Ecologia da paisagem e cenários para conservação da avifauna na

Transcrição

Ecologia da paisagem e cenários para conservação da avifauna na
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS BIOLÓGICAS
DEPARTMENTO DE ECOLOGIA
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECOLOGIA
Ecologia da paisagem e cenários para conservação da avifauna na região do
Parque Nacional das Emas, GO.
MARCELO GONÇALVES DE LIMA
Orientador: Prof. Roberto Brandão Cavalcanti, PhD
Tese apresentada junto ao Curso de
pós-graduação em Ecologia como
um dos requisitos para a obtenção
do título de Doutor em Ecologia
Brasília-DF
2003
Trabalho realizado junto ao Departamento de Ecologia do Instituto de Ciências
Biológicas da Universidade de Brasília, sob orientação do Prof. Roberto Brandão
Cavalcanti, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor no curso de
Pós-Graduação em Ecologia da Universidade de Brasília.
Data de defesa: 30 de outubro de 2003
Aprovado por:
Banca examinadora:
Prof. Roberto Brandão Cavalcanti, Ph.D (Orientador)
Prof. Jean Paul Metzger, Ph.D (Membro da banca examinadora)
Dr. Ricardo Bonfim Machado (Membro da banca examinadora)
Prof. Cláudio Pádua-Valadares (Membro da banca examinadora)
Prof. Dr. Jader Marinho-Filho (Membro da banca examinadora)
Prof. Guarino Rinaldi Colli (Membro da banca examinadora, suplente)
Dr. Mario Barroso Ramos-Neto (Membro da banca examinadora, suplente)
A meus pais, Vilneyde e Clausius, e minha irmã Simone
que sempre me apoiaram.
A Bruno, primo, cunhado e acima de tudo irmão.
A Diogo e Cecília pela oportunidade de me manter jovem.
E a Bárbara, companheira desta e de outras vidas.
Aos amigos in memoriam que estão comigo no coração e em espírito:
Eugênio da Costa e Silva
Marcelo Bagno
"Interesting"
Spock
"Sounds like a plan"
MacKenzie Calhoun
"E se estiver tudo errado??"
Mafalda
Índice
Resumo...........................................................................................................................i
Abstract........................................................................................................................iii
Prefácio Cerrado: bioma esquecido............................................................................v
Capítulo 1. Distribuição da Avifauna em paisagens do cerrado.
Introdução.......................................................................................................................1
Métodos..........................................................................................................................4
Área de estudo....................................................................................................4
Desenho experimental........................................................................................5
Censo..................................................................................................................5
Análise................................................................................................................6
Padrão da comunidade............................................................................6
Análise de Variância - ANOVA.............................................................7
Ordenação...............................................................................................7
Resultados......................................................................................................................7
Padrão da comunidade........................................................................................8
ANOVA..............................................................................................................8
Ordenação...........................................................................................................9
Discussão......................................................................................................................11
Conclusões....................................................................................................................21
Bibliografia...................................................................................................................23
Anexo 1 Tabelas...........................................................................................................28
Anexo 2 Figuras...........................................................................................................37
Capítulo 2. Fragmentação, conectividade e a abundância de aves na região do
Parque Nacional das Emas.
Introdução.....................................................................................................................50
Métodos........................................................................................................................52
Análise da paisagem.........................................................................................53
Análise de habitat na paisagem........................................................................54
Resultados....................................................................................................................55
Análise da paisagem.........................................................................................56
Análise multivariada do habitat e abundância..................................................56
Discussão e Conclusão.................................................................................................59
Bibliografia...................................................................................................................62
Anexo 1 Tabelas...........................................................................................................64
Anexo 2 Figuras...........................................................................................................70
Capítulo 3 Valor de Conservação da Região do Parque Nacional das Emas para
a avifauna do Cerrado.
Introdução.....................................................................................................................81
Métodos........................................................................................................................83
Resultados....................................................................................................................85
Equações logísticas de probabilidade...............................................................85
Mapas de HS e índices de paisagem.................................................................86
Mapa de Valor de Conservação........................................................................88
Discussão......................................................................................................................88
Conclusão.....................................................................................................................92
Bibliografia...................................................................................................................94
Anexo 1 Tabelas...........................................................................................................98
Anexo 2 Figuras.........................................................................................................100
Conclusões gerais......................................................................................................114
Agradecimentos
Às pessoas
Agradecer, depois de tanto trabalho e com tantas pessoas envolvidas, é difícil, porque
você não lembra de todas e acaba por esquecer alguém. Então, peço desculpas
antecipadamente a quem esqueci. Mas vamos lá com a extensa lista.
A meus pais, Vilneyde e Clausius por todo apoio nesta longuíssima vida de
aprendizado acadêmico (põe longa nisso). Toda a paciência e toda a estrutura que me
deram para completar mais este trabalho.
À minha irmã Simone e ao irmão Bruno que seguraram a barra nas horas mais difíceis
que tive nestes últimos anos e pelos momentos de discussão sobre temas variados que
sempre ajudaram a descontrair. E, desculpa aí, alguém tinha que terminar primeiro..
A minha companheira Bárbara, pela ajuda e paciência. E principalmente pelos
momentos de ternura que compartilhamos nestes três anos.
Ao Diogo e à Cecília também agradeço os momentos de descontração e a alegria de
vê- los crescer e arengar comigo.
À extensão familiar dos Saraiva, agradeço toda a vibração que me passam. São parte
deste trabalho também.
Agradeço imensamente ao Roberto a chance de trabalhar com ele, um dos
responsáveis pela esta minha vida acadêmica, e também por toda a ajuda que me deu
para fazer o trabalho de campo. Espero que você não tenha queimado um cartucho a
toa !
Ao Pacheco agradeço a paciência e as ótimas idéias e soluções aos problemas da tese.
Aos professores Hay, Guarino, Jean Paul e Raimundinho obrigado pela ajuda e
sugestões.
Durante o trabalho de campo, duas pessoas se sobressaíram como companheiros. O
Leandro Baumgarten esteve presente em quase todos os momentos e foi companhia
inestimável. Agradeço muito a ajuda dele, principalmente, nos momentos difíceis de
trabalhar em condições adversas no Parque Nacional das Emas. A outra pessoa é a
Paula Hannah, ou pesquisadora Havana, que, junto com o pesquisador Baumgarten e
eu, formou uma trinca de muita diversão, conversa e trabalho juntos. Muito obrigado
a vocês dois.
O Mario Barroso abriu a sua casa para mim e foi companheiro dos altos e baixos
momentos. Muito obrigado Mario. E também agradeço à Cynthia e às crianças.
Os "filhos" do Mário Barroso também foram ótima companhia, tanto no campo
quanto em Mineiros: Renaton, Nasdaq e Demers. Falou povo.
Ainda no campo gostaria de agradecer ao Iubatã e suas Elaenias, ao Marquinhos Roca
Lima, ao Roberto Roberval e à Keiko pela ajuda no campo.
Durante o trabalho de campo, pude dividir o "alojamento de múltiplo uso" com muitas
pessoas legais. A Fabiana foi ótima e animada moradora de lá. Valeu capa gato! A
equipe de tamanduás era enorme e a convivência muito boa: Fernanda, Guilherme,
Pablo, Andréa e demais.
No lado predador da estória, estão os amigos "Coronel" Leandro Silveira e Anah
Jacomo. Muito obrigado a vocês pela ajuda, conselhos e churrascos!! Bigata e
Marcolino, comandantes do baixo clero da tropa, propiciaram divertidos momentos.
Não vou conseguir lembrar de todos que passaram no projeto, mas mando um forte
abraço a Cláudia "Mulher Maravilha", Samuel, "Edmundo" entre outros.
Na sede do PNE, o Farias, Cátia, e Anas e o Edmar Goiano, Adriana, Gabriela,
Graziela e neném.
É muito importante agradecer aos proprietários das fazendas que "invadi". Eduardo
Peixoto, Edo Peixoto, Robertinho Garcia, Nadir Garcia, Paulo Garcia, Maria Amélia
Garcia.
Chapadão do Céu foi muito receptiva, me acolhendo de braços abertos. Lá deixei
muitos conhecidos e arrisco dizer alguns amigos. O Ronaldo da Mecânica Chapadão
do Céu, que obviamente adorava meu Niva, mas também foi amigo e competente no
trabalho. O Cláudio e Mara do Supermercado Corbari, onde comprei e vendi muito
gado tomando um chimarrão sempre novo. Na Pousada Santa Amélia, agradeço à
Nadir pela recepção e amizade e à Marineide pela companhia. O Eduardo e a Maggy
me ajudara muito no trabalho.
Na UnB, são uns tantos também a agradecer. Agradeço aos colegas da Ecologia e da
Pequi pelas conversas e festas: Bia, Alemão, Andrei, Dayani, Marina, Marcelo Van
Dami, Xandão, Daniel, André Lima, Mariana, Thuca, Mozzer, Dani, entre tantos
outros.
Agradeço também ao Chicão e ao Lindomar pela ajuda e companhia no Lab. de
Biologia Teórica. Ao Mestre Waldenor, agradeço por incentivar o nosso trabalho no
lab.
O povo da secretária da Ecologia, Fabiana, Herbert, Hugo e também à amiga Nara da
Biologia Animal, muito obrigado pela a ajuda.
Na CI, agradeço muito ao Paulo Gustavo por toda força que ele deu ao meu trabalho
bem como ao "staff" da CI BR: Reinaldo, Mônica, Érika, Teti, Eduardo, Luis Paulo,
Ivonilde, Carlinhos, Alexandre, Mariza e Claudia.
Agradeço à Tracy van Holt pelo emp réstimo do equipamento, que foi muito
importante para desenvolver o trabalho.
Às Instituições
Recebi inúmeros apoios financeiros e agradeço muito a todas.
Durante o doutorado, recebi uma bolsa do Conselho Nacional de Pesquisa – CNPq.
Este trabalho não teria sido feito sem a ajuda da Conservation International do Brasil.
Via CI, consegui o apoio da Anhauseur-Bush (agradecimentos especiais a Julie
Scardine).
Agradeço o apoio financeiro da WWF-Brasil.
Recebi apoio também da PEQUI – Pesquisa e Conservação do Cerrado.
O Projeto Águia Cinzenta gentilmente emprestou uma L 200 na fase final de campo.
À Fundação Emas pelo apoio.
À Oréades pela ajuda inestimável.
Esta tese não teria sido realizada sem o apoio financeiro da FUNGLAP (Fundação
Gonçalves de Lima de Amparo a Pesquisa).
Ao material permanente
Nós esquecemos muito a importância deste. Vale agradecer!
Ao Lada Niva, companheiro de 6 anos de campo.
Ao lap top Toshiba que agüentou uma pauleira.
RESUMO
O cerrado é um dos "hotspots" de biodiversidade global, áreas de
biodiversidade extremamente alta e também severamente transformadas pela ação
humana. Originalmente ocupando 22% do território brasileiro, ou cerca de 2 milhões
de km2 , a extensão atual da vegetação original do bioma é de aproximadamente 20%,
com 6% em áreas protegidas. O bioma cerrado possui tanto ambientes abertos, como
campos e savanas, como também matas secas e matas-de-galeria. Muitas espécies
ocorrem através de uma amplitude de habitats e ecótonos, sugerindo que elas podem
se adaptar a transformações, em nível da paisagem, resultantes da ocupação humana.
O objetivo desta tese foi analisar as relações entre a ocorrência de espécies
avifauna e as características da paisagem na região do Parque Nacional das Emas, e
para propor modelos de planejamento de conservação, para a manutenção da
diversidade de espécies em uma matriz de paisagem agrícola.
Os dados da avifauna foram coletados em doze áreas, seis dentro do Parque e
seis dentro de fazendas na região, que foram subdivididos em dois tipos: cerrado
adjacente à mata-de-galeria e cerrado isolado. Cada área foi amostrada nove vezes
entre julho-setembro de 2002 e janeiro- março de 2003. Foram usados transectos com
500 m de comprimento e 50 m de largura. Dados da paisagem foram obtidos de duas
imagens Landsat 7 ETM, adquiridas em 2002, e classificadas usando procedimentos
não supervisionados e o conhecimento do observador sobre a região.
Observamos 961 indivíduos de 63 espécies. Não foi encontrada nenhuma
associação significativa entre a composição total de espécies e as áreas amostrais,
com relação ao local dentro ou fora do parque ou em matas-de-galeria na vizinhança.
Uma análise sem as espécies dependentes de formações florestais, entretanto, mostrou
relações significativas entre as áreas e as espécies, sugerindo que a presença de matasde-galeria influencia a abundância de espécies de ambientes abertos.
Uma área de 1,5 milhões de hectares com o Parque como núcleo apresentou
40% de cobertura vegetal natural, sendo 14,7% de campo aberto, 16,5% de cerrado, e
7,9% de formações florestais. O Parque é por si só 8,9% da região, e suas áreas
naturais correspondem a 22,9% do total da paisagem estudada. Nós testamos a
associação entre a composição da comunidade de aves e cinco índices de paisagem
nas áreas amo strais: número de manchas, contágio, agregação, divisão e a diversidade
de Shannon. Foi encontrada uma associação significativa entre a comunidade de aves
e as paisagens. Os índices de contágio e diversidade explicaram a maior parte da
variância. Estes são indicadores de densidade de borda na paisagem e da média de
tamanho de manchas ponderado por área.
Classificamos a paisagem em termos de valor de conservação para cinco
espécies
endêmicas
do
cerrado: Saltator
atricollis,
Neothraupis
fasciata,
Melanopareia torquata, Cypsnagra hirundinacea e Cyanocorax cristatellus. Esta
análise combinou as abundâncias registradas em cada sítio com a composição da
paisagem da área. Apesar de não haver muita consistência entre os mapas de valor de
conservação regionais para todas as espécies, a classe de habitat cerrado
proporcionou, no geral, o melhor preditor de adequação para conservação.
Adicionalmente, áreas ao longo de cursos d'água também tiveram valores de
conservação consistentemente altos, corroborando com a idéia do uso e expansão dos
regulamentos dentro do Código Florestal, que protegem as matas-de-galeria e habitats
ripários, como ferramentas para a conservação.
ABSTRACT
The cerrado is one of the global biodiversity hotspots, areas of extremely high
biodiversity and also largely transformed by human action. Originally occupying over
22% of Brazil´s territory or circa 2 million sq. km, the extent of natural vegetation in
the biome is approximately 20%, with 6% in protected areas. The cerrado biome
comprises both open habitats such as grasslands and savannas as well as dry forests
and gallery forests. Many species occur across a range of habitats and ecotones,
suggesting that they may be able to adapt to landscape scale transformations resulting
from human occupation.
The objective of this thesis was to analyze the relations between avian species
occurences and the landscape characteristics in the region of Emas National Park, and
to propose models of conservation planning for maintenance of species diversity in an
agricultural landscape matrix.
Avian data was collected at twelve cerrado sites, six within the Park and six in
farms outside, which were further subdivided into two types: cerrado adjoining
gallery forest and isolated cerrado. Each site was surveyed nine times between julyseptember 2002 and january- march 2003. I used 500 m transects with 25m on each
side. Landscape data was obtained from four Landsat 7 satellite images acquired in
2002 and classified using automated procedures and the observer´s knowledge of the
area.
We recorded 961 individuals of 63 bird species. There was no significant
association between total species composition and sites with respect to location inside
or outside the park or neighboring gallery forest.
An analysis without forest-
dependent birds however showed significant associations between sites and species,
suggesting that the presence of gallery forests influences the abundance of species of
open habitats.
A 1.5 million hectare area with the Park at the core had approximately 40% in
natural vegetation cover, of which 14.7% are grasslands, 16.5% in cerrado, and 7.9%
forests. The Park itself is 8.9% of the region and its natural areas 22.9% of the class
total. We tested the association between avian community composition and five
landscape indices around the study sites: number of cerrado fragments, contagion,
aggregation, division, and Shannon´s diversity. There was significant association
between bird communities and landscapes. Contagion and division indices explained
a large part of the variance. These are indicators of edge density in the landscape and
area-weighted mean patch size.
We classified the landscape in terms of conservation value for five endemic
species: Saltator atricollis, Neothraupis fasciata, Melanopareia torquata, Cypsnagra
hirundinacea and Cyanocorax cristatellus. This analysis combined abundances
recorded at each site with the landscape composition of the area. Although there was
little consistency between the regional conservation value maps for all species, the
cerrado habitat class provided the best predictor of conservation adequacy overall.
Additionally, areas along watercourses have consistently high conservation values,
supporting the use and expansion of the existing Forestry Code regulations that
protect gallery forests and riparian habitats as conservation tools.
PREFÁCIO
Cerrado: Bioma esquecido. *
Marginalizado à condição de "primo pobre" das exuberantes florestas
neotropicais, o Cerrado brasileiro, aos poucos, vai ocupando a agenda de
ambientalistas, como na ocasião da audiência pública no Senado Federal ocorrida em
maio último sobre a nova proposta de Código Florestal apresentada pelo Deputado
Micheletto (PMDB-PR). Um ruidoso grupo de estudantes da Universidade de
Brasília, convocado pelos centros acadêmicos de Biologia e Engenharia Florestal e
armado de balões verdes e muita motivação, mostrou sua preocupação com a proposta
de um código florestal ruralista. Em especial, os estudantes se manifestaram contra a
destruição do cerrado, que é o bioma brasileiro mais ameaçado no momento.
De acordo com artigo "Conserving biodiversity hotspots" (Nature, 24 de
fevereiro, 2000) a área original com vegetação primária ocupada pelo Cerrado era de
1.783.200 km2 . Hoje restam cerca de 356.630 km2 , ou seja, apenas 20% da cobertura
primária original! Infelizmente, esta é uma das razões que colocam o Cerrado como
uma área prioritária ou "hotspot" para conservação. A outra razão decorre da sua
imensa biodiversidade e grande quantidade de espécies endêmicas, aque las que só
ocorrem neste bioma. Em termos nacionais, o Cerrado é o segundo no "ranking" em
número de espécies, perdendo só para a Amazônia. Se comparado às outras savanas
no mundo, o Cerrado ocupa a liderança em termos de biodiversidade. Estima-se, por
exemplo, que existam mais de 800 espécies de aves no bioma, e que das 10.000
espécies de plantas, cerca de 4.000 sejam endêmicas. A realidade é que o Cerrado,
como "hotspot" de conservação, apresenta uma grande concentração de espécies
endêmicas que estão correndo o risco de serem extintas devido à excepcional perda de
habitat.
Apesar da ocupação do Cerrado começar no século XVIII com a exploração de
ouro e pedras preciosas, o uso e destruição da cobertura vegetal primária inicia-se
com a construção da nova capital nos anos 50 e com o incentivo agrícola aliado às
novas técnicas e mecanização do cultivo que permitiram a substituição dos campos
cerrados por uma paisagem de monoculturas, principalmente de soja. Entre os anos 60
e 80 o Cerrado é considerado não só como uma fronteira agrícola, mas também como
uma alternativa ao desmatamento da Amazônia.. Outrora visto como pobre em
nutrientes e de difícil manejo, novas técnicas agrícolas, desenvolvidas principalmente
pela Embrapa, permitiram a utilização dos solos para plantio de grão. Com o objetivo
de alcançar uma produção competitiva com o mercado internacional e visando
principalmente o aumento das exportações, o uso do que resta do cerrado é hoje
defendido não só pelo segmento ruralista, mas também, por vários órgãos do Governo
Federal. O uso do Cerrado para pecuária extensiva também contribuiu em muito para
a degradação do bioma. A prática mais comum é a de queima e corte das áreas para
criação de pastos. A queima aos poucos vai esgotando o solo e as árvores restantes
são deixadas apenas para oferecer sombra ao gado.
A substituição da cobertura original por campos agropecuários leva não só à
destruição do ambiente e à extinção local de espécies, mas, também, dá início ao
processo de fragmentação. É possível ve r a olho nu, manchas de matas secas ou
cerrados propriamente ditos espalhados dentro de uma paisagem repleta de plantações
ou pastos. Da mesma forma, na proximidade dos centros urbanos, fragmentos de mata
encontram-se imersos em um mar de condomínios habitacionais. O arcaico Código
Florestal brasileiro de 1967, ao determinar as áreas mínimas de proteção permanente
(APP), não levou em consideração a manutenção dos processos ecológicos e permitiu
o estabelecimento das áreas sem um planejamento prévio. A conectividade ou
permeabilidade natural das áreas protegidas não foi respeitada e criaram-se
verdadeiras ilhas isoladas de vegetação nativas inseridas em áreas alteradas. Muitas
espécies, por serem incapazes de circular em ambientes antropizados, ficam restritas
às áreas naturais. As populações isoladas podem sofrer um processo de depressão
endogâmica, no qual genes deletérios sobressaem devido à reprodução intrapopulacional. A saída para evitar os problemas decorrentes da fragmentação é manter
o máximo da integridade, conectividade e representatividade dos ambientes naturais.
A manutenção de corredores de biodiversidade ligados a grandes mosaicos de áreas
protegidas pode ser uma solução, desde que envolvam estudos de fluxo de fauna e
levantamentos de biodiversidade.
Infelizmente, muitas propostas de criação de corredores ou de áreas de
proteção ambiental não saem do papel timbrado, não passam de propaganda política
ou simplesmente não possuem nenhum embasamento científico. É notável que
durante a semana do meio ambiente ou dia da árvore inúmeras iniciativas próambientais sejam anunciadas e implementadas a toque de caixa. O resultado é que os
processos de criação de áreas de proteção, como a consulta à população local e os
estudos de fauna e flora, são atropelados. As conseqüências são desastrosas e custosas
ao poder público, a exemplo de desapropriações milionárias e da remoção de
comunidades tradicionais.
A nova fronteira agrícola no sul do Piauí e do Maranhão e a leste do Estado do
Tocantins se desenvolve exatamente na maior área de cerrado ainda intacto no país,
ou seja, naqueles 20 % restantes. O desafio agora é evitar a destruição a que foram
sujeitas outras regiões de ocorrência de cerrado. As possibilidades de manutenção da
integridade do ambiente são enormes, porém, a resistência é grande. Enquanto existe
uma grande campanha mundial para a preservação de 80% da propriedade em regiões
amazônicas, como áreas de proteção ambiental, a porcentagem defendida no código
ruralista varia entre 20 a 30 % nas propriedades com cerrado. Até na Constituição
brasileira o cerrado se encontra em desvantagem, já que apenas as florestas
amazônicas, a Mata Atlântica e o Pantanal são considerados patrimônio Nacional.
Diante disto, é fundamental que outros segmentos da sociedade civil, em especial os
de Brasília e da região do domínio Cerrado, se unam aos protestos dos estudantes da
Biologia e da Engenharia Florestal pela defesa do nosso cerrado e de suas riquezas de
fauna, flora e especialmente dos seus mananciais hídricos, haja vista que várias bacias
hidrográficas nacionais nascem dentro da região. A Universidade de Brasília, pela sua
localização estratégica e raízes históricas fincadas no Planalto Central, precisa
participar ativamente da defesa do cerrado, em especial no seu papel de construção do
conhecimento científico sobre a região.
Marcelo Gonçalves de Lima é doutorando em Ecologia pela Universidade de Brasília.
Também é coordenador da ONG Pequi - Pesquisa e Conservação do Cerrado e
Pesquisador Associado da Conservation International do Brasil.
* (artigo publicado na UnB Revista, volume 1, número 3, 2001)
Capítulo 1. Distribuição da Avifauna em paisagens do cerrado
INTRODUÇÃO
O bioma Cerrado ocupa cerca de 2 milhões de km2 ou 22 % do território
brasileiro (WWF-PROCER, 1995). Compreende o Brasil Central assim como o
nordeste do Paraguai e o leste da Bolívia (Silva, 1995). É a maior formação savânica
do mundo, onde campos abertos predominam em um mosaico de vegetação
semidecídua, variando do ralo ao fechado, sendo considerado uma vegetação clímax
que se estabeleceu em um solo pobre em nutrientes (Eiten, 1972; Silva, 1995). É
atravessado por matas-de-galeria caracterizadas como faixas de vegetação mesofítica
associada a cursos d’água (Redford e Fonseca, 1986). Manchas de mata seca
(florestas
deciduais
estacionais
ou
caducifólias)
também
são
encontradas,
normalmente associadas a depressões e solos mesotróficos (Silva, 1995; Silva e Bates,
2002).
O Cerrado é considerado um “hotspot”, uma área de extrema importância para
conservação por possuir uma alta concentração de espécies endêmicas e, ao mesmo
tempo, uma perda muito grande de hábitat (Myers et al, 2000). Pesquisas recentes,
encontraram cerca de 4.400 plantas endêmicas, sendo 400 espécies vasculares. O
número de plantas vasculares pode atingir 10.000, de acordo com estimativas (Ratter
et al., 1997; Ratter com. pess).
A ocupação humana tem sido muito intensa, e devido a isto, estima-se que
apenas 20% ou 356.630 km2 da área original do Cerrado ainda estejam intactas e que
apenas 6,2% a 9% estejam dentro de alguma área protegida (Cavalcanti, 1999; Myers
et al. 2000). Desde a década de 30 do século passado, o bioma tem sido
“transformado" por atividades agropecuárias. A partir dos anos 70, entretanto, as
atividades se intensificaram por causa dos incentivos e subsídios do Governo Federal
1
brasileiro (Ratter et al., 1997). Devido principalmente à topografia plana e à recente
modernização da prática agrícola, que a tornou mais compatível ao solo e clima do
Cerrado, a paisagem tem sido modificada radicalmente de campos naturais em
extensas plantações de soja, milho, algodão, girassol e pastos (WWF-PROCER,
1995). De forma nem sempre gradual, as fitofisionomias naturais têm sido reduzidas a
fragmentos onde a expressiva biodiversidade do Cerrado está sendo confinada.
A fragmentação causa a ruptura da dinâmica do ecossistema (Lovejoy et al.,
1986; Laurance e Gascon, 1997; Laurance et al., 1998; Gascon et al., 2000;
Bierragaard et al., 2001; Laurance et al., 2002; Gascon et al., 2003) e muda as
variáveis microclimáticas entre a borda da floresta e a matriz que foi recém criada,
assim como dentro do próprio fragmento ou remanescente. Efeito de borda tem sido
registrado a mais de 200 metros a partir da borda e irá alterar o padrão de distribuição
tanto da fauna quanto da flora (Lovejoy et al, 1986; Brown e Hutchinson, 1997;
Didham, 1997; Ferreira e Laurance, 1997; Kapos, 1989; Kapos et al., 1997; Tocher et
al., 1997; Carvalho e Vasconcelos, 1999; de Lima e Gascon, 1999; Laurance e
Laurance, 1999; Machado, 2000; Laurance et al., 2001; Gascon, 2003).
Considerando que um mosaico de fitofisionomias forma naturalmente o
Cerrado (Ratter et al., 1997; Silva e Bates, 2002), o re-estabelecimento da
conectividade em uma paisagem fragmentada enfrenta uma pergunta difícil: quais
hábitats ou fitofisionomias deveriam ser preservados ou restaurados para manter a
biodiversidade? Pesquisas indicam que a maior diversidade de mamíferos nãovoadores, aves, e plantas vasculares é encontrada nas formações florestais (Redford e
Fonseca, 1986; Silva, 1995; Ratter et al., 1997; Silva e Bates, 2002). Mas a
contribuição de áreas abertas do Cerrado para aumentar a biodiversidade não deve ser
subestimada. Também não deven ser consideradas inóspitas pois são encontradas
2
espécies dependentes ou semidependentes de floresta circulando nestas áreas, que
formam uma "matriz" ao redor das áreas florestais (obs. pess; Machado, 2000). A
questão central é que áreas florestais como matas-de-galeria e matas-seca, em
conjunto com as áreas abertas adjacentes, agregam uma diversidade de espécies
bastante elevada. Sendo assim, tanto os ambientes mais abertos e os florestais devem
ser considerados como elementos importantes para a conservação, e, em especial, na
manutenção da conectividade na paisagem, sejam como corredores de dispersão
(matas-de-galeria mais as áreas de cerrado adjacente) ou “stepping-stone” (áreas
isoladas de cerrado, matas-seca ou remanescentes de mata-de-galeria) (Machado,
2000; Marini, 2001).
O Código Florestal brasileiro (originalmente a lei 4.771 de 15 de setembro de
1967 e modificada aposteriori por vários instrumentos legais) dita que uma certa
largura de vegetação, chamada de Área de Preservação Permanente, APP, ao longo de
cursos d’água, deve ser preservada. Infelizmente, a motivação da Lei é a proteção do
curso d’água em si e não a fitofisionomia, desprezando-se a largura total da mata-degaleria. Usando uma outra figura de conservação também prevista no Código
Florestal brasileiro, a Reserva Legal (RL), onde pelo menos 20% de uma propriedade
rural deve ser preservada como área natural, seria possivel alargar as APPs, com estas
reservas, protegendo também ambientes adjacentes. As RLs também poderiam ser
desenhadas na paisagem para servirem de “stepping-stones” ou "trampolins
ecológicos" dentro da matriz antropizada.
Quando se definem estratégias de conservação, é sempre necessário pensar ao
nível de espécie. Animais de diferentes táxons possuem percepções distintas do seu
hábitat e dos hábitats vizinhos. Alguns podem ser bastante sensíveis à mudança do
hábitat e outros podem ser mais generalistas com uma distribuição ampla, não só local
3
mas também continental e, às vezes, global. No Cerrado, algumas espécies podem
ficar restritas a formações florestais, enquanto outras estão acostumadas a áreas
abertas como o campo limpo, campo sujo e cerrado sensu strictu.
Cerca de 840 espécies de aves são encontradas no domínio do Cerrado. Destas,
9,3% são migratórias e 3,8% são endêmicas. Silva (1995) classificou as 759 espécies
residentes como típicas de áreas abertas (27,4%), de áreas abertas e áreas florestais
(20,8%), e o resto, como sendo dependente de formações florestais. Espécies de áreas
abertas têm diferentes reações à matrizes antropizadas (Tubelis e Cavalcanti, 2000) e
espécies dependentes de áreas florestais parecem não ser sensíveis ao tamanho de
área,mas sim à presença de mata-de-galeria (Marini, 2001).
O objetivo deste trabalho é testar a hipótese de que a integridade da paisagem
e a conectividade entre manchas de cerrado e mata de galeria afetam a presença e a
abundância das espécies de aves na região do Parque Nacional das Emas.
Específicamente, testamos as seguintes variáveis:
- Não existem diferenças na presença e abundância de aves entre áreas de cerrado
ligadas às matas de galeria e as áreas de cerrado distantes das matas.
- Não existem diferenças na presença e abundância de aves entre áreas de cerrado no
interior do Parque e áreas de cerrado na matriz alterada do entorno.
MÉTODOS
Área de estudo
A nossa área de estudo está localizada no sudoeste do Estado de Goiás, Brasil,
próxima aos estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul (fig. 1). As áreas de
estudo foram escolhidas dentro do Parque Nacional das Emas (PNE) e nas fazendas
vizinhas ou próximas (fig. 2). O clima da região é ameno, sofrendo influências de
massas de ar frias vindas do sul, e pela sua altitude superior a 700m na chapada. O
4
periodo de seca dura cerca de três meses, de junho a agosto. A temperatura média no
PNE é de 15 graus, com forte amplitude térmica de cerca de 22 graus em média
(Ramos-Neto, 2000). A região compreende uma extensa área de chapada e drenagens
importantes na região como a do rio Sucuriú, do rio Jacuba e do rio Formoso e das
cabecaeiras do Araguaia.
O PNE foi estabelecido em 1961 e era parte de uma extensa fazenda. Possui
mais de 132.000 ha, sendo a maior parte de campo limpo e campo sujo (~ 90%) . Fora
do PNE, existe uma predominância de agricultura a oeste e pecuária a leste. Nas áreas
amostrais fora do PNE, a atividade dominante é de pecuária.
Desenho experimental
Doze áreas de estudo foram selecionadas utilizando-se imagens Landsat 5 TM
de 2000 e visitas in loco. Seis áreas próximas a mata-de-galeria e seis isoladas foram
escolhidas. Três de cada “tipo" (ligado ou isolado) estavam dentro do PNE e três fora,
em áreas vicinais (Fig. 2). As áreas ligadas dentro do Parque foram chamdas de LIP,
isoladas de ISP. No entorno do PNE as áreas isoladas foram denominadas de LIE e as
isoladas de ISE.
Censo
Antes de começar a coleta de dados, censos ad lib foram realizados, que, junto
com um período de captura com redes de neblina, ajudou ao autor calibrar o método
de censo e se familiarizar com as aves. Estes censos iniciais foram realizados entre
agosto e outubro de 2001 e a captura com redes de neblina entre janeiro e fevereiro de
2002.
O método de transecto fixo foi usado para realizar os censos nas áreas de
estudo entre julho e setembro de 2002 e janeiro e março de 2003. Cada área tinha um
transecto de 500 m de comprimento delimitado com fitas de marcação. Três dos
5
transectos eram trilhas de carro que raramente eram usadas. Apenas uma pessoa, M.
G. de Lima realizou os censos. O observador considerou todos os indivíduos de todas
as espécies que estavam empoleirados dentro de uma área imaginária de 25 m para
cada lado do transecto, totalizando então 25.000 m2 de área amostral em cada área de
estudo. Cada censo tinha uma hora de duração e dois transectos, eram cobertos a cada
manhã, sendo o primeiro meia hora depois do nascer do sol e o segundo cerca de
duas horas e meia após. Houve o cuidado de se alternar os censos de forma que todas
as áreas foram amostradas em ambos os horários de forma igual. Os censos não eram
realizados caso estivesse chovendo ou com ventos fortes. No caso de haver dúvida na
identificação, utilizou-se de “playback” para atrair o indivíduo e /ou usou-se uma
filmadora para filmá- lo e realizar posterior identificação. Nove censos foram
realizados por área, totalizando 108 censos durante o estudo. A densidade para cada
espécie foi calculada pela divisão da média de observações nos transectos e pela área
amostral.
Análise
Padrão da comunidade
Realizamos uma análise de co-ocorrência usando o pacote EcoSim v.7 (Gotelli
e Entsminger, 2001) para testar a existência de padrões não randômicos na
distribuição das espécies ou uma “checkboard distribution”, o que significaria uma
organização determinística da comunidade. O módulo de co-ocorrência do EcoSim
compara os dados de presença ou ausência com uma distribuição randômica gerado
por série de Monte Carlo (Gotelli e Graves, 1996). Foram realizadas três análises:
toda a comunidade observada; apenas espécies semidependentes e independentes de
formações florestais (Silva, 1995); apenas espécies independentes de formações
florestais. Espécies com menos de duas observações foram retiradas da análise assim
6
como Zenaida auriculata que seria um "outlier" já que apresentou um número de
observações anormal em um dos censos. Neste sentido foram usadas 52 espécies no
total, sendo 46 consideradas semidependentes e independentes de formações florestais
e 32 independentes de formações florestais.
Análise de Variância – ANOVA
Para examinar se existia diferença da abundância entre os tratamentos, usamos
uma análise de variância –ANOVA- de dois critérios com o pacote estatístico
Statística ’99 (Statistica, 1999). Testamos a variância entre os tipos (isolados ou
ligados) e entre os locais (PNE e vizinhança).
Ordenação
Usamos o programa PC-Ord (McCune e Mefford, 1999) para realizar uma
Análise de Correspondência (DCA) (Jongman et al., 1995; McGarigal et al., 2000) e
visualizar possíveis agrupamentos da avifauna observada. Espécies com menos de
duas observações foram retiradas da análise, bem como Zenaida auriculta. Análises
então foram feitas, 1) com todas as espécies (n=52), independente de preferência de
hábitat, 2) com espécies semidependentes e independentes de formação florestal
(n=46) e 3) com apenas as espécies ditas independentes de formações florestais
(n=32). Espécies raras foram “downweighted” e os eixos rescalonados.
RESULTADOS
Durante os 108 censos, 961 indivíduos de 63 espécies e 27 famílias foram
observados (Tab. 1). Destas, 39 espécies (62%) são consideradas como não
dependentes de formações florestais, 15 (24%) ocorrem tanto em ambientes abertos
quanto florestais e nove (14%) são encontradas principalmente em formações
florestais (matas-de-galeria, cerradão e matas-secas). Sete das espécies observadas
são consideradas endêmicas: Amazona xanthops; Antilophia galeata; Charitospiza
7
eucosoma; Cyanocorax cristatleus; Melanopareia torquata; Neothraupis fasciata e
Saltator atricollis. Apenas A. galeata é considerada dependente de formações
florestais (Silva, 1995).
Padrão de comunidade
A análise de co-ocorrência usando o EcoSim não rejeitou a hipótese de não
aleatoriedade da distribuição (ptodos=0,60; psemi&indep.=0,47; pindep .=0,62).
ANOVA
Onze espécies apresentaram diferenças significativas em suas médias, de
acordo com a ANOVA de dois critérios. 6 espécies apresentaram diferenças entre os
“locais” PNE e Fazendas; 4 entre o “tipo” Ligado ou Isolado e 2 espécies
apresentaram diferenças tanto entre local quanto entre tipos.
- Casiornis rufa, Elaenia cristata e Ramphastos toco apresentaram uma maior média
de observações nas Fazendas do que nas áreas dentro do PNE (p<0,011; p<0,007;
p<0,0154; respectivamente). (Fig. 3, 4 e 5).
- Colibri serrirostris também apresentou uma diferença significativa entre os locais,
porém com mais observações dentro do PNE (p<0,003) (Fig. 6).
- Xolmis velata apresentou uma diferença significativa entre os locais, sendo mais
observado dentro do PNE (p<0,003) (Fig. 7).
- Camptostoma obsoletum, Formicivora rufa e Volatina jacarina tiveram uma média
significativamente maior de avistamentos nas áreas ligadas a mata-de-galeria
(p<0,0234; p<0,0030; p<0,0024 respectivamente) (Fig. 8, 9 e 10).
- Neothraupis fasciata apresentou uma média maior de avistamentos em áreas
isoladas (p<0,0009)(Fig. 11).
- Hemitraupis guira e Mimus saturninus somente foram observados nas Fazendas e
em áreas ligadas à mata-de-galeria (p<0,0491) (Fig. 12, 13, 14 e 15).
8
Ordenação
A DCA com todas as espécies (n=52) não mostrou, visualmente, nenhuma
distinção entre as áreas amostrais ligadas à mata-de-galeria, isoladas, dentro do
Parque, ou nas Fazendas (Fig. 14). Os autovalores para o primeiro e segundo eixos
foram 0,55 e 0,33 respectivamente. O Eixo 1 (tab. 3) esteve mais fortemente
relacionado às espécies dependentes de cerrado como Amazonas aestiva, Rynchotus
rufescens, Gnorimopsar chopi e Aratinga aurea. Tanto Parula pitiayumi, uma espécie
dependente de floresta, quanto Colibri serrirostris, semidependente de formações
florestais, também aparecem fortemente relacionadas a este eixo, provavelmente pelo
fato de que alguns trechos do transecto LIP2 estavam em contato em alguns trechos
com a mata-de-galeria do rio Cupins. As espécies acima, com exceção de A. xanthops,
possuem correlação significativa com o Eixo 1 (r>0,576, p<0,05).
O Eixo 2 está fortemente associado às espécies dependentes de formações
florestais Hemitraupis guira, Pteroglossus castanotis, Coryphospingus cuculatus
(significativamente correlacionadas; r>0,576, p<0,05) e Cassiornis rufa. A área LIE2
estava associada à mata-de-galeria em ambos os lados, e apenas lá é que se registrou
P. castanotis e H. guira. ISE 2 e ISE 3 estão próximas uma da outra e próximas
também de LIE 2. A composição de espécies destas áreas isoladas parece ser bem
semelhante e ambas têm um gradiente de vegetação indo do aberto ao mais fechado.
No encontro dos eixos, é possível notar uma concentração de diferentes tipos
de áreas amostradas. Neste canto do gráfico, há uma concentração de espécies de
cerrado, apesar de nenhuma ser significativamente correlacionada a qualquer um dos
eixos. As espécies independentes de formações florestais Mimus saturninus e Syrigma
sibilitrix, assim como as espécies semi- independentes Megarynchis pintagua e
Traupis sayaca têm os menores valores no Eixo 2, enquanto que as espécies
9
independentes Cathartes aurea e Tachycineta leucorrhoa têm os menores valores no
Eixo 1.
Nossa análise só com espécies semidependentes e independentes gerou uma
ordenação onde é possível notar uma separação das áreas isoladas e ligadas (fig. 15).
O Eixo 1 (tab. 4) é significativamente correlacionado às espécies independentes de
formações florestais R. rufescens, G. chopi, e A. xanthops e para uma espécie
semidependente, a C. serrirostris (r>0,576; p<0,05). Os escores de Guira guira e
Polioptila dumicola também relacionaram estas espécies a este eixo. Nenhuma
espécie esteve significativamente correlacionada ao Eixo 2, mas os escores de Ara
ararauna, Ara nobilis, Dacnis cayana e Syrigma sibilatrix relacionaram- nas a este
eixo todas espécies semidependentes de formações florestais. Cathartes aurea e
Cyclahris gujanensis tiveram os escores mais baixos para o Eixo 1 e Tachycineta
leucorrhoa, Cariama cristata, Cathartes burrovianus (com p<0,05) e Thraupis
sayaca tiveram os escores mais baixos para o Eixo 2.
Finalmente, a terceira ordenação mostra um gradiente que separa as áreas
amostrais isoladas das ligadas à mata-de-galeria (fig. 16). No Eixo 1 (tab. 5), R.
rufescens, G. chopi, C. obsoletum e A. xanthops são significativamente
correlacionadas (r>0,576, p<0,05) e Guira guira e Pyrocephalus rubinus também
apresentaram altos escores para este eixo. Elaenia cristata é significativamente
correlacionada ao Eixo 2 (r>0,576, p<0,05) e Lepicolaptes angustirostris, Mimus
saturninus, Cyanocorax cristatelus e Saltator atricollis também apresentaram altos
escores para este eixo. Por outro lado, Cathartes aurea, Tachycineta leucorrhoa,
Cariama cristata e Cathartes burrovianus apresentaram os escores mais baixos para o
Eixo 1 e Colaptes campestris (r>0.576, p<0,05), Syrigma sibilitrix e Xolmis velata os
mais baixos para o Eixo 2. As áreas amostrais mais isoladas são mais associadas às
10
espécies de áreas abertas C. burrovianus, Cariama cristata, Colaptes campestris e
Xolmis velata. Duas áreas isoladas, ISE 2 e ISE 3, como mencionado acima, são
próximas uma da outra e têm um gradiente que vai do aberto ao fechado. Ambas as
áreas são usadas por gado para descansar na sombra, o que formou grandes bolsões de
pasto dentro das manchas. Ao mesmo tempo, na porção mais leste das áreas, existe
uma vegetação mais densa que se comunicava com uma mata-de-galeria antes de
serem isoladas. A estas áreas estavam relacionadas espécies que preferem cerrado
mais denso ou arbustivo, como Elaenia cristata, L. angustirostris, M. saturninus e C.
cristatellus. Esta ordenação também separa algumas das áreas do PNE das áreas da
vizinhança. Existe preferência de R. rufescens, G. chopi, A. xanthops e C. obsoletum,
que foram significativamente correlacionadas ao Eixo 1, assim como de G. guira e P.
rubinus às áreas do PNE. As espécies "generalistas", ao contrário, têm preferência
pelas áreas da vizinhança. As espécies relacionadas ao Eixo 2, apesar de se
apresentarem maior abundância nas áreas de vizinhança, foram encontradas em áreas
mais heterogêneas como ISE 2 e ISE 3, e também LIE 2 e LIE 3.
DISCUSSÃO
A análise de co-ocorrência mostrou que as manchas não são escolhidas de
forma seletiva por nenhuma espécie em particular ou nenhum grupo de hábitat
específico. Uma distribuição de tipo "checkboard" (tabuleiro de xadrez), como
descrita por Diamond (1975 apud Manly, 1995), mostraria que existe algum tipo de
exclusão competitiva ou uma agregação de espécies. Exclusão competitiva surgiria de
alguma competição por um recurso, como alimento ou hábitat. Possivelmente não
existe uma competição por recursos, já que em todos os nossos modelos a distribuição
das espécies não foi significativamente diferente de um modelo de Monte Carlo.
Dentro do PNE, a paisagem ainda se encontra basicamente como era a 30-40 anos
11
atrás, estando, portanto, os processos ecológicos ainda in natura. A paisagem alterada,
por sua vez, parece ainda ter um número suficiente de manchas de hábitat natural para
comportar a comunidade observada, mesmo tendo sofrido uma ruptura.
Onze espécies apresentaram diferenças significativas nas médias de
abundância nas áreas amostrais, de acordo com as ANOVA de dois critérios
realizadas com a comunidade observada. As espécies com diferenças nas médias de
abundância nas áreas de vizinhança tinham preferências distintas de hábitat. Casiornis
rufa é uma espécie razoavelmente comum no médio estrato de matas-de-galeria e
matas secas e também em cerrado mais densos, sendo geralmente vista aos pares.
Ramphastos toco é semidependente de formações florestais, vista tanto em cerrados
fechados, matas-de-galeria e matas secas quanto atravessando áreas abertas, inclusive
áreas urbanas. Elaenia cristata é associada a cerrado sensu strictu e savanas abertas
com arbustos espalhados. Colibri serrirostris, uma espécie semidependente, foi vista
com mais freqüência dentro do PNE, em particular em LIP 2, onde ao menos dois
indivíduos eram sempre avistados no mesmo lugar em todos os censos, mostrando um
comportamento
bem
territorialista. Xolmis
velata
tem
ampla
distribuição,
independente de formação florestais, sendo razoavelmente comum em áreas semiabertas com arbustos e árvores espalhados (Ridgley e Tudor, 1994; Sick, 1984) e é
uma espécie migratória vista com facilidade ao longo das estradas dentro do PNE.
Estranhamente, apesar de ser comum fora do PNE, somente foi vista nas áreas dentro
do Parque (de Lima, obs.pess)
Espécies com uma média significativamente maior de avistamentos em áreas
ligadas à mata-de-galeria, independente da localidade, foram todas, espécies
independentes de formações florestais. Camptostoma obsoletum ocorre da Costa Rica
à Argentina e tem ampla distribuição no Brasil, sendo observada em campos sujos,
12
cerrados abertos, jardins e clareiras, em bordas florestais e na Amazônia no dossel de
várzeas. Formicivora rufa é encontrada em áreas abertas e arbustivas, matas-degaleria e matas-secas, às vezes perto d'água. É bem territorial e vocaliza prontamente
ao ser aproximada. Normalmente é vista em casais. Volatina jacarina é uma espécie
típica de áreas abertas, sendo vista não somente em ambientes naturais como também
em áreas alteradas, como paisagens agrícolas (Sick, 1984). Esta espécie foi mais vista
em duas áreas ligadas à mata-de-galeria, mas com forte influência de áreas alteradas
perto.
O transecto em LIP 3 situa-se ao longo de uma trilha que acompanha um
antigo aceiro, que, por sua vez, segue a fronteira leste do PNE, uma cerca de arame,
que separa o Parque de uma plantação de milho. A área da cerca é dominada por
braqueária que invade o PNE em vários trechos. O transecto em LIE 3 acompanha
uma velha estrada dentro da Fazenda Prata, e segue ao longo de um campo em vários
trechos, que por sua vez bordeia o campo úmido do rio Prata. A influência das áreas
abertas ou alteradas próximas pode explicar a presença de S. plumbea nestas áreas
ligadas à mata-de-galeria. Por último, Neotraupis fasciata, uma espécie presente na
lista de espécies ameaçadas da IUCN (www.redlist.org) é também independente de
formações florestais. Apesar de ter sido observada na maioria das áreas, ela foi vista
principalmente nas áreas isoladas ISP 3 e ISE 1.
Finalmente, Hemitraupis guira
e Mimus saturninus foram somente
observadas em áreas ligadas na vizinhança. H. guira é uma espécie dependente de
formações florestais e encontrada com facilidade na borda de florestas úmidas, matasde-galeria e matas secas. No nosso estudo, entretanto, só foi observada em uma área,
LIE 2, na qual a mancha de cerrado é cercada nos dois lados por matas-de-galeria
distintas. M. saturninus é uma espécie independente de formações florestais, comum
13
em áreas semiabertas e também em lugares com habitações, mas, ausente em áreas
sem árvores e também de áreas de florestais (Ridgeley e Tudor, 1989). Esta espécie
foi observada apenas na área LIE 3. Na área deste transecto, como descrito antes,
existe um amplo cerrado aberto aliado à um campo úmido.
Nenhum padrão óbvio pôde ser notado com os resultados da ANOVA, apesar
de que cerca de 21% das espécies analisadas mostraram diferenças significativas na
média das observações, mas nenhuma apresentou diferenças na preferência de hábitat.
A presença de algumas espécies em apenas uma área foi a única surpresa e nenhuma
explicação pode ser oferecida a não ser a própria limitação da área estudada durante o
período de amostragem. Mimus saturninus, por exemplo, foi vista em outras áreas,
dentro do PNE inclusive. Uma análise com os dados existentes mostra que a maioria
das espécies não exibe uma preferência por áreas ligadas, isoladas, dentro ou fora do
Parque, o que poderia indicar que a ruptura da paisagem na região não está afetando a
distribuição geral das espécies. Isto leva à questão de até que ponto hábitats naturais
são percebidos pela avifauna estudada como áreas estruturalmente diferentes e se esta
mesma comunidade os diferencia
(os hábitats naturais) das áreas alteradas e
fragmentadas.
A análise multivariada talvez possa ajudar a responder essa questão. A DCA
realizada com 52 espécies não separou as áreas, ou seja, as aves não apresentaram
preferências quanto às mesmas. Algumas das áreas de estudo mostraram agregação,
como ISE 2, ISE 3 e LIE 2. Conforme já foi dito acima, as duas primeiras são
próximas uma da outra e parecidas em termos de heterogeneidade de hábitat, tendo
compartilhado o mesmo riacho antes de serem isoladas. A última área é próxima delas
e as duas matas-de-galeria que fazem contato com a mancha de cerrado são parte do
mesmo sistema que a mata-de-galeria próxima a ISE 2 e ISE 3, fazendo, portanto,
14
parte do mesmo sistema que desemboca no rio Formoso. A ocupação também é
similar, já que todas essas áreas pertenciam à mesma fazenda que foi desmembrada
entre os filhos do proprietário original, o Sr. Alberto Garcia (que, por sua vez, doou as
terras que vieram a se tornar o PNE). Configuração e localização espaciais, junto com
o histórico de ocupação e a dinâmica do ecossistema, poderiam levar a esta
similaridade da comunidade local.
A separação da área LIP 2 das demais ocorreu em função da presença
exclusiva de R. rufescens e P. pitiayumi e à alta incidência de C. serrirostris. Tanto R.
rufescens quanto C. serrirostris foram vistos regularmente nos mesmos locais dentro
desta área, sendo provavelmente os mesmos indivíduos. As outras áreas ficaram
agregadas em direção ao vértice do gráfico com os menores valores dos eixos 1 e 2,
independentemente do tratamento.
A DCA com espécies semidependentes e independentes de formações
florestais revela uma nova tendência onde as áreas ligadas e isoladas ficam menos
agregadas que a DCA com 52 espécies. As áreas ligadas à mata-de-galeria tendem a
ter um valor maior em ambos os eixos. O eixo 1, por sua vez, está relacionado a
espécies independentes de formações florestais (Tab. 1), o que mostra uma relação
destas espécies de cerrado com as matas-de-galeria.
A DCA com apenas espécies independentes de formações florestais separa
ainda mais as áreas isoladas das ligadas. Possivelmente, a separação mais interessante
seja a correlação das áreas isoladas a espécies mais generalistas em termos de hábitat
ou mais relacionadas a áreas abertas como Cariama cristata, Cathartes burrovianus,
Colaptes campestris e Xolmis velata, que têm uma correlação negativa tanto com o
Eixo 1 quanto com o Eixo 2. Por outro lado, espécies mais relacionadas a cerrados
mais fechados como R. rufescens e C. obsoletum, e à espécie endêmica do cerrado,
15
Amazona xanthops, estão correlacionadas positivamente ao Eixo 1. C. obsoletum e A.
xanthops são consideradas por Bagno e Marinho Filho (2001) como sendo espécies de
semidependentes do cerrado por serem vistos na borda de mata-de-galeria, o que
corrobora a preferência destes pelas áreas ligadas.
A dinâmica ecológica da distribuição espacial da avifauna do Cerrado é única
para este ecossistema. Em outras palavras, a história evolucionária do cerrado implica
na existência de um mosaico de fitofisionomias onde as "bordas" entre áreas abertas
(e.g. campo aberto e campo úmido) e cerrado ou áreas florestais não têm os chamados
efeitos de borda da forma abrupta como é observado em florestas tropicais úmidas
quando sofre da ação antrópica. Os chamados por alguns de "fragmentos naturais" de
cerrado são na verdade manchas dentro de uma paisagem heterogênea.
Diferentemente de florestas tropicais úmidas, onde a existência de dossel fechado é a
regra, o Cerrado é, em sua maioria, composto por áreas abertas. O Parque Nacional
das Emas, por exemplo, possui cerca de 90% na forma de campos abertos com apenas
2,5% de áreas florestais. Sendo assim, até espécies que são dependentes de formações
florestais, sejam grandes mamíferos como onças pintadas ou pequenas aves como a
Antilophia galeata, terão que, ocasionalmente, atravessar áreas abertas ou tê- las como
parte de suas áreas de vida (Silveira, com. pess). O contrário também pode ser
verdadeiro com espécies de áreas abertas também entrando em matas-de-galeria,
matas secas ou cerradões. As espécies de Cerrado, portanto, provavelmente são mais
resilientes às mudanças nas fitofisionomias e tal peculiaridade torna várias delas
menos suscetíveis às alterações antropicamente induzidas na paisagem. O nosso
estudo, por exemplo, mostrou que para a comunidade analisada, os recursos como
alimento e abrigo não forçaram a exclusão competitiva depois da alteração na
paisagem, , e que as espécies "compartilham" igualmente as manchas da mesma
16
maneira como elas as perceberiam em uma paisagem natural intacta. Uma das razões
é a existência de inúmeras manchas espalhadas dentro das propriedades rurais e a
capacidade das espécies de atravessar as áreas de cultivo, em alguns casos, ou seguir
as matas-de-galeria ainda preservadas. A questão é que alguns cultivos podem se
assemelhar estruturalmente às áreas naturais e os pastos terão "ilhotas" de vegetação
para abrigar o gado, que podem servir como "stepping-stones" entre áreas
preservadas.
Algumas espécies, entretanto, mostraram preferências por certas áreas e
podem ser mais sensíveis a mudanças na paisagem. Hemitraupis guira, por exemplo,
é uma espécie dependente de formações florestais e só foi vista durante o estudo em
uma área, a LIE2, que é ligada a matas-de-galeria em ambos os lados. A maioria das
espécies dependentes (incluindo uma fêmea ou imaturo de Antilophia galeata, que foi
excluída da análise) foi vista nesta área, sugerindo que a mesma é estruturalmente
atraente para este grupo.
Camptostoma obsoletum teve a maior média de observações em áreas ligadas
embora seja considerado por Silva (1995) como uma espécie independente de
formações florestais, apesar de usar a borda de matas, forrageando dentro destas, além
de ser comum em áreas urbanas onde há a presença de árvores. Em áreas inóspitas,
sem abrigo e muito abertas, esta espécie não se dá bem.
Formicivora rufa foi outra espécie que mostrou preferência por áreas ligadas
mesmo sendo, como a espécie acima, considerada uma espécie independente de
formações florestais. Ela é conhecida, entretanto, por visitar matas-de-galeria e de ser
associada à água. É claro, então, que algumas espécies apreciam paisagens
heterogêneas com o melhor dos dois "mundos", de áreas abertas e de dosséis
fechados.
17
A DCA oferece evidência desta tendência quando as análises com espécies
semidependentes e independentes e só com independentes separam as áreas ligadas às
áreas isoladas. Preferência por estas é, sem dúvida, de espécies generalistas,
carniceiros como Cathartes aurea, oportunistas de hábitat como Cariama cristata,
que é vista freqüentemente nos campos agrícolas, ou migrantes como Tachycineta
leucorrhoa.
A hipótese nula de que não existe nenhuma preferência de hábitat para
espécies de cerrado foi refutada pelo resultado da ordenação, e para algumas espécies,
na ANOVA. Baseados na informação discutida acima, podemos, então, pensar em
uma estratégia de conservação para a avifauna neste "hotspot". A maioria dos
trabalhos sobre fragmentação e suas conseqüências para a biodiversidade têm sido
feitas em ecossistemas onde mudanças abruptas na paisagem devidas à ação antrópica
são drásticas, visualmente notadas e também bastante mensuráveis, especialmente em
florestas tropicais úmidas. Essas pesquisas têm mostrado que os efeitos deletérios
destas mudanças são quase imediatos na dinâmica ecológica da floresta, como, por
exemplo, efeitos de borda que alteram a umidade, a entrada e a exposição à luz e
alteração na composição de espécies com uma invasão de espécies exóticas, extinções
locais, entre outros efeitos. Florestas tropicais não são de forma alguma carpetes
verdes, uniformes em composição florística ou faunística e ou em estrutura de hábitat;
contudo, isto visto de cima, em um nível macro, quase não é percebido. O Cerrado,
por outro lado, é composto por várias fitofisionomias que formam naturalmente um
mosaico ou uma "colcha de retalhos", com bordas diferenciadas existentes há
centenas de anos ou que foram se formando gradativamente. Alguns animais que
vivem em fitofisionomias abertas como campo úmido, campo limpo e campo sujo, e
mesmo em cerrado sensu strictu, aparentemente não percebem áreas alteradas como
18
inóspitas. Ema (Rhea americana), Veado-Mateiro (Mazama americana), o Cachorrodo-mato (Cerdocyon thous) e o Tamanduá Bandeira (Mymercophaga tridactyla), por
exemplo, são comumente vistos nas áreas agrícolas e pastos (obs. pess). É óbvio,
entretanto, que isto não significa que este tipo de uso do solo é um substituto das áreas
naturais, mas, infelizmente, esta paisagem alterada é a realidade no bioma, em
especial na parte centro sul do país onde a atividade agropastoril é a atividade
econômica permanente há décadas.
Dependendo da atividade em uma propriedade rural, duas paisagens podem ser
"criadas". Se a agricultura é o uso de solo escolhido, uma paisagem simplificada é
criada com poucas árvores presentes em um mar de milho, soja, girassol, algodão,
entre outros cultivos. No caso do uso da terra para pecuária, é comum serem deixadas
pequenas manchas ou ilhotas de árvores para oferecer sombra e refúgio para o gado.
Em ambos os casos, e para qualquer propriedade rural, o Código Florestal brasileiro,
editado em 1965, prevê que 20% da vegetação de cerrado e 35% no caso das savanas
amazônicas devem ser preservados na forma de uma Reserva Legal. Em muitos casos,
menos ou nada do que é exigido é preservado. A RL também pode ser pulverizada na
paisagem ou restrita a uma grande mancha sem nenhuma conectividade estrutural
com outra área natural. Também é previsto no Código Florestal que uma faixa de
vegetação deve ser mantida ao longo de cursos d'água para a sua proteção. Apesar de
ter sido alterada e reeditada várias vezes em forma de Medida Provisória e de serem
consideradas uma das mais modernas da atualidade no contexto global, o Código
Florestal não tem como objetivo a manutenção de processos ecológicos como, por
exemplo, o fluxo gênico.
Uma das estratégias para a manutenção ou reestabelecimento das conexões
estruturais da paisagem que fossem funcionais para a avifauna do cerrado seria a
19
união das áreas de Reserva Legal às de Área de Preservação Permanente. Marini
(2001) por exemplo, sugere que espécies do cerrado dependentes de formações
florestais estão associadas ao que ele chama de florestas inundadas (e.g matas-degaleria) e Machado (2000) discute que é importante a associação da mata-de-galeria e
o cerrado para aumentar a diversidade da avifauna. O trabalho de Tubelis e Cavalcanti
(2000)
constata que a estrutura de hábitat aumenta do campo-úmido à mata-de-
galeria, de modo que a vantagem da estratégia acima é que ela irá beneficiar uma
gama de espécies de aves, dependentes, semidependentes ou independentes de
formações florestais, aumentando a heterogeneidade de hábitat e conseqüentemente a
diversidade da avifauna. Como elementos lineares, estes corredores de vegetação irão
também aumentar a conectividade, se usados como uma rede de ligações entre as
áreas naturais, como Unidades de Conservação, RL e APPs (de Lima e Gascon,
1999). Esta estratégia também é um atrativo para os proprietários rurais, já que as
Reservas Legais podem ser usadas para empreendimentos que sejam sustentáveis.
A outra estratégia é o uso das manchas como "stepping-stones". Isto seria
bastante útil em áreas com poucos ou nenhum cursos d'água como é o caso do oeste
do PNE (Fig. 2) ou em áreas de pecuária. O aumento da vegetação natural irá
aumentar a permeabilidade da paisagem para aves que dependem de vegetação natural
para proteção, alimentação e mesmo reprodução.
Essas estratégias poderiam ser realizadas em conjunto com a cobrança de
proprietários que possuem um passivo ecológico, ou seja, que devem áreas de Reserva
Legal. A restauração de hábitats naturais poderia ser uma alternativa planejada para a
implementação deste passivo, desenhando a paisagem com o intuito de aumentar a
permeabilidade e recuperar os processos ecológicos perdidos.
20
Estas duas estratégias teriam uma aplicação não só para a conservação da
avifauna do cerrado mas também para outros táxons. Neste caso específico, o uso da
terra já foi estabelecido há muito, e é necessário restaurar as ligações. O grande
desafio é aplicar este modelo para diversas áreas, adaptando-o às diversas
circunstâncias regionais. Como uma estratégia, ela se encaixa bem dentro do conceito
de corredor biológico do Projeto Corredor Cerrado Pantanal. Entre as áreas núcleo do
corredor, entre elas o Parque Nacional das Emas, o que antes era cerrado pristino
agora é dominado por campos agrícolas e fazendas de gado. Entretanto, por boa sorte,
algumas áreas foram protegidas como unidades de conservação e devem ser
reconectadas de alguma forma. Esta região também possui uma série de cursos d'água
que podem ser usados como corredores, usando-se a primeira estratégia mencionada
acima, alargando as matas-de-galeria com os cerrados adjacentes. Nas áreas sem
cursos d'água ou com pastos, a utilização de "stepping-stones" que poderiam ser as
manchas existentes ou a criação de novas, seria a estratégia ideal.
CONCLUSÕES
- A comunidade estudada é distribuída randomicamente nas manchas de
cerrado analisadas, que estejam dentro ou fora do Parque Nacional das Emas, sejam
isoladas ou ligadas.
- As espécies que mostraram alguma preferência de hábitat na análise de
variância não fugiram da sua preferência habitual;
- Espécies que são semidependentes ou independentes de formações florestais
(matas-de-galeria) mostraram, de acordo com a ordenação canônica DCA, preferência
por áreas ligadas ou hábitats mais densos. Por outro lado espécies com hábitos mais
generalistas foram mais observadas em áreas isoladas e mais abertas.
21
- Devido à história evolucionária da paisagem do Cerrado, as espécies de aves
presentes são mais adaptadas a áreas abertas do que as espécies de florestas tropicais
úmidas. Áreas alteradas, como agricultura e pastos, podem mimicar a estrutura de
hábitats naturais, o que pode facilitar o movimento da fauna naqueles.
- A avifauna semidependente ou independente de formações florestais não
percebe a fragmentação como as espécies dependentes.
- O cerrado s.s deve ser deixado adjacente às matas-de-galeria para aumentar a
heterogeneidade de hábitat e a conectividade entre as áreas preservadas.
- As áreas de cerrado deveriam ser restauradas na paisagem para servirem de
corredores de conectividade e aumentar a permeabilidade da matriz antrópica.
- Projetos de conservação no Cerrado poderiam as estratégias sugeridas neste
trabalho ao planejar ações futuras.
- Em áreas pristinas a serem utilizadas para atividades agropecuárias no futuro,
estas estratégias podem servir de orientação pelas instâncias governamentais e
empreendedores privados para fazer um desenho da paisagem a priori, de forma a
manter o máximo de conectividade possível e preservando os processos ecológicos.
22
BIBLIOGRAFIA
Bagno, M. A e Marinho Filho, J. 2001. A avifauna do Distrito Federal: uso dos
ambientes abertos e florestais e ameaças. In: Cerrado: Matas de galeria,
conservação e recuperação ed.Planaltina : EMBRAPA CERRADOS. Brasilia, DF.
Bennet, A. F. 1990. Hábitat corridors and the conservation of small mammals in a
fragmented forest environment. Landscape Ecology 4:109-122.
Bierrgaard, R. O. B., T. E. Lovejoy, C. Gascon, R. Mesquita, E. O. Wilson and E.
Salati. Lessons from Amazonia: the ecology and conservation of a fragmented
forest.
Brown, Jr., K. S. and R. W. Hatchings. 1997. Disturbance, fragmentation, and the
dynamics of diversity in a Amazonian Forest Butterflies. Pages 91-110 in W. F.
Laurance and R. O. Bierrgaard, editors. Tropical Forest Remnants: Ecology,
management, and conservation of fragmented communities. University of Chicago
Press, Chicago.
Carvalho, K. S. and H. L. Vasconcelos. 1999. Forest fragmentation in Central
Amazonia and its effects on litter-dwelling ants. Biological Conservation
91:151-157.
Cavalcanti, R. B. 1999. Bird species richness and conservation in the cerrado region
of Central Brazil. Studies in Avian Biology 19: 244-249.
de Lima, M. G. and C. Gascon. 1999. The conservation value of linear forest
fragments in Central Amazonia. Biological Conservation 91: 241-247.
Didham, R. K. 1997. The influence of edge effects and forest fragmentation on leaflitter invertebrates in Central Amazonia. Pages 55-70 in W. F. Laurance and
R. O. Bierrgaard, editors, Tropical forest remnants: ecology, management,
and conservation of fragmented communities. University of Chicago Press,
23
Chicago.
Eiten, G. 1972. The cerrado vegetation of Brazil. Botanical Review 38:201-292.
Ferreira, L. V. and W. F. Laurance. 1997. Effects of forest fragmentation on mortality
and damage of selected trees in Central Amazonia. Conservation Biology 11:
797-801.
Gascon, C., G. B. Williamson and G. A. B. da Fonseca. 2000. Ecology – receding
forest edge and vanishing reserves. Science 288: 1356-1358.
Gascon. C., W. F. Laurance and T. E. Lovejoy. 2003. Forest Fragmentation and
Biodiversity in Central Amazonia. Pages 33-48 in G. A. Bradshaw and P. A.
Marquet, editors. How Landscapes Change. Ecological studies 162. Springer,
Berlin Heidelberg New York,
Gotelli, N. J. and G. L. Entsminger. 2001. EcoSim: Null models software for ecology.
Version 7.0. Acquired Intelligence Inc. 7 Kesey-Bear.
http://homepages.together.net/~gentsmin/ecosim.htm
Gotelli, N. J. and G. R. Graves. 1996. Null models in ecology. Smithsonian Institution
Press. Washington, DC.
Jongman, R. H. G., C. J. F. ter Braak and O. F. R. van Tongreen. 1995. Data
analysis in community and landscape ecology. Cambridge University Press.
Cambridge. United Kingdom.
Kapos, V. 1989. Effects of isolation on the water status of forest patches in the
Brazilian Amazon. Journal of Tropical Ecology 5: 173-185.
Kapos, V., E. Wandelli, J. L. Camargo and G. Ganade. 1997. Edge related changes
in environment and plant responses due to forest fragmentation in Central
Amazonia. Pages 33-54, in W. F. Laurance and R. O. Bierrgaard, editors,
Tropical forest remnants: ecology, management, and conservation of
24
fragmented communities. University of Chicago Press, Chicago.
Laurance, W. F. and C. Gascon. 1997. How to creatively fragment a landscape.
Conservation Biology 11: 577-579.
Laurance, S. G. and W. F. Laurance. 1999. Tropical corridors: use of linear rainforest
remnants by arboreal mammals. Biological Conservation 91: 231-239.
Laurance, W. F., T. E. Lovejoy, H. L. Vasconcelos, E. M. Bruna, R. K. Didham, P. C.
Stouffer, C. Gascon, R. O. Bierrgaard, S. G. Laurance and E. Sampaio. 2002.
Ecosystem decay of Amazonian forest fragments: A 22- year investigation.
Conservation Biology 16:605-618.
Lovejoy, T. E., R.O. Bierrgaard Jr., A. B. Rylands, J. R. Malcolm, C. E. Quintela, L.
H. Harper, K. S. Brown, Jr., A. H. Powell, G. V. N. Powell, H. O. R. Shubert,
M. B. Hays. 1986. Edge effects and other effects of isolation on amazon forest
fragments. Pages 257-285, in M. E. Soulé, editor. Conservation Biology: the
science of scarcity and diversity. Sinauer Associates. Sunderland,
Massachusetts.
Machado, R. B. 2000. A fragmentação do Cerrado e a avifauna na região de
Brasília-DF. PhD. thesis. Universidade de Brasília, Brasilia, Brazil.
Manly, B. F. J. 1995. A note on the analysis of species co-occurrences. Ecology 76:
1109-1115.
Marini, M, Â. 2001. Effects of forest fragmentation on birds of the cerrado region,
Brazil. Bird Conservation International 11: 13-25.
McCune, B. and J. Mefford. 1999. PC-ORD. Multivariate analysis of ecological data.
Version 4.0. MjM Software. Gleneden Beach, Oregon.
McGarigal, K.; S. Cushman and S. Stafford. 2000. Multivariate statistics for wildlife
and ecology research. Springer. New York.
25
Myers, N., R. A. Mittermeier, C. Mittermeier, G. A. B. da Fonseca and J. Kents.
2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403.
Ramos-Neto, M. B. 2000. O Parque Nacional das Emas e o Fogo: Implicações para a
Conservação Biológica. Tese apresentada no Programa de Pós Graduação em
Ecologia, Universidade de São Paulo.
Ratter, J. A., J. F. Ribeiro and S. Bridgewater. 1997. The Brazilian cerrado
vegetation and threats to its biodiversity. Annals of Botany 80: 223-230.
Redford, K. H. and G. A. B. da Fonseca. 1986. The role of gallery forests in the
zoogeography of the Cerrado’s non-volant mammalian fauna. Biotropica 18:
126-135.
Ridgeley, R. S. and G. Tudor. 1989. The birds of South America, vol. 1. University of
Texas Press, Austin.
Ridgeley, R. S. and G. Tudor. 1994. The birds of South America, vol. 2. Oxford
University Press, Oxford, United Kingdom.
Sick, H. 1984. Ornitologia brasileira, uma introdução. Editora Universidade de
Brasília, Brasília, DF.
Silva, J. M. C. 1995. Birds of the Cerrado Region, South America. Steenstrupia 21:
69-92.
Silva, J. M. C. And J. M. Bates. 2002. Biogeographic patterns and conservation in
the South American Cerrado: a tropical savanna hotspot. BioScience 52: 225233.
Tocher, M. D., C. Gascon and B. L. Zimmerman. 1997. Fragmentation effects on
central Amazonian frog community: a ten year study. Pages 124-137 in W. F.
Laurance and R.O. Bierregaard, editors. Tropical forest remnants: ecology,
management, and conservation of fragmented communities. University of
26
Chicago Press, Chicago.
Tubelis, D. P, and R. B. Cavalcanti. 2000. A comparison of bird communities in
natural and disturbed non-wetland open hábitats in the Cerrado’s central
region, Brazil. Bird Conservation International 10:331-350.
WWF/PROCERR. 1995. Bit by bit the Cerrado loses space (Cerrado-impact of the
settlement process). WWF-Fundo Mundial para a Natureza, Braslia, Brazil.
27
Tabelas
28
Tabela 1. Espécies observadas durante os 108 censos.
Ardeidae
Mimidae
Syrigma sibiliatrix
Mimus saturninus
Cariamidae
Muscicapidae
Cariama cristata
Polioptila dumicola
Cathartidae
Picidae
Cathartes aurea
Campephilus melanoleucos
Cathartes burrovianus
Colaptes campestris
Coragyps atratus
Colaptes melanoclorus
Columbidae
Dryocopus lineatus
Columba picazuro
Pipridae
Zenaida auriculata
Antilophia galeata
Corvidae
Psittacidae
Cyanocorax cristatellus
Amazona aestiva
Cracidae
Amazona xanthops
Penelope superciliaris
Ara ararauna
Cuculidae
Ara nobilis
Guira guira
Aratinga aurea
Dendrocolaptidae
Rhamphastidae
Lepidocolaptes angustirostris
Pteroglossus castanotis
Sittasomus griseicapillus
Rhamphastos toco
Emberizidae
Rhinocryptidae
Cypsnagra hirundacea
Melanopareia torquata
Dacnis cayana
Throchilidae
Hemithraupis guira
Chlorostilbon aureoventris
Neothraupis fasciata
Colibri serrirostris
Thraupis suyaca
Tinamidae
Parula pitiayumi
Rhynchotus rufescens
Coryphospingus cucullatus
Crypturellus parvisrostris
Saltator atricollis
Tyrannidae
Charitospiza eucosoma
Camptostoma obsoletum
Emberizoides herbicola
Casiornis rufa
29
Sporophila bouvreuil
Elaenia chiriquensis
Sporophila plumbea
Elaenia cristata
Volatina jacarina
Elaenia flavogaster
Falconidae
Gubernetes yetapa
Falco femoralis
Megarhynchus pitangua
Milvago chimachima
Myiophobus fasciatus
Polyburus plancus
Pitangus sulphuratus
Formicaridae
Pyrocephalus rubinus
Formicivora rufa
Xolmis cinerea
Hirundinidae
Xolmis velata
Tachycineta leucorrhoa
Vireonidae
Icteridae
Cyclarhis gujanensis
Gnorimopsar chopi
30
Tabela 2. Local de maior média de avistamentos e resultado da ANOVA de dois
critérios.
Espécies/Avistamentos
Cassiornis rufa
Elaenia cristata
Ramphastos toco
Colibri serrirostris
Xolmis velata
Camptostoma obsoletum
Formicivora
Volatina jacarina
Neothraupis fasciata
Hemitraupis guira
Mimus saturninus
Local de maior média de avistamento
Fazendas
Fazendas
Fazendas
PNE
PNE
Áreas ligadas à mata-de-galeria
Áreas ligadas à mata-de-galeria
Áreas ligadas à mata-de-galeria
Áreas isoladas
Áreas ligadas e nas fazendas
Áreas ligadas e nas fazendas
valor de p
0,011
0,008
0,015
0,004
0,003
0,023
0,003
0,002
0,001
0,049
0,049
31
Tabela 3. Correlação Pearson (r) dos eixos da ordenação DCA para espeçies
dependentes, semidependentes e independentes de formações florestais.
Espécie/ Eixo
r
r-sq 1 r
r-sq 2
-0.582
0.339
-0.047
0.002
0.268
0.072
-0.035
0.001
Ara ararauna
-0.152
0.023
-0.364
0.132
Ara nobilis
-0.047
0.002
-0.123
0.015
0.607
0.368
-0.658
0.433
Camptostoma obsoletum
-0.101
0.010
-0.019
0.000
Cariama cristata
-0.427
0.182
-0.103
0.011
Cassiornis_rufa
0.191
0.036
0.877
0.769
Cathartes aurea
-0.460
0.211
-0.105
0.011
Cathartes burrovianus
-0.272
0.074
-0.176
0.031
Chlorostilbon aureoventris
-0.168
0.028
-0.294
0.087
Colaptes campestris
-0.342
0.117
-0.319
0.102
Colibri serrirostris
0.807
0.651
-0.180
0.032
Columba picazuro
-0.178
0.032
0.102
0.010
Coragyps atratus
-0.291
0.084
-0.168
0.028
Corysphospingus cuculatus
0.075
0.006
0.655
0.429
Crypturellus parvirostris
0.135
0.018
0.130
0.017
Cyanocorax cristatellus
-0.325
0.106
0.282
0.080
Cyclarhis gujanensis
-0.070
0.005
0.663
0.440
Cypsnagara hirundinacea
-0.090
0.008
-0.550
0.302
Dacnis cayana
0.136
0.019
0.575
0.330
Dryocopus lineatus
0.012
0.000
-0.404
0.163
Elaenia .chiriquensis
-0.038
0.001
-0.417
0.174
Elaenia cristata
0.092
0.009
0.474
0.225
Elaenia flavogaster
0.376
0.142
0.369
0.136
Falco femoralis
-0.340
0.115
-0.229
0.053
Formicivora rufa
0.251
0.063
-0.225
0.051
Gnorimopsar chopi
0.860
0.739
-0.149
0.022
-0.263
0.069
0.031
0.001
0.136
0.019
0.575
0.330
-0.026
0.001
0.124
0.015
Megarhynchus pitangua
0.205
0.042
-0.333
0.111
Melanopareia torquata
-0.103
0.011
-0.205
0.042
Amazona aestiva
Amazona xanthops
Aratinga aurea
Guira guira
Hemithraupis guira
Lepidocolaptes angustirostris
32
0.205
0.042
-0.333
0.111
Mivalgo chimachima
-0.167
0.028
-0.439
0.192
Neothraupis fasciata
-0.304
0.092
-0.384
0.147
Paru la pitiayumi
0.830
0.688
-0.104
0.011
Penélope superciliaris
0.145
0.021
-0.126
0.016
Pitangus sulphuratus
-0.043
0.002
-0.224
0.050
Polioptila duminicula
-0.263
0.069
0.031
0.001
Polyburus plancus
-0.366
0.134
-0.222
0.049
Pteroglossus castanotis
0.136
0.019
0.575
0.330
Pyrocephalus rubinus
-0.263
0.069
0.031
0.001
Rhamphastos toco
-0.031
0.001
0.828
0.686
Rynchotus rufescens
0.830
0.688
-0.104
0.011
Saltator atricollis
0.194
0.038
-0.419
0.176
Sporophila plumbea
0.096
0.009
-0.315
0.099
Syrigma sibilatrix
-0.038
0.001
-0.446
0.199
Tachycineta leucorrhoa
-0.444
0.197
-0.098
0.010
Thraupis sayaca
0.086
0.007
-0.221
0.049
Volatina jacarina
-0.072
0.005
-0.303
0.092
Xolmis velata
-0.075
0.006
-0.265
0.070
Mimus saturninus
Obs:marcado em amarelo estão as espécies correlacionadas significativamente a um eixo(r>0.576; p<0.05)
33
Table 4. Correlação Pearson (r) dos eixos da ordenação DCA para espeçies
semidependentes e independentes de formações florestais (n=47).
Espécie/ Eixos
r
r-sq 1 r
r-sq 2
Amazona xanthops
0.785
0.616
0.060
0.004
Ara ararauna
0.104
0.011
0.527
0.278
-0.034
0.001
0.467
0.218
Aratinga aurea
0.557
0.311
-0.105
0.011
Camptostoma obsoletum
0.504
0.254
0.396
0.157
Cariama cristata
-0.326
0.106
-0.628
0.394
Cathartes aurea
-0.444
0.197
-0.341
0.116
Cathartes burrovianus
-0.142
0.020
-0.611
0.374
Chlorostilbon aureoventris
-0.024
0.001
-0.103
0.011
Colaptes campestres
-0.142
0.020
-0.475
0.226
Colibri serrirostris
0.722
0.522
-0.262
0.068
Columba picazuro
-0.296
0.087
-0.497
0.247
Coragyps atratus
0.187
0.035
-0.342
0.117
Corysphospingus cuculatus
-0.283
0.080
0.265
0.070
Crypturellus parvirostris
-0.016
0.000
0.560
0.314
Cyanocorax cristatellus
-0.610
0.373
0.250
0.062
Cyclarhis gujanensis
-0.431
0.186
0.350
0.122
Cypsnagra hirundinacea
-0.065
0.004
-0.588
0.345
Dacnis cayana
-0.076
0.006
0.312
0.097
Dryocopus lineatus
0.006
0.000
-0.238
0.056
Elaenia chiriquensis
0.009
0.000
0.417
0.174
-0.320
0.103
0.325
0.106
0.075
0.006
0.151
0.023
Falco femoralis
-0.372
0.138
-0.088
0.008
Formicivora rufa
0.141
0.020
0.435
0.189
Gnorimopsar chopi
0.746
0.557
-0.080
0.006
Guira guira
0.410
0.168
0.130
0.017
-0.086
0.007
-0.092
0.009
Megarhyncus pitangua
0.130
0.017
0.059
0.003
Melanopareia torquato
-0.040
0.002
-0.476
0.226
Mimus saturninus
0.130
0.017
0.059
0.003
Mivalgo chimachima
0.380
0.144
0.153
0.023
Neothraupis fasciata
-0.167
0.028
-0.718
0.516
Ara nobilis
Elaenia cristata
Elaenia flavogaster
Lepidocolaptes angustirostris
34
Pitangus sulphuratus
0.401
0.161
0.140
0.020
Polioptila dumicola
0.410
0.168
0.130
0.017
Polyburus plancus
-0.227
0.052
-0.444
0.198
0.410
0.168
0.130
0.017
-0.359
0.129
0.505
0.255
Rynchotus crypturellus
0.726
0.527
-0.088
0.008
Saltator atricollis
0.118
0.014
-0.126
0.016
Sporophila plúmbea
-0.050
0.002
0.295
0.087
Syrigma sibilitrix
-0.013
0.000
0.375
0.141
Tachycineta leucorrohoa
-0.348
0.121
-0.625
0.391
Thraupis sayaca
0.052
0.003
-0.336
0.113
Volatina jacarina
0.378
0.143
0.499
0.249
-0.028
0.001
-0.350
0.122
Pyrocephalus rubinus
Rhamphastos toco
Xolmis velata
Obs:marcado em amarelo estão as espécies correlacionadas significativamente a um eixo(r>0.576; p<0.05)
35
Table 5. Correlação Pearson (r) dos eixos da ordenação DCA para espeçies
independentes de formações florestais (n=32)
Espécie/Axis
r
r-sq
1r
r-sq 2
Amazona xanthops
0.749
0.562
-0.130
0.017
Aratinga aurea
0.428
0.183
-0.177
0.031
Camptostoma obsoletum
0.617
0.381
-0.110
0.012
Cariama cristata
-0.523
0.274
-0.107
0.011
Cathartes aura
-0.537
0.288
-0.233
0.054
Cathartes burrovianus
-0.351
0.124
-0.224
0.050
Colaptes campestres
-0.317
0.100
-0.596
0.355
Coragyps atratus
0.074
0.005
-0.102
0.010
Crypturellus parvirostris
0.216
0.047
0.083
0.007
Cyanocorax cristatellus
-0.504
0.254
0.341
0.116
Cypsnagra hirundinacea
-0.371
0.138
-0.403
0.162
0.064
0.004
-0.409
0.167
Elaenia cristata
-0.042
0.002
0.760
0.578
Falco femoralis
-0.391
0.153
-0.168
0.028
Formicivora rufa
0.335
0.112
0.102
0.010
Gnorimopsar chopi
0.651
0.424
0.018
0.000
Guira guira
0.442
0.195
-0.145
0.021
Lepidocolaptes angustirostris
-0.206
0.043
0.263
0.069
Melanopareia torquato
-0.214
0.046
-0.080
0.006
Mimus saturninus
0.207
0.043
0.196
0.038
Mivalgo chimachima
0.380
0.144
-0.426
0.182
-0.509
0.259
-0.439
0.193
0.482
0.232
0.038
0.001
-0.379
0.144
-0.191
0.037
Pyrocephalus rubinus
0.442
0.195
-0.145
0.021
Rynchotus rufescens
0.621
0.386
-0.009
0.000
Saltator atricollis
0.089
0.008
0.134
0.018
Sporophila plúmbea
0.091
0.008
0.056
0.003
Syrigma sibilitrix
0.011
0.000
-0.423
0.179
-0.541
0.293
-0.108
0.012
0.534
0.285
-0.252
0.064
-0.159
0.025
-0.531
0.282
Elaenia chiriquensis
Neotraupis fasciata
Pitangus sulphuratus
Polyburus plancus
Tachycineta leucorrohoa
Volatina jacarina
Xolmis velata
Obs:marcado em amarelo estão as espécies correlacionadas significativamente a um eixo(r>0.576; p<0.05)
36
Figuras
37
N
W
E
S
Figura 1. Localização do Parque Nacional das Emas. Imagem Landsat 7, 2002, bandas
5(R), 4(G), e 3(B).
38
N
W
E
S
Figura 2. Localização das áreas amostrais dentro do Parque Nacional das Emas (PNE)
e no entorno. LIP= Área ligada à mata-de-galeria dentro do PNE; ISP= Área isolada
dentro do PNE; LIE= Área ligada à mata-de-galeria em fazenda no entorno; ISE=
Área isolada em fazenda no entorno. Imagem Landsat 7 ETM, 2002, bandas 5 (R),
4(G) e 3 (B).
39
3.5
3.0
2.5
Avistamentos
2.0
1.5
1.0
0.5
0.0
-0.5
C. rufa
C. rufa
LOCAL: PNE
LOCAL: Fazendas
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 3. Resultado da ANOVA de fatores de Casiornis rufa.
5.5
4.5
Avistamentos
3.5
2.5
1.5
0.5
-0.5
E. cristata
E. cristata
LOCAL: PNE
LOCAL: Fazendas
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 4. Resultado da ANOVA de dois fatores de Elaenia cristata.
40
4.5
3.5
Avistamentos
2.5
1.5
0.5
-0.5
Ramphastos toco
LOCAL: PNE
Ramphastos toco
LOCAL: Fazendas
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 5. Resultado da ANOVA de dois fatores de Ramphastos toco.
4.5
3.5
Avistamento
2.5
1.5
0.5
-0.5
C. serrirostris
LOCAL: PNE
C. serrirostris
LOCAL: Fazendas
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 6. Resultado da ANOVA de dois fatores de Colibri serrirostris.
41
2.2
1.8
Avistamentos
1.4
1.0
0.6
0.2
-0.2
Xolmis velata
Xolmis velata
LOCAL: PNE
LOCAL: Entorno
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 7. Resultado da ANOVA de dois fatores de Xolmis velata.
4.5
3.5
Avistamentos
2.5
1.5
0.5
-0.5
C. obsoletum
C. obsoletum
TIPO: Ligada
TIPO: Isolada
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 8. Resultado da ANOVA de dois fatores de Camptostoma obsoletum.
42
4.5
3.5
Avistamentos
2.5
1.5
0.5
-0.5
Formicivora rufa
Formicivora rufa
TIPO: Ligado
TIPO: Isolado
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 9. Resultado da ANOVA de dois fatores de Formicivora rufa.
8
7
6
Avistamentos
5
4
3
2
1
Max
Min
0
-1
Volatina jacarina
Volatina jacarina
TIPO: Ligado
TIPO: Isolado
75%
25%
Median
Figura 10. Resultado da ANOVA de dois fatores de Volatina jacarina.
43
12
10
8
Avistamentos
6
4
2
0
Max
Min
N. Fasciata
N. Fasciata
75%
25%
TIPO: Liagdo
TIPO: Isolado
Median
-2
Figura 11. Resultado da ANOVA de dois fatores de Neothraupis fasciata.
2.2
1.8
Avistamentos
1.4
1.0
0.6
0.2
-0.2
H. guira
H. guira
LOCAL: PNE
LOCAL: Fazendas
Max
Min
75%
25%
Median
Figura 12a. Resultado da ANOVA de dois fatores de Hemithraupis guira (Local).
44
2.2
1.8
Avistamentos
1.4
1.0
0.6
0.2
Max
Min
-0.2
H. guira
H. guira
TIPO: Ligado
TIPO: Isolado
75%
25%
Median
Figura 12b. Resultado da ANOVA de dois fatores de Hemithraupis guira (Tipo).
4.5
3.5
Avistamentos
2.5
1.5
0.5
Max
Min
-0.5
M. saturninus
M. saturninus
LOCAL: PNE
LOCAL: Fazendas
75%
25%
Median
Figura 13a. Resultado da ANOVA de dois fatores de Mimus saturninus (local).
45
4.5
3.5
Avistamentos
2.5
1.5
0.5
Max
Min
M. saturninus
M. saturninus
75%
25%
TIPO: Ligado
TIPO: Isolado
Median
-0.5
Figura 13b. Resultado da ANOVA de dois fatores de Mimus saturninus (Tipo).
46
LIE2
Hemitraupis guira
Pteroglossus castonotis
Coryphospingus
cuculatus
Cassiornis rufa
E
i
x
o
2
ISE3
ISE2
LIE1
ISP1
LIP2
ISE1
ISP2
ISP3
LIP1
LIP3
LIE3
Eixo 1
Amazona xanthops
Rynchotus rufescens
Gnorimpsar chopi
Aratinga aurea
Figura 14. DCA feito com espécies dependentes, semidependentes e independentes de
formações florestais (n=52).
47
Ara ararauna
Ara noilis
Dacnis cayana
Syrigma sibilitrix
LIP3
ISE3
LIE2
LIP1
ISE2
LIE1
LIE3
E
i
x
o
2
LIP2
ISP1
ISP3
ISP2
Tachycineta leucorrhoa
Cariama cristata
Cathartes burrovianus
ISE1
Cathartes aurea
Cyclahris gujanensis
Eixo 1
Rynchotus rufescens*
Gnorimpsar chopi*
Amazona xanthops*
Guira guira
Polioptila duminicola
* p<0,05
Figura 15. DCA feito com espécies semidependentes e independentes de formações
florestais (n=46).
48
Elaenia cristata*
Lepidocolaptes angustirostris
Mimus saturninus
Cyanocorax cristatelus
Saltator atricollis
ISE3
ISE2
LIE3
E
i
x
o
2
LIE2
LIP2
ISP1
ISE1
LIE1
ISP3
LIP3
LIP1
Colaptes campestris*
Syrigma sibilitrix
Xolmis velata
ISP2
Cathartes aurea
Tachycineta leucorrhoa
Cariama cristata
Cathartes burrovianus
Eixo 1
Rynchotus rufescens*
Gnorimpsar chopi*
Camptostoma obsoletum*
Amazona xanthops*
Guira guira
Pyracephalus rubinus
*p<0,05
Figura 16. DCA somente com espécies independentes de formações florestais (n=32).
49
Capítulo 2. Fragmentação, conectividade e a abundância de aves na região do
Parque Nacional das Emas.
INTRODUÇÃO
A extensão original do bioma Cerrado era de 1.783.200 km2 . Infelizmente,
calcula-se que apenas 20% ou 356.830 km2 ainda restam (Myers et al, 20020). Crítico
para esta questão foi o desenvolvimento de novas técnicas agrícolas, o que permitiu a
plantação de uma variedade de cultivares em especial grãos. O terreno plano facilitou
o emprego de maquinário agrícola, cada vez mais adaptado à região, e, em função
disso, as colheitas quebram recordes anualmente. Mesmo assim, novas áreas de
cerrado são constantemente abertas para novos plantios e para pasto. O Cerrado
também é considerado como uma alternativa para não desmatar a floresta Amazônica,
apesar de ser considerado um hotspot de espécies endêmicas (Myers et al, 2000).
Apesar de todas a sua diversidade, perdendo apenas para Amazônia em número de
espécies em território brasileiro, apenas 6% do que resta são protegidos e a maioria
das propriedades rurais não têm os 20% de Reserva Legal, área natural a ser
preservada, como demanda o Código Florestal brasileiro. O impacto da agricultura e
da prática da pecuária pode ser visto a olho nu quando se viaja pelas áreas centrais do
Brasil. Manchas de hábitat natural são dispersas na paisagem e a conectividade que
permitia a movimentação da fauna e a dispersão de sementes foi rompida. Outra
figura de lei do Código Florestal que foi editada em 1965, a Área de Preservação
Permanente, APP, que exige a manutenção de uma faixa de vegetação ao longo dos
cursos d'água para proteção dos mesmos, nunca foi usada para manter a conectividade
da paisagem como poderia ser feito através de um pré-desenho da organização
espacial das áreas modificadas antropicamente (Laurance e Gascon, 1997; de Lima e
50
Gascon, 1999; de Lima, 2003). Muito pelo contrário, o que se vê são manchas de
cerrado de tamanhos diferentes pulverizadas na paisagem.
A ausência de conectividade afeta a biota, em especial a vida animal, em
várias formas. Recursos podem diminuir rapidamente em manchas pequenas e a
matriz pode ser inóspita para várias espécies impedindo que elas saiam das manchas
(Simberloff e Cox, 1987; Bennet, 1990; Simberloff et al, 1991; Hobbs, 1992;
Lindenmayer e Nix, 1993; 1994; Bennet, 1999). Isolamento de (meta) populações
pode levar à depressão endogâmica, que irá por em risco a sobrevivência da espécie
(Hanski e Simberloff, 1997; Hanski, 1999). Algumas espécies de cerrado como a Ema
(Rhea americana) e o Cachorro-do- mato (Cerdocyon thous) podem movimentar-se e
viver em áreas perturbadas e são vistos com freqüência nas áreas agrícolas, não só se
alimentando como também reproduzindo nestas áreas. Outras espécies, entretanto, são
mais sensíveis à degradação do hábitat natural ou são mais especialistas em certos
hábitats, como, por exemplo, o Soldadinho (Antilophia galeata) ou a Onça-pintada
(Panthera onca), que são mais dependentes do cerrado (Marini, 2001; Silveira,
com.pess). O Cerrado, porém, não é, de forma alguma, um ambiente homogêneo. Ele
varia de campos limpos extensos a matas fechadas (Ratter et al. 1997), sendo bastante
comum manchas de vegetação mais densa isoladas em área aberta, o que pode limitar
populações a estas áreas. Mesmo existindo um isolamento espacial destas manchas
naturais, ainda é possível que a matriz seja permeável e que haja movimentação entre
as manchas. Aves, em especial, irão atravessar grandes extensões de áreas abertas
com a exceção de espécies muito dependentes de formações florestais (Marini, 2001).
Como este gr upo percebe o hábitat natural e o alterado antropicamente é uma
informação vital para propósitos conservacionistas e para o desenho da paisagem com
o intuito de manter a máxima conectividade possível (de Lima et al. 2003).
51
O Parque Nacional das Emas, PNE, tem sido considerado por muitos como
uma ilha de cerrado no meio de uma área de agricultura. Uma análise, em macro
escala, nunca foi feita com o intuito de saber o quanto esta unidade de conservação
está realmente isolada e como isto afeta a vida animal dentro e fora da mesma. Este
trabalho faz uma análise do estado de conectividade e fragmentação do cerrado
adjacente ao Parque e também associa a abundância de aves do Cerrado a diferentes
estruturas da paisagem na área de estudo, em especial à preferência por manchas de
cerrado adjacentes à matas-de-galeria, que juntas irão funcionar como corredores de
fauna. Nós consideramos quais seriam as melhores opções para conservação da
avifauna do Cerrado, em especial as endêmicas, para sugerir uma estratégia para o
Projeto Corredor Cerrado Pantanal, um projeto multi-organizacional liderado pela
Conservation International, que tem como propósito a manutenção e religação da
conectividade entre estes dois biomas brasileiros.
O objetivo deste trabalho é testar a existência de correlações entre elementos
da estrutura da paisagem e a abundância de aves na região do Parque Nacional das
Emas.
MÉTODOS
A análise da paisagem foi feita na região do Parque Nacional das Emas, PNE,
localizado a sudoeste do Estado de Goiás, Brasil (Fig. 1) O PNE tem cerca de 132.000
ha e é composto basicamente de campo limpo e campo sujo com manchas de cerrado
s.s, matas-secas e matas-de-galeria. Agricultura e pecuária dominam as áreas
adjacentes ao PNE, sendo plantados na maioria das vezes soja, milho, algodão e
girassol. Apesar da região ser ocupada desde o século 20, o uso da terra só se
intensificou no final dos anos 60 e início dos 70. Para o leste do PNE existe uma
mistura de agricultura e pecuária extensiva, e para o oeste a agricultura domina. Dois
52
rios cruzam o PNE e riachos se juntam a eles, fluindo em direção à bacia do Paraná.
Ao longo dos rios, manchas de matas-de-galeria são encontradas e algumas
propriedades possuem condomínios de Reserva Legal, alargando o corredor natural.
Três áreas que ainda possuem grandes áreas naturais estão próximas ao PNE e têm
sido de interesse ao Projeto Corredor Cerrado Pantanal. Treze quilômetros à oeste está
o Parque Estadual do Taquari, PET, no Estado do Mato Grosso do Sul. Possui cerca
de 33.800 ha dominados por cerrado denso, mata-seca e matas-de-galeria em um
terreno acidentado. Ainda está em processo de estabelecimento, com pendências
fundiárias. Para o noroeste está a região do Zeca Novato (ZN) a aproximadamente 22
km. Nesta região existe interesse na criação de uma Reserva de Vida Silvestre, em
áreas ainda pristinas de cerrado mesclado com áreas já usadas para fins agropecuários.
Na região há também um acampamento do Movimento dos Sem Terra, MST.
Finalmente a 10 km a leste do PNE está a região da Panela com cerca de 44.000 ha de
muitas reservas legais onde existe a idéia de criar-se um mosaico de Unidade de
Conservação em especial de Reservas Privadas de Patrimônio Natural.
Análise da Paisagem
Um polígono de 1.491.519,69 ha foi cortado de um mosaico de quatro
imagens Landsat 7 ETM 2002 da região que compreende o Projeto Corredor Cerrado
Pantanal. A área do polígono tem o PNE como centro e todas as áreas de interesse
mencionadas acima além das áreas amostrais do trabalho de de Lima et al. (2003). A
imagem foi classificada com o programa Erdas Imagine 8.4 usando-se uma
classificação isodata não supervisionada com as bandas vermelho (3), infravermelho
próximo (4) e infravermelho médio (5). Um filtro estatístico de mediana 7x7 foi usado
e as áreas como menos de 4 pixels (900 m2 ) foram reclassificadas. A validação de
campo foi feita a partir do trabalho de Batalha (2001) e idas ao campo por parte da
53
Oréades, Núcleo de Geoprocessamento, em Mineiros, Goiás. A imagem classificada
foi vetorizada e uma pós classificação manual foi realizada usando o programa
ArcView Gis 3.2 baseado no conhecimento da área do pesquisador principal. Oito
classes de uso da terra/classes de cobertura vegetal foram usados: Pasto; Formações
florestais (e.g. mata-de-galeria e mata seca); Cerrado s.s; Campo aberto (e.g. campo
úmido, campo limpo e campo sujo); Agricultura; Áres urbanas; não classificadas; sem
classificação (Fig. 2). A imagen final foi transformada em uma imagem do tipo grade
(arquivo .grid ) e analisada no programa Fragstat 3.3 (McGarigal e Marks, 1995). Para
analisar a paisagem total em termos de uso da terra e cobertura, usamos o índice de
contágio ao nivel de classe "Aggregation Index" (AI) (McGarigal e Marks, 1995).
As métricas de contágio em geral medem a tendência dos tipos de manchas
serem espacialmente agregados ou estarem em uma distribuição contagiosa
("contagious") e distingue padrões da paisagem que estão agregados ou dissecados
(McGarigal & Marks, 1995; Turner et al, 2001).
Análise de hábitat na paisagem
Para ana lisar a relação da estrutura de hábitat em nível da paisagem e a
abundância de aves do Cerrado em 12 áreas amostrais usadas em de Lima (2003)
(Fig. 3)., nós cortamos da imagen classificada quatro polígonos circulares com os
seguintes diâmetros (em metros): 500, 1.000, 5.000 e 10.000, tendo como centro do
polígono o meio do transecto usado no estudo acima mencionado Cada polígono foi
analisado com o programa Fragstat 3.3 (McGarigal e Marks, 1995) para calcular os
seguintes índices em nivel da paisagem: Número de manchas (NP); Contágio
(CONTAGIO);. Índice de Agregação (AI), Índice de Divisão da Paisagem
(DIVISION) e Índice de Diversidade de Shannon (SHDI).
escolhidos
por
eliminação
dos
demais
possíveis
Estes índices foram
por
provocarem
a
54
multicolineariedade, que causavam erros na interpretação dos resultados (McGarigal
et al. 2000).
Para testar a independência espacial dos dados de paisagem foi feito um teste
de Mantel. A hipótese nula do teste é de que não existe relação entre duas matrizes
simétricas (McCune e Grace, 2002). Neste estudo montamos uma matriz de distância
calculada através das coordenadas UTM dos polígonos (Tab. 1) e para cada classe de
tamanho de polígonos (500, 1.000, 5.000 e 10.000m de diâmetro), montamos outra
matriz (Tab. 2, 3, 4 e 5). A análise foi feita com o programa PC-Ord 4.10 (McCune e
Mefford, 1999) combinando a matriz de distância com as matrizes de variáveis
explicativas.
As matrizes dos polígonos independentes foram usadas para relacionar os
índices de paisagem com a abundância das aves do trabalho de de Lima (2003). Neste
trabalho as aves foram divididas em três grupos seguindo Silva (1995):espécies
dependentes, semidependentes e independentes de formações florestais (n=52);
espécies semidependentes e independentes de formações florestais (n=46); e apenas
espécies
independentes
de
formações
florestais
(n=32).
Uma
Análise
de
Correspondância Canônica (ACC) usando o programa PC-ORD 4.10 (McCune e
Mefford, 1999) foi feita para testar a estrutura da comunidade com as variáveis da
paisagem (Jongman et al. 1995; McGarigal et al. 2000). O ajuste usado foi o padrão
do programa e uma simulação de Monte Carlo foi rodada com usando o horário do
computador como "seed number".
Para comparar a quantidade de cobertura de uso de solo por classe, foram
separadas os "shapes" de cada um e apresentado em forma de figura. A quantidade de
cobertura pode ser relevante para a dispersão das espécies.
55
RESULTADOS
Análise da paisagem
Nossa análise mostrou que cerca de 60,5% da área estudada é ocupada por
áreas alteradas e que 39,9% são ainda áreas naturais sendo 16,5% de cerrado, 7,9% de
formações florestais e 14,7% de campo aberto. O Parque Nacional das Emas contribui
com 22,7% destas áreas naturais e 8,9% da paisagem total. Perto de 55% de todas as
áreas abertas estão protegidas dentro do PNE (Tab. 6). A parte oeste do Parque em
direção à Parque Estadual do Taquari e a região do Zeca Novato é dominada por
agricultura (soja, algodão, milho ou girassol) e possui pouca área natural. Uma estrada
e uma ferrovia cortam esta área (Ramos-Neto e Vietas, 1998). A parte leste do Parque
tem várias fazendas de gado e ainda áreas naturais. Dentro do pasto, manchas de
cerrado são observadas e foram deixadas como refúgio para o gado. Ao longo do rio
Jacuba várias reservas legais foram averbadas e estabelecidas e formaram um
condomínio de reservas, alargando o corredor de vegetação ao longo do rio, com
áreas de mata-de-galeria, campos e cerrado. Este corredor sai do PNE e está bastante
perto da região da Panela.
O índice de contágio indicou que as classes estão agregadas (Tab. 7). Isto é
provavelmente devido a dois aspectos da paisagem:
1) falta de áreas naturais preservadas como Reservas Legais e Áreas de Preservação
Permanente;
2) topografia: onde a paisagem é mais plana encontra-se mais agricultura e onde ela é
mais acidentada, existe uma concentração pastos.
Analise multivariada do hábitat e abundância
A hipóstese nula do teste de Mantel foi rejeitada em dois casos: polígonos de
5.000 m e 10.000 m (Tab. 8). A CCA foi feita então com as matrizes de variáveis da
56
paisagem extraídas dos polígonos de 500 m e 1.000 m e com as matrizes de
abundância.
Nenhuma das seis análises rejeitou a H0 na randomização de Monte Carlo,
portanto não havia relação entre as matrizes. Cada análise tem uma tabela de
regressão múltipla que mostram a relação das variáveis de paisagem aos eixos. As
linhas nas figuras mostram a relação da variável ambiental com a comunidade
observada nas áreas amostrais. Quanto maior a linha, maior a relação. As coordenadas
das linhas também são apresentadas em tabelas no anexo
Polígono de 500 m
- Espécies independentes de formações florestais (n=32)
A correlação intra-amostragem (Tab. 9) indica que o eixo 1 é um gradiente de
diversidade (SHDI) e o eixo 2 é um gradiente de agregacão (AI), contágio
(CONTAG) e divisão (DIVISION). A relações das variáveis ambientais com a
comunidade podem ser vistas no figura 4. Quatro áreas ligadas (LIE1, LIE3, LIP1 e
LIP2) estão mais relacionados positivamente ao eixo1 entqaunto que todas as áreas
isoladas e as ligadas LIP1 e LIE2, estão relacionadas negativamente à este eixo. Ao
eixo 2 estão correlacionadas positivamente todas as áreas ligadas e as áreas isoladas
ISE2, ISE3 e ISP1 e negativamente as áreas isoladas ISP1, ISP2, ISP3 e ISE1, e a
ligada LIE1 (Fig. 4).
- Espécies semidependentes e independentes de formações florestais
(n=46)
A correlação intra-amostragem (Tab. 10) indica que o eixo 1 é um gradiente de
diversidade (SHDI) e de divisão (DIVISION) e o eixo 2 de agregação (AI) e contágio
(CONTAG). O gráfico mostra quatro áreas ligadas (LIE1, LIE3, LIP2 e LIP2) mais
relacionadas positivamente ao eixo1. As áreas isoladas e as ligadas LIP1 e LIE2 estão
57
relacionadas negativamente a este eixo. Ao eixo 2 estão correlacionadas
positivamente as áreas ligadas LIP1, LIP2, LIP3, LIE2 e LIE3 e as áreas isoladas
ISE2 e ISE3, e negativamente, as áreas isoladas ISP1, ISP2, ISP3 e ISE1 e a área
ligada LIE1 (Fig. 5).
- Espécies dependentes, semidependentes e independentes a formações
florestais (n=52).
A correlação intra-amostragem (Tab. 11) indica que o eixo 1 é um gradiente de
diversidade (SHDI), de divisão (DIVISION) e de agregação (AI) e o eixo 2 um
gradiente também de agregação (AI). No eixo 1 estão correlacionadas positivamente
as áreas ligadas LIP2, LIP3, LIE1, LIE3 e as isoladas ISE1 e ISP3. Negativamente
estão correlacionadas as áreas isoladas ISP1, ISP2, ISE2 e ISE3 e as ligadas LIP1 e
LIE2. Ao eixo2 têm correlação positiva, as áreas isoladas ISE2 e ISE3 e a ligada LIE2
e negativa as isoladas ISP1 e ISP2 e a ligada LIP1 (Fig. 6).
Polígono de 1.000 m
- Espécies independentes de formações florestais (n=32)
A correlação intra-amostragem (Tab. 12) indica que o eixo1 é um gradiente de
número de manchas (NP), diversidade (SHDI) e divisão (DIVISION) e o eixo dois um
gradiente moderado de agregação (AI). Ao eixo 1 estão correlacionadas positivamente
as áreas ligadas LIP2, LIP3, LIE1, LIE2 e LIE3 e as áreas isoladas ISE2 e ISE3, e
negativamente, a área ligada LIP1 e as isoladas ISE1, ISP1, ISP2 e ISP3. Ao eixo2
estão correlacionadas as áreas ligadas LIP1, LIP2, LIP3 e as isoladas ISE1, e ISE3.
Correlacionadas negativamente ao eixo2 estão as áreas ligadas LIE1 e LIE2 e as
isoladas ISP1, ISP2, ISP3 e ISE2 (Fig. 7).
- Espécies semidependentes e independentes de formações florestais
(n=46).
58
A correlação intra-amostragem (Tab. 13) indica que o eixo1 é um gradiente de
número de manchas (NP), diversidade (SHDI) e divisão (DIVISION). Não existem
grandes correlações das métricas ao eixo2. Ao eixo 1 estão correlacionados
positivamente as áreas ligadas LIP2, LIP3, LIE1, LIE2 e LIE3 e as áreas isoladas
ISE2 e ISE3, e negativamente, a área ligada LIP1 e as isoladas ISE1, ISP1, ISP2 e
ISP3. Ao eixo2 estão correlacionadas postivamente as áreas ligadas LIP1, LIP2, LIP3
e à isolada ISE3. Correlacionadas negativamente ao eixo2 estão as áreas ligadas LIE1
e LIE2 e as isoladas ISP1, ISP2, ISP3 e ISE2 (Fig. 8).
- Espécies dependentes, semidependentes e independentes de formações
A correlação intra-amostragem (Tab. 14) indica que o eixo1 é um gradiente de
número de manchas (NP), diversidade (SHDI) e divisão (DIVISION). Não existem
grandes correlações significativas das métricas ao eixo2. Ao eixo 1 estão
correlacionadas positivamente as áreas ligadas LIP3, LIE1, LIE2 e LIE3 e as áreas
isoladas ISE2 e ISE3, e negativamente, a áreas ligadas LIP1 e LIP2 e as isoladas
ISE1, ISP1, ISP2 e ISP3. Ao eixo2 estão correlacionadas postivamente as áreas
ligadas LIP1, LIP2, LIP3 e a isolada ISE3. Correlacionadas negativamente ao eixo2
estão as áreas ligadas LIE1 e LIE2 e as isoladas ISP1, ISP2, ISP3 e ISE2 (Fig. 9).
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
A paisagem foi praticamente toda alterada por ação antrópica, tendo mais de
60% da área ocupada por agricultura e pecuária. Sítios urbanos não ocupam muitas
áreas mas as outras áreas alteradas são bastante inóspitas para muitas espécies
dependentes de cobertura vegetal mais densa e dossel mais fechado como matas-degaleria, matas-secas e cerradões. De acordo com a teoria de percolação aplicada à
paisagem, o limiar em que uma classe de cobertura irá atravessar de ponta a ponta da
paisagem seria de 59% de ocupação da mesma, para paisagens geradas randômicas
59
(pc= 0,59) (Metzger e Decámps, 1998). A soma das áreas naturais é menos de 40%.
Sendo assim, espécies mais dependentes de áreas contíguas e mais densas poderão ter
dificuldade em atravessar a paisagem, caso esta se comporte como uma paisagem
randômica (Fig. 10). A presença do Parque Nacional das Emas é essencial para
impedir o processo de ruptura da paisagem. As áreas de campo, apesar de serem
apenas uma pequena parte da área analisada ocupando 9% do total, estão na maioria
dentro do PNE e representam 55% do total de campo no polígono do estudo. Estas
áreas são consideradas pelos fazendeiros como sendo a parte mais valiosa pelo terreno
plano que facilita o trabalho das máquinas. Entretanto, muitas espécies de aves e
outros táxons, não percebem os campos agrícolas ou pastos como hábitats inóspitos
por possuírem aspectos estruturais semelhantes a campos abertos. Trabalho recente
com aves do Cerrado na região corrobora com este argumento (de Lima, 2003) e
observações in loco mostram que algumas espécies atravessam as áreas alteradas e as
usam para inclusive reprodução. Estas áreas, entretanto, podem
agir como
sumidouros para as populações locais e foram classificadas como inóspitas por alguns
(Simberloff e Cox, 1987; Tubelis e Cavalcanti, 2000). A atividade de máquinas
agrícolas também pode apresentar efeitos deletérios assim como o pisoteamento do
gado em pastos, fora a própria destruição dos recursos para estas bestas. A caça
também é um sério problema na região.
A nossa análise com dados de estrutura de hábitat e abundância de aves
confirma os resultados de de Lima (2003) onde foi observado que a comunidade
estudada prefere a heterogeneidade do hábitat como a encontrada na manutenção das
áreas de cerrado ao lado das matas-de-galeria, ao contrário do que é visto em manchas
isoladas, com uma estrutura de classe menos diversa. Sendo assim,
o
restabelecimento da conectividade e a proteção futura de áreas é uma prioridade na
60
região e tem que ser planejada, levando-se em conta todas as ferramentas e estratégias
possíveis.
Duas estratégias podem ser consideradas dependendo do tipo de atividade
estive r sendo realizado na propriedade. Para o oeste e noroeste do PNE a agricultura
domina e existem poucos cursos d'água, principalmente a oeste. Existe também a
inexistência quase total de Reservas Legais. Uma alternativa para o restabelecimento
da conectividade na região é o uso de "stepping-stones", pedras de caminhar,
formando caminhos por onde a aves podem se mover entre áreas naturais como o
Parque Estadual do Taquari e a região do Zeca Novato, com refúgios no meio, que
podem servir para pousar, descansar ou mesmo reproduzir com segurança.
Na parte leste do PNE, a atividade dominante é a de criação de gado extensiva
e muitos cursos d'água estão presentes. Apesar de muitas áreas para Reserva Legal
não terem ainda sido averbadas, umas tantas já o foram e várias formaram um
condomínio de reservas ao longo do rio Jacuba. Em outras áreas o mesmo pode ser
feito. A futura Reserva de Vida Silvestre da Panela é beneficiada pelo corredor de
vegetação que foi formado ao longo do rio Jacuba que cruza o PNE.
Apesar do cenário ser preocupante ainda é possível colocar estas estratégias
em prática para mitigar o efeito da alteração antrópica na região. Estas estratégias
podem inclusive ser aproveitadas no Projeto Corredor Cerrado Pantanal, envolvendo a
população local, tomadores de decisão e os representantes dos diferentes níveis de
governo para restaurar ou manter o que existe de conectividade entre os dois biomas.
61
BIBLIOGRAFIA
Batalha, M. A. 2001. Caracterização estrutural da cominidade vegetal no trecho
Coxim-Mineiros (Projeto Corredor Cerrado Pantanal) e sua associação a descritores
remotos. Relatório apresentado a Conservation International do Brasil.
Bennet, A. F. 1990. Hábitat corridors and the conservation of small mammals in a
fragmented forest environment. Landscape Ecology 4:109-122.
de Lima, M. G. 2003. Ecologia da paisagem e cenários para a conservação da
aviifauna na região do Parque Nacional das Emas. GO. Tese de doutorado,
Programa de Pós Graduação em Ecologia, Departamento de Ecolgogia, Instituto de
Biologia, Universidade de Brasília.
de Lima, M. G. and C. Gascon. 1999. The conservation value of linear forest
fragments in Central Amazonia. Biological Conservation 91: 241-247.
Hanski, I. A. and D. Simberloff. 1997. The metapopulation approach, its history,
conceptual domain, and application to conservation. Pages 1-26 in I. A.
Hanski and M. E. Gilpin, editors. Metapopulation Biology: ecology, genetics,
and evolution. Academic Press, San Diego.
Hobbs, R. J. 1992. The role of corridors in conservation: solution or bandwagon:
Trends in Ecology and Evolution 7: 173-185.
Jongman, R. H. G., C. J. F. ter Braak and O. F. R. van Tongreen. 1995. Data
analysis in community and landscape ecology. Cambridge University Press.
Cambridge. United Kingdom.
Laurance, W. F. and C. Gascon. 1997. How to creatively fragment a landscape.
Conservation Biology 11: 577-579.
Lindenmayer, D. B. and H. A. Nix. 1993. Ecological principles for the design of
wildlife corridors. Conservation Biology 12: 460-464.
62
Marini, M, Â. 2001. Effects of forest fragmentation on birds of the cerrado region,
Brazil. Bird Conservation International 11: 13-25.
McCune, B. e J. Mefford. 1999. PC-ORD. Multivariate analysis of ecologic al data.
Version 4.0. MjM Software. Gleneden Beach, Oregon
McCune, B. e Grace J. 2002. Analysis of ecological communities. MjM Software
Design.
McGarigal, K., and B.J. Marks. 1995. FRAGSTATS: spatial pattern analysis program
for quantifying landscape structure. Gen. Tech. Report PNW-GTR-351, USDA
Forest Service, Pacific Northwest Research Station, Portland, OR
McGarigal, K., S. Cushman e Stafford. 2000. Multivariate statistics for wildlife and
ecology research. Springer Verlag.
Metzger, J. P e Décamps. 1997. The structural connectivity threshold: an hypothesis
in conservation biology at the landscape scale. Landscape Ecology 18(1): 1-12.
Myers, N., R. A. Mittermeier, C. Mittermeier, G. A. B. da Fonseca and J. Kents.
2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403.
Ramos-Neto, MB & Vieitas, C.F. (1998) Estudo da Circulação de Fauna no Entorno
do Parque Nacional das Emas - GO. Relatório Técnico. Licenciamento
FERRONORTE, IBAMA, Tetraplan, SP.
Ratter, J. A., J. F. Ribeiro and S. Bridgewater. 1997. The Brazilian cerrado
vegetation and threats to its biodiversity. Annals of Botany 80: 223-230.
Simberloff, D. and J. Cox. 1987. Consequences and costs of conservation corridors.
Conservatio n Biology 1: 63-71.
Tubelis, D. P, and R. B. Cavalcanti. 2000. A comparison of bird communities in
natural and disturbed non-wetland open hábitats in the Cerrado’s central
region, Brazil. Bird Conservation International 10:331-350.
63
Tabelas
64
Tabela 1. Matriz de distância em metros entre as áreas amostrais.
LIP1
LIP1
ISP1
LIP2
ISP1
LIP2
ISP2
ISP3
LIE1
LIE2
LIE3
ISE3
1695.71
0.00 12884.00 14355.00 13478.89 10295.01
9382.43 17998.19 38663.02 32835.90 41903.44 33281.89
11183.33 12884.00
0.00 1526.14 26348.65 21828.25 14593.56 27717.36 50049.45 44096.88 50949.16 44840.46
0.00 27765.94 23111.87 15506.10 28768.10 51218.63 45259.28 51811.17 46042.44
15169.30 13478.89 26348.65 27765.94
0.00 6577.84 16254.12 11889.69 26330.81 20904.94 32596.56 20891.02
9900.82 8345.94 28487.43 22608.23 31896.03 23162.27
0.00 13421.94 36159.28 30200.91 36357.00 31178.72
ISE1 18385.98 17998.19 27717.36 28768.10 11889.69 8345.94 13421.94
0.00 22799.44 16866.02 23919.81 17992.03
39669.98 38663.02 50049.45 51218.63 26330.81 28487.43 36159.28 22799.44
ISE2 33788.52 32835.90 44096.88 45259.28 20904.94 22608.23 30200.91 16866.02
LIE3
ISE2
8294.20 18385.98 39669.98 33788.52 33467.18 34333.44
ISP3 11183.15 10295.01 21828.25 23111.87 6577.84
0.00
LIE1
8294.20 9382.43 14593.56 15506.10 16254.12 9900.82
LIE2
ISE1
1695.71 11183.33 12618.10 15169.30 11183.15
ISP2 12618.10 14355.00 1526.14
LIP3
LIP3
0.00
0.00 5965.28 12495.01 5444.82
5965.28
0.00 14350.66 1999.69
33467.18 41903.44 50949.16 51811.17 32596.56 31896.03 36357.00 23919.81 12495.01 14350.66
ISE3 34333.44 33281.89 44840.46 46042.44 20891.02 23162.27 31178.72 17992.03
0.00 15909.25
5444.82 1999.69 15909.25
65
0.00
Tabela 2 .Métricas de paisagem dos polígonos de 500 m
Áreas*/Métricas NP CONTAG DIVISION SHDI
AI
LIP1
3
56.45
0.40
0.57
ISP1
2
58.51
0.35
0.54
LIP2
5
56.77
0.54
0.90
ISP2
2
59.62
0.34
0.52
LIP3
3
56.86
0.55
0.91
ISP3
2
46.81
0.49
0.68
LIE1
3
47.51
0.66
1.09
ISE1
5
46.93
0.61
0.68
LIE2
2
57.46
0.38
0.57
ISE2
8
75.57
0.17
0.31
LIE3
3
64.98
0.40
0.73
ISE3
3
92.21
0.03
0.09
99.66
99.58
99.51
99.53
99.72
99.27
99.30
99.30
99.83
99.70
99.64
99.83
* para descrição das áreas vide de Lima (2003)
Tabela 3. Métricas de paisagem dos polígonos de 1.000 m
Áreas*/Métricas NP CONTAG DIVISION SHDI AI
LIP1
3
56.91
0.53
0.56
ISP1
2
75.73
0.17
0.31
LIP2
3
51.96
0.60
1.00
IPS2
2
83.48
0.10
0.21
LIP3
3
52.60
0.60
1.00
ISP3
2
72.84
0.20
0.35
LIE1
7
53.54
0.72
1.20
ISE
2
59.72
0.34
0.52
LIE2
5
57.06
0.54
0.90
ISE2
5
48.35
0.65
1.05
LIE3
3
54.42
0.58
0.96
ISE3
4
51.09
0.65
1.02
99.45
99.58
99.44
99.75
99.60
99.64
98.83
99.43
99.47
98.81
99.68
99.32
* para descrição das áreas vide de Lima (2003)
Tabela 4. Métricas de paisagem dos polígonos de 5.000 m
Áreas*/Métricas NP CONTAG DIVISION SHDI AI
LIP1
6
85.5508
0.1267 0.2632 98.9792
ISP1
8
81.9788
0.3682 0.3305 98.7535
LIP2
6
74.0974
0.394 0.4956 98.7353
ISP2
8
81.654
0.1933 0.3598 99.3495
LIP3
9
50.6958
0.7573 1.2897 99.1124
ISP3
2
97.1415
0.0109 0.034 99.8767
LIE1
9
66.7154
0.6489 0.8219 98.234
ISE1
8
70.154
0.5213 0.7766 99.3665
LIE2
20
56.2689
0.8144 1.2443 97.4117
ISE2
22
69.9222
0.47 0.843 97.9427
LIE3
16
50.6725
0.7253 1.2493 98.247
ISE3
51
48.5113
0.8881 1.4338 96.2211
* para descrição das áreas vide de Lima (2003)
66
Tabela 5. Métricas de paisagem dos polígonos de 10.000 m
Áreas*/Métricas NP CONTAG DIVISION SHDI AI
LIP1
10
90.1122
0.0739 0.1657 98.9017
ISP1
12
90.3461
0.0697 0.1587 98.8314
LIP2
15
81.9934
0.1955 0.4208 98.5628
ISP2
19
76.0074
0.3036 0.578 98.4676
LIP3
24
52.7603
0.8234 1.1813 97.9776
ISP3
13
70.1683
0.4167 0.7755 99.3192
LIE1
30
61.8004
0.7518 0.9207 97.5121
ISE1
14
72.3204
0.6784 0.6963 98.8563
LIE2
47
54.4709
0.8709 1.2443 95.9672
ISE2
78
63.7192
0.8125 1.0559 95.3079
LIE3
37
60.4894
0.7124 0.9574 97.6027
ISE3
100
60.8452
0.8177 1.1338 94.7801
* para descrição das áreas vide de Lima (2003)
Tabela 6. Área total e sem o Parque Nacional das Emas.
Tipo
Cerrado
Floresta
Pecuária
Agricultura
Campo
não classificado
sem classe
Urbano
Totat
Cobertura (ha)
246.658,59
119.284,02
315.585,27
586.996,56
218.855,97
1.013,49
2.649,06
476,73
1,491,519.69
% da área
16.53
7.99
21.15
39.35
14.67
0.07
0.18
0.03
100
Cobertura s/PNE
237,118.23
115,922.79
315,585.27
586,996.56
99,021.96
1,013.49
2,649.06
476.73
1,358,784.09
% da área s/PNE
17.45
8.53
23.23
43.20
7.29
0.07
0.19
0.04
100
Tabela 7. Índice de contágio de agregação
Tipo
Cerrado
Mat
Pecuária
Agricultura
Campo
não classificado
sem classe
Urbano
Índices de Aggregation
96.2395
94.3957
97.683
99.0394
97.6677
94.89
92.2784
97.4732
67
Tabela. 8. Resultados
distância.
Polígono (m) r
500
0,11
1.000
0,06
5.000
0,36
10.000
0,47
do Teste de Mantel. H0: não existe relação entre as matrices de
p (Assimptótica)
0,43
0,06
<0,01
<0,01
p (Monte Carlo)
0,22
0,31
0,01
< 0,01
Tabela 9.Correlações intra-amostragem para as variáveis extraídas de polígonos com
500 m e a abundância de espécies independentes de formações florestais
Variáveis/Eixos Eixo 1
Eixo 2
NP
0.061
0.284
CONTAG
-0.236
0.866
DIVISION
0.541
-0.721
SHDI
0.833
-0.451
AI
-0.135
0.908
Tabela 10.Correlações intra-amostragem para as variáveis extraídas de polígonos com
500 m e a abundância de espécies semidependentes e independentes de formações
florestais
Variáveis/Eixos Eixo 1 Eixo 2
NP
0,004 0,322
CONTAG
-0,400 0,751
DIVISION
0,675 -0,560
SHDI
0,890 -0,244
AI
0,363 0,850
68
Tabela 11.Correlações intra-amostragem para as variáveis extraídas de polígonos com
500 m e a abundância de espécies dependendtes, semidependentes e independentes de
formações florestais
Variáveis/Eixos Eixo 1 Eixo 2
NP
0,010 0,251
CONTAG
-0,547 0,495
DIVISION
0,771 -0,240
SHDI
0,867 0,107
AI
-0,671 0,679
Tabela 12.Correlações intra-amostragem para as variáveis extraídas de polígonos com
1.000 m e a abundância de espécies independentes de formações florestais
Variáveis/Eixos Eixo 1 Eixo 2
NP
0,913 -0,343
CONTAG
-0,671 -0,476
DIVISION
0,868 0,332
SHDI
0,910 0,329
AI
-0,618 0,503
Tabela 13 .Correlações intra-amostragem para as variáveis extraídas de polígonos
com 1.000 m e a abundância de espécies semidependentes e independentes de
formações florestais
Variáveis/Eixos Eixo 1 Eixo 2
NP
0,944 -0,297
CONTAG
-0,655 -0,466
DIVISION
0,847 0,376
SHDI
0,883 0,375
AI
-0,644 0,460
Tabela 14. Correlações intra-amostragem para as variáveis extraídas de polígonos
com 1.000 m e a abundância de espécies dependetnes, semidepentes e independentes
de formações florestais
Variáveis/Eixos Eixo 1 Eixo 2
NP
0,833 -0,143
CONTAG
-0,614 -0,505
DIVISION
0,739 0,468
SHDI
0,790 0,461
AI
-0,460 0,258
69
Figuras
70
N
W
E
S
Figura 1. Localização do Parque Nacional das Emas. Imagem Landsat 7, 2002, bandas
5(R), 4(G), e 3(B).
71
72
N
W
E
S
Figura 3. Polígonos de 500, 1.000, 5.000 e 10.000 m de diâmetro, cortados nas
áreas amostrais usadas em M. G. de Lima (2003).
73
Figura 4. Diagrama da ACC com dados de polígonos de 500 m e espécies
independentes de formações florestais.
74
Figura 5. Diagrama da ACC com dados de polígonos de 500 m e espécies
semidependentes e independentes de formações florestais.
75
Figura 6. Diagrama da ACC com dados de polígonos de 500 m e espécies
dependentes, semidependentes e independentes de formações florestais.
76
Figura 7. Diagrama da ACC com dados de polígonos de 1.000 m e espécies
independentes de formações florestais.
77
Figura 8. Diagrama da ACC com dados de polígonos de 1.000 m e espécies
semidependentes e independentes de formações florestais.
78
Figura 9 Diagrama da ACC com dados de polígonos de 1.000 m e espécies
dependentes, semidependentes e independentes de formações florestais.
79
a-
b-
c-
d-
e-
f-
Figura 10. Porcentagem de ocupação na paisagem para cada cobertura: a-Áreas
naturais (p=39.2); b-Formações florestais(p=7.99); c-Cerrado (p=16.53); d-Campos
(p=14.67); e-Agricultura (p= 39.35 ); f- pecuária (p=21.15).
80
Capítulo 3. Valor de Conservação da Região do Parque Nacional das Emas para
a avifauna do Cerrado.
INTRODUÇÃO
O Cerrado brasileiro tem sido a principal fronteira agrícola desde a década de
70 (WWF, 1995; Ratter
et al., 1997). Novas técnicas agrícolas, aliadas ao relevo
suave dos campos abertos e cerrados, além da presença de muitos cursos d'água,
ajudaram a implementação de mega plantações de grãos, algodão, girassol e outros
cultivos. A prática da pecuária extensiva também é incentivada e facilitada pela fácil
derrubada de árvores, principalmente com o uso de correntões, e apenas algumas
párvores são deixadas para dar sombra aos animais. A resultante é que apenas ou
menos de 20% do bioma, ou 356.830 km2 dos 1.783.200 km2 originais, ainda restam
(Myers et al., 2000).
Uma das principais preocupações para se conservar o cerrado é a manutenção
da conectividade entre as áreas naturais que ainda se mantêm intactas. Com uma
pequena porção protegida como unidade de conservação, seja federal, estadual ou
municipal, é preciso contar, principalmente, com outros tipos de figuras de
conservação, como as Reservas Legais (RL) e as Áreas de Preservação Permanentes
(APP), ambas definidas no Código Florestal brasileiro Além disso, é preciso inserir os
diversos atores na implementação de unidades de conservação, inclusive usar dos
diversos tipos de UCs previstas no Sistema Nacional de Unidade de Conservação para
criar mosaicos de áreas protegidas.
A elaboração de estratégias de conservação requer a união de dados
geográficos (mapas, imagens de satélite, localização de espécies em coordenadas)
com dados biológicos para, com isso, realizar modelagens para produzir diretrizes de
81
transformação da paisagem, com fins conservacionistas, com base em estudos
ecológicos e não somente em divisões geopolíticas (Akçakaya et al., 1995; Opdam et
al., 2002; Margules et al. 2002; Lindenmeyer et al., 2003). Afinal, fauna e flora não
fazem distinção de barreiras políticas, e sim de barreiras geográficas e biológicas.
Ferramentas para unificar a paisagem com aspectos biológicos existem há
algum tempo, através de modelos espacialmente explícitos (Farina, 1998; Largura,
2000; Machado, 2000; Turner et al. 2001). Muitos destes modelos simulam paisagens
e dados biológicos para testar diversos processos ecológicos. Estes modelos são
importantes para melhorar a precisão de modelos realísticos, porém são de pouca
utilidade para se definir estratégias de conservação que realmente possam ser
aplicadas.
O programa RAMAS Multispecies Assessment, que une dois programas, o
RAMAS GIS e o RAMAS Metapop, permite a modelagem de paisagens através de
mapas de adequação de habitat criados através de um SIG e modelos
metapopulacionais (para exemplos vide: Akçakaya et al. 1995; Akçakaya e Bauer,
1996; Akçakaya e Atwood, 1997; Root, 1998; Drechsler et al 1999; Brook et al.,
2000; Kindvall, 2000; Broadfoot et al., 2001; Cox e Engstrom, 2001; Milner-Gulland
e Akçakaya, 2001; Regan, et al. 2001; Inchausti e Weimerskirch, 2002; Root, 2002;
Sawchick et al. 2002; Wielgus, 2002; Funk e Mills, 2003; Root et al., 2003). O
produto final é um Mapa de Valor de Conservação (Fig. 1). Alternativamente, ao
invés de usar parâmetros metapopulacionais, este programa permite que o risco de
extinção seja derivado de uma ordenação em nível de ameaça das espécies, a partir de
uma lista de ameaça ou mesmo de observações empíricas. Neste caso, a contribuição
das populações ao risco de extinção total é consideradao a mesma.
82
Usando os dados biológicos e variáveis ambientais extraídas da classificação
feita por de Lima
(2003), geramos mapas com valor de adequação para cinco
espécies endêmicas do Cerrado: Cypsnagra hirundinacea; Cyanocorax cristatellus;
Melanopareia torquata; Neothraupis fasciata e Saltator atricollis. Estas espécies são
consideradas independentes de formações florestais Silva (1995); Neotraupis fasciata
está na lista vermelha de espécies ameaçadas da IUCN (www.redlist.org) na categoria
"Lower Risk/Near threatened".
O nosso objetivo foi comparar os mapas de adequação para indicar áreas de
maior valor de conservação na região do Parque Nacional das Emas e se alguma
espécie poderia servir como uma "indicadora" da presença das demais, um tipo de
espécie "focal" (ver Armstrong e Caro, 2002).
MÉTODOS
A partir de um mosaico composto por quatro imagens Landsat 7 ETM de
2002, recortamos um polígono de 1.491.141 ha, com o Parque Nacional das Emas
(PNE) como área central (Fig. 2). Esta imagem foi classificada em oito classes de
forma não supervisionada com o programa Erdas (Tab.1). A imagem classificada foi
conferida com base no trabalho de Batalha (2001) e na experiência de campo da
equipe da Oréades, Núcleo de Geoprocessamento em Mineiros, Goiás, sendo
melhorada com o programa Arcinfo. A imagem final contou com 5.040 polígonos.
Usando a imagem classificada como base, um “grid” foi construído onde cada
“pixel”, ou seja, o menor polígono, corresponde a 40,20 ha. Um total de 37.168
“pixels” foram cortados na imagem, cada um com a seguinte informação sobre o
respectivo uso de solo: pasto, agricultura, cerrado, campo aberto, mata, urbano, sem
dados e sombra. As áreas de amostragem foram localizadas dentro desta nova
imagem. Os “pixels” que interseccionaram o polígono de 250 m
de diâmetro
83
referente ao comprimento do transecto usado no estudo de del Lima (2003) foram
cortados, e os valores de cobertura anotados. Quando o caso, foi calculada a média
dos valores encontrados de acordo com o número de “pixels” necessários para cobrir
toda a área do polígono.
Foram escolhidas cinco espécies de aves endêmicas do cerrado para fazer um
mapa de valor de conservação (MVC). As espécies foram: Saltator atricollis,
Neothraupis fasciata, Melanopareia torquata, Cypsnagra hirundinacea e Cyanocorax
cristatellus. Junto com as variá veis de paisagem, foi construída uma matriz de
presença ou ausência para cada espécie. Com estas matrizes, modelamos regressões
logísticas que resultaram em equações de regressão para cada espécie, seguindo o
seguinte modelo:
logit(p)= b0 +b1 x1 +b2 x2 +…..+bn xn
eq. 1
O “grid” original formado pelo arquivo “shape” (arquivo .shp), uma imagem
vetorial, foi subdividido em mapas de cobertura distintas (pecuária, mata, cerrado,
campo aberto e agricultura) pela separação das suas tabelas de valores (arquivo .dbf).
Estes mapas de uso de solo foram importados pelo programa RAMAS GIS
(Akçakaya, 2002), onde também usamos as equações logísticas para montarmos
funções de adequação de habitat ou HS (“habitat suitablility”). Neste sentido, os
mapas de uso de solo são unidos de acordo com a função logística, gerando um único
mapa cujos “pixels” possuem valores de HS de acordo com a área de cada uso de
solo. Para tanto, as equações foram transformadas em “probabilidades” através da
igualdade:
logit(p)=ln(p/(1-p))
eq. 2
sendo, então:
Valor de adeequação=HS=p=1/(exp(-logit(p))+1)
eq. 3
84
No modelo também é incluído o limiar de adequação da espécie, ou seja, o
limiar do valor de HS em que uma espécie pode reproduzir sem, no entanto,
inviabilizar a dispersão para as outras manchas com valor inferior. Também é
definido o número mínimo de “pixels” para se considerar uma mancha como viável
para a espécie analisada.
Na simulação realizada para todas as espécies, considerou-se que o limiar de
adequação fosse igual a 0,99 e que a distância ao vizinho fosse de 2 (i.e., 2 x
0,634km=1,264km). Números inferiores a esse geraram muitas manchas e
impossibilitaram a análise com o programa por limitação do mesmo (no máximo 500
manchas podem ser analisadas).
Os resultados foram salvos e importados para o programa RAMAS
Multispecies Assessment (Root, 2002), onde foi gerado um mapa de Valor de
Conservação (MVC) levando-se em conta todas as cinco espécies estudadas. Para
cada espécie foi determinado um fator de risco, que estabelecemos de acordo com um
critério de categoria de vulnerabilidade, estimada através de informações da Lista
Vermelha da IUCN e observações de campo de de Lima (2003)(Tab. 2).
Três mapas foram confeccionados para comparação da importância relativa
das espécies, sendo um com todas as cinco espécies, um sem M. torquata, e um sem
N. fasciata. Os Mapas de Valores de Conservação (MVC) foram exportados em
arquivo ASCII/ArcView sendo transformado em arquivo ".grid" e reclassificados em
classe com números inteiros para cálculo de freqüência.
RESULTADOS
Equações logísticas de probabilidade
As equações logísticas de probabilidade usadas no modelo foram construídas
através da transformação das equações de regressão logística em equações logísticas
85
de probabilidade (Tab. 2). Apenas duas espécies, Cypsnagra hirundinacea e
Neothraupis fasciata, apresentaram regressões significativas. Para fins de simulação,
entretanto, foram usadas as regressões de todas as cinco espécies.
Mapas de HS e índices da paisagem
As modelagens explicitaram as diferenças em adequação dos habitats para as
espécies modeladas.
Melanopareia torquata (nmanchas=227) apresentou a freqüência mais baixa para
um HS alto (0,94-1,00), com apenas 4,28 % dos “pixels” com este valor(npixels=1.590)
(Fig. 3). A maior freqüência ficou com o intervalo de “pixels” com um valor de HS
baixo (0,00-0,07), com 46,72% (npixels=17.365). O HS total foi de 11.676,34. A média
das manchas foi de 1,5 km2 , ocupando 2,33% da paisagem total, (Fig. 4) e a média da
dimensão fractal foi de 0,608 (Fig. 5).
A equação probabilística de Melanopareia torquata (Tab. 3) mostra que pixels
somente com área de pasto apresentam baixos valores de HS, representando 22,9%
destes valores (npixels=3.971). Por sua vez, áreas dominadas por mata possuem alto
valor de conservação, mas são muito pouco freqüentes na paisagem, com 16,3%
(npixels=259). Mesmo assim, é um resultado que surpreende já que esta espécie é típica
de cerrados mais abertos, o que corresponderia aos valores intermediários de VC,
entre 0,52 e 0,62 que onde estão as áreas dominadas por campo aberto e agricultura
(Fig. 6)
O HS de Saltator atricollis (nmanchas= 355) também teve a sua maior freqüência
de “pixels” com baixíssimo valor: 50,01% na faixa de 0,00-0,07 (npixels=18.588) e um
total de 75,73 na fa ixa de 0,00-0,22 (npixels=28.147) (Fig. 7). No intervalo de maior HS
(0,94-1,00), apenas 9,15 % das “pixels” estiveram nesta faixa (npixels=3401). A média
86
das manchas foi de 3,1 km2 , ocupando 7,32% da paisagem total (Fig. 8), e a média da
dimensão fractal foi de 0,827 (Fig. 9).
O mapa de HS de Saltator atricollis tem uma grande freqüência de áreas com
pasto na faixa de baixos valores de adequação de habitat. As melhores áreas para esta
espécie seriam as áreas com predominância de cerrado. Pixels ocupados totalmente
por cerrado representam 42,1% nesta faixa de HS (Fig. 10).
O mapa de HS para Cypsnagra hirundinacea (nmanchas=430) teve uma alta
freqüência de “pixels” com HS baixo, 75,80% para a faixa de 0,00-0,07
(npixels=28.173) e 83,20% no intervalo de 0,00-0,14 (npixels=30.962). O intervalo maior
de HS (0,94-1,00) teve uma freqüência de 15,30 (npixels=5.688) (Fig. 11). A média das
manchas foi de 5,2km2 , ocupando 14,92% da paisagem total (Fig. 12), e a média da
dimensão fractal foi de 0,916 (Fig. 13).
O MHS de Cypsnagra hirundinacea é dominada por áreas de baixo valor de
conservação que se caracterizam por áreas com dominância de agricultura, pasto e
campo aberto. Pixels com somente uma destas coberturas representam 52,6% nesta
faixa de HS. As melhores áreas são aquelas com mais cerrado e mata; no entanto, a
freqüência destas áreas é baixa no mapa (Fig. 14).
Cyanocorax cristatellus (nmanchas=226) apresentou uma freqüência menor na
faixa de baixo HS, com 32,94 manchas entre 0,00 e 0,07(npixels=12.242). Na faixa de
mediana de HS entre 0,29 e 0,50, a freqüência de manchas foi de 20,27%
(npixels=7.907) . Entre 0,94 e 1,00 a freqüência foi de 30,91% (npixels=11.489) (Fig.
15). A média das manchas foi de 19km2 , ocupando 28,99% da paisagem total (Fig.
16), e a média da dimensão fractal foi de 1,140 (Fig. 17).
O MHS de Cyanocorax cristatellus possui muitas áreas de agricultura que se
caracterizam por serem de baixo HS. As áreas dominadas por cerrado são bem
87
representativas e são as que possuem maior valor de adequação para esta espécie (Fig.
18).
A espécie com o maior freqüência de HS na faixa ótima foi Neothraupis
fasciata (nmanchas=169), com 43,92% dos pixels neste intervalo (npixels=16.324). Na
faixa mais baixa, entre 0,00 e 0,07, 41,19% dos pixels estiveram neste intervalo
(npixels=15.309) (Fig. 19). A média das manchas foi de 35 km2 , ocupando 39,97% da
paisagem total (Fig. 20) e a média da dimensão fractal foi de 0,778 (Fig. 21)
As piores áreas para Neotraupis fasciata são aquelas com dominância de mata
e pasto. As áreas com melhor HS para esta espécie seriam aquelas com mais
agricultura e cerrado (Fig. 22).
Mapa de Valor de Conservação
A Fig. 23 mostra o valor de conservação para a área de estudo com todas as
espécies. A maior freqüência foi de uma faixa intermediária de VC, entre 0,425 e
0,531. Este foi o valor da área de agricultura. O Parque Nacional das Emas ficou, em
sua maioria, em uma faixa superior, entre 0,531 e 0.637. O maior VC foi dado a locais
com grande concentração de Cerrado s.s. Neste, pelo menos três áreas se destacam: as
margens do rio Jacuba, a região da Panela e a região do Zeca Novato. O Parque
Estadual do Taquari apresentou baixo VC (entre 0,00 e 0,106), provavelmente por ser
composto, em sua maioria, por uma fitofisionomia florestal.
DISCUSSÃO
A metodologia usada foi eficiente para gerar Mapas de Adequação de Habitat
(MAH) para as cinco espécies do cerrado e um Mapa de Valor de Conservação
(MVC). Esses, mostraram detalhes de preferência de habitat das espécies e mapearam
as possíveis áreas relevantes para preservação na região do Parque Nacional das
Emas, região núcleo do Projeto Corredor Cerrado Pantanal. Variando os valores da
88
equação probabilística de cada espécie, foi possível tirar mais informações sobre a
probabilidade de presença destas, nos Mapas de Adequação de Habitat. Na maioria
dos casos, o máximo de Adequação de Habitat (AH) foram dos "pixels" dominados
por uso de solo que ocorreram em baixa freqüência, ou seja, as áreas naturais, em
especial o cerrado.
Na faixa extrema de baixa AH, ficaram principalmente as regiões de pasto e
agricultura. As exceções foram Melanopareia torquata e Neotraupis fasciata, que
apresentaram o uso de solo “Agricultura” na região de médio a alto AH. Todos os
pixels com somente “Agricultura” no MAH de N. fasciata ficaram na faixa de
adequação ótima, ou seja, 49,5 % dos "pixels" presentes, ou cerca de 324.977 ha.
O Mapa de Valor de Conservação reflete a adequação de habitat assinalada
pelas equações probabilísticas espécie específica que, por sua vez, refletem a relação
das espécies com as variáveis de paisagem, extraídas pela regressão logística a partir
de presença ou ausência nas área amostrais do trabalho de de Lima (2003). O alto AH
de N. fasciata em áreas de agricultura, por exemplo, ocorre em virtude da presença
desta espécie em áreas amostrais com bastante agricultura perto dos transectos de
amostragens. Junto com os dados de M. torquata, que também teve altos AH para a
classe agricultura, o MVC mostra que estas áreas possuem um Valor de Conservação
(VC) mediano. Quando refazemos o MVC sem uma destas espécies ou sem as duas, a
influência das mesmas para o valor de conservação fica bem clara. Por outro lado, o
baixo VC de áreas com a classe pasto é uma conseqüência do trabalho de de Lima et
al. (2003a) ter sido feito em uma região praticamente desprovida desta prática. Neste
sentido, é preciso estratificar bem as áreas amostrais para incluir todas as variáveis
possíveis em futuros modelos.
89
De modo geral, não foi possível eleger uma espécie focal, ou seja uma espécie
que represente de forma satisfatória os interesses do conjunto das espécies estudadas.
Entretanto, é possível eleger um habitat focal: independente da presença ou ausência
de M. torquata e N. fasciata, as áreas de cerrado aparecem com o maior VC em todos
os mapas. O MVC corrobora, então, com algumas propostas para a região. Em
primeiro lugar, a criação de novas unidades de conservação na região do Zeca Novato
e na região da Panela (Fig. 24). Estas regiões ainda possuem áreas de cerrado
preservado. Em casos, como da região da Panela, várias das áreas preservadas fazem
parte da Reserva Legal das propriedades, inclusive várias já estão averbadas. Não
existe justificativa, portanto, para a desapropriação das terras averbadas como
Reservas Legais, mas sim a transformação das áreas em Unidades de Conservação de
proteção integral ou de uso sustentável.
No caso de uma unidade de proteção integral, o ideal seria a criação de um
Refúgio de Vida Silvestre (RVS). As RVS têm como objetivo permitir a existência e a
reprodução de populações naturais, residentes ou migratórias, podendo ser
constituídas, como é o caso, por propriedades particulares. Tanto a visitação quanto a
pesquisa científica podém ser realizadas dentro de RVS, desde que autorizadas. Em
caso de criação de uma unidade de uso sustentável, poderia ser criada uma Reserva
Particular de Patrimônio Natural, onde a propriedade privada tem como objetivo a
preservação da diversidade biológica, sendo permitida a visitação turística e a
pesquisa científica. Em ambos os casos, há necessidade de se realizar um plano de
manejo.
As mesmas considerações podem ser aplicadas à região do Zeca Novato,
sendo que, em ambos os casos, também seria necessária a desapropriação de algumas
áreas para manter a permeabilidade da paisagem (Metzger e Décamps, 1997; de
90
Lima, 2003). A área da Panela deverá ser conectada ao Parque Nacional das Emas,
que é considerado uma das áreas núcleo do Projeto Corredor Cerrado Pantanal,
através da grande área de cerrado ao longo do Rio Jacuba, formado principalmente
por um condomínio de Reservas Legais. Este elemento de conectividade ao longo do
curso d’água aparece com um relevante valor de conservação para as aves de cerrado.
A associação à mata-de-galeria do Rio Jacuba auxilia no aumento da heterogeneidade
deste corredor, o que beneficia tanto espécies de mata quanto as de cerrado (de Lima,
2003).
A conexão do PNE com a região do Zeca Novato poderia seguir uma
estratégia similar, apesar de não existir nenhum grande curso d’água saindo do Parque
naquela direção. Entretanto, alguns cursos d’água estão próximos e poderiam servir
de elementos de conectividade. Na MVC, estes cursos não aparecem claramente. já
que a modelagem foi feita para espécies do cerrado e não de mata, embora algumas
áreas com alto VC os estejam margeando. Neste caso, seria interessante analisar a
possibilidade de se aumentar as áreas de cerrado ao longo destes rios, recuperando
Áreas de Preservação Permanente, além da implementação de Reservas Legais junto
aos rios, em propriedades onde as mesmas não existem (Laurance e Gascon, 1997; de
Lima e Gascon, 1999; de Lima, 2003).
A estratégia para o sudoeste do PNE em direção à região de Costa Rica, MS,
também se faz acompanhando os cursos d’água. As áreas com alto VC acompanham
estes cursos, como é possível ver na imagem Landsat (Fig. 2). Esta é uma área de
grande interesse para conservação para o Projeto Corredor Cerrado Pantanal, já que os
cursos d’água do Município de Costa Rica correm em direção ao Taquari,funcionando
como elementos naturais de conectividade.
91
Infelizmente, o oeste do PNE está desprovido de cursos d’água e de Reservas
Legais. A estratégia, neste caso, seria aumentar a permeabilidade através da criação
de uma série de reservas para servir de refúgio e de corredores de vegetação ao longo
das estradas de acesso para melhorar a conectividade destes refúgios, ou “steppingstones”, como são conhecidos (Bennet, 2000).
Como a região possui diferentes realidades tanto na escala macro quanto na
micro, a estratégia adotada deve ter, como resultado final, o aumento da
permeabilidade da paisagem para os diferentes organismos envolvidos. O conceito
básico a ser seguido é o da teoria da percolação onde existe um limiar onde, no caso
de uma paisagem, abaixo dele a conectividade está restrita assim como o movimento
de organismos (Stauffer, 1985, Metzger e Décamps, 1997; Farina, 1998; Turner et al.,
2001). O ideal é ter um conjunto de áreas naturais de diferentes fitofisionomias (e.g.
um mosaico) para aumentar tanto a heterogeneidade espacial da paisagem como
também a possibilidade de percolação dos organismos pela mesma.
De Lima (2003) analisou a paisagem utilizada neste estudo e mostrou que 60,5%
é ocupada por áreas alteradas, o que significa que o limiar de percolação (pc=0,59)
para paisagens randômicas foi ultrapassado. É possivel que as espécies mais
dependentes de áreas naturais possam estar isoladas nesta paisagem natural. O
trabalho acima também mostra que as classes de ocupação de solo estão agregadas e
não distribuídas pela paisagem, o que também dificulta a movimentação de animais e
dispersão de plantas. Existe, portanto, uma grande necessidade de conectar estas áreas
isoladas através de corredores e “stepping stones”.
CONCLUSÕES
- A união de dados geográficos através de geoprocessamento com dados biológicos é
um passo importante para a elaboração de estratégias para a conservação;
92
- As áreas ao longo de cursos d'água possuem um valor de conservação muito alto e
podem servir de corredores de dispersão para uma variedade de espécies;
- Blocos de áreas conservadas com alto valor de conservação devem não apenas ser
preservados em alguma classe de unidade de conservação, como também manter
elementos de conectividade com outras áreas preservadas, podendo ser corredores de
dispersão ou "stepping-stones";
- Em áreas muito alteradas, a idéia de preservação de habitats focais com alto valor de
conservação, ao invés de espécies focais, pode ser uma melhor estratégia para a
conservação de uma faixa grande de espécies.
93
BIBLIOGRAFIA
Akçakaya, H. R., M. A. McCarthy e J. Pearce. 1995. Linking landscape data with
population viability analysis: management options for the helmeted honeyeater.
Biological Conservation 73: 169-176.
Akçakaya, H. R. e B. Bauer. 1996. Effects of population subdivision and catastrophes
on the persistence of a land snail metapopulation. Oecologia 105: 475-783.
Akçakaya, H. R. e J. L. Atwood. 1997. A habitat-based metapopulation model of the
California Gnatcatcher. Conservation Biology 11:422-434.
Akçakaya 2002. H. R. RAMAS GIS: Linking spatial datra with population viability
analysis (version 4). Apllied Biomathematics, Setauket, New York.
Armstrong, D e Caro, T. M. 2002. Focal and surrogate species: getting the language
right. Conservation Biology 16(2): 285-287.
Batalha, M. A. 2001. Caracterização estrutural da cominidade vegetal no trecho
Coxim-Mineiros (Projeto Corredor Cerrado Pantanal) e sua associação a descritores
remotos. Relatório apresentado a Conservation Internationa l do Brasil.
Bennet, A. F. 2000. Linkages in the landscape: The role of corridors and connectivity
in wildlife conservation. IUCN, Gland, Switzerland and Cambridge, UK.
Broadfoot, J. D., R. C. Rosatte e D. T. O'Leary. 2001. Raccoon and skunk population
models for urban disease control planning in Ontario, Canada. Ecological
Applications 11: 295-303.
Brook, B. W., J. J. O'Grady, A. P. Chapman, M. A. Burgman, H. R. Akçakaya e R.
Frankham. 2000. Predictive accuracy of population viability analysis in
conservation biology. Nature 404: 385-387.
Cox, J. e R. T. Engstrom. 2001. Influence of the spatial pattern of conserved lands on
the persistence of a large population of red-cockaded woodpeckers. Biological
94
Conservation 100:137-150.
de Lima, M. G. and C. Gascon. 1999. The conservation value of linear forest
fragments in Central Amazonia. Biological Conservation 91: 241-247.
de Lima, M. G de Lima, M. G. 2003. Ecologia da paisagem e cenários para a
conservação da aviifauna na região do Parque Nacional das Emas. GO. Tese de
doutorado, Programa de Pós Graduação em Ecologia, Departamento de Ecolgogia,
Instituto de Biologia, Universidade de Brasília.
Drechsler, M., B. B. Lamont, M. A. Burgman, H. R. Akçakaya, Witkowski, E. T. F.,
Supriyadi. 1999. Modelling the persistence of an apparently immortal Banksia
species after fire and land clearing. Biological Conservation 88: 249-259.
Farina, A. 1998. Principles and methods in landscape ecology. Chapman & Hall ltda.
Cambridge, Reino Unido.
Funk, W. C. e L. S. Mills. 2003. Potential causes of population declines in forest
fragmentation in an Amazonian frog. Biological Conservation 111:205-214.
Inchausti, P. e H. Weimerskirch. 2002. Dispersal and metapopulation dynamics of an
oceanic seabird, the wandering albatros and its consequences for its response to
long- line fisheries. Journal of Animal Ecology 71:765-770.
Kindvall, O. 2000. Comparative precision of three spatially realistic simulation
models of metapopulation dynamics. Ecological Bulletins 48:101-110.
Largura, L. A. R. 2000. Autômato celular probabilístico para modelagem
expacialmente explícita de metapopulações. Dissertação de Mestrado em Ciência
da Computação. Universidade de Brasília.
Laurance, W. F. e C. Gascon. 1997. How to creatively fragment a landscape.
Conservation Biology 11: 577-579.
Lindenmayer, D. B., S. McIntyre e J. Fischer. 2003. Birds in eucalypt and pine
95
forests: landscape alteration and its implications for research models of faunal
habitat use. Biolgogical Conservation 110: 45-53.
Machado, R. B. 2000. A fragmentação do Cerrado e a avifauna na região de
Brasília-DF. PhD. thesis. Universidade de Brasília, Brasília, Brazil.
Margules, C. R., R. L. Pressey e P. H. Williams. 2002. Representing biodiversity: data
and procedures for indentifying priority areas for conservation. Journal of
Bioscience 27(4)(2): 309-326.
Metzger, J. P e Décamps. 1997. The structural connectivity threshold: an hypothesis
in conservation biology at the landscape scale. Landscape Ecology 18(1): 1-12.
Milner-Gulland, E. J. e H. R. Akçakaya. 2001. Sustainability indices for exploited
populations under uncertainty. TREE 16:686-692.
Myers, N., R. A. Mittermeier, C. Mittermeier, G. A. B. da Fonseca and J. Kents.
2000. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature 403.
Opdam, P., R. Foppen e C. Vos. 2002. Bridging the gap between ecology and spatial
planning in landscape ecology. Landscape Ecology 16:767-779.
Ratter, J. A., J. F. Ribeiro and S. Bridgewater. 1997. The Brazilian cerrado
vegetation and threats to its biodiversity. Annals of Botany 80: 223-230.
Regan, T. J., H. M. Regan, K. Bonham, R. J. Taylor e M. A Burgman. 2001.
Modelling the impact of timber harvesting on a rare carnivorous land snail
(Tasmaphena lamproides) in northwest Tasmania, Australia. Ecological
Modeling 139:253-264.
Root, K. V. 1998. Evaluating the effects of habitat quality, connectivity and
catastrophes on a threatened species. Ecological Applications 8: 854-865.
Root, K. V. 2002. RAMAS Multispecies Assessment: Estimating Multispecies
Conservation Values across the landscape (Version 1.0). Applied Biomathmatics,
96
Setauket, New York.
Root, K. V., H. R. Akçakaya e L. Ginzburg. 2003. A multispecies approach to
ecological valuation and conservation. Conservation Biology 17(1):196-206.
Sawchick, J., M. Dufrene, P. Lebrun, N. Schtickzelle e M. Baguerre. 2002.
Metapopulation dynamics of the bog fritillary buterfly: modelling the effect of
habitat fragmentation. Acta Oecologica 23: 287-296.
Silva, J. M. C. 1995. Birds of the Cerrado Region, South America. Steenstrupia 21:
69-92
Stauffer, D. 1985. Introduction to percolation theory. Taylor & Francis, London.
Turner, M. G., R. H. Gardner e R. V. O'Neill. 2001. Landscape ecology in theory and
practice. Pattern and process. Springer-Verlag, Nova Iorque, EUA.
Wielgus, R. B. 2002. Minimum viable population and reserve sizes for naturally
regulated grizzly bears in British Columbia. Biological Conservation. 106: 381388.
WWF/PRÓCERR. 1995. Bit by bit the Cerrado loses space (Cerrado-impact of
the settlement process). WWF-Fundo Mundial para a Natureza, Brasília,
Brazil.
97
Tabelas
98
Tabela 1. Identificadores das classes usadas na classificação da imagem Landsat 7
ETM, 2002.
identificador
Classe
1
pecuária
2
formação florestal
3
cerrado s.s
4
campo
8
agricultura
10
sombra
11
urbano
0
não identificado
Tabela 2. Status das espécies estudadas e o valor normalizado usado no modelo.
Espécie
Risco Valor normalizado
Valor normalizado sem N.
fasciata ou M.torquata
Neothraupis fasciata
3
1
---------------------Cyanocorax cristatellus 2
0,6667
1
Saltator atricollis
2
0,6667
1
Melanopareia torquata 2
0,6667
Cypsnagra
1
0,3333
0,5
hirundinacea
Tabela 3. Equações logísticas de probabilidade usadas no modelo.
Espécie
Equação
Neothraupis fasciata
Cyanocorax cristatellus
Saltator atricollis
Melanopareia torquata
Cypsnagra
hirundinacea
1/(exp(-0.404091-1.209675*[agri]-0.03443*[campo]-0.109345*[cerrado]+0.07478*[mata]+1.87189*[pasto])+1)
1/(exp(-0.114643+0.35251*[agri]-0.017768*[campo]-1.3581*[cerrado]+0.01055*[mata]+0.01973*[pasto])+1)
1/(exp(-19.30057+0.51284*[agri]+0.50859*[campo]+0.27503*[cerrado]+0.6562*[mata]+71.8047*[pasto])+1)
1/(exp(49.8229-1.250787*[agri]-1.241854*[campo]-1.21218*[cerrado]-1.42216*[mata]+69.4724*[pasto])+1)
1/(exp(-3684.11+93.1168*[agri]+91.7028*[campo]+90.0471*[cerrado]+91.3425*[mata]+166.492*[pasto])+1)
99
Figuras
100
Figura 1. Diagrama de funcionamento do programa RAMAS Multispecies
Assessment.
101
N
W
E
S
Figura 2. Localização do Parque Nacional das Emas. Imagem Landsat 7, 2002, bandas 5(R), 4(G), e 3(B).
102
Figura. 3. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS
gerado para Melanopareia torquata.
Figura 4. Gráfico da freqüência de número de células por manchas no mapa de HS
gerado para Melanopareia torquata.
103
Figura 5. Gráfico da dimensão fractal por manchas do mapa de HS gerado para
Melanpareia torquata.
Figura 6. Mapa de HS gerado para Melanopareia torquata
104
Figura 7. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS gerado
para Saltator atricollis.
Figura 8. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS gerado
para Saltator atricollis.
105
Figura 9. Gráfico da dimensão fractal por manchas do mapa de HS gerado para
Saltator atricollis.
Figura 10. Mapa de HS gerado para Saltator atricollis
106
Figura 11. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS
gerado para Cypsnagra hirundinacea.
Figura 12. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS
gerado para Cypsnagra hirundinacea.
107
Figura 13. Gráfico da dimensão fractal por manchas do mapa de HS gerado para
Cypsnagra hirundinacea.
Figura 14. Mapa de HS gerado para Cypsnagra hirundinacea.
108
Figura 15. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS
gerado para Cyanocorax criatatellus.
Figura 16. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS
gerado para Cyanocorax cristatellus.
109
Figura 17. Gráfico da dimensão fractal por manchas do mapa de HS gerado para
Cyanocorax cristatellus.
Figura 18. Mapa de HS gerado para Cynocaorax cristatellus.
110
Figura 19. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS
gerado para Neothraupis fasciata.
Figura 20. Histograma da freqüência do valor de adequação para o mapa de HS
gerado para Neothraupis fasciata.
111
Figura 21. Gráfico da dimensão fractal por manchas do mapa de HS gerado para
Neothraupis fasciata.
Figura 22. Mapa de HS gerado para Neothraupis fasciata.
112
Figura 23. Mapa de Valor de Conservação (MCV) para as espécies endêmicas do
cerrado Cyanocorax cristatellus, Cypsnagra hirundinacea, Melanopareia torquata,
Neothraupis fasciata e Saltator atricollis. A região nuclear é o Parque Nacional das
Emas, e ao redor estão o Parque Estadual do Taquari, a região do Zeca Novato e a
região da Panela.
113
CONCLUSÕES GERAIS
O estudo sobre a distribuição das aves na região do Parque Nacional das Emas
mostrou que não existe um padrão na comunidade ao não rejeitarmos a hipótese de
não aleatoriedade na distribuição das espécies estudadas. Provavelmente não existe
exclusão competitiva por recursos, pelo menos ainda, haja vista que as áreas naturais
nas fazendas ainda são poucas e muitas são usadas para abrigar gado ou extrair
madeira.
As onze espécies que mostraram diferenças significativas nas médias de
avistamento entre algum dos tratamentos (Cassiornis rufa, Ramphastos toco, Elaenia
cristata, Collibri serrirostris, Hemitraupis guira, Neothraupis fasciata, Volatina
jacarina, Formicivora rufa, Camptostoma obsoletum, Mimus saturninus, Xomis
velata) não fugiram do esperado em termos de preferência de habitat.
A análise multivariada revelou que espécies semidependentes e independentes
de formações florestais menos habitat generalistas, foram observadas mais em áreas
mais densas em termos de vegetação e também em áreas ligadas à mata-de-galeria. As
espécies mais generalistas por sua vez, foram mais observadas em áreas isoladas ou
mais simples em termos de estrutura de habitat.
É possível que, apesar de habituada a espaços abertos, a avifauna
semidependente e independente, exija maior heterogeneidade espacial nas manchas
que ocupe, preferindo as áreas ligadas à mata-de-galeria, com exceção de espécies
mais generalistas como Cariama cristata e
Cathartes aurea. Neste sentido, a
estratégia para conservação das espécies que usam o cerrado sensu strictu seria de
manutenção das áreas adjacentes às matas-de-galeria. Isto favoreceria não só as
espécies de cerrado strictu sensus, mas também as de campo aberto e úmido, e as da
própria mata, já que se aumentaria a heterogeneidade espacial das faixas de
114
vegetação. Estas faixas inclusive, poderiam funcionar como corredores de dispersão
para vários táxons.
A análise feita com as métricas de paisagem, contágio, diversidade, divisão, número
de manchas e agregação, mostrou que as áreas próximas às matas-de-galeria
realmente são estruturalmente mais complexas que as áreas isoladas, corroborando
com a idéia de que espécies menos generalistas preferem estas áreas. Entretanto a
análise da paisagem como um todo, mostra que as classes de cobertura de solo estão
bastante agregadas. A oeste do Parque Nacional das Emas, predomina a agricultura
em áreas com poucos cursos d'água e quase nenhuma Reserva Legal alocada,
enquanto que a leste, a prática de pecuária extensiva é a regra, e existem vário rios
com mata-de-galeria e áreas de cerrado adjacente. Sendo assim, é preciso pensar em
estratégias diferentes de acordo com o uso da terra, presença de rios, manchas naturais
e etc. As manchas de cerrado, podem ser usadas como "stepping-stones", aumentando
a permeabilidade da região, enquanto que áreas com cursos d'água podem servir como
corredores de dispersão.
Os dados biológicos e os dados de estrutura de habitat podem (e devem) ser
usados para traçar uma estratégia de conservação para a região, inclusive para o
Projeto Corredor Cerrado Pantanal. Com a ajuda do programa RAMAS Multispecies
Assessment, elaboramos um mapa de valor de conservação para cinco espécies
endêmicas do cerrado e independentes de formações florestais: Cyanocorax
cristatellus, Cypsnagra hirundinacea, Melanopareia torquata, Neotraupis fasciata e
Saltator atricollis.
O Mapa de Valor de Conservação confirmou os resultados anteriores
mostrando a importância das áreas ao longo de cursos d'água. Também mostrou a
importância dos grandes blocos de vegetação que em alguns casos podem ser
115
conectados pelas faixas de vegetação ao longo dos rios, ou seja, corredores de
dispersão, ou, em último caso, por um conjunto de "stepping-stones" ora existentes
ora recuperados. Este mapa de valor de conservação foi feito apenas com espécies de
cerrado e não de formações florestais, sendo por isso que estas ficaram com baixo
valor. O ideal será juntar informações para construir um mapa que apresente um
conjunto de habitats focais que ajudem a conservar uma gama de espécies.
.
116