A Natação, O Cego E O Deficiente Visual
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A Natação, O Cego E O Deficiente Visual
i UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO DISSERTAÇÃO DE MESTRADO A NATAÇÃO, O CEGO E O DEFICIENTE VISUAL: A INCLUSÃO E SUAS IMPLICAÇÕES NO DESPORTO DE RENDIMENTO LUIZ MARCELO RIBEIRO DA LUZ CAMPINAS 2003 ii © by Luiz Marcelo Ribeiro da Luz, 2003. Catalogação na Publicação elaborada pela biblioteca da Faculdade de Educação/UNICAMP Bibliotecário: Gildenir Carolino Santos - CRB-8ª/5447 Luz, Luiz Marcelo Ribeiro da. L979n A natação, o cego e o deficiente visual : a inclusão e suas implicações no desporto de rendimento / Luiz Marcelo Ribeiro da Luz. -- Campinas, SP: [s.n.], 2003. Orientador : Maria Teresa Eglér Mantoan. Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. 1. Inclusão social. 2. Natação. 3. Deficientes visuais. 4. Cegueira. 5. Educação física para deficientes. I. Mantoan, Maria Tereza Eglér. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. III. Título. 03-028-BFE iii Dedico este trabalho ao amor: De meus pais Roberval (in memorian) e Maria Antonia, de minha esposa Guchenka e de meus filhos Larissa e João Vitor. iv Agradecimentos Dirijo meu grato reconhecimento a todas as pessoas e instituições que colaboraram para a realização deste estudo e, de modo especial, agradeço: À Profa. Dra. Maria Teresa Eglér Mantoan, pela inestimável orientação e sugestões dadas ao trabalho durante seu desenvolvimento e pelo exemplo de dedicação e competência. Ao Prof. Dr. Carlos Alberto Vidal França e a Profa. Dra. Elisabeth de Mattos, pelas valiosas sugestões fornecidas no Exame de Qualificação, mas sobretudo, pela forma generosa e humana com que me trataram. Ao Prof. Sérgio Goldenberg e sua esposa Jurema Neves Goldenberg, pela prontidão com que me auxiliaram no processo de ingresso no programa de Mestrado. Ao Prof. Dr. Luis Enrique Aguilar, Coordenador da Pós-Graduação da Faculdade de Educação – UNICAMP, pelo apoio e esclarecimentos nos momentos de incertezas. Aos professores do Mestrado em Educação, pela oportunidade de discussão e sugestões sempre valiosas. Aos funcionários da Pós-Graduação da Faculdade de Educação – Unicamp por manterem-me sempre informado quanto aos procedimentos técnicos e pela disposição em esclarecer minhas dúvidas. v Aos Profs. Mauricio Aníbal Delgado e Mari Gandara pela amizade e apoio, contribuindo para realização deste estudo. À Profa. Dra. Maria Helena Pereira Dias, pela revisão de português e pelas conversas, possibilitando-me grande crescimento pessoal e profissional. À Diretoria da Associação Atlética Banco do Brasil, pelo incentivo e liberação para a participação no programa de mestrado. Aos meus alunos da Associação Atlética Banco do Brasil, por serem compreensivos e entenderem a necessidade de meus constantes afastamentos. Aos amigos Davi Farias Costa e Benedito Franco Leal Filho, presidente e vicepresidente da ABDC, por respeitarem e acreditarem em meu trabalho. Aos atletas, técnicos e dirigentes que participaram desta pesquisa, pela prontidão em auxiliar. A meu sogro Luiz Fernando e minha sogra Vera Lucia, pela doação, dedicação e afeto demonstrados no cuidado com meus filhos e minha esposa, preenchendo e amenizando a saudade e a distância impostas pela realização deste estudo. À Profa. Celina Aparecida Turrini, pelo companheirismo e incentivo. À Tereza Pinho por ser mãe, amiga e companheira de piscina. À Maico, pela amizade e afeto demonstrados e por me substituir em aulas, projetos e outras atribuições. vi Aos irmãos de vida Anderson e Leonardo. A todos os familiares e amigos, encorajadores de meus projetos profissionais. À Deus, por conduzir estas pessoas ao meu encontro e pelo fortalecimento de minha alma e espírito. vii RESUMO Na perspectiva de uma sociedade inclusiva, o presente estudo investiga a modalidade de desporto de rendimento natação para atletas cegos e deficientes visuais. Verificamos as implicações e inovações que o processo inclusivo oferece ao rendimento desses atletas em competições de nível nacional e internacional. Foram entrevistados dirigentes, técnicos e atletas cegos e com deficiência visual brasileiros e estrangeiros, na Paraolimpíada de Sidney/Austrália, em 2000. A investigação mostrou que o treinamento em situação de inclusão favorece o rendimento desses atletas. Paralelamente constatamos que os dirigentes, em geral, demonstram ainda resistência quanto à unificação desse esporte; os técnicos se dividem com relação à mesma questão e os atletas sofrem a pressão da política segregadora vigente no desporto adaptado. viii ABSTRACT This study focuses on swimming as a performance sport for blind and visually impaired athletes, from the perspective of an inclusive society. We have investigated the implications and innovations that the inclusive process offers to these athletes in national and international competitions. Brazilian and foreign team officials, coaches, and blind and visually impaired athletes were interviewed in 2000 during the Sydney/Australia Paralympic Games. The research has shown that training in an inclusive environment favors performance. We have also found that, in general, officials still show resistance to the unification of this sport; coaches have divided opinions about this matter, and athletes suffer the consequences of the segregation policy that is in effect today in adapted sports. ix ÍNDICE Páginas DEDICATÓRIA..................................................................................... iv AGRADECIMENTOS ........................................................................... v RESUMO.............................................................................................. viii ABSTRACT............................................................................................ ix LISTA DE TABELAS ............................................................................ xi LISTA DE FIGURAS ............................................................................ xiii LISTA DE GRÁFICOS.......................................................................... xiv INTRODUÇÃO ..................................................................................... 01 CAPÍTULO I ......................................................................................... Caminhos da Inclusão ....................................................................... 1. - Sociedade e inclusão ..................................................................... 1.1 - Educação, inclusão e suas interfaces com a Educação Física ........................................................................................ 06 06 06 CAPÍTULO II ........................................................................................ Inclusão e o desporto de rendimento............................................... 28 28 CAPÍTULO III ....................................................................................... Desporto Inclusivo: A natação como uma possibilidade ............... 1. Os dados .......................................................................................... 1.1 - Jogos Regionais....................................................................... 1.1.1. Regulamento Geral dos Jogos Regionais de 2000 ................ 1.2 - Jogos Abertos do Interior ......................................................... 1.3 - Jogos Brasileiros para cegos e deficientes visuais .................. 1.4 - Jogos Paraolímpicos................................................................ 2. Análise dos dados ............................................................................. 43 43 43 48 50 51 55 60 71 CONCLUSÂO........................................................................................ 87 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................... 93 11 x LISTA DE TABELAS Páginas Tabela 1 - Pesquisa Bibliográfica – Nuteses ....................................... 24 Tabela 2 - 44º Jogos Regionais - Participação dos atletas com deficiência na modalidade Natação .......................................... 50 Tabela 3 - 44º Jogos Regionais - Atletas com cegueira e com deficiência visual/entrevistados........................................................... 51 Tabela 4 - 64º Jogos Abertos do Interior - Participação dos atletas com deficiência na modalidade Natação ............................. 55 Tabela 5 - 64º Jogos Abertos do Interior - Atletas com cegueira e deficiência visual/entrevistados ............................................... 55 Tabela 6 - Entidades e atletas cegos e com deficiência visual participantes dos 1º Jogos Brasileiros........................................... 60 Tabela 7 - Evolução da participação de países e atletas nos Jogos Paraolímpicos ...................................................................... 62 Tabela 8 - Medalhas conquistadas em Paraolimpíadas ...................... 64 Tabela 9 - Países detentores do maior número de medalhas na classificação geral dos desportos - Sidney/2000 ....................... 66 Tabela 10 - Países com maior número de atletas com deficiência Sidney/2000......................................................................... 66 xi Tabela 11 - Índices classificatórios para provas de Natação – Paraolimpíadas Sidney/2000....................................................................... 68 Tabela 12 - Número de provas oferecidas a atletas cegos e deficientes visuais em eventos específicos e convencionais .............. 70 Tabela 13 - Participação dos atletas cegos e deficientes visuais nas Paraolimpíadas de Sidney/2000 modalidade Natação .................. 70 xii LISTA DE FIGURAS Páginas Figura 1 - Modalidades de desportos para cegos e deficientes visuais presentes na temporada de 2002......................................... 58 xiii LISTA DE GRÁFICOS Páginas Gráfico 1 - Modalidades de desportos para cegos e deficientes visuais... 59 xiv "Tudo é loucura ou sonho no começo. Nada do que o homem fez no mundo teve início de outra maneira – mas já tantos sonhos se realizaram que não temos o direito de duvidar de nenhum". Monteiro Lobato. Mundo da Lua, 1923. 1 INTRODUÇÃO Estudar o desporto de rendimento de pessoas com cegueira e deficiência visual, baseado na perspectiva de uma sociedade inclusiva, pode parecer contraditório, se avaliado de forma superficial. No entanto, estes dois universos – inclusão e desporto – estão intimamente interligados e isso é evidenciado quando retiramos o olhar daquele que está no lugar mais alto do podium e, de forma efêmera, recebe os louros por sua vitória e eficiência, e abrimos a lente (e também nossas mentes) para focarmos todos os sujeitos e as interfaces que propiciam um dos maiores espetáculos da modernidade que é o desporto de competição ou rendimento. Pretendemos, ao longo deste trabalho, refletir sobre o papel da inclusão no desenvolvimento do desporto de rendimento para pessoas cegas e com deficiência visual, mas, também, compreender e identificar os significados na escolha desses atores, quando da sua participação em eventos esportivos regulares e segregados. Buscamos, ainda, relacionar tal opção ou posição à realidade das leis e políticas que fomentam, organizam e propiciam a prática esportiva a esta parcela da população. Por aceitar que as diferenças podem conviver em harmonia e que essa convivência pode trazer benefícios para todos os envolvidos é que sugerimos um estudo que venha demonstrar as reais possibilidades de um desporto de rendimento o qual busca atender a todos aqueles que desejam atingir objetivos competitivos, independentemente de sua condição de visão. A partir do pressuposto teórico de sociedade inclusiva, que norteia a relação entre os membros constituintes dessa sociedade, é que propomos este trabalho a fim de verificar como a inclusão interfere no desporto de rendimento de atletas cegos e deficientes visuais, na modalidade natação. Para buscar respostas a esses questionamentos foram propostos neste trabalho os seguintes objetivos: 2 • Verificar se os atletas cegos e com deficiência visual, medalhistas de ouro dos países que participaram da Paraolimpíada, são treinados dentro de uma perspectiva inclusivista ou segregadora; • Verificar se a escolha pelo modelo inclusivista tem interferência em sua performance, refletindo-se em suas conquistas desportivas; • Detectar se o volume de treinamento é compatível com as necessidades do desporto de rendimento; • Analisar o impacto do processo de inclusão, que vem sendo realizado na modalidade, junto aos atletas, técnicos e dirigentes brasileiros. • Contribuir com a sistematização da temática para futuras e/ou possíveis políticas de desenvolvimento desportivo que tenham como foco primordial o desporto para pessoas com cegueira e deficiência visual no Brasil. O interesse pelo assunto proposto decorre da experiência do autor como profissional de Educação Física, que atua há quatorze anos como professor e técnico de natação convencional para pessoas videntes e, há doze, com natação para cegos e deficientes visuais, trabalho esse que sempre foi desenvolvido (mesmo que de forma inconsciente) na busca pelo direito de igualdade, a partir da ótica da inclusão. Por ter esse envolvimento com o desporto convencional e o segregado, as desigualdades de oportunidades dos atletas cegos e deficientes visuais, constatadas ao longo dos anos, o inquietavam, pois acreditava ser possível transformar essa realidade à medida que um universo se interligasse ao outro. Essa angústia e o desejo de propor algo que pudesse colaborar para mudanças positivas na situação, estandardizada por inúmeros fatores que a influenciavam, levaram-no a realizar inúmeras experiências e tentativas de inclusão dos nadadores cegos e deficientes visuais, em ambientes regulares propícios ao treinamento adequado e participações em competições. 3 Felizmente, as experiências realizadas foram coroadas de sucesso e recebidas com ótima aceitação, tanto pelos nadadores cegos e deficientes visuais, como, e principalmente, pelos nadadores videntes. Esse mesmo envolvimento e o trabalho com o desporto de cegos e deficientes visuais propiciaram o convite para assumir a coordenação da Modalidade Natação na Associação Brasileira de Desportos para Cegos1 (ABDC), entidade nacional que tem por objetivo regulamentar e fomentar a prática desportiva de pessoas com cegueira e visão reduzida. Sendo assim, ao assumir esse cargo, o autor deparou-se com a possibilidade de desenvolver projetos e políticas ligados à inclusão e à prática esportiva da natação. A necessidade de compreender como vem sendo realizado o contato, bem como o aprendizado e desenvolvimento dos cegos e deficientes visuais junto à modalidade natação, conduziu-o a também tentar identificar maneiras e formas de se massificar a natação para a população de pessoas com cegueira e deficiência visual. A população de deficientes, segundo dados do Censo Demográfico 2000, divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), atinge, no Brasil, 14,5 % da população, ou 24,5 milhões de pessoas. Os números são assustadores se comparados com o do último Censo, realizado em 1991, que identificou apenas 2% da população com alguma deficiência. Por sua vez, a deficiência visual representa 48,15% da população de pessoas com alguma deficiência. Essa é a mais numerosa categoria2 de deficientes no Brasil, segundo o Censo, sendo que, entre 16,5 milhões de pessoas com deficiência visual, 159.824 são incapazes de enxergar. Esses números tornam-se impressionantes, pois o número de cegos praticantes da natação como modalidade de competição no Brasil não passa de 60 atletas.3 1 2 3 Única entidade nacional afiliada a Internacional Blind Sports Federation – IBSA. Os novos índices devem-se ao conceito ampliado de deficiência utilizado neste Censo, compatível com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde divulgada em 2001 pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Boletins Oficiais da ABDC. 4 Nossa inquietação por levar a prática esportiva da natação a um número maior de praticantes é aumentada, primeiro porque essa é uma das poucas modalidades esportivas a possibilitar autonomia completa ao cego em sua prática esportiva; ou seja, não se faz necessário o auxílio de guias (pessoas videntes) e, segundo, pelos inúmeros benefícios que as propriedades físicas da água possibilitam no processo de habilitação e reabilitação do cego. A natação mostra-se, ainda, como uma das modalidades esportivas mais adequadas para se verificar o processo de inclusão do cego no esporte, pois possui características como: regras, formas de treinamento, competições, etc., favoráveis à inserção dessa clientela no esporte competitivo. Ao contrário de outras modalidades esportivas, praticadas pelos cegos, essa possibilita a total independência e autonomia de seus praticantes. Esses fatores favoráveis, somados à nossa legislação, que prevê e garante o direito ao acesso irrestrito a todos os cidadãos brasileiros à prática de atividades físicas, possibilitam a este grupo – cegos e deficientes visuais – defender a prática da natação em qualquer ambiente esportivo e com qualquer grupo de pessoas. A autonomia do cego, bem como o ambiente das competições de natação podem tornar a modalidade um meio altamente favorável à inclusão, uma vez que a legislação regulamenta e sugere tal prática. É, portanto, com a intenção de mapear e compreender a realidade da prática esportiva relacionada a essa modalidade, no que diz respeito aos cegos e deficientes visuais que sugerimos o tema em nosso estudo. Quanto à organização deste estudo, no Capítulo I, procuramos determinar e explicitar, através de seu processo histórico de desenvolvimento, quais as relações existentes entre a inclusão e a sociedade. Tentamos, além disso, estabelecer quais as influências desta manifestação social sobre a Educação, a Educação Física Escolar e a Educação Física Adaptada. No Capítulo II, faremos uma abordagem sobre o tema inclusão e desporto de rendimento, procurando explicitar suas diversas representações e utilizações políticas, econômicas e sociais. Trazendo destaque à forma e maneira como o 5 desporto para pessoas com cegueira e deficiência visual foi e é concebido, utilizado e desenvolvido nos espaços esportivos regulares e segregados. Dedicamos o Capítulo III à apresentação e análise dos dados coletados, através de entrevistas em quatro grandes eventos esportivos destinados a prática da natação competitiva por pessoas cegas e com deficiência visual, sendo três eventos nacionais e um, internacional. Os entrevistados foram subdivididos em quatro grupos: atletas cegos e com deficiência visual, técnicos de atletas cegos e com deficiência visual, técnicos de atletas com visão e dirigentes esportivos do desporto para pessoas com deficiência. Esse capítulo é direcionado à tentativa de interpretação dos depoimentos. Finalmente, apresentamos, nas páginas finais deste estudo, a conclusão da análise feita ao longo dos capítulos. 6 CAPÍTULO I CAMINHOS DA INCLUSÃO 1. Sociedade e inclusão “ (...) para ser válida a educação deve levar em conta o fato primordial do homem, ou seja, sua vocação ontológica, que é tornar-se sujeito, situado no tempo e no espaço, no sentido de que vive em sua época precisa, em um lugar preciso, em um contexto social e cultural precisos. O homem é um ser com raízes espaço-temporais e cabe-lhe a transformação” ( FREIRE, 1985. p.158). A idéia de inclusão é uma manifestação social bastante contemporânea, que vem sendo defendida e difundida entre os mais variados setores da sociedade. Contudo, as evidências históricas demonstram que esse fenômeno surgiu e se desenvolveu relacionado, principalmente, à causa da defesa da pessoa com deficiência. Tal movimento teve início a partir da década de 80, mais precisamente em 1981, quando a Organização das Nações Unidas – ONU, realizou o Ano Internacional das Pessoas Deficientes. A partir dessa semente o conceito de inclusão evoluiu, durante as duas últimas décadas, à medida que reuniões e conferências4 foram realizadas e documentos e declarações foram produzidos em prol da defesa dos direitos das pessoas com deficiência. 4 Em função de muitos outros autores, terem estudado e publicado trabalhos com referência a produção de documentos, não é nossa intenção nos aprofundarmos sobre o assunto. No entanto, acreditamos ser importante citar alguns que balizam nossa discussão: Programa Mundial de Ação Relativo às Pessoas com Deficiência (United Nations, 1983); Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (Nações Unidas,1996); Declaração de Salamanca e Linha de Ação (UNESCO, 1994). 7 A Assembléia Geral da ONU, ocorrida em Dezembro de 1990, é um marco desse desenvolvimento, pois, através da Resolução Nº 45/91, que explicitou o modelo de Sociedade Inclusiva, também denominada “Sociedade para Todos”, determina que esta deve ser estruturada para atender às necessidades de cada cidadão, baseando-se no princípio de que todas as pessoas têm o mesmo valor perante a sociedade (Ferreira,1999). A sociedade aberta às diferenças é aquela em que todos se sentem respeitados e reconhecidos nas suas diferenças. O pluralismo respeita as diferenças e se constitui como eixo central de um processo democrático. Saber respeitar as diferenças talvez seja a tarefa mais difícil da sociedade contemporânea, pois a mesma sociedade é que homogeneíza a partir da construção de modelos préestabelecidos. Sendo assim, Werneck (1997:21) afirma que “a sociedade para todos, consciente da diversidade da raça humana, estaria estruturada para atender às necessidades de cada cidadão, das maiorias às minorias, dos privilegiados aos marginalizados”. Mantoan (2001:51) destaca ainda que “não lidar com as diferenças é não perceber a diversidade que nos cerca, nem os muitos aspectos em que somos diferentes uns dos outros e transmitir, implícita ou explicitamente, que as diferenças devem ser ocultadas, tratadas à parte”. O conceito de inclusão se expande, à medida que não somente defende grupos de pessoas com deficiência, mas também reivindica igualdade de direitos para todos os cidadãos que, por um motivo qualquer, estejam excluídos de um ambiente social e dos serviços oferecidos pela sociedade. Caminha, portanto, no sentido de uma “sociedade para todos” e do reconhecimento de que a sociedade deve ser plural e aberta às diferenças. Muitas minorias, porém, renunciam ao principio de igualdade da lei, e de igual acesso às funções públicas, recorrendo ao sistema de “discriminação positiva”, também chamado de “discriminação ao inverso” por Pierucci (1999), que afirma: 8 “ É a lógica da auto-representação, segundo a qual toda a diferença (sexo, etnia, língua, idade, religião) deve valer enquanto tal, sem recurso ao principio organizado de uma representação gera/ (...) seria um mundo no qual a diferença se autorepresentaria e, neste auto-representar–se, contribuiria para fazer desaparecer a necessidade “moderna” de uma representação dos cidadãos concebidos como entidades genéricas e abstratas e, por conseqüência, como povo ou nação dotada de uma vontade geral” (p.114). A discriminação positiva surge como uma perspectiva paralela à da inclusão e se configura como uma possibilidade de atender às necessidades de grupos minoritários, os quais se organizam e baseiam a defesa do direito de igualdade na busca de leis e ações que atendam somente aos seus direitos e interesses, tendo como foco único suas necessidades individuais. Objetivando, desta forma, receber respostas, serviços e atendimentos que partam não da aceitação dos mesmos grupos em sociedade, mas da categorização que se estabelece a partir de suas características de classe social, crença, etnia, deficiência, etc... . Essa maneira de agir remete, entre outras formas de discriminação, à necessidade de se separar os diferentes em busca da “pseudo” homogeneidade, negando que é possível ocorrer desenvolvimento (em todos os aspectos) num ambiente rico em diversidade (Mantoan, 2001). Pierucci(1999) cita Berger(1992) para afirmar que: “Em síntese, nenhuma diferença pode ser verdadeiramente interpelada e eficientemente mobilizada sem contribuir para a representação de um todo que necessariamente abstrai de outras diferenças, as quais, por sua vez e em outro momento histórico, também podem vir a pretender ter o direito de se mobilizar e se autocolocar na cena política com sua incomensurável especificidade” (p.115, 116). O objetivo de ter direitos e anseios atendidos deve partir da necessidade de se viver em sociedade, uma vez que essa convivência deve garantir a todos liberdade de expressão, possibilitando o direito de viver como cidadãos. A Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem proclama: 9 “(...) que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, e que os direitos e liberdades de cada pessoa devem ser respeitados sem qualquer distinção”. E reafirma: “(...) que as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser submetidas (sic) à discriminação com base na deficiência, emanam da dignidade e da igualdade que são inerentes a todo ser humano”. O Governo Federal, através do Decreto Nº 3.956, de 8 de outubro de 2001, onde o Presidente da República promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência, busca a consolidação da tão cultuada sociedade para todos. Pensar no poder das minorias, pelo viés ideológico da discriminação positiva, pode se transformar em um equívoco, pois possibilitaria à humanidade criar uma quantidade enorme de categorias e hierarquias, com benefícios questionáveis para todos. De fato, a discriminação positiva provoca a autodefesa de pessoas e grupos e não avaliza o desejável, ou seja, a inclusão em uma sociedade para todos, que gera, cria e propicia a possibilidade de todos terem os seus direitos respeitados. Ao refletirmos sobre a questão da igualdade de oportunidades, não podemos nos esquecer de que vivemos, mais do que nunca, em um mundo capitalista, onde a produção, sob todos os aspectos, é valorizada e cobrada pela sociedade. A livre concorrência apregoada em nosso tempo tende a acentuar esta ideologia em que sobrevivem somente os “eficientes” e os dotados de grande habilidade e conhecimento. Como, então, incluir no mundo do mercado e da qualidade o respeito à diversidade e o conceito de diferença, nos mais diversos âmbitos sociais? Baker e Gaden (1992) sugerem duas posições sobre o assunto: “(...) a primeira preconiza uma oportunidade igual e justa para todos e postula que os termos da competição para o avanço social devem ser fundamentados 10 unicamente no talento do indivíduo. Assim nenhuma pessoa é colocada em desvantagem em virtude de seu sexo, raça, religião e de seus antecedentes sociais. No entanto a aplicação dessa concepção deixaria lugar a uma sociedade que apresenta desigualdades sociais, econômicas e políticas consideráveis e se preocupa unicamente em regulamentar a competição” (p.59). A segunda posição busca o direito a oportunidades iguais e igualitárias para todos e se fundamenta em um princípio mais coerente com uma sociedade aberta às diferenças, que busca o reconhecimento e a valorização do indivíduo através da aceitação da diversidade humana, uma vez que tal principio supõe que: “(...) cada pessoa deve ter a oportunidade real de desenvolver suas capacidades particulares de um modo satisfatório. É o principio a partir do qual cada um se vê reconhecido do direito de se beneficiar das fontes necessárias para o seu desenvolvimento” (p.59). Baseados na idéia de uma sociedade plural, que respeita e valoriza as diferenças e no direito a oportunidades iguais e igualitárias para todos, é que podemos pensar em uma sociedade verdadeiramente inclusiva. Devemos reconhecer as pessoas, lembrando que são seres singulares (únicos) e ao mesmo tempo sociais. No entanto, garantir de forma contundente e abrangente a concretização deste modelo de sociedade, que propicia oportunidades iguais e igualitárias para todos, não é, e nem será, tarefa fácil. A busca incessante dessa sociedade garantirá aos seres humanos serem aceitos independentemente de suas capacidades ou realizações, dando-lhes, assim, o direito à dignidade. Os direitos sociais e individuais das minorias não são garantidos simplesmente pela obrigatoriedade das leis ou pela pressão desses grupos, mas pela compreensão de que a sociedade é plural e de que a diversidade deve ser respeitada e, sobretudo, compreendida como fonte de riqueza no processo de construção de uma sociedade mais justa. Portanto, nos dias atuais, é marcante a busca pela valorização e aceitação das diferenças e da diversidade, o que faz com que o caminho para uma sociedade inclusiva possa ser vislumbrado não mais como uma simples utopia, como alertam 11 as pessoas com pensamento contrário ao modelo de sociedade para todos, mas sim como uma possibilidade real. Essa possibilidade vem se concretizando a cada dia e a cada ação e atitude de respeito, solidariedade, amizade para com as pessoas que, por um motivo qualquer, não se mostraram eficientes para os padrões de normalidade impostos. 1.1. Educação, inclusão e suas interfaces com a Educação Física O universo escolar, dentre os muitos ambientes sociais que lutam pela inclusão na sociedade contemporânea, tem lugar de destaque por ser um dos locais mais efervescentes desse debate. Um retrato histórico da luta em prol das pessoas deficientes através da inclusão escolar faz-se necessário, pois esse movimento embasou e propiciou o debate e a reflexão em áreas de interface como a Educação Física, Educação Física Adaptada e o Desporto Adaptado, este último sendo foco de interesse principal neste trabalho. A análise retrospectiva da educação especial evidencia que sua trajetória acompanha a evolução histórica da conquista dos direitos humanos, tendo destaque o direito à educação de cada indivíduo, conforme a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e as demandas resultantes da Conferência Mundial de Educação para Todos (Jomtien, Tailândia, 1990). A Conferência de 1990 propôs a adoção de Linhas de Ação em Educação Especial, cujo princípio orientador é que: “todas as escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, lingüísticas ou outras. Deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais e crianças de outros grupos em desvantagem ou marginalizados...No contexto destas Linhas de Ação o termo ‘necessidades educacionais especiais’ refere-se a todas aquelas crianças ou jovens cujas necessidades se originam em função de deficiências ou dificuldades de aprendizagem. Muitas crianças experimentam dificuldades de aprendizagem e têm, portanto, necessidades especiais em algum momento de sua escolarização. As escolas têm que encontrar a maneira de educar com êxito todas as crianças, inclusive as que têm dificuldades graves” (p.17-18). 12 Tal proposta foi reafirmada na Declaração de Salamanca de Princípios, Política e Prática em Educação Especial, que resultou da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais. Participaram e assinaram a Declaração 92 países e 25 ONGs, em Salamanca, na Espanha em 1994. Da Declaração de Salamanca, destacamos os seguintes tópicos: • • • • Que o princípio da inclusão consiste no “reconhecimento da necessidade de se caminhar rumo à ‘escola para todos’ ---- lugar que inclua todos os alunos, celebre a diferença, apoie a aprendizagem e responda às necessidades individuais” (p.iii); Que a “preparação adequada de todo o pessoal da educação constitui um fator chave na promoção do progresso em direção às escolas inclusivas” (p.27); Que “a provisão de serviços de apoio é de importância primordial para sucesso das políticas educacionais inclusivas” (p.31); Que “o sucesso da escola inclusiva depende, consideravelmente, de identificação, avaliação e estimulação precoces das crianças bem pequenas, portadoras de necessidades educacionais especiais” (p.33). A Constituição Brasileira de 1988 garante o direito à educação de pessoas portadoras de necessidades especiais. Trata-se da garantia de acesso e permanência na escola de qualquer aluno, sem excluir ninguém. Também significa colocar em prática uma política de respeito às diferenças individuais, o que representa atendimento diferenciado para determinados alunos, dentre os quais se situam os alunos com deficiência. Para Carvalho (1997), o conceito da escola inclusiva surge dos debates sobre a universalização da educação, apontados na Declaração de Salamanca, somados ainda ao consenso de que jovens e adultos com necessidades especiais devem ser incluídos em escolas comuns. No entanto, o principal desafio é desenvolver uma pedagogia centrada no aluno, capaz de educar a todos, inclusive àqueles que apresentam desvantagens severas. A partir desses elementos, as escolas regulares teriam de assumir a tarefa de ensinar a todos os alunos, contribuindo, assim, para que a avaliação de novas possibilidades educacionais fossem realizadas a partir de dados concretos. Infelizmente, esse desafio foi neutralizado por leis, resoluções e diretrizes escolares, que continuam excluindo alunos que não se enquadram em “normas” 13 arbitrariamente estabelecidas. Veja-se a este propósito a Resolução 02/2002 do Conselho Nacional de Educação: Diretrizes do Ensino Especial na Educação Básica. Mantoan (2001), em seu parecer sobre esse documento, destaca que "esse novo conceito educacional não avança, do ponto de vista das aplicações na mesma medida em que vai sendo esclarecido, do ponto de vista teórico”. Para a autora, esse descompasso fica evidente, à medida que o documento traz afirmações como: “O propósito exige ações práticas e viáveis que tenham como fundamento uma política especifica, em âmbito nacional, tendo em vista a inclusão dos serviços de educação especial na educação regular” (p.21). [grifo nosso]. Surge, a partir dessas reflexões, uma maior sensibilidade social frente ao direito de todos a uma educação fundamental, respeitando os pressupostos da inclusão e não da segregação. Mas o que vigora, ainda, é o meio menos restritivo possível para a escolarização de alunos com deficiência, especialmente os casos mais severos. Entende-se por ambiente menos restritivo aquele onde o aluno é protegido, como ocorre nos atendimentos típicos da Educação Especial. A divulgação e os estudos sobre esta nova forma de se conceber a escola e a sociedade a partir dos pressupostos inclusivos, não garante o entendimento do que vem a ser inclusão, pois muitas vezes esta é confundida ou relacionada com a idéia ou conceito de integração, (Mantoan, 1998; Masini, 1999; Ferreira, 1999). Essa incompreensão acaba contaminando áreas de conhecimento afins da Educação Escolar, como a Educação Física e Desporto, de uma maneira geral. Sendo assim, para que possamos refletir sobre a realidade da Educação Física e do Desporto para Pessoas Deficientes, é necessário aclararmos as diferenças entre as duas situações de inserção: integração e inclusão, uma vez que muitas ações realizadas na prática da Educação Física Adaptada e do Desporto Adaptado refletem tais conceitos, compreendidos de forma equivocada. Ao contrário do que muitos pregam, a troca dos vocábulos não acontece somente para acompanhar uma visão contemporânea que prevê um comportamento “politicamente correto” nos ambientes que recebem pessoas deficientes. Ela vem 14 embasada em uma mudança atitudinal da sociedade, atitude esta que deve partir de uma reflexão política, filosófica e ideológica. (Ferreira,1999). Trata-se de uma situação que não é uma mera troca de palavras, mas de problemas conceituais de base, que não podem ser descartados ou tratados ingenuamente. Mantoan (1998), ressalta que: “ (...) integração e inclusão --- conquanto tenham significados semelhantes, estão sendo empregados para expressar situações de inserção diferentes e têm por detrás de si posicionamentos divergentes para a consecução de suas metas” (p.31). A prática da integração se baseia no princípio da normalização, princípio este que surge no início da década de 60, na Dinamarca, com o seguinte pensamento: “ (...) toda pessoa portadora de deficiência, especialmente aquela portadora de deficiência mental, tem o direito de experimentar um estilo ou padrão de vida que seria comum ou normal à sua própria cultura” (Sassaki, 1997, in: Mendes, 1994). O indivíduo era preparado conforme seus valores e costumes, buscando um padrão comportamental que se aproximasse mais do considerado “normal”, para aquele ambiente social no qual ele seria inserido. Ide (1999) destaca ainda que: “ (...) normalizar não significa pretender converter em normal uma pessoa deficiente, mas aceitá-la como é, com suas deficiências, reconhecendo-lhes os mesmos direitos que os outros e lhes oferecendo os serviços necessários para que possa desenvolver ao máximo as suas possibilidades e viver tão normal quanto possível” (p.7). Para Mantoan (1998) a normalização visa tornar acessíveis as pessoas desvalorizadas socialmente, disponibilizando-lhes as mesmas condições e os mesmos modelos de vida que são semelhantes aos que estão disponíveis de um modo geral ao conjunto de pessoas de um dado meio ou sociedade. Isso implica na adoção e no entendimento de um novo paradigma, que modifica as relações entre 15 as pessoas e que deve ser acompanhado de medidas que objetivam a eliminação de toda e qualquer forma de rotulação. A normalização, para a autora, não é hoje um bom parâmetro para se discutir a inclusão, porque as diferenças entre as pessoas não podem ser confundidas com desigualdades, as quais se ordenam a partir de uma norma previamente estabelecida. Apesar de toda essa conceituação e contextualização, o princípio da normalização foi confundido com a noção de “tornar normais os deficientes”, atitude esta que, no Desporto Paraolímpico, como veremos no capítulo seguinte, é muito reforçada. A integração tem, portanto, como enfoque principal, a transformação do sujeito para adequá-lo à sociedade. Já a inclusão busca a transformação da sociedade para receber esse sujeito; ou seja, as duas concepções de inserção do deficiente na sociedade têm fundamentos com enfoques e perspectivas, no mínimo, conflitantes. A visão de sociedade inclusiva, que aqui esboçamos, tem como objetivo a melhoria da qualidade de vida das pessoas em geral, o reconhecimento e a valorização das diferenças entre os humanos. A inclusão surge, no final do século XX, como um avanço na vida em sociedade, mas ainda existe a necessidade de estudos mais aprofundados e regulamentações para sua aplicação em todos os espaços de vida humana da escola às ruas, ao lazer, ao desporto . A Educação Física tem demonstrado o desejo de se tornar inclusiva, mas novamente cai nas armadilhas da conceituação, pois se apropria equivocadamente dessa idéia para justificar uma prática “politicamente correta“, porém, não transformadora e compatível com o entendimento do verdadeiro sentido do esporte para todos. O fato é que a Educação Física e também o desporto como integrantes desse campo do conhecimento, apropriaram-se e passaram a utilizar uma terminologia moderna para fazer parte de um modelo contemporâneo de atendimento às pessoas 16 com deficiência, não modificando, no entanto, sua forma de atuar e atender a essas pessoas em sua prática na escola e no esporte. Isso é marcado pelas ações realizadas por alguns profissionais da Educação Física, que atuam no âmbito escolar e esportivo e levantam a bandeira da inclusão, mas, mesmo tendo a intenção de auxiliar na inserção da pessoa com deficiência na prática da atividade física, se equivocam e atuam dentro de uma perspectiva muitas vezes segregadora e integradora. O atendimento segregado não pode ser visto como um meio para a inclusão, pois contraria os princípios do que vem a ser uma sociedade inclusiva e que já foram descritos neste trabalho. Não queremos, aqui, desrespeitar e desconsiderar todo o trabalho desenvolvido e baseado numa visão segredadora ou integradora de Educação Física, pois acreditamos que, historicamente, isso foi necessário e teve sua importância para que pudéssemos alavancar tal prática. Porém, não podemos fechar os olhos às mudanças da sociedade contemporânea, que busca a igualdade de direitos e oportunidades e respeita as diferenças. Para Mazini (2002), os profissionais de Educação Física que atuam com o esporte nas suas mais diversas formas e com os mais diferentes objetivos, devem estar preparados para lidar com a diversidade. Os profissionais da Educação Física não podem somente incorporar um termo. Devem compreender as idéias e conceitos que compõem essa forma de se entender a sociedade inclusiva, buscando uma real e concreta transformação de sua prática profissional. Essas transformações devem ser concretizadas para que situações de exclusão e de segregação, tanto na escola como no desporto, não mais ocorram. Esta confusão entre teoria e prática é evidente quando verificamos que definições equivocadas são utilizadas para compreender e justificar a prática dos profissionais de Educação Física que atuam com pessoas com deficiência. Bloch (1994) afirma: "A inclusão se refere a proporcionar instrução especialmente planejada (incluindo os serviços de apoio necessários) aos estudantes com deficiências 17 dentro dos ambientes regulares de educação. Com relação à Educação Física, a inclusão significa Educação Física Adaptada, oferecida dentro do ambiente regular de Educação Física” (p.18). A definição acima descreve uma situação de integração e não de inclusão, o que reforça e acaba atrapalhando ainda mais a compreensão daqueles que buscam conhecimentos teóricos para fundamentar o que é chamado de Educação Física Adaptada. O termo Educação Física Adaptada surge a partir da década de 50 nos EUA pela AAHPERD ( American Association for Health, Physical Education, Recreation and Dance), sendo concebida a partir de uma visão segregadora, como um programa de: “ (...) atividades desenvolvimentistas, jogos e ritmos adequados aos interesses, capacidades e limitações de estudantes com deficiências que não podem se engajar com participação irrestrita, segura e bem sucedida em atividades vigorosas de um programa de educação física geral” (Pellegrine e Junghannel, 1985, p.07). Cidade (2002) cita Duarte e Werner (1995) para esclarecer que concebe a Educação Física Adaptada como: “ (...) uma área da Educação Física que tem como objeto de estudo a motricidade humana para as pessoas com necessidades educativas especiais, adequando metodologias de ensino para o atendimento às características de cada portador de deficiência, respeitando suas diferenças individuais” (p.36). A Educação Física Adaptada não é o único termo utilizado para fazer referencia à Educação Física que atende pessoas com deficiência ou com necessidades especiais. Temos ainda a Educação Física Especial, a Atividade Motora Adaptada entre outra terminologias, o que causa uma certa desordem e uma incompreensão quanto ao real papel e forma de atuar junto a esta população. Reforçando essa posição Gonçalves (2002) aponta que as muitas terminologias empregadas para determinar qual é área da Educação Física 18 Adaptada, acaba por contribuir para uma certa confusão quanto à sua abrangência e função. Essa tempestade terminológica desvia e confunde o profissional de Educação Física, fazendo com que se esqueça que seu objetivo principal é atender às necessidades de todos aqueles que desejam, necessitam e têm direito a praticar uma atividade física, independentemente de suas características físicas, mentais, sensórias etc. A Atividade Física deve ser estimulada a partir de uma nova concepção, mais inovadora e menos tecnicista, afastada de estereótipos e modelos pré-estabelecidos que valorizam somente as competências, esquecendo e excluindo todos aqueles que não se enquadram dentro dos padrões de normalidade ou de eficiência. Portanto, não devemos esquecer que é um direito de cada cidadão a prática da atividade motora. Sendo assim, é um compromisso ético do profissional de Educação Física atender a todos aqueles que buscam praticar essa atividade. Lembramos que quem determina o objetivo e o motivo da atividade é o sujeito e não o profissional da Educação Física, o qual deve ser simplesmente um mediador das relações que envolvem esta determinada prática. Para Manuel Sérgio (1981): “ (...) falar da motricidade (...) é algo mais do que falar dos objetivos da educação através das atividades corporais; é também lutar por um novo rosto da sociedade, onde o ato pedagógico inclua a Educação Física e seja plenamente democratizado” (p.91). A escola tem um papel fundamental, na medida em que a Educação Física Escolar pode demonstrar à pessoa com deficiência um universo de possibilidades quanto à prática de atividades físicas e esportes, que podem levar esses sujeitos ao universo do desporto de rendimento. Os Parâmetros Curriculares Nacionais destacam que: “A Educação Física deve dar oportunidade a todos os alunos para que desenvolvam suas potencialidades, de forma democrática e não seletiva, visando seu 19 aprimoramento como seres humanos. Nesse sentido, cabe assinalar que os alunos portadores de deficiências físicas não podem ser privados das aulas de Educação Física” ( MEC-SEF, 1997, P.34). Gostaríamos que todos os alunos pudessem ter acesso e possibilidade de usufruir desse direito. Todos aqueles que estão esquecidos e isolados, sejam eles deficientes ou não. O ensino deve ser direcionado a alunos reais e não a alunos ideais. (Freire,1999) Diante disso, não podemos ser simplistas a ponto de acharmos que pequenos arranjos bastam para que a relação da Educação Física e a pessoa com deficiência possa realmente se efetivar. Na opinião de Freire (1989:218): “mesmo reconhecendo que é necessário ter Educação Física nas escolas, isso que todos conhecemos não serve mais”. Lopez (1993) faz a seguinte afirmação: “ (...) não se percebe trabalho que faça referência a Educação Física Escolar para pessoas portadoras de deficiência (ppd) em escolas regulares. As ppds a que me refiro são as que freqüentam uma sala de ensino regular, ou seja junto com crianças não portadoras de deficiência. Não se vê pelo menos de forma expressiva uma preocupação quanto à atividade física na escola para essas pessoas” (p.18). Uma das maiores queixas daqueles que se deparam com uma situação de ensino de pessoas com deficiência em um ambiente regular é o fato de que não foram ou não estão preparados para atender a essas pessoas, seja este um ambiente educacional ou esportivo. Manzini (2002) faz referência a essa questão salientando que, apesar das dificuldades indicadas e encontradas, é necessário acreditar na necessidade de combater a exclusão social e educacional. Esta referência à falta de preparo por parte dos professores de Educação Física, demonstra talvez um certo conformismo e desinteresse desses profissionais quanto à possibilidade de mudança da sociedade frente à prática de atividades físicas e esportes por pessoas com deficiência. 20 Lamentavelmente, ainda nos dias de hoje, temos de conviver com esses argumentos que fazem com que a população de pessoas com deficiência seja discriminada ou segregada para a prática de atividades físicas e esportes. Nesse sentido cabe o que diz Mantoan (2001): “ (...) os obstáculos a serem vencidos são de natureza subjetiva e, ao nosso ver, são os mais fortes, pois dizem respeito a questões que estão arraigadas à nossa formação e a experiências pessoais em uma sociedade que não está habituada a reconhecer e a valorizar as diferenças” (p.55). Segundo Gonçalves (2002), a partir da década de 80, ações governamentais foram idealizadas sendo algumas efetivadas para amenizar essa problemática, através: a) da garantia da presença do professor licenciado em Educação Física na equipe interdisciplinar que atende as pessoas com necessidades especiais; b) do desenvolvimento por parte do governo de programas de Educação Física, desporto e lazer para essa população; melhoria das condições dos profissionais que atuam na área; c) inclusão nos currículos dos cursos de graduação em Educação Física de disciplina e/ou conteúdos relacionados à deficiência, implantação de cursos de pós-graduação e de atualização destinados a profissionais dessa área: fomento à pesquisa em Educação Física Adaptada por parte das agências financiadoras e instituições de ensino superior. Lima (1998) afirma que: “(...) no período,de 1981 até 1996, a partir da proclamação do Ano Internacional da Pessoa Portadora de Deficiência pela ONU, o Governo Federal, através de diversos órgãos existentes na estrutura administrativa, procurou direcionar suas ações rumo ao desenvolvimento de uma política de ação mais voltada ao entendimento e 21 garantia dos direitos das pessoas deficientes e, nesse contexto, a formação de recursos humanos para atuar na Educação Física com essas pessoas também recebeu atenção especial” (p.88) . Apesar de todas as ações do Estado e dos esforços de grupos de apoio à pessoa com deficiência, isso não foi suficiente para minimizar a exclusão ou ausência da pessoa com deficiência da prática de atividade física, seja ela realizada na escola ou em outro ambiente educacional regular. O problema persistiu e ainda persiste. O mesmo autor conclui que: “ (…) a maioria das ações estiveram voltadas para o esporte de competição e nesse, a exemplo do desporto convencional, que elitiza a participação, não há o envolvimento da maioria das pessoas portadoras de deficiência, principalmente daquelas que se encontram na faixa pré-escolar, escolar ou na terceira idade” (p.90). Essa nos parece ser uma das muitas contradições e dicotomias que fazem com que aqueles que têm o direito e talvez mais necessitem da prática de atividades físicas e esportes, se afastem dela. Um fato a ser destacado é a inclusão, nos currículos dos Cursos de Educação Física, de disciplinas e/ou conteúdos relacionados a pessoas com deficiência e a criação de Cursos de Pós-Graduação destinados a profissionais dessa área. Até então eles têm sido somente um paliativo para solucionar essa problemática. A formação de recursos humanos para atender a essa população foi, e é, talvez uma das maiores preocupações. Alguns autores entendem ser este um ponto fundamental para que a pessoa com deficiência tenha a possibilidade de se desenvolver através dos benefícios que a Educação Física pode trazer. Eles têm pesquisado como e qual tem sido este processo. Na tentativa de compreender esses fatos, destacamos os estudos de Gonçalves (2002) e Santos (1998). Sendo que o primeiro autor procurou compreender o que os docentes da disciplina de Educação Física Adaptada estão 22 propondo para a formação inicial na área, frente às políticas implantadas no país, no que se refere ao tipo de formação humana que está sendo veiculada, assim como os conteúdos significativos para essa formação. Já o segundo, analisou em seus estudos a disciplina Educação Física Adaptada no currículo de cinco cursos de Graduação em Educação Física. Destacamos a seguir algumas das conclusões dos trabalhos citados que nos parecem muito elucidativas e esclarecedoras, para que possamos compreender o problema da formação de recursos humanos na área da Educação Física, já que a falta de preparo e de conhecimento teórico, como já demonstrado, é uma das principais queixas dos professores que atuam com pessoas portadora de deficiência, na área. Gonçalves (2002) e Santos (1998) concluem: • que a carga horária das disciplinas de Educação Física Adaptada nos cursos de graduação em Educação Física é insuficiente para atender à demanda de conteúdos; • existir um descompasso e um falta de coerência entre ementas e conteúdos programáticos; • ser necessário que o assunto seja integrado inteiramente ao currículo, envolvendo todas as disciplinas. Do contrário, a ênfase recai sobre a diferença, ou seja, ter apenas uma disciplina tratando a questão da deficiência pode reforçar a noção de que a segregação (do conhecimento e de indivíduos com deficiência) é necessária; • que a essência da formação em Educação Física Adaptada situa-se no Conhecimento Técnico- Funcional Aplicado, permitindo dizer que este campo da formação profissional não sofreu alterações significativas em relação às abordagens biológicas e tecnicista, que durante décadas influenciou os trabalhos na área da Educação Física; • que em alguns programas de ensino há uma tendência à esportivização e aos aspectos técnicos da modalidade; • que é clara a fragilidade dos programas pesquisados, demonstrando a necessidade de discussões referentes à formação profissional em Educação Física Adaptada, principalmente frente às implicações da inclusão escolar. 23 Lima (1998), buscou conhecer a realidade profissional dos egressos dos cursos de especialização em Educação Física Adaptada, desenvolvidos entre os anos de 1981 e 1996. Em seu trabalho, esse autor identificou: • um pequeno número de especialistas em Deficiência Visual; • existir um descompasso entre a área de atuação e formação. Muitos dos egressos foram trabalhar no ensino regular, local para o qual, segundo os próprios especialistas, teriam sido menos preparados; • que essa situação explicita o caráter contraditório das políticas públicas brasileiras. Uma vez que o mesmo que advoga a educação do deficiente em escolas regulares também defende a formação de especialistas para atuarem em áreas específicas da deficiência e em escolas especializadas; • que os cursos contrariam também os Planos Nacionais de Pós-Graduação, que determinam que a pós- graduação lato sensu deveria assegurar o treinamento eficaz de recursos humanos para atenderem às necessidades do desenvolvimento de todas as áreas do conhecimento e do mercado de trabalho; • que a continuar este processo de fragmentação, desvinculado da realidade e, de certa forma, na contra-mão da história da Pós-Graduação, os futuros profissionais cada vez mais, estarão distanciados e deslocados das funções para as quais estão sendo preparados, tendo em vista que a tendência atual das políticas públicas que aponta para a inserção do deficiente no ensino regular, exigindo, com isso, um novo perfil profissional. O discurso da exclusão e da Educação Física Adaptada aparece também no grande número de teses e dissertações que buscam metodologias de ensino para práticas esportivas especificas, destinadas à população de pessoas com deficiência. Tratam em sua maioria de seqüências pedagógicas, adaptações de regras, materiais adaptados para jogos em geral, dos quais as pessoas com deficiência podem participar. Fizemos um levantamento bibliográfico do tema utilizando como ferramenta de busca principal o Núcleo Brasileiro de Dissertações e Teses em Educação Física e Educação Especial – NUTESES cujo site é: www.nuteses.ufu.br. A partir dessa ferramenta de busca pudemos ter acesso às bibliotecas das Universidades com programas de Pós-Graduação stricto sensu e fomos aumentando 24 o campo de busca através dos sites e links de cada Universidade. Sendo assim, foram pesquisadas, no período de 1995 a 2000: UNIVERSIDADES UCB-RJ UDESC UFMG UFRGS UFRJ UFSC UFSM UGF UNESP UNICAMP USP UCB/Brasília UERJ Universidade Castelo Branco Universidade Estadual de Santa Catarina Universidade Federal de Minas Gerais Universidade Federal de Rio Grande do Sul Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade Federal de Santa Catarina Universidade Federal de Santa Maria Universidade Gama Filho Universidade Paulista “Júlio Mesquita “ Universidade Estadual de Campinas Universidade de São Paulo Universidade Católica de Brasília Universidade Estadual do Rio de Janeiro Programas de Pós Graduação em Ed. Física Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Mestrado Doutorado Doutorado Doutorado Doutorado Na pesquisa bibliográfica realizada foram encontrados 62 títulos. Esses títulos foram identificados e divididos em 10 assuntos e o critério adotado para a divisão foi o agrupamento por palavras-chaves. Como podemos observar na Tabela 1, os títulos encontrados nos mostram um número reduzido de obras e publicações sobre o tema proposto, que é a relação entre Educação Física/Natação/Inclusão/Deficiência Visual. Tabela 1 – Pesquisa Bibliográfica – NUTESES 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. Assunto Quant. Títulos Educação Física/ DV/ Inclusão Educação Física Adaptada/ DV Educação Física/ Deficiência/ Inclusão/Integração Educação Física Adaptada/ Deficiência Educação Física Adaptada/ Formação Profissional Educação/ DV/ Inclusão Educação/ Deficiência/ Inclusão/ Integração Legislação/Educação/ Inclusão Reabilitação/ DV/ Assuntos Gerais Deficiência Visual/ Natação 00 06 10 11 03 04 12 05 10 01 25 Pudemos, através da análise da tabela acima, verificar que há um interesse em se pesquisar o tema Educação/Inclusão. No entanto, há poucos estudos relacionados à Educação Física/Inclusão e Natação/Inclusão. Manzini (2002) complementa o assunto dizendo que: “ (...) o que se percebe nos trabalhos publicados que versam sobre atividades motoras adaptadas (...) é que o direcionamento sempre ocorre para uma categoria de deficiência especifica: mental, física, auditiva ou visual, ou seja, para um grupo específico” ( p.83). A concepção segregadora e elitista, baseada no modelo vigente de ensino e transmissão de conhecimentos e conteúdos da disciplina Educação Física Adaptada fez com que os profissionais dessa disciplina fossem formados, em sua maioria, somente para entender de aspectos relacionados a conteúdos técnicos da deficiência, ou seja, patologias especificas, técnicas de treinamento, regras utilizadas somente no universo do desporto adaptado e outras. Não propiciando o debate de novas práticas de atividades físicas e esportes, destinadas aos deficientes, que partam da perspectiva do esporte inclusivo. A prática de atividade física e os esportes são grandes instrumentos de reabilitação e de habilitação de pessoas com deficiência, mas, sobretudo, têm propiciado a inserção e valorização dessas pessoas na sociedade, O contato das pessoas com deficiência e os esportes trazem para a sociedade um novo enfoque sobre o processo de inserção, pois não coloca o deficiente em condição incapaz. A prática esportiva ressalta as potencialidades e traz na medida em que estas pessoas são mais aceitas, uma melhora na sua autoestima e na qualidade de vida. O contato com os esportes desmistifica a imagem de inutilidade e imobilidade da pessoa com deficiência. Esses fatores podem ainda favorecer a aproximação e o contato social entre as pessoas denominadas “não deficientes” e as “deficientes”. 26 Essa realidade, porém, nos parece muito mais próxima de ser alcançada se nos balizarmos nos conceitos de uma sociedade inclusiva, que possibilita o acesso a todos aqueles que desejam se beneficiar da atividade física, seja ela qual for. A Educação Física Adaptada, que surgiu a partir dos conceitos de normalização e integração e que busca, na discriminação positiva e na segregação a promoção da pessoa com deficiência, deve ser, portanto, revista não só em suas reflexões teóricas, mas também em suas ações práticas. A revisão da atuação do profissional da Educação Física diante do problema da inserção da pessoa com deficiência na prática da atividade física é necessária para que essa área de conhecimento se mantenha em concordância com o que se espera de uma proposta moderna de Educação Física. A necessidade de transformação é caracterizada, conforme observamos num discurso que se apóia no termo inclusão, mas não segue seus preceitos teóricos dessa proposta inovadora. A formação do professor de Educação Física, que está afastada das necessidades e da realidade do mercado, contribui para perpetuar esse distanciamento da pessoa portadora de deficiência da prática esportiva em ambientes regulares. O discurso exagerado, que reforça a necessidade de uma extrema especialização para ministrar aulas e desenvolver projetos esportivos para pessoas portadoras de deficiência, faz com que os cursos de Educação Física, através das disciplinas voltadas para esse tema, formem especialistas e não o que é necessário – o profissional generalista – que poderá inicialmente apresentar a atividade física e os esportes no universo da escola, pois muitas vezes esses alunos com deficiência, não têm oportunidade de freqüentar as aulas de Educação Física, direito assegurado a todos na legislação Brasileira. A prática da Educação Física Escolar é um dos componentes da formação educacional do aluno, sendo necessária para sua formação geral. Sua vivência propicia conhecimento das possibilidades de uma prática esportiva pela pessoa com deficiência, podendo incentivá-la a praticar o desporto dentro da perspectiva do rendimento. 27 As disciplinas de Educação Física Adaptada, bem como o Desporto Adaptado, nos currículos dos cursos de Educação Física, informam aos futuros profissionais da área sobre o tema, abordando a questão dentro de uma perspectiva tecnicista e excludente. Ao transmitirem conhecimentos sobre a pessoa com deficiência, fazem-no com conteúdos que encaminham o profissional e o seu futuro aluno para o universo das competições esportivas segregadas, não considerando importância da escola nesse processo. Portanto, a formação teórica do professor de Educação Física faz com que este profissional se afaste da perspectiva inclusiva de sociedade. O futuro talvez faça com que a temática não seja abordada somente em uma disciplina nos currículos dos cursos de Educação Física, mas sim que todas as disciplinas o façam, desmistificando a necessidade do “especial”, “adaptado”, etc... A abordagem educacional inclusiva é aquela que reconhece as diferenças e a diversidade como integrantes dos processos de ensino/aprendizagem. Essas mudanças são esperadas para que se possa formar professores de Educação Física, que atuem e, principalmente, compreendam a importância do esporte para a inserção da pessoa com deficiência na sociedade. O desporto adaptado de rendimento vive também dessas contradições e dicotomias, pois quer a inclusão, através da segregação. Muitos atletas, tanto em seu treinamento quanto em algumas competições, se utilizam do desporto regular para se aperfeiçoarem em sua técnica ou habilidade com o intuito de otimizar sua performance em competições exclusivamente para deficientes. Isto possibilita que muitos atinjam performances iguais ou superiores aos ditos normais? Por que, então, não se tem somente uma única competição? Os deficientes não são prejudicados em função de suas limitações? Essas questões e outras serão melhor tratadas nos capítulos seguintes. 28 CAPÍTULO II INCLUSÃO E O DESPORTO DE RENDIMENTO “A imagem com que o desporto se nos revela no presente dificulta o seu entendimento porque circunscreve uma enorme variedade de facetas, contornos e sentidos. É o desporto no plural, que nos surge como domínio tecnológico, como atividade profissional, como comércio e negócio, artigo de consumo, como indústria de entretenimento, como campo e fator de socialização, educação e formação” (BENTO, 1991. p.14). A construção de uma sociedade mais compreensiva e humanitária, cujos valores devem ser mais cooperativos e menos competitivos, é algo que deve ser sempre almejado, quando se pretende compreender e aceitar as diferenças em suas incontáveis representações. A competição, porém, é inerente ao ser humano e não deve ser vista como a fonte de todos os males da sociedade moderna. As regras que orientam esse universo da sociedade é que muitas vezes devem ser revistas. A cooperação e a competição podem conviver harmoniosamente, desde que sejam preservados e protegidos os valores éticos do esporte, dentre os quais destacamos o fair-play, o desenvolvimento harmonioso da personalidade, a autosuperação, a solidariedade, o espírito de equipe, o desprendimento, a lealdade, a generosidade, entre outros sentimentos. Em suas ações e publicações, a Unesco ressalta a importância da preservação de tais valores e registra que isso não se faz por decreto, embora leis e regulamentos possam ser úteis e até indispensáveis para esse fim (Brotto, 2001). 29 Há, contudo, que se ter cuidado para lidar com estas duas atitudes sociais que são a cooperação e a competição, pois não há necessariamente que excluir uma para que se possa beneficiar da outra e vice-versa. A relação entre estes pólos, que parecem distintos, dependerá da interpretação que se tem de esporte de rendimento. Tubino (1993) faz referência a três paradigmas esportivos: a) o paradigma do esporte como ideário olímpico: b) como uso político-ideológico; c) como negócio. Para esse autor, as diferenças entre esses paradigmas são internalizadas nos seus próprios conflitos, que diz já terem sido ultrapassados “como amadorismo versus profissionalismo”, “capitalismo versus socialismo”, o grande conflito passa a ser então o confronto entre a “lógica do mercantilismo e a ética esportiva”. Brotto (2001) entende: “... cooperação e competição como processos distintos, porém não muito distantes. As fronteiras entre eles são tênues, permitindo um certo intercâmbio de características, de maneira que podemos encontrar em algumas ocasiões uma competição-cooperativa e em outras, uma cooperação-competitiva”.(p.28) Ao direcionar nosso olhar para o esporte Paraolímpico Nacional, verificamos que a realidade descrita por Tubino ainda não foi totalmente confirmada ou ultrapassada, pois os conflitos advindos de cada paradigma se misturam em função de cada esporte representar uma realidade, um desenvolvimento esportivo, organizacional e político, sendo que o mesmo ocorre quando convivemos com o esporte Paraolímpico Internacional. Veríssimo(2000), na apresentação do livro os Arquivos das Olimpíadas, faz a seguinte reflexão: “(...) as Olimpíadas representam o que se quiser que elas representem. Tanto pode ser a superação de barreiras nacionais e a celebração da humanidade comum a todos como uma feroz competição entre as nações, raças e ideologias”. 30 É importante destacarmos que o desporto não se presta simplesmente à tarefa de selecionar e categorizar pessoas, países, povos como melhores ou piores, como mais eficientes ou menos eficientes. Ele tem uma tarefa muita mais nobre que é o de aproximar nações e povos. Isso fica evidenciado quando se realizam os grandes eventos esportivos como os Jogos Olímpicos, os Campeonatos Mundiais, as Copas do Mundo e outros, que são momentos da prática do chamado desporto de competição. Cardoso (2000) afirma: “A confraternização dos povos através do esporte é bem mais do que um simples clichê. Nos últimos cem anos, os Jogos Olímpicos se constituíram num dos raros rituais capazes de proporcionar momentos de real harmonia entre os povos. De quatro em quatro anos, as nações deixam de lado suas divergências e se reúnem não para combater ou guerrear entre si, mas para competir fraternalmente e celebrar a (esperança) da paz“ (p.13). Almeida (1995:02) observa que “o esporte é caracterizado como um fator de influência educativa, tanto pelo seu alcance popular, como pela dimensão crescente de suas implicações políticas, econômicas e sociais”. Cardoso (2000) lembra que Ellery Clark, muitos anos depois de participar do primeiro festival olímpico em Atenas, em 1896, afirmou que a “lembrança mais duradoura das Olimpíadas é o espírito que perpassa pelos Jogos, o verdadeiro ideal de fraternidade da humanidade”.(p.13) O desporto de rendimento nos tempos modernos atinge proporções e esferas de âmbito social e econômico, cada vez mais evidentes. Segundo Neto (1995:83) “o desporto moderno enquadra-se numa grande mobilidade de interesses de âmbito político, econômico e social quanto à sua divulgação, implementação e participação”. Cardoso (2000:12) destaca que “em um século, os Jogos Olímpicos cresceram e se transformaram num evento grandioso, (...) e que a mercantilização do esporte é apenas o mais recente de seus pecados”. A história dos jogos olímpicos e paraolímpicos está repleta de fatos que demonstram a utilização do desporto de rendimento como instrumento de 31 congregação entre os países, possibilitando a quebra de conceitos e preconceitos que, ao longo da história da humanidade, serviram simplesmente para a segregação e dominação de uma nação sobre a outra. Veja-se a este propósito o Tratado de Paz entre as duas Coréias, celebrado em Sidney, Austrália, no ano de 2000 nas últimas Olimpíadas. Fatos isolados5 também demonstram ser possível, mesmo em um mundo capitalista e competitivo, o esporte levantar a bandeira dos ideais olímpicos que foram expressos pelo criador dos Jogos Olímpicos Modernos, Pierre de Coubertain. Ideais esses expressos no desejo de concretização da prática do fair play e que é resumido em sua célebre frase: “nas Olimpíadas, o importante não é vencer, é participar”. Como já dissemos, o esporte e o desporto se modificaram. Não é nosso interesse fazer juízos de valor, se para melhor ou pior, mas retratar o período histórico em que estamos inseridos. Contudo, ao analisarmos alguns números, verificamos que a frase acima representa, ainda, o ideal Olímpico do Barão, uma vez que, em um século de Jogos Olímpicos, não mais do que 70 mil pessoas, em todo o mundo, desfrutaram do privilégio de poder participar de uma Olimpíada, sendo que de cada 28 atletas que entraram na arena olímpica, apenas um teve a honra de sair com a medalha de ouro. Dessa forma, 90% dos atletas olímpicos vivem nesta experiência apenas a rara oportunidade de enxergar o mundo e sentir a humanidade de um ângulo “especial“ (Carvalho, 2000). No espetáculo olímpico há muito mais coadjuvantes do que atores principais e, o que vale mesmo, é competir! Não queremos negar a competição, realidade que se institucionalizou em nossa sociedade, mas sim questionar a maneira como ela vem sendo desenvolvida e processada, no que diz respeito, principalmente, ao universo do desporto de rendimento6, praticado por pessoas com deficiência (cegos e deficientes visuais7). 5 6 Na Olimpíada de Sidney (Austrália/2000), pela primeira vez na história dos jogos Olímpicos modernos, uma atleta deficiente visual da modalidade atletismo obteve índice para competir em provas olímpicas. Na mesma olimpíada o nadador da Guiné Equatorial, Eric Moussambani, ficou mundialmente conhecido quando na eliminatória dos 100m livres, competiu sozinho e devido a pouca condição física e técnica completou a prova com grandes dificuldades, deixando toda a organização e platéia com dúvidas se conseguiria realmente completar a metragem exigida na prova. Utilizaremos durante toda a dissertação a expressão “desporto de rendimento” por ser este termo amplamente aceito no ambiente no esporte competitivo convencional e adaptado, (Camargo,1999 e Araújo,1998), aparecendo desta maneira em documentos oficiais como constituições e leis. 32 A reflexão sobre esse modelo de desporto competitivo deve ser norteada por princípios morais e éticos, que suscitem as postulações de oportunidades iguais e igualitárias para todos, possibilitando uma prática esportiva em condições efetivamente adequadas para a obtenção de níveis reais de rendimento desportivo. No mesmo raciocínio, o desporto pode e deve ser um dos instrumentos para que pessoas com cegueira e com deficiência visual e também outras deficiências, possam ser incluídas e aceitas pela sociedade como pessoas capazes e aptas a praticá-lo. Na opinião de Bento (1991), “ (...) o ‘desporto para todos’ -- expressão tanto em voga -- , não quer dizer apenas que o desporto deve ser praticado por todos; quer dizer sobretudo que é necessário organizar formas da sua prática; alterar regras, convenções e parâmetros, de modo a corresponder aos diferentes estados de rendimento, de desenvolvimento, de motivação, de interesse e de necessidade[...] O desporto é ainda, praticado sensatamente quando nele desponta, inequivocamente a função social da integração, da tolerância, da convivência, do diálogo, da aproximação, da comunicação e da cooperação” (p.53). Esse autor afirma ainda que, quando há exclusão de pessoas e/ou grupos de pessoas, fazendo com que se sintam “fora de jogo”, isso não é “desporto para todos”, e que um olhar mais abrangente sobre essa realidade, mostraria a necessidade de se recriar essa forma de atividade física. Sérgio (1981) complementa dizendo: 7 Por tratarmos em nosso trabalho do desporto, utilizaremos dentre as muitas classificações que definem cegueira e deficiência visual a classificação esportiva funcional utilizada e reconhecida pelo Comitê Paraolimpico Internacional, International Blind Sports Federation e Associação Brasileira de Desportos para Cegos, que determina 3 categorias sendo 1 para cegueira e 2 para deficiência visual: B - Blind-Cego/ Deficiente Visual. B1 - nenhuma percepção de luz em qualquer dos olhos, até a percepção de luz, mas incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância ou em qualquer direção. B2 - da capacidade de reconhecer o formato de uma mão até a acuidade visual de 2/60 (pés) e/ou campo visual menor que 5 graus. B3 - da acuidade visual acima de 2/60 (pés) até a acuidade visual de 6/60 e/ou campo visual de mais de 5 graus e menos de20 graus. Todos os deficientes visuais, considerando o melhor olho, com a melhor correção, ou seja, todos os atletas que utilizam lentes de contato ou lentes corretivas deverão usá-las para enquadramento nas classes, quer pretendam competir usandoas, ou não. 33 “ É preciso que o desporto re-invente com freqüência, o seu modo de estar-no-mundo, para se não deixar converter em simples instrumento de interiorização da sociedade de rendimento.[...] a luta pela democratização esportiva deve integrar-se na luta mais geral contra as desigualdades existentes...“ (p.98). Para que isso ocorra, Almeida (1995), nos lembra a importância da adequação física e de acessibilidade aos locais de prática do desporto, fato que, muitas vezes, torna a prática da atividade desportiva limitada ou impedida às pessoas com deficiência. Essa adequação vem sendo concretizada através de leis e regulamentações nacionais e internacionais ligadas à acessibilidade e à prática da atividade motora, em ambientes regulares. Dentre as Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (Nações Unidas,1994a), a Norma 5, que trata da Acessibilidade, prescreve: (a) Acesso ao Ambiente Físico: 1. Os Países-Membros devem iniciar medidas que removam os obstáculos à participação no ambiente físico. Tais medidas devem desenvolver padrões e diretrizes e considerar a promulgação de leis para garantir a acessibilidade a várias áreas da sociedade, tais como moradia, edifícios, serviços de transporte públicos e outros meios de transporte, ruas e outros ambientes externos. 2. Os Países-Membros devem garantir que os arquitetos, engenheiros civis e outros profissionais envolvidos no projeto e construção do ambiente físico tenham acesso a informações adequadas sobre política de deficiência e providências necessárias à acessibilidade. 3. As organizações de pessoas com deficiência devem ser consultadas quando estiverem sendo desenvolvidos padrões de acessibilidades. A Constituição Federal, na busca de atender à essas necessidades, estabelece a seguinte exigência: Art. 227, § 1º, II: programas de prevenção, atendimento especializado e de integração social, mediante treinamento para o trabalho e a convivência e facilitação de acesso a bens e serviços coletivos, com a eliminação de preconceitos e obstáculos arquitetônicos. 34 A prática de atividades motoras por pessoas com deficiência, enquanto processo de habilitação, reabilitação e interação social constitui-se num dos principais instrumentos para o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas dessa parcela da população. Inegavelmente são inúmeros os ganhos decorrentes da participação em atividades de lazer e esporte, sejam eles no âmbito sensório-motor e/ou psicossocial. As Nações Unidas, no documento já citado, Normas sobre a Equiparação de Oportunidades para Pessoas com Deficiência (1994), destaca, na Norma 11, sobre Recreação e Esportes: “Os Países-Membros devem tomar medidas para garantir que pessoas com deficiência tenham oportunidades iguais para recreação e esportes. 1. Os Países-Membros devem iniciar medidas para tornar acessíveis às pessoas com deficiência os locais de recreação e esportes, hotéis, praias, estádios, quadras esportivas, etc... Tais medidas devem abranger a participação, a informação e os programas de treinamento e o apoio ao pessoal dos programas de recreação e esportes, incluindo projetos para desenvolver métodos de acessibilidade. 2. As organizações esportivas devem ser estimuladas a desenvolver oportunidades para a participação de pessoas deficientes nas atividades esportivas.Em alguns casos, medidas de acessibilidade arquitetônica são suficientes para abrir oportunidades para esta participação. Os Países-Membros devem apoiar a participação em eventos nacionais e internacionais. 3. As pessoas com deficiência que participarem de atividades esportivas devem ter as instruções e os treinamentos de qualidade igual àqueles de outros participantes [grifo nosso]. No que diz respeito a essas normas, destacamos alguns artigos da Lei nº 8.672 de 6 de julho de 1993, da Constituição Federal/88 que instituem Normas Legais sobre Desportos. “Capítulo II – Dos Princípios Fundamentais: Art 2º - O Desporto, direito individual, tem como base os seguintes princípios: (...) III. Democratização, garantida em condições de acesso às atividades esportivas sem distinção e quaisquer formas de discriminação; [grifo nosso]. IV. Liberdade, expressa pela livre prática do desporto com a capacidade e interesse de cada um, associando-se ou não a entidades do setor; 35 V. Direito Social, caracterizado pelo dever do estado de fomentar as práticas desportivas formais e não formais. Capítulo V – Do Sistema Brasileiro de Desporto: Secção VII. Do Desporto Educacional: Art.23 - A prática do Desporto Educacional é fundamentada nos princípios de democratização, de liberdade, de educação e de segurança, efetivando-se de acordo com o interesse e a capacidade de cada um, tanto no âmbito dos sistemas e ensino, como de formas assistemáticas de educação. Parágrafo único - A liberdade na prática do Desporto Educacional inclui direito de opção entre as manifestações participativa e de rendimento.” Todos esses autores citados, bem como essa descrição de leis e normas confirmam o pensamento de que uma sociedade inclusiva é possível e necessária. O desporto como um dos grandes instrumentos de inserção social deve fazer parte desse movimento de transformação da sociedade, que procura valorizar e respeitar a todos. Ocorre que, na nossa opinião, embora seja possível a prática inclusiva da natação, os cegos e os deficientes visuais não se beneficiam dela ainda porque preceitos constitucionais não são devidamente interpretados e cumpridos. O descumprimento das leis, a falta de informação por parte das famílias e dos próprios deficientes quanto as suas possibilidades e direitos e, de alguma maneira, a má formação dos professores de Educação Física, implica no encaminhamento dos cegos e dos deficientes visuais, desde a escola, para a prática de Educação Física Adaptada ou para o cancelamento total da atividade física, sendo que desde o ensino fundamental até ensino médio, a Educação Física é disciplina obrigatória na escola. Esse afastamento prematuro ou simplesmente a falta de oportunidade de se praticar atividades físicas e esportes, são fatores que acabam limitando o número de pessoas com deficiência que poderiam praticar e se beneficiar do desporto de rendimento. Não se tem referência de um trabalho sério e contínuo de massificação esportiva voltado para o desporto de pessoas com cegueira e deficiência visual, o 36 que traz preocupação, pois o processo de renovação e continuidade do esporte, torna-se dependente da aparição de talentos isolados, que surgem esporadicamente. As entidades esportivas que organizam e poderiam fomentar a prática esportiva de pessoas com deficiência, caminham na contramão de uma sociedade inclusiva, pois seus dirigentes acreditam que através da defesa da discriminação positiva pode-se estabelecer e fortalecer o movimento Paraolímpico, e que depois desse fortalecimento, talvez seja possível pensar em incluir as competições de natação nos eventos regulares. Situação essa onde o descumprimento da Constituição também acontece. A Associação Brasileira de Cegos e Deficientes Visuais - ABDC entidade que fomenta e organiza as competições esportivas para os cegos e deficientes visuais, e que é filiada ao Comitê Paraolímpico Brasileiro8, vem tentando reverter esta situação de isolamento e segregação das competições de Natação para cegos e deficientes visuais, pois, em seu calendário, busca cada vez mais inserir provas e organizar seus eventos juntamente as competições convencionais ou regulares, atitude que é vista com uma certa desconfiança, causando desagrado a alguns dirigentes e técnicos. Camargo (1999:117) opina, dizendo que a ABDC “deveria se preocupar com as pessoas excluídas de opções na sociedade em que vivem e não propor a tais pessoas atividades excludentes”. A aproximação entre atletas com cegueira e deficiência visual e atletas com visão e a abertura para que possam competir em situação de igualdade, no mesmo evento esportivo, faz com que esses atletas tenham um maior número de oportunidades para competir, trazendo condições de desenvolver um nível de performance mais eficiente. Para Penafort (2001:18), “há uma grande defasagem de oportunidades competitivas entre o esporte adaptado e o esporte convencional” . O que queremos como esporte inclusivo é que todos, cegos, deficientes visuais e pessoas que tenham visão, estejam em um mesma prova de natação 8 O Comitê Paraolímpico Brasileiro - CPB, órgão governamental que foi fundado em 1994, na cidade do Rio de Janeiro, é a entidade representativa máxima do movimento paraolímpico brasileiro. 37 competindo uns contra os outros. Alguns poderão dizer que os atletas que enxergam terão ou levarão vantagem sobre aqueles que não vêem isso não pode ser considerado como uma verdade absoluta, pois temos que levar em consideração uma série de fatores que não estão simplesmente ligados à questão de ter ou não visão. Na tentativa de elucidar melhor esse pensamento que aqui colocamos, buscaremos compreender como é feita a divisão de classes e categorias no desporto para cegos e deficientes visuais. Para Mattos (1998:19), no desporto para pessoas com deficiência, “classificar significa agrupar atletas com capacidades semelhantes com o propósito de competir”, e destaca que existem dois tipos de classificação: • Classificação Médica – também chamado de modelo de abordagem clínica das ciências biológicas, que procurava dividir os atletas em grupos de acordo com suas limitações ou deficiências em relação à sua patologia de origem; • Classificação Funcional – baseia-se no agrupamento dos atletas segundo seu potencial funcional remanescente em relação à modalidade a ser praticada. Os sistemas de classificação funcional ainda estão em fase de desenvolvimento e são baseados na filosofia da normalização, explica Mattos (1998): “O sistema funcional de classificação esportiva propõe a criação de escalas ordinais qualitativas, que visam agrupar atletas com possibilidades semelhantes de obter sucesso através da prática. Não se importa mais com deficiência e sim com a possibilidade da eficiência” (p.19). A classificação utilizada para categorizar os cegos e deficientes visuais é baseado no modelo médico, que leva em consideração acuidade e campo visual do atleta, sendo que esses fatores são verificados e medidos somente em um situação 38 clínica (estandardizada), desprezando a maneira como os atletas utilizam sua capacidade visual remanescente durante a prática da natação competitiva. Junior (1995) ressalta que: “ (...) alguns estudos denunciam a ausência de ligação entre as definições médico-legais quantitativas e as funcionais da deficiência visual. Destacam-se estas informações, tendo em vista que a acuidade visual pouco informa a respeito da capacidade visual. O grau em se faz uso da visão, nem sempre pode ser determinado por medidas objetivas. (...) crianças com acuidade visual idênticas podem fazer uso diferente da visão, a ponto de uma necessitar do Braille e a outra não” (p.05). Os atletas são divididos em três categorias sendo uma, para aqueles com falta total de visão, denominados como B1, e, duas, para atletas com baixa visão ou visão parcial, sendo estes chamados de B2 e B3. Essa classificação é determinada pela International Blind Sports Federation – IBSA (1992) e também utilizada pela Associação Brasileira de Desportos para Cegos, sendo que o atleta deve apresentar as seguintes características: • B1 - nenhuma percepção de luz em qualquer dos olhos, até a percepção de luz, mas incapacidade de reconhecer o formato de uma mão a qualquer distância ou em qualquer direção. • B2 - da capacidade de reconhecer o formato de uma mão até a acuidade visual de 2/60 (pés) e/ou campo visual menor que 5 graus. • B3 - da acuidade visual acima de 2/60 (pés) até a acuidade visual de 6/60 e/ou campo visual de mais de 5 graus e menos de 20 graus. Todos os deficientes visuais, considerando o melhor olho, com a melhor correção, ou seja, todos os atletas que utilizam lentes de contato ou lentes corretivas deverão usá-las para enquadramento nas classes, quer pretendam competir usandoas, ou não. Para Tolmatchev (1998), nos esportes onde a performance não seja influenciada pela deterioração da visão, a combinação de categorias e a fusão de 39 classes se mostra possível. Importante frisar que, nas competições tanto nacionais quanto internacionais, há uma insatisfação por parte de atletas e técnicos quanto à forma de classificação utilizada, o que acaba gerando um número significativo de reclamações e recursos para que as mesmas sejam revistas e adequadas. Outro ponto a ser considerado para se avaliar a possibilidade de performance do nadador é se a deficiência do individuo é congênita ou adquirida, e também quais as experiências motoras que essa pessoa recebeu ao longo de seu processo de desenvolvimento. Acreditamos que, algumas situações, se corrigidas, possibilitarão a um nadador cego ou com deficiência visual atingir níveis excelentes de performance, como os atletas que têm visão. A primeira delas é que a experiência e tempo de treinamento de um atleta cego ou com deficiência visual é muito inferior ao de um atleta convencional. Enquanto o nadador sem problemas visuais começa a nadar em média aos quatro/ cinco anos de idade, os atletas com problemas visuais começam a nadar na adolescência ou, muitas vezes, já adultos. Quando optam pelo treinamento, os atletas cegos e com deficiência visual treinam menos horas que os atletas com visão e, na maioria das vezes, com professores/voluntários que desconhecem o processo de treinamento da natação, não propiciando continuidade e envolvimento dessas pessoas com o atleta e com a modalidade, realidade totalmente contraria a da natação convencional. Não estamos aqui afirmando que queremos técnicos especialistas no trabalho de treinamento da natação para cegos e deficientes visuais, mas é necessário que essa pessoa tenha conhecimentos técnicos suficientes para desenvolver um trabalho de treinamento de natação independentemente da característica do atleta. A segunda situação a ser destacada, que apenas citaremos não nos preocupando em aprofundar a discussão, está relacionada às estratégias e metodologias de ensino da natação, baseadas, em sua maioria, em um modelo tecnicista que valoriza a repetição e não a interação do indivíduo com o ambiente líquido. Essa relação individuo/meio líquido deve ser altamente estimulada durante a 40 aprendizagem da natação, para que o individuo cego ou com deficiência visual possa ter uma percepção e domínio das características desse novo ambiente. Essa aprendizagem deve valorizar e potencializar a riqueza de informações táteis e proprioceptivas que são propiciadas em função das características físicas da água. A falta de visão faz com que o indivíduo processe informações principalmente cinestésicas sobre como o movimento ou tarefa motora que esta sendo executada. Não podemos nos esquecer da capacidade adaptativa que o ser humano apresenta. Sendo assim, acreditamos que um trabalho multisensorial pode ser uma das formas de amenizar a falta de visão durante o processo de iniciação e treinamento da natação. O que questionamos é se um nadador com problemas visuais pode ter uma performance tão excelente quanto um nadador com visão. Todos esses fatos por nós apresentados e a própria evolução das marcas obtidas nas competições por atletas cegos e com deficiência visual fazem nos crer que sim, porém, muito se tem a estudar sobre essa questão. O que nos parece, inicialmente mais relevante, não é essa questão, mas sim que os direitos de inserção no universo competitivo da natação convencional sejam assegurados a todos, inclusive aos cegos e aos deficientes visuais, e que, com o direito assegurado, possam fazer suas escolhas, pois o que vem afastando esses atletas do desporto são fatores que independem da vontade deles, uma vez que não têm nem mesmo possibilidade de escolha, e essa falta de escolha faz com que os cegos e os deficientes visuais sejam encaminhados diretamente para o esporte adaptado. O que acaba contribuindo para esta realidade, entre os muitos fatores já apontados, é o pouco envolvimento dos treinadores que trabalham com cegos e deficientes visuais na defesa do esporte inclusivo na natação. Isso se dá, em geral, pela acomodação e a falta de perspectiva de mudança do modelo excludente pelo qual esse esporte é praticado hoje: ou seja, em ambientes segregados, onde o nível técnico exigido é inferior ao que se espera de nadadores videntes. Essa inércia acaba contaminando os atletas cegos e deficientes visuais que são levados a pensar de maneira semelhante a dos seus treinadores, o que 41 aumenta a acomodação, com a agravante de que muitos se vêem na necessidade de participar de eventos só para cegos para a manutenção do status de atletas de alto rendimento, sem realmente merecerem tal adjetivo. CAMARGO (1999), em seu estudo, aponta ainda que: 1. as entidades/associações desportivas que atendem a população de cegos e deficientes visuais não acompanham o desenvolvimento do desporto de rendimento de uma forma geral; 2. a ABDC entidade nacional que prioritariamente deveria se destinar ao desenvolvimento do desporto de rendimento, acaba assumindo o trabalho de base e fomento do esporte responsabilidade de suas afiliadas; 3. a falta de recursos impede que ações mais concretas possam ser desenvolvidas junto ao desporto para pessoas cegas e com deficiência visual; 4. muitos atletas e técnicos têm uma visão distorcida do que vem a ser desporto de rendimento; 5. a sensibilização do desporto para pessoas com deficiência, mesmo que se diga o contrário, passa por uma contradição, ao mesmo tempo que pretende passar uma imagem de conquistas e eficiência, invocam o “óbvio”, o “piegas” e o senso comum que as pessoas têm sobre deficiência, pois imagens comoventes com atletas deficientes que tenham grandes limitações físicas ainda são utilizadas como expediente de divulgação; 6. os parâmetros utilizados para medir o nível de performance e de rendimento do desporto de pessoas com deficiência estão ligados ao desporto convencional; 7. o desporto de rendimento de pessoas com cegueira não ocorre de fato. Esses fatos puderam ser observados por nós ao longo de 12 anos de trabalho, dedicados ao esporte para cegos e deficientes visuais, que foram iniciados em um ambiente regular (ora chamado de inclusivo), mas com participações de alunos cegos, na prática da modalidade esportiva natação. Pudemos, porém, lecionar, coordenar, organizar e participar também de eventos de natação segregados. A possibilidade de vivenciar os dois universos do esporte para deficientes favorece a análise do tema proposto, uma vez que não nos afastamos dos problemas mas sim debatemos e buscamos caminhos que favorecessem a inserção de pessoas com deficiência na prática desportiva. 42 O desporto de rendimento de pessoas com cegueira e deficiência visual, esta envolto por práticas contraditórias, estabelecidas por políticas equivocadas e distantes das suas reais necessidades. No entanto, acreditamos que os ideais da inclusão podem e devem ser adotados, através de mudanças, ações e atitudes educacionais, sociais e esportivas em que se predomine a valorização das potencialidades dessas pessoas. 43 CAPITULO III DESPORTO INCLUSIVO: A NATAÇÃO COMO UMA POSSIBILIDADE 1. Os Dados Os questionamentos desta pesquisa têm uma relação direta com a nossa experiência profissional, ao longo dos últimos doze anos, voltada para a tarefa de ensinar e treinar pessoas cegas, com deficiência visual e também pessoas com visão, na modalidade esportiva natação. Nosso trabalho profissional busca a inserção de todas as pessoas – com e sem deficiência – em ambientes regulares, para que possam treinar e competir, garantindo seu direito à prática de atividades físicas. Ao longo desse tempo, tivemos a oportunidade de treinar durante 10 anos, aquela que é, hoje, a expoente máxima da natação de cegos: a atleta Fabiana Harumi Sugimori9, entre outros atletas de destaque regional, nacional e internacional. Todo o treinamento realizado com esses atletas cegos e com deficiência visual sempre foi desenvolvido em ambientes regulares. A possibilidade de ensinar e treinar essas pessoas, somadas, ainda, ao nosso interesse pelo universo do desporto para pessoas com deficiência, fez com que nos envolvêssemos cada vez mais com essa problemática, o que resultou na possibilidade de assumir a Coordenação da Modalidade Natação na Associação Brasileira de Desporto para Cegos – ABDC, função que exercemos até hoje. Todo esse percurso fez e faz com que levantássemos questões que estão ligadas diretamente ao desenvolvimento do desporto de cegos e deficientes visuais 9 Fabiana Harumi Sugimori foi medalhista de ouro na Paraolímpiada de Sidney/2000, na prova de 50 metros Livre, categoria B1 ( Cego Total ). É a única atleta cega brasileira a ganhar uma medalha em Paraolímpiadas na modalidade Natação. 44 tanto pelo aspecto técnico, como também pelo aspecto organizacional e político que envolvem a prática esportiva da natação por essa população. A possibilidade de debater e desenvolver uma prática diferenciada, que busque efetivamente atender às necessidades e interesses das pessoas cegas e com deficiência visual, fomentam e alimentam o presente trabalho. A natureza de nosso estudo é qualitativa/quantitativa e pretende analisar, através dos dados coletados, como se entende, se organiza e se desenvolve o desporto de cegos e deficientes visuais na prática da natação. Foram selecionados para compreender essa realidade quatro grandes competições, sendo duas de âmbito regional, uma nacional e uma internacional, quais sejam: Jogos Regionais 2000 – Moji Guaçú /SP; Jogos Abertos do Interior 2000 – Santos/SP; Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais 2000 – São Paulo/SP; Jogos Paraolímpicos 2000 – Sidney/Austrália. Em todos os campeonatos foram realizadas entrevistas com os seus participantes. No entanto, em virtude das características muito peculiares de cada um deles, foi necessário, por um lado adequar a realidade destes eventos, às entrevistas e os questionários aplicados, não sendo possível, portanto, uniformizar a metodologia da coleta. Por outro lado, o ambiente de competição, muitas vezes, não favorecia o contato com os sujeitos entrevistados, em virtude do ritmo frenético e acelerado das competições. As entrevistas foram registradas através de gravação em fita cassete e os dados foram transcritos e categorizados posteriormente. As entrevistas realizadas com os atletas de língua estrangeira foram realizadas por tradutores/ou pessoas com fluência na respectivo idioma, e depois transcritas para a língua portuguesa. 45 Os entrevistados foram divididos em quatro grandes categorias: atletas cegos e deficientes visuais; técnicos de atletas cegos e deficientes visuais; técnicos de atletas com visão; dirigentes esportivos do desporto para pessoas com deficiência. Nos Jogos Regionais e nos Jogos Abertos do Interior/2000 foram entrevistados 100% dos nadadores com cegueira ou deficiência visual. Isto foi possível, pois o número de participantes era muito reduzido. Participaram destes eventos somente sete atletas. Também ouvimos 37 técnicos de atletas videntes, para verificar a opinião dessas pessoas sobre a inserção das provas para pessoas com deficiência física e visual e também para cegos em competições regulares. Nos Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais/2000, foi possível entrevistar o técnico/a de cada uma das equipes participantes. No total foram ouvidos sete técnicos. Neste evento também foram entrevistados os ganhadores da medalha de ouro em cada uma das provas individuais disputadas. Foram disputadas 24 provas, sendo entrevistados os ganhadores de 16 provas, o que representa 67% deles. Já nos Jogos Paraolímpicos de Sidney – 2000, foram entrevistados somente os nadadores cegos e com deficiência visual ganhadores da medalha de ouro, nas provas individuais. Das 36 provas disputadas por cegos ou deficientes visuais, entrevistamos os ganhadores de 16 provas, o que representa 44,5% dos atletas. Somados os entrevistados das quatro competições chegamos a um total 16 atletas cegos e 11 com deficiência visual. Quanto aos dirigentes, o estudo se limitou a ouvir os responsáveis das entidades mais representativas que organizam o desporto para pessoas com cegueira e deficiência visual, que são: Presidente do Comitê Paraolimpíco Brasileiro; Presidente Licenciado da Associação Brasileira de Desportos para Cegos ABDC, que é o atual Presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro; 46 Chefe da Delegação Brasileira nas Paraolimpíadas de 2000; Presidente da Associação Brasileira de Desportos para Cegos - ABDC; Vice-Presidente da Associação Brasileira de Desportos para Cegos – ABDC; Diretor Técnico da Associação Brasileira de Desportos para Cegos – ABDC. Para verificar a opinião dos atletas, foi aplicado um questionário estruturado com 12 perguntas, sendo 9 questões fechadas e 3 abertas. Já para os técnicos e dirigentes foi colocada apenas um questão aberta, como mostra o roteiro que segue: Roteiro para entrevistas dos atletas – Versão em Português 1. Qual o seu nome? 2. Qual a sua nacionalidade? 3. Qual a sua idade? 4. Qual a sua deficiência? 5. Há quanto tempo você treina? 6. Quantas horas por dia você treina? 7. Você treina todos os dias? 8. Seu treinamento é feito com pessoas videntes ou separadamente, só com cegos? 9. Você participa de competições com videntes ou só de competições especiais/adaptadas? 10. O que você acha das competições conjuntas, inclusivas? 11. Você gostaria de participar de competições inclusivas, com os videntes? Sim? Não? Por quê? 12. Você acha que a Olimpíadas e Paraolimpíadas poderiam ser um único evento? Sim? Não? Por quê? 47 Questões para entrevistas dos atletas – Versão em Inglês 1. What’s your name? 2. What’s your nationality? 3. How old are you? 4. What’s your disability? 5. For since when have you been training? 6. For how long is each session training? 7. How many days do you have training session in a week? 8. Do you train with able bodied people, or separately, only with blind and visually impaired people? 9. Do you participate in competitions with people who can see or only in special/ adapted competitions? 10. Would you like to participate in inclusive competitions. That is, with people who can see? Yes or No? Why? 11. Do you think that the Olympic and Paraolympic games could be one event? Yes or No? Why? Questão proposta aos técnicos e dirigentes 1. Qual a sua opinião sobre a inclusão de cegos e de deficientes visuais no ambiente regular de competição de natação? Passarmos a descrever, detalhadamente, os dados coletados em cada um dos eventos pesquisados, buscando explicar a relevância e importância destas competições para a compreensão do problema proposto. 48 1.1. Jogos Regionais A 1ª edição dos Jogos Regionais oficialmente organizada ocorreu em 1959. O Estado de São Paulo é dividido, atualmente, em oito regiões desportivas para a realização desses jogos. O evento é organizado pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo – SEET, através da Coordenadoria de Esportes e Recreação – CER e, desde 1970, passou a ser um evento classificatório para os Jogos Abertos do Interior. No ano de 2000, o município de Moji Guaçú, da 4ª Região Desportiva, foi escolhido para sediar a 44ª edição dos Jogos Regionais, no período de 21 a 29 de julho. Esse evento contou com a participação de 42 cidades do interior de São Paulo, nas seguintes modalidades esportivas: Atletismo, Basquetebol, Biribol, Bocha, Ciclismo, Damas, Futebol, Futebol de Salão, Ginástica Olímpica, Handebol, Judô, Karatê, Malha, Natação, Tênis, Tênis de Mesa, Voleibol, Xadrez e Hipismo Rural como modalidade extra. Os municípios Inscritos nos Jogos Regionais 2000 em Moji Guaçú/SP foram os seguintes: Campinas Americana Limeira Moji Guaçú Valinhos Paulínia Sumaré Bragança Paulista Itapira Aguaí Vinhedo Indaiatuba Araras Mococa Rio Claro São João da Boa Vista São José Rio Pardo Santa Cruz das Palmeiras Atibaia Amparo Pedreira Hortolândia Mogi Mirim Nova Odessa Serra Negra Socorro Cordeirópolis Conchal Santa Gertrudes Águas da Prata Piracaia Vargem Grande do Sul Iracemápolis Jaguariúna Casa Branca Cosmópolis Elias Fausto Espírito Santo do Pinhal Leme São Sebastião da Grama Tambaú Tuiuti 49 Nesses jogos, o Governo do Estado de São Paulo, através de uma atitude pioneira, inseriu em seu calendário oficial provas adaptadas às pessoas com deficiência física e visual, reiterando a importância da implementação de ações que garantam o acesso dessas pessoas em eventos esportivos promovidos e organizados pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo – SEET. Dessa forma, a SEET/CER possibilitou a participação das pessoas com deficiência física nas seguintes modalidades e provas: Atletismo 100 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino e Feminino 400 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino Natação 50 m Livre – Masculino e Feminino 100 m Livre – Masculino e Feminino Para as pessoas com cegueira e deficiência visual foram oferecidas as seguintes modalidades e provas: Natação 50 m Livre – Masculino e Feminino 50 100 m Livre – Masculino e Feminino Por não ser interesse principal deste trabalho a discussão da inserção das pessoas com deficiência física nas competições convencionais, vamos apenas citálos, sem qualquer outra observação. A seguir, apresentamos alguns itens do regulamento dos Jogos Regionais 2000, a fim de subsidiar e propiciar uma análise mais abrangente da inserção de pessoas com deficiência em eventos convencionais. 1.1.1 Regulamento Geral dos Jogos Regionais de 2000 Art. 1º - Objetivo dos Jogos Regionais – Favorecer o desenvolvimento da prática esportiva nos municípios do Estado de São Paulo, contribuir para o aprimoramento técnico da diversas modalidades em disputa e selecionar, através de competição, os melhores atletas e equipes das regiões visando à participação nos Jogos Abertos do Interior. Art. 16º § Único - Será conferido a cada município que participar das modalidades de atletismo e natação com atletas PPD, um ponto de bonificação por modalidade e sexo. Utilizou-se nos Jogos Regionais o sistema de classe única, ou seja, não se considerou a classificação funcional, que é baseada nos níveis de acuidade e campo visual dos atletas, como ocorre em eventos específicos. Das cidades participantes, 24 se inscreveram na modalidade natação. Dessas cidades, apenas quatro levaram atletas com deficiência para competir na referida modalidade esportiva, sendo que das quatro cidades, três participaram com atletas deficientes físicos (Americana, Aguaí e Bragança Paulista) e apenas uma, Campinas, com atletas cegos e deficientes visuais. Na Tabela 2, temos um resumo da participação dos atletas com deficiência nos Jogos Regionais de 2000. 51 Tabela 2 - 44º Jogos Regionais – Participação dos atletas com deficiência na modalidade Natação Atletas com Deficiência 07 Atletas com Deficiência Física Masc Fem 4 0 Atletas com Deficiência Visual Masc Fem 0 0 Atletas com Cegueira Masc Fem 2 1 Das 24 equipes participantes foram entrevistados 18 técnicos, todos os atletas com cegueira ou deficiência visual, bem como seus respectivos técnicos, conforme Tabela 3. . Tabela 3 - 44º Jogos Regionais - Atletas com cegueira e com deficiência visual/entrevistados Municípios Participantes dos Jogos 42 Municípios Inscritos na Natação 24 Municípios Entrevistados Município com Atletas Deficientes Municípios com Atletas Cegos 18 4 1 1.2. Jogos Abertos do Interior Os Jogos Abertos do Interior, assim como os Jogos Regionais são organizados pela Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo – SEET, através da Coordenadoria de Esportes e Recreação – CER. Os Jogos Abertos do Interior, em sua primeira edição, foram organizados de maneira informal no ano de 1936 pelo Sr. Horácio “Baby’’ Barioni. Originalmente, os Jogos eram abertos à participação de cidades de outros Estados, sendo oficializados pelo Estado de São Paulo em 1939, passando dessa forma a constar do calendário do Departamento de Esporte do Estado de São Paulo – DEESP. Com o passar dos anos, os Jogos Abertos do Interior tornaram-se a maior competição poliesportiva do país, recebendo o apelido carinhoso de “Olimpíada Caipira”. Em sua última edição, no ano de 2002, os Jogos contaram com a participação de 140 cidades, totalizando 12.000 atletas, que disputaram medalhas 52 em 26 modalidades esportivas, reunindo no mesmo evento atletas desconhecidos do grande público, provenientes de diversas cidades do Estado, juntamente com estrelas olímpicas. O município de Santos/SP foi sede dos 64º Jogos Abertos do Interior, evento ocorrido no período de 10 a 18 de Novembro de 2000. Esse evento contou com a participação de 131 cidades do interior de São Paulo, nas seguintes modalidades oficiais: Atletismo, Basquetebol, Bocha, Ciclismo, Damas, Futebol, Futebol de Salão, Ginástica Olímpica, Handebol, Judô, Karatê, Malha, Natação, Pugilismo, Tênis, Tênis de Mesa, Voleibol, Xadrez e Basquete sobre Rodas. Tendo ainda como modalidades extras a Capoeira, Futebol para Deficientes Auditivos, Pólo Aquático, Taekwondo, Tamboréu, Tênis de Mesa para Deficientes Mentais, Tênis para Deficientes Físicos e o Vôlei de Praia. Os municípios inscritos nos Jogos Abertos do Interior 2000 – Santos/SP foram os seguintes: Adamantina Americana Américo Brasiliense Amparo Angatuba Araçatuba Arandu Araraquara Araras Arujá Capão Bonito Carapicuíba Catanduva Limeira Lins Mairinque Porto Feliz Praia Grande Registro Taquaritinga Taubaté Terra Roxa Cerquilho Cruzeiro Cubatão Diadema Dracena Fernandópolis Franca Manduri Marília Matão Mauá Mirassol Mococa Mogi das Cruzes Tietê Tremembé Tupã Ubatuba Urânia Valinhos Votorantim Assis Garça Moji Guaçu Atibaia Avanhandura Avaré Guaratinguentá Guarujá Guarulhos Monte Alto Nova Odessa Olímpia Barra Bonita Barretos Hortolândia Ilha Comprida Orlândia Osasco Barrinha Ilha Solteira Osvaldo Cruz Barueri Indaiatuba Ourinhos Restinga Ribeirão Preto Rio Claro Salto Salto Pirapora Santa Adélia Santa Bárbara D’Oeste Santa Cruz do Rio Pardo Santo André Santos São Bernardo do Campo São Caetano do sul São João da Boa Vista São José do Rio Pardo São José do Rio Preto Votuporanga 53 Batatais Iracemápolis Paraibuna Bauru Bertioga Birigui Boa Esperança do Sul Boituva Borebi Botucatu Bragança Paulista Caçapava Campinas Campo Limpo Paulista Itapetininga Itapeva Itapira Itaquaquecetuba Patrocínio Paulista Paulínia Penápolis Pereira Barreto São José dos Campos São Manuel São Roque São Sebastião São Vicente Itatiba Itu Jaboticabal Jacareí Peruíbe Pindamonhangaba Piquete Piracicaba Sertãozinho Socorro Sorocaba Suzano Jales Jaú Jundiaí Piraju Piratininga Poá Tabapuã Taboão da Serra Tambaú Mantendo o oferecimento de provas adaptadas em seu calendário oficial, a Secretaria de Esportes e Turismo do Estado de São Paulo – SEET, dá continuidade no trabalho, oferecendo às pessoas com cegueira, deficiência física e visual a oportunidade de competir, de forma oficial, nas seguintes modalidades e provas: Atletismo para deficientes físicos 100 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino e Feminino 400 m – corrida em cadeira de rodas – Masculino Natação para deficientes físicos 54 50 m Livre – Masculino e Feminino 100 m Livre – Masculino e Feminino Natação para deficientes visuais 50 m Livre – Masculino e Feminino 100 m Livre – Masculino e Feminino. Destacamos de seu regulamento os seguintes itens: Artigo 1 - Objetivo dos Jogos Abertos do Interior – coroar o desenvolvimento da prática esportiva nos municípios do Estado de São Paulo, classificados através dos Jogos Regionais, e contribuir para o aprimoramento técnico das diversas modalidades em disputa. Artigo 15 § Único – Cada município que participar das modalidades de atletismo e natação com atletas PPD receberá um ponto por modalidade e sexo. E determinando em seu regulamento técnico que: Artigo 1º - Os Jogos Abertos serão regidos pelo regulamento técnico dos Jogos Regionais em cada modalidade, excetuando-se as alterações e inclusões presentes. 55 Quanto à natação, no Artigo 23, não há índice para as provas adaptadas, o que difere do regulamento para os atletas videntes, desfavorecendo dessa maneira a participação de nadadores cegos e com deficiência visual, uma vez que aos videntes é permitida a utilização de resultados obtidos em outras competições para efeito de classificação. Os cegos e deficientes visuais ficam, portanto, prejudicados, pois a eles não é facultado tal direito, uma vez que não há índices determinados para classificar os atletas com deficiência. O Artigo 23, § 1º das provas para PPDs, afirma que participarão dos Jogos Abertos os oito melhores resultados das oito Regiões Esportivas obtidos nos Jogos Regionais. O fato dos atletas não serem classificados por índices, mas por colocação, levando em consideração a classificação por regiões, como já dissemos, faz com que o índice técnico da competição possa ser prejudicado à medida que, em algumas regiões, se concentram um número maior de bons nadadores e, em outras, atletas de técnica inferior. Esse formato faz com que alguns bons nadadores fiquem de fora da competição por competirem em uma região tecnicamente com melhores resultados. Sugerimos, portanto, que seja utilizado o mesmo regulamento para pessoas com e sem deficiência, que é o critério de índice. Da mesma forma que nos Jogos Regionais, nos Jogos Abertos foi utilizado o sistema de classe única. Das cidades participantes, 40 se inscreveram na modalidade natação. Dessas cidades, apenas oito levaram atletas deficientes para competir na referida modalidade esportiva, sendo que das oito cidades, cinco participaram com atletas deficientes físicos (Botucatu, Ilha Solteira, Jaú, Santos e Suzano) e quatro (Campinas, Itatiba, São Bernardo do Campo e Santos) com atletas cegos e deficientes visuais. Na Tabela 4, temos um resumo da participação dos atletas com deficiência nos Jogos Abertos do Interior de 2000. Tabela 4 - 64º Jogos Abertos do Interior – Participação dos atletas com deficiência na modalidade Natação Atletas com Deficiência Atletas com Deficiência Física Masc Fem Atletas com Deficiência Visual Masc Fem Atletas com Cegueira Masc Fem 56 14 9 2 2 1 1 1 Das 40 equipes participantes foram entrevistados 19 técnicos, todos os atletas com cegueira ou deficiência visual , bem como seus respectivos técnicos, conforme Tabela 5. Tabela 5 - 64º Jogos Abertos do Interior visual/entrevistados Municípios Participantes dos Jogos 131 Municípios Inscritos na Natação 40 Atletas com cegueira e deficiência Municípios Entrevistados Município com Atletas Deficientes Municípios com Atletas Cegos 19 8 3 1.3. Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais A Associação Brasileira de Desporto para Cegos, entidade fundada em 1984, é a responsável pela prática desportiva de rendimento para pessoas com cegueira e deficiência visual. Enquanto entidade nacional de administração do desporto para cegos e deficientes visuais, tem por finalidades10: 1. Congregar suas afiliadas e seus afiliados a: a) promover, apoiar e incentivar estudos e pesquisas, direcionados para a obtenção de formas e mecanismos de melhor oportunizar às pessoas cegas e com deficiência visual, a atividade física, e o ensino da prática do esporte; b) promover, apoiar e incentivar estudos e pesquisas, direcionados para a obtenção de formas adequadas inovadores de treinamento esportivo, para os atletas cegos e deficientes visuais; c) promover, apoiar e incentivar estudos e pesquisas, direcionados para oportunizar às pessoas cegas e com deficiência visual, material e equipamento adequado, para a prática esportiva. 10 Retiradas e adaptadas do estatuto vigente da Associação Brasileira de Desportos para Cegos (ABDC). 57 2. Dirigir o desporto de cegos e deficientes visuais: a) coordenando as ações das entidades a ela filiadas; b) organizando o calendário de competições, regionais, nacionais e internacionais (quando houver); c) executando o calendário oficial das modalidades através da organização dos eventos em parceria com suas afiliadas; d) representando o Brasil nas respectivas competições internacionais. 3. Difundir o ensino da prática esportiva e o desporto de cegos e deficientes visuais: a) divulgando a comunidade brasileira de cegos por meio de veículos de informação já existentes e que atinjam esse segmento; b) informando e conscientizando os órgãos municipais, estaduais e nacionais dirigentes do desporto, as Universidades Brasileiras, as escolas Superiores de Educação Física, as agências capacitadoras de recursos humanos, as confederações e federações do desporto Paraolimpíco e Olímpico, clubes e associações esportivas; c) informando e conscientizando a sociedade em geral, através dos diversos meios de comunicação e informação; d) fomentando o ensino e a prática esportiva, através de incentivos e facilidades, quanto à participação de atletas, nas competições promovidas e/ou coordenadas pela ABDC. A Associação Brasileira de Desportos para Cegos – ABDC congrega 51 entidades, que são relacionadas a seguir : AADV – Associação Atlética de Deficientes Visuais ABDV – Associação Brasiliense de Deficientes Visuais ACELB – Associação de Cegos Louis Braille ACEP – Associação dos Cegos do Piauí ACERGS - Associação de Cegos do Rio Grande do Sul ACERP – Associação de Cegos do Rio Preto ACEVALI – Associação de Cegos do Vale do Itajaí ACIC – Associação Catarinense para Integração do Cego ACJF – Associação de Cegos em Juiz de Fora ADEVIBEL – Associação dos Deficientes Visuais de Belo Horizonte ADEVIC – Associação dos Deficientes Visuais de Canoas ADEVIG - Associação dos Deficientes Visuais de Guarulhos ADEVIMAR – Associação dos Deficientes Visuais de Maringá ADEVIPAR - Associação dos Deficientes Visuais do Estado do Paraná ADEVIRN – Associação dos Deficientes Visuais do Rio Grande do Norte ADEVIRP - Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto e Região ADEVIUDI – Associação dos Deficientes Visuais de Uberlândia ADVAM – Associação dos Deficientes Visuais do Amazonas 58 ADVEG – Associação dos Deficientes Visuais do Estado de Goiás ADVC – Associação dos Deficientes Visuais de Campos ADVIMS - Associação dos Deficientes Visuais de Mato Grosso do Sul ADVNORPA – Associação de Deficientes Visuais do Norte do Paraná ADVIR - Associação dos Deficientes Visuais de Ituiutaba e Região ADEVOSC – Associação dos deficientes Visuais do Oeste de Santa Catarina ADVVALE – Associação dos Deficientes Visuais de Taubaté e Vale AJIDEVI – Associação Joinvilense para Integração dos Deficientes Visuais AMC – Associação Mato-grossense dos Cegos APACE - Associação Paraibana de Cegos APADEVI – Associação Paraibana de Deficientes Visuais APEC - Associação Pernambucana de Cegos ASCEPA – Associação de e para Cegos do Pará ASSEC – Associação São Carlense de Esportes para Cegos CADEVI – Centro de Apoio ao Deficiente Visual CCLBC – Centro Cultural Louis Braille Campinas CEDEMAC – Centro Desportivo Maranhense de Cegos CESEC – Centro de Emancipação Social e Esportiva de Cegos CETEFE – Associação de Centro de Treinamento de Educação Física Especial CIMEEE – Madre Cecília Clube Curitibano CSDDV - Centro Social Desportivo de Deficientes Visuais ESCEMA - Escola de Cegos do Maranhão IBC – Instituto Benjamin Constant - Coordenação de Educação Física IBDD – Instituto Brasileiro de Defesa dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência ICBC – Instituto de Cegos do Brasil Central ICP – Instituto dos Cegos da Paraíba Adalgisa Cunha ISL – Instituto Santa Luzia ISMAC – Instituto Sul Matogrossense para Cegos – Florivaldo Vargas IRCT – Instituto Rio Pretense para Cegos Trabalhadores LMC – Lar das Moças Cegas LDVAC – Lar dos Deficientes Visuais do Acre SFITC – Sociedade Francana de Instrução e Trabalho para Cegos UNICEP – União de Cegos Dom Pedro II As modalidades de competição disputadas pelos cegos e deficientes visuais no Brasil, são seis: Atletismo, Goalball, Futsal, Judô, Natação, Xadrez. Relacionamos os esportes e as entidades esportivas inscritas na temporada do ano de 2002. Para melhor visualizar a participação das entidades por modalidade desportiva, apresentamos a Figura 1. Figura 1 - Modalidades de desportos para cegos e deficientes visuais presentes na temporada de 2002. Atletismo AADV ACELB ACERGS Goalball Fem. AADV ABDV ACERGS Goalball Masc. AADV ABDV ACERP Futsal B1 AADV ABDV ACEP Futsal B2/B3 AADV ADEVIBEL ADEVIPAR Judô Natação Xadrez ADEVIBEL ADEVIMAR ADEVIPAR ACIC ADEVIBEL ADEVIMAR ABDV ACERGS ADEVIBEL 59 ACERP ACIC ACJF ADEVIBEL ADEVIG ADEVIMAR ADEVIPAR ADEVIRP ADEVIUDI ADEVOSC ADVEG ADVIMS ADVIR ADVNORPA ADVVALE AJIDEVI AMC APACE APADEVI APEC ASCEPA ASSEC CADEVI CCLBC CEDEMAC CESEC CIMEEE ESCEMA IBC IBDD ICBC IRCT LDVAC UNICEP ACERP ACIC ADEVIG ADEVIMAR ADEVIPAR ADEVIRP ADEVIUDI ADVIMS ADVIR ADVNORPA AMC APACE APADEVI APEC ASSEC CADEVI CCLBC CEDEMAC CESEC CETEFE IBC ICBC ICP LMC SFITC UNICEP ACIC ADEVIMAR ADEVIPAR ADEVIRP ADEVIUDI ADVC ADVIMS ADVIR ADVNORPA ADVVALE APACE APADEVI APEC ASSEC CADEVI CCLBC CESEC CETEFE CIMEEE IBC IBDD ICBC ICP IRCT ISL LMC SFITC UNICEP ACERGS ACERP ACEVALI ADEVIBEL ADEVIG ADEVIMAR ADEVIPAR ADEVIRN ADEVIRP ADVAM ADVC ADVEG ADVIMS ADVIR AMC APACE APADEVI APEC ASCEPA CADEVI CCLBC CEDEMAC CESEC CETEFE ESCEMA IBC IBDD LDVAC UNICEP ADEVIRN ADEVIRP ADEVOSC ADVAM ADVEG ADVIMS ADVIR APACE APADEVI APEC ASCEPA CADEVI CESEC IBC LDVAC UNICEP ADEVIRN ADEVIRP ADVEG ADVVALE APADEVI APEC CADEVI CESEC CSDDV IBC IBDD ADEVIPAR ADEVIRN ADEVIRP ADVAM ADVEG ADVIMS ADVIR ADVNORPA ADVVALE AJIDEVI APACE APADEVI APEC ASCEPA ASSEC CADEVI CCLBC CEDEMAC CESEC CSDDV Curitibano IBC IBDD ICBC ICP IRCT SFITC ADEVIPAR ADEVIRN ADEVIRP ADEVOSC ADVVALE AJIDEVI APADEVI ASCEPA ASSEC CADEVI CEDEMAC CETEFE CIMEEE CSDDV IBC IBDD No Gráfico 1, podemos visualizar a participação por modalidade desportiva Gráfico 1 - Participação das Entidades por Modalidade Desportiva dessas entidades relacionadas. 9% 17% 14% Atletismo Goalball - Fem. Goalball - Masc. 14% 7% Futsal B1 Futsal B2/3 Judô Natação Xadrez 9% 15% 15% 60 A Associação Brasileira de Desportos para Cegos, na temporada do ano de 2000, na modalidade natação, organizou seu calendário esportivo através do Circuito Brasileiro de Natação, que foi composto por três etapas, todas classificatórias e seletivas para os 1º Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais. Destacamos alguns ítens do Regulamento Geral da Natação: Capitulo II: Da Competição Art.5º O Atleta que conseguir um resultado/tempo, que o coloque entre os oito melhores resultados do ano, numa prova, observados parâmetros técnicos pela coordenação da modalidade, terá garantida sua participação nesta prova, nos 1ºJogos Brasileiros para Cegos no ano de 2000; § 2º Os atletas, para figurarem no ranking anual ABDC, terão obrigatoriamente que participar de pelo menos duas tomadas de tempo; § 3º Qualquer atleta poderá submeter-se a tomadas de tempo, em competições oficiais das Federações de Natação dos diversos estados, observados os seguintes critérios: a) o prazo limite para as tomadas de tempo, será igual ao prazo do Circuito Brasileiro de Natação fase classificatória; b) o atleta deverá apresentar a ABDC, o boletim oficial da competição que tomou parte, em papel timbrado da Federação responsável, assinado pelo arbitro geral e pelo diretor técnico da competição; c) os atletas referidos no § anterior deste artigo, terão que participar obrigatoriamente de uma das Etapas do Circuito Brasileiro de Natação, fase classificatória. A primeira edição dos Jogos Brasileiros para Cegos e Deficientes Visuais ocorreu na data de 09 de Setembro de 2000, na cidade de São Paulo/SP, evento que abrangeu as modalidades atletismo, natação e judô para adultos e infantojuvenil, além do goalball na categoria infanto-juvenil, caracterizando o evento como o maior já realizado na América Latina, no que se refere ao desporto de cegos e pessoas com deficiência visual. 61 A competição de natação foi realizada na piscina do complexo esportivo “Baby Barioni” e contou com a participação de 21 atletas, de vários estados brasileiros, conforme Tabela 6. Tabela 6 - Entidades e atletas cegos e com deficiência visual participantes dos 1º Jogos Brasileiros Entidades/Equipes Cidades/Estado Associação dos Deficientes Visuais de Belo Horizonte– ADEVIBEL Associação dos Deficientes Visuais do Amazonas – ADVAM Centro de Apoio ao Deficiente Visual – CADEVI Centro Cultural Louis Braille de Campinas – CCLBC Instituto Benjamin Constant – IBC Instituto de Cegos do Brasil Central – ICBC Secretaria Municipal de Esportes e Cultura de São Bernardo do Campo Belo Horizonte – MG N º de Atletas Masc Fem 1 2 Modalidade Natação Manaus – AM 2 0 Natação São Paulo – SP Campinas – SP 6 4 2 1 Natação Natação Rio de Janeiro – RJ Uberaba - MG 1 1 0 0 Natação Natação São Bernardo do Campo - SP 0 1 Natação 1.4 - Jogos Paraolímpicos A prática do esporte para pessoas com deficiência física teve sua principal fase de desenvolvimento na Inglaterra, logo após a II Segunda Guerra Mundial, no hospital de Stoke Mandeville, onde o neurocirurgião Ludwig Guttmann introduziu o esporte como um importante instrumento no processo de reabilitação. Em 1948, foram realizados os Primeiros Jogos de Stoke Mandeville, reunindo apenas duas equipes de atletas ingleses com deficiência física, que disputaram a modalidade de arco e flecha, sendo esse talvez o marco inicial das competições para pessoas com deficiência. Em 1952, os Jogos Anuais de Stoke Mandeville ganharam dimensão internacional com a participação da delegação de atletas com deficiência física da Holanda. A partir dessa competição, o número de países envolvidos nesse evento não parou de se ampliar. Como o número de países e atletas se ampliara muito, buscou-se apoio internacional para que os jogos passassem a ser realizados em condições mais 62 adequadas, uma vez que o espaço do Hospital de Stoke Mandeville, tornara-se pequeno e inadequado. Com esse apoio, na cidade de Roma, na Itália, em 1960, os referidos jogos utilizaram, pela primeira vez, as mesmas instalações esportivas dos Jogos Olímpicos. A possibilidade de realizar os Jogos para pessoas com deficiência no mesmo local dos Jogos Olímpicos significou um grande avanço para a consolidação do movimento olímpico de pessoas com deficiência, pois contou com o apoio do Comitê Olímpico Italiano - COI. Marcou-se o envolvimento político e social de autoridades e personalidades com esta modalidade competitiva. Todos esses fatos trouxeram mudanças e transformações, o que ocasionou a troca de nome dos Jogos. De Jogos Anuais de Stoke Mandeville passaram a ser chamados de "Jogos Paraolímpicos". A partir desse momento, os Jogos passaram a ser organizados de quatro em quatro anos, respeitando o calendário de competição das Olimpíadas. Em 1964, em Tóquio, os Jogos aconteceram novamente, utilizando-se dos mesmos locais e com a mesma infra-estrutura das Olimpíadas. De 1968 a 1984, por motivos de ordem política e organizacional, os Jogos Paraolímpicos (destinados somente as pessoas com deficiência) se separaram das Olimpíadas, somente retornando quatro anos depois. Em 1988, houve um novo marco do movimento esportivo para pessoas com deficiência, pois os Jogos Paraolímpicos passaram a envolver cegos, paralisados cerebrais, les autres11 e lesados, dentre as pessoas com deficiência, cada qual competindo dentro das normas estabelecidas pelas suas federações internacionais. Esta ação de unificação das Olimpíadas com os Jogos Paraolímpicos novamente ocasionou uma mudança na nomenclatura desses jogos, que passaram a se chamar Paraolimpíadas, em virtude de sua proximidade com as Olimpíadas. Na Tabela 7, podemos verificar o aumento do número de atletas participantes das Paraolimpíadas a partir de 1988. 11 Les autres = os outros, em francês, constitui-se de pessoas que disputam os Jogos Paraolímpicos, na categoria que agrupa deficiências tais como: distrofias musculares, esclerose múltipla, nanismo e pólio. 63 ALMEIDA (1999) destaca ainda que há uma divergência semântica da palavra Paraolimpíada, que pode representar Olimpíada para paraplégicos ou jogos paralelos/simultâneos aos Jogos Olímpicos. Tabela 7 - Evolução da participação de países e atletas nos Jogos Paraolímpicos. Ano Jogos Jogos Paraolímpicos Países Participantes Participação Olímpicos Participantes do Brasil 1952 Helsinque Stoke Mandeville 2 130 Não 1960 Roma Roma 23 400 Não 1964 Tóquio Tóquio 22 300 Não 1968 México Tel-Aviv 29 1.100 Não 1972 Munique Heidelberg 44 1.400 Sim 1976 Montreal Toronto 42 2.700 Sim 1980 Moscou Arnhem 42 2.500 Sim 1984 Los Angeles NewYork/Aylesbury 41/45 1.700/2.300 Sim *1988 Seul Seul 65 4.361 Sim *1992 Barcelona Barcelona 75 4.200 Sim *1996 Atlanta Atlanta 120 3.500 Sim *2000 Sidney Sidney 125 4.000 Sim * Aumento da participação de atletas com deficiência em relação ao período que a Paraolimpíada era realizada separada da Olimpíada. As Paraolímpiadas são organizadas pelo Comitê Paraolímpico Internacional – International Paralympic Comitte – IPC, que congrega seis organizações internacionais, as quais são estruturadas por grupos de deficiência e não como o desporto convencional, por modalidades esportivas. São elas: Comitê Internacional de Desporto para Surdos – CISS; Associação Internacional de Desporto e Recreação para Paralisados Cerebrais – CP-ISRA; 64 Associação Internacional de Desporto para Deficientes Mentais – INAS-FMH; Federação Internacional de Desporto para Cegos – IBSA; Federação Internacional de Esporte em Cadeira de Rodas de Stoke Mandeville – ISMWSF; Organização Internacional do Desporto para Deficientes – ISOD. O Comitê Paraolímpico Internacional foi criado em 1989, sendo oficialmente designado como representante das organizações esportivas internacionais para pessoas com deficiência. Esse Comitê tem como objetivo: “Dar assistência na coordenação dos Jogos Paraolmpicos; dar assistência na coordenação e supervisão de jogos regionais, mundiais e campeonatos, com a única organização de múltiplas deficiências. Tem complemento a isso, buscar: coordenar o calendário de competições regionais e internacionais, integrar esportes para atletas com deficiência com movimentos internacionais de esporte para atletas não-deficientes, ligados ao Comitê Olímpico Internacional; dar assistência e encorajar programas educacionais e de reabilitação, pesquisas e atividades promocionais” [grifo nosso]. 65 No Brasil, a história do paradesporto remonta ao ano de 1958, quando os paraplégicos Robson de Almeida Sampaio e Sérgio Del Grande retornaram dos Estados Unidos, para onde viajaram a tratamento. Lá, entraram em contato com o esporte para deficientes nos hospitais em que se reabilitaram. Trouxeram a idéia para o Brasil, fundando respectivamente no dia 1º de abril, o Clube do Otimismo do Rio de Janeiro e o Clube dos Paraplégicos em São Paulo, no dia 23 de julho daquele mesmo ano. Nestes 40 anos de história das Paraolímpiadas, o Brasil participou de sete das dez competições já realizadas, sendo os Jogos Paraolímpicos de Seul, em 1988, um marco para o nosso país, no que diz respeito ao número de medalhas conquistadas e que são demonstradas na Tabela 8. Tabela 8 - Medalhas conquistadas em Paraolímpiadas Ano Jogos Paraolímpicos Países Participação do Participantes Brasil 1952 Stoke Mandeville 2 Não 1960 Roma 23 Não 1964 Tóquio 22 Não 1968 Tel-Aviv 29 Não 1972 Heidelberg 44 Sim 1976 Toronto 42 Sim 1980 Arnhem 42 Sim 1984 NewYork/Aylesbury 41/45 Sim * 1988 Seul 65 Sim 1992 Barcelona 75 Sim 1996 Atlanta 120 Sim ** 2000 Sidney 125 Sim * Marco referente à quantidade de medalhas. ** Marco referente à qualidade das vitórias conquistadas. Medalhas Conquistadas 0 0 0 0 0 1 0 14/14 27 7 21 22 Número De atletas 0 0 0 0 2 3 15 12/11 56 42 58 66 A estrutura organizacional do desporto para pessoas com deficiência no Brasil se assemelha ao modelo internacional, pois é constituída, também, pelo Comitê Paraolímpico Brasileiro, fundado em 1995 e que congrega as seguintes associações esportivas: 66 Associação Nacional de Desportos para Deficientes - ANDE; Associação Brasileira de Desportos para Cegos - ABDC; Associação Brasileira de Desportos em Cadeira de Rodas ABRADECAR; Associação Brasileira de Desportos para Deficientes Mentais ABDEM; Associação Brasileira de Desportos para Amputados - ABDA. Nas Paraolímpiadas de Sydney 2000, participaram 125 países com um total aproximado de 4.000 atletas disputando 18 modalidades esportivas. Relacionamos a seguir, os países participantes dessa competição: Algeria Angola Argentina Armenia Australia Austria Guatemala Guinea Republic Honduras Hong Kong, China Hungary Iceland Papua New Guinea PR China Peru Philippines Poland Portugal 67 Azerbaijan Bahrain Barbados Belarus Belgium Benin Bermuda Bosnia Herzegovina Brazil Bulgaria Burkina Faso Cambodia Cameroon Canada Chile Chinese Taipei Columbia Costa Rica Cote D’Ivoire Croatia Cuba Cyprus Czech Republic Denmark East Timor Ecuador Egypt El Salvador Estonia Faroe Islands Fiji Finland FYR of Macedonia France Germany Great Britain Greece India Indonesia Iraq Ireland Islamic Republic of Iran Israel Italy Japan Jamaica Jordan Kazakhstan Kenya Korea Kuwait Kyrgyzstan Lao People’s Democratic Republic Latvia Lebanon Lesotho Libyan Arab Jamahiriya Lithuania Macau, China Madagascar Malaysia Mali Mauritania Mexico Mongolia Morocco Netherlands New Zealand Niger Nigeria Norway Oman Pakistan Palestine Puerto Rico Qatar Republic of Moldova Republic of Panama Romania Russian Federation Rwanda Samoa Saudi Arabia Sierra Leone Singapore Slovakia Slovenia South Africa Spain Sri Lanka Sudan Sweden Switzerland Syrian Arab Republic Thailand Tonga Tunisia Turkey Turkmenistan Uganda Ukraine United Arab Emirates USA Uruguay Vanuatu Venezuela Vietnam Yugoslavia Zambia Zimbabwe O Brasil foi o 24º colocado no quadro geral de medalhas dos jogos Paraolímpicos com 22 medalhas, sendo 6 de ouro, 10 de prata e 6 de bronze. A Austrália, Inglaterra, Espanha, Canadá e U.S.A. foram os países que obtiveram o maior número de medalhas na competição de natação de cegos e deficientes visuais. Os atletas que entrevistamos nesta Paraolimpíada são desses países. Eles têm, portanto, representatividade como amostra desta pesquisa. 68 Tabela 9 - Países detentores do maior número de medalhas na classificação geral dos desportos - Sidney/2000. POSIÇÃO 1 2 3 4 5 PAÍS Austrália Inglaterra Espanha Canadá USA OURO 63 41 30 38 36 PRATA 49 43 30 33 39 BRONZE 37 47 38 25 34 TOTAL 149 131 107 96 109 As delegações melhor colocadas na competição de Sidney/2000 foram, também, aquelas que possuíam maior número de atletas deficientes participantes na modalidade natação. Tabela 10 - Países com maior número de atletas com deficiência na modalidade Natação - Sidney/2000 PAÍSES Espanha Austrália Inglaterra U.S.A. China Canadá Nº DE ATLETAS COM DEFICIÊNCIA 55 51 48 29 26 24 Nos eventos de natação dos Jogos Parolímpicos utiliza-se um sistema de divisão de classes que é identificada pela letra S – de Swimming ( natação ) – seguido de um número, que vai de 1 a 14, que identifica a deficiência e seu nível de comprometimento, sendo que quanto menor o número, maior o grau de comprometimento. As classes S1 a S10 são destinadas aos deficientes físicos; as classes S11 a S13, aos cegos e deficientes visuais, e a classe S14, aos deficientes mentais. O programa de provas da natação, nos Jogos Paraolímpicos, é composto por 100 eventos subdivididos da seguinte forma: - Classe de nadadores S14, masculinos e femininos Individual: • Nado Livre – 50/100/400m 69 • Nado Costas – 100m • Nado Peito – 100m • Nado Borboleta – 100m • Nado Medley – 200m Revezamentos • Livre – 4X100m • Medley – 4X100m - Classe de nadadores S1 – S10 , masculinos e femininos Individual: • 50m Nado Livre – S1 – S10 • 100m Nado Livre – S1 – S10 • 200m Nado Livre – S1 – S5 • 400m Nado Livre – S6 – S10 • 50m Nado Costas – S1 – S5 • 100m Nado Costas – S6 – S10 • 50m Nado Peito – SB1 – SB3 • 100m Nado Peito – SB4 – SB10 • 50m Nado Borboleta – S1 – S7 • 100m Nado Borboleta – S8 – S10 • 50m Nado livre – S1 – S10 • 150m Nado Medley – SM1 – SM4 • 200m Nado Medley – SM5 –SM10 Revezamentos: • 4X50m Livre – Máximo 24 Pontos • 4X100m Livre – Máximo 34 Pontos • 4X50m Medley – Máximo 20 Pontos • 4X100m Medley – Máximo 34 Pontos 70 - Classe de nadadores S11, S12 e S13 , masculinos e femininos Individual: • Nado Livre – 50/100/400m • Nado Costas – 100m • Nado Peito – 100m • Nado Borboleta – 100m • Nado Medley – 200m Revezamentos • 4X100m Livre – Máximo 49 Pontos • 4X100m Medley – Máximo 49 Pontos Segue o programa de provas oficial da competição de natação dos Jogos Paraolímpicos, porém nem todas as provas foram efetivamente disputadas. Na Tabela 11, apresentamos os índices para cada prova e as que realmente ocorreram. Tabela 11 – Índices Classificatórios para provas de Natação – Parolimpíadas Sidney-2000 EVENTO CLASSE MASC. FEM. EVENTO CLASSE MASC. FEM. 50m Nado Livre S1 100m Nado Costas S8 1’25’00 1’45’’00 50m Nado Livre S2 1’ 40’’00 1’58’’50 100m Nado Costas S9 1’15’’00 1’30’’00 50m Nado Livre S3 1’25’’00 1’36’’50 100m Nado Costas S10 1’13’’00 1’27’’00 50m Nado Livre S4 1’00’’00 1’15’’50 100m Nado Costas S11 1’40’’00 1’50’’00 50m Nado Livre S5 50’’00 56’’00 100m Nado Costas S12 1’30’’00 1’40’’00 50m Nado Livre S6 40’’00 46’’50 100m Nado Costas S13 1’20’’00 Não Ocorreu 50m Nado Livre S7 34’’00 43’’00 100m Nado Costas S14 1’22’’00 Não Ocorreu 50m Nado Livre S8 32’’00 40’’00 50m Nado Peito SB1 Não Ocorreu Não Ocorreu 50m Nado Livre S9 29’’00 35’’00 50m Nado Peito SB2 1’30’’00 Não Ocorreu 50m Nado Livre S10 28’’00 33’’50 50m Nado Peito SB3 1’20’’00 1’26’’00 50m Nado Livre S11 35’’50 40’’00 50m Nado Peito SB14 Não Ocorreu 48’’00 50m Nado Livre S12 30’’00 37’’00 100m Nado Peito SB4 2’10’’50 2’30’’00 50m Nado Livre S13 29’’00 35’’00 100m Nado Peito SB5 1’55’’50 2’27’’50 50m Nado Livre S14 29’’00 35’’00 100m Nado Peito S6 1’50’’50 2’19’’50 100m Nado Livre S1 100m Nado Peito S7 1’45’’00 2’06’’50 100m Nado Livre S2 100m Nado Peito S8 1’32’’50 1’50’’00 Não Ocorreu Não Ocorreu Não Ocorreu Não Ocorreu 3’30’’00 4’00’’00 71 100m Nado Livre S3 3’00’’00 3’03’’50 100m Nado Peito S9 1’24’’00 1’38’’00 100m Nado Livre S4 2’15’’50 2’28’’00 100m Nado Peito S10 Não Ocorreu Não Ocorreu 100m Nado Livre S5 1’50’’00 2’00’’00 100m Nado Peito S11 1’45’’00 Não Ocorreu 100m Nado Livre S6 125’’50 1’40’’00 100m Nado Peito S12 1’35’’00 1’50’’00 100m Nado Livre S7 1’12’’50 1’35’’00 100m Nado Peito S13 1’30’’00 1’40’’00 100m Nado Livre S8 1’10’’00 1’26’’50 100m Nado Peito S14 1’28’’00 Não Ocorreu 100m Nado Livre S9 1’05’’00 1’15’’50 50m Nado Borboleta S1 Não Ocorreu Não Ocorreu 100m Nado Livre S10 1’01’’50 1’12’’00 50m Nado Borboleta S2 Não Ocorreu Não Ocorreu 100m Nado Livre S11 1’30’’00 1’32’’00 50m Nado Borboleta S3 Não Ocorreu Não Ocorreu 100m Nado Livre S12 1’10’’00 1’21’’00 50m Nado Borboleta S4 1’25’’00 Não Ocorreu 100m Nado Livre S13 1’05’’00 1’15’’00 50m Nado Borboleta S5 1’10’’00 1’08’’00 100m Nado Livre S14 1’05’’00 1’20’’00 50m Nado Borboleta S6 47’’00 1’00’’00 200m Nado Livre S1 Não Ocorreu Não Ocorreu 50m Nado Borboleta S7 40’’00 55’’00 200m Nado Livre S2 Não Ocorreu Não Ocorreu 50m Nado Borboleta S14 33’’00 43’’00 200m Nado Livre S3 5’15’’00 S8 1’28’’00 1’40’’00 200m Nado Livre S4 4’30’’00 4’53’’50 100m Nado Borboleta S9 1’16’’00 1’30’’50 200m Nado Livre S5 4’00’’00 4’05’’00 100m Nado Borboleta S10 1’11’’00 1’21’’50 200m Nado Livre S14 2’30’’00 2’55’’00 100m Nado Borboleta S11 Não Ocorreu Não Ocorreu 400m Nado Livre S6 6’35’’00 7’49’’00 100m Nado Borboleta S12 1’25’’00 1’45’’00 400m Nado Livre S7 5’40’’00 6’51’’00 100m Nado Borboleta S13 1’20’’00 1’30’’00 400m Nado Livre S8 5’30’’00 6’32’’00 150m Medley Ind. SM1 Não Ocorreu Não Ocorreu 400m Nado Livre S9 5’05’’00 5’42’00 150m Medley Ind. SM2 Não Ocorreu Não Ocorreu 400m Nado Livre S10 4’50’’00 5’29’’50 150m Medley Ind. SM3 4’40’’00 Não Ocorreu 400m Nado Livre S11 Não Ocorreu 6’40’’00 150m Medley Ind. SM4 3’25’’00 4’03’’00 400m Nado Livre S12 5’10’’00 6’20’’00 200m Medley Ind. SM5 4’40’’00 4’50’’00 400m Nado Livre S13 5’00’’00 5’50’’00 200m Medley Ind. SM6 3’40’’00 4’20’’50 50m Nado Costas S1 200m Medley Ind. SM7 3’16’’00 4’’00’’00 50m Nado Costas S2 1’45’’00 1’59’’00 200m Medley Ind. SM8 3’10’’00 3’38’’00 50m Nado Costas S3 1’22’’00 1’42’’00 200m Medley Ind. SM9 2’45’’00 3’15’’00 50m Nado Costas S4 1’05’’00 1’16’’50 200m Medley Ind. SM10 2’40’’00 2’57’’00 50m Nado Costas S5 56’’00 1’05’’50 200m Medley Ind. SM11 3’10’’00 3’45’’00 50m Nado Costas S14 Não Ocorreu 43’’00 200m Medley Ind. SM12 3’00’00 3’20’’00 100m Nado Costas S6 1’40’’00 2’00’’00 200m Medley Ind. SM13 2’50’’00 3’10’’00 100m Nado Costas S7 1’30’’00 1’49’’50 200m Medley Ind. SM14 2’50’’00 3’10’’00 Não Ocorreu 100m Nado Borboleta Não Ocorreu Não Ocorreu * Tabela extraída do Livro Técnico de Natação das Paraolimpíadas de Sidney – 2000. A Paraolimpíada é o maior evento esportivo destinado a atletas com deficiência, mas mesmo assim oferece em seu programa de competição da natação um número muito reduzido de provas aos atletas cegos e com deficiência visual. 72 Com vistas a demonstrar uma diferença significativa entre o número de provas oferecidas por essas entidades aos atletas, na Tabela 12, comparamos o número de provas oferecidas em competições organizadas por duas entidades especificas para deficientes e uma entidade que organiza competições convencionais para nadadores com visão. Tabela 12 – Número de Provas Oferecidas a Atletas Cegos e Deficientes Visuais em eventos específicos e convencionais Entidade Provas Individuais Revezamentos IPC* 07 02 IBSA** 12 04 FINA*** 14 03 • *Comitê Parolímpico Internacional – organizador das Parolimpíadas • **International Blind Sports Federation – organizador de competições especificas para cegos e deficientes visuais • ***FINA – Federação Internacional de Natação – entidade máxima da Natação Participaram da competição de natação nas Paraolimpíadas de Sidney –2000, 569 atletas de 61 países. Os atletas com cegueira e deficiência visual foram representados por 62 homens e 43 mulheres, totalizando 105 participantes. A Tabela 13 apresenta. por divisão de classe, o número de atletas cegos e deficientes visuais participantes e também o número de provas disputadas em cada uma destas classes nas Paraolimpíadas na modalidade Natação. Tabela 13 – Participação dos atletas cegos e deficientes visuais nas Paraolimpíadas de Sidney/2000 modalidade Natação Classe Número de Atletas Número de Provas Masc. Fem. Masc. Fem. S11 20 16 05 05 S12 25 18 07 07 S13 17 09 07 04 Total 62 43 19 16 73 O Brasil levou apenas 16 nadadores, sendo 15 com deficiência física e um apenas com cegueira, destes três do sexo feminino e 13 do sexo masculino. Conseguimos 12 medalhas na modalidade natação e a única medalha de ouro foi da nossa atleta cega, Fabiana Harumi Sugimori. Com base nos dados aqui apresentados é que faremos a análise deste estudo, tendo em vista verificar o que buscamos nesta pesquisa: a natação como uma possibilidade de desporto inclusivo. 2. Análise dos Dados A análise que fizemos para compreender como o universo desportivo de cegos e deficientes visuais é influenciado pela inclusão destes no desporto convencional, não seguirá um modelo de tradicional, pois os elementos que constituem o universo pesquisado e a própria coleta de dados apresentam características muito próprias e peculiares. O processo de análise foi estabelecido e calcado num diálogo constante entre todos os envolvidos neste estudo, o que permitiu e possibilitou uma série de correlações entre os depoimentos dos entrevistados, as observações empíricas de torneios e campeonatos e os dados quantitativos, tendo sempre como background a nossa experiência no âmbito do desporto para pessoas com cegueira e deficiência visual. E importante salientar que a interpretação, aqui apresentada, não pretende ser única, absoluta, pois nada mais é do que um recorte de um momento histórico. Os nomes dos entrevistados, bem como os nomes de quaisquer outras pessoas citadas nos fragmentos escolhidos, são fictícios e foram criados, para preservar a identidade das pessoas envolvidas neste estudo. Varemos exceção a nadadora Fabiana Harumi Sugimori, uma vez que preservar sua identidade seria desnecessário e impossível em virtude de seus resultados e de sua importância para o movimento de cegos no Brasil. 74 A tarefa de fomentar, organizar, pensar e sobretudo, de repensar o desporto de cegos e deficientes visuais está, em boa parte, nas mãos dos dirigentes esportivos. São seus comportamentos, idéias, condutas e ações políticas que favorecem ou encaminham o desporto para uma determinada direção ou o desviam dela. Do ponto de vista administrativo, para Camargo (1999) as entidades que promovem a performance desportiva dos cegos e deficientes visuais no Brasil assumem ares de países “primeiromundistas”. O que esse autor frisa: “são os modos controladores de explicitação do poder”, que impõem a ferro e fogo seus objetivos, desconsiderando muitas vezes os anseios, as necessidades e realidades dos atletas e técnicos que também compõem este espetáculo esportivo. Nas entrevistas realizadas com os principais dirigentes esportivos ligados ao desporto para pessoas com cegueira e deficiência visual, um dos pensamentos mais recorrentes é o de que a inclusão é um fato, que deve ser considerado como meio para o aperfeiçoamento esportivo do atleta deficiente, mas que, ao mesmo tempo, pode comprometer todo o desenvolvimento e a valorização do desporto especifico para este público. Estas visões ambíguas demonstram uma preocupação com a continuidade do esporte para cegos e deficientes visuais, mas também podem indicar que há uma grande inquietação sobre quem comandará este universo esportivo caso a inclusão se efetive. Para o vice-presidente da ABDC, o tema inclusão/esporte ainda não é uma questão totalmente fechada, em função da sua modernidade. Na opinião desse dirigente devemos observar essa inovação, a partir de dois aspectos: o primeiro diz respeito ao fato de que a inclusão já se institucionalizou na sociedade, e que, portanto devemos aprender a conviver e usufruir desta realidade. Ao se pronunciar a respeito, em entrevista que realizamos em 2000, no Brasil ele ressaltou que a “inclusão é parte de um movimento internacional que chegou ao Brasil independentemente da vontade de alguns grupos. Ela é uma questão maior, é uma questão social, que perpassa a questão do esporte, da saúde, da educação, enfim trata da integração social. Por conseqüência, cada vez mais o desporto vai ter que estar dentro desse processo de inclusão, seja pela busca de marketing, de 75 patrocínio, de viabilização das competições, de mídia. Não dá mais para as pessoas sérias fazerem um desporto ilhado, um desporto de isolamento, diante desse movimento maior que é o movimento de inclusão”. O segundo aspecto com o qual o mesmo dirigente se preocupa é relacionado à defesa e à manutenção das entidades, que hoje desenvolvem o desporto adaptado de base. Ele diz que as “organizações que viabilizam, que tornam possível a participação dessas pessoas têm esse momento de transição, e devem ter cuidado para não enfraquecerem demais as entidades”. Por outro lado, o Presidente em exercício da ABDC pondera que o desporto de cegos e de pessoas com deficiência visual pode se fortalecer através da concretização da inclusão e de uma aproximação entre as entidades máximas que organizam o desporto adaptado e convencional, desde que elas sejam tratadas e apoiadas em condição de igualdade pelo governo federal. Ele se manifesta, lembrando que “hoje nós temos o governo federal reconhecendo o Comitê Paraolímpico Brasileiro nas reuniões, tanto quanto o Comitê Olímpico Brasileiro. É verdade que em nível de recursos, já houve um avanço, no nosso entender significativo”. Esse mesmo dirigente identifica um certo desinteresse por parte da mídia, quanto à cobertura dos eventos e dos resultados obtidos por atletas com deficiência. Ele se pronunciou, dizendo que acha “que para se consolidar essa inclusão mesmo, é preciso conseguirmos vincular isso, dentro da sociedade. Eu não acredito que espontaneamente a nossa mídia, os veículos de comunicação venham conceder os espaços, porque os espaços são concedidos no momento que interessa, de maneira muito esporádica. Eu acho que nós não podemos depender disso, acho que nós devemos ter uma legislação específica pra isso”. Para os atletas brasileiros entrevistados um dos principais pontos a favor do desporto inclusivo é a possibilidade de uma maior divulgação e, por conseqüência, uma maior valorização da pessoa com deficiência. João, atleta do estado do Amazonas que integra a seleção brasileira de natação para cegos e deficientes visuais, opinou sobre esta questão, dizendo que, “enquanto as coisas estiverem sendo feitas separadas, eu acho que é uma forma de 76 discriminação. Eu acho que deveria ser ao mesmo tempo, realizadas juntas, porque daria um maior destaque para a gente. Você vê a Olimpíada, a imprensa está toda lá. Assim que acaba a Olimpíada, todo mundo vem embora e a Paraolimpíada fica esquecida. Você não vê um jornalismo a respeito da Paraolimpíada, então eu acho que difundiria muito mais”. Carlos, um outro atleta com passagem pela seleção Brasileira e tendo participado de uma Paraolimpíada, reforça o pensamento de João, afirmando que “a divulgação de uma Olimpíada é muito grande, quer dizer, você vai jogar na mídia uma questão que é uma realidade e, se você for examinar do ponto de vista do objetivo dos jogos olímpicos que era o amador no inicio, nós somos muito mais amadores do que os atletas normais”. Fabiana, a única nadadora cega a conquistar uma medalha em Paraolimpíadas, foi medalha de ouro nos 50 m Nado Livre na Paraolimpíada de Sidney/2000 e referiu que o desporto inclusivo é “uma boa coisa. Até pra em termos de divulgação até mesmo pra estimular as pessoas a nadarem melhor”. Já Dirceu, iniciante nas competições, disse-nos em um misto de euforia e brincadeira que, para ele “poderia ser legal. Nossa, todo mundo ia ficar conhecido! Não só os caras que já estão lá em cima, mas a gente que está aqui em baixo!” “Os caras que estão lá em cima” são os atletas com resultados expressivos e que fazem parte de seleções e competem no desporto convencional ou adaptado. São estes atletas que servem como exemplo e estímulo para que iniciantes, como Dirceu, busquem a prática desportiva. Para o Presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro12 não é o momento para se discutir a inclusão, mas de se fortalecer o movimento Paraolímpico, através da valorização dos atletas e da divulgação do desporto para pessoas com deficiência. Ele se pronunciou a respeito, afirmando que este é “um momento de afirmação do Desporto Paraolímpico. Então fazer coisas misturadas, não sei (...). Eu acho que seria desviar o foco (...). O Desporto Paraolímpico precisa se afirmar 12 O atual Presidente do Comitê Paraolímpico Brasileiro não é a mesma pessoa que participou da entrevista, pois as entrevistas foram realizadas ano de 2000. No entanto, esta pessoa continua militando em prol do desporto para pessoas com deficiência, e usufruindo de muito respeito e poder. 77 através da divulgação e quando isso acontecer, eu acho que tudo bem, aí a gente pode fazer atividades inclusivas, inclusive deles conosco”. A preocupação com a valorização da pessoa com deficiência através de uma maior divulgação dos jogos é um pensamento comum entre os dirigentes e atletas, no entanto as divergências surgem na forma e maneira como essa divulgação deve ser realizada. O Presidente do Comitê Paraolímpico baseia suas idéias de divulgação na vinculação da imagem vencedora da pessoa com deficiência, transformando-a em um ídolo para os demais deficientes, sejam eles praticantes ou não de esportes. Conforme ele afirma, “a gente precisa é do seguinte: pegar os atletas Paraolímpicos que são os nossos ícones e botá-los na vitrine. Quer dizer, o dia em que a gente mostrar o Paulo sem as duas pernas nem a mão, recordista do mundo, enfim todos os atletas, as famílias vão se sentir talvez menos presas a determinados conceitos e vão proporcionar a seus filhos atividades físicas. É daí que vai surgir a massificação, quer dizer é uma maior quantidade”. Há que se considerar que esta é uma forma perigosa de exposição, pois pode causar diversos sentimentos e interpretações, que transitam desde a valorização efetiva destas pessoas até o simples sentimento de pena e compaixão, o que, na visão dos atletas, pode levar a uma interpretação distorcida e equivocada do desporto para pessoas com deficiência. O Presidente ironizou a aparição de uma nova forma de se conceber este esporte, dizendo-nos: “olha só, a questão da inclusão, o que eu acho é que vira e mexe as pessoas encontram... um nome qualquer, né? Uma hora é pra denominar a pessoa portadora de deficiência, então muda para deficiente, para portador de deficiência, para portador de necessidade especial. Agora é esse assunto de inclusão. As pessoas falam muito em inclusão, inclusão, inclusão, inclusive alguns órgãos nacionais, que tratam das pessoas portadoras de deficiência, quer dizer, da política...” Mas ele é enfático em afirmar que o esporte é uma ótima ferramenta contra as desigualdades que assolam a sociedade, pois o “esporte ajuda, contribui muito, 78 porque com o esporte a gente pode desmistificar um pouco essa questão da menos valia”. O diretor técnico da ABDC e chefe da Delegação Brasileira Paraolímpica que participou das Paraolimpíadas de Sidney/2000 acha que é necessário uma maior compreensão do fenômeno da inclusão. Ele acha que a “conceituação de inclusão ainda carece de uma maior base de sustentação e de discussão para a gente ter claro o que é inclusão. Qual é a inclusão que nós queremos?” E sugere para que ocorra tal compreensão, que o esporte inclusivo seja analisado a partir de dois momentos: “um é o momento do portador de deficiência no esporte inclusivo e o outro, seria o momento do esporte como meio de inclusão”. Achamos que esta dificuldade que muitos professores de Educação Física têm de entender e conceituar a inclusão ocorre, como destacamos no Capítulo 2, dentre outros motivos, pela formação básica recebida nas graduações, que incentivam o trabalho segregado e distorcem o que realmente vem a ser uma sociedade inclusiva. Baseado no modelo de sociedade inclusiva que apresentamos durante todo o estudo, não podemos pensar no esporte como inclusão e o esporte inclusivo para pessoas com deficiência como momentos distintos, pois estaríamos negando princípios que norteiam este modelo de sociedade. O presidente licenciado da ABDC aborda a questão da inclusão referindo que “o esporte inclusivo deve ser analisado por dois aspectos: o primeiro é a da facilitação desse processo de inclusão da pessoa portadora de deficiência dentro das competições. Isso tem, obviamente, um fator positivo, que é inegável, mas da minha ótica, nós temos que observar o outro aspecto, que é o que estaria condenando os jogos para portadores de deficiência, os jogos Paraolímpicos, de uma forma contundente, porque quando você traz, inclui e consegue incluir os atletas dentro desse processo, você vai estar incluindo atletas que tem condição de ter uma performance bem elevada. Ao contrário, os atletas mais comprometidos, esses estariam irremediavelmente alijados do processo competitivo, porque não teriam espaço dentro desse processo como um todo”. 79 Estes dois aspectos levantados pelo presidente licenciado da ABDC se contrapõem, tanto do ponto de vista teórico como prático, pois ele próprio e também outros dirigentes, são enfáticos em dizer que os atletas paraolímpicos devem utilizar do processo de inclusão para atingir desempenhos melhores, principalmente no que diz respeito à modalidade natação disputada por cegos e deficientes visuais. Ele afirma que os “atletas estão utilizando a inclusão para alcançar uma performance melhor, para disputar os jogos específicos, as competições especificas porque nós temos que ter consciência. Nós temos que utilizar todos os métodos e recursos para melhorar o treinamento dos nossos atletas, sejam mais ou menos comprometidos. Mas nós não podemos abrir mão, jamais, das competições específicas”. Para o diretor técnico da ABDC e chefe da Delegação Brasileira na Paraolimpíada de Sidney/2000, os atletas têm reais possibilidades de disputar e de competir em condição de igualdade com outros atletas não deficientes, porque “com relação ao deficiente visual, com uma classificação por exemplo, S13, que tem um resíduo visual, permite a ele estar em condições de igualdade. Por exemplo, numa competição de cinqüenta metros, que nós sabemos que ela é decidida na saída, um deficiente visual leve, (S12/S13), não vai ter problema de desvio na raia. O que treinou o seu sistema de percepção auditiva para a saída, ele pode sair alguns centésimos de segundos mais rápido do que um não portador de deficiência visual e, com isso, ganhar uma prova de cinqüenta livre. É por isso que você vai ver que nas provas rápidas, eles vão estar sempre bem próximos”. Para este dirigente, a possibilidade de resultados tão próximos entre o desporto adaptado e desporto convencional, ocorre pela superação dos limites humanos. Ele destaca que “o problema é que nós estamos caminhando para achar até onde vai a potencialidade do portador de deficiência. Nós não sabemos. Estamos vendo os recordes olímpicos sendo quebrados todo dia, porque nós não sabemos qual é o máximo do limite do ser humano. Nós sabíamos até pouco tempo – ou achávamos que sabíamos – que o portador de deficiência podia chegar só até ali. Hoje nós vemos que um portador de deficiência amputado de duas pernas corre 100 metros em doze, em onze segundos, que uma cega corre 100 metros em onze, em doze segundos, uma cega total ! Então, qual é o limite? Nós não sabemos. De 80 repente, pode chegar nisso mesmo, em que uma cega total, com guia, pode correr tão bem quanto um não portador de deficiência”. Na Paraolímpiada de Sidney/2000, a equipe brasileira conquistou seis medalhas de ouro, sendo duas por uma atleta com deficiência física no atletismo. As outras quatro medalhas foram divididas entre atletas cegos, que participaram das competições de natação, atletismo e judô. Estes três atletas usufruíram e se beneficiaram, durante toda carreira esportiva ou grande parte dela, de treinamentos e competições dentro da ótica da inclusão. O talento individual de cada atleta somado a esta condição privilegiada de treinamento faz com que tenham uma performance diferenciada em relação aos demais atletas. Nas entrevistas realizadas com os nadadores ganhadores de medalhas de ouro, na Paraolimpíada de Sidney/2000, o que diagnosticamos é que somente a atleta da Inglaterra não realizava treinamentos com pessoas videntes, porém treinava em um centro de alta performance para pessoas com deficiência e participava de competições com videntes. Todos os demais atletas entrevistados estavam incluídos e faziam seus treinamentos e participavam de competições juntamente com atletas videntes. Quanto à esta possibilidade de participação conjunta, descreveram como sendo altamente positiva, pois propicia melhora em suas performances e traz um sentimento de igualdade. Tom, um atleta norte americano, quando perguntado sobre sua participação em competições, respondeu-nos que participava de ambas. “Eu nadei para meu time da faculdade, que era um time de pessoas não-deficientes; também para minha escola secundária e também representando os Estados Unidos, numa equipe regular de pessoas não-deficientes, competindo com nadadores não-deficientes. Adoro fazer isso, porque é bastante competitivo num nível local e isso pode me forçar a um bom desempenho em competições internacionais para deficientes”. Dani, uma atleta dos Estados Unidos, diz que também participa das duas formas de competição – o modelo segregado e o regular. “No ano passado, estive treinando com cegos, deficientes visuais e outras deficiências, mas depois do ano 81 passado, a equipe era toda de pessoas não deficientes, um time de faculdade, alguns em pós-graduação”. Esta atleta, em seu depoimento, relatou que sempre nadou, treinou e competiu com pessoas sem problemas de visão e que somente após anos no desporto convencional optou por competir em eventos adaptados para pessoas com problemas de visão. Ela disse que por “muitos anos é o que tenho feito. Eu não tinha estado nas Paraolimpíadas, até 1992. Eu gosto destes eventos, de nadar em ambos, eu acho que é importante para os atletas com deficiências experimentar ambos”. Sobre a mesma questão outros atletas também opinaram. Rebeca, atleta canadense, afirma que gosta de competir “com pessoas que podem enxergar, porque é desafiador para mim e eu não vejo por que não deveria competir com pessoas que podem enxergar”. Paul, um atleta australiano, participa principalmente de competições para pessoas não deficientes. “Elas constituíram a maioria das minhas competições agendadas no ano passado.Sim, Eu gostei... São competições mais freqüentes, são competições de nível elevado. Eu também gostei de estar com colegas do meu país. Ninguém percebeu que sou cego. Eu era só um outro nadador”. Rafaela, uma atleta espanhola, refere que “a unificação é uma forma de fazer o Desporto Paraolímpico ser o mais normal possível. Temos os mesmos direitos e treinamos como eles. Por que não ter as mesmas facilidades que todos? Somos iguais”. Apesar de terem possibilidades menores de vivenciar situações de inclusão no esporte, os atletas brasileiros demonstram que esta pode ser uma oportunidade para que eles possam se desenvolver tecnicamente e que a aproximação pode também valorizar as potencialidades da pessoa com deficiência. João, um atleta do Amazonas, pensa da seguinte maneira e “acha que é uma oportunidade de você mostrar ainda mais para as pessoas a sua capacidade. Sem contar que você vai ganhar ritmo de competição, quanto mais você competir melhor. Então, acho que é uma oportunidade de você evoluir mais ainda”. 82 Para Roberto, um atleta carioca, é “importante você participar com essas pessoas não portadoras de deficiência, até para mostrar para essas pessoas que as pessoas com deficiência também são capazes de competir de igual para igual”. Carlos, atleta do Rio de Janeiro, acredita que esta questão deve ser pensada pelo aspecto técnico e social, ou seja, “um aspecto técnico, na medida em que você nada com videntes, você necessariamente vai ter mais pessoas te observando, dando palpites, conversando com o teu técnico. O outro aspecto é o social, que é, logicamente, o da integração”. Francisco, um atleta de São Paulo, preocupa-se com a melhora técnica e acha “muito bom a integração na sociedade. Com certeza, o treinamento com pessoas de um nível melhor tende a melhorar o seu nível”. Fabiana, primeira e única atleta a conseguir uma medalha de ouro na natação em Paraolimpíadas, opinou dizendo: “eu acho legal, é um incentivo maior pra mim”. Além desta maior possibilidade de inclusão no esporte, há outras diferenças que podem fazer com que os atletas de outros países acabem conquistando melhores resultados em competições do que os nadadores brasileiros. Todos estes aspectos estão relacionados a quantidade e qualidade do treinamento. Ao compararmos os atletas que competiram no campeonato brasileiro de natação para cegos e deficientes visuais e os atletas, com a mesma deficiência, que participaram das Paraolimpíadas, verificamos que não há uma diferença significativa entre a faixa etária destes atletas. No entanto, os atletas que estavam acima dos 20 anos de idade, na Paraolimpíada de Sidney/ 2000, tinham entre seis a oito anos de treino a mais do que os atletas brasileiros da mesma faixa etária. Quanto ao tempo diário de treinamento, verificou-se que os atletas de outros países treinavam entre duas a seis horas diárias, ao passo que os atletas brasileiros treinavam de uma a quatro horas, ou seja, tinham duas horas a menos de treinamento por dia. Porém, a discrepância maior está no número de sessões de treinamento semanal realizadas desses dois grupos pesquisados. Os atletas brasileiros têm de uma a seis sessões de treino e os atletas de outros países têm de seis a onze sessões de treinamento. 83 Não queremos afirmar que somente a quantidade de horas de treino é um fator fundamental para um bom resultado nas competições de natação, mas um maior contato com a água parece dar mais qualidade ao treinamento dos nadadores cegos e deficientes visuais. O treinamento aproxima-se do padrão e dos princípios do treinamento esportivo utilizados na natação convencional e propicia uma maior fonte de informações sobre as características do ambiente, o que pode ser traduzido em um melhor direcionamento na raia, que é fator fundamental para que o atleta cego e com deficiência visual possam conseguir bons resultados nas provas. As medalhas da natação Brasileira em Campeonatos Mundiais e nas Paraolimpídas foram conquistadas por uma atleta cega total, que treinou e competiu durante toda a sua vida incluída no desporto regular. Isto nos faz crer que a inclusão no esporte é importante e que o treinamento de nossos atletas está defasado em relação aos países que conquistam melhores resultados nas grandes competições de natação para cegos e deficientes visuais, pois estas conquistas da atleta brasileira são devidas também ao fato de que ela se enquadra nos padrões internacionais e não nos padrões brasileiros de treinamento. Outro grupo favorável à inclusão é o grupo dos técnicos do desporto regular que entrevistamos nos Jogos Regionais e Abertos e os do desporto adaptado, ouvidos no Campeonato Brasileiro para Cegos e Deficientes Visuais. Todos mostraram – se entusiasmados e esperançosos quanto ao futuro do desporto inclusivo. O técnico da equipe do Amazonas, que trabalha somente com cegos e deficientes visuais, disse-nos que “todos os deficientes são capazes, basta você dar oportunidade para eles no tempo certo, na hora certa. Não existem barreiras, ainda mais para o deficiente visual e o cego, quanto mais ele participa de eventos entre os que se dizem “normais”, entre os videntes, melhor o seu desempenho, porque nesse momento eles vêem que também têm potencial e são capazes de vencer estas pessoas”. 84 Para os técnicos do desporto regular, há, contudo, que se adequar as regras das competições, o que favoreceria a participação de um número maior de atletas com deficiência. O técnico da cidade de São Caetano do Sul/SP tem a percepção de que “essa participação, esse espaço, já deveria ter sido aberto há mais tempo. Mas, para que ocorra uma melhor participação dos portadores de deficiência nas provas de natação, tanto nos jogos regionais, quanto nos jogos abertos, é necessário haver uma adequação melhor da regulamentação dessas provas, para atender às normas internacionais”. Esta transformação deve vir também do envolvimento dos técnicos e da inserção de todos e não só de algumas categorias de deficiência, diz o técnico da cidade de Paulínia/SP. Para ele, “o trabalho de inclusão das pessoas com deficiência deve ser praticado por mais técnicos de natação. Eu acho que também se deve trabalhar a inclusão de outras deficiências, não só os deficientes visuais, mas os deficientes auditivos e os deficientes mentais. A sociedade tem que acolher melhor essas pessoas, para que ocorra um maior desenvolvimento delas e também uma melhor aceitação de todos em relação a elas”. A abertura de um mercado de trabalho mais abrangente para o técnico de natação é um ponto também destacado na fala do técnico da cidade de São José dos Campos/SP. Ele disse que o “esporte inclusivo é um campo novo que está se abrindo, não só para os deficientes, mas para os profissionais que trabalham com os portadores de deficiência. Então eu vejo com bons olhos a inclusão, porque realmente é uma oportunidade que eles têm a mais de estar inseridos na sociedade normal, onde todos vivemos”. A adequação do espaço físico e algumas medidas de acessibilidade, na visão do técnico do município de Araraquara/SP possibilitariam que uma maior participação de atletas com deficiência ocorresse. Ele lembrou que o “que torna difícil para as cidades trazerem esses atletas, é o problema do alojamento, a dificuldade de locomoção dessas pessoas”. 85 O técnico da cidade de Jundiaí/SP ressaltou a importância do esporte na vida das pessoas com deficiência. Ele entende que “o esporte é um campo muito importante para o deficiente, para que ele possa se integrar cada vez mais à população, pois ele tem todas as possibilidades de participar de campeonatos de natação e de outras atividades”. Outro ponto de destaque no processo de inclusão e que é referido pelo técnico da cidade de Bauru/SP, e pelos atletas cegos e deficientes visuais, diz respeito ao aumento de oportunidades de competição. Para este técnico a participação de pessoas com deficiência é motivo de comemoração, tanto para os deficientes, quanto para os não deficientes. Ele vê o movimento de inclusão como um fenômeno “de grande importância para natação de uma maneira geral. Ele acha que isso é legal, porque se consegue uma competição a mais para o deficiente. Eles têm muita dificuldade para organizar competições”. Para o técnico da cidade de São Bernardo do Campo/SP temos a confirmação de que os direitos dos deficientes estão sendo respeitados, à medida que o discurso se transforma em ação. Ele entende que o “deficiente não pode ser segregado. Falase tanto em inclusão, mas só se fala, não se inclui ninguém. Então, eu acho que o esporte é uma coisa que não segrega, a gente tem que fazer as competições juntas, mostrar que eles são capazes e não ter dó dessas pessoas. Eles não precisam deste sentimento, eles necessitam de oportunidades pra mostrar que têm potencial”. O técnico de Sorocaba/SP reforça a idéia de inclusão, dizendo que a aceitação “da participação dos portadores de deficiência nos jogos regulares é a melhor possível. Eu acho que é uma maneira de integrá-los no desporto. Devemos integrar o paradesporto ao desporto competitivo”. Por outro, lado os dirigentes defendem a manutenção e a necessidade do Desporto Paraolímpico para aqueles que não apresentam performances tão significativas. Para que possamos compreender este embate de ideais e posicionamentos, é necessário destacar que existem dirigentes realmente preocupados com o desenvolvimento do desporto para os atletas com deficiência, mas há também 86 aqueles que usam e defendem um pensamento e um discurso meramente demagógicos que encobrem uma disputa por poder político. Na nossa opinião, esses dirigentes desejam usufruir das benesses e privilégios que a manutenção do desporto segregado pode trazer, ignorando o desejo daqueles que são os maiores interessados, ou seja, os atletas cegos e deficientes visuais. A busca pelo poder político acaba trazendo prejuízos aos atletas deficientes, como nos relata o diretor técnico da ABDC. Para ele o “órgão máximo que é o IPC, ele não tem uma política de inclusão. A Paraolimpíada não tem uma política de inclusão. A política do IPC é tirar o máximo da potencialidade de cada um dos deficientes”. Esta perspectiva de valorizar as qualidades dos atletas, potencializando suas habilidades, infelizmente, ocorre somente com aqueles que têm deficiências menos severas e para algumas deficiências, apenas. O que queremos explicitar e enfatizar é que a política que o IPC tem desenvolvido é a de valorizar somente aqueles atletas que estão muito próximos de um “conceito de normalidade”, ignorando ou esquecendo-se das pessoas com maior grau de comprometimento. O desinteresse pelos atletas mais comprometidos é evidente, quando se constata que as provas oferecidas para eles vêm sendo reduzidas drasticamente, como foi demonstrado na Tabela 11. A redução dessas provas e de algumas categoriais de deficiência é justificada por dois argumentos: 1. é necessário que se tenha um número maior de atletas de diversos países competindo no mundo; 2. estes atletas devem estabelecer marcas que satisfaçam o padrão de qualidade exigido pelo IPC. Eis aí uma grande contradição: os dirigentes defendem que o esporte inclusivo poderia afastar ou excluir das competições os atletas mais comprometidos, pois incluiriam somente aqueles atletas em condições de estabelecer performances 87 elevadas, próximas do “modelo de normalidade”. Tudo, isto vem ocorrendo dentro da própria Paraolimpíada. Para o diretor técnico da ABDC e chefe da delegação paraolímpica que participou dos jogos de Sidney/2000, “o que pode ocorrer é que o próprio sistema, faça a exclusão dessas pessoas. AÍ nós teremos problemas !” Ele diz ainda que “na concepção do desporto de rendimento paraolímpico, na concepção da Paraolimpíada, temos observado que as provas dos portadores de deficiência de classe baixa (deficiências mais severas) têm diminuído”. Esta filosofia do IPC acaba interferindo também na participação dos atletas cegos e deficientes visuais. O Presidente licenciado da ABDC refere-se a este assunto, dizendo que “na Paraolimpíada as provas na nossa área de deficientes visuais – na área de cegueira – as provas para S11 elas estão sendo reduzidas drasticamente em razão da performance que o Comitê Paraolímpico Internacional está adotando especificamente na modalidade natação. Então eu vejo isso como um perigo, com muito cuidado. Esta situação deve ser objeto de muito trabalho, de muita discussão em nível internacional, no IPC. Nós temos que trazer para o Brasil essa discussão. A gente vai ter que trabalhar muito para preservar o espaço para os atletas mais comprometidos”. O diretor técnico da ABDC e chefe da delegação paraolímpica que participou dos jogos de Sidney/2000, esclareceu esta questão, afirmando que “com relação aos cegos, é um problema político, é uma briga entre a IBSA e o IPC. Enquanto não se resolver esse impasse político entre a Associação Internacional de Cegos e o IPC, pode ocorrer isso, tanto é que o número de provas para deficientes visuais foi infinitamente inferior e realmente poderiam ser incluídas. A IBSA está brigando por isso, mas existe um problema de incompatibilidade política a ser resolvido e não sei até onde vai essa incompatibilidade. Logicamente quem sai prejudicado são os próprios deficientes, que não podem participar”. Ocorre que existe um choque entre as filosofias e objetivos de trabalho implementadas pela IBSA que é uma entidade que representa e organiza eventos exclusivamente para cegos e deficientes visuais e o IPC que é o órgão que congrega as principais associações esportivas para deficientes. 88 As das diferenças políticas estão relacionadas ao fato de os eventos do IPC estarem se tornando extremamente elitistas e protecionistas, defendendo a categoria dos deficientes físicos e as classes de deficiência com mais possibilidade de performances. Na Tabela 12 , foi demonstrado que o número de provas que são oferecidas aos atletas cegos e com deficiência visual nas Paraolimpíadas pelo IPC é muito inferior ao oferecido nos eventos da IBSA e que o número de provas oferecidas por esta entidade aproxima-se muito mais do programa olímpico, estipulado pela FINA. Ao analisarmos a Tabela 13, podemos apontar outros pontos que trazem dúvidas quanto à imparcialidade do IPC. O primeiro deles é que apesar do programa de provas dos nadadores cegos e deficientes visuais ser composto de sete provas, apenas uma dentre as três classes destinadas a estes atletas é realmente contemplada com a efetiva realização do programa. As demais classes sofrem uma redução quanto à possibilidade de participação. Outro ponto a se destacar é o da classe S13 (atletas com resíduo visual). Eles têm a possibilidade de participação em um número maior de provas do que os atletas da classe S11(cegos totais), mesmo sendo esta uma classe que agrega um número um maior de participantes. Estes fatos poderiam comprometer o destino das competições de natação organizadas pelo IPC, afastando definitivamente estes atletas deste esporte, dado que hoje o número de atletas participantes já é extremamente reduzido. Em resumo, a natação como desporto inclusivo para cegos e deficientes visuais acena como uma real possibilidade para os cegos que são excluídos do ambiente das Paraolimpíadas, mas também para os deficientes visuais, que não se sentem estimulados em competir nos eventos segregados. 89 CONCLUSÃO “ A democracia supõe e nutre a diversidade dos interesses, assim como a diversidade de idéias. O respeito à diversidade significa que a democracia não pode ser identificada com a ditadura da maioria sobre as minorias: deve comportar o direito das minorias e dos contestadores à existência e à expressão, e deve permitir a expressão das idéias heréticas e desviantes. Do mesmo modo que é preciso proteger a diversidade das espécies para salvaguardar a biosfera, é preciso proteger a diversidade de idéias e opiniões” (MORIN, 2001,p.108). A experiência profissional que adquirimos ao longo de anos de trabalho com a natação para cegos e os resultados esportivos conseguidos junto a este grupo de pessoas nos instigou a realizar este estudo. Face à realidade vivida, durante todo este caminhar profissional, procuramos compreender, agora não mais de forma empírica, mas sim sistematizada, quais eram as interfaces existentes entre a natação como desporto de rendimento de cegos e deficientes visuais e a idéia de sociedade inclusiva. Tentamos neste estudo detectar as implicações e impactos deste processo sobre este ambiente esportivo. Não foi intenção deste trabalho, portanto, discutir ou identificar se o desporto segregado é melhor ou mais adequado para os cegos e deficientes visuais que o desporto inclusivo e vice-versa. Quisemos propiciar uma visão atual e crítica do que ocorre no universo desportivo de rendimento das pessoas com cegueira e deficiência visual praticantes da natação competitiva. A realidade demonstrada aqui nada mais é do que um recorte, o retrato de um momento retirado à frente de um espelho, para que possamos refletir e nos ver participantes destas transformações. 90 Somos parte integrante do movimento de cegos no Brasil, pois coordenamos a natação de cegos e deficientes visuais em âmbito nacional. O foco desta pesquisa, é, pois, de um participante e não de um transeunte, que sobrevoa e lança seu olhar temporariamente sobre um dado contexto. O retrato retirado nos mostrou que os envolvidos neste espetáculo, que é o desporto de rendimento para pessoas com cegueira e deficiência visual, estão receptivos à idéia de um desporto inclusivo, mesmo porque muitos já estão inseridos neste contexto esportivo. Infelizmente, grande parte dos que se beneficiam dessa possibilidade de esporte identificada em nosso estudo são atletas de outros países, que em suas sociedades já avançaram na discussão do direito à diferença na igualdade dos direitos. Esta possibilidade de desporto para os cegos e os deficientes visuais, baseada na perspectiva de uma sociedade aberta às diferenças e que valoriza e respeita a diversidade, parece, para alguns dos entrevistados, ainda algo distante e inovador. A construção desta sociedade moderna, que dá direito a oportunidades iguais e igualitárias para todos, da qual o desporto também faz parte, está, como vimos, expressa em normas, determinações e leis nacionais e internacionais. O que verificamos em nosso estudo é que, lamentavelmente, em nosso país estes preceitos legais são descumpridos, dificultando o acesso aos bens sociais e à possibilidade de inserção do cego e do deficiente visual no esporte regular. A escola e os demais locais públicos que deveriam e poderiam propiciar a prática da atividade física e esportiva no ambiente regular, acabam descumprindo ou ignorando este direito de acesso, que deveria ocorrer independentemente das característica do aluno. Os fatores levantados, que nos parecem prioritários para o entendimento desta questão são: • a acessibilidade física: • e a formação do professor de Educação Física. 91 O primeiro, seria facilmente resolvido, caso as leis urbanísticas, que estabelecem normas de construção em logradouros públicos, fossem cumpridas. Pois o acesso a estes locais é um direito e o seu descumprimento fere a Constituição Federal. O segundo fator, que diz respeito a formação profissional, requer uma série de discussões acadêmicas, pois há uma certa confusão, quanto ao verdadeiro papel das disciplinas do curso de Educação Física, que abordam o tema atividade física e pessoas com deficiência. Seus conteúdos acabam formando profissionais com uma preparação e visão segregradora de esporte, como foram apontados no Capítulo I. O direito de acesso à prática da atividade física por pessoas com deficiência, é comumente negado nas escolas e nos locais públicos, o que acaba por impedir um caminho para o ingresso dessas pessoas no universo desportivo. Estas situações, já apontadas inicialmente em nosso trabalho, serviram para compreender e contextualizar a problemática do esporte para pessoas com deficiência, uma vez que a compreensão do desporto de cegos e deficientes visuais não ocorre desassociada deste panorama geral. Esperamos, então, que o discurso favorável à inclusão de pessoas cegas e com deficiência visual no desporto regular, detectado nos depoimentos dos técnicos, dos atletas e daqueles que trabalham com atletas videntes, possam transpor a barreira do discurso, efetivando-se como uma prática rotineira, no desporto de rendimento. A utilização do esporte como veículo para a inserção e valorização das pessoas cegas e com deficiência visual na sociedade é um consenso entre os entrevistados, como pudemos constatar, na nossa investigação. Contudo, nossas análises explicitaram uma contradição quanto à maneira de se desenvolver esse processo de inserção e valorização, através do esporte. Os dirigentes optam pelo fortalecimento do desporto segregado, que, na visão deles, garantiria acesso à todas as pessoas com deficiência que desejam participar de atividades esportivas competitivas. Isto, segundo esses dirigentes, propiciaria ao deficiente uma imagem de sucesso, e traria, em conseqüência, mudanças de atitude da sociedade, diante 92 dessas pessoas, fazendo com que fossem mais respeitadas, tendo assim seus direitos atendidos. Outro argumento utilizado em defesa do desporto segregado é o fato de os dirigentes acreditarem que a opção pelo desporto inclusivo eliminaria a participação dos atletas com maior comprometimento das competições. Na contramão desta posição, como vimos na análise, estão os próprios deficientes, que acreditam que o desporto inclusivo pode trazer todos estes benefícios de uma forma mais ampla, real e consistente, pelo fato de estarem se colocando como pessoas iguais, que são providas de qualidades e defeitos. Outro fato detectado no estudo e que se contrapõe à argumentação utilizada pelos dirigentes, é a realidade da Paraolimpíada, que, segundo os próprios dirigentes, é movida por políticas elitistas e protecionistas, que acabariam por eliminar a participação das competições dos deficientes com maior grau de comprometimento, em função da política de qualidade imposta pelo IPC, que tem base no nível de normalidade dos atletas. Sendo que os cegos e deficientes visuais, tem sido prejudicados ainda mais por desavenças políticas entre as entidades que organizam estas competições. Todos os dirigentes em seus depoimentos, uns de forma mais veemente, outros de forma mais ponderada, acreditam que o desporto inclusivo, ou seja, os treinamentos e as competições realizadas com pessoas videntes, podem trazer um melhor desempenho, em confrontos esportivos como os realizados nas Paraolimpíadas. Ficou evidente que os atletas que desejam competir e ser vitoriosos na competição de natação nas Paraolimpíadas, devem participar do desporto inclusivo. Pois aqueles que se sagraram vitoriosos, estão inseridos no desporto regular. A que se destacar, que a única atleta cega brasileira medalhista, tem também em seu histórico esportivo esta vivência no desporto regular. Diante disso, e do inegável desequilíbrio entre a qualidade e quantidade de treinamentos dos atletas brasileiros, comparados aos atletas de outros países, é que sugerimos que as políticas de fomento da natação para cegos e deficientes visuais no Brasil sejam revistas. Procurando primeiramente garantir a possibilidade de 93 acesso ao esporte regular, o que daria o direito ao atleta de escolha entre estar no desporto regular ou segregrado, fato que não ocorre hoje, pois os atletas nacionais são encaminhados diretamente ao desporto segregado. Eles não tem opção, no momento. Se querem competir, precisam se submeter às regras da segregação, impostas pelos órgãos nacionais e internacionais E, num segundo momento, dando realmente condições de treinamento aos atletas que partam do conceito de desporto de rendimento, uma vez que pudemos constatar que há uma distorção desde conceito, pelos atletas cegos e deficientes visuais e seus técnicos. Esta distorção e a incompreensão sobre as necessidades reais de treinamento, impostas àqueles que desejam atingir performances expressivas no desporto de competição, afasta-os da possibilidade de vitória, pois realizam um desporto de participação, acreditando ser um desporto de rendimento! A aproximação entre estes dois universos desportivos, o Paraolímpico e o Olímpico, talvez trouxesse uma correção destes desvios de compreensão e de atuação, fazendo com que caminhássemos no sentido de buscar e de quebrar limites para o desporto de pessoas cegas e deficientes visuais. A que se analisar, as razões desta contraposição dos dirigentes ao desporto inclusivo, procuramos saber quais são os benefícios do desporto segregado. E quem são verdadeiramente os beneficiados deste esporte, que se apóia numa visão de ambiente menos restritivo e de discriminação positiva. Em nossas entrevistas os atletas disseram que gostariam de ver o desporto inclusivo se desenvolver, para que pudessem usufruir de todos os seus benefícios. No entanto, quando questionados sobre a possibilidade de união das provas de natação das Paraolimpíadas com as da Olimpíadas, muitos disseram que isto seria algo inviável, impossível de ser concretizado. Um dos principais argumentos desses atletas é o fato de a junção dos eventos tomar proporções muito grandes, dificultando a sua realização e afastando o interesse da mídia, em especial, pela competição. Pensamos exatamente o contrário, por experiência em competições regionais e nacionais que organizamos. 94 A inserção de provas adaptadas nos Jogos Regionais e Abertos do Interior e a receptividade pelos os envolvidos, leva-nos a crer que este pode ser o encaminhamento natural para que ocorra a quebra de barreiras entre estes universos distintos de desporto. Cerca de 10.000 pessoas participaram dos Jogos Abertos do Interior no ano de 2002, nas Olimpíadas de Sidney/2000 cerca de 8.000 e nas Paraolimpíadas de Sidney/2000 em torno de 4000. Só por estes dados numéricos podemos acreditar na possibilidade da junção da Olimpíada com a Paraolimpíada. Outro problema levantado por alguns atletas e defendido pelos dirigentes é que o atleta cego e com deficiência visual, pela própria característica da deficiência levaria desvantagens, ao competir com pessoas com visão “normal”. Esta é uma questão que requer um estudo mais aprofundado da limitação real daqueles que têm problemas visuais e competem em provas de natação. Devemos ter cuidado ao afirmar que todos levam desvantagens significativas. Há que se considerar as diversas patologias e acidentes que causam a cegueira e a deficiência visual e também as limitações no ato de utilizar a visão. Há pessoas que enxergam pouco, mas utilizam bem o seu resíduo visual. Há que se questionar a maneira utilizada para classificar estes atletas que têm limitações visuais nas competições de natação, uma vez que as avaliações são baseadas ainda em um modelo clínico e não funcional. Esta é a proposta de um novo trabalho que futuramente pretendemos realizar. Finalmente, concluímos que há uma real contribuição da inclusão no desporto de rendimento de pessoas com cegueira e deficiência visual, que praticam a natação competitiva e que as implicações advindas desta relação são positivas tanto no âmbito esportivo, mas, sobretudo, no social, tendo em vista que esta é tendência atual na sociedade e nas políticas públicas. Diante disto, na nossa opinião não é mais possível negar a inclusão na natação competitiva para cegos e deficientes visuais e temos, pois, de prosseguir no sentido de lutar por políticas públicas que garantam essa possibilidade. 95 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, J. J. G. de. 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