FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE/FIZO
Transcrição
FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE/FIZO
FIZO –FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE ALQUIMY ART CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA O PAPEL DA CRIATIVIDADE DENTRO DE UM ATELIÊ TERAPÊUTICO NA MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA MÔNICA APARECIDA GARCIA NASCIMENTO OSASCO-SP 2006 2 MÔNICA APARECIDA GARCIA NASCIMENTO O PAPEL DA CRIATIVIDADE DENTRO DE UM ATELIÊ TERAPÊUTICO NA MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA Monografia apresentada à Fizo - Faculdade Integração Zona Oeste e ao Instituto Alquimy Art de São Paulo como pré-requisito para obtenção do título de especialista em Arteterapia. Orientadora: Profº Msc.Regina Fiorezzi Chiesa. OSASCO-SP 2006 3 FIZO –FACULDADE INTEGRAÇÃO ZONA OESTE ALQUIMY ART CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM ARTETERAPIA O PAPEL DA CRIATIVIDADE DENTRO DE UM ATELIÊ TERAPÊUTICO NA MELHORIA DA QUALIDADE DE VIDA Monografia apresentada pela aluna Mônica Aparecida Garcia Nascimento ao Curso de Especialização em Arteterapia em......./......./ 2006 e recebendo avaliação da Banca Examinadora constituída pelos professores: Prof.ª MSC Regina Fiorezzi Chiesa, orientadora Dr.ª Cristina Dias Allessandrini, Coordenadora da Especialização Prof.ª MSC Deolinda Fabietti, Coordenadora da Especialização e Leitor Crítico 4 RESUMO Esta monografia tem como objetivo mostrar o quanto é importante a criatividade na melhoria da qualidade de vida. Sendo criatividade inerente ao ser humano, o trabalho de pesquisa procurou retratar como podemos desenvolvê-la através da Arteterapia. Doenças como estresse e depressão foram abordadas com o intuito de ajudar na busca do equilíbrio e na valorização da vida. A parte prática desse trabalho foi realizada em ateliê de pintura com pessoas de idades variadas, mas com problemas semelhantes. Meu objetivo foi despertar nelas, potencialidades adormecidas e através do processo criativo, favorecer atitudes de descobertas e transformações. 5 ABSTRACT This monography was made to show how important creativity is to increase the quality of life. As creativity is always together with the human being, this search was done to tell us how we can increase it with Art therapy. Illness as stress and depression were put here to help with search of equilibrity and life value. The practical part of this monography was done in an Art Gallery with people of different lifetime, but with almost the same problems. My point was to awake sleeping potentials in them and using the creative process, help attitudes and discoveries to grow, as well as transformations. 6 AGRADECIMENTOS Um agradecimento aos professores, em especial a Professora Regina Fiorezzi Chiesa, pessoa pela qual tenho grande admiração. Seu trabalho me tocou profundamente e abriu portas que estavam fechadas e ajudou-me a aprofundar os estudos da Arteterapia. À minha família pela paciência ao não poder compartilhar todos os meus momentos durante este ano. À Deolinda Fabietti e a Cristina Allessandrini que sempre se mostraram amáveis e atenciosas com todos nós alunos. Ao meu querido pai por sempre confiar e acreditar em mim. E, mais do que tudo e todos, a Deus, que sempre esteve e está ao meu lado.”Se, porém algum de vós necessita de sabedoria, peça-a a Deus... e ser-lhe-á concedida”.(Tiago 1:5) 7 SUMÁRIO 1-Introdução.................................................................................................................8 2 - O estresse, suas causas e efeitos........................................................................11 3 - Depressão: definições e diagnósticos..................................................................18 4 - A Arteterapia e suas abordagens..........................................................................23 5 - Criatividade: potencial inato do ser humano.........................................................29 6 - Ateliê Terapêutico – Prática..................................................................................39 Considerações Finais.................................................................................................48 Referências Bibliográficas..........................................................................................50 8 1- INTRODUÇÃO Ao concluir o curso de Artes Plásticas comecei a ministrar aulas de pintura para um grupo de adultos. Percebi que boa parte deles buscava o curso não só com a intenção de aprender a técnica, mas o maior objetivo era a companhia dos demais alunos. O bate-papo informal preenchia algo que nem mesmo elas sabiam o que era. Aos poucos o grupo formava vínculos afetivos. Senti então, a partir dessa experiência, que havia necessidade de buscar algo a mais para a minha vida profissional. O curso de Arteterapia veio de encontro aos meus anseios. Em cada módulo percebi a minha busca e a minha sensibilidade aflorando. Percebi que a Arteterapia estava favorecendo transformações em minha vida profissional e também enquanto ser humano. Estou aos poucos observando e criando um canal eu comigo, eu com o outro, respeitando-nos mutuamente como seres humanos e não como entidades isoladas. Os meus estágios me deram outra visão do envelhecer e de como é interessante perceber a necessidade de adquirir instrumentos que me auxiliassem em minha vida profissional. Devido a vários questionamentos que, freqüentemente, aconteciam em meu ateliê de pintura, percebi que a Arteterapia poderia ser essa ferramenta. A Arteterapia demonstrou ser um facilitador para as descobertas que cada aluno apresentava. Além do prazer pelo estudo científico, a Arteterapia, favoreceu em mim a busca por transformações de atitudes e comportamentos em relação aos outros. A pintura é uma arte, e em relação a essa atividade intrinsecamente humana, pude compreender que, como afirma Marcuse (1969) apud Elieser (2000, p.7), “...um trabalho artístico fornece elevado grau de satisfação libidinal cuja execução é agradável, e quando genuína brota de constelação intuitiva, não repressiva”. Ou seja, as pessoas que procuram o meu curso de pintura, não querem a principio 9 tornarem-se grandes mestres da arte contemporânea, antes, querem sentir prazer de viver. Este é o principio básico do presente trabalho. A primeira concepção necessária à compreensão do presente trabalho é que todos os indivíduos são criativos, uma vez que, diferentemente dos animais irracionais, somos capazes de refletir, agir e executar tarefas. O ser humano é complexo, por isso, sinto a necessidade de entendê-lo melhor, compreendendo desta maneira a sua necessidade de contínuas transformações. Desde os primórdios a arte vem acompanhando o homem e retratando seu contexto social e seu cotidiano, porém a arte tem um significado mais amplo do que esse, pois, por meio dela, os indivíduos. Têm a oportunidade de se expressar, verbalizar suas emoções. A arte, portanto é um caminho para a interpretação de sua experiência pessoal. Quando criamos esse caminho através da arte, nosso interior se abre, promovendo ligações importantes em relação à eterna tentativa humana de resolver conflitos. Ao nos expressar através da arte, revelamos as nossas carências interiores. Podemos desta forma, então, refletir sobre o seu poder curativo e sua função terapêutica e contribuímos de modo muito significativo com o nosso próprio equilíbrio. Pensar a arte enquanto ponte para se alcançar uma qualidade de vida melhor não é difícil, pois há um interesse cada vez maior nas pessoas em viver uma existência mais saudável, equilibrada e harmônica. Como diria aquele famoso grupo de Rock Titãs, “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”. Observamos uma preocupação crescente com o meio ambiente, a ecologia, a saúde, a alimentação, os estilos de vida e o próprio sentido existencial da vida. 10 Meu objetivo com esta pesquisa foi refletir a respeito das interferências que afetam a nossa qualidade de vida e compreender que, por meio da Arteterapia, podemos ativar nossa criatividade, conseguindo desta forma o equilíbrio que tanto almejamos. 11 2 - O ESTRESSE, SUAS CAUSAS E EFEITOS Em O Grito, Edvard Munch capta o estado de perplexidade e espanto de um mundo em mutação. Ao pesquisar o tema Qualidade de vida, observei que um dos fatores que julgo importante e que interferem na busca por uma vida saudável são as doenças causadas nos grandes centros urbanos. O estresse e a depressão passaram nos últimos tempos a terem outras conotações na sociedade. Ambas estão se alastrando e tornando-se um mal preocupante. Falar a respeito dessas doenças não surpreende mais, pois em todos os setores da sociedade convivemos com pessoas ansiosas, estressadas ou deprimidas, sendo que muitas delas não conhecem as causas e efeitos nocivos a que estão submetidas. Percebem que o corpo esta dando sinais de alerta, mas não sabem criar mecanismos para aliviar as agressões a que estão constantemente sujeitos. É importante conhecer e entender quando o estresse e a depressão se 12 tornam doenças. Buscar soluções e tratamentos para este mal do mundo contemporâneo e o que os médicos, terapeutas e estudiosos da saúde desejam. Vejamos quais são as causas e os efeitos dessas doenças na vida de milhares de pessoas.Começarei definindo o termo estresse. O termo aportuguesado estresse origina-se, conforme DIAS (2003, p.34), da palavra inglesa "stress", a qual por sua vez tem origem no latim. Suas primeiras referências datam do século XIV (LAZARUS e LAZARUS, 1994), significando "aflição" e "adversidade". No século XVII, o vocábulo passou a ser utilizado em inglês para designar "opressão, desconforto e adversidade" (SPIEIBERG 1979). Em 1936, o endocrinologista Hans Selye introduziu o termo "stress" na área da saúde. Sua ênfase era na resposta não-especifica do organismo a situações que o enfraquecessem ou o fizessem adoecer, a qual ele chamou de "síndrome geral de adaptação" ou "síndrome do estresse biológico", comumente conhecida também, como afirma DIAS (2003, p.34), como a "síndrome do simplesmente estar doente". Atualmente o estresse ou stress é definido como uma reação do organismo, com componentes físicos ou psicológicos, causada pelas alterações psicofísiológicas que ocorrem quando a pessoa se confronta com uma situação que, de um modo ou de outro, a irrite, amedronte, excite ou confunda, ou mesmo que a faça imensamente feliz. Segundo DIAS (2003, p.34), o estresse é um processo, ao qual estão associados os aparecimentos de taquicardia, sudorese excessiva, tensão muscular, boca seca e a sensação de estar alerta. Passada a situação de risco, o organismo tende a voltar ao seu equilíbrio original. O problema é quando esta tensão se torna constante. Quando experienciado como crônico, o estresse pode 13 levar a sérios problemas de saúde física e mental, acidentes, pouca eficiência e baixa produtividade no trabalho, todos estes aspectos têm sérias repercussões para os indivíduos, famílias, organizações e sociedades como um todo. O estresse pode aumentar também o risco de doenças cardiovasculares e fazer-nos mais suscetíveis a doenças infecciosas. Também contribui para a ansiedade, depressão e hostilidade crônica que pode em alguns casos culminar em violência. Outras condições, incluindo asma, dermatites, fadiga crônica e dor crônica podem ser causadas ou acentuadas pelo estresse. O estresse é normalmente conhecido por todos nós, pelo fato de já o termos experimentado, ou acompanhado alguém que se julgava estressado. Segundo Regis (1996, p.20), sentimos estresse quando estamos vivenciando alguma experiência que demanda um nível de pressão maior à que podemos suportar, como: excesso de trabalho, conflitos com a chefia, desemprego, separação, doenças ou morte na família e outros, ou quando estamos cansados, irritados, ou nos sentindo exaustos. Esse conceito popular de estresse confunde estímulos e reações com o processo de estresse. SELYE (1986) apud REGIS (1996, p.3), sugere utilizar a palavra estresse para definir o processo psicofisiológico em que o organismo se encontra, "reação de estresse" para identificar o comportamento manifestado pelo organismo decorrente do processo de estresse desenvolvido e "estressor” para designar as causas desencadeantes da excitação do organismo. O processo de estresse foi denominado, segundo Regis (1996, p.20), por SELYE (1856,1986) como uma "Síndrome de Adaptação Geral" (SAG), que consiste numa mobilização geral do organismo frente ao stressor, com o objetivo de adaptar - 14 se à exigência feita e assim procurar restabelecer o seu equilíbrio. Essa mobilização geral inicial é, conforme o mesmo, denominada "reação de alarme" que mesmo implicando numa ativação exacerbada e numa descarga mais intensa de hormônios, é considerada normal, pois é um alerta em busca de uma adaptação para o organismo. Ela é também chamada de "Eustress" (do grego eu, que significa bom), pois dá o alarme para o organismo acionar suas defesas em busca do equilíbrio, para retomar em seguida à sua homeostase1. Contudo, se o estado de alerta perdurar, impedindo o retorno à fase de repouso e reposição de energias, o organismo busca adaptar-se, não só alterando os índices normais de atividade orgânica, como concentrando o processo de reação interna num determinado órgão. Nessa fase, a Síndrome de Adaptação Geral - SAG se transforma numa Síndrome de Adaptação Local - SAL. Essa fase é chamada de resistência. Se houver continuidade da ameaça, exigindo do organismo um estado permanente de mobilização, ele poderá ter como conseqüência um colapso do órgão, o desenvolvimento de uma patologia ou até a morte súbita. Essa é a fase de exaustão, também chamada "distress" (do grego dis que quer dizer mau). Segundo Vasconcellos (1992) cada uma dessas fases tem processos e reações biológicas e psicossociais específicas. A fase de alarme apresenta como sintomas característicos a taquicardia, pressão no peito, insônia, pesadelos, sensação de esgotamento, irritabilidade, fadiga crônica, músculos tensos, alterações de pressão, zumbido nos ouvidos, distúrbios 1 No site www.corpohumano.com.br há a seguinte definição acerca da homeostase: O corpo humano é composto de vários sistemas e órgãos, cada um constituindo-se de milhões de células. Estas células necessitam de condições relativamente estáveis para funcionar efetivamente e contribuir para a sobrevivência do corpo como um todo. A manutenção de condições estáveis para suas células é uma função essencial do corpo humano, a qual os fisiologistas chamam de homeostase. 15 gastrointestinais, dentre outros. De acordo com REGIS (1996, p.4), na fase de resistência os sintomas físicos desaparecem devido à mobilização ser concentrada somente em um órgão. Contudo, como o estressor ainda permanece, os sintomas evidenciados são de natureza psicossocial como: ansiedade, depressão, isolamento social, medo, nervosismo, insegurança, impotência sexual temporária, oscilação de apetite, entre outros. Os sintomas da fase de exaustão são manifestados através do adoecimento do órgão mobilizado na fase da resistência, ou a morte súbita. O estresse é desencadeado quando o indivíduo percebe algo como ameaçador ao seu equilíbrio, exigindo-lhe adaptação. Estas situações, segundo Vasconcellos (1992) podem ser originadas tanto do mundo externo, como do mundo interno, "como traumas, conflitos, idéias, lembranças, fobias, neuroses, sentimentos, etc..." O processo biológico de estresse é desenvolvido independente da nossa vontade consciente, mas pode sofrer interferências do aparelho psíquico, através da avaliação realizada pelos centros cognitivos do córtex cerebral. Nessa perspectiva, LAZARUS & FOLKMAN (1984) apontam o estresse psicológico como resultante da avaliação feita pelo indivíduo das suas demandas internas e externas e dos recursos disponíveis para administrá-las. Para eles o estresse psicológico se processa em três etapas. A primeira, denominada também de primary appraisat, é quando o indivíduo dá significado às demandas, avaliando-as ou não como estressoras. Ele classifica as demandas avaliadas como estressoras em três categorias: 1) Ameaça: refere - se à avaliação dos prejuízos que uma determinada 16 situação pode ocasionar; 2) Perda: referindo-se aos prejuízos de algo que já aconteceu; 3) Desafio: referindo-se às avaliações das ameaças ou oportunidades que uma determinada situação pode ocasionar em função dos recursos disponíveis para enfrentá-las. A segunda etapa, conforme VASCONCELOS (1992, p.8), também denominada de secondary appraisal, se refere aos recursos cognitivos e comportamentais utilizados pelo indivíduo para administrar as situações estressoras, e por isso chamada de "avaliação de coping” A partir dos resultados dos recursos cognitivos e comportamentais utilizados na segunda etapa, o indivíduo reavalia se as estratégias utilizadas em direção ao controle do estressor foram positivas ou negativas. Essa é a terceira etapa, chamada reappraisal. VASCONCELLOS (1992) define o estresse da seguinte forma: É um processo psicofisiológico - poderíamos até denominá-lo biopsicossocial - onde ambos os aspectos e elementos se interrelacionam na busca da reação mais adequada e possível.(1992, p.11) Numa perspectiva interacional, segundo Magnussom (1982) o estresse é definido como uma reação psíquica e somática do indivíduo às demandas que se aproximam ou excedem os limites da sua capacidade para se defender. A reação de estresse é uma mobilização das defesas do corpo que permite aos seres humanos adaptarem-se às situações hostis e ameaçadoras. Uma situação é considerada estressante, conforme REGIS (1996, p.9), quando elementos físicos e psico-sociais impõem demandas aos indivíduos, o que conduz às reações de estresse. Essas condições físicas e psico-sociais se tomam estressada via avaliação cognitiva e 17 após interpretação de que elas representam ameaças para o organismo ou a vida social da pessoa. Desta maneira, o que é estressante para alguns indivíduos não o é necessariamente para outros. Para REGIS (1996 p.9): Até determinado ponto, as condições físico-geográficas e o padrão sócio culturais determinam as condições que serão percebidas como ameaçadoras. Embora o macro ambiente possa padronizar as experiências, os fatores subculturais e individuais fazem com que as pessoas avaliem e sintam diferentemente as condições ameaçadoras. Segundo o mesmo autor, de acordo com a proposta interacional, o que irá determinar se um estressor será avaliado como estressante decorre da interação de uma série de fatores como: constituições físicas, psicológicas e emocionais do indivíduo, sua história de vida, suas crenças, sua estrutura de personalidade, seus valores, atitudes, em suma, sua condição e visão de mundo. As pessoas necessitam aprender a lidar melhor com as sobrecargas psíquicas do dia-a-dia, sabemos que é impossível evitá-la, mas este desafio pode servir para treinar nosso sistema imunológico. Tornar-se mais otimista e sereno em relação aos percalços da vida, portanto, certamente é um projeto que todos almejam. Precisamos, portanto, investir nesse projeto para que a nossa qualidade de vida se modifique e evolua. 18 3 - DEPRESSÃO: DEFINIÇÕES E DIAGNÓSTICOS Talvez em nenhum momento durante o século XX, o homem se sentiu menos capaz de entender o mundo em que está vivendo (SADER, 2000, p.85) Estimativas da OMS (Organização Mundial de Saúde), conforme Maldonado (2006, p.38), apontam a depressão como a doença psiquiátrica mais diagnosticada atualmente: ocupa o quarto lugar entre os maiores problemas de saúde do Ocidente. VASCONCELLOS (2006, p.64) afirma que 10 milhões de brasileiros sofrem de depressão e que a síndrome se manifeste em 15% a 20% da população mundial pelo menos uma vez durante a vida. Após o segundo episódio, a probabilidade sobe para 70% e a partir do terceiro pula para 90%. Apesar das estatísticas pouco animadoras, conforme a mesma autora, existem diversos recursos disponíveis para controlar a doença que, dependendo da intensidade, além da tristeza profunda e inexplicável, pode incluir entre seus sintomas distúrbios de sono e de apetite, irritabilidade, cansaço, perda da memória, dores de cabeça e no corpo, problemas digestivos e até mesmo pensamentos suicidas. Até a década de 1970, quando surgiram os primeiros antidepressivos, o único tratamento disponível contra o distúrbio era a psicoterapia. Atualmente, de acordo com VASCONCELLOS (2006, p.64), existem mais de 60 medicamentos no mercado. 19 Eles estão na linha de frente no combate ao problema, já que a depressão envolve alterações neuroquímicas - embora também tenha fortes implicações psíquicas, emocionais e sociais. Para Maldonado (2006, p.40), o termo depressão assume significados diferentes se utilizado na linguagem comum ou na psiquiátrica. Se na primeira indica o estado e tristeza e desânimo da pessoa diante de acontecimento desagradável, decepção ou luto, em âmbito psiquiátrico designa um quadro clínico preciso (distúrbio depressivo), caracterizado por sintomas biológicos e psíquicos espontâneos, aparentemente desproporcionais em intensidade e duração aos acontecimentos que o provocaram. Essa condição se distingue por sintomas como perda de interesse, astenia, incapacidade de sentir prazer, insônia, falta de apetite, diminuição da libido, facilidade em fatigar-se e alterações cognitivas, psicomotoras neurovegetativas. Maldonado (2006) define depressão da seguinte maneira: Um indivíduo deprimido experimenta às vezes com angústia, outras com gélido desespero - a irremediável negatividade da vida. Mas se em algumas pessoas atinge a existência pessoal (e este caso podem prevalecer idéias persecutórias, sentimentos de exclusão, inferioridade, indignidade, culpabilidade), outros sentem a própria vida como intolerável. Tudo parece negativo, terrível, irremediável. O mundo se torna um lugar de baixezas e maldades, dominado pela luz sinistra de dor e mal metafísicos (MALDONADO, p.40) BREUER e LESSMÖLLMANN (2006), asseguram que a cada dez pessoas pelo menos uma apresenta episódios de depressão ao menos uma vez na vida, em geral, desencadeado por uma situação infeliz, estresse constante ou por alguma doença grave. Para Vasconcellos (2006), há diferenças entre depressão e tristeza. Conforme a mesma, tristeza é um estado emocional transitório e normal, enquanto a 20 depressão é um distúrbio grave que pode incapacitar o indivíduo para atividades cotidianas. GURFINKEL (2006) afirma que o estado depressivo serve para esconder sentimentos hostis, que na maior parte do tempo permanecem inconscientes. Os sinais aparentes da depressão incluem fadiga, desinteresse pelas pessoas e atividades em geral. Nesse estado de ânimo, segundo o mesmo, o indivíduo tende a ficar passivo e inativo e, nos casos mais graves, prostrado. Pouco se percebe, no entanto, que junto a essas manifestações se encontra um profundo sentimento de ódio. Há, portanto, uma relação obrigatória entre depressão e ódio, conforme o mesmo autor: É claro que, em diversos casos, observamos uma alternância entre estados depressivos e súbitas crises mau humor, com explosão de raiva. Mas a relação entre depressão e ódio nem sempre é evidente. E o principal motivo disso é que o estado depressivo serve justamente para esconder o ódio, que permanece inconsciente durante a maior parte do tempo.GURFINKEL (2006, p.47) Os sintomas da depressão são, segundo relatório da Associação Psiquiátrica Americana, mencionado em Maldonado (2006), os seguintes: Humor deprimido na maior parte do dia (em adolescentes e crianças a irritabilidade pode significar depressão); Diminuição do interesse ou do prazer em relação à maioria das atividades diárias; Acentuado aumento ou diminuição do apetite; Insônia ou sono excessivo; Agitação (evidenciada movimentos; Fadiga ou falta de energia; Sentimento autodepreciativos e culpa excessiva. pela torção de mãos) ou lentidão de 21 A Associação Psiquiátrica Americana considera que a depressão clínica envolve cinco ou mais dos sintomas acima, desde que sejam manifestados quase todos os dias, ao logo de duas semanas. Eles devem incluir pelo menos um dos dois primeiros critérios, causar angústia ou prejudicar as atividades diárias e não podem resultar de medicação, abuso de drogas ou condição médica pré-existentes. Quando se fala em depressão, sabemos que existe uma estreita relação entre fatores genéticos e biológicos de um lado e fatores ambientais de outro. Um histórico familiar com vivências de situações estressantes e poucos suportes social e familiar, além de problemas de saúde em geral, devem ser considerados fatores de risco e que tendem a levar a um quadro depressivo. A solidão também é fator que contribui para este quadro, pois recebo em meu ateliê, freqüentemente senhoras que buscam a pintura como forma de interação com o grupo. O paradoxo social contemporâneo é convivermos o dia-a-dia com tanta gente e ao mesmo tempo sentirmo-nos solitários. Muitas são as situações que geram solidão. Por meio o da arte as pessoas podem encontrar caminhos para domar a depressão por meio de um processo de trabalho criativo. Aliás, a depressão era conhecida na Antiguidade, conforme Maldonado (2006), por Melancolia. Segundo MALDONADO (2006), o filósofo Aristóteles (século III a.C.) evidenciou uma relação estreita entre personalidade melancólica e criatividade. Ou seja, partindo-se desse pressuposto, ao transitar pelas diferentes expressões artísticas o depressivo terá a possibilidade de descobrir seu potencial criativo conectando-se com o mundo subjetivo. A arte possuiu este poder, ajuda a materializar o mundo interno e as interrelações. Quando nos deparamos com pessoas com baixa auto-estima não a identificamos no primeiro olhar, mas isso é facilmente percebido se, com atenção a acompanhamos por algum tempo. Precisamos reconhecer que é necessário avaliar a principal fonte que lhes causam mal como o estresse e a depressão. Por meio do ato criativo podemos desenvolver atitudes e capacidades de agir e de cultivar-lhes um modo positivo de olhar a vida. A busca das pessoas por um sentido na vida é peculiaridade de cada um, 22 mas precisamos estar buscando nos nossos atos essas fontes que para que a nossa qualidade de vida seja mais satisfatória. Em outras palavras, o processo de criação, o ato de”fazer” são experiências existenciais que nos envolvem de forma plena. 23 4 – A ARTETERAPIA E SUAS ABORDAGENS De acordo com a Associação Paulista de Arteterapia (2006), a Arteterapia insere-se dentro de um contexto de exploração criativa e valorização do sensível, viabilizado por meio da utilização dos recursos artístico-expressivos. Desta forma, a interação inata entre o sujeito e o mundo dos fenômenos é descoberta (ou resgatada) e integrada por meio do ato criativo e do produto da criação no contexto propício ao desenvolvimento do sujeito e dos acontecimentos, ou seja, no contexto arteterapêutico. O universo da arte é fonte de transformações, e o sujeito criador – aquele que dá forma ao informe. Nessa conexão, a vida tende a pulsar e possibilidades várias de compreensão da natureza das coisas e do ser humano fazem-se iminentes. Sendo assim, a Arteterapia caracteriza-se por possibilitar que qualquer um entre em contato com seu próprio universo interno, com aqueles que estão à sua volta e com o mundo. À medida que a emergência da expressão se mostra cada vez mais 24 indispensável, tanto mais o sentido da vida torna-se evidente e, conseqüentemente, o despertar do desejo de como aprender a lidar com os problemas, com os medos, com as deficiências, de modo a tornar os pensamentos e os atos mais consonantes com o viver pleno. A utilização da Arte proporciona mudanças de atitudes e de comportamentos, aspectos estes, que têm o poder de promover uma melhoria na qualidade de vida das pessoas. Qualidade de vida é definida da seguinte forma, segundo BHARGAVA (1975) apud ANDRADE (1993, p. 2): ...a qualidade de vida de uma sociedade é definida em função dos níveis de saúde física e mental, da educação e pesquisa, da demografia e densidade populacional, do sistema físico e geográfico, das instituições, comunidade e família, das normas, ordens e leis sociais; define-se também pela quantidade e qualidade de empregos, pelos sistemas de suporte e recursos de lazer, e pelo padrão absoluto e relativo de existência. Inúmeras são as conceituações sobre Arteterapia, e uma delas é considerá-la um processo terapêutico decorrente da utilização da arte. A arte é a representação da vida e um recurso mediador de interação entre pessoas. Por meio dela, o homem pode se aproximar de um dos maiores patrimônios da humanidade, criar e recriar por meio da linguagem e da emoção (ARTTE, 1998, p.26) A definição de Arteterapia na concepção deste trabalho é a mesma citada Por Chiesa (2004) em seu livro, a mais recente definição sobre Arteterapia foi aprovada em 29 de março de 2003, e diz que a Arteterapia esta baseada na crença de que o processo criativo envolvido no fazer arte é curativo aumentando a qualidade de vida.Criar arte é comunicá-la é um processo que quando realizado junto com o arteterapeuta permite a qualquer pessoa uma ampliação de sua consciência.E assim ela enfrenta seus sintomas, seu estresse e suas experiências traumáticas com 25 habilidades cognitivas reforçadas para então, desfrutar os prazeres da vida que se confirma, artisticamente, criativa (AATA, 2003) A arte é, portanto, uma expressão inerente ao ser humano e está, ao menos potencialmente, ao alcance de todos. A esse respeito Cesar (1998) esclarece que a arte ainda se propõe a algo que é pessoal e único, e expressa a linguagem do inconsciente. Mas, qual é a função da arte para nossa vida? Segundo ANDRADE (2000), a arte é necessária para o homem conhecer e transformar o mundo situar-se, tanto quanto envolvê-lo em seu inerente fator de magia. Desde os tempos primórdios a arte vem acompanhando o homem. Além de retratar o contexto social, ela possui seu lado terapêutico. Através da arte o homem pode expressar-se sem a preocupação de verbalizar suas emoções, é um caminho para a interpretação da sua experiência pessoal. Quando criamos, uma ponte se abre no nosso interior promovendo ligações importantes para a tentativa de resolver conflitos. Ao nos expressar pela arte revelamos nossa fala interior. Arteterapia fazendo uso deste contato possibilita ao cliente o autoconhecimento e o desenvolvimento de suas potencialidades e habilidades. Conforme Pereira (1976), ao associar arte e linguagem em terapia, buscamos o veículo perdido entre imagem e verbo, imaginação e conceito, queremos ajudar o homem a ser aquele que sente, aquilo que pensa. Esta ponte entre o verbal e a expressão permite ao arteterapeuta ir além, vivenciando a transformação do cliente. 26 Percebo o poder curativo da arte, a sua função terapêutica, sua contribuição no equilíbrio do ser humano.A capacidade de se mover, de dançar, de pintar, de modelar e outros atos criativos, são comuns a todos nós. Quando a expressão artística acontece, temos acesso a informações desconhecidas. O uso da criatividade acende pensamentos, sentimentos e a memória. Estas experiências intensificam a facilitação da tomada de consciência favorecendo a qualidade de vida. Andrade (2000) nos descreve em seu livro o quanto foi importante os trabalhos realizados pelos pioneiros das Terapias Expressivas e Artes Terapias e dos que iniciaram também aqui no Brasil. Estes estudiosos contribuíram eficazmente para que a venda dos nossos olhos fosse retirada e percebêssemos como este trabalho de pesquisa vem fornecer novos caminhos e descobertas para que com técnicas expressivas possamos promover caminhos para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos. Segundo Andrade (2000), as irmãs Naumburg e Cane deram um salto e uma roupagem à arte educação e Arteterapia. Verificamos em todo seu trabalho a promoção da arte como elemento curativo, apesar de algumas diversidades entre o trabalho destas irmãs para a arte educação e Arteterapia, ainda hoje é estudada pesquisada pêlos estudiosos em Arteterapia. Hoje também existe muita discussão dentro das várias correntes da aplicação de recursos artísticos. Alguns colocam a arte como um instrumento facilitador do processo de comunicação entre o cliente e o terapeuta. Outros, com o objetivo de ser somente terapeuta. A Arteterapia precisa ser uma disciplina diferenciada na teoria e na prática. As 27 linhas divisórias naturalmente se confundem quando se procura diferenças muito especificas entre duas escolas "art as therapy" e "art psycotherapy", pois certamente ambas, tem raízes comuns, isto quer dizer que há muitos aspectos comuns e as diferenças implicam em grau e intensidade de aplicação de conceitos não idênticos e semelhantes. O efeito terapêutico da Arteterapia e da terapia expressiva será definido a partir do próprio "fazer artístico”. O trabalho de Nise da Silveira com os pacientes do Centro Psiquiátrico foi inovador, ela criou a Sessão Terapêutica Ocupacional preocupando-se em novos caminhos para o tratamento dos internos valorizando o processo. Quando um doente mental consegue simbolizar suas visões de mundo está descarregando seus conteúdos emocionais e reestruturando seu caos interno. Reconhece nos trabalhos dos pacientes uma força curativa, a criatividade inerente à necessidade de expressar-se.(ANDRADE, 2000) O melhor caminho para a desmistificação da loucura é procurar analisar seus preconceitos as produções artísticas dos loucos, deixando bem claro que sabemos que nem todo louco é artista. (ANDRADE, p.23) Alguns psiquiatras que se voltaram para o estudo e observação da produção plástica dos doentes com diagnóstico de Esquizofrenia, notaram a ausência da figura humana, ou até das formas orgânicas em geral, o que predomina é a abstração, a estilização e o geometrismo. Para estas pessoas expressar sentimentos e desejos próprios, ou mesmo estruturar e representar figuras soma-se impossível. Daí a importância destas produções plásticas, refletir e retratar esse distanciamento revelando o caos interno e os conteúdos reprimidos. A atividade plástica aliada ao trabalho de compreensão intelectual e emocional facilita o processo evolutivo da personalidade. 28 Outra corrente fundamentada em princípios e técnicas da Gestalt Terapia foram desenvolvidas por Janie Rhyne. Esta autora enfatiza a aquisição e o aumento da percepção como um fator de desenvolvimento das potencialidades humanas. Conforme Ciornai (1989, p.33), a relação da Gestaltterapia com a criatividade se inicia em suas raízes na concepção existencial na qual o ser humano é visto como se estivesse estando sempre com um possível estado de refazer-se, de poder escolher e organizar sua existência criativamente. Entende-se também à concepção gestáltica de funcionamento saudável, em que todo o escrito básico da abordagem é equacionado ao funcionamento criativo. Na Gestaltterapia, conforme o mesmo autor, o indivíduo é visto como um ser relacional, um ser em processo e em constante troca criativa com o meio. Ciornai procurou desenvolver o uso de materiais artísticos para que seus clientes pudessem obter uma ponte entre a realidade interna e a externa favorecendo assim as suas percepções. As discussões sobre a Arteterapia e Terapias Expressivas não acabam por aqui, Andrade (2000) acredita que com a divulgação dos trabalhos com o uso de materiais artísticos, as questões teóricas possam ser mais bem debatidas. Cabem a nós, futuros Arteterapeutas, abrirmos espaços para o estudo e pesquisa sobre outros referenciais favorecendo cada vez mais este campo de atuação. 29 5 - CRIATIVIDADE: POTENCIAL INATO DO SER HUMANO 5.1 CONTEXTUALIZAÇÃO “A melhor recompensa para o trabalho não é o que as ganha, mas o que se torna com ele”. RUSKIN (1998 p.67). O que pretendemos neste estudo é avaliar os fatores que influenciam a conquista dos indivíduos a tornarem-se pessoas mais felizes, levantando pontos para uma reflexão de como a criatividade pode favorecer a qualidade de vida e entender a maneira como é canalizado o seu potencial criativo. Entendendo estes fatores, é possível por meio da Arteterapia, favorecer criativamente caminhos para um maior equilíbrio. 5.2 O SER HUMANO COMO AGENTE DE TRANSFORMAÇÃO O ser um humano é caracterizado por “produtivo e realizador”, ou seja, é um pensador produtivo, como afirma KRECH e CRUTCHFIELD (1973 p.17): O pensador produtivo cria soluções novas e originais. Não importa se a mesma coisa foi ou não realizada, anteriormente, por alguém. Importa, apenas, que seja a primeira ocorrência na vida da pessoa. A nova criação também não precisa ser eficiente; pode ser uma solução errada, mas precisa ser nova e original. Ao pensarmos em como a criatividade e o autoconhecimento podem trazer benefícios para a saúde, deparamo-nos com diversos conceitos, sendo assim, proponho analisá-los para compreendermos como ocorre este processo que desperta em nós descobertas tão valiosas. 30 Nós possuímos potencialidades inatas. Elas têm o poder de nos mover a vida inteira numa busca constante por conhecimentos e pelo desenvolvimento de nossas capacidades e habilidades. Necessitamos utilizar nosso potencial para vivermos com qualidade de vida por meio do “criar” e da ampliação do conhecimento. Segundo Ostrower (1987, p.47) “A fonte da criatividade artística assim como de qualquer experiência criativa é o próprio viver”. O criar deve ser entendido em um sentido abrangente pertencente ao modo de viver do ser humano ao ver, entender e atuar na realidade que o circunda. O criar e o viver se interligam e se elaboram dentro de um contexto cultural. Por meio do ato de criar é possível se pensar um paralelo entre a função social e terapêutica da arte enquanto forma de externar e viabilizar uma nova compreensão da realidade. Conforme Ostrower (1987), confrontam-se no indivíduo dois pólos de uma mesma relação: a sua criatividade, que representa as potencialidades de um ser único, e sua criação que será a realização dessas potencialidades já dentro do quadro de determinada cultura. Para a autora uma das idéias básicas de sua obra é “considerar os processos criativos na interligação dos dois níveis da existência humana: o nível individual e o nível cultural”. Quando vivenciamos concretamente nossas experiências, algumas janelas se abrem descortinando novas possibilidades de forma expressiva no nosso viver.Ao enfrentarmos os desafios do dia-a-dia, temos a possibilidade de lhes dar novos contornos. Nosso meio cultural e nossa existência nos transformam e nos moldam enquanto indivíduos sociais. Nem sempre, entretanto, esta transformação pode ser 31 considerada como nova visão, ou como duas metáforas "luz e claridade". Muitas vezes não temos consciência de nossos atos, eles são feitos na maioria das vezes mecanicamente: levar os filhos à escola, trabalhar, fazer compras. Não refletimos, de forma criativa a respeito dessas ações. É necessário que a mente tenha a percepção de si mesma, pois, tudo que nos conduz a um estado consciente tem o poder de transformar nossa mente, que é o nosso veículo de transformação. Ao se tornar consciente de sua existência individual, o homem não deixa de conscientizar-se também de sua existência social, ainda que esse processo não seja vivido de forma intelectual. O modo de sentir e de pensar os fenômenos, o próprio modo de sentir-se e pensar-se, de vivenciar as aspirações, os possíveis êxitos e eventuais insucessos, tudo se molda segundo idéias e hábitos particulares ao contexto social em que se desenvolve o indivíduo. (OSTROWER,1987, p.16) Os cientistas já comprovaram a flexibilidade do cérebro humano. Para alguns somos capazes de uma modificação em nossas ações. Se nos transformamos individualmente, também podemos transformar coletivamente. Mas, porque mudamos? Há muitas definições para o termo mudança. Conforme Heráclito apud Chauí (2002,p.29). “... mudança significa um estado de modificação contínua”. A mudança faz parte da evolução humana, ela é um processo, uma abertura para que ocorra um desencadeamento para a transformação: quando passamos por algum problema de ordem pessoal ou de outra natureza entramos num período de conflito e tensão. Este elemento perturbador pode ser um agente de transformação. Conforme noticiam maciçamente os meios de comunicação atuais, o mundo está passando por um momento conflitante, por uma grande tensão coletiva. Estamos necessitando de uma reorganização social. 32 Nesse mundo globalizado, as mudanças se produzem em ritmo acelerado e de um modo ou de outro atingem a todos. Uma pessoa que nasceu a setenta ou oitenta anos, conheceu um mundo muito diferente do que o que hoje se apresenta. Descortina-se, portanto, um mundo de tensões cada vez mais complexas. Não podemos, nos permitir, em tal mundo, assim sendo, o uso de nossa capacidade criativa somente para resolver problemas específicos. Necessitamos antes cultivar a criatividade nos seres humanos para que o ato de criar seja significativo e venha acompanhado de soluções para nossas muitas indagações. Em sua obra, Allessandrini (2000, p.23) nos faz um convite: ...que possamos desenvolver cada vez mais nossa capacidade criadora trabalhando em direção a uma melhor qualidade de vida para cada pessoa, enfim, para cada ser humano com quem compartilhamos nossa vida. Foi a partir desse convite que decidi pesquisar como favorecer, por meio da criatividade, os indivíduos, de forma a torná-los pessoas mais felizes. Entendi que a arte, já propicia uma cura por si, por ser um veículo de acesso ao conhecimento do mundo interior, como afirma César apud Andrade (1993), referindo-se ao seu trabalho com arte para psicóticos no Juquerí, onde os pacientes dedicavam-se a arte.Conforme este autor: Reconhecia a existência de um manancial criador no ser humano, independentemente de sua condição de saúde mental Esta capacidade é freqüentemente impedida de manifestar-se por condições sociais. Durante o surto esquizofrênico, este poder vem à tona como uma forma de reorganizar a percepção do mundo exterior. O indivíduo se "libertou" das normas consideradas sadias de percepção e compreensão do real ao desvincularse com esta outra atitude mental. Esse paciente destrói, cria e recria o mundo exterior nas suas representações mentais aplicando combinações pessoais, arbitrárias. Pode produzir imagens que refletiriam seu mundo interior, isto é, a sua maneira de a percepção do externo, segundo o seu viver e compreender, sem nenhuma obrigação de respeito ou rebeldia ao patrimônio cultural existente.(p.52). Partindo-se do entendimento de que a criatividade tem potencial para libertar o ser humano e a sociedade e, enfatizando-se que a mesma pode ser utilizada tanto 33 para o bem quanto para o mal, pretendo aqui comentar sobre alguns aspectos do ato criativo. A criatividade, entretanto, pode ser a fonte para uma nova perspectiva de vida. Jung acreditava que criatividade é sinônimo de vontade de viver, conforme Carvalho (1986, p.90), esse eminente autor afirmou que: “O ego é dotado de um poder, de uma força criativa, conquista tardia da humanidade, a que chamamos vontade”. Desenvolver a força criativa e com isso a vontade de viver deve ser uma das funções da Arteterapia. Quando o indivíduo consegue externar suas emoções por meio do processo criativo, “estará descarregando fortes conteúdos emocionais e reestruturando o caos interno de sua mente” ANDRADE (1993 p.53). Partindo de definições pertinentes, como por exemplo, os conceitos de criatividade, potencial criativo, emoção, estresse, entre outros, a peça chave deste capítulo é demonstrar que o desenvolvimento da criatividade pode ser fundamental para se obter uma vida de qualidade em todos os aspectos. Retornando às mudanças, pode-se afirmar que elas constituem uma das maiores realidades na vida das pessoas, que a cada dia precisam desenvolver motivações, ou seja, vontade de viver para transpor novas dificuldades. A hipótese a ser tratada nesse trabalho relaciona-se com o fato de que muitas vezes os maiores problemas podem ser resolvidos, muitas vezes, simplesmente por meio de uma reflexão criativa. O desenvolvimento desse potencial é, portanto, da maior importância para uma vida de qualidade, afinal, como assevera Boorstin (1995, p.100) “... o poder do homem de fazer o novo é também o poder de continuar vivo em suas criações”. 34 A sociedade contemporânea tem passado por profundas transformações a cada dia. Justo (2000), refletindo a respeito dessas transformações afirma: Evidentemente há muito tempo o homem descobriu que o universo, seu mundo e ele mesmo encentram-se em constante mutação. Nada está inerte, paralisado e eternizado, ao contrário, tudo existe em movimento, em processo, em processo de mudança. Portanto a constatação de que o mundo atual encontra-se em estado de metamorfose não traz nenhuma novidade. Porém é difícil não se deixar tomar por alguma perplexidade diante da velocidade com as quais as mudanças se processam na atualidade. A tecnologia tem oferecido espetáculos contínuos de inovações que se espraiam rapidamente pelo cotidiano, mesmo que sejam indeléveis, quase imperceptível: a mudança da embalagem de um produto, do design de um aparelho de eletrodoméstico e assim por diante. O instrumental da informática é, sem dúvida, o campeão do transformismo e da obsolência, tornando a durabilidade de qualquer produto extremamente abreviada. O descarte, a reposição e a atualização constituem os imperativos do momento, renovando continuamente todo o aparato do cotidiano. (p.59). Percebemos que existe uma necessidade social de comportamentos criativos por parte dos indivíduos. Neste mundo tão conturbado, pensar em novas soluções tornou-se tão necessário porque precisamos dar conta das demandas do cotidiano. A todo o momento estamos praticados criatividade em nossas ações, seja na capacidade de sonhar, imaginar ou fantasiar. Segundo Justo (2000), a criatividade é o encontro da inteligência com a fantasia. Para ele, a fantasia é tão necessária quanto a lógica, e o encontro de ambas resulta na inteligência criativa, capaz de assegurar os meios para a transformação da sociedade e para libertar as pessoas de todas as formas de opressão e dominação. Winnicott (1971) descreveu a criatividade como sendo um potencial inato que se torna presente no desenvolvimento humano, ela auxilia na estruturação da identidade pessoal e no estabelecimento de relações significativas com o mundo. Ao mantermos esta relação com o ambiente, construímos um sentimento de “valor do 35 viver”. Percebemos que existem momentos significativos na vida e que vale a pena serem vividos. Podemos dizer que quando interagimos com o meio, passamos a ser sujeitos da nossa existência. Nesse processo vários fatores advêm do indivíduo enquanto ser social (fatores históricos, sociais, políticos, econômicos, familiares, etc) vão se manifestar e influenciar no curso das nossas existências. Não somos apenas produtos do meio, mas podemos interagir de forma criativa e transformadora. A atividade criativa nos faz refletir sobre um aspecto importante da vida, que é o prazer. O prazer de expressas a subjetividade; de se comunicar com as pessoas mostrando quem somos. É interessante vivenciarmos o momento da criação. Neste mergulhar sentimos que nossas experiências possibilitam novos contornos na vida. Nossas buscas pessoais tornam-se significativas e surge uma nova capacidade de compreensão e transformação da realidade. Passamos a contemplar certas situações como uma grande pintura a ser vista. Ao mencionar neste trabalho a depressão e o estresse, foi possível verificar que alguns fatores acabam nos impedindo de fazermos uso de nosso potencial criativo para sermos mais felizes. Muitos indivíduos carregam dentro de si restrições impostas pelo passado, que bloqueiam suas visões interiores. Acabam, desta forma, não explorando o desconhecido. Esta também é uma das funções da criatividade, o de explorar o desconhecido, e, para isso, precisamos ter em mente que freqüentemente vamos errar, pois o erro faz parte do acerto e do processo criativo. Um dos pontos básicos para a ampliação de nosso potencial criativo, portanto, esta justamente em considerarmos o nosso medo de errar. Há momentos de erros e desacertos. Dentro desse processo somos 36 levados a grandes descobertas. Segundo Ostrower (1987, p.67), o homem vive alienado de si mesmo.Ele sofre de um processo de desintegração.O mundo conturbado dos dias de hoje parece não favorecer a integração do indivíduo socialmente. Aliena-se de si, do trabalho e das possibilidades de se criar e de se realizar na vida conteúdos mais humanos. O importante é se verificar que somos impelidos a criar nesta atividade humana de sensibilidade crescemos enquanto indivíduos pensantes, dando novos contornos e um novo rumo ao nosso viver. Conforme observação de Ostrower (19987), pode-se perceber que a criatividade sempre foi própria do ser humano. Quando vimos uma jarra de argila produzida há 5 mil anos por algum artesão anônimo, algum homem cujas contingências devida desconhecemos e cujas valorizações dificilmente podemos imaginar percebemos o quanto esse homem com um propósito bem definido de atender certa finalidade prática, talvez a de guardar água ou óleo, em moldando a terra encontrou a si próprio. Seguindo a matéria e sondando-a quanto à „essência do ser‟, o homem impregnou-a com a presença de sua via, com a carga de suas emoções e de seus conhecimentos. Dando forma à argila, ele deu forma à fluidez fugidia de seu próprio existir, captou-o e configurou-o estruturando a matéria, também dentro de si ele se estruturou. Criando, ele se recriou. (p.51). Na visão de OSTROWER (1987, p.9), criar é, basicamente formar. É poder dar uma forma a algo novo. Já para BODEN (1999, p.82) “a criatividade é um quebra-cabeça, um paradoxo, para alguns um mistério”. Segundo esta autora, pessoas de mente científica, ansiosas para fugirem do romantismo e do obscurantismo, geralmente definem a criatividade como uma combinação original de idéias conhecidas. 37 De Giorgi apud SpinelliI(1998, p.18) define criatividade como sendo “...a capacidade de sonhar: imaginar mundos diferentes e procurar combiná-los de maneiras diversas”. Eliezer (2000, p.6), endossando tal pensamento afirma que “...na atividade artística da criação estética, a fantasia é o principal passo”. Semelhante opinião apresenta Rodari (1982) apud justo (2000), que concebe a criatividade como o encontro da inteligência com a fantasia. Segundo este autor, pessoas de mente cientifica, ansiosas para fugirem do romantismo e do obscurismo, geralmente definem a criatividade como uma combinação original de idéias conhecidas. Na teoria do desenvolvimento emocional primitivo de Winnicott encontramos interessantes hipóteses sobre as origens da criatividade humana. Para ele a criatividade é uma conseqüência direta das experiências primordiais vividas pelo ser humano no início da vida, em termos do suprimento de suas necessidades básicas de cuidado e proteção. Na visão de Winnicott a criatividade está, portanto, associada ao desenvolvimento emocional e apoiada na relação entre o ser humano e o mundo ou entre o sujeito e o objeto. Logo, dispõe da possibilidade de responder a questão sobre o discernimento entre "o que é objetivamente percebido" e "o que é subjetivamente concebido". Para o autor, o que existe é uma sobreposição entre aquilo que o mundo apresenta e aquilo que o ser humano concebe, tratando-se de um paradoxo, que não deve ser resolvido,apenas aceito. Concordo com winnicott (1971) quando ele coloca que a experiência criativa é ainda entendida a partir do "fazer" "com propriedade" que se encontra ancorado no "sentimento de ser" e no "sentimento de existência", que se originam no espaço de 38 experiência do indivíduo no seu relacionamento com o mundo. Quando criamos, uma ponte se abre em nosso interior promovendo ligações importantes na resolução de conflitos. Ao nos expressarmos por meio da arte, revelamos nossa fala interior. A Arteterapia, fazendo uso deste contato possibilita ao indivíduo o seu autoconhecimento e o desenvolvimento de suas potencialidades e habilidades. 39 6 - ATELIÊ TERAPÊUTICO - PRÁTICA No ano de 2001 fui convidada a trabalhar com o curso de pintura em uma igreja do bairro onde moro. Não tinha até então muita experiência como professora de pintura, mas como a vida é feita de desafios, aceitei. Ao iniciar o curso percebi que boa parte dos alunos buscavam na arte uma forma de preencher um vazio existencial. Relatavam que o pedido médico seria muito importante dedicar-se a algumas atividades prazerosas. Os diagnósticos entre os alunos variavam de depressão, estresse e solidão. Poucos almejavam se tornarem artistas plásticos, até porque se tratava de um curso dirigido a iniciantes.No início percebi que boa parte dos alunos estavam muito preso ao figurativo e tinham dificuldade e resistência à abstração das formas. No decorrer do curso passaram a perceber suas potencialidades e a despertarem sua criatividade.Passaram então a buscar na arte esse novo despertar, observando novas possibilidades de expressão e uma melhor contribuição na sua qualidade de vida. Perceberam que ao mergulharem nessa construção fizeram da arte sua forma de linguagem, traduzindo aquilo que não conseguem expressar verbalmente. O ambiente deste ateliê era muito prazeroso, criamos um vínculo afetivo muito forte, onde a parceria e o acolhimento eram visíveis entre os grupos. Através do processo criativo, estão se conhecendo melhor e expressando sentimentos e fantasias reprimidas. Nestas descobertas, o equilíbrio emocional e o autoconhecimento estavam sendo uma via de acesso para novas possibilidades.Nos relatos a seguir podemos notar o quanto o desenvolvimento da criatividade estava sendo um meio transformador para o alcance da melhoria da qualidade de vida destas alunas. 40 Relato de C. (54 anos) “Há dois anos atrás perdi minha filha por causa de um câncer. Fiquei então muito deprimida e sem vontade de viver. Meu médico aconselhou-me a buscar algo que me desse prazer. Sugeriu então a pintura, a dança ou a ginástica. Como eu sabia da existência do curso aqui na igreja resolvi entrar. Foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. Meus filhos me incentivaram muito e compram com freqüência materiais de pintura e me elogiam muito. Minha família sempre fala que melhorei muito com a pintura. Hoje eu sei que eles têm razão.Não esqueci de tudo que passei, mas aprendi a ver as coisas de forma diferente e a valorizar a vida junto à minha família”. Ao iniciar o curso de Arteterapia, foi notória a tristeza profunda que C. apresentava. Ficava sempre calada e pintava como se fosse preciso produzir muito. Ela não estava conseguindo conviver com as perdas que a vida lhe trouxe.Sabemos que o ser humano é constituído igualmente por momentos de alegria e tristezas, pois ambas são inerentes à vida de qualquer pessoa, mas C. estava entrando em um processo depressivo por causa do falecimento da filha. Entretanto, o tempo e a busca pela melhora através da Arte, encarregaram-se de trazer um sorriso à face de C. Aos poucos ela tornou-se mais tranqüila, passando, inclusive a obter prazer durante a espera pela conclusão de seus trabalhos. Hoje, com o apoio da família e com o auxílio da Arteterapia, C. passou a alcançar um estado de paz e equilíbrio, pois entendeu que as perdas fazem parte da vida e por isso precisamos aprender a conviver com elas. 41 Relato de E. (78 anos) “Sou dona de casa, viúva e às vezes me sinto muito só. Meus filhos estão sempre muito ocupados com suas vidas, por isso percebi que precisava fazer algo, pois estava ficando extremamente deprimida. Fiz alguns cursos de artesanato, mas foi na pintura que me encontrei. Sei que não faço tudo bonitinho, mas fico feliz quando estou pintando e não penso em nada. Aqui o ambiente é muito bom, fiz novas amizades e me sinto melhor do que antes”. A solidão estava fazendo com que E. anulasse sua vida. O presente parecia lento e vazio. Era um verdadeiro sacrifício viver. O futuro parecia-lhe, enfim, sem atrativos, porém, ela sabia ser necessário preencher o vazio de sua alma com uma atividade prazerosa e que lhe restituísse a sensação de utilidade. E. entrou então em um processo de novas descobertas e, mesmo já tendo uma idade avançada, pode constatar que é capaz de criar e fazer da arte uma maneira de se comunicar melhor com o mundo e consigo mesma. 42 Relato de J. (64 anos) “A quatro anos atrás passei por um cirurgia cardíaca, hoje sou portadora de válvula metálica na mitral e devido a sta grande modificação em minha rotina, pois o pré-operatório não é nada fácil, foi que, aconselhada por minha cardiologista, busquei a pintura como terapia. Nas telas encontrei equilíbrio, paz e satisfação.Enfim, encontrei o domínio sobre a situação para dar prosseguimento a vida, sempre procurando me aperfeiçoar para a minha própria satisfação”. J. me surpreendeu com sua força de mulher batalhadora, mas confessou-me que não foi nada fácil o período pós-cirúrgico. Pois ficou meses deitada e sem nenhum tipo de atividade. Era inevitável que ficasse deprimida. J. é uma de minhas alunas mais freqüentes, está sempre inovando e, conforme ela mesmo fala: “A arte é como um carregador de bateria, quando estou criando me sinto realizada como pessoa e recarregada para a vida”. 43 Relato de S. (43 anos) “Sou professora e vivo estressada por causa da correria e da indisciplina dos alunos. Trabalho em uma escola da periferia, onde a clientela é muito difícil. Procuro sempre que possível, controlar meu estresse, porém, a conselho médico resolvi fazer pintura. Fugir da rotina me faz esquecer do tempo. Desligo-me e quando concluo meu trabalho nem mesmo acredito que foi eu quem fez. Percebi que é muito bom criar algo que se pareça comigo, que foi idéia minha. Estou me envolvendo com a arte cada vez mais e isso está sendo muito gratificante em minha vida”. S. sempre teve muito amor pela profissão de educadora, porém afirmava que lhe faltava algo para completá-la. Faltava um “descarregador de tensões” do estresse do dia a dia. Quando percebeu que durante o ato criativo encontraria o seu descarregador de tensões, entendeu que a criatividade seria o ponto de partida para uma conquista de uma vida mais tranqüila e saudável. 44 Relato de M. (14 anos) “Eu fico muito sozinha, sou filha única e às vezes fico meio de baixo astral. Minha mãe achou melhor eu fazer alguma coisa que eu tivesse vontade, optei então pela pintura. Agora virou mania, sempre que estou em casa, nos momentos que não tenho lição de casa pra fazer, fico pintando. Estou descobrindo que sou capaz de fazer coisas legais. Eu achava que todos tinham que ter dom para a arte e agora percebo que todos nós podemos realizar um trabalho legal”. M.não acreditava em suas potencialidades. Não acreditava ser capaz de atingir seus sonhos. Eu lhe dizia sempre que acredito no autoconhecimento, pois esta, somada à criatividade, pode ser um passo para o desenvolvimento da altoestima. A pintura permitiu a M.um redescobrimento dos significados da vida. Ao criar, gradativamente alcançou sua sensibilidade e passou então a compartilhá-la com os outros. Melhor do que se conhecer, é poder transformar o nosso interior. Os cinco depoimentos relatados, cada um com suas particularidades revelam a busca pelo equilíbrio, pela sensação de prazer e pelo alimento para o espírito. Estas alunas perceberam por meio da Arte uma nova perspectiva e um novo trajeto 45 para suas vidas. Através do recurso artístico, a depressão, a baixa auto-estima e os estresses foram driblados e o desejo de viver com equilíbrio foi alcançado plenamente. Um trabalho diferenciado com a participação dessas mesmas alunas veio a confirmar o poder terapêutico que a criatividade tem de possibilitar a vazão dos sentimentos. Não somente para minhas alunas estas transformações aconteceram. Por meio do curso de Arteterapia meu olhar foi se ampliando. Aquela ansiedade que eu sentia em não poder entender o processo de cada aluna, hoje já não existe mais. Estou ciente de que é uma longa caminhada e que a vida profissional me proporcionará novas aprendizagens e crescimento pessoal. Hoje a qualidade das minhas aulas, certamente modificou. A Arteterapia iniciou uma grande transformação em minha vida. Houve uma reconciliação entre mente e coração que me levou a uma profunda viagem ao meu interior; passei a compreender minhas reações tornando-me capaz de fazer escolhas mais conscientes, que conseqüentemente me levam a uma satisfação e sentido de vida mais significativa. Procuro proporcionar às minhas alunas, momentos de criação mais reflexivos, com vivência que dão vazão a um olhar mais interior. Um trabalho que foi muito significativo para mim e para minhas alunas foi uma oficina realizada em meu ateliê por uma colega de curso de Arteterapia, a Marluce Campos El Hage. Esta oficina intitulada Terra veio confirmar o quanto a criatividade possibilitar o resgate de si e das emoções adormecidas. Foi pedido para cada integrante, uma pesquisa prévia sobre os vários tons de terra, onde teriam alguns dias para que pudessem recolher material. Após esta pesquisa eles retornaram para a oficina com os mais variados tons de 46 terra.Conversamos sobre como foi o trabalho de recolher a terra e o que este contato tão próximo lhes remeteu. Foi interessante perceber que todos relataram a memória da infância ou da morte. A segunda etapa do trabalho seria aplicar uma camada fina de massa acrílica sobre a tela e aguardar a secagem. Na terceira etapa a conclusão do trabalho seria aplicar os diversos tons de terra sobre a tela e manter um diálogo interno com aquele material.Ao finalizarmos este trabalho todos os integrantes relataram terem sido boas as lembranças da infância. Resgataram períodos saudosos de suas vidas e viver estas experiências juntamente com minha aluna e companheira de caminhada tem sido, sem dúvida alguma, uma escola de desafios. A vida é um grande laboratório, as pessoas com quem convivemos ou nos relacionamos deixam marcas em forma de tristeza ou alegria. Essas marcas geram a aprendizagem que nos serão úteis por toda a vida. Agradeço por aqueles que passaram ou passarão por minha vida, pois só estes que fazem com que eu cresça cada dia mais como ser humano. O trabalho com a terra possibilitou um novo olhar para a natureza, um olhar de descoberta e uma nova possibilidade de resignificar a nossa existência. 47 O contato com a terra nos faz relembrar momentos de vida. Este diálogo que mantemos com a terra, dá vazão aos sentimentos mais profundos. O homem é um ser formado nas perguntas que faz ou nas soluções que encontra. Ao agir, ao imaginar, ao sonhar, sempre o homem relaciona o mesmo à forma. (OSTROWER,1987) Descobrimos nosso potencial criativo através do contato com as atividades expressivas. Desenvolver a criatividade dá sentido à nossa existência. As oficinas criativas são instrumentos facultativos para a concepção de novas idéias, autoconhecimento e linhas de ações que promovem o crescimento e aprendizagem. 48 CONSIDERAÇÕES FINAIS Desenvolver este trabalho foi um grande desafio e um verdadeiro laboratório de aprendizagem. Ao pensar no tema a ser desenvolvido na presente monografia, veiome à mente a definição de criatividade como meio para se conquistar uma melhor qualidade de vida. Percebi então, que, durante o curso de Arteterapia, a criatividade floresceu de maneira significativa em todos os integrantes do grupo. Esse despertar criativo favoreceu o meu autoconhecimento, ampliou o meu o crescimento pessoal e profissional, o que certamente deve ter acontecido com os outros alunos. Em relação às oficinas oferecidas em meu ateliê não posso deixar de mencionar as pessoas que marcaram profundamente minha caminhada. O vínculo criado em meu trabalho e com as alunas foram experiências que me proporcionaram uma troca, que denominaria “troca de vida”, pois a cada aula e a cada criação notávamos como as transformações aconteciam. Por meio do ato criativo que descobríamos que éramos capazes de pensar, agir e atingir nossa realidade mais profunda. Nós nos estruturávamos interiormente e conseguíamos nos relacionar melhor com o outro e com nós mesmas. De acordo com os relatos das alunas, pude confirmar que a Arte tem poder para dar vazão aos verdadeiros sentimentos humanos. Quando o ser humano cria, podemos afirmar que este ato assemelha-se a algum tipo de realização divina, pois, usar a criatividade é embelezar a vida com cores e nuances que lembram a narração bíblica acerca da criação do mundo. Desejo desenvolver cada vez mais os valores aprendidos no curso de Arteterapia. Desejo desenvolver-me cada vez mais, buscando, inovando e criando. 49 Desejo fazer da Arteterapia uma ponte para uma nova perspectiva de vida. 50 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, Eunice Soriano Como desenvolver o potencial criador. Um guia para a liberação da criatividade em sala de aula. Petrópolis: Vozes, 1991. ALMEIDA, João Ferreira (Tradução) A Bíblia Sagrada. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997. ALLESSANDRINI, Cristina Dias. O elemento criador na aprendizagem. São Paulo: Revista Brasileira de psicopedagogia, 2000. ANDRADE, Liomar Quinto. Terapias Expressivas: uma pesquisa de referências teórico-práticos. São Paulo: USP-Faculdade de Psicologia, 1993. AATESP Associação Paulista de Arteterapia do Estado de São Paulo Disponível em< www.aatesp.com.br>Acesso em 09 de Julho de 2006. BODEN, Margaret A.(organizadora); EYSENK, Hans, GARDNER, Howard et al Dimensões da criatividade. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999. BOORSTIN, Daniel J. Os Criadores. Uma história criativa da Humanidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995. 980p. BREUER, Hubertus e LESSMÖLLMANN, Annette A gênese da Felicidade. São Paulo: Ediouro, Revista Viver Mente&Cérebro, Ano XIV, nº 160, 2006. CARVALHO, Elde M.Murta C.G. O pensamento vivo de Jung São Paulo: Martin Claret, 1986. CIORNAI, S. Em que acreditamos? Revista Veja, 1989. DIAS, Janete Teixeira Burnout: Um indicador sem uma teoria. Um estudo exploratório das possíveis contribuições psicossociais do esgotamento emocional no trabalho. Tese de mestrado. São Paulo: USP/ Faculdade de Psicologia, 2003. KRECH, David e CRUTCHFIELD, Richard Elementos de Psicologia. São Paulo: Pioneira, 1973. 51 ELIEZER, Joya Estudo sobre a criatividade e elaboração artística em estudantes de artes plásticas. Tese de mestrado São Paulo: USP/ Faculdade de Psicologia, 2000. GURFINKEL, Décio O ódio e o nevoeiro. São Paulo: Ediouro, Revista Viver Mente&Cérebro, Ano XIV, nº 160,2006. JUSTO, José Sterza (organização), Mário Sérgio; PIAGET, Jean; ALLESSANDRINI, Cristina Dias; JUSTO, José Sterza et al Criatividade. Psicologia, educação e conhecimento do novo. São Paulo: ABDR, 2000 MALDONADO, Mauro Os aposentos vazios da depressão. São Paulo: Ediouro, Revista Viver Mente&Cérebro, Ano XIV, nº 160, 2006. OSTROWER, Fayga Criatividade e processos de criação. 7ª e. Petrópolis: Vozes, 1987. REGIS, Leda Maria Oliveira O Stress ocupacional no executivo. São Paulo: USPFaculdade de Psicologia, 1996. SADER, Emir. Século XX, uma biografia não-autorizada. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2000. SAKAMOTO, Cleusa Kazue. A criatividade sob a luz da experiência: a busca de uma visão integradora do fenômeno criativo. São Paulo: USP-Faculdade de Psicologia, 1999. SPINELLI, J.; YOSHIURA, E.V. YAZIGI, E. Criatividade, para quê? São Paulo: CAPES,1998. VALLADARES, Ana Cláudia Afonso Arteterapia com crianças hospitalizadas. Ribeirão Preto: USP/ Faculdade de Enfermagem de Ribeirão Preto, 2003. VASCONCELLOS, E.G. O modelo psiconeuroendocrinológico de stress. In SERGER, L. Psicologia & Odontologia. S. Paulo, Ed. Santos, 2 ed. 1992. VASCONCELLOS, Fernanda Os caminhos do tratamento. Ediouro,Revista Viver Mente&Cérebro, Ano XIV, nº 160, 2006 São Paulo: 52 CHIESA, Regina Fiorezzi, O Diálogo com o barro.São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004.