Meu caro amigo, me ouça agora por favor
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Meu caro amigo, me ouça agora por favor
Meu caro amigo, me ouça agora por favor P2 • Sexta-feira 12 Junho 2009 • 11 Meu Caro Amigo Chico parte de um jogo de futebol opondo Chico Buarque a uma equipa de músicos portugueses para mostrar de que modo o brasileiro está presente na música que se faz em Portugal. E como vai, afinal, a vida deste lado do Atlântico PEDRO CUNHA Jorge Marmelo a O futebol, sabe-se, são onze contra onze e, no fim, ganha a equipa do Chico Buarque. Costuma ser assim em cada um dos jogos que faz o músico, poeta, compositor e escritor brasileiro de cada vez que vem a Portugal actuar em concerto. Foi também assim, em 2006, durante a digressão de apresentação do disco Carioca: o Chico Buarque Futebol Clube defrontou, em Lisboa, uma equipa de músicos portugueses (des)orientada por Sérgio Godinho, a realizadora Joana Barra Vaz filmou tudo, entrevistou depois os atletas da canção nacional e o resultado há-de ser conhecido ainda este ano: o documentário Meu Caro Amigo Chico, actualmente em pós-produção num triângulo Porto-Lisboa-Londres. Meu Caro Amigo Chico não é, apesar das aparências, um documento sobre futebol. É, diz Joana Barra Vaz, uma espécie de resposta àquela carta que o brasileiro escreveu, em 1976, a um amigo exilado em Lisboa (“Meu Caro Amigo, me perdoe por favor / Se não lhe faço uma visita / Mas como agora apareceu um portador / Mando notícias nessa fita”). “O documentário começou por ser uma espécie de procura dos pontos de contacto de Chico Buarque com Portugal, mas acaba por se transformar numa resposta à carta a Boal. Há uma reflexão sobre o modo como Chico Buarque está presente na música portuguesa, entre os músicos portugueses, mas que vai mais além e reflecte sobre o país, a lusofonia, o acordo ortográfico”, explicou a realizadora ao P2. Não convém esquecer, claro, que, entre 1975 e 1978, Chico Buarque escreveu duas versões da canção Tanto Mar – e que na versão final, na ressaca da revolução de Abril, se traduz já algum desencanto relativamente ao rumo dos acontecimentos (“Já murcharam tua festa, pá”), mas também esperança: “Mas certamente / esqueceram uma semente / nalgum canto de jardim”. “É preciso ir mais além. Tem que se investir na consciência social e nas pessoas”, diz Sérgio Godinho no filme, numa espécie de balanço das conquistas de Abril e da sociedade portuguesa dos últimos 35 anos. Bola no centro do relvado (sintético): Chico Buarque entra em campo com o número 19 nas costas. No lado oposto estão, entre outros, J.P. Simões, Camané, Jacinto Lucas Pires, João Afonso, Manuel Cruz, Pac, Peixe e Nuno Prata. O dia estava chuvoso. 1-0, ganharam os do Brasil. Sabe-se que Chico Buarque é um apaixonado pelo futebol: tem um campo só dele no Rio de escreveu Ópera do Falhado, inspirada na Ópera do Malandro de Chico Buarque, J.P. Simões expressou a sua profunda admiração pelo músico, chegando a afirmar que lhe custava admitir que não fosse o Chico Buarque de Hollanda. Camané, por seu lado, incluiu alguns temas do brasileiro no espectáculo Outras Canções. “Há tantas canções dele que me tocam muito... A forma como ele fala das mulheres... Muita coisa. As canções de amor são lindíssimas! Acho que ele tem a explicação para uma complicação qualquer que tenho na minha cabeça”, diz o fadista no filme. “É um manobrador de palavras”, sintetiza Sérgio Godinho. As imagens estão escolhidas e a montagem está em curso. Segundo o produtor da London Sessions, Carlos Carneiro, o documentário despertou o interesse da Chico Buarque é um apaixonado pelo futebol: tem um campo só dele no Rio de Janeiro e não vem a Portugal sem aproveitar para uma peladinha luso-brasileira Janeiro e não vem a Portugal sem aproveitar para uma peladinha luso-brasileira. Joana Barra Vaz sabia disto e entendeu que seria boa ideia aproveitar o jogo para pôr o brasileiro em contacto com os músicos portugueses e fazer dele o pretexto para a construção do documentário. “É a porta de entrada para a auto-análise que havia de se transformar na carta ao Chico”, explica a realizadora. “Tentei escolher um músico de cada área, para ter uma visão abrangente”, acrescenta. O árbitro apita para o início do jogo. Manuel Cruz conta que, quando era pequeno, tinha em casa A Arte de Chico Buarque, uma compilação de sucessos do músico. “Cantava a Valsinha com a minha mãe.” Peixe, que partilhou com Cruz a aventura dos Ornatos Violeta, lembra-se de que a primeira vez que ouviu Chico foi precisamente na casa de Manuel Cruz, nesse mesmo LP. J.P. Simões chegou ao Brasil com a mãe em 1974, com quatro anos, e lembra-se de que se ouvia Chico Buarque “por todo o lado”. Manobrador de palavras Intervalo: a semente musical deixada por Chico Buarque deu inequívocos frutos. Quando distribuidora Midas, que levou ao Festival de Cannes um teaser do filme. Já surgiu um canal de televisão brasileiro interessado em dividir o projecto e o próximo objectivo, diz o portuense radicado em Londres, passa por conseguir estrear Meu Caro Amigo Chico no próximo Doc Lisboa, em Outubro. Será, por assim dizer, como conseguir o apuramento para a final da taça.