A Natação, O Cego E O Deficiente Visual

Transcrição

A Natação, O Cego E O Deficiente Visual
i
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
FACULDADE DE EDUCAÇÃO
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
A NATAÇÃO, O CEGO E O DEFICIENTE VISUAL:
A INCLUSÃO E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESPORTO
DE RENDIMENTO
LUIZ MARCELO RIBEIRO DA LUZ
CAMPINAS
2003
ii
© by Luiz Marcelo Ribeiro da Luz, 2003.
Catalogação na Publicação elaborada pela biblioteca
da Faculdade de Educação/UNICAMP
Bibliotecário: Gildenir Carolino Santos - CRB-8ª/5447
Luz, Luiz Marcelo Ribeiro da.
L979n
A natação, o cego e o deficiente visual : a inclusão e suas implicações no
desporto de rendimento / Luiz Marcelo Ribeiro da Luz. -- Campinas, SP:
[s.n.], 2003.
Orientador : Maria Teresa Eglér Mantoan.
Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade
de Educação.
1. Inclusão social. 2. Natação. 3. Deficientes visuais. 4. Cegueira. 5.
Educação física para deficientes. I. Mantoan, Maria Tereza Eglér.
II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título.
03-028-BFE
iii
Dedico este trabalho ao amor:
De meus pais Roberval (in memorian)
e Maria Antonia, de minha esposa
Guchenka e de meus filhos Larissa e
João Vitor.
iv
Agradecimentos
Dirijo meu grato reconhecimento a todas as pessoas e instituições que
colaboraram para a realização deste estudo e, de modo especial, agradeço:
À Profa. Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan, pela inestimável orientação e
sugestões dadas ao trabalho durante seu desenvolvimento e pelo exemplo de
dedicação e competência.
Ao Prof. Dr. Carlos Alberto Vidal França e a Profa. Dra. Elisabeth de Mattos,
pelas valiosas sugestões fornecidas no Exame de Qualificação, mas sobretudo, pela
forma generosa e humana com que me trataram.
Ao Prof. Sérgio Goldenberg e sua esposa Jurema Neves Goldenberg, pela
prontidão com que me auxiliaram no processo de ingresso no programa de
Mestrado.
Ao Prof. Dr. Luis Enrique Aguilar, Coordenador da Pós-Graduação da
Faculdade de Educação – UNICAMP, pelo apoio e esclarecimentos nos momentos
de incertezas.
Aos professores do Mestrado em Educação, pela oportunidade de discussão e
sugestões sempre valiosas.
Aos funcionários da Pós-Graduação da Faculdade de Educação – Unicamp
por manterem-me sempre informado quanto aos procedimentos técnicos e pela
disposição em esclarecer minhas dúvidas.
v
Aos Profs. Mauricio Aníbal Delgado e Mari Gandara pela amizade e apoio,
contribuindo para realização deste estudo.
À Profa. Dra. Maria Helena Pereira Dias, pela revisão de português e pelas
conversas, possibilitando-me grande crescimento pessoal e profissional.
À Diretoria da Associação Atlética Banco do Brasil, pelo incentivo e liberação
para a participação no programa de mestrado.
Aos meus alunos da Associação Atlética Banco do Brasil, por serem
compreensivos e entenderem a necessidade de meus constantes afastamentos.
Aos amigos Davi Farias Costa e Benedito Franco Leal Filho, presidente e vicepresidente da ABDC, por respeitarem e acreditarem em meu trabalho.
Aos atletas, técnicos e dirigentes que participaram desta pesquisa, pela
prontidão em auxiliar.
A meu sogro Luiz Fernando e minha sogra Vera Lucia, pela doação,
dedicação e afeto demonstrados no cuidado com meus filhos e minha esposa,
preenchendo e amenizando a saudade e a distância impostas pela realização deste
estudo.
À Profa. Celina Aparecida Turrini, pelo companheirismo e incentivo.
À Tereza Pinho por ser mãe, amiga e companheira de piscina.
À Maico, pela amizade e afeto demonstrados e por me substituir em aulas,
projetos e outras atribuições.
vi
Aos irmãos de vida Anderson e Leonardo.
A todos os familiares e amigos, encorajadores de meus projetos profissionais.
À Deus, por conduzir estas pessoas ao meu encontro e pelo fortalecimento de
minha alma e espírito.
vii
RESUMO
Na perspectiva de uma sociedade inclusiva, o presente estudo investiga a
modalidade de desporto de rendimento natação para atletas cegos e deficientes
visuais. Verificamos as implicações e inovações que o processo inclusivo oferece ao
rendimento desses atletas em competições de nível nacional e internacional. Foram
entrevistados dirigentes, técnicos e atletas cegos e com deficiência visual brasileiros
e estrangeiros, na Paraolimpíada de Sidney/Austrália, em 2000. A investigação
mostrou que o treinamento em situação de inclusão favorece o rendimento desses
atletas. Paralelamente constatamos que os dirigentes, em geral, demonstram ainda
resistência quanto à unificação desse esporte; os técnicos se dividem com relação à
mesma questão e os atletas sofrem a pressão da política segregadora vigente no
desporto adaptado.
viii
ABSTRACT
This study focuses on swimming as a performance sport for blind and visually
impaired athletes, from the perspective of an inclusive society. We have investigated
the implications and innovations that the inclusive process offers to these athletes in
national and international competitions. Brazilian and foreign team officials, coaches,
and blind and visually impaired athletes were interviewed in 2000 during the
Sydney/Australia Paralympic Games. The research has shown that training in an
inclusive environment favors performance. We have also found that, in general,
officials still show resistance to the unification of this sport; coaches have divided
opinions about this matter, and athletes suffer the consequences of the segregation
policy that is in effect today in adapted sports.
ix
ÍNDICE
Páginas
DEDICATÓRIA.....................................................................................
iv
AGRADECIMENTOS ...........................................................................
v
RESUMO.............................................................................................. viii
ABSTRACT............................................................................................
ix
LISTA DE TABELAS ............................................................................
xi
LISTA DE FIGURAS ............................................................................
xiii
LISTA DE GRÁFICOS..........................................................................
xiv
INTRODUÇÃO .....................................................................................
01
CAPÍTULO I .........................................................................................
Caminhos da Inclusão .......................................................................
1. - Sociedade e inclusão .....................................................................
1.1 - Educação, inclusão e suas interfaces com a Educação Física ........................................................................................
06
06
06
CAPÍTULO II ........................................................................................
Inclusão e o desporto de rendimento...............................................
28
28
CAPÍTULO III .......................................................................................
Desporto Inclusivo: A natação como uma possibilidade ...............
1. Os dados ..........................................................................................
1.1 - Jogos Regionais.......................................................................
1.1.1. Regulamento Geral dos Jogos Regionais de 2000 ................
1.2 - Jogos Abertos do Interior .........................................................
1.3 - Jogos Brasileiros para cegos e deficientes visuais ..................
1.4 - Jogos Paraolímpicos................................................................
2. Análise dos dados .............................................................................
43
43
43
48
50
51
55
60
71
CONCLUSÂO........................................................................................
87
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .....................................................
93
11
x
LISTA DE TABELAS
Páginas
Tabela 1 - Pesquisa Bibliográfica – Nuteses .......................................
24
Tabela 2 - 44º Jogos Regionais - Participação dos atletas com deficiência na modalidade Natação ..........................................
50
Tabela 3 - 44º Jogos Regionais - Atletas com cegueira e com deficiência visual/entrevistados...........................................................
51
Tabela 4 - 64º Jogos Abertos do Interior - Participação dos atletas
com deficiência na modalidade Natação .............................
55
Tabela 5 - 64º Jogos Abertos do Interior - Atletas com cegueira e deficiência visual/entrevistados ...............................................
55
Tabela 6 - Entidades e atletas cegos e com deficiência visual participantes dos 1º Jogos Brasileiros...........................................
60
Tabela 7 - Evolução da participação de países e atletas nos Jogos
Paraolímpicos ......................................................................
62
Tabela 8 - Medalhas conquistadas em Paraolimpíadas ......................
64
Tabela 9 - Países detentores do maior número de medalhas na classificação geral dos desportos - Sidney/2000 .......................
66
Tabela 10 - Países com maior número de atletas com deficiência Sidney/2000.........................................................................
66
xi
Tabela 11 - Índices classificatórios para provas de Natação – Paraolimpíadas
Sidney/2000.......................................................................
68
Tabela 12 - Número de provas oferecidas a atletas cegos e deficientes
visuais em eventos específicos e convencionais ..............
70
Tabela 13 - Participação dos atletas cegos e deficientes visuais nas Paraolimpíadas de Sidney/2000 modalidade Natação ..................
70
xii
LISTA DE FIGURAS
Páginas
Figura 1 - Modalidades de desportos para cegos e deficientes visuais
presentes na temporada de 2002.........................................
58
xiii
LISTA DE GRÁFICOS
Páginas
Gráfico 1 - Modalidades de desportos para cegos e deficientes visuais...
59
xiv
"Tudo é loucura ou sonho no
começo. Nada do que o homem fez no
mundo teve início de outra maneira –
mas já tantos sonhos se realizaram que
não temos o direito de duvidar de
nenhum".
Monteiro Lobato. Mundo da Lua, 1923.
1
INTRODUÇÃO
Estudar o desporto de rendimento de pessoas com cegueira e deficiência
visual, baseado na perspectiva de uma sociedade inclusiva, pode parecer
contraditório, se avaliado de forma superficial.
No entanto, estes dois universos – inclusão e desporto – estão intimamente
interligados e isso é evidenciado quando retiramos o olhar daquele que está no lugar
mais alto do podium e, de forma efêmera, recebe os louros por sua vitória e
eficiência, e abrimos a lente (e também nossas mentes) para focarmos todos os
sujeitos e as interfaces que propiciam um dos maiores espetáculos da modernidade
que é o desporto de competição ou rendimento.
Pretendemos, ao longo deste trabalho, refletir sobre o papel da inclusão no
desenvolvimento do desporto de rendimento para pessoas cegas e com deficiência
visual, mas, também, compreender e identificar os significados na escolha desses
atores, quando da sua participação em eventos esportivos regulares e segregados.
Buscamos, ainda, relacionar tal opção ou posição à realidade das leis e
políticas que fomentam, organizam e propiciam a prática esportiva a esta parcela da
população.
Por aceitar que as diferenças podem conviver em harmonia e que essa
convivência pode trazer benefícios para todos os envolvidos é que sugerimos um
estudo que venha demonstrar as reais possibilidades de um desporto de rendimento
o qual busca atender a todos aqueles que desejam atingir objetivos competitivos,
independentemente de sua condição de visão.
A partir do pressuposto teórico de sociedade inclusiva, que norteia a relação
entre os membros constituintes dessa sociedade, é que propomos este trabalho a
fim de verificar como a inclusão interfere no desporto de rendimento de atletas cegos
e deficientes visuais, na modalidade natação.
Para buscar respostas a esses questionamentos foram propostos neste
trabalho os seguintes objetivos:
2
•
Verificar se os atletas cegos e com deficiência visual, medalhistas de
ouro dos países que participaram da Paraolimpíada, são treinados
dentro de uma perspectiva inclusivista ou segregadora;
•
Verificar se a escolha pelo modelo inclusivista tem interferência em
sua performance, refletindo-se em suas conquistas desportivas;
•
Detectar se o volume de treinamento é compatível com as
necessidades do desporto de rendimento;
•
Analisar o impacto do processo de inclusão, que vem sendo realizado
na modalidade, junto aos atletas, técnicos e dirigentes brasileiros.
•
Contribuir com a sistematização da temática para futuras e/ou
possíveis políticas de desenvolvimento desportivo que tenham como
foco primordial o desporto para pessoas com cegueira e deficiência
visual no Brasil.
O interesse pelo assunto proposto decorre da experiência do autor como
profissional de Educação Física, que atua há quatorze anos como professor e
técnico de natação convencional para pessoas videntes e, há doze, com natação
para cegos e deficientes visuais, trabalho esse que sempre foi desenvolvido (mesmo
que de forma inconsciente) na busca pelo direito de igualdade, a partir da ótica da
inclusão.
Por ter esse envolvimento com o desporto convencional e o segregado, as
desigualdades de oportunidades dos atletas cegos e deficientes visuais, constatadas
ao longo dos anos, o inquietavam, pois acreditava ser possível transformar essa
realidade à medida que um universo se interligasse ao outro.
Essa angústia e o desejo de propor algo que pudesse colaborar para
mudanças positivas na situação, estandardizada por inúmeros fatores que a
influenciavam, levaram-no a realizar inúmeras experiências e tentativas de inclusão
dos nadadores cegos e deficientes visuais, em ambientes regulares propícios ao
treinamento adequado e participações em competições.
3
Felizmente, as experiências realizadas foram coroadas de sucesso e
recebidas com ótima aceitação, tanto pelos nadadores cegos e deficientes visuais,
como, e principalmente, pelos nadadores videntes.
Esse mesmo envolvimento e o trabalho com o desporto de cegos e
deficientes visuais propiciaram o convite para assumir a coordenação da Modalidade
Natação na Associação Brasileira de Desportos para Cegos1 (ABDC), entidade
nacional que tem por objetivo regulamentar e fomentar a prática desportiva de
pessoas com cegueira e visão reduzida. Sendo assim, ao assumir esse cargo, o
autor deparou-se com a possibilidade de desenvolver projetos e políticas ligados à
inclusão e à prática esportiva da natação.
A necessidade de compreender como vem sendo realizado o contato, bem
como o aprendizado e desenvolvimento dos cegos e deficientes visuais junto à
modalidade natação, conduziu-o a também tentar identificar maneiras e formas de
se massificar a natação para a população de pessoas com cegueira e deficiência
visual.
A população de deficientes, segundo dados do Censo Demográfico 2000,
divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atinge, no
Brasil, 14,5 % da população, ou 24,5 milhões de pessoas. Os números são
assustadores se comparados com o do último Censo, realizado em 1991, que
identificou apenas 2% da população com alguma deficiência.
Por sua vez, a deficiência visual representa 48,15% da população de pessoas
com alguma deficiência. Essa é a mais numerosa categoria2 de deficientes no Brasil,
segundo o Censo, sendo que, entre 16,5 milhões de pessoas com deficiência visual,
159.824 são incapazes de enxergar.
Esses números tornam-se impressionantes, pois o número de cegos
praticantes da natação como modalidade de competição no Brasil não passa de 60
atletas.3
1
2
3
Única entidade nacional afiliada a Internacional Blind Sports Federation – IBSA.
Os novos índices devem-se ao conceito ampliado de deficiência utilizado neste Censo, compatível
com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde divulgada em 2001
pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Boletins Oficiais da ABDC.
4
Nossa inquietação por levar a prática esportiva da natação a um número
maior de praticantes é aumentada, primeiro porque essa é uma das poucas
modalidades esportivas a possibilitar autonomia completa ao cego em sua prática
esportiva; ou seja, não se faz necessário o auxílio de guias (pessoas videntes) e,
segundo, pelos inúmeros benefícios que as propriedades físicas da água
possibilitam no processo de habilitação e reabilitação do cego.
A natação mostra-se, ainda, como uma das modalidades esportivas mais
adequadas para se verificar o processo de inclusão do cego no esporte, pois possui
características como: regras, formas de treinamento, competições, etc., favoráveis à
inserção dessa clientela no esporte competitivo. Ao contrário de outras modalidades
esportivas, praticadas pelos cegos, essa possibilita a total independência e
autonomia de seus praticantes.
Esses fatores favoráveis, somados à nossa legislação, que prevê e garante o
direito ao acesso irrestrito a todos os cidadãos brasileiros à prática de atividades
físicas, possibilitam a este grupo – cegos e deficientes visuais – defender a prática
da natação em qualquer ambiente esportivo e com qualquer grupo de pessoas.
A autonomia do cego, bem como o ambiente das competições de natação
podem tornar a modalidade um meio altamente favorável à inclusão, uma vez que a
legislação regulamenta e sugere tal prática.
É, portanto, com a intenção de mapear e compreender a realidade da prática
esportiva relacionada a essa modalidade, no que diz respeito aos cegos e
deficientes visuais que sugerimos o tema em nosso estudo.
Quanto à organização deste estudo, no Capítulo I, procuramos determinar e
explicitar, através de seu processo histórico de desenvolvimento, quais as relações
existentes entre a inclusão e a sociedade. Tentamos, além disso, estabelecer quais
as influências desta manifestação social sobre a Educação, a Educação Física
Escolar e a Educação Física Adaptada.
No Capítulo II, faremos uma abordagem sobre o tema inclusão e desporto de
rendimento, procurando explicitar suas diversas representações e utilizações
políticas, econômicas e sociais. Trazendo destaque à forma e maneira como o
5
desporto para pessoas com cegueira e deficiência visual foi e é concebido, utilizado
e desenvolvido nos espaços esportivos regulares e segregados.
Dedicamos o Capítulo III à apresentação e análise dos dados coletados,
através de entrevistas em quatro grandes eventos esportivos destinados a prática da
natação competitiva por pessoas cegas e com deficiência visual, sendo três eventos
nacionais e um, internacional. Os entrevistados foram subdivididos em quatro
grupos: atletas cegos e com deficiência visual, técnicos de atletas cegos e com
deficiência visual, técnicos de atletas com visão e dirigentes esportivos do desporto
para pessoas com deficiência. Esse capítulo é direcionado à tentativa de
interpretação dos depoimentos.
Finalmente, apresentamos, nas páginas finais deste estudo, a conclusão da
análise feita ao longo dos capítulos.
6
CAPÍTULO I
CAMINHOS DA INCLUSÃO
1. Sociedade e inclusão
“ (...) para ser válida a educação deve levar em conta
o fato primordial do homem, ou seja, sua vocação ontológica,
que é tornar-se sujeito, situado no tempo e no espaço, no
sentido de que vive em sua época precisa, em um lugar
preciso, em um contexto social e cultural precisos. O homem
é um ser com raízes espaço-temporais e cabe-lhe a
transformação” ( FREIRE, 1985. p.158).
A idéia de inclusão é uma manifestação social bastante contemporânea, que
vem sendo defendida e difundida entre os mais variados setores da sociedade.
Contudo, as evidências históricas demonstram que esse fenômeno surgiu e se
desenvolveu relacionado, principalmente, à causa da defesa da pessoa com
deficiência.
Tal movimento teve início a partir da década de 80, mais precisamente em
1981, quando a Organização das Nações Unidas – ONU, realizou o Ano
Internacional das Pessoas Deficientes. A partir dessa semente o conceito de
inclusão evoluiu, durante as duas últimas décadas, à medida que reuniões e
conferências4 foram realizadas e documentos e declarações foram produzidos em
prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência.
4
Em função de muitos outros autores, terem estudado e publicado trabalhos com referência a produção de
documentos, não é nossa intenção nos aprofundarmos sobre o assunto. No entanto, acreditamos ser
importante citar alguns que balizam nossa discussão: Programa Mundial de Ação Relativo às Pessoas com
Deficiência (United Nations, 1983); Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com
Deficiência (Nações Unidas,1996); Declaração de Salamanca e Linha de Ação (UNESCO, 1994).
7
A Assembléia Geral da ONU, ocorrida em Dezembro de 1990, é um marco
desse desenvolvimento, pois, através da Resolução Nº 45/91, que explicitou o
modelo de Sociedade Inclusiva, também denominada “Sociedade para Todos”,
determina que esta deve ser estruturada para atender às necessidades de cada
cidadão, baseando-se no princípio de que todas as pessoas têm o mesmo valor
perante a sociedade (Ferreira,1999).
A sociedade aberta às diferenças é aquela em que todos se sentem
respeitados e reconhecidos nas suas diferenças. O pluralismo respeita as diferenças
e se constitui como eixo central de um processo democrático. Saber respeitar as
diferenças talvez seja a tarefa mais difícil da sociedade contemporânea, pois a
mesma sociedade é que homogeneíza a partir da construção de modelos préestabelecidos.
Sendo assim, Werneck (1997:21) afirma que “a sociedade para todos,
consciente da diversidade da raça humana, estaria estruturada para atender às
necessidades de cada cidadão, das maiorias às minorias, dos privilegiados aos
marginalizados”.
Mantoan (2001:51) destaca ainda que “não lidar com as diferenças é não
perceber a diversidade que nos cerca, nem os muitos aspectos em que somos
diferentes uns dos outros e transmitir, implícita ou explicitamente, que as diferenças
devem ser ocultadas, tratadas à parte”.
O conceito de inclusão se expande, à medida que não somente defende
grupos de pessoas com deficiência, mas também reivindica igualdade de direitos
para todos os cidadãos que, por um motivo qualquer, estejam excluídos de um
ambiente social e dos serviços oferecidos pela sociedade. Caminha, portanto, no
sentido de uma “sociedade para todos” e do reconhecimento de que a sociedade
deve ser plural e aberta às diferenças.
Muitas minorias, porém, renunciam ao principio de igualdade da lei, e de igual
acesso às funções públicas, recorrendo ao sistema de “discriminação positiva”,
também chamado de “discriminação ao inverso” por Pierucci (1999), que afirma:
8
“ É a lógica da auto-representação, segundo a qual toda a diferença (sexo, etnia,
língua, idade, religião) deve valer enquanto tal, sem recurso ao principio organizado
de uma representação gera/ (...) seria um mundo no qual a diferença se autorepresentaria e, neste auto-representar–se, contribuiria para fazer desaparecer a
necessidade “moderna” de uma representação dos cidadãos concebidos como
entidades genéricas e abstratas e, por conseqüência, como povo ou nação dotada
de uma vontade geral” (p.114).
A discriminação positiva surge como uma perspectiva paralela à da inclusão e
se configura como uma possibilidade de atender às necessidades de grupos
minoritários, os quais se organizam e baseiam a defesa do direito de igualdade na
busca de leis e ações que atendam somente aos seus direitos e interesses, tendo
como foco único suas necessidades individuais. Objetivando, desta forma, receber
respostas, serviços e atendimentos que partam não da aceitação dos mesmos
grupos em sociedade, mas da categorização que se estabelece a partir de suas
características de classe social, crença, etnia, deficiência, etc... .
Essa maneira de agir remete, entre outras formas de discriminação, à
necessidade de se separar os diferentes em busca da “pseudo” homogeneidade,
negando que é possível ocorrer desenvolvimento (em todos os aspectos) num
ambiente rico em diversidade (Mantoan, 2001).
Pierucci(1999) cita Berger(1992) para afirmar que:
“Em síntese, nenhuma diferença pode ser verdadeiramente interpelada e
eficientemente mobilizada sem contribuir para a representação de um todo que
necessariamente abstrai de outras diferenças, as quais, por sua vez e em outro
momento histórico, também podem vir a pretender ter o direito de se mobilizar e se
autocolocar na cena política com sua incomensurável especificidade” (p.115, 116).
O objetivo de ter direitos e anseios atendidos deve partir da necessidade de
se viver em sociedade, uma vez que essa convivência deve garantir a todos
liberdade de expressão, possibilitando o direito de viver como cidadãos.
A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem proclama:
9
“(...) que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e
que os direitos e liberdades de cada pessoa devem ser respeitados sem qualquer
distinção”.
E reafirma:
“(...) que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e
liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito
de não ser submetidas (sic) à discriminação com base na deficiência, emanam da
dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano”.
O Governo Federal, através do Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001,
onde o Presidente da República promulga a Convenção Interamericana para a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de
Deficiência, busca a consolidação da tão cultuada sociedade para todos.
Pensar no poder das minorias, pelo viés ideológico da discriminação positiva,
pode se transformar em um equívoco, pois possibilitaria à humanidade criar uma
quantidade enorme de categorias e hierarquias, com benefícios questionáveis para
todos. De fato, a discriminação positiva provoca a autodefesa de pessoas e grupos e
não avaliza o desejável, ou seja, a inclusão em uma sociedade para todos, que gera,
cria e propicia a possibilidade de todos terem os seus direitos respeitados.
Ao refletirmos sobre a questão da igualdade de oportunidades, não podemos
nos esquecer de que vivemos, mais do que nunca, em um mundo capitalista, onde a
produção, sob todos os aspectos, é valorizada e cobrada pela sociedade.
A livre concorrência apregoada em nosso tempo tende a acentuar esta
ideologia em que sobrevivem somente os “eficientes” e os dotados de grande
habilidade e conhecimento. Como, então, incluir no mundo do mercado e da
qualidade o respeito à diversidade e o conceito de diferença, nos mais diversos
âmbitos sociais?
Baker e Gaden (1992) sugerem duas posições sobre o assunto:
“(...) a primeira preconiza uma oportunidade igual e justa para todos e postula que
os termos da competição para o avanço social devem ser fundamentados
10
unicamente no talento do indivíduo. Assim nenhuma pessoa é colocada em
desvantagem em virtude de seu sexo, raça, religião e de seus antecedentes sociais.
No entanto a aplicação dessa concepção deixaria lugar a uma sociedade que
apresenta desigualdades sociais, econômicas e políticas consideráveis e se
preocupa unicamente em regulamentar a competição” (p.59).
A segunda posição busca o direito a oportunidades iguais e igualitárias para
todos e se fundamenta em um princípio mais coerente com uma sociedade aberta às
diferenças, que busca o reconhecimento e a valorização do indivíduo através da
aceitação da diversidade humana, uma vez que tal principio supõe que:
“(...) cada pessoa deve ter a oportunidade real de desenvolver suas capacidades
particulares de um modo satisfatório. É o principio a partir do qual cada um se vê
reconhecido do direito de se beneficiar das fontes necessárias para o seu
desenvolvimento” (p.59).
Baseados na idéia de uma sociedade plural, que respeita e valoriza as
diferenças e no direito a oportunidades iguais e igualitárias para todos, é que
podemos pensar em uma sociedade verdadeiramente inclusiva.
Devemos reconhecer as pessoas, lembrando que são seres singulares
(únicos) e ao mesmo tempo sociais. No entanto, garantir de forma contundente e
abrangente a concretização deste modelo de sociedade, que propicia oportunidades
iguais e igualitárias para todos, não é, e nem será, tarefa fácil. A busca incessante
dessa sociedade garantirá aos seres humanos serem aceitos independentemente de
suas capacidades ou realizações, dando-lhes, assim, o direito à dignidade.
Os direitos sociais e individuais das minorias não são garantidos
simplesmente pela obrigatoriedade das leis ou pela pressão desses grupos, mas
pela compreensão de que a sociedade é plural e de que a diversidade deve ser
respeitada e, sobretudo, compreendida como fonte de riqueza no processo de
construção de uma sociedade mais justa.
Portanto, nos dias atuais, é marcante a busca pela valorização e aceitação
das diferenças e da diversidade, o que faz com que o caminho para uma sociedade
inclusiva possa ser vislumbrado não mais como uma simples utopia, como alertam
11
as pessoas com pensamento contrário ao modelo de sociedade para todos, mas sim
como uma possibilidade real.
Essa possibilidade vem se concretizando a cada dia e a cada ação e atitude
de respeito, solidariedade, amizade para com as pessoas que, por um motivo
qualquer, não se mostraram eficientes para os padrões de normalidade impostos.
1.1. Educação, inclusão e suas interfaces com a Educação Física
O universo escolar, dentre os muitos ambientes sociais que lutam pela
inclusão na sociedade contemporânea, tem lugar de destaque por ser um dos locais
mais efervescentes desse debate. Um retrato histórico da luta em prol das pessoas
deficientes através da inclusão escolar faz-se necessário, pois esse movimento
embasou e propiciou o debate e a reflexão em áreas de interface como a Educação
Física, Educação Física Adaptada e o Desporto Adaptado, este último sendo foco de
interesse principal neste trabalho.
A análise retrospectiva da educação especial evidencia que sua trajetória
acompanha a evolução histórica da conquista dos direitos humanos, tendo destaque
o direito à educação de cada indivíduo, conforme a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) e as demandas resultantes da Conferência Mundial de
Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990).
A Conferência de 1990 propôs a adoção de Linhas de Ação em Educação
Especial, cujo princípio orientador é que:
“todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas
condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Deveriam
incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças
de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias
lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem ou
marginalizados...No contexto destas Linhas de Ação o termo ‘necessidades
educacionais especiais’ refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas
necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de
aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e têm,
portanto, necessidades especiais em algum momento de sua escolarização. As
escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças,
inclusive as que têm dificuldades graves” (p.17-18).
12
Tal proposta foi reafirmada na Declaração de Salamanca de Princípios, Política
e Prática em Educação Especial, que resultou da Conferência Mundial sobre
Necessidades Educativas Especiais. Participaram e assinaram a Declaração 92
países e 25 ONGs, em Salamanca, na Espanha em 1994.
Da Declaração de Salamanca, destacamos os seguintes tópicos:
•
•
•
•
Que o princípio da inclusão consiste no “reconhecimento da necessidade de se
caminhar rumo à ‘escola para todos’ ---- lugar que inclua todos os alunos, celebre
a diferença, apoie a aprendizagem e responda às necessidades individuais” (p.iii);
Que a “preparação adequada de todo o pessoal da educação constitui um fator
chave na promoção do progresso em direção às escolas inclusivas” (p.27);
Que “a provisão de serviços de apoio é de importância primordial para sucesso
das políticas educacionais inclusivas” (p.31);
Que “o sucesso da escola inclusiva depende, consideravelmente, de
identificação, avaliação e estimulação precoces das crianças bem pequenas,
portadoras de necessidades educacionais especiais” (p.33).
A Constituição Brasileira de 1988 garante o direito à educação de pessoas
portadoras de necessidades especiais. Trata-se da garantia de acesso e
permanência na escola de qualquer aluno, sem excluir ninguém. Também significa
colocar em prática uma política de respeito às diferenças individuais, o que
representa atendimento diferenciado para determinados alunos, dentre os quais se
situam os alunos com deficiência.
Para Carvalho (1997), o conceito da escola inclusiva surge dos debates sobre
a universalização da educação, apontados na Declaração de Salamanca, somados
ainda ao consenso de que jovens e adultos com necessidades especiais devem ser
incluídos em escolas comuns. No entanto, o principal desafio é desenvolver uma
pedagogia centrada no aluno, capaz de educar a todos, inclusive àqueles que
apresentam desvantagens severas.
A partir desses elementos, as escolas regulares teriam de assumir a tarefa de
ensinar a todos os alunos, contribuindo, assim, para que a avaliação de novas
possibilidades educacionais fossem realizadas a partir de dados concretos.
Infelizmente, esse desafio foi neutralizado por leis, resoluções e diretrizes escolares,
que
continuam
excluindo
alunos
que
não
se
enquadram
em
“normas”
13
arbitrariamente estabelecidas. Veja-se a este propósito a Resolução 02/2002 do
Conselho Nacional de Educação: Diretrizes do Ensino Especial na Educação Básica.
Mantoan (2001), em seu parecer sobre esse documento, destaca que "esse
novo conceito educacional não avança, do ponto de vista das aplicações na mesma
medida em que vai sendo esclarecido, do ponto de vista teórico”. Para a autora,
esse descompasso fica evidente, à medida que o documento traz afirmações como:
“O propósito exige ações práticas e viáveis que tenham como fundamento uma
política especifica, em âmbito nacional, tendo em vista a inclusão dos serviços de
educação especial na educação regular” (p.21). [grifo nosso].
Surge, a partir dessas reflexões, uma maior sensibilidade social frente ao
direito de todos a uma educação fundamental, respeitando os pressupostos da
inclusão e não da segregação. Mas o que vigora, ainda, é o meio menos restritivo
possível para a escolarização de alunos com deficiência, especialmente os casos
mais severos. Entende-se por ambiente menos restritivo aquele onde o aluno é
protegido, como ocorre nos atendimentos típicos da Educação Especial.
A divulgação e os estudos sobre esta nova forma de se conceber a escola e
a sociedade a partir dos pressupostos inclusivos, não garante o entendimento do
que vem a ser inclusão, pois muitas vezes esta é confundida ou relacionada com a
idéia ou conceito de integração, (Mantoan, 1998; Masini, 1999; Ferreira, 1999). Essa
incompreensão acaba contaminando áreas de conhecimento afins da Educação
Escolar, como a Educação Física e Desporto, de uma maneira geral.
Sendo assim, para que possamos refletir sobre a realidade da Educação
Física e do Desporto para Pessoas Deficientes, é necessário aclararmos as
diferenças entre as duas situações de inserção: integração e inclusão, uma vez que
muitas ações realizadas na prática da Educação Física Adaptada e do Desporto
Adaptado refletem tais conceitos, compreendidos de forma equivocada.
Ao contrário do que muitos pregam, a troca dos vocábulos não acontece
somente para acompanhar uma visão contemporânea que prevê um comportamento
“politicamente correto” nos ambientes que recebem pessoas deficientes. Ela vem
14
embasada em uma mudança atitudinal da sociedade, atitude esta que deve partir de
uma reflexão política, filosófica e ideológica. (Ferreira,1999).
Trata-se de uma situação que não é uma mera troca de palavras, mas de
problemas conceituais de base, que não podem ser descartados ou tratados
ingenuamente.
Mantoan (1998), ressalta que:
“ (...) integração e inclusão --- conquanto tenham significados semelhantes, estão
sendo empregados para expressar situações de inserção diferentes e têm por detrás
de si posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas” (p.31).
A prática da integração se baseia no princípio da normalização, princípio este
que surge no início da década de 60, na Dinamarca, com o seguinte pensamento:
“ (...) toda pessoa portadora de deficiência, especialmente aquela portadora de
deficiência mental, tem o direito de experimentar um estilo ou padrão de vida que
seria comum ou normal à sua própria cultura” (Sassaki, 1997, in: Mendes, 1994).
O indivíduo era preparado conforme seus valores e costumes, buscando um
padrão comportamental que se aproximasse mais do considerado “normal”, para
aquele ambiente social no qual ele seria inserido.
Ide (1999) destaca ainda que:
“ (...) normalizar não significa pretender converter em normal uma pessoa
deficiente, mas aceitá-la como é, com suas deficiências, reconhecendo-lhes os
mesmos direitos que os outros e lhes oferecendo os serviços necessários para que
possa desenvolver ao máximo as suas possibilidades e viver tão normal quanto
possível” (p.7).
Para Mantoan (1998) a normalização visa tornar acessíveis as pessoas
desvalorizadas socialmente, disponibilizando-lhes as mesmas condições e os
mesmos modelos de vida que são semelhantes aos que estão disponíveis de um
modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade. Isso implica na
adoção e no entendimento de um novo paradigma, que modifica as relações entre
15
as pessoas e que deve ser acompanhado de medidas que objetivam a eliminação de
toda e qualquer forma de rotulação.
A normalização, para a autora, não é hoje um bom parâmetro para se discutir
a inclusão, porque as diferenças entre as pessoas não podem ser confundidas com
desigualdades, as quais se ordenam a partir de uma norma previamente
estabelecida.
Apesar de toda essa conceituação e contextualização, o princípio da
normalização foi confundido com a noção de “tornar normais os deficientes”, atitude
esta que, no Desporto Paraolímpico, como veremos no capítulo seguinte, é muito
reforçada.
A integração tem, portanto, como enfoque principal, a transformação do
sujeito para adequá-lo à sociedade. Já a inclusão busca a transformação da
sociedade para receber esse sujeito; ou seja, as duas concepções de inserção do
deficiente na sociedade têm fundamentos com enfoques e perspectivas, no mínimo,
conflitantes.
A visão de sociedade inclusiva, que aqui esboçamos, tem como objetivo a
melhoria da qualidade de vida das pessoas em geral, o reconhecimento e a
valorização das diferenças entre os humanos.
A inclusão surge, no final do século XX, como um avanço na vida em
sociedade, mas ainda existe a necessidade de estudos mais aprofundados e
regulamentações para sua aplicação em todos os espaços de vida humana da
escola às ruas, ao lazer, ao desporto .
A Educação Física tem demonstrado o desejo de se tornar inclusiva, mas
novamente cai nas armadilhas da conceituação, pois se apropria equivocadamente
dessa idéia para justificar uma prática “politicamente correta“, porém, não
transformadora e compatível com o entendimento do verdadeiro sentido do esporte
para todos.
O fato é que a Educação Física e também o desporto como integrantes desse
campo do conhecimento, apropriaram-se e passaram a utilizar uma terminologia
moderna para fazer parte de um modelo contemporâneo de atendimento às pessoas
16
com deficiência, não modificando, no entanto, sua forma de atuar e atender a essas
pessoas em sua prática na escola e no esporte.
Isso é marcado pelas ações realizadas por alguns profissionais da Educação
Física, que atuam no âmbito escolar e esportivo e levantam a bandeira da inclusão,
mas, mesmo tendo a intenção de auxiliar na inserção da pessoa com deficiência na
prática da atividade física, se equivocam e atuam dentro de uma perspectiva muitas
vezes segregadora e integradora. O atendimento segregado não pode ser visto
como um meio para a inclusão, pois contraria os princípios do que vem a ser uma
sociedade inclusiva e que já foram descritos neste trabalho.
Não queremos, aqui, desrespeitar e desconsiderar todo o trabalho
desenvolvido e baseado numa visão segredadora ou integradora de Educação
Física, pois acreditamos que, historicamente, isso foi necessário e teve sua
importância para que pudéssemos alavancar tal prática. Porém, não podemos fechar
os olhos às mudanças da sociedade contemporânea, que busca a igualdade de
direitos e oportunidades e respeita as diferenças.
Para Mazini (2002), os profissionais de Educação Física que atuam com o
esporte nas suas mais diversas formas e com os mais diferentes objetivos, devem
estar preparados para lidar com a diversidade.
Os profissionais da Educação Física não podem somente incorporar um
termo. Devem compreender as idéias e conceitos que compõem essa forma de se
entender a sociedade inclusiva, buscando uma real e concreta transformação de sua
prática profissional. Essas transformações devem ser concretizadas para que
situações de exclusão e de segregação, tanto na escola como no desporto, não mais
ocorram.
Esta confusão entre teoria e prática é evidente quando verificamos que
definições equivocadas são utilizadas para compreender e justificar a prática dos
profissionais de Educação Física que atuam com pessoas com deficiência.
Bloch (1994) afirma:
"A inclusão se refere a proporcionar instrução especialmente planejada
(incluindo os serviços de apoio necessários) aos estudantes com deficiências
17
dentro dos ambientes regulares de educação. Com relação à Educação Física, a
inclusão significa Educação Física Adaptada, oferecida dentro do ambiente regular
de Educação Física” (p.18).
A definição acima descreve uma situação de integração e não de inclusão, o
que reforça e acaba atrapalhando ainda mais a compreensão daqueles que buscam
conhecimentos teóricos para fundamentar o que é chamado de Educação Física
Adaptada.
O termo Educação Física Adaptada surge a partir da década de 50 nos EUA
pela AAHPERD ( American Association for Health, Physical Education, Recreation
and Dance), sendo concebida a partir de uma visão segregadora, como um
programa de:
“ (...) atividades desenvolvimentistas, jogos e ritmos adequados aos interesses,
capacidades e limitações de estudantes com deficiências que não podem se
engajar com participação irrestrita, segura e bem sucedida em atividades vigorosas
de um programa de educação física geral” (Pellegrine e Junghannel, 1985, p.07).
Cidade (2002) cita Duarte e Werner (1995) para esclarecer que concebe a
Educação Física Adaptada como:
“ (...) uma área da Educação Física que tem como objeto de estudo a motricidade
humana para as pessoas com necessidades educativas especiais, adequando
metodologias de ensino para o atendimento às características de cada portador de
deficiência, respeitando suas diferenças individuais” (p.36).
A Educação Física Adaptada não é o único termo utilizado para fazer
referencia à Educação Física que atende pessoas com deficiência ou com
necessidades especiais. Temos ainda a Educação Física Especial, a Atividade
Motora Adaptada entre outra terminologias, o que causa uma certa desordem e uma
incompreensão quanto ao real papel e forma de atuar junto a esta população.
Reforçando essa posição Gonçalves (2002) aponta que as muitas
terminologias empregadas para determinar qual é área da Educação Física
18
Adaptada, acaba por contribuir para uma certa confusão quanto à sua abrangência e
função. Essa tempestade terminológica desvia e confunde o profissional de
Educação Física, fazendo com que se esqueça que seu objetivo principal é atender
às necessidades de todos aqueles que desejam, necessitam e têm direito a praticar
uma atividade física, independentemente de suas características físicas, mentais,
sensórias etc.
A Atividade Física deve ser estimulada a partir de uma nova concepção, mais
inovadora e menos tecnicista, afastada de estereótipos e modelos pré-estabelecidos
que valorizam somente as competências, esquecendo e excluindo todos aqueles que
não se enquadram dentro dos padrões de normalidade ou de eficiência.
Portanto, não devemos esquecer que é um direito de cada cidadão a prática
da atividade motora. Sendo assim, é um compromisso ético do profissional de
Educação Física atender a todos aqueles que buscam praticar essa atividade.
Lembramos que quem determina o objetivo e o motivo da atividade é o sujeito e não
o profissional da Educação Física, o qual deve ser simplesmente um mediador das
relações que envolvem esta determinada prática.
Para Manuel Sérgio (1981):
“ (...) falar da motricidade (...) é algo mais do que falar dos objetivos da educação
através das atividades corporais; é também lutar por um novo rosto da sociedade,
onde o ato pedagógico inclua a Educação Física e seja plenamente democratizado”
(p.91).
A escola tem um papel fundamental, na medida em que a Educação Física
Escolar pode demonstrar à pessoa com deficiência um universo de possibilidades
quanto à prática de atividades físicas e esportes, que podem levar esses sujeitos ao
universo do desporto de rendimento.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais destacam que:
“A Educação Física deve dar oportunidade a todos os alunos para que desenvolvam
suas potencialidades, de forma democrática e não seletiva, visando seu
19
aprimoramento como seres humanos. Nesse sentido, cabe assinalar que os alunos
portadores de deficiências físicas não podem ser privados das aulas de Educação
Física” ( MEC-SEF, 1997, P.34).
Gostaríamos que todos os alunos pudessem ter acesso e possibilidade de
usufruir desse direito. Todos aqueles que estão esquecidos e isolados, sejam eles
deficientes ou não. O ensino deve ser direcionado a alunos reais e não a alunos
ideais. (Freire,1999)
Diante disso, não podemos ser simplistas a ponto de acharmos que pequenos
arranjos bastam para que a relação da Educação Física e a pessoa com deficiência
possa realmente se efetivar.
Na opinião de Freire (1989:218): “mesmo reconhecendo que é necessário ter
Educação Física nas escolas, isso que todos conhecemos não serve mais”.
Lopez (1993) faz a seguinte afirmação:
“ (...) não se percebe trabalho que faça referência a Educação Física Escolar para
pessoas portadoras de deficiência (ppd) em escolas regulares. As ppds a que me
refiro são as que freqüentam uma sala de ensino regular, ou seja junto com crianças
não portadoras de deficiência. Não se vê pelo menos de forma expressiva uma
preocupação quanto à atividade física na escola para essas pessoas” (p.18).
Uma das maiores queixas daqueles que se deparam com uma situação de
ensino de pessoas com deficiência em um ambiente regular é o fato de que não
foram ou não estão preparados para atender a essas pessoas, seja este um
ambiente educacional ou esportivo.
Manzini (2002) faz referência a essa questão salientando que, apesar das
dificuldades indicadas e encontradas, é necessário acreditar na necessidade de
combater a exclusão social e educacional.
Esta referência à falta de preparo por parte dos professores de Educação
Física, demonstra talvez um certo conformismo e desinteresse desses profissionais
quanto à possibilidade de mudança da sociedade frente à prática de atividades
físicas e esportes por pessoas com deficiência.
20
Lamentavelmente, ainda nos dias de hoje, temos de conviver com esses
argumentos que fazem com que a população de pessoas com deficiência seja
discriminada ou segregada para a prática de atividades físicas e esportes.
Nesse sentido cabe o que diz Mantoan (2001):
“ (...) os obstáculos a serem vencidos são de natureza subjetiva e, ao nosso ver,
são os mais fortes, pois dizem respeito a questões que estão arraigadas à nossa
formação e a experiências pessoais em uma sociedade que não está habituada a
reconhecer e a valorizar as diferenças” (p.55).
Segundo Gonçalves (2002), a partir da década de 80, ações governamentais
foram idealizadas sendo algumas efetivadas para amenizar essa problemática,
através:
a)
da garantia da presença do professor licenciado em Educação
Física na equipe interdisciplinar que atende as pessoas com
necessidades especiais;
b)
do desenvolvimento por parte do governo de programas de
Educação Física, desporto e lazer para essa população; melhoria
das condições dos profissionais que atuam na área;
c)
inclusão nos currículos dos cursos de graduação em Educação
Física de disciplina e/ou conteúdos relacionados à deficiência,
implantação de cursos de pós-graduação e de atualização
destinados a profissionais dessa área: fomento à pesquisa em
Educação Física Adaptada por parte das agências financiadoras e
instituições de ensino superior.
Lima (1998) afirma que:
“(...) no período,de 1981 até 1996, a partir da proclamação do Ano Internacional da
Pessoa Portadora de Deficiência pela ONU, o Governo Federal, através de diversos
órgãos existentes na estrutura administrativa, procurou direcionar suas ações rumo
ao desenvolvimento de uma política de ação mais voltada ao entendimento e
21
garantia dos direitos das pessoas deficientes e, nesse contexto, a formação de
recursos humanos para atuar na Educação Física com essas pessoas também
recebeu atenção especial” (p.88) .
Apesar de todas as ações do Estado e dos esforços de grupos de apoio à
pessoa com deficiência, isso não foi suficiente para minimizar a exclusão ou
ausência da pessoa com deficiência da prática de atividade física, seja ela realizada
na escola ou em outro ambiente educacional regular. O problema persistiu e ainda
persiste.
O mesmo autor conclui que:
“ (…) a maioria das ações estiveram voltadas para o esporte de competição e
nesse, a exemplo do desporto convencional, que elitiza a participação, não há o
envolvimento da maioria das pessoas portadoras de deficiência, principalmente
daquelas que se encontram na faixa pré-escolar, escolar ou na terceira idade”
(p.90).
Essa nos parece ser uma das muitas contradições e dicotomias que fazem
com que aqueles que têm o direito e talvez mais necessitem da prática de atividades
físicas e esportes, se afastem dela.
Um fato a ser destacado é a inclusão, nos currículos dos Cursos de Educação
Física, de disciplinas e/ou conteúdos relacionados a pessoas com deficiência e a
criação de Cursos de Pós-Graduação destinados a profissionais dessa área. Até
então eles têm sido somente um paliativo para solucionar essa problemática.
A formação de recursos humanos para atender a essa população foi, e é,
talvez uma das maiores preocupações. Alguns autores entendem ser este um ponto
fundamental para que a pessoa com deficiência tenha a possibilidade de se
desenvolver através dos benefícios que a Educação Física pode trazer. Eles têm
pesquisado como e qual tem sido este processo.
Na tentativa de compreender esses fatos, destacamos os estudos de
Gonçalves (2002) e Santos (1998). Sendo que o primeiro autor procurou
compreender o que os docentes da disciplina de Educação Física Adaptada estão
22
propondo para a formação inicial na área, frente às políticas implantadas no país, no
que se refere ao tipo de formação humana que está sendo veiculada, assim como os
conteúdos significativos para essa formação. Já o segundo, analisou em seus
estudos a disciplina Educação Física Adaptada no currículo de cinco cursos de
Graduação em Educação Física.
Destacamos a seguir algumas das conclusões dos trabalhos citados que nos
parecem muito elucidativas e esclarecedoras, para que possamos compreender o
problema da formação de recursos humanos na área da Educação Física, já que a
falta de preparo e de conhecimento teórico, como já demonstrado, é uma das
principais queixas dos professores que atuam com pessoas portadora de deficiência,
na área.
Gonçalves (2002) e Santos (1998) concluem:
•
que a carga horária das disciplinas de Educação Física Adaptada nos cursos de
graduação em Educação Física é insuficiente para atender à demanda de conteúdos;
•
existir um descompasso e um falta de coerência entre ementas e conteúdos
programáticos;
•
ser necessário que o assunto seja integrado inteiramente ao currículo, envolvendo
todas as disciplinas. Do contrário, a ênfase recai sobre a diferença, ou seja, ter
apenas uma disciplina tratando a questão da deficiência pode reforçar a noção de
que a segregação (do conhecimento e de indivíduos com deficiência) é necessária;
•
que a essência da formação em Educação Física Adaptada situa-se no
Conhecimento Técnico- Funcional Aplicado, permitindo dizer que este campo da
formação profissional não sofreu alterações significativas em relação às abordagens
biológicas e tecnicista, que durante décadas influenciou os trabalhos na área da
Educação Física;
•
que em alguns programas de ensino há uma tendência à esportivização e aos
aspectos técnicos da modalidade;
•
que é clara a fragilidade dos programas pesquisados, demonstrando a necessidade
de discussões referentes à formação profissional em Educação Física Adaptada,
principalmente frente às implicações da inclusão escolar.
23
Lima (1998), buscou conhecer a realidade profissional dos egressos dos
cursos de especialização em Educação Física Adaptada, desenvolvidos entre os
anos de 1981 e 1996. Em seu trabalho, esse autor identificou:
•
um pequeno número de especialistas em Deficiência Visual;
•
existir um descompasso entre a área de atuação e formação. Muitos dos egressos
foram trabalhar no ensino regular, local para o qual, segundo os próprios
especialistas, teriam sido menos preparados;
•
que essa situação explicita o caráter contraditório das políticas públicas brasileiras.
Uma vez que o mesmo que advoga a educação do deficiente em escolas regulares
também defende a formação de especialistas para atuarem em áreas específicas da
deficiência e em escolas especializadas;
•
que os cursos contrariam também os Planos Nacionais de Pós-Graduação, que
determinam que a pós- graduação lato sensu deveria assegurar o treinamento eficaz
de recursos humanos para atenderem às necessidades do desenvolvimento de todas
as áreas do conhecimento e do mercado de trabalho;
•
que a continuar este processo de fragmentação, desvinculado da realidade e, de
certa forma, na contra-mão da história da Pós-Graduação, os futuros profissionais
cada vez mais, estarão distanciados e deslocados das funções para as quais estão
sendo preparados, tendo em vista que a tendência atual das políticas públicas que
aponta para a inserção do deficiente no ensino regular, exigindo, com isso, um novo
perfil profissional.
O discurso da exclusão e da Educação Física Adaptada aparece também no
grande número de teses e dissertações que buscam metodologias de ensino para
práticas esportivas especificas, destinadas à população de pessoas com deficiência.
Tratam em sua maioria de seqüências pedagógicas, adaptações de regras, materiais
adaptados para jogos em geral, dos quais as pessoas com deficiência podem
participar.
Fizemos um levantamento bibliográfico do tema utilizando como ferramenta
de busca principal o Núcleo Brasileiro de Dissertações e Teses em Educação Física
e Educação Especial – NUTESES cujo site é: www.nuteses.ufu.br.
A partir dessa ferramenta de busca pudemos ter acesso às bibliotecas das
Universidades com programas de Pós-Graduação stricto sensu e fomos aumentando
24
o campo de busca através dos sites e links de cada Universidade. Sendo assim,
foram pesquisadas, no período de 1995 a 2000:
UNIVERSIDADES
UCB-RJ
UDESC
UFMG
UFRGS
UFRJ
UFSC
UFSM
UGF
UNESP
UNICAMP
USP
UCB/Brasília
UERJ
Universidade Castelo Branco
Universidade Estadual de Santa Catarina
Universidade Federal de Minas Gerais
Universidade Federal de Rio Grande do Sul
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Universidade Federal de Santa Catarina
Universidade Federal de Santa Maria
Universidade Gama Filho
Universidade Paulista “Júlio Mesquita “
Universidade Estadual de Campinas
Universidade de São Paulo
Universidade Católica de Brasília
Universidade Estadual do Rio de Janeiro
Programas de Pós
Graduação em Ed. Física
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Mestrado
Doutorado
Doutorado
Doutorado
Doutorado
Na pesquisa bibliográfica realizada foram encontrados 62 títulos. Esses títulos
foram identificados e divididos em 10 assuntos e o critério adotado para a divisão foi
o agrupamento por palavras-chaves.
Como podemos observar na Tabela 1, os títulos encontrados nos mostram
um número reduzido de obras e publicações sobre o tema proposto, que é a relação
entre Educação Física/Natação/Inclusão/Deficiência Visual.
Tabela 1 – Pesquisa Bibliográfica – NUTESES
1.
2.
3.
4.
5.
6.
7.
8.
9.
10.
Assunto
Quant. Títulos
Educação Física/ DV/ Inclusão
Educação Física Adaptada/ DV
Educação Física/ Deficiência/ Inclusão/Integração
Educação Física Adaptada/ Deficiência
Educação Física Adaptada/ Formação Profissional
Educação/ DV/ Inclusão
Educação/ Deficiência/ Inclusão/ Integração
Legislação/Educação/ Inclusão
Reabilitação/ DV/ Assuntos Gerais
Deficiência Visual/ Natação
00
06
10
11
03
04
12
05
10
01
25
Pudemos, através da análise da tabela acima, verificar que há um interesse
em se pesquisar o tema
Educação/Inclusão. No entanto, há poucos estudos
relacionados à Educação Física/Inclusão e Natação/Inclusão.
Manzini (2002) complementa o assunto dizendo que:
“ (...) o que se percebe nos trabalhos publicados que versam sobre atividades
motoras adaptadas (...) é que o direcionamento sempre ocorre para uma categoria
de deficiência especifica: mental, física, auditiva ou visual, ou seja, para um grupo
específico” ( p.83).
A concepção segregadora e elitista, baseada no modelo vigente de ensino e
transmissão de conhecimentos e conteúdos da disciplina Educação Física Adaptada
fez com que os profissionais dessa disciplina fossem formados, em sua maioria,
somente para entender de aspectos relacionados a conteúdos técnicos da
deficiência, ou seja, patologias especificas, técnicas de treinamento, regras
utilizadas somente no universo do desporto adaptado e outras. Não propiciando o
debate de novas práticas de atividades físicas e esportes, destinadas aos
deficientes, que partam da perspectiva do esporte inclusivo.
A prática de atividade física e os esportes são grandes instrumentos de
reabilitação e de habilitação de pessoas com deficiência, mas, sobretudo, têm
propiciado a inserção e valorização dessas pessoas na sociedade,
O contato das pessoas com deficiência e os esportes trazem para a
sociedade um novo enfoque sobre o processo de inserção, pois não coloca o
deficiente em condição incapaz. A prática esportiva ressalta as potencialidades e
traz na medida em que estas pessoas são mais aceitas, uma melhora na sua autoestima e na qualidade de vida.
O contato com os esportes desmistifica a imagem de inutilidade e imobilidade
da pessoa com deficiência. Esses fatores podem ainda favorecer a aproximação e o
contato social entre as pessoas denominadas “não deficientes” e as “deficientes”.
26
Essa realidade, porém, nos parece muito mais próxima de ser alcançada se
nos balizarmos nos conceitos de uma sociedade inclusiva, que possibilita o acesso a
todos aqueles que desejam se beneficiar da atividade física, seja ela qual for.
A Educação Física Adaptada, que surgiu a partir dos conceitos de
normalização e integração e que busca, na discriminação positiva e na segregação a
promoção da pessoa com deficiência, deve ser, portanto, revista não só em suas
reflexões teóricas, mas também em suas ações práticas.
A revisão da atuação do profissional da Educação Física diante do problema
da inserção da pessoa com deficiência na prática da atividade física é necessária
para que essa área de conhecimento se mantenha em concordância com o que se
espera de uma proposta moderna de Educação Física.
A necessidade de transformação é caracterizada, conforme observamos num
discurso que se apóia no termo inclusão, mas não segue seus preceitos teóricos
dessa proposta inovadora. A formação do professor de Educação Física, que está
afastada das necessidades e da realidade do mercado, contribui para perpetuar
esse distanciamento da pessoa portadora de deficiência da prática esportiva em
ambientes regulares.
O discurso exagerado, que reforça a necessidade de uma extrema
especialização para ministrar aulas e desenvolver projetos esportivos para pessoas
portadoras de deficiência, faz com que os cursos de Educação Física, através das
disciplinas voltadas para esse tema, formem especialistas e não o que é necessário
– o profissional generalista – que poderá inicialmente apresentar a atividade física e
os esportes no universo da escola, pois muitas vezes esses alunos com deficiência,
não têm oportunidade de freqüentar as aulas de Educação Física, direito assegurado
a todos na legislação Brasileira.
A prática da Educação Física Escolar é um dos componentes da formação
educacional do aluno, sendo necessária para sua formação geral. Sua vivência
propicia conhecimento das possibilidades de uma prática esportiva pela pessoa com
deficiência, podendo incentivá-la a praticar o desporto dentro da perspectiva do
rendimento.
27
As disciplinas de Educação Física Adaptada, bem como o Desporto
Adaptado, nos currículos dos cursos de Educação Física, informam aos futuros
profissionais da área sobre o tema, abordando a questão dentro de uma perspectiva
tecnicista e excludente. Ao transmitirem conhecimentos sobre a pessoa com
deficiência, fazem-no com conteúdos que encaminham o profissional e o seu futuro
aluno para o universo das competições esportivas segregadas, não considerando
importância da escola nesse processo. Portanto, a formação teórica do professor de
Educação Física faz com que este profissional se afaste da perspectiva inclusiva de
sociedade.
O futuro talvez faça com que a temática não seja abordada somente em uma
disciplina nos currículos dos cursos de Educação Física, mas sim que todas as
disciplinas o façam, desmistificando a necessidade do “especial”, “adaptado”, etc...
A abordagem educacional inclusiva é aquela que reconhece as diferenças e a
diversidade como integrantes dos processos de ensino/aprendizagem. Essas
mudanças são esperadas para que se possa formar professores de Educação
Física, que atuem e, principalmente, compreendam a importância do esporte para a
inserção da pessoa com deficiência na sociedade. O desporto adaptado de
rendimento vive também dessas contradições e dicotomias, pois quer a inclusão,
através da segregação.
Muitos atletas, tanto em seu treinamento quanto em algumas competições, se
utilizam do desporto regular para se aperfeiçoarem em sua técnica ou habilidade
com o intuito de otimizar sua performance em competições exclusivamente para
deficientes.
Isto possibilita que muitos atinjam performances iguais ou superiores aos ditos
normais? Por que, então, não se tem somente uma única competição? Os
deficientes não são prejudicados em função de suas limitações? Essas questões e
outras serão melhor tratadas nos capítulos seguintes.
28
CAPÍTULO II
INCLUSÃO E O DESPORTO DE RENDIMENTO
“A imagem com que o desporto se nos revela no
presente dificulta o seu entendimento porque circunscreve
uma enorme variedade de facetas, contornos e sentidos. É o
desporto no plural, que nos surge como domínio tecnológico,
como atividade profissional, como comércio e negócio, artigo
de consumo, como indústria de entretenimento, como campo
e fator de socialização, educação e formação” (BENTO, 1991.
p.14).
A construção de uma sociedade mais compreensiva e humanitária, cujos
valores devem ser mais cooperativos e menos competitivos, é algo que deve ser
sempre almejado, quando se pretende compreender e aceitar as diferenças em suas
incontáveis representações.
A competição, porém, é inerente ao ser humano e não deve ser vista como a
fonte de todos os males da sociedade moderna. As regras que orientam esse
universo da sociedade é que muitas vezes devem ser revistas.
A cooperação e a competição podem conviver harmoniosamente, desde que
sejam preservados e protegidos os valores éticos do esporte, dentre os quais
destacamos o fair-play, o desenvolvimento harmonioso da personalidade, a autosuperação, a solidariedade, o espírito de equipe, o desprendimento, a lealdade, a
generosidade, entre outros sentimentos.
Em suas ações e publicações, a Unesco ressalta a importância da
preservação de tais valores e registra que isso não se faz por decreto, embora leis e
regulamentos possam ser úteis e até indispensáveis para esse fim (Brotto, 2001).
29
Há, contudo, que se ter cuidado para lidar com estas duas atitudes sociais
que são a cooperação e a competição, pois não há necessariamente que excluir
uma para que se possa beneficiar da outra e vice-versa. A relação entre estes pólos,
que parecem distintos, dependerá da interpretação que se tem de esporte de
rendimento.
Tubino (1993) faz referência a três paradigmas esportivos:
a) o paradigma do esporte como ideário olímpico:
b) como uso político-ideológico;
c) como negócio.
Para esse autor, as diferenças entre esses paradigmas são internalizadas nos
seus próprios conflitos, que diz já terem sido ultrapassados “como amadorismo
versus profissionalismo”, “capitalismo versus socialismo”, o grande conflito passa a
ser então o confronto entre a “lógica do mercantilismo e a ética esportiva”.
Brotto (2001) entende:
“... cooperação e competição como processos distintos, porém não muito distantes.
As fronteiras entre eles são tênues, permitindo um certo intercâmbio de
características, de maneira que podemos encontrar em algumas ocasiões uma
competição-cooperativa e em outras, uma cooperação-competitiva”.(p.28)
Ao direcionar nosso olhar para o esporte Paraolímpico Nacional, verificamos
que a realidade descrita por Tubino ainda não foi totalmente confirmada ou
ultrapassada, pois os conflitos advindos de cada paradigma se misturam em função
de cada esporte representar uma realidade, um desenvolvimento esportivo,
organizacional e político, sendo que o mesmo ocorre quando convivemos com o
esporte Paraolímpico Internacional.
Veríssimo(2000), na apresentação do livro os Arquivos das Olimpíadas, faz a
seguinte reflexão:
“(...) as Olimpíadas representam o que se quiser que elas representem. Tanto pode
ser a superação de barreiras nacionais e a celebração da humanidade comum a
todos como uma feroz competição entre as nações, raças e ideologias”.
30
É importante destacarmos que o desporto não se presta simplesmente à
tarefa de selecionar e categorizar pessoas, países, povos como melhores ou piores,
como mais eficientes ou menos eficientes. Ele tem uma tarefa muita mais nobre que
é o de aproximar nações e povos. Isso fica evidenciado quando se realizam os
grandes eventos esportivos como os Jogos Olímpicos, os Campeonatos Mundiais,
as Copas do Mundo e outros, que são momentos da prática do chamado desporto
de competição.
Cardoso (2000) afirma:
“A confraternização dos povos através do esporte é bem mais do que um simples
clichê. Nos últimos cem anos, os Jogos Olímpicos se constituíram num dos raros
rituais capazes de proporcionar momentos de real harmonia entre os povos. De
quatro em quatro anos, as nações deixam de lado suas divergências e se reúnem
não para combater ou guerrear entre si, mas para competir fraternalmente e
celebrar a (esperança) da paz“ (p.13).
Almeida (1995:02) observa que “o esporte é caracterizado como um fator de
influência educativa, tanto pelo seu alcance popular, como pela dimensão crescente
de suas implicações políticas, econômicas e sociais”.
Cardoso (2000) lembra que Ellery Clark, muitos anos depois de participar do
primeiro festival olímpico em Atenas, em 1896, afirmou que a “lembrança mais
duradoura das Olimpíadas é o espírito que perpassa pelos Jogos, o verdadeiro ideal
de fraternidade da humanidade”.(p.13)
O desporto de rendimento nos tempos modernos atinge proporções e esferas
de âmbito social e econômico, cada vez mais evidentes.
Segundo Neto (1995:83) “o desporto moderno enquadra-se numa grande
mobilidade de interesses de âmbito político, econômico e social quanto à sua
divulgação, implementação e participação”.
Cardoso (2000:12) destaca que “em um século, os Jogos Olímpicos
cresceram e se transformaram num evento grandioso, (...) e que a mercantilização
do esporte é apenas o mais recente de seus pecados”.
A história dos jogos olímpicos e paraolímpicos está repleta de fatos que
demonstram a utilização do desporto de rendimento como instrumento de
31
congregação entre os países, possibilitando a quebra de conceitos e preconceitos
que, ao longo da história da humanidade, serviram simplesmente para a segregação
e dominação de uma nação sobre a outra. Veja-se a este propósito o Tratado de Paz
entre as duas Coréias, celebrado em Sidney, Austrália, no ano de 2000 nas últimas
Olimpíadas.
Fatos isolados5 também demonstram ser possível, mesmo em um mundo
capitalista e competitivo, o esporte levantar a bandeira dos ideais olímpicos que
foram expressos pelo criador dos Jogos Olímpicos Modernos, Pierre de Coubertain.
Ideais esses expressos no desejo de concretização da prática do fair play e que é
resumido em sua célebre frase: “nas Olimpíadas, o importante não é vencer, é
participar”.
Como já dissemos, o esporte e o desporto se modificaram. Não é nosso
interesse fazer juízos de valor, se para melhor ou pior, mas retratar o período
histórico em que estamos inseridos. Contudo, ao analisarmos alguns números,
verificamos que a frase acima representa, ainda, o ideal Olímpico do Barão, uma vez
que, em um século de Jogos Olímpicos, não mais do que 70 mil pessoas, em todo o
mundo, desfrutaram do privilégio de poder participar de uma Olimpíada, sendo que
de cada 28 atletas que entraram na arena olímpica, apenas um teve a honra de sair
com a medalha de ouro. Dessa forma, 90% dos atletas olímpicos vivem nesta
experiência apenas a rara oportunidade de enxergar o mundo e sentir a humanidade
de um ângulo “especial“ (Carvalho, 2000). No espetáculo olímpico há muito mais
coadjuvantes do que atores principais e, o que vale mesmo, é competir!
Não queremos negar a competição, realidade que se institucionalizou em
nossa sociedade, mas sim questionar a maneira como ela vem sendo desenvolvida
e processada, no que diz respeito, principalmente, ao universo do desporto de
rendimento6, praticado por pessoas com deficiência (cegos e deficientes visuais7).
5
6
Na Olimpíada de Sidney (Austrália/2000), pela primeira vez na história dos jogos Olímpicos modernos, uma atleta deficiente
visual da modalidade atletismo obteve índice para competir em provas olímpicas.
Na mesma olimpíada o nadador da Guiné Equatorial, Eric Moussambani, ficou mundialmente conhecido quando na
eliminatória dos 100m livres, competiu sozinho e devido a pouca condição física e técnica completou a prova com grandes
dificuldades, deixando toda a organização e platéia com dúvidas se conseguiria realmente completar a metragem exigida na
prova.
Utilizaremos durante toda a dissertação a expressão “desporto de rendimento” por ser este termo amplamente aceito no
ambiente no esporte competitivo convencional e adaptado, (Camargo,1999 e Araújo,1998), aparecendo desta maneira em
documentos oficiais como constituições e leis.
32
A reflexão sobre esse modelo de desporto competitivo deve ser norteada por
princípios morais e éticos, que suscitem as postulações de oportunidades iguais e
igualitárias para todos, possibilitando uma prática esportiva em condições
efetivamente adequadas para a obtenção de níveis reais de rendimento desportivo.
No mesmo raciocínio, o desporto pode e deve ser um dos instrumentos para
que pessoas com cegueira e com deficiência visual e também outras deficiências,
possam ser incluídas e aceitas pela sociedade como pessoas capazes e aptas a
praticá-lo.
Na opinião de Bento (1991),
“ (...) o ‘desporto para todos’ -- expressão tanto em voga -- , não quer dizer
apenas que o desporto deve ser praticado por todos; quer dizer sobretudo que é
necessário organizar formas da sua prática; alterar regras, convenções e
parâmetros, de modo a corresponder aos diferentes estados de rendimento, de
desenvolvimento, de motivação, de interesse e de necessidade[...] O desporto é
ainda, praticado sensatamente quando nele desponta, inequivocamente a função
social da integração, da tolerância, da convivência, do diálogo, da aproximação, da
comunicação e da cooperação” (p.53).
Esse autor afirma ainda que, quando há exclusão de pessoas e/ou grupos de
pessoas, fazendo com que se sintam “fora de jogo”, isso não é “desporto para
todos”, e que um olhar mais abrangente sobre essa realidade, mostraria a
necessidade de se recriar essa forma de atividade física.
Sérgio (1981) complementa dizendo:
7
Por tratarmos em nosso trabalho do desporto, utilizaremos dentre as muitas classificações que definem cegueira e
deficiência visual a classificação esportiva funcional utilizada e reconhecida pelo Comitê Paraolimpico Internacional,
International Blind Sports Federation e Associação Brasileira de Desportos para Cegos, que determina 3 categorias sendo 1
para cegueira e 2 para deficiência visual:
B - Blind-Cego/ Deficiente Visual.
B1 - nenhuma percepção de luz em qualquer dos olhos, até a percepção de luz, mas incapacidade de reconhecer o
formato de uma mão a qualquer distância ou em qualquer direção.
B2 - da capacidade de reconhecer o formato de uma mão até a acuidade visual de 2/60 (pés) e/ou campo visual menor
que 5 graus.
B3 - da acuidade visual acima de 2/60 (pés) até a acuidade visual de 6/60 e/ou campo visual de mais de 5 graus e
menos de20 graus.
Todos os deficientes visuais, considerando o melhor olho, com a melhor correção, ou seja, todos os atletas que utilizam
lentes de contato ou lentes corretivas deverão usá-las para enquadramento nas classes, quer pretendam competir usandoas, ou não.
33
“ É preciso que o desporto re-invente com freqüência, o seu modo de
estar-no-mundo, para se não deixar converter em simples instrumento de
interiorização da sociedade de rendimento.[...] a luta pela democratização
esportiva deve integrar-se na luta mais geral contra as desigualdades
existentes...“ (p.98).
Para que isso ocorra, Almeida (1995), nos lembra a importância da
adequação física e de acessibilidade aos locais de prática do desporto, fato que,
muitas vezes, torna a prática da atividade desportiva limitada ou impedida às
pessoas com deficiência. Essa adequação vem sendo concretizada através de leis e
regulamentações nacionais e internacionais ligadas à acessibilidade e à prática da
atividade motora, em ambientes regulares.
Dentre as Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com
Deficiência (Nações Unidas,1994a), a Norma 5, que trata da Acessibilidade,
prescreve:
(a) Acesso ao Ambiente Físico:
1. Os Países-Membros devem iniciar medidas que removam os obstáculos
à participação no ambiente físico. Tais medidas devem desenvolver
padrões e diretrizes e considerar a promulgação de leis para garantir a
acessibilidade a várias áreas da sociedade, tais como moradia,
edifícios, serviços de transporte públicos e outros meios de transporte,
ruas e outros ambientes externos.
2. Os Países-Membros devem garantir que os arquitetos, engenheiros
civis e outros profissionais envolvidos no projeto e construção do
ambiente físico tenham acesso a informações adequadas sobre política
de deficiência e providências necessárias à acessibilidade.
3. As organizações de pessoas com deficiência devem ser consultadas
quando estiverem sendo desenvolvidos padrões de acessibilidades.
A Constituição Federal, na busca de atender à essas necessidades,
estabelece a seguinte exigência:
Art. 227, § 1º, II: programas de prevenção, atendimento especializado e de
integração social, mediante treinamento para o trabalho e a convivência e
facilitação de acesso a bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos
e obstáculos arquitetônicos.
34
A prática de atividades motoras por pessoas com deficiência, enquanto
processo de habilitação, reabilitação e interação social constitui-se num dos
principais instrumentos para o desenvolvimento das potencialidades individuais e
coletivas dessa parcela da população. Inegavelmente são inúmeros os ganhos
decorrentes da participação em atividades de lazer e esporte, sejam eles no âmbito
sensório-motor e/ou psicossocial.
As Nações Unidas, no documento já citado, Normas sobre a Equiparação de
Oportunidades para Pessoas com Deficiência (1994), destaca, na Norma 11, sobre
Recreação e Esportes:
“Os Países-Membros devem tomar medidas para garantir que pessoas com
deficiência tenham oportunidades iguais para recreação e esportes.
1. Os Países-Membros devem iniciar medidas para tornar acessíveis às pessoas com
deficiência os locais de recreação e esportes, hotéis, praias, estádios, quadras
esportivas, etc... Tais medidas devem abranger a participação, a informação e os
programas de treinamento e o apoio ao pessoal dos programas de recreação e
esportes, incluindo projetos para desenvolver métodos de acessibilidade.
2. As organizações esportivas devem ser estimuladas a desenvolver oportunidades
para a participação de pessoas deficientes nas atividades esportivas.Em alguns
casos, medidas de acessibilidade arquitetônica são suficientes para abrir
oportunidades para esta participação. Os Países-Membros devem apoiar a
participação em eventos nacionais e internacionais.
3. As pessoas com deficiência que participarem de atividades esportivas devem ter
as instruções e os treinamentos de qualidade igual àqueles de outros
participantes [grifo nosso].
No que diz respeito a essas normas, destacamos alguns artigos da Lei nº
8.672 de 6 de julho de 1993, da Constituição Federal/88 que instituem Normas
Legais sobre Desportos.
“Capítulo II – Dos Princípios Fundamentais:
Art 2º - O Desporto, direito individual, tem como base os seguintes princípios:
(...)
III. Democratização, garantida em condições de acesso às atividades
esportivas sem distinção e quaisquer formas de discriminação; [grifo
nosso].
IV. Liberdade, expressa pela livre prática do desporto com a capacidade e
interesse de cada um, associando-se ou não a entidades do setor;
35
V. Direito Social, caracterizado pelo dever do estado de fomentar as
práticas desportivas formais e não formais.
Capítulo V – Do Sistema Brasileiro de Desporto:
Secção VII. Do Desporto Educacional:
Art.23 - A prática do Desporto Educacional é fundamentada nos princípios de
democratização, de liberdade, de educação e de segurança,
efetivando-se de acordo com o interesse e a capacidade de cada um,
tanto no âmbito dos sistemas e ensino, como de formas
assistemáticas de educação.
Parágrafo único - A liberdade na prática do Desporto Educacional inclui direito
de opção entre as manifestações participativa e de
rendimento.”
Todos esses autores citados, bem como essa descrição de leis e normas
confirmam o pensamento de que uma sociedade inclusiva é possível e necessária.
O desporto como um dos grandes instrumentos de inserção social deve fazer parte
desse movimento de transformação da sociedade, que procura valorizar e respeitar
a todos.
Ocorre que, na nossa opinião, embora seja possível a prática inclusiva da
natação, os cegos e os deficientes visuais não se beneficiam dela ainda porque
preceitos constitucionais não são devidamente interpretados e cumpridos.
O descumprimento das leis, a falta de informação por parte das famílias e dos
próprios deficientes quanto as suas possibilidades e direitos e, de alguma maneira, a
má formação dos professores de Educação Física, implica no encaminhamento dos
cegos e dos deficientes visuais, desde a escola, para a prática de Educação Física
Adaptada ou para o cancelamento total da atividade física, sendo que desde o
ensino fundamental até ensino médio, a Educação Física é disciplina obrigatória na
escola. Esse afastamento prematuro ou simplesmente a falta de oportunidade de se
praticar atividades físicas e esportes, são fatores que acabam limitando o número de
pessoas com deficiência que poderiam praticar e se beneficiar do desporto de
rendimento.
Não se tem referência de um trabalho sério e contínuo de massificação
esportiva voltado para o desporto de pessoas com cegueira e deficiência visual, o
36
que traz preocupação, pois o processo de renovação e continuidade do esporte,
torna-se
dependente
da
aparição
de
talentos
isolados,
que
surgem
esporadicamente.
As entidades esportivas que organizam e poderiam fomentar a prática
esportiva de pessoas com deficiência, caminham na contramão de uma sociedade
inclusiva, pois seus dirigentes acreditam que através da defesa da discriminação
positiva pode-se estabelecer e fortalecer o movimento Paraolímpico, e que depois
desse fortalecimento, talvez seja possível pensar em incluir as competições de
natação nos eventos regulares. Situação essa onde o descumprimento da
Constituição também acontece.
A Associação Brasileira de Cegos e Deficientes Visuais - ABDC entidade que
fomenta e organiza as competições esportivas para os cegos e deficientes visuais, e
que é filiada ao Comitê Paraolímpico Brasileiro8, vem tentando reverter esta situação
de isolamento e segregação das competições de Natação para cegos e deficientes
visuais, pois, em seu calendário, busca cada vez mais inserir provas e organizar
seus eventos juntamente as competições convencionais ou regulares, atitude que é
vista com uma certa desconfiança, causando desagrado a alguns dirigentes e
técnicos.
Camargo (1999:117) opina, dizendo que a ABDC “deveria se preocupar com
as pessoas excluídas de opções na sociedade em que vivem e não propor a tais
pessoas atividades excludentes”.
A aproximação entre atletas com cegueira e deficiência visual e atletas com
visão e a abertura para que possam competir em situação de igualdade, no mesmo
evento esportivo, faz com que esses atletas tenham um maior número de
oportunidades para competir, trazendo condições de desenvolver um nível de
performance mais eficiente. Para Penafort (2001:18), “há uma grande defasagem de
oportunidades competitivas entre o esporte adaptado e o esporte convencional” .
O que queremos como esporte inclusivo é que todos, cegos, deficientes
visuais e pessoas que tenham visão, estejam em um mesma prova de natação
8
O Comitê Paraolímpico Brasileiro - CPB, órgão governamental que foi fundado em 1994, na cidade
do Rio de Janeiro, é a entidade representativa máxima do movimento paraolímpico brasileiro.
37
competindo uns contra os outros. Alguns poderão dizer que os atletas que enxergam
terão ou levarão vantagem sobre aqueles que não vêem isso não pode ser
considerado como uma verdade absoluta, pois temos que levar em consideração
uma série de fatores que não estão simplesmente ligados à questão de ter ou não
visão. Na tentativa de elucidar melhor esse pensamento que aqui colocamos,
buscaremos compreender como é feita a divisão de classes e categorias no
desporto para cegos e deficientes visuais.
Para Mattos (1998:19), no desporto para pessoas com deficiência, “classificar
significa agrupar atletas com capacidades semelhantes com o propósito de
competir”, e destaca que existem dois tipos de classificação:
•
Classificação Médica – também chamado de modelo de
abordagem clínica das ciências biológicas, que procurava
dividir os atletas em grupos de acordo com suas limitações
ou deficiências em relação à sua patologia de origem;
•
Classificação Funcional – baseia-se no agrupamento dos
atletas segundo seu potencial funcional remanescente em
relação à modalidade a ser praticada.
Os
sistemas
de
classificação
funcional
ainda
estão
em
fase
de
desenvolvimento e são baseados na filosofia da normalização, explica Mattos
(1998):
“O sistema funcional de classificação esportiva propõe a criação de escalas
ordinais
qualitativas,
que
visam
agrupar
atletas
com
possibilidades
semelhantes de obter sucesso através da prática. Não se importa mais com
deficiência e sim com a possibilidade da eficiência” (p.19).
A classificação utilizada para categorizar os cegos e deficientes visuais é
baseado no modelo médico, que leva em consideração acuidade e campo visual do
atleta, sendo que esses fatores são verificados e medidos somente em um situação
38
clínica (estandardizada), desprezando a maneira como os atletas utilizam sua
capacidade visual remanescente durante a prática da natação competitiva.
Junior (1995) ressalta que:
“ (...) alguns estudos denunciam a ausência de ligação entre as definições
médico-legais quantitativas e as funcionais da deficiência visual. Destacam-se
estas informações, tendo em vista que a acuidade visual pouco informa a
respeito da capacidade visual. O grau em se faz uso da visão, nem sempre
pode ser determinado por medidas objetivas. (...) crianças com acuidade visual
idênticas podem fazer uso diferente da visão, a ponto de uma necessitar do
Braille e a outra não” (p.05).
Os atletas são divididos em três categorias sendo uma, para aqueles com
falta total de visão, denominados como B1, e, duas, para atletas com baixa visão ou
visão parcial, sendo estes chamados de B2 e B3.
Essa classificação é determinada pela International Blind Sports Federation –
IBSA (1992) e também utilizada pela Associação Brasileira de Desportos para
Cegos, sendo que o atleta deve apresentar as seguintes características:
•
B1 - nenhuma percepção de luz em qualquer dos olhos, até a percepção de
luz, mas incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer
distância ou em qualquer direção.
•
B2 - da capacidade de reconhecer o formato de uma mão até a acuidade
visual de 2/60 (pés) e/ou campo visual menor que 5 graus.
•
B3 - da acuidade visual acima de 2/60 (pés) até a acuidade visual de 6/60
e/ou campo visual de mais de 5 graus e menos de 20 graus.
Todos os deficientes visuais, considerando o melhor olho, com a melhor
correção, ou seja, todos os atletas que utilizam lentes de contato ou lentes corretivas
deverão usá-las para enquadramento nas classes, quer pretendam competir usandoas, ou não.
Para Tolmatchev (1998), nos esportes onde a performance não seja
influenciada pela deterioração da visão, a combinação de categorias e a fusão de
39
classes se mostra possível. Importante frisar que, nas competições tanto nacionais
quanto internacionais, há uma insatisfação por parte de atletas e técnicos quanto à
forma de classificação utilizada, o que acaba gerando um número significativo de
reclamações e recursos para que as mesmas sejam revistas e adequadas.
Outro ponto a ser considerado para se avaliar a possibilidade de performance
do nadador é se a deficiência do individuo é congênita ou adquirida, e também quais
as experiências motoras que essa pessoa recebeu ao longo de seu processo de
desenvolvimento.
Acreditamos que, algumas situações, se corrigidas, possibilitarão a um
nadador cego ou com deficiência visual atingir níveis excelentes de performance,
como os atletas que têm visão.
A primeira delas é que a experiência e tempo de treinamento de um atleta
cego ou com deficiência visual é muito inferior ao de um atleta convencional.
Enquanto o nadador sem problemas visuais começa a nadar em média aos quatro/
cinco anos de idade, os atletas com problemas visuais começam a nadar na
adolescência ou, muitas vezes, já adultos.
Quando optam pelo treinamento, os atletas cegos e com deficiência visual
treinam menos horas que os atletas com visão e, na maioria das vezes, com
professores/voluntários que desconhecem o processo de treinamento da natação,
não propiciando continuidade e envolvimento dessas pessoas com o atleta e com a
modalidade, realidade totalmente contraria a da natação convencional.
Não estamos aqui afirmando que queremos técnicos especialistas no trabalho
de treinamento da natação para cegos e deficientes visuais, mas é necessário que
essa pessoa tenha conhecimentos técnicos suficientes para desenvolver um
trabalho de treinamento de natação independentemente da característica do atleta.
A segunda situação a ser destacada, que apenas citaremos não nos
preocupando em aprofundar a discussão, está relacionada às estratégias e
metodologias de ensino da natação, baseadas, em sua maioria, em um modelo
tecnicista que valoriza a repetição e não a interação do indivíduo com o ambiente
líquido. Essa relação individuo/meio líquido deve ser altamente estimulada durante a
40
aprendizagem da natação, para que o individuo cego ou com deficiência visual
possa ter uma percepção e domínio das características desse novo ambiente.
Essa aprendizagem deve valorizar e potencializar a riqueza de informações
táteis e proprioceptivas que são propiciadas em função das características físicas da
água. A falta de visão faz com que o indivíduo processe informações principalmente
cinestésicas sobre como o movimento ou tarefa motora que esta sendo executada.
Não podemos nos esquecer da capacidade adaptativa que o ser humano
apresenta. Sendo assim, acreditamos que um trabalho multisensorial pode ser uma
das formas de amenizar a falta de visão durante o processo de iniciação e
treinamento da natação.
O que questionamos é se um nadador com problemas visuais pode ter uma
performance tão excelente quanto um nadador com visão. Todos esses fatos por
nós apresentados e a própria evolução das marcas obtidas nas competições por
atletas cegos e com deficiência visual fazem nos crer que sim, porém, muito se tem
a estudar sobre essa questão.
O que nos parece, inicialmente mais relevante, não é essa questão, mas sim
que os direitos de inserção no universo competitivo da natação convencional sejam
assegurados a todos, inclusive aos cegos e aos deficientes visuais, e que, com o
direito assegurado, possam fazer suas escolhas, pois o que vem afastando esses
atletas do desporto são fatores que independem da vontade deles, uma vez que não
têm nem mesmo possibilidade de escolha, e essa falta de escolha faz com que os
cegos e os deficientes visuais sejam encaminhados diretamente para o esporte
adaptado.
O que acaba contribuindo para esta realidade, entre os muitos fatores já
apontados, é o pouco envolvimento dos treinadores que trabalham com cegos e
deficientes visuais na defesa do esporte inclusivo na natação. Isso se dá, em geral,
pela acomodação e a falta de perspectiva de mudança do modelo excludente pelo
qual esse esporte é praticado hoje: ou seja, em ambientes segregados, onde o nível
técnico exigido é inferior ao que se espera de nadadores videntes.
Essa inércia acaba contaminando os atletas cegos e deficientes visuais que
são levados a pensar de maneira semelhante a dos seus treinadores, o que
41
aumenta a acomodação, com a agravante de que muitos se vêem na necessidade
de participar de eventos só para cegos para a manutenção do status de atletas de
alto rendimento, sem realmente merecerem tal adjetivo.
CAMARGO (1999), em seu estudo, aponta ainda que:
1. as entidades/associações desportivas que atendem a população de cegos e
deficientes visuais não acompanham o desenvolvimento do desporto de rendimento
de uma forma geral;
2. a
ABDC
entidade
nacional
que
prioritariamente
deveria
se
destinar
ao
desenvolvimento do desporto de rendimento, acaba assumindo o trabalho de base e
fomento do esporte responsabilidade de suas afiliadas;
3.
a falta de recursos impede que ações mais concretas possam ser desenvolvidas
junto ao desporto para pessoas cegas e com deficiência visual;
4. muitos atletas e técnicos têm uma visão distorcida do que vem a ser desporto de
rendimento;
5.
a sensibilização do desporto para pessoas com deficiência, mesmo que se diga o
contrário, passa por uma contradição, ao mesmo tempo que pretende passar uma
imagem de conquistas e eficiência, invocam
o “óbvio”, o “piegas” e o senso
comum que as pessoas têm sobre deficiência, pois imagens comoventes com
atletas deficientes que tenham grandes limitações físicas ainda são utilizadas como
expediente de divulgação;
6. os parâmetros utilizados para medir o nível de performance e de rendimento do
desporto de pessoas com deficiência estão ligados ao desporto convencional;
7. o desporto de rendimento de pessoas com cegueira não ocorre de fato.
Esses fatos puderam ser observados por nós ao longo de 12 anos de
trabalho, dedicados ao esporte para cegos e deficientes visuais, que foram iniciados
em um ambiente regular (ora chamado de inclusivo), mas com participações de
alunos cegos, na prática da modalidade esportiva natação. Pudemos, porém,
lecionar, coordenar, organizar e participar também de eventos de natação
segregados.
A possibilidade de vivenciar os dois universos do esporte para deficientes
favorece a análise do tema proposto, uma vez que não nos afastamos dos
problemas mas sim debatemos e buscamos caminhos que favorecessem a inserção
de pessoas com deficiência na prática desportiva.
42
O desporto de rendimento de pessoas com cegueira e deficiência visual, esta
envolto por práticas contraditórias, estabelecidas por políticas equivocadas e
distantes das suas reais necessidades. No entanto, acreditamos que os ideais da
inclusão podem e devem ser adotados, através de mudanças, ações e atitudes
educacionais, sociais e esportivas em que se predomine a valorização das
potencialidades dessas pessoas.
43
CAPITULO III
DESPORTO INCLUSIVO: A NATAÇÃO COMO UMA POSSIBILIDADE
1. Os Dados
Os questionamentos desta pesquisa têm uma relação direta com a nossa
experiência profissional, ao longo dos últimos doze anos, voltada para a tarefa de
ensinar e treinar pessoas cegas, com deficiência visual e também pessoas com
visão, na modalidade esportiva natação. Nosso trabalho profissional busca a
inserção de todas as pessoas – com e sem deficiência – em ambientes regulares,
para que possam treinar e competir, garantindo seu direito à prática de atividades
físicas.
Ao longo desse tempo, tivemos a oportunidade de treinar durante 10 anos,
aquela que é, hoje, a expoente máxima da natação de cegos: a atleta Fabiana
Harumi Sugimori9, entre outros atletas de destaque regional, nacional e
internacional. Todo o treinamento realizado com esses atletas cegos e com
deficiência visual sempre foi desenvolvido em ambientes regulares.
A possibilidade de ensinar e treinar essas pessoas, somadas, ainda, ao nosso
interesse pelo universo do desporto para pessoas com deficiência, fez com que nos
envolvêssemos cada vez mais com essa problemática, o que resultou na
possibilidade de assumir a Coordenação da Modalidade Natação na Associação
Brasileira de Desporto para Cegos – ABDC, função que exercemos até hoje.
Todo esse percurso fez e faz com que levantássemos questões que estão
ligadas diretamente ao desenvolvimento do desporto de cegos e deficientes visuais
9
Fabiana Harumi Sugimori foi medalhista de ouro na Paraolímpiada de Sidney/2000, na prova de 50 metros Livre, categoria
B1 ( Cego Total ). É a única atleta cega brasileira a ganhar uma medalha em Paraolímpiadas na modalidade Natação.
44
tanto pelo aspecto técnico, como também pelo aspecto organizacional e político que
envolvem a prática esportiva da natação por essa população.
A possibilidade de debater e desenvolver uma prática diferenciada, que
busque efetivamente atender às necessidades e interesses das pessoas cegas e
com deficiência visual, fomentam e alimentam o presente trabalho.
A natureza de nosso estudo é qualitativa/quantitativa e pretende analisar,
através dos dados coletados, como se entende, se organiza e se desenvolve o
desporto de cegos e deficientes visuais na prática da natação.
Foram selecionados para compreender essa realidade quatro grandes
competições, sendo duas de âmbito regional, uma nacional e uma internacional,
quais sejam:
Jogos Regionais 2000 – Moji Guaçú /SP;
Jogos Abertos do Interior 2000 – Santos/SP;
Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais 2000 – São
Paulo/SP;
Jogos Paraolímpicos 2000 – Sidney/Austrália.
Em todos os campeonatos foram realizadas entrevistas com os seus
participantes. No entanto, em virtude das características muito peculiares de cada
um deles, foi necessário, por um lado adequar a realidade destes eventos, às
entrevistas e os questionários aplicados, não sendo possível, portanto, uniformizar a
metodologia da coleta.
Por outro lado, o ambiente de competição, muitas vezes, não favorecia o
contato com os sujeitos entrevistados, em virtude do ritmo frenético e acelerado das
competições.
As entrevistas foram registradas através de gravação em fita cassete e os
dados foram transcritos e categorizados posteriormente. As entrevistas realizadas
com os atletas de língua estrangeira foram realizadas por tradutores/ou pessoas
com fluência na respectivo idioma, e depois transcritas para a língua portuguesa.
45
Os entrevistados foram divididos em quatro grandes categorias:
atletas cegos e deficientes visuais;
técnicos de atletas cegos e deficientes visuais;
técnicos de atletas com visão;
dirigentes esportivos do desporto para pessoas com deficiência.
Nos Jogos Regionais e nos Jogos Abertos do Interior/2000 foram
entrevistados 100% dos nadadores com cegueira ou deficiência visual. Isto foi
possível, pois o número de participantes era muito reduzido. Participaram destes
eventos somente sete atletas. Também ouvimos 37 técnicos de atletas videntes,
para verificar a opinião dessas pessoas sobre a inserção das provas para pessoas
com deficiência física e visual e também para cegos em competições regulares.
Nos Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais/2000, foi possível
entrevistar o técnico/a de cada uma das equipes participantes. No total foram
ouvidos sete técnicos. Neste evento também foram entrevistados os ganhadores da
medalha de ouro em cada uma das provas individuais disputadas. Foram disputadas
24 provas, sendo entrevistados os ganhadores de 16 provas, o que representa 67%
deles.
Já nos Jogos Paraolímpicos de Sidney – 2000, foram entrevistados somente
os nadadores cegos e com deficiência visual ganhadores da medalha de ouro, nas
provas individuais. Das 36 provas disputadas por cegos ou deficientes visuais,
entrevistamos os ganhadores de 16 provas, o que representa 44,5% dos atletas.
Somados os entrevistados das quatro competições chegamos a um total 16
atletas cegos e 11 com deficiência visual.
Quanto aos dirigentes, o estudo se limitou a ouvir os responsáveis das
entidades mais representativas que organizam o desporto para pessoas com
cegueira e deficiência visual, que são:
Presidente do Comitê Paraolimpíco Brasileiro;
Presidente Licenciado da Associação Brasileira de Desportos para Cegos ABDC, que é o atual Presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro;
46
Chefe da Delegação Brasileira nas Paraolimpíadas de 2000;
Presidente da Associação Brasileira de Desportos para Cegos - ABDC;
Vice-Presidente da Associação Brasileira de Desportos para Cegos –
ABDC;
Diretor Técnico da Associação Brasileira de Desportos para Cegos –
ABDC.
Para verificar a opinião dos atletas, foi aplicado um questionário estruturado
com 12 perguntas, sendo 9 questões fechadas e 3 abertas. Já para os técnicos e
dirigentes foi colocada apenas um questão aberta, como mostra o roteiro que segue:
Roteiro para entrevistas dos atletas – Versão em Português
1. Qual o seu nome?
2. Qual a sua nacionalidade?
3. Qual a sua idade?
4. Qual a sua deficiência?
5. Há quanto tempo você treina?
6. Quantas horas por dia você treina?
7. Você treina todos os dias?
8. Seu treinamento é feito com pessoas videntes ou separadamente, só
com cegos?
9. Você participa de competições com videntes ou só de competições
especiais/adaptadas?
10. O que você acha das competições conjuntas, inclusivas?
11. Você gostaria de participar de competições inclusivas, com os
videntes? Sim? Não? Por quê?
12. Você acha que a Olimpíadas e Paraolimpíadas poderiam ser um único
evento? Sim? Não? Por quê?
47
Questões para entrevistas dos atletas – Versão em Inglês
1. What’s your name?
2. What’s your nationality?
3. How old are you?
4. What’s your disability?
5. For since when have you been training?
6. For how long is each session training?
7. How many days do you have training session in a week?
8. Do you train with able bodied people, or separately, only with blind and
visually impaired people?
9. Do you participate in competitions with people who can see or only in
special/ adapted competitions?
10. Would you like to participate in inclusive competitions. That is, with
people who can see? Yes or No? Why?
11. Do you think that the Olympic and Paraolympic games could be one
event? Yes or No? Why?
Questão proposta aos técnicos e dirigentes
1. Qual a sua opinião sobre a inclusão de cegos e de deficientes visuais
no ambiente regular de competição de natação?
Passarmos a descrever, detalhadamente, os dados coletados em cada um
dos eventos pesquisados, buscando explicar a relevância e importância destas
competições para a compreensão do problema proposto.
48
1.1. Jogos Regionais
A 1ª edição dos Jogos Regionais oficialmente organizada ocorreu em 1959. O
Estado de São Paulo é dividido, atualmente, em oito regiões desportivas para a
realização desses jogos.
O evento é organizado pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de
São Paulo – SEET, através da Coordenadoria de Esportes e Recreação – CER e,
desde 1970, passou a ser um evento classificatório para os Jogos Abertos do
Interior.
No ano de 2000, o município de Moji Guaçú, da 4ª Região Desportiva, foi
escolhido para sediar a 44ª edição dos Jogos Regionais, no período de 21 a 29 de
julho. Esse evento contou com a participação de 42 cidades do interior de São
Paulo, nas seguintes modalidades esportivas: Atletismo, Basquetebol, Biribol,
Bocha, Ciclismo, Damas, Futebol, Futebol de Salão, Ginástica Olímpica, Handebol,
Judô, Karatê, Malha, Natação, Tênis, Tênis de Mesa, Voleibol, Xadrez e Hipismo
Rural como modalidade extra.
Os municípios Inscritos nos Jogos Regionais 2000 em Moji Guaçú/SP foram
os seguintes:
Campinas
Americana
Limeira
Moji Guaçú
Valinhos
Paulínia
Sumaré
Bragança Paulista
Itapira
Aguaí
Vinhedo
Indaiatuba
Araras
Mococa
Rio Claro
São João da Boa Vista
São José Rio Pardo
Santa Cruz das Palmeiras
Atibaia
Amparo
Pedreira
Hortolândia
Mogi Mirim
Nova Odessa
Serra Negra
Socorro
Cordeirópolis
Conchal
Santa Gertrudes
Águas da Prata
Piracaia
Vargem Grande do Sul
Iracemápolis
Jaguariúna
Casa Branca
Cosmópolis
Elias Fausto
Espírito Santo do Pinhal
Leme
São Sebastião da Grama
Tambaú
Tuiuti
49
Nesses jogos, o Governo do Estado de São Paulo, através de uma atitude
pioneira, inseriu em seu calendário oficial provas adaptadas às pessoas com
deficiência física e visual, reiterando a importância da implementação de ações que
garantam o acesso dessas pessoas em eventos esportivos promovidos e
organizados pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo –
SEET. Dessa forma, a SEET/CER possibilitou a participação das pessoas com
deficiência física nas seguintes modalidades e provas:
Atletismo
100 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino e Feminino
400 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino
Natação
50 m Livre – Masculino e Feminino
100 m Livre – Masculino e Feminino
Para as pessoas com cegueira e deficiência visual foram oferecidas as
seguintes modalidades e provas:
Natação
50 m Livre – Masculino e Feminino
50
100 m Livre – Masculino e Feminino
Por não ser interesse principal deste trabalho a discussão da inserção das
pessoas com deficiência física nas competições convencionais, vamos apenas citálos, sem qualquer outra observação.
A seguir, apresentamos alguns itens do regulamento dos Jogos Regionais
2000, a fim de subsidiar e propiciar uma análise mais abrangente da inserção de
pessoas com deficiência em eventos convencionais.
1.1.1 Regulamento Geral dos Jogos Regionais de 2000
Art. 1º - Objetivo dos Jogos Regionais – Favorecer o desenvolvimento da
prática esportiva nos municípios do Estado de São Paulo, contribuir para o
aprimoramento técnico da diversas modalidades em disputa e selecionar, através
de competição, os melhores atletas e equipes das regiões visando à participação
nos Jogos Abertos do Interior.
Art. 16º § Único - Será conferido a cada município que participar das
modalidades de atletismo e natação com atletas PPD, um ponto de bonificação por
modalidade e sexo.
Utilizou-se nos Jogos Regionais o sistema de classe única, ou seja, não se
considerou a classificação funcional, que é baseada nos níveis de acuidade e campo
visual dos atletas, como ocorre em eventos específicos.
Das cidades participantes, 24 se inscreveram na modalidade natação. Dessas
cidades, apenas quatro levaram atletas com deficiência para competir na referida
modalidade esportiva, sendo que das quatro cidades, três participaram com atletas
deficientes físicos (Americana, Aguaí e Bragança Paulista) e apenas uma,
Campinas, com atletas cegos e deficientes visuais.
Na Tabela 2, temos um resumo da participação dos atletas com deficiência
nos Jogos Regionais de 2000.
51
Tabela 2 - 44º Jogos Regionais – Participação dos atletas com deficiência na
modalidade Natação
Atletas com
Deficiência
07
Atletas com
Deficiência Física
Masc
Fem
4
0
Atletas com
Deficiência Visual
Masc
Fem
0
0
Atletas com
Cegueira
Masc
Fem
2
1
Das 24 equipes participantes foram entrevistados 18 técnicos, todos os
atletas com cegueira ou deficiência visual, bem como seus respectivos técnicos,
conforme Tabela 3.
.
Tabela 3 - 44º Jogos Regionais - Atletas com cegueira e com deficiência
visual/entrevistados
Municípios
Participantes dos
Jogos
42
Municípios
Inscritos na
Natação
24
Municípios
Entrevistados
Município com
Atletas Deficientes
Municípios com
Atletas Cegos
18
4
1
1.2. Jogos Abertos do Interior
Os Jogos Abertos do Interior, assim como os Jogos Regionais são
organizados pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo –
SEET, através da Coordenadoria de Esportes e Recreação – CER.
Os Jogos Abertos do Interior, em sua primeira edição, foram organizados de
maneira informal no ano de 1936 pelo Sr. Horácio “Baby’’ Barioni.
Originalmente, os Jogos eram abertos à participação de cidades de outros
Estados, sendo oficializados pelo Estado de São Paulo em 1939, passando dessa
forma a constar do calendário do Departamento de Esporte do Estado de São Paulo
– DEESP.
Com o passar dos anos, os Jogos Abertos do Interior tornaram-se a maior
competição poliesportiva do país, recebendo o apelido carinhoso de “Olimpíada
Caipira”. Em sua última edição, no ano de 2002, os Jogos contaram com a
participação de 140 cidades, totalizando 12.000 atletas, que disputaram medalhas
52
em 26 modalidades esportivas, reunindo no mesmo evento atletas desconhecidos do
grande público, provenientes de diversas cidades do Estado, juntamente com
estrelas olímpicas.
O município de Santos/SP foi sede dos 64º Jogos Abertos do Interior, evento
ocorrido no período de 10 a 18 de Novembro de 2000. Esse evento contou com a
participação de 131 cidades do interior de São Paulo, nas seguintes modalidades
oficiais: Atletismo, Basquetebol, Bocha, Ciclismo, Damas, Futebol, Futebol de Salão,
Ginástica Olímpica, Handebol, Judô, Karatê, Malha, Natação, Pugilismo, Tênis,
Tênis de Mesa, Voleibol, Xadrez e Basquete sobre Rodas. Tendo ainda como
modalidades extras a Capoeira, Futebol para Deficientes Auditivos, Pólo Aquático,
Taekwondo, Tamboréu, Tênis de Mesa para Deficientes Mentais, Tênis para
Deficientes Físicos e o Vôlei de Praia.
Os municípios inscritos nos Jogos Abertos do Interior 2000 – Santos/SP foram
os seguintes:
Adamantina
Americana
Américo
Brasiliense
Amparo
Angatuba
Araçatuba
Arandu
Araraquara
Araras
Arujá
Capão Bonito
Carapicuíba
Catanduva
Limeira
Lins
Mairinque
Porto Feliz
Praia Grande
Registro
Taquaritinga
Taubaté
Terra Roxa
Cerquilho
Cruzeiro
Cubatão
Diadema
Dracena
Fernandópolis
Franca
Manduri
Marília
Matão
Mauá
Mirassol
Mococa
Mogi das Cruzes
Tietê
Tremembé
Tupã
Ubatuba
Urânia
Valinhos
Votorantim
Assis
Garça
Moji Guaçu
Atibaia
Avanhandura
Avaré
Guaratinguentá
Guarujá
Guarulhos
Monte Alto
Nova Odessa
Olímpia
Barra Bonita
Barretos
Hortolândia
Ilha Comprida
Orlândia
Osasco
Barrinha
Ilha Solteira
Osvaldo Cruz
Barueri
Indaiatuba
Ourinhos
Restinga
Ribeirão Preto
Rio Claro
Salto
Salto Pirapora
Santa Adélia
Santa Bárbara
D’Oeste
Santa Cruz do Rio
Pardo
Santo André
Santos
São Bernardo do
Campo
São Caetano do sul
São João da Boa
Vista
São José do Rio
Pardo
São José do Rio
Preto
Votuporanga
53
Batatais
Iracemápolis
Paraibuna
Bauru
Bertioga
Birigui
Boa Esperança
do Sul
Boituva
Borebi
Botucatu
Bragança
Paulista
Caçapava
Campinas
Campo Limpo
Paulista
Itapetininga
Itapeva
Itapira
Itaquaquecetuba
Patrocínio Paulista
Paulínia
Penápolis
Pereira Barreto
São José dos
Campos
São Manuel
São Roque
São Sebastião
São Vicente
Itatiba
Itu
Jaboticabal
Jacareí
Peruíbe
Pindamonhangaba
Piquete
Piracicaba
Sertãozinho
Socorro
Sorocaba
Suzano
Jales
Jaú
Jundiaí
Piraju
Piratininga
Poá
Tabapuã
Taboão da Serra
Tambaú
Mantendo o oferecimento de provas adaptadas em seu calendário oficial, a
Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo – SEET, dá continuidade
no trabalho, oferecendo às pessoas com cegueira, deficiência física e visual a
oportunidade de competir, de forma oficial, nas seguintes modalidades e provas:
Atletismo para deficientes físicos
100 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino e Feminino
400 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino
Natação para deficientes físicos
54
50 m Livre – Masculino e Feminino
100 m Livre – Masculino e Feminino
Natação para deficientes visuais
50 m Livre – Masculino e Feminino
100 m Livre – Masculino e Feminino.
Destacamos de seu regulamento os seguintes itens:
Artigo 1 - Objetivo dos Jogos Abertos do Interior – coroar o desenvolvimento
da prática esportiva nos municípios do Estado de São Paulo, classificados através
dos Jogos Regionais, e contribuir para o aprimoramento técnico das diversas
modalidades em disputa.
Artigo 15 § Único – Cada município que participar das modalidades de
atletismo e natação com atletas PPD receberá um ponto por modalidade e sexo.
E determinando em seu regulamento técnico que:
Artigo 1º - Os Jogos Abertos serão regidos pelo regulamento técnico dos
Jogos Regionais em cada modalidade, excetuando-se as alterações e inclusões
presentes.
55
Quanto à natação, no Artigo 23, não há índice para as provas adaptadas, o
que difere do regulamento para os atletas videntes, desfavorecendo dessa maneira
a participação de nadadores cegos e com deficiência visual, uma vez que aos
videntes é permitida a utilização de resultados obtidos em outras competições para
efeito de classificação. Os cegos e deficientes visuais ficam, portanto, prejudicados,
pois a eles não é facultado tal direito, uma vez que não há índices determinados
para classificar os atletas com deficiência.
O Artigo 23, § 1º das provas para PPDs, afirma que participarão dos Jogos
Abertos os oito melhores resultados das oito Regiões Esportivas obtidos nos Jogos
Regionais. O fato dos atletas não serem classificados por índices, mas por
colocação, levando em consideração a classificação por regiões, como já dissemos,
faz com que o índice técnico da competição possa ser prejudicado à medida que, em
algumas regiões, se concentram um número maior de bons nadadores e, em outras,
atletas de técnica inferior. Esse formato faz com que alguns bons nadadores fiquem
de fora da competição por competirem em uma região tecnicamente com melhores
resultados. Sugerimos, portanto, que seja utilizado o mesmo regulamento para
pessoas com e sem deficiência, que é o critério de índice.
Da mesma forma que nos Jogos Regionais, nos Jogos Abertos foi utilizado o
sistema de classe única. Das
cidades
participantes,
40
se
inscreveram
na
modalidade natação. Dessas cidades, apenas oito levaram atletas deficientes para
competir na referida modalidade esportiva, sendo que das oito cidades, cinco
participaram com atletas deficientes físicos (Botucatu, Ilha Solteira, Jaú, Santos e
Suzano) e quatro (Campinas, Itatiba, São Bernardo do Campo e Santos) com atletas
cegos e deficientes visuais.
Na Tabela 4, temos um resumo da participação dos atletas com deficiência
nos Jogos Abertos do Interior de 2000.
Tabela 4 - 64º Jogos Abertos do Interior – Participação dos atletas
com deficiência na modalidade Natação
Atletas com
Deficiência
Atletas com
Deficiência Física
Masc
Fem
Atletas com
Deficiência Visual
Masc
Fem
Atletas com
Cegueira
Masc
Fem
56
14
9
2
2
1
1
1
Das 40 equipes participantes foram entrevistados 19 técnicos, todos os atletas
com cegueira ou deficiência visual , bem como seus respectivos técnicos, conforme
Tabela 5.
Tabela 5 - 64º Jogos Abertos do Interior visual/entrevistados
Municípios
Participantes
dos Jogos
131
Municípios
Inscritos na
Natação
40
Atletas com cegueira e deficiência
Municípios
Entrevistados
Município com
Atletas Deficientes
Municípios com
Atletas Cegos
19
8
3
1.3. Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais
A Associação Brasileira de Desporto para Cegos, entidade fundada em 1984,
é a responsável pela prática desportiva de rendimento para pessoas com cegueira e
deficiência visual. Enquanto entidade nacional de administração do desporto para
cegos e deficientes visuais, tem por finalidades10:
1. Congregar suas afiliadas e seus afiliados a:
a) promover, apoiar e incentivar estudos e pesquisas, direcionados para a obtenção de
formas e mecanismos de melhor oportunizar às pessoas cegas e com deficiência
visual, a atividade física, e o ensino da prática do esporte;
b) promover, apoiar e incentivar estudos e pesquisas, direcionados para a obtenção de
formas adequadas inovadores de treinamento esportivo, para os atletas cegos e
deficientes visuais;
c) promover, apoiar e incentivar estudos e pesquisas, direcionados para oportunizar às
pessoas cegas e com deficiência visual, material e equipamento adequado, para a
prática esportiva.
10
Retiradas e adaptadas do estatuto vigente da Associação Brasileira de Desportos para Cegos
(ABDC).
57
2. Dirigir o desporto de cegos e deficientes visuais:
a) coordenando as ações das entidades a ela filiadas;
b) organizando o calendário de competições, regionais, nacionais e internacionais
(quando houver);
c) executando o calendário oficial das modalidades através da organização dos eventos
em parceria com suas afiliadas;
d) representando o Brasil nas respectivas competições internacionais.
3. Difundir o ensino da prática esportiva e o desporto de cegos e deficientes visuais:
a) divulgando a comunidade brasileira de cegos por meio de veículos de informação já
existentes e que atinjam esse segmento;
b) informando e conscientizando os órgãos municipais, estaduais e nacionais dirigentes
do desporto, as Universidades Brasileiras, as escolas Superiores de Educação Física,
as agências capacitadoras de recursos humanos, as confederações e federações do
desporto Paraolimpíco e Olímpico, clubes e associações esportivas;
c) informando e conscientizando a sociedade em geral, através dos diversos meios de
comunicação e informação;
d) fomentando o ensino e a prática esportiva, através de incentivos e facilidades, quanto
à participação de atletas, nas competições promovidas e/ou coordenadas pela ABDC.
A Associação Brasileira de Desportos para Cegos – ABDC congrega 51
entidades, que são relacionadas a seguir :
AADV – Associação Atlética de Deficientes Visuais
ABDV – Associação Brasiliense de Deficientes Visuais
ACELB – Associação de Cegos Louis Braille
ACEP – Associação dos Cegos do Piauí
ACERGS - Associação de Cegos do Rio Grande do Sul
ACERP – Associação de Cegos do Rio Preto
ACEVALI – Associação de Cegos do Vale do Itajaí
ACIC – Associação Catarinense para Integração do Cego
ACJF – Associação de Cegos em Juiz de Fora
ADEVIBEL – Associação dos Deficientes Visuais de Belo Horizonte
ADEVIC – Associação dos Deficientes Visuais de Canoas
ADEVIG - Associação dos Deficientes Visuais de Guarulhos
ADEVIMAR – Associação dos Deficientes Visuais de Maringá
ADEVIPAR - Associação dos Deficientes Visuais do Estado do Paraná
ADEVIRN – Associação dos Deficientes Visuais do Rio Grande do Norte
ADEVIRP - Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto e Região
ADEVIUDI – Associação dos Deficientes Visuais de Uberlândia
ADVAM – Associação dos Deficientes Visuais do Amazonas
58
ADVEG – Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás
ADVC – Associação dos Deficientes Visuais de Campos
ADVIMS - Associação dos Deficientes Visuais de Mato Grosso do Sul
ADVNORPA – Associação de Deficientes Visuais do Norte do Paraná
ADVIR - Associação dos Deficientes Visuais de Ituiutaba e Região
ADEVOSC – Associação dos deficientes Visuais do Oeste de Santa Catarina
ADVVALE – Associação dos Deficientes Visuais de Taubaté e Vale
AJIDEVI – Associação Joinvilense para Integração dos Deficientes Visuais
AMC – Associação Mato-grossense dos Cegos
APACE - Associação Paraibana de Cegos
APADEVI – Associação Paraibana de Deficientes Visuais
APEC - Associação Pernambucana de Cegos
ASCEPA – Associação de e para Cegos do Pará
ASSEC – Associação São Carlense de Esportes para Cegos
CADEVI – Centro de Apoio ao Deficiente Visual
CCLBC – Centro Cultural Louis Braille Campinas
CEDEMAC – Centro Desportivo Maranhense de Cegos
CESEC – Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos
CETEFE – Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial
CIMEEE – Madre Cecília
Clube Curitibano
CSDDV - Centro Social Desportivo de Deficientes Visuais
ESCEMA - Escola de Cegos do Maranhão
IBC – Instituto Benjamin Constant - Coordenação de Educação Física
IBDD – Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência
ICBC – Instituto de Cegos do Brasil Central
ICP – Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha
ISL – Instituto Santa Luzia
ISMAC – Instituto Sul Matogrossense para Cegos – Florivaldo Vargas
IRCT – Instituto Rio Pretense para Cegos Trabalhadores
LMC – Lar das Moças Cegas
LDVAC – Lar dos Deficientes Visuais do Acre
SFITC – Sociedade Francana de Instrução e Trabalho para Cegos
UNICEP – União de Cegos Dom Pedro II
As modalidades de competição disputadas pelos cegos e deficientes visuais
no Brasil, são seis: Atletismo, Goalball, Futsal, Judô, Natação, Xadrez.
Relacionamos os esportes e as entidades esportivas inscritas na temporada
do ano de 2002.
Para melhor visualizar a participação das entidades por modalidade
desportiva, apresentamos a Figura 1.
Figura 1 - Modalidades de desportos para cegos e deficientes visuais presentes na
temporada de 2002.
Atletismo
AADV
ACELB
ACERGS
Goalball
Fem.
AADV
ABDV
ACERGS
Goalball
Masc.
AADV
ABDV
ACERP
Futsal B1
AADV
ABDV
ACEP
Futsal
B2/B3
AADV
ADEVIBEL
ADEVIPAR
Judô
Natação
Xadrez
ADEVIBEL
ADEVIMAR
ADEVIPAR
ACIC
ADEVIBEL
ADEVIMAR
ABDV
ACERGS
ADEVIBEL
59
ACERP
ACIC
ACJF
ADEVIBEL
ADEVIG
ADEVIMAR
ADEVIPAR
ADEVIRP
ADEVIUDI
ADEVOSC
ADVEG
ADVIMS
ADVIR
ADVNORPA
ADVVALE
AJIDEVI
AMC
APACE
APADEVI
APEC
ASCEPA
ASSEC
CADEVI
CCLBC
CEDEMAC
CESEC
CIMEEE
ESCEMA
IBC
IBDD
ICBC
IRCT
LDVAC
UNICEP
ACERP
ACIC
ADEVIG
ADEVIMAR
ADEVIPAR
ADEVIRP
ADEVIUDI
ADVIMS
ADVIR
ADVNORPA
AMC
APACE
APADEVI
APEC
ASSEC
CADEVI
CCLBC
CEDEMAC
CESEC
CETEFE
IBC
ICBC
ICP
LMC
SFITC
UNICEP
ACIC
ADEVIMAR
ADEVIPAR
ADEVIRP
ADEVIUDI
ADVC
ADVIMS
ADVIR
ADVNORPA
ADVVALE
APACE
APADEVI
APEC
ASSEC
CADEVI
CCLBC
CESEC
CETEFE
CIMEEE
IBC
IBDD
ICBC
ICP
IRCT
ISL
LMC
SFITC
UNICEP
ACERGS
ACERP
ACEVALI
ADEVIBEL
ADEVIG
ADEVIMAR
ADEVIPAR
ADEVIRN
ADEVIRP
ADVAM
ADVC
ADVEG
ADVIMS
ADVIR
AMC
APACE
APADEVI
APEC
ASCEPA
CADEVI
CCLBC
CEDEMAC
CESEC
CETEFE
ESCEMA
IBC
IBDD
LDVAC
UNICEP
ADEVIRN
ADEVIRP
ADEVOSC
ADVAM
ADVEG
ADVIMS
ADVIR
APACE
APADEVI
APEC
ASCEPA
CADEVI
CESEC
IBC
LDVAC
UNICEP
ADEVIRN
ADEVIRP
ADVEG
ADVVALE
APADEVI
APEC
CADEVI
CESEC
CSDDV
IBC
IBDD
ADEVIPAR
ADEVIRN
ADEVIRP
ADVAM
ADVEG
ADVIMS
ADVIR
ADVNORPA
ADVVALE
AJIDEVI
APACE
APADEVI
APEC
ASCEPA
ASSEC
CADEVI
CCLBC
CEDEMAC
CESEC
CSDDV
Curitibano
IBC
IBDD
ICBC
ICP
IRCT
SFITC
ADEVIPAR
ADEVIRN
ADEVIRP
ADEVOSC
ADVVALE
AJIDEVI
APADEVI
ASCEPA
ASSEC
CADEVI
CEDEMAC
CETEFE
CIMEEE
CSDDV
IBC
IBDD
No Gráfico 1, podemos visualizar a participação por modalidade desportiva
Gráfico 1 - Participação das Entidades por Modalidade Desportiva
dessas
entidades
relacionadas.
9%
17%
14%
Atletismo
Goalball - Fem.
Goalball - Masc.
14%
7%
Futsal B1
Futsal B2/3
Judô
Natação
Xadrez
9%
15%
15%
60
A Associação Brasileira de Desportos para Cegos, na temporada do ano de
2000, na modalidade natação, organizou seu calendário esportivo através do
Circuito Brasileiro de Natação, que foi composto por três etapas, todas
classificatórias e seletivas para os 1º Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes
Visuais. Destacamos alguns ítens do Regulamento Geral da Natação:
Capitulo II: Da Competição
Art.5º O Atleta que conseguir um resultado/tempo, que o coloque entre os
oito melhores resultados do ano, numa prova, observados parâmetros técnicos pela
coordenação da modalidade, terá garantida sua participação nesta prova, nos
1ºJogos Brasileiros para Cegos no ano de 2000;
§ 2º Os atletas, para figurarem no ranking anual ABDC, terão
obrigatoriamente que participar de pelo menos duas tomadas de tempo;
§ 3º Qualquer atleta poderá submeter-se a tomadas de tempo, em
competições oficiais das Federações de Natação dos diversos estados, observados
os seguintes critérios:
a) o prazo limite para as tomadas de tempo, será igual ao prazo do
Circuito Brasileiro de Natação fase classificatória;
b) o atleta deverá apresentar a ABDC, o boletim oficial da
competição que tomou parte, em papel timbrado da Federação
responsável, assinado pelo arbitro geral e pelo diretor técnico da
competição;
c) os atletas referidos no § anterior deste artigo, terão que
participar obrigatoriamente de uma das Etapas do Circuito
Brasileiro de Natação, fase classificatória.
A primeira edição dos Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais
ocorreu na data de 09 de Setembro de 2000, na cidade de São Paulo/SP, evento
que abrangeu as modalidades atletismo, natação e judô para adultos e infantojuvenil, além do goalball na categoria infanto-juvenil, caracterizando o evento como o
maior já realizado na América Latina, no que se refere ao desporto de cegos e
pessoas com deficiência visual.
61
A competição de natação foi realizada na piscina do complexo esportivo
“Baby Barioni” e contou com a participação de 21 atletas, de vários estados
brasileiros, conforme Tabela 6.
Tabela 6 - Entidades e atletas cegos e com deficiência visual participantes dos
1º Jogos Brasileiros
Entidades/Equipes
Cidades/Estado
Associação dos Deficientes Visuais de Belo
Horizonte– ADEVIBEL
Associação dos Deficientes Visuais do Amazonas
– ADVAM
Centro de Apoio ao Deficiente Visual – CADEVI
Centro Cultural Louis Braille de Campinas –
CCLBC
Instituto Benjamin Constant – IBC
Instituto de Cegos do Brasil
Central – ICBC
Secretaria Municipal de Esportes e Cultura de
São Bernardo do Campo
Belo Horizonte – MG
N º de Atletas
Masc
Fem
1
2
Modalidade
Natação
Manaus – AM
2
0
Natação
São Paulo – SP
Campinas – SP
6
4
2
1
Natação
Natação
Rio de Janeiro – RJ
Uberaba - MG
1
1
0
0
Natação
Natação
São Bernardo do
Campo - SP
0
1
Natação
1.4 - Jogos Paraolímpicos
A prática do esporte para pessoas com deficiência física teve sua principal
fase de desenvolvimento na Inglaterra, logo após a II Segunda Guerra Mundial, no
hospital de Stoke Mandeville, onde o neurocirurgião Ludwig Guttmann introduziu o
esporte como um importante instrumento no processo de reabilitação.
Em 1948, foram realizados os Primeiros Jogos de Stoke Mandeville, reunindo
apenas duas equipes de atletas ingleses com deficiência física, que disputaram a
modalidade de arco e flecha, sendo esse talvez o marco inicial das competições
para pessoas com deficiência.
Em 1952, os Jogos Anuais de Stoke Mandeville ganharam dimensão
internacional com a participação da delegação de atletas com deficiência física da
Holanda. A partir dessa competição, o número de países envolvidos nesse evento
não parou de se ampliar.
Como o número de países e atletas se ampliara muito, buscou-se apoio
internacional para que os jogos passassem a ser realizados em condições mais
62
adequadas, uma vez que o espaço do Hospital de Stoke Mandeville, tornara-se
pequeno e inadequado.
Com esse apoio, na cidade de Roma, na Itália, em 1960, os referidos jogos
utilizaram, pela primeira vez, as mesmas instalações esportivas dos Jogos
Olímpicos. A possibilidade de realizar os Jogos para pessoas com deficiência no
mesmo local dos Jogos Olímpicos significou um grande avanço para a consolidação
do movimento olímpico de pessoas com deficiência, pois contou com o apoio do
Comitê Olímpico Italiano - COI. Marcou-se o envolvimento político e social de
autoridades e personalidades com esta modalidade competitiva.
Todos esses fatos trouxeram mudanças e transformações, o que ocasionou a
troca de nome dos Jogos. De Jogos Anuais de Stoke Mandeville passaram a ser
chamados de "Jogos Paraolímpicos".
A partir desse momento, os Jogos passaram a ser organizados de quatro em
quatro anos, respeitando o calendário de competição das Olimpíadas.
Em 1964, em Tóquio, os Jogos aconteceram novamente, utilizando-se dos
mesmos locais e com a mesma infra-estrutura das Olimpíadas.
De 1968 a 1984, por motivos de ordem política e organizacional, os Jogos
Paraolímpicos (destinados somente as pessoas com deficiência) se separaram das
Olimpíadas, somente retornando quatro anos depois.
Em 1988, houve um novo marco do movimento esportivo para pessoas com
deficiência, pois os Jogos Paraolímpicos passaram a envolver cegos, paralisados
cerebrais, les autres11 e lesados, dentre as pessoas com deficiência, cada qual
competindo dentro das normas estabelecidas pelas suas federações internacionais.
Esta ação de unificação das Olimpíadas com os Jogos Paraolímpicos
novamente ocasionou uma mudança na nomenclatura desses jogos, que passaram
a se chamar Paraolimpíadas, em virtude de sua proximidade com as Olimpíadas.
Na Tabela 7, podemos verificar o aumento do número de atletas participantes
das Paraolimpíadas a partir de 1988.
11
Les autres = os outros, em francês, constitui-se de pessoas que disputam os Jogos Paraolímpicos, na
categoria que agrupa deficiências tais como: distrofias musculares, esclerose múltipla, nanismo e pólio.
63
ALMEIDA (1999) destaca ainda que há uma divergência semântica da palavra
Paraolimpíada, que pode representar Olimpíada para paraplégicos ou jogos
paralelos/simultâneos aos Jogos Olímpicos.
Tabela 7 - Evolução da participação de países e atletas nos Jogos Paraolímpicos.
Ano
Jogos
Jogos Paraolímpicos
Países
Participantes
Participação
Olímpicos
Participantes
do Brasil
1952
Helsinque
Stoke Mandeville
2
130
Não
1960
Roma
Roma
23
400
Não
1964
Tóquio
Tóquio
22
300
Não
1968
México
Tel-Aviv
29
1.100
Não
1972
Munique
Heidelberg
44
1.400
Sim
1976
Montreal
Toronto
42
2.700
Sim
1980
Moscou
Arnhem
42
2.500
Sim
1984 Los Angeles
NewYork/Aylesbury
41/45
1.700/2.300
Sim
*1988
Seul
Seul
65
4.361
Sim
*1992
Barcelona
Barcelona
75
4.200
Sim
*1996
Atlanta
Atlanta
120
3.500
Sim
*2000
Sidney
Sidney
125
4.000
Sim
* Aumento da participação de atletas com deficiência em relação ao período que a Paraolimpíada era
realizada separada da Olimpíada.
As Paraolímpiadas são organizadas pelo Comitê Paraolímpico Internacional –
International Paralympic Comitte – IPC, que congrega seis organizações
internacionais, as quais são estruturadas por grupos de deficiência e não como o
desporto convencional, por modalidades esportivas. São elas:
Comitê Internacional de Desporto para Surdos – CISS;
Associação Internacional de Desporto e Recreação para
Paralisados Cerebrais – CP-ISRA;
64
Associação Internacional de Desporto para Deficientes Mentais
– INAS-FMH;
Federação Internacional de Desporto para Cegos – IBSA;
Federação Internacional de Esporte em Cadeira de Rodas de
Stoke Mandeville – ISMWSF;
Organização Internacional do Desporto para Deficientes –
ISOD.
O Comitê Paraolímpico Internacional foi criado em 1989, sendo oficialmente
designado como representante das organizações esportivas internacionais para
pessoas com deficiência. Esse Comitê tem como objetivo:
“Dar assistência na coordenação dos Jogos Paraolmpicos; dar assistência
na coordenação e supervisão de jogos regionais, mundiais e campeonatos, com a
única organização de múltiplas deficiências. Tem complemento a isso, buscar:
coordenar o calendário de competições regionais e internacionais, integrar esportes
para atletas com deficiência com movimentos internacionais de esporte para atletas
não-deficientes, ligados ao Comitê Olímpico Internacional; dar assistência e
encorajar programas educacionais e de reabilitação, pesquisas e atividades
promocionais” [grifo nosso].
65
No Brasil, a história do paradesporto remonta ao ano de 1958, quando os
paraplégicos Robson de Almeida Sampaio e Sérgio Del Grande retornaram dos
Estados Unidos, para onde viajaram a tratamento. Lá, entraram em contato com o
esporte para deficientes nos hospitais em que se reabilitaram. Trouxeram a idéia
para o Brasil, fundando respectivamente no dia 1º de abril, o Clube do Otimismo do
Rio de Janeiro e o Clube dos Paraplégicos em São Paulo, no dia 23 de julho daquele
mesmo ano.
Nestes 40 anos de história das Paraolímpiadas, o Brasil participou de sete
das dez competições já realizadas, sendo os Jogos Paraolímpicos de Seul, em
1988, um marco para o nosso país, no que diz respeito ao número de medalhas
conquistadas e que são demonstradas na Tabela 8.
Tabela 8 - Medalhas conquistadas em Paraolímpiadas
Ano
Jogos Paraolímpicos
Países
Participação do
Participantes
Brasil
1952
Stoke Mandeville
2
Não
1960
Roma
23
Não
1964
Tóquio
22
Não
1968
Tel-Aviv
29
Não
1972
Heidelberg
44
Sim
1976
Toronto
42
Sim
1980
Arnhem
42
Sim
1984
NewYork/Aylesbury
41/45
Sim
* 1988
Seul
65
Sim
1992
Barcelona
75
Sim
1996
Atlanta
120
Sim
** 2000
Sidney
125
Sim
* Marco referente à quantidade de medalhas.
** Marco referente à qualidade das vitórias conquistadas.
Medalhas
Conquistadas
0
0
0
0
0
1
0
14/14
27
7
21
22
Número De
atletas
0
0
0
0
2
3
15
12/11
56
42
58
66
A estrutura organizacional do desporto para pessoas com deficiência no Brasil
se assemelha ao modelo internacional, pois é constituída, também, pelo Comitê
Paraolímpico Brasileiro, fundado em 1995 e que congrega as seguintes associações
esportivas:
66
Associação Nacional de Desportos para Deficientes - ANDE;
Associação Brasileira de Desportos para Cegos - ABDC;
Associação Brasileira de Desportos em Cadeira de Rodas ABRADECAR;
Associação Brasileira de Desportos para Deficientes Mentais ABDEM;
Associação Brasileira de Desportos para Amputados - ABDA.
Nas Paraolímpiadas de Sydney 2000, participaram 125 países com um total
aproximado de 4.000 atletas disputando 18 modalidades esportivas. Relacionamos a
seguir, os países participantes dessa competição:
Algeria
Angola
Argentina
Armenia
Australia
Austria
Guatemala
Guinea Republic
Honduras
Hong Kong, China
Hungary
Iceland
Papua New Guinea
PR China
Peru
Philippines
Poland
Portugal
67
Azerbaijan
Bahrain
Barbados
Belarus
Belgium
Benin
Bermuda
Bosnia Herzegovina
Brazil
Bulgaria
Burkina Faso
Cambodia
Cameroon
Canada
Chile
Chinese Taipei
Columbia
Costa Rica
Cote D’Ivoire
Croatia
Cuba
Cyprus
Czech Republic
Denmark
East Timor
Ecuador
Egypt
El Salvador
Estonia
Faroe Islands
Fiji
Finland
FYR of Macedonia
France
Germany
Great Britain
Greece
India
Indonesia
Iraq
Ireland
Islamic Republic of Iran
Israel
Italy
Japan
Jamaica
Jordan
Kazakhstan
Kenya
Korea
Kuwait
Kyrgyzstan
Lao People’s Democratic
Republic
Latvia
Lebanon
Lesotho
Libyan Arab Jamahiriya
Lithuania
Macau, China
Madagascar
Malaysia
Mali
Mauritania
Mexico
Mongolia
Morocco
Netherlands
New Zealand
Niger
Nigeria
Norway
Oman
Pakistan
Palestine
Puerto Rico
Qatar
Republic of Moldova
Republic of Panama
Romania
Russian Federation
Rwanda
Samoa
Saudi Arabia
Sierra Leone
Singapore
Slovakia
Slovenia
South Africa
Spain
Sri Lanka
Sudan
Sweden
Switzerland
Syrian Arab Republic
Thailand
Tonga
Tunisia
Turkey
Turkmenistan
Uganda
Ukraine
United Arab Emirates
USA
Uruguay
Vanuatu
Venezuela
Vietnam
Yugoslavia
Zambia
Zimbabwe
O Brasil foi o 24º colocado no quadro geral de medalhas dos jogos
Paraolímpicos com 22 medalhas, sendo 6 de ouro, 10 de prata e 6 de bronze. A
Austrália, Inglaterra, Espanha, Canadá e U.S.A. foram os países que obtiveram o
maior número de medalhas na competição de natação de cegos e deficientes
visuais. Os atletas que entrevistamos nesta Paraolimpíada são desses países. Eles
têm, portanto, representatividade como amostra desta pesquisa.
68
Tabela 9 - Países detentores do maior número de medalhas na classificação
geral dos desportos - Sidney/2000.
POSIÇÃO
1
2
3
4
5
PAÍS
Austrália
Inglaterra
Espanha
Canadá
USA
OURO
63
41
30
38
36
PRATA
49
43
30
33
39
BRONZE
37
47
38
25
34
TOTAL
149
131
107
96
109
As delegações melhor colocadas na competição de Sidney/2000 foram,
também, aquelas que possuíam maior número de atletas deficientes participantes na
modalidade natação.
Tabela 10 - Países com maior número de atletas com deficiência na
modalidade Natação - Sidney/2000
PAÍSES
Espanha
Austrália
Inglaterra
U.S.A.
China
Canadá
Nº DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA
55
51
48
29
26
24
Nos eventos de natação dos Jogos Parolímpicos utiliza-se um sistema de
divisão de classes que é identificada pela letra S – de Swimming ( natação ) –
seguido de um número, que vai de 1 a 14, que identifica a deficiência e seu nível de
comprometimento, sendo que quanto menor o número, maior o grau de
comprometimento. As classes S1 a S10 são destinadas aos deficientes físicos; as
classes S11 a S13, aos cegos e deficientes visuais, e a classe S14, aos deficientes
mentais.
O programa de provas da natação, nos Jogos Paraolímpicos, é composto por
100 eventos subdivididos da seguinte forma:
- Classe de nadadores S14, masculinos e femininos Individual:
•
Nado Livre – 50/100/400m
69
•
Nado Costas – 100m
•
Nado Peito – 100m
•
Nado Borboleta – 100m
•
Nado Medley – 200m
Revezamentos
•
Livre – 4X100m
•
Medley – 4X100m
- Classe de nadadores S1 – S10 , masculinos e femininos Individual:
•
50m Nado Livre – S1 – S10
•
100m Nado Livre – S1 – S10
•
200m Nado Livre – S1 – S5
•
400m Nado Livre – S6 – S10
•
50m Nado Costas – S1 – S5
•
100m Nado Costas – S6 – S10
•
50m Nado Peito – SB1 – SB3
•
100m Nado Peito – SB4 – SB10
•
50m Nado Borboleta – S1 – S7
•
100m Nado Borboleta – S8 – S10
•
50m Nado livre – S1 – S10
•
150m Nado Medley – SM1 – SM4
•
200m Nado Medley – SM5 –SM10
Revezamentos:
•
4X50m Livre – Máximo 24 Pontos
•
4X100m Livre – Máximo 34 Pontos
•
4X50m Medley – Máximo 20 Pontos
•
4X100m Medley – Máximo 34 Pontos
70
- Classe de nadadores S11, S12 e S13 , masculinos e femininos Individual:
•
Nado Livre – 50/100/400m
•
Nado Costas – 100m
•
Nado Peito – 100m
•
Nado Borboleta – 100m
•
Nado Medley – 200m
Revezamentos
•
4X100m Livre – Máximo 49 Pontos
•
4X100m Medley – Máximo 49 Pontos
Segue o programa de provas oficial da competição de natação dos Jogos
Paraolímpicos, porém nem todas as provas foram efetivamente disputadas.
Na Tabela 11, apresentamos os índices para cada prova e as que realmente
ocorreram.
Tabela 11 – Índices Classificatórios para provas de Natação – Parolimpíadas
Sidney-2000
EVENTO
CLASSE
MASC.
FEM.
EVENTO
CLASSE
MASC.
FEM.
50m Nado Livre
S1
100m Nado Costas
S8
1’25’00
1’45’’00
50m Nado Livre
S2
1’ 40’’00
1’58’’50
100m Nado Costas
S9
1’15’’00
1’30’’00
50m Nado Livre
S3
1’25’’00
1’36’’50
100m Nado Costas
S10
1’13’’00
1’27’’00
50m Nado Livre
S4
1’00’’00
1’15’’50
100m Nado Costas
S11
1’40’’00
1’50’’00
50m Nado Livre
S5
50’’00
56’’00
100m Nado Costas
S12
1’30’’00
1’40’’00
50m Nado Livre
S6
40’’00
46’’50
100m Nado Costas
S13
1’20’’00
Não Ocorreu
50m Nado Livre
S7
34’’00
43’’00
100m Nado Costas
S14
1’22’’00
Não Ocorreu
50m Nado Livre
S8
32’’00
40’’00
50m Nado Peito
SB1
Não Ocorreu
Não Ocorreu
50m Nado Livre
S9
29’’00
35’’00
50m Nado Peito
SB2
1’30’’00
Não Ocorreu
50m Nado Livre
S10
28’’00
33’’50
50m Nado Peito
SB3
1’20’’00
1’26’’00
50m Nado Livre
S11
35’’50
40’’00
50m Nado Peito
SB14
Não Ocorreu
48’’00
50m Nado Livre
S12
30’’00
37’’00
100m Nado Peito
SB4
2’10’’50
2’30’’00
50m Nado Livre
S13
29’’00
35’’00
100m Nado Peito
SB5
1’55’’50
2’27’’50
50m Nado Livre
S14
29’’00
35’’00
100m Nado Peito
S6
1’50’’50
2’19’’50
100m Nado Livre
S1
100m Nado Peito
S7
1’45’’00
2’06’’50
100m Nado Livre
S2
100m Nado Peito
S8
1’32’’50
1’50’’00
Não Ocorreu Não Ocorreu
Não Ocorreu Não Ocorreu
3’30’’00
4’00’’00
71
100m Nado Livre
S3
3’00’’00
3’03’’50
100m Nado Peito
S9
1’24’’00
1’38’’00
100m Nado Livre
S4
2’15’’50
2’28’’00
100m Nado Peito
S10
Não Ocorreu
Não Ocorreu
100m Nado Livre
S5
1’50’’00
2’00’’00
100m Nado Peito
S11
1’45’’00
Não Ocorreu
100m Nado Livre
S6
125’’50
1’40’’00
100m Nado Peito
S12
1’35’’00
1’50’’00
100m Nado Livre
S7
1’12’’50
1’35’’00
100m Nado Peito
S13
1’30’’00
1’40’’00
100m Nado Livre
S8
1’10’’00
1’26’’50
100m Nado Peito
S14
1’28’’00
Não Ocorreu
100m Nado Livre
S9
1’05’’00
1’15’’50
50m Nado Borboleta
S1
Não Ocorreu
Não Ocorreu
100m Nado Livre
S10
1’01’’50
1’12’’00
50m Nado Borboleta
S2
Não Ocorreu
Não Ocorreu
100m Nado Livre
S11
1’30’’00
1’32’’00
50m Nado Borboleta
S3
Não Ocorreu
Não Ocorreu
100m Nado Livre
S12
1’10’’00
1’21’’00
50m Nado Borboleta
S4
1’25’’00
Não Ocorreu
100m Nado Livre
S13
1’05’’00
1’15’’00
50m Nado Borboleta
S5
1’10’’00
1’08’’00
100m Nado Livre
S14
1’05’’00
1’20’’00
50m Nado Borboleta
S6
47’’00
1’00’’00
200m Nado Livre
S1
Não Ocorreu Não Ocorreu
50m Nado Borboleta
S7
40’’00
55’’00
200m Nado Livre
S2
Não Ocorreu Não Ocorreu 50m Nado Borboleta
S14
33’’00
43’’00
200m Nado Livre
S3
5’15’’00
S8
1’28’’00
1’40’’00
200m Nado Livre
S4
4’30’’00
4’53’’50
100m Nado Borboleta
S9
1’16’’00
1’30’’50
200m Nado Livre
S5
4’00’’00
4’05’’00
100m Nado Borboleta
S10
1’11’’00
1’21’’50
200m Nado Livre
S14
2’30’’00
2’55’’00
100m Nado Borboleta
S11
Não Ocorreu
Não Ocorreu
400m Nado Livre
S6
6’35’’00
7’49’’00
100m Nado Borboleta
S12
1’25’’00
1’45’’00
400m Nado Livre
S7
5’40’’00
6’51’’00
100m Nado Borboleta
S13
1’20’’00
1’30’’00
400m Nado Livre
S8
5’30’’00
6’32’’00
150m Medley Ind.
SM1
Não Ocorreu
Não Ocorreu
400m Nado Livre
S9
5’05’’00
5’42’00
150m Medley Ind.
SM2
Não Ocorreu
Não Ocorreu
400m Nado Livre
S10
4’50’’00
5’29’’50
150m Medley Ind.
SM3
4’40’’00
Não Ocorreu
400m Nado Livre
S11
Não Ocorreu
6’40’’00
150m Medley Ind.
SM4
3’25’’00
4’03’’00
400m Nado Livre
S12
5’10’’00
6’20’’00
200m Medley Ind.
SM5
4’40’’00
4’50’’00
400m Nado Livre
S13
5’00’’00
5’50’’00
200m Medley Ind.
SM6
3’40’’00
4’20’’50
50m Nado Costas
S1
200m Medley Ind.
SM7
3’16’’00
4’’00’’00
50m Nado Costas
S2
1’45’’00
1’59’’00
200m Medley Ind.
SM8
3’10’’00
3’38’’00
50m Nado Costas
S3
1’22’’00
1’42’’00
200m Medley Ind.
SM9
2’45’’00
3’15’’00
50m Nado Costas
S4
1’05’’00
1’16’’50
200m Medley Ind.
SM10
2’40’’00
2’57’’00
50m Nado Costas
S5
56’’00
1’05’’50
200m Medley Ind.
SM11
3’10’’00
3’45’’00
50m Nado Costas
S14
Não Ocorreu
43’’00
200m Medley Ind.
SM12
3’00’00
3’20’’00
100m Nado Costas
S6
1’40’’00
2’00’’00
200m Medley Ind.
SM13
2’50’’00
3’10’’00
100m Nado Costas
S7
1’30’’00
1’49’’50
200m Medley Ind.
SM14
2’50’’00
3’10’’00
Não Ocorreu 100m Nado Borboleta
Não Ocorreu Não Ocorreu
* Tabela extraída do Livro Técnico de Natação das Paraolimpíadas de Sidney – 2000.
A Paraolimpíada é o maior evento esportivo destinado a atletas com
deficiência, mas mesmo assim oferece em seu programa de competição da natação
um número muito reduzido de provas aos atletas cegos e com deficiência visual.
72
Com vistas a demonstrar uma diferença significativa entre o número de
provas oferecidas por essas entidades aos atletas, na Tabela 12, comparamos o
número de provas oferecidas em competições organizadas por duas entidades
especificas
para
deficientes
e
uma
entidade
que
organiza
competições
convencionais para nadadores com visão.
Tabela 12 – Número de Provas Oferecidas a Atletas Cegos e Deficientes
Visuais em eventos específicos e convencionais
Entidade
Provas Individuais
Revezamentos
IPC*
07
02
IBSA**
12
04
FINA***
14
03
•
*Comitê Parolímpico Internacional – organizador das Parolimpíadas
•
**International Blind Sports Federation – organizador de competições especificas para
cegos e deficientes visuais
•
***FINA – Federação Internacional de Natação – entidade máxima da Natação
Participaram da competição de natação nas Paraolimpíadas de Sidney –2000,
569 atletas de 61 países. Os atletas com cegueira e deficiência visual foram
representados por 62 homens e 43 mulheres, totalizando 105 participantes.
A Tabela 13 apresenta. por divisão de classe, o número de atletas cegos e
deficientes visuais participantes e também o número de provas disputadas em cada
uma destas classes nas Paraolimpíadas na modalidade Natação.
Tabela 13 – Participação dos atletas cegos e deficientes visuais nas
Paraolimpíadas de Sidney/2000 modalidade Natação
Classe
Número de Atletas
Número de Provas
Masc.
Fem.
Masc.
Fem.
S11
20
16
05
05
S12
25
18
07
07
S13
17
09
07
04
Total
62
43
19
16
73
O Brasil levou apenas 16 nadadores, sendo 15 com deficiência física e um
apenas com cegueira, destes três do sexo feminino e 13 do sexo masculino.
Conseguimos 12 medalhas na modalidade natação e a única medalha de
ouro foi da nossa atleta cega, Fabiana Harumi Sugimori.
Com base nos dados aqui apresentados é que faremos a análise deste
estudo, tendo em vista verificar o que buscamos nesta pesquisa: a natação como
uma possibilidade de desporto inclusivo.
2. Análise dos Dados
A análise que fizemos para compreender como o universo desportivo de
cegos e deficientes visuais é influenciado pela inclusão destes no desporto
convencional, não seguirá um modelo de tradicional, pois os elementos que
constituem o universo pesquisado e a própria coleta de dados apresentam
características muito próprias e peculiares.
O processo de análise foi estabelecido e calcado num diálogo constante entre
todos os envolvidos neste estudo, o que permitiu e possibilitou uma série de
correlações entre os depoimentos dos entrevistados, as observações empíricas de
torneios e campeonatos e os dados quantitativos, tendo sempre como background
a nossa experiência no âmbito do desporto para pessoas com cegueira e
deficiência visual.
E importante salientar que a interpretação, aqui apresentada, não pretende
ser única, absoluta, pois nada mais é do que um recorte de um momento histórico.
Os nomes dos entrevistados, bem como os nomes de quaisquer outras
pessoas citadas nos fragmentos escolhidos, são fictícios e foram criados, para
preservar a identidade das pessoas envolvidas neste estudo. Varemos exceção a
nadadora Fabiana Harumi Sugimori, uma vez que preservar sua identidade seria
desnecessário e impossível em virtude de seus resultados e de sua importância
para o movimento de cegos no Brasil.
74
A tarefa de fomentar, organizar, pensar e sobretudo, de repensar o desporto
de cegos e deficientes visuais está, em boa parte, nas mãos dos dirigentes
esportivos. São seus comportamentos, idéias, condutas e ações políticas que
favorecem ou encaminham o desporto para uma determinada direção ou o desviam
dela.
Do ponto de vista administrativo, para Camargo (1999) as entidades que
promovem a performance desportiva dos cegos e deficientes visuais no Brasil
assumem ares de países “primeiromundistas”. O que esse autor frisa: “são os
modos controladores de explicitação do poder”, que impõem a ferro e fogo seus
objetivos, desconsiderando muitas vezes os anseios, as necessidades e realidades
dos atletas e técnicos que também compõem este espetáculo esportivo.
Nas entrevistas realizadas com os principais dirigentes esportivos ligados ao
desporto para pessoas com cegueira e deficiência visual, um dos pensamentos
mais recorrentes é o de que a inclusão é um fato, que deve ser considerado como
meio para o aperfeiçoamento esportivo do atleta deficiente, mas que, ao mesmo
tempo, pode comprometer todo o desenvolvimento e a valorização do desporto
especifico
para
este
público.
Estas
visões
ambíguas
demonstram
uma
preocupação com a continuidade do esporte para cegos e deficientes visuais, mas
também podem indicar que há uma grande inquietação sobre quem comandará
este universo esportivo caso a inclusão se efetive.
Para o vice-presidente da ABDC, o tema inclusão/esporte ainda não é uma
questão totalmente fechada, em função da sua modernidade. Na opinião desse
dirigente devemos observar essa inovação, a partir de dois aspectos: o primeiro diz
respeito ao fato de que a inclusão já se institucionalizou na sociedade, e que,
portanto devemos aprender a conviver e usufruir desta realidade.
Ao se pronunciar a respeito, em entrevista que realizamos em 2000, no Brasil
ele ressaltou que a “inclusão é parte de um movimento internacional que chegou ao
Brasil independentemente da vontade de alguns grupos. Ela é uma questão maior, é
uma questão social, que perpassa a questão do esporte, da saúde, da educação,
enfim trata da integração social. Por conseqüência, cada vez mais o desporto vai ter
que estar dentro desse processo de inclusão, seja pela busca de marketing, de
75
patrocínio, de viabilização das competições, de mídia. Não dá mais para as pessoas
sérias fazerem um desporto ilhado, um desporto de isolamento, diante desse
movimento maior que é o movimento de inclusão”.
O segundo aspecto com o qual o mesmo dirigente se preocupa é relacionado
à defesa e à manutenção das entidades, que hoje desenvolvem o desporto
adaptado de base. Ele diz que as “organizações que viabilizam, que tornam possível
a participação dessas pessoas têm esse momento de transição, e devem ter
cuidado para não enfraquecerem demais as entidades”.
Por outro lado, o Presidente em exercício da ABDC pondera que o desporto
de cegos e de pessoas com deficiência visual pode se fortalecer através da
concretização da inclusão e de uma aproximação entre as entidades máximas que
organizam o desporto adaptado e convencional, desde que elas sejam tratadas e
apoiadas em condição de igualdade pelo governo federal. Ele se manifesta,
lembrando que “hoje nós temos o governo federal reconhecendo o Comitê
Paraolímpico Brasileiro nas reuniões, tanto quanto o Comitê Olímpico Brasileiro. É
verdade que em nível de recursos, já houve um avanço, no nosso entender
significativo”.
Esse mesmo dirigente identifica um certo desinteresse por parte da mídia,
quanto à cobertura dos eventos e dos resultados obtidos por atletas com deficiência.
Ele se pronunciou, dizendo que acha “que para se consolidar essa inclusão mesmo,
é preciso conseguirmos vincular isso, dentro da sociedade. Eu não acredito que
espontaneamente a nossa mídia, os veículos de comunicação venham conceder os
espaços, porque os espaços são concedidos no momento que interessa, de maneira
muito esporádica. Eu acho que nós não podemos depender disso, acho que nós
devemos ter uma legislação específica pra isso”.
Para os atletas brasileiros entrevistados um dos principais pontos a favor do
desporto inclusivo é a possibilidade de uma maior divulgação e, por conseqüência,
uma maior valorização da pessoa com deficiência.
João, atleta do estado do Amazonas que integra a seleção brasileira de
natação para cegos e deficientes visuais, opinou sobre esta questão, dizendo que,
“enquanto as coisas estiverem sendo feitas separadas, eu acho que é uma forma de
76
discriminação. Eu acho que deveria ser ao mesmo tempo, realizadas juntas, porque
daria um maior destaque para a gente. Você vê a Olimpíada, a imprensa está toda
lá. Assim que acaba a Olimpíada, todo mundo vem embora e a Paraolimpíada fica
esquecida. Você não vê um jornalismo a respeito da Paraolimpíada, então eu acho
que difundiria muito mais”.
Carlos, um outro atleta com passagem pela seleção Brasileira e tendo
participado de uma Paraolimpíada, reforça o pensamento de João, afirmando que “a
divulgação de uma Olimpíada é muito grande, quer dizer, você vai jogar na mídia
uma questão que é uma realidade e, se você for examinar do ponto de vista do
objetivo dos jogos olímpicos que era o amador no inicio, nós somos muito mais
amadores do que os atletas normais”.
Fabiana,
a
única
nadadora
cega
a
conquistar
uma
medalha
em
Paraolimpíadas, foi medalha de ouro nos 50 m Nado Livre na Paraolimpíada de
Sidney/2000 e referiu que o desporto inclusivo é “uma boa coisa. Até pra em termos
de divulgação até mesmo pra estimular as pessoas a nadarem melhor”.
Já Dirceu, iniciante nas competições, disse-nos em um misto de euforia e
brincadeira que, para ele “poderia ser legal. Nossa, todo mundo ia ficar conhecido!
Não só os caras que já estão lá em cima, mas a gente que está aqui em baixo!”
“Os caras que estão lá em cima” são os atletas com resultados expressivos e
que fazem parte de seleções e competem no desporto convencional ou adaptado.
São estes atletas que servem como exemplo e estímulo para que iniciantes, como
Dirceu, busquem a prática desportiva.
Para o Presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro12 não é o momento para
se discutir a inclusão, mas de se fortalecer o movimento Paraolímpico, através da
valorização dos atletas e da divulgação do desporto para pessoas com deficiência.
Ele se pronunciou a respeito, afirmando que este é “um momento de
afirmação do Desporto Paraolímpico. Então fazer coisas misturadas, não sei (...). Eu
acho que seria desviar o foco (...). O Desporto Paraolímpico precisa se afirmar
12
O atual Presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro não é a mesma pessoa que participou da entrevista, pois
as entrevistas foram realizadas ano de 2000. No entanto, esta pessoa continua militando em prol do desporto para
pessoas com deficiência, e usufruindo de muito respeito e poder.
77
através da divulgação e quando isso acontecer, eu acho que tudo bem, aí a gente
pode fazer atividades inclusivas, inclusive deles conosco”.
A preocupação com a valorização da pessoa com deficiência através de uma
maior divulgação dos jogos é um pensamento comum entre os dirigentes e atletas,
no entanto as divergências surgem na forma e maneira como essa divulgação deve
ser realizada.
O Presidente do Comitê Paraolímpico baseia suas idéias de divulgação na
vinculação da imagem vencedora da pessoa com deficiência, transformando-a em
um ídolo para os demais deficientes, sejam eles praticantes ou não de esportes.
Conforme ele afirma, “a gente precisa é do seguinte: pegar os atletas Paraolímpicos
que são os nossos ícones e botá-los na vitrine. Quer dizer, o dia em que a gente
mostrar o Paulo sem as duas pernas nem a mão, recordista do mundo, enfim todos
os atletas, as famílias vão se sentir talvez menos presas a determinados conceitos e
vão proporcionar a seus filhos atividades físicas. É daí que vai surgir a massificação,
quer dizer é uma maior quantidade”.
Há que se considerar que esta é uma forma perigosa de exposição, pois pode
causar diversos sentimentos e interpretações, que transitam desde a valorização
efetiva destas pessoas até o simples sentimento de pena e compaixão, o que, na
visão dos atletas, pode levar a uma interpretação distorcida e equivocada do
desporto para pessoas com deficiência.
O Presidente ironizou a aparição de uma nova forma de se conceber este
esporte, dizendo-nos: “olha só, a questão da inclusão, o que eu acho é que vira e
mexe as pessoas encontram... um nome qualquer, né? Uma hora é pra denominar
a pessoa portadora de deficiência, então muda para deficiente, para portador de
deficiência, para portador de necessidade especial. Agora é esse assunto de
inclusão. As pessoas falam muito em inclusão, inclusão, inclusão, inclusive alguns
órgãos nacionais, que tratam das pessoas portadoras de deficiência, quer dizer, da
política...”
Mas ele é enfático em afirmar que o esporte é uma ótima ferramenta contra
as desigualdades que assolam a sociedade, pois o “esporte ajuda, contribui muito,
78
porque com o esporte a gente pode desmistificar um pouco essa questão da menos
valia”.
O diretor técnico da ABDC e chefe da Delegação Brasileira Paraolímpica que
participou das Paraolimpíadas de Sidney/2000 acha que é necessário uma maior
compreensão do fenômeno da inclusão. Ele acha que a “conceituação de inclusão
ainda carece de uma maior base de sustentação e de discussão para a gente ter
claro o que é inclusão. Qual é a inclusão que nós queremos?” E sugere para que
ocorra tal compreensão, que o esporte inclusivo seja analisado a partir de dois
momentos: “um é o momento do portador de deficiência no esporte inclusivo e o
outro, seria o momento do esporte como meio de inclusão”.
Achamos que esta dificuldade que muitos professores de Educação Física
têm de entender e conceituar a inclusão ocorre, como destacamos no Capítulo 2,
dentre outros motivos, pela formação básica recebida nas graduações, que
incentivam o trabalho segregado e distorcem o que realmente vem a ser uma
sociedade inclusiva.
Baseado no modelo de sociedade inclusiva que apresentamos durante todo o
estudo, não podemos pensar no esporte como inclusão e o esporte inclusivo para
pessoas com deficiência como momentos distintos, pois estaríamos negando
princípios que norteiam este modelo de sociedade.
O presidente licenciado da ABDC aborda a questão da inclusão referindo que
“o esporte inclusivo deve ser analisado por dois aspectos: o primeiro é a da
facilitação desse processo de inclusão da pessoa portadora de deficiência dentro
das competições. Isso tem, obviamente, um fator positivo, que é inegável, mas da
minha ótica, nós temos que observar o outro aspecto, que é o que estaria
condenando os jogos para portadores de deficiência, os jogos Paraolímpicos, de
uma forma contundente, porque quando você traz, inclui e consegue incluir os
atletas dentro desse processo, você vai estar incluindo atletas que tem condição de
ter uma performance bem elevada. Ao contrário, os atletas mais comprometidos,
esses estariam irremediavelmente alijados do processo competitivo, porque não
teriam espaço dentro desse processo como um todo”.
79
Estes dois aspectos levantados pelo presidente licenciado da ABDC se
contrapõem, tanto do ponto de vista teórico como prático, pois ele próprio e também
outros dirigentes, são enfáticos em dizer que os atletas paraolímpicos devem utilizar
do processo de inclusão para atingir desempenhos melhores, principalmente no que
diz respeito à modalidade natação disputada por cegos e deficientes visuais. Ele
afirma que os “atletas estão utilizando a inclusão para alcançar uma performance
melhor, para disputar os jogos específicos, as competições especificas porque nós
temos que ter consciência. Nós temos que utilizar todos os métodos e recursos para
melhorar o treinamento dos nossos atletas, sejam mais ou menos comprometidos.
Mas nós não podemos abrir mão, jamais, das competições específicas”.
Para o diretor técnico da ABDC e chefe da Delegação Brasileira na
Paraolimpíada de Sidney/2000, os atletas têm reais possibilidades de disputar e de
competir em condição de igualdade com outros atletas não deficientes, porque “com
relação ao deficiente visual, com uma classificação por exemplo, S13, que tem um
resíduo visual, permite a ele estar em condições de igualdade. Por exemplo, numa
competição de cinqüenta metros, que nós sabemos que ela é decidida na saída, um
deficiente visual leve, (S12/S13), não vai ter problema de desvio na raia. O que
treinou o seu sistema de percepção auditiva para a saída, ele pode sair alguns
centésimos de segundos mais rápido do que um não portador de deficiência visual
e, com isso, ganhar uma prova de cinqüenta livre. É por isso que você vai ver que
nas provas rápidas, eles vão estar sempre bem próximos”.
Para este dirigente, a possibilidade de resultados tão próximos entre o
desporto adaptado e desporto convencional, ocorre pela superação dos limites
humanos. Ele destaca que “o problema é que nós estamos caminhando para achar
até onde vai a potencialidade do portador de deficiência. Nós não sabemos.
Estamos vendo os recordes olímpicos sendo quebrados todo dia, porque nós não
sabemos qual é o máximo do limite do ser humano. Nós sabíamos até pouco tempo
– ou achávamos que sabíamos – que o portador de deficiência podia chegar só até
ali. Hoje nós vemos que um portador de deficiência amputado de duas pernas corre
100 metros em doze, em onze segundos, que uma cega corre 100 metros em onze,
em doze segundos, uma cega total ! Então, qual é o limite? Nós não sabemos. De
80
repente, pode chegar nisso mesmo, em que uma cega total, com guia, pode correr
tão bem quanto um não portador de deficiência”.
Na Paraolímpiada de Sidney/2000, a equipe brasileira conquistou seis
medalhas de ouro, sendo duas por uma atleta com deficiência física no atletismo. As
outras quatro medalhas foram divididas entre atletas cegos, que participaram das
competições de natação, atletismo e judô. Estes três atletas usufruíram e se
beneficiaram, durante toda carreira esportiva ou grande parte dela, de treinamentos
e competições dentro da ótica da inclusão.
O talento individual de cada atleta somado a esta condição privilegiada de
treinamento faz com que tenham uma performance diferenciada em relação aos
demais atletas.
Nas entrevistas realizadas com os nadadores ganhadores de medalhas de
ouro, na Paraolimpíada de Sidney/2000, o que diagnosticamos é que somente a
atleta da Inglaterra não realizava treinamentos com pessoas videntes, porém
treinava em um centro de alta performance para pessoas com deficiência e
participava de competições com videntes.
Todos os demais atletas entrevistados estavam incluídos e faziam seus
treinamentos e participavam de competições juntamente com atletas videntes.
Quanto à esta possibilidade de participação conjunta, descreveram como
sendo altamente positiva, pois propicia melhora em suas performances e traz um
sentimento de igualdade.
Tom, um atleta norte americano, quando perguntado sobre sua participação
em competições, respondeu-nos que participava de ambas. “Eu nadei para meu
time da faculdade, que era um time de pessoas não-deficientes; também para minha
escola secundária e também representando os Estados Unidos, numa equipe
regular de pessoas não-deficientes, competindo com nadadores não-deficientes.
Adoro fazer isso, porque é bastante competitivo num nível local e isso pode me
forçar a um bom desempenho em competições internacionais para deficientes”.
Dani, uma atleta dos Estados Unidos, diz que também participa das duas
formas de competição – o modelo segregado e o regular. “No ano passado, estive
treinando com cegos, deficientes visuais e outras deficiências, mas depois do ano
81
passado, a equipe era toda de pessoas não deficientes, um time de faculdade,
alguns em pós-graduação”.
Esta atleta, em seu depoimento, relatou que sempre nadou, treinou e
competiu com pessoas sem problemas de visão e que somente após anos no
desporto convencional optou por competir em eventos adaptados para pessoas com
problemas de visão. Ela disse que por “muitos anos é o que tenho feito. Eu não tinha
estado nas Paraolimpíadas, até 1992. Eu gosto destes eventos, de nadar em
ambos, eu acho que é importante para os atletas com deficiências experimentar
ambos”.
Sobre a mesma questão outros atletas também opinaram.
Rebeca, atleta canadense, afirma que gosta de competir “com pessoas que
podem enxergar, porque é desafiador para mim e eu não vejo por que não deveria
competir com pessoas que podem enxergar”.
Paul, um atleta australiano, participa principalmente de competições para
pessoas não deficientes. “Elas constituíram a maioria das minhas competições
agendadas no ano passado.Sim, Eu gostei... São competições mais freqüentes, são
competições de nível elevado. Eu também gostei de estar com colegas do meu
país. Ninguém percebeu que sou cego. Eu era só um outro nadador”.
Rafaela, uma atleta espanhola, refere que “a unificação é uma forma de fazer
o Desporto Paraolímpico ser o mais normal possível. Temos os mesmos direitos e
treinamos como eles. Por que não ter as mesmas facilidades que todos? Somos
iguais”.
Apesar de terem possibilidades menores de vivenciar situações de inclusão no
esporte, os atletas brasileiros demonstram que esta pode ser uma oportunidade para
que eles possam se desenvolver tecnicamente e que a aproximação pode também
valorizar as potencialidades da pessoa com deficiência.
João, um atleta do Amazonas, pensa da seguinte maneira e “acha que é uma
oportunidade de você mostrar ainda mais para as pessoas a sua capacidade. Sem
contar que você vai ganhar ritmo de competição, quanto mais você competir melhor.
Então, acho que é uma oportunidade de você evoluir mais ainda”.
82
Para Roberto, um atleta carioca, é “importante você participar com essas
pessoas não portadoras de deficiência, até para mostrar para essas pessoas que as
pessoas com deficiência também são capazes de competir de igual para igual”.
Carlos, atleta do Rio de Janeiro, acredita que esta questão deve ser pensada
pelo aspecto técnico e social, ou seja, “um aspecto técnico, na medida em que você
nada com videntes, você necessariamente vai ter mais pessoas te observando,
dando palpites, conversando com o teu técnico. O outro aspecto é o social, que é,
logicamente, o da integração”.
Francisco, um atleta de São Paulo, preocupa-se com a melhora técnica e
acha “muito bom a integração na sociedade. Com certeza, o treinamento com
pessoas de um nível melhor tende a melhorar o seu nível”.
Fabiana, primeira e única atleta a conseguir uma medalha de ouro na natação
em Paraolimpíadas, opinou dizendo: “eu acho legal, é um incentivo maior pra mim”.
Além desta maior possibilidade de inclusão no esporte, há outras diferenças
que podem fazer com que os atletas de outros países acabem conquistando
melhores resultados em competições do que os nadadores brasileiros. Todos estes
aspectos estão relacionados a quantidade e qualidade do treinamento.
Ao compararmos os atletas que competiram no campeonato brasileiro de
natação para cegos e deficientes visuais e os atletas, com a mesma deficiência,
que participaram das Paraolimpíadas, verificamos que não há uma diferença
significativa entre a faixa etária destes atletas. No entanto, os atletas que estavam
acima dos 20 anos de idade, na Paraolimpíada de Sidney/ 2000, tinham entre seis
a oito anos de treino a mais do que os atletas brasileiros da mesma faixa etária.
Quanto ao tempo diário de treinamento, verificou-se que os atletas de outros
países treinavam entre duas a seis horas diárias, ao passo que os atletas
brasileiros treinavam de uma a quatro horas, ou seja, tinham duas horas a menos
de treinamento por dia.
Porém, a discrepância maior está no número de sessões de treinamento
semanal realizadas desses dois grupos pesquisados. Os atletas brasileiros têm de
uma a seis sessões de treino e os atletas de outros países têm de seis a onze
sessões de treinamento.
83
Não queremos afirmar que somente a quantidade de horas de treino é um
fator fundamental para um bom resultado nas competições de natação, mas um
maior contato com a água parece dar mais qualidade ao treinamento dos
nadadores cegos e deficientes visuais. O treinamento aproxima-se do padrão e dos
princípios do treinamento esportivo utilizados na natação convencional e propicia
uma maior fonte de informações sobre as características do ambiente, o que pode
ser traduzido em um melhor direcionamento na raia, que é fator fundamental para
que o atleta cego e com deficiência visual possam conseguir bons resultados nas
provas.
As medalhas da natação Brasileira em Campeonatos Mundiais e nas
Paraolimpídas foram conquistadas por uma atleta cega total, que treinou e
competiu durante toda a sua vida incluída no desporto regular. Isto nos faz crer que
a inclusão no esporte é importante e que o treinamento de nossos atletas está
defasado em relação aos países que conquistam melhores resultados nas grandes
competições de natação para cegos e deficientes visuais, pois estas conquistas da
atleta brasileira são devidas também ao fato de que ela se enquadra nos padrões
internacionais e não nos padrões brasileiros de treinamento.
Outro grupo favorável à inclusão é o grupo dos técnicos do desporto regular
que entrevistamos nos Jogos Regionais e Abertos e os do desporto adaptado,
ouvidos no Campeonato Brasileiro para Cegos e Deficientes Visuais. Todos
mostraram – se
entusiasmados e esperançosos quanto ao futuro do desporto
inclusivo.
O técnico da equipe do Amazonas, que trabalha somente com cegos e
deficientes visuais, disse-nos que “todos os deficientes são capazes, basta você
dar oportunidade para eles no tempo certo, na hora certa. Não existem barreiras,
ainda mais para o deficiente visual e o cego, quanto mais ele participa de eventos
entre os que se dizem “normais”, entre os videntes, melhor o seu desempenho,
porque nesse momento eles vêem que também têm potencial e são capazes de
vencer estas pessoas”.
84
Para os técnicos do desporto regular, há, contudo, que se adequar as regras
das competições, o que favoreceria a participação de um número maior de atletas
com deficiência.
O técnico da cidade de São Caetano do Sul/SP tem a percepção de que “essa
participação, esse espaço, já deveria ter sido aberto há mais tempo. Mas, para que
ocorra uma melhor participação dos portadores de deficiência nas provas de
natação, tanto nos jogos regionais, quanto nos jogos abertos, é necessário haver
uma adequação melhor da regulamentação dessas provas, para atender às normas
internacionais”.
Esta transformação deve vir também do envolvimento dos técnicos e da
inserção de todos e não só de algumas categorias de deficiência, diz o técnico da
cidade de Paulínia/SP.
Para ele, “o trabalho de inclusão das pessoas com deficiência deve ser
praticado por mais técnicos de natação. Eu acho que também se deve trabalhar a
inclusão de outras deficiências, não só os deficientes visuais, mas os deficientes
auditivos e os deficientes mentais. A sociedade tem que acolher melhor essas
pessoas, para que ocorra um maior desenvolvimento delas e também uma melhor
aceitação de todos em relação a elas”.
A abertura de um mercado de trabalho mais abrangente para o técnico de
natação é um ponto também destacado na fala do técnico da cidade de São José
dos Campos/SP. Ele disse que o “esporte inclusivo é um campo novo que está se
abrindo, não só para os deficientes, mas para os profissionais que trabalham com os
portadores de deficiência. Então eu vejo com bons olhos a inclusão, porque
realmente é uma oportunidade que eles têm a mais de estar inseridos na sociedade
normal, onde todos vivemos”.
A adequação do espaço físico e algumas medidas de acessibilidade, na visão
do técnico do município de Araraquara/SP possibilitariam que uma maior
participação de atletas com deficiência ocorresse. Ele lembrou que o “que torna difícil
para as cidades trazerem esses atletas, é o problema do alojamento, a dificuldade de
locomoção dessas pessoas”.
85
O técnico da cidade de Jundiaí/SP ressaltou a importância do esporte na vida
das pessoas com deficiência.
Ele entende que “o esporte é um campo muito
importante para o deficiente, para que ele possa se integrar cada vez mais à
população, pois ele tem todas as possibilidades de participar de campeonatos de
natação e de outras atividades”.
Outro ponto de destaque no processo de inclusão e que é referido pelo
técnico da cidade de Bauru/SP, e pelos atletas cegos e deficientes visuais, diz
respeito ao aumento de oportunidades de competição. Para este técnico a
participação de pessoas com deficiência é motivo de comemoração, tanto para os
deficientes, quanto para os não deficientes.
Ele vê o movimento de inclusão como um fenômeno “de grande importância
para natação de uma maneira geral. Ele acha que isso é legal, porque se consegue
uma competição a mais para o deficiente. Eles têm muita dificuldade para organizar
competições”.
Para o técnico da cidade de São Bernardo do Campo/SP temos a confirmação
de que os direitos dos deficientes estão sendo respeitados, à medida que o discurso
se transforma em ação. Ele entende que o “deficiente não pode ser segregado. Falase tanto em inclusão, mas só se fala, não se inclui ninguém. Então, eu acho que o
esporte é uma coisa que não segrega, a gente tem que fazer as competições juntas,
mostrar que eles são capazes e não ter dó dessas pessoas. Eles não precisam deste
sentimento, eles necessitam de oportunidades pra mostrar que têm potencial”.
O técnico de Sorocaba/SP reforça a idéia de inclusão, dizendo que a
aceitação “da participação dos portadores de deficiência nos jogos regulares é a
melhor possível. Eu acho que é uma maneira de integrá-los no desporto. Devemos
integrar o paradesporto ao desporto competitivo”.
Por outro, lado os dirigentes defendem a manutenção e a necessidade do
Desporto Paraolímpico para aqueles que não apresentam performances tão
significativas.
Para que possamos compreender este embate de ideais e posicionamentos,
é necessário destacar que existem dirigentes realmente preocupados com o
desenvolvimento do desporto para os atletas com deficiência, mas há também
86
aqueles que usam e defendem um pensamento e um discurso meramente
demagógicos que encobrem uma disputa por poder político.
Na nossa opinião, esses dirigentes desejam usufruir das benesses e
privilégios que a manutenção do desporto segregado pode trazer, ignorando o
desejo daqueles que são os maiores interessados, ou seja, os atletas cegos e
deficientes visuais.
A busca pelo poder político acaba trazendo prejuízos aos atletas deficientes,
como nos relata o diretor técnico da ABDC. Para ele o “órgão máximo que é o IPC,
ele não tem uma política de inclusão. A Paraolimpíada não tem uma política de
inclusão. A política do IPC é tirar o máximo da potencialidade de cada um dos
deficientes”.
Esta perspectiva de valorizar as qualidades dos atletas, potencializando suas
habilidades, infelizmente, ocorre somente com aqueles que têm deficiências menos
severas e para algumas deficiências, apenas. O que queremos explicitar e enfatizar
é que a política que o IPC tem desenvolvido é a de valorizar somente aqueles
atletas que estão muito próximos de um “conceito de normalidade”, ignorando ou
esquecendo-se das pessoas com maior grau de comprometimento.
O desinteresse pelos atletas mais comprometidos é evidente, quando se
constata que as provas oferecidas para eles vêm sendo reduzidas drasticamente,
como foi demonstrado na Tabela 11.
A redução dessas provas e de algumas categoriais de deficiência é justificada
por dois argumentos:
1. é necessário que se tenha um número maior de atletas de diversos
países competindo no mundo;
2. estes atletas devem estabelecer marcas que satisfaçam o padrão de
qualidade exigido pelo IPC.
Eis aí uma grande contradição: os dirigentes defendem que o esporte
inclusivo poderia afastar ou excluir das competições os atletas mais comprometidos,
pois incluiriam somente aqueles atletas em condições de estabelecer performances
87
elevadas, próximas do “modelo de normalidade”. Tudo, isto vem ocorrendo dentro da
própria Paraolimpíada.
Para o diretor técnico da ABDC e chefe da delegação paraolímpica que
participou dos jogos de Sidney/2000, “o que pode ocorrer é que o próprio sistema,
faça a exclusão dessas pessoas. AÍ nós teremos problemas !”
Ele diz ainda que “na concepção do desporto de rendimento paraolímpico, na
concepção da Paraolimpíada, temos observado que as provas dos portadores de
deficiência de classe baixa (deficiências mais severas) têm diminuído”.
Esta filosofia do IPC acaba interferindo também na participação dos atletas
cegos e deficientes visuais. O Presidente licenciado da ABDC refere-se a este
assunto, dizendo que “na Paraolimpíada as provas na nossa área de deficientes
visuais – na área de cegueira – as provas para S11 elas estão sendo reduzidas
drasticamente em razão da performance que o Comitê Paraolímpico Internacional
está adotando especificamente na modalidade natação. Então eu vejo isso como um
perigo, com muito cuidado. Esta situação deve ser objeto de muito trabalho, de muita
discussão em nível internacional, no IPC. Nós temos que trazer para o Brasil essa
discussão. A gente vai ter que trabalhar muito para preservar o espaço para os
atletas mais comprometidos”.
O diretor técnico da ABDC e chefe da delegação paraolímpica que participou
dos jogos de Sidney/2000, esclareceu esta questão, afirmando que “com relação aos
cegos, é um problema político, é uma briga entre a IBSA e o IPC. Enquanto não se
resolver esse impasse político entre a Associação Internacional de Cegos e o IPC,
pode ocorrer isso, tanto é que o número de provas para deficientes visuais foi
infinitamente inferior e realmente poderiam ser incluídas. A IBSA está brigando por
isso, mas existe um problema de incompatibilidade política a ser resolvido e não sei
até onde vai essa incompatibilidade. Logicamente quem sai prejudicado são os
próprios deficientes, que não podem participar”.
Ocorre que existe um choque entre as filosofias e objetivos de trabalho
implementadas pela IBSA que é uma entidade que representa e organiza eventos
exclusivamente para cegos e deficientes visuais e o IPC que é o órgão que congrega
as principais associações esportivas para deficientes.
88
As das diferenças políticas estão relacionadas ao fato de os eventos do IPC
estarem se tornando extremamente elitistas e protecionistas, defendendo a categoria
dos deficientes físicos e as classes de deficiência com mais possibilidade de
performances.
Na Tabela 12 , foi demonstrado que o número de provas que são oferecidas
aos atletas cegos e com deficiência visual nas Paraolimpíadas pelo IPC é muito
inferior ao oferecido nos eventos da IBSA e que o número de provas oferecidas por
esta entidade aproxima-se muito mais do programa olímpico, estipulado pela FINA.
Ao analisarmos a Tabela 13, podemos apontar outros pontos que trazem
dúvidas quanto à imparcialidade do IPC. O primeiro deles é que apesar do programa
de provas dos nadadores cegos e deficientes visuais ser composto de sete provas,
apenas uma dentre as três classes destinadas a estes atletas é realmente
contemplada com a efetiva realização do programa. As demais classes sofrem uma
redução quanto à possibilidade de participação.
Outro ponto a se destacar é o da classe S13 (atletas com resíduo visual). Eles
têm a possibilidade de participação em um número maior de provas do que os
atletas da classe S11(cegos totais), mesmo sendo esta uma classe que agrega um
número um maior de participantes.
Estes fatos poderiam comprometer o destino das competições de natação
organizadas pelo IPC, afastando definitivamente estes atletas deste esporte, dado
que hoje o número de atletas participantes já é extremamente reduzido.
Em resumo, a natação como desporto inclusivo para cegos e deficientes
visuais acena como uma real possibilidade para os cegos que são excluídos do
ambiente das Paraolimpíadas, mas também para os deficientes visuais, que não se
sentem estimulados em competir nos eventos segregados.
89
CONCLUSÃO
“ A democracia supõe e nutre a diversidade dos
interesses, assim como a diversidade de idéias. O respeito à
diversidade significa que a democracia não pode ser
identificada com a ditadura da maioria sobre as minorias:
deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à
existência e à expressão, e deve permitir a expressão das
idéias heréticas e desviantes. Do mesmo modo que é preciso
proteger a diversidade das espécies para salvaguardar a
biosfera, é preciso proteger a diversidade de idéias e
opiniões” (MORIN, 2001,p.108).
A experiência profissional que adquirimos ao longo de anos de trabalho com
a natação para cegos e os resultados esportivos conseguidos junto a este grupo de
pessoas nos instigou a realizar este estudo.
Face à realidade vivida, durante todo este caminhar profissional, procuramos
compreender, agora não mais de forma empírica, mas sim sistematizada, quais
eram as interfaces existentes entre a natação como desporto de rendimento de
cegos e deficientes visuais e a idéia de sociedade inclusiva. Tentamos neste estudo
detectar as implicações e impactos deste processo sobre este ambiente esportivo.
Não foi intenção deste trabalho, portanto, discutir ou identificar se o desporto
segregado é melhor ou mais adequado para os cegos e deficientes visuais que o
desporto inclusivo e vice-versa. Quisemos propiciar uma visão atual e crítica do que
ocorre no universo desportivo de rendimento das pessoas com cegueira e
deficiência visual praticantes da natação competitiva.
A realidade demonstrada aqui nada mais é do que um recorte, o retrato de um
momento retirado à frente de um espelho, para que possamos refletir e nos ver
participantes destas transformações.
90
Somos parte integrante do movimento de cegos no Brasil, pois coordenamos
a natação de cegos e deficientes visuais em âmbito nacional. O foco desta pesquisa,
é, pois, de um participante e não de um transeunte, que sobrevoa e lança seu olhar
temporariamente sobre um dado contexto.
O retrato retirado nos mostrou que os envolvidos neste espetáculo, que é o
desporto de rendimento para pessoas com cegueira e deficiência visual, estão
receptivos à idéia de um desporto inclusivo, mesmo porque muitos já estão inseridos
neste contexto esportivo.
Infelizmente, grande parte dos que se beneficiam dessa possibilidade de
esporte identificada em nosso estudo são atletas de outros países, que em suas
sociedades já avançaram na discussão do direito à diferença na igualdade dos
direitos.
Esta possibilidade de desporto para os cegos e os deficientes visuais,
baseada na perspectiva de uma sociedade aberta às diferenças e que valoriza e
respeita a diversidade, parece, para alguns dos entrevistados, ainda algo distante e
inovador.
A construção desta sociedade moderna, que dá direito a oportunidades iguais
e igualitárias para todos, da qual o desporto também faz parte, está, como vimos,
expressa em normas, determinações e leis nacionais e internacionais.
O que verificamos em nosso estudo é que, lamentavelmente, em nosso país
estes preceitos legais são descumpridos, dificultando o acesso aos bens sociais e à
possibilidade de inserção do cego e do deficiente visual no esporte regular.
A escola e os demais locais públicos que deveriam e poderiam propiciar a
prática da atividade física e esportiva no ambiente regular, acabam descumprindo
ou ignorando este direito de acesso, que deveria ocorrer independentemente das
característica do aluno.
Os fatores levantados, que nos parecem prioritários para o entendimento
desta questão são:
•
a acessibilidade física:
•
e a formação do professor de Educação Física.
91
O primeiro, seria facilmente resolvido, caso as leis urbanísticas, que
estabelecem normas de construção em logradouros públicos, fossem cumpridas.
Pois o acesso a estes locais é um direito e o seu descumprimento fere a
Constituição Federal.
O segundo fator, que diz respeito a formação profissional, requer uma série
de discussões acadêmicas, pois há uma certa confusão, quanto ao verdadeiro papel
das disciplinas do curso de Educação Física, que abordam o tema atividade física e
pessoas com deficiência. Seus conteúdos acabam formando profissionais com uma
preparação e visão segregradora de esporte, como foram apontados no Capítulo I.
O direito de acesso à prática da atividade física por pessoas com deficiência,
é comumente negado nas escolas e nos locais públicos, o que acaba por impedir
um caminho para o ingresso dessas pessoas no universo desportivo.
Estas situações, já apontadas inicialmente em nosso trabalho, serviram para
compreender e contextualizar a problemática do esporte para pessoas com
deficiência, uma vez que a compreensão do desporto de cegos e deficientes visuais
não ocorre desassociada deste panorama geral.
Esperamos, então, que o discurso favorável à inclusão de pessoas cegas e
com deficiência visual no desporto regular, detectado nos depoimentos dos técnicos,
dos atletas e daqueles que trabalham com atletas videntes, possam transpor a
barreira do discurso, efetivando-se como uma prática rotineira, no desporto de
rendimento.
A
utilização do esporte como veículo para a inserção e valorização das
pessoas cegas e com deficiência visual na sociedade é um consenso entre os
entrevistados, como pudemos constatar, na nossa investigação.
Contudo, nossas análises explicitaram uma contradição quanto à maneira de
se desenvolver esse processo de inserção e valorização, através do esporte.
Os dirigentes optam pelo fortalecimento do desporto segregado, que, na
visão deles, garantiria acesso à todas as pessoas com deficiência que desejam
participar de atividades esportivas competitivas.
Isto, segundo esses dirigentes, propiciaria ao deficiente uma imagem de
sucesso, e traria, em conseqüência, mudanças de atitude da sociedade, diante
92
dessas pessoas, fazendo com que fossem mais respeitadas, tendo assim seus
direitos atendidos.
Outro argumento utilizado em defesa do desporto segregado é o fato de os
dirigentes acreditarem que a opção pelo desporto inclusivo eliminaria a participação
dos atletas com maior comprometimento das competições.
Na contramão desta posição, como vimos na análise, estão os próprios
deficientes, que acreditam que o desporto inclusivo pode trazer todos estes
benefícios de uma forma mais ampla, real e consistente, pelo fato de estarem se
colocando como pessoas iguais, que são providas de qualidades e defeitos.
Outro fato detectado no estudo e que se contrapõe à argumentação utilizada
pelos dirigentes, é a realidade da Paraolimpíada, que, segundo os próprios
dirigentes, é movida por políticas elitistas e protecionistas, que acabariam por
eliminar a participação das competições dos deficientes com maior grau de
comprometimento, em função da política de qualidade imposta pelo IPC, que tem
base no nível de normalidade dos atletas.
Sendo que os cegos e deficientes visuais, tem sido prejudicados ainda mais
por desavenças políticas entre as entidades que organizam estas competições.
Todos os dirigentes em seus depoimentos, uns de forma mais veemente,
outros de forma mais ponderada, acreditam que o desporto inclusivo, ou seja, os
treinamentos e as competições realizadas com pessoas videntes, podem trazer um
melhor
desempenho,
em
confrontos
esportivos
como
os
realizados
nas
Paraolimpíadas.
Ficou evidente que os atletas que desejam competir e ser vitoriosos na
competição de natação nas Paraolimpíadas, devem participar do desporto inclusivo.
Pois aqueles que se sagraram vitoriosos, estão inseridos no desporto regular. A que
se destacar, que a única atleta cega brasileira medalhista, tem também em seu
histórico esportivo esta vivência no desporto regular.
Diante disso, e do inegável desequilíbrio entre a qualidade e quantidade de
treinamentos dos atletas brasileiros, comparados aos atletas de outros países, é que
sugerimos que as políticas de fomento da natação para cegos e deficientes visuais
no Brasil sejam revistas. Procurando primeiramente garantir a possibilidade de
93
acesso ao esporte regular, o que daria o direito ao atleta de escolha entre estar no
desporto regular ou segregrado, fato que não ocorre hoje, pois os atletas nacionais
são encaminhados diretamente ao desporto segregado. Eles não tem opção, no
momento. Se querem competir, precisam se submeter às regras da segregação,
impostas pelos órgãos nacionais e internacionais
E, num segundo momento, dando realmente condições de treinamento aos
atletas que partam do conceito de desporto de rendimento, uma vez que pudemos
constatar que há uma distorção desde conceito, pelos atletas cegos e deficientes
visuais e seus técnicos.
Esta distorção e a incompreensão sobre as necessidades reais de
treinamento, impostas àqueles que desejam atingir performances expressivas no
desporto de competição, afasta-os da possibilidade de vitória, pois realizam um
desporto de participação, acreditando ser um desporto de rendimento!
A aproximação entre estes dois universos desportivos, o Paraolímpico e o
Olímpico, talvez trouxesse uma correção destes desvios de compreensão e de
atuação, fazendo com
que caminhássemos no sentido de buscar e de quebrar
limites para o desporto de pessoas cegas e deficientes visuais.
A que se analisar, as razões desta contraposição dos dirigentes ao desporto
inclusivo, procuramos saber quais são os benefícios do desporto segregado. E quem
são verdadeiramente os beneficiados deste esporte, que se apóia numa visão de
ambiente menos restritivo e de discriminação positiva.
Em nossas entrevistas os atletas disseram que gostariam de ver o desporto
inclusivo se desenvolver, para que pudessem usufruir de todos os seus benefícios.
No entanto, quando questionados sobre a possibilidade de união das provas de
natação das Paraolimpíadas com as da Olimpíadas, muitos disseram que isto seria
algo inviável, impossível de ser concretizado. Um dos principais argumentos desses
atletas é o fato de a junção dos eventos tomar proporções muito grandes,
dificultando a sua realização e afastando o interesse da mídia, em especial, pela
competição. Pensamos exatamente o contrário, por experiência em competições
regionais e nacionais que organizamos.
94
A inserção de provas adaptadas nos Jogos Regionais e Abertos do Interior e
a receptividade pelos os envolvidos, leva-nos a crer que este pode ser o
encaminhamento natural para que ocorra a quebra de barreiras entre estes
universos distintos de desporto.
Cerca de 10.000 pessoas participaram dos Jogos Abertos do Interior no ano
de 2002, nas Olimpíadas de Sidney/2000 cerca de 8.000 e nas Paraolimpíadas de
Sidney/2000 em torno de 4000.
Só por estes dados numéricos podemos acreditar na possibilidade da junção
da Olimpíada com a Paraolimpíada.
Outro problema levantado por alguns atletas e defendido pelos dirigentes é
que o atleta cego e com deficiência visual, pela própria característica da deficiência
levaria desvantagens, ao competir com pessoas com visão “normal”.
Esta é uma questão que requer um estudo mais aprofundado da limitação real
daqueles que têm problemas visuais e competem em provas de natação. Devemos
ter cuidado ao afirmar que todos levam desvantagens significativas.
Há que se considerar as diversas patologias e acidentes que causam a
cegueira e a deficiência visual e também as limitações no ato de utilizar a visão. Há
pessoas que enxergam pouco, mas utilizam bem o seu resíduo visual.
Há que se questionar a maneira utilizada para classificar estes atletas que
têm limitações visuais nas competições de natação, uma vez que as avaliações são
baseadas ainda em um modelo clínico e não funcional. Esta é a proposta de um
novo trabalho que futuramente pretendemos realizar.
Finalmente, concluímos que há uma real contribuição da inclusão no desporto
de rendimento de pessoas com cegueira e deficiência visual, que praticam a natação
competitiva e que as implicações advindas desta relação são positivas tanto no
âmbito esportivo, mas, sobretudo, no social, tendo em vista que esta é tendência
atual na sociedade e nas políticas públicas.
Diante disto, na nossa opinião não é mais possível negar a inclusão na
natação competitiva para cegos e deficientes visuais e temos, pois, de prosseguir no
sentido de lutar por políticas públicas que garantam essa possibilidade.
95
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