, cursos, entre outros.
Já a Educomunicação para a constituição de Municípios Educadores Sustentáveis, nas Cidades-Escola e nos Bairros-Escola,
retrata as políticas de educação e comunicação articuladas com comunidades, movimentos, escolas.
A Educomunicação nas Redes de Educação e/ou de Comunicação Ambiental demonstra que para que haja difusão de
saberes e conhecimentos de maneira mais eficiente, através de ações e projetos, é interessante que haja integração e interação
dessas experiências por meio das Redes orientadas em razão da EA. Daí o viés da transversalidade tão apontado nos documentos
analisados.
E, por fim, a Educomunicação Socioambiental na Pesquisa Participativa em Meio Ambiente. Tratam-se de ações
investigativas, de cunho participativo, situadas “[...] como um setor à parte para mostrar que a pesquisa não é exclusivamente
originada no sistema formal de educação. Pode ser proposta e conduzida, também, por exemplo, por uma organização comunitária”.
(BRASIL, 2008, p.33)
Trata-se, portanto, de dar intencionalidade educativa aos compromissos sociais com a finalidade de construir uma sociedade
mais sustentável e equilibrada, a partir de espaços não necessariamente voltados para esse fim.
Para isso, é preciso partir de um entendimento sobre Educomunicação Socioambiental com uma campo de intervenção social.
Nessa linha de ação a educação e a comunicação são processos da construção do sujeito. E esse sujeito é um cidadão que faz parte de
uma sociedade e que carrega consigo valores, hábitos, ideias próprias, cultura. Esses saberes pré-existentes são representativos para
esse modelo de comunicação e educação, pois é coerente e significativo com uma realidade. O sujeito consciente de sua existência e
de sua autonomia torna-se protagonista da sua própria história. E a comunicação democrática surge nesse contexto, no qual o sujeito
é também emissor da informação, a partir de espaços públicos de expressão.
Ambiental, Política Nacional de Educação Ambiental (ProNEA) e Diretrizes para a Educomunicação Social Ambiental, percebese que as políticas públicas voltadas à promoção da Educação Ambiental, em território brasileiro, encontram-se em processo de
consolidação. Porém, com orientações muito bem definidas com relação aos princípios e objetivos que devem ser seguidos para a
implementação de ações e programas nessa área.
De 2008 a 2015, não foi proposto mais nenhum documento que se refira à Educomunicação, nem à Educomunicação
Socioambiental por parte do Ministério do Meio Ambiente. Entretanto, em 2010, foram publicadas as Diretrizes para a Estratégia
Nacional de Comunicação e Educação em Unidades de Conservação (BRASIL, 2010a) e a Resolução no. 422/ 2010 (BRASIL,
2010b), do Conselho Nacional do Meio Ambiente. Mais uma vez, a Educomunicação é referenciada como linha de ação para o
desenvolvimento de ações comunicativa e educacionais voltadas à Educação Ambiental.
O posicionamento aqui assumido, é de que o novo campo já está legitimado, no que se refere, a uma política pública
pensada dentro de um processo que visa promover a Educação Ambiental, mas também definir a Política Nacional de Comunicação,
Educação e Informação da Educação Ambiental. As diretrizes e orientações citadas foram (bem) construídas em um processo
participativo que envolveu o Estado, mas também especialistas e agentes envolvidos com a Educação Ambiental.
Trata-se de um movimento integrador, que constrói e se reconstrói cotidianamente por meio da práxis, através de ações
e projetos reais com sujeitos também concretos. Nesse sentido, entende-se que assim como foi construído baseado na troca de
experiências, também pode possibilitar que assim se crie um movimento cíclico.
Ao se estabelecer um panorama revisitado sobre as origens e fundamentos da comunicação educativa e/ou educação
comunicativa, através de projetos desenvolvidos por Anísio Teixeira, passando por Mário Kaplún e Paulo Freire, observa-se e
se compreende que são os movimentos populares e os espaços informais e não-formais, os berços para o desenvolvimento da
Educomunicação.
Por esse motivo, e em razão, do caráter democrático da proposta voltada à formação do educomunicador social em espaços
não-formais, estimula-se o estabelecimento de novas experiências que possam vir a contribuir para a área da Educomunicação
Socioambiental e que contribuam diretamente no empoderamento do cidadão autônomo e crítico.
REFERÊNCIAS
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- ENCEAl. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2010. Disponível em:<http://www.cca.eca.usp.br/sites/cca.eca.usp.br/files/
Publica%C3%A7%C3% A3o ENCEA.pdf>. Acesso em: 27 jul. 2015.
______. Ministério do Meio Ambiente. Educomunicação socioambiental: comunicação popular e educação. COSTA, F.A.M.
(Org.). Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2008. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/educamb/_arquivos/txbase_
educom_20.pdf>. Acesso em: 01 jul.2015.
Por isso, a adoção da Educação Ambiental embasada em uma visão de ambiente como uma totalidade, interdependente do
social, econômico, cultural, físico e articulado com o local, mas também com o global.
______. Ministério do Meio Ambiente. Lei no.9795/99, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a
Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 27 fev. 1999. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9795.htm>. Acesso em: 15 jul.2015.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
______. Ministério do Meio Ambiente. Programa de Educomunicação Socioambiental. Série Documentos Técnicos 2. Brasília:
Ministério do Meio Ambiente – Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, 2005. Disponível em: <http://www.mma.
gov.br/estruturas/ educamb/_arquivos/dt_02.pdf>. Acesso em: 26 jul.2015.
A partir da análise da legislação/ documentação exposta na seção anterior – Lei no. 9.795/99, Programa Nacional de Educação
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______. Ministério do Meio Ambiente. Programa Nacional de Educação Ambiental. Brasília: Ministério do Meio Ambiente
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A FAMÍLIA E A ESCOLA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: REFLEXÕES PARA A PROMOÇÃO E AMPLIAÇÃO
DA PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NA ESCOLA ATRAVÉS DE PROJETOS
Roseli de Fátima dos Santos de Almeida1; Marília Pinto Ferreira Murata2
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SOARES, I.O. Comunicação/Educação: a emergência de um novo campo e o perfil de seus profissionais. In Contato: Revista
Brasileira de Comunicação, Educação e Arte – nº 2. Brasília: UnB, 1999.
RESUMO
A presente pesquisa adotou a metodologia da pesquisa-ação, aplicada junto as famílias, as crianças e educadoras de um
Centro de Educação Infantil. Teve como um de seus objetivos promover a reflexão e intervir no sentido de valorizar a
participação da família na escola, com vistas a consolidação de uma parceria efetiva para a promoção do desenvolvimento
infantil a partir de uma perspectiva biopsicossocial do processo educacional. Para tanto foi desenvolvido um programa,
por meio da aplicação de um projeto de atividades relacionadas à temática da questão ambiental. Foram convidadas a
participar do projeto todas as 11 educadoras, as 92 crianças matriculadas no CMEI de 03 à 05 anos e seus familiares, sendo
que 54 famílias e 09 educadoras aceitaram participar do projeto. Foi aplicada avaliação ao início e no final da realização
do programa de intervenção, por meio de questionário semiestruturado e, avaliação periódica ao longo da execução dos
trabalhos. O programa de intervenção foi realizado no período de 15 de maio a 04 de Julho de 2013 e contou com 10 dias
de atividades. Todas as atividades foram elaboradas utilizando-se brincadeiras e materiais lúdicos, respeitando-se a fase
de desenvolvimento em que as crianças se encontravam. Das questões aplicadas às famílias e educadoras selecionadas
para o presente estudo, 07 constavam do questionário inicial e 01 do questionário final. Observou-se que as educadoras
do CMEI mostraram-se interessadas em mudanças quanto às atividades que envolvem família e escola, principalmente
com projetos. Percebeu-se que com a aplicação do projeto foi possível abordar conteúdos interdisciplinares, e desenvolver
atividades diversificadas, bem como aproximar família e escola.
Palavras chave: relação família-escola, desenvolvimento infantil.
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Universidade Federal do Paraná [email protected]
INTRODUÇÃO
O presente artigo consiste na reflexão e contribuição da importância acerca das responsabilidades das instituições
família e escola no contexto da aprendizagem, com vistas ao desenvolvimento de crianças da educação infantil.
O interesse na temática que envolve família e escola surge da necessidade de promover e ampliar a participação
da família na escola através de projetos de forma efetiva, uma vez que ambos os envolvidos no processo educacional
podem estar afastados por ideias divergentes. Segundo Polato (2009, p.102) “os pais, que esperam ações dos professores
e esses dizem não caber a eles tais tarefas. Professores, por sua vez, depositam nos pais expectativas, que eles não têm
condições – ou não sabem como cumprir”. Essa situação pode gerar uma barreira que precisa ser rompida, para o bom
desempenho da criança em toda a sua potencialidade.
O projeto a que se refere o presente estudo teve como objetivo geral desenvolver um programa de intervenção
para a aproximação e facilitação da relação família e escola, por meio de atividades relacionadas à temática da educação
ambiental, visando o desenvolvimento de um trabalho envolvendo a parceria entre família escola, lembrando que esta é
de extrema importância no processo educacional, tanto no que diz respeito à estimulação do desenvolvimento global da
criança como para a formação cidadã. As adaptações e modificações curriculares voltadas para o aprendizado, visando
à construção da identidade, autonomia, autoestima das crianças, respeitando as especificidades das faixas etárias e
adequado às fases do desenvolvimento infantil contribuíram para o desenvolvimento do projeto e o acompanhamento
durante o processo educacional, por parte da família mostrou-se de fundamental importância para o desenvolvimento
pleno da criança. Desta forma quando se fala em pleno desenvolvimento não se enfatiza somente o aspecto cognitivo.
Foram objetivos específicos do projeto:
onde se encontram em fase de desenvolvimento, convivem com educadoras, outras crianças e esses relacionamentos
influenciam na formação de sua personalidade.
Ainda segundo Libâneo (2009 pg.300) “o objetivo primordial da escola é o ensino e a aprendizagem dos
alunos”. Para que ela se desenvolva é necessário que se socialize, satisfazendo suas necessidades e assimilando a cultura
da sociedade em que vive. (MARTINS e TAVARES, 2010). Portanto as escolas precisam estar abertas as crianças, as
famílias, membros da comunidade, educadoras, e todos envolvidos diretamente no processo educativo, abordar conteúdos
significativos e oferecer as crianças oportunidade de socialização com pessoas fora de casa.
Assim, a escola torna-se um espaço de trocas e de construções coletivas e deve ser partilhado com a família, e
ainda que abram espaços para que as crianças sejam ouvidas, pois fazem parte da escola, e as idéias e diretrizes principais
são construções dos adultos principalmente no que diz respeito às brincadeiras (MARQUES e SPERB, 2012).
Desta forma a escola torna-se um veículo com grandes poderes de transmissão de pensamento, de trocas de
conhecimentos. A escola tem papel chave nos caminhos do desenvolvimento individual da criança.
A LDB (Lei de Diretrizes e Bases) da Educação Nacional reconhece a Educação Infantil no Brasil como a
primeira etapa da Educação Básica, e tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 06 anos de idade em
seus aspectos físicos, psicológicos, intelectual e social, complementando a ação da família, das instituições de educação
infantil e da comunidade. (BRASIL, 1996).
A legislação é clara e aponta para a necessidade das crianças em relação ao tempo e espaço físico adequado ao
desenvolvimento integral. Segundo o RCNEI (Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil),
- Fomentar na escola em um espaço vivo de interações, aberto ao real e as suas múltiplas dimensões.
- Incentivar a participação da família em atividades escolares desde a primeira infância.
- Fomentar a participação da família na aquisição dos conhecimentos da criança.
As características da faixa etária das crianças atendidas, bem como as necessidades atuais de construção de uma
sociedade mais democrática e pluralista apontam para a importância de uma atenção especial com relação às
instituições e as famílias (BRASIL, 1998).
- Estimular a reflexão das educadoras sobre a importância da parceria família-escola.
Um dos objetivos da aplicação da pesquisa de campo era conhecer o dia a dia do Centro Municipal de Educação
Infantil com crianças de 03 anos (maternal II) a 05 anos (Pré II) no sentido de verificar como estas crianças se relacionavam
com seus colegas, educadoras, e como era a participação da família no processo ensino-aprendizagem e as dificuldades
encontradas em relação a essa parceria.
Para o desenvolvimento da pesquisa de campo foram elaborados questionários iniciais e finais com as famílias
e educadoras atuantes na educação infantil acerca de suas responsabilidades, dificuldades e expectativas.
ESCOLA E EDUCAÇÃO INFANTIL
A escola tem papel fundamental na formação integral da criança, como diz Libâneo (2009, p.300):
A escola é uma instituição social com objetivo explicito: o desenvolvimento das potencialidades físicas, cognitivas e
afetivas dos alunos por meio da aprendizagem dos conteúdos, para tornarem-se cidadãos participativos na sociedade
em que vivem (LIBÂNEO, 2009, p.300).
Diante disso entende-se a responsabilidade da escola em relação à formação da criança da educação infantil,
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As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Art.3º- I) estabelecem que as propostas
pedagógicas das instituições desta etapa escolar devem respeitar os fundamentos norteadores, que são: Princípios Éticos
da Autonomia, Responsabilidade, Solidariedade e Respeito ao Bem Comum, ao meio ambiente e as diferentes culturas,
identidades e singularidades. Princípios Políticos dos Direitos e Deveres da Cidadania, do Exercício da Criticidade e do
Respeito á Ordem Democrática. Princípios Estéticos da sensibilidade, da criatividade, da ludicidade e da liberdade de
expressão nas diferentes manifestações artísticas e culturais (BRASIL, 2010).
Principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento e a capacidade de se relacionarem com outras crianças
permitindo varias experiências e manifestações verbais, corporais, artísticas, lúdicas e culturais. A criança deve ser o foco
principal de todo trabalho escolar, e há que se considerarem suas necessidades e seus interesses que são sempre movidos
pela curiosidade.
Estudos constatam evidencias claras dos benefícios para a Educação Infantil, (E.I) em CMEIs, com crianças
acima de 03 anos, e de benefícios quase que universais para as crianças associadas as varias formas de E.I em
ambientes coletivos (brinquedotecas, parquinhos, entre outros) utilizados por crianças de 03 anos ou mais. Além de
constatarem o aumento dos benefícios, quanto maior a qualidade da E.I, melhor as instituições atendem as necessidades
do desenvolvimento da criança. (MELHUISH, 2013). Desta forma fica claro que quanto melhor a qualidade, mais
influencia terá no desenvolvimento, não só físico como social então é responsabilidade do Estado em parceria com o
Município ofertar essa qualidade no que se refere aos anos iniciais da educação infantil, assim como admitir profissionais
capacitados, beneficiando o ensino aprendizagem das crianças e que priorizem o movimento e as brincadeiras como
práticas pedagógicas incorporadas no cotidiano escolar, pois é nas brincadeiras que a criança reflete sua realidade e
atividades lúdicas e jogos proporcionam a formação de idéias, conceitos, raciocínio lógico voltado à especificidade de
sua faixa etária.
A escola nunca educara sozinha, de modo que a responsabilidade educacional da família nunca cessará. Uma vez
escolhida à escola, a relação com ela apenas começa. É preciso o diálogo entre escola e família. (REIS, apud SOUZA
2009, p.6).
PARTICIPAÇÃO DA FAMÍLIA NO DESENVOLVIMENTO ESCOLAR DA CRIANÇA
Desta forma, observa-se que a família é realmente responsável pela educação e fica claro que a responsabilidade
não deve ser delegada para a escola, é preciso socialização, diálogo entre os envolvidos, pois a escola não educa sozinha,
a educação acontece mutuamente, no processo de coletividade.
A família possui papel decisivo na educação formal e informal, é através dela que os filhos recebem valores
éticos. O estatuto da criança e do adolescente o (ECA), em seu artigo 4º ressalta:
A família e a escola emergem como duas instituições fundamentais para desencadear os processos evolutivos das
pessoas, atuando como propulsores ou inibidores do seu crescimento físico, intelectual e social (POLONIA e DESSEN,
2005).
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Publico assegurar com absoluta prioridade,
a efetivação dos direitos referentes à saúde, a alimentação, a educação, ao esporte, ao lazer, a profissionalização, a
cultura, á liberdade e a convivência familiar e comunitária (BRASIL, 1999).
Além disso, é direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da
definição das propostas educacionais (BRASIL, 1990).
Portanto as famílias e responsáveis têm direitos e deveres. A lei é clara quanto aos deveres das famílias em
matricular, e acompanhar a educação de seus filhos, saber o que ocorre com seus filhos, é um direito da família conhecer
e participar da proposta pedagógica da escola, no entanto é preciso tomar a iniciativa, não ficar esperando tudo da escola.
E essa participação de forma ativa na vida escolar das crianças vai proporcionar efeitos benéficos na qualidade do ensino.
Segundo Chalita (2004 pg.21): “a família tem a responsabilidade de formar o caráter, de educar para os desafios
da vida, de perpetuar valores éticos e morais. Desta forma a família como 1ª instituição formadora assume sua parcela de
responsabilidade na educação da criança não deixando tudo somente para a escola.
Comer e Haynes (1991 apud Fraiman, 1997) apontam que a participação da família na educação é essencial
para o desenvolvimento escolar de seus filhos, pois é a família que promove o suporte social, cultural e emocional das
crianças (FRAIMAN, 1997).
A participação na vida escolar da criança é de suma importância para o seu o desempenho, pois quando as famílias
acompanham todo o processo de desenvolvimento educacional, esta se sente valorizada e importante. Tais sentimentos
somente contribuem para o seu aprendizado. Existem muitas maneiras das famílias participarem deste processo, sendo
que algumas contribuições tornam-se muito relevantes como os auxilio nas tarefas escolares, o incentivo a leitura e o seu
envolvimento nos eventos pedagógicos ocorridos na escola (SOARES, 2010).
A participação das crianças em atividades mais complexas com os pais favorece a formação dessas crianças e
as transforma em agentes do próprio desenvolvimento (EYKEN, RIBEIRO, 2012).
Desta forma fica evidente que a participação da família na vida escolar é benéfica, pois contribui para aumentar
a autonomia, autoestima, e melhora o desempenho escolar da criança.
A educação não é uma tarefa que a escola possa realizar sozinha, portanto é a família a instituição primeira
responsável por essa educação, porem os objetivos e ideais devem ser o mesmo e partilhados entre as duas instituições.
Neste sentido, Reis citado por Souza (2009, p.6) afirma que:
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Entretanto cabe a cada uma entender seu papel na formação das crianças. A parceria entre escola e família é
fundamental por isso família e escola precisam trabalhar juntas, e nada melhor como uma boa conversa com a educadora
regente para estabelecer relações de confiança, pois o diálogo é o fio condutor que une família e escola.
As pesquisas de Costa (2003), Fonseca (2003), Marques (2002) citadas por Polônia e Dessen (2005 p.3) tem
demonstrado os benefícios da integração família e escola, particularmente quando o projeto pedagógico da escola abre
espaço para a participação familiar e reconhece que cada um tem seu papel de aprendizagem e desenvolvimento das
crianças. É o projeto pedagógico que permite uma flexibilidade das ações conjuntas.
Os benefícios de uma boa integração entre família e a escola relacionam se a possíveis transformações evolutivas
nos níveis cognitivos, afetivos, sociais da personalidade da criança (POLONIA e DESSEN, 2005).
Sulzer- Azaroff, Mayer (1989) acreditam que para estabelecer uma relação efetiva entre família e escola é
necessário que as educadoras aceitem a responsabilidade de se comunicar de forma clara, simples e compreensível com
a família.
Portanto uma boa relação entre a família e a escola deve estar presente em qualquer trabalho educativo, que
tenha como principal alvo, a criança. A escola deve também exercer sua função educativa junto às famílias, discutindo,
informando, orientando sobre os mais variados assuntos, para que em reciprocidade, escola e família possam proporcionar
um bom desempenho escolar e social ás crianças (SOUZA, 2009). Desta forma o diálogo torna-se o elo principal entre
família, escola e criança.
MÉTODO Foi aplicado um projeto em um CMEI (Centro Municipal de Educação Infantil), que abordou o tema “Meio
Ambiente”, com crianças de 03 a 05 anos. As atividades foram criteriosamente elaboradas, sendo desenvolvidas para
todas as turmas desde as turmas de Maternal II, Pré I e Pré II, respeitando a especificidade de cada faixa etária.
Foi realizada a avaliação no início e ao término do projeto, em que as famílias e educadoras responderam
questionários semi-estruturados, elaborados para este fim. Para o presente estudo foram selecionadas sete questões
que constavam do questionário inicial e uma do questionário final, que foram aplicadas aos familiares e educadoras
participantes.
A avaliação contou ainda com a observação sistemática e registro da criança e educadoras do uso do conceito
estudado em diversas situações. Utilizou-se também registro através de relatórios de todas as atividades desenvolvidas
durante a realização do projeto no caderno denominado “Diário de Registro”. Foram observadas possíveis mudanças de
atitudes em relação à participação das crianças, famílias e educadoras.
Quanto às famílias participantes, todas foram convidadas e aceitaram voluntariamente participar do projeto,
sendo que a maioria dos participantes eram do sexo feminino (mães e avós). A média de idade dos familiares participantes
entrevistados foi entre 20 a 29 anos, sendo algumas com 50 a 59 anos. Em relação às educadoras todas eram do sexo
feminino com idade entre 30 a 39 anos.
Figura 1 - Oportunidade proporcionada pela escola
para participação da família segundo os familiares.
(11)
20%
(15)
28%
(2)
4%
Os resultados apresentados a seguir dizem respeito à análise das respostas obtidas a partir da aplicação dos
questionários aos familiares e educadoras. Participaram do projeto e responderam os questionários 54 familiares e 09
educadoras.
A tabela 1 apresenta as respostas dos familiares e educadoras sobre a importância da participação da família na
Tabela 1 – Importância da participação da família na escola.
RESPOSTAS
Acompanhar o desenvolvimento do educando
Interação Família e Escola
Segurança e maior rendimento
Conhecer a escola e seu papel
Outros
Não respondeu
Total Entrevistados
Famílias
22
10
08
04
04
06
54
Educadoras
02
04
02
01
09
De acordo com a tabela acima 22 famílias acharam importante à participação da família na escola para acompanhar
o desenvolvimento da criança, porém 04 educadoras acreditavam que a importância da participação acontece para que se
obtenha mais interação entre a família e escola. Assim 08 famílias acreditavam que a participação da família na escola
iria acrescentar a criança segurança obtendo melhorias ao seu rendimento escolar.
As figuras 1 e 2 apresentam as respostas dos familiares e educadoras sobre as oportunidades que a escola
proporciona para a participação da família.
Normalmente, as escolas que adotam prioritariamente as datas comemorativas em seus currículos para a
participação da família na escola seguem o modelo tradicional de educação. Aquelas que adotam as práticas construtivistas
e sociointeracionistas trabalham com projetos de aprendizagem contínuos ao longo do ano letivo, mantendo em seu
calendário anual algumas datas comemorativas consideradas as mais importantes. Através da realização de Projetos,
proporcionam aos os alunos a oportunidade para refletirem sobre vivências e experiências, estimulando a aprendizagem
de conceitos e atitudes que possam levar por toda a vida, como conviver em harmonia, respeitar o próximo, aprender
a trabalhar em grupo, ser criativo, ter uma linguagem bem desenvolvida, constituir uma leitura de mundo de forma
inteligente e que lhe abra novas perspectivas, ser perceptivo aos fatores críticos, dentre outros (Brasilescola.com). Nas
figuras acima verifica-se que 28% das famílias e 45% das educadoras responderam que a escola ainda proporciona
eventos como datas comemorativas e reuniões para a participação da família, porém fica visível que 22% das famílias e
33% de educadoras acreditam no trabalho através de projetos, pois vem ganhando espaço nas instituições escolares. Essa
mudança surge no início do século, com John Dewey e outros representantes da chamada “Pedagogia Ativa”.
59
(1)
11%
(1)
11%
(4;)
45%
(2)
4%
RESULTADOS E DISCUSSÕES
escola.
Figura 2 - Oportunidade proporcionada pela escola
para participação da família segundo as educadoras.
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(12)
22%
(12)
22%
Datas Comemorativas
Projeto Atual
Reuniões
varias atividades
quase nada
não respondeu
(3)
33%
Datas Comemorativas
Projeto Atual
Reuniões
varias atividades
quase nada
Dewey (1987) afirma que “educação é um processo de vida e não uma preparação para a vida futura e que a
escola deve representar a vida presente tão real e vital para o aluno como a que ele vive em casa, no bairro ou no pátio”.
Os tempos mudaram, quase um século se passou, e essa afirmação continua ainda atual. A discussão da função
social da escola, do significado das experiências escolares para os que dela participam foi e continua a ser um dos assuntos
mais polêmicos entre educadoras. As recentes mudanças na conjuntura mundial, com a globalização da economia e a
informatização dos meios de comunicação têm trazido uma série de reflexões sobre o papel da escola dentro desse novo
modelo de sociedade, desenhado no final do século passado.
É nesse contexto e dentro dessa polêmica que a discussão sobre a Pedagogia de Projetos, hoje, se coloca, o que
significa dizer que esta é uma discussão sobre uma determinada concepção e postura pedagógica e não sobre uma técnica
de ensino mais atrativa para os alunos (MAGALI, 1998).
Neste sentido o trabalho com pedagogia a partir da aplicação de projetos visa à ressignificação do espaço escolar,
transformando em um espaço vivo de interações aberto ao real e as suas múltiplas dimensões. O envolvimento das
crianças se tornou primordial e as atividades em grupo contribuíram para desenvolver espirito de cooperação entre todos.
A tabela 2 apresenta as percepções das famílias e educadoras relacionadas à frequência de participação dos
familiares nas atividades oferecidas pela escola.
Dos 54 famílias e 09 educadoras entrevistadas inicialmente, de acordo com a tabela acima se observa que a
frequência de participação em atividades relacionadas à escola é bem maior em dias de assinatura de boletins, em seguida
a participação na escola por parte da família é para acompanhamento do aprendizado seguido de acompanhamento nas
atividades escolares. Observa se, entretanto que as famílias buscam participar, e quando não podem mandam alguém de
sua confiança para receber as informações. No entanto, ainda existem famílias que participam raramente das atividades
que envolvem tarefas para casa e o diálogo. A escola precisa trabalhar ainda mais essa importância, através de projetos ou
outros meios que se façam necessários para atingir o objetivo.
Tabela 2 – Frequência de participação da família na escola segundo as famílias e educadoras.
ATIVIDADES
RELACIONADAS
A ESCOLA
Eventos
Tarefas
Diálogos
Reuniões
Acompanhamento
Aprendizado
Boletins
F
34
07
35
40
37
43
43
SEMPRE
E
04
01
06
03
01
03
08
QUASE SEMPRE
F
E
ÀS VEZES
F
E
15
02
12
12
16
09
08
05
02
06
02
01
02
03
04
08
02
04
08
06
01
01
0
01
02
0
0
0
RARAMENTE
F
E
F
0
43
01
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0
NUNCA
E
0
0
0
0
0
0
0
Demonstrar interesse pelo aprendizado das crianças é um passo importante que pode influenciar positivamente o
desempenho escolar da criança. A participação da família na escola é essencial, conversar com as educadoras é fundamental
para ajudar nesse processo. Sendo assim observou-se que nas opiniões das educadoras entrevistadas, somando um total
de 09 pessoas, a frequência de participação da família na escola em atividades desenvolvidas de acordo com a tabela
acima se verificou a participação da família sempre em reuniões de entrega de boletins. Verificou-se pouca participação
da família nas tarefas escolares, no acompanhamento das atividades desenvolvidas e aprendizado, o que confirma que a
família não participa, ou pouco participa principalmente no que diz respeito às tarefas escolares ou ainda, que não sabem
ajudar nas tarefas propostas pela escola.
Diante disso faz-se necessário uma reflexão sobre a escola desenvolver um trabalho envolvendo a temática
“tarefas escolares”, pois como destaca Parolin (2006 ed.18) é importante:
que o tema possa ser rediscutido nas escolas, entre os professores, aprendizes e familiares, como um instrumento
de aprendizagem. E que as aprendizagens advindas dessa “tarefa” sejam todas benéficas, promotoras de autonomia,
provocadoras de reflexões e conhecimento e, sobretudo, com temperatura emocional mais baixa e com mais luz para
todos nós (PAROLIN, 2006).
Desta forma fica visível que o acompanhamento das famílias nas tarefas escolares dos filhos(as) é de suma
importância, pois quando a família participa da vida escolar da criança o interesse e rendimento é melhor, ainda mais se
existir uma relação de confiança mútua entre família e escola. A tarefa é um reforço dos conteúdos uma verificação do
aprendizado e possibilita à família compartilhar dos conhecimentos aplicados em sala de aula.
Figura 3 – Fatores que dificultam a participação da
família na escola segundo os familiares.
não respondeu
nada
portas fechadas
Problemas de saúde
Dificuldade de
comunicação
Falta de interesse
Horario de trabalho
(3) 7%
(2)3%
(0) 0%
(2)4%
(3) 5%
(6) 12%
(38)
69%
Figura 4 – Fatores que dificultam a participação da
família na escola segundo as educadoras.
não respondeu
(0)0%
nada
(0) 0%
portas fechadas
(1)11%
Problemas de… (0) 0%
Dificuldade de…
(1)11%
Falta de interesse
(2) 22%
Horario de…
(5) 56%
As figuras abaixo apresentam as respostas das famílias e educadoras sobre atividades que a escola deveria
proporcionar para a participação da família.
Figura 5 - Sugestões de atividades para a escola
proporcionar a família segundo as famílias.
Figura 6 - Sugestões de atividades para a escola
proporcionar a família segundo as educadoras.
Projetos Atuais
(1)
11%
(1)
11%
Reuniões,Palestras,
Eventos
As figuras a seguir apresentam as respostas das famílias e educadoras relacionadas à dificuldade de participação
da família na escola.
De acordo com as respostas, 69% dos familiares acham que o horário de trabalho é a grande barreira que os
impede de participar, pois coincide com o horário em que seus filhos são deixados na escola e na maioria das vezes as
empresas não os liberam para essa participação, e ainda muitos só retornam a noite para casa. Da mesma forma, 56% das
educadoras também acreditam que o horário de trabalho é uma das dificuldades que impede a participação da família na
vida escolar dos filhos, porém também afirmam que ainda existem famílias que não demonstram interesse.
É preciso trazer a família para a escola e cabe à escola criar estratégias para atrai-las, pois na relação família
escola uma sempre espera algo da outra. É preciso que a escola seja capaz de construir coletivamente uma relação de
diálogo mútuo, onde cada parte envolvida tenha o seu momento de fala, mas também de escuta, onde exista uma efetiva
troca de saberes (SOARES, 2010). Sendo assim é necessário que as educadoras saibam dialogar com as famílias, e
também escutar, para que cheguem a um entendimento mutuo.
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Atividades sala,casa
(4)
45%
(3)
33%
Atividades
recreativas,extraturno
Diante das respostas, verifica-se que 45% das educadoras acreditam que a escola deveria proporcionar mais
projetos para a participação da família, tendo em vista o bom andamento do projeto aplicado recentemente. Já 27% das
famílias acham que a escola deveria proporcionar mais atividades recreativas e extra turno, 33% de educadoras e 10% de
famílias acham que a escola deveria proporcionar reuniões, palestras e eventos para essa participação e 34% das famílias
não sabem ou não quiseram responder.
Existem muitas maneiras da família participar deste processo, sendo que algumas contribuições tornam-se muito
relevantes, como o auxilio nas tarefas escolares, o incentivo a leitura e o seu envolvimento nos eventos pedagógicos
ocorridos na escola (SOARES, 2010).
Há ainda que se preocupar em relação às reuniões com as famílias na escola em relação aos assuntos ou dinâmicas
evitando cobranças e reclamações das crianças. As reuniões devem criar uma oportunidade para que a família conheça,
aprecie e reflita sobre o que as crianças fazem e aprendem na escola favorecendo a integração, o debate e o crescimento
de todos os envolvidos (GARCIA, 2005).
As figuras 9 e 10 correspondem às respostas da família sobre o que esperam da escola e das educadoras sobre o
que esperam da família.
Figura 9 - Expectativas da família em relação Figura 10 - Expectativas das educadoras em relação
do que esperam da escola.
ao que esperam das famílias.
(3)
34%
(3)
33%
As figuras 7 e 8 apresentam as respostas das famílias sobre o que acham que a escola espera deles e das educadoras
sobre o que acham que a família espera delas.
(3)
33%
Figura 7 – Opinião das famílias sobre o que Figura 8 - Opinião das educadoras sobre o que
acham que a escola espera delas.
acham que a família espera delas.
Interesses em projetos x eventos x ativ
escolares
Colaboração x Respeito x Confiança
(5)
9%
(1)
2%
(8)
15%
(2)
22%
(1)
11%
(6)
67%
Observando-se as figuras acima, nota-se que 56% das famílias esperam que a escola tenha mais compromisso
e trabalhe em prol do desenvolvimento da criança, 33% das educadoras acham que a família deve acompanhar o ensino
aprendizagem dos filhos, 26% das famílias esperam educação de qualidade, enquanto que 33% das educadoras esperam
que a família tenha mais interesse em projetos, eventos e nas atividades escolares, 9% das famílias não espera nada da
escola, acham que está bom assim, 33% educadoras esperam colaboração, respeito e confiança por parte da família.
(40)
74%
Participação = Colaboração
Apoio = Compromisso
Muita coisa
Não respondeu
Comprometimento = Competencia
Respeito = Confiança
Não Respondeu
De acordo com a figura 7, 74% dos familiares acreditam que a escola espera participação e colaboração da
família, 15% responderam apoio e colaboração, 2% acham que a escola espera muita coisa da família e 9% não respondeu
ao questionário.
Quanto à expectativa das educadoras em relação ao que a família espera delas, 67% afirmam que os familiares
esperam que as educadoras tenham comprometimento e competência, 22% respeito e confiança para o bom desempenho
da criança visando atingir os objetivos propostos para a educação infantil. E 11% das educadoras entrevistadas não
responderam. Tanto as famílias quanto as educadoras nutrem expectativas uma em relação a outra, e ambas têm um
objetivo em comum: a criança. De modo geral, na expectativa da família o que prevalece é a participação e colaboração
e na expectativa das educadoras, comprometimento e competência.
61
Acompanhar o ensino aprendizagem
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São várias as expectativas da família em relação à escola, portanto para a escola corresponder com essas
expectativas devem oferecer educação de qualidade e para isso é necessário que se tenha um ambiente favorável à
aprendizagem, não somente em espaço físico como também no aspecto humano.
A família vê a escola como algo muito importante, e nutrem o desejo de ver seus filhos se desenvolverem cada
vez mais.
Na resposta das educadoras duas questões se destacaram, uma é que esperam que a família acompanhe o ensino
e aprendizagem das crianças e outra é que a família demonstre interesse em projetos, eventos e atividades desenvolvidas
pela escola.
As figuras 11 e 12 correspondem às opiniões das famílias e educadoras sobre as possibilidades de diminuir a
barreira existente entre família e escola.
Figura 11- Opinião das famílias sobre as
possibilidades de diminuir a barreira entre
família e escola.
Figura 12 - Opinião das educadoras sobre as
possibilidades de diminuir a barreira entre
família e escola.
(2)
9%
(9)
100%
(7)
32%
(13)
59%
educativo estejam conscientes de que o diálogo é a ponte que ultrapassa todos os limites e o primeiro passo fica por conta
da escola e das educadoras, pois existe a necessidade de não fazer pré-julgamento, realizar um trabalho de aceitação em
relação às famílias, não importa de onde vem, a escola pode e deve exercer o seu papel da melhor maneira possível, pois
através de muitas lutas que o povo conquistou direitos de frequentar a “escola para todos” com obrigatoriedade de oferta
de educação de qualidade.
De fato, as educadoras do Cmei mostram-se interessadas em mudanças quanto a atividades que envolvem família
e escola, principalmente com projetos. Observou se que com a aplicação do projeto possibilitou a aproximação entre a
família e escola.
Apoiar a participação da família na aquisição dos conhecimentos da criança é uma postura que profissionais da
educação devem ter, mostrar que é possível desenvolver uma relação de parceria buscando favorecer o desenvolvimento
integral da criança.
Estimular e propor ações, reflexões através de mudanças de atitudes tanto das educadoras quanto a participação
das famílias na escola é um grande desafio. Desafio, este que devem ser postos para toda sociedade.
REFERÊNCIAS
Através de Projetos
Não respondeu
Diálogos
Através de Projetos
Diálogos
Não respondeu
A pergunta correspondente as respostas apresentadas nas figuras acima correspondem a uma pergunta feita no
segundo questionário, ou seja, posteriormente a aplicação do projeto. Observando-se os resultados apresentados nas
figuras 11 e 12, verifica-se que 100% das educadoras e 59% das famílias acham que as possibilidades de diminuir a
barreira existente entre escola e família é através de projetos, já 32% das famílias acham que a barreira pode ser rompida
através de diálogos e 9% das famílias não soube ou não quis responder.
BENCINI, R. Todas as Leituras, Revista Nova Escola, São Paulo, nº 194 p.31-37, ago. 2006.
BRASIL. Estatuto da criança e do adolescente (1990). Estatuto da criança e do adolescente. – 7. ed. – Brasília : Câmara
dos Deputados, Edições Câmara, 2010.
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infantil/ Secretaria de Educação Básica. - Brasília: MEC, SEB, 2010.
BRASIL, SEF. Ministério da Educação e Cultura. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Brasília:
MEC/SEF, 1998.
CAGLIARI, L. C., Alfabetização e Linguística: pensamento e ação no Magistério. Ed. Scipione.
De fato, a aplicação do projeto contribuiu significativamente para aumentar a participação da família na escola,
esse foi um passo dado no sentido de superar a barreira de forma conjunta.
CHALITA Gabriel, Educação: a solução está no afeto – São Paulo: Editora Gente, 12ª ed.2004 edição revista e atualizada.
Porem é necessário que cada um faça a sua parte, ou seja, não ficar jogando a culpa no outro. A relação deve ser
mantida através de conversas frequentes e não somente em dias de reuniões para entrega de boletins, assim o que chama
a atenção é que foram as famílias a responder que através de diálogos e projetos com a participação conjunta entre família
e escola é possível diminuir a barreira existente.
EYKEN, E. D. O. V, RIBEIRO, C. D. M. Desenvolvimento Infantil: seus agentes e as politicas do município do Rio
de Janeiro. Ago, 2012.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
GARCIA, H. H. G. de O. Reuniões de Pais na Educação Infantil: Modos de Gestão, Caderno de Pesquisa v41 nº142
Fev. 2011.
A família é base de toda a sociedade e como primeira instituição a qual a criança pertence exerce um papel
fundamental no seu desenvolvimento. Como se observou nos estudos e por consequência das necessidades de trabalho,
falta tempo para poder participar de todas as atividades escolares ofertadas pela escola. Porém existe uma grande
necessidade de esforço por parte das famílias no sentido dessa participação. Se faz necessário que, as famílias auxiliem
no desenvolvimento integral de seus filhos, bem como devem se esforçar para estarem presente em todos os momentos
da vida da criança. Presença que implica envolvimento, comprometimento e colaboração. Devem estar atentas as
dificuldades não só cognitivas, mas também comportamentais e intervir da melhor maneira possível, visando sempre o
bem estar de seus filhos.
Para que a união entre a família e escola aconteça de verdade é preciso que os indivíduos envolvidos no sistema
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
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CONTRIBUIÇÕES DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA O DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL
SUSTENTÁVEL
Francisca Araujo Costa Guedes1; Rodrigo Arantes Reis2; Emerson Joucoski3
RESUMO
Diante da grave crise socioambiental mundial e da necessidade de busca de um novo modelo de civilização e de
sociedade pautado numa nova ética da relação entre os seres humanos e a natureza a Educação Ambiental adquire
relevância internacional como estratégia de enfrentamento da crise ambiental e uma das formas de se alcançar a
sustentabilidade. O que implica a quebra do atual padrão de desenvolvimento e uma correlação entre justiça social,
qualidade de vida e equilíbrio ambiental. O desafio é a superação de uma visão ingênua e meramente reprodutora
do sistema atual vigente. Este estudo compreendido como uma pesquisa bibliográfica visa refletir sobre a educação
ambiental numa perspectiva das correntes práxica ou crítica social tendo como foco a formação da cidadania crítica
como instrumento de transformação das relações entre sociedades humanas e natureza.
Palavras-chave: Educação Ambiental; Cidadania Crítica; Desenvolvimento Sustentável.
ABSTRACT
Faced with the serious global environmental crisis and the need to search for a new model of civilization and society
guided a new ethic of the relationship between humans and nature Environmental Education acquires international
significance as a coping strategy of the environmental crisis and one of the ways to achieve sustainability. This implies
to break the current pattern of development and a correlation between social justice, quality of life and environmental
balance. The challenge is overcoming a naive view and merely reproducing the prevailing current system. This study
understood as a bibliographical research aims to reflect on environmental education from the perspective of current
praxis or social critique focusing on the formation of critical citizenship as a tool for transformation of relations
between human societies and nature.
Keywords: Environmental Education; Critical citizenship; Sustainable Development.
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UFPR Setor Litoral - [email protected];
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INTRODUÇÃO
A grave crise socioambiental mundial impõe, sobretudo a partir da década de 1970, a Educação Ambiental como
instrumento de transformação das relações entre sociedade humana e natureza com vistas ao desenvolvimento sustentável.
O papel da Educação para o desenvolvimento é enfatizado tanto por educadores quanto por economistas.
Demo (2007) afirma que na modernidade a educação é o principal patrimônio especialmente no que se refere a
oportunidades de desenvolvimento. Ao discorrer sobre modernidade, Demo assegura com convicção que educação é
elemento “substancial de qualquer política de desenvolvimento, não só como bem em si e como mais eficaz instrumentação
da cidadania, mas igualmente como primeiro investimento tecnológico” (DEMO, 2007, p. 22).
Para Leff (2010) os problemas ambientais estão essencialmente atrelados a problemas do conhecimento. Desta
forma toda a política ambiental deve passar por uma política do conhecimento, o que implica também a educação.
Furtado (2002) ressalta que a educação é o investimento mais importante para que haja autêntico desenvolvimento.
Segundo o autor todos os países desenvolvidos investiram consideravelmente em formação humana.
O baixo nível de renda é analisado por Sen (2000) relacionado à privação de capacidades individuais, em uma via
de mão dupla: se por um lado o analfabetismo e as más condições de saúde, fome e subnutrição são decorrentes do baixo
nível de renda, assim também, melhor nível de educação e saúde ajuda a auferir melhores rendas.
No entanto, existem várias correntes de Educação Ambiental, influenciadas por diferentes concepções
epistemológicas de meio ambiente e natureza (LIMA, 1999). A superação de uma visão ingênua da Educação Ambiental é
fundamental para que se tenha uma educação verdadeiramente transformadora e não meramente reprodutora dos sistemas
vigentes.
O presente trabalho tem por objetivo apresentar a Educação Ambiental numa perspectiva práxica ou crítica social
tendo como foco a formação da cidadania crítica como instrumento de transformação das relações entre sociedades
humanas e natureza.
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica com o intuito de refletir sobre o papel da educação para o desenvolvimento
territorial sustentável.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL, DESENVOLVIMENTO E SUSTENTABILIDADE
A partir da década de 1960, diante de acontecimentos históricos e suas consequências, tais como a 2ª Guerra
Mundial e emissão de bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, entre outros acidentes, iniciam-se reflexões e debates
acerca da temática ambiental (MORALES, 2008).
Surge então, o movimento ambientalista, que busca em seus discursos e práticas a superação de formas destrutivas
na relação entre a sociedade humana e o seu meio (CASTELLS, apud MORALES, 2008).
A Revolução Industrial e o desenvolvimento tecnológico deixaram “pegadas” cada vez maiores e insustentáveis,
levando a críticas ao sistema capitalista, a exploração de recursos não renováveis, ao consumo desenfreado e a busca de
lucros excessivos e imediatos, sem a preocupação com o desenvolvimento econômico e social sustentáveis.
Diante desse quadro, temos o enriquecimento de uma elite dominante, à custa do aumento da pobreza, da miséria e até
mesmo da indigência, e ainda, a destruição da natureza e os problemas socioambientais decorrentes.
De acordo com Cavalcanti (2012), o sistema econômico extrai recursos da natureza para o seu desenvolvimento/
crescimento e depois a utiliza como esgoto, lançando sobre ela seus dejetos e deixando como legado uma pegada ecológica
cada vez maior.
Surgem questionamentos sobre os modelos de crescimento econômico, o aumento populacional, a poluição
causada pelas grandes indústrias, os danos ambientais entre outros relacionados.
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O termo desenvolvimento é comumente utilizado como sinônimo de crescimento. Porém, Furtado (2002),
afirma que para que haja autêntico desenvolvimento a população como um todo deve ser beneficiada. Segundo o autor
é possível haver crescimento sem desenvolvimento.
Furtado (2004) defende a ideia de que o crescimento econômico se funda na manutenção dos privilégios das elites
que atendem a seus ensejos de modernização. Em sua concepção o Brasil não se desenvolveu apenas se modernizou.
O que caracteriza o desenvolvimento é o projeto social implícito. O autor ressalta que a disposição de recursos para
investir não garante um futuro melhor para a massa da população. Somente um projeto social voltado para a melhoria
das condições de vida dessa população poderia transformar o crescimento em desenvolvimento.
Furtado (2004) afirma ainda que desenvolvimento não se limita ao acúmulo e aumento da produtividade
macroeconômica. Está relacionado ao estímulo da criatividade humana e às respostas aos anseios da coletividade.
O desenvolvimento é “a expressão da capacidade para criar soluções originais aos problemas específicos de uma
sociedade” (FURTADO, 2008, p. 110).
A questão ambiental também é destacada por Furtado (1974) ao se referir ao desenvolvimento econômico como
mito. Segundo o autor a base do sistema capitalista é o processo de acumulação e a elevação do nível de consumo das
populações, causando efeitos diretos ou indiretos sobre os recursos naturais, sobretudo os recursos não renováveis. Para
o autor o capitalismo cria um estilo de vida que sempre será privilégio de uma minoria. E a depredação do mundo físico
decorrente desse estilo de vida é tão elevada que sua generalização poderia levar ao colapso de toda uma civilização
colocando em risco a própria sobrevivência da espécie humana.
Nesse sentido, a homogeneização imposta pelo sistema capitalista e o processo de globalização tornam inviável a ideia
de que o crescimento econômico pode ser universalizado. “O processo global de desenvolvimento tem um considerável
custo ecológico” (FURTADO, 2002, p. 78). O modelo de vida imposto pela sociedade industrial possui um alto custo
em termos de recursos não renováveis. A ideia desse chamado desenvolvimento econômico de generalizar esse modelo
para toda a humanidade pode levar a uma catástrofe planetária.
Furtado (1974) observa que o modelo da economia em expansão destrói o meio ambiente em larga escala e cria a ilusão
de que o crescimento da economia leva ao desenvolvimento.
O desenvolvimento, segundo Sen (2000) exige a remoção das principais fontes de privação da liberdade. O autor
afirma que a globalização nega liberdades fundamentais à maioria das pessoas. Liberdade essa relacionada à pobreza
econômica, uma vez que esta priva as pessoas dos direitos básicos de sobrevivência, tais como o acesso a alimentação,
saúde, moradia, saneamento básico; ou ao acesso a serviços públicos (educação, segurança, assistência médica) e
assistência social. Também nega as liberdades políticas e civis impostas por regimes autoritários e a restrições à vida
social, política e econômica da comunidade.
Tanto Sen (2000) quanto Furtado (2002) dão ênfase à satisfação das necessidades básicas da população como
imprescindível ao desenvolvimento. O problema da pobreza no Brasil é analisado por Furtado (2002) nas dimensões
da fome endêmica, da questão da habitação popular e da insuficiência de escolaridade, limitado ao ponto de vista
econômico, da concentração da riqueza no Brasil e das desigualdades sociais. A análise de Sen (2000) se volta mais
para a questão das liberdades substantivas e instrumental, essa última distinta em liberdades políticas, facilidades
econômicas, oportunidades sociais, garantias de transparência e segurança protetora.
A ênfase na educação é fortemente explicitada em ambos os autores. Furtado (2002) afirma que todos os países
desenvolvidos investiram consideravelmente na formação humana. Ainda destaca que o investimento em educação é
o mais importante a se fazer para que haja autêntico desenvolvimento e não apenas crescimento.
O baixo nível de renda é analisado por Sen (2000) relacionado à privação de capacidades individuais, em uma via de
mão dupla: se por um lado o analfabetismo e as más condições de saúde, fome e subnutrição são decorrentes do baixo
nível de renda, assim também, melhor nível de educação e saúde ajuda a auferir melhores rendas.
coletivamente, com a busca de soluções para os problemas existentes e com a prevenção de novos.
O crescimento econômico ocorre independente das desigualdades sociais. Está mais voltado à concentração de riqueza,
ao mundo globalizado, ao aumento do poder de consumo e do Produto Nacional Bruto – PNB e da disposição de recursos
naturais. Enquanto o desenvolvimento está relacionado ao desenvolvimento humano em todas as suas dimensões e
capacidades e à sustentabilidade socioambiental. Isto explica o fato de que o Brasil possa ser considerado um dos países
mais ricos do mundo, porém não desenvolvido, pois figura entre os maiores índices de desigualdade social, com baixos
investimentos em educação, saúde e promoção da vida e da liberdade humana.
Outros eventos internacionais se deram na sequência, sempre reafirmando a necessidade de se fortalecer a
educação ambiental como estratégia de enfrentamento da crise ambiental, por meio da formação de uma nova maneira de
se relacionar com a natureza. Entre eles, a Primeira Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental realizada
em Tbilise (antiga URSS) em 1977; o Congresso Internacional de Educação e Formação Ambiental, que aconteceu
em Moscou no ano de 1987; a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente – ECO/92,
na cidade do Rio de janeiro em 1992 e, em evento paralelo, a I Jornada Internacional de Educação Ambiental que deu
origem ao Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global; a Cúpula Mundial
sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+10, em Johanesburgo na África do Sul; a Conferência das
Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, novamente no Rio de Janeiro, conhecida como Rio+20.
O autêntico desenvolvimento só se efetiva com o benefício da população como um todo (FURTADO, 2002).
A questão ambiental também é fator preponderante para o desenvolvimento. A capacidade de sustentação é um aspecto
imprescindível nesse processo. Tanto a equidade social quanto a prudência ecológica são partes da ética do desenvolvimento
(SACHS, 1986).
A noção de sustentabilidade implica a quebra do atual padrão de desenvolvimento e uma correlação entre justiça social,
qualidade de vida e equilíbrio ambiental (JACOBI, 2003).
O desafio, portanto, é o de formular uma educação ambiental crítica e inovadora nos níveis formal e informal e que seja
acima de tudo um ato político voltado para a transformação social. Para Jacobi (2003, p.196) o enfoque da educação
ambiental “deve buscar uma perspectiva holística de ação, que relaciona o homem, a natureza e o universo, tendo em
conta que os recursos se esgotam e que o principal responsável pela sua degradação é o homem”.
Uma mudança considerável do próprio processo civilizatório se faz necessário para se atingir o desenvolvimento
sustentável que requer um restabelecimento das relações entre a sociedade humana e a natureza. Requer ainda um novo
estilo de desenvolvimento que seja ambientalmente sustentável, socialmente sustentável, culturalmente sustentável e
politicamente sustentável a partir de uma nova ética (JACOBI, 2006).
Segundo Jacobi (2006) o fortalecimento da democracia e a construção da cidadania constituem-se no desafio político da
sustentabilidade. A educação nesse sentido é essencial para a formação de valores de sustentabilidade e transformação
das relações sociais por meio do processo de construção da cidadania.
EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A FORMAÇÃO DA CIDADANIA CRÍTICA
Segundo Morales (2008, p. 19 e 20), a partir da Conferência das Nações Unidas (1972), “retomou-se a necessidade
de nova ética ambiental, capaz de promover a erradicação da pobreza, da fome, do analfabetismo, da poluição, da
exploração e da dominação humana”. Ficou a cargo da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e
Cultura (UNESCO) e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) a elaboração do Programa
Internacional de Educação Ambiental (PIEA). A partir de então a educação ambiental adquire relevância internacional e
passa a ser apreciada como campo da ação pedagógica.
Em 1975, na cidade de Belgrado na Iugoslávia, aconteceu o Encontro Internacional em Educação Ambiental,
promovido pela UNESCO, onde se criou o Programa Internacional de Educação Ambiental (PIEA) e se elaborou um
documento que ficou conhecido com a Carta de Belgrado.
A Carta de Belgrado aponta para a necessidade de se construir uma nova ética global, que demande atitudes e
comportamentos individuais e coletivos, que se harmonize com o lugar da humanidade dentro da biosfera; que reconheça
e responda com sensibilidade às complexas e dinâmicas relações entre a humanidade e a natureza, e entre os povos. A
Educação Ambiental é destacada como central para que essa nova ética global seja evidenciada. Sua meta é a formação
de uma população mundial que tenha consciência da questão ambiental e que se comprometa, tanto individual quanto
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No Brasil o marco norteador da implementação de políticas públicas ambientais foi a criação da Lei nº 6.938/1981
que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, a partir da qual foram criados o Sistema Nacional do Meio
Ambiente (SISNAMA), O Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente
e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).
Também a Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, estabelece em seu Capítulo VI
do Título VIII, diretrizes nacionais para o meio ambiente, determinando em seu inciso VI do Artigo 225, a incumbência
do poder público de promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a
preservação do meio ambiente.
Para atendimento ao disposto na Constituição Federal foi promulgada a Lei 9.795/1999 que dispõe sobre
a educação ambiental e institui a Política Nacional de Educação Ambiental, colocando-a como elemento essencial e
permanente da educação nacional.
O Art. 1º da Lei 9.795/1999 define Educação Ambiental como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a
coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação
do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade”.
Loureiro (2005, p. 69) a define como “práxis educativa e social” tendo como fim a construção de valores, conceitos,
habilidades e atitudes, possibilitando o entendimento da realidade de vida e a atuação consciente e responsável de atores
sociais, individuais e coletivos no ambiente.
Assim sendo, contribui para a busca de um novo modelo de civilização e de sociedade pautado numa nova ética
da relação entre os seres humanos e a natureza, pois possibilita o desenvolvimento de uma ampla consciência crítica das
relações sociais e de produção que situam a inserção humana na natureza.
O papel da educação ambiental no processo de sensibilização e formação da população em geral sobre a
problemática ambiental é destacado por Marcatto (2002), considerando que os problemas ambientais se manifestam
em nível local e envolve diretamente os seus moradores enquanto vítimas ou até mesmo seus causadores. O que os
torna, provavelmente, os mais aptos a diagnosticá-los e os mais interessados em resolvê-los. Aqui entra a questão da
territorialidade. Partir dos problemas locais, sejam eles sociais, ambientais, econômicos, educacionais ou culturais.
Porém com consciência planetária. O saber local, ou seja, o sentido de pertencimento a uma comunidade local que se
insere em um mundo global.
Jacobi (2003, p. 193), destaca o papel transformador da educação ambiental como principal objetivo para o
desenvolvimento sustentável por meio da corresponsabilização dos indivíduos. O que requer uma redefinição das relações
entre sociedade humana e natureza com uma mudança do próprio processo civilizatório.
A educação ambiental deve, sobretudo, situar-se num contexto de formação da cidadania crítica, da formação de
uma identidade e do sentimento de pertencimento a uma coletividade. Pressupõe a criação de novos valores morais e
um novo olhar sobre a sociedade humana e a natureza a partir de uma nova ética. “Deve ser vista como um processo de
permanente aprendizagem que valoriza as diversas formas de conhecimento e forma cidadãos com consciência local e
planetária” (JACOBI, 2003, p. 198).
A formação da cidadania crítica pressupõe o desenvolvimento de indivíduos que se percebem enquanto sujeitos
históricos, sociais, culturais e comprometidos com a transformação do meio em que vive.
De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Ambiental, Resolução nº 2/2012 em seu Art. 6º, “a
Educação Ambiental deve adotar uma abordagem que considere a interface entre a natureza, a sociocultura, a produção,
o trabalho, o consumo, superando a visão despolitizada, acrítica, ingênua e naturalista ainda muito presente na prática
pedagógica das instituições de ensino”. O senso comum ainda é a base para a prática pedagógica de muitos educadores,
sendo necessária sua superação e construção de uma prática educativa dialética que leve a formação da cidadania crítica
e à emancipação dos sujeitos.
Nesse sentido, o papel da educação no processo de desenvolvimento territorial sustentável está relacionado à sua
função de formação da cidadania crítica e emancipação do sujeito, com vistas à transformação das relações sociais ou
socioambientais, tanto locais quanto globais.
A educação para a cidadania pode construir a possibilidade da ação política com vistas à formação de uma
coletividade que é responsável pelo mundo que habita. Ou seja, despertar o sentido de pertencimento e de responsabilidade,
levando a buscas pela compreensão e superação das causas estruturais e conjunturais dos problemas socioambientais por
meio da ação coletiva e organizada (SORENTINO, et al, 2005).
A constituição da cidadania crítica – que reflete sobre o consumo, a sustentabilidade e a formação política – faz
parte do papel social da escola e são elementos constitutivos do desenvolvimento territorial sustentável.
A problemática do desenvolvimento sustentável não se remete apenas a degradação do meio ambiente. As
consequências das ações irrefletidas do ser humano sobre a natureza são alarmantes e insustentáveis. Põe em risco a
própria sobrevivência da espécie humana.
Desta forma a Educação Ambiental torna-se parte dos desafios sociais contemporâneos e são tomadas medidas
legais para que faça parte dos Currículos da Educação Básica, no sentido de formação e conscientização do educando,
bem como sua emancipação em relação ao seu desenvolvimento social, econômico, político e cultural, para que seja
sujeito de sua própria história e aja com responsabilidade no meio em que vive.
A relação entre a sociedade humana e a natureza precisa ser revista a partir da própria relação dos homens entre si.
A educação nesse sentido é um caminho para que se possa rever essa relação, através de uma reflexão constante da
construção da vida em sociedade e da relação do ser humano com o meio e sua transformação.
Para Assmann (1998, p. 26) a educação, no mundo atual em que o fato maior são as lógicas da exclusão e o alastramento
da insensibilidade que as acompanha, “terá um papel determinante na criação da sensibilidade social necessária para
reorientar a humanidade”. Na concepção do autor “educar é a mais avançada tarefa social emancipatória”.
Para Leff (2010) os problemas ambientais estão essencialmente atrelados a problemas do conhecimento. Desta forma
toda a política ambiental deve passar por uma política do conhecimento, o que implica também a educação.
Diante da complexidade ambiental, Leff (2010) propõe uma pedagogia da complexidade ambiental que se fundamenta
na fusão entre a pedagogia crítica e o pensamento da complexidade.
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Para a pedagogia da complexidade ambiental a aprendizagem é própria de cada sujeito. É um processo dialógico que
vai além de toda racionalidade comunicativa construída sobre a base de um possível consenso de sentidos e verdades.
Pressupõe também uma pedagogia do meio em que o aluno reapropria seu mundo ao voltar o seu olhar para seu entorno,
sua cultura e sua história a partir de sua realidade empírica. Desta forma, a pedagogia da complexidade ambiental percebe
a realidade como construção social mobilizada por valores, interesses e utopias (LEFF, 2010).
Significa uma preparação para a construção de uma nova racionalidade e supressão de uma cultura de desesperança
e alienação, com vistas a um processo de emancipação que permita novas formas de reapropriação do mundo (LEFF,
2010).
Carvalho (2010, p. 116) propõe uma educação ambiental como prática interpretativa que se empenhe a construir,
junto a outras práticas sociais, “um acesso compreensivo à problemática ambiental e à arena de ação política em torno
dela”. Sua maior contribuição seria o fortalecimento de uma ética socioambiental aliada a valores políticos emancipatórios
que agreguem o projeto de uma cidadania democrática no esforço de construção de uma sociedade justa e ambientalmente
sustentável.
Desenvolver uma educação ambiental numa perspectiva práxica com vistas a uma mudança nas pessoas e no meio
ambiente, podendo estas ser de ordem socioambiental e educacional. Ou ainda, uma educação ambiental do ponto de
vista da corrente crítica social, o que “envolve um tratamento político para a transformação da realidade, com projetos
de ação com uma perspectiva emancipatória dos sujeitos” (LIMA, 1999, p.73). Trata-se da formação da cidadania crítica
como forma de superação de uma educação ambiental ingênua e meramente reprodutora do sistema atual vigente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação ambiental, seja ela formal ou informal, é um dos principais instrumentos para se alcançar a
sustentabilidade socioambiental. Há consenso entre educadores, economistas e cientistas de forma geral de sua importância
na busca de equilíbrio entre a sociedade humana e sua relação com a natureza.
No entanto, a educação de forma geral tanto pode reforçar comportamentos ou valores arraigados como as práticas
de exclusão social e a depredação dos recursos naturais de forma inconsequente como se estes fossem ilimitados, como
pode transformar as relações dos seres humanos entre si e destes com o meio em que vive.
Alcançar uma educação verdadeiramente transformadora e não meramente reprodutora dos sistemas atuais
vigentes é uma tarefa essencial para o desenvolvimento territorial sustentável.
Os investimentos em educação precisam ser priorizados em todo e qualquer projeto de governo. A começar pelo
local, pela formação de cidadãos com consciência local, no sentido de pertencimento a uma comunidade local que se
insere num mundo global. Uma educação que leve o indivíduo a se perceber como um sujeito histórico, cultural, social e
comprometido com o meio e sua transformação.
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RESUMO
O presente artigo apresenta os principais resultados do projeto de pesquisa intitulado “Mídia Cidadã e Desenvolvimento
Sustentável: mapeamento e análise de rádios comunitárias em áreas de pressão socioambiental na Amazônia”. O projeto
busca entender a dimensão e o papel potencial das rádios comunitárias nos embates discursivos pelo desenvolvimento
da região amazônica. O objeto da investigação são rádios comunitárias situadas em áreas de potencial conflito socioambiental na Amazônia Legal, o que inclui disputas por território ou pelo uso de recursos naturais, considerando-se grandes
obras de impacto (em especial hidrelétricas pelo contexto e circunstâncias atuais) mas também Unidades de Conservação
e Terras Indígenas nos noves estados da região. Como produto principal do projeto foi gerada uma cartografia digital
sobre comunicação cidadã e desenvolvimento sustentável na região, capaz de gerar insumos para o fortalecimento da
comunicação comunitária como espaço de contra-hegemonia midiática e consequente empoderamento de grupos locais
nas decisões que afetem seu bem-estar.
Palavras-chave: Desenvolvimento sustentável, rádios comunitárias, mapa digital.
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SACHS, I. Ecodesenvolvimento: Crescer sem Destruir. São Paulo: Ed. Vértices, 1986.
ABSTRACT
SEN, A. K. Desenvolvimento como Liberdade. São Paulo: Companhia da Letras, 2000.
This article presents the main results of the research project entitled “Citizen Media and Sustainable Development: Mapping and analysis of community radios in areas of social and environmental pressure in the Amazon Region.” The project
seeks to understand the significance and the potential role of community radios in the discursive discussions about the
development of the Amazon region. The research objects are community radio stations located in potential environmental and social conflict areas in the Amazon, including disputes over territory or the use of natural resources, considering
the significant (state) projects of impact (particularly hydropower stations, due to present contexts and circumstances)
but also Conservation Units and Indigenous Lands in nine states in the region. The main product of the project was a
digital cartography about citizen communication and sustainable development in the region, able to generate inputs for
the strengthening of community communication as a space for alternative media and empowerment of local groups in
decisions that affect their well-being .
SORRENTINO,
M.;
TRAJBER,
R.;
MENDONÇA,
P.;
JUNIOR,
L.
A.
F.
Educação
Ambiental como Política Pública. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 285-299, maio/ago. 2005.
Keywords: Sustainable development, community radios, digital map.
1
2
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Professora adjunta da Faculdade de Comunicação (FACOM/UFPA) [email protected]
Jornalista, pesquisadora colaboradora do projeto “Mídia Cidadã e Desenvolvimento Sustentável” [email protected]
INTRODUÇÃO
O presente artigo apresenta os principais resultados do projeto de pesquisa intitulado “Mídia Cidadã e Desenvolvimento Sustentável: mapeamento e análise de rádios comunitárias em áreas de pressão socioambiental na Amazônia”3. O projeto busca entender a dimensão e o papel potencial das rádios comunitárias nos embates discursivos pelo
desenvolvimento da região amazônica. O objeto da investigação são rádios comunitárias situadas em áreas de potencial
conflito socioambiental na Amazônia Legal, o que inclui disputas por território ou pelo uso de recursos naturais, considerando-se grandes obras de impacto (em especial hidrelétricas pelo contexto e circunstâncias atuais) mas também
Áreas de Proteção (com foco especial sobre Terras Indígenas, grupos de histórica invisibilidade) nos noves estados da
região - Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, mais o estado do Mato Grosso e parte do Maranhão (a Oeste do Meridiano 44). Foram mapeadas ao todo 504 rádios comunitárias licenciadas pelo Ministério das
Comunicações (MINICOM, Jun.2015) em 436 municípios amazônicos. Optou-se pela seleção das rádios comunitárias
licenciadas - Licença Definitiva (LDE) e Licença Provisória (LPE) – na medida em que estas emissoras, já tendo vencido
todas as etapas do processo de legalização, por vezes longo e frustrante, já deteriam as condições jurídicas, técnicas e
administrativas para estarem em funcionamento e portanto, capazes, potencialmente, de atuarem no campo midiático e se
inserirem no campo do desenvolvimento de suas localidades.
A meta principal do projeto foi gerar uma cartografia digital sobre comunicação cidadã e desenvolvimento sustentável na região, capaz de gerar insumos para o fortalecimento da comunicação comunitária como espaço de contra-hegemonia midiática e consequente empoderamento de grupos locais nas decisões que afetem seu bem-estar. Nesse sentido,
o estudo tem também a expectativa de, por meio das informações geradas e cenários revelados, vir a favorecer políticas
públicas ou ações que fortaleçam os meios comunitários e o protagonismo local nos embates discursivos que decorrem
do modelo de desenvolvimento para a região amazônica. Uma região megadiversa, biológica e etnicamente falando,
território singular duplamente periférico - chamado de ‘periferia da periferia’ - por seus baixos indicadores sociais e pelo
histórico isolamento, explorada historicamente como um gigante natural por uma visão exógena a partir de interesses
externos, nacionais e internacionais.
O mapa digital das rádios comunitárias, disponível no endereço www.projetomacam.net/site, apresenta, numa
perspectiva socioambiental, o dimensionamento das potencialidades das rádios comunitárias em relação ao desenvolvimento sustentável da região, por meio do cruzamento, por município, da localização das rádios comunitárias licenciadas
pelo Ministério das Comunicações (MINICOM, 2015), com duas variáveis reconhecidamente essenciais à conformação e
preservação da megadiversidade étnica e ambiental da região – as Unidades de Conservação (UC) (SNUC/MME,2015),
incluindo seus dois tipos de uso, sustentável e de proteção integral, e as Terras Indígenas (TI) (FUNAI, 2015), decretadas,
homologadas e em estudo. Como terceira variável, o mapa inclui também as Usinas Hidrelétricas (UHE) - que fazem parte
do Projeto de Aceleração do Crescimento (PAC, 2015 - em funcionamento, em construção ou já previstas nos rios da Bacia
Amazônica) – obras de alto impacto socioambiental na região.
CONCEITOS CENTRAIS
O MAPA DIGITAL
Um mapa digital ou cartografia digital permite uma visualização dinâmica dos dados da pesquisa e consiste em
uma imagem virtual que apresenta um grande conjunto de informações com base georreferenciada (longitude/latitude).
Para esta pesquisa, optamos pelo tipo chamado mapa inteligente, que se diferencia por abrigar informações atualizadas e
detalhadas, que contribuem para facilitar e melhorar planejamentos e ações. O mapeamento digital foi realizado utilizando softwares livres de georreferenciamento com gerenciador de conteúdo web wordpress juntamente com o tema “Mapas
de vista”, permitindo a visualização dinâmica dos dados da pesquisa4.
3
Projeto financiado pelo CNPq - Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Científico.
Edital MCTI/CNPq/MEC/CAPES N.18/2012 -Ciências Humanas, Sociais e Sociais Aplicadas
4
O mapa digital foi desenvolvido em parceria com a Produtora Colaborativa - Produtora Cultural de Projetos e
Eventos de Comunicação Comunitária, Cultura Digital, Economia Solidária, Software Livre e Desenvolvimento Local
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Figura 1: Mapa Digital Rádios Comunitárias na Amazônia e Desenvolvimento Sustentável
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A noção de sustentabilidade5 a que se refere este estudo vincula-se à ideia mais ampla e complexa do equilíbrio duradouro
entre a humanidade e o seu ambiente, integrada à ideia de um desenvolvimento sustentável em sua perspectiva multimensional, ou seja, que em sua formulação busca integrar várias dimensões – a ambiental e econômica, mas também a social
que atua na Amazônia (www.produtoracolaborativa.com.br )
5
Tal noção, mais ampla e integral de sustentabilidade se acha pautada desde a I Conferência do meio Ambiente,
em Estocolmo, em 1972, quando foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Naquele
momento a noção de sustentabilidade já trazia a ideia de complexidade e transversalidade, apresentadas especialmente no
conceito de “ecodesenvolvimento” de Ignacy Sachs (2004) abrigando em seu tripé, a noção de sustentabilidade a partir da
eficiência econômica, prudência ecológica e equidade social. Foi a partir dessa noção mais integral que se originaram as
bases e os esforços para a construção do conhecido Relatório Brundtland (1987), com a definição mais citada até hoje de
desenvolvimento sustentável, concebido como “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
e cultural. Diz respeito também ao local como palco central da territorialidade e à endogenia como vetor do desenvolvimento, isto é, pressupõe o protagonismo dos atores locais como fator central na construção de um desenvolvimento
humano local sustentável.
Já a noção de mídia cidadã é entendida como o meio comunicativo que se origina e/ou desenvolve-se como
um projeto político-cultural capaz de promover cidadania na comunidade onde atua, sendo assim capaz de gerar
consciência política e mudanças sociais na sua comunidade, seja ela geográfica ou movida por afinidades. As rádios
comunitárias6, entendidas como emissoras que “têm gestão pública, operam sem fins lucrativos e têm programação plural” (PERUZZO,1999, p. 252-253), se inserem nesta perspectiva de mídias cidadãs, na medida em que são reconhecidas
idealmente como meios de contra-poder, de expressão democrática e de pertencimento local (LEAL, 2007). Buscam,
como afirma Peruzzo (2009) provocar a reinvenção de um modelo de comunicação de interesse público. Elas surgem da
articulação dos movimentos sociais pela democratização da comunicação no anos de 1990, sendo regularizadas no final
da década (Lei 9.612/98), com potencial estratégico na articulação de novos arranjos institucionais e (re)posicionamentos
de grupos sociais no campo da comunicação e assim, por conseguinte, no campo do desenvolvimento da região.
A relação entre comunicação comunitária e desenvolvimento sustentável é pensada a partir de uma perspectiva
interdisciplinar. Recorre-se, para isso, especialmente na etapa de seleção e estudo de casos, à análise sociológica propiciada pela Teoria dos Campos Sociais, de Bourdieu (1986). A teoria dos campos de Bourdieu (1986) se constitui, de forma
ampla, numa sociologia do poder com alto teor explicativo do princípio da organização social em qualquer sociedade. O
autor parte de uma visão topológica da sociedade, que seria formada por uma pluralidade de espaços relativamente autônomos, denominados “campos”, entendidos como microcosmos dotados de sentido e regras próprias e capazes de definir
modos específicos de dominação e, consequentemente, de resistência e reação. O campo em disputa sob foco central
desta pesquisa é de forma imediata o campo da comunicação, mais especificamente o sub-campo ou campo midiático,
no qual as rádios comunitárias como meios alternativos se inserem, porém relacionado direta ou indiretamente ao campo
do desenvolvimento, na medida em que busca como referência e localização processos de intervenção que imprimam
mudanças (e por conseguinte conflitos de interesse) na região pesquisada.
É considerada uma região heterogênea e megadiversa , o que significa dizer que abriga um volume de biodiversidade
que é fundamental para todo o planeta. A floresta amazônica representa mais da metade das florestas tropicais úmidas
do planeta, onde se concentram 54% das espécies de plantas, 73% das de mamíferos e 80% das de aves existentes no
território nacional. Possui ainda o rio mais extenso do mundo, o Amazonas, e a maior bacia hidrográfica do planeta, que
contribui com 20% de toda a água doce que flui dos continentes para os oceanos (GEOAMAZÔNIA, 2012).
Unidades de Conservação e Terras Indígenas
A existência de Áreas Protegidas na Amazônia, que incluem Unidades de Conservação, Terras Indígenas e Territórios Quilombolas, são consideradas a principal ferramenta de preservação de tamanha diversidade biológica, étnica e
cultural da região. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC), que estabelece as normas para
criação e gestão das Unidades de Conservação (UC) existentes no país, foi instituído no ano 2000, pela Lei 9.985. Em
2002, o governo federal criou o Programa de Áreas Protegidas da Amazônia (ARPA), que se insere no contexto da delimitação de determinados espaços territoriais com seus respectivos recursos ambientais, aos quais devem ser destinados
cuidados específicos de proteção da sua população tradicional e de seu patrimônio biológico, como a principal alternativa
de conservação da natureza do país (VERISSIMO et al, 2011).
Originalmente, somente as UCs eram consideradas Áreas Protegidas, porém, a partir de 2006, o Plano Nacional
de Áreas Protegidas (PNAP) incluiu neste conceito os Territórios Quilombolas e as Terras Indígenas (TI) (Decreto n.º
5.758/2006). As TIs consistem em porções do território nacional, de propriedade da União, habitada e de uso exclusivo
de um ou mais povos indígenas que as utilizam em suas atividades produtivas
Estudos mostram que elas têm sido eficazes contra o desmatamento na Amazônia Legal (IMAZON), porém
sofrem ameaças e pressões diversas - a instalação de projetos de infraestrutura, em especial hidrelétricas e as invasões
e conflitos fundiários, que têm provocado iniciativas para reduzir ou retirar a proteção legal (desafetação) de Áreas de
Proteção na região7 . Evidencia-se, portanto, uma clara disputa e contradição entre duas grandes políticas, de um mesmo
governo, ambas com foco sobre a região amazônica: a de proteção da biodiversidade e a de produção de energia. Setores
estratégicos, nos quais as decisões em geral carecem de transparência e debate público.
TERRITÓRIO E VARIÁVEIS DA PESQUISA
Projeto hidrelétrico para a Amazônia
A Amazônia
Atualmente, são 23 grandes hidrelétricas que integram a lista dos Planos Decenais de Energia de 2020 a 2023 (13
delas constam da previsão atualizada do PAC, obras selecionadas neste estudo), projetos que em conjunto acenam com
uma nova configuração ambiental, social e territorial para a região amazônica. Segundo diversos estudos, os impactos da
construção de grandes hidrelétricas são muitos e já conhecidos, entre os quais, os ocasionados pelos impactos migratórios gerados pela atração direta de trabalhadores e indireta de pessoas em busca de oportunidades - que irão se sobrepor a
“um quadro de alta precariedade no acesso a bens e serviços públicos (saúde, educação, saneamento, moradia, alimentação, entre outros) e de pressões de diversas ordens sobre os recursos naturais” - e os impactos socioambientais causados
A Amazônia Legal, definida por critérios administrativos para fins de planejamento no final dos anos 50 (Lei
1806/53), e adotada como referência neste estudo, inclui os sete estados da região Norte e mais o estado de Mato Grosso
e parte do Maranhão (a oeste do Meridiano 44), com uma área total de 5,2 milhões de quilômetros quadrados, o que representa cerca de 60% do território nacional, onde vive uma população aproximada de 22 milhões de habitantes num total
de 772 municípios (13,83% do total dos municípios brasileiros) - 68,9% residentes na área urbana, a maior parte residente
em metrópoles e cidades médias - e 31,1% na área rural. Uma população altamente heterogênea étnica e culturalmente dentre a qual ribeirinhos, centenas de grupos indígenas e de povoamentos quilombolas.
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7
Dados apontam que, entre 2003 e 2006, a criação de 485 mil quilômetros quadrados de Áreas Protegidas na
Amazônia, que incluem UC e TI, teria contribuído para reduzir em 37% a taxa de desmatamento no período (SOARESFILHO et al, 2010 apud IMAZON, s/d). Por outro lado, entre agosto de 2012 e julho de 2014, 10% dos 1.531.000 hectares desmatados na Amazônia pertenciam a 160 Unidades de Conservação.
pela interferência direta e indireta das obras em Unidades de Conservação, Terras Indígenas, Territórios Quilombolas.
Não existem cálculos do aumento populacional esperado diante do conjunto das hidrelétricas previstas até agora
na Amazônia, assim como não existe qualquer estimativa dos impactos sociais e ambientais decorrentes do fluxo migratório (INESC, 2015). Belo Monte é o exemplo mais dramático dessa falta de planejamento. O município de Altamira, no
Oeste do Pará, região da Transamazônica – outra obra emblemática de alto impacto na região - sede administrativa da
obra, que em 2010 tinha cerca de 100 mil habitantes, viu sua população subir para mais de 150 mil pessoas.
Um dossiê publicado recentemente pelo Instituto Socioambiental (ISA, jun.2015), mostra um cenário caótico em
vários setores do município após o licenciamento da obra em 2011 e o início do processo de migração populacional. Tais
denúncias, que vem sendo apontadas por ONGs ambientalistas, encabeçadas pelo Movimento Xingu Vivo Para Sempre
(MXVPS), agora também repercutem na mídia8. O governo, entretanto, ignora as denúncias, as críticas e os impactos já
visíveis. Em contraponto, os investimentos no projeto hidrelétrico continuam sendo defendidos como estratégicos para a
ampliação da geração de energia no país, e sua consequente importância para as dinâmicas econômicas do país.
É justamente esse debate público inclusivo, de todos os envolvidos e afetados pelas decisões de planejamento - que
não aconteceu em Belo Monte, onde não foram realizadas audiências públicas junto às populações indígenas atingidas
– que as rádios comunitárias, como meios comunitários, alternativos à grande mídia e tradicionalmente vinculados aos
segmentos populares e originados dos movimentos sociais podem vir a favorecer.
As rádios comunitárias
Muitos grupos e indivíduos em todo o mundo têm descoberto que o rádio lhes permite controlar uma ferramenta
de comunicação genuína que fomenta a criatividade e facilita o acesso popular. Assim o rádio tem sido durante mais de
cinquenta anos, o instrumento mais atrativo para a comunicação participativa e considerado o meio ideal, em todo o mundo, por sua simplicidade, fácil acesso e baixo custo, para provocar mudanças sociais. Em cada região elas recebem uma
denominação diferente, segundo o contexto sociocultural e jurídico do país onde se localiza: rádio popular ou educativa
na América Latina, rádio rural ou local na África, rádio pública na Austrália, rádio livre ou associativa na Europa e rádio
comunitária no Brasil.
Todos estes nomes descrevem o mesmo fenômeno: conseguir fazer-se ouvir e democratizar a comunicação na
escala comunitária. Elas são reconhecidas, de forma geral e idealmente como meios de contra-poder, de expressão democrática e de pertencimento local, com vistas a provocar a reinvenção de um modelo de comunicação de interesse público
(PERUZZO, 2009).
Em termos quantitativos não há dúvidas de seu vigor. Em quase 17 anos, desde a aprovação da Lei da Radiodifusão Comunitária (Lei 9.612/98), o número de emissoras comunitárias FM, de baixa potência (até 25 wats) e reduzido
alcance (1 km de raio), como exige a lei (9.612/98), vinculadas ao menos oficialmente a associações comunitárias sem
8
Ver sobre Belo Monte: Estadão, O. Obra do lago de Belo Monte espalha caos. Site, postado em 27 Junho de 2015 (19h48). Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,novanoticia,1714861. Ver também: EL PAIS BRASIL.Belo Monte, empreiteiras e
espelhinhos. Opinião¸ Eliane Brum. Postado em 06 de julho de 2015 – 12h49. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/07/06/opinion/1436195768_857181.html
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fins lucrativos e registradas pelo Ministério das Comunicações (MiNICOM,2015), já chega a 4.701 rádios comunitárias,
número que supera o de emissoras comerciais somadas.
Na Amazônia, segundo dados do Ministério das Comunicações (2015), já foram outorgadas cerca de 570 emissoras comunitárias, sendo que 504 destas encontram-se licenciadas – com licença definitiva ou Licença Provisória – em
mais da metade (56,4%) dos 772 municípios dos nove Estados que formam a Amazônia Legal. O número de rádios comunitárias representa pouco mais de 75% do total de emissoras comerciais na região9. Se considerarmos que mais da metade
destas emissoras comunitárias licenciadas, ou seja, 265 delas, não disputam audiência com rádios comerciais, pois são,
segundo dados da Anatel (2015), a única emissora de rádio ou o único meio de comunicação massivo eletrônico em seus
municípios, capazes, portanto, de produzir informação sobre a realidade local no meio mais popular que existe até hoje,
temos aí um cenário extremamente revelador do potencial estratégico da radiodifusão comunitária.
Os números, entretanto, apesar de expressivos e crescentes, pelas contas de estudiosos e dos movimentos sociais,
não revelam a realidade do fenômeno, que tende a ser até seis vezes maior. Estima-se que existam hoje entre 15 e 20 mil
rádios comunitárias “não-legalizadas” em funcionamento no país (LIMA e AGUIAR LOPES, 2007). O número de rádios
comunitários de fato em atividade é impreciso e difuso em função da clandestinidade imposta a inúmeras emissoras que
praticam o exercício temporário e arriscado da rádio livre, expostas à fiscalização e apreensão de seus equipamentos por
parte da Anatel e da Polícia.
Por outro lado, são muitas as pressões enfrentadas pelas emissoras, tanto para legalizarem-se quanto para se manterem no ar. As limitações impostas pela Lei 9.612 - de alcance, potência e frequência, de associação e expansão por meio
de rede, além do modelo limitado de gestão financeira, que permite apenas o “apoio cultural” restrito à apoiadores com
sede na localidade - somados a extrema burocracia do processo de legalização das rádios comunitárias, acabam por beneficiar as emissoras apadrinhadas por religiosos ou políticos ou que simplesmente reproduzem os modelos comerciais.
Isso finda por criar uma onda das chamadas “pseudo-comunitárias” - emissoras que se constituem por interesse privado,
reproduzem os formatos comerciais e não são abertas à participação da comunidade. Uma onda desviante de sua origem
e ideal que só pode ser combatida com políticas públicas de democratização da comunicação no país.
A existência e funcionamento de emissoras comunitárias como espaços públicos de reação ou resistência no
campo midiático de regiões periféricas10, como a Amazônia, pode significar a possibilidade de atender à formulação de
informações e visões de mundo no interesse de grupos historicamente desconsiderados pelos atores politicamente influentes da esfera pública11 onde se reproduz, de forma ainda mais aguda, o padrão global de concentração dos meios de
9
Segundo dados do Ministério das Comunicações de setembro de 2014, a radiodifusão sonora comercial na Região
Norte, mais os estados do Mato Grosso e Maranhão, totalizavam 668 emissoras de rádio (386 FM, 241 AM, 03 OC e 38
OT). Disponível em: http://www.comunicacoes.gov.br/espaco-do-radiodifusor/radiodifusao-comercial
10
A periferia, segundo Santos (2007), vem a ser, o lugar onde se é duplamente penalizado: pelos processos de segmentação (de trabalho e classe social) característicos do capitalismo e pelo modo territorial de distinção e desigualdades.
Vivemos num mundo onde o valor do indivíduo depende, em larga escala, não apenas do que se tem, mas também do
lugar onde se está. Nesse sentido, morar na periferia é condenar-se duas vezes à pobreza (SANTOS, 2001, p.139).
11
De acordo com Habermas (1996), é na esfera pública, como espaço público politicamente influente, que os diferentes grupos constitutivos de uma sociedade múltipla e diversa partilham argumentos, formulam consensos e constroem
problemas e soluções comuns. A esfera pública conforma assim o “contexto público comunicativo, no qual os membros
comunicação.
Etapas da pesquisa e resultados
O projeto de pesquisa “Mídia Cidadã e Desenvolvimento Sustentável: mapeamento e análise de rádios comunitárias em áreas de pressão socioambiental na Amazônia”, contou com duas etapas de coleta e análise de dados com
metodologias distintas. A primeira etapa da investigação, de caráter mais quantitativo, consistiu na fase de mapeamento
e identificação do cenário de pesquisa, na qual foram levantados e cruzados dados secundários de:
1) Emissoras comunitárias licenciadas pelo governo em municípios dos nove estados que formam a Amazônia Legal –
Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Tocantins, Rondônia, Roraima e parte do Maranhã (a Oeste do Meridiano,
44°O), de acordo com dados secundários obtidos junto aos site do Ministério das Comunicações (2015) e Anatel (2015),
conferidos por município na página do Sistema de Controle de Radiodifusão (SRD);
2) Demais meios massivos eletrônicos (Rádios comerciais em Ondas Médias, Frequência Modulada, Ondas Curtas e
Ondas Tropicais e Retransmissoras (RTV) e Repetidoras de TV (RPTV), existentes nos municípios amazônicos, também
junto ao SRD (2015);
3) Unidades de Conservação (UC) existentes, de acordo com o Ministério do Meio Ambiente (2015);
4) Terras Indígenas (TI) criadas ou previstas, de acordo com dados do site da FUNAI (2015);
5) Usinas Hidrelétricas (UHE) em obras, previstas e em funcionamento, conforme dados disponibilizados pelo site do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC, 2014).
Inicialmente o projeto previa a inclusão também de Territórios Quilombolas, incluídos recentemente (2006) na
condição de Áreas Protegidas e que já chegam ao número impressionante de 856 áreas certificadas na Amazônia. Da
mesma maneira, previa a inclusão de outras obras de alto impacto na região, além das usinas hidrelétricas, como rodovias
ou projetos de mineração, porém tais dados não foram incluídos na análise da pesquisa e no mapa digital em função do
volume total de dados em relação ao fator tempo do projeto, e principalmente pela situação de acirramento em torno do
projeto hidrelétrico do governo para a região, especialmente sinalizadas pelas as obras de Belo Monte e do complexo do
Tapajós, que afetam de forma especialmente brutal as populações indígenas. Todavia, em função da característica dinâmica do mapeamento digital, também chamado de cartografia digital, é possível a inclusão permanente de novos dados
e variáveis.
Dados levantados e cenários revelados
Segundo dados do Ministério das Comunicações (2015), 504 rádios comunitárias estão licenciadas em mais da
metade (56,4%) dos 772 municípios dos nove estados que formam a Amazônia Legal, o que representa perto de 75% do
total de emissoras comerciais na região12. Se considerarmos que mais da metade destas emissoras comunitárias (52,5%)
de uma comunidade política plural constituem as condições de possibilidade da convivência e da tolerância mútua, além
dos acordos em tono das regras que devem reger a vida comum” (Habermas, 1996, p. 156 apud Costa, 2002, p.27).
12
Segundo dados do Ministério das Comunicações de setembro de 2014, a radiodifusão sonora comercial na Re71
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na região, ou seja, 265 delas, não disputam audiência com rádios comerciais, pois são, segundo dados da Anatel (2015),
a única emissora de rádio ou o único meio de comunicação eletrônica em seus municípios, capazes, portanto, de produzir
informação sobre a realidade local no meio mais popular que existe até hoje, temos aí um cenário extremamente revelador
do potencial estratégico da radiodifusão comunitária.
Cruzando os dados: dimensões e potencialidades reveladas
Das 504 rádios comunitárias licenciadas na Amazônia, cerca de 45% delas estão localizadas em município que possuem em
seus territórios Unidades de Conservação, num total de 296, distribuídas em maior número nos municípios do Pará (54), seguido
do Maranhão (48) e do Amazonas (30). Em relação às Terras Indígenas, a partir do cruzamento de dados realizado pela pesquisa,
verificou-se que um terço das rádios comunitárias (152) está licenciado em municípios que abrigam TI, num total de 297 Terras Indígenas distribuídas em 135 municípios, praticamente a metade em municípios do Amazonas (149 TI), seguido do Mato Grosso (87
TI) e do Pará (69 TI)13 (Tabela 1).
No que diz respeito às hidrelétricas na região, tomou-se como referência o último balanço do PAC, de outubro de 2014, que
aponta o número de 13 projetos de hidrelétricas para a Amazônia, todos eles situados ao menos em um município que abriga rádio
comunitária. As UHE encontram-se em diferentes estágios: quatro em operação14, duas já concluídas15, cinco em obras16 e duas em
fase de ação preparatória17. As UHE previstas pelo PAC e consideradas no estudo abrangem 23 municípios e destes, 17 possuem
rádios comunitárias licenciadas. Destes municípios, pouco menos da metade, sete deles (42%), abrigam também Terras Indígenas e
Unidades de Conservação.
Ao cruzar todas as variáveis – Rádios Comunitárias, Usinas Hidrelétricas, Terras Indígenas e Unidades de Conservação
(Tabela 1)– sinalizam-se as localidades com maior potencial atual ou futuro de eclosão de conflitos socioambientais pelo uso (ou não
uso) dos recursos naturais. É justamente nesses territórios e sobre esses embates que a comunicação comunitária, voltada à cidadania
e educação ambiental, pode fazer diferença.
gião Norte, mais os estados do Mato Grosso e Maranhão, totalizavam 668 emissoras de rádio (386 FM, 241 AM, 03 OC
e 38 OT). Disponível em: http://www.comunicacoes.gov.br/espaco-do-radiodifusor/radiodifusao-comercial
13
Para entender a diferença entre os números, é importante destacar que um mesmo município abriga muitas vezes
mais de uma Terra Indígena ou Unidade de Conservação em seu território e que cerca de 10% dos municípios possui mais
de uma rádio licenciada.
14
Ferreira Gomes (AP); Jirau (RO); Santo Antônio (RO); Santo Antonio Jari (AP e PA).
15
Dardanelos (MT); Estreito ( MA e TO).
16
Belo Monte (PA); Colíder (MT); São Manoel (MT e PA); Sinop (MT); Teles Pires (MT e PA).
17
Jatobá (PA); São Luiz do Tapajós (PA).
REFERÊNCIAS
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de 2015. Disponível em: http://www.socioambiental.org/pt-br/dossie-belo-monte Acessado em: 30 de junho de 2015.
Dentre
os
sete municípios com maior potência em termos de quantidade de unidades de variáveis entrecruzadas, o campeão é Altamira, com
duas rádios comunitárias, 12 Terras Indígenas, 11 Unidas de Conservação e uma Usina Hidrelétrica em obras, Belo Monte, um
dínamo de conflitos, impasses e contradições há quase 40 anos. Na sequência vêm os municípios de Itaituba (PA) - 01 radcom, 02
UHE, 05 TI, 11 UC; Porto Velho (RO) - 05 radcom, 02 UHE, 03 TI, 14 UC; Aripuanã (MT) - 02 radcom, 01 UHE, 03 TI, 02 UC;
Almeirim (PA) - 02 radcom, 01 UHE, 02 TI, 04 UC; Laranjal do Jari (AP) - 01 radcom, 01 UHE, 02 TI, 04 UC e Nova Canaã
do Norte (MT) - 01 radcom,01 UHE, 01 TI, 02 UC).
Chega-se, portanto a 14 o número de rádios comunitárias localizadas em municípios que abrigam todas as variáveis e, portanto, com maior potencial de conflito socioambiental. Apoiar estas emissoras com políticas públicas que lhes garantam condições
de autonomia e independência em seu funcionamento seria um importante passo para promover mais informação e reflexão crítica
sobre a realidade local, ampliando assim as possibilidades de maior participação dos grupos locais nas decisões que coloquem em
risco a sustentabilidade de seu meio ambiente, seu bem estar e sua qualidade de vida.
LEAL, Sayonara. Radiodifusão Comunitária n Brasil: desafios e perspectivas para as políticas públicas. In: RAMOS, Murilo Cesar;
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CONCLUSÃO
VEIGA. José Eli da. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.
As rádios comunitárias são um fenômeno de comunicação especialmente fértil e crescente em regiões periféricas do planeta. Entretanto, pelo mesmo motivo de atuarem em territórios periféricos a partir de iniciativas de grupos subalternos, as rádios
comunitárias muitas vezes não conseguem impactar a agenda política ou mesmo brigar pela audiência onde propagam seus sinais,
gerando em si um paradoxo: constituem-se como fenômeno crescente, relevante social e politicamente, mas desconhecido do
grande público, invisível para além de suas bases ou segmentos diretamente antagônicos e não reconhecido de fato pelos tomadores de decisão. Os dados aqui apresentados, abrigados de forma dinâmica em um mapa digital, numa perspectiva socioambiental
das rádios comunitárias na região amazônica, têm como expectativa gerar maior compreensão da importância e do papel que as
emissoras comunitárias podem representar como instrumento de comunicação e educação cidadã na construção mais democrática e
sustentável do desenvolvimento da Amazônia.
__________. A Emergência Socioambiental. São Paulo: Editora Senac, 2007.
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VERÍSSIMO, Adalberto et al (Orgs.). Áreas Protegidas na Amazônia Brasileira: avanços e desafios. Belém: IMAZON; São Paulo:
Instituto Socioambiental, 2011.
MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE: DIFUNDINDO O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Janaina Mayara Müller da Silva1; Oklinger Mantovaneli Júnior2
RESUMO
O desenvolvimento sustentável precisa ser enfatizado, visto os crescentes impactos ocasionados por um modelo de desenvolvimento que privilegia o econômico, ausentando-se de discussões ambientais e sociais. Agendas globais discutem
a temática e problematizam o próprio conceito de desenvolvimento. Prova disto são os Objetivos de Desenvolvimento
do Milênio e Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. Para a mudança de paradigmas na concepção de desenvolvimento, estas agendas precisam ser difundidas para toda a sociedade. No Brasil, o Movimento Nacional pela Cidadania
e Solidariedade trabalha em prol desta propagação, permitindo que as agendas adentrem nos estados, municípios e a
sociedade brasileira, aproximando então a proposta global do local. Acredita-se que esta institucionalidade que difunde
agendas globais com pautas sustentáveis pode contribuir muito para a conscientização de que é necessário caminhar em
direção a um desenvolvimento sustentável.
Palavras-chave: Desenvolvimento Sustentável, Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade.
ABSTRACT
Sustainable development needs to emphasized, as the growing impact caused by a development model that focuses on
economic, absent up of environmental and social discussions. Global agendas discuss the theme and problematize the
concept of development. Proof of this are the Millennium Development Goals and Sustainable Development Goals. To
the paradigm shift in development thinking, these agendas need to spread throughout society. In Brazil, the Movimento
Nacional pela Cidadania e Solidariedade works for of this spread, allowing the agendas enter the Brazilian states, municipalities and society, then approaching the overall site proposal. It is believed that this institutional framework that
disseminates global agendas with sustainable guidelines can greatly contribute to the awareness of the need to move
towards sustainable development.
Key-words: Sustainable Development, Millennium Development Goals, Sustainable Development Goals, Movimento
Nacional pela Cidadania e Solidariedade.
1
2
Bolsista FAPESC/CAPES [email protected].
[email protected]
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1. INTRODUÇÃO
Os impactos gerados pelo atual modelo de desenvolvimento econômico estão cada vez mais visíveis, e os sinais
disto são preocupantes, como o aquecimento global, a ruptura na camada de ozônio, a extinção da biodiversidade e a
escassez da água. Todos estes fenômenos são ocasionados pela figura humana, em sua maioria, alinhados ao desenvolvimento econômico que não mede esforços nem consequências para garantir lucro. Desta forma, há a necessidade de
mudança de paradigmas com relação ao desenvolvimento. Avançar em direção da sustentabilidade pode ser um dos caminhos para pensar em outro modelo de desenvolvimento, capaz de integrar os aspectos econômicos, sociais e ambientais
em prol do bem comum (MERICO, 2002).
Dentre diversas iniciativas em favor do desenvolvimento sustentável, destacam-se acordos globais projetados através de objetivos, metas e indicadores. Inicialmente pode-se citar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio
(ODM), elaborados para a construção de um mundo mais próspero e justo. Embora a principal problemática levantada
esteja relacionada com a pobreza, o desenvolvimento sustentável é considerado essencial para promoção do bem comum.
Procedente deste, cita-se os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ciente das problemáticas ambientais,
concebe um caminho concreto para a construção de um modelo de desenvolvimento sustentável. As duas agendas têm
mostrado evolução na própria conceituação do termo desenvolvimento, considerando extremamente importante não somente a dimensão econômica do mesmo, mas buscando um enfoque multidimensional, envolvendo o social e o ambiental
em uma perspectiva sustentável.
Os pactos enfatizam e trabalham em prol de um desenvolvimento sustentável, mas como tratam-se de agendas
globais, a dificuldade está em difundir a ideia e conscientizar as pessoas da importância do mesmo. No Brasil, este papel
é desempenhado pelo Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade (MNCS). Este difunde as ideias centrais dos
pactos, para que estas cheguem nos estados, munícios e na sociedade brasileira. Está presente em todos os estados do
País e busca a institucionalização em todos os municípios. O presente artigo busca dar visibilidade a tal institucionalidade
capaz de capilarizar a discussão sobre sustentabilidade para todo o Brasil. Entende-se que movimentos que difundem a
pauta da sustentabilidade precisam ser estudados e propalados para que a temática possa tornar-se referência, principalmente ao se tratar de desenvolvimento.
Este artigo é parte de esforços exploratórios de dissertação de mestrado em fase de elaboração. Divide-se em
três partes. Primeiro, faz-se uma pequena apresentação das agendas globais ODM e ODS, e consequentemente, sua vinculação com o desenvolvimento sustentável. Depois, apresenta-se o MNCS como instancia de disseminação dos pactos
globais. Por fim, conclui-se que o papel desempenhado pelo Movimento tem contribuído para a disseminação das agendas globais, e desta forma, contribuído também para capilarizar a discussão acerca do desenvolvimento sustentável para
todo o Brasil. Para a realização deste trabalho exploratório, utilizou-se pesquisa documental e bibliográfica.
2. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E AGENDAS GLOBAIS
Pensar em outra lógica de desenvolvimento e na própria questão da sustentabilidade, foi oficialmente inserido
na agenda pública a partir de 1987, no Relatório Nosso Futuro Comum, ou, como é mais conhecido, Relatório Brundtland. Compreende-se que o desenvolvimento sustentável deve ser capaz de satisfazer as necessidades da atual população, sem comprometer a capacidade de satisfação das necessidades das gerações futuras (CMMAD, 1988). Além disso, o desenvolvimento sustentável é, antes de tudo, um desafio político. Ou seja, incorporar a palavra sustentabilidade
no conceito de desenvolvimento é direcionar o tipo de desenvolvimento que se quer seguir, e ainda, propõe-se que os
sujeitos devam se identificar e trabalhar em prol deste projeto, concretizando-o. Logo, apesar de importante evidenciar
o debate teoricamente, financeiramente e até tecnologicamente, o essencial é o interesse social e político, e a determinação para a construção de uma nova relação entre a sociedade e a natureza (SANTOS, 1996).
Abramovay (2010) acredita que elementos para estratégia do desenvolvimento sustentável podem ser encontrados em diversos instituições, seja no setor público, privado e também na sociedade civil. Entretanto, para alcançar
o desenvolvimento sustentável é preciso envolver a cooperação humana e a forma como a própria sociedade usa e
entende os ecossistemas. Para o autor,
Desenvolvimento sustentável é o processo de ampliação permanente das liberdades substantivas dos
indivíduos em condições que estimulem a manutenção e a regeneração dos serviços prestados pelos
ecossistemas às sociedades humanas. Ele é formado por uma infinidade de fatores determinantes, mas
cujo andamento depende, justamente, da presença de um horizonte estratégico entre seus protagonistas
decisivos (ABRAMOVAY, 2010, p. 97).
Ou seja, embora haja diversas iniciativas em prol do desenvolvimento sustentável, falta consolidar uma dinâmica própria deste desenvolvimento, que vá além da mera mensuração entre o crescimento econômico e os limites ambientais.
As agendas globais salientadas neste artigo, propõem um novo modelo de desenvolvimento a ser consolidado, conjuntamente com a mudança de paradigmas do mesmo. E por se tratar de acordos globais, torna a mudança de
paradigma ainda mais abrangente. Jeffrey Sachs (2005) acredita que diante das inúmeras problemáticas enfrentadas
pela humanidade – principalmente a miséria e a luta pela sobrevivência –, faz-se necessário concentrar forças mundiais
para reversão deste cenário. Ou seja, deve-se adotar ações coordenadas entre países ricos e pobres para permitir o desenvolvimento e progresso de todos. Para o autor, somente um pacto global entre todos os países proverá tal mudança
para suprir tais problemáticas.
Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) envolvem objetivos, metas e indicadores, visando responder as maiores barreiras para o desenvolvimento mundial. Trata-se de uma iniciativa da Organização das Nações
Unidas (ONU) e de seus estados-membros. Através de relatórios emitidos pelos diversos órgãos da ONU, um grupo
de trabalho, representando os estados-membros, selecionou e reescreveu estas demandas abarcando os quatro temas
principais: saúde, educação, meio ambiente e social / econômico. O que mais se procurava enfatizar era a erradicação
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da pobreza3 mundial. Após estabelecida as principais demandas, a ONU, juntamente com 191 países-membros, comprometeu-se com o acordo. Este, foi consolidado pela Declaração do Milênio das Nações Unidas, aprovada na Assembleia
do Milênio em Nova Iorque (sede da ONU), realizada entre os dias 6 e 8 de setembro de 2000 (ONU, 2000).
O acordo refere-se a oito objetivos para os países em desenvolvimento, quais sejam: 1) Erradicar a extrema pobreza e a fome; 2) Atingir o ensino básico universal; 3) Igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; 4) Reduzir
a mortalidade na infância; 5) Melhorar a saúde materna; 6) Combater o HIV/Aids, a malária e outras doenças; 7) Garantir a sustentabilidade ambiental, e; 8) Estabelecer uma Parceria Mundial para o Desenvolvimento (PNUD, 2015a). Cada
objetivo está vinculado a metas e indicadores que permitem qualificar e medir as dificuldades e avanços no alcance dos
mesmos. Embora existam metas e indicadores mundiais, cada país adapta-os de acordo com seu contexto, bem como
com suas necessidades e possibilidades (BRASIL, 2014). Os ODM tiveram prazo estipulado de quinze anos, ou seja, as
metas deveriam ser alcançadas até 2015 (PNUD, 2015a). Os ODM apoiam um outro modelo de desenvolvimento, que
pode ser viabilizado pelo desenvolvimento sustentável, pois o pacto integra questões ambientais, sociais e econômicas.
Logo, pode-se considera-la uma porta de entrada para discussões acerca da sustentabilidade.
Reconhecendo a importância dos ODM para o desenvolvimento mundial, a ONU, juntamente com os estadosmembros e a sociedade civil, está formulando uma nova agenda global desde 2012, denominada Agenda Pós-2015. Esta
foi concretizada pelo documento “O Futuro que Queremos”4, que renova o compromisso político com o desenvolvimento, inserindo o comprometimento com o desenvolvimento sustentável, ou seja, integrando os três pilares: econômico,
social e ambiental. Trata-se de uma agenda que integra programas, ações e diretrizes que deverão nortear o trabalho da
ONU e de seus estados-membros, em prol do desenvolvimento mundial. Para superar lacunas dos ODM, o novo pacto
deverá envolver tanto os países em desenvolvimento, quanto os desenvolvidos. A proposta foi nomeada de Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS) (ONU, 2012).
Os ODS se aproximam ainda mais do desenvolvimento sustentável, justamente porque exigem que todas as
ações em prol do desenvolvimento considerem a sustentabilidade, independente do caráter da ação. A nova agenda
reconhece a fragilidade dos ecossistemas e a necessidade de um desenvolvimento menos agressivo ao meio ambiente.
Além disso, envolve todos os países, o que permite que a agenda seja discutida e difundida em sua plenitude (ONU,
2012). Este pacto representa todo o aprendizado de duas décadas de desenvolvimento, por isto consegue avaliar todo o
progresso e as lacunas para efetivação de um desenvolvimento sustentável (ONU, 2014a).
Trata-se de 17 objetivos, quais sejam: 1) Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares; 2) Acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição, e promover a agricultura sustentável; 3)
Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades; 4) Garantir educação inclusiva e
equitativa de qualidade, e promover oportunidades de aprendizado ao longo da vida para todos; 5) Alcançar igualdade
de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas; 6) Garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e saneamento para todos; 7) Garantir acesso à energia barata, confiável, sustentável e moderna para todos; 8) Promover o crescimento econômico sustentado, inclusivo e sustentável, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos; 9)
3
Pobreza extrema na época, atingia mais de 1000 milhões de pessoas (ONU, 2000).
4
Documento foi emitido pela ONU em 2012, e está disponível em: http://www.onu.org.br/rio20/img/2012/01/OFuturoqueQueremos_
rascunho_zero.pdf.
Construir infraestrutura resiliente, promover a industrialização inclusiva e sustentável, e fomentar a inovação; 10) Reduzir a desigualdade entre os países e dentro deles; 11) Tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis; 12) Assegurar padrões de consumo e produção sustentáveis; 13) Tomar medidas urgentes
para combater a mudança do clima e seus impactos; 14) Conservar e promover o uso sustentável dos oceanos, mares
e recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável; 15) Proteger, recuperar e promover o uso sustentável dos
ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater à desertificação, bem como deter e reverter a
degradação do solo e a perda de biodiversidade; 16) Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento
sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em
todos os níveis; 17) Fortalecer os mecanismos de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento
sustentável (PNUD, 2015b). Os ODS só foram concebidos devido ao positivo resultado dos ODM. Nos últimos 14 anos, os países em desenvolvimento que aderiram este pacto, trabalharam em prol do alcance de metas e objetivos de forma bastante concreta, principalmente assumindo políticas públicas que contribuam para o alcance das mesmas. Isto permitiu um avanço
significativo na melhoria das condições iniciais, caracterizadas em cada objetivo. Segundo o Informe Mundial sobre
os ODM, emitido em 2014, desde 1990, reduziu-se a pobreza extrema mundial pela metade. Ou seja, 700 milhões de
pessoas saíram desta condição. Entre 2000 e 2012, as ações realizadas pelos países conseguiram evitar cerca de 3,3
milhões de mortes por malária e tuberculose. De 1990 a 2012, cerca de 2.300 milhões de pessoas tiveram acesso a água
potável. O progresso mundial no alcance das metas estipuladas pelos ODM tem contribuído para um desenvolvimento
mais sustentável e justo. Entretanto, há a necessidade de esforços mais significativos, pois, embora haja avanços consideráveis, cerca de 14% da população ainda está subnutrida (ONU, 2014b). E os ODS surgem justamente para suprir
lacunas deixadas pelos ODM, ampliando e concretizando ainda mais a discussão.
Mesmo tratando-se de uma agenda global, entende-se que estratégias adotadas para o cumprimento dos ODM
têm relevância também localmente. Logo, os ODS caminharão na mesma direção. Esta relação entre o global e o local é
visível pois os avanços nos indicadores de cada objetivo são perceptíveis também nas cidades e estados brasileiros. Isto
é, ações, estratégias e políticas públicas estão sendo direcionadas para os objetivos em diversas escalas, possibilitando o
desenvolvimento em sua totalidade. O sucesso desta relação está na ramificação da agenda para os estados e municípios
do País, e também para a sociedade civil e setor privado. Desta forma, no que tange ao Estado, torna-se essencial a adoção de políticas públicas voltadas aos objetivos dos pactos, assim como o incentivo e promoção de ações com o mesmo
fim. A sociedade civil e o setor privado também possuem um papel relevante a medida em que tomam consciência das
agendas. Estes podem direcionar suas ações para o cumprimento dos objetivos, além de exigir respostas do Estado para
o mesmo propósito. A interação entre Estado, sociedade civil e setor privado, permite que as metas estabelecidas pelos
ODM, e posteriormente pelos ODS, tenham reflexos mais significativos, garantindo que pactos globais possam trazer
benefícios concretos a população, em nível local.
Assegurar que os pactos globais possam ser difundidos para todo o País pode ser uma estratégia bastante promissora para a mudança no próprio paradigma de desenvolvimento. O Brasil conta com um movimento bastante atuante
nesta perspectiva.
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3. MOVIMENTO NACIONAL PELA CIDADANIA E SOLIDARIEDADE
No Brasil, a agenda ODM é difundida e instituída nos estados, municípios, sociedade civil e setor privado,
através do Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade (MNCS), conhecido também pelo slogan Nós Podemos.
FIGURA 1 – SLOGAN
Fonte: MNCS, 2015.
O Movimento permite que os ODM sejam divulgados em ampla escala, e acompanhados pela população em
geral. Promove ações para o alcance das metas estipuladas pelos ODM, e estabelece uma relação direta com o Estado,
para que as agendas públicas incorporem os ODM em suas ações. Desta forma, entende-se que o MNCS exerce um papel
fundamental para que os ODM sejam atingidos em todos os níveis da esfera pública.
O MNCS foi criado em 2004, através de uma iniciativa do Instituto Ethos5, para unir esforços do governo e da
sociedade civil, em prol da adesão e implementação dos ODM. Durante a Abertura da Conferência Nacional do Instituto
Ethos, o Presidente do Instituto, Oded Grajew, anunciou a criação do Movimento e propôs ainda a Semana Nacional pela
Cidadania e Solidariedade, que seria realizada entre os dias 9 e 15 de agosto daquele ano, em São Paulo (SP). Também
participaram deste pronunciamento, André Spitz, representando o Comitê de Entidades no Combate à Fome e pela Vida;
Marielza Oliveira, do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento; Percival Caropreso, vice-presidente da
McCann-Erickson, entre outros. A ideia da Semana, e do próprio Movimento, teria partido de Israel Tevah, proprietário
das Indútrias Tevah6, com o intuito de ampliar a solidariedade no país. O objetivo do Movimento e da Semana, seria
mobilizar e conscientizar a sociedade em geral, para que esta sensibilizasse também o governo, sobre a importância dos
5
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). Trata-se de um “[...] polo de organização de conhecimento troca de experiências e desenvolvimento de ferramentas para auxiliar as empresas a analisar suas práticas de gestão e aprofundar seu compromisso com a
responsabilidade social e o desenvolvimento sustentável” (INSTITUTO ETHOS, 2015).
6
Em 1997, funcionários da empresa Tevah de Porto Alegre (RS) procuraram a direção para construção de uma ação de caridade, projeto
no qual inspirou a campanha de fomento aos ODM – o Movimento e a Semana. A proposta era a produção de peças (roupas de cama, roupa infantil, etc.) para entidades e para a própria comunidade próxima à empresa. Esta ação ficou conhecida como o Dia da Solidariedade no município.
A produção acontecia em um sábado, a empresa contribuía com a material e os funcionários com o voluntariado. Uma verdadeira referência de
voluntariado (PNUD, 2004).
ODM. A primeira Semana divulgou os avanços do País com relação aos ODM, e promoveu debates e a mobilização
e comprometimento da sociedade civil na temática. Os envolvidos com o processo de criação da iniciativa, acreditam
que para se alcançar os ODM, a primeira estratégia deve ser a mobilização da sociedade em favor da solidariedade e da
cidadania (MNCS, 2004).
A semana foi planejada por organizações sociais e empresas, com o intuito de promover a cidadania e a solidariedade, conforme já citado, mas também para incitar a consciência social. Considerando a importância dos ODM,
os envolvidos tinham a preocupação com ações que extrapolassem calendários eleitorais, e que fossem permanentes,
gerando um caráter duradouro e forte na luta contra a injustiça social. Na Semana, portanto, propôs-se uma forma de
mobilização permanente, envolvendo tanto os governos como a sociedade civil, para que se difundisse e colocasse em
prática a implementação dos ODM. Construiu-se uma agenda de encontros e atividades para a promoção da cidadania,
da solidariedade e da mobilização. A Semana é anual e coincide com o aniversário da morte de Herbert de Souza (Betinho), 9 de agosto7. A homenagem foi escolhida para lembrar a luta do sociólogo pela erradicação da fome e da pobreza,
Além disso, o MNCS busca,
a) articular a organização de setores da sociedade civil e do poder público local para a realização de programas e projetos que visem atingir as Metas do Milênio; b) promover, incentivar e organizar, apoiar a
articulação do MNCS/NP estaduais, regionais e municipais e estes serão representados por voluntários que
formarão os núcleos articuladores; c) capacitar gestores e representantes da sociedade civil por meio de
cursos presenciais e a distância, oficinas e seminários, a desenvolverem ações que objetivam alcançar os
ODM; d) divulgar os ODM para amplo conhecimento da sociedade brasileira; e) promover a participação
da sociedade civil, das instituições públicas e privadas, e do poder público local na plataforma ODM; f)
incentivar o trabalho voluntário de pessoas e organizações, potencializando ações já existentes; g) formar
parcerias e implementar ações para promover o desenvolvimento sustentável e a melhoria da qualidade de
vida; h) promover e incentivar a realização de projetos, programas e ações sinérgicas nos estados, municípios e comunidades; i) monitorar a evolução das metas e dos indicadores dos ODM em nível nacional,
estadual e municipal; k) propor estratégias de ação para situações em que os indicadores não apresentem
os resultados esperados (MNCS, 2012, p. 1-2).
que coincide com o fundamento dos ODM. A Semana foi divulgada voluntariamente pela agência McCann Erickson
Brasil, através da campanha “Oito Jeitos de Mudar o Mundo” (MNCS, 2004).
Do governo federal, a iniciativa de fomento e apoio à Semana e ao Movimento, foi a criação do Prêmio ODM
Brasil. Este tem como objetivo incentivar e dar maior visibilidade a ações, programas e projetos que visem o cumprimento dos ODM. A iniciativa foi proposta na primeira Semana Nacional pela Cidadania e Solidariedade e é coordenada
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e pela Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). O
Prêmio é destinado a governos municipais, através de políticas públicas implantadas por prefeituras que contribuam
com os ODM, e a organizações da sociedade civil, através de práticas que também contribuam nesta perspectiva (BRASIL, 2015).
O MNCS surgiu e permaneceu no Estado de São Paulo até 2006. Neste ano, expandiu para o segundo Estado a
aderir a bandeira, o Paraná. A partir dessa experiência, capilariza-se ações e estratégias para todos os estados brasileiros
(COSTA, 2013).
Atualmente, o MNCS se auto define como “[...] um movimento apartidário, ecumênico e plural da nação brasileira [...]” (MNCS, 2012, p. 1). Seu objetivo é
[...] promover, articular, disseminar e acompanhar as ações em prol do alcance dos ODM de forma convergente e integrada no âmbito nacional, estadual e municipal por meio do trabalho de várias organizações sociais (Ongs, empresas, universidades, fundações, igrejas, entidades de trabalhadores, sindicatos,
movimentos sociais, associações de bairro, governos, entre outros), realizado de forma voluntária, por
instituições ou por projetos que tenham por objetivo à promoção dos ODM, na construção da cidadania
e praticando a solidariedade (MNCS, 2012, p. 1).
7
Formado em Sociologia e Política de Administração, o sociólogo é conhecido pela luta social. Faleceu em 09
de agosto de 1997 (BRASIL ESCOLA, 2015).
76
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
Apresenta ainda, institucionalmente, a
Visão: O Brasil como referência mundial no alcance dos ODM, com a participação integrada de governos,
empresas e sociedade civil. Missão: Articular e integrar todos os setores da sociedade para promover o
alcance dos ODM em nível nacional, estadual e municipal. Valores: Amorosidade; Entusiasmo; Flexibilidade; Ousadia; Perseverança; Positividade; Simplicidade; Solidariedade; Transparência; Cidadania do
direito e da responsabilidade; Comprometimento pessoal; Confiança como premissa de relacionamento;
Cooperação sem restrição; Ética da coerência e do bem comum; Inovação socioambiental; Respeito ao
direito de expressão; Valorização à diversidade cultural (MNCS, 2012, p. 2, grifos no original).
O Movimento é coordenado por secretarias, que integram o Colegiado Executivo Nacional, quais sejam: Secretaria Executiva Nacional, Secretaria Executiva Nacional Adjunta, Secretaria Nacional de Mobilização, Secretaria Nacional
de Mobilização Adjunta e Articuladores Regionais: Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste I, Nordeste II, Norte I e Norte
II (MNCS, 2012). A figura 2 apresenta a estrutura nacional do Movimento, assim como os estados que fazem parte dos
articuladores regionais, nas respectivas regiões:
FIGURA 2 – ORGANOGRAMA DO MNCS
fundamentações, a promoção do desenvolvimento sustentável. Com a criação de agendas como estas, é fundamental que
hajam mecanismos para a propagação dos seus interesses. O MNCS é um exemplo disto, a medida em que surge como
uma iniciativa para disseminação destes pactos, e, desta forma, contribui também para a disseminação do fundamento
dos mesmos, que é o desenvolvimento sustentável.
Conclui-se que institucionalidades capazes disto são importantes para mudanças no paradigma do desenvolvimento, pois permitem a propagação do conhecimento, do diálogo e a promoção então de um novo modelo de desenvolvimento. O MNCS tem a possibilidade de construir um senso territorial convergente com objetivos declarados por estas
agendas globais e fazer com que o desenvolvimento sustentável seja base de discussão política em todas as escalas do
país, para que possa ser assumido como modelo de desenvolvimento, e por fim, concretizado.
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Fonte: MNCS, 2012. Dados adaptados pelos autores.
Toda a mobilização em prol dos ODM desenvolvida pelo MNCS, além de lidar com o apoio voluntário da
sociedade civil, está vinculada a participação dos governos e empresas. Para alcançar o objetivo principal – tornar o
Brasil uma referência mundial no alcance dos ODM – considera-se essencial a participação de todos, de forma articulada e integrada, seja em nível municipal, regional, estadual ou nacional. A articulação entre os três setores da sociedade,
entre os 26 Estados e o Distrito Federal, e entre centenas de municípios, atribui importância ao MNCS no cumprimento
dos ODM. O MNCS contribuiu ainda para o envolvimento de atores no alcance dos ODM, dando maior visibilidade ao
poder emanado de uma articulação aberta e institucionalizada de diferentes setores (MNCS, 2014).
Como um importante articulador e propagador dos ODM, não será diferente com a implementação da nova
agenda global, ODS. O Movimento participou ativamente da construção do novo pacto, e continuará existindo para
difusão do mesmo. Para o Movimento, a nova agenda reforça a “[...] construção de um mundo melhor, socialmente
inclusivo, ambientalmente sustentável e economicamente equilibrado [...]” e são estes valores que estimulam a sua
existência (MNCS, 2014, p. 3). Logo, continuará mobilizando atores sociais e empresariais para convergirem ações
em prol então, do desenvolvimento sustentável.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora as agendas globais vistas neste artigo também abarquem outras temáticas, elas enfatizam, em suas
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RESUMO
A violência é um dos maiores desafios para a agenda do desenvolvimento brasileiro e o espaço escolar se configura em
campo onde essa problemática emerge com cada vez mais intensidade.
Esta pesquisa focou-se nas intersecções entre a violência no âmbito escolar e percepções de discentes da Educação
Básica sobre a problemática, estabelecendo-se relação com o conceito de poder, e com isso, almejando subsidiar estratégias para sua prevenção e contribuir assim, com o desenvolvimento regional. A metodologia do estudo foi de caráter
exploratório transversal quantitativo e qualitativo, com amostragem constituída por 1.000 estudantes (n=1000) do ensino
fundamental, 5° ao 9° ano. Foi elaborado um instrumento contendo 29 questões sobre o cotidiano escolar, a violência no
ambiente escolar e seus desdobramentos. Foi realizado um pré-teste pela equipe do projeto. A aplicação ocorreu entre novembro e dezembro de 2013 e a participação foi anônima e voluntária. Os resultados foram analisados mediante estatística descritiva e armazenados em um banco de dados online com acesso para os pesquisadores. Observou-se que 47,6%
(n=476) relatou sofrer agressão, ofensa ou intimidação em ambiente escolar, sendo a agressão verbal a mais frequente
(82,35%; n=392), seguida pela física (25%; n=119) e ambas podem ocorrer de forma isolada ou conjunta. As causas mais
frequentes destas agressões são: racista (n=140), econômica (n=130), religiosa (n=112) e gênero (n=48). Observou-se
alta prevalência de violência no contexto escolar em estudantes do 5º ao 9º ano das escolas públicas do litoral do Paraná,
principalmente ligada a questões de raça/etnia, sócio econômica, religiosa e de gênero. Se manifestam em forma de violência verbal, física e psicológica, que podem acarretar danos à saúde das vítimas. A partir destes resultados, foi possível
refletir sobre o conceito teórico de poder, e consequentemente subsidiar discussões sobre estratégias de prevenção com
base no reconhecimento do panorama regional.
Palavras-chave: Violência, poder, desenvolvimento, território.
ABSTRACT
Violence is a major challenge for the agenda of Brazilian development and the school environment is configured in the
field where this problem emerges with ever more intensity. This research focused on the intersections between violence
in schools and students perceptions of basic education on the issue, aiming to subsidize strategies for its prevention, thus
contributing to regional development. The methodology of the study was quantitative and qualitative cross exploratory,
with sample consists of 1,000 students (n = 1000) of primary school, 5 th to 9 th year. An instrument containing 29 questions about the school routine, violence in the school environment and its development has been prepared. A pretest by
the project team was held. The application took place between November and December 2013 and the participation was
anonymous and voluntary. The results were analyzed using descriptive statistics and stored in an online database with
access for researchers. It was observed that 47.6% (n = 476) reported suffering aggression, offense or intimidation in a
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Universidade Federal do Paraná. [email protected]
school environment, the most common being verbal abuse (82.35%, n = 392), followed by the Physical (25%, n = 119)
and both can occur in isolation or together. The most frequent causes of these attacks are racist (n = 140), economic (n =
130), religious (n = 112) and gender (n = 48). There was a high prevalence of violence in the school context in students
from 5th to 9th grade in public schools of Paraná coast, mainly linked to issues of race / ethnicity, economic, social, religious and gender. They manifest themselves in the form of verbal abuse, physical and psychological, which can cause
damage to the health of victims. From these results, we can reflect and discuss prevention strategies based on the recognition of the regional panorama.
Key words: Violence, power, development, territory.
INTRODUÇÃO
A violência no ambiente escolar, vem se constituindo num constante objeto de estudo devido a inúmeros
atos praticados entre/contra estudantes e/ou docentes. Uma problemática social que se manifesta em diferentes formas
envolvendo todo um conjunto educacional. Segundo Minayo (2006) a violência não é um uma, e sim múltipla. Advinda
de origem latina, a palavra vis, quer dizer força e se refere às noções de constrangimento e de uso da superioridade física
ou psicológica sobre o outro.
Vários estudos em Sociologia, Psicologia e Saúde Pública entendem a violência como um fenômeno socialmente construído, podendo afirmar que a violência é um processo dirigido com determinadas finalidades, assumindo
dessemelhantes fatores, adquirindo diversas formas e produzindo danos irreparáveis, com consequências imediatas e a
longo prazo”. (FRANCO, 1990; ROCHA, 2012). Mais recentemente, estudos relacionados ao desenvolvimento vêm estabelecendo a relação entre este (desenvolvimento), a violência e suas intersecções (entre violência e desenvolvimento),
ganhando destaque os estudos de Amartya Sen (2010), que destaca que o desenvolvimento humano só é possível a partir
de práticas baseadas na tolerância e em liberdades individuais e coletivas. “ Ter mais liberdade melhora o potencial das
pessoas para cuidar de si mesmas e para e para influenciar o mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento”. (SEN, 2010, p.33).
No quesito construção social da violência, Foucault (2015, p. 12) traz o conceito de poder, citando que “o poder
não é um objeto, natural, uma coisa; é uma prática social e, como tal, constituída historicamente”. Segundo Minayo
(2006), o descobrimento do Brasil teve em sua história no período da colonização e de desenvolvimento, diversos registros de violência de um país escravista e colonizado. No entanto se carrega uma fábula/mito no imaginário social que o
Brasil é um país pacifico. Tratando-se de uma meia verdade, como Minayo (2006) cita:
“Somos um povo violento. Na obra Outros 5002: uma conversa sobre a alma brasileira, discutem a tese
de que nosso nascimento, como país, é fruto de um estupro: os homens (só havia homens – a maioria
degradados - nas caravelas de Cabral) que aqui chegaram e encontraram as tribos indígenas, loucos para
copular, não buscavam a alma das mulheres, nem a cultura autóctone, nem a sabedoria do povo”. (p. 26).
2 ZWETSCH, Roberto Ervino. Lucy DIAS; Roberto GAMBINI. Outros 500: uma conversa sobra a alma brasileira. (São Paulo: SENAC, 1999. 228 p.). Estudos Teológicos, v. 42, n. 1, p. 96-100, 2013.
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Tal fato histórico é confirmado por Waiselfisz (2012, 2014, 2015) em sua série de estudos atuais que deram origem
ao mapa de violência e que colocam o Brasil entre os países mais violentos do mundo. Essa violência historicamente
construída pela sociedade, se adentra e se reflete também dentro dos muros dos colégios. Segundo Abramovay (2012,
p.45) a violência “apresenta-se sempre de forma complexa e multifacetada e tendo origem em causas de natureza social,
histórica e individual. Certamente, no universo escolar, as várias manifestações de violência igualmente se fazem presentes, cada vez de forma mais acentuada”.
Rocha (2012, p. 32) expõe que “é fato, desde sua origem, que a escola é local de poder e ideologia, disputa de
consciências e de controle, seja de mentes ou de corpos”. Na concepção de Foucault (2015, p.18) o poder “não é um
objeto, uma coisa, mas uma relação. Pois ele é luta, afrontamento, relação de força, situação estratégica. Não é lugar, que
se ocupa, nem um objeto, que se possui. Ele exerce, se disputa. E não é uma relação unívoca, unilateral; nessa disputa ou
se ganha ou se perde”.
Castells (2013) ainda complementa em relação ao poder, quando cita que:
“As relações de poder são constitutivas da sociedade porque aqueles que detêm o poder constroem as
instituições segundo seus valores e interesses. O poder é exercido por meio da coerção (o monopólio da
violência, legítima ou não, pelo controle do Estado) e/ou pela construção do significado na mente das
pessoas, mediante mecanismos de manipulação simbólica”. (p.14).
Borba e Russo (2011) afirmam que tradicionalmente se espera que o ambiente escolar seja um espaço social
onde as relações interpessoais possam ser identificadas como sinônimos de desenvolvimento humano, um espaço de
compartilhamento de conhecimentos éticos, morais sociais e culturais, rompendo paradigmas, respeitando e valorizando
as diferenças, solidariedade, cooperação igualdade e equiparação de oportunidades que são essenciais num ambiente
escolar com finalidade do exercício da cidadania. Todavia, não é o que parece ocorrer no cotidiano escolar. As relações
de poder, dominação/subordinação e violência também se estabelecem nos espaços escolares. Portanto, este trabalho
objetiva pesquisar como se manifestam as distintas modalidades de violência no cenário escolar, estudando um grupo de
estudantes de escolas públicas, tendo como recorte territorial específico a região do litoral do Paraná. Com isso espera-se
problematizar esta visão “romântica”, colocada por Borba e Russo (2011) que muitas vezes é imputada às escolas. Ou
seja, busca-se evidenciar que as escolas também são locais de manifestação de poder e de violência, que podem refletir e
retroalimentar outras violências que permeiam a sociedade e que impactam no desenvolvimento territorial.
METODOLOGIA
A pesquisa iniciou-se em 2012 como projeto de iniciação científica da Universidade Federal do Paraná e vem se
solidificando no programa de pós-graduação em nível de doutorado em Desenvolvimento Regional, pela Universidade
Regional de Blumenau – FURB. Neste artigo será descrito parte desses resultados, mais especificamente relacionados ao
eixo desenvolvido com alunos e alunas da Educação Básica de três municípios do litoral paranaense.
Trata-se de um estudo exploratório transversal de caráter qualitativo e quantitativo, realizado no segundo semestre de 2013. A amostragem foi constituída por mil (n=1000) estudantes da rede pública de ensino dos municípios de Morretes, Paranaguá e Guaratuba (PR). As idades dos participantes variaram entre 10 a 17 anos, que responderam anônima
e voluntariamente a um formulário de pesquisa contendo 29 questões objetivas e discursivas, sendo elaborado e testado
previamente (pré-teste), a respeito da violência no contexto escolar e seus desdobramentos. O anonimato dos participantes foi respeitado, a fim de preservar a identidade dos mesmos, obedecendo aos princípios bioéticos internacionais, tal
como a Declaração de Helsinki, e as Resoluções n° 196/96 e 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS). Os dados
quantitativos foram tabulados em uma base de dados online e analisados mediante estatística descritiva, enquanto os dados qualitativos foram transcritos e analisados tematicamente a partir de categorias emergentes, seguindo a metodologia
proposta por Gomes e Minayo (1994), sendo que neste artigo será dada ênfase aos resultados quantitativos.
O conceito de violência simbólica aparece como eficaz para explicar a violência da escola, a que se reproduz na
dimensão pedagógica e institucional, expressando-se por meio do controle, da autocracia, da brutalização das relações
(ROCHA, 2012). Ao debruçar-se sobre as noções de violência simbólica e violência moral, chama-se atenção ao fato de
que na amostra de estudantes desta pesquisa, essas dimensões também aparecem. A Tabela 2 ilustra que quase 90% dos
sujeitos relatou que já sofreu ameaças em seu ambiente escolar, sendo que alguns inclusive relatam que isso ocorre com
certa frequência. A violência não se restringe a agressões físicas, mas também pode incluir a violência verbal, caracterizada por xingamentos, piadas e apelidos, que foi relatada por 392 sujeitos. O espaço da escola onde é mais frequente a
ocorrência de episódios de violência é o recreio, de acordo com o relato de quase 40% dos estudantes, conforme pode ser
observado na Tabela 2.
Tabela 2. Caracterização das representações de violência escolar relatadas por escolares de
escolas municipais do litoral do Paraná – PR
QUESTÃO
N=Total
OPÇÕES
PERCENTUAL (%)
Sofreu algum tipo de
Sim
52,40%
agressão em ambiente
1000
Não
47,60%
escolar
Em algum momento
56,07%
Uma ou duas vezes
30,24%
Todos os dias
2,65%
Já sofreu ameaça em ambiente escolar
Todas as semanas
0,22%
Todo mês
0,22%
453
Não
10,60%
Empurrões
63,90%
Caracterização das Tipo119
Agressão
24,40%
logias da Violência Física
Surra
11,80%
Apelidos
48,70%
Caracterização das Tipologias da Violência Ver392
Piadas
28,10%
bal/Psicológica
Xingamentos
23,20%
Recreio
39,74%
Sala de Aula
19,87%
Corredores
11,04%
Caracterização dos Locais
Escolar
7,73%
que ocorreram a violência
Arredores da Escola
3,31%
453
Refeitório
3,31%
Outros
15,01%
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Entre os participantes da pesquisa, observou-se maior frequência do gênero masculino (n=503, 50,30%) e idade
entre 13 e 15 anos (n=563, 56,30%) conforme tabela 1. Do total da amostra, que constou de mil sujeitos (n=1000), 524
(52,40%) relataram que já sofreram algum tipo agressão no ambiente escolar.
Tabela 1. Caracterização dos/as participantes.
QUESTÃO
n=Total
1000
Gênero
Idade
1000
OPÇÕES
Masculino
Feminino
10 a 12 anos
13 a 15 anos
16 a 18 anos
PERCENTUAL (%)
50,30%
49,70%
38,50%
56,30%
5,20%
Fonte: Os autores, 2015.
Chesnais3 (1981) distingue no imaginário social atual, três definições de violências que contemplam tanto o âmbito individual quanto o coletivo: no centro de tudo, a “violência física”, que atinge diretamente a integridade corporal
e que pode ser traduzida nos homicídios, agressões, violações, torturas, roubos a mão armada; a “violência econômica”
que consiste no desrespeito e apropriação, contra a vontade dos donos ou de forma agressiva, de algo de sua propriedade
e de seus bens; e, por último, a “violência moral e simbólica”, aquela que trata da dominação cultural, ofendendo a dignidade e desrespeitando os direitos do outro”. (MINAYO, 2006, p. 14-15).
CHESNAIS, Jean-Claude. Histoire de la. 2a ed., Paris, Pluriel. 1981.
3
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Fonte: Os autores, 2015.
Todas essas modalidades de violência (verbal, psicológica, moral, física, econômica) são permeadas por relações
de poder. Foucault (2015) esclarece nesse sentido, afirmando que as relações de poder também podem servir como ins-
trumentos de luta, articulando com outros instrumentos, contra essas mesmas relações de poder”. Hannah Arendt (1990)
complementa a noção de violência como um meio de e um instrumento para a conquista do poder. (MINAYO, 2006),
enquanto que Araújo (2004) esclarece que os atos de violência servem para demarcar espaços de poder.
De acordo com Rocha (2012) desse modo, a imagem do outro passa a ser percebida como ameaçadora e inferior.
Para a autora, as relações na escola são vividas de modo odioso, marcadas pela violência. Essas acepções foram confirmadas com os dados ilustrados na Tabela 3, que exemplifica os principais motivos relatados pelas vítimas de violência
no ambiente escolar. Destacou-se a violência de gênero, marcada por práticas sexistas e homofóbicas nas escolas. A
“violência de gênero” é definida por Suárez e Bandeira (1999) como acontecimentos violentos abrigados nos diferentes
relacionamentos de gênero, que são relacionamentos que podem pôr em interação conflituosa não apenas homem e mulher, mas também mulher e mulher ou homem e homem. A ligação entre violência e gênero é importante para indicar não
apenas o envolvimento de mulheres e de homens como vítimas e autores, mas também como sujeitos, que buscam firmar
mediante a violência, suas identidades masculinas ou femininas.
Na tabela 03, podemos ver alguns dados da pesquisa efetuada com 1000 estudantes no litoral do Paraná, relativos
a questões de gênero, étnico-racial, econômico e religião.
Tabela 3. Causas das incidências de violência escolar relatadas por escolares de escolas municipais do litoral do Paraná – PR
QUESTÃO
N= Total
OPÇÕES
PERCENTUAL (%)
Gay
52,10%
Gênero
Lésbica
27,10%
48
Mulher/Sexismo
20,80%
Cabelo
40,00%
Cor da pele
26,40%
Étnico-Racial
140
Negro
16,40%
Loiro
12,90%
Ruivo
4,30%
Roupa
52,30%
Econômica
130
Pobre
42,30%
Rico
5,40%
Evangélico
41,10%
Católico
25,90%
Religiosa
112
Ateu
6,30%
Outros
26,80%
Fonte: Os autores, 2015.
A escola pode tomar para si a tarefa de resistir e promover a transformação das concepções e comportamentos
sociais, no sentido de ensinar a pensar, a questionar, e com isso apontar novas formas de interpretar e organizar o mun81
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do. Por outro lado, ao não explicitar as desigualdades de gênero, a escola corre o risco de acomodar-se e continuar (re)
produzindo os dicotômicos modelos tradicionais na relação entre sexos (SASTRE, MARMÓN E HERNÁNDEZ, 2003).
“O poder não atua do exterior, mas trabalha o corpo dos homens, manipula seus elementos, produz seu comportamento, enfim, fabrica o tipo de homem necessário ao funcionamento e à manutenção da sociedade industrial, capitalista”.
(FOUCAULT, 2015, p. 21-22).
A busca por elementos que justificam as incidências dessas condutas, muitas vezes extrapolam os muros das
escolas. São apontadas como razões exógenas ao ambiente escolar: o Sexismo e hierarquias/desigualdades de gênero,
conforme estudos de gênero propostos por Joan Scott (1986), Guacira Louro (2001) e Butler (2008); o racismo e outros
preconceitos que permeiam a sociedade, alguns inclusive com origem familiar, frutos de influências da mídia e/ou características do ambiente em que a escola está situada.
No presente estudo, os casos de violência estão ligados a diferentes causas. As causas com maiores prevalências
foram: Étnico-racial (n=140); Econômica (n=130); Religiosa (n=112); e, relacionadas ao Gênero (n=48). No que se refere
aos casos de violência relacionados às questões étnico-raciais, os estudantes relataram que o tipo de cabelo é a principal
causa (40,00%), sendo que os que mais sofrem são os sujeitos afrodescendentes.
Já o estilo de se vestir foi a causa mais comum relacionada com questões econômicas (52,30%), sendo que as pessoas com menor poder para aquisição de roupas ditas “da moda” sofrem mais com intimidações e discriminação.
Nos casos relacionados com religião, os evangélicos sofreram mais abuso (41,10%), seguidos dos que professam
outras religiões, tais como as de matrizes africanas. E por fim, nos casos relacionados às questões de gênero, os sujeitos
LGBT’s (lésbicas, gays, bissexuais e trans – travestis e transexuais), os gays foram as principais vítimas (52,10%), seguidos das que sofrem violência apenas por serem mulheres.
De acordo com Ricas e Donoso (2010), sabe-se que o fenômeno da violência no contexto escolar não pode ser
dissociado da violência que acontece na sociedade em geral. A miséria, a exclusão, a desigualdade, o autoritarismo, a falta
de ética e a concentração de renda e poder estão intimamente articuladas e interligadas à manutenção da violência no nosso cotidiano. A violência decorre deste complexo contexto multicausal de fragilidade social, onde o abuso e desrespeito
aos direitos humanos são nítidos, e até banalizados, pela sociedade, conforme apontado por Hannah Arendt (1999) em
sua obra “Eichmann em Jerusalém: sobre a banalização do mal”. Essas fragilidades acabam por favorecer a exposição de
adolescentes a situações evitáveis de risco.
Sendo assim Castells (2013) cita que:
“Os movimentos sociais vêm de uma injustiça fundamental de todas as sociedades, implacavelmente confrontadas pelas aspirações humanas de justiça como: exploração econômica; pobreza desesperançada; desigualdade injusta; comunidade política antidemocrática; Estados repressivos; Judiciário injusto; racismo;
xenofobia, negação cultural; censura; brutalidade policial; incitação à guerra; fanatismo religioso (frequentemente contra crenças religiosas alheias); descuido com o planeta azul (nosso único lar); desrespeito à
liberdade pessoal, violação da privacidade; gerontocracia; intolerância; seximo; homofobia e outros atro-
cidades da extensa galeria de quadros que retratam os monstros que somos nós”. (p.20).
Nesse sentindo Castells, (20013) coloca que “Onde há poder há também contra poder” que define como a capacidade de os sujeitos sociais, desafiarem o poder enraizado nas autarquias da sociedade como o intuito de reivindicar uma
própria representatividade de suas próprias crenças e valores.
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MINAYO, M. C. d. S. Violência e Saúde. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2006. 132p.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A discriminação no Brasil não é algo novo, nem nas pesquisas cientifica muito menos nas relações sociais. Porém
a exclusão manifestada pelo discurso do outro, ocultada no ambiente escolar, parece agora ganhar evidência nas pesquisas sobre violência no ambiente escolar. Bourdieu e Passeron (1982) na obra A reprodução4: elementos para uma teoria
do sistema de ensino, “analisaram funcionamento do sistema escolar francês e concluíram que, em vez de ter uma função
transformadora, ele reproduz e reforça as desigualdades sociais”. (ROCHA, 2012, p. 21).
Mediante a situação presente no ambiente escolar, ser faz necessário ampliar oportunidades sociais focadas na
educação, favorecendo iniciativas de ter acesso determinas privações afim de identificar como o acesso da educação
como uma forma de liberdade para o desenvolvimento, Sen (2010, p.10) cita que “o alcance da análise de políticas depende de estabelecer os encadeamentos empíricos que tornam coerente e convincente o ponto de vista da liberdade como
a perspectiva norteadora do processo de desenvolvimento”. Sendo assim o autor cita que a “liberdade é vista, por essa
abordagem, como o principal fim e o principal meio do desenvolvimento. O desenvolvimento consiste na eliminação de
privações de liberdade que limitam as escolhas e as oportunidades das pessoas de exercer ponderadamente sua condição
de agente”. (SEN, 2010, p.10).
LOURO, G.L. Teoria queer – uma política pós-identitária para a educação. Estudos Feministas. v.9, n.2, p.6, 2001.
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GRUPO DE TRABALHO III
Gênero e Diversidade
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A INSERÇÃO DA PERSPECTIVA DE GÊNERO EM POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO: UMA
QUESTÃO DE PODER
Renata de Fátima Tozetti1; Marcos Claudio Signorelli2
RESUMO
Este artigo revisita as políticas públicas de gênero na educação, demonstrando sua relação com questões de poder,
manifestadas nos espaços escolares. Discute-se gênero a partir das relações de poder apresentadas por Michel Foucault
(2001) e Joana Maria Pedro (2005), arraigadas hegemonicamente numa sociedade heteronormativa e sexista, em que
homens e mulheres são tratados/as de forma desigual nos diversos espaços sociais. Dentro deste contexto, faz-se um recorte
para apresentar a participação de homens atuantes em espaços escolares da educação infantil, que eram tradicionalmente
ocupados por mulheres, que estariam “pré-destinadas” ao cuidado das crianças. Utiliza-se como metodologia a pesquisa
de abordagem qualitativa, aplicando entrevistas como instrumento de coleta de dados aos docentes citados. Em seguida,
apresenta-se a proposta de Portugal no que tange às políticas públicas de gênero e suas relações para o desenvolvimento
sustentável da população do país, como possibilidade a ser seguida. O trabalho finaliza com a reflexão da necessidade
constante de avaliação destas políticas públicas na busca de resultados qualitativos dos projetos, programas e ações de
governança, sinalizando-se a necessidade de ausculta dos/as atores envolvidos.
Palavras-chave: Gênero. Poder. Políticas Públicas. Espaços Escolares.
ABSTRACT
This article revisits the public policies of gender in education, demonstrating its relationship with issues of power,
manifested in school spaces. It discusses gender from power relations presented by Michel Foucault (2001) and Joana
Maria Pedro (2005), rooted in a hegemonic heteronormative and sexist society in which men and women are treated/
as unequally in different social spaces. In this context, it is a cutout to display the active participation of men in early
childhood education school spaces that were traditionally held by women, which would be “earmarked” to the care of
children. It is used as methodology the qualitative study, using interviews as a data collection instrument to the said
teachers. Then we present the proposal for Portugal with regard to public policies of gender and its relationship to
sustainable development of the population, as a possibility to follow. The work ends with the reflection of the constant
need to evaluate these policies in seeking qualitative results of the projects, programs and governance actions, signaling
the need for auscultation of/the actors involved.
Key words: Gender. Power. School Spaces. Public Policy.
INTRODUÇÃO
1
Pedagoga. Mestranda em Desenvolvimento Territorial Sustentável pela UFPR Litoral. E-mail: [email protected]
2
Doutor em Saúde Coletiva. Professor do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável pela UFPR Litoral.
E-mail: [email protected]
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As políticas públicas foram formuladas no formato de direito subjetivo do cidadão e dever do EstadoGT
a partir
Constituição Federal em 1988, em que o Estado passa a ter seu campo de ação definido no tocante às políticas econômicas
e sociais. Nesse sentido, de acordo com Oliveira (2008, p. 102), “as políticas públicas têm sua origem nas relações de
força de uma sociedade que, em embates constantes, formará o conjunto de decisões tomadas no interior do Estado”.
Observa-se que a criação da Carta Constituinte de 1988 surge neste contexto dos embates entre os movimentos sociais,
que se fortaleceram devido ao agravamento dos problemas sociais que emergiam, e dos interesses da esfera estatal em
manter a ordem e garantir o acúmulo do capital, conforme destaca a autora:
Compreendida como estratégia governamental de intervenção nas relações sociais, as políticas sociais
surgiram apenas a partir de pressões dos movimentos populares do século XIX. Elas foram implantadas
como forma de respostas ainda que incipientes, aos problemas inerentes à “questão social”. (OLIVEIRA,
2008, p.106).
Após a criação da referida legislação e de outras leis elaboradas especificamente para as diversas políticas públicas
após esse período, foi estabelecido no cenário brasileiro um sistema de garantia de direitos permeado pelas contradições
do modo capitalista de produção. As políticas públicas sociais brasileiras se configuram com o objetivo de alimentar o
processo de reprodução da força de trabalho e minimizar as sequelas da questão social.
O surgimento das discussões sobre gênero na sociedade também não foi diferente. A autora Joana Maria Pedro
(2005), através do texto intitulado Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na pesquisa histórica oportuniza
um diálogo com a história dos movimentos sociais inicialmente demandados por grupos de mulheres, e posteriormente,
feministas, gays e lésbicas, que questionavam as desigualdades e as relações de poder entre os sexos. Problematizavam
a visão androcêntrica de mundo: impositora, autoritária e determinante nos processos de desigualdade, que geravam
rótulos às mulheres como frágeis, dóceis, e destinadas a atividades inerentes aos afazeres domésticos e a cuidar dos
filhos/as. Conforme Pedro (2005, p.86), “foi do interior da categoria mulheres que surgiu a categoria gênero, foi também
entre as historiadoras que estavam escrevendo sobre história das mulheres que a categoria de análise gênero passou a ser
utilizada”.
Não há aqui a pretensão de adentrar no debate histórico, mas sim, focar no termo gênero, destacando-o para dar
visibilidade como marco referencial dessa problemática, elucidando a inserção da perspectiva de gênero na educação
e no campo das políticas públicas. Atenta-se para o fato de que todos os movimentos sociais tem uma trajetória que
acompanha a luta por direitos civis, direitos humanos, igualdade e respeito, e, é neste viés que se justifica esta pesquisa,
ao relacionar as políticas públicas de ações afirmativas com o espaço escolar, propondo que estes, sejam espaços de
tolerância, solidários e equânimes à diversidade, seja ela de classe, raça, etnia, sexo/gênero, idade, religião, entre outros.
Considerando que os espaços escolares são lugares caracterizados de expressões sociais, culturais, simbólicas e
políticas e que devem promover a identidade e autonomia das crianças desde pequenas, pautadas nas relações entre seus
pares, torna-se mais que necessário diante do status quo, tratar acerca da complexidade sobre sexualidade e relações de
gênero na educação. Pensar sobre gênero para Carvalho, Casagrande & Luz (2009, p.14), é:
... enquanto construção social do feminino e do masculino, foi assumido como um elemento das relações
sociais, presente em todas as nossas instituições, inclusive nas escolas. É preciso desnaturalizar o
determinismo biológico presente nos padrões dicotômicos de gênero que aprisionam homens e mulheres
em comportamentos e atributos considerados, respectivamente, naturalmente masculinos e femininos.
O fato de falar sobre isso com crianças pode causar estranheza a alguns, pois essa forma de pensar, revelando
medos e preconceitos hegemônicos fazem do tema um tabu, presente na educação de meninos e meninas, perpetuando-se
na vida adulta de homens e mulheres. Nesse sentido, a perspectiva de gênero na educação é debatida a partir da ideia de
Foucault (2001, p. 86), que considera relativo seus usos e significados, destacando que “nascem de uma disputa política
e são os meios pelos quais as relações de poder – de dominação e de subordinação – são construídas”.
As relações de gênero e poder nos processos de socialização e convivência de crianças e adolescentes em idade
escolar são repletas de normas e controles das expressões corporais. Frequentemente tornam-se um fator limitante ao
desenvolvimento infanto-juvenil, tendo em vista que o movimento e a descoberta do corpo são imprescindíveis ao
aprendizado desses/as que frequentam creches, pré-escolas e escolas. Essas formas de controle disciplinar demarcam
fronteiras entre feminino e masculino, reforçando as características físicas e comportamentos esperados para cada sexo
durante as atividades de rotina nos espaços escolares. O fato é que, muitas vezes, os adultos com essa visão dicotômica
de gênero, naturalizada ao longo de sua formação enquanto sujeitos, acabam por transmitir expectativas sobre o “certo”
e “errado” nas ações das crianças, que estão a desvendar o mundo que as cerca.
Curioso fato observado em creches e pré-escolas, em que a tarefa hegemônica de cuidar de crianças compete
majoritariamente às mulheres, deixando de considerar os educadores e professores homens que escolheram a docência na
primeira infância como profissão. Diferenças como esta são constatadas já na formação desses/as profissionais, em que
mulheres tendem a estudar no campo das ciências humanas, matriculando-se nos cursos de Pedagogia e Letras, voltados
ao magistério, enquanto os homens são incentivados pela sociedade a buscar por graduações em ciências exatas, como
nos cursos de Engenharias, por exemplo. Assim, a norma vigente, prevê carreiras distintas de trabalho para homens e
mulheres, caracterizando, obviamente em salários melhores para os homens.
Diante dessa normatização determinada por uma sociedade sexista e iníqua, destacamos neste estudo o debate
em torno das políticas públicas da educação com enfoque de gênero, analisando mais detalhadamente a participação de
profissionais homens em espaços escolares da primeira infância em um CMEI - Centro Municipal de Educação Infantil
do município de São José dos Pinhais-PR. Espera-se contribuir com o debate intenso que vem sendo travado no cenário
brasileiro contemporâneo, almejando os ideais propostos pelo pesquisador Amartya Sen, em participação especial no
PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento em 2014, ao propor que o “desenvolvimento só é
possível em sociedades caracterizadas pela equidade de gênero e onde os seres humanos são respeitados”. Desta forma,
contempla-se a universalidade, em que “todos os indivíduos possam ter igual valor e igual direito a proteção e ao apoio”.
(PNUD, 2014, p. 29).
METODOLOGIA
O estudo utilizou em sua metodologia a pesquisa de natureza qualitativa. Minayo, (2001, p. 22), apresenta a ideia
de que este tipo de pesquisa “responde a questões muito particulares”, assim como a temática apresentada neste artigo e
os recortes de entrevistas realizados com os homens atuantes na educação infantil. Segundo a autora, o nível da realidade
estudada não pode ser quantificado e cita que este tipo de pesquisa “trabalha com o universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”. (MINAYO, 2001, p. 22). Por isso, a
necessidade de focar nas falas destes poucos homens para relatar suas angústias e dificuldades e não apenas destacar
quantos são entre tantas mulheres.
Para desenvolver a presente pesquisa, foram aplicados os seguintes instrumentos de coleta de dados: análise
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documental de dados secundários, de referencial teórico e entrevistas com os docentes que atuam na educação infantil
de São José dos Pinhais-PR. Como análise documental foi desenvolvida pesquisa junto às políticas públicas recentes
da área da educação que apresentam interface com a temática de gênero, tendo como recorte documentos federais e
estaduais, circunscritos ao Paraná. As entrevistas foram realizadas via e-mail e também pessoalmente, mediante as devidas
autorizações para a realização do contato com os interlocutores. Foram transcritas e os conteúdos das entrevistas foram
categorizados tematicamente, a partir das categorias emergentes e colacionados com a literatura. É importante ressaltar
que foram usados nomes fictícios para preservar o anonimato dos profissionais.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Revisitando algumas das políticas públicas com o objetivo de buscar as relações entre gênero e Educação, voltadas
principalmente aos espaços escolares como propagadores de ações afirmativas junto aos educandos/as, constata-se que
alguns avanços foram conquistados. Dentre estes programas, diretrizes e legislações destacam-se: o ECA – Estatuto
da Criança e do Adolescente (1980); a LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.934/96; os PCNs –
Parâmetros Curriculares Nacionais (1997); que preveem a instituição dos temas transversais no currículo (educação sexual
ou orientação sexual); o Fascículo sobre o tema transversal Orientação Sexual (1997), que consolidou a escolarização
da sexualidade; os RCNEIs – Referenciais Curriculares Nacionais para Educação Infantil (1998); o Programa Brasil sem
Homofobia (2004) e na sequência o Projeto Escola sem Homofobia (2004); o Caderno Temático de Sexualidade (2009) da
SEED/PR; as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (2009); e a criação da SECADI/MEC - Secretaria
de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão. Esta, desde 2008, vem fomentando o curso GDE Gênero e Diversidade na Escola - para todas as instituições públicas de ensino superior que queiram ofertar o curso para
formação de profissionais da educação básica para questões específicas de gênero e diversidade.
No cenário atual, destaca-se a SECADI, como peça fundamental dentro do MEC responsável pela organização,
divulgação e manutenção do GDE em todo o país. Para a SECADI, a educação não pode se separar, nos debates, de
questões como desenvolvimento socialmente justo e ecologicamente sustentável. Traz uma agenda que contempla questões
de gênero, identidade de gênero e orientação sexual; educação ambiental e sustentabilidade; escola e proteção às crianças
e adolescentes; saúde e prevenção; diversidade étnico-racial; políticas afirmativas para afrodescendentes e populações
indígenas; educação para as populações do campo; qualificação profissional e mundo do trabalho; democracia, direitos
humanos, justiça e paz mundial. Na mesma direção, a compreensão e o respeito pelo diferente e pela diversidade são
dimensões fundamentais ao processo educativo.
Quanto ao PNE - Plano Nacional de Educação, sancionado em 2014 pela Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014,
e que prevê metas da educação básica até a pós-graduação para serem atingidas nos próximos dez anos, estipula que
os estados e municípios elaborem os próprios planos locais. O PNE, fruto da 11ª CONAE - Conferência Nacional de
Educação, do Ministério da Educação, previa inicialmente debater nas escolas as questões de gênero, porém, acabou
sendo sancionado sem a inclusão dessa temática. Doze estados, traziam em seus textos originais trinta e cinco referências
às questões de gênero, com palavras e termos que foram rejeitados pelo Congresso, entre os quais destacam-se: Gênero,
Identidade de Gênero, Ideologia de Gênero, Diversidade Sexual, Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais,
Homofobia e Orientação Sexual. Quais seriam as razões que levaram o Congresso a não permitir a visibilidade destas
questões junto às nossas crianças? Estaria novamente a sociedade, legitimando as relações de assimetria sobre as minorias,
que na visão hegemônica de poder não devem ter voz para não fomentar o debate, a criticidade e a liberdade de escolha
nos espaços escolares?
Enquanto no Brasil tais políticas nem sempre avançam, em outros países novas estratégias vêm sendo
implementadas. No que tange às relações entre gênero e desenvolvimento sustentável, os pesquisadores portugueses
Gaspar & Queirós (2009), organizaram um relatório denominado Género, Território e Ambiente: estudo de diagnóstico
e criação de indicadores de gênero, encomendado pela CIG – Comissão para a Igualdade de Gênero da Universidade de
Lisboa, para tratar da temática. O relatório adotou as noções inscritas, enfatizando o papel da participação das mulheres na
Agricultura visando a igualdade no trabalho e no emprego relacionando às políticas públicas de agricultura e transportes
(mobilidade). A figura 1 apresenta as noções adotadas pela FAO - Food and Agriculture Organization, (mandato para o
mainstreaming de género estabelecido pelo Conselho Económico e Social das Nações Unidas - ECOSOC, United Nations
Economic and Social Council.
Figura 1 – Noções de gênero de acordo com a FAO
Fonte: GASPAR, Jorge & QUEIRÓS, Margarida (2009).
O estudo aponta que as atenções sobre a igualdade de gênero sejam uma parte central nas intervenções em todos os
domínios setoriais, incluindo estudos, aconselhamento político, legislação, investigação, planejamento, implementação,
monitorização e principalmente, avaliação dos programas, planos e projetos. Visão esta que deve ser incorporada às
nossas políticas de governança com enfoque na efetivação destas junto daqueles/as que protagonizam diariamente as
consequências da inoperância das suas garantias de direito.
Pelo levantamento e análise das políticas públicas já destacadas, verifica-se que profissionais da educação têm
respaldo, ancorado nas legislações, deliberações, parâmetros curriculares, projetos, programas e conferências, mas que
não bastam ratificações no papel sem participação social, para que estas políticas tenham êxito. De acordo com Luz (2009,
p. 196):
Essa participação evolve os processos de elaboração, possibilitando que as reais necessidades da população
sejam contempladas, a fiscalização sobre a implementação, que tem por atribuição verificar se seus
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objetivos estão sendo atingidos e se os recursos públicos estão sendo utilizados de forma adequada. [...] A
avaliação contribui ainda para evitar que nossas políticas possam cometer os mesmos equívocos detectados
em políticas já implementadas, melhorando a sua eficácia e melhor contribuindo para a justiça social.
A nível local, iniciativas como a das Universidades Federal do Paraná - UFPR Setor Litoral em 2007 e da
Universidades Tecnológica Federal do Paraná UTFPR em 2008 são importantes para contribuir para a formação da
comunidade escolar da Rede Municipal de educação de Curitiba e região metropolitana e de Matinhos no litoral do Paraná,
em relação a temática “gênero, sexualidade e diversidade sexual na escola”. (CARVALHO, CASAGRANDE & LUZ, 2009,
p. 11). Por intermédio dos grupos de estudo relacionados à diversidade de gênero, multiplicaram o conhecimento junto de
professores/as e funcionários/as das escolas de educação básica das localidades mencionadas, através de pesquisadores/
as engajados/as com estudos e pesquisas relacionadas à temática. Considerando a urgência do debate, Sierra & Signorelli,
(2014, p. 9-10), propõem “através de fundamentos teóricos e políticos o combate às formas de opressão e violência de
gênero/sexuais que massacram multidões de corpos que não se ajustam ao processo normalizador que se impõem em
nossa contemporaneidade”.
Assim como as iniciativas destacadas acima, outros municípios brasileiros carecem de ações educativas com foco
na mobilização dos diferentes atores envolvidos no desenvolvimento humano de crianças e adolescentes. Se nada for feito,
no futuro farão parte desse contexto predominantemente excludente e determinista das relações entre homens e mulheres.
Por outro lado, podem fazer a diferença se forem devidamente (in)formados/as sobre como se dão esses processos nos
espaços escolares. O estudo realizado em Portugal serve de exemplo de como se dá essa relação das políticas públicas nos
diferentes contextos sociais e demandas da população, conscientizando que gênero deve ser discutido e incorporado em
todas as políticas públicas, sejam elas de educação, social, de agricultura, de saúde, entre outras. Desta forma, teremos um
desenvolvimento sustentável atrelado às instâncias da sociedade civil e às ações de governança, gerando solidariedade,
respeito e equidade entre as pessoas e suas relações de convivência, sejam em espaços públicos ou privados.
Ainda debatendo sobre iniciativas locais, trazemos neste trabalho o caso específico da educação infantil, ilustrando
a questão da participação dos homens. Contextualiza-se mencionando que esta modalidade de ensino em São José dos
Pinhais-PR, conta atualmente com quarenta e dois CMEIs, atendendo aproximadamente 7.8803 crianças das áreas urbana
e rural. Os/as docentes destas unidades são contratados via concurso público, determinado pela administração pública,
oferecendo vagas para educadores/as sociais, professores/as e pedagogos/as, para atuação em creche (atendimento de
crianças de 0 a 3 anos de idade) e pré-escola (atendimento de crianças de 4 a 5 anos de idade). Verifica-se que dentre este
número total de CMEIs constam no quadro de profissionais da SEMED 1.205 profissionais, sendo apenas sete homens,
dentre eles um professor, um pedagogo e cinco educadores sociais.
Dos sete profissionais envolvidos, cinco deles se dispuseram a participar desta pesquisa, sendo possível realizar
entrevista com dois educadores sociais e aplicar questionário com as mesmas perguntas direcionadas nas entrevistas aos
demais docentes, sendo eles: um pedagogo, um professor e um educador social.
Para o pedagogo João, que possui mais experiência, estando há 20 anos na educação, relata que foi bem acolhido no
CMEI e que não notou nenhum tipo de preconceito ou indiferença em relação ao seu trabalho. Quanto as suas expectativas
e angústias em trabalhar na educação infantil, João relata que:
“É um trabalho instigante e como estou no início de carreira nesta modalidade (1 ano e 6 meses), sinto que
3
Dados referentes ao mês de Junho de 2015, obtidos por meio da SEMED – Secretaria Municipal de Educação de
São José dos Pinhais–PR.
ainda falta muito a aprender. Assim procuro participar dos cursos de formação e posteriormente fazer
uma especialização na área”.
Os outros três docentes ouvidos, exercem a função de educadores sociais, há aproximadamente 1 ano meio, sendo
que um deles possui formação em Magistério Superior. Nestes relatos pode-se notar que a chegada de um homem num
espaço que antes era predominantemente ocupado por mulheres causou estranheza por parte das famílias, conforme se
destaca no relato abaixo:
“Os pais geralmente no início estranham ter um homem como educador, alguns relatam assim: ´Pensei
que você era apenas um estagiário!’ ‘Não sabia que você era o professor também’. Teve uma mãe que
questionou qual era a minha função via agenda e eu a respondi dizendo que a minha função não era
diferente das demais educadoras, realizo os mesmos serviços que elas. Porém há muitos pais que acharam
diferente e gostaram da ideia me elogiaram e gostaram do meu trabalho, acredito que com esse apoio fica
mais fácil exercer a profissão. Percebi incerteza e insegurança de alguns pais quando chegavam na sala
com as crianças, nunca falaram nada em particular mas ficavam de cara “amarrada” como quem não
aprovou a ideia. Maurício, Educador Social.
Já o educador social Pablo, apresenta sua percepção de acolhida no CMEI através da fala das crianças.
“As crianças não eram acostumadas com a figura do homem em sala de aula, no começo me chamavam
de tio, tia, pai, professor e até de mãe. Estavam acostumadas a serem cuidadas só por mulheres e acho
que por isso se confundiam. Demonstram carinho por mim e agora já estão acostumadas. Na turma
que estou não tem crianças de fralda, elas já vão ao banheiro sozinhas, mas se for preciso, em casos
de emergência, eu ajudo a limpá-las. No começo era a educadora que trabalha em turma comigo que
trocava as crianças, depois eu também comecei a trocar”.
Na fala desse profissional, é importante destacar sua própria visão enquanto homem cuidando de criança na
primeira infância. Sua preocupação era do cuidado, mas devido às imposições heteronormativas da dinâmica escolar,
ficava preocupado em ter que trocar a fralda de uma criança, como se esta função também não fosse incumbida aos
homens que cuidam de crianças nessa fase do desenvolvimento.
Para o educador social Marcos, que exerce no CMEI uma função voltada para o ensino das artes e da música
dentro de seu cargo, observa-se em seu depoimento em sua relação com as famílias foi preocupante no começo.
“No início isso me preocupava muito, cheguei a receber alguns olhares estranhos, mas com o
desenvolvimento do trabalho e principalmente o acolhimento das crianças, as famílias acabaram
entendendo que isso pode sim ser normal”.
Neste trecho, chamo a atenção do leitor para o termo normal proferido pelo profissional, como se essa ideia de
errado, anormal, diferente já estivesse enraizada nos conceitos determinados pelas famílias que o receberam neste espaço
escolar.
De acordo com o professor Vitor, que já atou como professor e pedagogo em outras escolas e possui uma
experiência de 7 anos, quando perguntado sobre sua relação com as famílias, responde que não há uma aproximação,
mas através de outra vertente, e sugere ouvir também as demais colegas professoras para confirmar sua fala.
“Grande parte das famílias são distantes e não se interessam sobre a aprendizagem de seus filhos. Há
familiares que sequer conheci, pois não vão levar nem buscar as crianças, não comparecem em reuniões
nem festas. Com as famílias que eu tenho o mínimo de interação, não chega a 15% de interesse das famílias
em conversar e saber como está a vida escolar de seus filhos e filhas. Mas tenho uma relação cordial e
muito profissional. As vezes há mães que pedem orientações minhas de como lidar com a disciplina de suas
crianças, e raramente perguntam algo com cunho pedagógico, como processo de alfabetização por exemplo.
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Agora, se essa distância tem a ver com o fato de eu seu professor homem, não saberia te dizer, aparentemente,
acontece com as outras professoras, mas, seria bom entrevistá-las para ver se há uma diferença real
mesmo”. Professor Vitor.
Ainda na voz deste professor, ele relata que “há sempre um estranhamento inicial por parte dos familiares quando
descobrem que seus filhos e filhas ficarão sob cuidados de um professor homem”, mas que se identifica com a Educação
Infantil e que acredita ser a etapa mais importante de toda educação humana. Para ele:
“É necessário que hajam melhores professores atuando nessa área que hoje ainda é muito estigmatizada
com o senso comum que carrega o ranço da assistência social e que é necessário ter um lado maternal em
detrimento do profissionalismo dos professores”.
Através das entrevistas, foi possível verificar que os cinco interlocutores que atuam na educação infantil do
município de São José dos Pinhais-PR, exercem suas funções buscando igualdade de gênero enquanto docentes, junto
aos seus espaços de atuação. Analisando as políticas públicas, não há nenhuma lei que dê preferência às mulheres para
atuação com crianças na primeira infância, no entanto, são poucas as prefeituras municipais que contratam homens para
o exercício destas funções. Talvez, o maior desafio esteja na percepção das famílias, para que elas reconheçam que os
homens devem e podem cuidar e educar das crianças nas escolas, e que assim como as mulheres são capazes realizar com
êxito e atenção todas as atividades que antes eram predominantemente de perfil feminino.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as políticas públicas devem considerar as relações de gênero e as demandas tanto de homens quanto de
mulheres, pautando-se na transversalidade da temática e na importância dessa discussão junto à sociedade. Há que se
provocar a mudança dos estereótipos de gênero que geram comportamentos discriminatórios, injustos, intolerantes e
violentos. Não basta inserir textos com discursos igualitários nas políticas educacionais, nos projetos político-pedagógicos,
currículos escolares e planos de aula. É urgente que além de propor, se acompanhe e fiscalize tais políticas para que a
sociedade não mantenha velada uma questão que se trabalhada com as crianças e adolescentes também nos espaços
escolares, trará novos rumos numa perspectiva de justiça social, tolerância e respeito a si mesmos/as e ao outro/a. O
desafio é atuar enquanto sujeitos de direitos, de desenvolvimento sustentável dentro desse espaço arraigado de relações
sociais, culturais, simbólicas e políticas que é a escola.
Este estudo conclui que existem políticas públicas recentes, ancoradas nas legislações, deliberações, parâmetros
curriculares, projetos, programas e conferências, tanto em nível federal quanto estadual, no caso do Paraná. Todos esses
recursos didáticos apresentam significativo conteúdo, respaldando os profissionais da educação para o exercício da
igualdade de gênero nos espaços escolares. No entanto, não bastam ratificações no papel, é preciso maior participação
social, como por exemplo, das famílias, evidenciado na fala dos profissionais homens que escolheram a educação infantil
para o exercício de suas profissões.
As entrevistas apontam a não aceitação das famílias em relação à figura do homem cuidando das crianças que
frequentam os CMEIs, ao menos num primeiro momento. Verifica-se que a fala destes homens revelam o debate histórico
que vem sendo travado pelas mulheres, em busca da igualdade de gênero. O sentimento demonstrado nas auscultas,
de indiferença, receio e desconfiança, reforça o comportamento heteronormativo e sexista, que em muitas situações do
cotidiano diferenciam as mulheres dos homens em depreciação do sexo feminino, principalmente referente às questões de
trabalho. E essa situação vem de encontro com a discussão da temática, para iluminar a reflexão no sentido de mudança
desse padrão de comportamento. No entanto, considera-se um notável avanço da administração pública do município de
São José dos Pinhais-PR, não diferenciar homens de mulheres e vice-versa no momento da nomeação ao cargo público,
demonstrando assim, que pequenas vitórias vêm sendo conquistadas, ainda que lentamente no que tange à equidade de
gênero.
Este estudo sinaliza que para promover as políticas de igualdade/equidade de gênero nas escolas ainda se faz
necessário ouvir cada vez mais os atores sociais que estão na ponta e que muitas vezes se mantêm invisíveis perante a
sociedade. No caso dos espaços escolares, diante de dificuldades relacionadas a essas questões, é preciso voltar o olhar
para enfrentamento do problema social, sem mantê-lo velado. Enquanto a escola fizer de conta que tudo vai bem, por
medo do que as famílias ou a comunidade escolar irão julgar, continuaremos tendo violência e descriminação, ou seja, na
contramão do papel social dessa instituição que é de promover igualdade e incentivar a cultura de paz.
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PNUD. Relatório do Desenvolvimento Humano. Sustentar o Progresso Humano: reduzir as vulnerabilidades e reforçar a
resiliência. Portugal, 2014.
SIERRA & SIGNORELLI (Orgs.). Diversidade e educação: intersecções entre corpo, gênero e sexualidade, raça e etnia.
Matinhos: UFPR Litoral, 2014.
A LIBERDADE FEMININA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO: UM OLHAR A PARTIR DE AMARTYA
SEN
INTRODUÇÃO
(...) nada atualmente é tão importante na economia política do desenvolvimento quanto um reconhecimento adequado da participação e da liderança política, econômica e social das mulheres. Esse é, de fato, um
aspecto crucial do desenvolvimento como liberdade (SEN,2 p.263).
Nadia Terezinha Covolan1
RESUMO
Neste ensaio, toma-se por base a obra Desenvolvimento como Liberdade de Amartya Sen, onde a expansão das liberdades individuais é enfocada como meio e finalidade do desenvolvimento. Este, extrapolando a mensuração por renda,
relaciona-se às liberdades substantivas capazes de promover a dignidade e a qualidade de vida conforme os valores considerados pelas pessoas envolvidas. Nesse sentido, a falta de liberdade das mulheres constitui além de uma iniqüidade,
um verdadeiro impedimento para que as sociedades desenvolvam-se de acordo com suas capacidades. Devido a suas
vontades estarem geralmente desconsideradas ou agenciadas, e suas vozes serem subsumidas nos discursos, programas
e políticas elaborados para elas e raramente por elas, justifica-se a pertinência a discussão sobre a liberdade feminina e
desenvolvimento humano na atualidade brasileira. Em que pesem as lutas dos movimentos feministas e dos resultados
dos estudos de gênero, tem havido no país uma inflexão das políticas públicas emancipatórias em geral. A escalada do
conservadorismo religioso dentro das gestões decisórias do poder político em nível nacional tem propagado um discurso
de ódio para com a diferença e nesse bojo, ações e intervenções tem contrariado direitos elementares das mulheres enquanto cidadãs, e distorcido a questão de gênero na educação.
Palavras chaves: Liberdade, Desenvolvimento, Mulheres.
ABSTRACT
In this essay, we take based on the work Development as Freedom by Amartya Sen, where the expansion of individual liberties is focused as a means and purpose of development. This, extrapolating measurement by income, relates to
the substantive freedoms capable of promoting the dignity and quality of life as the values ​​considered by the people
involved. In this sense, the lack of freedom of women is beyond a iniquity, a real impediment for societies develop in
accordance with its capabilities. Because of their will usually be disregarded or brokered and their voices be subsumed
in speeches, elaborate programs and policies for them and rarely by them justified the relevance of the discussion on
women’s freedom and human development in Brazil today. In spite of the struggles of women’s movements and the results of gender studies there has been a shift in the country of emancipating public policy in general. The rise of religious
conservatism within the decision-making efforts of political power at the national level It has propagated hate speech
toward the difference and that bulge actions and interventions has contradicted basic rights of women and distorted the
gender issue in education.
Key Words: Freedom, Development, Women UFPR litoral. [email protected]
1
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As pessoas e as sociedades, em que pesem as diferenças culturais, compartilham alguns valores relacionados às
ações humanas. A liberdade está no centro das discussões, especialmente a partir da implantação dos estados laicos e
democráticos. Nesse bojo diversas teorias têm sido elaboradas sobre o que seria e ou constituiria tal categoria - liberdade
- para quem e por que seria importante, assim como seus limites e possibilidades. Dessa forma, diferentes concepções de
liberdade individual e coletiva vêm influenciando as mentalidades e as práticas societárias, no tempo e no espaço.
Categorias fortes como liberdade, autonomia, livre arbítrio, não raramente são aceitas sem uma análise mais aprofundada sobre o arcabouço ideológico nas quais estão assentadas, e são tecidas. Assim, discutir sobre - liberdade, autonomia, agência - tornou-se uma necessidade na contemporaneidade, uma vez que suas diferentes concepções impactam
diretamente na convivência e sobrevivência da humanidade, plural e diversa.
A construção social de gênero, que demarca tradicionalmente diferenças radicais para homens e mulheres, constitui a matriz de outras desigualdades e é produtora direta de injustiça e iniqüidade. Nesse sentido, a (não) liberdade feminina constitui uma lacuna na reflexão ética, econômica, social, dentre outras, no tempo e no espaço.
O indiano Amartya Sen, prêmio Nobel de economia em 1998, afirma que o desenvolvimento engloba um compromisso com a expansão das liberdades substantivas e com o enfrentamento da opressão e da miséria. O autor enfoca a
dimensão Ética no debate econômico, ao incorporar a esse a metade feminina da humanidade, invisível, desconsiderada,
a mais pobre, sem voz e com sua agência comprometida.
Para a Economia clássica o desenvolvimento requer a diminuição significativa de bem estar público, direitos e
liberdades. Amartya Sen, na esteira de Aristóteles (V a.C), argumenta que a utilidade da riqueza esta nas coisas que ela nos
permite fazer e não nela mesma; está nas possibilidades que traz para as pessoas poderem viver a vida conforme os seus
próprios valores. As liberdades mais prementes se referem à sobrevivência, ao acesso à água, aos serviços de saúde, ao
saneamento, a educação, ao emprego digno e remunerado, a segurança econômica e social, ao acesso a direitos políticos e
a participação efetiva na vida social. Nesse contexto, a vida de bilhões de mulheres em todo o mundo é afetada pela falta
de liberdades elementares e pelo impedimento de viverem de acordo com suas capacidades, e valores.
Autores como Aristóteles pensaram componentes da idéia contemporânea de liberdade política. Nesse sentido,
Sen discute dois pontos: 1 – o valor da liberdade pessoal - que deve ser garantida em uma boa sociedade; 2 – a igualdade
de liberdade - onde todos importam, e a liberdade que é garantida para cada um deve ser garantida para todos. Aristóteles
escreveu profusamente sobre a primeira proposição, excluindo os escravos e as mulheres, consideradas por ele seres incompletos e imperfeitos. A defesa da segunda proposição tem origem muito recente e ainda causa polêmica. Mesmo em
sociedades mais democráticas em relação às mulheres, a liberdade feminina é insuficientemente discutida ou considerada
nos discursos das disciplinas que compõem as ciências, as religiões e a ética filosófica.
Liberdade remete a autonomia, que compõe as recentes discussões sobre direitos, deveres e desenvolvimento. A
categoria autonomia de origem grega é composta pelos termos autos - o mesmo, ele mesmo, por si mesmo - e nomos compartilhamento, lei do compartilhar, instituição, uso, convenção. Na Grécia do século V a C, autonomia se referia a
polis não submetida ao poder de outras cidades. Na modernidade, adquire o sentido de emancipação pessoal e capacidade
de pensar por si mesmo.
A partir de 1960, o principio de respeito à autonomia das pessoas tornou-se objeto de profunda reflexão da filosofia moral, particularmente da ética aplicada aos conflitos de interesses e valores vigentes nas sociedades secularizadas
das democracias pluralistas. A autonomia juntamente com a justiça formam os alicerces do projeto moderno que Norbert
Bobbio (2002) chamou de cultura dos direitos, que constroem a cidadania entre duas existências legitimas e conflituosas, que são: a) o particularismo das liberdades, preferências e interesses pessoais, pertencentes ao campo dos direitos
de cada individuo – ou de primeira geração; b) o universalismo das necessidades e interesses comunitários e coletivos,
pertencentes ao campo dos direitos de todos os indivíduos - ou de segunda geração -, elaborados a partir do século XIX.
O desafio de equacionar autonomia e justiça esta posto hoje, com vistas a um projeto societário pluralista que garanta liberdades individuais e coletivas também para as mulheres. Autonomia e a Liberdade são os princípios discutidos
no contexto das desigualdades que se estabelecem nas relações de gênero, ou seja, de poder entre homens e mulheres nas
sociedades.
Dessa forma, neste ensaio discute-se a liberdade feminina enquanto direito elementar e de cidadania, e também
como fulcro do desenvolvimento humano, e nesse bojo, os processos que permitem ou impedem as ações, decisões e
oportunidades das mulheres, nas suas circunstâncias particulares. Justifica-se essa abordagem nesse momento especial
da vida brasileira, onde forças religiosas fundamentalistas elaboram discursos de ódio que tem se desdobrado em ações
restritivas às liberdades pessoais e coletivas.
LIBERDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO
Para Amartya Sen (2010), a liberdade é o cerne do desenvolvimento, pois fundamenta e envolve tanto os processos que permitem as ações e decisões quanto às oportunidades que as pessoas têm nas suas circunstâncias pessoais
e sociais. Assim, a falta de liberdade generalizada das mulheres constitui uma iniquidade que afeta suas vidas e a das
sociedades na qual estão inseridas. Nesse sentido, é imprescindível a agencia participativa das mulheres, que possuem
valores próprios que querem, sejam respeitados. O termo agente, diz respeito a alguém que age e produz mudanças conforme seus próprios valores e objetivos.
Para o autor, Desenvolvimento Humano (DH) implica em: a) expansão das possibilidades de ser e de fazer das
pessoas, para terem funcionamentos e capacidades, tais como saúde, alimentos, conhecimentos e poder participar da vida
da comunidade; e b) remoção dos obstáculos que impedem a pessoa de fazer aquilo que pode fazer na vida, tais como o
analfabetismo, a falta de saúde, a impossibilidade de acesso a recursos, a ausência de liberdades civis e políticas (SEN,
2010).
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Nesse sentido, políticas para o DH implicam em considerar dois aspectos fundamentais: o avaliativo e o da agência. O aspecto avaliativo objetiva avançar em prol do maior bem-estar das pessoas. O aspecto agência preocupa-se com o
que as pessoas podem fazer para alcançar esse bem-estar, ou seja, como podem ser as próprias agentes em suas realidades.
Baseado em diversas pesquisas, o autor demonstra que a educação e o trabalho formal, e remunerado, das mulheres, interferem diretamente na diminuição do número de filhos e da mortalidade materna e infantil, na diminuição dos
conflitos armados e da violência em geral, e importa diretamente na conservação dos recursos naturais, dentre outros
aspectos vitais.
A instrução reforça a agência feminina e torna a mulher mais bem informada e qualificada para agir. A liberdade
para procurar e ter emprego remunerado fora de casa reduz a privação das mulheres, interfere nas liberdades para não
sofrer fome, doenças e morte prematura.
O trabalho doméstico realizado gratuitamente pelas mulheres, em que pese ser o contributo fundamental para a
prosperidade geral, não é remunerado nem dividido igualmente entre os sexos. Assim, Amartya Sen (2010) considera que
para as mulheres, o emprego remunerado fora de casa é mais visível e importante, pois constitui um fator educativo que
as expõe ao mundo, aumentando a eficácia de sua agência. O autor afirma, ainda, que a imagem da mulher como heroína
relegada ao sacrifício pelo lar e pela família não a beneficia e nem às sociedades. A superação dessa teoria de sacrifício,
no entanto, pode dar lugar à do êxito pessoal, se houver apoio de redes sociais e democracia autêntica. Porém, para que
haja emancipação feminina efetiva, os papéis sociais demarcados para homens e mulheres devem ser desnaturalizados e
as “tradições” problematizadas.
Os resultados das pesquisas realizadas na Índia, China e outros países do oriente, possuem semelhanças com
outras realizadas em países ocidentais, inclusive na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) brasileira.
Essas pesquisas revelam que as mulheres estão geralmente em piores condições em comparação com os homens e que
as meninas sofrem muito mais privações que os meninos. As diferenças aparecem de muitos modos, algumas visíveis,
outras, invisíveis, tanto em países ricos como em pobres. Mesmo quando os homens e as mulheres têm tratamento mais
igualitário, em termos de alimentação e cuidados de saúde, permanecem importantes diferenças de gênero em esferas
menos óbvias e elementares.
Além disso, as desigualdades entre homens e mulheres nos países em desenvolvimento é, geralmente, questão de
vida e morte para as mulheres. A diferença é que a independência financeira das mulheres salva vidas, começando pelas
próprias, e das crianças especialmente meninas, e melhora toda a sociedade, fato que não ocorre da mesma forma quando
os homens são educados e obtém rendimentos.
Assim, a agência feminina influencia diretamente não só seu próprio bem-estar, mas é o cerne do desenvolvimento
humano enquanto tal. Qualquer tentativa para aumentar o bem-estar feminino, seja em forma de políticas ou ações, não
pode deixar de recorrer à opinião e à autonomia das próprias mulheres, pois estas sabem o que querem e são as responsáveis pelas mudanças mais radicais (SEN, 2010).
A AGÊNCIA DAS MULHERES NO DESENVOLVIMENTO
O capitulo oitavo da obra citada é dedicado à discussão sobre a agência feminina. O autor lembra a histórica luta
de Mary Wollstonecraft que em 1794 ousou levantar a voz e escrever que as mulheres, além de direito a um maior bem
estar, eram pessoas capazes de agir em seu próprio nome e da sociedade. Desde séculos até o presente, essa assertiva não
é óbvia.
O autor aproxima-se dos estudos feministas e de gênero, especialmente quando aponta para a gravidade da violência naturalizada e perpetrada contra as meninas e mulheres em todo mundo, e trata das conseqüências ocasionadas
pela sua tradicional submissão. Assim, seus aportes importam para a tomada de consciência sobre: a) a necessidade de
ações e políticas de direitos de gênero e/ou afirmativas para as mulheres; b) a imprescindibilidade do efetivo exercício
da agencia feminina, começando pelas decisões sobre seu corpo, sua integridade física e mental, instrução, trabalho e
participação nas decisões políticas.
O êxito pessoal feminino, a princípio, só se torna possível com a existência de uma rede de apoio social e uma
democracia autêntica. Desenvolvimento Humano implica na emancipação feminina, na desnaturalização dos papéis sociais, e em profunda reflexão sobre qual tradição as mulheres querem que sejam preservadas.
Para o autor, no caso de conflito entre a tradição e a modernidade, é necessário uma resolução participativa e não
uma aceitação unilateral em favor da tradição imposta por dirigentes políticos, autoridades religiosas ou admiradores de
uma antropologia do passado. Nesse sentido, tolher a liberdade com o pretexto de defender valores tradicionais tais como
os veiculados pelos fundamentalismos religiosos não são legítimos e passam longe da necessidade das pessoas afetadas,
dos seus valores e de como desejam viver suas vidas, com todo o direito disso. No caso, passam longe das capacidade,
direitos e valores das mulheres nas sociedades (SEN, 2010).
No Brasil de hoje, em que pese a democracia estar consolidada, e variadas ações e políticas afirmativas para as
mulheres estarem implantadas e/ou em curso, o recrudescimento de um conservadorismo religioso peculiar - e nunca visto nessas proporções - coloca em perigo os parcos avanços duramente conquistados. Esse problema ainda não está sendo
devidamente estudado, considerado, detido e/ou problematizado. A memória recente da história de partidos fanáticos, e
os acontecimentos atuais no planeta nos demonstram que o conservadorismo fundamentalista religioso pode implantar
uma ordem de consequências desastrosas e... bélicas.
Oportunidades sociais adequadas permitem a autonomia e esta, molda destinos pessoais e exprimem efetivamente a solidariedade. O desenvolvimento pessoal e das comunidades dependem do exercício da liberdade das mulheres e
remete para a sua capacidade de cultivar a paz. O autor observa que os países onde as mulheres tem mais liberdade, são
menores os conflitos, inclusive, os armados:
Ter mais liberdade para fazer as coisas que são justamente valorizadas é importante por si mesmo para a
liberdade global da pessoa e importante porque favorece a oportunidade de a pessoa ter resultados valiosos (... ) ter mais liberdade melhora o potencial das pessoas para cuidar de si mesmas e para influenciar o
mundo, questões centrais para o processo de desenvolvimento (SEN, 2010, p. 33).
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Assim, na elaboração das políticas, trata-se de saber que diferentes valores estão presentes na vida das pessoas
e que elas esperam que sejam considerados. As gestões na função pública, no papel de implementar as prioridades que
emergem dos valores sociais, tem como garantir a discussão ampla das diferenças para avançar no respeito aos direitos
humanos, tem como fazer frente a lobbys discursivos que remetem ao medievo e fomentam o retrocesso de direitos, na
contramão das recomendações mundiais emanadas de decisões conjuntas em encontros de países democráticos e laicos.
Pode-se melhorar o alcance e a qualidade das discussões mediante ampla liberdade de imprensa e independência
dos meios de comunicação (ausência de censura), e educação sobre a questão de gênero nas suas múltiplas expressões na
educação básica - lembrando que os estudos de gênero são os que abordam as relações de poder desiguais entre homens
e mulheres nas diferentes sociedades, e apontam como esses podem ser transformados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No Brasil, em que pese o reconhecimento que o empoderamento mínimo das mulheres - via educação e emprego
formal com renda - impacta na sociedade, o avanço dos direitos femininos se encontra limitado, acuado e correndo riscos
de sérios retrocessos. As ações e políticas reeditam velhas intenções de utilidade, ou seja, as mulheres são acionadas para
a solução de problemas emergenciais tais como, por exemplo, o controle demográfico e da economia, quando isso é do
interesse das gestões no poder. No geral, o enfoque de gênero - das relações de poder desigual entre homens e mulheres
em todas as dimensões da vida - é desconsiderado nas políticas públicas e/ou se encontra subsumido em interesses políticos particulares, tem que pese a luta dos movimentos feministas e sociais e os argumentos resultantes dos estudos de
gênero.
Assim, o desenvolvimento depende, a princípio, de ações afirmativas para mulheres e políticas públicas de gênero. Para que as mulheres em diferentes contextos possam exercer efetivamente sua liberdade/autonomia/agencia, é
necessário discutir agenciamentos de vontades, produzidos diuturnamente nas diferentes instancias sociais. Impõe-se o
desafio de enfrentar interesses escusos de grupos fundamentalistas, não apenas com pesquisas, teorias, debates acadêmicos, coleta de informações de campo, reflexão interdisciplinar, mas especialmente, com a ação organizada da sociedade
civil e laica. O discurso de ódio ao diferente atinge primeiro o feminino, e constitui a face invisível da violência que
impede o desenvolvimento humano enquanto tal. O DH requer uma cultura de paz e para tanto, é fundamental considerar
em profundidade a liberdade substantiva das mulheres, a começar por sua autonomia e integridade física. As diferenças
no exercício das liberdades, de homens e mulheres, importam social e politicamente e podem ser modificadas uma vez
que são historicamente construídas.
Amartya Sen evoca nesse sentido, a busca da justiça como equidade, capaz de contemplar as mulheres e nessa
esteira, os e as diferentes de qualquer norma hegemônica. A concepção de uma humanidade homogênea, sem diferenças, constrói alicerces em areia movediça; sob essa base, a liberdade/autonomia/agencia, são apenas abstrações sem
consistência.
DA EPIDEMIA DE CESARIANAS AO RESGATE DO PARTO NATURAL
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. A natureza do preconceito. Elogio da serenidade e outros escritos morais. São Paulo: UNESP,
2002.
Aline de Oliveira Gonçalves1
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.
RESUMO
Diante da epidemia de cesarianas, o parto natural se tornou tema de militância no Brasil, primeiramente entre alguns
profissionais da saúde e posteriormente por grupos de mulheres, que visam resgatar e compartilhar os conhecimentos e
experiências relacionados ao parto. Em 2010, o Ministério da Saúde constatou que 52% dos nascimentos aconteceram
por cesarianas. Na rede privada, esse índice chegou a 82% e na rede pública de 37%, sendo que a recomendação
da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a taxa esteja em torno de 15%. Panorama que reflete, entre outros
fatores, o excesso de medicalização e a perda do poder de decisão da mulher em relação ao seu corpo. Neste artigo é
apresentado um panorama histórico sobre o parto no Brasil e da ação de grupos de mulheres organizadas em torno do
tema, situando indicadores da região litorânea do estado do Paraná neste contexto.
Palavras-chave: Cesarianas, Parto humanizado, Mobilização
ABSTRACT
The natural birth became a cause in Brazil, at first between health professionals and later by women’s groups. In 2010,
the Ministério da Saúde (Brazil Government) indicates that 52% of births happened by caesarean section. In the private
assistance, this rate reached 82% and the public 37%, while the recommendation of the World Health Organization
(WHO) is that the rate would be around 15%. This scenery evidence factors like over-medicalization and the decrease
of the decision power of woman about their bodies. This paper presents is a historical overview of childbirth and about
action of women’s groups organized around the theme, placing the coastal region of Paraná state in this context.
Keywords: Cesarean sections, Humanized birth, Mobilization
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[email protected] Universidade Federal do Paraná
INTRODUÇÃO
Desde o ano de 2010, o Brasil é considerado o país recordista mundial em número de cesarianas. E apesar
de não haver estatística mais recente oficial, indicadores parciais apontam que, ao menos nos partos realizados pela
assistência privada, o número de cesarianas continua a crescer. Esses indicadores são um alerta, uma vez que a cirurgia
expõe mulheres e crianças a mais riscos do que o parto normal (vaginal), além de gerar mais custos para o sistema de
saúde. Neste artigo, visa-se traçar uma breve perspectiva histórica sobre o parto no Brasil2 e sobre a atuação de grupos
mobilizados em defesa da humanização do parto. Pretende-se também situar a região litorânea do estado do Paraná neste
contexto, uma vez que possui uma estrutura limitada em qualidade e extensão para a assistência obstétrica. Para isso,
foram levantados alguns indicadores relacionados a via e local de parto, para um estudo comparativo com os indicativos
nacionais.
A cirurgia cesariana é considerada de baixo risco e necessária para salvar vidas quando há indicação correta, mas
quando eletiva (por livre escolha da paciente ou do médico) pode acarretar diversos problemas, assim como aumenta
o risco de mortalidade tanto materna quanto infantil. Entre os problemas decorrentes do excesso de cesarianas para as
crianças estão: prematuridade (nascimentos com menos de 37 semanas), desenvolvimento de problemas respiratórios,
baixo peso ao nascer, maior probabilidade de recorrer à UTI neonatal. Para as parturientes alguns dos possíveis problemas
são: maior risco de necessidade de internação em UTI; de transfusão sanguínea; de uso de antibióticos; de dificuldades
na amamentação; e recuperação pós-parto mais lenta.
Diante desse cenário, grupos de mulheres em diferentes regiões do país começaram a buscar alternativas para
contornar a cultura hospitalar e “cesarista”. É possível identificar, principalmente nas capitais e cidades de maior porte,
grupo de mães e doulas3, entre outros educadores perinatais, que promovem encontros, cursos e eventos visando a
difusão de informações de incentivo ao parto natural para mulheres e casais gestantes. Nos últimos anos, esses grupos
entraram em conflito com Conselhos Regionais de Medicina, por defenderem o direito de escolha das mulheres em
relação ao parto e principalmente, por defenderem, o direito de parir em casa.
litorâneos acabam tendo seus filhos no Hospital Regional de Paranaguá – instituição pública, gerida pela Secretaria de
Estado da Saúde (Governo do Estado do Paraná), que não atende muitas das exigências legais e dos pressupostos da
humanização do parto (Perez, 2014).
Segundo a pesquisa “Lei do Acompanhante: Relevância e Proposições com Práticas de Acolhimento à Gestante
no Município de Matinhos-Paraná” (Perez, 2014), que abordou parturientes e equipes de assistência social do hospital
municipal de Matinhos e o Regional de Paranaguá, os dois locais não ofertam os serviços e a atenção necessária para a
abordagem humanizada do parto. Segundo a autora, eles nem sequer cumprem a Lei do Acompanhante, que permite que
toda a parturiente tenha ao seu lado durante o trabalho de parto, parto e pós-parto uma pessoa de sua confiança.
Tabela 01
Nascimento por via de parto nos sete municípios do litoral do Paraná
Ano
2010
2011
2012
2013
N. de nascimentos
4.085
4.093
4.226
4.107
Parto normal
1.798
1.814
1.923
1.950
Cesariana
2.287
2.279
2.303
2.157
% Cesarianas
55,98
55,68
54,49
52,52
Fonte: MS/SVS/DASIS - Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos - SINASC
Diante dessas condições, algumas gestantes têm optado por ter seus filhos em casa, mesmo sem poder contar com
a assistência dos sistemas de saúde. Uma vez que a rede pública e a rede privada não oferecem essa opção no Brasil –
diferente de países como a Inglaterra e a Holanda nos quais essa é uma das abordagens ofertadas pelos sistemas públicos.
Pelos registros oficias no sistema Sinasc/MS, foram registrados nos sete municípios do litoral paranaense: 11 partos
domiciliares em 2010; outros 11 em 2011; 13 em 2012; e 05 em 2013. A maior parte das ocorrências se deu em Paranaguá,
o que poderia indicar que o parto em casa não ocorreu por dificuldade de acesso ao equipamento de saúde e sim por opção
da parturiente.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA AO PARTO
Na região litorânea do Paraná é possível identificar algumas iniciativas de promoção do parto humanizado,
organizadas pela sociedade civil, como será apontado a diante. Essas ações fazem um contraponto aos indicadores de
via de parto encontrados na região, que não diferem daqueles dados nacionais. Pode-se observar que nos últimos anos
houve uma pequena queda no número de cirurgia cesarianas, mas a porcentagem delas em relação ao parto normal ainda
está longe da recomendação da OMS (Tabela 01). Paranaguá, a cidade portuária mais antiga do estado concentra a maior
parcela da população e também dos equipamentos de saúde. Assim, muitas das mulheres residentes nos demais municípios
2
Um panorama detalhado sobre os aspectos que envolvem o parto pode ser encontrado em TORNQUIST (2004); MAIA (2010),
CARNEIRO (2012).
3
A palavra doula, em grego, significa aquela que serve outra mulher, e refere-se à acompanhante de parto especialmente treinada
para oferecer apoio contínuo físico e emocional à parturiente e a seu parceiro durante o trabalho de parto e o parto, trazendo-lhes segurança e
tranquilidade. A doula não substitui o acompanhante escolhido pela parturiente e muito menos o obstetra. Em seu trabalho, ela utiliza técnicas de
respiração, relaxamento, massagem e métodos não-farmacológicos de alívio à dor, e auxilia a mulher na escolha de posições mais confortáveis
para o parto. Vários estudos científicos mostram os resultados deste apoio contínuo, entre eles, reduzir o número de cesarianas, a duração do
trabalho de parto e o uso de analgesia. Acedido em http://www.institutoaurora.com.br/produtos/livro_doula.
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A prevalência dos profissionais médicos na assistência ao parto no Brasil é recente e segue a linha curativa e
hospitalar, como grande parte da medicina ocidental. Mas, em todo mundo, até o século XVIII, o parto não era considerado
um ato médico, quem detinha o conhecimento e prestava assistência às gestantes eram as parteiras e quase a totalidade
dos nascimentos aconteciam nas casas das famílias. O conhecimento sobre o processo de parto era detido, quase que
exclusivamente, por mulheres e transmitido localmente pela observação e pela prática.
A obstetrícia, como especialidade médica, surgiu nas faculdades europeias, e com ela foi criado um novo conjunto
de conhecimentos e práticas que, inicialmente, foram exercidos quase que exclusivamente por homens. Foram eles que
desenvolveram novos instrumentos, como o fórceps, e iniciaram a realizar os partos nos hospitais.
Centradas, inicialmente, em uma visão bastante pessimista da natureza feminina, a obstetrícia e a ginecologia
justificarão toda uma série de inovações científicas – particularmente no campo da cirurgia – que tornaram a mulher
um corpo passivo. Os instrumentos e as técnicas obstétricas, criados e usados no campo da medicina da mulher, são
reveladores desta visão, ao mesmo tempo em que estão carregados de associações com a sexualidade e a ascendência
dos homens sobre as mulheres ou, neste caso, dos médicos sobre suas pacientes (TORNQUIST, 2004, p. 72).
maternidades - sendo encontrados apenas em algumas iniciativas isoladas desse sistema e em algumas casas de parto.
A transição entre os partos domiciliares e hospitalares foi gradual e enfrentou a resistência das mulheres. Elas
preferiam ter seus filhos em casa, uma vez que o hospital era associado à morte, à pobreza e aos excluídos, além da
prevalência de questões morais que dificultavam a aceitação de homens presentes em um momento considerado íntimo
das mulheres. Assim, as primeiras gestantes atendidas nos hospitais foram mulheres marginalizadas, que não tinham
condições de serem atendidas em casa por uma parteira. Nesse contexto surgiu um antagonismo entre o conhecimento
técnico-científico, exercido principalmente por homens, e o conhecimento popular, transmitido de forma oral e praticado
por mulheres. “A medicina intervencionista, predominantemente masculina, mas também branca e de elites, certamente
deixou suas marcas em todo o processo e na própria ciência e encontrou resistências no cotidiano” (TORNQUIST, 2004,
p. 75).
Com a consolidação da nova especialidade médica iniciou uma crescente repressão ao trabalho das parteiras,
alegando falta de assepsia ou de conhecimentos técnicos, o que colocaria em risco as vidas de mães e crianças – também
as condenando por suas rezas, curanderias e bruxarias.
[...] toda sorte de especialistas de cura, populares e/ou familiares, como benzedeiras, curandeiras e parteiras, foram
perseguidas, desqualificadas e banidas desta arte, e, com elas, um conjunto significativo de conhecimentos das
próprias mulheres sobre seus próprios corpos, suas dinâmicas, seus produtos. Esse processo é identificado por Yvonne
Knibiheler como uma desestruturação de redes de saberes femininos, saberes estes compartilhados pelas mulheres,
mas que, também, tinham uma rede de especialistas própria, em que a parteira era uma das principais personagens
(TORNQUIST, 2004, p. 73).
No final do século XIX, na Europa, o médico obstetra começou a ocupar, no imaginário social, o papel do protetor
da mulher e do bebê, principalmente nas localidades urbanas. No Brasil, a transição dos partos domiciliares para os
hospitalares aconteceu entre o século XIX e o XX. Aqui, as parteiras tradicionais também eram as responsáveis pela
assistência ao parto, e as mulheres que exerciam esse ofício tinham uma posição diferenciada nas suas comunidades, o
que acontece nos dias atuais em comunidades isoladas onde elas ainda atuam, como explicita Tornquist:
A transgressão de papéis femininos que a parteira realiza permite que ela tenha acesso a atividades costumeiramente
masculinas – o mundo da rua, as tarefas de transporte – e sugere uma inversão dos papéis de gênero, na medida em
que mostra a dependência e submissão dos homens aos ditames da parteira e da parturiente. A situação do marido da
parteira também está relacionada ao prestígio que seu dom confere conforme observa Benedita Pinto, no Tocantins:
“O marido ou companheiro da parteira jamais é apontado pelo nome, mas como marido da parteira, ao contrário das
outras mulheres, que são indicados como a mulher de João, a mulher de Antonio, a mulher de Zeca” (TORNQUIST,
2004, p. 106).
Em alguns países, como na França e na Inglaterra, as obstetrizes (profissionais de nível superior formadas em
obstetrícia ou enfermeiras especializadas em obstetrícia)4 atuam na assistência ao parto (pré-natal e parto normal) e
os médicos são chamados em casos em que há complicações. No Brasil esse modelo não foi adotado nos hospitais e
4
O curso de graduação em obstetrícia trata-se de uma formação na área da enfermagem, sinônimo de parteiro diplomado ou parteiro
profissional. No Brasil somente a Universidade de São Paulo (USP Leste) oferece essa graduação. A obstetriz é responsável pelo atendimento das
mulheres durante a gestação, o parto e o pós-parto. Realiza o pré-natal, o parto normal e também cuida da mulher no pós-parto. Os profissionais
são preparados para assumir uma posição de coadjuvantes do parto, competentes o suficiente para saber como e quando agir se algo não estiver
correndo bem com a mãe ou com o bebê. Disponível em: < http://www.each.usp.br/obstetricia/obstetricia.htm >. Acesso em 12 de jan. 2014.
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A metáfora da mudança de endereço da casa para o hospital [...] carregou consigo uma sucessão de mudanças: passou
de ofício à profissão, de affaire de femmes para assunto de homens, de pobres para elites escolarizadas, das mãos
negras para luvas brancas, do rural para o urbano, de saberes populares para saberes científicos, de corpos pulsantes
para corpos patológicos, de técnicas mecânicas e ritos espirituais para técnicas químicas, de uma percepção abrangente
para um olhar esquadrinhador e meticuloso (TORNQUIST, 2004, p. 98).
A assistência hospitalar ao parto acarretou problemas como a medicalização excessiva e violência obstétrica, tema
envolto em vários tabus, que só recentemente tem sido trazido para a discussão pública. Os procedimentos rotineiros de
assistência ao parto denominado “normal”, no Brasil, incluem uma lista extensa de intervenções, como descreve Carneiro:
[...] a sequência de procedimentos realizados de rotina, quando uma mulher chega ao hospital: a tricotomia (raspagem
dos pelos pubianos); o enema (lavagem intestinal); a ocitocina (hormônio sintético que acelera as contrações
uterinas); a ruptura da bolsa (aminiotomia); a epidural (analgesia) e a episiotomia (corte da musculatura perineal para
a passagem do bebê). Circula a idéia de que uma atitude gera a outra – a ocitocina, que aumenta a dor, encaminha, por
exemplo, à anestesia, à epidural e, assim, sucessivamente. Critica-se, também, a necessidade do jejum e da posição
supina (deitada) para parir, bem como o tratamento desrespeitoso por parte da equipe médica, a escuta ininterrupta dos
batimentos cardíacos do feto, a solidão durante o trabalho de parto e a impossibilidade de se caminhar ou de se usar
outros métodos para alívio da dor que não a anestesia peridural (2012, p. 18).
Vieira (1999) afirma que o processo histórico de medicalização do corpo feminino passa, necessariamente, pela
ideia de que existe uma natureza biológica determinante e dominante da condição feminina. “Daí decorrem ideias sobre a
maternidade, instinto maternal e divisão sexual do trabalho como atributos ‘naturais e essenciais’ à divisão de gênero na
sociedade” (VIEIRA, 1999, p. 68). Para controlar esses instintos, o corpo da mulher poderia ser regulado, ou controlado
medicamente, desde a anticoncepção até a esterilização, passando pela gestação e o parto.
CESÁREA: NECESSIDADE, ESCOLHA OU INDUÇÃO
A incidência de cesarianas no Brasil começou a crescer significativamente nos anos 70. “Segundo dados do Inamps,
a proporção de cesáreas no total de partos feitos no sistema público de saúde passou de 15% em 1970 para 31% em 1980
(Perpétuo, Bessa & Fonseca, 1998), e não parou mais de crescer” (MAIA, 2010, p. 38).
Um argumento apresentado por médicos obstetras é que suas pacientes teriam medo da dor do parto normal, o que
não é comprovado por algumas pesquisas. No trabalho “Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência
pela via de parto” (Faúndes et al, 2004) – para o qual foram entrevistadas 656 mulheres atendidas pelo SUS, em hospitais
de São Paulo e Pernambuco, e 147 médicos que atuam nas mesmas instituições; um dos resultados encontrados foi que
a maioria das mulheres entrevistadas declarou preferir o parto vaginal, principalmente entre aquelas que vivenciaram as
duas abordagens (normal e cesárea).
A questão do medo do parto vaginal e da dor durante o parto, que figura prioritariamente na percepção dos médicos, foi
expressa excepcionalmente pelas mulheres. As entrevistadas, pelo contrário, manifestaram que a dor após a cesariana
é o principal motivo para preferirem o parto vaginal. Mais ainda, é notável que, entre as mulheres que tiveram tanto a
experiência de parto vaginal como de cesárea, a menor dor foi citada mais frequentemente como motivo para preferir
a via vaginal do que a cesárea (FAÚNDES et al, 2004, p. 493).
Há um descompasso entre o que as mulheres e médicos declaram ser as razões de escolha da via de parto. “Os
resultados da presente pesquisa mostram um contraste entre o que os médicos declaram perceber como sendo a opinião
das mulheres, e o que as próprias mulheres manifestaram como suas preferências e os motivos das mesmas” (FAÚNDES
et al, 2004, p. 493). O problema de comunicação interpessoal com os médicos é um dos fatores que faz com que algumas
mulheres adeptas ao parto humanizado recorram a profissionais de outras formações para acompanharem seus partos
(obstetrizes, enfermeiras). As denúncias de dificuldade de diálogo entre gestantes e médicos também são frequentes em
blogs, redes sociais ou manifestações de rua relacionadas à humanização do parto.
Além do equívoco quanto à via de parto preferida pelas mulheres, que é majoritariamente a via
vaginal e não a cesárea, como os médicos supunham, houve uma total discrepância entre os
motivos que os médicos percebiam como razão para preferir o parto cesáreo e a opinião expressada
pelas mulheres. [...] Os presentes achados permitem concluir que a principal justificativa para o
aumento na taxa de cesárea, ou seja, o respeito do desejo das mulheres por parte dos médicos, não
tem sustentação nos fatos. Uma melhor comunicação entre médicos e mulheres grávidas pode
contribuir para a melhora da situação atual (FAÚNDES et al, 2004, p. 488).
Outro estudo, coordenado por Barbosa et al entre 1998 e 1999, investigou se havia uma cultura de cesárea entre
mulheres atendidas em duas maternidades na cidade do Rio de Janeiro. A conclusão foi que a maioria das mulheres não
quer e não pede cesárea (75,5%) e entre aquelas que pediram o fizeram durante o trabalho de parto, ou seja, não havia a
intensão / desejo inicial de fazer uma cesariana.
POLÍTICAS DE SAÚDE DA MULHER
Os aspectos culturais, sociais e políticos que envolvem a saúde da mulher colocam em um patamar próximo
questões como a maternidade, o parto, a (anti) concepção, o aborto, a esterilização e as tecnologias de reprodução assistida.
Questões que também sofrem pressões de instituições religiosas, políticas e da corporação médica. Ao menos desde a
década de 1960, várias ações coletivas estão sendo realizadas para promover o atendimento à saúde amplo e de qualidade,
visando à garantia dos direitos sexuais e reprodutivos. Os avanços na área da saúde da mulher, especialmente no que tange
aos direitos sexuais e reprodutivos e à assistência materno-infantil, foram bandeiras e conquistas importantes do processo
de redemocratização do estado brasileiro e da consolidação do movimento feminista no país.
Atualmente, as políticas públicas relacionadas à saúde da mulher, em âmbito nacional, são articuladas pela
Secretaria de Políticas da Mulher (SPM), criada em 2003, a qual integra o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.
Nela, estão organizadas três linhas principais de ação: (a) Políticas do Trabalho e da Autonomia Econômica das Mulheres;
(b) Enfrentamento à Violência contra as Mulheres; e (c) Programas e Ações nas áreas de Saúde, Educação, Cultura,
Participação Política, Igualdade de Gênero e Diversidade.
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Em relação ao excesso de cesarianas, a implantação de políticas públicas para tentar reverter essa tendência
começou em 1998. Em junho daquele ano, o Ministério da Saúde publicou uma portaria (MS/GM nº 2.816)5, que pretendia
limitar o número de cesarianas realizadas em cada hospital, diminuindo a taxa para 30% dos partos até o ano 2000. Não
alcançando sucesso na implantação da Portaria, em 2000, foi lançado o Pacto Nacional pela Redução das Taxas de
Cesárea, pelo qual a atribuição do controle das taxas hospitalares de cesarianas passava aos estados (até 2007, 21 estados
haviam aderido ao Pacto6). Ainda em 2000, o então Ministro da Saúde, José Serra, com a portaria n.º 569/GM, instituiu
o Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento. O Programa tinha como prioridades: concentrar esforços no
sentido de reduzir as altas taxas de morbimortalidade materna, peri e neonatal no país; adotar medidas que assegurem a
melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do acompanhamento pré-natal, da assistência ao parto, ao puerpério e
neonatal; instituir o Sisprenatal (software que permite o acompanhamento adequado das gestantes inseridas no Programa
de Humanização no Pré-Natal e Nascimento, do Sistema Único de Saúde); e mecanismos de incentivo à realização das
atividades7.
Apesar desses esforços, em 2011, 40% dos partos pelo SUS ainda eram por cesáreas. Em resposta a esse quadro,
o Governo Federal lançou, em 2011, uma nova a estratégia para promover o parto humanizado pelo SUS, chamada
Rede Cegonha. Os objetivos são muito próximos ao do Programa lançado em 2000: ampliar as ações que vão desde o
planejamento reprodutivo, passando pela atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério, bem como assegurar às
crianças o direito ao nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudáveis, visando à diminuição das taxas
de mortalidade infantil e materna.
Os hospitais que integram a Rede Cegonha recebem recursos para ampliar e qualificar a estrutura de atendimento às
gestantes e recém-nascidos em centros de parto normal. A equipe do centro deve ser composta por enfermeiros obstétricos,
técnicos em enfermagem e auxiliares de serviços gerais. Com isso, espera-se uma redução ainda mais significativa de
cesáreas no país. Em 2012, segundo dados do Ministério da Saúde, entre os nascimentos assistidos pelos SUS 753.766
(36,8%) foram cesarianas e 1.123.739 (63,2%) foram partos normais.
Paralelamente às ações do Governo Federal, tramitam projetos de lei no Congresso Nacional que também visam à
implantação do parto humanizado. Como, por exemplo, o projeto de lei 5304/13, que prevê que as parturientes assistidas
pelo SUS sejam acompanhadas por doulas, visando diminuir o tempo de trabalho de parto e medicalização excessiva.
Outra conquista política recente, na área da atenção ao parto, é o direito de a parturiente ter um acompanhante, como
estabeleceu a Lei Nº 11.108, de abril de 2005. Porém direitos como esse, já assegurados para as parturientes enfrentam
desafios estruturais para serem cumpridos. Gestores de intuições de saúde alegam que nem sempre dispõem de estrutura
física, material e profissional para assegurar o cumprimento da lei.
5
Portaria n.º 569/GM. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/portarias/port98/GM/GM-2816.htm>. Acesso em 02 de abr. 2014.
6
As cesarianas no Brasil: situação no ano de 2010, tendências e perspectivas (p. 387).
7
Portaria n.º 569/GM disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/PORT2000/GM/
GM-569.htm>. Acesso em: 12 de jan. 2014.
O RESGATE DO ASPECTO ‘HUMANO’ DO PARTO
A mobilização pela humanização do parto não nasceu de uma iniciativa governamental. A sociedade civil
organizada é que colocou primeiramente o tema em pauta. Não é possível encontrar uma definição única sobre o que é a
humanização do parto, mas, segundo as diretrizes apontadas pela Rede de Humanização do Parto (ReHuna), é possível
listar algumas características que frequentemente são associadas a ele. São práticas que relevam as indicações da medicina
baseada em evidências, as recomendações da OMS e que permitem: que a mulher possa escolher seus acompanhantes
no processo de parto; ter privacidade; se expressar e movimentar livremente; recorrer a métodos naturais de alívio
da dor (água quente, massagens, acupuntura); escolher e ter o acompanhamento de um profissional capacitado para
acompanhá-la (obstetra, obstetriz ou parteira); ser informada e optar por receber ou não analgesia e outros procedimentos
ou medicamentos (ocitocina, episiotomia); escolher a posição para parir; ser a primeira a ver e pegar o bebê se assim
quiser; poder pegá-lo e amamentá-lo logo após o nascimento.
O parto humanizado começou a ser debatido e praticado no Brasil na década de 1990, mas suas práticas trazem
elementos e dialogam com outras abordagens iniciadas ainda nos anos 30, que ganharam visibilidade nos anos 50 nos
países europeus. Entre os precursores parto humanizado no Brasil estão Galba Araujo, em Fortaleza (CE), médico
obstetra que desenvolveu seu trabalho junto às comunidades, agia em parceria com as parteiras e incentivava o parto na
posição de cócoras; Moyses Parcionick, em Curitiba (PR), ginecologista e obstetra que atuou na assistência ao parto e na
prevenção ao câncer de colo de útero, após trabalhar junto a comunidades indígenas e observar benefícios da posição de
cócoras para a saúde das mulheres, incentivou suas pacientes a parirem dessa forma; Hugo Sabatino, professor e médico,
em Campinas (SP), foi o principal idealizador da criação da Rede pela Humanização do Nascimento (Rehuna), em 1993.
Em comum, os três praticavam a obstetrícia de forma mais adequada à fisiologia feminina, educando e preparando as
mulheres para partos na posição vertical.
Mais recentemente, é possível observar uma ampla e diversificada rede de mulheres e profissionais da área da
saúde que atuam em defesa da humanização do parto, do direito de escolha da mulher em relação a abordagem obstétrica
e do parto domiciliar, em praticamente todos os estados do Brasil. Esses grupos não têm estruturas institucionalizadas,
são integrados por profissionais que prestam serviços na área materno infantil, como enfermeiras, doulas, psicólogas,
fotografas e principalmente por mulheres que tiveram experiências negativas de parto (sofreram violência obstétrica
ou passaram por cesarianas que consideraram posteriormente desnecessárias). Esses grupos têm ocupado espaços na
mídia nacional e também promoveram manifestações de rua nos 2012 e 2014 (Marcha do Parto em Casa e Marcha pela
Humanização do Parto), fazendo com que a discussão em torno da problemática fosse ampliada na sociedade brasileira
(GONÇALVES, 2014).
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Para que as mudanças necessárias na assistência ao parto sejam implementadas são necessárias alterações
estruturais. Mas, enquanto essas mudanças não ocorrem e diante desse cenário descrito neste artigo, mulheres e
profissionais da saúde que não concordam com a abordagem predominante no Brasil, inclusive no litoral do Paraná,
96
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desenvolvem ações para compartilhar suas experiências, difundir informações e provocar a reflexão em diversos espaços
da sociedade.
Um exemplo foi a atividade de Interação Cultural e Humanística, realizada na Universidade Federal do Paraná
– Setor Litoral (Matinhos), em 2013. Nela uma estudante e duas professoras promoveram rodas de conversa e práticas
relacionadas à humanização do parto, das quais participaram estudantes universitários e membros da comunidade local.
Outra iniciativa, também realizada em Matinhos, é o Grupo Artemisa, constituído de forma voluntária, inserido no leque
de projetos da Motirõ Sociedade Cooperativa, que promove encontros para troca de experiências, espaços de suporte e
escuta, bem como a realização de palestras e oficinas com temas variados.
Iniciativas como essas, podem indicar a promoção de uma cultura e de saberes femininos sobre os processos
de reprodução, parto, pós-parto, de uma maneira bastante singular. Não mais como as parteiras tradicionais faziam,
tampouco como a cultura médico-hospitalar predominante hoje. Aspectos das políticas públicas e da forma de assistência
ofertada pelas redes pública e privada poderão sofrer algumas mudanças diante da pressão social exercida por esses grupos
organizados, fazendo com que as normas já existentes sejam cumpridas e que novas práticas sejam implementadas, assim
como uma nova cultura em relação ao parto possa surgir.
REFERÊNCIAS
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Janeiro, v. 19, n. 6, Dec. 2003.
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humanizado. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011.
DESLANDES, Suely F. Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 9, n. 1, p.22-27, 2004.
GONÇALVES, Aline. Da internet às ruas: a marcha do parto em casa. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal
do Paraná, Curitiba. Disponível em: http://hdl.handle.net/1884/36284. Acesso em jul/2015.
FAÚNDES, Aníbal et al. Opinião de mulheres e médicos brasileiros sobre a preferência pela via de parto. Rev. Saúde
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MAIA, Monica Bara. Humanização do parto: política pública, comportamento organizacional e ethos profissional. Rio
de Janeiro: Fio Cruz, 2010.
PEREZ, Lauana Silva. Lei do Acompanhante: relevância e proposições com práticas de acolhimento à gestante no
município de Matinhos-Paraná. Artigo apresentado como trabalho de conclusão de curso de graduação em Serviço Social
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PITANGUY, Jacqueline. O movimento nacional e internacional de saúde e direitos reprodutivos. In: GIFFIN, K; COSTA,
S. H. (Orgs.). Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999. p. 19-38.
TORNQUIST, C. S. Parto e poder: o movimento pela humanização do parto no Brasil. 2004. Tese (Doutorado em
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Questões da saúde reprodutiva. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 1999.
EDUCAÇÃO, POLÍTICAS PÚBLICAS DE GÊNERO E DIVERSIDADE E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CENÁRIO ESCOLAR.
Rita Estela Salino1; Marcos Claudio Signorelli2
RESUMO
O presente artigo visa empreender uma reflexão sobre desafios para o desenvolvimento do ambiente escolar no que tange às políticas públicas com enfoque de gênero e diversidade sexual. A metodologia é de cunho qualitativo, por meio
de registros de histórias orais com discentes com idade entre 16 a 18 anos matriculados em escolas públicas de ensino
profissional nas modalidades de ensino médio integrado, através de encontros individuais durante seis anos de docência.
Os relatos evidenciam a discriminação, o desrespeito, a violência psicológica e física, a homofobia, a formação de estereótipos e a falta de acesso à educação pautada no respeito às questões de gênero e diversidade. Os dados da pesquisa de
campo são confrontados com aportes teóricos e com políticas públicas da área, que vêm sendo implantadas recentemente.
Os resultados reforçam a necessidade de ampliação de tais políticas denunciando a supressão de liberdades de expressão
e descrevendo os sofrimentos causados pela repressão de sentimentos evidenciados no espaço escolar. Argumenta-se com
base nos resultados, que a reprodução de tais preconceitos no cenário escolar configura-se em um desafio ao desenvolvimento, conforme pressupostos teóricos propostos por Amartya Sen, que postula o desenvolvimento como uma prática
libertadora. Em síntese, este trabalho demonstra um panorama desafiador, que pode ser extrapolado para a maioria dos
outros espaços escolares, acerca das construções sociais em relação as questões de gênero e diversidade e sua articulação
com políticas públicas, imprescindíveis ao desenvolvimento humano e sustentável.
Palavras-Chave: Gênero; Políticas públicas; Escola; Desenvolvimento Humano.
ABSTRACT
This article aims to undertake a reflection on challenges for the development of the school environment with regard to
public policies with a gender approach and sexual diversity. The methodology is qualitative nature, through records of
oral histories with students aged 16 to 18 enrolled in public schools of vocational education in terms of integrated high
school through individual meetings during six years of teaching. The reports highlight discrimination, disrespect, psychological and physical violence, homophobia, the formation of stereotypes and the lack of access to education based on
respect to issues of gender and diversity. The field survey data are confronted with theoretical contributions and public
policy area that have been implemented recently. The results reinforce the need for expansion of such policies denouncing
the suppression of freedom of expression and describing the sufferings caused by the repression of feelings evident at
school. The argument is based on the results, the reproduction of such prejudice in the school setting sets up a challenge
to development as theoretical framework proposed by Amartya Sen, who posits development as a liberating practice. In
summary, this work demonstrates a challenging panorama, which can be extrapolated to most other school spaces, about
the social constructs regarding gender and diversity issues and its relationship with public policy, essential to human and
sustainable development.
Keywords: Gender; Public policy; School; Human Development.
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Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR; [email protected];
Professor do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável/UFPR; signorelli.marcos@gmail.
1 INTRODUÇÃO
Geralmente os discentes selecionam aquele docente que confiam ou que percebem que poderão compartilhar
seus sentimentos e não serão julgados ou condenados ao silêncio e relacionam conteúdos acadêmicos que encorajam
a iniciativa do diálogo. Durante seis anos de docência em escolas públicas foi possível coletar e sistematizar diversos
registros de história oral de discentes que norteiam esta pesquisa sobre a importância de refletir sobre dignidade humana
nas escolas. O foco deste estudo são questões de gênero e diversidade sexual que emergiram no cotidiano escolar, bem
como violências e preconceitos oriundos destas dimensões. São tecidas análises a respeito de como esses indivíduos
podem ser oprimidos e apresentar inúmeras consequências psicológicas em virtude do sofrimento, angústia e violência.
O ambiente escolar não pode ser um reprodutor de desigualdades. Deve ser compreendido como um território
que acolhe e integra as diferenças, promovendo a inclusão das identidades dos diferentes sujeitos. A diversidade não
pode ser considerada simplesmente como tolerância ao outro, é muito mais do que isto, é respeitar o outro em sua plenitude, características físicas e culturais, pensamentos, comportamentos, crenças, valores e direitos civis.
Uma das questões presentes refere-se à categoria gênero que é concebida por particularidades sociais, comportamentais e culturais. O termo gênero problematiza normas tradicionalmente construídas do que é ser um homem ou uma
mulher, que resulta em relações assimétricas de poder de um sobre o outro. (SCOTT, 1986; PEDRO, 2005; DEBERT e
GREGORI, 2008).
Conhecer as histórias reais é fundamental para compreender a realidade de nossa sociedade no que diz respeito a diversidade, gênero, sexualidade e orientação sexual. Mas somente isso não basta, é necessário diagnosticar os
problemas e pesquisar possíveis hipóteses para ajudar a resolver as questões apresentadas. Nesse sentido, o papel do
docente também é questionado: não se trata somente de um mero “transmissor” de conhecimentos, mas sim de um ator
social importante no processo de desenvolvimento de outros seres humanos.
Esta pesquisa destaca como aportes teóricos os estudos do economista Amartya Sen sobre o desenvolvimento
como liberdade, que traz contribuições importantes para análise de políticas públicas brasileiras vigentes que interseccionam com a temática de gênero e diversidade em relevo neste estudo, destacando-se: Constituição Federal; Estatuto da
Criança e do Adolescente, Plano Nacional de Educação, Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, Programas:
“Brasil Sem Homofobia”, “Escola que Protege”, a “Política Nacional de Saúde Integral para Lésbicas, Gays, Bissexuais,
Travestis e Transexuais” e “Lei Maria da Penha”.
2 NOTAS SOBRE A METODOLOGIA
Este trabalho baseou-se em metodologia qualitativa de estudo com procedimentos da observação participante
e registros de narrativas de história oral, considerando o empírico do ambiente escolar. Foram realizados registros e
observações dos interlocutores envolvidos na pesquisa através de depoimentos orais coletados entre os anos de 2008 a
2014, com estudantes dos cursos técnicos na modalidade de ensino médio integrado. O perfil dos discentes é variado e
manifestam seu ponto de vista sobre diversos temas vivenciados durante a adolescência e vida adulta. Cabe ressaltar que
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a pesquisa foi realizada a partir da descrição de relatos de realidades sociais com significados que o ambiente manifesta
tanto por parte do discente quanto da professora pesquisadora principal.
Conforme, Cardoso (2004, p. 97), “histórias de vida pretendem desvendar as teias que ligam os macroprocessos econômicos e os comportamentos concretos”. Observar é contar, descrever e situar os fatos únicos e os cotidianos,
construindo cadeias de significação sendo permitido ao observador a análise do seu próprio modo de olhar. A teoria do
conhecimento nos oferece um caminho para compreender a realidade e não uma série de “verdades” a serem comprovadas. (CARDOSO, 2004)
“As finalidades das análises da pesquisa qualitativa em termos de pesquisa social são: estabelecer uma compreensão dos dados coletados, confirmar ou não os pressupostos da pesquisa e/ou responder às questões formuladas, e ampliar
o conhecimento sobre o assunto pesquisado, articulando-o ao contexto cultural da qual faz parte”. (MINAYO,1992, p.
69).
Histórias de vida e relatos orais conduzem a interpretações ao estudo de conceitos científicos e a proposição
de hipóteses para explicar a vivência humana. A partir das narrativas orais, as categorias emergentes do campo foram
cotejadas com literatura e confrontadas com políticas públicas vigentes sobre questões de gênero e diversidade sexual,
focando particularmente nas interfaces com o contexto escolar e com repercussões para o desenvolvimento.
Uma observação importante em relação aos depoimentos que serão compartilhados, que os mesmos são reais,
porém, com nomes fictícios e sem identificação da escola em relevo, com o objetivo de não expor qualquer discente,
respeitando-se os preceitos bioéticos de pesquisas com seres humanos.
3 APROXIMAÇÃO COM AS HISTÓRIAS ORAIS.
Depois de uma aula de Gestão de Pessoas, em que falava sobre a importância do equilíbrio emocional e como
as nossas emoções interferem no mundo profissional e pessoal, um aluno de 17 anos após o término da aula perguntou se
podia falar em particular. Para não expor este jovem, seu nome fictício é “X”, conforme agendamos o mesmo compareceu e começou seu diálogo muito emocionado e repleto de lágrimas:
Professora, você tem que me ajudar...estou desiquilibrado, minha família não conversa comigo, meus
amigos de sala tiram saro de mim, juro para
você, já tentei namorar meninas e não consigo, o meu desejo é por meninos. Eu quero ser pai, eu quero ter
filhos, o que eu vou fazer? Meus pais jamais vão aceitar tudo isso, eu tenho medo, me ajuda! (abril, 2009).
Infelizmente a comunidade escolar atualmente está muito pouco aberta ao diálogo. A família que por questões
culturais e religiosas estabelece padrões que devem ser seguidos, os colegas de sala simplesmente excluem o diferente
e a educação sexual não é ofertada de maneira digna para que ajude o jovem a definir sem culpa sua orientação sexual.
Os padrões culturais estipulados na sociedade contemporânea são as relações heterossexuais e os que não seguem os
padrões normativos sofrem a exclusão, a violência física e psicológica que se manifesta no ambiente escolar, na família
e nos espaços públicos.
O caráter compulsório da heterossexualidade e como este se faz com que a cultura não admita um sujeito
ser outra coisa além de um homem ou uma mulher, impondo também que a única forma legítima de amor
e desejo sentidos por um homem esteja dirigida a uma mulher, e vice-versa. (BUTLER, 2003).
Ao visitar algumas políticas públicas de décadas ou anos anteriores, observa-se menos ortodoxia, tal como no Estatuto
da Criança e do Adolescente, (ECA, 1990), em que não consta artigo que proíba a adoção de crianças por homossexuais.
Entretanto, uma vez que a união desses sujeitos ainda que não é considerada família, a adoção só seria possível a nível
individual, ou seja, por um dos pares (COSTA, 2006). Verifica-se desta forma, que a adoção de crianças por casais homossexuais está relacionada ao reconhecimento desses sujeitos enquanto famílias legítimas, mais um dos desafios ao
desenvolvimento humano, seguindo a visão proposta por Sen e Kliksberg, ao propor a eliminação das injustiças necessárias ao desenvolvimento (2010).
O que mais impressionou em seu diálogo, além de todos os seus sofrimentos, a sua maior preocupação: não
poder ter poder ter filhos da forma considerada “normal”, entenda-se natural normatizada por construções culturais que
seriam a união de um homem e uma mulher através do casamento heterossexual e a procriação.
A Constituição Federal do Brasil de 1988, Art. 1º, reconhece como entidade familiar a convivência duradoura,
pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família, que nos remete a
necessidade de propor uma nova concepção de família mais ampla do que atual.
O padrão de família propõe papéis hierárquicos bem definidos, seguindo um princípio denominado heteronormatividade que segundo, Petry e Meyer, (2011), visa regular e normatizar modos de ser e de viver, os desejos corporais
e a sexualidade de acordo com o que está socialmente estabelecido para as pessoas, numa perspectiva biologicista e
determinista.
O reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil foi declarado possível pelo Supremo
Tribunal Federal (STF) em 2011. Os homoafetivos têm os mesmos direitos e deveres que as uniões heteroafetivas que
envolvem herança, segurança social, visitação na prisão, adoção, pensão, fertilização in vitro e barriga de aluguel.
A reflexão que se faz diante da narrativa do estudante é: Por quê predomina na sociedade a premissa de que um
homossexual não pode ter o direito à paternidade? Por quê um casal homoafetivo não pode ser considerado uma família?
Quais as mudanças sociais necessárias para que todos tenham o real acesso aos direitos e deveres constitucionais? Quais
as contribuições e desafios de políticas públicas recentes nesse campo? Como o contexto escolar pode atuar, potencializando o desenvolvimento humano desses sujeitos?
Ao levantarem-se tais indagações sobre injustiça, preconceitos e a falta de informação, é possível encontrar ecos
nas reflexões de Amartya Sen que propõe o desenvolvimento como uma prática libertadora. Juntamente com Bernardo
Kliksberg, (2010) em sua obra “As pessoas em primeiro lugar” constituem um verdadeiro manifesto contra as desigualdades que afligem um país em desenvolvimento. Tratam de alguns temas-chave do novo século segundo seu pensamento
econômico inovador, concentrando o foco nas iniquidades que atingem os sistemas de segurança social da maioria dos
países. Segundo Sen, a solução passa pela reversão dos mecanismos de perpetuação da pobreza, da ignorância e da violência – um imperativo ético baseado na dignidade inalienável da pessoa humana. Kliksberg, ao investigar os gargalos
sociais do desenvolvimento da América Latina aborda o problema central da exclusão em suas múltiplas manifestações:
jovens ao mesmo tempo desempregados e fora da escola, marginalização das populações indígenas e afro-americanas,
violência urbana, e que cabem neste estudo, já que alguns relatos de jovens ouvidos ao longo da pesquisa convergem com
a exclusão, inclusive escolar, levando ao abandono dos estudos. Para os autores, a visão integral perpassa propostas para
a imediata redução e, no longo prazo, eliminação das injustiças, causadoras do subdesenvolvimento.
Todavia ao analisarmos o cenário brasileiro contemporâneo no que tange as políticas públicas, observa-se que
tais premissas com relação ao respeito às diversidades ainda são consideradas exceção. Particularmente, hoje, em 2015,
vem predominando o discurso reacionário e conservador, que critica iniciativas de minimização das assimetrias de gênero, bem como rechaça, qualquer iniciativa que busque diminuir as desigualdades historicamente colocadas em relação à
sujeitos não-heterossexuais. Fato curioso é que, num passado não tão distante, tal movimento não estava tão arraigado.
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Há um anteprojeto para instituir o Estatuto da Diversidade Sexual, proposto pela Comissão de Diversidade
Sexual da OAB, instituída desde 2009 em Recife. Visa elaborar um projeto legislativo para incluir a população LGBT
(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros) no âmbito da tutela legal e capacita advogados para um novo
ramo do direito para o reconhecimento da família, assegurando os diversos direitos como: o divórcio, adoção, reprodução
assistida, proteção contra violência doméstica, habitação, no entanto os avanços são lentos no ambiente legislativo.
O último Censo (IBGE, 2010), analisou a variável referente à coabitação com parceiro do mesmo sexo, constatando 60.002 brasileiros e brasileiras. O que reflete que existem muitas uniões de pessoas do mesmo sexo e que alguns
órgãos oficiais já visualizam este fato, porém outros, particularmente alguns legisladores (vereadores, deputados e senadores) demoram a avançar na proposição de leis para assegurar, prevenir, proteger, reparar e promover a igualdade entre
sexos.
O segundo caso explorado neste artigo emergiu em 2013, na disciplina de Gestão de Pessoas. Foi conduzida
uma dinâmica chamada “facebook manual” que seria um alvo de interesse do jovem para trabalhar as competências de
uma forma que os mesmos se sentissem à vontade em se expressar: comunicação, raciocínio lógico, criatividade, flexibilidade, equilíbrio emocional e liderança. As apresentações foram fantásticas, houve muita troca de aprendizagem com
os discentes e como não poderia ser diferente, relatos impressionantes de opressão de liberdades, merecendo destaque o
discurso de uma aluna de 16 anos:
“Vocês não querem fazer trabalho em equipe comigo, vocês têm nojo de mim, só porque namoro meninas.
Vocês me excluem, eu sei, eu sinto isso, nas caras que fazem quando eu me aproximo e quando eu falo o
que sinto, eu choro e uso o “facebook” para desabafar”.
Na fala da jovem o que impressiona é a palavra “nojo” fazendo o paralelo com o sinônimo: repulsão. Indaga-se
como alguns colegas podem sentir isto por um ser humano e voltemos a dignidade humana que vai além da tolerância e
sim de uma convivência harmoniosa. Richard Miskolci, (2012), explica que algumas pessoas consideram os não heterossexuais como seres “abjetos”. “Em termos sociais, “a abjeção”, constitui a experiência de ser temido e recusado com
repugnância, pois sua própria existência ameaça uma visão homogênea e estável do que é comunidade” (MISKOLCI,
2012, p. 24).
reais que as pessoas disfrutam, considerando as liberdades instrumentais: liberdades políticas, facilidade econômica,
oportunidade social, transparência e segurança protetora. O Brasil é um país em desenvolvimento, portanto, ainda está
em processo de construção e avanço da expansão das liberdades, o que não nos impede de avaliar o atual estado da arte,
prosseguindo no que concerne essa questão.
Quando manifestada contra os sujeitos em relevo, configura-se em uma modalidade de violência, denominada
de gênero. A violência de gênero pode se manifestar com ameaças, agressões físicas e psicológicas, constrangimentos,
abusos sexuais, estupros, assédio moral ou sexual. O crescimento da violência homofóbica no Brasil, conforme dados do
Governo Federal, (2012), é assustadora. Em relação à população LGBT, houve um aumento de 166,09%, em grande parte acontecendo ao redor do seu lar: vizinhos e familiares. Os tipos de violações mais reportadas são a violência psicológica com 83,20%, sendo humilhações (35,32%), hostilizações (32,27%), ameaças (5,78%) e discriminação com 74,01%.
Ao refletirmos sobre as narrativas dos dois jovens trazidos neste texto, o primeiro questionamento é em relação
às liberdades políticas no que se refere aos direitos civis. A Constituição Brasileira e o Estatuto da Criança e do Adolescente que tem como direitos fundamentais: 1 - Direito à vida e a saúde; 2 – Direito a liberdade, ao respeito e à dignidade;
3 – Direito à convivência familiar e comunitária; não vem garantindo integralmente proteção e direito a vida, uma vez
que nos deparamos com pesquisas que revelam a morte precoce de jovens negros, violência policial, ataques homofóbicos
e também o número de homicídios de pessoas LGBT, que aumentou de 11,51% de 2011 para 2012 conforme relatório
sobre violência homofóbica no Brasil do Poder Público Federal. As informações confirmam a existência da intolerância
das pessoas e a homofobia materializando-se por meio das confidências relacionadas acima, de forma explícita ou velada.
A homofobia é um fato e o país precisa de leis que eduquem, previnam, punam e tratem os que sofrem dessa tipologia de violência. O Projeto de Lei da Câmara de Deputados (PLC) 122/2006 com a intenção de criminalizar preconceitos pela orientação sexual e identidade de gênero equiparando com legislação já existente com demais preconceitos
não avançou. Em 2012, Marta Suplicy, Senadora Federal tentou um acordo com as entidades religiosas que se opõem
ao projeto e modificou o texto da seguinte forma: “não se aplica à manifestação pacífica de pensamento decorrente da
fé e da moral fundada na liberdade de consciência, de crença e de religião.” No entanto, o novo texto foi reprovado por
defensores dos direitos LGBT por considerarem a alteração desfocada do objetivo original da lei, a criminalização do
preconceito. O projeto prosseguiu para a Comissão de Direitos Humanos e foi arquivado em janeiro de 2015.
As estatísticas e o relato oral são fundamentais para dar visibilidade às violações de direitos humanos cometidas contra populações homossexuais e, assim, promover a construção de políticas públicas que alterem essa realidade.
Porém, percebe-se que os agressores não são punidos e ainda existem projetos no legislativo como o chamado “Cura
Gay”, que propunha a suspensão da validade de dois artigos de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia em
vigor desde 1999, que proíbem a terapia para alterar a orientação sexual e a não ação coercitiva considerando que a homossexualidade não é uma doença. O projeto foi arquivado diante a polêmica e as manifestações do movimento LGBT.
Para docentes observadores é muito claro como os grupos excluem os chamados “diferentes”: homossexuais,
transexuais, lésbicas, negros, pobres, gordos, deficientes físicos, indígenas e nordestinos nos trabalhos em equipe.
Portanto, cabe ao docente privilegiar formação de grupos de forma criteriosa a evitar recusas de integrantes pela
intolerância e privilegiar a inclusão e o respeito às diferenças. “A intolerância é a atitude que reponde pela vontade de
eliminar o outro, ou é a própria negação da existência do outro, que é diferente”. (ITANI, 1998, p. 128). A intolerância
constitui modalidade de violência e também se configura em aspecto observado por Amartya Sen, que defende que o
desenvolvimento passa pela reversão dos mecanismos de perpetuação da pobreza, ignorância e violência.
O Brasil é em tese Estado laico desde 1890 após a proclamação da república quando Ruy Barbosa estabelece por
decreto a separação da Igreja e do Estado. Interesses religiosos não podem sobrepor os demais direitos dos cidadãos deste
país e interferir em espaços públicos como o ambiente escolar. No entanto, ficou garantido o direito ao culto religioso.
O que deve ficar nítido é que a escola não pode influenciar na decisão de culto religioso do discente e ao mesmo tempo
não pode interferir em suas crenças no espaço escolar. Todavia, deve respeitá-las, como pressuposto da liberdade de cada
sujeito.
Porém, na esteira do debate em torno da laicidade do Estado, chama a atenção no cenário político atual, o fato
que o legislativo brasileiro é o mais conservador desde 1964, composto por militares, ruralistas, policiais e religiosos fundamentalistas. Parlamentares religiosos fundamentalistas tendem a ser conservadores e com construções sociais focadas
na religião. Querem legislar interferindo em políticas igualitárias já conquistadas pela população LGBT, sob a égide da
bíblia e dos dogmas de suas crenças.
A preocupação se faz presente pela mistura e confusão do culto religioso com o estado laico. As convicções religiosas não podem contribuir para a estagnação do progresso de novas leis e programas que visem a igualdade de gênero
e diversidade partindo apenas da lente cultural religiosa de seus dogmas. Tais grupos religiosos devem ser co-responsabilizados pelos ataques homofóbicos que fomentam, uma vez que impedem seu processo de criminalização.
Seguindo os pressupostos de Sen, indaga-se: Como é possível existir desenvolvimento em um país que exclui,
que ignora, que discrimina, que violenta, que não protege as vítimas e que não pune os agressores? Qual o futuro das
próximas gerações de vítimas? Será que sofrerão dos mesmos problemas?
5 DESAFIOS NO CENÁRIO ESCOLAR
4 DESENVOLVIMENTO E LIBERDADE
Para Amartya Sen, (2000), o desenvolvimento pode ser visto como um processo de expansão das liberdades
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As histórias orais trazidas neste estudo demonstram diversos problemas que enfrentamos por possuir um sistema
educativo que em seu trâmite documental escolar como o Projeto Político Pedagógico (PPP) que prevê uma educação lai-
ca e livre de preconceito, porém, na prática, a mesma não se efetiva, não se cumpre e não se materializa. As ocorrências
revelam que por diversos fatore sendo um deles os religiosos, a escola apresenta distância da realidade e não promove o
envolvimento social.
Algumas direções escolares não assumem uma postura inclusiva e laica, por receio de processos na Secretaria
de Educação, reclamações de pais, reclamação de professores, problemas pedagógicos e por fim, para evitar conflitos
não incentiva ações transformadoras em seu cotidiano, o que é lamentável. Todavia, será que estamos respeitando e
ofertando a dignidade a esses discentes? Lembrando que a educação deve ser cidadã e não apenas focada em ementas
e conteúdos programáticos. É preciso formar cidadãos que compreendam e questionem o mundo que vivem, conforme
orientam os parâmetros curriculares nacionais:
Com a inclusão da Orientação Sexual nas escolas, a discussão de questões polêmicas e delicadas, como
masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o namoro, homossexualidade, aborto, disfunções sexuais, prostituição e pornografia, dentro de uma perspectiva democrática e pluralista, em muito contribui para o
bem-estar das crianças, dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura.
(Parâmetros Curriculares Nacionais, Orientação Sexual, p. 283).
Em 2004, o Ministério da Educação lançou o programa “Escola que Protege”, cujo propósito foi prevenir e
romper o ciclo da violência contra crianças e adolescentes no Brasil e capacitação dos profissionais para uma atuação
qualificada em situações de violência identificadas ou vivenciadas no ambiente escolar. A escola não pode praticar a violência simbólica, conforme Bourdieu, (1989), ou seja, quando de forma subjetiva exerce relações de dominação ao impor a normatização social, silencia situações de opressão, violência física e
psicológica e em alguns casos pune “o diferente” com a exclusão social.
O Plano Nacional de Educação, no artigo 2º, está direcionado para a superação das desigualdades educacio-
sejam.
Os autores/teorias consultados, as políticas públicas abordadas, os dados estatísticos apresentados e a pesquisa
empírica contribuíram para reflexão sobre gênero, cultura, poder e desenvolvimento sustentável. Os depoimentos orais e
os sofrimentos apresentados não foram inválidos. Ao contrário, evidenciam o poder exercido pela heteronormatividade
na construção social dos sujeitos, sua ação no seio da comunidade escolar e o quanto estamos distantes do desenvolvimento como prática libertadora, conforme apontado por Amartya Sen.
A pesquisa chama atenção para alguns desafios no cenário de políticas públicas de gênero e diversidade, acenando aumento na violência de gênero, o arquivamento de projetos importantes, tais como criminalização da homofobia
e o risco que correm os direitos civis homoafetivos diante do avanço da intolerância por partes dos religiosos fundamentalistas.
No entanto para que avancemos no desenvolvimento das liberdades individuais, precisa-se de ações que fomentem a sociedade laica e democrática baseada em políticas públicas que garantam o acesso à educação e saúde, proteção
aos direitos, à plena saúde sexual, a criminalização da homofobia, a garantia dos direitos civis para as novas constituições
familiares e que prevaleça a cultura pelo respeito às diferenças.
REFERÊNCIAS
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Acesso em: 29/06/2015.
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Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos com o objetivo de garantir direitos e deveres dos cidadãos.
BRASIL. Diretrizes e bases da Educação Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em:
12/06/2015.
Sem dúvida, houve grandes avanços nas políticas públicas na última década, no entanto ainda sentimos distância entre teoria e prática. Ou seja, ainda levaremos um tempo para que as leis sejam efetivamente implantadas e que se
materializem nas escolas, até porque exige um planejamento de longo prazo quando se trata de educação.
No entanto, se acena uma possiblidade de retrocesso no que tange o plano nacional de educação para 2020
com a retirada da questão de gênero e orientação sexual do documento. O estatuto da diversidade que se encontra sem
avanços no legislativo resvala na proposição do estatuto da família, considerando a sua constituição heteronormativa:
famílias formadas apenas por homem e mulher e a proibição da adoção por homossexuais.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os registros de histórias orais apresentados refletem a vida como ela é. O que as pessoas passam em suas vidas
contribuem de forma empírica para a reflexão de todos, especialmente ao educador, considerado como aquele profissional que prioriza a formação de cidadãos críticos e livres para serem e pensarem e não o que “a sociedade” quer que o
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RESUMO
O estudo sobre mulheres que atuam na segurança pública é recente, sendo escassas articulações entre trabalho, questões
de gênero, exposições às violências e saúde dessas mulheres, particularmente em recortes geográficos delimitados,
que tenham como foco a dinâmica própria do território. Tradicionalmente a segurança pública é vista como espaço de
trabalho e poder masculino e as mulheres desta categoria desafiam tal norma, lutando para provar sua competência neste
âmbito profissional. O estudo objetivou cartografar o cotidiano das mulheres trabalhadoras da área de segurança pública,
articulando questões de gênero e exposições às violência(s) com o processo saúde-doença, tendo como recorte territorial
o Litoral Paranaense. A metodologia foi qualitativa, por meio de pesquisa etnográfica com 50 mulheres (policiais civis
e militares, guardas municipais e agentes penitenciárias), realizada nos municípios de Guaratuba, Matinhos e Pontal do
Paraná, no período entre Março/2014 e Março/2015. A análise dos resultados revelou: 1) desafios a que tais mulheres estão
submetidas, frente à dinâmica sazonal no campo da segurança pública do Litoral Paranaense; 2) exposição às violências
(principalmente institucional e de gênero) e repercussões à saúde dessas mulheres, que impactam no desenvolvimento
humano; 3) relações de poder, marcadas pela assimetria de gênero entre profissionais homens e mulheres, sinalizando
a necessidade de elaboração e implementação de políticas pú­blicas específicas para mulheres atuantes em segurança
pública. Em síntese, este trabalho evidenciou a necessidade de dar vozes às profissionais femininas nas instituições de
segurança pública, fazendo-se necessário estudar o cotidiano dessas mulheres, considerando o impacto da violência em
suas vidas, as resistências e as adaptações provocadas nas instituições em resposta à presença delas em um ambiente
considerado tradicionalmente masculino.
Palavras chaves: Mulheres; Segurança Pública; Gênero; Violência.
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Supremo reconhece união homoafetiva. <http://www.stf.jus.br/portal>. Acesso
em: 19/06/2015.
ABSTRACT
SUPLICY, MARTA. PLC- 122/06. <http://www12.senado.leg.br> Acesso em 30/06/2015.
The study of women who work in public safety is recent and scarce links between work, gender, exposure to violence
and health of these women, particularly in delimited geographical clippings that focus on the dynamics of the territory.
Traditionally public safety is seen as workspace and male power and women in this category defy that rule, fighting to
prove their ability in this professional field. The study aimed to map the daily lives of working women of public safety,
articulating gender issues and exposure to violence (s) with the health-disease process, whose territorial clipping the
Litoral Paranaense. The methodology was qualitative, through ethnographic research with 50 women (civil and military
police, municipal guards and prison officers), held in the cities of Guaratuba, Matinhos and Pontal do Paraná, in the period
between March/2014 and March/2015. The results revealed: 1) the challenges that these women are submitted, opposite
the seasonal dynamics in the field of public safety Litoral Paranaense; 2) exposure to violence (mainly institutional and
gender) and repercussions on the health of these women, that impact on human development; 3) power relations, marked
by gender asymmetry between professional men and women, signaling the need for designing and implementing specific
public policy for working women in public safety. In summary, this study highlighted the need to give voice to women
professionals in public security institutions, making it necessary to study the daily lives of these women, considering
the impact of violence in their lives, resistances and adaptations caused the institutions in response to their presence in a
traditionally male environment considered.
Key words: Women; Public safety; Gender; Violence.
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Mestranda do PPGDTS – UFPR – Setor Litoral – [email protected]
Orientador Prof. Dr. do PPGDTS – UFPR – Setor Litoral - [email protected]
INTRODUÇÃO
O território é um compartimento do espaço, como fruto de sua diversificação e organização, tendo duas principais
funções: servir de abrigo, como uma forma de segurança e a outra servir como um trampolim para oportunidades
(GOTTMANN, 1973/2005). Para Saquet (2013), segurança e oportunidade requerem uma organização interna do
território, bem como suas relações externas, as de poder e também a dominação, ou seja, o território assume distintos
significados para as mais diversas sociedades e/ou grupos sociais.
O surgimento deste estudo germinou de uma motivação intrínseca, de uma experiência vivenciada ao longo de
seis anos, como profissional da seara de segurança pública, como agente da polícia civil e agente penitenciária em um
município da região.
Para compreender os dilemas e desafios dessas mulheres atuantes na segurança pública, é fundamental o
entendimento da categoria de análise gênero. Neste estudo, são adotados como referenciais de gênero os trabalhos
desenvolvidos por Joan Scott (1996) e Joana Maria Pedro (2005). Scott propõe que gênero é um elemento constitutivo de
relações sociais construídas sobre as diferenças percebidas entre os sexos, sendo ele um primeiro modo de dar significado
às relações de poder. Pedro evidencia o gênero como uma categoria de análise, da mesma forma como quando falamos
de classe, raça/etnia, geração e seus significados.
A violência pode repercutir direta e indiretamente na qualidade de vida e saúde das pessoas, bem como reverbera
no desenvolvimento de uma região, são expressas em distintas categorias e de múltiplas maneiras, perpetradas em
diversos contextos e com repercussões em várias esferas (MINAYO, 2007).
Tradicionalmente a segurança pública é vista como espaço de trabalho e poder masculino e estas mulheres
integrantes da segurança pública desafiam tal norma, desdobrando-se para legitimar sua competência nesse âmbito
profissional, galgando lugares de destaque, a exemplo do cenário deste estudo, o Litoral Paranaense, que é comandado
por uma Capitã.
Portanto, a partir dessas inquietações, este estudo teve como objetivo cartografar o cotidiano de mulheres
trabalhadoras da área de segurança pública, articulando, questões de gênero e exposições às violências com o processo
saúde-doença, tendo como recorte territorial o Litoral Paranaense.
Acredita-se que a inserção do tema de segurança pública e identificação das dificuldades enfrentadas por elas,
visibilizando as relações de traba­lho nas instituições consideradas essencialmente masculinas, poderão subsidiar a
elaboração de políticas públicas, com o recorte de gênero, voltadas a proporcionar melhores condições de trabalho e de
vida à essas profissionais.
METODOLOGIA
Este estudo baseou-se em metodologia qualitativa, por meio de aproximação etnográfica, segundo Clifford Geert
(1973), com objetivo de compreender a dinâmica territorial, cartografando o cotidiano de 50 mulheres trabalhadoras da
área de segurança pública, sendo elas: policiais militares, policiais civis, guardas municipais e agentes penitenciárias,
articulando questões de gênero e exposições às violências com o processo saúde-doença, tendo como recorte territorial
o Litoral Paranaense. Delimitou-se apenas as mulheres que atuam nos municípios de Guaratuba, Matinhos e Pontal do
Paraná, que possuem características balneárias, buscando entender as particularidades desse território e sua influência
no cotidiano das profissionais
Optou-se por se definir o número de sujeitas por inclusão progressiva, sem demarcar a priori o número de
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participantes, que foi interrompida pelo critério de saturação nas entrevistas, ou seja, quando as concepções, explicações
e sentidos atribuídos pelas sujeitas começaram a ter uma regularidade de apresentação (MINAYO, 2007).
A metodologia qualitativa foi construída nesta pesquisa, conforme apontado por Greenhalgh e Taylor (1997) e
também por Stewart (2001), pois permite um conhecimento aprofundado dos significados que as pessoas trazem dos
ambientes, relações e práticas. Ou seja, ela trabalha com o universo dos significados, dos motivos, das aspirações, das
crenças, dos valores e das atitudes (MINAYO, 2007).
A etnografia vem sendo adotada em pesquisas na área de saúde e segurança pública. Segundo Geertz, (1973),
focaliza sua análise na cultura de um grupo, nas redes e padrões de significados que desenham uma cultura e que guiam
e dão sentido às ações das pessoas e que elas nunca são mapeadas até o fim, mais que isso, os estudos etnográficos são
sempre suposições parciais e incompletas e não explicações completas.
A pesquisa de campo ocorreu entre Março/14 à Março/15, tipicamente obtida por meio de imersão na vida diária
dessas profissionais da seara de segurança pública, incluindo o acompanhamento da rotina laboral dessas mulheres na
dinâmica territorial (nas instituições e em atendimento às ocorrências), registros de campo, e entrevistas semiestruturadas
com atoras chave no processo. As observações e vozes que emergiram do campo foram categorizadas tematicamente
por meio de categorias emergentes, que foram analisadas à luz de estudos teóricos sobre gênero, violência, saúde
coletiva e desenvolvimento territorial sustentável.
Somadas aos registros de campo, foram efetuadas entrevistas em profundidade, onde foram utilizados
questionários com perguntas semiestruturadas, com roteiro pré-determinado, um importante arcabouço para buscar
identificar as atoras chaves no processo, focando na percepção da interlocutora de si mesma, da vida e da experiência,
expressa em suas próprias palavras. As entrevistas e anotações de campo foram transcritas, codificadas e realizada
análise temática de categorias emergentes do campo. A identificação e participação das profissionais foram de forma
voluntária e anônima no estudo. Para preservar a identidade e sigilo das informações prestadas, pactuadas por meio da
assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, não se especificou ao longo do texto, nem o quantitativo
nem a corporação de origem das entrevistadas (civil, militar, guarda municipal ou agente penitenciária). Os nomes
citados ao longo do texto são fictícios, também visando preservar a identidade das profissionais.
Nesta pesquisa, as questões éticas referentes às publicações de pesquisa com seres humanos estão em conformidade
com os princípios contidos na Declaração de Helsinque da Associação Médica Mundial (1964, reformulada em 1975,
1983, 1989, 1996, 2000 e resolução 466/2012 do CNS – Conselho Nacional de Saúde), atendendo aos fundamentos
éticos e científicos pertinentes.
RESULTADOS/DISCUSSÕES
1) CARACTERIZAÇÃO DO TERRITÓRIO
O território é um elo pelo qual espaço e sociedade se relacionam, constituindo-se em relações espaciais socialmente
construídas, onde sua concepção como parte do espaço apropriado em uma manifestação de poder, onde os interesses
políticos e culturais acabam atuando como fatores limitantes. Neste estudo, é relevante considerar o conceito de território
de acordo com alguns autores, como Saquet (2013), que apresenta uma abordagem política, econômica e cultural para
território, resultando das relações de poder produzidas por determinado grupo social, ressaltando a abordagem na natureza
como parte do território.
O Litoral Paranaense é uma das regiões menos desenvolvidas do Paraná, analisando-se indicadores socioeconômicos
e de saúde (SIGNORELLI, 2011). Os municípios de característica balneárias, como Guaratuba (aproximadamente 34.000
habitantes), Matinhos (32.000) e Pontal do Paraná (23.000), são territórios peculiares, de contrastes profundos, onde a
sazonalidade influencia diretamente o modo de vida dos habitantes locais, uma vez que durante o verão sua população é
multiplicada por 10.
No quesito segurança pública, a dinâmica é bastante diversificada, uma vez que na época de temporada de verão,
a segurança é reforçada, pois a quantidade de habitantes decuplica. Polícias civis e militares, oriundas dos diversos
municípios Paranaenses se deslocam ao Litoral para reforçarem a segurança local, totalizando num efetivo de cerca de 3
mil policiais e bombeiros na temporada de 2014.
Conforme relatório da Operação Verão da Polícia Militar do Paraná, no primeiro mês da Operação Verão 2014/15,
foram prestados atendimentos a 21 locais de morte, 11 casos de estupros, 589 situações de furto (simples e qualificado)
e 125 casos de roubo. As ações também resultaram na apreensão de 34 armas de fogo, 12,1 Kg de maconha, 2,52 Kg de
cocaína, 5,268 Kg de crack, 71 unidades de ecstasy, 72 unidades de LSD e 15 frascos de lança-perfume. GÊNERO, PODER E SEGURANÇA PÚBLICA
Diversos estudos de gênero vêm sendo produzidos nos últimos anos, promovendo reflexões sobre as relações
que se estabelecem entre homens e mulheres, entre as mulheres e entre os homens (Scott, 1996; Louro, 2000; Saffioti,
2005; Butler, 2008).
Pedro (2005) dialoga com os movimentos sociais, buscando apresentar um panorama de como as categorias de
análise como “mulher”, “mulheres”, “gênero” e “sexo” têm sido constituídas. Nos relatos a seguir, coletados durante
esta pesquisa de campo, observa-se esta influência das desigualdades de gênero no cotidiano das mulheres da segurança
pública:
“...o gênero influencia diretamente no trabalho, na relação entre homens e mulheres, porque
a mulher tem que provar que é competente, tem que se impor senão acaba na faxina ou no
administrativo. Tem colega masculino de serviço que é preconceituoso, não trabalha com
mulher, porque tem medo, agora se a mulher for gay aí é diferente, é tratada como um deles.
Já o homem homossexual é ao contrário, é mal visto, sofre mais preconceito ainda... então é
meio complicada essa relação entre homens e mulheres no meio profissional...” (Profissional
Caroline).
O relato evidencia a valência negativa a tudo que é relacionado ao feminino. Na segurança pública, mulheres
heterossexuais e homens homossexuais são menosprezados, enquanto mulheres homossexuais são tratadas de maneira
diferenciada, já que são associadas a masculinidade. Conforme SAFIOTTI (2005) a hierarquia entre homens e
mulheres é trazida ao debate, fazendo face à abordagem funcionalista, que, embora enxergasse as discriminações
perpetradas contra as mulheres, situava seus papéis domésticos e públicos no mesmo nível, atribuindo-lhes igual
potencial explicativo.
De certo modo, em uma instituição composta majoritariamente por homens, na qual os padrões de virilidade e
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força física são amplamente difundidos, pensar em mulheres compondo a área de segurança pública era algo improvável
e não aceito pela sociedade até pouco tempo atrás. No relato de outra interlocutora, evidencia-se esta inferioridade:
“...existe muita desigualdade entre homens e mulheres na segurança pública, as vagas são
limitadas para entrada de mulheres, não acho justo. A carreira da segurança pública é desvantajosa
para as mulheres, pois no Brasil, a polícia é violenta e repressiva, exigindo um comportamento
agressivo, e neste ponto a mulher está em desvantagem física e emocional. Quem entra nessa
profissão acaba perdendo seu lado frágil, pois a realidade violenta afeta a maneira de ser. ...
(Profissional Letícia)
Na polícia militar e sua organização, que têm como princípios norteadores a hierarquia e a disciplina, ou seja, o
poder, com base na obediência às ordens estabelecidas, observa-se esta diferenciação, pois o poder está no fato de que
alguns indivíduos podem mais outros menos. Entretanto, não de uma forma repressiva, usando força física, mas pelos
atributos de dominação, o denominado poder simbólico (FOCAULT, 2003).
“...as mulheres na segurança pública em cargos de oficialato são a minoria, uma Coronel teve que
entrar na justiça para conseguir sua promoção, que era de direito, um absurdo, muito preconceito...”
“...as mulheres muitas vezes desempenham melhor as funções de comando, mas acho que não
são muito respeitadas. Quando é homem no poder a tropa obedece muito mais...”(Profissional
Andréia).
Para Bourdieu (1998), o poder simbólico é esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade
daqueles que estão sujeitos a esse poder ou mesmo daqueles que o exercem. O autor se concentra nas situações em que
esse poder é normalmente ignorado, fato que nos permite intuir que esse poder é plenamente reconhecido pelos agentes
envolvidos.
Para Focault (2003), o poder configura-se como um lugar estratégico na sociedade, um tipo particular de relação
que influencia e modifica a conduta dos indivíduos, o que contribui para que as relações de poder sejam complexas e
produtoras de outros poderes.
“...o poder é muito marcante em nossa área de trabalho, a cadeia hierárquica é complicada, não
podemos pular cadeia de comando, senão o bicho pega, é punição na certa, sofremos assédio
moral, e as vezes até sexual. Temos que seguir à risca as ordens, com disciplina, temos que
prestar continência aos superiores senão somos punidas, então eu percebo que a sensação de
poder vai mudando o ser humano, a sede de poder transforma a pessoa, geralmente parte para
coisas negativas...” (Profissional Janaína).
No cotidiano laboral das profissionais, constatou-se que apesar da abertura para o trabalho, as mulheres
representam ainda a minoria nas instituições de segurança pública, observado na fala de uma das atoras:
“...as mulheres são minoria, comparada aos homens, até pouco tempo atrás nós mulheres éramos
proibidas de dirigir viaturas, era muito machismo, não havia justificativa, apenas era dada a
ordem, até não concordávamos, mas por causa da hierarquia tínhamos que obedecer, senão
ocorria punição e até assédio moral...” “... Muitas vezes somos tratadas como vagabundas pela
tropa e principalmente pelas esposas dos policias masculinos, que por ciúmes, não permitem que
femininas trabalhem com eles...(Profissional Priscila).
Algumas interlocutoras mencionaram sobre a dificuldade em se relacionar com o companheiro de serviço,
particularmente, no quanto era difícil conquistar a confiança dele, afinal de contas quando se trabalha em duplas a
sua vida depende do outro. É uma via de mão dupla, uma faz a segurança do outro, dando cobertura em casos mais
complexos e perigosos. E quando esta dupla é formada por uma mulher e um homem, este se vê na desvantagem física,
conforme relatado:
“…tive que ouvir de um companheiro de serviço que ele não trabalhava com mulher, dizia
que iria ficar na mão, que na hora do vamos ver eu “colaria as placas”, que ele não queria
morrer, que não confiava em mulher pra trabalhar junto, que somos fracas e não impomos
respeito…” “...nesta área de segurança tem muito disso, se a mulher é vaidosa é vagabunda, se
é homossexual é machorra e o homem é pior ainda, é taxado de marica, o preconceito, é muito
pior, tiram sarro, viraram motivo de piada, os gays levam a pior, viram motivo de chacota,
os efetivos masculinos não querem trabalhar junto com homossexuais do sexo masculino...
tem medo que dê em cima deles, falam que vão descer porrada, que vão ficar desmoralizados,
então tudo é muito escondido, eles tem medo de se assumirem, tem uns que até tem casamento
de fachada por medo de preconceito e perseguição...” (Profissional Fernanda).
Fato curioso foi perceber as “desigualdades de gênero” entre os próprios colegas de trabalho, onde o preconceito
ainda vigora. Neste sentido é visível que esta é uma realidade de várias profissões, não somente da segurança pública,
mas especialmente daquelas associadas tradicionalmente à hegemonia masculina, como no caso o militarismo, onde as
diferenciações de gênero parecem mais rígidas.
SAZONALIDADE, VIOLÊNCIA(S) E SAÚDE
A violência está hoje, entre as maiores causas de morbidade e mortalidade de muitos países do mundo, incluindo
o Brasil (WAISELFISZ, 2008). Para Minayo (2003; 2007) a violência é um fenômeno biopsicossocial, que tem como
espaço de criação e desenvolvimento das relações intergrupais e interpessoais da vida cotidiana, seguindo uma tipologia.
A autora destaca que o termo mais adequado a ser utilizado seria violências, porque envolve uma gama de fatores
expressados nas ações humanas de indivíduos, classes sociais, grupos, ocasionando em atitudes violentas como mortes
ou danos à integridade física, mental, moral ou espiritual. Portanto trata-se de uma realidade multifacetada, complexa e
diferenciada.
Os municípios de característica balneária do litoral paranaense apresentam uma dinâmica territorial
diferenciada e marcante, apesar de a região ser composta por municípios com reduzida população, a violência
é perceptível, principalmente por disputa territorial de gangues de tráfico de drogas, resultantes em homicídios,
estupros e assaltos, conforme relatos a seguir:
“...aqui no litoral é complicado, temos pouco efetivo, e poucas viaturas, as ocorrências que
aparecem em nossa rotina são relacionadas a acerto de contas de tráfico, que acabam em
homicídios, como a segurança é insuficiente nessa época do ano [outono e inverno]... Também
acontece casos de estupros, nessa época fica tudo deserto, pouca movimentação...” “...Já no
verão, recebemos reforços, então as ocorrências são variadas, mas a fiscalização é muito
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maior...” (Profissional Carolina)
Conforme Signorelli (2011) o litoral é uma das regiões menos desenvolvidas do Paraná. É um território de
contrastes profundos, onde a sazonalidade influencia diretamente o modo de vida dos habitantes locais. As influências
sazonais não se restringem apenas às estações do ano, mas também às condições climáticas, sol e chuva, que repercutem
na dinâmica territorial e nos arranjos locais.
São duas cidades distintas convivendo, muitas vezes conflitantes, no interior da mesma cidade: os veranistas e
os moradores, o mangue e a orla da cidade à beira-mar, a temporada de verão e o inverno. São explícitas as diferenças
particulares desse território, da desigualdade de oportunidades, da flutuação sazonal, e que fica particularmente evidente
na questão da segurança pública.
Minayo e Adorno (2013) apresentam uma importante contribuição em seu artigo, a reflexão do policial como
produtor e consumidor simultâneo da segurança pública, o policial compromete sua própria segurança para garantir a
dos outros e paga um elevado preço por isso, conforme pode ser ilustrado no trecho a seguir:
“...as corporações policiais poderiam ser configuradas como organizações nas quais o risco
como escolha individual é previsível e inclusive desempenha um papel inerente às condições de
trabalho, ambientais e relacionais. Os profissionais que as compõem têm consciência disso. Seus
corpos estão permanentemente expostos e seu espírito não descansa num sentido de alerta que as
investigações demonstram. Em todas as pesquisas realizadas com policiais observamos que eles,
ao mesmo tempo temem as dificuldades e sentem os perigos, relatam “o vício da adrenalina” que
os mantém prontos para a ação...” (MINAYO (2013), p 588)
Os autores ainda abordam que a segurança coletiva não pode ser obtida negligenciando a segurança dos próprios
agentes da lei, sob a cruel desculpa da sua suposta vocação para o heroísmo. “...essa profissão é perigosa, arriscamos nossas próprias vidas pela profissão, não trabalhamos com
equipamentos de segurança apropriados, muitos coletes balísticos estão vencidos, se der bobeira
você perde a vida. Lidar com presidiários é sempre uma caixinha de surpresas, tenho colegas
que foram reféns e que ficaram fora da casinha até hoje. Quando tem rebelião é estressante, nos
preocupamos pois a mulher é sempre alvo de estupro...” “...A maior e pior preocupação é com a
família, porque temos medo pela segurança deles, porque nossa profissão é muito marcada, temos
um rótulo, somos alvos de ameaça fora do serviço, e quem paga o pato as vezes é nossa própria
família. Meu filho já foi ameaçado várias vezes, é terrível ter que viver em constante alerta...”
(Profissional Flávia)
De acordo com a interlocutoras deste estudo, as violências mais comuns no Litoral Paranaense são: homicídio,
violência contra mulheres (estupro), furto, roubo e tráfico. As estações com maiores relatos de violência doméstica são o
inverno e verão, no inverno porque o número de pessoas ociosas aumenta, e o consumo excessivo do álcool também, já
no verão como a população flutuante aumenta consideravelmente as ocorrências decuplicam.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa, realçou-se denso e tenso contexto de negociações a que essas mulheres de segurança pública
são submetidas, imbricadas por relações hierárquicas de poder. Observa-se uma iniquidade de gênero e forte violência
institucional, desde preconceito e discriminação por serem mulheres, até casos de assédio moral e sexual.
A influência sazonal é bem marcante e influencia a rotina da região litorânea, principalmente no quesito segurança
pública. Outro fator notório foram as precárias condições de trabalho que reverberam diretamente no processo saúdedoença, em ambientes insalubres, bem com sobrecarga de trabalho nos períodos de maior movimento no litoral.
Ocorre uma repercussão significativa do trabalho na vida pessoal e social dessas mulheres, principalmente o
risco e ameaça da segurança de seus familiares, causando um forte impacto emocional e psicológico, devido ao estado
de alerta constante
A análise dos municípios do Litoral Paranaense sob a ótica da segurança, bem como da saúde é fundamental
diante do desafio do desenvolvimento territorial sustentável, havendo a necessidade de elaboração e implementação
de políticas públicas específicas, especialmente quando voltadas à situação das profissionais atuantes em segurança
pública.
A experiência dessas mulheres permanece invisível nas estatísticas oficiais da Segurança Pública, não só a nível
paranaense. É preciso conhecer quem são e quais os desafios que enfrentam em seu cotidiano, para problematizar o
tema, ganhando uma maior visibilidade, contribuindo de maneira significativa na construção de indicadores de gênero,
mostrando situações específicas das mulheres.
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POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE PARA OS HOMENS DE MATINHOS – PR: OBSTÁCULOS NA
ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
Bruna Priscila da Silva1; Ivan Jairo Junckes2
RESUMO
A Atenção Básica é o principal acesso aos serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, todavia são muitos os
desafios para a implantação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH). Visando contribuir
com a temática, a questão central que orienta este trabalho é examinar a inserção dos homens nos programas da saúde em
Matinhos-PR, nos anos de 2011 e 2012. A coleta de dados foi realizada por meio de análise dos dados do Relatório Anual
de Gestão da Saúde e entrevistas semi-estruturadas. Os resultados obtidos indicam que, além das barreiras históricas
de gênero e do interesse dos homens por políticas específicas, em Matinhos esta parcela da população carece do acesso
necessário as ações de atenção básica.
Palavras-chave: homem, saúde, políticas públicas, Matinhos.
ABSTRACT
The Primary Care is the main access to the services of the Unified Health System (SUS) in Brazil, however there
are many challenges to the implementation of the National Policy for Integral Attention to Men’s Health (PNAISH).
Aiming to contribute to the theme, the central question that guides this paper is to examine the inclusion of men in health
programs in Matinhos, PR, during these years 2011 and 2012. Data collection was carried out through analysis of annual
report data Health Management and semi-structured interviews. The results indicate that in addition to historical barriers
of gender and the interest of men for specific policy in Matinhos this portion of the population lacks the necessary access
to primary care actions.
Keywords: man, health, public policy, Matinhos.
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Graduada em Gestão Pública pela UFPR - [email protected]
Professor do Curso de Gestão Pública na UFPR - [email protected]
1 INTRODUÇÃO
A Atenção Básica é o principal acesso aos serviços de saúde. A Política Nacional de Atenção Básica é a soma da
experiência de agentes diretamente ligados com o desenvolvimento e a concretização do Sistema Único de Saúde. Essa
política está integrada com a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem, que pretende guiar as ações,
promover e direcionar a população masculina aos serviços de saúde, priorizando a humanização, com foco na faixa etária
de 20 a 59 anos (BRASIL, 2009).
Os desafios para a implantação dessa política são muitos e a questão central que orienta este trabalho é examinar
as políticas públicas de saúde e a inserção dos homens nos programas da saúde s em Matinhos-PR nos anos de 2011 e
2012.
Para o presente estudo foram realizadas pesquisas bibliográficas acerca da temática das políticas públicas e da
saúde do homem; foi feita análise dos dados do Relatório Anual de Gestão da Saúde de Matinhos e foram realizadas
também 10 entrevistas semi-estruturadas com homens que tinham como profissão a construção civil e a pesca, além de
uma entrevista com a Coordenadora do Programa Saúde da Família de Matinhos-PR.
A atenção primária à saúde é declarada uma prioridade para a implementação da Política Nacional de Atenção
Integral à Saúde do Homem, que foi lançada no dia 27 de agosto de 2009, pelo Ministério da Saúde, após a constatação
de que os agravos da saúde do sexo masculino são um problema de saúde pública. No ano de 2009, no Brasil os homens
de 20 a 59 anos somaram 52 milhões de pessoas e do total de 38 milhões de trabalhadores, 22,5 milhões pertencem a
população masculina (BRASIL, 2009).
O reconhecimento de que os homens acessam o sistema de saúde, através de atenção de alta e média complexidade,
tem como consequência o agravo da doença, em função da demora na procura do serviço de saúde, gerando assim maior
custo para o SUS. Por isso se faz necessário fortalecer, promover e qualificar a atenção primária, garantindo a promoção
e prevenção da saúde e as doenças evitáveis (BRASIL, 2009, p.13).
Como cita Campanucci, (2011):
como Postos de Saúde ou “Postinhos”. A finalidade dessas unidades é atender até 80% da população, para que os pacientes
não precisem de encaminhamento para o hospital (UBS, 2011). O município de Matinhos possui 06 Unidades Básicas
de Saúde. A unidade básica abriga, no mínimo, uma Equipe de Saúde da Família (ESF). Em 1994 surgiu o Programa
Saúde da Família, com intuito de organizar a atenção básica do SUS, promovendo a melhoria das condições de vida da
população. (BRASIL, 2006)
Com base no Sistema de Informações da Mortalidade, o Relatório Anual de Gestão (RAG), registra 118 óbitos
no ano de 2012 em Matinhos, sendo 85 do sexo masculino e 33 do sexo feminino. As causas dos óbitos foram hipertensão
arterial e doenças cardíacas (25); neoplasias em geral (13); 08 mortes decorrentes de diabetes mellitus; 25 de violências
em geral e 17 mortes súbitas de causas desconhecidas e morte sem assistência (PMM, 2012).
Grillo e Gorini, (2007) notam que:
A diabete melito é uma doença de importância mundial que vem se tornando um problema de
Saúde Pública, tomando proporções crescentes no que se refere ao aparecimento de novos casos.
É uma das principais doenças crônicas que afetam o homem, acometendo populações de países
em todos os estágios de desenvolvimento econômico-social. (GRILLO e GORINI 2007, p. 49,
grifo nosso).
Com base em outros dados sobre óbitos ocorridos no Brasil, nota-se que nos últimos anos há uma concentração
de mortes de adultos do sexo masculino, principalmente até os 29 anos de idade (BRASIL, 2011).
Em pesquisa realizada em Matinhos, Oliveira (2012) constata que existem 800 pessoas com diabetes melito, cadastradas
através de Programas de Agentes Comunitários de saúde e das Estratégias de Saúde da Família, que representa 3,34% da população
do município. Esse dado é preocupante se levarmos em conta que a diabete está ligada as causas de morte e internação. A autora cita
ainda que “no ano de 2002, o coeficiente de mortalidade por diabete no município de Matinhos foi de 29,7 por 1.000 habitantes, com
um crescimento de 54,2 por 1.000 habitantes para o ano de 2009” (OLIVEIRA, 2012).
2 AS AÇÕES DE ATENÇÃO PRIMÁRIA EM MATINHOS
A atenção básica ou primária no Brasil, também defendida como a porta de entrada do SUS,
consiste em um relevante espaço de promoção da saúde, prevenção de doenças e representa o
primeiro passo na busca pela consolidação de uma assistência integral à saúde. (CAMPANUCCI,
2011, p. 2).
Conforme programação anual de saúde, do Relatório Anual de Saúde de 2011 e 2012, as ações de saúde foram divididas em
05 eixos. O eixo estudado é o Eixo de Atenção Primária em Saúde nas linhas de cuidado da Saúde da Criança, da Saúde do Idoso, da
Saúde da Mulher nos seus ciclos de vida, Saúde do Adolescente e do Homem. As diretrizes de 2011 e 2012 programadas e realizadas
descritas no eixo citado seguem abaixo.
Muitas doenças poderiam ser evitadas, se a população masculina, realizasse com frequência, as medidas de
prevenção primária. Se os homens resistem na utilização da atenção primária, aumenta não somente os gastos financeiros
da sociedade, mas também, o sofrimento tanto físico quanto emocional do enfermo, de sua família, de seus amigos, na
luta pela conservação da saúde e da qualidade de vida do paciente (BRASIL, 2009).
No primeiro item de Atenção a Saúde do Idoso, a meta programada em 2011 foi vacinar 1858 pessoas acima de
60 anos contra a gripe influenza e 2978 foram vacinados. O número de pessoas imunizadas foi acima do esperado, a
justificativa para tal número, como expõe o relatório é que no período de inverno aumenta a população idosa no litoral do
Paraná. Em 2012 a meta era a mesma, só aumentou o número de pessoas que foi de 3553, sendo imunizados 3211 idosos.
Na Atenção de Saúde da Criança, em 2011 a intenção era vacinar 371 crianças menores de 01 ano contra a poliomielite. A
meta foi cumprida e 434 crianças foram vacinadas. No ano de 2012 o propósito era o mesmo, o que diferencia é o número
de crianças que foi de 412, desse número foram vacinadas 83 crianças a mais.
Na Atenção de Saúde do Adolescente, nos dois anos não foi realizada nenhuma ação específica para este grupo.
Mas foram realizadas algumas atividades em educação em saúde em escolas, como com atividades, palestras, orientações
sobre a saúde bucal realizadas pelas Equipes de Saúde da Família.
Bahia (2006) alerta que decorridos 15 anos que o SUS foi criado e instituído pela Constituição Federal ele
está longe de ser executável, as condições em que o sistema único de saúde encontra-se são muito diferentes daquelas
preconizadas no SUS constitucional. Isto é, o SUS real, distancia-se do SUS constitucional. O SUS possui problemas que
dificultam e repelem a população masculina dos serviços de Atenção Primária à Saúde (CAMPANUCCI, 2011).
O acesso preferencial de entrada para o SUS são as Unidades Básicas de Saúde (UBS), conhecidas popularmente
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No quarto item de Atenção à Saúde da Mulher, o objetivo era realizar 7901 exames preventivos e somente 1743
exames foram realizados. Os dois motivos para o baixo número de exames realizados foram: rotatividade de profissionais
da área da saúde e a dificuldade em atrair as mulheres para a realização do exame. Além disso, foram criados horários
alternativos, para que o público-alvo citado pudesse realizar o atendimento, mas, mesmo assim, o número de mulheres
atendidas não foi nem a metade da meta proposta. Em 2012 a meta programada foi a mesma de 2011 e somente 1089
exames foram feitos. A justificada para esse baixo número foi a mesma do ano anterior e em 2011 houve uma adesão
maior do que em 2012.
No item de Atenção a Saúde do Homem, que é o objeto de estudo deste artigo, esse item não foi realizado como
programa em 2011 e 2012, mas inserido nas ações de atendimento nas unidades básicas de saúde.
Nas Ações de Alimentação e Nutrição, a cobertura do Programa do Leite de 2011 era diminuir o baixo peso de
212 crianças. A meta alcançou o resultado esperado, sendo atendidas 288 crianças. Em 2012 o objetivo era o mesmo de
2011 e foram acompanhadas 283 crianças.
No item de Controle de Hipertensão Arterial, através da Cobertura do Programa Hiperdia era recadastrar, revisar
e monitorar 3093 pessoas acima dos 20 anos. A ação teve um número acima do esperado, contabilizando 9123 pessoas,
em 2011. No ano de 2012 o objetivo era igual ao de 2011, sendo acompanhadas 3147 pessoas, número maior do que o
ano anterior.
Nas Ações de Controle da Diabetes Mellitus, a meta do ano de 2011 por meio da Cobertura do Programa Hiperdia
era recadastrar, revisar e monitorar 1251 pessoas de 30 a 69 anos. A meta foi alcançada totalizando 2978 pessoas.
Em 2012, o propósito era o mesmo de 2011, a meta não foi alcançada, sendo monitoradas 1150 pessoas, sendo 255
insulinodependentes.
Na Atenção a Saúde Bucal, o objetivo de 2011 era dar continuidade nas ações educativas e preventivas que
já são realizadas. Em 2012 foram realizados 15.736 atendimentos odontológicos, deste número 9028 foram atividades
educativas. No item de Expansão das Equipes de Saúde da Família, tanto em 2011 quanto em 2012, o objetivo era aumentar
o número de famílias atendidas pela Equipe da saúde da família. O relatório não expressa números para comparar se a
meta foi cumprida, somente em 2012 o relatório cita que não houve o cumprimento do objetivo programado.
No item de Implementação de Educação para os agentes comunitários de saúde, o objetivo dos dois anos era
realizar 10 eventos para capacitação dos servidores, como palestras, cursos, seminários, etc. Em 2011 não há registro da
realização dos eventos, já em 2012 eles foram realizados.
Nas Ações de Saúde Mental, foram realizados em 2011, 1920 atendimentos psicoterápicos, que consistem em
entrevistas/conversas com psicólogos. No ano de 2012 foram realizados 1200 atendimentos, além da dispensação de mais
de 8000 receitas de medicamentos controlados. No último item de Implementação de Atenção Básica para Reabilitação,
15829 atendimentos foram feitos, através de atendimentos da Clínica de Fisioterapia. Em 2012 foram realizados 9492
atendimentos.
Nota-se que, de um ano para outro, em alguns itens não houve mudanças, mas em outros aumentou ou diminuiu o número
de pessoas atendidas, isto é, os objetivos, em sua maioria eram os mesmos, o que diferencia os dois anos é a quantidade de pessoas
que é beneficiada por tal meta.
O item de maior interesse que é o de Atenção a Saúde Integral do Homem, que não foi realizado como programa, mas
inserido nas ações executadas nas Unidades de Saúde da Família. Nesse primeiro momento, o que expressa o Relatório é que não
existem programas especificamente voltados ao homem (PMM, 2012, grifo nosso). Além disso, é necessário criticar o Relatório
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Anual de Gestão da Saúde de 2011 e 2012, que em muitos momentos deixa a desejar, as informações não estão detalhadas ou
explicadas, sendo facilmente encontradas várias incoerências, isto é, a qualidade da informação é precária.
2.1 A QUESTÃO DE GÊNERO EM QUESTÃO: A MASCULINIDADE COMO AMEAÇA AOS HOMENS
É essencial discutir sobre gênero, quando se fala sobre saúde do homem. A identidade de ser homem
é formada pelo modelo de masculinidade, que molda a maneira que o homem deve adotar para viver. Os valores, os
princípios e as regras desse modelo devem ser seguidas por todos os homens, pois homem que não segue o modelo é
considerado menos homem. O modelo hegemônico de masculinidade preconiza que os homens, que os “verdadeiros
machos”, devem ser fortes, corajosos, ativos, invulneráveis e invencíveis. (GOMES, 2010, grifo nosso).
Esse modelo hegemônico é predominante, porque é considerado como um modelo natural e normal (KORIN,
2001). Junto com esse modelo, estão enraizados os problemas de realizar a necessidade de saúde do homem, por
simplesmente citar ou conversar sobre os problemas de saúde, os homens se sentem fracos, envergonhados e tem medo
se serem vistos como “femininos” por outras pessoas. A partir disso, vem o conceito de feminilização relacionado a saúde
(FIGUEIREDO, 2005). Nas palavras de Promundo apud Gomes (2010):
Gênero se refere às formas como somos socializados, como nos comportamos e agimos, tornando-nos homens e
mulheres; refere-se também à forma como estes papéis e modelos, usualmente estereotipados, são internalizados,
pensados e forçados. (Promundo apud Gomes 2010, p. 14).
No final da década de 1970, as políticas de gênero fortaleceram-se no Brasil, visando a “redemocratização do
Estado” e ao avanço das condições de vida e trabalho. Foi nesse contexto, que as mulheres organizaram-se, uniram-se e
participaram dos “movimentos sociais e partidos políticos” que discutiam sobre as igualdades de poder entre homens e
mulheres (Couto e Gomes, 2012, p.2571).
Até recentemente as questões de gênero abordavam quase que exclusivamente as mulheres e a feminilidade.
(KORIN, 2001). Braz, (2005, p.97) conclui “que a saúde do homem tem sido pouco considerada pelas políticas públicas
de saúde o que acaba por redundar numa atenção precária dos serviços de saúde”.
A maior dificuldade das políticas públicas não é simplesmente “fazer” a inclusão dos homens nos serviços de
saúde, mas mobilizá-los, sensibilizá-los da grande importância de cuidar da saúde e os benefícios que eles ganham com a
prevenção de doenças, tal qual apontam ALBANO, BASÍLIO e NEVES, (2010). Os autores destacam que “sem equidade
de gênero não há saúde”. A discussão sobre poder que homens têm em relação às mulheres encaixa diretamente com a
masculinidade.
Assim cita Korin (2001):
[...] cada vez que um homem maltrata uma mulher, reafirma-se a mensagem que os homens têm
poder sobre as mulheres: basta que alguns homens o façam para que todas as mulheres recebam
a mensagem. (KORIN, 2001, p.69).
Em todas as Unidades Básicas de Saúde de Matinhos, os profissionais das ESFs, são em sua maioria, mulheres.
Por isso visualiza-se que a UBS é um território feminino. Longe de querer propor a “masculinização” da UBS, mas é
necessário reconhecer a necessidade de políticas e práticas diferenciadas e inovadoras para o acolhimento dos homens
neste território feminino.
Em pesquisa, Gomes e Nascimento (2006, p.902) explicam que analisando a temática “homem e saúde” algumas
considerações são indispensáveis para a discussão desse tema. Sendo elas, os homens adoecem e morrem mais do que
as mulheres; a masculinidade e a saúde estão associadas; a construção do gênero masculino e os efeitos na área da saúde
devem ser voltados para a “perspectiva relacional de gênero”; o aumento de atitudes agressivas dos homens faz com que
ele seja um perigo pra si mesmo e pra outros, atingindo principalmente mulheres e crianças.
É notória a diferença da implantação e criação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher e da
Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem. A primeira foi protagonizada pelos movimentos feministas,
enquanto a segunda surgiu após decisão do governo federal (COUTO e GOMES, 2012). A procura dos homens aos
programas de saúde só acontece quando a doença está avançada, como a diabetes e hipertensão, por isso o sistema de
saúde foi “obrigado” a mudar a tática dos serviços de saúde, em relação ao gênero masculino. (ALBANO, BASÍLIO e
NEVES, 2010).
Castro apud Couto e Gomes (2012, grifo nosso), entendem que a PNAISH não deve ser apenas mais uma política,
mas uma Política que precisa ser debatida e apoiada como “política transversal de gênero” voltada principalmente à saúde.
Em entrevista, a Coordenadora do Programa Saúde da Família revela que atualmente no município os serviços
oferecidos nas UBS são basicamente voltados para todos públicos e que não existem programas que atendam somente os
homens. Ela atribuiu alguns motivos, para inexistência de tais programas, sendo eles: falta de materiais e equipamentos para
o atendimento dos pacientes; espaço físico limitado para atender exclusivamente os homens e a carência de profissionais
qualificados para atender.
A Secretaria da Saúde de Matinhos reconhece seus problemas, em relação à estrutura física dos serviços de saúde
em atenção primária, as dificuldades enfrentadas nas estruturas dos prédios da saúde e de manutenção nas UBS; também
em relação aos problemas enfrentados para a implementação do Programa Saúde da Família, devido a dificuldades de
manter e fixar médicos nas UBS; rodízio de vários profissionais de enfermagem e devido à desconfiança da população em
relação aos profissionais existentes dos Postos de Saúde (PMM, 2012).
3 A SAÚDE DO HOMEM EM MATINHOS: RELATOS DAS DIFICULDADES DE ACESSO A ATENÇÃO
À SAÚDE PRIMÁRIA
Visando aprimorar as análises, foram realizadas dez entrevistas semi-estruturadas, com um questionário
contendo 34 perguntas. As entrevistas foram realizadas com 10 homens, sendo 05 homens que trabalham com atividade
pesqueira e 05 homens que trabalham com a construção civil. A escolha dos entrevistados ocorreu por meio dos seguintes
critérios: homens, do sexo masculino; com idade superior ou igual a 20 anos, que residam em Matinhos e ter como ofício
a atividade pesqueira ou que trabalhassem com a construção civil, todos os entrevistados concordaram com a abordagem.
O enfoque nessas duas categorias de profissão aconteceu devido à exposição a vários riscos e problemas de saúde que os
trabalhadores estão sujeitos (PROSENEWICZ e LIPPI, 2012).
Filho (2011) explica que:
O trabalho na construção civil é extremamente penoso pelas condições ambientais onde é
realizado e também pelo desgaste físico dado pelas atividades normalmente envolvendo peso e
posturas críticas. Associado a isto se tem o estresse devido à transitoriedade e à alta rotatividade
neste setor produtivo, que aumenta o risco de contrair vários tipos de enfermidades e entre elas as
musculoesqueléticas, presentes em 64% das doenças ocupacionais em 2009, com destaque para
alterações na coluna e lombalgia. (FILHO, 2011, p. 6).
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Rosa e Matos, (2010, p. 1543) debatem sobre a saúde, os riscos, a atividade pesqueira e sobre os catadores de
caranguejo da Baía de Guanabara. Esses trabalhadores correm vários riscos, como afogamentos, acidentes com barcos,
com os equipamentos de pesca, estão sujeitos à exposição do sol, do calor, do frio e mudanças no clima, sem contar o
esforço físico, do peso carregado e levantado.
O primeiro ponto em comum entre os entrevistados revela algo bastante interessante: a maioria ameniza as
dificuldades vividas no exercício profissional e não cita perspectiva de mudar de profissão. Quando perguntado se eles
pretendiam mudar de ofício, já que eles têm dores e problemas de saúde que podem se agravar, apenas um afirma a
necessidade mudar de profissão e trabalhar em outra área.
A metade dos entrevistados aprendeu seu ofício com o pai e/ou irmão, iniciando a trabalhar ainda criança. Quase
todos relataram problemas de saúde devido à profissão exercida, como dores na coluna, nos ombros, nos braços e pernas.
Dores que muitas vezes se agravam, se eles não forem ao médico. Neste sentido, a seguir alguns trechos das entrevistas:
“Já fiz operação na coluna, por causa da pesca” “ainda tenho muitas dores nos ombros” (Entrevistado 2, 49
anos).
“Precisei fazer operação nas vistas, por forçar as vistas, fazendo e remendando as redes à noite” (Entrevistado
5, 82 anos).
“Faz 15 anos que trabalho com obras e tenho dores nas costas, braços e ombros” (Entrevistado 8, 47 anos).
Quando questionados se tiveram ou têm alguma doença, quase todos relataram algum problema de saúde, como
a diabete, reumatismo, labirintite, gota, colesterol alto, pressão alta e hipertensão. A seguir alguns fragmentos que ilustram
essas doenças:
“Tenho colesterol alto e fumo já faz 30 anos” (Entrevistado 7, 51 anos).
“Eu tenho hipertensão, não me consulto, só pego a receita e compro os remédios. Porque nunca tem remédio
aqui” (Entrevistado 10, 36 anos).
Também foi perguntado sobre a relação do entrevistado com o SUS, se ele utiliza ou já utilizou os serviços
públicos de saúde. Todos responderam que já utilizaram o SUS de Matinhos, em alguma situação. Eles utilizam
principalmente o Hospital, devido à urgência do problema de saúde. Pois quando sentem uma dor ou incômodo que eles
podem “aguentar” não vão ao médico. Seis entrevistados avaliaram o SUS de Matinhos como péssimo. Essa avaliação
por parte dos entrevistados tem como base alguma situação que eles viveram e presenciaram. Por conta dessa experiência
eles não procuraram mais o sistema de saúde. Alguns trechos das falas evidenciam esta situação:
”Quebrei a costela e fui no hospital me consultar, eles falaram que não era nada, continuei com dor. Daí eu
tava sentindo muita dor, paguei um médico particular e lá ele disse que tinha quebrado duas costelas e que perfuraram
o pulmão” (Entrevistado 2, 49 anos).
“Além da demora no atendimento, tem médico que pergunta o que você tem. Claro se eu soubesse o que eu
tenho, nem vinha no médico” (Entrevistado 3, 42 anos).
“O atendimento é péssimo, tem que esperar pra marca consulta e às vezes consegue consulta” (Entrevistado 9,
48 anos).
“Tive que pagar 14 exames que o médico pediu, porque se fosse esperar pelo SUS, ia demorar muito”
(Entrevistado1, 68 anos).
Focando diretamente no objeto desse trabalho, quando questionados se conheciam algum atendimento, programa
ou ação especificamente voltada para o homem, nenhum deles conhecia, ou tinha ouvido falar sobre esse tipo de
atendimento.
“Não conheço nenhuma consulta só pro homem” (Entrevistado 8, 47 anos).
“Que eu saiba não tem, não. Só tem pra mulher” (Entrevistado 4, 52 anos).
Alguns entrevistados contaram também que, não há médicos suficientes para atender toda a população. Matinhos
sofre com a difícil fixação e contratação de médicos. Além dos médicos, ocorre uma rotatividade de outros profissionais
da saúde (PMM, 2012).
“Vou no postinho e não tem médico, nem remédio, de que adianta ir lá então” (Entrevistado 10, 26 anos).
“Toda vez que eu vou no posto, não tem médico e ainda tem que esperar pra marcar consulta” (Entrevistado
6, 49 anos).
Alguns entrevistados falaram que é difícil eles terem que perder um dia, ou até mais, só pra marcar uma consulta.
Sendo que são eles que sustentam toda a família. Por isso muitos deles deixam de comparecer às Unidades de Saúde para
agendamento ou para realizar algum procedimento, como pode ser percebido nas falas a seguir:
“Quando a gente vai no Posto, não tem médico. As vezes perco um dia de serviço só pra ir marcar” (Entrevistado
3, 42 anos).
“Não me consulto, porque tenho que trabalhar, o horário do Posto, não dá certo” (Entrevistado 2, 49 anos).
Depreende-se a evidente necessidade de ajustes no sistema de atendimento para que os homens, pelo menos
trabalhadores da construção civil e pesca, sejam atendidos em suas necessidades elementares de atenção à saúde. A
instauração de horários alternativos para atender aos homens seria um começo.
4 CONCLUSÃO
Os serviços de saúde de Matinhos dirigidos ao homem, principalmente na Atenção Básica, carecem de avanços,
pois entende-se que a atenção primária ou básica consiste no primeiro passo para o acesso aos serviços de saúde. A única
ação voltada ao homem é o atendimento especializado de médico urologista, em uma única Unidade Básica de Saúde.
Somente essa ação não se caracteriza com uma política pública. As outras ações que existem abrangem a população em
geral. Tal condição implica na constatação de que não se dispõe de uma política de saúde para o homem no município.
A estrutura dos Postos de Saúde é precária, especialmente quando refletimos acerca das ações as quais os homens
são usuários. Pois para o atendimento desses homens seria necessário o aprimoramento da capacitação de pessoal e um
espaço físico melhor estruturado.
Adicionalmente, os horários precisam passar por urgentes ajustes. O que se pode observar é que os entrevistados
procuram atendimento à saúde somente quando, por causa da dor, não conseguem trabalhar. Do contrário, quando sentem
um sintoma, grave ou tênue, não buscam os serviços de saúde. Quando o fazem, precisam ausentar-se do trabalho e
amargar a redução de renda naquele dia ou período, visto que muitos deles trabalham em ocupações informais ou com
baixa formalização. Além da equipe e da estrutura, os horários de atendimento das UBS deveriam ser adequados para
que os homens que trabalham pudessem ser atendidos em outro turno.
Porém, algo mais seria necessário. Percebe-se que mesmo que houvesse um horário especial de atendimento,
profissionais capacitados para atender aos homens, espaço físico e material disponível e suficiente para uso, os homens
ainda assim talvez não buscassem o atendimento. Nota-se que a cultura de invencibilidade, virilidade e machismo,
está enraizada de tal forma que essas mudanças não seriam suficientes para atender muitos dos homens que vivem no
município estudado. A questão de gênero está diretamente ligada nesse contexto. Mais do que preparar bem as UBSs
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para receber esses homens, é necessário mobilizar os homens para que eles utilizem os serviços de saúde. Através não
só de campanhas, mas de ações que envolvam a família, as igrejas, os clubes de futebol, as empresas, as associações
comunitárias, os sindicatos e demais entidades as quais os homens mantêm relacionamentos de referência. Outro espaço
privilegiado de preparação dos homens que utilizarão os serviços no futuro é a escola. Ali poderiam ser fortalecidas as
ações desenvolvidas na saúde, educando e criando a cultura que transforme as práticas de “masculinidade resistente”
preconizada pelo modelo hegemônico de masculinidade.
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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA AS MULHERES EM NOVA ANDRADINA - MS
Cláudia Geani Torres1; Neiva Maria Alves2; Paulo César Schotten3; Rodrigo Santolini Soares4; Solange Fachin5
RESUMO
Objetivou-se, com este trabalho, identificar as ações que o governo municipal de Nova Andradina está executando em
relação à política pública para a mulher. Por política pública entendem-se decisões e ações governamentais que influenciam a vida dos cidadãos frente situações vulneráveis. Através do levantamento de base bibliográfica e um estudo de
caso com metodologia qualitativa, identificou-se as ações implementadas pela Secretaria Executiva de Políticas para a
Mulher de Nova Andradina, as quais estão impactando de forma positiva as estatísticas do município, que vem se destacando no cenário estadual pela implementação de práticas inovadoras.
Palavras-Chave: Política Pública, Mulheres, Empreendedorismo.
ABSTRACT
This research aimed to identify the actions that the municipal government of New Andradina is performing in relation to
public policy for women. For public policy shall mean decisions and government actions that affect the lives of citizens
across vulnerable situations. Through a study of bibliographic database and a case study with qualitative methodology ,
it identified the actions implemented by the Executive Secretariat of Policies for Women of New Andradina , which are
impacting positively statistics of the city , which has been highlighted the state setting for the innovative practices.
Keywords: Public Policy; Women; Entrepreneurship.
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1.INTRODUÇÃO
Entende-se por política pública segundo Kanaane, Filho e Ferreira (2010), que as políticas são disposições,
medidas e procedimentos que traduzem a “orientação política do Estado e regulam as atividades governamentais relacionadas às tarefas de interesse público, refletindo a ação intencional do Estado junto à sociedade”. Um dos campos
dentro das políticas públicas que merecem atenção é o destaque para as políticas públicas promovendo a redução das
desigualdades de gênero. Preocupado com este contexto de atenção a “Mulher” o município de Nova Andradina é inovador preocupando-se em criar uma Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher, para dar importância às políticas
públicas que tenham como objetivo a equidade de gênero, excluindo todas as violências contra a mulher e trabalhando
para sua emancipação financeira com uma participação ativa nos setores econômicos da sociedade.
Os pesquisadores despertaram a curiosidade em conhecer as políticas públicas para as mulheres implementadas no município de Nova Andradina, tendo como problemática central do estudo identificar: quais são as ações que o
governo municipal de Nova Andradina está implementando em relação à política pública para a mulher?
Este relato aborda as políticas públicas para a mulher desenvolvidas no município de Nova Andradina, estado
de Mato Grosso do Sul, constituído município em 01/01/1959, com população residente de 45.585 habitantes segundo
o IBGE, área de unidade territorial de 4.776.002 Km², população de mulheres de 22.852 e homens 22.733. Ao observar a política pública municipal, o presente artigo tem como objetivo mensurar as ações desenvolvidas nos últimos dez
anos na secretaria executiva de políticas públicas para a mulher no município de Nova Andradina. Visando atender esse
propósito faz uso da metodologia diagnosticada em um estudo de caso embasado em um estudo bibliográfico e descritivo junto à referida secretaria com entrevista a secretaria de assistência social e as participantes das ações.
2. POLÍTICAS PÚBLICAS
O conceito de políticas públicas esta embasado nos autores: Teixeira (2002), Farah (2004) e Santos (2006).
Nesse artigo observaram-se as considerações do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, fundação pública
vinculada ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, o IPEA fornece suporte técnico e institucional às ações
governamentais - possibilitando a formulação de inúmeras políticas públicas e de programas de desenvolvimento brasileiro - e disponibiliza, para a sociedade, pesquisas e estudos realizados por seus técnicos.
As políticas públicas são instituídas pelo Estado (nível federal, estadual e municipal), com objetivo de atendimento das necessidades populacionais da sociedade civil. Ressaltando que também podem contar com iniciativas privadas mediante suas necessidades.
“Políticas públicas são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado”.
(TEIXEIRA, 2002)
Ainda segundo Teixeira (2002), são políticas explicativas, sistematizadas ou formuladas em documentos (leis,
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programas, linhas de financiamento) que orientam ações que normalmente envolvem aplicações de recursos públicos.
Nem sempre, porém há compatibilidade entre as intervenções e declarações de vontade e as ações desenvolvidas. Devem ser consideradas também as “não ações” as omissões, como forma de manifestação de políticas, pois representam
opções e orientações dos que ocupam cargos.
O Estado tem o dever de promover ações públicas preventivas de acordo com as necessidades dos municípios,
agindo sobre a política econômica, social, saúde, educação, assistência social e outras, com a população participativa
para o atendimento aos interesses da maioria da população.
Para compreender o que é de necessidade à sociedade é preciso encontrar e apontar as dificuldades, os problemas e limites para a prática poder entrar em ação, por meio de projetos de políticas públicas de desenvolvimento sustentável e integrado.
Segundo Farah (2004), “política pública pode ser entendida como um curso de ação do Estado, orientado por
determinados objetivos, refletindo ou traduzindo um jogo de interesses. Um programa governamental, por sua vez, consiste em uma ação de menor abrangência em que se desdobra uma política pública”.
Como visto as políticas públicas caracterizam-se por metas, planos e ações que visam algum bem a população
e que atendam algum grupo de indivíduos que busquem melhorias e mudanças no limite da lei sem o risco aos órgãos
públicos. De uma forma ou outra sempre pode ficar a desejar as reivindicações de alguns, pois será impossível de atender as expectativas de todos os grupos.
Possuindo metas que respondem as necessidades com ênfase nos setores marginalizados através da pressão social, promovendo o desenvolvimento com implantação de geração de emprego e renda, em um processo dinâmico, com
alianças, negociações e mobilizações.
Toda sociedade sofre impactos relacionados à idade, religião, sexo, renda, escolaridade, trabalho, etc., ou seja,
é envolvida mais de uma decisão, necessitando de diversas ações estratégicas para programar as decisões já tomadas.
Ressaltando que no interior do próprio sistema político surgem às demandas, podendo ser reivindicações de
estradas, saúde, educação, previdência etc. Existem três tipos de demandas, as novas que são novos problemas como diz
o nome, ou seja, problemas que não existiam antes. As decorrentes que são os problemas mal resolvidos ou não resolvidos. E as reprimidas que são as constituídas por não decisões.
Também possuem um papel importante às mídias transmitindo as situações pela televisão, jornal, internet, mobilizando os agentes de demandas públicas, chamando atenção da população para diversos problemas no mundo inteiro.
Lembrando que estes programas envolvem mais do que educação, habitação, saúde, saneamento e previdência,
vários fatores interferem para o sucesso destas concepções. Enfatizando que se movimentam a partir do Estado (tribunais, legislativo, instituições permanentes) e do governo (políticas, técnicas, projetos e programas que partem da sociedade). E as conhecidas políticas públicas são os projetos voltados para a sociedade com objetivo de melhorar algumas
de suas precariedades, visando à diminuição das desigualdades, redistribuição de benefícios e educação. A sociedade
necessita destes projetos políticos para resolver seus problemas.
Ressalta Santos (2006), que uma organização pública forma-se por diversas razões e interesses, porque é dirigida para atender às necessidades da população. Ela permite aos seus dirigentes desenvolver projetos, realizar atividades, superar obstáculos, controlar seu ambiente, por meio da de tarefas, da coordenação de esforços, da unidade de
direção e do uso inteligente dos recursos. A organização pública pode, assim, fazer mais do que um governo sozinho
faria.
E ainda segundo Farah (2004), desde os anos 80, sob o impacto da democratização e da luta de movimentos sociais organizados em torno de questões concernentes às mulheres e de movimentos que assumiam abertamente o ideário
feminista no Brasil, vem ocorrendo um processo gradual de incorporação da problemática das desigualdades de gênero.
A partir da Constituição Federal de 1988, houve um aumento na importância dos governos municipais e a redução das
desigualdades de gênero passou a fazer parte da agenda desses governos.
As ações vindas do Estado são resultados de movimentos, lutas, contradições e como qualquer solicitação esta
sujeita a mudanças que surgem efeitos diferentes do esperado sofrendo efeitos das relações sociais de poder. Interessante ressaltar que não é porque existem a reivindicações que elas serão atendidas, elas tem que chamar atenção das
três esferas e serem reconhecidas.
E é nesta realidade que se revela a necessidade da mulher em busca de seus direitos, de ser vista com respeito e
não apenas como um sexo frágil, de além de ser dona de casa também ser empreendedora.
2.1 POLÍTICAS PÚBLICAS PARA MULHER
Para este estudo usamos recorte temporal de 2006 a 2014. Capturando as ações desenvolvidas pela Secretaria
Executiva de Políticas para a Mulher de Nova Andradina, com entrevistas, atas, reportagens, leis e decretos municipais.
A discussão sobre as políticas públicas para a mulher passou a existir em 1975, na primeira Conferência Mundial de Mulheres realizada no México. A definição de políticas públicas para mulheres está embasada nos autores: Fa-
2.2 POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS EM NOVA ANDRADINA – MS.
rah (2004) e Sarti (1988). As políticas públicas voltadas às mulheres se iniciaram por mobilizações femininas em busca
de seus direitos, sendo que por parte dos governos as políticas públicas femininas estão em fase de construção, ainda
são poucas as participações das mulheres em cargos fundamentais no poder.
O município de Nova Andradina está localizado a 300 quilômetros da capital do Estado de Mato Grosso do
Sul, Campo Grande, foi oficializado município em 1959. É conhecida como a “Capital do Vale do Ivinhema”, sua população possui a estimativa de 45.585 habitantes, sendo a sétima maior cidade de Mato Grosso do Sul com a nona colocação no PIB do Estado, estimado como principal centro urbano e econômico da região sudeste.
Conceituando sobre o assunto Sarti (1988), salienta que desde o início da década de 1960, os grupos de mulheres atuavam junto a associações de bairros pobres, como os clubes de mães ou as associações de donas-de-casa,
ligadas, em sua maioria, à Igreja Católica. Eram grupos de convivência onde as participantes desenvolviam trabalhos
manuais (tricô, bordado, crochê, etc.) ou atividades religiosas, como o catecismo.
Ressaltando que no mesmo município foi criado no dia 01 de janeiro de 2013 a Secretaria Executiva de Políticas para a mulher, possuindo o objetivo de promover no município políticas públicas que busquem a equidade de gênero, acabando com todas as violências contra a mulher e trabalhando para sua emancipação financeira com uma participação ativa nos setores econômicos da sociedade.
Nas últimas décadas as mulheres vêm assumindo papéis relevantes trabalhando fora de casa, estudando, sendo
representantes em cargos públicos como nossa presidente Dilma demonstrando que às mulheres podem estar em qualquer lugar da sociedade. E a constituição já trazia este assunto como pauta.
Sendo que tudo começou em 2005 com a Coordenadoria da mulher, localizada junto a Secretaria Municipal de
Cidadania e Assistência Social (SEMCIAS), respeitando as orientações da Secretaria Especial de Políticas para as mulheres da Previdência da República, a lei 491, artigo 2°, que prevê que a Coordenadoria Especial da mulher será vinculada ao gabinete do Executivo Municipal. Através de projetos e parcerias com o Governo Federal foi criado espaço para
a atual secretaria. Em 15 de dezembro de 2006 foi implantado o Centro de Atendimento a Mulher (CAM).
Conforme consta a constituição brasileira, promulgada em 1988 que afirma no capitulo I – Dos Direitos e
Deveres Individuais e Coletivos, artigo 5°, parágrafo 1°, que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações e
garante a todo o tratamento igual perante a lei. O Brasil também é signatário de, praticamente, todos os tratados e convenções Internacionais de proteção aos Direitos Humanos das Mulheres.
Fato que, apesar de todas as lutas pela igualdade de gênero, ainda existe dificuldade em ser colocado em prática, enfatizando ainda que os avanços são visíveis e constantes. Campanhas são realizadas procurando sempre acompanhar a igualdade dos direitos das mulheres.
As reivindicações das mulheres, que inicialmente estavam relacionadas à moradia, saneamento básico,
transporte e custo de vida, passaram a envolver questões específicas da condição de mulher: desigualdade salarial, direito a creches, saúde da mulher, sexualidade, contracepção e violência contra a mulher.
(FARAH, 2004)
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A equipe multiprofissional da secretaria é comandada por uma assistente social e conta com uma psicóloga,
pedagogas, assessoras governamentais, motorista e auxiliar administrativo.
Quadro 1: Ações desenvolvidas pela Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher de Nova Andradina - MS
Conselho da Mulher
Casa da Cultura
Foi criado pela lei n° 701 de 19 de março de 2008 que tratam dos
balanços das ações desenvolvidas e delimitam projetos para o fortalecimento no atendimento às mulheres.
Criada junto à coordenadoria da mulher em 2006 para dar apoio às
mulheres artesãs visando a alcançarem uma verdadeira autonomia.
Elas expõem seus trabalhos para ter uma maior visibilidade e ter
onde vender e não pagam nada por isso só lucram isso com apoio
público municipal.
Mulheres Mil
Criado em março de 2011, a fim de promover cursos gratuitos e ciclos de palestras voltadas para a mulher, desenvolvida pelo IFMS.
Com objetivo de oferecer bases de uma política social de inclusão
e gênero para que mulheres em situação de vulnerabilidade social
tenham acesso à educação profissional ao emprego e renda.
Blitz Educativa
Iniciou em março de 2011 onde desenvolve várias orientações voltadas ao trânsito para a mulher.
A secretaria distribui bombons com recadinho educativos só para as
mulheres que estão ao volante.
Fazem um trabalho em cada esquina no centro da cidade e essa
orientação é feita de mulher para mulher e os homens só dão apoio.
Comitê Estadual de Políticas
para Mulheres
Iniciado em março de 2013 socializando ao comitê de articulação e monitoramento do plano estadual de políticas para as mulheresde Mato Grosso
do Sul.
Feira Mulheres de Atitude
Criada em março de 2006 com exposição de artesanatos e praça
de alimentação desenvolvida no decorrer do ano em várias datas
predefinidas no início do ano decorrente.
Tem o intuito das mulheres apresentarem seus trabalhos artesanais
e fazerem suas vendas e obterem encomendas que muitas vezes se
estendem ate a próxima feira por serem muitos pedidos, e a praça
de alimentação que e o chama da população incentivando a ida até
o local.
Iniciou em 2012 com parceria da FINAN estimulando a participação da população e das entidades na luta contra o câncer de mama.
Entre as atividades estão às blitz educativas e de prevenção ao câncer de mama e cada ano aumenta o apoio dos comerciantes e entidades públicas envolvidas com o projeto.
Começou em março de 2006 com parceria com Rotary Clube com
objetivo de valorizar a autoestima do público feminino. Junto com
essa gincana também existe um trabalho em de salão de beleza,
maquiagem, manicure, tudo para incentivar a autoestima da mulher tudo de graça em conjunto com profissionais da área, e existe
também distribuição de prêmios para as ganhadoras das gincanas.
Outubro Rosa
Gincana do dia da Mulher
Fonte: Próprios Autores (2014). No novo e complexo ambiente de atuação em torno das políticas públicas, o gestor público necessita obter e
processar muitas informações, dominar conhecimentos que o coloquem no limite entre ser técnico e político, incentivando a tomada de decisões (KANAANE; FILHO; FERREIRA, 2010).
Essas mulheres estão aproveitando as oportunidades que o poder público está oferecendo para elas buscarem a
independência. Pois são todas mulheres guerreiras, que não tem nada de sexo frágil e o governo municipal está de parabéns por criar e manter um organismo governamental de políticas para as mulheres, fortalecido, eficiente e com todo
apoio, gerando possibilidades e beneficiando a todos os envolvidos no programa.
Em Nova Andradina as mulheres estão investindo em seus próprios negócios para dar uma ajuda na renda familiar e ter uma independência financeira.
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Diante das ações pesquisadas o que mais chamou atenção dos pesquisadores foi às ações desenvolvidas pela
“Feira Mulheres de Atitude”, com relação ao empreendedorismo social na geração de renda e a economia solidária fato
que nos levou a detalhar as ações e destacar casos de sucesso já alcançados pelo programa.
2.3 FEIRAS MULHERES DE ATITUDE
De acordo com o estudo de caso analisado junto à secretaria executiva de politicas publicas para a mulher apresentam-se os dados a seguir.
A Feira Mulheres de Atitude é coordenada pela Subsecretaria de Projetos e Políticas Públicas para Mulheres
com o apoio da Secretaria Municipal de Assistência Social e do Governo municipal.
A coordenadoria de políticas públicas para a mulher percebendo a necessidade de demonstrar os trabalhos desenvolvidos pelas mulheres participantes das ações do poder público municipal criou a feira denominada “Mulheres de
Atitude” que tem como principal objetivo, fortalecer e dar visibilidade às ações e projetos realizados em prol da construção da cidadania plena das mulheres.
Articulada com entidades governamentais e não governamentais, associações, movimentos de mulheres, mulheres autônomas e entre outros, a feira é um espaço reservado para exposição e comercialização de produtos, circuitos
de palestras, oficinas e apresentações artísticas.
A feira mulheres de atitude teve sua primeira edição em março de 2006, a partir de então as expositoras sentiram a necessidade de estruturar e profissionalizar esse evento. Hoje elas já possuem barracas personalizadas e estão organizadas em dois setores: artesanato e alimentação.
Os grupos de mulheres expositoras precisam participar das reuniões solicitadas pela organização do evento
quando necessário; as expositoras têm que participar de todas as feiras, exceto quando for casos de doenças ou morte na
família comprovado; devem administrar a compra dos materiais a serem comercializados para que não aja prejuízo no
decorrer da feira e em relação à montagem da feira as expositoras pagam uma taxa ao responsável pela montagem e desmontagem das tendas.
O não cumprimento dessas responsabilidades poderá acarretar na perda do espaço, assim como descompromete
a coordenação de cumprir também com suas responsabilidades (em relação a essa expositora).
É de responsabilidade da organização do evento: viabilizar a locomoção da estrutura das tendas (stands, palco,
hidráulica, elétrica, sonorização e iluminação); fazer a distribuição das entidades nos stands disponíveis, considerando
os produtos e melhor organização do espaço; organizar as atividades previstas na Feira e não é de responsabilidade da
organização a venda ou não dos produtos comercializados pelas expositoras.
Ressaltando que cabe a todas as expositoras e a organização o cuidado com todos os espaços da Feira, mantendo-a limpa e organizada para receber os (as) visitantes e consumidores (as).
Para a Secretária Executiva Interina de Políticas para a Mulher de Nova Andradina, Jozeli Chulli, os avanços
são visíveis e constantes, ou seja, todas as campanhas são realizadas procurando sempre acompanhar a violência contra
a mulher muito de perto. Desde a implantação destes programas, não há nenhuma vítima, pois o programa conta com
uma rede de atendimento fortalecida. Esta política de vigilância se deve ao governo municipal que é sensível a causa.
Essas mulheres estão aproveitando as oportunidades que o poder público está oferecendo para elas buscarem
sua independência financeira. Estas mulheres trabalham pelo método de economia solidária que é uma forma de valorização no humano e não no capital, ou seja, produzindo de maneira associativista e cooperativista na distribuição de
riqueza.
A feira iniciou-se com 25 expositoras e hoje está com 30 expositoras, sendo 18 no artesanato e 12 na alimentação, que além de venderem suas mercadorias recebem muitas encomendas dando visibilidade aos produtos e serviços
gerados no município.
No transcorrer deste tempo quando as expositoras adquirem maturidade empresarial, acabam deixando a feira
e empreendendo em negócios autônomos conforme exemplos a seguir:
A expositora Selma Souza, 49 anos, atualmente proprietária do empreendimento “Caseiro Restaurante”, iniciou as atividades em julho de 2013, com restaurante servindo comida caseira, marmitas personalizadas e marmitas.
Decidiu abrir seu próprio negócio porque não queria trabalhar mais de empregada. Seu objetivo era atender uma clientela pequena, mas já está fazendo ampliações, porque o estabelecimento não comporta mais seu público. Possui três
funcionários e destaca que o período de convivência na feira Mulheres de Atitude gerou experiência que contribuíram
para que se sentisse mais segura e capacitada no mercado formal.
A expositora Lucilene, 48 anos, iniciou suas atividades em janeiro de 2014, servindo tapioca, crepes, pão de
queijo no palito e outros. Abriu seu próprio negócio para ter independência financeira e complementar a renda familiar.
Depois de se instalar em um ponto comercial fixo com mais conforto e estabilidade, está satisfeita com seu empreendimento. Possuem quatro funcionários de segunda a sexta feira e seis de sábado e domingo em um local de fluxo intenso
de clientes demonstrando que o estabelecimento está cada dia possuindo mais êxito.
A feira é de suma importância, pois além de gerar renda para estas mulheres, ainda produz geração de renda a
terceiros, como funcionários e familiares que não possuíam trabalho fixo. Colaborando para uma vida digna e confortável com estabilidade financeira.
3. ANÁLISES DO RESULTADO
Foi verificado com este artigo que a política pública para as mulheres é de fundamental importância para a sociedade brasileira, pois ela engloba uma grande parte da população que vive em situação de vulnerabilidade, tanto psicológica, financeira e moral perante a sociedade ajudando assim a essas pessoas a terem uma melhor dignidade diante
da sociedade em que vivem.
Salientando ainda que a política pública para a mulher que é o fator de relevância deste artigo, com ênfase no
município de Nova Andradina, está sendo pioneiro e merece destaque pelas ações desenvolvidas desde a criação da
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Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher bem como as ações nela desenvolvidas.
O mesmo tem conseguido resultados positivos a cada dia, a exemplo dos casos de sucesso e dos novos empreendedores que estão se consolidando no município a partir da experiência vivenciada na feira “Mulheres de Atitude” e paralelo ao êxito destes projetos percebe-se a diminuição dos índices de violência contra a mulher, inserção da
mulher no mercado de trabalho, capacitação empreendedora e enfrentando de forma criativa as temáticas pertinentes as
políticas públicas da mulher.
Uma questão muito relevante da pesquisa é a geração de renda para essas mulheres que são atendidas pelas
políticas públicas, que na grande maioria dos casos são provedoras de seus lares e a independência financeira ou complementação de renda melhorou a qualidade de vida de todo o núcleo familiar.
Conforme dados da secretaria executiva de politicas publicas para as mulheres as ações das políticas públicas
para a mulher apresentam bons resultados na diminuição dos índices da violência doméstica, pois elas recebem orientação tornando conhecedoras de seus direitos passando a valorizar-se mais, aumentando a autoestima, sendo respeitada
pelos cônjuges e filhos e em alguns casos tornam-se independentes financeiramente.
Essa ação inovadora do município de Nova Andradina merece destaque e deve servir de exemplo para outros
municípios, a ponto de que as mulheres se desvinculam de outras esferas de programas governamentais (bolsa família,
vale renda e outros) que as tornam autossuficientes para a conquista de sua independência financeira, ações estas que
justificam os investimentos da Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher em prol as politicas públicas municipais.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em resposta ao nosso problema de pesquisa que visava identificar quais são as ações que o governo municipal
de Nova Andradina está executando em relação à política pública para a mulher, identificou-se que o município através
da Secretaria Executiva de Políticas para a Mulher programou conforme relacionado anteriormente no texto um conjunto de ações em prol da política pública da mulher, porém a feira “Mulheres de Atitude” é a que conquistou maior
visibilidade.
Políticas públicas são de extrema importância para o crescimento da sociedade onde o papel dos gestores públicos na busca pelos direitos da população é de grande relevância. A cidade de Nova Andradina está sendo destaque
no estado possuindo uma secretaria executiva de políticas para a mulher, buscando o fim da violência contra a mulher,
crescimento profissional das mesmas, a equidade de gênero, associados ao despertar para o empreendedorismo.
Segundo os gestores públicos municipais o que tem impulsionado a participação destas mulheres é a necessidade delas proverem seus lares, pois é muito comum em nossa sociedade a mulher ser a chefe da casa. Damos grande
ênfase às políticas públicas para as mulheres, pois as mesmas sofrem vários preconceitos e discriminações por questões
de gênero, não usufruindo de seus direitos constitucionais.
Cidadãos ativos são aqueles que exercem esses direitos para melhorar a qualidade de sua vida política ou cívi-
ca por meio de sua participação na vida econômica e política ou ainda na realização de ações coletivas ou organizadas.
(KANAANE; FILHO; FERREIRA, 2010).
Enfim, este relato de experiência não teve como propósito analisar as causas das políticas públicas voltadas às
mulheres, mas sim identificar e demonstrar sua importância como processo de aceleração e melhoramento da qualidade
de vida. As ações desenvolvidas em Nova Andradina demonstram resultados das políticas públicas para mulheres
que buscam defender interesses com precisão e velocidade frente à sociedade, adotando uma postura de forma ativa
mostrando-se motivadoras e transformadoras frente às estratégias de gestão pública municipal.
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REDES SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: UMA EXPERIÊNCIA
INTERSETORIAL NO MUNICÍPIO DE PARANAGUÁ/PR
Marcos Claudio Signorelli1; Luciana Vieira Castilho Weinert2
RESUMO
Este trabalho objetiva apresentar e refletir sobre uma experiência desenvolvida no município de Paranaguá/PR, que teve
como escopo o fortalecimento das redes sociais e políticas públicas para pessoas com deficiência (PcD), desenvolvida
por meio de parceria interinstitucional entre Ministério da Saúde, Universidade e Prefeitura. Trata-se do Programa de
Educação pelo Trabalho na Saúde (PET Saúde) - Redes de Atenção às PcD, uma política fomentada pelo Ministério da
Saúde, que tem como objetivo principal viabilizar a interação no mundo do trabalho do Sistema Único de Saúde (SUS)
entre acadêmicos, docentes, comunidade e profissionais atuantes no SUS. A metodologia de trabalho envolveu aspectos
quali e quantitativos, baseados na metodologia da pesquisa-ação, que vem sendo desenvolvidos desde março de 2013
até o presente momento (agosto/2015). As ações foram planejadas e executadas seguindo a articulação intersetorial entre
três eixos, vinculados às três secretarias municipais: de saúde, de educação e de assistência social. Como resultados,
destacou-se: 1) o mapeamento da rede vigente de atenção às PcD no âmbito da saúde, educação e assistência social, no
que tange aos atores sociais, incluindo a) os próprios sujeitos com deficiência (cadastro e interfaces com a rede) e b) os
profissionais (percepções e atuação junto às PcD) e também c) equipamentos (acessibilidade e interfaces com as PcD); 2)
a partir da etapa de mapeamento, o fomento à Política Nacional de Saúde da PcD, por meio principalmente de estratégias
de a) capacitação de recursos humanos, b) prevenção de deficiências e c) organização e funcionamento dos serviços para
atender as PcD; 3) o Projeto PET Saúde como um agente interdisciplinar potencializador da formação de estudantes na
área da saúde e também de formação permanente de profissionais atuantes no SUS. Em síntese, a experiência vem sendo
capaz de articular diferentes atores e setores em torno da rede de atenção às PcD.
Palavras-chave: Pessoas com Deficiência; Rede Social; Políticas Públicas; Ação Intersetorial.
ABSTRACT
This paper aims to present and reflect about an experience developed in the city of Paranaguá/PR, which objectives were
to strength social networks and public policies for persons with disabilities (PWDS), developed through inter-institutional
partnership between the Brazilian Ministry of Health, University and City Hall. This is the Program of Education by
Working in Health (PET Health) - Health Care Networks to PWDS, a policy promoted by the Ministry of Health. It aims
to promote interactions in the world of work within the Brazilian Unified Public Health System (SUS) between academics,
students, community and health professionals working at the SUS. The methodology involved qualitative and quantitative
aspects, based on the methodology of action research, which has been developed since March/2013 until nowadays
(August/2015). The actions were planned and executed following the intersectoral coordination between three axes,
linked to three municipal departments: health, education and social assistance. As result, we highlight: 1) the mapping
of the current care network for PWDS in health, education and social assistance, with respect to social actors, including
a) the PWDS (records and interfaces with the network), b) professionals (perceptions and action with the PWDS) and
also c) equipment (access and interfaces with PWDS); 2) based on the mapping stage, we conducted the promotion of
National Health Policy for PWDS, mainly through strategies a) training of human resources, b) prevention of disabilities
c) organization and operation of services to meet the PWDS; 3) the PET Health Project as an interdisciplinary potentiating
agent to train students in health care as well as a continuing education strategy for professionals working in the SUS. In
summary, the experience has been able to articulate different actors and sectors around the attention network for PWDS.
Keywords: Disabled Persons; Social Networking; Public Policies; Intersectoral Action.
1
com
2
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Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável Universidade Federal do Paraná signorelli.marcos@gmail.
[email protected]
INTRODUÇÃO
Este estudo parte do conceito de redes sociais, iluminado por Junqueira (2000) que estabelece a rede como um
emaranhado de relações das quais os sujeitos constituem os nós, contemplando a organização social. Marques (1999)
complementa que rede social é entendida como “o campo presente em determinado momento, estruturado por vínculos
entre indivíduos, grupos e organizações construídos ao longo do tempo” (Marques, 1999, p. 46). Já Castells (1999)
afirma que as pessoas organizam seu significado em torno do que são e acreditam que são, e as redes de intercâmbios
conectam pessoas, grupos, regiões e organizações de acordo com os objetivos estabelecidos na rede. Tais pressupostos
convergem com a teoria sistêmica, proposta por Edgar Morin (1996), que propõe que os objetos/sujeitos são redes de
relações e a realidade é uma teia complexa de relacionamentos.
O foco específico deste trabalho são as redes voltadas às pessoas com deficiência (PcD). Segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no censo 2010, mais de 45 milhões de brasileiros (23,9% da população)
declararam ter algum tipo de deficiência, que podem ser categorizadas em: visual, auditiva, motora, mental ou intelectual
e múltipla. Destes, cerca de 56% são do sexo feminino. Já o Estado do Paraná, conta com uma população de 10.444.526
(dez milhões, quatrocentos e quarenta e quatro mil e quinhentos e vinte e seis) habitantes, sendo que 18% dos paranaenses
sofrem algum tipo de deficiência (BRASIL, 2015).
Um dos grandes desafios para o desenvolvimento humano e sustentável, pautado na justiça social e nos
direitos humanos, refere-se à inclusão das PcD, que por muitos séculos permaneceram à margem da sociedade. Eram
rotineiramente isoladas em sanatórios ou instituições incapazes de desenvolver suas potencialidades, ou até mesmo
abandonadas nas ruas, vivendo em situação de mendicância e extrema pobreza. Nas últimas décadas, o processo de
inclusão no Brasil foi incentivado através de políticas e leis que garantam a inclusão de PcD, inicialmente, com foco na
Educação. Elaborada com apoio na Conferência Mundial de Educação Especial, ocorrida em 1994, a política de inclusão
das PcD nas escolas regulares brasileiras, data de mais de dez anos e se encontra embasada na Declaração de Salamanca
(MESQUITA et al. 2009). Porém, foi a partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que se
observou essa transformação do sistema educacional brasileiro. Foi uma mudança significativa no processo educacional
trazendo também inúmeras expectativas, dificuldades e desafios (MESQUITA et al., 2008).
Já na área da saúde, um marco significativo foi a aprovação da Política Nacional de Saúde da Pessoa com
Deficiência, originalmente de 2002 e ratificada em versões mais atualizadas nos anos seguintes (BRASIL, 2008 e 2010).
Tal política apresenta seis diretrizes: 1) Promoção da qualidade de vida das PcD; 2) Assistência Integral à Saúde das
PcD; 3) Prevenção de deficiências; 4) Ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação; 5) Organização e
funcionamento dos serviços de atendimento à PcD; 6) Capacitação de recursos humanos.
Com base nessas acepções, a respeito de redes sociais e das políticas públicas voltadas a esse grupo populacional,
fundamentou-se a atuação do projeto que será descrito neste trabalho, que teve como objetivo fomentar/potencializar as
redes de atenção às PcD, trabalhando-se em uma dinâmica que contempla duas instâncias de rede: a rede intrasetorial
e a rede intersetorial. A rede intrasetorial ocorre dentro dos limites da área de saúde, foco estratégico viabilizado
pelo Ministério da Saúde, com ações na atenção primária, secundária e alguma contribuição na terciária. Já na rede
intersetorial há interação da saúde com os eixos de assistência social e educação e cujas ações foram articuladas por meio
da experiência aqui descrita.
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METODOLOGIA
Para materializar o projeto em uma perspectiva seguindo a metodologia de pesquisa-ação, descrita por Thiollent
(1996), a elaboração inicial da proposta foi feita conjuntamente entre docentes da universidade, profissionais e gestores da
rede de atenção à saúde, que trabalham diretamente com as PcD. Visando a participação do controle social, foi realizada
também a apresentação, discussão e pactuação dos objetivos do projeto junto ao Conselho Municipal de Saúde de
Paranaguá, cidade que acolheu esta experiência. A proposta foi então submetida e aprovada junto ao Ministério da Saúde,
sendo que contemplou a articulação também nos municípios de Guaratuba e Pontal do Paraná, ampliando a rede para uma
abordagem regionalizada. Todavia, neste trabalho será descrita exclusivamente a experiência de Paranaguá.
Na sequência houve o aprofundamento e ampliação do contato com gestores dos três eixos em que se organizou a
proposta: 1) na Saúde - as coordenações das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Estratégias da Saúde da Família (ESF),
no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS) e dos Centros Municipais de Diagnóstico (CME) e de Especialidades
(CMD), no âmbito da atenção secundária; 2) na Educação - junto às coordenações da Secretaria Municipal de Educação,
do Núcleo Regional de Educação, e de diretores de instituições de ensino selecionadas aleatoriamente (municipais e
estaduais); 3) na Assistência Social – por meio do contato com a Gestora de Assistência Social do município e pelas
coordenações dos equipamentos que compõem esta pasta. Como estratégia inicial foi proposta uma etapa diagnóstica da
rede municipal de atenção às PcD em cada um dos três eixos, denominada de mapeamento, que incluiu:
1. Entrevista semiestruturada com gestores e profissionais chave: Este roteiro de entrevista possuía questões
referentes às percepções e o conhecimento dos entrevistados sobre as PcD frente ao seu cotidiano de trabalho,
as políticas públicas voltadas a este grupo, bem como as principais demandas destas pessoas e desafios à
articulação em rede.
2. Avaliação físico-estrutural dos locais a partir do Boletim Cadastral de Equipamentos Sócio-assistenciais na Área
da Saúde-assistência: Este instrumento contemplou dados referentes à identificação do local, os programas/
projetos/serviços ofertados, a infraestrutura, os recursos humanos e o acesso às PcD (rampas, corrimão, portas
acessíveis, ruas pavimentadas ao entorno, distância do ponto de ônibus).
No eixo saúde foram realizadas entrevistas com 21 profissionais da atenção primária à saúde do município de
Paranaguá, incluindo as coordenadoras das Unidades Básicas de Saúde (UBS) e unidades com o programa Estratégia
de Saúde da Família (ESF); os gestores dos centros municipais de diagnósticos (CMD) e especialidades (CME); e os
profissionais responsáveis pelas unidades de saúde visitadas. Foram avaliados 20 locais de atendimento, incluindo 17
unidades de saúde (UBS e ESF), 2 centros municipais de diagnóstico e especialidades (CMD e CME) e o local onde se
localizava a coordenação de todas as unidades de saúde (UBS e ESF).
No eixo educação, o mapeamento in loco compreendeu 40% das 77 instituições de ensino entre Escolas Estaduais,
Municipais e CMEIs (Centros Municipais de Educação Infantil) do município. Houve a tabulação de indicadores
secundários, obtidos a partir de dados fornecidos pelo Núcleo Regional de Educação (NRE) de Paranaguá, visitas in loco
para avaliação estrutural e dos equipamentos, bem como entrevistas com gestores e docentes das instituições visitadas.
No eixo vinculado à secretaria de assistência social os locais abordados foram a Secretaria Municipal de Assistência
Social (Semas); a Diretoria de Proteção Básica; os Centros de Referência de Assistência Social (CRAS); a Diretoria de
Proteção Especial; o Centro de Referência Especializada em Assistência Social (CREAS); o Conselho Tutelar; o Lar das
Meninas e o Lar dos Meninos; o Albergue (atualmente extinto); o Resgate Social, transformado em Centro de Referência
Especializado para população em situação de rua (Centro POP); e o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (PETI)
A partir do mapeamento, os dados foram tabulados, sendo que os aspectos quantitativos foram tabulados com uso
do software Microsoft Excel. Em uma segunda etapa, realizou-se a avaliação dos resultados obtidos pela metodologia
qualitativa, por meio da análise temática de categorias emergentes, de acordo com Minayo (2001). Isto permitiu a
discussão dos principais temas levantados durante a realização das entrevistas semi-estruturadas. O conjunto de dados
(quantitativos e qualitativos) obtidos na etapa de mapeamento subsidiou a etapa de ações ao longo da sequência do
projeto, também organizadas a partir dos três eixos, mas com atividades intersetoriais de convergência dos três eixos em
encontros coletivos de planejamento, pactuação e avaliação das ações na rede. Alguns desses resultados serão descritos
na próxima seção deste trabalho.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
O projeto vem sendo desenvolvido pela UFPR desde março de 2013, simultaneamente em três municípios da
região litorânea do Paraná: Guaratuba, Pontal do Paraná e Paranaguá. A atuação nestes municípios buscou implementar
grupos de trabalho a fim de consolidar e aprimorar a rede regional de atenção às PcD. Cada município conta com uma
equipe composta por um docente tutor, seis profissionais preceptores que atuam na rede municipal da saúde e mais doze
estudantes de graduação dos cursos de Fisioterapia, Serviço Social, Saúde Coletiva e Educação Física da Universidade
Federal do Paraná (UFPR). O projeto ainda conta com um coordenador geral, que faz a articulação da rede entre as três
localidades, totalizando uma equipe de trabalho de 58 pessoas.
Como uma primeira etapa de implementação do projeto, com intuito diagnóstico, foi proposto nos três municípios
o mapeamento do perfil das PcD, da implantação das políticas públicas em cada eixo e do conhecimento dos profissionais
e gestores sobre estas políticas, das condições de acessibilidade e as demandas da atual rede de cuidado à PcD. Neste
trabalho serão apresentados somente os resultados referentes ao município de Paranaguá.
A operacionalização das ações no município foi dividida em três eixos: saúde, educação e assistência social.
No eixo saúde o mapeamento revelou que toda a rede de atenção à saúde de Paranaguá necessita de um maior suporte
físico-estrutural e, principalmente, de capacitação dos prestadores de serviços, garantindo melhora no atendimento,
identificando as necessidades específicas apresentadas pelas PcD e realizando os encaminhamentos adequados para
atenção especializada. Outro dado importante refere-se à necessidade de ampliação do acesso à informação e realização
de medidas preventivas que contemplem os grupos de risco, como é o caso de gestantes, hipertensos, diabéticos,
crianças e idosos, que se tornam pessoas com risco potencial de desenvolver deficiências. Atualmente poucas ações são
tomadas nesse sentido, como é o caso da vacinação, que integra uma diretriz nacional. Porém observou-se um potencial,
particularmente na atenção primária à saúde (APS) para prevenção das deficiências, com foco nesses grupos específicos.
Trata-se dos agentes comunitários de saúde (ACS), que atuam como mediadores entre a comunidade e o SUS, podendo
também colaborar no diálogo entre as demandas das PcD e o sistema. Todos estes apontamentos vão de encontro com
as diretrizes descritas na Política Nacional da Saúde da Pessoa com Deficiência. A questão da acessibilidade foi outro
ponto nevrálgico nos equipamentos deste eixo, conforme apontam os dados colhidos no instrumento de avaliação físicoestrutural compilados na Tabela 1.
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Tabela 1: Acessibilidade e barreiras arquitetônicas nos serviços de APS de Paranaguá
Acessibilidade
Rampas de Acesso
Calçada até a Porta
Corrimão
Porta Acessível
Banheiro Adaptado
Possuem
6 (30%)
4 (20%)
3 (15%)
13 (65%)
5 (25%)
Parcialmente
0
0
0
3(15%)
0
Não Possuem
14 (70%)
16 (80%)
17 (85%)
4 (20%)
15 75%)
Fonte: Os autores, 2015.
A avaliação dos resultados também apontou para a necessidade de um cadastro específico para a PcD, visando
fortalecer a rede de atenção à saúde dessas pessoas. Esse cadastro seria uma ferramenta de extrema importância para um
atendimento mais eficaz e encaminhamento especializado e adequado para este público. Os dados coletados evidenciam
que 75% das PcD atendidas pela atenção primária não possuem cadastro que especifique suas deficiências. Em 20% dos
casos existe um cadastro manual, porém sem sistematização ou padronização, e, em apenas 5% há um cadastro digital,
mas que não significa uma padronização. É notória a falta de cadastro específico na rede de atenção primária, pois apenas
um dos serviços de saúde do município possui o cadastro realizado de modo digital.
No eixo da educação, o mapeamento revelou “deficiências” na estrutura física das instituições de ensino,
destacando-se diversas barreiras arquitetônicas. A Figura 2 expressa que as instituições de ensino apresentam carência
de espaço físico adequado para atender e receber alunos com algum tipo de deficiência. Entre as 35 instituições visitadas
durante a etapa de mapeamento, há um número elevado que apresenta barreiras arquitetônicas. Além de problemas
estruturais, a etapa qualitativa realizada com gestores da área de educação revelou a necessidade de fomento a formação/
capacitação do corpo docente para atuar junto às PcD em sala de aula. Com o advento do paradigma da inclusão, a
Educação passou de um modelo que isolava as PcD em escolas especiais ou classes especiais, para um modelo em que
estas pessoas devem ser incluídas (e não apenas inseridas) nas classes tradicionais. Todavia, esse processo deve ser
mediado, com apoio de docentes auxiliares capacitados e com recursos que permitam a efetividade do processo.
Já os desafios apontados a partir do mapeamento junto a Secretaria de Assistência Social revelaram que o registro
dos atendimentos prestados não ocorre e a inexistência de um banco de dados prejudica o processo e a formação da “rede”.
Nas entrevistas dos 13 servidores sobre como veem a questão das PcD, a acessibilidade emergiu como prioridade. A
maioria dos funcionários apontou somente o Benefício de Prestação Continuada (BPC) como o único serviço direcionado,
o qual não se destina apenas às PcD, pois atende também à população idosa, e tem como critério o recorte de renda. Ao
final da entrevista, solicitou-se sugestões para a rede de atenção às PcD e os aspectos mais relatados foram: a necessidade
de capacitação profissional e a necessidade de um Conselho representativo das PcD, o Conselho Municipal dos Direitos
das PcD (BRASIL, 1999), ainda não implantado oficialmente no município.
Figura 2: Presença de dispositivos de acessibilidade das IEs mapeadas no município de Paranaguá-PR
Fonte: Signorelli e Mélo, 2015.
Como ações desencadeadas a partir da etapa de mapeamento, o projeto balizou suas estratégias para consolidação
da rede a partir das diretrizes da Política Nacional da Saúde da Pessoa com Deficiência, que serão comentadas a seguir:
1) Promoção da qualidade de vida das PcD – a etapa de mapeamento originou um dossiê a respeito das principais
barreiras arquitetônicas e de acessibilidade encontrada pelas PcD no município, em equipamentos da saúde, educação
e assistência social, para subsidiar estratégias de acessibilidade junto aos gestores que garantam mais qualidade à vida
dessas pessoas. Por meio de reuniões e eventos, as próprias PcD também foram conclamadas a participar das ações do
projeto, particularmente no envolvimento para viabilização do Conselho Municipal dos Direitos das PcD, em processo
de implantação no município. Tais iniciativas poderão garantir a promoção da qualidade de vida dessas pessoas no médio
e longo prazo. No curto prazo a equipe do projeto trabalhou com ações de educação em saúde, especialmente nas escolas
(com docentes e discentes), nos serviços de saúde (com ACS) e nos serviços de assistência social (com recepcionistas e
apoio administrativo) sobre como abordar as PcD de modo inclusivo e sem preconceitos nos seus respectivos espaços
de atuação.
2) Assistência Integral à Saúde das PcD – um dos pontos observados no mapeamento foi a falta de articulação
entre os diferentes níveis da rede de atenção à saúde (primário, secundário e terciário). A falta de ações na atenção
primária gerava sobrecarga nos equipamentos secundários (clínicas e ambulatórios especializados) e terciários (hospital).
Portanto, uma equipe de profissionais que atuava no âmbito secundário, em conjunto e com aval da gestão, deslocou
sua lotação de trabalho para a atenção primária, desenvolvendo uma iniciativa piloto de apoio matricial em saúde em
uma das Unidades Básicas de Saúde, no caso, da Serraria do Rocha. O conceito de matriciamento em saúde pode
ser entendido como uma metodologia de ação para gestão do trabalho em saúde, visando assegurar maior eficácia e
eficiência ao trabalho em saúde (CAMPOS e DOMITTI, 2007). Campos (1999) define Apoio Matricial e Equipes de
Referência, visando reorganizar o trabalho em saúde, tendo como elementos norteadores a gestão do trabalho em saúde
e transdisciplinaridade. O matriciamento pode utilizar-se da figura de um Apoiador Matricial, especialista (neste caso,
fisioterapeutas, terapeuta ocupacional, nutricionista e psicólogas, todas preceptoras do projeto PET) que tem por função
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o compartilhamento de conhecimento com a equipe de referência técnica (equipe básica da ESF – médico da família,
enfermeiro, técnicos de enfermagem e ACS) para determinada área. A equipe matriciadora, além de apoiar as ações
específicas e do seu campo de especialidade dentro do eixo saúde, paulatinamente também poderá fazer a articulação
e apoio matricial intersetorial, a partir de demandas das instituições de ensino (eixo educação) ou dos equipamentos de
assistência social (eixo assistência). Ressalta-se que esta iniciativa encontra-se em curso, tendo recém-iniciado no 1º
semestre de 2015.
3) Prevenção de deficiências – este quesito foi trabalhado especialmente com agentes comunitários de saúde (ACS)
por meio de oficinas a respeito de aspectos relacionados ao desenvolvimento neuropsicomotor infantil, detecção precoce
de atrasos no desenvolvimento e estimulação precoce. Também foram realizadas oficinas a respeito de cuidados com
diabéticos, pessoas com problemas cardiovasculares, gestantes e estratégias de prevenção de complicações que podem
originar deficiências. Acredita-se que ACS podem atuar como multiplicadores desses conhecimentos junto às populações
adscritas às suas áreas de atuação, uma vez que este profissional é colocado como interlocutor entre os serviços de saúde
e a comunidade (Nunes, 2002).
4) Ampliação e fortalecimento dos mecanismos de informação – um dos eixos de atuação do projeto constou
na viabilização de uma bolsa monitoria para estudante proveniente do Curso de Informática e Cidadania da UFPR,
que criou um banco de dados piloto, contendo informações referentes às PcD, incluindo tipos de deficiência, dados
pessoais, e informações básicas de seu prontuário. Como se trata de um piloto, o trabalho foi iniciado a partir de um
dos territórios de saúde, contemplando os usuários adscritos à Unidade de Saúde Serraria do Rocha. A partir do piloto,
almeja-se ampliar aos outros territórios de saúde do município. Como estratégias complementares, o eixo vinculado à
secretaria de assistência social realizou-se o georeferenciamento dos equipamentos disponíveis e criou-se uma página na
rede social facebook para divulgar todas essas informações que são sendo geradas pelo projeto, como forma de fortalecer
os mecanismos de informação.
5) Organização e funcionamento dos serviços de atendimento à PcD – além da estratégia de apoio matricial em
saúde, que reorganiza o funcionamento dos serviços a partir da APS, a própria ação de qualificação dos profissionais
contribui com a organização dos serviços. Nas oficinas realizadas junto às escolas, foi ressaltada a importância do
paradigma da inclusão, ao invés de isolar as PcD em classes especiais ou em escolas especiais, que não contribuem com
sua inserção na sociedade, uma vez que encarceram tais pessoas do convívio com o restante da população. A articulação
intersetorial também se deu por meio da divulgação aos profissionais da saúde a respeito dos benefícios destinados às PcD
de baixa renda, como é o caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que muitas vezes não é acessado por essa
população, por falta de informação.
6) Capacitação de recursos humanos – esta foi uma das estratégias mais trabalhadas ao longo dos dois anos de
execução da proposta. As oficinas de capacitação incluíram profissionais dos três eixos, incluindo ACS, profissionais da
saúde, docentes, diretores e supervisores escolares, profissionais que atuam junto à Secretaria Municipal de Assistência
Social. Um dos pontos abordados com ênfase na capacitação foi em torno da implantação da Política Nacional de Saúde
das PcD. Além de profissionais, também foram realizadas atividades de educação em saúde junto a estudantes de 40% das
instituições de ensino sediadas em Paranaguá, particularmente voltadas à inclusão e diminuição de preconceitos contra
as PcD. A equipe do projeto ainda gravou vídeo-aulas para multiplicação da estratégia após o encerramento formal do
projeto.
É significativo ressaltar que entre a etapa de mapeamento e a etapa de ação baseada no fomento à política nacional
foram realizadas reuniões de avaliação e planejamento em conjunto com a equipe do projeto e representantes das
instituições abordadas na etapa diagnóstica. No momento atual, novo encontro está previsto para avaliação das ações
alcançadas, sabendo-se que a implantação da rede é um desafio constante, e que depende da mobilização de diversos
atores sociais e serviços.
Considerações Finais
O mapeamento da situação no município demonstra fragilidades importantes como a escassez de acessibilidade,
o desconhecimento de profissionais e gestores a respeito da PcD e das políticas públicas voltadas à elas, a desarticulação
entre os diferentes espaços frequentados pelas PcD, com falta de interlocução e compartilhamento de informações entre
estabelecimentos de educação, assistência e saúde, e ainda, o desconhecimento do perfil da população com deficiência
devido à ausência de um banco de dados unificado para cadastro específico destas pessoas. Tais aspectos dificultam a
consolidação de uma rede de atenção abrangente e eficiente. Além disto, a implantação das diretrizes da Política Nacional
de Saúde da PcD fica prejudicada.
O desenvolvimento de ações na tentativa de melhorar esta realidade fez com que este projeto contribuísse para o
diagnóstico da realidade local, a capacitação profissional, e, a informação da população. Estes foram passos importantes
e que em conjunto com o cadastro específico e detalhado das PcD assegurarão o reconhecimento destas pessoas, sua
correta identificação e seu acesso à rede de atenção.
Enfatiza-se também a importância do conhecimento e aprendizado gerado para as equipes de trabalhadores em
saúde, educação e assistência social com foco na prevenção. A capacitação destes atores permite o reconhecimento e
a intervenção em situações de risco para o desenvolvimento de deficiências. Destaca-se que a prevenção é a ação que
promove os resultados mais eficientes.
Outra importante estratégia de ação para fortalecimento desta rede foi o incremento da visibilidade das PcD na
comunidade e pelos gestores. Para tal, durante o curso do projeto houve diferentes frentes de atuação como a elaboração
de palestras, oficinas, documentário, exposição fotográfica e produção científica em eventos e que culminaram com a
publicação de um livro.
Acredita-se que a experiência descrita cumpriu com seu objetivo inicial de proporcionar a interação entre
comunidade, universidade e trabalhadores do SUS para mapear, divulgar e fortalecer a implementação das políticas
públicas e desta forma fortalecer a rede de atenção à PcD por meio da articulação de diferentes atores sociais em uma
perspectiva interdisciplinar e intersetorial.
Agradecimentos: ao Ministério da Saúde, pelo financiamento das bolsas destinadas à execução do projeto PET Saúde.
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GRUPO DE TRABALHO IV
Desenvolvimento, Saberes Locais e Temporalidades
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“Na Baía mudou também, porque tudo muda”: percepção de moradores sobre
temporalidades, baía de guaratuba, pr.
Beatriz Cabral; Larissa Lopes Mellinger
resumo
Elegeram-se como termos centrais para o presente estudo, natureza e ambiente. Diferenciados e apresentados por
Ingold (2002; 2012), eles permitiram compreender a percepção de habitantes de localidades da Baía de Guaratuba, litoral
sul do Paraná, com os quais foram estabelecidos diálogos, sobre o ambiente. A reflexão que culminou na elaboração deste
trabalho está associada à uma tese produzida em 2013 e uma dissertação, de 2015. Este trabalho tem como propósito
refletir sobre a influência de processos históricos que marcam a distinção entre temporalidades, recorrentes nas falas dos
interlocutores, sobre sua percepção/ interação com o ambiente da Baía de Guaratuba. Como resultado das narrativas
apresentadas, nota-se que a percepção sobre o conjunto de transformações no contexto em que estão inseridos contribuem
para diferenciação e reforço das dualidades estabelecidas por eles, para diferenciar “naquele tempo” e “hoje”. Atualmente,
com a utilização do estuário para fins de lazer, normatização pesqueira e criação de unidades de conservação, emergem
dualidades que reforçam o dinamismo da relação que se estabelece com o ambiente, tal como “rico” e “pobre”; “grande”
e “pequeno”; “sustento” e “diversão”; “legal” e “ilegal”. Diante deste cenário, propõe-se que para elaboração de análises
e propostas de gestão de territórios, o destaque esteja na concepção (visões de mundo) do humano que habita o ambiente,
de modo a favorecer o diálogo e aproximação entre aqueles que concebem o estuário como natureza e aqueles que o tem
como ambiente em que praticam suas atividades cotidianas e renovam suas habilidades e reprodução social.
Palavras chave: Ambiente; Natureza; estuário; percepção.
abstract
Nature and environment were elected as central terms for this study. Differentiated and presented by Ingold (2002;
2012), they help us to understand the perception that some inhabitants of communities of Guaratuba Bay, located at
southern coast of Paraná, with which dialogues were established, of environment. The reflection that culminated in this
work is associated with a thesis produced in 2013 and a dissertation from 2015. This paper aims to reflect on the influence
of historical processes that mark the distinction between past and present periods, recurring to the some speeches that
reveal the speakers perception of these periods and their interaction with the environment of the Guaratuba Bay. The
presented narratives indicate that the set of changes in the context in which the interlocutors live, contribute to differentiate
and reinforce dualities established by them, to differentiate “at that time” and “today”. Associated to these, new ways
of relation to this estuary, expressed on the recreational purposes, fishery regulation and creation of conservation units;
design new dualities that reinforce the dynamism of the relationship established with the environment, such as “rich”
and “poor”; “Big and small”; “Sustenance” and “fun”; “Legal” and “illegal.” We consider that territory analysis and
plans must be elaborated by the focus on the perceptions of the inhabits of the environment, in order to make possible
a dialogue and rapprochement between those who conceive the estuary like nature and those who conceive it as an
environment, where are practiced their daily activities and renewed their skills and social reproduction
Key words: Environment; Nature; estuary; perception.
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introdução
GT - 04
Mudou né, hoje as canoas é de fibra. Na Baía mudou também, porque tudo muda, tende a evoluir com o passar do
tempo. Quando eu era piá, dava de contar quantos pescador tinha, não dava mais de 10 pescador. Hoje tem mais de
200. Num lugar que você só tira e não planta, aí fica complicado né, ainda tem que disputar com turista (AMORIM,
2014).
A narrativa de Sr. João Carlos Amorim, nascido no “sítio” e atual morador do bairro Piçarras, denota que, segundo
sua percepção, mudanças no tipo de embarcações que circulam no estuário de Guaratuba e o advento das atividades de
pesca esportiva, praticadas com a utilização de embarcações de lazer influenciaram no modo como a pesca profissional
no estuário atualmente é praticada.
Em alusão às categorias utilizadas por Cunha (2009), além das atividades vinculadas à “tradição”, reguladas pelo
“tempo natural”, também merecem destaque as ocupações associadas à atividades da “modernidade”, reguladas pelo
“tempo do relógio”, marcado pelo ritmo urbano-industrial e da produtividade do capital. Tradicionalismo e modernismo,
estando em permanente movimento, requerem a aquisição e renovação de habilidades e conhecimentos para interagir
com a diversidade de ambientes e sujeitos.
A reflexão que culminou na elaboração deste ensaio está associada à uma tese produzida em 2013 e uma
dissertação, de 2015. Este trabalho tem como propósito refletir sobre a influência de processos históricos que marcam a
distinção entre temporalidades, recorrentes nas falas dos interlocutores, sobre sua percepção/ interação com o ambiente
da Baía de Guaratuba.
Elegeram-se, como centrais para o presente estudo, os termos natureza e ambiente. Diferenciados e apresentados
por Ingold (2002; 2012) permitiram compreender a percepção de habitantes de localidades da Baía de Guaratuba, com
os quais foram estabelecidos diálogos. Na perspectiva desse autor, a diferença entre natureza e ambiente é que o conceito
de natureza presume que elementos interagem entre si apenas por fatores de ordem ecológica, ao passo que o ser
humano seria um observador distante deste mundo (INGOLD, 2002, 2012). Nesta lógica contempla-se e apropria-se da
natureza como sendo fonte de recursos, espaço de consumo ou posse. Já a percepção de um “habitante” do ambiente
ocorre a partir das interações entre diversas formas de vida, entre humanos ou não humanos.
Portanto, a oposição entre os termos é a partir das formas como os indivíduos se colocam na relação com o mundo,
seja na perspectiva de um observador ou de um habitante. Tais relações são possibilitadas a partir do conhecimento e
habilidades configuradas sob a “perspectiva do habitante”, em que a percepção sob as nuances do ambiente possibilita o
desenvolvimento de ações, habilidades práticas que caracterizam, são recriadas e incorporadas em um modus operandi,
quando pessoas executam tarefas particulares (INGOLD, 2002). Neste sentido, o ambiente é dinâmico, pois “Onde há
vida, há movimento” (INGOLD, 2002, p. 19).
Pode-se considerar que, ainda que duas pessoas residam em um mesmo local, a percepção e conhecimento que
cada uma possui poderá será diferente, a depender das relações e ações estabelecidas no meio. Nesta trama, a percepção
não é resultado do indivíduo com seus processos internos neurológicos e sim, das estruturas neurológicas acionadas no
presente, como também o conhecimento/habilidades adquiridos na relação com o ambiente. Portanto, o processo de
transmissão de informação não é suficiente para garantir que pessoas tenham uma percepção comum sobre o ambiente,
pois outros elementos são significativos para constituir o sistema perceptivo.
De acordo com estas duas categorias, natureza e ambiente, pretende-se refletir sobre alguns relatos a serem
apresentados, que revelam a percepção de “habitantes” da Baía de Guaratuba, sobre as mudanças que ocorreram no
estuário. Para tanto, primeiramente serão apresentados alguns aspectos históricos que possibilitam uma compreensão de
algumas características peculiares do Estuário da Baía de Guaratuba.
o estuário: ambiente e sustento
Estuários são ambientes marinhos semifechados, situados entre o oceano e o continente, influenciado pelas
descargas de água doce de um ou mais rios, por correntes de vazante e enchente. Se situam sobre terras férteis e suas
águas são renovadas periodicamente pelas marés (MIRANDA, CASTRO. & KJERFVE., 2002). O Estuário da Baía de
Guaratuba está situado ao sul do litoral paranaense, em Guaratuba. Possui cerca de 6.260 hectares (IBRADES, 2011).
Além dos rios e canais de maré, a baía é constituída por bancos de gramíneas e bosques de manguezais bem preservados
(BRANDINI, 2008).
A diversidade de ambientes que configura a baía de Guaratuba reflete sobre a heterogeneidade de modos de
trabalho e vida que caracterizam o cotidiano de famílias que habitam este território. Antes do processo de urbanização
ocorrer de forma contundente no município de Guaratuba, as comunidades rurais praticavam sistema de coivara, que
era utilizado para o cultivo de feijão, mandioca e café. Nas áreas alagadas era realizado cultivo de arroz. Também
praticavam o extrativismo do cipó-preto para confecção de artesanato e construção de moradias (FERREIRA, 2010).
Predominavam os processos coletivos de organização do trabalho, tal como a pesca da tainha com espia (na entrada da
baía), pesca de camarão com peneiras, guajus, mutirões e sistema de quinhão.
O processo de urbanização foi intensificado entre as décadas de 1950 e 1990, com influência de investimentos
governamentais associados à ampliação da infraestrura da região, promulgação de normas de controle da pesca e criação
de unidades de conservação da natureza (UC), além do incentivo à empresas madeireiras na região. A partir da década de
1990, foram configuradas diversas UC sobre o território da Baía. Em 1992, foi constituída a Área de Proteção Ambiental
de Guaratuba. Em 1998 foi instituído o Parque Estadual do Boguaçú, ao sul da Baía, e em proximidade e abrangendo
parte das populações ao norte da Baía, o Parque Nacional Saint-Hilaire/Lange, criado em de 2001. Neste contexto, entre
1998 e 2000 Mellinger (2013) registra relatos de migrações para a comunidade situada ao norte da Baía de Guaratuba,
o Cabaraquara, decorrentes das restrições ambientais associadas às UC. Ainda, o poder público fomentou o processo
de capitalização, modernização e crescimento da pesca marítima paranaense, decorrente, sobretudo, da ampliação do
mercado consumidor, entre 1975 e 1985 (ANDRIGUETTO-FILHO, KRUL & FEITOSA, 2014).
Ademais, há de se considerar a chegada de veranistas, atraídos ao município sob a valorização da utilização
dos balneários para turismo e lazer, que repercutiram na expansão de segundas residências, marinas e iates, sobretudo
a partir da década de 1980. A comercialização de terrenos para proprietários de segundas residências contribuiu para
que, entre 2001 até 2010, mais da metade do total de residências em Guaratuba fossem caracterizadas como sendo
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“domicílios particulares, não ocupados e de uso ocasional” (IBGE, 2001; IBGE, 2010).
Mellinger (2013) constatou que atualmente, 72% das unidades familiares pesquisadas praticam a pesca estuarina
para subsistência, e aproximadamente 42% das famílias entrevistadas tem a pesca estuarina como fonte de renda, a partir
da comercialização do camarão branco, sobretudo como iscas vivas, diretamente para os turistas que praticam a pesca
amadora e esportiva.
Além da pesca, outras doze atividades foram identificadas como meio de sustento das famílias entrevistadas,
com destaque à confecção de farinha e trabalho na roça; produção de quintal (frutíferas e horta); a criação de animais;
e a coleta do caranguejo “pegado” nos manguezais. Além das atividade desenvolvidas tradicionalmente na região, o
contexto de mudanças na baía favoreceu o desenvolvimento de atividades não tradicionais, como: a maricultura, com
registro do primeiro cultivo de ostras na Baía em 1996, sendo atualmente uma atividade importante para os restaurantes
da localidade do Cabaraquara; a pesca com ceva nos rios do interior da Baía; os passeios guiados com turistas; a oferta
de aluguel de quarto e estacionamento; as ocupações de marinheiro, cozinheira, faxineira ou carpinteiro naval.
Percepção de moradores sobre transformações
O período que precede ao processo de urbanização do município de Guaratuba é associado à “fartura”, conforme
relata um dos moradores mais antigos do Descoberto que fez a primeira casa com “material” na comunidade: “Naquele
tempo qualquer um podia andar pelo mato, podia caçar, fazer o que quiser. Naquele tempo era farto, tinha muita comida,
peixe.” Ele recorda que eram preparadas grandes roças de mandioca e de arroz (cultivos que atualmente são mais
escassos devido a legislação ambiental), que as pessoas costumavam dividir e compartilhar o trabalho, caracterizando o
sentimento de colaboração e reciprocidade entre os agricultores e pescadores da região. Este mesmo senhor conta que:
“Eu fazia muito mutirão naquele tempo, um ajudava o outro. Naquele tempo, se fizesse uma roça aí era uns 40 homens
pra trabalhar, e vinham, porque todo mundo precisava”.
Ele explica que a organização de “puxiruns”, para mobilização e realização do trabalho na roça, ainda é promovida
na comunidade mas que, segundo ele, não agrega a mesma quantidade de pessoas de antigamente. Se antes o sentimento
de fartura estava associado à abundância de alimentos, na atualidade ela se expressa na diversidade e quantidade de
bens alimentícios, vestuário, eletrônicos, moradia e ao acesso à infraestrutura básica. O comerciante que foi o primeiro
a construir sua casa de “material”, na comunidade do Descoberto explica que: “Naquele tempo a gente bem dizer cada
família tinha uma mudinha, tinha dois. Hoje não, todo mundo tem seu guarda-roupa cheio de roupa. Em muitos pontos
melhorou. O primeiro rádio aqui fui eu que comprei.”
Coexistindo com a percepção acerca da fartura de alimentos, “aquele tempo” também foi veiculado à dificuldade
de acesso às condições de infraestrutura básica, como água encanada, energia elétrica, vias de acesso e comunicação.
A exemplo desta constatação, professora aposentada da comunidade do Descoberto explica que “... tinha o que vender
e não tinha como vender, não tinha estrada, luz, água, geladeira. Água era de poço, bem gelada, lá caía folha, pulava a
cobra, pulava o sapo e nós usava aquela água, graças a deus nunca aconteceu nada”.
A construção de rodovias, facilitou o acesso dos moradores do “sítio” para “lá em Guaratuba”, modo que muitos
moradores rurais se referem ao núcleo urbano da cidade, ainda que pertençam ao mesmo município; favoreceu o acesso
ao mercado e a comercialização de muitos produtos na comunidade. Por outro lado, a melhoria da mobilidade viária
e aquaviária para acesso ao município de Guaratuba, favoreceu a especulação imobiliária, o aumento demográfico e a
expansão de segundas residências, sobretudo para fins de lazer. Um morador da comunidade do Descoberto, agricultor,
conta que:
Hoje tá tudo mais fácil, o que a gente tem vende aqui mesmo. Melhorou barbaridade com a estrada. Muitas pessoas,
naquela época, que tudo era difícil pra viver, abandonaram tudo, chácara o mato tomou conta. Hoje em dia a pessoa
se arrepende, querem pegar o terreno mas já não tem como. Aqui valorizou muito, muito.
Atualmente, nos bairros de Mirim e Piçarras existem somente três pescadores cujos terrenos dão acesso direto
à Baía de Guaratuba, fato decorrente da venda de terrenos para pessoas de fora e trouxe repercussões no acesso à
Baía e que repercute diretamente nas condições de trabalho dos pescadores. O pescador que diz ser o mais antigo da
comunidade de Piçarras, diz que:
Porque quando nós morava ali, a estrada era precária, não era asfaltada, desde o aeroporto. Pra nós levar o peixe
pra lá, nós ia remando. Agora não dá mais porque os caras fizeram o trapiche lá fora e agora não dá mais, porque
quando a maré enche você não vence, cansa, tem que suar pra passar aquele trecho, andar mais 100 metros pra
andar até o outro trapiche. Aquilo é obra tudo irregular, mas o poder do dinheiro faz assim.
A baía de Paranaguá é assim. A sardinha charuto, depois que começaram a aparecer a sardinheira, que tarrafa aí pra
no outro dia pescar né. Aí tem aquele pescador mais curioso né, que quer saber como é, aí ele viu como era a rede
né. E como tinha muito sardinha charuto na Baía (de Guraratuba), eles pegaram e inventaram de fazer uma rede
também, que nem a da tainha só que mais pequena. Barquinho pequeninho, bote aberto né. Dava um lanço de dois
mil três mil quilos de sardinha né. Barco vinha carregado. Aí o pessoal pensou, tenho que pescar também porque se
um tá matando, tenho que matar também. Ainda bem que veio o IBAMA e proibiu. Se deixar, se não regulassem,
o pessoal ia tudo pra aquilo ali. Daí tinha terminado. Como aqui, pegavam sardinha ali, a turma começou a fazer
uma coisa miudinha de serrar a tarrafinha na hora que puxa, ela vem tudo em sacador. Aí pessoal começou tudo a
cair em cima e deu no que deu. Pra nós aqui é a sardinha penacho, tem as guelras grandes e aqui em cima tem um
penachinho. Naquele tempo você ia pra cima e estourava destes e agora não tem mais, acabou.
Conforme relata um pescador que veio do sítio para morar no Bairro de Piçarras, a proibição de se pescar com
malhas menores, que acabam pegando peixes na fase inicial do desenvolvimento, contribuiu para manter a vida “dos
bichinhos”.
No meu tempo tinha bastante peixe. Não tinha rede, era o lanço, usava duas canoas, uma canoa jogava aqui, jogava
rede e a outra segurava. Naquele tempo era 40 braços de rede. O cara fechava três quatro lanços dava uma canoa
de peixe. Pescava bagre, corvina, saguá, pampu, parú, depois mais miudo com malha 6, até malha 7 e malha 5. De
uns tempos pra cá a malha 5 foi proibida. Foi bom proibir pros bichinhos.
É recorrente a percepção de que a fiscalização sobre o cumprimento de normas ambientais é feita de forma
desigual entre parcelas da sociedade. Se por um lado há um consenso da inoperância dos agentes governamentais em
fiscalizar as normas, é reconhecida a importância de normas que favoreceram o aumento da quantidade de peixes na
Baía, tal como a proibição do arrasto da pesca em 2003, fazendo com que pescadores passassem a usar o caceio e lanço
batido (MELLINGER, 2013).
Diante da diminuição da “produção”, muitos jovens filhos de pescadores não se dedicam mais à esta atividade.
Em decorrência disto, morador que até pouco tempo pescava a remo na em proximidades ao bairro Mirim, comenta
sobre o desinteresse da geração mais nova pelo exercício da pesca: “Hoje até, como já não tem mais camarada e os
filhos de muitos pescador foram estudar, se formaram em alguma profissão, não querem pescar mais. Porque aqui o
pessoal não quer mais, não dá produção...”. Ainda sobre as ocupações exercidas pelos pescadores, moradora do bairro
Piçarras, mulher de pescador e proprietária de um pequeno mercado de peixe situado em seu terreno, conta que nos
bairros Piçarras e Mirim, muitas pessoas prestam serviços para os turistas como caseiros, marinheiros, jardineiros ou
domésticas.
Esta norma, aliada à ampliação do mercado, aquisição de tais inovações tecnológicas, motorização e fomento para
aquisição de embarcações favoreceram a pesca na plataforma interna, substituindo a pesca estuarina. Neste contexto,
permaneceram na baía os pescadores artesanais, os quais utilizam apetrechos específicos e capturam uma quantidade de
peixes inferior à dos que pescam fora da baía. Um dos pescadores mais antigos da comunidade de Caieiras, cujo nome
atualmente intitula ruas do bairro explica sobre as características dos pescadores “da baía”.
Apesar de todos os relatos sobre a diminuição do peixe, entrevistados contam que a situação atual da baía é mais
favorável do que a aproximadamente uma década atrás, conforme comenta pescador do bairro de Caieiras: “Dá muito
peixe, é robalo, é linguado, bagre branco, bagre amarelo, xareu, pampo, miraguaia, garoupa, peva, caratinga branca”,
pescador antigo que reside no Mirim: “Ah, volta (!) Dependendo da qualidade da água, volta. Teve uma época que ficou
pior do que agora. Pesca uns oito anos atrás era muito ruim, eu padeci”.
Na baía é uma pescaria da pessoa que às vezes não tem barco grande, e ele já é um pescador artesanal. Só que ele
fica com o barquinho dele, com a tarrafa e rede trabalhando, se ele acha que dá pra viver daquilo ele fica na Baía.
Agora, quem já começou com barco grande quer ir cada vez mais pra lá, né. Se ele acha que dá pra viver daquilo
ali na Baía, ele fica. Agora, quem já começou com barco maior pra pescar pra fora, ele quer ver cada vez mais.
Em geral, os pescadores entrevistados consideram significativa a diferença que instrumentos de pesca específicos
produzem no ambiente e reconhecem a importância de normas ambientais que regulem o uso de determinados apetrechos,
o mesmo pescador que reside em Caieiras, bairro situado em proximidade à desembocadura da Baía, descreve sobre os
efeitos da sardinheira:
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O dinamismo da baía influi também na quantidade de peixes, pois para pescador e agricultor de Piçarras: “Tem
muita espécie de peixe que este ano deu fracassado mas no ano passado deu demais. Fazia tempo que eu não via parati,
o meu filho tirou mil quilos num dia.” Portanto, a baía está em permanente mudança, algumas espécies que eram mais
avistadas em outrora desapareceram e ele acredita que outros seres voltaram a surgir. De acordo com estes relatos e
percepções, parece que a elaboração de normas ambientais (controlando a pesca e o pescador na Baía de Guaratuba),
vem contribuindo em parte para a perpetuação de determinadas espécies de peixes e crustáceos, no entanto, afetando
diretamente o modo como a pesca é realizada.
A urbanização decorrente da náutica, pesca esportiva e turismo, ao mesmo tempo em que trouxe impactos e
conflitos, gerou empregos para a população, pois morador de Cabaraquara pondera que: “[...] o pobre sem o rico não
vive. A gente tem que pescar pra vender o peixe pro rico. Conforme o rico sem o pobre não vive, porque ele quer pescar
o robalo, nós, pobre pescador, pega o camarão pra vender pra ele, então ele tá precisando da gente”. No entanto estes
processos refletem diretamente na relação que se estabelece com o ambiente:
De primeiro a gente pescava mais pro canal. Hoje em dia no canal não dá pra pescar por causa dos
turistas, naquele tempo não tinha turista, o turista respeitava mais os pescador. Hoje em dia se nós soltar
uma rede boieira e se ficar ali no canal, você pode dar sinal com boné com a camisa os turistas chegam
com a lancha grande e não respeita. Aí a gente vai correndo atrás pra ver se eles pagam a rede, às vezes
passam o motor de 15 pra cima. Quando ele é uma pessoa boa ele paga, acontece com muitos pescadores
e às vezes ainda xingam a gente.
Do mesmo modo, pescadores das comunidades do Cabaraquara e Porto de Passagem reconhecem que, conforme
explica maricultor do Cabaraquara “se não fosse o iate, muita gente ia ter que buscar trabalho fora, talvez nem conseguisse
morar ali porque emprego na comunidade não tem”. Por fim, moradores que trabalham diretamente com turistas na pesca
esportiva de ceva concebem que esta prática trouxe uma mudança muito positiva para a comunidade, pois trabalhar com
turistas passa a ser algo mais seguro, em termos de retorno econômico, do que a pesca: “... mais vantagem trabalhar com
o pessoal de fora”. Os turistas também compram a farinha e a ostra, e até uma relação de amizade é firmada com turistas
de pesca, conforme relato de moradores do Descoberto e de Caieiras.
pessoas que percebem o mesmo estuário a partir da lógica da “natureza”, conforme termos cunhado por Ingold (2002;
2012). Isto requer um constante movimento do nativo, para aquisição de novas habilidades para sobreviver a esta
relação, muitas vezes conflituosa, com os agentes que concebem o estuário como “natureza”.
Diante desta complexidade, nas análises e propostas de gestão de territórios, o foco deve estar na concepção
do humano que habita o ambiente, tendo em vista a necessidade de se levar em conta seus interesses. Para finalizar,
considera-se a importância de pensar propostas de desenvolvimento e organização territorial que permitam um diálogo
e aproximação entre “os que são da baía” e “os que são de fora da baía”.
Diferentemente do “mito do progresso”, o qual promove a segregação social; propõe-se que o desenvolvimento
do território, conceba a indivisibilidade entre os aspectos e atividades que unem passado e presente, tradição e
modernidade, “ambiente” e “natureza”, trançados sob amparo de políticas públicas decididas com a participação dos
moradores, contemplando a diversidade de formas de vida e de vínculos com o ambiente. Nesta tessitura, nossa reflexão
se encerra sob a luz de questionamentos: “Desenvolve-se o quê, para quem, com que benefício e a que custo? Que
dimensões do ser humano são satisfeitas por ele?” (HIEDEMANN, 2009, p. 29).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
O conjunto de transformações no contexto em que estão inseridos contribuem para diferenciação e reforço das
dualidades estabelecidas por eles entre “naquele tempo” e “hoje”, entre “dentro da Baía” e “fora da Baía”, entre pescador
“velho” e pescador “novo”, “pesca artesanal” e “pesca industrial”. Em acréscimo a estas dicotomias, atualmente, com
a náutica e a normatização pesqueira, emergem outras dualidades, quais sejam “rico” e “pobre”; “grande” e “pequeno”;
“sustento” e “diversão”; “legal” e “ilegal”. Mesmo que pescadores artesanais tenham aderido e se reestruturado à
diversos elementos que caracterizam a “urbanização/modernização dos pescadores”, muitos ainda mantêm modos
específicos de integração com os ambientes da Baía, desenvolvendo suas habilidades/ conhecimentos sobre peixes e
condições do ambiente, e também resignificando seus saberes, suas práticas materiais e imateriais.
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A relação que eles estabelecem com os manguezais, rios, florestas, corpos d’água é calcada no conhecimento,
na experiência e observação sobre as condições do ambiente. Mas ainda assim, para que as práticas e atividades
sejam desenvolvidas são necessárias adequações de acordo com o aparato legal que rege sua permanência ou não em
determinados ambientes; bem como a forma como as atividades, quando não proibidas, devem ser praticadas.
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Considerações finais
As leis ambientais, normatização de pesca, processos de urbanização são instituídos muitas vezes por gestores
públicos que possuem um conhecimento sobre o estuário, fundado a partir de leituras e observação de imagens. Por
outro lado, quando o território passa a ser utilizado como fonte de lazer ou como local para captura de peixes associados
à pesca esportiva, muitas vezes a natureza é tida como espaço de consumo, fonte de recursos disponíveis para deleite
humano. Neste sentido, a percepção de uma pessoa que habita o “ambiente” é diretamente influenciada por ações das
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Evandro Cardoso do Nascimento1; Valdir Frigo Denardin
Resumo
A pesca coletiva da tainha na Ilha do Mel, Paranaguá/PR é realizada de forma coletiva e destaca-se como uma atividade
econômica permeada por relações de reciprocidade e troca mercantil. Neste contexto, o artigo trata de identificar e
qualificar as relações e práticas socioeconômicas desta comunidade tendo como base a teoria da reciprocidade. Constatase que estas relações e práticas são estruturadas pelas regras de distribuição dos rendimentos da pesca que, apesar de
inserida no mercado, foge dos padrões estabelecidos por ele e são construídas a partir das relações sociais, culturais e
econômicas da comunidade.
Palavras-Chave: reciprocidade; trabalho coletivo; pesca artesanal.
Abstract
Collective mullet fishing in Ilha do Mel, Paranaguá/PR is held collectively and stands out as an economic activity
permeated by relations of reciprocity and commodity exchange. In this context, the article is to identify and describe the
relationships and socio-economic practices of this community based on the theory of reciprocity. It appears that these
relationships and practices are structured by the distribution rules of fishery income which, although inserted in market
escapes the standards set by him and are built from social, cultural and economic community.
Key words: reciprocity; collective work; artisanal fisheries.
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Universidade Federal do Paraná – Setor Litoral – [email protected]
Introdução
O presente texto apresenta resultados de uma pesquisa sobre as relações socioeconômicas de uma comunidade
de pescadores da Ilha do Mel, Paranaguá/PR. O trabalho empírico foi realizado na temporada de pesca do ano de 2015
com a comunidade da Vila de Encantadas, localizada ao sul da ilha, que desenvolve a pesca da tainha na Praia do Miguel,
distante aproximadamente quatro quilômetros da vila.
Tendo como base uma vertente renovada da teoria da reciprocidade (TEMPLE, 2003; CHABAL, 1996;
SABOURIN, 2011) o estudo buscou identificar e qualificar as relações de reciprocidade presentes na organização social
e econômica da pesca, tendo em vista responder a seguinte questão: quais suportes institucionais estruturam as práticas
e relações de reciprocidade entre os pescadores da Praia do Miguel?
A metodologia utilizada no trabalho de campo foi a observação participante (GIL, 2009) e a história oral (AMADO
e FERREIRA, 2006) realizada entre maio e julho de 2015. Para apresentar os resultados este texto está organizado em
três partes sem contar a introdução e as considerações finais. Na primeira parte são apresentados alguns aspectos técnicos
da pesca tendo em vista sua contextualização; na segunda parte são apresentados os elementos conceituais da teoria da
reciprocidade; e, por fim, na terceira parte é apresentada a análise dos dados empíricos da pesquisa.
A tainha, os lanços e as camboadas
Em 1945, a pesquisadora Gioconda Mussolini (2005) fez uma descrição sobre a temporada de pesca da tainha
no litoral paulista e usa expressões dos pescadores da Ilha de São Sebastião para relatar sobre as fases da pesca: ‘tainha
solta’, ‘tainha de corrida’ e ‘tainha de arribada’. Em fins de maio aparece uma ou outra tainha anunciando a temporada, é
a ‘tainha solta’; Em junho e julho surgem os grandes cardumes migrando para o norte, a ‘tainha de corrida’; finalmente,
no final de julho e início de agosto, as tainhas param de subir e mudam o sentido voltando para o sul e adentrando ao
estuário mais próximo, são as poucas ‘tainhas de arribada’.
Na Ilha do Mel a corrida da tainha é esperada com paciências pelos pescadores da Praia do Miguel e a sua
captura é feita de duas formas: os lanços e as camboadas. Cada uma dessas formas requerem habilidades e petrechos
diferentes, bem como recursos humanos, horários e técnicas específicas.
A pesca de lanço é realizada durante o dia e reúne o maior número de pessoas. Tudo inicia quando o
2
espia identifica um lote (cardume) de tainha se aproximando da praia, sua visão aguçada e sua experiência sobre o
comportamento do peixe possibilitam informações precisas que variam da quantidade ao tamanho dos peixes. O dono da
rede3 é o primeiro a receber as informações do espia via rádio e, através de sons específicos feito com a boca, convoca
todos os pescadores presentes a estarem prontos na praia, rapidamente a canoa é colocada no mar sendo tripulada pelos
proeiros4, o chumbereiro5 e o patrão da canoa6. Além do equilíbrio e força requeridos a todos os tripulantes, os proeiros,
que geralmente são dois ou três, precisam remar no mesmo ritmo para que os remos não se toquem espantando o peixe
ou mesmo derrubando um dos tripulantes; o chumbereiro deve lançar a rede no mar sem enroscá-la e para tanto recebe a
ajuda do patrão da canoa que também dirige e rema.
2
3
popeiro.
4
5
6
rede.
O espia é quem vigia o cardume no mar e dá orientações ao popeiro (via sinais) e ao dono da canoa (via rádio) na formação do cerco.
Além de ser o proprietário dos petrechos, o dono da rede coordena a operação, sendo um mediador na comunicação entre o espia e o
São aqueles que remam movimentando a canoa, também são chamados de remeiros.
É o responsável por lançar a rede ao mar após a rebentação de forma ágil e silenciosa.
Também chamado de popeiro, é quem dirige a canoa para atravessar rebentação, vai na popa da canoa e ajuda no remo a no lançar da
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Mulheres, crianças, turistas e outros pescadores aguardam na praia o momento de puxar a rede, ou mesmo
entrar no mar para impedir as tainhas de escaparem do cerco. Depois de muito silêncio para o peixe não fugir, o cerco é
finalizado com muito barulho e geralmente é aplaudido por todos.
A pesca de cambau é realizada durante a noite em maré vazante e não se utiliza canoa. Dependendo da maré
pode-se camboar duas vezes por noite (20h00min e 04h00min, por exemplo) e, geralmente, se passa a rede por toda a
praia. Diferente da rede utilizada no lanço, na qual os dois calões (extremidades da rede) são segurados com cordas, as
redes de cambau são menores e possuem hastes de madeira ou bambu em suas extremidades. Comparado ao lanço o
número de pescadores que praticam esse tipo de pesca é menor.
No cambau são necessários pelo menos quatro pescadores, geralmente homens, a rede utilizada é do tipo
feiticeira (com três malhas). Um pescador, geralmente o dono da rede, camboa ‘por fora’ com a água do mar na altura
do tórax, outro pescador segura o cambau ‘por terra’ com água na altura joelho, outros dois pescadores acompanham o
arrasto para segurar o cambau no momento em que os peixes são cercados. Ao sentir que há peixes na rede os pescadores
se comunicam: quem está ‘por fora’ faz um som com a boca (pequeno grito ou assovio), quem está ‘por terra’ geralmente
emite um sinal luminoso com a lanterna. Neste momento o cerco é fechado pelo pescador que está ‘por fora’ e os
dois pescadores que acompanham na praia seguram os calões para que aqueles que arrastaram a rede possam estica-la
impedindo que algum peixe escape.
Na narrativa dos pescadores, a pesca de cambau serve à subsistência, enquanto a pesca de lanço é voltada ao
mercado. Dependendo do sucesso da pesca de cambau o peixe também pode ser comercializado.
Durante a temporada de pesca do ano de 2015 um total de 6.494 tainhas7 foram capturadas pelos pescadores
da Praia do Miguel. Essa contabilidade considera somente os resultados da pesca de lanço, pois que a pesca de cambau
é realizada primordialmente para o consumo não sendo registrada sua quantidade. Tanto a pesca quanto o comércio
do pescado é realizado coletivamente. A renda é dividida entre todos os participantes da pesca conforme as regras de
distribuição estabelecidas pelos grupos. Trata-se da divisão do terço e dos quinhões que, na perspectiva deste estudo,
estruturam as relações e as práticas de reciprocidade entre os pescadores.
A teoria da reciprocidade
Partindo dos estudos iniciais de Mauss (2003) e Polanyi (2000) a teoria da reciprocidade, nos últimos anos,
vem passando por uma renovação. O objetivo é precisar a produção de valores humanos através das estruturas de
reciprocidade e busca diferenciá-la das relações de troca mercantil, produtora de valores materiais.
Temple e Chabal (1995) reconhecem a existência de várias formas de reciprocidade, sempre diferenciando
da troca através dos valores produzidos. O valor produzido na relação recíproca está no ato e implica valores afetivos,
já o valor produzido na troca está na coisa e se utiliza de uma reciprocidade mínima para interesses complementares
e materiais. A troca não cria valor, a reciprocidade cria valor ético que se torna valor econômico em uma economia de
reciprocidade.
Temple e Chabal (1995) consideram que a reciprocidade possui diferentes níveis, formas e estruturas que
formam um sistema de reciprocidade. Os níveis da reciprocidade são categorizados por Temple e Chabal (1995) em:
real, simbólico e imaginário. Tais níveis, de acordo com a natureza dos atos, dão lugar a três formas de reciprocidade:
positiva, negativa e simétrica.
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Cerca de 10 toneladas.
Com relações às estruturas de reciprocidade, vale destacar que o termo estrutura é herdado da antropologia e
designa uma organização que articula elementos que constroem as relações sociais. Segundo Chabal (2005), estruturas
de reciprocidade articulam atos dos seres humanos que se legitimam graças à reciprocidade. Temple (2009) classificou
em duas as estruturas elementares de reciprocidade: a binária (face a face e compartilhamento) e a ternária (unilateral,
bilateral e centralizada). Porém, reconhece a existência de estruturas intermediárias entre elas. Estas estruturas são
matrizes que produzem sentimentos e valores específicos.
Na estrutura binária face a face duas partes estão frente a frente na relação de reciprocidade. Segundo Temple
(1998), essa relação pode ocorrer entre indivíduos, famílias ou grupos e produzir formas positivas, negativas ou
simétricas que, por vezes, geram valores diferentes. Na sua forma positiva, por exemplo, a reciprocidade binária face a
face estabelece uma dádiva altruísta e produz a sentimento de amizade entre as partes; na sua forma negativa, a vingança,
produz a inimizade; quando simétrica, onde positivo e negativo se relativizam, gera um sentimento de indecisão, um
valor ético.
A reciprocidade binária face a face também pode ocorrer entre indivíduos, famílias e grupos desiguais, neste
caso, pode-se gerar um tipo de reciprocidade assimétrica que não pode ser confundida com as três formas de reciprocidade
apresentada, o sentimento gerado na reciprocidade assimétrica é o da obrigação ou submissão como ocorre na dádiva
agonística. Segundo Mauss (2003), a dádiva agonística é aquela onde o doador recebe fama e prestígio e o donatário
apenas perde.
A estrutura binária de compartilhamento é um prolongamento do face a face com a diferença de que há a partilha
de algo em comum. Enquanto no face a face os indivíduos, famílias ou grupos estão frente a frente, no compartilhamento
eles estão todos frente a todos, ligados pela partilha de um bem comum. Na sua forma positiva produz o sentimento
de participação, união e confiança; na forma negativa, a vingança se reproduz através do bem comum e afeta a todos
simultaneamente gerando intrigas e partidarismo que fragmentam o grupo.
As estruturas ternárias de reciprocidade, segundo Temple (2009), implicam, pelo menos, três partes na qual um
indivíduo atua sobre um parceiro e, ao mesmo tempo está sujeito à atuação de outro parceiro. Essas estruturas podem ser
unilateral, bilateral ou centralizada.
A estrutura ternária unilateral é aquela que possibilita que quem recebeu a dádiva, ou a vingança, a retribua
para um terceiro sem haver mutualidade entre eles. Por ser linear e contínua quem a recebe não retribui ao doador, neste
caso seria binária. A maneira mais simples de explica-la é na transmissão da dádiva entre as gerações que produzem
sentimentos de responsabilidade, neste tipo de dádiva o doador procura doar o máximo possível para fortalecer o laço
social (TEMPLE, 1998).
Diferente da unilateral, na estrutura ternária bilateral, a mutualidade é requerida e as prestações circulam em
dois sentidos. Segundo Temple (1998), nessa estrutura o sentimento produzido é o da justiça e busca-se doar o suficiente
para equilibrar a dádiva e possibilitar ao outro a retribuição justa. Sabourin (2011b) explica que a estrutura unilateral é
fundamentada na lógica da dádiva e, busca-se dar ao máximo para comprometer o donatário e fortalecer o laço social,
mas na estrutura bilateral, fundamentada na lógica reciprocidade, busca-se a justiça e há uma preocupação em não dar
demais a ponto de impossibilitar a retribuição justa do outro e faze-lo perder o prestígio.
Segundo Temple (2009), na estrutura ternária bilateral, a cadeia é contínua e se fecha em forma de rede ou
círculo. Em forma de rede é quando todos os parceiros mantêm mutualidade, em forma de círculo é quando a mutualidade
não ocorre entre todos.
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Quanto à estrutura ternária centralizada, esta não ocorre sem a legitimação de um centro de poder capaz de alocar
as dádivas e organizar sua distribuição, a mutualidade ocorre entre os indivíduos, mas através do centro redistributivo
que se torna um intermediário. Polanyi (2000) chama essa estrutura de redistributiva e aponta que ela pode ocorrer
quanto em comunidades pequenas, como um grupo que se reúne para caçar, quanto em sociedades mais complexas, onde
o estado através da tributação promove a distribuição de renda.
Assim como, no caso de grupos assimétricos, a reciprocidade pode gerar submissão, a reciprocidade centralizada
ou redistribuição pode legitimar a dominação de um líder ou grupo que está no poder. Esse caráter opressivo e aristocrático
da reciprocidade centralizada é denunciado por Godelier (1969) na sua crítica ao pensamento de Polanyi.
Sabourin (2011a) destaca que esse centro de redistribuição (o chefe ou o estado, no caso dos exemplos de
Polanyi) torna-se uma autoridade suprema. Temple (1998) destaca que os sentimentos gerados a partir da estrutura de
reciprocidade centralizada é o da obediência ao centro, esse sentimento é gerado a partir de uma confiança não espontânea.
Há uma grande diferença entre a reciprocidade das trocas, na qual a dádiva é privatizada entre os atores, e a
reciprocidade das dádivas, na qual a dádiva é refletida na consciência dos atores ou na responsabilidade individual. Para
sair da lógica privada, a teoria da reciprocidade propõe uma economia mais humana, na qual o princípio da reciprocidade
seja a lógica da produção. Não se trata de um retorno às origens, nem da substituição da lógica da troca pela lógica da
reciprocidade, mas da articulação de ambas para superar a hegemonia da troca mercantil.
Sabourin (2011a) destaca que, em matéria de desenvolvimento, trata-se de inserir o diálogo entre troca e
reciprocidade em projetos econômicos e sociais, caso contrário apenas uma lógica reinaria – a lógica da troca. O autor
aplicou a teoria da reciprocidade em diversos contextos, principalmente rurais, na França, Brasil, Guiné Bissau e Nova
Caledônia, onde foram identificadas relações de reciprocidade em sistemas mistos, onde reciprocidade e troca coabitam
de forma separada ou paralela.
A teoria da reciprocidade pensa alternativas para um desenvolvimento territorial mais sustentável, pois
resguarda a produção local da lógica unicamente mercantil e possibilita pensá-las através da interface dos sistemas.
Níveis, formas e estruturas de reciprocidade formam um sistema de reciprocidade que, na articulação com os sistemas
de troca, fornecem elementos para propor estratégias locais de desenvolvimento cada vez mais adaptadas às integrações
sociais e econômicas construídas em cada território.
O terço, os quinhões e as estruturas de reciprocidade na Praia do Miguel
Durante a temporada de pesca de tainha cerca de 40 pessoas passam o dia na Praia do Miguel para a pesca
de lanço. Algumas famílias acampam na Praia do Miguel em barracos construídos com a autorização do IAP, esses
acampamentos servem para evitar o deslocamento diário à vila, distante aproximadamente quatro quilômetros da praia,
e também para a pesca noturna de cambau.
Nestes barracos os pescadores passam os dois meses de pesca – da 2ª quinzena de maio até a 1ª quinzena de
julho – intercalando com dias em que decidem passar a noite na vila. Os pescadores relatam os momentos vividos
no Miguel como uma experiência exógena quando comparada ao modo de vida na vila. Os mais antigos dizem que a
vivência no Miguel faz lembrar o modo de vida de seus pais. É comum o discurso de que, no período da pesca da tainha,
a comunidade estreita seus laços sociais:
A pesca da tainha é uma forma de juntar mais o povo. Tem aquela união e aquela alegria que dá no povo
né. Quando pega um cardume bom de tainha dá aquela alegria no povo né, puxar a rede, conversar tudo
mundo junto e agitar e tal, então isso ai, pra mim é, além do dinheiro, é juntar o povo e ter essa alegria
aqui na Praia do Miguel, de ter bastante gente junto e tudo mundo dá risada e fala, e corre, e pega e puxa, é
um momento de convivência muito bacana. Junta todo mundo mais perto um do outro e conversam mais.
Depois da pesca da tainha, que todo mundo vai pra lá [para vila] começa, a partir do sete de setembro pra
frente [quando começa a temporada de verão], já começa cada um pro seu canto e ninguém mais tem esse
contato como tem aqui na Praia do Miguel (Pescador A, 56 anos)8.
Há entre os pescadores uma consciência espontânea sobre a preservação da cultura local através da pesca, tendo
em vista a importância desta para as relações sociais e afetivas do grupo:
centro de poder que capta as dádivas e organiza sua distribuição. Na Praia do Miguel o centro redistributivo é o dono da
canoa e da rede, este assume um papel central na pesca coletiva e da sua forma de organização dependem as relações de
reciprocidade. As prestações são oferecidas em forma de serviços, pois somente através do trabalho coletivo é possível
realizar a pesca.
Quanto às regras de distribuição, estas ultrapassam o próprio dono da canoa e da rede, são estabelecidas pelo
costume, pela tradição e legitimadas socialmente. Os próprios pescadores não sabem sobre a origem destas regras: “isso
ai é muito antigo né, muito antigo isso ai, isso ai é das primeiras pescarias que saiam aqui na frente, eles já faziam essa
regrinha dos quinhão, de como dividir...” (Pescador B, 38 anos). O dono da canoa e da rede adotou as regras utilizadas
pelos antigos:
[...] é o que mantem nos ai, mantem a comunidade unida, mantem a cultura, consegue manter a cultura, aos
poucos a gente consegue trazer a nova geração pra participar da cultural local, pra manter essa identidade
e ter o prazer de fazer essa pescaria, e o prazer de passar esses dois meses na Praia do Miguel, como
uma coisa diferente e fazendo um resgate da própria cultura local [...] o pessoal fica mais concentrado, a
comunidade participa mais, tem mais essa sociabilidade né, umas pessoas com as outras. Na temporada
não tem como, a gente passa um pelo outro e só dá oi, dá bom dia, boa tarde e pronto, porque eu tô
indo fazer uma coisa, tô indo ganhar o meu dinheiro, tô indo fazer um trabalho, tô é... tipo assim, é...
aproveitando o turismo, o comércio, e o verão da Ilha do Mel, sabe... e dai no inverno a gente aproveita
(Pescador B, 38 anos)9.
Todos os pescadores possuem alguma atividade econômica ligada direta ou indiretamente ao turismo na ilha.
Alguns são proprietários de camping ou pousada, alguns trabalham na coleta de lixo e outros prestam serviços autônomos
em construção civil. Poucos são os aposentados na pesca.
A pesca da tainha representa uma renda significativa para os moradores da Vila de Encantadas, principalmente
na época de inverno, na qual os serviços turísticos tem sua demanda reduzida. Desta forma, a comunidade de Encantadas
mantém duas organizações econômicas bastante distintas: a pesca e o turismo.
No discurso dos entrevistados percebe-se que o turismo se caracteriza como a atividade econômica principal.
Porém, marcada pelo individualismo e por relações sociais menos afetivas. A pesca da tainha é apresentada pelos
pescadores como uma atividade coletiva e que, apesar de secundária quanto ao turismo, produz valores econômicos e
afetivos muito significativos.
A coexistência das relações de reciprocidade e troca é comum nas economias brasileiras (SABOURIN, 2009).
Na Praia do Miguel não é diferente, troca e reciprocidade organizam as relações econômicas, mas com uma dinâmica
sazonal específica que precisa ser mais bem analisada. Neste estudo, a ocorrência de relações estruturadas de reciprocidade
é o foco principal, tendo em vista que as relações de troca estão presentes na pesca coletiva, mais de forma mais tímida
e menos estruturada.
Na Praia do Miguel as relações de reciprocidade são estruturadas nas regras de distribuição do pescado. Segundo
Polanyi (2000; 2012), são as instituições, legitimadas pelas regras e costumes de uma comunidade ou sociedade, que
sustentam as economias de reciprocidade e redistribuição. Para Sabourin (2011a) e Temple (2009), essas instituições são
as estruturas que organizam as economias de reciprocidade.
A reciprocidade centralizada (SABOURIN, 2011a) ou redistributiva (POLANYI, 2012), é caracterizada por um
8
9
Entrevista concedida em 23 de Junho de 2015. Entrevistador: Evandro Cardoso do Nascimento.
Entrevista concedida em 25 de Junho de 2015. Entrevistador: Evandro Cardoso do Nascimento.
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já fiz pelos antigos mesmo, que eu pescava com eles, né! Pelos Valentim que eu pescava, né! O falecido
Valdemar, então eu peguei isso aí com eles, é assim que eles repartiam, é assim que vai... vai fazendo né!
E todos os pescadores fazem! Todos os pescadores que pescam assim eles tiram a parte da rede né, a parte
que é da rede, o quinhão da rede, o terço que a gente chama. E depois divide o resto com pessoal, né, de
quem pesca! (Pescador C, 65 anos)10.
Quando questionado sobre a possibilidade de propor outro modelo para distribuição um pescadores relata:
É meio complicado né, lançar outro modelo que as pessoas podem não aceitar o teu modelo ali, de plano
de contabilidade, então não é legal. É bom deixar assim mesmo como está, porque já é tradição, mudar já
é uma coisa que vai sair fora do padrão da tradição, é bom deixar o lanço ai (Pescador A, 56 anos).
Tais regras estão acima das leis do mercado e se justificam pelas funções de cada um no sistema de pesca
(Quadro 1).
Quadro 1: Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Lanço.
1.
2.
3.
4.
5.
Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Lanço
Divisão do quinhão Logo após a pesca, cada participante, dependendo da quantidade de peixe,
de peixe
recebe um, dois ou três peixes para sua refeição.
Todo o peixe é vendido para o mesmo comprador, essa venda é mediada pelo
Venda do peixe
dono da canoa.
Retirada do terço (em
O valor total da venda é dividido em três, sendo uma parte do dono da canoa.
dinheiro)
Os outros dois terços são subdivididos em quinhões, ou seja, entre todos os
demais participantes da pesca. Aqui há outra regra:
Divisão dos quinhões Os pescadores que embarcaram na Os que ajudaram a puxar a rede
(em dinheiro)
canoa e os espias recebem 2 quinhões, na praia, inclusive mulheres e
ou seja, o dobro dos demais.
crianças, recebem 1 quinhão.
Em todas as divisões o dono da canoa retira uma pequena reserva em
dinheiro, resultado da falta de troco para todos os quinhoeiros. Por exemplo,
A sobra
se um quinhão é avaliado em R$203,50 o dono da canoa retira R$3,50 de
cada quinhão. Esse dinheiro é reservado para retribuir os pescadores que
ajudam a trazer a canoa para vila no fim da pesca.
Fonte: elaborado pelo autor a partir dos relatos dos pescadores.
A justificativa para a retirada do terço é aceita pelos pescadores, pois estes reconhecem a responsabilidade do
10
Entrevista concedida em 11 de Julho de 2015. Entrevistador: Evandro Cardoso do Nascimento.
dono da canoa e da rede pela manutenção dos equipamentos de pesca, bem como o valor investido na aquisição desse
material. Os dois quinhões recebidos pelos que embarcam na canoa são reconhecidos pelo perigo, esforço e habilidade
requeridos à função:
dizer, mesmo que... eu tô fazendo essa parte certo, independente se vai acontecer ou não vai acontecer, se
a pessoa vai querer ter o interesse de manter a cultura ou não vai, mas eu tive essa atitude de fazer isso, de
tratar com igualdade porque é interessante tratar todo mundo com igualdade, sabe, então isso que é o bom
(Pescador B, 38 anos).
Aqueles ganham duas partes, ganham dois quinhão como se fossem duas pessoas trabalhando, é o dobro
daquele que fica ali na praia só puxando a rede, aquele dali que corre mais risco, dá mais garra, mais
força, rema né, pra encarar o perigo, ali o dono da rede dá dois quinhão praquela pessoa que vai na canoa
(Pescador A, 56 anos).
Na pesca de cambau as regras de distribuição são parecidas. Porém, tem suas especificidades, pois a técnica de
pesca requer outras funções e habilidades (Quadro 2).
Para buscar o máximo de igualdade entre os pescadores, quanto à divisão dos quinhões, é realizado um rodízio
entre aqueles que embarcam na canoa, dessa forma é dado a todos a oportunidade de receber dois quinhões. Esse rodízio
também serve para inserir novos pescadores ao sistema de pesca, pois eles entendem que desta inserção depende o futuro
da pesca.
Eu fui agora na canoa, certo... demos um lanço... se sair um lanço agora e tiver pessoa suficiente pra dar
ir na canoa, eu não vou, eu deixo outra pessoa ir no meu lugar, porque eu já tive a chance de ir. Então
quer dizer, eu tô fazendo uma coisa sustentável, certo, tipo assim, não é egoísmo nem ganância da minha
parte, sabe... eu tô dando a oportunidade pras outras pessoas fazerem o mesmo... [...] como ele [o dono
da canoa] viu que algumas pessoas estavam pulando duas ou três vezes na canoa e não estavam deixando
as outras pessoas, mesmo que estivessem pessoas pra puxar naquele momento, e dai ele falou: não, isso
não pode acontecer... porque senão vai gerar conflito entre as pessoas, dai o rapaz vai chegar pra você:
pô, mas fulano e ciclano toda hora estão pulando na canoa pra querer ganhar mais que os outros. Então
gera esse conflitinho assim... interno, então pra gente acabar com esse coisa, e gente faz o quê... então faz
o seguinte: a mesma responsabilidade que você assume na canoa o outro também assume... certo, então,
tipo assim, se eu fui uma vez eu tenho que deixar o outro, agora se não tem outra pessoa pra ir, eu tenho
que ir porque o lanço tem que sair de alguma forma, certo (Pescador B, 38 anos).
Já os dois quinhões recebidos pelos espias são reconhecidos pelo tempo dispensado ao ofício e pelo papel
crucial no sistema da pesca:
porque o espia enfrenta lá no morro, né, tá lá direto, né! Pega chuva, pega vento, pega sol, pega tudo lá
e ele tá lá, né! Tá lá! Porque sem o espia também a gente não é nada também! Não tem pescaria, se não
tem o espia! Porque o peixe passa e vai embora e não tem quem veja né! Então tem que ter! (Pescador C,
65 anos).
Quanto à participação de pessoas ‘de fora’, mulheres e crianças na divisão dos quinhões prevalecem o senso de
justiça e igualdade:
tua participação é o que faz puxa a rede pra praia, é tua força, tua energia, sabe como, eu não posso ser
desleal com você nesse momento, porque você, sem a sua participação não tem aquela energia colocada
ali pra puxa a rede, não tem aqueles 200 peixes da praia, 300 peixe... eu acho justo, se o cara tá aqui de
manhã cedo aqui e ele ajuda a puxa a rede, é igualdade certo, ele também coloco os mesmos esforços
que todos colocaram, é uma energia... [...] As crianças também, as crianças também participam ganham
o quinhão, tem porque tá ajudando [...] Ganham igual, porque a participação da criança, eu acho que ela
tem o interesse dela, o interesse porque é divertido, o interesse porque gosta, o interesse porque eu consigo
manter uma tradição, uma cultura, envolvendo a nova geração nesta cultura, faz o resgate, então quer
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5.
Quadro 2: Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Cambau.
Regras de Divisão do Terço e dos Quinhões da Pesca de Cambau
Como muitos pescadores possuem redes para camboar, eles organizam um
Rodízio de redes
rodízio por noite.
Como a quantidade de peixe é pequena comparada ao lanço, geralmente
a divisão dos quinhões termina aqui servindo apenas para consumo. Todo
Divisão do quinhão
peixe é dividido, o pescador que camboar “por fora” (geralmente o dono
de peixe
do cambau) recebe 2 quinhões, já os que camboaram “por terra” recebe 1
quinhão.
Só ocorre quando a pesca é considerada grande (acima do necessário para
Venda do peixe
consumo). A venda é mediada pelo dono do cambau.
O valor total da venda é dividido em três, sendo uma parte do dono do
Retirada do terço (em cambau. Essa regra é flexível, pois muitas vezes o valor retirado pelo dono
dinheiro)
do cambau não chega a um terço. (caso o dono do cambau não participe da
pesca seu terço também está garantido).
Os outros dois terços são subdivididos em quinhões, ou seja, entre os demais
Divisão dos quinhões participantes da pesca, inclusive o dono do cambau. Aqui há outra regra:
Os pescadores que camboaram “por
(em dinheiro)
Os pescadores que camboaram
fora” recebem 2 quinhões, ou seja, o
“por terra” recebem 1 quinhão.
dobro dos demais.
Fonte: elaborado pelo autor a partir dos relatos dos pescadores.
Nos dois tipos de pesca há uma preocupação coletiva com a divisão justa dos rendimentos, que não tem relação
com o equilíbrio mercantil estruturado sobre a lei da oferta e da procura. Essa justiça é buscada no princípio da equivalência
entre os serviços prestados na pesca (dono da rede, espia, proeiro, popeiro, chumbereiro) e a categoria de participação na
divisão (um terço, um quinhão, dois quinhões).
Considerações Finais
A pesca da tainha é um trabalho coletivo e as regras que orientam a partilha do pescado entre os trabalhadores
são estabelecidas social e culturalmente. Mesmo que de origem incerta, essas regras de distribuição são respeitadas,
utilizadas e atualizadas pelos pescadores da Praia do Miguel. Formam uma espécie de controle social da comunidade
sobre suas relações econômicas. Sabourin (2011) utiliza a noção de dispositivos coletivos ou institucionais para definir
essas regulamentações sem estatutos formais.
São esses dispositivos que institucionalizam as relações sociais e econômicas destes pescadores, e podem ser
qualificados como estruturantes de uma reciprocidade centralizada (TEMPLE, 2009) ou redistributiva (POLANYI,
2012). Entendendo que estrutura designa uma organização que articula elementos que constroem as relações sociais. As
regras que orientam a partilha do peixe compõem uma espécie de controle social sobre a pesca, esse controle ultrapassa a
formalidade das leis trabalhistas e sustenta a mutualidade, o respeito, a justiça e a confiança entre os pescadores.
Nesta estrutura de reciprocidade centralizada há um centro de poder legitimado socialmente. Sabourin (2011a)
destaca que esse centro de redistribuição torna-se uma autoridade no grupo. Temple (1998) destaca que os sentimentos
gerados a partir da estrutura de reciprocidade centralizada é o da obediência ao centro, esse sentimento é gerado a partir
de uma confiança não espontânea.
As normas de distribuição tornam-se uma estrutura que orienta as relações de reciprocidade centralizada e
produz valores materiais (consumo e renda) e valores imateriais (amizade, justiça, confiança e pertencimento). A pesca
da tainha depende dessas relações de reciprocidade, pois o sucesso de um lanço, por exemplo, depende do trabalho
coletivo.
Essas relações de reciprocidade coexistem com as relações de troca, principalmente no momento da
comercialização do pescado. O grupo da Praia do Miguel comercializa o peixe no Mercado Municipal de Paranaguá.
Essa relação é sempre conflituosa desde a pesagem do peixe até o valor pago pelo quilo.
A divisão do terço e dos quinhões é feita em dinheiro pelo dono da rede. Porém, como explica Sabourin (2011a,
p. 120), “quando a estrutura de reciprocidade é forte o suficiente, a monetarização [...] não significa necessariamente
uma mercantilização do trabalho”. Não há, por exemplo, entre os pescadores da Praia do Miguel uma relação como a de
patrão e empregado.
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ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO LOCAL SUSTENTÁVEL PARA O MUNICÍPIO DE INÁCIO
MARTINS - PR
Sirlei Terezinha Gadomski Rocha1; Carlos Alberto Marçal Gonzaga2; Sérgio Luis Dias Doliveira3; Mônica Aparecida
Bortolotti4; Maricléia Leite5
RESUMO
O presente artigo é resultado de um debate teórico acerca da relação entre o desenvolvimento local e a sustentabilidade
para uma área de proteção ambiental. O município de Inácio Martins - PR, inserido na APA Estadual da Serra da
Esperança possui 51% de seu território como área de proteção ambiental e apresenta características de carência de ações
de desenvolvimento e sustentabilidade para manter a preservação dessa área. Neste sentido, propõe-se a reflexão de que
a sustentabilidade, a partir de estímulos de organização e participação coletiva, pode contribuir para o desenvolvimento
local, pois tanto a sustentabilidade quanto o desenvolvimento local, discutidos no âmbito interdisciplinar permitem
novas formas de relacionamento entre a comunidade e o meio ambiente. A pesquisa qualitativa, conduzida por pesquisa
bibliográfica seguida de pesquisa de campo, se propõe, a partir do confronto entre a literatura e a análise da situação do
município, a um levantamento de possíveis ações e alternativas de desenvolvimento sustentável para o referido município,
cuja adoção pode trazer contribuições importantes para superar as dificuldades de desenvolvimento.
Palavras-chave: Desenvolvimento Local Sustentável; Área de Proteção Ambiental; Inácio Martins - PR.
ABSTRACT
This article is the result of a theoretical debate about the relationship between local development and sustainability to
an environmental protection area. In the municipality of Inácio Martins - PR, 51% of its territory is part of the Serra da
Esperança Environmental Protection Area and one of its characteristics is the lack of local development and sustainability
actions. In this sense, it is suggested that sustainability, from organizing stimuli and collective participation can contribute
to local development, as well as sustainable local development, discussed in an interdisciplinary framework allow new
forms of relationship between the community and the environment. The qualitative research, conducted by bibliographic
research followed by field research, it is proposed, based on the confrontation between literature and the analysis of the
municipality’s situation, a survey of possible actions and alternatives for sustainable development for the municipality,
whose adoption can make important contributions to overcome the difficulties of development.
Key-words: Sustainable Local Development; Environmental Protection Area; Inácio Martins - PR.
______. Naissance de la Responsabilite. 2003. Disponível em: http://dominique.temple.free.fr/reciprocite.php?page=reciprocite_2&id_
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1 [email protected]
2 [email protected]
3 [email protected]
4 [email protected]
5 [email protected]
INTRODUÇÃO
As preocupações que têm embasado os estudos sobre a sustentabilidade nos últimos anos tornaram-se temas de
discussão mundial a partir da década de 1970 e ainda hoje são amplamente debatidos em todas as esferas de conhecimento
e órgãos públicos regulamentadores.
Especificamente nos municípios com áreas de proteção ambiental, vivencia-se a necessidade de fomentar as
discussões sobre a sustentabilidade em todas as suas dimensões, a fim de melhorar a compreensão destes conceitos e a
correta aplicação das políticas públicas na busca do almejado desenvolvimento sustentável.
Meyer (2000) enfoca que o conceito de desenvolvimento sustentável apresenta pontos básicos que devem
considerar, de maneira harmônica, o crescimento econômico, maior percepção com os resultados sociais decorrentes
e equilíbrio ecológico na utilização dos recursos naturais. A forma de viabilizar com equilíbrio essas características é o
grande desafio a enfrentar nestes tempos.
Dessa maneira, esse trabalho volta sua atenção para uma região específica, o município de Inácio Martins - PR,
pela sua atual necessidade de alcançar o desenvolvimento local sustentável, tendo em vista a sua abrangência dentro da
Área de Proteção Ambiental Estadual da Serra da Esperança e o relevante índice de desenvolvimento humano. O objetivo
que orienta a discussão deste artigo é explorar as possibilidades de abordagem sobre as condições de desenvolvimento
local no Município de Inácio Martins - PR, em território definido como uma Área de Preservação Ambiental (APA) que,
dentro do Sistema Nacional de Unidades de Conservação, classifica-se como de uso sustentável. Assim, este artigo está
dividido em: introdução, metodologia, revisão teórica, discussão e resultados e considerações finais, além das referências.
METODOLOGIA
O estudo está inserido na metodologia qualitativa de pesquisa. Os dados foram coletados por meio de pesquisa
de campo realizada no Município de Inácio Martins – PR. A pesquisa qualitativa permite que haja a possibilidade do
tema enfocado ser identificado a partir dos seus sentidos e dos seus significados no meio social, colaborando para sua
compreensão a partir dos efeitos que origina na realidade, revelando um maior aprofundamento no estudo de suas
características, condição apontada por Lehfeld (2007).
uanto aos meios a pesquisa é caracterizada como estudo de caso, bibliográfica e documental. O estudo de caso
Q
é um método empírico que investiga um fenômeno atual em profundidade dentro de seu contexto real, principalmente
quando esses não possuem os limites claramente evidentes. (YIN, 2010).
estudo foi conduzido através das informações encontradas na literatura existente sobre sustentabilidade e
O
desenvolvimento local, utilizando ainda de levantamento de dados sobre o município estudado, coletados nas bases
oficiais e pesquisa de campo para a produção do conteúdo necessário às análises. A pesquisa de campo permite que sejam
buscadas, no meio social, informações que resultam no aprofundamento da percepção acerca dos sentidos e significados
do assunto estudado. Tamaki (2005, p. 19) assevera que a pesquisa de campo:
[...] é aquela utilizada com o objetivo de conseguir informações e/ ou conhecimentos acerca de um
133
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problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou ainda,
descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles. A pesquisa de campo consiste na observação de fatos
e fenômenos tal como ocorrem, espontaneamente, na coleta de dados a eles referentes e no registro de
variáveis que se presumem relevantes para analisá-los. (TAMAKI, 2005, p. 19).
A escolha do tema deve-se a continuidade de estudos já realizados na região, adequando seu desenvolvimento
sob a ótica interdisciplinar das práticas de desenvolvimento local sustentável e sua efetividade a partir da realidade
percebida, tomando como base a problemática que envolve a questão e as dificuldades na busca de alternativas que
promovam a implantação efetiva das propostas, face ao descompasso percebido no desenvolvimento local. A partir de
dados coletados, ênfase foi dada às questões que envolvem as práticas de sustentabilidade coordenadas com as práticas
de desenvolvimento local, em relação à melhoria da qualidade de vida e o ambiente.
1. REVISÃO TEÓRICA
1.1 Desenvolvimento Local Sustentável
A necessidade de se discutir o desenvolvimento sustentável decorre das profundas mudanças que vêm ocorrendo
no meio ambiente desde a Revolução Industrial e que intensificou-se a partir do início do século XX, proporcionado
pelo notável avanço científico e tecnológico. Atualmente o discurso é fomentado pelos movimentos ambientalistas pela
preservação dos recursos naturais e pela produção de produtos “ambientalmente corretos”.
Desde 1987, quando no Relatório Brundtland cunhou-se o conceito de desenvolvimento sustentável mais
conhecido e citado, já se entendia que tal desenvolvimento implica num processo de transformação em que “a exploração
dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se
harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro de atender às necessidades e aspirações humanas”. (ONU, 1987)
Desde então, o termo desenvolvimento sustentável ganhou grande popularidade e vem sendo alvo de muitos
estudos e tentativas de estabelecimento de políticas gerais que buscam contemplar os seus princípios centrais. A definição
de Buarque (1998) para desenvolvimento local sustentável se traduz em um:
Processo de mudança social e elevação das oportunidades da sociedade; compatibilizando, no tempo e
no espaço, o crescimento econômico, a conservação ambiental, a qualidade de vida e a equidade social,
partindo de um claro compromisso com o futuro e a solidariedade entre gerações. (BUARQUE, 1998,
p.38).
A busca do desenvolvimento local sustentável requer processos de mudanças sócio-políticas, socioeconômicas
e institucionais, que assegurem a satisfação das necessidades básicas da população e a equidade social no presente,
ressaltando que não se possa postergá-las para o futuro.
Para Raynaut (2004), a noção de desenvolvimento sustentável é relativa. Ela varia em função de quem a utiliza e de
onde ele se situa para definir seu conteúdo:
A sustentabilidade para uma comunidade local à procura dos meios da sua reprodução física e social no seu
ambiente de vida não vai ter o mesmo significado para um movimento ambientalista que pretende preservar
a “Mata Atlântica”, elemento do patrimônio mundial ou para uma empresa que busca “externalizar” os
danos ambientais que causa no seu entorno, exportando os resíduos para zonas longínquas. (RAYNAUT,
2004, p. 31).
Segundo Barbieri e Cajazeira (2009), ainda não há um consenso sobre a definição de sustentabilidade na literatura,
tendo em vista que tal termo se originou da contribuição de diferentes escolas e pensamentos. É evidente a diversidade
das interpretações, das prioridades e dos objetivos dos atores sociais na discussão acerca do desenvolvimento sustentável,
no entanto, percebe-se uma mesma aspiração que reúne esses vários pontos de vista, ou seja, a busca de um equilíbrio nos
sistemas naturais, nos sistemas sociais e na relação entre ambos.
Sachs (2008) defende que o desenvolvimento sustentável depende de cinco pilares: social, ambiental, territorial,
econômico e político. A sustentabilidade social indica a necessidade de maior equidade na distribuição de renda e de
bens. A sustentabilidade ambiental indica a necessidade de preservar o equilíbrio dos ecossistemas pela adequação
das práticas de produção e consumo. A sustentabilidade territorial indica a necessidade de uma configuração ruralurbana mais equilibrada e uma distribuição mais adequada dos assentamentos humanos e das atividades econômicas. A
sustentabilidade econômica indica a necessidade de gerenciamento e alocação eficientes dos recursos disponíveis e de
um fluxo constante de investimentos públicos e privados. A sustentabilidade política indica a necessidade de consolidar
os processos democráticos para a inclusão e participação de todos nos processos de decisão pública.
Almeida (2002) afirma que a ideia é de integração e interação, propondo uma nova maneira de olhar e transformar
o mundo, baseada no diálogo entre saberes e conhecimentos diversos. No mundo sustentável, uma atividade não pode
ser pensada ou praticada em separado, porque tudo está inter-relacionado, em permanente diálogo. Neste sentido, se
faz necessária ampla participação de todos os envolvidos no processo de desenvolvimento trazendo novos desafios aos
pesquisadores e profissionais do campo ambiental tanto nos campos epistemológicos como metodológicos.
1.2 O viés interdisciplinar do desenvolvimento sustentável
Há que se considerar que os conhecimentos disciplinares tiveram uma grande evolução no século XX, bem como
em muito contribuíram para o desenvolvimento de ações voltadas para o desenvolvimento sustentável. Entretanto, para
Morin (2003, p. 40) “esses progressos estão dispersos, desunidos, devido justamente à especialização que muitas vezes
omite os contextos, as globalidades e as complexidades.” De acordo com o autor, a fragmentação do conhecimento em
disciplinas dificulta ou impossibilita o aprendizado do que está tecido junto, impedindo a visão do todo.
Neste sentido, o desenvolvimento local sustentável, como proposta centrada no atendimento das necessidades
do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações futuras atenderem as suas próprias necessidades, tem nas
práticas interdisciplinares um espaço para repensar suas teorias, conhecimentos e as formas de pensar, e se concretizar
como um movimento capaz de unir o saber e os sujeitos deste. Para tanto, necessita da troca entre os diversos setores da
sociedade, e entre pesquisadores na busca das respostas. Diferentes abordagens são necessárias para entender a realidade
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e enfrentar os problemas que se apresentam, buscando múltiplas teorias para explicá-los. Essa necessidade ocorre devido
à diversidade das questões a serem resolvidas bem como das possíveis soluções para o desenvolvimento local sustentável.
Palhano (2012), em seu estudo sobre Interdisciplinaridade da sustentabilidade empresarial, afirma que:
O tratamento interdisciplinar da questão da sustentabilidade não se resume a uma discussão epistemológica.
Esta prática tem o potencial de ser fornecedora de conhecimento para os tomadores de decisões, por ter
“olhares e saberes” com formações distintas, voltados para as mesmas questões, com o compromisso de
que, por meio da colaboração, se chegue a uma síntese comum através da complementaridade entre eles.
(PALHANO, 2012, p. 51).
Percebe-se que os estudos sobre o desenvolvimento sustentável nos últimos anos indicam um movimento que
busca cada vez mais a compreensão deste fenômeno a partir de uma visão mais ampla e sistêmica.
De acordo com Horst, Fuginaga e Rodrigues (2013, p. 11) “o desenvolvimento comunitário sustentável envolve
uma grande quantidade de atores no seu planejamento e execução”. Os mesmos autores ainda afirmam que, direcionando
os estudos ambientais de maneira interdisciplinar, aplicando a concepção aglutinadora da realidade, na qual as situações
estão interligadas, os indivíduos passam a compreender melhor essa interligação, pois percebem que o meio ambiente
não constitui objeto de estudo de apenas uma área do conhecimento. Neste processo, se faz necessário estreitar relações
com várias outras áreas do conhecimento. Assim, o desenvolvimento local sustentável afirma-se como um processo
dinâmico e complexo, através das reflexões interdisciplinares para uma nova prática.
2. Apresentação e Discussão dos Resultados
2.1 Área de Preservação Ambiental – APA
Relatada no artigo 14, inciso I da lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), Lei N.º 9.985
de 18/07/00, a Área de Proteção Ambiental (APA) compõe o grupo das unidades de conservação de manejo sustentável.
De acordo com o artigo 15 da referida Lei, a APA é conceituada como sendo uma área
[...] em geral grande, com certa quantidade de ocupação humana, composta por elementos abióticos,
bióticos, estéticos ou culturais especialmente importantes para a qualidade de vida e o bem-estar das
populações humanas, e tem como objetivos básicos proteger a diversidade biológica, disciplinar o
processo de ocupação e assegurar a sustentabilidade do uso dos recursos naturais.
A APA Estadual da Serra da Esperança foi criada em 1992 para proteger a Escarpa Mesozóica no Estado do
Paraná e seus remanescentes de floresta ombrófila mista (floresta com araucária), bem como para proteger nascentes e
fontes de abastecimento a Municípios das bacias do Rio Iguaçu e do Rio Ivaí. (PARANÁ, 1992, apud GONZAGA et al
, 2011).
Localizada no Centro Sul do Estado do Paraná, a APA possui área de 206.555,82 ha e abrange o território de dez
municípios (Guarapuava, Prudentópolis, Inácio Martins, Irati, Rio Azul, Mallet, Paulo Frontin, Paula Freitas, União da
Vitória e Cruz Machado). (PARANÁ, 1992).
2.2 O município de Inácio Martins - PR
O antigo distrito de Guarapuava, até então denominado de Guarapuavinha, tornou-se município através da Lei
Estadual n°4.245 de 25 de julho de 1960 sendo instalado oficialmente em 25 de novembro de 1961. Sua sede está
localizada no 3º Planalto, na Serra da Esperança, a 1.202 metros de altitude do nível do mar, sendo o município mais alto
do Paraná, tendo como limites os municípios de: Prudentópolis, Rio Azul, Irati, Cruz Machado, Guarapuava e Pinhão. A
População Total do Município era de 10.943 habitantes, de acordo com o Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística. (IBGE, 2010).
Conforme pode ser visto no Plano de Manejo da citada APA desenvolvido pelo Instituto Ambiental do Paraná,
Inácio Martins é o que está mais inserido, dentre os dez municípios abrangidos pela APA da Serra da Esperança. Inácio
Martins possui 51% da sua superfície dentro da APA, seguido dos municípios de Mallet (37,4%) e União da Vitória
(34,6%). (IAP, 2009).
O município de Inácio Martins é o único com sede dentro da APA da Serra da Esperança. Além de abranger a área
urbana do referido município a APA também engloba um total de 16 comunidades. (PARANÁ, 1992).
Aproximadamente 50% das famílias que estão no interior da APA pertencem aos municípios de Guarapuava e
Inácio Martins. Segundo estimativas dos próprios moradores, Inácio Martins tinha 661 famílias, 2.244 moradores na
APA, o que representa 24,2% dos residentes (famílias/moradores). (IAP, 2009). Entretanto, conforme aponta Gonzaga et
al (2011), em Inácio Martins, “se considerarmos os habitantes da sede do município, mais de 70% do total de moradores
do município residem dentro da APA e seu entorno imediato”.
Diante da dificuldade em prover soluções plausíveis e ambientalmente corretas e sustentáveis para essa população
da região de Inácio Martins é evidente a necessidade de se buscar alternativas viáveis de práticas de desenvolvimento
local sustentável.
De acordo com Gonzaga, et al, que em pesquisa de campo realizada entre 2009 e 2011,
A situação de geração de renda dentro da APA é mais crítica para o município de Inácio Martins,
cujo território está mais de 50% em área de preservação e onde mais de 25% da sua população rural
reside dentro de área protegida ambientalmente. O cenário é mais dramático se considerarmos que,
historicamente, o município desenvolveu-se com a tradição de extrativismo florestal e suas terras são em
grande porcentagem impróprias para cultivo mecanizado de qualquer cultura. Permanecem as práticas
extrativistas ilegais para produção de carvão e a extração de espécies ameaçadas de extinção, como o
xaxim (eventualmente reprimidas pelo poder de polícia do estado). Há fornos de carvão legalizados
que utilizam madeira de reflorestamento e vendem para revendedores/distribuidores, mas a renda é de
subsistência; os distribuidores, por estarem inseridos em relações comerciais mais estruturadas é que
auferem renda acima do nível da pobreza. De forma geral, em Inácio Martins, a renda significativa do
trabalhador rural com pequenas propriedades dentro da APA é oriunda de serviços prestados às empresas
reflorestadoras e madeireiras. (GONZAGA et al, 2011, p. 9).
Além disso, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) divulgou os índices de
desenvolvimento humano e colocou o município de Inácio Martins na 394º colocação no ranking paranaense, com média
geral de 0.600 (PNUD, 2013). Apesar de o Índice ser avaliado como médio Inácio Martins tem muito a melhorar, pois a
394º colocação demonstra a necessidade de investimentos em políticas públicas e/ou sociais se consideramos o número
de municípios que compõem o Estado do Paraná, que totalizam 399, e que o mesmo é o 178º mais populoso. (IPARDES,
2013).
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2.3 Alternativas para o Desenvolvimento local Sustentável
A resultante do confronto entre as bases teóricas e legais, associadas ao estudo de caso possibilitou o identificar
pontos críticos e permitiu a elaboração de proposições e medidas capazes de contribuir para implantação de práticas e
ações mais efetivas.
Em Inácio Martins, apesar das leis ambientais e Áreas de Proteção Ambiental (APA’s) existentes, pouco se tem
feito para frear o avanço sobre as matas nativas, afinal o extrativismo florestal e o desmatamento ainda é muito intenso,
em consequência das principais atividades econômicas do município. As coberturas nativas de pinheiro araucária, canela,
cedro e imbuia que ainda restam vêm sendo substituídas pelos plantios de exóticas, como Pinus e de Eucalipto.
Dentre as soluções de renda disponíveis, há o Programa Bolsa Verde, instituído pela Lei Federal n. 12.512/2011
e regulamentado pelo Decreto Federal n. 7.572/2011. Trata-se de um Programa de Apoio à Conservação Ambiental,
que concede, a cada trimestre, um benefício de R$ 300 às famílias em situação de extrema pobreza que vivem em áreas
consideradas prioritárias para conservação ambiental. Segundo o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o município de
Inácio Martins possui 26 famílias cadastradas e beneficiárias do programa. (BRASIL, 2011; MMA, 2015).
A geração de novas tecnologias e implantação das já existentes é fundamental para o desenvolvimento. O
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) criou e disponibilizou uma Cartilha que ensina a obter
renda com bracatingais em assentamentos, que contribui para a utilização e agregação de valor na madeira da bracatinga,
árvore nativa das regiões mais frias do Sul do Brasil que pode ser aproveitada para lenha e também para a construção
e mobiliário. (INCRA, 2007).
A criação da APA da Serra da Esperança, em 1992, proporcionou aos municípios incluídos em sua área de
abrangência o beneficio de receber ICMS Ecológico, pelo critério “áreas protegidas” ou “biodiversidade”. Com base
em dispositivo constitucional o Município de Inácio Martins recebe ICMS Ecológico, que equivale a aproximadamente
dez por cento da receita municipal anual (IAP, s/d). Tal receita, porém, proveniente de um percentual do Fundo de
Participação dos Municípios sobre a arrecadação do ICMS pelo Estado, foi estabelecida por lei específica a fim de
compensar o município pelas restrições ao uso do solo nas Unidades de Conservação. Mas este, porém é recurso que
entra na conta geral da Prefeitura Municipal e é absorvido no orçamento sem distinção nem destinação específica. O
estabelecimento do repasse do ICMS tem ajudado a diminuir as dificuldades dos municípios menores, pois tais repasses
passaram a ser uma das principais fontes de receita dos pequenos municípios brasileiros. Sendo assim, tornou-se relevante
o planejamento do uso dos recursos provenientes de tal fonte.No entanto, a desigualdade na geração de renda se traduz
num quadro de desigualdade técnica, quantitativa e qualitativa, resultante das distorções ocasionadas pela assimetria de
informações e de oportunidades.
O sucesso da implantação de políticas, programas e iniciativas que visam o desenvolvimento local sustentável,
no município de Inácio Martins, passa pelo estímulo à participação e envolvimento de todos os stakeholders da região
nas tomadas de decisão sobre obtenção e uso de recursos. Pois não é sustentável um programa de proteção ao meio
ambiente que exclui a comunidade local da participação direta nos processos de definição de prioridades que afetam a
todos, dentre as quais apresentam-se as seguintes alternativas:
− Formação de parcerias do poder público com Organizações Não Governamentais (ONGs) e outras instituições públicas
ou privadas para a criação e implantação de iniciativas relevantes na geração de renda à população
− Promoção e articulação entre os órgãos públicos e a iniciativa privada para dar suporte ao amplo acesso às cadeias de
valor dos produtos locais. Estímulo á adoção de novas tecnologias sustentáveis, como a do manejo a dos bracatingais
em assentamentos, que contribui para a utilização e agregação de valor na madeira da bracatinga. (STEENBOCK,
2009)
− Incremento na adoção de sistemas agroflorestais, para reduzir a dependência de produtos com pouco valor agregado e
contribuir para aumentar a diversidade biológica.
− Promoção de alternativas de comercialização da produção local, tais como eventos e feiras amplas, para dar visibilidade
aos potenciais existentes e atrair negociações.
− Fomento à implantação de sistemas gerenciados de manutenção dos ecossistemas naturais, como por exemplo, a
servidão florestal, que aumenta os recursos financeiros da contrapartida privada que se utiliza de produtos naturais e
compensa seu uso com serviços ambientais de proteção ao ecossistema.
− Divulgação educativa de conhecimentos que estimulem o beneficiamento, ainda que artesanal, da produção de
pequenas propriedades rurais.
− Implantação de política de turismo ecológico e de aventura, que se beneficiaria do que o município possui de abundante:
floresta, montanhas, rios e cachoeiras.
As instituições de ensino superior em projetos de pesquisa e desenvolvimento da região são de extrema importância
no tocante a propagação de formas de sustentabilidade, através da oferta de cursos até a pesquisa in loco com o próprio
morador rural para descobrir a melhor maneira de aproveitar a região ecologicamente de acordo com as especificidades
locais.
Futuros trabalhos podem ser desenvolvidos, avaliando-se o valor que é aplicado nas comunidades inseridas na
área de conservação ambiental, em relação ao valor de ICMS Ecológico recebidos pelo Município. Pode-se também
avaliar o impacto financeiro, que trazem as áreas de conservação, para as famílias que vivem em seu entorno, levantandose aspectos como renda, emprego, construção de moradias, saneamento e serviços públicos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do estudo realizado é possível identificar que o desenvolvimento local sustentável para o município de
Inácio Martins carece da ação de todos os que estão envoltos na área de proteção ambiental na região estudada.
O desenvolvimento local sustentável está relacionado com a efetivação de iniciativas que possam estimular o
aproveitamento e o desenvolvimento das potencialidades existentes. Essa perspectiva de desenvolvimento está inserida
na noção de concretização de interesses comuns, sendo importante, para que isto ocorra, a mobilização social, fazendo
com que sejam efetivados esforços coletivos, que torna possível a concretização destes interesses.
A maioria das atividades econômicas do município estudado são ainda bastante tradicionais, inclusive nas
dezesseis comunidade rurais acobertadas pela área de proteção ambiental. Por essa razão a conscientização da população
é o primeiro passo na busca por uma alternativa viável. Nesse sentido os recursos e incentivos oriundos do poder público,
bem como o investimento em educação ambiental tornam-se imperativos urgentes na busca do desenvolvimento local
sustentável.
A adoção de um modelo de desenvolvimento sustentável permite a diversificação das atividades produtivas do
município e proporciona melhorias para as comunidades rurais, garantindo a permanência das famílias no campo, com
maior qualidade de vida e assegurando o futuro a partir do uso racional dos recursos naturais.
A realização do presente estudo proporcionou uma maior compreensão dos termos de sustentabilidade e
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desenvolvimento local especificamente para o município de Inácio Martins - PR. Espera-se que a maior contribuição do
artigo seja apresentar um quadro de referência para desenvolvimento de conceitos, de modo a auxiliar pesquisas futuras
fundamentadas nesses aspectos.
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Desenvolvimento Territorial Sustentável: limites sociais do crescimento.
Jessé Beserra da Silva1
RESUMO
Neste artigo, procuramos trazer a memória algumas das ideias de Fred Hirsch contidas em sua principal obra, ”limites Sociais do Crescimento”, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento territorial sustentável, revendo o
estreito diálogo entre estas e a teoria da ecosocioeconomia. Para tanto, divide-se este trabalho em três momentos: em
primeiro lugar, fizemos uma apresentação desse economista austríaco com um breve resumo das ideias do autor contidas
no referido livro onde também examinamos seus conceitos acerca dos ”limites Sociais do Crescimento”; em segundo
lugar fizemos uma breve recapitulação das teorias da ecossocioeconomia; e por último, a título de conclusão, elaboramos
algumas considerações sobre as suas contribuições na perspectiva da sustentabilidade, sob a égide dos pressupostos do
desenvolvimento territorial sustentável.
Palavras-chave: crescimento; desenvolvimento; sustentabilidade; território.
ABSTRACT
In this paper, We seek to bring to memory some of Fred Hirsch’s ideas contained in his major work, “Social Limits to
Growth”, especially with regard to sustainable territorial development, reviewing the close dialogue between them and
the theory of ecossocioeconomia. Therefore, this work is divided in three stages: First, we made a presentation this Austrian economist with a brief summary of the author’s ideas contained in that book which also examined its concepts about
“Social Limits to Growth”; secondly we made a brief recap of the theories of ecossocioeconomia; and finally, by way of
conclusion, we made some considerations on their contributions from the perspective of sustainability, under the aegis of
the assumptions of sustainable territorial development.
Key-words: growth; development; sustainability; territory.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo traz a memória algumas das ideias de Fred Hirsch contidas em sua principal obra “Limites sociais do crescimento”, na qual o autor discute a exasperada busca por crescimento econômico, em detrimento do social.
Neste trabalho nos ateremos àquelas que dizem respeito aos temas sociais e econômicos. Para tanto, apresenta-se inicialmente o autor, suas obras e suas principais ideias, na obra em epígrafe, para posteriormente contextualizar e problematizar
as reais necessidades, por crescimento econômico, preconizadas por ele, a atualidade e a pertinência de suas ideias, e o
modo como estabelecem um estreito diálogo com as teorias, do desenvolvimento territorial sustentável, desenvolvidas
pelos autores que defendem a ecossocioeconomia.
2. METODOLOGIA
Este estudo vale-se de uma pesquisa com metodologia exploratória, anteriormente realizada, nas publicações
estudadas no conteúdo das disciplinas desenvolvidas no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial
Sustentável, bem como das experiências vivenciadas no decorrer da parte propedêutica relativa à economia ministrada na
primeira parte do curso a qual, em termos teóricos, poderia ser qualificada como estudos em ecossocioeconomia. Essas
experiências foram catalogadas processualmente e analisadas de forma definitiva, a partir do projeto de mestrado, já qualificado no referido Programa, no qual se visitou, teoricamente, as demais experiências aqui apresentadas, em um extrato
resumido, daquilo que consideramos pertinentes.
3. APRESENTAÇÃO
A guisa de apresentação do autor não há muitos relatos, em literatura portuguesa, sobre o economista austríaco Fred
Hirsch, mas conforme consta de sua biografia na enciclopédia eletrônica inglesa Wikipédia, Hirsch...
[…]nasceu em Viena no ano de 1931, e no ano de 1934, logo após a Guerra Civil Austríaca, sua família migrou para
a Grã-Bretanha, onde Hirsch fez todos os seus estudos, e em 1952, se graduou na Escola de Economia de Londres,
após isto trabalhou como jornalista financeiro em dois jornais londrinos, o The Banker e o The Economist e neste
último chegou a ser Editor Financeiro, entre os anos de 1963 e 1966.[…] He was a senior adviser to the International
Monetary Fund , [ 3 ] from 1966 to 1972 where he worked on international monetary problems.Wikipédia (2015).
Todavia Hirsch foi um escritor muito prolífero, tanto escrevendo sozinho quanto em parceria com outros autores.
De sua lavra constam como sendo suas principais obras: “Money International“; “Newspaper Money: Fleet Street and
the search for the affluent reader“; “Social Limits to Growth“; “Alternatives to Monetary Disorder“; e “C.I.A.and the
Labour Movement“. Após obter notoriedade academica, de acordo com a enciclopédia Wikipédia, Hirsch
1
Mestrando no PPG-DTS da UTFPR-Litoral [email protected]
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
[…] se tornou Conselheiro Sênior do Fundo Monetário Internacional-FMI, entre os anos de 1966 e 1972, onde trabalhou em Comissões relativas a problemas monetários internacionais, especialmente aqueles que afligiram países
em crescimento como no caso do Brasil, tais como foram as crises causadas pelas sucessivas altas do barril de petróleo na década de 1970.Afterwards he spent two years as a research fellow at Nuffield College, Oxford, from 1972
to 1974, where he started working on his book The Social Limits to Growth (RKP, 1977), having previously written
Money International (Allen Lane, The Penguin Press, 1967), and Newspaper Money: Fleet Street and the search
for the affluent reader (with David Gordon) (Hutchinson, 1975) . […] Depois disso, Hirsch passou dois anos como
pesquisador no Nuffield College, Oxford, entre os anos de 1972 e 1974, onde começou a trabalhar em seu livro Os
limites sociais do crescimento (1977), tendo previamente escrito Dinheiro Internacional (1967), e Jornal Dinheiro:
Fleet Street e a busca para o leitor fluente (com David Gordon e Hutchinson, 1975). In 1975 he joined the University
of Warwick at the Chair of International Studies . Em 1975 ingressou na Universidade de Warwick na Cátedra de
Estudos Internacionais. A year later he contracted amyotrophic lateral sclerosis leading to his death on January
10, 1978. Um ano depois ele contraiu esclerose lateral amiotrófica que levou à sua morte em 10 de janeiro de 1978
[…] Wikipédia (2015).
As suas investigações no campo da teoria econômica são muito pouco divulgadas no Brasil, o que pode ser comprovado pela discreta e parcimoniosa recepção que a academia brasileira teve para com as obras desse professor de
estudos internacionais da Universidade de Warwick, desconsiderando-se as outras quatro principais obras de Hirsch já
consagradas pela crítica econômica mundial, uma vez que nas bibliotecas universitárias brasileiras sua presença se reduz
a esta, intitulada “Social Limits to Growth” publicada em 1976, traduzida para o português por Waltensir Dutra em 1978,
alguns meses após a morte do autor.
[...] Sempre houve limites num determinado ponto, mas só recentemente eles se tornaram incomodamente evidentes. Isso é resultado, em essência, de um crescimento material que, no passado, não esteve sujeito a limites sociais.
Nesse sentido, a preocupação com os limites do crescimento expressada pelo Clube de Roma está totalmente mal
colocada, focaliza limites físicos distantes e incertos e ignora a presença imediata, embora menos apocalíptica dos
limites sociais do crescimento. HIRSCH (1979, p. 16)
Nesse livro Hirsch apresenta uma concepção social da natureza e dos limites do crescimento econômico. A sua tese
central é a de que existem fatos limitadores desse crescimento, eles são prementes, ou seja, para serem observados desde
logo. Esses fatores não são apenas físicos, mas sociais, pois à medida que as sociedades ficam mais ricas, uma porção
crescente de recursos naturais, bens e serviços são demandados pela parte privilegiada dessas sociedades, denominada de
consumidores, os quais não podem ser adquiridos ou utilizados por todos sem que ocorra a sua deterioração progressiva.
Nesse livro Hirsch, enquanto economista procura responder três perguntas:
(1) por que o progresso econômico se tornou, e continuou sendo, um objetivo tão premente para todos nós, como
indivíduos, embora proporcione frutos decepcionantes quando a maioria dos homens, senão todos, o alcançam?
(2) Por que a sociedade moderna se preocupa tanto com a distribuição – ou a divisão do bolo – quando é evidente
que a maioria das pessoas só pode melhorar seu padrão de vida pela produção de um bolo maior? (3) Por que
tem o século XX testemunhado uma tendência universal predominante no sentido do abastecimento coletivo e da
regulamentação estatal em áreas econômicas, numa época em que a liberdade individual de ação é particularmente
louvada e tem preponderância sem precedentes em áreas não-econômicas, como os padrões estéticos e sexuais, por
exemplo? A essas questões, vamos dar o nome de (1) o paradoxo da afluência; (2) a compulsão distributiva; e (3) o
coletivismo resultante. HIRSCH (1979, p. 13)
Assim é que Hirsch analisa essa problemática partindo da premissa de que a frustração de não poder consumir é
intensificada pela afluência material e que uma sociedade afluente torna-se uma sociedade insatisfeita. Com essa análise
Hirsch oferece importantes contribuições para a compreensão de aspectos sociais aparentemente desconexos dessa insatisfação que permeia a sociedade: a alienação no trabalho; a descrença na luta por educação; a deterioração das condições
sociais de vida rural e urbana; e as más relações de consumo que geram inflação e desemprego.
Minha tese principal é a de que essas três questões estão relacionadas entre si e nascem de uma fonte comum, que
se encontra na natureza do crescimento econômico nas sociedades adiantadas. A essência do problema está na complexidade e ambiguidade parcial do conceito de crescimento econômico, quando a massa da população já satisfez
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suas principais necessidades biológicas de alimentação, para manter-se viva, abrigo e roupa. A distinção econômica
tradicional entre o quanto é produzido, em que base, e quem fica com essa produção, torna-se então imprecisa. As
questões de produção, de abastecimento individual em oposição ao coletivo, e de distribuição passam a ser interligadas. HIRSCH (1979, p. 13)
Há nessa obra um conceito econômico, desenvolvido por Hirsch, em 1976, muito empregado na atualidade, conhecido como “bom posicionamento”, no qual, um objeto (uma raridade) só é bem posicionado e por isso mesmo valorizado
tanto pelo seu possuidor quanto por outrem, exatamente porque não pode ser possuído por outrem. Trata-se de um conceito muito simples, mas que também se aplica a pequenas e grandes organizações, bem como a países.
[...] relaciona-se com todos os aspectos dos bens, serviços, posições de trabalho e outras relações sociais que sejam
(1) escassos em sentido absoluto ou socialmente impostos; ou (2) sujeitos a congestionamento através de um uso
mais generalizado [...]. HIRSCH (1979, p. 13)
Esse mesmo conceito, em relação a seres humanos, Hirsch afirma que o valor posicional de uma pessoa, em relação
às outras, decorre de vários fatores e não automaticamente apenas por se fazer bem aquilo que se pode fazer melhor, pois
isso nunca será suficiente, principalmente, se houver outras pessoas à sua frente, em posição hierárquica ou econômica
superior a sua.
Para exemplificar essa tese, se uma pessoa é a primeira em sua família a obter um diploma universitário ela pode
até estar fazendo o seu melhor que pode, mas não o suficiente, uma vez que a frente dela há muitas outras pessoas com
maior preparo e maior poder econômico. Se uma pessoa concluiu seu curso na parte inferior da lista de classificação de
sua turma e em uma universidade considerada fraca na hierarquia acadêmica, essa pessoa está menos elegível para um
posto de trabalho do que seus antepassados que não possuíam qualquer formação.
Ainda em relação a funcionalidade de sua tese acerca do valor posicional de um bem, particularmente em relação à
sua comercialização, se a qualidade de um produto ou serviço pudesse ser diminuída como resultado do objetivo privado
de produzi-lo e fornece-lo em economia de escala, unicamente com fito na comercialização e na lucratividade.
Ou ainda para supervaloriza-lo, em um viés contrário, a sua produção poderia vir a ser reduzida para lhe conferir
uma áurea de raridade ou de exclusividade, como no caso de bens e serviços personalizados (ou de marcas exclusivas),
cuja produção e fornecimento são severamente diminuídos para esse fim, subordinando o interesse público ao privado e
o bem-estar-social aos interesses do capital.
Nesta obra, em consonancia com os melhores autores da ecossocioeconomia, Hirsch afirma que há no mundo um
rápido crescimento tanto em população (e do consequente consumo) quanto em produção industrial, das quais resultaram
em um drástico aumento de externalidades que, por sua vez, conduzem, inevitavelmente, ao esgotamento de recursos e
uma drástica poluição ambiental.
As enormes oportunidades de substituições entre os recursos limitados e os materiais reproduzíveis, em consequencia do progresso tecnológico são evidentes na refutação do que parece ter sido a primeira fase do pessimismo
ecológico, ou seja, nas projeções malthusianas da invitável superação da produção de alimentos pelo crescimento
populacional. A população mundial aumentou quatro vezes desde que Thomas Malthus escreveu, [...] em 1798, “An
Essay on Population”. HIRSCH (1979, p. 35)
Assim Hisch assevera que a tecnologia pode até amenizar o problema e retardar o início da crise que vem, mas não
pode nos salvar de um colápso, dada a natureza finita dos recursos naturais do nosso planeta. Desse modo a perspectiva
de crescimento econômico ilimitado é uma ilusão, restando-nos apenas limites sociais e morais. Portanto, se é ilusão, o
que fazer para controlá-lo ou para freá-lo? Para Hirsch há duas questões a serem consideradas no estudo de suas teses: o
viés exploratório da comercialização; e as consequências das questões de mercados no tecido moral da sociedade.
[...] não será lógico esperar que os trabalhadores se abstenham de usar seu poder para obter vantagens fragmentárias para o bem-estar geral, em nome de códigos normativos tácitos que não foram estabelecidos [...] HIRSCH
(1979, p. 209).
We further claim that this book, by emphasizing the tendency to market expansion and the corresponding commodification of increasing spheres of social life, while simultaneously acknowledging its adverse consequences on the motivational appeal of social and moral norms, offers insights that justify revisiting it.Aaa AAAAAAmpliando um pouco
mais, ele enfatiza que a tendência de expansão dos mercados e a gana da mercantilização pela expansão do mercado de
consumo correspondem em aumentar as diferenças e as distancias das classes sociais, reconhecendo simultaneamente as
consequências adversas na trama social, sobretudo no que diz respeito aos recursos motivacionais das normas sociais e
morais, as quais na realidade deveriam reger os limites sociais do crescimento.
[...] Podemos estar próximos do limite da organização social explícita possível sem o de uma moral social. Corretivos adicionais, em sua ausência, simplesmente não funcionam. É essa a fraqueza decisiva da abordagem puramente tecnocrática de manter a economia mercantil de acordo com seu propósito social. [...] HIRSCH (1979, p.
268).
3. CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO, TERRITORIO E ECOSSOCIOECONOMIA.
Desde os primórdios dos estudos econômicos os principais teóricos já tratavam do estabelecimento das diferenças
entre crescimento econômico e desenvolvimento. Estes dois conceitos, por vezes confundidos por quem a eles se referem
sem conhecimento de causa, já eram estudados pela economia. Na obra “A Riqueza das Nações” do economista inglês
Adam Smith, lançada em 1776, na qual ele afirmou que uma divisão apropriada da mão-de-obra pela sociedade, com
cada pessoa se especializando naquilo que sabe fazer melhor, seria a melhor maneira de aumentar a produtividade e desse
modo faria crescer a riqueza de uma nação.
Porém a sua diferenciação ficou mais clara a partir da obra “Teoria do desenvolvimento econômico” do economista
austríaco Joseph Shumpeter, lançada em 1934, quando estabeleceu o crescimento como a máquina que alavanca o desenvolvimento, mas essas teses só se tornaram célebres por volta de 1948, no fim da segunda guerra mundial. Nessa época,
quando as nações recém-industrializadas, imitando o padrão norte-americano, se lançaram em uma corrida frenética, na
busca de um crescimento econômico, representado precipuamente, pela elevação global da produção industrial, de modo
a que lhes facultasse a formação de uma poupança que pudesse financiar as melhorias nas condições sociais de sua população, propiciadas pelo desenvolvimento.
O conceito de desenvolvimento, que sofreu nas mãos do Presidente Truman a metamorfose mais
dramática e grotesca de toda a sua história, empobreceu-se ainda mais nas mãos de seus primeiros defensores, que o reduziram a crescimento econômico [...] desenvolvimento passou a constituir um simples crescimento da renda per capita nas áreas economicamente subdesenvolvidas
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[...] SACHS (2000, P. 66).
Desse modo fica patente que a diferença primordial entre crescimento econômico e desenvolvimento reside no
fato de que: o primeiro é mensurado, quantitativamente, pela avaliação do Produto Interno Bruto (PIB); enquanto que o
segundo é avaliado qualitativamente, e para sua verificação convencionou-se, mundialmente, utilizar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do país em pauta. Em que pese a maioria dos economistas afirmar que o segundo não subsiste
sem o primeiro.
Aprofundando um pouco mais essa compreensão, o PIB é “mensurado quantitativamente” com fulcro no somatório
de todas as receitas obtidas, por um determinado país, em um período de um ano, enquanto que o IDH, mesmo sendo
decorrente do primeiro, é “avaliado qualitativamente”, e para ser efetivo depende de uma evolução, não apenas do bem
-estar social das pessoas, mas também da renda “per capita”, das condições de trabalho, de saúde pública, de moradia, de
segurança, de educação e das demais relações interpessoais em sociedade.
Há, atualmente, entre os economistas estruturalistas, um cerco consenso de que, em época de economia globalizada, sem crescimento da produção e sem expansão de mercados não há desenvolvimento, por isso mesmo é que os países
não podem prescindir dele (o crescimento econômico) para fazer face aos seus respectivos desafios desenvolvimentistas
e, sobretudo para atender, urgentemente, as necessidades básicas de suas respectivas populações e de uma expectativa
incontida por uma melhoria básica das suas atuais condições de vida das pessoas de um determinado território.
Esse consenso, ou consciência econômica, se tornou ainda mais forte a partir da crise econômica mundial de 2008
– cujo início teria sido exatamente uma medida de crescimento econômico, pois a instabilidade econômica tem contribuído para o surgimento e o agravamento de crises de toda ordem. Há, atualmente, um permanente clamor mundial por
crescimento econômico, enaltecidos cotidianamente pela anunciação da variação do PIB dos países economicamente
mais fortes, porém algumas questões carecem ser respondidas: quem precisa crescer? Crescer como? Crescer quanto? A
que ritmo? A que custo? Quem se apropriaria dos benefícios do crescimento? Quem ficaria com o ônus da destruição dos
recursos ambientais?
Em relação ao termo território vale evocar o que compreendemos nos estudos sociológicos e de direito, nos quais
depreendemos que os Estados Nacionais Modernos se pautam organizacional, política e socialmente, esta compreensão
está de acordo com a definição de Darcy Azambuja cunhada em seu livro Teoria Geral do Estado, no qual assevera que...
[...] o Estado moderno é uma sociedade de base territorial, dividida entre governantes e governados e
que pretende, nos limites do território que lhe é reconhecido, a supremacia sobre todas as demais instituições. De fato, é o supremo e legal depositário da vontade social e fixa a situação de todas as outras
organizações [...] AZAMBUJA (1957, p. 12).
No presente estudo, em relação aos diversos conceitos de território, consideramos o de caráter simbólico contido
na obra de RAFFESTIN (1993) “onde estão os elementos que substanciam a compreensão da influência das relações de
poder sobre o espaço e sua resultante na produção do território”; o de caráter transcendental de um espaço geográfico,
daquilo que assevera SANTOS (2008) “das sociedades humanas em sua obra de permanente reconstrução do espaço
herdado das gerações precedentes, através das diversas instâncias da produção”; o conceito sociológico que preceitua
RATZEL (1899), que ao tratar do tema território, vincula-o ao “solo, enquanto espaço ocupado por uma determinada so-
ciedade”; bem como o contexto dialético de HARVEY (1980), “como sendo ao mesmo tempo, absoluto (com existência
material), relativo (como relação entre objetos) e relacional (espaço que contém e que está contido nos objetos)”.
Assim território pode ainda significar uma região, parte da natureza, em que uma sociedade se desenvolve em
termos de: economia; política; e cultura, ideia e matéria, identidades e representações, apropriação, controle, poder, participação e cooperação; e a correspondente força social contrária, revelada na resistência dos excluídos, marginalizados e
alijados desse processo social. Considerando inclusive o caráter econômico de um território desenvolvido por BERKES
& FOLKE (1992)“capital natural, por meio dos bens e serviços derivados, é uma pré-condição para o desenvolvimento
econômico”, reforça a ideia de que o território, espaço que contém os recursos naturais, é condição “sine qua non” para
a busca do desenvolvimento sustentável.
O desenvolvimento territorial é um processo que incide, positiva ou negativamente, na realidade de uma sociedade, em escala territorial, podendo ocorrer de várias maneiras, por estratégias diversas, que aproveitam os seus recursos
naturais do território, das potencialidades das pessoas que o ocupam e da tecnologia que estes detém; o desenvolvimento
pode ser dinamizado procurando-se estimular a participação e o envolvimento das populações locais; e promovendo
esforços na conjugação de vários interesses de diferentes intervenientes.
O desenvolvimento, na perspectiva endógena, se revela pelo fato de que o crescimento se inicia, de forma espontânea (por iniciativa autóctone) ou programada (por iniciativa governamental), por meio de políticas públicas. Assim é
que um território dotado dos fatores apropriados: recursos naturais; capital social; capital humano; pesquisa; informação;
conhecimento; e instituições. Quando bem liderado, tendo suas potencialidades estrategicamente direcionadas para desenvolver-se internamente, certamente teria as melhores condições para obter um forte crescimento econômico, acelerado e equilibrado, que lhes facultasse atingir um desenvolvimento.
Para a nossa compreensão política e econômica de desenvolvimentismo, outrora denominado equivocadamente de
progresso, não foram poucas as contribuições de FURTADO (1964), ao explicar “a divisão internacional do trabalho e
o fluxo assimétrico de recursos”. As suas abordagens iniciais em Dialética do Desenvolvimento, onde Furtado parte do
conceito de centro-periferia, desenvolvido, pioneiramente, pelo economista argentino Raúl Prebisch, utilizando-o para
diferenciar o posicionamento geoeconômico e geopolítico dos países centrais em relação aos periféricos, ligando-os a
uma espécie de sistema de dependência externa que caracterizou essa relação entre países por décadas, e que ainda persiste em bloquear-lhes o sonhado desenvolvimento.
Assim, essa condição centro-periférica e a condição de dependência entre estes se tornam em dois pilares para uma
categoria muito mais ampla de dependência econômica, denominada de subdesenvolvimento. Na ótica de FURTADO
(1964), “juntamente com esse sistema foi instituída, também, a divisão internacional do trabalho”, baseada no princípio
das vantagens comparativas e no liberalismo comercial, esta divisão relegava os países periféricos à qualidade de primário-exportadores, sendo os países centrais os grandes produtores e exportadores da tecnologia dominante.
Assim, FURTADO (1974), afirmava que ao assimilar uma tecnologia elaborada em outras bases históricas e sociais, os países periféricos estariam, pelo mimetismo, introduzindo maiores contradições em seu processo de desenvolvimento. Em “O mito do desenvolvimento econômico” ele transmite a ideia de desenvolvimento utópico, inatingível, e res141
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salta a necessidade de se formular um modelo brasileiro estrutural para evitar a exclusão da nossa população das benesses
advindas da acumulação e do progresso tecnológico, distanciando-se das outras teorias da época e ficando mais próximo
da teoria da especialização que estavam mais de acordo com as vantagens comparativas de David Ricardo (1820).
Em sua análise os países que optassem, exclusivamente, por esse modelo, o da exploração comercial de seus produtos primários, poderiam, inicialmente, experimentar um crescimento econômico. Desse modo poderiam até alcançar
um efetivo aumento da renda das famílias, o qual poderia ser apropriado por uma pequena minoria, por uma elite concentradora de renda que adotaria padrões de consumo e formas de viver típicos dos países ricos e totalmente incompatíveis
com os valores morais e o nível de renda do seu próprio país. Esse país poderia até crescer economicamente, mas não
se desenvolveria nem se transformaria, muito pelo contrário, se deformaria, empobrecendo sobremaneira, por processos
entrópicos.
Por estas discrepâncias, nessa discussão, não se pode ignorar a relevância da obra do indiano Amartya Sen, um
economista premiado em diversas áreas do saber: economia, filosofia e sociologia. As suas contribuições para a ciência
são amplas e diversificadas sendo mundialmente reconhecido pelas teorias da “Decisão Social” e do “Estado de Bem-Estar”. Em sua obra “Desenvolvimento como liberdade”, SEN (2000) foi capaz de sustentar suas teses em todos os ramos
do saber e ilustrar suas proposições fazendo sempre referências aos economistas e aos filósofos do passado, sobretudo
àqueles que estariam entre os precursores das teses por ele defendidas.
Se o desenvolvimento passa a ser o objetivo das vidas dos indivíduos e um reflexo da liberdade que eles escolherem, para Sen justiça e desenvolvimento passam a se confundir, pois a seu ver este só ocorreria caso a sociedade estivesse
em busca de justiça. Essa abordagem explicita de forma clara os pressupostos éticos e humanísticos do argumento, que
podem assim ser questionados e discutidos, o que não acontece com as teorias tradicionais incluindo a estruturalista de
Celso Furtado, as quais, tendo implícito algum conteúdo valorativo, utilizam a renda real de um país ou o PIB como
variável chave do crescimento econômico, que em tese levaria ao desenvolvimento.
Em relação ao bom desenvolvimento consideraremos, neste trabalho, os conceitos disseminados por Wolfgang
Sachs, mormente por asseverar que:
O desenvolvimento ocupa o centro de uma constelação semântica incrivelmente poderosa. Não há nenhum outro conceito econômico moderno que tenha influencia comparável sobre a maneira de pensar
e o comportamento humano. Ao mesmo tempo, poucas palavras são tão frágeis e tão incapazes de dar
substancia e significado a esse comportamento. SACHS (2000 pg. 61).
O conhecimento científico, aliado aos principais fatores naturais que influenciam diretamente o desenvolvimento
de um país, tais como as condições geográficas, demográficas e os recursos naturais, e possam colaboram, conjuntamente
para o bom desenvolvimento, devem sempre ser sempre analisados sob a ótica do ecossocioambientalismo preconizado
por Ignacy Sachs, sobretudo por afirmar que:
Enquanto persistirem enormes disparidades sociais, o crescimento permanecerá, com certeza, como uma
condição necessária, embora de modo algum suficiente, do desenvolvimento, cujos aspectos distributivos e qualitativos não podem ser negligenciados. É um erro dizer que os exorbitantes custos sociais e
ecológicos de certas formas de crescimento econômicos se constituem em danos inelutáveis do progresso
SACHS (2007 pg. 251).
Em relação à posição dos demais economistas, incluindo Celso Furtado, Sen difere da maioria deles ao rejeitar o
espaço das utilidades ou o espaço da renda para avaliar bem-estar e desenvolvimento, afirmando que crescimento “per
capita” não é uma medida de suficiente alcance. A solução para ambos os debates é a mesma: utilizar as capacitações,
que refletem a liberdade dos indivíduos escolherem diferentes funcionamentos, como base informacional, embora outros
aspectos também possam ser considerados - de acordo com a defesa da pluralidade sempre feita por ele.
Esses questionamentos e preocupações decorrem, pertinentemente, de verdadeiras tragédias socioambientais ocorridas no século XX, onde em meio às crises, os aspectos sociais e ambientais foram totalmente negligenciados pelos
países do hemisfério norte que se industrializaram, em um ritmo desenfreado, na busca pelo desenvolvimento econômico
a qualquer custo, cujas ideias centrais decorriam de um terrível paradigma vigente – o progresso, e sua pretensa consequência – o desenvolvimento, alcançado, única e exclusivamente, pelo crescimento econômico.
De acordo com as teses da ecosocioeconomia, o desenvolvimento sustentável está alicerçado pelos pilares “social
-ambiental-territorial-econômico-político”. Considerando-se que o conceito implica necessariamente na interdisciplinaridade desses diversos campos. Mesmo sendo Sachs um dos principais estudiosos do tema sustentabilidade, ele próprio
não desenvolveu nenhum modelo de gestão organizacional estratégica para favorecer a sustentabilidade ou o desenvolvimento sustentável, em contrapartida trouxe pressupostos científicos sólidos a altura de um teórico.
[...] o crescimento é uma condição necessária mas, de forma alguma suficiente, para se alcançar a meta
de uma vida melhor, mais feliz e mais completa para todos. O crescimento acelerado não é sinônimo de
desenvolvimento das regiões, se não atenua as desigualdades sociais, reduzindo a pobreza[...] SACHS
(2004, p.13)
A ecossocioeconomia, enquanto teoria da sustentabilidade possui um caráter da valoração positiva e criativa presente no ser humano, e que propicia ao indivíduo a construção da sua própria identidade, e desse modo visa formar
cidadãos protagonistas, responsáveis por seus destinos. Neste sentido, a gestão sustentável tem por responsabilidade
administrar todos os recursos sociais, econômicos e ambientais para que o ser humano tenha, na forma da reciprocidade,
como uma condição imperativa para se obter uma forma digna de vida e com a possibilidade de satisfazer necessidades
humanas básicas, bem como o desenvolvimento de habilidades intelectuais, laborativas e de auto-realização.
de crescimento zero ou do decrescimento e assume um caráter realmente paradigmático, ou de quebra de paradigma, pela
ruptura com a economia convencional, cujo desdobramento prático é baseado, essencialmente, na contestação do lugar de
primazia nela ocupado, quase que exclusivamente, pelo crescimento econômico.
Algumas questões têm acirrado antigas discussões que não se resolveram no século passado, e pelo modo como têm
sido tratadas, nos parece que se arrastarão pelo presente século também. Acerca desse agregado de coisa, aliados a escassez dos recursos naturais e a busca por caminhos de um desenvolvimento sustentável que preserve o planeta, é que este
trabalho evoca, nas ideias de Hirsch, o necessário respeito aos limites sociais do crescimento; e na ecossocioeconomia
um respeito e harmonia com o meioambiente. Para tanto, algumas questões ainda carecem ser respondidas: quem precisa
crescer? Crescer como? Crescer quanto? A que ritmo? A que custo? Quem se apropriaria dos benefícios do crescimento?
Quem ficaria com as externalidades e com o ônus da destruição dos recursos ambientais?
5. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Companhia Editora Nacional, 1980.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do acima exposto, entende-se que o cerne da questão que acirra o debate acerca da crescente escassez dos recursos
naturais, da diminuição da produção de alimentos, tem uma origem comum cuja primeira observação pode ser atribuída a
Thomas Malthus, principalmente por ter sido ele o pioneiro a afirmar que a população mundial cresceria numa progressão
geométrica enquanto que a produção de alimentos cresceria apenas em progressão aritmética, isso deflagrou uma corrida por aumento da produtividade com sementes transgênicas e de controle químico e biológico de pragas nas lavouras,
desconsiderando-se totalmente a questão da segurança alimentar, colocando em risco não apenas a vida humana, mas
inclusive a perpetuação de todos os seres vivos sobre a terra.
Não obstante a tudo isso, a concepção de limites sociais para o crescimento econômico, pensada por Hirsch, tal
qual a conhecemos hoje, tem raízes na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio-Ambiente Humano ou Conferência
de Estocolmo (1972) e está em total consonância com a ecossocioeconomia que vem se impondo tanto sobre a teoria do
decrescimento quanto a do crescimento zero, como a mais plausível das alternativas de superação da crise socioambiental,
a partir das perspectivas de uma economia ecologicamente sustentável e socialmente justa, que em tese supera a noção
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Anderson de Miranda Gomes1; Cristiane Mansur Moraes de Souza2; Ana Paula Tabosa3
RESUMO
A humanidade vivencia uma série de riscos de naturezas diversas, muitas vezes auto-gerados, os quais culminam na
percepção de um estado de crise abrangendo várias vertentes, de caráter multidimensional. A ideia de desenvolvimento
tem sido a resposta para a crise no sentido de diminuir os riscos ao mesmo tempo em que procura entender os interesses de
suas populações. Não obstante, os modelos de desenvolvimento não tem sido eficientes, evocando uma nova alternativa
capaz de lidar com as diferentes faces desta crise. O objetivo deste é discutir como o ecodesenvolvimento torna-se uma
resposta mais profícua à crise nos territórios. Justifica-se por tratar de uma discussão que corrobora para se pensar o
desenvolvimento sob uma perspectiva de sustentabilidade e que aborde diferentes faces dos problemas presenciados.
A metodologia utilizada é de uma pesquisa exploratória em que as referências bibliográficas possibilitam a construção
de debates sobre um desenvolvimento real sensível às diferentes dimensões. São resultados parciais, as constatações
do agravamento da crise; do aumento da consciência sobre a destruição do meio ambiente e de uma forte resistência à
mudança dos padrões de consumo.
Palavras-chave: Crise Multidimensional; Desenvolvimento; Ecodesenvolvimento.
ABSTRACT
Humankind experiences a number of risks of various kinds, often self-generated, which culminate in the perception of a
crisis state covering various aspects of multidimensional character. The idea of development has been the response to the
crisis in order to reduce the risks at the same time it seeks to understand the interests of their populations. Nevertheless,
the development models have not been efficient, evoking a new alternative able to handle the different faces of the crisis.
The purpose of this is to discuss how the eco-development becomes a more fruitful response to the crisis in the territories.
It justifies in the corroboration of the debate about the development from a perspective of sustainability and addressing
different facets of the problems witnessed. The methodology used is an exploratory research in which references enable
the construction of a real debate on sensitive development to different dimensions. As partial results there are the findings
of the worsening crisis; increasing awareness of the destruction of the environment and a strong resistance to change
consumption patterns.
Keywords: Multidimensional Crisis; development; Eco-development.
INTRODUÇÃO
Os Estados e nações vivenciam atualmente transformações significativas em suas estruturas econômicas, sociais
e políticas em decorrência do processo de crescimento econômico e da aceleração dos fluxos de informação e tecnologia.
A busca pelo enriquecimento de suas estruturas econômicas, aliado ao desejo eminente de um desenvolvimento de seus
territórios tem levado aos países uma incessante corrida cujo objetivo reflete a uma crescente produtividade (SEABRA,
2006). Não obstante, esse desejo e as ações correlatas ao mesmo levam consigo não somente consequências benéficas,
como o melhor acesso aos bens e serviços a uma maior parcela da população, mas também problemas e distorções nos
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com
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Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) Universidade Regional de Blumenau- FURB andlestat@hotmail.
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) Universidade Regional de Blumenau- FURB
Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regional (PPGDR) Universidade Regional de Blumenau- FURB
sistemas sociais, econômicos e principalmente ambientais.
O processo comercial e econômico gerado após a Revolução Industrial, e pós- guerra trouxe consigo além do
progresso produtivo uma significante e progressiva cadeia de deterioração do meio ambiente. Tal processo deteriorativo
advém não só da poluição gerada pelos resíduos da produção industrial e agrícola, mas também pela devastação de áreas
que abrigam diferentes ecossistemas na busca de insumos para produção, de uma ocupação desestruturada do espaço e
também dos dejetos oriundos do consumo exacerbado de bens e serviços.
Este processo gerou um incremento importante na produção e no consumo nas ultimas décadas, e com
ele uma destruição sem precedentes dos recursos naturais. Também não possibilitou um desenvolvimento
equitativo para a humanidade, como acreditavam os economistas liberais que delinearam a economia
capitalista após a Segunda Guerra (ROCHA, 2011, p.12).
Aliados a degradação ambiental tem-se uma inversão dos valores sociais, que passam a ser colocados a segundo
plano, sendo que o “mercado” passa a ditar as regras no jogo das políticas adotadas nos diversos territórios nacionais. Em
contrapartida, nunca se soube tanto sobre as diversas áreas, tanto sociais, ambientais, econômicas, científicas quanto neste
momento. Trata-se de um paradoxo de extrema complexidade que permite visualizar-se uma crise multidimensional, ter
informação e compreensão e mesmo assim, não conseguir desvencilhar deste estado que põe em cheque as estruturas
sociais, econômicas, ambientais, territoriais e culturais das populações (AZKARRAGA, 2011).
Surgem assim compreensões distintas a respeito de escalas espaciais de desenvolvimento, entre as recorrentes: local,
regional, territorial. Do mesmo modo surgem na literatura diversos complementos adjetivos ao termo desenvolvimento:
endógeno, sustentável, sustentado, solidário etc. Um fator parece ser base para o surgimento desses novos termos: a ideia
de que o desenvolvimento visto pela dimensão estritamente econômica não corresponde às expectativas das pessoas,
representadas por movimentos sociais que emergem nesse período e alertam para o despertar da necessidade de uma
concepção mais humana para o desenvolvimento na sociedade.
Neste sentido, tem-se a proposta do ecodesenvolvimento, na busca de uma melhor utilização dos recursos
naturais e do espaço através do seu planejamento. Este é um enfoque de planejamento que pode ser considerado como
um dos vários estilos de pensamento e de intervenção que coexistem no debate contemporâneo sobre meio ambiente e
desenvolvimento (GODARD, 1997). O ecodesenvolvimento é pensado como uma alternativa ao modelo convencional
desenvolvimentista baseado no crescimento econômico sem observância ao meio ambiente e aos aspectos socioculturais,
buscando um horizonte de reflexão mais amplo e diversificado com integração efetiva das múltiplas dimensões do
fenômeno do desenvolvimento. (VIEIRA, 1995, p.38).
Este artigo tem como objetivo levantar a discussão teórica sobre essa perspectiva de desenvolvimento como
necessária para abranger as faces e os problemas da crise multidimensional que se insere. Ainda, discute como o
ecodesenvolvimento atua na mitigação dos problemas gerados e como o mesmo pode ser alcançado.
Uma Crise Multidimensional
Ao se comparar a existência da humanidade com a Terra, percebe-se que se trata de uma presença cronológica
insignificante perante aos bilhões de anos nos quais os ecossistemas foram se modelando até aos dias atuais. Não obstante,
o homem foi capaz de atribuir transformações bem radicais a esses ecossistemas, principalmente nos últimos 200 anos,
também conhecidos como a era industrial. Neste período, presenciaram-se mudanças não somente no sistema produtivo,
que por milênios permanecia à mercê de uma sociedade agrícola, mas também em outros aspectos do setor econômico e
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nos demais setores, social, cultural, espacial e ambiental.
Segundo Azkarraga et al (2011), vivemos numa sociedade de risco, ou seja, em sociedades que são confrontadas
com os desafios da auto-criação de suas possibilidades, as quais, passam grande parte de sua existência se preocupando
com os riscos que as mesmas produziram. Atualmente, as instituições mais desenvolvidas da sociedade moderna (Estado,
Mercado Financeiro, Ciência e Defesa militar) parecem ser ineficientes frente ao novo risco global. Assim, tal risco pode
ser consebido como auto-gerado, sendo exemplos: pandemias, energia nuclear, mudanças climáticas. Trata-se de uma
crise da civilização, ou seja, uma crise multidimensional de natureza estrutural e difícil saída caso os padrões de produção,
consumo e distribuição não sejam transformados.
Essa crise multidimensional torna-se cada vez mais perceptível, sendo que as relações entre os atores internacionais
e domésticos são progressivamente interconectadas e por seguinte desencadeiam verdadeiros circuitos de causa e efeito,
não respeitando as fronteiras físicas ou setoriais. Uma forma de elucidar este momento em que a humanidade vive está na
contemplação da crise econômica de 2008, a qual gerou inúmeras sequências de transtornos para humanidade e mutações
na própria natureza da crise. Esta começou como uma crise imobiliária, a qual desencadeou uma crise financeira. Tal
situação culminou com uma enorme crise na dívida pública em vários países europeus em que a dívida privada foi
transferida para os governos e os mesmos responderam com políticas de austeridade baseada em cortes significativos
para políticas públicas. Assim, a crise financeira desencadeada por um destúrbio imobiliário, por sua vez, tornou-se numa
crise social. Nesse contexto, pode-se de mesma maneira verificar que o exercício do poder é transferido da esfera dos
Estados para instituições internacionais, nas quais o domínio da política transnacional não é uma área operacional dos
processos democráticos. (AZKARRAGA et al, 2011, p.5). Ou seja, o déficit democrático é particularmente evidente nas
políticas econômicas adotadas pelos Estados pois na verdade quem decide no final é “O Mercado”. Com isso, há cada
vez mais uma aversão à política pelos cidadãos, os quais não enchergam o compromisso político nos caminhos de uma
democracia representativa. Destarte, a crise social advinda da crise econômica também culmina numa crise política.
Nesta crise política, pode-se estender o campo de visão, voltando-se para o aspecto financeiro e econômico já
evocado e analisar outro aspecto, o ambiental. Ao se comparar o desenvolvimento econômico e social dos países, percebese que este é desigual e que grande parte da população ainda se encontra num lastimável estado de pobreza (SEABRA et
al 2006, p72). Por muito tempo tinha-se como uma equação lógica enquadrar o conceito de desenvolvimento aos moldes
da valorização econômica e financeira. Ou seja, a ideia de desenvolver determinada área, estaria ligada intrinsecamente em
aumentar sua capacidade de produção e consequentemente, na sua ampliação de gerar capital. Assim, há uma valoração
e uma prioridade da eficiência produtiva em detrimento de déficits sociais e ambientais. Nesse sentido, a capacidade dos
Estados de definir políticas ambientais nacionais é reduzida pela globalização da cultura consumista, que resulta de uma
dada visão de mundo, cuja mudança para atender às demandas da reconciliação entre economia e meio ambiente assume
um caráter de mudança civilizacional. (ROMEIRO, 1999, p.12). Chega-se nesse ponto a percepção de se viver também
uma crise ambiental, a qual é tida como contribuidora para o agravamento da crise econômica, num círculo vicioso.
Por
fim,
ao
pensarmos
sobre
o
aspecto
ambiental
da
crise
voltamos
a
cerne
cultural
da
mesma.
Com
a
evolução
cultural
da
humanidade,
o
mundo
moderno
marcou o surgimento de uma visão diferente sobre sua existência. Passa-se a deixar de lado a visão sagrada para uma visão
científica da natureza. Esta é é tida como algo “externo” ao ser humano e, portanto, racionalmente sujeita à exploração de
seus recursos. Assim, o racionalismo faz com que se quebre a ‘sacralização da realidade”, ou seja, a unidade que existia
entre o indivíduo, a sociedade e a natureza. Essa ruptura acaba por catalisar o desejo de se equiparar o consumo nos moldes
dos países tidos como desenvolvidos. Esse consumo está concentrado em uma pequena parte da população do planeta
mas tem atraído a ideia de modelo de satisfação a ser perseguido, uma falsa ideia de desenvolvimento. O resultado é uma
perda dos valores humanos em troca de uma busca insessante por um modelo de vida tido como necessário. Os valores
tem cada vez mais sido corrompidos por uma “imitação” dos modos de vida, deixando-se de lado a utilização do saber
local e de suas potencialidades endógenas. Este fenômeno caracteriza a última face da crise multisetorial, a cultural.
Todas as facetas dessa crise são de carater desestabilizador, mas a convergência das mesmas tornam o atual
momento histórico muito preocupante. Algumas razões podem ser vislumbradas como contribuintes para esse estado de
crise: Entre essas estão a racionalidade moderna, o progresso (ideológico), a separação autoritária dos anseios economicos
e o mito do infinito crescimento econômico.
A crise multidimensional, como dito anteriormente é potencializada pelos riscos que a mesma produz, sendo os
mesmos uma fonte autoalimentadora do fenômeno. Segundo o sociologo alemão Ulrich Beck (BECK 2010, p.2), os
riscos globais atuais que fortalecem a crise multidimensional teriam três características: (i)Deslocalização - A sociedade
de risco é global, sendo que seus efeitos não se limitam a um lugar especifico e nenhum país consegue agir e ter bons
resultados isoladamente; (ii) Incalculabilidade - Não se pode mensurar com precisão os efeitos e impactos do risco
para cada indivíduo ou grupo; e (iii) Incompensabilidade - Os efeitos das catástrofes são potencialmente irreversíveis e
transgeracionais.
Beck explica que essa situação do risco global remete a uma ansiedade gerada pela imprevisibilidade, a incerteza,
a falta de confiança, a vulnerabilidade, um sentimento de desamparo e medo. Frente a esse medo causado pelo risco autogerado e vivenciado nos diversos setores, chega-se a pergunta norteadora deste trabalho. Qual modelo de desenvolvimento
poderia dar conta das multiplas faces da crise vivenciada nos dias atuais?
É evidente que este trabalho não tem a pretensão de estabelecer diretrizes ou fornecer soluções prontas para
um assunto demasiadamente complexo, em que políticas e ações conjuntas entre os atores diversos devam permanecer
constantes no tratamento das distorções. Não obstante, passa-se a evocar uma perspectiva de caráter multidimensional,
com as “chaves” necessárias para investir contra cada face desta crise multidimensional, o ecodesenvolvimento.
O Desenvolvimento Frente ao Estado de Crise
Para Sergio Boissier (2003) na compilação de verbetes sobre desenvolvimento regional de Siedenberg (2010), o
desenvolvimento é um conceito em transição entre a antiga interpretação de crescimento econômico e a nova concepção
que representa um estado intangível, subjetivo, que está associada mais com atitudes e menos com conquistas materiais
(SIEDENBERG, 2010, p.69). Não obstante, não será excluída a ideia de crescimento econômico do pensamento
proposto por Boisier, pois parte-se da prerrogativa que o crescimento econômico é necessário para que se alcance o
desenvolvimento econômico. Este pode ser definido como:
O processo de acumulação de capital e incorporação de progresso técnico ao trabalho e ao capital que
leva ao aumento da produtividade, dos salários, e do padrão médio de vida da população. A medida
mais geral de desenvolvimento econômico é a do aumento da renda por habitante porque esta mede
aproximadamente o aumento geral da produtividade; já os níveis comparativos de desenvolvimento
econômico são geralmente medidos pela renda em termos de PPP (purchasing power parity) por habitante
porque a renda ouproduto do país corrigido dessa maneira avalia melhor a capacidade média de consumo
da população do que a renda nominal. (BRESSER-PEREIRA, 2008, p.1).
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Amartya Sen (2010) define o desenvolvimento como um processo de ampliação da capacidade dos indivíduos
escolherem, abrirem o horizonte social e cultural. Este acredita que a base material de uma nação é fundamental, mas
deve ser considerada como um meio e não o fim em si.
O Desenvolvimento pode ser visto, argumenta-se aqui, como um processo de expansão das liberdades
reais de que desfrutam as pessoas. Enfocar a liberdade humana contrasta com concepções mais estreitas
do desenvolvimento, como as que o identificam com o crescimento do produto nacional bruto ou
com o aumento da renda pessoal, ou com a industrialização, ou com o avanço tecnológico, ou como a
modernização social. Ver o desenvolvimento em termos da expansão das liberdades substantivas dirige a
atenção para os fins que tornam o desenvolvimento importante, antes que meramente para os meios, que,
interalia, cumprem parte proeminente no processo (SEN, 2010, p.3).
A princípio não haveria uma maneira de se desenvolver sem a exploração dos recursos naturais, bem como não
haveria como o meio ambiente suportar a manutenção do desenvolvimento nesse nível predatório do conceito. O filósofo
Hans Jonas, o qual suas ideias tiveram grande aceitação pelo circulo de ambientalistas, é citado por Leis, no qual esse faz
uma crítica dirigida ao pensamento moderno, o qual não se torna capaz de dar uma resposta à crise ecológica em função
da perda ou inversão de uma perspectiva teleológica (orientação finalista do pensamento e da ação). Isso acabaria por
impedir a integração ética entre a humanidade e a natureza, em “que a natureza será destruída não para a preservação
e reprodução da vida humana, mas sim pela lógica de acumulação e do desenvolvimento das forças produtivas” (LEIS,
2010, p.35).
Uma das questões mais difíceis no alcance do desenvolvimento é fazer com que a população, o poder público, as
empresas e demais atores assumam uma postura de responsabilidade sobre o seu território, garantindo o contínuo estar de
desenvolvimento (BOISIER, 2004). Não obstante, a necessidade deste envolvimento entre o Estado e a sociedade civil
nas questões ligadas ao processo de desenvolvimento dos territórios para garantir a continuidade do aproveitamento dos
recursos e da qualidade de vida dos cidadãos resultou numa nova estratégia e na percepção da realidade no planeta.
Nos anos 70, o pensamento ambiental começa ganhar força ao questionar o modelo de desenvolvimento capitalista
e de organização territorial associado ao projeto de modernidade. Nesse contexto, a questão que passa a ser pensada é de
como obter um desenvolvimento sem que seja posto em risco o ambiente e fazer com que esse perdure para as gerações
conseguintes. Surge então a busca por uma forma de desenvolvimento sobre os moldes de sustentabilidade. Percebe-se
que não há verdadeiro desenvolvimento caso haja deterioração do meio ambiente. De acordo com Maurice Strong (1993),
Secretário Geral da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento da época, no trabalho de
SACHS (1993):
O desenvolvimento e o meio ambiente estão indissoluvelmente vinculados e devem ser tratados mediante
a mudança do conteúdo, das modalidades e das utilizações do crescimento. Três critérios fundamentais
devem ser obedecidos simultaneamente: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica
(STRONG, 1993, p. 7).
Sachs chama a atenção sobre a incompatibilidade de se pensar o desenvolvimento sem que o meio ambiente seja
atrelado ao mesmo: A verdadeira escolha não é entre o desenvolvimento e o meio ambiente, mas entre as formas de
desenvolvimento sensíveis e insensíveis a questão ambiental” (SACHS, 1993, p. 17). A noção de sustentabilidade surge
a partir da noção dos limites do uso produtivo de estoques de recursos físicos renováveis (ritmos de regeneração), dos
recursos não renováveis (substitutos de insumos que são desassociados após sua utilização tendo de ser substituídos)
(ROCHA, 2011, p. 14). Contudo, com um enfoque mais amplo no que diz respeito à ideia de preservação dos ecossistemas,
os quais são ameaçados pelas investidas produtivas, voltamos a ideia original de que haveria uma relação competitiva
entre o meio ambiente e o sistema de desenvolvimento. O que se pretende, no entanto, é demonstrar que haveria uma
nova via de pensamento que estaria em consonância com a manutenção dos recursos e suas funcionalidades sem que
houvesse a estagnação dos setores econômicos e sociais.
O Ecodesenvolvimento: Um Desenvolvimento Multidimensional
A ideia inicial do ecodesenvolvimento seria de direcionar iniciativas de dinamização socioeconômica sensíveis
aos fenômenos de degradação do meio ambiente e da marginalização social, cultural e política (...) preconizava uma
gestão mais racional dos ecossistemas e das paisagens, incluindo o know-how e a criatividade endógena das comunidades.
(VIEIRA, 1995, p. 37). Num segundo momento foi pensado no ecodesenvolvimento como um enfoque participativo de
planejamento e gestão adaptados a contextos socioculturais e ambientais específicos. O ecodesenvolvimento surge como
uma política ambiental que pode ser visto como uma tentativa de se focalizar a relação sociedade-natureza de uma
perspectiva sistêmica e consistente (VIEIRA, 1995, p.33). Ou seja, uma visão sistêmica que contempla várias dimensões
torna-se necessária para entendimento do cenário como um todo, permitindo um melhor diagnóstico dos problemas,
prevenção de novos e a possível remediação dos já existentes.
Essa visão sistêmica vai ao encontro do pensamento de Sachs (1993), o qual descreve as cinco dimensões do
ecodesenvolvimento, devendo-se considerar o desenvolvimento em sua multidimensionalidade, abrangendo todo
o espectro de necessidades materiais e não materiais; constituir uma civilização do “ser”, com maior equidade na
distribuição do “ter”; minimizar a carga deteriorativa dos recursos renováveis e não renováveis; proteção da biosfera
para proteger a biodiversidade; respeito às especificidades de cada ecossistema, cada cultura e cada local (SACHS, 1993,
p. 24-27). A partir dessa configuração, Sachs elabora as cinco dimensões do ecodesenvolvimento, também chamadas de
dimensões de sustentabilidade: Dimensão Social, econômica, ecológica, espacial, e cultural. (SACHS, 1993).
A dimensão social de sustentabilidade remete a ideia de que o desenvolvimento só é sustentável se for baseado
num crescimento ordenado e usufruído por uma boa sociedade. É necessária a construção de uma sociedade com melhor
distribuição de renda e de bens, diminuindo a distância entre os padrões de vida entre as classes sociais (SACHS, 1993,
p.37).
Por sua vez, a sustentabilidade econômica é baseada na:
Alocação e do gerenciamento mais eficiente dos recursos e de um fluxo constante de investimentos
públicos e privados. Uma condição importante é a de ultrapassar as configurações externas negativas
resultantes do ônus do serviço da dívida e da saída líquida de recursos financeiros do sul, dos termos de
troca desfavoráveis, das barreiras protecionistas ainda existentes no Norte e do acesso limitado à ciência
e tecnologia. A eficiência econômica deve ser avaliada em termos macrossociais, e não apenas através do
critério da rentabilidade empresarial de caráter microeconômico. (SACHS, 1993, p.37).
Em relação à dimensão ecológica, esta compreende o uso dos potenciais inerentes aos variados ecossistemas
compatível com sua mínima deterioração (MONTIBELLER-FILHO, 2001, p. 47). Isto se dá através de algumas
prerrogativas apontadas por Sachs (1993, p. 37-38): (i) Intensificar a potencialidade dos recursos dos ecossistemas,
diminuindo os impactos negativos nos mesmos, aumentando a tolerância do planeta no exercício da atividade humana;
(ii) Substituir a utilização dos recursos não renováveis por renováveis e abundantes, limitando-os ao uso consciente e não
prejudicial ao ambiente; (iii) Conservar energia, recursos e praticar a reciclagem, diminuindo a poluição; (iv) Promover
a conscientização dos indivíduos, fazendo-os priorizar uma auto limitação no consumo de materiais; (v) Intensificar a de
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tecnologias menos poluentes para os diversos setores e atividades; e (vi) Produzir instituições capazes de definir normas,
monitorar e executar o seu cumprimento no que diz respeito a proteção ambiental.
A sustentabilidade territorial, também conhecida como geográfica, versa sobre obtenção de uma configuração
rural-urbana mais equilibrada e uma melhor distribuição territorial de assentamentos urbanos e atividades econômicas
(SACHS, 2003, p. 48). A dimensão cultural está relacionada ao respeito das especificidades de cada ecossistema, de cada
cultura e localidade, ou seja, busca soluções particulares, com bases endógenas a cada caso e cultura, ressaltando o valor
do saber local.
Faz-se necessário ressaltar que as dimensões do ecodesenvolvimento traduzem a ideia de sustentabilidade
apenas quando se é vinculado o conceito holístico de desenvolvimento. Aliás, o próprio Sachs chama atenção de que
o ideal será atingido quando, para expressar o novo paradigma, puder ser referido apenas “desenvolvimento” sem o
adjetivo “sustentável” ou o prefixo “eco” (SACHS, 1993, p.3). Assim, o ecodesenvolvimento ou desenvolvimento
socioeconômico equitativo somente será alcançado caso seja abordado de forma integral: a maneira sintética de referirse a todos os atributos do desenvolvimento, indicando ao mesmo tempo em que todas as dimensões pertinentes são
apreciadas em suas iner-relações, de forma que o modelo conceitual seja completo e holístico (SACHS, 1997, p.34).
Para que o ecodesenvolvimento possa ser factual, alguns fundamentos normativos devem ser implementados e
consequentemente monitorados: a) a prioridade ao alcance de finalidades sociais, ou seja, a satisfação das necessidades
básicas materiais e imateriais, promovendo a equidade; b) a prudência ecológica; c) a valorização da participação das
populações; d) a viabilidade econômica pensada em termos macrossociais. (SACHS, 1993; STRONG 1993; VIEIRA
1995).
O que se sugere são a identificação, os usos e a gestão dos recursos naturais em sintonia com as necessidades
básicas das gerações atuais e futuras, tendo a contenção de práticas predatórias e exaustivas dos mesmos. Além disso,
o envolvimento sinérgico da sociedade civil organizada é julgado essencial na definição e na articulação política de
necessidades coletivas, na identificação de potencialidades econômicas em cada contexto territorial e na coorganização
do esforço de gestão socioambiental.
Entender a natureza e a dimensão dos impactos sobre a mesma continua sendo crucial para a determinação de
políticas ambientais que venham minimizar os problemas para gerações presentes e futuras. Assim, torna-se crucial
entender as estruturas de custos e benefícios e de ganhadores e perdedores das ações tomadas pela população, empresas
e governantes.
Os diagnósticos participativos são etapas iniciais fundamentais do trabalho de planejamento de estratégias de
regionalização do ecodesenvolvimento onde se identificam informações relativas a necessidade, aspirações e estilos
de vidas das populações, como dados sobre o potencial de recursos e as características geobiofísicas peculiares de
cada área a ser focalizada.(VIEIRA, 1995, p.46). Na passagem do conceito a ação observa-se que os diagnósticos
participativos no passo inicial são descritivos e depois explicativos (VIEIRA, 2006).
Os diagnósticos descritivos, (i) levam em consideração uma imagem exploratória dos problemas socioambientais
prioritários que afetam a área em estudo em termos de recursos ambientais; (ii) o registro da organização social
prevalecente; e (iii) um mapeamento preliminar do leque de necessidades básicas e aspirações das comunidades.
(VIEIRA, 2006, p. 265). Ou seja, esta etapa consiste observar a partir das percepções sensoriais da região, providenciar
o relato descritivo dos problemas e desarranjos que afetam o ambiente e suas populações.
No diagnóstico explicativo, em que os dados previamente coletados devem ser ordenados, classificados e
sistematizados, como parte de um esforço de identificação das relações causais próximas e remotas. (VIEIRA, 2006,
p. 267). Por último, com o diagnóstico explicativo deve-se alimentar a concepção de cenários prospectivos, ou seja,
no delineamento de “futuros possíveis” para a área em estudo, além disso, a análise em termos de prospectiva social
deveria gerar cenários alternativos considerados compatíveis com os resultados da pesquisa ecológico-humana.
(VIEIRA, 2006, p. 268).
Destarte, o ecodesenvolvimento não somente é capaz de abordar as várias facetas da crise, propondo ações
sistêmicas, como também sua característica de participação comunitária permite a organização da sociedade civil para
respostas mais eficientes e mais sensíveis às várias questões que o Mercado e até mesmo o Estado não tem tido sucesso
em responder.
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CONCLUSÕES
Presencia-se na atualidade um modelo de desenvolvimento basedo na utilização intensiva de combustíveis fósseis,
o aumento do consumo tanto de energia quanto de recursos que extrapolam os níveis ideais e põe em risco a estrutura
natural do planeta. Ainda, o livre comércio irrestrito promovido pelos Governos e empresas tem causado perdas sociais,
políticas, culturais e também econômicas para grande parte da população, evidenciando-se assim uma crise multisetorial
sem precedentes e de difícil saída pelas vias convencionais.
Para corrigir o estado de risco em que a humanidade se encontra, uma mudança da percepção em relação ao
desenvolvimento se faz necessária. Deve-se rever as questões referentes ao crescimento econômico e a substituição de
uma postura mais ortodoxa pela via da sustentabilidade . É necessário uma transformção da base material da sociedade,
além de uma revolução social e cultural capaz de transformar o estilo de vida da mesma.
No impasse gerado pela polêmica discussão sobre a promoção do desenvolvimento e o déficit ambiental, tem-se
uma alternativa que não coloca a relação homem – natureza como conflitante. Oposto a essa ideia, procura-se conquistar
qualidade de vida por meio de modelos de desenvolvimento que englobem as várias facetas ou dimensões das necessidades
do homem e do ambiente.
O ecodesenvolvimento representa enfoque de planejamento que vem abarcar a multidimensão das necessidades
humana e ambiental e traz consigo o anseio de garantir para as populações do presente e futuro uma vida mais longa e
menos sujeita a exclusão social e degradação ambiental, minimizando os efeitos da crise multidimensional. Para isso
é necessário a implementação e o monitoramento de fundamentos normativos como a priorização da satisfação das
necessidades básicas, promoção da equidade, prudência ecológica e valorização da participação popular.
Por meio dos diagnósticos participativos descritivos e explicativos procura-se os usos e a gestão dos recursos
naturais em sintonia com as necessidades básicas das gerações atuais e futuras, tendo a contenção de práticas predatórias
e exaustivas. Também, procura-se um maior envolvimento sinérgico da sociedade civil organizada na definição e na
articulação política de necessidades coletivas, na identificação de potencialidades econômicas em cada contexto territorial
e na coorganização do esforço de gestão socioambiental.
Com os diagnósticos, procura-se entender o meio ambiente e os impactos sobre o mesmo, além de dirigir políticas
ambientais que minimizem os problemas para gerações presentes e futuras. Busca-se entender os custos e benefícios das
ações tomadas pela população, empresas privadas e governantes (poder público).
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
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SISTEMAS AGROALIMENTARES LOCALIZADOS, NOVAS RURALIDADES E A INDICAÇÃO
GEOGRÁFICA COMO FERRAMENTA DE DESENVOLVIMENTO ENDÓGENO
Vítor André da Silveira Duarte1; Jonatan Fortes Silva2
RESUMO
Este artigo apresenta uma revisão sistemática objetivando debater sobre os diferentes formatos e conceitos de arranjos e
sistemas produtivos locais, abordando brevemente o contexto histórico dos sistemas de produção. Para isso foi selecionado
um total de 22 artigos das plataformas Periódicos Capes e Scielo. Verificou-se que as aglomerações produtivas são uma
alternativa viável para o desenvolvimento endógeno, especialmente se observadas as relações saudáveis entre o local,
o global e os atores envolvidos.
Palavras-chave: sistemas produtivos locais, indicação geográfica, sistemas agroalimentares.
LOCAL FOOD SYSTEMS, NEW RURALITIES AND THE GEOGRAPHICAL INDICATION AS
ENDOGENOUS DEVELOPMENT TOOL
ABSTRACT
This article presents a systematic revision aiming to discuss about different formats and concepts of local productivity
arrangements and systems, abording briefly the historical context of productivity systems. For this we was selected a total
of 22 articles from CAPES and SciELO journals. Was found that productive agglomerations are a viable alternative to
endogenous development, especially when observed the healthy relations between the local, the global and the involved
actors.
Key-words: local productive system,geographical indication,local food system production.
1
2
Mestrando em Desenvolvimento Regional – FACCAT – Taquara – RS [email protected]
Mestrando em Desenvolvimento Regional – FACCAT – Taquara – RS
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INTRODUÇÃO
A questão da organização produtiva, através de sistemas e arranjos que favoreçam o desenvolvimento regional e
das empresas envolvidas, vem sendo estudada por inúmeros autores, recebendo contribuições importantes e evoluindo
em sua natureza de estudo e de prática (VILPOUX; OLIVEIRA, 2010). Diversos pesquisadores se preocuparam com este
assunto nos últimos anos e contribuíram significativamente para a evolução do estudo dos Sistemas e Arranjos Produtivos
Locais (FURLANETTO; CÂNDIDO; MARTIN, 2011).
A busca de respostas locais capazes de enfrentar os desafios da globalização tem aumentado com rapidez o interesse
despertado nos últimos anos por alguns territórios, onde a presença de redes empresariais, acordos de cooperação e
instituições encarregadas de gerir essas relações superam a questão econômica para incorporar o entorno social (LÓPEZ
e DEL VALLE, 2002, p.5). Os Sistemas Produtivos Locais tomam força no pós-fordismo e são tidos como interessante
ferramenta para o desenvolvimento, tanto das empresas quanto das regiões onde estes sistemas se instalam e produzem,
pois com o esgotamento dos padrões fordistas de produção e relação de mercado, se fez necessária uma recomposição
de salários, espaços e produção (REIS, 1988; CAMPOS, CALLEFI, SOUZA, 2005), fazendo surgir um novo período,
chamado de “neo-fordismo” (MORAES, SCHNEIDER, 2010).
No contexto das empresas, e mesmo dos arranjos rurais, para que haja competitividade, desenvolvimento e
sustentabilidade, são necessárias interações entre diversos atores que estarão presentes na aglomeração produtiva, em
ordem direta e indireta, sendo eles as empresas, a comunidade, os atores econômicos, e as governanças, especialmente o
Estado (IPIRANGA, 2008; RIBAS, 2010). Os Sistemas Agroalimentares Localizados (SIAL) foram definidos a partir da
emergência do conceito como organizações de produção e de serviço, associadas a um território específico. Essa definição
apresenta semelhanças evidentes com a definição de cluster ou de sistema produtivo local (REQUIER-DESJARDINS,
2013).
Na discussão brasileira sobre o desenvolvimento rural já se identifica uma mudança de visão nas novas abordagens
utilizadas para compreender o papel do rural. A visão tradicional, apoiada na dicotomia rural-urbana, que confunde rural
com agrícola, está sendo mudada para uma visão sobre “o mundo rural que se apoia na possibilidade de o ‘território
rural’ incluir também as pequenas cidades do ‘interior’ e oferecer novas alternativas de emprego e renda e diversas outras
formas de melhoria na qualidade de vida da sua população” (MORAES; SCHNEIDER, 2010, p.302). Nesta perspectiva,
percebe-se a necessidade de compreender os SIALs como forma organizada de produção e desenvolvimento do espaço
rural, atendendo não só a produção em si, ou a parte econômica do mesmo, mas também a questão da imersão social, ou
seja, do enraizamento das pessoas com o território (MORAES; SCHNEIDER, 2011).
Desta forma, pretende-se estabelecer uma discussão conceitual que abarque os SIALs e sua constituição,
particularidades e proposição teórica em contraste com o contexto das novas ruralidades, ou seja, da ressignificação que
o “campo” vem sentindo nas últimas décadas. Justifica-se esta proposta a partir da necessidade de entender o espaço rural
e suas especialidades, principalmente para a promoção do desenvolvimento das regiões assim caracterizadas, oferecendo
suporte para planejamento e tomada de ações públicas e privadas, no sentido de promover e amparar a estas atividades e
toda a esfera de demandas que delas possam proceder.
METODOLOGIA
Este trabalho de revisão teórica e bibliográfica procurou reunir e organizar informações e conceitos norteadores
para os Sistemas Agroalimentares Locais (SIALs), que podem promover o desenvolvimento regional em áreas rurais,
bem como sua inserção, num momento de discussão de novas ruralidades, no novo espaço rural. Nesta pesquisa foram
selecionados, com base na produção de diversos autores, totalizando 22 artigos-base, encontrados em pesquisa nas
plataformas Periódicos CAPES e SciElo, os principais conceitos sobre as duas temáticas – SIAL e as novas ruralidades,
trazendo diferentes óticas sobre a matéria, oferecendo um aporte de bases teóricas, com a finalidade de oferecer
sustentação para o planejamento estratégico que foque na produção local em meios rurais. Foram utilizados artigos e
livros que atendessem o critério simples de abordarem os assuntos pertinentes a este estudo, sendo estes: APL, SIAL,
desenvolvimento regional, desenvolvimento rural e as questões da nova ruralidade. Estes foram organizados de forma a
apresentarem, em conjunto, uma base de discussão teórica sobre o desenvolvimento regional rural, através dos Sistemas
Agroalimentares Locais e sua relação com as novas ruralidades.
1. Discussão das Abordagens
Nesta seção serão trazidos os conceitos e discussões acerca dos temas APL e SPL – Arranjo Produtivo Local e
Sistema Produtivo Local -, bem como sua dissimilaridade conceitual e prática, SIAL – Sistema Agroalimentar Localizado,
Produtos Alimentares com Indicação Geográfica, além de visitar o conceito do que se trata por “novas ruralidades”, ou
seja, o processo de modificação socioambiental que o meio rural vem sofrendo nas últimas décadas.
2.1 Aglomerações, Arranjos e Sistemas Produtivos Locais
O conceito de Sistema Produtivo Local é, na verdade, uma evolução da aplicação dos Arranjos Produtivos Locais,
com um olhar atento ao local, à região, considerando um leque ainda maior de questões que devem estar no contexto,
como as relativas ao meio ambiente, sustentabilidade, cultura e história, ou seja, um arranjo produtivo muito mais
interessado no contexto socioambiental ao qual está inserido, procurando o desenvolvimento não só das empresas
envolvidas, mas um desenvolvimento amplo que atinja várias esferas da sociedade, em diversas áreas de interesses e
necessidades da população local (FALCÃO; SANTOS; GÓMEZ, 2009) (COSTA, 2006). Desse modo, segundo Moraes
e Schneider (2011, p.103), “o Sistema Produtivo Local (SPL) é caracterizado por um grande número de pequenas e
médias empresas especializadas e com um relacionamento não hierárquico”.
Pode-se ainda compreender que os SPLs retratam a maneira que os agentes econômicos locais produzem e
reproduzem bens e serviços e refletem a identidade cultural da região. Nesse sentido, o SPL corresponde a uma atividade
técnico-produtiva resultante da capacidade de adaptação dos agentes econômicos locais ao imperativo tecnológico, pois
ao mesmo tempo em que a tecnologia é adaptada às especificidades locais, os agentes econômicos adquirem novos
conhecimentos aos se adaptarem às novas tecnologias implantadas na sua região (MEZA; PINTO; MONTALVO, 2013).
2.2 Novas Ruralidades
Há um debate, tão antigo quanto importante, sobre o que define, limita e corresponde ao território urbano e ao rural,
dada a dificuldade conceitual e metodológica de definição, onde o uso dos termos “urbano e rural” acaba ficando com
sentido controverso (REIS, 2006), (DELGADO et al, in: IICA, 2013), (TALASKA, ARANTES, FARIAS, 2009). Isto se
deve em geral ao processo de modernização que o meio rural vem sofrendo com o passar dos anos, assumindo diferentes
usos e sendo objeto de estudo e análise para o planejamento da vida das cidades. (SANTOS, 1993). Nesse sentido, há
uma dicotomia posta sobre o conceito “urbano-rural” que vem sendo debatido e já contraposto por diversos autores que
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versam sobre esta temática. Percebe-se que há, de certa forma, um processo contínuo e crescente de urbanização do meio
rural, principalmente do modo de vida de quem reside neste ambiente.
Desse modo, são encontrados como fatores que promovem uma modificação visível destes meios: i) o turismo
ecológico e de aventura; ii) o uso de espaços rurais para implementação de condomínios e imóveis para uso de segunda
residência, ou seja, casas de passeio ou fim de semana; iii) as comunicações cada vez mais abrangentes; iv) a tecnologia
nas atividades ligadas a agricultura e as modernidades como telefonia, internet, mecanização e automação domésticas.
Cassilha e Cassilha (2012) definem a área rural como aquela onde as propriedades são maiores e as atividades são
voltadas para o setor primário da economia (agropecuária e pesca). Para Bezerra e Bacelar (In: IICA 2013, p. 35), o rural
não deve ser encarado como um “resíduo do urbano”, mas que “a definição de uma tipologia do rural brasileiro deve
considerar os contextos territoriais e as distintas formas de relacionamento das áreas rurais com os centros urbanos, com
os quais mantêm relações diferenciadas de interdependência e complementaridade”. Emerge, então, uma nova ruralidade,
que não acaba com o rural anteriormente conceituado, mas que oferece uma diversidade maior no âmbito cultural, social
e econômico, onde são percebidos novos usos da terra e dos espaços sociais, com um leque de opções que não privilegiam
a antiga visão agropecuária como única, ou mais importante, possibilidade para o meio dito rural.
2.3 Os Sistemas Agroalimentares Locais (SIALs)
É plenamente natural que se associe o setor da produção agropecuária ao meio rural, já que é ali que, de fato,
são produzidos e comercializados quase que a totalidade dos alimentos do mundo. Algumas iniciativas buscam inovar,
produzindo em zonas urbanas ou em centros realmente urbanizados, mas são incipientes e pouco expressivos para que se
possa retirar do campo a característica e a afeição com a produção agropecuária.
Quando uma cadeia produtiva se estabelece, surge, em geral, a necessidade de encurtar distâncias entre o
mercado consumidor e o produtor. Sendo assim, o fato de existir um produto ou grupo de produtos, que são gerados em
determinado local, atrai fornecedores de insumos e equipamentos, gera concorrência, diversificação de ofertas de trabalho
e especialização no produto (ou cadeia de produtos) – conceitos dos SPL -, cria a necessidade de estruturas organizacionais
e transforma um território, em questão de economia e produção, mudando as perspectivas sociais e combatendo a evasão
do campesino (MORAES; SCHNEIDER, 2010).
Os SIALs, por isso, são arranjos produtivos exclusivamente do campo e do meio rural. São sistemas de produção
de alimentos que atendem a uma série de questões organizadas na cadeia produtiva, sendo assim, não se restringem à
produção na terra, exclusivamente, mas envolvem todo o circuito que vai desde a produção primária até o consumidor
final, passando pelas atividades de transporte e insumos como fertilizantes e defensivos – seja pelo uso ou pela ausência
dos mesmos – que não se dá por acaso, mas em plena organização dos atores envolvidos em relação ao território – o que
diferencia o Sistema Produtivo do Arranjo Produtivo (CÂNDIDO; MALAFAIA; REZENDE, 2012). De acordo com
Lins (2012), o produto rural nos SIALs deve ser concebido em um ambiente de conhecimento ou know-how – saber
fazer – sobre a transformação de produtos e devem possuir apelo em virtude de sua qualidade, apreciação e identificação
local para que tenha valoração por parte do consumidor. Estas características são fundamentais para que um determinado
produto seja diretamente atribuído a uma região específica, que se caracteriza pelo alto grau de conhecimento em torno
do mesmo, se tornando um atributo da região a produção daquele tipo de produto.
Em geral, a caracterização do Sistema em detrimento do Arranjo se dá pelo surgimento de governança, muito menos
pelo Estado, mas principalmente pela capacidade organizacional dos diversos setores envolvidos. No caso dos Sistemas
Agroalimentares, estas governanças podem se dar através da criação de associações de produtores de determinados tipos
de produtos em relação ao seu território (associação de produtores de fumo, associação de apicultores, por exemplo),
bem como as “demais instituições não-governamentais voltadas à avaliação da qualidade da produção de cada firma e
à distribuição de certificados/marcas de origem é um indicador privilegiado de transição da condição de arranjo (APL)
para a condição de sistema (SPL)” (PAIVA, 2005, p.8). Sendo assim, o SIAL, por ser conceitualmente um Sistema, e
não mais um simples Arranjo, deve conter em sua estrutura a existência destas instituições, as chamadas governanças.
Exemplos de links entre um produto e uma região são observados na produção do vinho e do queijo na Serra Gaúcha,
ou do queijo de Minas Gerais, e o couro acabado no Vale dos Sinos – Rio Grande do Sul. Esta relação com o território
se dá pela sua representatividade, onde seus ativos são essenciais às atividades produtivas dos SIALs e, mostrando-se
imbricados com os componentes sociais e culturais da área, são inseparáveis da história local (LINS, 2006).
É importante que fique clara a ideia de que os Sistemas Produtivos, sejam eles industriais ou agroalimentares,
precisam necessariamente passar pela ligação com seu território, seu contexto regional de presente e, por origem, de
passado, passando por uma montagem de estruturas organizacionais, especialmente não governamentais, que auxiliem
na criação de métodos, padrões de atuação e produto, gerando um resultado qualificado como saída na cadeia produtiva
a qual o Sistema em questão esteja inserido. Não se exclui a ação do Estado como fomentador nestes sistemas, visto que
o sucesso destes traz benefícios socioeconômicos para os atores envolvidos e para o território, enquanto recorte espacial
local e para a região – adjacências – no qual se insere, visto que a governança consiste em interação e regulação entre
atores, instituições e Estado (MORAES; SCHNEIDER, 2011; MEZA; MEZA; MONTALVO, 2013).
Para obter-se qualidade no que é produzido nos SIALs é necessário que haja, obviamente, qualificação das partes
envolvidas. A regulação – fiscalização e determinação de padrões de produção, métodos e resultados – auxilia na obtenção
da qualidade nestes sistemas, mas o processo de qualificação passa por especialização, seja em métodos de produção ou
em um produto específico. Como já citados, os casos da produção de vinho, queijo, cachaça, entre outros, se dão com
referência a um território, facilmente identificado quando se fala da origem e tradição dos produtos (vinho e queijo na
serra gaúcha, vinho chileno, cachaça em Santo Antônio da Patrulha, champanhe francês, etc.). Muitas vezes lembra-se
de um local ou região pela menção a um produto ou de um produto pela menção a um local ou região. Tem-se hoje, no
mundo e no Brasil, uma iniciativa de rotulação de produtos com a chamada Indicação Geográfica (IG), que, conforme
o SEBRAE (2015), “é uma garantia para o consumidor, pois comprova que o produto é genuíno e possui qualidades
particulares, ligadas à sua origem” que pode gerar valor agregado ao produto, se tornando um bem e beneficiando as
pessoas da região e da cadeia do produto. Para complementar o tema tratado neste ponto, haverá uma melhor abordagem
sobre o mesmo no próximo subtítulo.
Neste contexto, o SIAL aparece como um sistema produtivo localizado, ou seja, com identificação com o local,
voltado para o setor de alimentos, envolvendo diversos atores, sejam eles os produtores rurais, as agroindústrias, o
comércio e transporte local, instituições públicas e privadas, de fomento e de regulação. Desta forma, quando o produto
não tem sua comercialização e consumo, total ou em partes, dentro do mesmo território, ele adquire, ou deve adquirir,
status de qualificação que o promova e o referencie para o consumo em outros territórios, mas que aluda ao território de
origem, integrando dessa forma o território e suas nuances em diversos formatos do mesmo sistema.
2.4 Produtos Alimentares com Indicação Geográfica
Conforme já mencionado, o mundo, e o Brasil, especialmente neste estudo, experimentam hoje o uso de uma
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29 a 30 de Outubro de 2015 | Matinhos - PR
espécie de selo para identificar produtos, o qual determina a indicação geográfica dos mesmos, com diversos propósitos,
entre eles o de proporcionar ao consumidor a referência do local onde foi produzido, garantindo assim o consumo de um
produto genuíno, que carrega em si algum traço marcante de qualidade e/ou de especialidade, que pode ser determinada
por uma tecnologia específica de preparo, manuseio, cultivo, ou ainda pelas características naturais do local, como o tipo
de solo, clima, vegetação, que podem influir direta ou indiretamente nas características do produto (SEBRAE, 2015).
O mercado globalizado possui diversas possibilidades e regulações, como no caso dos tratados de livre comércio,
que impedem medidas protecionistas dos países para combaterem a importação. Estas medidas – de protecionismo -, não
são vistas com bons olhos pela OMC – Organização Mundial do Comércio - e pelos vários Acordos do Livre Comércio
(ALC), e devem diminuir e até desaparecerem com o passar do tempo. Esta situação pode gerar certo desconforto para
os produtores de mercados protegidos, mas alternativas de proteção ao produto qualificado e reconhecido surgem através
de medidas como registro de marcas e patentes, e em especial para este caso, as Indicações Geográficas. Segundo o
acordo da OMC sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPS), define-se a “IG como indicação
que identifica um produto como originário do território de um país, ou uma região ou localidade desse território, onde
a qualidade, reputação ou outra característica do produto seja essencialmente atribuída à sua origem geográfica.”
(DRUZIAN; NUNES, 2012, p.414).
Esse tipo de classificação é para o produtor e/ou setor produtivo que já possuam avançado know-how, uma proteção
à identidade de produtos clássicos, de notório destaque, seja por sua qualidade, características peculiares de produção
ou de sabor, e só pode ocorrer quando há um Sistema Produtivo, resgatando a ideia de que o Sistema precisa formar
governança, sendo que esta governança, ou seja, a ação organizada de associações e grupos de regulação, formais e
informais, é que vai tornar viável que aquilo que é produzido na região possa adquirir qualidade suficiente e identificação
com o conceito original do produto, tornando-o referência para uma IG regular (VIEIRA; WATANABE; BRUCH, 2012).
O objetivo de uma IG é diferenciar um produto ou serviço de seus semelhantes ou afins, porque este apresenta
características de uma determinada região, reflexo dos fatores humanos envolvidos naquele produto, consiste em uma
forma de agregar valor e credibilidade a um produto ou serviço, conferindo-lhes um diferencial de mercado em função
das características de seu local de origem (NASCIMENTO; NUNES; BANDEIRA, 2012). “As Indicações Geográficas
(IGs) são uma ferramenta coletiva de promoção mercadológica e têm por objetivo destacar lugares, pessoas e produtos,
evocando sua herança histórico-cultural, considerada intransferível” (NUNES; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2012, p.
348).
O processo de reconhecimento de produtos com Indicação Geográfica, no Brasil, decorre junto ao INPI (Instituto
Nacional de Propriedade Intelectual) e, depois de obtido o reconhecimento a nível nacional, será possível desenvolver o
processo, que poderá levar ao reconhecimento e proteção do produto a nível mundial (FABRIS; MACHADO; GOMES,
2012, p.391). No Brasil, assim como nos países da América Latina que adotaram o uso das IGs, os estudos sobre as
potencialidades de produtos locais, para se tornarem referenciados pela sua identificação geográfica, são recentes, mas
promissores, visto que o Brasil é um país de extensão continental, com vasta diversidade cultural e muitos produtos
referenciais pela sua constituição e tradição. (NUNES; BANDEIRA; NASCIMENTO, 2012).
Tratando-se de produtos do meio rural, o Brasil se destaca no cenário mundial não só pela sua extensão territorial
e variedade cultural, já mencionadas, mas, por particularidades de clima e solo, que tornam as condições naturais para
a produção rural algo com real potencial de desenvolvimento, como por exemplo, clima diversificado – que oferece a
possibilidade de várias culturas distintas – e o país “ainda conta com 388 milhões de hectares de terras agricultáveis
férteis e de alta produtividade, sendo que 90 milhões ainda não foram explorados. Percebe-se, por estes dados, o alto
potencial do agronegócio brasileiro para o desenvolvimento de regiões e do próprio país” (VIEIRA; WATANABE;
BRUCH, 2012, p.330).
Há uma diferença de caracterização entre os produtos classificados com IGs, sendo dois grupos determinados pelo
INPI, a saber, os produtos com IP (Indicação de Procedência) e os como DO (Denominação de Origem). Estas categorias
se diferem conceitualmente, sendo que os produtos com IP possuem comprovação de reputação da localidade, enquanto
os com DO apresentam “vínculo do produto com o meio geográfico, descrição do método de obtenção e do notório saber
fazer” (FABRIS; MACHADO; GOMES, 2012, p. 392). No Brasil, até 14 de outubro de 2014, havia 5 registros de DO e
21 de IP, conforme quadro a seguir:
Quadro 1 – Lista de Indicações Geográficas no Brasil
Espécie / Nome da IG
Produto/Serviço
Ano
UF
Denominações de Origem:
Costa Negra
Camarões
2011
CE
Manguezais de Alagoas
Própolis vermelha e extrato de própolis vermelha
2012
AL
Região do Cerrado Mineiro
Café
2014
MG
Litoral Norte Gaúcho
Arroz
2010
RS
Vale dos Vinhedos
Vinhos: tinto, branco espumante
2012
RS
Indicações de Procedência:
Microrregião de Abaíra
Aguardente de cana tipo cachaça
2014
BA
Linhares
Cacau em amêndoas
2012
ES
Canastra
Queijo
2012
MG
Região da Serra da Mantiqueira
Café
2011
MG
Região do Cerrado Mineiro (*)
Café
2005
MG
Região de Salinas
Aguardente de Cana tipo Cachaça
2012
MG
Serro
Queijo Minas Artesanal do Serro
2011
Pantanal
Vale do Submédio do São
Francisco
Piauí
Mel
2015
Uvas de mesa e Manga
2009
MG
MS/
MT
PE
2014
PI
2012
PR
2007
RJ
Mossoró
Cajuína
Café verde em grão e industrializado torrado em grão
e ou moído
Aguardentes: tipo cachaça e aguardente composta
azulada
Melão
2013
RN
Altos Montes
Vinhos e espumantes
2012
RS
Monte Belo
Pampa Gaúcho da Campanha
Meridional
Vinhos
2013
RS
Carne bovina e seus derivados
2006
RS
Norte Pioneiro do Paraná
Paraty
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Pinto Bandeira
Vinhos: tinto, brancos e espumantes
2010
RS
Vale dos Sinos
Couro Acabado
2009
RS
Vale dos Vinhedos (*)
Vinhos: tinto, branco e espumante
2002
RS
Vales da Uva Goethe
Vinho de uva Goethe
2012
SC
Alta Mogiana
Café
2013
SP
Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (2014)
O Quadro 1 traz as IGs que já foram registradas, ou seja, aprovados pelo INPI, transformando estes produtos,
oficialmente, em produtos de reconhecida qualidade e referência em suas respectivas áreas. Importante destacar a
participação dos estados de Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com 5 e 8 registros, respectivamente e há ainda muitos
outros produtos e regiões com potencial para integrarem esta lista.
CONCLUSÕES
Desde o final do período fordista, muitas inciativas de combater a crise capitalista, buscando utilizar os recursos
materiais e pessoais regionalizados, surgiram, trazendo consigo um novo paradigma de desenvolvimento que visa buscar
uma integração dos meios de produção com a tradição local, que se relacione e preserve as peculiaridades e características
locais, sejam estas de ordem cultural, histórica, natural ou tecnológica.
Muitos lugares do mundo, e o Brasil especialmente, vêm vivendo uma nova fase no meio rural, onde velhos
conceitos e previsões, como a do total abandono e migração do ambiente rural para o meio urbano, foram substituídos
por uma realidade onde o rural assume novos significados e se adapta para um convívio estabilizado com o urbano,
melhorando e proporcionando o acesso a tecnologias para a população rural. Isso se dá na vida cotidiana e nos meios
de produção, onde a produtividade da terra aumenta e a procura das pessoas da “cidade” por lugares que conservem as
paisagens campesinas – modificadas ou não – vem num crescente bastante proveitoso, oferecendo oportunidades de
negócios cada vez mais bem exploradas.
Essa nova dinâmica de valorização do local, de estruturação de regiões e torno de suas atividades mais características,
tende a gerar especialização e consequentemente maior qualidade nos produtos oferecidos, que em consórcio com as
estruturas de governança em constante planejamento e pesquisa, cria novas oportunidades, proporcionando maior valor
agregado aos produtos ou ainda uma maior proteção ao que se faz com diferenciais reconhecidos, onde se inserem as IGs.
O Brasil, pela sua capacidade produtiva, principalmente no setor agropecuário, se destaca em suas potencialidades
de gerar muitas regiões que ofereçam produtos diferenciados e com boa qualidade, valorizando a produção primária, que
em geral pouco pode acrescentar valor em sua produção que não seja pelo simples aumento de produtividade. Os diversos
climas, tradições, historicidades e culturas, proporciona um leque bastante amplo de produtos e, até mesmo em produtos
“iguais”, a possibilidade de diferenciação, graças as características distintas que as regiões e microrregiões brasileiras
apresentam. Entende-se o uso das IGs como uma excelente ferramenta de proteção a tradição da produção, valorização
dos atributos e métodos da produção e do produto, especialmente o agroalimentar.
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TIPICAMENTE CAIÇARA: A CATAIA ENQUANTO PRODUTO DA COMUNIDADE DE BARRA DO ARARAPIRA/GUARAQUEÇABA-PR
José Carlos Muniz1; Mayra Taiza Sulzbach2
INTRODUÇÃO
Na globalização ganha força a massificação da cultura mundial, permeado pelos grandes meios de comunicação,
solapando especificidades características que distinguem certas culturas de outras.
Como medida inibidora à uniformização, tem-se buscado o fortalecimento de identidades em torno de territórios e
produtos locais, que os diferenciem uns dos outros, baseados em suas especificidades culturais.
O presente artigo apresenta os resultados de um estudo que analisa o potencial em torno da Pimenta pseudo-
RESUMO
Os caiçaras possuem uma ligação com seu território, por vezes enfrentando difíceis embates para sua permanência, muitos destes, impondo restrições que impactam diretamente com seus modos de vida, obrigando-os a encontrarem alternativas que visualizem a interação na relação cultura-natureza nesses ambientes; Uma dessas, na comunidade de Barra do
Ararapira, é a utilização das folhas da árvore Cataia, aliada aos seus conhecimentos e saberes, como marca identitária da
comunidade, envolta em um sistema associativo de produção cooperativa, baseada, quase que integralmente, em relações
sociais de compadrios, porém, frente a uma externalidade capitalista, também enfrentando a problemática globalizadora
de outros valores, principalmente os do mercado capitalista.
Palavras-chave: Identidade territorial; Recurso específico; Associativismo; Desenvolvimento.
ABSTRACT
The caiçaras have an connection to their territory, sometimes facing difficult confrontations for their stay, many of these by imposing restrictions that impact directly to their proper modes, forcing them to find alternatives to visualize the
interaction in the relationship between culture and nature in these environments; One of these, in Barra do Ararapira
community, is to use the leaves of the tree Cataia, coupled with their expertise and knowledge, as brand identity of the
community, wrapped in an associative system of cooperative production, based almost entirely on social relations of
cronyism, however, against a capitalist externality, also facing the globalizing problems of other values​​, especially those
of the capitalist.
Key words: Territorial identity; Specific resource; associations; Development.
caryophyllus (Gomes) L.R. Landrum, popularmente chamada de ‘Cataia’, como um recurso da comunidade Barra do
Ararapira.
Os traços identitários com a comunidade e seu território, laços de pertencimento e familiaridade faz com que o recurso encontre diversas especificidades na cultura caiçara, objetivando sua viabilização como potencial da identidade em
fomento ao desenvolvimento local.
O LOCAL, SEUS INDIVÍDUOS E SEUS SABERES
O local objeto de análise, Barra do Ararapira, faz parte do município de Guaraqueçaba, localizando-se no extremo
norte do litoral paranaense, divisando com Pontal de Leste [Marujá], no município de Cananéia/SP, ambos contemplando
unidades de conservação (UCs), o que promove restrições quanto ao uso dos recursos naturais: Parque Nacional de Superagui e Parque Estadual da Ilha do Cardoso, respectivamente.
A região fora habitada por descendentes dos primeiros degredados portugueses na Ilha de Cananéia, em 1502, que, “se
animaram e embarcaram em canoas índias e, saindo barra afora, costeando as praias de Ararapira e Superagui, entraram
barra adentro, nas formozas baías de Paranaguá” (VIEIRA DOS SANTOS. 2001. p. 18/19). Nestas paragens, em final do
Século XVI, conforme Carneiro (1986) fora fundado o núcleo de Ararapira; Superagui teve seu primeiro registro histórico
em 1549, nos relatos do alemão Hans Staden (1900), que por lá encontrou portugueses da Capitania de São Vicente.
A comunidade de Barra do Ararapira se formou entre as vilas de Ararapira e de Superagui, nas proximidades da “barra”, o canal natural por onde as águas oceânicas do “mar de fora” desembocava no mar de Ararapira ou “mar de dentro”,
viabilizando a fixação das primeiras moradias em épocas de safra pesqueira (BAZZO. 2010, p. 46), quando também os
pescadores ocupavam o espaço com pequenos roçados, principalmente com o plantio da mandioca (Manihot).
As mudanças naturais na localização da “barra”, fechamento de sua desembocadura e abertura em novo local, resultou
em alagamento das áreas ocupadas, influenciando na estruturação da comunidade.
1
Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Territorial Sustentável (UFPR Litoral). E-mail: muniznativofilho@
yahoo.com.br
2
Dra. em Desenvolvimento Econômico e professora da UFPR Setor Litoral. E-mail: [email protected]
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Conforme Bazzo (2010. p. 47), residem na comunidade de Barra do Ararapira, aproximadamente 200 pessoas, em
46 moradias, tendo na pesca artesanal sua principal fonte de renda, configurando-se numa comunidade tradicional de
pescadores artesanais ou de uma população “caiçara” tradicional.
Os povos ou comunidades tradicionais são assim definidos, pelo Decreto nº. 6.040 (BRASIL, 2007 apud DIEGUES;
PEREIRA, 2010, p. 39) por contemplar grupos culturalmente diferenciados,
que se reconhecem como tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocupam e usam
territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e
econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos pela tradição.
De acordo com Diegues (2004, p. 09), a população caiçara é formada pela “mescla da contribuição étnico-cultural dos
indígenas, dos colonizadores portugueses e em menor grau do escravo africano” e possuem uma forma de vida “baseada
em atividades de agricultura itinerante, da pequena pesca, do extrativismo vegetal e do artesanato”.
sões, estas eram tomados pelos gestores determinados na criação da Unidade de Conservação, gerando conflitos socioambientais com a comunidade local, que até então fez a gestão dos recursos naturais e propiciou à criação de um Parque.
O local onde havia indivíduos vivendo não poderia ser resultado da “natureza intocada”, era um território, que,
segundo Pecquer (2005. p. 13), deriva de “um processo de construção pelos atores”, assim, a preservação destas áreas
que permitiu à criação do Parque deriva de uma cultura: a “caiçara”; população que lá vivia, com a natureza, a qual se
construiu “dinamicamente nos percursos dos indivíduos e dos grupos [...], são comunidades de sentido, sistemas de
pertencimento.”.
Conforme Zaoual, estes locais constituem sítios que (2006, p. 34):
Intimamente integrados à natureza que os cerca, os caiçaras cultivam suas práticas culturais de acordo e em consonância com a mesma. Conforme Zaoual (2006, p. 32) estas práticas podem definir um sítio ou um lugar com especificidades:
“cada sítio é uma entidade imaterial que impregna conjunto de vida em dado meio” e o indivíduo que nela habita. Um
sítio:
possui um tipo de caixa preta, feita de crenças, mitos, valores, experiências passadas, conscientes ou inconscientes, ritualizadas. Ao lado desse aspecto feito de mitos e ritos, o sítio possui também uma caixa
conceitual, que contém seus conhecimentos empíricos e ou teóricos. Enfim, os atores, em dada situação,
operam com uma caixa de ferramentas que contém saber-fazer, técnicas e modelos de ação próprias ao
contexto. (ZAOAUL, 2006, p. 32).
impregnam o conjunto das dimensões dos territórios de vida: a relação ao tempo, a natureza, ao espaço, ao
habitat, arquitetura, vestuário, as técnicas, ao saber fazer, ao dinheiro, ao empreendedorismo, etc. Antes de
se materializar nos feitos e gestos dos atores ou em qualquer outra materialidade visível a olho nú, os sítios
são entidades imateriais fornecedoras de balizamentos para os indivíduos e suas organizações sociais.
NATUREZA MANTIDA E CONHECIDA DO HOMEM LOCAL: A CATAIA
Um dos conhecimentos inerentes na relação homem-natureza da comunidade Caiçara da Barra de Ararapira é a
utilização das folhas da Cataia4 (Pimenta pseudocaryophyllus (Gomes) Landrum), pertencente a Família Myrtaceae. Seus
conhecimentos estão associados de forma endêmica, uma vez não se encontrada nas comunidades vizinhas.
Estes atores, com comportamentos socioeconômicos relacionado com seu território são denominados por Zaoual
(1999) como homo situs. Homens pertencentes ao local, respeitando e defendendo seus conhecimentos, uma vez interagindo com sua realidade.
O homo situs de Zaoual, são os atores, os caiçaras da Barra do Ararapira; Homens que através de seus comportamentos, em consonância com a natureza permitiram que em pleno Século XX a comunidade onde viviam se transformassem
em Unidades de Conservação, os quais promoveriam novos enfrentamentos e diversos desafios ao modo de vida em seu
território.
A iminência da legislação ambiental, devido à criação, na década de 1980, do Parque Nacional de Superagui3, impactou diretamente no modo da população caiçara residente no local e na utilização dos recursos naturais disponíveis, uma
vez que, de acordo com Diegues (2000. p. 09), esse modelo de área de proteção integral “parte do princípio de que toda
relação entre sociedade e natureza é degradadora e destruidora do mundo natural e selvagem”.
A existência desta planta no local é um recurso que pode se configurar como um recurso ativo. Conforme Pecquer
(2005, p. 123), os recursos próprios de território podem permitir a este se diferenciar em relação a seu vizinho. A existência de inputs ou ativos em um lugar, quando utilizados para a criação de produtos (PECQUER, 2009, p. 97), pode ser
denominada de ‘recursos territoriais’.
Conforme Denardin; Sulzbach; Komarcheski (2015, p. 203), o território nesta perspectiva é uma unidade ativa de desenvolvimento. O desafio é “constitui-se na apropriação dos recursos específicos do território e promover especificações
ou ativação destes recursos, ou seja, transformar recursos em ativos específicos”.
Na comunidade da Barra do Ararapira as folhas da Cataia são utilizadas tradicionalmente como: tempero e remédios
caseiros (chás para dores estomacais, azia, diarreia, cicatrização de ferimentos, estimulante sexual etc.). A Cataia atraiu
a atenção científica sobre sua utilização, características e propriedades medicinais por Morgante; Patrícia et. al (2010).
Girard; Koehler; Netto (2007, apud CATENACCI, 2010, p. 33) identificaram:
A comunidade da Barra do Ararapira nos primeiros anos da criação do Parque não participava dos processos de deci3 UC de Uso Sustentável, parque, que tem o objetivo de assegurar a proteção de parte significativa da Floresta Ombrófila Densa na região
da Serra do Mar, disciplinar o uso e a ocupação do solo, proteger o patrimônio natural, considerando os aspectos referentes aos bens de valor
histórico e arqueológico.
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4
Popularmente também recebe este nome a espécie Drimys brasiliensis, da família Winteraceae, por vezes confundida com
a Pimenta pseudocaryophyllus (Gomes) Landrum.
um óleo essencial muito aromático, o eugenol, sendo este composto explorado há bastante tempo e possuindo inúmeras aplicações, desde o uso em aromatizantes, perfumes, cosméticos e inseticidas até na
indústria fármaco-medicinal, dada suas propriedades antibacterianas, analgésicas e sedativas.
Sua utilização na bebida com teor alcoólico foi por volta de 1985, conforme Gazeta do Povo (2010). Na própria
comunidade, Rubens Muniz “resolveu” experimentar a infusão da folha da Cataia na pinga, uma vez já existir cachaças
com infusão de diversas outras folhas, raízes, inclusive cobras; Inicia-se a popularização da bebida, que ganha constantemente novos apreciadores e mercados, gerando recursos financeiros para a comunidade.
Estes “saberes” à promoção de produtos locais é, segundo Pecquer (2005), uma alternativa ao desenvolvimento
endógeno. A promoção de produtos locais ou territoriais ocorre através de saberes da população local com recursos do
local, o que permite ativar a dimensão da cultura local, o que “constituiria o potencial identificável de um território”
(PECQUER, 2005, p. 14). Esses recursos:
resultam de uma longa história, de um acúmulo de memória, de uma aprendizagem cognitiva coletiva
[...], produzidos num território, que se torna então “revelado”. A produção desses recursos resulta, pois,
de normas, de costumes, de uma cultura que são elaborados num espaço de proximidade geográfica e institucional, a partir de uma forma de troca que não é mercantil: a reciprocidade. (PECQUER, 2005, p.15).
Os saberes imersos em um território são capazes de promover a ativação destes recursos em ativos específicos do
lugar, foi o que aconteceu na comunidade da Barra do Ararapira. Após considerado aumento na procura da cachaça de
Cataia foi criada em 2007 a Associação das Mulheres Produtoras da Cataia5. Uma organização territorial que, segundo
Ambrosini; Filippi (2007, p. 04) fortalecem a possibilidade de um desenvolvimento endógeno e em especial se “se formam a partir de laços de solidariedade, de sangue, do sentimento de pertencimento à comunidade, mas se materializam
através das realizações coletivas”.
Os recursos (homem e natureza) lugar (território) contemplados por Pecquer (2005), pautados em organizações
territoriais (ativação de recursos), conforme destacados por Ambrosini e Filippi (2007), promovem um desenvolvimento
singular por contemplar as caixas (preta - crenças, valores, experiências; conceitual – conhecimentos empíricos e ou
teóricos e de ferramentas – homem e natureza) descrito por Zaoual (2006).
SOCIABILIDADES EM TORNO DO PRODUTO LOCAL
Na Associação das Mulheres Produtoras da Cataia as funções há extração das folhas, a lavagem, a secagem ao sol,
a separação qualitativa, o empacotamento in natura, o envasamento da bebida entre outros. O processo de produção, de
ordem coletiva, caracteriza a organização de forma solidária, não havendo um proprietário que determina as atribuições
5
Participam na Associação das Mulheres Produtoras da Cataia cerca de 20 mulheres. Vendem as folhas in natura da Cataia e a bebida
envasada.
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e a remuneração dos trabalhadores, numa relação de troca mercantil entre os membros que desempenham as diferentes
funções, nem tampouco a divisão dos retornos são distintas, conforme as funções.
Singer (2008, p. 289) sintetiza que “os empreendimentos de economia solidária são geridos pelos próprios trabalhadores coletivamente de forma inteiramente democrática”, com princípios de “solidariedade e de integralização de um
sistema capaz de combater o ‘individualismo competitivo’”. Gestão e princípios que se desenvolvem na Associação das
Mulheres Produtoras de Cataria da Barra do Ararapira.
A organização da produção, gestão e os princípios desenvolvidos nesta Associação são induzidos por Catenacci (2010,
p. 63-64) que destaca especificidades do Grupo, entre elas a motivação não financeira e sim “o divertimento de estar junto
com as mulheres”. Catenacci (2010) lista algumas regras existentes na Associação: apenas mulheres podem trabalhar,
desde que após os dezoito anos, acreditando assim estar evitando o contato das adolescentes e jovens com a bebida alcoólica; não podem vender nem doar o produto de seu trabalho fora do Grupo; não vendem fiado aos moradores da vila,
como estratégia para diminuir o consumo de álcool na comunidade.
Estas especificidades entre outras desenvolvidas na organização social da Associação das Mulheres Produtoras da
Cataia podem ser observadas na literatura da economia social ou sociologia econômica enquanto capital social, de acordo
com os pressupostos de Putnam (1993). As regras do Grupo se configuram enquanto “redes, normas e laços de confiança
que facilitam a coordenação e cooperação para benefícios mútuos”.
O capital social segundo Denardin e Model (2014, p. 09) “deve ser levado em conta para um efetivo desenvolvimento local e regional”. O capital social, desempenhado pelas mulheres da comunidade entorno da produção da Cataia não
fecha o escopo teórico dos condicionantes ao desenvolvimento endógeno, se soma aos demais citados acima, justificando
a potencialidade da Cataia enquanto recurso específico da população caiçara, como condicionantes ao desenvolvimento
local ou territorial da comunidade da Barra do Ararapira.
O fato de a Comunidade estar imersa ao Parque Nacional de Superagui, o qual impõem restrições ao uso dos recursos naturais, poderia apresentar-se como um limitante a promoção da Cataia como recurso ativo do local à promoção
do desenvolvimento territorial. Este fato não se apresenta como limites, nem pelos gestores do Parque, nem pela própria
comunidade. Conforme o diretor-chefe desta Unidade de Conservação Marcelo Bresolin (apud GAZETA DO POVO,
2010) “o uso da Cataia por essa comunidade tradicional não traz prejuízo ao ambiente e assegura um retorno econômico
a eles”, sendo sua extração “restrita à comunidade e em caráter excepcional.”.
Ambrosini e Filippi (2007, p. 04) destacam que a “solidariedade interna existe para a comunidade se proteger do
exterior”. E como a solidariedade está presente na organização produtiva das mulheres que trabalham como a Cataia, essa
pode atuar como inibidora da extração predatória da Cataia. O pertencimento ao local desenvolve-se, podendo ser um
determinante à propensão da ação coletiva para o bem comum, ou seja,
ele passa a ter um valor funcional para a comunidade no momento em que os indivíduos percebem que
as iniciativas de cooperação geram resultados virtuosos para a comunidade, passando, essas, a prevalecer
sobre comportamentos competitivos dentro do território. (AMBROSINI; FILIPPI. 2007, p. 09).
mento territorial:
O CUIDAR DO RECURSO ESPECÍFICO; A CATAIA
Uma vez tendo aumentado a demanda pelo produto Cataia, bem como sua consequente extração, a comunidade
deve dispor de maior atenção ao recurso. De acordo com Pecquer (2005, p. 13), os recursos “constituem uma reserva,
um potencial latente ou virtual que pode se transformar em ativo se as condições de produção ou criação de tecnologia
o permitirem”.
A Cataia por ser um recurso específico da comunidade Barra do Ararapira, merece atenção por ser um “recurso ou sua
raridade [que] vão condicionar o tipo de desenvolvimento local” (PECQUER. 2005. p. 13). Catenacci (2010. p. 76-78)
as estudar a Cataia na Barra do Ararapira cita alguns fatores que contribuem para demonstrar a resiliência socioecológica
do sistema de manejo da Cataia no local:
(a) instituições locais fortes; (b) práticas de manejo específicas do grupo que lidera a extração da planta;
(c) demanda ainda incipiente e, relativamente, localizada; (d) a exploração da planta não se constitui na
atividade econômica principal da vila; (e) lócus da atividade de exploração inserido numa Unidade de
Conservação; (f) existência de certa flexibilidade por parte do órgão gestor da UC.
Em outro estudo sobre a Cataia no local, D’Angelis (2013) considera preocupante à biodiversidade e também à
Associação a exploração da Cataia. Enquanto as mulheres fazem a extração coletivamente, coibindo o individualismo e
distribuindo igualitariamente os retornos, existe a extração esporádica por parte de alguns homens que, motivados por
encomendas, agrados a parentes e amigos, também extraem e destinam à venda, quando visitam cidades vizinhas (CATENACCI. 2010, p. 55).
A Cataia, folhas in natura e a bebida propriamente dita, todas oriundas da comunidade de Barra do Ararapira, é
encontrada a venda em diversos lugares, muitos destes sem mencionar a sua origem, desagregando o valor inerente à
identidade caiçara de Barra do Ararapira. A Cataia, somente é um produto territorial, específico do local que pode promover o desenvolvimento sustentável do local quando atrelado aos demais valores do local, ou seja, ao modo de produção
tais como os oriundos da Associação das Mulheres Produtoras da Cataia da Barra do Ararapira.
A extração motivada por ganhos individuais, mesmo que realizada pela população local, pode promover atritos com
aqueles que elegem à extração de forma coletiva. Conforme Zaoual (2006. p. 28) há “incontestavelmente inúmeros atritos entre o grande modelo de civilização global e o sítio das crenças e de ações dos atores, considerados como alvos pela
prática dos experts”. O caminho da extração da Cataia de forma individual pode promover rupturas sociais e econômicas
no local.
Visando o bem estar da comunidade e a melhor utilização de seus recursos, que para Pecquer (2005, p. 12), “designa
todo processo de mobilização dos atores que leve à elaboração de uma estratégia de adaptação aos limites externos, na
base de uma identificação coletiva com uma cultura e um território”, reorganiza-se a economia local e ao desenvolvi156
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não pode ser implantado por decreto; permanece uma construção dos atores, mesmo que políticas públicas
apropriadas possam estimular e mobilizar esses atores. Essa construção só pode ser concebida como uma
dinâmica e, portanto, inserida no tempo. Trata-se de uma estratégia de adaptação na medida em que esse
processo é reativo em relação à globalização. (PECQUER. 2005. p. 12).
A Cataia: é referência comercializada nos bailes de fandango6 realizados na comunidade de Superagui; nomeia uma
banda de jovens músicos em Pontal do Paraná/PR, a Trupe Cataia e em Sorocaba/PR, a Banda Cataia, esta última em
homenagem a bebida que os jovens experimentaram na comunidade de Marujá/Parque Estadual da Ilha do Cardoso e;
possui festas denominadas de Cataia. A Cataia passa a receber valores exógenos aos originalmente criados na Barra do
Ararapira, descaracterizada de sua comunidade.
A CATAIA E A SUA SUSTENTABILIDADE ENQUANTO ATIVO
Tendo em vista uma desenfreada exploração do produto, é emergente a necessidade da Associação das Mulheres
Produtoras da Cataia pelo auxílio e aporte técnico de instituições público ou privado, que possibilite a manutenção de sua
produção, potencializando a valorização pela própria comunidade, diminuindo a extração de forma individual e insustentável. Conforme Ambrosini e Filippi (2007, p. 4-5), o desenvolvimento territorial “deve ser o resultado da interação entre
instituições locais e atores econômicos dominantes em uma relação de forças equilibradas”.
A partir de incentivo técnico, fomentando a valorização da Cataia enquanto produto tipicamente caiçara da Barra do
Ararapira e reforçando a identidade da comunidade, através da diminuição da prática dos ‘atravessadores’, pode-se criar
na comunidade uma “cesta de bens”.
“Cesta de bens”, conforme Pecquer (2009. p. 86) caracteriza-se como uma “oferta compósita particular, associada
ao lugar”. Na comunidade de Barra do Ararapira, a “cesta de bens” pode ter a Cataia como produto principal, podendo
ser complementada com outros produtos derivados da planta Cataia, bem como a bebida com mel de abelha adicionado,
folhas in natura para o preparo de chás e temperos como utilizados tradicionalmente pela comunidade, também acrescidos de outros produtos da cultura local.
D’Angelis (2013, p. 69) destaca que há necessidade da adoção de medidas que regulamentem a atividade extrativista
no local, bem como da elaboração de um plano de manejo coletivo, comtemplando o estoque dos recursos e seu monitoramento.
Coexistindo com o modelo de mercado globalizado, na comunidade de Barra do Ararapira se encontram modelos de
6
Expressão musical-coreográfica-poética e festiva, cuja área de ocorrência abrange o litoral sul do estado de São Paulo e o litoral norte
do estado do Paraná. Essa forma de expressão possui uma estrutura bastante complexa e se define em um conjunto de práticas que perpassam o
trabalho, o divertimento, a religiosidade, a música e a dança, prestígios e rivalidades, saberes e fazeres. (Iphan).
produção e distribuição com princípios associativos, baseados em relações cooperativas, de compadrio e de vizinhança,
que permite identificar seus moradores e a relação destes com a natureza. As forças do mercado tende a promover a apropriação das especificidades locais, insere-as, sem referenciais de identidade, num mercado globalizador. Nesse ínterim é
essencial o desempenho da “ética e os valores em torno dos quais os atores criam seus espaços locais de vida”, pois, sem
este ‘código de leitura do mundo’, entraria em processo de degradação (ZAOUAL, 2006, p. 54).
O desenvolvimento de qualquer comunidade, igualmente a da Barra do Ararapira pressupõe, de acordo com Jean
(2010, p. 75), “um processo de aprendizagem social do desenvolvimento, isto é, o desenvolvimento de uma competência
cidadã [...] visando uma participação social compartilhada entre a reivindicação de direitos e o aprendizado de responsabilidades”.
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GRUPO DE TRABALHO V
Ruralidades, Trabalho e Sustentabilidade
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A EROSÃO EM ESTRADAS NÃO PAVIMENTADAS NA BACIA DO RIO DO ATALHO EM CRUZ MACHADO – PR1
THE EROSION IN UNPAVED ROADS IN RIVER BASIN OF ATALHO IN CRUZ MACHADO - PR
Vanderlei Marinheski2
RESUMO
O presente artigo teve como objetivo discorrer sobre os processos erosivos em estradas não pavimentadas, na Bacia hidrográfica do Rio do Atalho em Cruz Machado no Paraná. A bacia caracteriza-se com um sistema de agricultura familiar
com baixo nível tecnológico, o relevo é dissecado e com presença constante de blocos e matacões de rochas ígneas. A
metodologia utilizada foi a pesquisa bibliográfica e o trabalho de campo com a averiguação dos pontos impactados. Os
resultados apontam que na maioria das estradas está ocorrendo perda acelerada de solo, acúmulo de materiais ao longo
das vertentes (mata, pastagem e açudes), assoreamento do rio principal e incisões no relevo que prejudicam ou até mesmo inviabilizam o trafego. Desta forma, evidencia-se que a atual forma de construção e manutenção das estradas na bacia
do rio do Atalho, apresenta impactos para o meio ambiente e que merecem atenção, visto que se trata de uma área com
singularidades ambientais e agropecuárias análogas na região.
Palavras-chave: Uso do solo. Processos erosivos em estradas. Bacia hidrográfica.
ABSTRACT
This article aims to discuss on the erosion process in unpaved roads, in river basin of Atalho on Cruz Machado in Paraná.
The basin is characterized with a family farming system with low technological level, the relief is dissected and constant
presence of blocks and boulders of igneous rocks. The methodology used was the bibliographical research and fieldwork
to investigate the affected points. The results show that most of the roads are experiencing accelerated loss of soil, accumulation of material along the slope (forest, grassland and ponds), silting of the main river and incisions in relief that
harm or even make impossible the traffic. Thus, it is evident that the form current of construction and maintenance of
roads in the shortcut river basin, has impacts on the environment and deserve attention, since it is an area with similar
environmental and agricultural singularities in the region.
Key-words: Soil use. Processes erosion on roads. Hydrographic basin.
1
Esse artigo é parte da dissertação de mestrado: Capacidade de uso da terra e perda de solo em uma propriedade representativa na bacia
hidrográfica do rio do Atalho, Cruz Machado – PR, defendida junto ao programa de Pós-Graduação em Gestão do Território da Universidade
Estadual de Ponta Grossa.
2
Mestre em Gestão do Território, UEPG Prof. da Secretária Estadual de Educação do Paraná [email protected]
160
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1 INTRODUÇÃO
GT - 05
A humanidade, ao longo de sua história manteve um conjunto de conexões com a natureza. As relações entre
homem e o meio foram deixando, no decorrer dos tempos, significativas mudanças e interferências nos principais recursos
disponibiliza dos pela natureza, tais como: solo, água e florestas. (TRICART, 1977). Essas relações foram perdendo o
sentido de integridade e gerando impactos ambientais3 (DREW, 1989).
A maioria das atividades que o homem desempenha na superfície do planeta provoca alterações nos aspectos da
paisagem (DREW, 1989). Entre essas atividades, são destacadas como impactantes: a agricultura, a mineração, escavações e construções de estradas (INBAR et al., 1998).
As estradas são faixas do relevo transformado pela ação antrópica que permitem a circulação de pessoas, animais
e veículos. Para o seu pleno uso, estas devem estar em condições apropriadas para determinados fluxos de movimentação
nas mais variadas condições climáticas (GRIEBELER et al., 2005).
As estradas, carreadores e caminhos cortam grande número de rios e fontes em diferentes unidades de terra. A drenagem lateral nas vias de circulação principal (processo de retirada de água do
leito das estradas) faz com que as águas cheguem rapidamente à rede de drenagem aumentando o
débito fluvial (aumento rápido de vazão) (THOMAZ, 2005, p. 180).
O autor ainda considera que as estradas funcionam como canais efêmeros após eventos chuvosos, sendo a concentração dos fluxos da água provenientes das regiões a montante.
Nessa linha de pensamento, as estradas não pavimentadas representam o início de toda movimentação econômica de uma região por estarem conectadas diretamente com áreas produtivas. Já, os processos erosivos nos leitos e barrancos são as principais causas da degradação dessas vias (GRIEBELER et al., 2005). A identificação da magnitude dos
efeitos que a erosão causa em estradas é de fundamental importância para propor técnicas de contenção.
Nogami e Villibor (1995) salientam que a erodibilidade do solo é um dos fatores que determinam o tempo que a
estrada poderá suportar pressões exercidas por fluxos de movimentação sem haver o desprendimento excessivo de sedimentos. Já Denardim (1990) ressalta a dificuldade de estabelecer estudos de erodibilidade no Brasil devido à diversidade
de solos e extensão territorial do país.
Mesmo com tantas dificuldades, vem aumentando os estudos com relação aos processos erosivos em estradas
rurais, as quais possuem papel importante no total de sedimentos produzidos dentro da bacia hidrográfica e na condução
3
Segundo o CONAMA (1986, p. 636): (...) considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que direta ou indiretamente, afetam:
I - a saúde, a segurança e o bem-estar da população; II - as atividades sociais e econômicas; III - a biota; IV - as condições estéticas e sanitárias
do meio ambiente; V - a qualidade dos recursos naturais.
dos sedimentos oriundos de outras fontes. Em meio às floretas, 90% dos sedimentos provêm das estradas (GRACE et al.,
1998). Bigarella e Mazuchowiski (1985) destacam que do total de sedimentos transportados no Noroeste do Paraná, 20%
tem origem nos sistemas viários.
Os sedimentos das estradas têm origem nas vias de movimentação e nos barrancos (THOMAZ; ANTONELI;
DIAS, 2011). Em paredes de alcovas, a remoção de sedimentos fica em torno de 30% do total de materiais remobilizados.
Nos barrancos das estradas há a influência direta da altura dos mesmos, da cobertura vegetal e da concentração dos fluxos
de água (OLIVEIRA et al., 1999).
Grande parte das estradas rurais no Brasil não tem nenhum planejamento com relação às características naturais
do relevo e a vulnerabilidade a erosão. Essa ausência de planejamento e “a falta de manutenção são as principais causas
da grande incidência de erosão por ravinas e boçorocas encontradas nas estradas rurais” (SALOMÃO et al., 1999, p. 263).
Para Griebeler et al. (2005) os processos erosivos em canais e nas margens das estradas são decorrentes da má
drenagem. Já Luce e Black (1993), relacionam os processos erosivos em estradas ao comprimento das rampas e o aumento da declividade, que aceleram o escoamento das águas.
Em pequenas propriedades rurais, a maioria das estradas ocupam trechos do relevo com declividades acentuadas, nos quais a erosão é progressiva. As plataformas não são pavimentadas, sendo feito somente a terraplanagem em
meio às várias características do relevo. Como resultado, há incisões associadas às redes viárias e grande quantidade de
sedimentos depositados a jusante ou carregados pelas enxurradas até os cursos fluviais. Esses sedimentos podem ter origem nas próprias estradas ou em locais de agricultura.
2 MATERIAL E MÉTODOS
2.1 Características da área de estudo
A presente pesquisa foi realizada na Bacia hidrográfica do Rio do Atalho, afluente de terceira ordem fluvial da
margem esquerda do Rio das Antas, localizado no município de Cruz Machado, Paraná. A área da bacia é de 2.074,77 ha4,
inserida totalmente na zona rural (FIGURA 1).
Segundo a classificação climática de Köppen, a região de estudo insere-se no regime climático Cfb, subtropical
úmido, com médias de temperaturas anuais em torno dos 10°C nos meses mais frios, e 22°C nos meses mais quentes, com
índices pluviométricos em torno dos 1800 a 2000 mm anuais (MAACK, 2002).
A vegetação que recobre o relevo da Bacia Hidrográfica do Rio do Atalho é caracterizada pela Floresta Ombrófila
Mista. Remanescentes de florestas frias destacam-se: o pinheiro do Paraná (Araucaria angustifolia), a imbuia (Ocotea
porosa) e a erva-mate (Ilex paraguarienses) (MAACK, 2002).
O relevo é dissecado (ondulado a forte ondulado)5, o solo possui afloramento de rochas ígneas, além de várias
nascentes que não permitem uma mecanização intensiva. Por este motivo, desde a chegada dos imigrantes até a atualidade,
são utilizados animais (cavalos e muares) como força de trabalho para revolver a terra e mover as safras.
O principal problema dos processos erosivos em estradas rurais está nos sistemas de drenagens. A grande
concentração de fluxos de água na faixa de rolamento da estrada aliada à declividade acentuada, que eleva potencial de
remoção e transporte de materiais. Além disso, a concentração de umidade reduz a capacidade de resistência do solo,
tornando-o mais vulnerável aos processos erosivos.
Em propostas para alocação de estradas, Castro Filho destaca:
Em estradas estreitas, devem-se utilizar técnicas para aumentar a infiltração e controlar o escorrimento,
tais como: proteção dos barrancos e margens com capineiras erva cidreira ou reflorestamento; construção
de barreiras nas valetas; construção de bueiros ou valetas que conduzam a água para o interior do mato ou
capoeiras; revestimento vegetal com gramas ou capins nas partes menos íngremes (CASTRO FILHO et
al., 1999, p. 257).
Bigarella e Mazuchowski (1985) propõem algumas medidas para a diminuição dos processos erosivos em sistemas viários, tais como: a proteção vegetal principalmente nos taludes, nas saídas de empréstimo e na própria plataforma;
canais de dispersão dos fluxos de água (valetas ou canaletas), também revestidas com grama; a construção de bueiros em
áreas que concentram muita água; o desnível transversal da pista de rodagem para dispersar a água; os sulcos de dispersão
das enxurradas devem ser construídos com base nas curvas de nível da área, para conseguir dissipar maior quantidade de
água possível.
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FIGURA 1 – Localização da área de estudo. Org: Autor, 2010.
4
ha= 10.000 m².
5
Classe de relevo conforme a declividade em (%): plano (0 a 3); suave ondulado (3 a 8); ondulado (>8 a 20); forte ondulado ( >20 a 45);
montanhoso de (>45 a 75) e escarpado (>75), (EMBRAPA, 2006).
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na bacia do rio do Atalho destaca-se a localização das diferentes formas de uso e ocupação do solo, que é
dominante no município como um todo. As casas e os abrigos para os animais, produtos e equipamentos agrícolas, são
construídas na baixa vertente e nos fundos de vale. Já as áreas para a agricultura ocupam a média e alta vertente, e nos
interflúvios predomina a mata, que forma a área de reserva legal da vegetação nativa (FIGURA 2).
As propriedades têm em média de 25 hectares, tamanho que se relaciona aos aspectos de ocupação da região.
A estrada principal da bacia está localizada no fundo do vale próximo ao rio, e dos dois lados da estrada foram estabelecidos os lotes6, que vão do fundo do vale até o interflúvio. Esses lotes têm em torno de 1000 metros de comprimento do
fundo do vale até o interflúvio e, em torno de 240 metros de largura, com faixas estreitas, dificultando também a logística
das estradas.
As estradas da bacia são construídas longitudinalmente às vertentes7, sendo que, as mesmas possuem índices
elevados de declividade (>20%), tornando-se vulneráveis a degradação pelos processos erosivos. Isso pode ser verificado
na figura 3 a, onde se vê um trecho de estrada com a presença de pequenos sulcos no leito e blocos de basalto nos taludes
e sobre os barrancos.
Em geral as estradas da bacia têm os escapes de água próximo aos taludes dos barrancos, com pequenos desníveis orientados para fora das linhas de circulação. Com passar do tempo esses meios de dispersão dos fluxos de água são
erodidos e se transformam em sulcos, o que é identificado na figura 3 c, com abertura de uma incisão de aproximadamente
30 cm (MARINHESKI, 2011).
A presença constante dos animais nas áreas de pastagem ajuda a deslocar os sedimentos nos taludes dos barrancos, tipo de influência caracterizado na figura 3 c. Evidencia-se nesse trecho de estrada incisões com sulcos na parte
inferior dos barrancos decorrentes da circulação dos bovinos.
Em alguns pontos das estradas acontecem quedas abruptas dos taludes devido à terraplanagem da base dos barrancos (FIGURA 3 b). Neste caso, a cerca caiu junto com o desabamento do barranco.
FIGURA 2 – Estrada construída junto à vertente na Bacia do Rio do Atalho, PR.
Fonte: O autor, 2010.
Nota: -
- - indicam a localização da estrada
6
Lote= Área de aproximadamente 25 hectares. Foi estabelecido pelo governo brasileiro para dividir as terras na chegada dos imigrantes
(poloneses) em 1910 e 1911 (ROCKEMBACH, 1996).
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FIGURA 3 – Processos erosivos em estradas da bacia do rio do Atalho, PR: a) Estrada junto ao relevo montanhoso e aflorado de rochas; b) Estrada mensurada com a queda do talude e cerca dos animais; c) Estrada em área de pastagem com sulcos de erosão; d) Formação de marmita
na base do talude do barranco.
Fonte: (MARINHESKI, 2011).
7
[...] “forma tridimensional que foi modelada pelos processos de denudação, atuantes no presente ou no passado, e representando a
conexão dinâmica entre o interflúvio e o fundo de vale” (DYLIK apud CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 26).
Esses sulcos têm o recebimento de materiais provenientes tanto da caixa das estradas como das próprias áreas de
cultivo, que podem contribuir para maior remoção de solo em determinados pontos, formando as marmitas ou panelas,
denominação utilizada por Oliveira et al. (1999) para esse tipo de abertura. Na figura 3 d foi apresentada a formação de
uma marmita na estrada da Bacia do Rio do Atalho. Neste caso, a presença de um pequeno fragmento rochoso contribuiu
para o aprofundamento da incisão.
Ainda com relação às estradas, elas funcionam como locais de escoamento das enxurradas e contribuem também com a produção de sedimentos, que são provenientes das pistas de rodagem e dos barrancos.
Segundo mensurações de Marinheski (2011) as estradas da bacia apresentaram perdas de solo de 30,36 kg/m²/
ano. Esses sedimentos chegam rapidamente até o Rio do Atalho, visto que no local de estudo, as vertentes dos dois lados
são curtas, tendo em média menos de mil metros de comprimento, contribuindo para a rápida vazão das águas da chuva e
sedimentos desagregados. A figura 4, retrata essa característica. Após um evento chuvoso, as águas do rio ficaram turvas
devido às partículas oriundas dos locais com os diferentes usos do solo.
a
b
FIGURA 5 – Depósitos de sedimentos: a) Em meio à pastagem, b) Em meio à floresta.
Fonte: O autor, 2010.
Nota: Seta indica cone de deposição.
Evidencia-se que a gestão das estradas na bacia do rio do Atalho tem apresentado problemas ao meio ambiente,
com perdas acentuadas de solo, contaminação dos recursos hídricos e estradas em condições precárias para circulação.
O estudo das consequências que erosão causa em estradas rurais não pavimentadas, é primordial para garantir a
qualidade ambiental e diminuir os impactos ambientais. Desta forma, ressalta-se que mesmo sendo incipientes os estudos
da temática na área, a sua continuidade e a avaliação da magnitude tornam-se substanciais, visto que se trata de uma área
com singularidades ambientais e agropecuárias análogas na região.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
FIGURA 4 – Águas turvas do Rio do Atalho, logo após evento chuvoso.
Fonte: O autor, 2010.
Os sedimentos produzidos nas estradas da bacia vão encontrando vários locais de deposição ao longo do percurso feito pelas enxurradas. Pode ser observado na figura 5 a, a deposição em locais de pastagem e na figura 5 b, o acúmulo
de solo em meio à vegetação.
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Com o desenvolvimento desse trabalho, conclui-se que a erosão acelerada nas estradas da bacia do rio do Atalho,
prejudica o trafego e dificulta o transporte dos cultivares até as propriedades, elevando o custo de transporte e de manutenção desses sistemas viários.
Os sedimentos produzidos na bacia do Rio do Atalho chegam rapidamente até o rio principal, sendo que na referida bacia, as vertentes dos dois lados são curtas (<1000 m). Conter a desagregação do solo e o rápido escoamento das
águas nessas vertentes é de fundamental importância para diminuir a degradação dessas estradas e diminuir os impactos
no meio ambiente.
Desta forma, é necessário que após cada evento chuvoso seja realizada a limpeza das canaletas de dispersão de
água nas estradas, conduzindo-a para locais de maior infiltração no relevo ou para áreas com maior cobertura vegetal.
Assim, esse estudo torna-se um importante indicador de que as elevadas perdas de solo nos trechos de estradas
merecem atenção especial porque todas as propriedades da bacia contam com pelo menos uma estrada, interligando as
áreas de cultivo e locais de pastagens às casas dos produtores.
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ENTRE A PRESENÇA E AUSENCIA: ANALISE DAS PECULIRIDADES DO CONTEXTO SOCIOECONÔMICO DO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR
Natália Carolina de Oliveira Vaz1
RESUMO
O presente artigo relaciona pesquisas feitas na região entre a presença e a ausência da analise do contexto socioeconômico do município de Morretes/PR. O objetivo deste trabalho é demonstrar o contexto socioeconômico de Morretes/PR
com as suas peculiaridades próprias. Além disso, busca demonstrar as preocupações latentes que ainda ocorrem naquela
região. Para tanto foi utilizado método bibliográfico. Por se tratar de uma região sensivelmente peculiar a presente pesquisa possibilita a identificação de alguns aspectos singulares latentes entre pesquisas feitas em diferentes épocas. No
âmbito do contexto socioeconômico, marcante, que ainda persistem ao tempo e dificultam o seu desenvolvimento.
Palavras-chave: Socioeconômico. Desenvolvimento. Morretes/PR.
ABSTRACT
This article relates surveys in the region between the presence and absence of analysis of the socioeconomic context of
the city of Morretes/PR. The objective of this study is to demonstrate the socioeconomic background of Morretes/PR
with its own peculiarities. It also seeks to demonstrate the latent concerns that still occur in the region. For this we used
bibliographic method. Because it is a substantially unique region this research enables the identification of some latent
unique aspects of research done at different times. Under the socioeconomic context , marked that still persist of time
and hinder its development.
INTRODUÇÃO
O município de Morretes2 no Estado do Paraná foi escolhido para essa pesquisa, entre outros motivos que serão
expostos a seguir, principalmente em decorrência de sua história centenária. A fundação3 de Morretes ocorreu na época
do Brasil Colônia - período em que havia grande influencia religiosa, busca pela colonização, exploração territorial e extração de recursos naturais - Morretes passou a ter relevância para a formação histórica do país e região.
Em uma “Sinopse Estatística do Município de Morretes”, feita pelo IBGE-PR no ano de 1950, considera que a
fundação de Morretes/PR teria sido decorrente de um ato praticado no ano de 1721, com a determinação do magistrado
Ouvidor Pardinho para a Câmara de Paranaguá4 fizesse a demarcação e medição da nova sede da povoação que teria seu
território composto por 300 braças, em quadra. Ocorre que o ato de medição foi revogado pelo Ouvidor Peixoto, após a
representação da câmara a “el-rei”, o ato inicial do Ouvidor Pardinho foi confirmado(IBGE-PR,1950). Isso fez com que a
medição atrasasse, apenas em 31 de outubro de 1733 foi feita a medição. Obteve nesta data o nome de “Povoado Menino
de Deus dos Três Morretes”,sendo a data considerada da efetiva fundação de Morretes (IBGE-PR, 1950, p.9; INCRA,
1970, p.12; VIEIRA DOS SANTOS, 1950, p. 30).
Atualmente o município encontra-se na mesorregião do litoral do Paraná posição geográfica na latitude 25 º 28 ‘
37 ‘’ S e na longitude 48 º 50 ‘ 04 ‘’ W (IBGE), há 70 km (SETR) de distância de Curitiba, capital do estado do Paraná.O
município de Morretes/PR faz ao todo com 7(sete) municípios, que são Antonina, Campina Grande do Sul, Guaratuba,
Paranaguá, Piraquera, Quatro Barras e São José dos Pinhais. A área do município em 1950 era de 719,9 Km² (IBGE-PR,
p. 13), posteriormente teria passado para 722 km² (INCRA, 1970, p. 4). A sua extensão territorial, atualmente sua área da
unidade territorial é de 684,580 Km²5 segundo o IBGE.
MAPA 1 – Território do Município de Morretes/PR
Keywords: Socioeconomic . Development . Morretes/PR .
FONTE: SUBPLAN 6
1
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Regioanal, Fundação Universidade Regional de Blumenau – FURB.
[email protected]
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2
A origem do nome do município na “Etimologia. Morretes Palavra formada pelo termo “morro” e pelo sufixo diminutivo plural “etes”.
“Morro” é substantivo masculino de origem incerta, no castelhano aparece como “morrión” designando monte pouco elevado. O sufixo “etes”
vem do latim “ittum” e forma substantivos com valor diminutivo. (AGC, ABHF).”(FERREIRA, 2006, p. 198).
3
Existem hipóteses diferentes para se considerar a data de fundação de Morretes/PR. No ano de 2015, se for considerada que a fundação
data de 1721 completará 294 anos, se levar em consideração a afetiva medição completará 282 anos e se considerar a sua transformação em município completará 174 anos. As datas de “aniversário” neste caso mudariam para cada hipótese, levando em consideração a teoria do ato praticado.
4
De acordo com Ferreira “Paranaguá tem a prerrogativa de ser o primeiro município fundado no Paraná, fato que se deu através de Carta
Régia, de 29 de julho de 1648.” (FERREIRA, 2006, p. 222).
5
Disponível
em:
<http://www.cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?lang=&codmun=411620&search=||infogr%E1ficos:-informa%E7%F5es-completas>. Acesso em: 25 jun. 2014.
6
Disponível em: <http://www.planejamento.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2317>. Acesso em: 25 jun. 2014.
No mapa acima podemos observar o formato politico-administrativo de Morretes o que será importante para compreender e localizar o município nos mapas seguintes. O referido município que possui algumas singularidades latentes
que dificultam o desenvolvimento, estas singularidades permanecem há anos e ainda estão de certa forma prejudicando
o seu desenvolvimento regional. Não se pretende nesta dissertação, abordar todo o processo de colonização do Brasil,
mas sim efetuar um recorte sintético da história e geografia para o LÓCUS de interesse da pesquisa, isto é, a região onde
atualmente se encontra o município de Morretes.Sabe-se que a geografia de um território influencia diretamente no desenvolvimento de uma região, assim como, as dificuldades de acesso e condições climáticas.
relevância da presente pesquisa que tem o intuito de colaborar com a localidade. Alias conforme o IPARDES Morretes
é um município com baixo grau de urbanização “< 50”, conforme pode-se verificar no mapa abaixo:
MAPA 2 - Grau de Urbanização do Estado do Paraná (2010)
O desenvolvimento e o povoamento do planalto paranaense foram lentos, em virtude da dificuldade de acesso
para travessia de diversas Serras situadas no Estado do Paraná (MARTINS, 1939). No século XVI iniciaram as primeiras
intenções e circulações colonialistas nesse estado. Já no século XVII quando foi descoberto ouro no território paranaense
começou intensa ocupação da região, mormente por paulistas e portugueses que buscavam indígenas para utilizá-la como
mão-de-obra escrava. No território paranaense, até o século XVIII, havia apenas a vila de Curitiba, que era a maior; e
a vila de Paranaguá; que era menor, ambas até meados de XIX eram pertencentes província de São Paulo (PAICENTI,
2012).
Naquela época havia disputa de três cidades para ser capital da primeira província. A disputa era entre as cidades
de Paranaguá, Guarapuava e Curitiba. Esta última mantinha uma posição política diferenciada, acompanhando mais o
partido liberal. No dia 19/12/1853 Curitiba se tornou a província do Paraná, após a aprovação do projeto para a criação da
respectiva província em 20/08/1853, tornando-se a Lei nº 704, após a sanção do Imperador Dom Pedro II em 29/08/1853
(LAZIER, 2005). Após o estado do Paraná obter autonomia, iniciou uma época de grande imigração de italianos, poloneses e alemães, por meio de programa oficial de imigração européia (PAICENTI, 2012).
As disputas da época não se limitavam ao poder, mas também por conquistas e manutenção de território no estado
do Paraná. A disputa não se deu apenas entre colonos e imigrantes, que buscavam as melhores terras, mas houve também
a resistência indígena, principalmente dos índios que já ocupavam a região. Além disso, houve disputas internacionais
pelas terras do Paraná entre os países europeus – principalmente Portugal e Espanha(LAZIER, 2005).
Segundo afirmações feitas 1970, pelos pesquisadores do INCRA, “Toda a Região Litorânea do Paraná é um desafio. Desafio ao homem, aos governos e ao desenvolvimento” (INCRA, p. XI, 1970). Este desafio entre outros fatores se
deu em decorrência geografia da região do litoral paranaense (MARTINS, 1939). O estudo do INCRA realizado no ano
de 1970 afirmava que “Se continuar a tendência atual da estagnação econômica, o Município corre o perigo de se transformar em museu da história paranaense, sem vida econômica independente” (INCRA, 1970, p. 35). Essa preocupação
permanece desde os dias atuais.
FONTE: IPARDES7
Acima é possível notar que o município de Morretes faz divisa com outros municípios que possuem grau de urbanização mais elevado. Como vimos fundação do município de Morretes/PR ocorreu no século XVIII, antes do “século
da urbanização” (BARROS, 2007, p. 7), na época que a economia da região se tornou predominantemente agrícola, pois
em 1732 tornou-se proibida a extração do ouro (VIEIRA SANTOS, 1950), um ano antes da efetiva demarcação de terra.
O trafego negreiro se intensificando no século XVIII em decorrência da produção de açúcar e da extração de ouro, não
só as cidades foram crescendo, mas também a preocupação das autoridades (DEL PRIORI; VENANCIO, 2010).
A urbanização do município aumentou gradualmente no decorrer do tempo, mas foi no século XIX que predominou o início da maior concentração urbana, porém o município não é predominantemente urbano. Além disso, uma
considerável extensão de fronteira é com municípios tem maior hierarquia em relação a ser considerado centros urbanos,
predominantemente no lado leste quanto no lado oeste:
1. SINGULARIDADE DO CONTEXTO SOCIO-ECONÔMICO DO MUNICÍPIO DE MORRETES/PR: ENTRE PRESENÇA E AUSÊNCIA
A seguir serão demonstradas as singularidades apontadas pela presente pesquisa que ainda permanecem na atualidade. Tais singularidades latentes que serão trazidas para facilitar a compreensão da sensibilidade peculiar da região e a
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7
2014.
Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/grau_de_urbanizacao_2010.jpg>. Acesso em: 25 jun.
MAPA 3 – Hierarquia dos Centros Urbanos no Estado do Paraná (2007)
1950, p. 19).
Segundo o referido estudo o crescimento do município estava abaixo da média evolucional do País, considerando
o fator de crescimento por década, conforme pode-se observar, a progressão populacional teve um lento crescimento,
pois de 1950 à 1970 a quantidade de habitantes aumentou apenas 3.434 habitantes. A quantidade de habitantes é maior do
que existia no ano de 1950, como se verá a seguir, conforme relatado no estudo realizado no ano de 1970. Em 1970 foi
realizado um estudo no município de Morretes/PR pelo Instituto Nacional de Cidadania e Reforma Agrária no município,
por pesquisadores do INDA atual INCRA, que buscavam solucionar problemas desenvolvimento sociais e econômicos.
Para demonstrar de maneira clara foi elaborada uma tabela com os dados relatados no referido estudo do INCRA, que
podemos verificar abaixo:
TABELA 1 – Evolução Populacional (1950 – 1970)
ANO
1950
1960
1970
HABITANTES
10.566
11.654
14.000
(Elaborado pela autora,p.16 do INCRA)
FONTE: IPARDES8
Os fatores territoriais de serras e acidentes geográficos que circundam influenciam diretamente no desenvolvimento regional. Não apenas tais fatores contribuíam com a lentidão desenvolvimentista, mas também defasagem tecnológica, endemias, a economia regional, a ausência de aperfeiçoamento profissional e a busca os jovens pro melhor
qualidade de vida não favorecia a permanência no município (INCRA, 1970).
a. A situação geográfica especial de Morretes impediu, na história, o desenvolvimento de uma “Hinterlândia” agrícola, mas atraiu homens de pioneirismo comercial e industrial. Desde então predomina,
nas camadas sociais mais importantes, uma mentalidade comercialista e empresarial que procura, depois da decaída econômica, suas realizações fora do Município. – Apesar dos obstáculosa uma evolução
agrária, atualmente, serem superáveis, ainda não se desenvolveu um espírito de pioneirismo agrário.(INCRA,1970, p. 35)
Para falar de um município, muito além da economia é preciso falar das pessoas que ali habitam e que fazem que
existam dados econômicos. Igualmente ao tópico anterior não se pretende aqui comparar valoração de índices e sim proporcionalidades, levando se em consideração as peculiaridades existentes. Nos anos de 1950 foi publicado uma “Sinópse
Estatística do Município de Morretes”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística do Departamento
Estadual de Estatística do Estado do Paraná. Para o referido estudo foram utilizados os dados do ano de 1948 e 1949, os
quais aduzem que no município haviam cerca de uma população total de 13.550 habitantes em “31/XII/1949” (IBGE,
8
Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/hierarquia_de_centros_urbanos_2007.jpg>. Acesso
em: 25 jun. 2014.
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Diferente do que aduz o referido estudo não significa que perdeuhabitantes e sim que o município não obteve tal
população porque não acompanhou a progressão populacional que ocorria no País. Porém certamente a expectativa população potencial em menos de vinte anos teria sofrido uma defasagem de 4.422 habitantes, cerca de 30% da população
do município no ano de 1970, pois não acompanhou os índices de crescimento, isso se deve justamente a percepções
regionais que influenciam a permanência e a imigração de habitantes. No século XXI a situação não aparenta ser muito
diferente, pois conforme os dados do IBGE, o ultimo SENSO do ano de 2010 revelou que a diminuição populacional
continua ocorrendo. No ultimo senso realizado em 2010 (IBGE), o número de habitantes era de 15.718 habitantes9, logo
a sua densidade demográfica é de 22,9610. Atualmente os dados oficiais do IBGE informam que o município estimadamente teve um relativo aumento de 633 habitantes na população do ano de 2014, em quatro anos, em relação ao ano de
2010. Se levar em conta a população potencial que Morretes/PR deveria ter em 2010 em relação ao crescimento do País.
É possível notar igualmente defasagem nos gráficos e a tabela a seguir, na seqüência, demonstraram a evolução populacional do município de Morretes, do estado do Paraná e do Brasil do ano de 1991 à 2010:
9
Estima-se que a população do município de Morretes/PR em 2014 era de 16.381(IBGE).
10
Segundo o IBGE a Densidade demográfica é calculada(hab/km²), a metodologia sobre o cálculo. Disponível em
<ftp://ftp.ibge.gov.br/Estimativas_de_Populacao/Estimativas_2014/nota_metodologica_2014.pdf>. Acesso em: 25 jun.
2014.
GRAFICO 1 – Evolução Populacional (1991 – 2010)
b. O êxodo permanente que vigora há 85 anos, pois este não data apenas dos últimos decênios.
No ano de 1853 o Município contava com 3709 habitantes (6)11. Acompanhando o crescimento médio do
Brasil, Morretes devia ter, hoje, uma população de 46.000 pessoas.
Este êxodo, que atualmente continua, privou a região permanentemente, não só de mão de obra de qualidade, mas também de espírito de iniciativa particular e empresarial. – É comum, como se observa, que nos
sítios continuam vivendo e trabalhando pessoas mais idosas de 50 anos e jovens abaixo dos 18 anos, mas
quase toda uma geração de 18 a 40 ou 45 anos ausentou-se à procura de melhores condições de vida fora
do Município.(p. 35)
Analisando o gráfico(1) e a tabela(2) que contém os dados de evolução populacional, nota-se uma queda na população do município, oposta ao aumento da população que ocorreu no estado e no País em que está localizado. O IPARDES
elaborou um mapa para demonstrar a densidade demográfica, onde o município de Morretes aparece com “< 25” a menor
densidade demográfica (hab/km²):
Fonte: IBGE: Censo Demográfico 1991, Contagem Populacional 1996, Censo Demográfico 2000, Contagem Populacional 2007 e
Censo Demográfico 2010;
MAPA 4 - Densidade demográfica – Paraná (2010)
Tabela 2 - Censo Demográfico 1991, Contagem Populacional 1996, Censo Demográfico 2000, Contagem Populacional 2007 e Censo Demográfico 2010
Ano
1991
1996
2000
2007
2010
Morretes
13.135
15.017
15.275
16.198
15.718
Paraná
8.448.713
8.942.244
9.563.458
10.284.503
10.444.526
Brasil
146.825.475
156.032.944
169.799.170
183.987.291
190.755.799
Fonte: IBGE: Censo Demográfico 1991, Contagem Populacional 1996, Censo Demográfico 2000, Contagem Populacional 2007 e
Censo Demográfico 2010;
A situação atual não é algo novo, nem em relação a densidade demográfica ou a situação de esvaziamento ou
êxodo. O estudo realizado pelo INCRA demonstra que essa situação não vigora apenas nas ultimas décadas. Em 1970 o
estudo afirmou que vigorava há 85 anos o êxodo permanente. Diversos seriam os fatores que contribuíam com a estagnação e como êxodo (INCRA, 1970):
FONTE: IPARDES12
Ao contrário do estado do Paraná, que teve um aumento populacional de mais de 100% (cem por cento) entre os
11
“Informações da Prefeitura Municipal.”(p. 133).
12
Disponível em: <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/densidade_demografica_2010.jpg>. Acesso em: 25
jun. 2014.
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anos de 1950 e 1960 (LAZIER, 2005). O IPARDES elaborou um estudo que demonstra as áreas de esvaziamento e de
crescimento no estado do Paraná, com enfoque nos anos de 1991/2000 e 2000/2010:
são de atividades complementares (habitação, serviços públicos e privados, comércio para o consumo das
famílias, saúde etc.). Cabe à política urbana revelar estas cidades para a ação governamental, articulando
os diversos setores desta ação, destacando sua importância para o desenvolvimento de toda uma região e
do país como um todo(BITOUN; MIRANDA, 2009, p.5).
MAPA 5 - Área de Esvaziamento e de Crescimento (1991/2000-2000/2010)
A economia é um dos fatores que influenciam a permanência de pessoas. Uma das maiores fontes de geração de
renda no município é o turismo. O entendimento atual é que o “Turismo é definido como o sistema inter-relacionado que
inclui os turistas e os serviços associados (facilidade, atrações, transporte e hospedagem) fornecidos e utilizados para
auxiliar a movimentação do turista” (FENNELL, 2002, p.17).
O turismo entra na composição do cálculo do PIB – Produto Interno Bruto de um município como serviço. Cabe
mencionar que “A análise econômica entende por oferta a quantidade de mercadoria ou serviço que entra no mercado consumidor a um preço dado e por um período determinado” (BOULLÓN, 2002, p.42). Desde o início da coleta e apuração
de dados do PIB do município de Morretes/PR, em 1999 até o ano de 2011, demonstram que a grande predominância é
do “valor adicionado bruto dos serviços”14. Conforme gráfico 2 e tabela 3 a seguir:
GRAFICO 2 –Produto Interno Bruto –Morretes/Paraná/Brasil
FONTE: IPARDES13
Nota-se que o município de Morretes tem a taxa de crescimento populacional de “<PR,em 2000/2010” e faz divisa em grande parte com municípios “> PR, em 1991/2000 e 2000/2010” e a menor parte com “<0, em 2000/2010”. Isso
significa que a de Morretes vem diminuindo, diferente do que ocorre nos municípios vizinhos que aumentam a sua taxa
de crescimento populacional ou no mínimo a mantém.
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona
Franca de Manaus - SUFRAMA.15
Nas cidades das periferias mais atrasadas, estagnadas ou remotas, o problema consiste de relações sociais,
estrutura fundiária e padrões técnicos atrasados, relações rural-urbano pobres, carência por infra-estrutura
econômica e social, que no conjunto produzem emigração, baixa renda, dependência por transferências
governamentais, o que se traduz em baixa capacidade de produção de riqueza e, portanto, baixa capacidade
de alteração espontânea do quadro de estagnação e pobreza. Nestas cidades, a política urbana deve envolver esforços de articulação com outros setores governamentais de modo a fomentar relações rural-urbano,
isto é, procurar influir sobre a ação destes setores no sentido de mudar a infra-estrutura social e econômica para dinamizar o processo de urbanização necessário à dinamização da agricultura (modernização
da agricultura familiar, transformação de produtos primários, produção de insumos, atividades terciárias
interdependentes como comércio, transportes, armazenagem, reparações mecânicas, finanças, educação
profissional), de modo a propiciar mecanismos de incorporação produtiva de pessoas e, portanto, a expan13
Disponível
em:
<http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_demografica_social/areas_crescimento_e_de_esvaziamento_1991_2000_2010.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2014.
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14
No entendimento de De Luca (1998) existe uma discussão no campo econômico em relação ao melhor emprego do conceito de valor
adiciona no presente caso é a relação entre a contabilidade nacional (macroeconomia) e a contabilidade financeira (microeconomia) , analise que
considera a soma do valor adicionado das empresas para quantificar a riqueza econômica de uma nação.
15
Disponível em: <http://cod.ibge.gov.br/26DGC >. Acesso em: 05 jun. 2014.
TABELA 3- Valoração das Receitas Variáveis RegionaisProduto Interno Burto –Morretes/Paraná/Brasil
Variável
Agropecuária
Indústria
Serviços
Morretes
17.561
14.970
95.525
Paraná
9.371.924
33.429.611
68.022.406
Brasil
105.163.000
539.315.998
1.197.774.001
Fonte: IBGE, em parceria com os Órgãos Estaduais de Estatística, Secretarias Estaduais de Governo e Superintendência da Zona
Franca de Manaus - SUFRAMA.16
O maior contraste na comparação dos PIB’s é no valor adicionado da indústria, que sofre uma inversão de proporcionalidades em relação ao valor adicionado da agropecuária. Em relação ao valor adicionado de serviços nota-se que
é proporcionalmente maior, assim como os demais, dentro da sua proporção. Não se pretende aqui fazer nenhum tipo de
equivalência de receitas ente um Município, um Estado e um País no que se refere a quantidade, mas sim em relação à
predominância da maioria dos municípios analisados para que chegassem a tais índices. Analisando o município de Morretes/PR em comparação com o estado do Paraná e o Brasil, nota-se que economicamente este destoa da média encontrada
na econômia. A estagnação econômica do município preocupa pesquisadores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O município de Morretes/PR é detentor de grande riqueza, dentre tantas existentes destaco; a natural, cultural
e histórica. É uma região com grande potencial, mas marcada por peculiaridades socioeconômicas que não colaboram
com o seu desenvolvimento. As pesquisas expostas neste artigo, a respeito do contexto socioeconômico de Morretes demonstram as emergências da região por meio de suas peculiaridades latentes. É interessante que se desperte o interesse de
outros pesquisadores com a finalidade de realização de outras pesquisas que contribuam para o desenvolvimento daquela
região.
Restaram amplamente demonstradas as emergências e fragilidades da região por meio da exposição do contexto
socioeconômico. Entre a presença e ausência de pesquisas na região são notadas peculiaridades no contexto socioeconômico que permanecem sensivelmente semelhantes com o passar dos anos. Uma das influencias que contribuem para a resistência e permanência destas peculiaridades pode ser o não reconhecimento das mesmas. É pacifico que fatores ligados
a origem da história e a geografia de uma região têm ligação com a sua forma de desenvolvimento.
REFERÊNCIAS
BARROS, José D’Assunção. Cidade e história. Petrópolis: Vozes, 2007.BITOUN, Jan; MIRANDA, Lívia. Tipologia
das cidades brasileiras.2. ed. Rio de Janeiro : Letra Capital : Observatório das Metrópoles, 2009.
16
Disponível em: <http://cod.ibge.gov.br/26DGC >. Acesso em: 05 jun. 2014.
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BOULLÓN, R.C..Planejamento do espaço turístico. Trad. Josely Vianna Baptista. Bauru: EDUSC, 2002.
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ao valor do PIB. São Paulo: Atlas, 1998.
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- PARANÁ – 2012 <http://www.ipardes.gov.br/pdf/mapas/base_fisica/relacao_mun_micros_mesos_parana.pdf>
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LAZIER, Hermógenes. Paraná: terra de todas as gentes e de muita história.3. ed. Francisco Beltrão : Ed. do Autor,
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MERCADO INSTITUCIONAL NO TERRITÓRIO DO MARAJÓ: O CASO DO PROGRAMA DE
AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS
João Paulo Leão de Carvalho1; Miquéias Freitas Calvi2; Benedito Ely Valente Cruz3
RESUMO
A política de desenvolvimento territorial assumida nos últimos anos pelo governo brasileiro almejou praticar fomento às
políticas públicas de desenvolvimento rural, em particular à heterogênea agricultura familiar. Os Mercados Institucionais
são uma das ações que tem como objetivos possibilitar o acesso à alimentação e apoiar a agricultura familiar, a exemplo
do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Neste trabalho objetivamos analisar a efetivação do PAA no Território
do Marajó, Pará. Embora tenha finalidade fortalecer a agricultura familiar e garantir a segurança alimentar, considera-se
tímida a efetivação deste programa, fruto de frágeis iniciativas do arranjo institucional, principalmente por não considerar
a sociobiodiversidade desse território amazônico.
Palavras-chave: Política pública; Compras governamentais; Agricultura familiar; Desenvolvimento territorial.
ABSTRACT
The territorial development policy assumed, in the last years, by the brazilian government aimed to stimulate rural
development public policies, in particularly, the heterogeneous of the family farming. The institutional markets are
one of the actions that aim to enable the access to food and support family farming, for example the Food Purchase
Program (PAA). This paper aims to analyse the effectiveness of PAA in the Marajó Territory, Pará. Although its goal is
to strengthen the family farming and ensure the food security, it is considered its effectiveness timid, results of fragile
initiatives of the institutional arrangements, mainly by not consider the socio biodiversity of the territory Amazon.
Keywords: Public policy; Governmental purchases; Family farming; Territorial development.
1
2
3
Mestre em Agriculturas Amazônicas, Assessor Territorial de Inclusão Produtiva do Marajó, NEDET/UFPA, [email protected]
Doutorando em Ambiente e Sociedade – NEPAM/UNICAMP, Docente-Pesquisador UFPA/Campus Altamira, [email protected]
Doutorando em Geografia-UNESP, Docente-Pesquisador UEPA, [email protected]
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INTRODUÇÃO
A Amazônia tem sido analisada ao longo de sua história sob diferentes pontos de vistas: vazio demográfico,
pulmão do mundo, celeiro agrícola, etc. Constantemente essa região tem sido central no debate acadêmico, político e
econômico. Talvez o período mais emblemático que proporcionou significativas transformações na Amazônia foi durante
a década de 1970, quando o Estado intentou acelerar o processo de integração nacional e ocupação da região. Porém, as
abordagens e planejamentos estratégicos na época foram desconexos com a realidade amazônica, tornando-a palco dos
grandes projetos e empreendimentos que marcam um contexto de migrações, desflorestamentos e conflitos agrários.
A abertura democrática brasileira a partir da década de 1980, acompanhada da constituição de 1988 que introduziu
novos dispositivos jurídicos, trouxe novos ares ao modelo de planejamento político nacional. O reconhecimento dos
direitos indígenas, demarcação de terras ocupadas por populações tradicionais, por exemplo, trazem como proposta a
reformulação da noção do macroplanejamento, incentivado na década anterior. Os debates da sociedade mundial em torno
das preocupações ambientais e da defesa de populações tradicionais amazônicas promoveram no âmbito institucional a
busca pelo realce das singularidades regionais, que, juntamente com movimentos acadêmicos e sociais, reivindicaram a
criação de políticas específicas para esse público. Com isso, a política de desenvolvimento territorial assumida nos últimos
anos pelo governo brasileiro tem almejado praticar fomento às políticas públicas de desenvolvimento rural, em particular
à heterogênea agricultura familiar. Todavia, as políticas voltadas ao desenvolvimento rural têm apresentado limitações em
sua efetivação (SIMÕES; CASTRO; SANTOS, 2013), devido fragilidade nas iniciativas institucionais.
Na perspectiva de melhorar o desempenho das ações do Governo Federal nos Territórios Rurais, a Estratégia de
Gestão Territorial do Plano Safra (ETGPS) da Agricultura Familiar é uma interessante iniciativa de acompanhamento e
gestão social das políticas públicas de desenvolvimento rural executadas no âmbito do Ministério do Desenvolvimento
Agrário - MDA (BRASIL, 2014a). Esta estratégia tem a finalidade de apoiar os Colegiados de Desenvolvimento Territorial
(CODETER) através do assessoramento técnico qualificado por meio de Núcleos em Extensão e Desenvolvimento
Territorial (NEDET). Dentre as políticas públicas acompanhadas nos territórios encontram-se a assistência técnica
(PNATER), crédito (PRONAF), projetos de infraestrutura (PROINF), assim como os mercados institucionais, a exemplo
do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Através da compra governamental, este programa visa apoiar a agricultura
familiar por meio da inclusão socioeconômica e fomento à agroindustrialização (BRASIL, 2003).
Os mercados institucionais são ações governamentais que buscam promover a compra de alimentos originários
na agricultura familiar, dispensando licitação. Além da geração de renda, entende-se por estratégico a formação de estoque
e distribuição de alimentos para garantir a segurança alimentar. Esta ação visa ainda reforçar os circuitos locais e regionais
de comercialização, valorizar a biodiversidade e hábitos alimentares saudáveis, estimulando também o associativismo.
Proporcionar a comercialização de produtos das famílias que se encontram em situação de vulnerabilidade é, sem
dúvida, um caminho interessante para a superação da pobreza econômica de diversas famílias, como preconiza as ações
do PAA. Contudo, segundo Hespanhol (2013), embora as estatísticas oficiais apontem para aumento no número de acessos
e recursos disponibilizados em nível nacional, o PAA tem apresentado limitações em sua abrangência e concentração
espacial, além da falta de articulação com outras políticas estratégicas, a exemplo do PRONAF e da PNATER. Além do
mais, sua abordagem burocrática não condiz com a lógica familiar de produção, limitando o acesso de famílias que se
encontram aquém de um assessoramento.
Diante da fragilidade do arranjo institucional, as políticas voltadas à agricultura familiar não têm conseguido
incorporar as particularidades da sociobiodiversidade das famílias extrativistas amazônicas. Neste contexto, o objetivo
do estudo foi analisar o processo de efetivação do PAA no Território do Marajó, no qual a sociobiodiversidade das
famílias está baseada no extrativismo local.
METODOLOGIA
Este estudo foi embasado em pesquisa bibliográfica, coleta de dados secundários junto a Companhia Nacional
de Abastecimento (CONAB) e ao Sistema de Gestão Estratégica (SGE) do MDA, e pesquisa de campo no Município de
São Sebastião da Boa Vista, microrregião geográfica dos Furos de Breves, na porção centro-sul da Ilha do Marajó, Pará,
constando de entrevistas realizadas em outubro de 2014 utilizando questionários semiestruturados. Entrevistou-se um
profissional da Secretaria Municipal de Agricultura responsável pela execução local, o gestor municipal e representante
de organização familiar com acesso ao Programa.
Analisamos a efetivação do PAA no referido Município na modalidade “compra com doação simultânea”, que
busca atender demandas locais de alimentação. Identificamos aspectos da organização das famílias, preço e forma de
pagamento, produtos adquiridos, estrutura de transporte e agroindustrialização.
RESULTADOS
O território do Marajó, de maneira geral, apresenta ambiente pouco impactado pela ação da agricultura intensiva
em insumos agrícolas, sendo essencialmente um território formado por famílias que desenvolvem sua sociobiodiversidade
forjadas no extrativismo local. Porém, o Marajó é sempre lembrado pelos baixos índices de desenvolvimento social e
econômico. Assim, é imprescindível a ação de políticas que promovam a superação deste quadro instável, transferindo
renda e apoiando as atividades locais.
Neste sentido, enquanto política de inclusão econômica, o PAA é tido como estratégico para o Território, muito
embora tenha demonstrado limitações quanto sua efetivação. Apenas sete dos dezesseis municípios do Marajó acessaram
o Programa. São eles: Soure, Santa Cruz do Ararí, São Sebastião da Boa Vista, Breves, Portel, Gurupá e Afuá (TABELA
01).
TABELA 01 – Caracterização do acesso ao PAA no Marajó (2008-2012)
MUNICÍPIO
Afuá
São Sebastião
da Boa Vista
Afuá
Soure
Santa Cruz do
Ararí
172
PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS NO MARAJÓ
ORGANIZAÇÃO
PRODUTO
Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras agroextrativistas do
Açaí
Assentamento da Ilha do Meio.
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Açaí e Camarão
Assentamento Agroextrativista da Ilha Raquel
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Açaí, Camarão,
Assentamento Agroextrativista Ilha do Paulo
Pescado e Mel
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Açaí
Assentamento Agroextrativista da Ilha Coroca
Associação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Agroextrativistas da
Açaí e Camarão
Margem Esquerda do Canal da Conceição e Furo do Moura.
Associação Comunitária dos Camaroeiros do Município de Soure
Camarão
Associação dos Pescadores da Comunidade de Jenipapo e Santa Cruz
Pescado
do Ararí
ANO
2008
2010
2011
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Breves
Associação dos Moradores da Reserva Extrativista Mapuá
Portel
Gurupá
Associação Pró-Ribeirinho
Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas do Paranã e Cacal.
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Assentamento Agroextrativista Ilha Caeté
Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas Ilha Bala Vento Bom
Samaritano
Associação dos Trabalhadores Agroextrativistas da Ilha São
Raimundo
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Assentamento Agroextrativista da Ilha Raquel
Associação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do
Assentamento Agroextrativista da Ilha Coroca
FONTE: Pesquisa junto a CONAB (2014).
São Sebastião
da Boa Vista
Pescado, Frutas
e Farinha de
Mandioca
Farinha de
Mandioca
Açaí e Camarão
Açaí e Camarão
Açaí e Camarão
2012
Açaí e Camarão
Açaí e Camarão
Açaí e Camarão
Observando outras fontes oficiais (BRASIL, 2014b), identifica-se ainda uma redução nos resultados do Programa,
pois no ano de 2011, 171 famílias do Marajó forneceram produtos ao PAA, gerando cifra de R$704.203,76 em contratos.
Já em 2013, houve somente 36 famílias, somando apenas R$31.997,49. Não houve acessos ao Programa ao longo do ano
de 2014, pois não foram realizadas novas submissões de projetos perante a CONAB, segundo as informações coletadas
junto a esse órgão.
Para ter acesso ao Programa, as famílias precisam estar com a Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP) ativa,
porém não é fácil a obtenção de tal certidão, visto que a instituição estadual oficial de assistência técnica e extensão rural
apresenta carência em seu quadro profissional e em infraestrutura, o que resulta em baixo atendimento da demanda. Já no
caso das prestadoras desse serviço que atuam na região, as ações avançam lentamente por conta dos tramites burocráticos
existentes no governo federal para o financiamento das atividades. Ademais, o desinteresse e desconhecimento dos
gestores municipais também reforçam as causas da redução ao acesso. Esta falta de articulação, para Hespanhol (2013),
tem sido fundamental para a descontinuidade do acesso ao PAA em nível nacional.
A dinâmica do PAA em São Sebastião da Boa Vista recebeu destaque, pois dos quinze acessos ao Programa no
Marajó entre os anos 2008 a 2012, oito pertenciam ao referido Município. Foi fator favorável ao desempenho dessas
organizações de agricultores familiares o envolvimento entre as famílias, gestores e técnicos, em especial para superação
de dificuldades que as famílias enfrentaram para se enquadrarem aos critérios do Programa, bem como em relação a
grupos formalmente organizados, que dependem de assessoria para se manterem regulares junto à Receita Federal. A
principal dificuldade está em manter atualizado o Cadastro Nacional de Pessoas Jurídica (CNPJ) e, assim, estarem aptas
a firmar contrato com a CONAB. Mesmo assim, a organização formal tem avançado diante da proposta do Programa.
Porém, estão dependentes de assessoria técnica para elaboração dos projetos padronizados pela CONAB. Na realidade,
isto é fruto das frágeis iniciativas institucionais, as quais desconsideram a realidade local dessas famílias amazônicas.
Diante da generalização das políticas públicas de apoio à agricultura familiar, notam-se sérias limitações para efetivação
de um desenvolvimento endógeno. Becker (2010) também destaca que, para serem exitosas, as políticas públicas devem
ser adaptadas aos processos sociais na Amazônia.
De forma geral, a comercialização acontece na própria localidade das famílias em função do alto custo do
transporte, e principalmente pela imprecisão nos preços ofertados no mercado regional, que, em algumas vezes, não
cobre os custos da atividade. Geralmente, estes são superados quando se trata do mercado institucional. Mas quando os
preços locais são melhores, cria-se um conflito para as famílias participantes que não podem aproveitá-los, já que mantém
compromisso em contrato junto ao Programa.
Segundo os atores locais, a maior contribuição do PAA é a geração de renda. De acordo com Hespanhol (2013),
isto é o principal fator para que as famílias tenham interesse pelo Programa. Entretanto, os preços ofertados são tabelados
de forma comum para todas as regiões, aspecto que desconsidera as peculiaridades locais, a exemplo das dificuldades em
transportes que o território do Marajó impõe, principalmente às famílias que vivem mais distantes dos centros urbanos.
Além do mais, as famílias questionam sobre procedimentos adotados pelo PAA na forma de pagamento, porque após
a entrega dos produtos, aguardam mais de um (01) mês para receber os recursos da venda realizada. Após análise da
CONAB, o valor é depositado em conta bancária, que se encontra sob responsabilidade dos presidentes das organizações.
Isto também tem provocado à desconfiança dos demais associados, pois acreditam acontecer apropriação indevida dos
valores repassados.
Os produtos da sociobiodiversidade local adquiridos pelo PAA em São Sebastião da Boa Vista foram
predominantemente camarão (Macrobrachium amazonicum Heller, 1962) e, principalmente, o açaí (Euterpe oleracea
Mart.), entregues para a Pastoral da Criança - organização da rede socioassistencial no Município - na forma in natura,
pois as famílias não agroindustrializam os produtos conforme normas sanitárias. Todavia, como o açaí é bastante perecível,
nem sempre o produto entregue encontra-se em boa qualidade. Quando há agroindustrialização, não é desenvolvida em
acordo com as normas sanitárias vigentes em razão dos investimentos necessários às instalações e equipamentos, visto
que são elementos além da capacidade financeira das famílias. Sobre esse cenário, o melhor acesso a linhas de créditos
(PRONAF) e de projetos em infraestruturas (PROINF) poderiam apontar soluções para superação destas limitações.
Mesmo que o PAA ressalte a diversidade agrícola, nesse município é dada prioridade para aquisição de apenas um
produto, o açaí. Esse fato tem gerado insegurança aos participantes, visto que a safra se concentra entre julho a dezembro,
ocasionando descontinuidade no fornecimento do principal produto local a esse mercado institucional.
DISCUSSÕES
Reflexões sobre desenvolvimento territorial
Durante o período de 1930 – 1975, o Estado tomou o planejamento centralizado na noção de macrorregião.
A unificação do mercado doméstico e a negociação com as elites regionais são marcantes neste período, em particular
na Amazônia, tida como prioritária na integração nacional, em especial no período pós-1970, quando os Grandes
Projetos na região Norte intentavam transformá-la em fornecedora de matéria-prima para abastecer o mercado nacional
e internacional. Também, neste contexto, assistiu-se um dos maiores episódios de migração para a Amazônia, decorrente
das políticas de colonização regional incentivada pelo governo militar.
De fato, novas territorialidades emergem, colocando em questão o poder do Estado e a macrorregião como
noção de planejamento. Neste outro contexto, as populações tradicionais deveriam assumir o controle de seus territórios,
entretanto, o atual formato que o Estado assume tem fortalecido as grandes corporações, representando seu próprio
enfraquecimento e perda de controle do processo produtivo. Além disso, há um enfraquecimento da capacidade de
regulação local diante da exigência de nova escala e ritmo de instrumentalização do espaço e do tempo (BECKER, 2010).
Segundo a autora acima, nesta conjuntura existem dois princípios teóricos que são bem significativos na
temática sobre desenvolvimento territorial: i) a territorialidade é uma relação com o espaço, que influencia ou controla
ações manifestas em relações pessoais cotidianas e as mais complexas sobre uma área geográfica específica, o território;
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I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
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ii) a gestão do território é uma concepção moderna, uma prática científico-tecnológica com finalidade econômica. A
quebra da escala macrogeográfica de planejamento estatal deve ser definida pelos níveis de territorialidades e gestão dos
territórios. Isto deveria fortalecer o desenvolvimento territorial sustentável. Mesmo que estas sejam propostas adversas,
diz a autora. Estes princípios deveriam estar efetivamente inseridos na política pública, pois, dessa maneira seria possível
que as experiências locais de desenvolvimento pudessem ser contempladas. Porém, na maioria dos casos, os instrumentais
jurídicos são elaborados de modo geral, não permitindo que a dinâmica endógena reflita em uma política pública.
Os princípios teóricos elencados acima têm suas controvérsias entorno do crescimento econômico e suas
implicações ao meio ambiente, com acirrado debate, em especial, a partir do final da década de 1960, quando os
movimentos socioambientais (Clube de Roma (1968), Relatório de Brundland (1987) e Rio-92 (1992), por exemplo)
apontaram suas preocupações sobre o incomodo que o desenvolvimento capitalista provocara, não apenas ao meio
natural como também na qualidade da vida humana. Diante deste contexto de forte preocupação ambiental, Romeiro
(2001) discute sobre duas correntes teóricas que constituem, de modo geral, o chamado desenvolvimento sustentável:
a) a economia ambiental, a qual considera o meio natural como fonte de insumos e com capacidade de assimilação dos
efeitos negativos pelos ecossistemas, não vendo limites absolutos no crescimento econômico. Assim, visa a precificação
dos produtos com base em processos mercadológicos; e b) a economia ecológica, que propõe restrição à expansão do
crescimento econômico. Tem como fundamento a busca pela eficiência ecológica, tendo o desenvolvimento tecnológico
como processo regulatório. Estas correntes, por mais que apontem preocupação relevante sobre os rumos prejudiciais
provocados pelo desenvolvimento econômico vigente, não apontam claras saídas ao futuro da sociedade mundial, pois
estão baseadas nos mesmos princípios teóricos do desenvolvimento capitalista que criaram e ainda aprofundam a crise
socioambiental.
O processo de destruição ambiental, causado pelo próprio Capitalismo, colocou em alerta os executores
deste modelo econômico, aos quais passaram a buscar por novos espaços sociais e físicos. Além disso, para continuar
com níveis elevados de acumulação, houve a busca por alternativas tecnológicas na esperança do “esverdeamento”
(COSTA, 2006; SILVA, 2011) do processo produtivo. Sobre isso, concorda-se com esses autores ao afirmarem que uma
simples reformulação do modelo econômico baseado no capital ainda não é o suficiente, pois se necessita de profundas
transformações nas relações de produção e na maneira de construção de conhecimentos. Ou seja, deve-se refletir sobre
a hegemônica linha determinista temporal produtiva para considerar, também, a existência de diferentes lógicas de
produção, desde as que utilizam a coleta e o uso do fogo, como as que artificializam o meio. Através do reconhecimento
da diversidade de lógicas produtivas talvez se encontre outros caminhos de sustentabilidade e, então, tenha-se princípios
para formulações de políticas públicas condizentes com as realidades territoriais.
Politica pública e diversidade da agricultura familiar
Para Peixoto e Oliveira (2015), as políticas públicas no decorrer do século XX privilegiavam os grandes produtores
rurais, mas que, na última década, assistiu-se a incorporação da abordagem territorial na elaboração de políticas públicas,
promovendo a inserção de diversas famílias que historicamente estavam excluídas do processo produtivo nacional.
Dessa maneira, o Estado brasileiro reconheceu que a politica pública significa a ferramenta principal para a solução de
problemas públicos. Entretanto, esta realidade merece maior atenção, porque, ainda é necessário refletir para quais rumos
as iniciativas estatais estão conduzindo o processo de desenvolvimento nacional.
No interessante estudo de Ploeg (2008), demonstra-se uma agricultura familiar diferenciada daquela visão
estritamente tradicional, onde as famílias já não simplesmente trabalham para provimento de seu sustento e venda dos
excedentes. Pelo contrário, estão mais próximos dos mercados globais e com acesso a políticas públicas, sem deixarem
de apresentar uma lógica camponesa. A experiência assistida por esse autor revela uma contradição em que se encontram
diversas famílias agricultoras pelo mundo (válido também para o Brasil): se por um lado os agricultores familiares
estão mais fortalecidos diante de uma crise financeira e ambiental por estarem mais integrados ao meio natural e menos
dependentes de insumos artificiais de produção, por outro, a ascensão de processos mercadológicos tem provocado forte
tensionamento e inserção em relações de trocas materiais e imateriais que desconectam as famílias das estruturas que
às fortalecem, o capital ecológico. Isto acontece, segundo o autor, através de prescrições e planejamentos externos ao
funcionamento das lógicas familiares produtivas, presentes na atual relação entre Estados e Mercados. Dessa forma, a
autonomia das famílias é substituída por normas e protocolos seguidos por aquelas mais integradas naquela relação.
Indubitavelmente, quanto mais protocolos e normas deterministas, a diversidade existente nas lógicas familiares
de produção estará suscetível a padronização, o que proporcionará perda em sua diversidade social e ambiental. Porém,
tem se tornado quase que essenciais algumas mudanças na organização do trabalho e da produção para que famílias
participem das políticas públicas neste modelo atual.
Há casos em que se identificam alterações no funcionamento das lógicas familiares produtivas. Como o
observado por Mota et al. (2015), onde famílias tradicionais extrativistas estão se inserindo em redes sociais exógenas
e regulada pela burocracia estatal (editais, elaboração de projetos, obtenção de declarações, disponibilidade de recursos
no Governo Federal, etc.), para poder continuar acessando o mercado institucional. Os autores reforçam que o acesso a
esta Política tem promovido aumento do trabalho familiar e alteração na lógica comum do extrativismo local, o qual era
praticado somente pelas mulheres. Entretanto, diante deste novo quadro, homens e jovens tem se dedicado fortemente na
atividade para entregarem maior quantidade de produtos ao PAA.
Contudo, identifica-se que existem lógicas familiares de produção que não estão se adequando ao padrão
institucional da Política, como o observado por Andrade, Silva e Andrade (2015), onde famílias não acessam facilmente
os mercados institucionais por não apresentarem capacidade de inovação em seus sistemas de produção e diversificação
para agregação de valor. Esta não adequação revela que a heterogeneidade daquela agricultura familiar estudada pelos
autores permanece, mesmo diante do modelo institucional determinista que está em vigor.
As políticas nacionais destinadas ao público da agricultura familiar ainda são ineficientes para compreender
a diversidade de lógicas familiares produtivas, em particular as situadas na região amazônica. Através das normas e
procedimentos técnico-acadêmicos presentes nas iniciativas institucionais, desconsidera-se que as populações tradicionais
geralmente não tomam como finalidade a produção física em si, mas adaptam suas necessidades as intempéries da
natureza. Assim, essas populações aprendem a lidar com as circunstanciais naturais, decifrando o melhor manejo a ser
praticado. É dessa forma que as suas necessidades são superadas e forjam a dinâmica local.
CONCLUSÕES
Para melhor efetivação do PAA no Marajó, entende-se que são necessários maiores investimentos em assistência
técnica e crédito, melhorias em transporte e agroindustrialização, maior envolvimento dos gestores municipais e
fortalecimento da participação das famílias envolvidas no Programa. Compreende-se também que o PAA é fundamental
para combater as mazelas que afligem milhares de famílias nos Territórios. Entretanto, as limitações tornam tímidas
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as efetivações deste mercado institucional. Isto é fruto das frágeis iniciativas do atual arranjo institucional que não
compreende a sociobiodiversidade, e em particular dos interiores da Amazônia.
As políticas públicas voltadas ao desenvolvimento de famílias nos Territórios Rurais sofrem influência das
preocupações ambientais e dos pensamentos acadêmicos, as quais têm promovido mudanças no funcionamento peculiar
de lógicas familiares.
Mesmo que o reconhecimento das particularidades territoriais esteja presente no discurso das políticas nacionais,
as experiências práticas nem sempre tem alcançado resultados para além do modelo baseado na produção física. As ações
voltadas para a sociobiodiversidade da Amazônia, em especial, são elaboradas dentro de princípios mercadológicos,
técnico-científicos e burocráticos, que não estão em acordo com a lógica ou conhecimento dos diferentes modos de
interpretar o tempo e o espaço. Assim, há um descompasso entre as atuais políticas públicas de desenvolvimento e as
lógicas familiares amazônicas.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho foi elaborado a partir das ações do Núcleo de Extensão em Desenvolvimento Territorial - NEDET/UFPA
no Território do Marajó. Contou com auxílio financeiro da SDT/MDA e CNPq, a quem agradecemos.
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O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS SOB A ÓPTICA DA TEORIA DA JUSTIÇA COMO
EQUIDADE
Mônica Aparecida Bortolott1; Vivian Lie Kato de Lima2; Nilson Maciel de Paula3
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo compreender a articulação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) como
um mecanismo de promoção de justiça social aos agricultores familiares e examinar como esse programa vem se
desenvolvendo, bem como seus limites, suas possibilidades e sua abrangência. A análise dessa política pública será
realizada com fundamentação teórica nos trabalhos de John Rawls em relação à justiça como equidade. A partir de
diversos estudos realizados sobre o programa, verificou-se que o mesmo tem contribuído para a justiça social conforme
a Teoria de Rawls. Porém, como fator limitante do PAA, verificou-se que existe um elevado grau de dependência dos
agricultores familiares em relação a esta política pública uma vez que não proveu meios que assegurassem que esses
produtores possam continuar a ter o mesmo desenvolvimento sem o amparo de tal política.
Palavras-chave: Programa de Aquisição de Alimentos, Agricultura Familiar, Políticas Públicas, Justiça como Equidade.
1
Universidade Federal do Paraná (UFPR) - Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas - [email protected]
2 [email protected]
3 [email protected]
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1. INTRODUÇÃO
O reconhecimento da agricultura familiar como categoria social e como alternativa para o desenvolvimento
nas últimas duas décadas têm levado à elaboração de diversos estudos sobre políticas públicas diferenciadas para esse
setor. Uma dessas políticas que vem se destacando é o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O presente artigo
visa compreender a articulação desse programa como um mecanismo de promoção de justiça social aos agricultores
familiares e examinar, à luz da Teoria da Justiça como Equidade de John Rawls, como o PAA vem se desenvolvendo,
bem como seus limites, suas possibilidades e sua abrangência.
Em se tratando de políticas públicas, esse tema ganhou mais destaque quando, em 1936, Lasswell incluiu no
arcabouço teórico a expressão “análise de política pública” com o objetivo de integrar e estabelecer diálogo entre o
conhecimento científico e o conhecimento empírico das ações governamentais. É desse autor o conceito mais reconhecido
e utilizado, que considera que a política pública tem o objetivo de responder aos questionamentos em relação a quem
ganha o quê, por que e que diferença fazem as decisões dos agentes públicos (SOUZA, 2006). As políticas públicas são
criadas e implementadas para suprir as demandas de setores e agentes socialmente vulneráveis. “Essas demandas são
interpretadas por aqueles que ocupam o poder, mas influenciadas por uma agenda que se cria na sociedade civil através
da pressão e mobilização social” (TEIXEIRA, 2002, p. 3). A implementação de uma política pública pode ser analisada
a partir do marco conceitual desenvolvimento por John Rawls (2008) segundo o qual em um mundo com recursos
escassos e com indivíduos que são, em geral, desinteressados uns em relação aos outros, é necessário que se criem
princípios pensados coletivamente para que se possa estabelecer uma sociedade cuja base seja uma justiça distributiva.
A ação governamental, dessa forma, é essencial no que tange ao alcance da justiça social e da melhoria das condições de
vida da sociedade.
Nesse sentido, o Estado brasileiro tem elaborado políticas voltadas à agricultura familiar, dentre as quais se
destaca o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). Essa política foi criada em 2003 com o objetivo central de “[...]
garantir o acesso aos alimentos em quantidade, qualidade e regularidade necessárias às populações em situação de
insegurança alimentar e nutricional e promover a inclusão social no campo por meio do fortalecimento da agricultura
familiar” (BRASIL, 2006). O PAA será analisado neste artigo tendo em vista seu propósito de incentivo à diversificação
da produção de alimentos e de fortalecimento e inclusão da agricultura familiar nos mercados.
2. A TEORIA DA JUSTIÇA
Reconhecido como um dos principais filósofos do século XX, John Rawls desenvolveu sua teoria baseada no
contrato social - pacto fictício que visa legitimar o Estado, abordados nos trabalhos de Locke, Rousseau e Kant. Em sua
obra Uma teoria da justiça, Rawls trabalha com a noção de uma sociedade estabelecida com base em princípios da justiça.
De acordo com o autor (RAWLS, 2008, p.102), “a sociedade é interpretada como um empreendimento cooperativo
para benefício de todos”. Isto é, através de um sistema cooperativista, com a soma de esforços dos indivíduos, pode-se
alcançar uma qualidade de vida vantajosa para todos. Não é uma busca individual e dissociada. Todavia, como a sociedade
é pautada por uma situação de constante conflito de interesses, na existência desses possíveis embates motivados pelo
descompasso em relação à distribuição de vantagens conquistadas pelo trabalho coletivo, há a necessidade de mediação
desses conflitos. A partir dessa observação, Rawls (2008, p. 5) aborda os Princípios da Justiça Social.
Há uma necessidade de um conjunto de princípios para escolher entre os diversos modos de organização
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social que definem essa divisão de vantagens e para selar um acordo acerca das parcelas distributivas
apropriadas. Esses princípios são os princípios da justiça social: são um modo de atribuir direitos e
deveres nas instituições básicas da sociedade e definem a distribuição apropriada dos benefícios e dos
encargos da cooperação social.
O objetivo central da Teoria da Justiça Social consiste em estabelecer uma estrutura básica inicial de uma
sociedade igualitária e organizá-la em uma configuração cooperativa através das instituições sociais que a integram.
Como essas instituições da sociedade são marcadas por favorecerem, desde o início, uns mais do que outros, Rawls
enfatiza que a determinação dos princípios da justiça social deve ser resultado de um conjunto de diferentes visões e
não deve beneficiar ou desfavorecer os envolvidos, de forma que o pacto social possa ser original, justo, equilibrado e
aceito consensualmente. Dessa maneira, esses princípios devem ser escolhidos de modo a impedir que as desigualdades
surjam, estabelecendo, assim, uma justiça social através de um conjunto normativo reparador e redistributivo.
Como modo de garantir que esses princípios básicos sejam escolhidos de forma justa, os indivíduos devem
fazê-lo despidos de qualquer preconceito e julgamentos. Isso se dará, por meio do “véu da ignorância” (RAWLS, 2008,
p.15). A compreensão sobre esse “véu da ignorância” de Rawls remete à defesa da equidade em uma situação inicial
hipotética de formação da sociedade em que a concepção de justiça é realizada sem a consciência e o comprometimento
das diferenças naturais de cada indivíduo. Em outras palavras, os cidadãos desconheceriam sua posição social e, por
conseguinte, escolheriam normas realmente justas a todos. Dessa forma, a concepção de justiça seria resultado de uma
negociação que proporcionará favorecimento coletivo e um bem comum.
Outro aspecto importante consiste na consideração da noção de justo antes da noção de bem através da perspectiva
da teoria ética. Neste contexto, o autor trata sobre a distribuição de bens que pode ser igualitária, quando se trata dos
bens primários, ou desigual, como ocorre com a forma de acesso aos bens pelos menos favorecidos. Diante disso, cabe
ao Estado promover e incentivar a minimização das desigualdades através de uma sociedade ordenada. Assim, além da
promoção ao bem-estar, destaca-se o estabelecimento de uma concepção pública de justiça, ou ainda, de uma sociedade
que reconhece que todos aceitam e são conscientes de que os demais também estão de acordo com esse ideal do que é
justo, e de instituições sociais que atendam os princípios da justiça. Uma sociedade, então, deveria ser fundamentada
nos princípios da liberdade e da diferença. “[...] os dois princípios de justiça avaliam a estrutura básica em função de
como ela regula a repartição dos bens primários entre os cidadãos, repartição esta especificada conforme um índice
apropriado” (RAWLS, 2003, p.83). A liberdade de cada cidadão deve ser a mais ampla possível até o ponto em que seja
compatível com a liberdade racional dos outros indivíduos. Já o princípio da diferença aborda as desigualdades sociais
e econômicas através da perspectiva de que essas diferenças devem ser suprimidas por meio da ação reparadora das
instituições.
Assim, deve haver uma maior atenção às parcelas excluídas da população como meio para se estabelecer uma
igualdade de oportunidades. Contudo, as desigualdades naturais humanas são admitidas quando são benéficas para
todos. Isto é, a injustiça só existe quando as diferenças entre os indivíduos não trazem vantagens a todos. Como bem
afirma Rawls (2008, p. 68), “Todos os valores sociais – liberdade, oportunidade, rendas, bens e as bases do respeito
próprio – deveriam ser distribuídas igualmente, a menos que uma distribuição desigual de um desses valores, ou de
todos, viesse a trazer vantagens para alguns”. Essa reflexão de Rawls apresentada aqui fornece, pois, os moldes para a
criação de instituições e de regras normativas que pautarão a vida em sociedade de maneira equitativa e justa. A partir do
desenvolvimento dessa perspectiva teórica, poderemos assim realizar a análise do Programa de Aquisição de Alimentos
(PAA), sob essa óptica, como uma política pública que atua como uma alternativa à promoção do desenvolvimento
econômico, ambiental e social da agricultura familiar no Brasil.
3. AGRICULTURA FAMILIAR
O foco na modernização industrial e no seu consequente desenvolvimento econômico sofreu mudanças ao longo
das últimas décadas, especialmente após a década de 1980, quando o governo reduziu drasticamente os investimentos
na agricultura e, consequentemente, em sua produção. Além disso, questões sociais de desenvolvimento, preocupações
ambientais e a redemocratização do país começaram a ter mais evidência resultando numa conjuntura que permitiu um
maior questionamento em relação ao modelo de produção e de desenvolvimento excludente dominante até então, abrindo
perspectivas para incentivos à produção rural familiar.
Assim, na década de 1990, em decorrência das atividades de organizações não governamentais e de movimentos
sociais, a agricultura familiar ganhou maior atenção do Estado. A criação do Programa Nacional de Fortalecimento
da Agricultura Familiar (PRONAF) em 1996 foi um marco que estabeleceu mecanismos de fornecimento de crédito
para o setor e transformou os agricultores familiares em tema importante para as políticas públicas nacionais, abrindo
caminhos para o desenvolvimento desse segmento. Para compreender melhor quem é o ator social do presente trabalho,
a agricultura familiar é vista neste artigo como um segmento social e produtivo cuja gestão, propriedade e mão-de-obra
provêm do âmbito familiar. Para tanto, assumimos a definição de Chayanov, reproduzida por Wanderley (2004, p. 45)
segundo a qual:
Esse caráter familiar se expressa nas práticas sociais que implicam uma associação entre patrimônio,
trabalho e consumo, no interior da família, e que orientam uma lógica de funcionamento específica.
Não se trata apenas de identificar as formas de obtenção do consumo, através do próprio trabalho, mas
do reconhecimento da centralidade da unidade de produção para a reprodução da família, através das
formas de colaboração dos seus membros no trabalho coletivo – dentro e fora do estabelecimento familiar
–, das expectativas quanto ao encaminhamento profissional dos filhos, das regras referentes às uniões
matrimoniais, à transmissão sucessória, etc.
Ricardo Abramovay (1998, p. 143) complementa esta definição afirmando que “Muito mais que um segmento
econômico e social claramente delimitado, a agricultura familiar é definida como um valor. O apoio que recebe vem das
consequências que seu desenvolvimento pode propiciar: melhores condições de vida, desenvolvimento sustentável, luta
contra a pobreza”.
De acordo com o aparato legal, desde o Estatuto da Terra de 1964, o conceito de agricultura familiar já estava
amparado na denominação de propriedade familiar de determinado tamanho e que fosse explorada direta e pessoalmente
pelo agricultor e sua família, mesmo que eventualmente com a ajuda de terceiros (BRASIL, 1964). Porém, foi somente
através da Lei nº 11.326 de 24 de julho de 2006 que as diretrizes para a agricultura familiar foram formuladas e
estabelecidas e, então, o segmento passou a ter ordenamento jurídico brasileiro (BRASIL, 2006)4.
4
Art. 3º Para os efeitos desta Lei, considera-se agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio
rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II
- utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha
percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo
Poder Executivo; (Redação dada pela Lei nº 12.512, de 2011) IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família. (BRASIL,
2006)
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Destarte, houve um maior reconhecimento do potencial socioeconômico do setor para a superação da pobreza
através da geração de renda e de soberania e segurança alimentares, além de ser um modelo de produção sustentável.
Segundo dados da CONAB (2015) “a agricultura familiar gera mais de 80% da ocupação no setor rural e responde
no Brasil por sete de cada 10 empregos no campo e por cerca de 40% da produção agrícola”. Essas informações
representam que grande parte dos alimentos consumidos pelos brasileiros são oriundos de pequenas propriedades,
o que contribui para o exercício de práticas de produção ecologicamente equilibradas, motivada pela diversificação
de cultivos e menos uso de insumos industrias bem como a preservação do patrimônio genético de cultivares locais.
Além disso, é um motivador para a redução do processo de migração rural-urbana.
A agricultura familiar, apesar de suas limitações estruturais, vem se apresentando como alternativa estratégica para
o desenvolvimento da sociedade por representar uma instância de desenvolvimento redistributivo. Portanto, é de suma
importância que se procure compreender se as políticas públicas voltadas para esse setor – no caso, o PAA - não apenas
promovem a manutenção da lógica mercadológica através da entrada desses pequenos produtores no mercado, mas que
busquem por promover um desenvolvimento justo e a liberdade assertiva dos agricultores familiares no espaço rural.
4. O PROGRAMA DE AQUISIÇÃO DE ALIMENTOS (PAA)
O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) foi criado em 2003 e vem se firmando como uma política importante
e complementar ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF), o qual abriu portas para
o fortalecimento de políticas públicas voltadas para os segmentos menos favorecidos. Assim, o PAA representa uma
forma de intervenção do Estado para contribuir com a promoção de equidade social na agricultura familiar com reflexos
positivos para a sociedade em geral.
Pelo seu papel estratégico no combate à pobreza e à insegurança alimentar, o PAA é fruto de questões que estavam
em pauta na década anterior que abordavam a segurança alimentar e a valorização da agricultura familiar (GRISA et al.,
2009, p. 2). O programa surgiu sob responsabilidade do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS),
a partir da mobilização de diversas organizações da sociedade civil e de atores ligados a instituições governamentais e
fazia parte do conjunto de ações estruturantes do Programa Fome Zero. Sua operacionalização é realizada pela Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB) e executado com recursos MDS e do Ministério do Desenvolvimento Agrário
(MDA), com a parceria de estados e municípios. O objetivo do programa é promover a comercialização de alimentos
vindos da agricultura familiar.
A comercialização dos produtos agrícolas é um dos gargalos enfrentados pelos produtores rurais,
principalmente os pequenos. Buscando minimizar este problema, o Governo Federal criou o Programa de
Aquisição de Alimentos (PAA). Através deste, o Estado passou a participar do processo de comercialização
da agricultura familiar, garantindo a aquisição de produtos a preços justos e incentivando a pequena
produção (FUSCALDI, 2009, p.01)
Ou seja, o Estado, através do PAA, realiza a compra de alimentos desses pequenos produtores por meio de
chamadas públicas com dispensa de licitação, sendo os destinatários pessoas em situação de insegurança alimentar,
destinando os estoques de alimentos a instituições que fornecem refeições regularmente, tais como: hospitais, quartéis,
presídios, escolas, restaurantes universitários e refeitórios de entidades públicas (MDA, 2013). “Além disso, o Programa
[...] fortalece circuitos locais e regionais e também redes de comercialização; valoriza a biodiversidade e a produção
orgânica e agroecológica de alimentos; incentiva hábitos alimentares saudáveis e estimula o associativismo” (BRASIL,
2012, p.3). Suas atividades podem ser divididas em várias modalidades: compra com doação simultânea, compra direta,
apoio à formação de estoques, incentivo à produção e ao consumo do leite (PAA Leite) e compra institucional. (BRASIL,
2012)
Atualmente, o PAA é uma das ações que compõem o Plano Brasil Sem Miséria (BSM) em seu eixo Inclusão
Produtiva Rural (MDA, 2003). Conforme dados do BSM (2013), o plano tem como um dos objetivos o fortalecimento
das atividades realizadas pelas famílias da agricultura familiar, aumentando a sua capacidade produtiva e a entrada de seus
produtos nos mercados consumidores, através de orientação e acompanhamento técnico, para produção e comercialização.
O PAA pode ser visto, assim, como uma política pública voltada ao desenvolvimento, contemplando questões estruturais
e específicas através da conexão e articulações de agentes locais, ocorrendo assim uma
[...] conexão entre os pequenos produtores de alimentos e a população de menor poder aquisitivo, uma vez
que o processo de distribuição dos alimentos, ou mesmo a formação de estoques, promove articulações
entre agentes locais (associações e cooperativas de produtores; instituições públicas e privadas etc.), o
que pode resultar na valorização (econômica, social etc.) do território em que as ações e relações são
desenvolvidas. (ANTUNES, HESPANHOL, 2011, p. 106)
Para se ter uma perspectiva de seus efeitos, uma avaliação do PAA no período de 2003-2010, realizado pelo
MDA, constatou-se como resultado direto do programa um aumento da renda de agricultores familiares, povos indígenas
e comunidades tradicionais, além de melhoria da diversidade e qualidade dos alimentos fornecidos por entidades da
Rede Socioassistencial e por Equipamentos Públicos de Alimentação e Nutrição. E como resultado indireto, verificouse uma dinamização de economias locais; reconhecimento e valorização da produção familiar e dos agricultores pela
sociedade; aumento da variedade de alimentos produzidos nas unidades familiares; valorização da cultura alimentar
local e valorização da produção orgânica de alimentos e de produtos da sociobiodiversidade. De acordo com Machado,
Rocha e Campos (2011, p.8), o PAA é um avanço importante na política agrícola brasileira, visto que contribuiu com os
agricultores familiares, pois:
(1) busca garantir sua renda de maneira regular, ao assegurar uma demanda com recursos públicos para
escoar e estabilizar a venda da produção familiar, (2) inova ao permitir a aquisição de alimentos produzidos
pela AF para consumo e formação dos estoques públicos, sem a realização de licitações; (3) oferece apoio
financeiro à formação de estoques para organizações de agricultores familiares, como cooperativas e
associações; e (4) objetiva promover a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN).
Segundo a CONAB, em 2010, o valor financeiro do programa foi de R$ 680,75 milhões reais, com 155.166 mil
contratos em todo o Brasil, e a quantidade comercializada foi de 462.429 toneladas de alimentos. Grisa et al. (2011, p. 37)
são enfáticos ao avaliar o programa:
O PAA sinaliza um novo estágio no que se refere às políticas de fortalecimento da agricultura familiar,
sobretudo porque abre um canal de comercialização para essa categoria social, garantindo a aquisição de
seus produtos pelo Estado por meio de mecanismos diferenciados. A garantia de comercialização traz um
novo alento a essas famílias, que podem lançar mão de suas especificidades, de seus valores e suas práticas
locais para articular-se com diversos públicos consumidores.
Considerando este contexto, segue uma sequência de trabalhos realizados por pesquisadores sobre os reflexos
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do PAA nos últimos anos junto às associações, às entidades, ao Estado, aos agricultores e às regiões. Aqui, far-se-á uma
análise da atuação do programa como uma política pública que promove a justiça equitativa de acordo com os preceitos
de John Rawls.
5. AGRICULTURA FAMILIAR E JUSTIÇA COMO EQUIDADE
Conforme exposto, Rawls propõe o estabelecimento de uma estrutura básica da sociedade a partir da posição
original. Para tal, seriam escolhidos princípios que fossem de acordo com a justiça social. Dessa forma, as instituições
dessa sociedade devem fornecer o aparato para que os indivíduos tenham garantidos os bens primários, para que consigam,
sobretudo, ter participação de modo justo e igualitário na sociedade.
O tema da agricultura familiar traz uma problemática que abarca a questão dos direitos à alimentação e à terra.
Embora não estejam incluídas diretamente no que Rawls manifestara, elas estão inseridas no entendimento do conceito
de justiça da sociedade brasileira. Isso pode ser observado no fato desses dois direitos estarem apoiados tanto pela
Constituição Federal de 1988, pelos artigos 6º e 186, como pelo Estatuto da Terra de 1964 e outras leis. Partindo desse
pensamento, procurou-se analisar os resultados de diversos estudos sobre o PAA através da óptica trazida por John Rawls
em relação à teoria da justiça como equidade.
Muitos dos estudos observados relatam que o PAA foi muito importante para os agricultores familiares no que
tange aos benefícios trazidos ao comércio, uma vez que a produção pôde ser planejada, os modos de produção e de
comercialização foram modificados e os produtos foram diversificados e comercializados nos mercados locais com preços
justos. Além disso, houve a identificação e ampliação de novos mercados e a promoção do desenvolvimento sustentável.
Isso fomentou a valorização do espaço rural, enfatizando de maneira positiva as diferenças regionais.
Outro ponto que merece destaque consiste na questão da qualidade de vida dos agricultores participantes do PAA.
Os resultados dos estudos analisados indicaram que o programa, na percepção dos atores pesquisados, teve influência
positiva sobre alguns indicadores de sua qualidade de vida, tais como: a elevação de renda, o que possibilitou a aquisição
de bens duráveis e melhorias nas moradias, e a elevação do nível de qualidade da alimentação dos indivíduos em
situação de insegurança alimentar. Destaca-se aqui que, como um dos objetivos do PAA é o combate à fome, além de
estimar alimentos regionais e incentivar a produção livre de agrotóxicos, outro efeito bastante enfatizado é a garantia do
recebimento desses alimentos de qualidade e melhor preço pelas instituições locais.
Até aqui, pode-se identificar, a partir da teoria de Rawls, o caráter redistributivo do PAA à categoria social dos
agricultores familiares, uma vez que esse programa tem se mostrado como um caminho para a promoção da segurança
alimentar por meio do incentivo à diversificação da produção de alimentos e da criação de mecanismos para levar esses
produtos à mesa das populações mais vulneráveis. A redistribuição também é vista na melhoria da renda dos pequenos
produtores, cujas famílias conseguiram elevar sua qualidade de vida. Enfatiza-se também a política como um instrumento
de valorização da moral do indivíduo rural, o qual é um ponto incluído por Rawls no que ele denomina de bens primários.
A atuação dos atores sociais (gestores, produtores, representantes dos consumidores e organizações) também ganhou
destaque nos estudos. Na análise realizada por Guareschi (2010), por exemplo, verificaram-se esforços entre os agentes
participantes para a consideração do contexto histórico, cultural e social local na adaptação da operacionalização do PAA
ao cenário local do município de Tenente Portela (RS). Notou-se também, em outros estudos de caso, o relacionamento
positivo com os gestores públicos e as organizações privadas, que objetivam conjuntamente os mesmos anseios e com
isso a política pública apresentou eficácia em sua execução.
Ghizelini (2012, p.1) relatou a experiência do PAA em dois municípios do Paraná como uma estratégia para
a promoção de atores sociais na agricultura familiar e constatou que os “agricultores e as associações pesquisadas
conquistaram em função do PAA o reconhecimento social, político, social e econômico dos grupos sociais urbanos, rurais
e do poder político municipal, estadual e nacional”. A organização coletiva dos atores sociais representa um “espaço
onde os atores se articulam por um projeto coletivo com o objetivo de reivindicar e lutar por princípios e um projeto
(de vida e coletivamente referenciado) contra um poder hegemônico” (GHIZELINI, 2012, p. 3). Nesses casos, a partir
da óptica de Rawls, o PAA se mostrou como um mecanismo que trouxe o reconhecimento, por parte da sociedade, da
importância da atividade da agricultura familiar na redução das desigualdades sociais e na promoção do desenvolvimento
da população rural. Logo, pode-se entender que, no momento em que as ações dos agentes visam o benefício coletivo, os
resultados da intervenção do Estado são satisfatórios e proporcionam a inclusão social que contribui para a equidade.
O fortalecimento de cooperativas e associações também se mostraram como resultados da implantação do PAA
em diversos estudos analisados. A pesquisa de Antunes e Hespanhol (2011), no município de Dracena (SP), salientou
que, embora os recursos financeiros disponibilizados fossem poucos e houvesse uma quantidade baixa de agricultores
participando do programa, observaram-se melhorias no processo de cooperação entre os atores envolvidos. O trabalho
de Silva (2013), através de um estudo na Cooperativa da Agricultura Familiar Integrada (COOPAFI) em Capanema (PR),
constatou que o PAA exerce papel relevante e enfático para o fortalecimento da agricultura familiar. A experiência da
Associação das Algas e Pescados também se destacou na contribuição para o desenvolvimento local e a equidade social
através da inovação dos processos e da construção da autonomia dos sujeitos.
Embora se tenha observado, em alguns estudos, pontos negativos como uma desarticulação entre os agentes
públicos, a falta de recursos financeiros, infraestrutura e ajuda de especialistas, o desconhecimento da existência e da
operacionalização desse programa por parte dos agricultores e um elevado grau de dependência dos pequenos produtores
em relação ao programa, visto como um mero instrumento de comercialização, constata-se que o PAA está, aos poucos,
atingindo seu objetivo enquanto política pública.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que se refere à perspectiva de Rawls, pode-se observar que a promoção da justiça como equidade apresenta-se
no momento em que o Estado passa a favorecer e intervir a favor de uma maior participação dos atores sociais no que tange
às políticas públicas para minimizar as desigualdades relativas ao acesso aos alimentos e para fomentar a comercialização
de produtos da agricultura familiar, desenvolvendo esse segmento. Isso demonstra a efetividade do programa no que se
refere à busca reparadora das desigualdades no meio rural através da inclusão do agricultor familiar no mercado por meio
da distribuição de instrumentos para a melhoria da produção. Destarte, observou-se um reconhecimento institucional da
noção de justiça social.
Verifica-se, portanto, que os valores sociais, os quais Rawls destaca (oportunidades, renda e respeito próprio),
estão sendo proporcionados aos agricultores familiares e aos demais atores envolvidos no programa. Com o objetivo de
reparar as assimetrias prejudiciais existentes entre os indivíduos, o PAA traz oportunidade de poder acessar mercados de
comercialização que atendam as necessidades da agricultura familiar, além de favorecer a diversificação e a produção
de pequena escala, o que promove a ampliação da renda familiar. Esse processo é de grande importância, pois pode
trazer a esses agricultores o respeito próprio, no momento em que os alimentos produzidos proporcionam segurança
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alimentar para populações em risco bem como deixa um sentimento, aos produtores, de pertencimento e utilidade
para a comunidade. Por meio da perspectiva da teoria da justiça como equidade de John Rawls, podemos observar
que o Estado procura, através das políticas públicas, atuar na promoção da igualdade de oportunidades, respeitando as
liberdades de cada indivíduo e suprimindo as desigualdades existentes que não são vantajosas para todos. O PAA, dessa
forma, pode ser considerado como um mecanismo alternativo para promover a justiça social e uma sociedade equitativa
de que trata John Rawls.
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PERFIL DO CONSUMIDOR DE PESCADOS E/OU FRUTOS DO MAR NO LITORAL DO PARANÁ
Janaína Gabrielle Moreira Campos da Cunha; Lilian da Silva Dias Dias; Marcelo Fogaça; Patricia De Oliveira
RESUMO
A importância da compreensão das riquezas do litoral paranaense foi a principal motivação para o desenvolvimento da
presente pesquisa. Buscou-se verificar no âmbito da pesca artesanal, identificar o comportamento do consumidor de
pescados e frutos do mar do Litoral do Paraná. Utilizou-se como método de coleta de dados a aplicação de questionário,
abrangendo consumidores de algumas cidades do Paraná. Com o enfoque da comercialização foi analisado também o
perfil do consumidor de pescados e/ou frutos do mar do Litoral do Paraná, quanto a suas preferências, gênero em geral
aos atributos que norteiam o perfil desse consumidor. São apresentadas as conclusões a respeito deste perfil, bem como
sugestões para estudos futuros.
Palavras chaves: Pescados, Frutos do Mar, Litoral do Paraná.
INTRODUÇÃO
No Brasil, a pesca artesanal está ligada, historicamente, à influência de três correntes étnicas que formaram a cultura das comunidades litorâneas: a indígena, a portuguesa a cultura das comunidades litorâneas: a indígena, a portuguesa
e a negra (SILVA et al., 1990). Da cultura indígena as populações litorâneas herdaram o preparo do peixe para a alimentação, o feitio das canoas e jangadas, as flechas, os arpões e as tapagens; da cultura portuguesa, herdaram os anzóis, pesos de
metal, redes de arremessar e de arrastar; e da cultura negra, herdaram a variedade de cestos e outros utensílios utilizados
para a captura dos peixes (DIEGUES, 1983).
A pesca artesanal é definida como aquela em que o pescador sozinho ou em parcerias participa diretamente da
captura de pescado, utilizando instrumentos relativamente simples. Os pescadores artesanais retiram da pesca sua principal fonte de renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares (DIEGUES, 1983). Os pescadores artesanais, de acordo com Diegues (1983), estão acostumados com pouca produção, portanto se caracterizam como
pequenos produtores. Não aceitam a pesca industrial porque são diretamente prejudicados por ela e acreditam que esta
violenta constantemente a natureza.
Segundo Garcez e Sanches-Botero (2005) existem, no Brasil e também no litoral paranaense, diversas formas pelas quais a pesca se organiza, e que, principalmente, diferem muito entre si. Em um estudo realizado com pescadores do
litoral brasileiro, dividem as atividades pesqueiras profissionais em três categorias: de subsistência, artesanal e industrial,
as duas últimas com finalidade comercial.
O Litoral paranaense é considerado o terceiro celeiro mundial de reprodução de animais aquáticos, constituindo
um ambiente extremamente vulnerável a acidentes. Conta com 7 municípios em 90 Km de costa que, somada às baías de
Guaraqueçaba, Antonina, Paranaguá e Guaratuba, perfaz mais de 400 Km de costa interna (MATSUI e NATALINO,2005).
MATERIAL E MÉTODOS
Tomando como base os estudos de Gil (1991) e Vergara (1990), a pesquisa pode ser classificada quanto aos fins
e quanto aos meios. Quanto aos fins a pesquisa pode ser classificada como descritiva, já que para Vergara (1990) a pesquisa descritiva expõe características de determinada população ou determinado fenômeno, e pode também estabelecer
correlações entre variáveis e definir a natureza. Quanto aos meios a pesquisa pode ser classificada como bibliográfica,
telematizada e de campo.
Segundo Vergara (1990), a pesquisa bibliográfica é o estudo sistematizado desenvolvido com base no material
publicado em livros, revistas, jornais, redes eletrônicas, isto é, material acessível ao público em geral, podendo este ser
fonte primária ou secundária.
Com a finalidade de desenvolver a pesquisa científica, cumprindo os procedimentos metodológicos e a caracterização do objeto do estudo, tem-se de início a pesquisa bibliográfica, que “procura explicar um problema a partir de
referências teóricas publicadas em documento” e “busca conhecer e analisar as contribuições culturais ou científicas do
passado existentes sobre um determinado assunto, tema ou problema.” (CERVO, BERVIAN e SILVA, 2006)
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Ainda Cervo, Bervian e Silva (2006) a pesquisa descritiva “procura descobrir com a maior precisão possível, a
frequência com que o fenômeno ocorre, sua relação e conexão com outros, sua natureza e suas características”.
Em meio às várias formas que a pesquisa descritiva adota, encontra-se o estudo exploratório, indicado “quando há
poucos conhecimentos sobre o problema a ser estudado.” (CERVO, BERVIAN e SILVA, 2006).Sendo assim, este estudo
pode ser classificado como bibliográfico, pois tanto para a elaboração do referencial teórico quanto para a elaboração da
metodologia foram utilizados artigos e livros que abordavam o assunto, pode também ser classificada como telematizada
por utilizar informações retiradas de websites de empresas e instituições do setor pesqueiro e instituições de ensino.
Com o intuito de trabalhar também com questionários e medidas de opinião, observou-se a necessidade da pesquisa de campo, que conforme Lakatos e Marconi (1991) utilizam-se das técnicas de observação, questionário, formulário, medidas de opinião e atitudes técnicas mercadológicas.
COLETA DE DADOS
A pesquisa de campo foi realizada utilizando a aplicação de questionário, sendo estes enviados via correio eletrônico ou entregue em mãos de forma impressa. Os respondentes forneceram informações, por meio de classificação em
ordem de preferência dos produtos, com base nas características pré-selecionadas.
MÉTODO ESCOLHIDO
Análise conjunta possibilita compreender a forma como os consumidores estruturam a preferência por produtos
(ou serviços), tendo por base a avaliação de combinações de níveis dos atributos dos produtos (ou serviços). Assim,
baseia-se no pressuposto de que os consumidores avaliam o valor ou utilidade de um produto, em função da utilidade
proporcionada pela combinação de níveis dos atributos que o compõe. A partir dessa ordenação, o pesquisador pode determinar a importância de cada atributo e a combinação mais efetiva.
CONTEXTUALIZAÇÃO DOS ASSUNTOS QUE COMPREENDEM O CONSUMO E A COMERCIALIZAÇÃO DOS PESCADOS E/OU FRUTOS DO MAR.
Os pescados e os frutos do mar estão presentes e “arraigados” na cultura da região litorânea do Paraná, por seus
pratos para todas as classes sociais, ricos em propriedades nutricionais e a facilidade de acesso na região à estas riquezas
marinhas.
Inúmeros são os benefícios desses alimentos para o organismo humano, pelas vitaminas e outros itens essenciais à
saúde, contribuindo significativamente para uma vida mais saudável. Como exemplo, o ômega 6 e ômega 3 que possuem
grande importância no processo do metabolismo do organismo. Além disso, no caso da gestação, o ômega 3 auxilia no
desenvolvimento nas funções visuais e mentais do feto.
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Segundo Fagundes (2003) os óleos essencia

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