Narrativa da Imaginação

Transcrição

Narrativa da Imaginação
1
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação – CIP
Roberta Amaral Sertório Gravina, CRB-8/9167
R576n
Rocha, Rafael Correia
Narrativa da imaginação: proposta
pedagógica, metodologia role playing e
reflexões sobre educação / Rafael Correia
Rocha. – Uberlândia: [s.n.], 2014.
111 p. : 30 cm.
ISBN: 978-85-67860-00-8.
1. Pedagogia 2. Educação 3. Imaginação I.
Título
CDD 370
CDU 37
Conselho Editorial Científico
Dr. Sérgio Paulo Morais
Dr. Túlio Barbosa
Dr. Lucas Ferreira de Paula
Ms. Hélio de Oliveira Ferrari
Esp. Fernando Paulino de Oliveira
2
Sumário
AGRADECIMENTOS
4
PREFÁCIO
6
AQUI COMEÇA A HISTÓRIA
10
PENSAMENTOS E PENSADORES NA EDUCAÇÃO E NA VIDA
15
PROPOSTA PEDAGÓGICA
22
TEORIZANDO
26
DUALIDADE CONVERGENTE
46
METODOLOGIA ROLE PLAYING
64
ANÁLISE DE DADOS
75
CONSIDERAÇÕES FINAIS
88
REFERENCIA BIBLIOGRAFICAS
93
ANEXO
96
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, que me sustentou durante toda a jornada, nos períodos
mais improváveis.
Ao professor Raimundo Angel Dinello que por sua companhia, atenção, auxílio, intelecto e
idéias destemidas me fizeram refletir sobre o papel do pesquisador, promovendo muitos
conflitos pedagógicos. E com toda certeza sem ele não teria conseguido chegar até aqui.
A Dra. Marialva Moog Pinto, por aceitar orientar este trabalho, mesmo não conhecendo
profundamente o tema, e ainda assim mostrou-se muito sábia em sua habilidade única de
articulação e flexibilidade, dando esperança para este trabalho, me acalmando nas horas
de desespero.
A paciência amorosa da minha mãe e ao meu pai que sempre incentivou meus estudos
sendo “mestre” antes de mim sem terminar o 4° ano, fechando seus olhos azuis cheios de
mistérios, sua boca silenciosa de experiências, seus ouvidos cansados de oitavas e
deixando o coração aberto, pois viveu sabendo e fazendo muito bem o que amava.
Ao professor Sergio Paulo de Morais, por aceitar o desafio de coordenar o projeto de
extensão Narrativa da Imaginação, levando alguns de seus alunos para a linha de frente
desta proposta.
Aos alunos que ingressaram no curso e pelas histórias que contaram.
Aos amigos-pesquisadores-rpgistas Jaime Daniel Leandro Rodriguez Cancela, Maria do
Carmo Zanini, Wagner Luiz Schmit, Marcos Tanaka Riyis, Carlos Klimck, Luiz Falcão,
Matheus Viera entre outros, pelas incontáveis conversas virtuais.
A Universidad de La Empresa, por promover esta educação plural da América Latina, que
me fez conhecer muito mais sobre as necessidades humanas.
Ao Hostel Internacional, que me abrigou com uma manta de cultura e aconchego nas
noites frias de Montevideo, sendo para mim uma segunda casa.
Por fim, agradeço ao RPG, que me ensinou que durante a vida, jogamos muitos dados nos
quais independente de sucessos ou falhas, a história continua...
4
O Professor Está Sempre Errado Quando...
É jovem, não tem experiência.
É velho, está superado.
Não tem automóvel, é um pobre coitado.
Tem automóvel, chora de „‟barriga cheia".
Fala em voz alta, vive gritando.
Fala em tom normal, ninguém escuta.
Não falta ao colégio, é um "caxias".
Precisa faltar, é um "turista".
Conversa com os outros professores, está "malhando" os alunos.
Não conversa, é um desligado.
Dá muita matéria, não tem dó do aluno.
Dá pouca matéria, não prepara os alunos.
Brinca com a turma, é metido a engraçado.
Não brinca com a turma, é um chato.
Chama a atenção, é um grosso.
Não chama a atenção, não sabe se impor.
A prova é longa, não dá tempo.
A prova é curta, tira as chances do aluno.
Escreve muito, não explica.
Explica muito, o caderno não tem nada.
Fala corretamente, ninguém entende.
Fala a "língua" do aluno, não tem vocabulário.
Exige, é rude.
Elogia, é debochado.
O aluno é reprovado, é perseguição.
O aluno é aprovado, deu "mole".
É...o professor está sempre errado, mas,
se conseguiu ler até aqui, agradeça a ele.
Águeda Maria Turatti
5
Prefácio
Falar de Educação nos dias de hoje é muito complexo. Tenho sempre a impressão
que não há mais o que ser dito, que tudo é démodé. Livros, dissertações e teses são
anualmente publicados, mas parecem sempre falar mais do mesmo. E se não há mais
nada a ser dito, é possível supor que nossa educação está muito bem, que já não há o que
melhorar. Ledo engano.
A educação brasileira tem passado por uma crise profunda nos últimos anos. Se
antes a crise apontava que os alunos chegavam até o Ensino Fundamental, ou até mesmo
o Ensino Médio, sem uma leitura fluída, boa capacidade de raciocínio e argumentação
lógica, atualmente os alunos chegam até o Ensino Superior nessas condições - e muitas
vezes concluem o curso. Estamos com cada vez mais jovens nos bancos escolares, mas
isso não tem refletido na qualidade da educação que elas recebem. Estamos atendendo
em quantidade não em qualidade.
Com alguma frequência uma pergunta me vem a cabeça: porque nada muda na
Educação? Por que as mudanças são tão pequenas a ponto de serem imperceptíveis?
Porque ano após ano pesquisadores nos apontam os mesmos problemas e ninguém faz
nada para resolvê-los? São perguntas amplas, que remetem à várias instâncias da
sociedade.
Após reflexões e conversas com outros educadores, cheguei à conclusão que as
mudanças acontecem a passos de formiga porque pouca coisa se faz na prática. Concordo
que governos ou empresas tem o poder de auxiliar a qualidade do ensino. Mas acredito
também que não basta existir apoio externo se, na ponta, na sala de aula, o professor não
fizer sua parte.
Sabemos que é necessário inovar as aulas, mas não inovamos. Sabemos que
devemos compreender o aluno como sujeito protagonista do seu aprender, mas insistimos
6
em ser aquele professor dono do saber que ensina. Sabemos que o aluno deve entender o
conteúdo, mas insistimos que ele apenas memorize e reproduza.
Nesse sentido, fico feliz toda vez que conheço algum professor que inova em suas
aulas, se valendo das chamadas “pedagogias ativas de aprendizagem”. Acredito que, ao
se práticar aquilo que as pesquisas postulam, entendendo o aluno como responsável pelo
seu aprendizado, o aprendizado se dá com mais qualidade. Fico mais feliz ainda, quando
encontro professores que, para fazer essa inovação em sala, utilizam o Role Playing Game
ou RPG – jogo que me diverte desde minha adolescência e faz parte da minha vida
profissional de psicólogo e educador há quase uma década.
Apesar de muitos ainda considerarem jogos e brincadeiras como algo infantil ou de
importância menor, é importante ressaltar que o lúdico faz parte de nossas vidas até nossa
morte. Mudam-se os sonhos, mas não o sonhar. Mudam-se os brinquedos, mas não o
brincar. Encontramos jogos de interpretações em várias profissões como na psicologia ou
em administração de empresas. Por se trabalhar com pessoas, todas dotadas de
pensamento e imaginação, o jogo de papéis se mostra muito rico. E assim acontece com a
Educação.
Em meados de 2012, meus interesses por RPG e sua aplicação na Educação
cruzaram com os mesmos interesses do Rafael. Um curso de formação de professores
para utilizar o jogo de RPG em suas aulas foi o motivador das nossas conversas iniciais.
Na época eu preparava o lançamento do meu livro e ele se preparava, cheio de desejos e
angústias, para sua pesquisa no mestrado.
Creio que a grande contribuição dessa obra seja a sensibilidade do autor. Sua
proposta é, antes de tudo, uma proposta de respeito, de amor. Quando ele vincula a má
qualidade da educação ao mau relacionamento entre professores e alunos, ele aponta
problemas de diálogo, respeito, entendimento, empatia e hierarquia - isso sem falar dos
problemas de aprendizagem. Ou seja, é importante que professores compreendam alunos
e vice-versa para que haja aprendizado.
À medida que lemos o trabalho, percebemos que não é só de sensibilidade que ele
é feito. Afirmações duras, mas necessárias, são feitas. A quebra da vitimização do
professorado (muito encontrada) é um ponto forte a ser ressaltado. É necessário que os
professores entendam que, mesmo sob circunstâncias adversas ainda é ele quem faz a
7
educação acontecer. Mesmo que o governo não ajude, que a supervisão e direção da
escola não colaborem, ainda assim, o que determina a qualidade da educação ofertada é
sim do professor. Não estou querendo dizer que ele é o único responsável; mas que, para
que o aluno aprenda não é necessário aparelhos tecnológicos na sala, não é necessário os
melhores livros nem viagens diferenciadas – precisa, principalmente, de um professor
engajado que queira fazer a diferença.
Quando percebemos um cenário de fuga, de evasão tanto de alunos quanto de
professores e comparamos com a paixão que todo jogador de RPG tem em jogá-lo é
possível imaginar como seria se o sentimento do jogador de RPG pudesse ser transferido
para o aluno em relação às aulas. É comum encontrar jogadores que se lembram de
personagens e momentos heroicos de aventuras jogadas há anos atrás. Agrada-me muito
uma poetisa, minha conterrânea e do Rafael, a saudosa Adélia Prado que dizia: “o que a
memória ama, fica eterno”. Creio que essa eternidade que ela fala se aplica ao sentimento
que os jogadores de RPG tem por suas aventuras vividas em suas imaginações. E se o
jovem, por meio do RPG, amasse aprender? Imagine como seria: um aprendizado eterno!
Ao ler esse livro tive agradáveis surpresas como encontrar um breve resgate do que
já existe de produção nacional voltada para a aplicação do jogo de interpretação nas
escolas. Embora o Brasil ainda tenha muito que crescer em pesquisas nessa direção, não
somos novatos em buscar compreender as possibilidades que o RPG pode trazer à
Educação. Resgatar essas produções enriquece a obra, pois indica que muito já foi feito,
muitas pessoas jé se debruçaram para enriquecer os processos de ensino-aprendizagem,
mas que ainda precisamos de mais. (Quem sabe você, leitor?!)
Por último, e talvez minha maior satisfação, foi ter encontrado práticas com o RPG
em todos os níveis de Educação. Boa parte do que existe hoje de publicação sobre a
aplicação de RPG em sala de aula versa sobre Ensino Fundamental e Ensino Médio, além
de algumas poucas contribuições a respeito do Ensino Superior. Nesse livro encontrei um
compêndio de aplicações do RPG na Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio e no
Ensino Superior. Ou seja, sob a ótica do mesmo autor temos a possibilidade de ter uma
análise da aplicação em todos os níveis educacionais!
É uma grande honra para mim, ter participado do início de sua jornada e agora,
prefaciar a presente obra, fruto de sua dissertação. Ler cada página desse livro confirmou
meu desejo de disseminar cada vez mais a prática do RPG entre os professores e
8
educadores. Os dados aqui apresentados permitem uma rica reflexão sobre nossa prática
como profissionais da educação e as possibilidades que o jogo de interpretação de papéis
pode trazer para ela.
Aos leitores, que a leitura desta obra seja tão agradável, motivadora e
enriquecedora quanto foi para mim. Que as ideias aqui expostas possam ser uma semente
a ser germinada na mente de cada um!
Ao autor, agradeço e parabenizo pelo texto e a oportunidade de prefacia-lo!
Matheus Vieira Silva - Psicólogo, Pedagogo, Mestre em
Educação,
RPGista
e
Coordenador
Pedagogia da Faculdade da Industria - PR
9
do
curso
de
Aqui começa a história...
Começo este livro como um pedagogo não convencional, não tenho grande experiência
em sala de aula na educação básica, mas tive oportunidade de ficar observando e
intervindo de outra maneira, minha contribuição para a educação esta em um olhar crítico
sobre a postura docente no “o que se faz” e “como se faz” na sala de aula.
Por isso essa introdução é feita de histórias e perguntas.
Em 2009 estava cursando a especialização em Expressão Ludocriativa, vinda da proposta
de Pedagogia da Expressão do professor Raimundo Dinello e trabalhava junto a Secretaria
de Desenvolvimento social e Trabalho, em um núcleo voltado ao atendimento de jovens
entre 14 á 25 anos.
O professor Dinello sempre valorizou a experiência e aplicabilidade dos métodos para
comprovar sua eficácia, reforçando o caráter cientifico, que nem sempre é devidamente
explorado nas ciências humanas. Influenciando minha postura e percepção diante da
realidade. Assim, tive a oportunidade de interagir com algumas escolas que me
provocaram certos incômodos, assim como ambientes sócio-educativos abertos para o
atendimento da população.
Comecei a trabalhar com uma turma de alunos do ensino fundamental 2, com a proposta
da Pedagogia da Expressão, taxados de alunos-problemas, os quais tinham em comum à
desestruturação familiar, em maioria, evasão, filhos de pais separados, sem referência de
valores ou limite, muitos não conversavam com os pais, chegando a afirmar que os
odiavam, também ficavam muitas horas fora de casa com amigos, em festas ou pela rua,
admitindo o consumo de bebidas alcoólicas e agressão entre companheiros de sala.
A partir desses alunos, algumas histórias começaram a emergir.
Notei que um dos alunos não apresentava problemas de aprendizagem e era relativamente
comportado, ao questionar a direção me veio á resposta “ele é um aluno problema porque
demonstra tendência homossexual”.
10
Em outro caso uma professora gritava com uma aluna e esta xingava a professora e desde
então as duas pararam de conversar, a mesma aluna batia nas demais alunas, chegou
certa vez a quebrar a janela da sala com a cabeça de uma colega.
Um aluno, foi proibido pela família de frequentar as aulas, pois começou a questionar as
decisões da mãe, depois da proibição aluno começou a fugir das aulas da grade curricular
para voltar a minha sala para conversar.
O que essas histórias tem em comum? Em comum com os professores?
Minhas primeiras impressões foram de insatisfação e de não saber o que fazer para
resolver o problema em questão, gerando um ciclo de frustrações. Professore(a)s e alunos,
estavam frustrados.
E por mais que apontassem uns para os outros como culpados, ou para a falta de
recursos, nada disso resolveria o problema. Era um problema de educação, não de
educação informação, mas de educação postura, comportamento. Uma obrigação em rude
de seguir estruturas que não são funcionais ao bem estar dos sujeitos. Cada escola por lei
tem autonomia de ação para gerir os próprios projetos e desenvolver um plano politico
pedagógico adequado porém a preocupação em seguir o currículo e aprovar alunos é
tamanha acabamos por ficar doentes.
De acordo com Krishnamurti, “não é sinal de saúde, estar ajustado a uma sociedade
doente profundamente doente” Essa doença não é só o mal estar docente, mas um mal
estar discente, aqui questionamos como é possível, não reverter, mas transformar esse
quadro, sem depender de políticos, recursos, governo, e afins, ou seja uma transformação
que não seja dependente.
Uma postura independente, não tem limites para crescer.
Há também em ambientes não formais oferecidos para atendimento a comunidade, que
tive acesso por meio de meu trabalho público, a alunos que reforçavam o pensamento
agressivo sobre os professores dizendo “eles não são nossos amigos, é só copiar e esta
bom” do outro lado aparecia a resposta de um professor de História “eu não quero que
você me ame, eu não sou doce para você gostar de mim, sou seu professor e você tem
que me respeitar”.
11
Não conseguia enxergar quem era o adulto ou o certo nestes diálogos, não conseguia
inclusive, notar a existência de um diálogo coerente. Muitas vezes somos crianças
emocionais em corpos de adultos, quando é possível perceber isso, a maturidade cognitiva
se mostra sem grande relevância.
Essas aulas para alunos-problemas eram compreendidas por alguns professores como
perda de tempo, que o aluno estava perdendo conteúdo, pois os alunos eram liberados 1h
por semana, alguns educadores questionaram “vai você dar minha aula e eu fico lá
brincando com eles”. O que é neste caso o mais importante para o professor(a), acaba se
limitando em seguir o conteúdo mais do que ouvir o aluno. Visualizei alunos e professores
como forças opostas olhando para esse cenário.
A escola como um ambiente anti - aprendizagem, por meio desses conflitos, que
resinificaram o espaço de convivência. Não havia dialogo, comunicação talvez, porém
cheia de ruídos, e não se escutava quase nada.
Não existe aqui culpados, apenas estratégias educacionais que não são funcionais e ao
mesmo tempo são repetidas ciclicamente, por não se ter claro uma proposta pedagógica e
métodos que sejam do professor e não da escola ou do currículo.
E de maneira nenhum acredite, que aqui será excluído a responsabilidade da família e da
comunidade, porém aqui é um livro sobre educação para educadores, então vai a primeira
lição importante, professor(a) não direcione responsabilidade para outras pessoas,
psicólogos, assistentes sociais e afins, não como um processo mecânico e desgastante, e
também não se sobrecarregue de responsabilidade sendo assistente social, pai, mãe,
enfermeiro(a), etc, existem limites e distinções.
Lembro de uma amiga dava aula em uma escola que ela tinha que medir a temperatura de
um aluno de 5 em 5 minutos para evitar convulsões, nos formamos juntos e não tivemos
capacitação para isso.
Por isso professor(a), neste livro, lhe digo com a maior sinceridade, você é o ser mais
preciso do mundo, do seu mundo e de centenas de outros. Mas você faz a diferença
principalmente para você.
Professor(a) você é nosso foco, nossa mesa, nosso motivo maior.
12
Aqui iremos tratar, antes de falar de aprendizagem, de pessoas e como elas se relacionam
em ambiente de aprendizagem. Assim levantamos perguntas anteriores a “o que o aluno
aprendeu” para dar atenção á “qual a qualidade das relações entre o aluno e o
professor(a)?”
Se até aqui, caro amigo(a) acredita que estou a falar de sonhos e vivendo em um mundo
utópico e fantasioso, alerto que tudo que lerá daqui para frente é o produto de aplicações
concretas, fatos registrados e pesquisa cientifica rigorosa.
13
Ninguém pode educar alguém.
Alguém só pode educar-se a si mesmo.
A verdadeira educação é
essencialmente intransitiva, reflexiva e
subjetiva.
Huberto Rohden
14
PENSAMENTOS E PENSADORES NA EDUCAÇÃO E NA VIDA.
As relações humanas são promovidas em ambientes sociais, como escolas,
parques, universidades, centros de convivência em geral. Segundo Huizinga (2007), a
ludicidade disposta nos jogos se apresenta como canal de interação, construção e estimulo
na estrutura destas relações. Portanto, a postura docente necessita de uma dosagem de
ludicidade, curiosamente quanto mais o aluno avança do ensino fundamental, ao médio e
do médio a universidade, cada vez menores são as dosagens até o ponto de chegar a
inexistência.
A partir destas relações tive como proposta investigar os resultados de uma
pesquisa de campo a respeito do uso de elementos do Role playing game1 por docentes
como metodologia de ensino, por intermédio de um curso de formação, no intuito de
compreender
se
seria
possível
desenvolver
uma
metodologia
quando
usado
pedagogicamente pode permite qualificar a relação professor-aluno. Pensando que o
instrumento que o professor tem para dialogar com o aluno é sua metodologia.
Iniciei assim, em 2011, o desenvolvimento de minha dissertação de mestrado em
educação, intitulada “Narrativa da imaginação: a proposta de uma metodologia role playing
para a melhoria da qualidade nas relações professor-aluno, um estudo de caso no
município de Uberlândia (MG)” é um estudo que significativo como uma possibilidade a
mais de ofertar à comunidade educacional, uma alternativa para desenvolver melhorias
nos ambientes educacionais se pautando nas interações interpessoais entre educador e
educando.
Comecei a pesquisa por meio da visualização das escolas públicas de Uberlândia,
enquanto membro atuante do Conselho Municipal de Educação e Secretaria de
Desenvolvimento Social e Trabalho, onde pude notar que entre o professor e o aluno
haviam atritos, violência, rebeldia, aversão de maneira que a escola apresentava-se como
um ambiente insalubre e violento para ambos, onde não se valoriza a necessidade de
expressão e afetividade dos sujeitos inseridos neste meio, desta forma não sendo propicio
e convidativo a aprendizagem.
1 Jogo de Representação de Papéis
15
Neste caso, a situação conflitante identificada, que me mobilizou, foi a lacuna de
comunicação entre os sujeitos inseridos dentro deste espaço, que acaba por gerar uma
ambientação desfavorável. Percebi uma ausência de uma linguagem comum em um
ambiente aparentemente não favorável as interações sociais e aprendizagem, tornam-se
impróprias para a finalidade da instituição educativa e dos papéis estabelecidos na mesma.
E neste quadro surge uma realidade preocupante onde o caráter afetivo-social e o bem
estar dos sujeitos são colocados de lado, para seguir padrões não funcionais estabelecidos
pelo currículo e posturas de gestão, de maneira engessada, mecânica e repetitiva.
Compreendendo que cada sujeito dentro do espaço de convivência escolar
representa um papel social com determinadas funções e responsabilidades, préestabelecidas pelo imaginário da sociedade e aparentemente vinculadas ao eixo de
direitos e deveres segundo a Lei 9393/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação).
Restringindo estes papéis a professor e aluno, penso que com uma visão
tradicionalista que possivelmente o professor está em função de orientar, ensinar e instruir
os alunos enquanto, os alunos são visualizados em um papel de aprendizes curiosos e
questionadores, entretanto, estas imagens não estão realmente claras e distintas, nem
aceitas em homogeneidade.
Desta forma, os sujeitos inseridos nestes papéis teriam uma interpretação confusa,
desorientados na organização do meio, causando prejuízos para a função da instituição,
necessitando assim de diálogos constantes para reforçar estas figuras. Em resumo:
Sabem quem são, porque estão ali, mas se confundem sobre o como fazer, e
principalmente o determinante vontade nem sempre esta ativo.
Então como seria possível melhorar a qualidade das relações professor-aluno, a
comunicação e a identificação dos sujeitos junto a suas funções dentro do ambiente
escolar?
O ponto de partida para a compreensão da estratégia que proponho neste trabalho
inicia-se com o que é o Role playing game (RPG) e para tal conceituação se recorre a
alguns autores vinculados a este objeto como Hitchens e Drachen (2008), que ilustram o
RPG como uma atividade de expressão coletiva que emerge e atua em um mundo
imaginário, onde os jogadores têm a livre escolha em explorar, analisar, reconhecer e
interagir neste mundo. Os participantes são divididos em grupos de jogadores, que
16
representam personagens individuais e o narrador ou mestre do Jogo é o responsável por
representar a estrutura do mundo imaginário, articulada as regras do jogo.
Ainda, se pode compreender o RPG como uma atividade com sentido e função
social, um jogo produtor de ficção coletiva por meio de narrativa, podendo transformar-se
no decorrer do jogo, todavia, os livros de RPG não contam histórias, mas fundamentam as
histórias para o seu desenvolvimento (RODRIGUES, 2004).
Todavia o conceito que mais se aproxima do eixo deste trabalho, está na
representação de uma contação de histórias interativa, quantificada, episódica e
participativa, com personagens atribuídos de características e um cenário onde existem
regras determinadas na resolução da interação entre os personagens, ou seja, uma
história que vai sendo construída espontaneamente constituída pela expressão coletiva
(SCHMIT, 2008).
Tendo especial atenção ao elemento narrativo deste jogo, com ênfase em
metodologia de ensino, pois se mostra como um canal de comunicação ou conexão em
sala de aula para educadores e educandos, quando aplicada adequadamente. O que
justifica neste trabalho, a seguinte hipótese de como pode ocorrer por meio de elementos
do RPG, no caso a narrativa em aspecto principal, articulados em formato de metodologia
pedagógica como proposta para melhorar a qualidade das relações professor e aluno.
As possibilidades que o RPG e seus elementos proporcionam diante da educação
como metodologia pedagógica para melhorar a relação educador/educando são muitas,
assim como os autores que a embasam, todavia, partindo de alguns olhares iniciais podese compreender três pontos chaves relevantes para este trabalho.
Inicialmente, o jogo permite um exercício do hábito da pesquisa, juntamente a
alteridade entre os sujeitos, no caso entre professor e aluno assim como dá liberdade para
instigar a imaginação em múltiplas probabilidades, o que permite o educando explorar
melhor sua relação com os saberes escolares, assim como a produção coletiva dos
mesmos (VASQUES, 2008).
Além deste aspecto, o estimulo a leitura e escrita, amplia o glossário e articula
saberes diversos, promovendo a aquisição de maior capital cultural do sujeito, que vem por
meio do contato humano, do encontro com outros sujeitos no processo do jogo (PAVÃO,
2000).
17
O RPG desenvolve um processo de estímulos das inteligências, propicia a
transcendência dos saberes e percepções onde o sujeito aprende por meio do imaginário,
pois conhece além do que lhe é oferecido, onde se estimula múltiplas experiências que
podem ajudar a enfrentar situações da vida cotidiana (BRAGA, 2000).
Organizei após esse levantamento conceitual, a iniciativa de uma experiência
realizar-se-á por meio de intervenções, relatórios, entrevistas, observações e coleta de
dados bibliográficos. Acredito que seria possível comprovar a eficácia e fluidez da
ludicidade na narrativa como elemento ausente na educação convencional podendo ser
um instrumento de conexão entre os sujeitos.
Gradativamente, uma mitologia comum é formada junto aos participantes, isto
permite a possibilidade de se identificarem, afeiçoarem-se ao meio e entenderem seus
papéis sociais neste contexto. Partindo do pressuposto apresentado com a pergunta e a
hipótese, se direciona o objetivo geral deste trabalho que está na investigação se o uso de
elementos do Role playing game articulados como metodologia de ensino, a fim de
compreender como se beneficiaria a relação professor-aluno.
Assim como compreender como alguns elementos do RPG podem ser utilizados
para envolver pedagogicamente o docente e o educando, contribuindo com o ambiente de
sala de aula, como espaço prazeroso. contribuir para um desenvolvimento metodológico,
que envolva ludicidade, comunicação, narrativa, críticidade e expressão. Propor
alternativas ao professor, visando o caráter de mediação em relação aos conflitos com
discentes em sala.
Ao reúnir vários símbolos de experiências individuais e compartilha-los, foi possível
promover uma linguagem de orientação coletiva, uma simbologia social, que se manifesta
na formação de mitologia em um caráter educativo para determinada estrutura social ou
microgrupo. Assim, a mitologia permeia o coletivo pelo individual, concedendo aos sujeitos
experiências de interpretação cognitiva, afetiva e imaginativa, sobre determinado tema,
facilitando sua aprendizagem, permitindo entender conceitos complexos por meio de
exemplos narrativos ao qual ocorre a identificação individual (CAMPBELL, 1990).
Outro olhar que estabelece os parâmetros relevante, estão na estrutura das
relações que ocorrem no espaço escolar convencional, em que o aluno é visto como
alguém que tem que ser vigiado para não fazer algo errado, sendo coagido pelo uso do
autoritarismo que o obriga a determinadas tarefas, que por consequência acaba por
18
reproduzir regras, normas e comportamentos. A ausência de uma horizontalidade nas
relações professor-aluno promove em geral, um ambiente de carência afetiva, não
participação e conflito permanente, que impede o desenvolvimento da autonomia do
sujeito, em um sistema prisional onde o aluno deve sempre manter-se sob vigia do
professor (TRAGTENBERG, 1985).
E a partir desta verticalidade, se pode compreender a problemática persistente na
sala de aula, direcionada para o conflito na relação entre o educador e educando. Este
conflito prejudica o dialogo, assim como a boa relação entre eles. Um dos motivadores
desta situação, pode ocorrer pela imposição de valores do educador para o educando que
resiste, gerando conflito. Acreditei que isso ocorria também, porque os sujeitos envolvidos,
educador e educando, não partilhem de símbolos comuns, que os aproxime (CAMPBELL,
1990).
Partindo do diálogos destes autores e pesquisadores, se iniciou uma investigação
que busca compreender se “O uso de elementos do RPG quando articulado como
metodologia educacional, pode atuar na melhoraria da qualidade das relações professor e
aluno” ou como eu gosto de dizer “o RPG funciona na escola? Será?”
Desta forma, acredito que professores e alunos podem construir pontes em comum,
tendo ciência que atritos são naturais, e deles se pode tomar proveito com ações
adequadas, não se pode reforçar a postura de desistência diante deles, por falta de
preparação dos educadores ou resistência dos educandos.
Sendo assim, este trabalho abre portas a questionar a postura dos sujeitos por meio
da reflexão sobre os personagens representados no dia a dia. Compreendo a composição
da realidade, com a clareza de Paulo Freire, ao descrever que “o mundo não é, o mundo
esta sendo” assim como os sujeitos que nele habitam. Penso em como estamos neste
movimento do mundo e para educação neste mundo, pois logo após Freire reforça que “a
educação não transforma o mundo, a educação muda as pessoas, e as pessoas
transformam o mundo”.
Para essa mudança das pessoas, precisamos caminhar com consciência que,
segundo Anaïs Nin, “não vemos as coisas como são, mas como somos”.
Quem somos neste movimento?
19
O que representamos?
Para que a para quem representamos?
20
Tabacaria
Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo.
que ninguém sabe quem é
( E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes
e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.
Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.
Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.
Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fernando Pessoa
21
PROPOSTA PEDAGÓGICA
É interessante compreender o que é a tal narrativa da imaginação, o porquê desse
nome e sua função. Narrar nos remete a uma sequência que compõe um todo, narrar
cenas de um filme, fatos de uma história, se pode pensar que existe um único locutor, mas
na origem da palavra narratio também existe o significado “relação ou relacionar”, então a
ação de narrar pode ser individual e ao mesmo tempo coletiva, compartilhada. Posicionado
o regente da narrativa como a imaginação, uma força infinita de criação individual, mas
que também converge na sociabilidade, penso que esta interação produtiva age como um
processo significativo no fazer-se do sujeito, como uma referencia ao monomito ou jornada
do herói. Vamos entender mais sobre a jornada durante a leitura. Mas, mantenha esse
pensamento fixo, mais importante que entender a jornada é seguir por ela.
O levantamento de dados das iniciativas anteriores sobre RPG e educação, análises
de entrevistas de professores que tinham contado com RPG na sala de aula, e com
minhas ressalvas diante dos últimos anos de pesquisa, foi possível traçar um método que
atende as necessidades do(a) educador(a), utilizando a narrativa, expressão e a
ludicidade, além do uso de objetos de aleatoriedade (dados, roletas, etc).
Mas nada adianta falar disso agora, antes de se falar sobre qualquer “técnica” é
necessário conhecer seu contexto, sua proposta conceitual e seus objetivos para além do
resultado prático, este capitulo irá falar sobre a postura docente, e para isso temos que
conversar com atenção.
É importante compreender que esta metodologia não é pautada restritamente a
educação básica ou a algum conteúdo exclusivo, a plasticidade do elemento narrativo,
permite que o conteúdo seja conduzido de acordo com as necessidades etárias e locais.
Recursos como Data show, multimídia, objetos e equipamentos, são totalmente opcionais
podendo ser transformados ou resinificados. O proposito desta ação, serve para que o(a)
educador(a) não mantenha dependência de nada além dele mesmo, ele é o gestor do
recurso infinito da imaginação.
22
O objetivo desta proposta também não esta em prender o educador a normas
rígidas mas permitir que ele possa por meio de orientações iniciais, exercícios constantes e
constatações, criar sua maneira de lecionar com ludicidade.
Ler um texto diante de uma sala já alfabetizada é uma redundância, o educador
deve realizar algo único para o desfecho de sua história, todo educador deve procurar sua
singularidade, resgatar sua imaginação de criança maturada dela experiência dos anos.
Buscar a felicidade de ser humano antes de ser professor.
Existe a necessidade de compreender que qualquer docente pode gerar uma aula
narrativa, porém esta só será possível por meio da experiência pretérita, então digo vá
jogar RPG antes, para primeiro compreender a prática da narrativa, jogue por uns 3 meses
antes de atuar ou faça o curso de formação em metodologia role playing (dura 6 meses e
atendemos na sua cidade , ligue já!!! LIGUE, JÁ!!!).
E quando começar a experimentar o jogar, irão emergir suas percepções sobre o
campo da ludicidade, que não pode ser descrito em totalidade em nenhum livro ou vídeo,
necessita do contato com outros seres humanos, essa é uma tecnologia de ponta, um
instrumento que permite uma conexão com outro ser humano.
Essa fase é importante para saber distinguir o RPG da prática que fará em sala de
aula, compreender que o RPG em si é projetado para grupos pequenos como atividade
livre e descomprometida em uma realidade complemente distante da sala de aula
superlotada com tempo delimitado. Então ele deve ser reestruturado, veremos isso em
detalhes na metodologia. Dentro do RPG se encontra o elemento narrativo que iremos
explorar, pois ele permite a mediação sem oposição direta ao aluno.
É bom que um educador mantenha um hobby como jogador, tenha um momento de
ludicidade semanal ou quinzenal para instigar a imaginação de sua criança interior, que
possa jogar algo sem preocupação de perdas ou ganhos, sugiro o RPG e o LARP por não
serem voltados diretamente a competição, mas você pode jogar um jogo de tabuleiro ou de
cartas sem se preocupar em competir e ganhar, mas em estar lá, tudo que te satisfaça
FAÇA, jogue, brinque, eduque primeiro sua postura como ser humano, um ser humano
feliz.
Pois por meio desse jogo exercitará subjetivamente um olhar diferenciado do
mundo, compreendendo que o jogo faz pessoas se encontrarem não por interesses
23
exclusivos, mas pelo prazer de estarem lá, e quando estão não falam de problemas ou
delas mesmas, apenas jogam, e nos jogo se expressa quem realmente são.
Se sentir dificuldade, uma grande mestra já me disse, “não aprende, quem não se
permite aprender” você pode se permitir! Você quer se permitir? Sua permissão é
fundamental para encontrar sua identidade docente.
Estar acomodado e cansado de sala de aula, não é uma identidade docente, isso é
um sintoma de um docente doente, irritado e frustrado. Já questionou por que tem
dificuldade de conversar com alguns alunos? Porque perde paciência e grita? E por que
eles ainda não te ouvem e fazem o que querem?
Já questionou se existe um canal de comunicação entre vocês, não apenas
idiomático, mas existem símbolos comuns? Histórias em comum? Experiências em
comum?
Veja bem, o ser humano precisa de histórias para dar sentido a sua vida, senão
todos os carros que saem de uma linha de produção, com a mesma marca e cor, seriam o
mesmo carro, o que os diferencia? A história deles, a história do seu carro, que o faz seu
carro. Não é a documentação, não é a chave ou o IPVA. Isso são objetos que confirma sua
história.
Agora e sua história com os alunos?
Talvez você seja a pessoa de fala, grita, passa trabalho, isso são fatos, mas não
uma história exige uma linearidade e uma inter-relação entre essas linhas/personagens. E
a história não pode ser contada, pela contação de história tradicional, deve ser vivenciada,
percebida, experimentada, repensada, e se esta gerou um processo de aprendizagem,
acredito que se torna um mito, agrega-se uma mitologia comum a um grupo de pessoas,
uma cultura comum ao grupo.
Os jogadores de RPG que estão lendo aqui sabem do que estou falando, passam
anos e ainda lembram de suas histórias, não pelos personagens apenas, mas pelas
sensações produzidas no encontro com outras pessoas. Isso ocorre porque as histórias
fazem parte do que eles são agora, é uma memoria viva pela experiência que é resgatada
para ser contada de novo, e quanto mais e conta mais se reafirma a experiência.
Professor(a) não imagine que a história será a mesma porque o plano de aula
narrativa é o mesmo, que irá utiliza-la ano após ano sem aceitar as diferenças de cada
24
turma, essa proposta quer exprimir, expressar e emergir sujeitos, entre eles você. Cada
experiência será intensa, única e viva. Aceite que sim, no inicio terá muito trabalho. Pois
haverá uma reconfiguração na sua forma de pensar. Ou seja, se você agora é
acomodado(a), veja bem se começar essa história jamais será o(a) mesma.
O fim real desta proposta pedagógica está na melhoria constante das relações
professor-aluno (relações humanas) por meio da ludicidade e expressão, manifestada na
criação de diferentes formas do jogar de maneira a mobilizar os sujeitos envolvidos no
processo de ensino aprendizagem.
Pensando que existe um estágio de pré educação, um processo anterior a cognição
e ao entendimento formal, estruturas que movem a curiosidade e participação do sujeito, e
nelas que a educação deve começar.
No indireto, subjetivo e metafisico do sujeito, partindo inicialmente do(a) professor(a)
para o aluno, para que o educando possa ser devidamente orientado, o(a) orientador(a)
deve estar complementa ciente, pela própria vivencia, do processo a ser desenvolvido.
Tenha consciência que não haverá “controle” completo, prepare-se para bagunça as
vezes, pois quando se dá liberdade a pessoas que estão acostumadas a ser oprimidas,
pode ocorrer bagunça em dobro.
Mas tenha ciência que isso faz parte do processo natural de se expressar. O plano
de aula narrativa é apenas para noções, pois o que realmente faz a aula fluir é o exercício
de escolhas dos alunos, o(a) educador(a) proporciona a forma mais atrativa segundo sua
imaginação para os discentes se expressarem.
Por fim, acredito ser importante uma
reflexão sobre a postura de paidagogo, recontando sua história, não como aquele(a) que
guia para o caminho saber segurando na mão da criança não permitindo a exploração do
caminho até a praça, mas aquele que abre a porta da casa e apresenta como cada sujeito
pode compreender e transformar o mundo conforme vai se constituindo e descobrindo.
25
Teorizando
*nota: não confundir com aterrorizando
Penso que é necessário conhecer o RPG em detalhes, antes de iniciar um discurso
sobre um método educativo, para poder diferenciá-lo, iniciamos um série de definições
detalhadas sobre o jogo exposta, inicialmente, por Hitchens e Drachen (2008) que
contemplam a visão científica auxiliadora no direcionamento deste trabalho:
Um role-playing game é um jogo situado num mundo imaginário. Os jogadores são
livres para escolher como explorar o mundo do jogo, em termos do caminho
escolhido através do mundo, e podem revisitar áreas previamente exploradas. O
montante do mundo do jogo potencialmente disponível para a exploração é
normalmente grande. Os participantes dos jogos estão divididos entre os jogadores,
que controlam personagens individuais, e os mestres do jogo (que podem ser
representados por software em exemplos digitais) que controlam o restante do mundo
do jogo além das personagens dos jogadores. Jogadores afetam a evolução do
mundo do jogo através das ações de seus personagens. As personagens controladas
por jogadores podem ser definidas em termos quantitativos e/ou qualitativos e são
indivíduos definidos no mundo do jogo, não identificados apenas como papéis ou
funções. Essas personagens podem potencialmente se desenvolver, por exemplo,
em matéria de competências, habilidades ou personalidade. A forma deste
desenvolvimento está pelo menos parcialmente sob controle do jogador e o jogo é
capaz de reagir a estas mudanças. Pelo menos um, mas não todos os participantes
têm controle sobre o mundo do jogo além de um único personagem. Um termo
comumente utilizado para esta função é mestre do jogo, embora existam muitos
outros. O equilíbrio de poder entre os jogadores e mestres do jogo, e a atribuição
dessas funções, pode variar, mesmo dentro de uma única sessão de jogo. Parte da
função de mestre do jogo normalmente é para se pronunciar sobre as regras do jogo,
embora essas regras não precisem ser quantitativas em qualquer forma ou se
embasar em qualquer forma de resolução aleatória. Os jogadores têm uma ampla
gama de opções configurativas para interagir com o mundo do jogo através das suas
personagens, em geral, incluindo, pelo menos, o combate, o diálogo e a interação
com objetos. Embora o leque de opções seja grande, muitas são tratadas de uma
forma muito abstrata. O modo de interação entre o jogador e o jogo pode mudar de
forma relativamente livre entre configurativas e interpretativas. Role-playing games
retratam algumas sequências de eventos no mundo do jogo, o que dá ao jogo um
elemento narrativo. No entanto, dada a natureza configurativa do envolvimento dos
jogadores, estes elementos não podem ser chamados de narrativa de acordo com a
teoria narrativa tradicional (HITCHENS; DRACHEN , 2008, p. 16).
Pode-se também perceber o jogo como uma contação de histórias interativa,
quantificada, episódica e participativa, atribuída de personagens com características
26
determinantes e um cenário com regras prefixadas na resolução da interação entre os
personagens (SCHMIT, 2008). E que se apresenta como linguagem autônoma ou mídia,
entendida como forma de arte coletiva e compartilhada, um território de autonomia e
desenvolvimento de autonomia (FALCÃO, 2012).
Outra gama de definições vindouras de pesquisadores de RPG nacionais se mostra
necessária para cercar as principais linhas de pensamento no universo deste tema, recorro
neste caso a citações de pesquisadores reunidas por FREITAS (2006):
[...] um jogo de criar e contar histórias, no qual cada ouvinte faz o papel de um
personagem. O narrador desta história (chamado de mestre do jogo) descreve as
situações, mas são os ouvintes que decidem o que seus personagens vão fazer
(RICON, 1999, p. 60).
RPG [...] é uma atividade lúdica na qual os participantes contam histórias e nelas tem
um papel ativo ao interpretar personagens. É um ato coletivo de criação de narrativas
orais; é a arte de contar histórias, recuperada, revisitada e adaptada ao gosto
moderno. É o resgate da tradição oral e da troca espontânea de experiências.
(LUDUS CULTURAIS).
[...] um jogo de interpretação grupal desenvolvendo-se no plano da imaginação. [...]
Um grupos de jovens reúne para se divertirem sem os aparatos da atual tecnologia,
como instrumentos têm livros, blocos de anotações, lápis, canetas e sobretudo
imaginação (BRAGA, 2000, p. 62 ).
[...] é, ao mesmo tempo, um método e uma brincadeira em que os participantes,
controlando as ações de suas personagens e cooperando entre si, criam histórias
coletivamente (KLIMICK, 2003, p. 62).
A principal diferença que existe entre o contar histórias tradicional e o RPG é que no
primeiro caso o narrador conta uma história que ele já conhece e práticamente nada
se altera [...]. Num RPG, por outro lado cada um dos ouvintes representa um
personagem que faz parte da história que está sendo contada pelo narrador e
interfere no seu desenvolvimento. Transformando-a em uma criação coletiva
(JACKSON; REIS, 1999, p. 63).
O narrador expõe uma situação e diz aos ouvintes o que seus personagens vêem e
ouvem. Em seguida, os ouvintes descrevem o que seus personagens fazem naquela
situação e o narrador, então, diz qual o resultado das ações dos personagens
ouvintes [...] e assim por diante. A história vai sendo criada pelo narrador e pelos
ouvintes á medida que ela é contada e vivenciada como uma aventura (JACKSON;
REIS, 1999, p. 63).
Em seguida, Rodrigues (2004) representa este pensamento em sua tese como:
O Role playing Game é um jogo de produzir ficção. Uma aventura é proposta por um
narrador principal – o mestre – e interpretada por um grupo de jogadores. A ação
pode se passar em vários “mundos” de fantasia medieval, terror ou futurista. Pode
também interagir com um universo ficcional preexistente. As regras do RPG são as
da narrativa (RODRIGUES, 2004, p.18.).
27
Logo após, a mesma autora endossa o elo entre a fantasia e o cognicível onde descreve:
Engana-se quem pensa que a arte da ficção nos coloca frente ao desconhecido. A
ficção nos leva a re-conhecer, a compreender o que já sabíamos, ou, pelo menos,
teríamos condições de saber. (...) O Leitor ou o espectador da obra de ficção
encontrará ali respostas que, individualmente, levaria muitas vidas para obter‟
(RODRIGUES, 2004, p. 41).
A partir destes esclarecimentos conceituais, posso entranhar no campo pedagógico
junto a suas relações entre a educação e os elementos deste jogo. Deixando claro que
definir RPG devido a sua propriedade plástica e interativa, sempre será a meu ver um
conceito em movimento de construção e reconstrução.
BREVE HISTÓRICO
Estes múltiplos olhares permitem ter uma concepção mais ampla sobre o que vem a
ser esse jogo, todavia, existe a necessidade de um conhecimento histórico, que permeia a
proximidade continuada deste jogo com a sala de aula.
Durante a década de 80 sem uma data específica encontrada em registro,
brasileiros que viajavam para os EUA, a turismo, trabalho, e intercâmbio, assim como
professores de cursos de inglês que tiveram contato com livros deste jogo (PAVÃO, 2000,
p. 74.) entre outros produtos relacionados (tabuleiros, mapas, cartas, entre outros) e os
trouxeram informalmente para o país, que até então eram catalogados como livros
didáticos infanto-juvenis pelas autoridades nacionais. Segundo Marcatto (1996), em 1985,
a série de livros “Aventuras fantásticas”, editada pela Editora Marques Saraiva, oficializou a
presença do jogo no país.
Logo após, a editora Devir, a maior editora latino americana a trabalhar com este
gênero literário, lança como produção nacional a série de livros com fim didático, Minigurps, de Ricon (1999), que abordavam temas históricos como cruzadas, descoberta do
Brasil, escravidão e a ação dos retirantes no nordeste.
Na época realmente foi sensacional e até hoje se comenta sobre os livros
sagrados “mini-gurps” porém... no que se difere de um livro didático, com
instruções de uma dinâmica? Que pode deixar o docente dependente e
restrito a seguir sempre o mesmo plano de aula pronto, com falas pré
definidas? Ano após ano sem atualização. Os livros mini gurps para
28 com o RPG, podem agir da mesma
professores que não tem contato
maneira que um computador para educadores avessos a tecnologia.
E
iniciativas
educacionais
como
a
Ferramenta
Lúdica
para
Ensino
por
Representação (FLER), de Alessandro Viera dos Reis, o sistema SIMPLES, do professor
Marcos Tanaka Riyis, entre outros.
Durante a década de 90 e o início do século XXI, a produção e traduções de
materiais foram abundantes, inclusive no desenvolvimento de revistas especializadas
como Dragon Magazine, Dragão Brasil, Arkhan, Grimorium, Dragão dourado, Dragon
slayer, entre outras. Fatos esses reforçados abaixo:
[...] a partir do final da década de 90, começaram a se desenvolver no Brasil, os
primeiros estudos sobre a aplicação dos RPGs – do inglês, Role Playing Game (jogos
de interpretação) - na educação. O que inicialmente eram iniciativas isoladas, aos
poucos se tornou uma verdadeira corrente de estudo, originando seminários
especializados no assunto. O Brasil, inclusive, é hoje um dos países mais avançado
nesta área (RIYIS, 2004, p. 7).
Contudo, em 2001 surge uma notícia significativa para todo país, uma jovem
assassinada em Ouro Preto/MG, coloca em réu o RPG como culpado, alertando a nação
sobre um “jogo satânico” que conduz as pessoas à morte, e a sombra deste incidente
abalou a trajetória de ascensão econômica e social até então definida deste jogo no Brasil,
entretanto, este fato não afetou o aspecto educacional por completo, e até deu estimulo
aos esforços dos educadores, como descrevo adiante.
Após esse incidente os livros começam a ser registrados como jogos, ganhando
classificação de faixa etária variada entre 12 a 18 anos, o que fez esfriar esse mercado de
jogos, porém, o mesmo não ocorreu na Educação, sendo comuns casos onde professores
que começaram a estudar o tema por causa de seus alunos que jogavam e mostram-se
mais ativos em aula, e jogadores de RPG (RPGistas) que ao ingressarem no Ensino
Superior investiram em pesquisa e produção de material educativo.
Neste ponto acredito que mais uma ramificação foi reforçada, o que hoje vem a ser
o RPG com fim educativo, incentivado pelas atividades da ONG Ludus Culturalis,
fomentando simpósios de RPG e Educação de 2002 até 2006, atualmente extinta.
Também a tese de doutorado de Sônia Rodrigues (2004), “O Role Playing Game e a
Pedagogia da imaginação no Brasil”, direcionou socialmente olhares de professores sobre
o RPG como jogo a ser estudado com atenção.
Os pesquisadores do tema RPG desenvolvem trabalhos com enfoque em educação
e cultura, de maneira isolada em cada município, pela distância geográfica dos demais
29
pesquisadores e desarticulação de encontros presenciais frequentes fora da esfera do
entretenimento após 2006.
Destaca-se
assim,
dificuldades
na
mobilização
dos
pesquisadores,
e
consequentemente restrições para que instituições e governo financiem tais iniciativas
(FALCÃO, 2012).
JOGO DE AUTORES
Compreendo que meio pelo qual ocorre esta manifestação do sujeito vem, segundo
a estrutura narrativa presente no RPG, por intermédio do papel ou personagem (role), que
de acordo com a descrição de Moreno (1993):
[...] o termo inglês role (= papel), originário de uma antiga palavra francesa que
penetrou no Francês e Inglês medievais, deriva do latim rotula. Na Grécia e
também na Roma Antiga, as diversas partes da representação teatral eram escritas
em “rolos” e lidas pelos pontos aos atores que procuravam decorar seus
respectivos papéis; esta fixação da palavra role parece ter-se perdido nos períodos
mais incultos dos séculos iniciais e intermediários da idade média. Só nos séculos
XVI e XVII, com o surgimento do teatro moderno. É que as partes dos personagens
teatrais foram lidas em “rolos” ou fascículos de papel. Desta maneira, cada parte
cênica passou a ser designada como um papel ou role (MORENO, 1993, p. 27).
As artes cênicas, além de um canal de comunicação é uma ferramenta para
conhecer e reconhecer características comportamentais (condutas), fomentando diversas
percepções (BRAGA, 2000) aos envolvidos, recorda-se que nesta proposta não existem
sujeitos passivos, como uma plateia, todos são atores. Além disso, os Roles não são
decorados, mas abertos a interpretação de quem os assume, de acordo com as
percepções de cada sujeito.
Dentro da ação do Role, há de uma maneira sutil a formação de laços de conexão
entre pessoas, em um canal de “comunicação” palavra vinda também do latim
communicatio, (FERREIRA, 1983) “ação de repartir, de distribuir, comunhão”, como uma
das ações base do educador, conectar pessoas e mediar de acordo com que essa
substância interna vai se manifestando em uma comunhão de saberes. Que com auxilio de
30
outra palavra que lhe é semelhante em significado: expressão, que Dinello (2009) define
como:
Expressão: voz do latim (1360) expressio-exprimere, de: ex e premere (pressar)
que dão lugar nas línguas vivas atuais a expressão (substantivo de expressar e
expressar-se). „Tirar para fora‟.
Expressar: é o fato de manifestar emoções, os sentimentos, uma parecer pelo
comportamento exterior.
Expressar-se: é a aptidão para manifestar vivamente o que se pensa ou o que se
sente. Expressar: é fazer sensível ou comunicável por sinais (da linguagem, do
pensamento, do comportamento, do gesto, na arte, pelos gestos,...) que dão um
sentido – próprio ou figurado – a algo de si mesmo. É crescer desde dentro.
Expressar-se: é manifestar uma sensibilidade, um fazer conhecer; é por onde passa
a afirmação do ser; do contrário, seria utilizar os sinais e a linguagem para repetir
um conteúdo ensinado (colocado em sinais pelo outro) (DINELLO, 2009, p. 13).
Há uma semelhança harmônica entre educação e expressão, já que ambas
requerem a necessidade de expor, apresentar, de tirar para fora algo, ou no caso alguém,
o próprio sujeito educando que aprende. Há nesse processo a expressão do educador, e
quando ambos se manifestam, reconhecem-se como sujeitos ativos de seus próprios
processos internos, de forma que durante uma partida um jogador reconhece a importância
do outro jogador (DINELLO, 2009), valorizando assim cada ação realizada neste campo,
de maneira a compreender a relevância do uso narrativa no ambiente educacional.
Complementando (FERREIRA, 1983), a analisar a raiz latina Relatio, partilha uma
dualidade de interpretação, ramificando tanto a palavra relação quanto narrativa, ou seja,
se pode fazer uma leitura atenciosa ao qual por meio da semântica a ação da narrativa
existe a possibilidade de permear diversas maneiras de interação entre seus interlocutores.
Ao aglutinar em sintetize todo esse glossário para uma única palavra, se pode optar
por: Jogo, (DINELLO, 2009) vinda da origem latina jocus, que descrimina uma atividade ou
momento destinado ao divertimento e lazer, também encontrado no grego Paidiá, como
uma referência a necessidade de pular dos animais enquanto filhotes, sendo que a
atividade lúdica vem como um movimento natural que mescla o agir com o aprender.
Na ação de jogar, os indivíduos se reconhecem em importância, e estabelecem
regras de convivência, ao ponto em que cada um pode se expressar e ao mesmo tempo
em que dão valor a todos os envolvidos, sem uma noção de derrota pois o jogo encontra
seu objetivo nele mesmo. Contribuindo para a formação intelectual do sujeito, ao mesmo
31
tempo em que, na infância descobre a afetividade por meio desta interação entre sujeitos e
objetos, realizada nos jogos (DINELLO, 2007). No caso do RPG como jogo tradicional,
existe somente a interação entre sujeitos no processo da narrativa. Nesta proposta de
RPG Acadêmico se apresenta liberdade na escolha do docente em transpor diferenças por
meio da própria criatividade e inserir novos esquemas, seja um jogo de peças de montar,
argila, papel e tinta para desenho, sejam objetos que possam ser experimentados e
transformados pelo aluno, afim de complementar a atividade.
Nesta estrutura, recorro ao historiador holandês Johan Huizinga (2007) que também
descreve com propriedade em sua obra “Homo Ludens”, a importância do jogo na
formação humana, sendo que por meio da ação de jogar os indivíduos se agrupam de
maneira funcional com naturalidade, como se fosse a chave para o nascimento das
sociedades, assim como seu desenvolvimento e criação de uma multiplicidade de outros
ambientes (campos de jogo).
Descreve dessa forma, que toda ação humana é organizada como um jogo
(relacionamentos, trabalho, religião, entre outros), que desperta no prazer (DINELLO,
2007) de jogar, e com isso o apreender na expressão do sujeito junto a imaginação,
desenvolvendo os primeiros impulsos de interações para a sociedade. O autor classifica o
ato de jogar quase como uma ação da imaginação coletiva, pois se diferencia firmemente a
realidade quotidiana. Huizinga (2007) nos auxilia definindo jogo como:
[...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e
determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente
consentidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo,
acompanhado de um sentimento de tensão e alegria e de uma consciência de ser
diferente da “vida quotidiana” (HUIZINGA, 2007, p. 33).
Com base nestas definições, concordo com o autor, ao compreender que o jogo é
caracterizado por estes quatro elementos fundamentais: a livre escolha, sendo a
participação não obrigatória, a não ser em casos específicos de ações culturais, exemplo:
seleção de futebol brasileira na copa do mundo; o descanso ou afastamento temporário da
vida cotidiana buscando maior satisfação pessoal; descriminação de um período delimitado
de tempo e espaço; e regras próprias, rígidas e claramente definidas.
32
No lúdico, o prazer de jogar apresenta-se como espontâneo e salutar, junto
desenvolvimento biológico, afetivo e intelectual do sujeito, conforme reforça Caillois(1990):
[...] em minha opinião, há que defini-lo como o vocábulo que abrange as
manifestações espontâneas do instinto do jogo: o gato aflito com o novelo de lã, o
cão sacudindo-se e o bebê que ri para a chupeta, representam os primeiros
exemplos identificáveis desse tipo de atividade [...]. Assim, K. Groos recorda o caso
de um macaco que adorava puxar a cauda de um cão que com ele coabitava,
sempre que este se preparava para dormir [...] (CAILLOIS, 1990, p. 48-49).
Outros autores, como Bartholo (2001), que concebe o lúdico (assim como a
criatividade que lhe é parceira), como um elemento chave na constituição do sujeito, sendo
inerente e fundamental para sua existência:
O lúdico e o criativo são elementos constituintes do homem que conduzem o viver
para formas mais plenas de realização; são, portanto, indispensáveis para uma vida
produtiva e saudável, do ponto de vista da auto afirmação do homem como sujeito,
ser único, singular, mas que prescinde dos outros homens para se realizar, como
ser social e cultural, formas imanentes à vida humana. (BARTHOLO, 2001, p. 89)
Dessa forma, compreendo que um ser humano só é autêntico quando se assume
Homo Ludens, como se nota nesta citação de Platão apud Pinto (2001, p. 5) “Você pode
aprender mais sobre uma pessoa em uma hora de brincadeira do que em uma vida inteira
de conversação”. Penso que a educação deve aproximar-se do caráter de jogo, para ser
funcional e natural aos educandos, dando-lhes sentido ao estarem inseridos na sala de
aula, proporcionando características de um campo de jogo.
Retorno ao caráter dos papéis, no intuito de compreender melhor que neste jogo de
expressões, existe uma apropriação do sujeito pelo sujeito, em seu processo de formação
como descreve Moreno (1991), abaixo:
[...] o teatro da espontaneidade foi o desencadeamento da ilusão. Mas essa ilusão,
passada ao ato pelas pessoas que a viveram na realidade, é o desencadeamento
da própria vida – das dingaussersich (a coisa fora de si). O teatro das coisas
últimas não é a repetição eterna do mesmo, por necessidade eterna (Nietzche),
mas o oposto disso. É a repetição autogerada de si mesmo. Prometeu apossou-se
de suas correntes, não para se conquistar nem para se destruir. Ele como criador,
33
produziu-se de novo e provou, [...] que sua existência agrilhoada foi obra de seu
próprio livre arbítrio (MORENO, 1991, p. 78).
Esta percepção de Moreno (1991) permite compreender a importante relação entre
a expressão que vem por espontaneidade com a ludicidade. Tais percepções são
características a serem relevadas na atuação do educador junto ao educando.
O RPG apresenta capacidade para estimular as múltiplas inteligências, (ANTUNES,
2000) sendo que competências e habilidades são trabalhadas coletivamente de acordo
com o decorrer da história e curiosidade do educando. Conduzido pela narrativa, o
estímulo pode trabalhar todas as faculdades mentais. É possível também, focar em
determinadas características que o educando tem dificuldade ou ainda, ressaltar as que
têm facilidade, devido à flexibilidade da ferramenta, que permite intervenções para auxílio
no processo de ensino-aprendizagem. O RPG como simulador de situações, pode
exercitar uma coletânea de inteligências, que se tornam presentes em estímulos e
percepções durante sua aplicação.
Compreende-se que cada personagem representa características distintas (sendo o
escravo, o navegador, o indígena, entre outros) mediado pelo educador, o que permite ao
aluno tomar consciência de alteridade e trabalho cooperativo, afetando a conduta social,
além da mera instrução.
Esse despertar da consciência social do sujeito se torna possível a partir do
momento em que o indivíduo se reconhece e identifica como sujeito sócio histórico em um
processo que está acontecendo continuo e coletivamente.
Entende-se que as ações do sujeito não são limitadas a determinados resultados,
embora necessitem de serem conhecidas na totalidade de sua abrangência, a fim de
atribuir ao educador a função de conscientizador em sala de aula para a reflexão dos
sujeitos, utilizando de diferentes personagens (roles) que interpretam saberes e
percepções da realidade.
O mito de determinado grupo (escola ou sala de aula) é gradativamente criado e vai
caracterizando a identidade dos sujeitos de acordo com as relações durante a narrativa.
Na relação entre sujeitos, Vigotsky (1988) apresenta a teoria da Zona de
Desenvolvimento Real (Intra-individual = reflexão interna do sujeito) que abarca funções
psíquicas adquiridas pelo indivíduo (o que foi aprendido), ou seja, sua aprendizagem
34
autônoma e a Zona de Desenvolvimento Proximal (Inter-coletiva = reflexão sofre o contato
social), que descreve o processo de aprendizagem com auxílio externo de alguém mais
experiente (educador) ou de um grupo de pessoas (sala de aula).
A partir da narrativa do RPG, o sujeito torna-se interativo, no processo de troca com
outros indivíduos e consigo mesmo. As informações, dados e características sociais se
internalizam, formando não apenas conhecimento mas, a própria consciência. Assim, o
professor-narrador, faz a mediação e estimula o processo de aprendizagem, fornecendo
elementos que o aluno poderá entrar em contato de acordo com as próprias escolhas (ex:
cabe ao professor-narrador, descrever a existência de uma porta, fica a critério do alunojogador, abrir ou não).
Desta forma, para Vigotsky (1988), o processo de interação de indivíduos em
diferentes etapas de desenvolvimento necessita desta convivência em grupos, para que
por meio de conexões sociais, os mais experientes auxiliem no processo dos menos
experientes, facilitando a aprendizagem, fato que ocorre na prática da cooperação
apresentada no RPG.
Segundo o autor, a maneira que o ser humano aprende é caracterizada como
resultado de um decorrer sócio-histórico de agregação de conhecimentos através das
relações sociais. Ressalta-se que a compreensão do desenvolvimento humano está na
mediação do conhecimento, feita por meio de um a gente externo (professor-narrador), o
indivíduo como ponte de suas relações de forma construtivista, gerando a linguagem como
um sistema simbólico de organizações, de conceitos culturais, formando, assim, estruturas
mentais complexas que caracterizam a realidade do indivíduo. Vygotsky (1998) visualiza
uma conexão da aprendizagem e do desenvolvimento, destacado na citação abaixo:
A aprendizagem não é em si mesma desenvolvimento, mas uma conexão
organizada da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, ativa
todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta ativação não poderia
produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento
intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas
características humanas não naturais, mas formadas historicamente
(VYGOTSKY,1998, p. 47).
Os símbolos trazidos pela cultura são internalizados como ação fundamental para o
desenvolvimento humano, a partir de referenciais, iniciando do externo para o interno, do
35
interpessoal para que o intrapessoal se reconheça, a fim de originar as predisposições
internas como motivação, interesse, emoções e necessidade.
Narrativa que ocorre a saída do cotidiano e a entrada ao mundo de fantasia
(conforme foi visto nas características do jogo), deste modo, a mente assimila novas
experiências. Entretanto, dentro da sala de aula, não se pensa em um espaço próprio para
divagar, pensar no improvável. Devemos repensar isso. Pois a ação lúdica da fantasia é a
peça chave para o desenvolvimento do pensamento neste jogo e do relacionamento entre
o humano e a realidade.
Com base em Freud (1909), a fantasia surge na função de amenizar situações de
desprazer, e uma aula chata poderia sim, a meu ver, ser caracterizada como uma situação
de desprazer.
E quando o desenvolvimento do sujeito está na mediação entre esses mundos
(interno e externo), o professor-narrador pode auxilia-lo utilizando, além da narrativa,
objetos de probabilidade (dados, moedas, roletas, entre outros) como instrumentos lúdicos
neutros que permitem a aproximação entre os envolvidos na atividade.
Vejo como interessante entender a importância da probabilidade, no caso do dado
por exemplo, o pesquisador francês Jean-Marie Lhôte, descreve em um estudo etimológico
na Índia, encontrando uma relação semântica entre o radical div, “jogar dados”, e os
substantivos deva,“deus” e daiva (uma entidade celestial organizadora dos destinos),
sendo objetos desta categoria de incerteza, recorrem ao lado mágico, sagrado, mítico e até
de adivinhação (Jogo de Búzios) do ser humano, como uma subordinação e aceitação
perante o desconhecido, sendo o objeto dado encontrado na América, no Oriente médio
(jogo de Al´ Zahar, em que derivou a expressão “jogo de azar”), África, Ásia e Europa,
constituído de matérias, como ossos, barro, pedra, madeira e metal.
Também ao jogar ocorrem situações de choques, frustrações e descontentamentos,
sendo a fantasia mediadora dessas sensações, ao qual reagem de forma comparativa a
uma válvula de escape de um automóvel, em diversas formas de acordo com o indivíduo,
como por exemplo, pintura, desenho, escultura, escrita, sonhos e jogos. Freud (1909, p.
54) esclarece em sua obra Cinco Lições de Psicanálise “[...] o homem enérgico e bemsucedido é aquele que consegue transmutar as fantasias do desejo em realidades” ( FREUD,
1909, p. 25).
36
Logo, a maturidade e a saúde mental de um indivíduo ficam intimamente
relacionadas com a administração da fantasia, organizando meios para expressar seus
desejos. Ou seja, jogar faz bem a saúde.
O jogo cria uma ponte de ligação entre o real e o imaginário, desenvolve habilidades
cognitivas e sociais, e trabalha como ferramenta facilitadora no processo de ensinoaprendizagem. Neste contexto, permite uma reinterpretação das experiências vivenciadas:
As fantasias como os sonhos, também são realizações de desejos, também se
beneficiam de certo relaxamento da censura. Se examinarmos sua estrutura,
perceberemos a forma pela qual a finalidade impregnada de desejo, que atua em
sua produção, misturou o material do qual foram construídas; reformulou-o e o
constituiu num novo todo. (FREUD, 1976, p. 526).
A fantasia apresenta uma conexão com a presença do mito no cotidiano do
individuo, em que determinado saber toma molde de personagens fictícios com fins
pedagógicos. Desta forma, a formação do mito estabelece parâmetros sobre o olhar para o
mundo onde se torna fundamental abordar o trabalho de Campbell (1990) que ordena os
fundamentos da mitologia para a formação humana ao se referir a narrativa dos mitos.
Campbell (1990), cita que diante de diversas comparações entre mitos primitivos e
intercontinentais, foi possível observar um padrão entre eles, mostrando que todos os
mitos são um mesmo mito como um contínuo desejo do sujeito em se realizar, expressarse para descobrir quem é internalizado em seu mundo, dando sentido ao externo. Este
mito constitui-se como processo de aprendizado que possui símbolos contextualizados que
influenciam seu comportamento e desenvolve a compreensão de variados contextos
humanos.
O autor explica que o mito ajuda a colocar a mente do indivíduo em contato com
essa experiência de estar vivo, situando-o em seu contexto sócio-histórico. Os mitos
situam o indivíduo no mundo como uma bússola existencial. Acredito, de acordo com o
pensamento de Campbell (1990), que cada sujeito necessita de seu próprio mito ou sua
própria interpretação interpretação sobre o mito, durante a sua trajetória de vida, como
base mental e orientação moral ou conduta, concedendo identidade ao sujeito.
Segundo ele, o indivíduo encontra uma relação do mito com sua vida. O mito, em
sua complexidade é constituído de quatro funções distintas:
37
- Função mística ou sagrada: concede o aspecto misterioso do que existe além da
compreensão humana, o que transcende a consciência atual, deixando a mente aberta ao
novo;
- Função cosmológica ou científica: abre a compreensão de como a origem do
mundo e o funcionamento de seus fenômenos funciona, o princípio singular da lógica e
dedução;
- Função sociológica: organiza e determina o direcionamento de uma sociedade,
define certo e errado, e promove as noções sobre valores morais, direitos e deveres;
- Função pedagógica: educa sobre como o ser humano, independente das
interferências do ambiente externo e de qualquer circunstância, dispõe o modelo do vir a
ser homem e mulher durante todo o processo da vida com dignidade e respeito.
Um grande exemplo destas funções é esclarecido no depoimento histórico do nativo
norte americano, chefe Seattle, sobre a aquisição de regiões tribais para os imigrantes em
1952, cita:
O Presidente, em Washington, informa que deseja comprar nossa terra. Mas como
é possível comprar ou vender o céu, ou a terra? A ideia nos é estranha. Se não
possuímos o frescor do ar e a vivacidade da água, como vocês poderão comprálos? Cada parte desta terra é sagrada para meu povo. Cada arbusto brilhante do
pinheiro, cada porção de praia, cada bruma na floresta escura, cada campina, cada
inseto que zune. Todos são sagrados na memória e na experiência do meu povo
(CAMPBELL, 1990, p. 32).
Segue também que:
Conhecemos a seiva que circula nas árvores, como conhecemos o sangue que
circula em nossas veias. Somos parte da terra, e ela é parte de nós. [...] Cada
reflexo espectral nas claras águas dos lagos fala de eventos e memórias na vida do
meu povo. O murmúrio da água é a voz do pai do meu pai. [...] O que sabemos é
isto: a terra não pertence ao homem, o homem pertence à terra. Todas as coisas
estão ligadas, assim como o sangue nos une a todos. O homem não teceu a rede
da vida, é apenas um dos fios dela. O que quer que ele faça à rede, fará a si
mesmo (CAMPBELL, 1990, p. 32).
Este pensamento promove a ideia de conscientização sobre a importância das
conexões entre os sujeitos a interpretação do meio. Retornando a falar sobre o ambiente
escolar, recordo que ao contemplar uma formação diferenciada do molde disposto pelas
instituições de ensino nos últimos séculos, com informações previamente determinadas,
38
observei agravantes singularidades, em uma estrutura de relações regida por ações
agravantes de vigiar e punir (TRAGTENBERG, 1985).
Tragtenberg questiona a ação de "conhecer como essas relações se processam e
qual o pano de fundo de ideias e conceitos que permitem que elas se realizem de fato".
Notei, neste caso, um processo que aproxima as relações, junto a necessidade e
propriedades do mito, com os aspectos funcionais da narrativa na articulação destas
relações.
Com essas funções, vejo que o mito tem como fundamento o amadurecimento
humano, assim como os antigos ritos, ele integra e interliga as pessoas, propiciando a
socialização. Os mitos primitivos, de acordo com Campbell (1990), auxiliam a mente a
chegar nesta comunhão.
Em outra obra do autor, O Herói de Mil Faces (1988), a ação das histórias geram
modelos que acompanham o desenvolvimento do jovem até a vida adulta de forma
interativa com a sociedade. Tal pensamento é expresso pela citação abaixo:
Além disso, não precisamos correr sozinhos o risco da aventura, pois os heróis de
todos os tempos a enfrentaram antes de nós. O labirinto é conhecido em toda a sua
extensão. Temos apenas de seguir a trilha do herói, e lá, onde temíamos encontrar
algo abominável, encontraremos um deus. E lá, onde esperávamos matar alguém,
mataremos a nós mesmos. Onde imaginávamos viajar para longe, iremos ter ao
centro da nossa própria existência. E lá, onde pensávamos estar sós, estaremos na
companhia do mundo todo (CAMPBELL, 1988, p. 34).
O modelo citado aplica-se ao RPG e sua formatação narrativa, pois cada história,
cada mito, tem um ou mais heróis e esses tem que seguir sua jornada, um caminho que é
descrito por Campbell (1988) em 12 estágios, todavia pode ser sintetizado em três grandes
atos.
Um modelo escolhido para análise apresenta-se na obra “Star Wars” (Guerra nas
estrelas), cujo autor George Lucas se inspirou nas teorias de Campbell.
1. Apresentação - Uma pessoa normal em um mundo comum até a chegada de um
acontecimento inusitado que conturba essa realidade pacata. Campbell (1988)
denomina este acontecimento de “o chamado para a aventura” e o indivíduo sente
se tentado a sair de seu cotidiano monótono. Assim, rompe fronteiras de sua
39
realidade atual até um ponto sem retorno, iniciando uma jornada em busca de um
objetivo maior. Ex.: Luke Skywalker era fazendeiro junto com seus tios, quando
comprou um robô doméstico em que veio com holograma escondido da princesa
Léia pedindo ajuda, conhece Ben Kenobi, seu mentor sobrevivente da ordem Jedi.
Durante essa descoberta, seus tios são mortos e a fazenda destruída pelo Império,
perdendo sua ligação com seu mundo comum. Sem ter mais motivos para continuar
em Tatooine, seu planeta natal, ele inicia sua jornada.
2. O conflito - O indivíduo agora definido por Campbell como herói, encontra uma rica
diversidade de aliados, inimigos, mentores, testes, provações, desafios e adquire
saberes importantes para seu desenvolvimento pessoal. Exemplo: ao seguir sua
jornada, Luke Skywalker encontra o piloto Han Solo (aliado), Darth Vader (Inimigo) e
Mestre Yoda (mentor), passando por diversos desafios. Desta forma, aprende mais
sobre si mesmo, tornando-se um cavaleiro Jedi.
3. A resolução - O herói vence a suprema provação, soluciona a fonte do desequilíbrio
e retorna para seu mundo. Exemplo: Luke Skywalker encontra o grande antagonista
Darth Vader e durante uma difícil batalha, aprendizagem descobre que o vilão, na
verdade, é seu pai Anakin Skywalker que ele pensava estar morto. Mediante muito
esforço consegue trazer seu pai à lucidez e em seguida, derrota o traiçoeiro Darth
Sidious, vilão que levou seu pai a seguir pelo lado sombrio da força e destruir a
ordem Jedi, trazendo novamente o equilíbrio, a força.
É notório que o herói do início difere-se no fim. Ele agregou muitos conhecimentos,
vivenciou novas experiências, amadureceu conceitos para se tornar o grande campeão,
que segundo Campbell (1990, p. 86), "não haveria proeza heróica se não houvesse um ato
supremo de realização”.
Nesta articulação, a consciência do sujeito se transforma e amadurece devido a
provocações, desafios e revelações que por meio de experiências colocam a inteligência á
prova.
Esta será a jornada do educando com as vivências lúdicas. Toda essa bagagem
teórica me fez notar elementos que formam o jogo de RPG afetando aspectos de
sensibilidade (DINELLO, 2007) e sociabilidade (VYGOTSKY, 1998) de forma divertida, a
fim de auxiliar na construção de conhecimentos, relações sociais, gerar aprendizado com
40
liberdade,
ressaltar
características
comportamentais
como
moralidade,
liderança,
perseverança e cooperação, e contribuir para a qualidade de vida do educando.
O RPG original contém padrões de comportamento formatados como arquétipos
conceituais, abertos a interpretação de acordo com a percepção de cada participante,
porém sem falas pré-determinadas como ocorre no teatro convencional, assim, torna-se
bem similar com a técnica das artes cênicas, chamada teatro de improviso, todavia existe
uma ficha e regras que norteiam o jogador.
Esclareço que em um diálogo entre a história contada e os contadores, buscando
um equilíbrio conceitual é importante saber diferenciar a contação de história tradicional
utilizada em escolas para fins pedagógicos, da narrativa originada no RPG.
Segundo Chaves (1963) apresenta a seguinte definição:
A história é baseada em atos que têm seu fim imediato – sua ênfase é posta na
conduta dos personagens, e apela, especialmente, para imaginação e para o
sentimento [...]. O que caracteriza uma história é o fato de encerrar ela em uma
série de eventos que levam a um fim imediato, eventos que se completam, e que
fazem da história uma experiência que começou, se desenvolveu, chegou ao auge
e terminou (CHAVES, 1963, p.18).
A autora citada aponta funções e características salutares sobre a ação educativa
da contação de histórias:
- Física: Relaxamento e repouso após atividades exaustivas;
- Moral: Estimula sentimentos por meio de modelos de conduta e dá parâmetros de
discernimento entre o correto e incorreto;
- Intelectual: Melhoria e enriquecimento do glossário pessoal, expressão, linguagem,
simplificação de conceitos. “A média da intelectualidade humana não entende discursos
nem argumentações, porém compreende perfeitamente uma história.” (CHAVES, 1963, p.
22);
- Social: Expor as normas de convivência social, trato e relação;
- Religioso: Doutrinas como Cristianismo, Judaísmo, Islamismo, Hinduísmo, entre
outras, tem seus ensinamentos transmitidos por contação de histórias.
Há uma meticulosa sequência de passos para sua execução:
41
- Introdução: A apresentação dos fatos, em que ocorre a história e descrição de
personagens. “Há muitos anos, viveu, na Inglaterra, um rapaz chamado Robinson Crusoé
[...]” (CHAVES, 1963, p. 38);
- Enredo: Sucessão de eventos e desenrolar dos fatos;
- Clímax: Ponto chave que determina o objetivo maior da história, no qual converge
o enredo;
- Conclusão: Resultado final após o clímax com o intuito de satisfazer aos ouvintes.
Neste contexto a autora expõe a valorização da contação de histórias para o
desenvolvimento do sujeito:
Finos ornamentos, joias e ouro o príncipe receberá por profusão, portanto, de mim,
ele receberá algo mais precioso que tudo isso. Cada dia de sua vida, desde o dia
que tiver idade de entender até que entre na posse da sua maioridade, eu lhe
contarei histórias que o farão sábio e justo. E, quando teus dias se findarem em
Bagdad, ó Califa, e ele se assentar no trono para reger o seu povo, ele será justo e
misericordioso, será rei de quem toda a Arábia se orgulhará (CHAVES, 1963, p.
26).
No RPG todas as atribuições dos participantes são valorizadas de forma que, ao
recorrer à dissertação de mestrado de Andréa Pavão (1999), concluo que a maioria das
ações na prática do jogo (sendo o jogo ou a prática educativa) é fruto de conhecimentos
anteriores, experiências trazidas pelo professor e os outros integrantes de livros, filmes,
vivências e toda a absorção da movimentação social latente em sua realidade:
Haveria uma proximidade entre o contador de historias, o narrador e o mestre de
RPG, pelo papel que assumem ao conduzir uma leitura, seja ela de um livro, de um
caso ou de uma aventura fantástica, para um ou mais ouvintes, que não mantém
uma postura passiva. À medida que o ouvinte interrompe, pergunta, crítica,
reconduz a narrativa em outra direção, o mestre vale-se de seu atributo „repentista‟,
como também de sua „bagagem pessoal‟, do repertorio acumulado pela vida
(PAVÃO, 1999, p. 34).
A autora ressalta figuras históricas que influenciaram a humanidade como Confúcio,
Sócrates, Platão, Jesus, entre outros, como contadores de histórias para que a população
comum compreendesse conceitos complexos e diferenciados. Devido a isso, Chaves
42
(1963) cita Platão quando afirma que para ensinar a verdade para uma criança é
necessário ensinar-lhe a ficção.
Estas características são básicas na contação de história tradicional, em um
processo em que um fala e muitos escutam, todavia quando ocorre um questionamento
entre esses sujeitos, a autora conflita-se:
Outra cousa que, às vezes redunda em fracasso é tentar conquistar a atenção,
fazendo perguntas às crianças, no meio da história. Começar a descrever certo
ambiente e perguntar: Qual de vocês gostaria de ser como aquele menino? [...] Em
geral leva os ouvintes a lançar ao da imaginação e as repostas mais
descontroladas podem surgir, impossibilitando o narrador de continuar a história
(CHAVES, 1963, p. 58).
Pelos elementos citados, noto que há diferenças marcantes entre o RPG da
contação de histórias convencional, já que no jogo ocorre ato de ouvir o outro e o que este
pode adicionar na história que também é dele. Promove-se uma multiplicidade de olhares e
percepções diante da mesma história que deixa de ser estático e pertencente somente ao
orador e passa a ser de um grupo, ao qual se identifica na relação entre as expressões.
Ressalto que com essas características dentro do campo educacional ainda não se
apresenta uma noção clara que diferencie o jogo do método educativo, visto que ele não
foi devidamente articulado como metodologia, portanto, neste trabalho será apresentado a
atuação do elemento narrativo presente no RPG, na escola, descrito como metodologia
role playing.
Uma metodologia pode ter compreendida como uma técnica com passos delimitados e
sequênciais para chegar a um determinado objetivo. Um bom exemplo disso seria o de
uma fábrica de chocolate, uma matéria prima entra (informação) esta é processada e
torna-se o produto final (exposição da informação). Mas quando o cliente compra e
“experimenta” o chocolate se pode dizer se este é bom ou não (Aprendizagem), se vai
compra-lo de novo ou não. Podemos chamar a aprendizagem de experiência prazerosa do
aluno. Mas retomando, veja que uma metodologia é um processamento de informações
que podem produzir vários efeitos devido as percepções das experiências individuais ou
seja, não é um sistema fechado. Quando falamos de atividades, dinâmicas, recursos ou
jogos didáticos, estamos determinando sistemas fechados, igualmente estes podem
permitir experiências mas em um campo restritivo, não existe como parar o jogo para
43
chamar atenção para algo que naquele momento foi interessante, estas ferramentas são
criadas para um fim especifico (como uma chave de fenda), enquanto a número de
pessoas, tempo, espaço, condições. Peguemos por exemplo o RPG, ele não encara uma
estrutura de 50 pessoas, pois se enquadra como um sistema fechado, caso tente vai
quebrar a ferramenta, ou se for utilizado deve ocorrer uma divisão em micro grupos, no
qual o professor teria dificuldade de auxilia-los sozinho.
Neste desfecho, separamos o que é jogo e o que é metodologia. Visto que o jogo
tem um fim nele mesmo, enquanto a metodologia é a estruturação de um caminho a ser
percorrido e transposto, agindo como recurso educacional ao docente, uma ferramenta de
trabalho, tão necessário quanto um estetoscópio para um médico. Sabe aqueles
professores que só falam, mas não “sabem ensinar” é porque lhes faltam ferramentas.
Não se classificando como um jogo didático, o qual infiltra o conteúdo programático
por meio de uma atividade lúdica pré montada, que segundo o professor Dinello “é uma
forma de enganar o aluno” prometendo um jogo que deveria ser divertido, mas acaba
sendo condicionado ao currículo, de forma a criar um caminho pré definido.
Assim reforço.
A metodologia role playing é destinada para pessoas que
buscam trabalhar seriamente, sinceramente e
apaixonadamente com educação, se identificando como
educadore(a)s.
44
Multipliquei-me, para me sentir,
Para me sentir, precisei sentir tudo,
Transbordei, não fiz senão extravasar-me,
Despi-me, entreguei-me,
E há em cada canto da minha alma um altar
a um deus
diferente.
Fernando Pessoa
45
DUALIDADE
CONVERGENTE
Na minha busca para compreender o RPG na sala de aula, consegui encontrar
profissionais no município de Uberlândia que trabalhavam com RPG na educação, poderia
ter encontrado dezenas, mas estes no caso mostraram ser extremos opostos, fato que
instigou minha curiosidade.
Um jogador de RPG que se tornou professor e começou a adaptar o jogo como
atividade em sala de aula; e uma professora, que ao ter contato com alunos que jogavam,
fez uma breve pesquisa chegando à produção de um artigo na revista História e
Perspectiva (2003), nomeado de “O Jogo de RPG e o ensino de História: Criação de um
RPG sobre a revolução inglesa”.
Um dos entrevistados: Bacharel em Direito e História, professor há 15 anos e
jogador de RPG há 19 anos, descreve que suas experiências em relação ao RPG sempre
foram positivas. Este será descrito no texto como JOGADOR-PROFESSOR.
Outro indivíduo, também Bacharel em Direito, História e doutor em História, docente
há 20 anos, que nunca jogou RPG, será descrita como PROFESSORA-JOGADORA.
Professora-Jogadora
Em 2001, PROFESSORA-JOGADORA, observou que um de seus alunos que
apresentava distanciamento em aula, lia um determinado livro. Entretanto, o estudante
tinha um conhecimento avançado sobre o período da Idade Média, e quando questionado
disse ter aprendido tudo com um livro de RPG.
46
Este fato chamou a atenção da PROFESSORA-JOGADORA para conhecer sobre a
estrutura e conteúdo deste material. Ela descreveu sua experiência como docente da 8°
série de um colégio particular, onde encontrou este aluno.
Segundo a educadora o aluno “estava sempre lendo um livro grande, colorido, então
eu perguntei sobre o livro e ele respondeu que era um livro de RPG”.
Este educando surpreendeu a PROFESSORA-JOGADORA ao contextualizar todo
conteúdo da Idade Média, citando que aprendeu por meio do jogo. Neste contato a
PROFESSORA-JOGADORA, começou a explorar as possibilidades pedagógicas do jogo:
A partir disto eu marquei com ele para ensinar a mim e a alguns colegas a jogar. Eu
sugeri a ele que fizesse sobre Revolução Inglesa e ele topou, achou que ia ser
bacana, nos fizemos a ficha e montamos o jogo para poder aplicar em sala de
aula....eu não trabalho com isso especificadamente, “o RPG” foi uma experiência que
veio dos alunos até mim, e eu achei que era legal, achei isso interessante para o
professor, ver o que a moçada esta fazendo, para vermos a importância disso e
como se reflete na educação (PROFESSORA-JOGADORA).
O RPG foi utilizado como jogo-didático, sendo mais uma atividade lúdica
complementar que gerou exclusão do resto da sala, já que o jogo estava projetado para
poucos integrantes. A PROFESSORA-JOGADORA e a grande maioria dos alunos não se
envolveram diretamente com a atividade, responsabilizando um pequeno grupo de sete
alunos que realmente jogaram, e expuseram as experiências do jogo para uma sala de
trinta e três alunos, como segue a citação abaixo:
E ai foi que nos encontramos para fazer o joguinho do RPG, eu trabalhei com 7
alunos, com um grupo não com toda sala, depois foi apresentado para toda a sala.Na
época foram dois horários, fizemos o jogo e os meninos foram acompanhando, não
foi ruim não, teve alunos que participaram, foram acompanhando os personagens, na
época dividi a sala, peguei a turma e dividi em cada componente do grupo para
acompanhar o jogo. (PROFESSORA-JOGADORA, 2011).
Destaca-se um processo de aprendizagem restrita para os poucos educandos que
jogaram, o que não aplica ao resto da sala, restritos a observação. Acredito desta forma,
que o RPG no estado de jogo, não se apresenta como uma metodologia, mas um jogo
didático usado apenas em pequenos grupos.
Retomando a visão da entrevistada, é possível destacar uma frase interessante para
ser questionada:
[...] Eu tive adolescência nos anos 80, que vi muita televisão, pulei corda, andei de
patins de bicicleta, o videogame era aquele inicial, aquele bem simples, o Atari, bola
queimada, enfim, foi uma geração do computador, quando fui ter um computador já
47
estava em faculdade, agora todos os meninos nascem com computador, com
Playstation e um monte de coisas e recursos lúdicos, que foi uma coisa que minha
geração não pegou, foi porque não era uma coisa que estava ali, naquele momento
na década de oitenta (PROFESSORA-JOGADORA, 2011).
A PROFESSORA-JOGADORA, sem contato prévio com RPG, durante a atividade
apenas observou e conversou com os alunos, mas não jogou, assim, não se inseriu no
contexto do aluno.
A educadora acreditou realmente que o aluno vivia em uma dimensão sóciohistórica diferenciada, às quais não se encontravam com a realidade em que ela
vivenciava mesmo o jogo estando presente no Brasil na década de 80.
Durante a experiência da educadora, foi citado na escola o “caso Ouro Preto” que
conflitou com os diálogos entre ela e os alunos, descrevendo uma divergência com as
informações da mídia. Cita que “[...] enquanto eu estava com os garotos isso foi uma
experiência boa para mim como docente e para eles. E eu e o aluno conversamos sobre
isso na época ele disse: „não professora o jogo não é ruim que nem as pessoas falam‟ e
era algo que não podia ser ruim porque ele sabia tanto, aprenderam tanto.”
Para acentuar e costurar esta experiência da PROFESSORA-JOGADORA se faz
um recorte em sua fala, que sintetiza a importância da ludicidade e narrativa na sala de
aula, nesta caso, o uso do RPG:
[...] ele se sentiu o máximo porque estava ensinando a professora, e realmente ele
estava fazendo isso, porque disse: -oh, você que vai conduzir o trabalho aqui pra
gente. E ai eu senti que ele teve uma maior participação na minha aula, eu lembro
que a relação foi melhor, que ele deu um salto qualitativo. O que me chamou atenção
para o jogo, além do relacionamento com a turma, que claro melhora, aqueles sete
aluninhos, além deles me ajudarem e melhoramos o relacionamento interpessoal
eles também se tornaram lideres da turma, o que me chamou atenção no jogo, é que
ao construir personagens ele coloca atributos, é uma coisa que eu vejo muito nesta
nova geração como Harry Potter, esses personagens construídos [...] foi um achado,
uma surpresa encontrar isso, que eles vivenciam (PROFESSORA-JOGADORA,
2011).
Essa experiência fez a PROFESSORA-JOGADORA se animar e trabalhar com
RPG. Conseqüentemente, a educadora divulgou para demais colegas docentes suas
experiências. Um artigo foi publicado sobre este caso na revista cientifica História &
Perspectiva (2001), e dispôs-se em 2003 a realizar nova atividade como um estágio em
uma escola pública, porém com uma equipe maior de 4 estagiários e cerca de 80 jovens
em uma quadra aberta, onde uma situação diferenciada surgiu:
48
[...] eu me lembrei agora dessa experiência foi frustrante conversei e depois avaliei
com os colegas, e a relação do aluno de escola pública com o docente é diferente,
então professor novato que vem para aplicar algo novo, não existe um vinculo, então
tem uma certa resistência por parte dos alunos (PROFESSORA-JOGADORA, 2011).
Esta fala descreve dois pontos importantes para esse trabalho, primeiro: o vinculo,
qual seu tipo e a qualidade dele; segundo: formar e alimentar esse vínculo. Essas
respostas estão contempladas no decorrer desta pesquisa.
Em seguida, a relação entre essas duas experiências (2001-2003) é importante para
revelar que o jogo de RPG foi desenvolvido para um pequeno número de integrantes não
sendo aplicado em escolas. O jogo aparenta não ser apropriado para uso em uma sala de
aula de quarenta alunos.
A PROFESSORA-JOGADORA inicialmente explicou as regras do jogo, ao invés de
ir direto a ação de jogar, o que gerou dispersão. O RPG como ferramenta pedagógica,
apresenta-se como derivação do jogo tradicional, pautando-se apenas em um caráter de
jogo didático.
O jogo não atendeu a demanda requerida entre o tempo, a quantidade de alunos, o
conteúdo e a atividade lúdica necessária em sala de aula. Contudo, essa experiência
enriqueceu o entrevistado, que descreve:
[...] se você pedir minha análise hoje olhando 10 anos depois, eu acho que foi um dos
primeiros momentos que eu como professora, abandonei métodos e técnicas
conhecidas e me deixei guiar pelos alunos, e deixei um aluno, um grupo, me mostrar
uma técnica que é importante para a geração deles, que é uma coisa que vem de
uma grupo mais jovem, que não me pertence, que estava ali aprendendo, fiquei
muito insegura [...] eu não sei nada de RPG, o que eu sei foi essa experiência
(PROFESSORA-JOGADORA, 2011).
Jogador-Professor
O entrevistado tinha mais experiência sobre o jogo, fazendo aplicações anuais
desde 1999, segundo o conteúdo programático estipulado para o ensino médio, em que
desenvolve uma determinada atividade articulação com vários elementos do RPG. Segue:
Você consegue sempre agregar mais conhecimento, você vai formando uma
pluralidade de fontes de informação, porque ao mesmo tempo que você esta
vivendo uma aventura, você precisa de conceitos de Física, noções de Biologia,
História, das facetas antropológicas, que cada cenário é composto de uma
arquitetura que tem um componente humano que enriquece uma cena que é
narrada, então RPG me permite o que? Essa diversificação de conhecimentos
(JOGADOR-PROFESSOR, 2011).
49
Percebi que o JOGADOR-PROFESSOR está inserido no contexto do jogo, e fala
com propriedade sabendo de suas possibilidades. Sem nenhum estudo científico ou
capacitação sobre a atividade, geram-se dúvidas:
[...] Eu tenho no caso, assim, alguns fascículos antigos de uma tentativa brasileira
que foi o sistema Gurps. O mini-gurps, que usava eventos da história eu tenho eles
ainda mas basicamente eu uso o que, meu conhecimento de RPG a minha
experiência em lidar já, como mestre, como jogador porque há realmente uma
ausência, existe essa lacuna de material didático vinculado ao RPG não houve
desenvolvimento deste material (JOGADOR-PROFESSOR, 2011).
A coleção mini-grups(1999) é formada por quatro exemplares de RPGs didáticos,
bem específicos, criados como um híbrido que inseria conteúdos comuns da grade
curricular aos jogos de RPG tradicionais, atraentes aos professores que buscam trabalhar
com ludicidade.
De tal modo, os jogadores de RPG ao ingressarem no Ensino Superior e na área de
docência, em alguns casos realizam experiências sobre o jogo, relacionam com os
resultados que percebem nele, e em seu processo sócio-cultural. Outras linhas
pedagógicas como a pedagogia espírita de Eurípedes Barsanufo e o sistema educacional
de Paramhansa Yogananda, os quais descrevem que qualquer método, experiência ou
conteúdo, antes de ser ensinado aos educandos deve ser vivenciado pelo docente.
O JOGADOR-PROFESSOR, por ausência de uma capacitação e estudo
direcionado passa por certa dificuldade na transição entre o conteúdo programático e a
estrutura do jogo, todavia, vê como vantajoso esse processo, ao qual notei diferenças
entre sua explanação comum e a vivência do cenário histórico pelos alunos. A perspectiva
(tanto do aluno quanto do professor) muda em relação ao conteúdo. Constata-se pela
citação de determinado conteúdo:
Então se eu estou falando de cruzadas, eu divido por exemplo a turma, uma
parte muçulmana peço a eles que façam um background (histórico) do que
seriam os muçulmanos, que colham informações sobre a pregação
muçulmana, que levante o cotidiano muçulmano e do outro lado eu coloco o
que? Uma turma de católicos, eu inicio então depois que eles fazem a coleta
de dados, ai primeiro eles tem que fazer um debate, verbal evidentemente,
sobre os temas ali abordados que eu vou mapear ao longo da aula sobre a
presença de cristo entre eles, do porque a Terra Santa é importante, se ela é
santa mesmo ou existe um cunho pecuniário, riqueza, monetário, vamos
assim dizer depois eles simulam que seria uma tentativa de tomar uma
posição resguardada, eu junto às cadeiras, ai é a parte que a coordenação
adora que eu faço a bagunça inteira na sala, como se fosse uma fortificação
e aí eles têm que fazer o que? A coisa que eles mais gostam que é a bolinha
de papel tentando acertar pontos determinados nas cadeiras que seria parte
onde romperia a barreira onde eles poderiam passar na área resguardada.
(JOGADOR-PROFESSOR, 2011).
50
Neste ponto o JOGADOR-PROFESSOR, vai além do RPG e começa a utilizar
elementos de live action (ação ao vivo), outro estrutura de jogo que se assemelha ao RPG.
Esses instrumentos começam a ser reinterpretados pelos educandos reforçando o
significado do conteúdo, o que recorda a importante relação sujeito-objeto-sujeitos,
presente na obra de Dinello (2009), em um processo de transformação do ambiente.
Percebe-se a não utilização de toda a profundidade exposta pela Pedagogia da Expressão.
Seguindo os parâmetros definidos pelo JOGADOR-PROFESSOR, descreve-se:
[...] Então tem isso eu coloco uma galera defendendo as cadeiras, eles não podem
atirar bolinha um no outro, somente nas cadeiras, então fica uma turma defendendo
as cadeiras e uma turma atacando as cadeiras. Isso mostra o que? Que na guerra
hoje, o conhecimento já determina uma posição resguardada, ela necessita de muito
menos pessoas do que em relação a tropa atacante, se você pegar dados
estatísticos hoje do exercito americano, que ataca com 20 soldados de ataque para 1
de defesa, o Brasil hoje tem uma estimativa de crescer para chegar há 7 para 1,
então isso não justifica por exemplo, o efetivo militar norte americano extremamente
elevado, o custo bélico dos Estados Unidos, porque menor que seja o inimigo os
Estados Unidos tem essa consciência de ataque, por exemplo pego uma idéia do
período medieval e consigo dar para o aluno uma noção , por exemplo a retirada do
Iraque, então eu consigo trabalhar neste sentido, eu transito entre o espaço e o
tempo com o RPG, entre um conhecimento e outro (JOGADOR-PROFESSOR,
2011).
Neste aspecto o JOGADOR-PROFESSOR faz um arranjo multidisciplinar que foge
ao currículo base, e atribui ao educando um pensamento crítico diferenciado. Observei que
ao sair deste padrão, professor e aluno jogam o mesmo jogo, do mesmo lado, e com isso
aproximam-se pelo vínculo da ludicidade.
Nestas experiências não ocorre a participação de 100% da sala, então, o modo de
cada aluno participar da atividade fortalece alguns vínculos enquanto enfraquece outros,
como observei na citação abaixo:
[...] A unanimidade de participação você não consegue quase em nada, mas assim
eu vejo principalmente por parte dos meninos mais ação enquanto das meninas eu
percebo mais questionamento, o aluno, o menino quer ir direto para execução
enquanto a menina, a garota, ela já questiona mais o contexto, o cenário, mas isso é
típico da própria questão biológica, a mulher é muito mais detalhista que o homem,
historicamente a mulher é mais detalhista que o homem, o pessoal costuma brincar
que o homem ia caçar e a mulher ficava na caverna, então ela tinha que reparar nas
coisas, o homem tinha que ir até as coisas. Então eu vejo muito isso, mas há uma
participação sim, em torno de 80%, uma participação efetiva (JOGADORPROFESSOR, 2011).
51
É interessante perceber que neste tipo de atividade, é mais comum a participação
que a apatia, embora, o diálogo do professor se torne mais intenso e transformador, visto
que não fala apenas o conteúdo, mas também “para as percepções do aluno com o
conteúdo”. Desta forma ocorre um diálogo mais tênue entre os sujeitos, permitindo
compreender a visão de cada um diante da atividade:
[...] eu vou aplicar aquele exercício, eu tenho que respeitar evidentemente a
individualidade daquele aluno em não querer participar, lógico que eu o questiono
porque, se é uma questão religiosa, se é uma questão de falta de interesse, se é uma
dificuldade de interpretar o exercício. E com isso eu crio esse canal de conversação
também, que aí você aprende um pouco daquela pessoa, do aluno, você para de vêlo como um número de chamada e passa a ver como pessoa, você vai entender as
razões com aquilo que ele esteja travado, muitas vezes se é uma pessoa muito
tímida, né, introspectiva, tem a chance durante o jogo de se soltar, houve casos disso
acontecendo (JOGADOR-PROFESSOR, 2011).
Neste processo de aproximação com o aluno, indiretamente também ocorre a
aproximação com a sociedade e família, e por isso é interessante apresentar um caso em
que este JOGADOR-PROFESSOR, utilizando desta atividade diferenciada, teve um breve
conflito por preconceito, conforme comentado anteriormente pelo abalo que a sociedade
brasileira sofreu no caso Ouro Preto:
[...] Sim, teve aluno por exemplo, há meu pai ele é pastor e ele fala que RPG é do
capeta e que esse negócio mata as pessoas e não sei o que, relatando o caso Ouro
Preto, né! Daquele acidente, falei, primeiro eu tenho todo o processo deste caso, que
mostra que é uma questão de trafico de drogas e que não tem anda haver com o
RPG, a mídia noticiou o RPG, mas não noticiou a sentença, que mostrava que não
tinha coligação nenhuma com atos diabólicos nem nada. Então eu fui conversando
isso com ela, inclusive o pai dela veio pra conversar comigo, a gente trocou muita
idéia, mostrei até algumas linhas do RPG relacionados á espiritualidade, como anjos,
que é uma linha que se tem. Não houve problema, a menina participou da atividade,
não forcei ela, falei que só queria explicar e se o pai quiser falar comigo estava a
disposição, e isso foi até legal porque foi possível romper uma barreira dentro de sala
de aula e na sociedade, explicar para o pai que é um referencial na sociedade, um
formador de opinião, uma vez que ele é pastor (JOGADOR-PROFESSOR, 2011).
Na aula expositiva, o aluno questiona a utilização prática dos conhecimentos
apresentados em sala, enquanto como JOGADOR-PROFESSOR, a questão é respondida
52
diante de apresentação de situações-problema contextualizadas aos quais se relacione
com o conteúdo programático e a pesquisa feita pelo aluno.
Discutem-se alguns pontos do uso desta ferramenta RPG sem uma pesquisa
elaborada ou capacitação, em que ministrantes com hábitos de jogo, possam repeti-los em
sala de aula, sobressaindo do contexto original. Que destaco no trecho abaixo:
[...] então neste ponto se vê uma funcionalidade da teoria, muitas vezes eu vou em
uma teoria e ele (aluno) fala: vou usar isso para que? Eles simplesmente ignoram,
mesmo que eu use para o jogo, eu forcei ele a ter que trabalhar aquele conteúdo, e
eu tenho certeza que a partir do elemento lúdico ele vai guardar alguma informação e
isso é comprovado (JOGADOR-PROFESSOR, 2011).
Por mais divertido que a atividade seja, identifiquei nesta parte da entrevista, que
ainda se utiliza o RPG como jogo didático que conduz o aluno, consentindo a este, uma
expressão delimitada.
Notei uma flexibilidade apesar de haver a necessidade de mudanças (devido às
adaptações, como foi exposto anteriormente no uso das cadeiras), já que o jogo não se
aplica de forma homogênea para sala de aula.
O jogo, como ferramenta pedagógica, permitiu a ação do impulso lúdico em que os
alunos saiam de seu mundo comum de estudantes padronizados para brincar com o
conteúdo, sendo o professor um regente, mediador, e propiciador de um contato mais
salutar entre os envolvidos.
Percepções entre as entrevistas
Observando esses dois contextos que envolvem RPG na sala de aula, notei que o
JOGADOR-PROFESSOR parte da experiência do jogo para trabalhar o conteúdo por meio
de pesquisa com aplicação de situações problema.
A atividade então, se torna flexível e busca abarcar toda a sala, e por conseqüência
afeta a comunidade e utiliza como elementos o debate relacionado com a pesquisa. Para
elucidar as regras do “jogo” durante o processo, emprega objetos (cadeiras, bolinhas de
papel, etc) que envolvem atividades psicomotoras.
53
Nesta categoria, o JOGADOR-PROFESSOR, experiente em RPG e habituado a
articular múltiplos conteúdos e situações complexas durante o jogo, tem maior facilidade
com a narrativa. Contudo, muitas vezes se pode retornar o campo do jogo didático, quando
ocorre o ato de “forçar o aluno a trabalhar o conteúdo”, nas palavras do entrevistado:
[...] basicamente eu uso o que, meu conhecimento de RPG a minha experiência em
lidar já, como mestre, como jogador porque há realmente uma ausência, existe essa
lacuna de material didático vinculado ao RPG não houve desenvolvimento deste
material (JOGADOR-PROFESSOR, 2011).
O entrevistado engana-se, pois existe muitas pesquisas sobre RPG na educação,
todavia são experiências isoladas ou pouco divulgadas, focadas em conteúdos fechados e
pouco trabalhadas como mecanismo funcional ao professor.
Por sua vez, a PROFESSORA-JOGADORA apenas observa, parte do conteúdo
para o jogo, explica regras dele sem ter experiência, não se inclui no processo (utiliza
fichas e os demais elementos do RPG). Assim, a atividade cobre um pequeno grupo de
alunos e trabalha com exposição do que foi aprendido no jogo por este:
[...] E tudo foi muito interessante, eu acho que foi o caminho contrário, normalmente
os professores chegam e propõem para os alunos aceitarem a metodologia, e eu
aqui nesse caso, inverti o papel, os alunos que tinham a metodologia e me
ensinaram a o que eles queriam fazer, com aquele grupo que gostava de jogar
RPG (PROFESSORA-JOGADORA, 2011).
Percebi neste caso, que o docente convencional maravilha-se em primeiro
momento, mas pela ausência de materiais de referência e falta de experiência sobre a
mecânica do jogo, não sabe como agir em sala de aula, e ao permitia tanta liberdade aos
alunos, facilmente retoma a postura antiga a qual está condicionado.
Apresenta o
questionamento a despeito da utilização do RPG de acordo com as experiências prévias
dos educadores que o utilizam.
INICIATIVAS DE DESTAQUE SOBRE RPG E EDUCAÇÃO, NO CENÁRIO NACIONAL
A partir deste breve histórico ressalto abaixo três iniciativas de projetos que
merecem destaque pela inovação e postura. Elas alicerçam a proposta tornando o estudo
mais contundente, diante da relação do jogo em processo de inserção na educação com
repercussão no campo acadêmico brasileiro:
54
TNI: Técnicas para Narrativas Interativas
De acordo com Klimick (2007) esta é uma proposta de estímulos para escrita e
leitura nas escolas: a TNI é apresentada como uma técnica que segue os padrões
estabelecidos no Jogo de RPG, sendo aplicada como suporte aos livros utilizados
(produzidos) em sala de aula e em leitura virtual (sites, blogs, fotologs, etc).
O objetivo é fomentar a construção do conhecimento enquanto técnica que é
sustentada por seguimentos pedagógicos (construtivismo/autoria) pela sua flexibilidade em
articular diversos conteúdos por meio de pesquisa, escrita criativa e expressão oral. Em
uma descrição detalhada compreende que:
[...] o método TNI (Técnicas para Narrativas Interativas) para utilização de histórias
interativas para fins didáticos. A trama da narrativa é alterada de acordo com as
ações das personagens, estimulando a criatividade e autonomia dos participantes,
cabendo a um coordenador, chamado de narrador, a interpretação das demais
personagens, a coordenação das ações e os ajustes narrativos (KLIMICK, 2007, p.
5).
Desta forma, permite-se aos participantes impregnar a individualidade de sua
localidade ao manual do jogo narrativo, criando novos agregados a formação da TNI, que
trabalha com publicações de materiais virtuais, junto a utilização de um kit e livros, assim
como, certas oficinas que são fornecidas a grupos de indivíduos, com livros e/ou o kit,
postagem de seu material virtual em blog, envio de links, enviar material para publicação
em um site e receber um DVD com todos os materias em PDF recompilados em nova
edição com seu material incluso. Para atender as necessidades sócio educacionais do
mundo contemporâneo, são utilizadas ferramentas tecnológicas como plataformas virtuais,
as redes sociais, os chats, blogs, fotologs, inúmeros softwares em constante produção,
enlaçada com a postura ativa de pesquisador no desenrolar de narrativas (RPG) que vão
constituindo saberes de maneira colaborativa.
A TNI utiliza as estruturas do RPG para a criação e o desenvolvimento de narrativas
coletivas para fins educacionais com dois propósitos bem definidos: a avaliação de
aprendizado, e a construção de conhecimento; por meio de debates e argumentações em
sala. Este método estrutura-se pelas experiências realizadas e publicação de materiais
(KLIMICK, 2006). A utilização da TNI envolve três fases: pré-sessão; sessão; pós-sessão.
55
> Pré-sessão: É a preparação e seleção conhecimentos (bibliografia utilizada), em
caráter interdisciplinar ou disciplina individual, a serem trabalhados em aula, além de qual
o tipo de TNI: Live-action, RPG “de mesa” e RPG Virtual.
> Sessão: É o ato da narrativa em si, o(s) narrador(es) sendo docentes ou alunos
coordenados por um professor, qualificado em TNI ou experiente de RPG.
> Pós-sessão: Este é o momento de avaliação, com um levantamento das
experiências de cada aluno e professor durante a atividade.
Crítica: As Técnicas para Narrativas Interativas, por mais satisfatórias que tenham
sido a educandos e professores, torna tanto docente, quanto a equipe especializada
dependentes do uso de recursos tecnológicos, o que pode dificultar o acesso em salas de
aula numerosas e de baixa renda. Para devida aplicação, o jogo utiliza vários narradores e
auxiliares (normalmente com experiência em RPG), embora se torne excelente como
atividade mobilizadora em escolas que docentes e coordenadores estejam pré-dispostos a
buscarem recursos da tecnologia atual.
FLER: ferramenta lúdica de ensino por representação
Outra sistematização do RPG para educação é o método FLER criado por
Alessandro Vieira dos Reis, publicado em 2002 (Módulo Básico FLER: Ferramenta Lúdica
de Ensino por Representação), na época, estudante de Psicologia pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) e realizador deste estudo em escolas públicas de baixa
renda de Florianópolis.
O acesso ao módulo básico FLER era realizado por meio de download gratuito em
um site hospedado no portal da UFSC ou via e-mail direto com o autor que, com muita
perspicácia, levanta um ponto chave sobre o jogo de RPG no ambiente escolar.
Um dos grandes erros cometidos nas tentativas de se inserir o RPG na Escola é o
usar na escola os sistemas disponíveis no mercado. Essas experiências sem
dúvidas estarão fadadas ao fracasso, uma vez que esses sistemas foram feitos
para diversão pura e simples, e não para a diversão aliada a educação. Outro erro
é tentar jogar sem sistema, apoiar-se no „bom senso‟. Nesse caso o fracasso se dá
por motivos diferentes do primeiro: as complexidades do ambiente escolar exigem
mais do que um jogo sem sistema pode oferecer. Tendo em vista essas duas
questões, e trabalhando com a certeza de que era possível usar o RPG na sala de
aula com grande sucesso, após meses de pesquisa em escolas públicas de
Florianópolis, foi desenvolvido um sistema de RPG para uso exclusivo em sala de
aula (REIS, 2002, p. 7).
56
O autor descreve que a ferramenta estudada não substitui as aulas expositivas,
sendo utilizada como aporte que complementa os métodos já presentes na escola.
Contudo, não é estruturada para ser uma metodologia, pois não prevê a capacitação
docente. O “mestre de RPG”, somente ele, ministra o jogo com a sala, sendo este o único
com formação direcionada.
Ao redor desta estrutura, além dos jogadores e mestre, existem novos papéis: o do
consultor (que conecta o professor com a atividade fazendo-o participar da história), o do
ator (responsável pela dramatização da história) e o do auxiliar (que direciona os alunos
para que um grupo intérprete o mesmo personagem) fazendo com que todos participem
sem a utilização de uma ficha formal conforme ocorre no jogo tradicional.
Para compreender com maior profundidade a estrutura do FLER, recorremos a
SCHMIT, que fez um dos poucos trabalhos registrados sobre o Módulo Básico:
[...] para que todos possam participar da aula-jogo, uma adaptação do RPG de
mesa à sala de aula, os participantes são divididos em três categorias: O mestre
(deve saber jogar RPG e conhecer o conteúdo didático da aula), os jogadores
(estudantes que vão interpretar personagens no jogo), os auxiliares (auxiliam os
jogadores na tomada de decisão e no desenvolvimento da atividade), o consultor (o
professor, que pode interpretar um personagem, um NPC ou fornecer informações
aos jogadores) e o ator (estudantes que assumem NPCs previamente ensaiados e
que ajudam no desenvolvimento da narrativa e podem estar caracterizados).
Ocorrem duas ou mais mesas de jogo ao mesmo tempo na sala de aula (SCHMIT,
2008, p. 124).
Neste ponto torna-se similar a TNI que possui a necessidade de uma equipe para
execução da atividade. É interessante ressaltar que entre os estudos pesquisados de RPG
aplicados à educação, encontram-se em maior número àqueles na área da psicologia
educacional e pouquíssimos surgem de pedagogos.
Este fato pode auxiliar a compreensão já que as técnicas pesquisadas aparentam
ser desarticuladas da docência, em que não consta na bibliografia do Módulo Básico FLER
a utilização de obras vinculadas à educação ou metodologias, exceto em Filosofia,
Psicologia e Sociologia.
Aparentemente, os sistemas de RPG presentes no mercado não são viáveis em
escolas porque são desenvolvidos apenas para entreter, de forma que o FLER articula o
RPG e a educação como questões separadas, que se auxiliam por sinergia, não propondo
uma formação docente. Todavia, o professor possui assistência de a gentes externos, em
57
que o educador não é suficiente para realizar sua função. Com o reforço do pensamento
de Schmit (2008) podemos compreender que:
[...] o FLER foi o primeiro “material pedagógico” baseado em RPG que tive contato.
O autor declara no texto que o FLER é resultado de meses de pesquisa, mas não
apresenta os resultados desta pesquisa e também não foi encontrado nenhum
artigo sobre esta. É um dos primeiros materiais a falar de maneira explicita como
aplicar o RPG de mesa em sala de aula, e pode ter influenciado algumas
intervenções em escolas. É um texto bem simples e curto, mas apresenta erros de
digitação e diagramação. Não é um texto para educadores, mas para mestres de
RPG que queiram levar o RPG para a sala de aula. Neste caso o professor é um
coadjuvante caso ele próprio não seja um mestre de RPG (SCHMIT, 2008, p. 125).
Crítica: Esta proposta não se mostra uma metodologia acessível ao professor, é
antes, um meio para aplicação do “RPG de mesa” na sala de aula, nas palavras do autor
da FLER “Este livro é dedicado e feito para os Mestres de Role playing Game que desejam
explorar seu potencial pedagógico” (p. 5). Trabalhos atuais sobre a Ferramenta Lúdica de
Ensino Representação não foram encontrados, nem a disposição acessível de seu único
material.
Sistema Simples: sistema inicial para mestres-professores lecionarem através de
uma estratégia motivadora.
O SIMPLES é um sistema simplificado de RPG, criado em 2004, pelo professor
Marcos Tanaka Riyis, Licenciado em Educação física e graduado em Engenharia
Ambiental pela UNESP (Universidade Estadual de São Paulo) Sorocaba, foi desenvolvido
para professores que tem interesse em trabalhar com esse tipo de atividade como
estratégia motivadora de ensino para facilitar o trabalho do educador sendo apropriado
para a construção coletiva de saberes.
Segundo a descrição de regras, Riyis (2004, p. 22), denominou como “Manual para
o uso do RPG na educação” onde expõe os seguintes passos:
a) O professor prepara o cenário, a aventura e os personagens (o professor pode, ao
invés de preparar ele mesmo os personagens, deixar os alunos fazerem isso, o que
já é uma atividade muito interessante, de enorme potencial pedagógico);
b) O professor distribui os personagens entre os alunos, seja um para cada aluno, seja
agrupando-os, ou ainda designando as tarefas para cada membro do grupo.
58
Aconselhamos o professor a designar os grupos, pelo menos no início, para que o
processo-ensino aprendizagem ocorra da melhor maneira;
c) O professor explica o andamento e as regras do jogo para os alunos;
d) O professor, “vestindo a roupa” de Mestre do Jogo, introduz, então, os alunos ao
mundo preparado por ele, chamando-os a participar da história e mais ainda, a
conta-lá em conjunto;
e) Durante a aventura, o professor introduz elementos do conteúdo que pretende
desenvolver, mas na forma de situação-problema inserida no contexto da históriajogo;
f)
O desfecho da aventura é feito de modo a por um gosto de “quero mais”, ao mesmo
tempo em que permite ao professor utilizar os conceitos desenvolvidos em uma
situação de aprendizagem;
O professor Riyis (2004) descreve que a melhor solução é “treinar” alguns alunos,
que preferencialmente já tenha experiência com o jogo de RPG, para que sejam
narradores assistentes, sendo micro-narradores para pequenos grupos até seis
participantes enquanto o professor ficaria como coordenador da atividade. Desta forma, a
sala é composta de pequenos núcleos de jogo, e com o tempo o professor varia os
assistentes permitindo que todos tenham a experiência de ser aluno narrador, fato este
que faz o participante estudar muito o conteúdo do jogo.
Em entrevista com o criador do SIMPLES, professor Riyis (2011), foi questionado
motivo pelo qual o SIMPLES foi criado, o autor define de forma objetiva que surgiu como
uma oportunidade de contribuir com os professores que precisavam de uma metodologia
diferente, com ênfase no caráter cooperativo proposto pelo RPG com visão de Pedagogia
libertadora e transformação crítico-social.
Crítica: Acredito, segundo as percepções deste pesquisador sobre o SIMPLES no
decorrer deste trabalho, que este sistema e proposta possivelmente tenham sido o que
mais se aproximou de uma metodologia, ainda que o objetivo explicitado inicialmente seja
outro. O autor define o método como um sistema de RPG simplificado, único com a
intenção de promover transformações na educação junto a formação docente, permitindo
trabalhar com grandes grupos sem muitos recursos e com flexibilidade. Ou seja, em
59
nenhum momentos Riyis faz uma estrutura metodológica, mas sim uma instrumentalização
sobre o RPG. Porém o mesmo abre portas, descrevendo que (RIYIS, 2004, p. 83), “esse
livro não esgota o assunto, apenas pretende jogar uma luz sobre o tema que parece
obscuro e extremamente difícil para a maioria dos professores”.
Percepções entre as propostas
Em uma breve comparação entre estas três propostas, pude compreender que o TNI
e o FLER, tem a necessidade de estruturas pré-estabelecidas com o emprego de
tecnologia ou um grupo de pessoas adicional à equipe escolar em um processo
extraclasse, podendo criar dificuldades em sua aplicação.
O foco no educando existe na tentativa de encaixar o docente na atividade, não
obstante de uma capacitação continuada. Da mesma forma, o TNI se classifica como uma
técnica pedagógica, ao ponto que o FLER e o SIMPLES mantém a categoria de sistemas
de RPG voltados educação.
Destes, o único que dá ênfase a formação docente é o SIMPLES. Com estas
percepções pode-se analisar que não existe uma única forma de utilizar a narrativa em
sala de aula, e que as variações porém ser um padrão convergente nestas práticas, devido
ao elemento estimulante da abstração e imaginação.
Vejo que ainda se confunde muito a aplicação educativa com o RPG convencional e
um conteúdo delimitado, neste ponto não há questionamentos do RPG ser útil ao predispor
o sujeito para aprender, mas a sua estrutura necessita ser viável ao educador no cotidiano
da sala de aula.
Percepções de outros pesquisadores do tema, sobre a relação do RPG na educação
Ao questionar pesquisadores (jogadores que já haviam feitos experiências consideráveis e
significativas no meio acadêmico com RPG em campo escolar) identifiquei certas
similaridades, conforme visto abaixo na entrevista com o psicólogo Matheus Vieira:
60
Ao descrever sua experiência, o autor expõe que uma das grandes dificuldades está
nos professores que ainda têm medo do novo, compreendem o jogo, gostam do que
propõe, mas tem insegurança de colocar em prática, citando Vieira (2012) “se o professor
tiver a fim de fazer algo diferente, inovar sua aula, ele vai implantar o RPG [...] mas a
recíproca também é verdadeira [...] tanto faz o tempo de capacitação, se o professor
estiver muito enraizado no tradicional, ele não vai mudar.”.
Observando as experiências
de
Vieira
(2012) e
as propostas descritas
anteriormente, pode-se perceber um ponto significativo: o caráter de jogo ficou inalterado,
às vezes assumindo a postura comum de jogo didático, passando-se por uma
atividade/dinâmica na escola.
O professor, apesar de estimulado com as características ressaltadas do RPG sobre
o desenvolvimento dos conteúdos programáticos e interesse dos alunos, não consegue
assimilar inteira e funcionalmente estes fundamentos em sala de aula. Por conseguinte, os
jogos são caracterizados como um recurso pertencente exclusivamente á educação
infantil.
È compreensível que o educador tenha medo de mudanças sobre seu estilo de vida
profissional, entretanto, caso esta prática seja apresentada com abordagem diferente,
presume-se que haverá maior compreensão para constituir uma capacitação de práticas e
conceitos chave. Assim, se apresentou como uma atividade bem mais eficiente em período
de contra-turno.
No livro RPG e Educação: pensamentos soltos (VIEIRA, 2012), lançado no evento
WORLD RPG FEST, realizado em Curitiba nos dias 21 e 22 de julho onde se encontra a
descrição de suas experiências em aplicar o RPG nas escolas, não metodologicamente,
mas como jogo que estimula a aprendizagem, e que reforça a importância da atenção para
a capacitação docente, influenciou e estimulou esta pesquisa, com propostas de trabalhar
o RPG na educação analisadas, foram fontes importantes para o desenvolvimento deste
trabalho, embora o jogo fosse direcionado para suprir a hipótese em questão, sobre a
relação do professor com aluno, e recursos adicionais.
Ressalto que nem todas as escolas têm acesso em bom estado a computadores,
TV, internet, entre outros. Assim, primeiramente, houve a necessidade de equipes
especializadas, cabendo ao professor a responsabilidade de conviver com questões
cotidianas em sala de aula.
61
As descrições dos pesquisadores comprovaram que há funcionalidade no uso do
Role playing tendo um conhecimento prévio do jogo, fato esse que não se estende a todo
educador, e apenas em alguns casos há curiosidade do educador pela prática.
Em uma entrevista realizada em 23/01/2012 com o ex-presidente da ONG Ludus
Culturalis, Jaime Daniel Cancela, uma análise sobre a visão desta relação entre o RPG e a
Educação quando o questionei sobre a diferenciação entre o RPG em sala de aula e o
RPG entretenimento: ele esclarece que a Ludus Culturalis passou por este mesmo conflito,
sendo que para muitos jogadores de RPG a proposta era de apenas levar o jogo para a
escola para estimular a aprendizagem, não havendo uma padronização devido à
divergência entre as idéias de cada educador. Desta forma, fomentaram-se discussões,
sem haver um padrão pré-estabelecido e não se obteve um consenso.
Com base nos relatos, a definição de um método educacional de RPG ainda é vago,
aberto e indefinido, não descartando as propostas pretéritas visto que abriram caminho
para as presentes reflexões.
Logo, se compreendem alguns detalhes desta distinção. Acredito que a proximidade
entre professor e aluno seja o ponto chave a ser questionado, na busca de um método que
promova equilíbrio entre o jogo e o conteúdo.
62
Se o seu intimo ser não for
felicidade,
o seu dizer não convencerá o
educando.
Huberto Rohden
63
METODOLOGIA
ROLE PLAYING
O desenvolvimento da metodologia role playing, esta estruturada em três fases ou
tipos de aula narrativa conforme os estudos de autores como Riyis (2004) e Campbell
(1990), junto as entrevistas e análises das práticas como FLER, TNI e SIMPLES, que
foram denominadas: Role Geral, Role coletivo e Role Individual.
FIGURA 01 – ETAPAS DE EVOLUÇÃO NA PROPOSTA DE AULA NARRATIVA 1.
FONTE: ACERVO DO PESQUISADOR
O método tem início com a postura ativa do professor que delimita quais conceitos
ou saberes quer trabalhar em aula. Posteriormente, selecionar os conceitos desestrutura
sua linearidade e reconstitui em formato de História segundo os parâmetros estabelecidos
por Campbell (2007) no livro “O Herói de Mil Faces”, em que resumidamente, o sujeito
parte em rumo a uma aventura para tentar solucionar um problema angustiante. Neste
processo, ele busca soluções, encontra aliados, mentores, vilões e diversidades que vão
agregando experiência. O seu plano de aula narrativa é criado, e então há o convite para
64
uma aula narrativa. Esses personagens externos carregam vertentes do conteúdo a serem
percebidos e deduzidos pelos educandos. Um bom exemplo está na descrição: “vocês vem
um animal quadrúpede pequeno, uns 30 cm de altura e 60 cm de comprimento, de cor
marron, pelo fino, parece um cachorro pequeno, esse animal não está sozinho, logo atrás
dele aparece um bando de mais quatro” agora veja vem, que animal é esse? Não se sabe,
apenas se tem características, cabe agora a dedução e experiência dos alunos diante do
animal para compreender o que é, e o que faz ali.
A partir da experiência dos alunos, o educador pode relacionar os conceitos chaves
propostos com as experiências durante a narrativa, sem rigidez, os alunos podem ir para
qualquer lugar para poder explorar o ambiente do jogo. E como mediador o educador pode
enviar personagens (aliados e mentores) que apresentem algumas pistas (Mestre dos
magos, Obi Wan, etc) e logo desaparecer. Focando a atenção sempre nas percepções dos
alunos, eles são os protagonistas da aula, na qual o educador após a mediação será
responsável por expor as consequências das ações realizadas. Em casos futuros e
interdisciplinares (como exemplo) vejo como necessário aulas graduais, educador(a) não
aplique em todas as aulas porque achou interessante, aplique devagar, tem que ser uma
aula que quebra a rotina. Podendo haver sim uma periodicidade, mas isso você vai decidir.
E com essas aulas, vai começar a criar e reforçar a mitologia comum que regem e
concedem identidade àquele grupo, compreendo mitologia comum, como uma sequência
de histórias que são comuns a todos e que por meio delas é possível desenvolver uma
linguagem e cultura respectiva que dá identidade a um grupo.
Mas calma, não vá pelo impulso querendo aplicar de uma vez, vou contar o que
acontece quando o educador pensa em atuar com esse método sem o devido preparo,
ocorre a perda de controle, a aula não funciona e você fica nervoso(a) com os alunos e
você mesmo(a) e quer desistir de tentar algo novo, dizendo que não funciona. Então para
não ocorrer isso, antes de tudo leia a proposta pedagógica.
Figura 02 – Esboço da primeira articulação sobre a metodologia role playing.
Fonte:
65
acervo do pesquisador
Estágio
AMARELO
Descrição
Análise dos textos, aulas
por semana, objetos da
sala e do currículo
Tema: Escravidão no Brasil
e
Conceitos chave: estilo de vida dos escravos, casa grande,
senzala, senhor de engenho, casa grande, abolição da
escravatura.
Reestruturação em formato
narrativo
Aliado: Zumba (escravo que conseguiu pegar a chave do
cadeado que prende as correntes)
Delimitação do
conceitos chave.
LARANJA
Exemplo
tema
Inimigos: 4 capatazes (Joõa ligeiro, Zé, João Afonso,
Onofre).
Mentor: Rui Barbosa (abolicionista, tem uma fazenda
próxima)
Provação: Fugir da fazenda
VERMELHO
O ato de narrar, descrever
o ambiente a volta dos
estudantes, sensações e
saberes dos personagens
naquele momento.
No sul de Minas Gerais, em uma pequena fazenda, vocês
são os escravos do senhor Manoel Alcantarâ Salgado
Nogueira Souza, agora é noite, vocês estão em uma senzala,
por correntes, enferrujadas presa em um estaca no chão e
fechada por um cadeado.
AZUL
Debate sobre a experiência
O que vocês acharam da vida de escravos?
O que sentiram?
O que vocês acham que acontece com
escravos que fogem?
ROXO
Resgate da experiência
debatendo
e
expondo
situações que poderiam ter
acontecido,
usando
o
gancho das experiências e
correlacionando com o
conteúdo programático.
Lembram na aula passada? Sabe aquela casa que vocês
entraram, lá tinha x coisas, que eram para tal coisa.
Ou
Então por causa disso, que o plano de fuga de vocês não
deu certo.
Ou
Sabe o Doutor Barbosa que acolheu vocês, olha só a historia
dele ...
66
Role geral
Inicialmente o professor narrador expõe uma história contextualizada, não se
preocupe em explicar as regras, faça um processo espontâneo explicando as regras
apenas quando é necessário serem usadas, dessa maneira os educandos vão pouco a
pouco co-criando as regras e limites do jogo.
Assim, se faz um convite para que os alunos participem normalmente com
indagações como “e agora, o que vocês fazem?” no qual todos os alunos utilizam uma
representação genérica, com breves características que aparecem durante a narrativa,
como por exemplo, “agora todos vocês são esses negros escravos”. Gradativamente,
ressaltam as características de cada um na resolução dos problemas apresentados,
dando-lhes liberdade de expressão para opinar sem receio, pois estavam se expondo por
meio do personagem. Enquanto representavam, compreendiam a dinâmica da aula.
O professor narra conceitos seguindo o exemplo utilizado no curso, em novembro
de 2011,
Brasil, século XIX, vocês não sabem bem o ano, pois vivem em uma pequena
fazendo no sul de Minas Gerais, onde o tempo parece não passar, e que nada muda
com facilidade, onde a escravidão existe a tanto tempo que as vezes se esquece
como começou, mas vocês não esqueceram, pois vocês são os escravos. (Aula do
dia 17/10, Grifo nosso).
Neste momento não existe
necessidade de fichas como no
jogo de RPG tradicional, pois todos
se vêem no papel, recordando
situações e seus conceitos sobre o
que é ser escravo.
67
Impera a necessidade do objeto gerador de probabilidade, em que normalmente usamos
um dado de pelúcia (é barato e fácil de encontrar, ou se for fazer um uma loja de estofados
monta tranquilamente depois vem a parte de silkar números ou costurá-los).
Tal elemento fascina e auxilia o educador no convite ao aluno para participar da
atividade, sem enfrenta-lo.
Quando alunos dispersos, ausentes mentalmente ou indisciplinados são convidados
pelo narrador que entrega a eles um dado dizendo algo mais ou menos assim: jogue e tire
menos que 3, para ver se você ouviu o que aconteceu com ele. Neste momento, todos
ficam atentos e pensativos sobre a pergunta: “ouviu?”, ele quem?
O que se esconde dentro da narrativa?
O que pode vir a ser descoberto?
A curiosidade da aprendizagem é estimulada continuamente na aula.
68
Somos feitos de átomos, dizem os
cientistas, mas um passarinho me
contou que também somos feitos de
histórias.
Eduardo Galeano
69
Role Coletivo
Neste ponto, após a sala compreender o mecanismo da aula-narrativa, pode-se dividir a
turma em grupos, que são responsabilizados pela administração e interpretação,
comportamento e características (vantagens e desvantagens) de um personagem. Isto
permite riqueza de detalhes e debates internos sobre a percepção de cada integrante do
grupo. Tem-se o exemplo dito pelo narrador:
Estamos todos perdidos na floresta após a queda de nosso pequeno avião de
pesquisa, mas não se preocupem existe conosco um biólogo, ele é muito inteligente,
alto, forte, o que facilita seus testes tanto em ações físicas quantos mentais. Ele não
tem muito tato com humanos e acaba sendo grosseiro. Tem um quite de primeiros
socorros, sabe muito sobre as propriedades medicinais das plantas e o
comportamento dos animais, porém ele é mudo! Que grupo vai aceitar o desafio de
hoje ser Bill, o biólogo Mudo?” (Aula do dia 03/11, Grifo nosso).
Os alunos administram as percepções e deduções sobre o conteúdo, que se diluem
na brincadeira, as relações entre eles tornam-se coesas com o trabalho em grupo,
argumentação e reflexão sobre suas percepções e atitudes.
As escolhas, durante a
atividade, abrem múltiplas pontes que se conectam entre os grupos e sujeitos, sem ter em
nenhum momento, perdedores e ganhadores, mas posicionamentos diferentes em relação
à determinada situação.
Posteriormente, uma orientação (com poucas características, criadas pelo
educador) pode ficar em exposição no quadro para que toda a turma veja, conforme
exemplo:
“Bill, O Biólogo Mudo”
Atributos Físicos4
Atributos Mentais4
Atributos Sociais1
70
Características:
Conhecimento sobre plantas medicinais e comportamento animal;
Noções de primeiro socorros;
Grosseiro em relação a outras pessoas;
Mudo.
Equipamento:
Maleta de primeiros socorros
Equipe: Maria, João, Beatriz, Fábio, José
Nota: A descrição “atributos mentais 4” serve para esclarecer e afirmar a seguinte
característica: inteligência elevada (toda vez que Bill for pesquisar sobre uma planta
buscando um bálsamo para cicatrização de feridas, terá que tirar em um dado de 6 faces 4
ou menos), ou seja 2/3 de chance, pois em sua descrição está posto que ele é inteligente,
seguindo determinados conhecimentos.
71
Se o cérebro não
estiver harmonioso, a
inteligência pode
funcionar?
Jiddu Krishnamurti
72
Roles
individuais
Neste ponto, o método promove a alteridade entre professor-narrador e
alunos, neste momento os alunos, com auxílio do educador(a) podem ser
narradores de pequenos grupos. Neste caso, os alunos podem criar fichas
individuais e regras próprias que sejam funcionais em determinada situação.
Desta forma, além de aprender a coordenar, e promover o diálogo entre
os colegas da turma, eles percebem como é ser professor, podem se
enxergar como professores Essa oportunidade de compreender melhor o
papel do professor visando a mediação de conflitos, interação e orientação
junto ao grupo. Acredito que assim, o aluno pode aprender a respeitar o
professor, se colocando no lugar dele. Imaginem como é gratificante ao
educador(a) ter os próprios alunos opinando sobre como construir o plano de
aula, consegue imaginar isso?
Consegue?
73
E AGORA?
74
ANÁLISE DE DADOS
Realizei a análise das impressões de dez alunos que concluíram o curso,
categorizando-os de acordo ao ambiente de aplicação: Educação Infantil (EI), Ensino
Fundamental (EF), Ensino médio (EM) e Superior (ES).
EDUCAÇÃO INFANTIL
A aula contou com cerca de 30 alunos, sendo que a docente abordou a temática de
boa convivência e a atuação de certas palavras junto ao comportamento social como: Por
favor, desculpe, obrigado e com licença.
Nesta experiência (cerca de 30 indivíduos entre cinco a seis anos) foi necessário
utilizar elementos adicionais a fim de promover uma reestruturação do ambiente devido a
idade dos participantes.
A professora EI descreve que “As crianças se mostraram muito interessadas pelo
jogo, desde a construção do cenário até a finalização do jogo.“ Neste ponto, pude notar
que dentro do contexto visualizado da educação infantil, a educadora não enxergou
diferença entre um jogo como atividade e uma proposta de metodologia.
Ao desenvolver o método, observei a distinção da educadora, na fala “O RPG sem
dúvida é uma ferramenta poderosa de auxílio ao professor em suas aulas, mas exige muito
conhecimento e preparo técnico para a aplicação, e isto talvez seja um empecilho para
concretização da prática.”.
Afetando a postura do educador, em relação a acomodação, visto que
“conhecimento e preparo” são fundamentos para a postura ativa em sala de aula.
Resumidamente, esta prática retira o docente de sua comodidade, afetando por
conseguinte, a relação com a sala de aula. Entretanto, a educadora EI, ainda confunde o
que é método e o que é o jogo de RPG, visto que a distinção em termos acadêmicos não
está clara para muitos educadores.
75
Depois deste primeiro passo, ocorreu uma aproximação entre educador e educando
“Foi interessante notar que ao romper esta barreira e realizar a primeira experimentação do
jogo, tanto as crianças quanto eu (narrador), fomos envolvidos pelo poder do jogo que é
natural em cada ser humano.”
Segundo esta descrição, percebi um processo de rompimento de barreiras que
foram levantadas pelas posturas tomadas previamente entre os sujeitos.
Acredito assim, que a ação de jogar promove afinidade entre os participantes. Esta
característica
aparece
em
diversos momentos na fala da
professora EI como “Precisamos
investir na idéia de que a boa
convivência nos leva a caminhos
menos penosos em trajetória de
vida. Sabemos que nem todos
nós compartilhamos dos mesmos
valores, mas a ideia de valores
universais foi a pauta desse jogo
com as crianças.”
Por
fim,
visualizei
um
reflexo da postura da professora
EI na escola, junto à fala “em
conversas isoladas com algumas
professoras
que
participaram
indiretamente da aplicação como
a outra professora dos alunos
que
jogaram.
Por meio
dos
relatos da professora que fotografou, e da professora ajudante da turma foi possível
perceber que o jogo narrativo seria muito interessante, caso utilizado deste o início do ano,
especialmente aquele que trata da boa convivência.”
Ao analisar estas falas da equipe escolar, vejo que se trata inicialmente de um
processo de mudança na postura da educadora EI, diante dos educandos, saindo da
passividade para a interação com os alunos, concluindo assim, que as barreiras
76
interpessoais são formadas mecanicamente junto à determinada estrutura convencional da
instituição.
ENSINO FUNDAMENTAL
Neste campo de atuação foi selecionado o conteúdo de sustentabilidade, ministrada
por uma graduanda de Biologia (EF01) em seu estágio regular, que descreve o ciclo do lixo
no município por meio dos recicladores.
Partindo do pré suposto vindouro da Educação infantil, em que barreiras são
desenvolvidas entre educador e educando junto a estruturas institucionais, adiciona-se à
fala da aluna EF 01 “Minhas primeiras experiências didáticas, obtidas durante a graduação,
foram relativamente traumáticas, a ponto de trancar a licenciatura.”
Neste processo a EF01 observa para depois intervir, como educadora orientada por
um professor mais experiente, que transmite além do conhecimento sobre didática, suas
emoções e posturas.
Observei que os profissionais carregam internamente barreiras, e este fato foi
notório também no processo da aluna EF01 “experimentei os mesmos pré-conceitos,
anseios e temores antes de confrontar uma sala de aula, crendo que novamente teria
terríveis experiências com os alunos.”
Aparentando que já havia um mal estar, uma repudia que constitui esta barreira
educativa, carregada pelo próprio professor, entretanto, iniciando a proposta de método
narrativo foi possível perceber que a fala da aluna EF1 se altera “Foi uma surpresa quando
essa previsão não se confirmou. No lugar de alunos com problemas de comportamento e
desinteresse na aula, encontrei uma maioria participativa, interessada e compromissada”.
Identifiquei nesta fala, que o medo da aluna EF01, é destacado por desinteresse e
indisciplina, ambos elementos correlacionados, sendo que aluno que não tem afinidade
com a metodologia não irá por consequência prestar atenção ou se comportar.
Assim como na Educação infantil, alguns pontos se repetem como na fala “O uso do
RPG como ferramenta didática me proporcionou experimentar um ambiente mais
favorável, em sala de aula” onde a aluna EF01 ainda confunde o jogo com o método.
77
Retomando o foco para com as barreiras e as relações humanas entre os sujeitos a
aluna EF01 descreve: “O método possibilita também uma abordagem mais pontual do
conteúdo exposto, já que os alunos se identificam com a aula, interagindo com mais
frequência, disposição e uma maior atenção”.
Neste momento, identifica-se uma percepção do educador, além de um mero
recurso didático ou atividade de recreação. Ele aprecia e reconhece a utilidade da narrativa
como método por meio de sua utilidade, e resulta com a devolutiva dos educandos. Além
de jogo didático, ele inicia uma forma pelo olhar docente como método, isto se destaca na
fala da aluna EF01 “Ao final da narrativa os alunos foram questionados, respondendo
corretamente as perguntas relativas ao tema, fornecendo também relatos pessoais e
opiniões”. Essa fala apresenta a impressão de mecanização, em um olhar do educador
condicionado a avaliação, essa postura também precisa ser reavaliada. Pois é muito fácil
cair em padrões antigos em processos de mudança metodológica.
Neste passo, destaco a valorização docente, tanto pelos alunos quanto pelo próprio
docente, destacado na fala da aluna EF01 “Todos os objetivos propostos pela prática
foram atingidos, juntamente com uma desmistificação da sala de aula, que acabou
resultando na minha volta na licenciatura.”
Observei uma ruptura dos pré-conceitos, e uma auto valorização do docente devido
à satisfação em colher bons resultados, sem momento nenhum citar conflitos junto a sala.
Já para o aluno EF02, que era jogador de RPG e atuou junto ao conteúdo de
Astronomia tendo percepções diferenciadas, ao qual categorizou o método como uma
“prática facilitadora de ações mais dinâmicas e eficazes, na relação professor-aluno”,
pode-se perceber que não existe a confusão do jogo com o método, tendo experiência
tanto como docente quanto como jogador, o que permitiu maior clareza de discriminação.
Ele descreve a transformação da relação professor-aluno, gradativamente conforme
a narrativa se desenrola, de modo a valorizar o momento de cada sujeito, combatendo
assim, a ansiedade ao mesmo tempo em que a relação aluno-aluno foi afetada, como
descreve a fala do aluno EF02: “Foi notória a melhoria no tratamento aos colegas em sala
de aula e principalmente na relação professor-aluno, promovendo uma relação mais
dinâmica e respeitosa”.
É citado o caráter de transformação das relações entre os sujeitos, e não
simplesmente melhoria. É um ponto a se questionar.
78
Ao detalhar a fala do aluno EF02 apresentando uma ação em conjunto, que
promoveu a sincronia em sala de aula, além de ter o início na postura docente, foi
gradativamente interagindo, em um tipo de jogo de relações “onde tanto professor quanto
aluno fazem parte do processo de mudança.”
79
Olha na nave espacial!
Olha a criação de símbolos, a reinterpretação da realidade e dos objetos!
Olha a representação de papéis!
80
ENSINO MÉDIO
No Ensino médio foi selecionado o conteúdo de Sociologia para o 2° e 3° colegial
pela a aluna EM01. A aluna que atuava como docente na instituição conta: “fui tomada de
uma alegria e de uma insegurança, pois se tratava de algo novo para mim”. Ela tinha duas
turmas em questão: a primeira tinha boas relações estabelecidas, e a segunda, tinha um
ambiente em desordem.
Mediante a metodologia estabelecida, a primeira turma reforçou os laços entre
professor-aluno de acordo com a fala “Neste dia nos divertimos muito, tivemos um clima
bem descontraído”. Evidencia-se a expressão da aluna EM01, como coletiva, adicionando
o aluno como seu igual, questão essa que não fica explicita nas experiências previamente
descritas.
Na segunda turma, a aula-narrativa foi aplicada na primeira aula, após a greve que
se estendeu por três semanas; em uma turma de 2° colegial, a aluna EM01 apresentou a
proposta e fez o convite a aula narrativa, quando iniciou um atrito na sala com uma aluna
“E lá do fundo uma garota gritou: „Ficamos tanto tempo sem aula, e você já está inventado
moda!!!? Queremos aula de verdade‟.”
Neste ponto, vejo como necessário destacar a característica do jogo: uma atividade
voluntária em que o sujeito se permite participar, e neste contexto, não havia esta
predisposição, possivelmente, por condicionamento, e pelo fato da aluna EM ter apenas
uma aula por semana. A educadora, por receio também apresentou primeiro as regras ao
invés de iniciar diretamente o jogo, o que confundiu a sala.
Esta aplicação gerou um grande conflito interno da aluna EM “Quando o sinal bateu,
eu havia brigado comigo, dizendo que nunca mais aplicaria RPG na minha vida”. Entendese que neste processo emergiram desejos e necessidades internas docentes e discentes,
tendo a proposta como catalizadora neste meio. Há assim, segundo as experiências
anteriores, a difícil desassociarão entre o conceito de RPG e métodologia.
Após essas duas experiências, houve uma situação não esperada, descrita na fala
de aluna EM01 “Só que durante o recreio desse dia, os alunos do outro 2º ano vieram e já
me perguntaram entusiasmados quando que eu aplicaria o jogo na sala deles”. Os alunos
conversavam naturalmente no recreio sobre as experiências da aula-narrativa.
81
O interesse dos demais alunos para a proposta aconteceu no mesmo dia, o que deu
novo fôlego à aluna EM01, permitindo que a docente sentisse valorização e
reconhecimento. Houve o rompimento do desafeto anterior, tal romper propicia o objetivo
específico
delimitado
de
alternativa
metodológica
na
mediação
de
conflitos.
A
professora cita: “fiquei feliz”.
Em outro momento, os
alunos
EM02,
tomaram
o
desafio de lecionar Matemática.
Ressalta-se que eles tinham
experiência como jogadores de
RPG e isto promoveu mais
conforto.
Selecionaram para uma
turma de 2° colegial, sendo que
nas primeiras aplicações houve
uma situação que agrega a
experiência
da
turma
dois
descrita anteriormente “mesmo
eles
sendo
baderneiros
um
a
pouco
participação
deles nas aulas era melhor do
que nas outras turmas”.
Há uma discrepância, visto que a baderna neste caso foi favorável, tendo como
único aspecto que diferencia os alunos, a experiência sobre RPG.
Esta experiência foi continuamente criando pontes entre os saberes do educador e a
postura do educando além de despertar percepções sobre determinadas dificuldades
docentes, de acordo com a fala dos alunos EM02 “Este trabalho fez perceber que a atual
forma de ensino está afastando os alunos da matemática. O envolvimento dos alunos foi
algo surpreendente”.
82
Outra questão interessante se destaca na fala final dos alunos EM02 “Esta
infinidade de respostas ou soluções para a aplicação de um jogo só resulta em
amadurecimento no aluno”. Os alunos EM02 não confundem RPG com método, mas
similarizam o jogo como metodologia, colocando gradativamente em evidência o problema
da indefinição.
83
ENSINO SUPERIOR
Os alunos ES tiveram experiências práticamente sem resistência como descreve “uma
interação maior da sala em relação ao conteúdo, mesmo aqueles que nunca tiveram
contato com esse tipo de aula se mostram mais tendenciosos a participar”.
Com
predisposição natural a aula-narrativa, presente também nas experiências anteriores,
igualando-se a fluidez da educação infantil.
No caso do aluno ES01 que já tinha
problemas de convivência com os
outros alunos de seu curso, viu-se um
processo de transformação, conforme
revelado durante o curso passou de
professor, expositor, para narrador,
contador
de
perceber
e
histórias”
atuar
em
permitindo
um
novo
contexto promovido em suas relações
junto a sala de aula como reforma a
fala abaixo:
“A narrativa se desenvolvia, e
concomitantemente percebia-se que
os jogadores participavam ativamente
de todas as etapas do jogo”. E o
docente
revela:
“Dessa
forma
a
atenção que obtive como narrador era
algo que todo o professor (a) almeja
adquirir do aluno”
Neste
fragmento,
além
do
destaque para a alternativa mediadora do professor, creio, que este tipo de atenção em
sala é tratado como raro e desejado. Sua fala neste ponto está detalhando a qualidade das
relações entre professor-aluno, já que ambos se mostram predispostos em participar,
84
tornando a sala de aula um ambiente mais agradável e prazeroso, como destaca os
objetivos deste trabalho.
Nesta postura, destaca-se a promoção de uma educação aprofundada no sujeito e
na relação entre indivíduos, destacado na citação “os jogadores adquirem maior
sensibilidade social”. E cativo de sensibilidade agrega características de cidadania à classe
comum. Ao final, ainda repetiu-se o padrão de dificuldade em compreender o que
diferencia RPG da metodologia role playing. Mas afinal, não estamos todos tentando
descobrir isso nesse processo?
85
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Minha percepção inicial era sobre um problema de comunicação entre sujeitos.
Após as experiências, percebi um conflito ligado a falta de expressão do sujeito aluno no
ambiente escolar, seguido pela imposição da expressão do sujeito professor(a). Estes
posicionamentos acabam por desgastar as relações, e conseqüentemente, o ambiente de
aprendizagem fica defasado.
Quando optei pelo RPG, pensei em sua organização em caráter pedagógico,
entretanto esta ação pode promover um jogo didático facilmente, condicionando e
restringindo tanto o educador(a) quanto aluno.
Inúmeras são as aplicações de RPG na sala de aula, mas poucas tem um caráter
cientifico e pedagógico, levar livros de RPG para a sala de aula não é aplicar RPG na
educação. Temos que ter consciência de um desfecho conceitual e pratico para gerar
parâmetros norteadores. Não estou reinventando a roda (ou o dado), sobre o RPG na
educação, apenas propondo uma organização possível.
Levanto essa questão, preocupado com professore(a)s que facilmente levam o jogo
a este condicionamento e a jogadores de RPG que apenas promovem recreação. Como
disse Buda é necessário o “caminho do meio”. Com o objetivo que isto ocorra, vi como
necessário a delimitação no uso de alguns elementos plásticos que permitissem o
manuseio do(a) docente como uma metodologia, sendo neste caso, a narrativa
participativa com regras flexíveis e um objeto gerador de probabilidade, como um dado,
roleta, entre outros. Com esse trio de elementos podemos aplicar a Metodologia Role
Playing (MRP) em qualquer ambiente, como empresas, ongs, universidades, onde a
imaginação permitir.
Desta forma, surgiram percepções sobre outra categoria de relação entre os sujeitos
dentro da esfera da narrativa (aula-narrativa), em que não eram impostas as figuras
professor(a) e aluno. Nas experiências dos alunos em sala de aula, o processo se deu por
convites para atividade e não por meio de imposição a atividade.
Durante a aplicação, o caráter de diversão, típico das atividades lúdicas, nos
sujeitos envolvidos esta presente. Neste caso, o campo afetivo dos indivíduos era exposto
e interagia com os demais, promovendo a sensação de um ambiente seguro e agradável.
86
Tendo o foco principal da sala direcionada para o sujeito: sua experiência e bem estar, por
meio da interpretação, percepção e dedução sobre cada experiência.
O professor(a)-narrador, se oportuniza ao reavaliar suas perspectivas sobre
educação, métodos e conteúdos, pois isto faz parte do foco do preparo da aula-narrativa.
Acredito que se pode experimentar, relações que antecipam a aprendizagem, por meio de
uma postura docente pautada da ludicidade e expressão, compreendendo como se
beneficia a qualidade da relação professor(a)-aluno segundo o método proposto, podendo
este, ocorrer quando o(a) docente pré-disposto tem o conhecimento e experiência no uso
da metodologia, favorecendo a boa convivência, pela aproximação entre os sujeitos.
A interação no ambiente contextualizado de forma que a comunicação-expressão
possa se desenvolver naturalmente pela disposição singular de cada um. Então, a sala de
aula existiria em múltiplas linguagens individuais que iriam gradativamente buscar uma
convergência estruturada e mediada pelo educador como mitologia ou cultura comum.
87
Importante dica ao educador, registre tudo que puder e
apresente aos alunos, mostre o quanto é importante estar
ali, mostre os resultados. Publique artigos de suas
experiências, escreva projetos, crie com eles.
Agora vamos definir resumidamente
alguns parâmetros importantes.
88
Os elementos de RPG podem ser utilizados corretamente para envolver
pedagogicamente o docente e o educando, contribuindo com o ambiente
de sala de aula, como espaço prazeroso?
Há diferença entre o RPG usado em sala de aula, e os elementos do RPG
direcionados para sala de aula. O jogo, por sua estrutura de poucos participantes e regras
específicas, não comporta as necessidades do ambiente escolar, todavia, o uso de seus
elementos mensurados e adaptados pelo docente propicia o envolvimento do educador e
educando por meio da ludicidade e expressão, e isto ocasiona um espaço prazeroso para
aprendizagem. O que retoma:
Alternativas ao professor, visando o caráter de mediação em relação aos
conflitos com discentes em sala;
A utilização do método narrativo se pode transfigurar a imagem do docente, pois
segundo a coleta de dados não houve relato de alteração em tom de voz, stress ou
desrespeito ao professor, exceto no caso da aluna EM01 (devido a inexperiência com
narrativa), em que se percebeu a insegurança ao aplicar o método.
Para que isso ocorra, existe a necessidade de uma predisposição interna do
docente, junto a preparação e orientação, a fim de perceber a sala e fazer o convite para a
proposta, sem imposição. De maneira a perceber o conflito como mais um elemento
participante em sala de aula, podendo interagir positivamente entre o professor e o aluno.
Compreendo que, neste caso, a diferenciação entre narrativa e exposição oral de
fatos, sendo que sem a expressão do sujeito não é possível cruzar a ponte entre o
professor(a) tradicional e o professor(a) narrador.
89
Qual a contribuição de uma metodologia role playing ?
Pude perceber na fala dos alunos, reações diferentes ao convencional mal estar da
sala de aula. Sendo apropriados gradativamente por um interesse na docência, quando
esta dissipa seu caráter penoso, e torna-se divertida.
Neste processo, o(a)s educadore(a)s puderam observar em sala de aula interesse,
exposição de opiniões, motivos e realidades dos educandos. Isto permitiu que professor(a)
e aluno se conhecessem sócio-afetivamente.
Acredito que o objetivo inicial da formação de uma metodologia pedagógica que
incorpora determinados elementos do RPG se mostra possível e viável para as demandas
nacionais, tendo a clareza que existe necessidade de estudos mais aprofundados para
maior compreensão e consciência dos impactos dessas ações. Esclarecendo conceitos e
formulando novas questões.
Em certos casos, existia a dificuldade de compreensão da diferença entre narrar e
ler um texto, sendo narrar um processo de reconhecimento, descoberta, além de um
caminho possível, válido e igualmente singular ao ritmo de cada educador.
Ao vislumbrar determinados parâmetros da educação no campo de atuação desta
investigação identifiquei que a metodologia Role playing se alicerça na responsabilidade do
sujeito docente, para promover a transformação do mesmo e o ambiente de sala de aula.
Nesta prática é necessário que o(a) educador(a) deixe a postura comodista, para que junto
com seus alunos, reinterprete o conteúdo, criando histórias que promovam a
aprendizagem significativa, em um eixo de conhecimento comum.
Para isso pode utilizar dos livros convencionais exigidos pelo currículo base e qualquer
material que o(a) educador(a) ou alunos tenham acesso, para traçar os conceitos chaves
do plano de aula.
O(a) educado(a)r nesta atividade se torna colaborador(a) de um processo criativo, e com
um único plano de aula que pode se desenvolver de diferentes maneiras de acordo com a
variável de percepções dos alunos envolvidos.
Recordo que é uma prática realizada com baixa exigência financeira e se pode atuar em
qualquer espaço, requerendo apenas a ação do educador e materiais já presentes em sala
90
de aula, desvinculando a dependência de recursos dispendiosos que surgem como tema
conflitante em escolas públicas. Dispõe de estrutura convidativa aproxima os sujeitos pela
expressão, dedução e interação, propiciando um ambiente para representação de olhares
sobre determinados contextos disciplinares, que podem convergir em qualquer tema
descriminado. Com a criação de um ambiente mais pró ativo, o docente terá uma
retribuição afetiva em relação a afetividade desprendida, revigorando suas crenças em
relação
a
profissão
e
a
si
mesmo,
gerando
um
estado
de
bem
estar.
O Role playing se apresenta com uma prática educativa flexível que contribui para que
cada professor(a) tenha sua própria desenvoltura e originalidade no trato com os
educandos, desta forma não se compreende como um método desatualizado, ou alheio as
demandas sociais, mas um processo humano para significação a realidade.
O método se torna interessante para ser aplicado quando o(a) educador(a) considerar
conveniente, não sendo obrigatório como um substituto para aulas, mas um acréscimo
valioso para o bom relacionamento com a sala e o conteúdo.
Acredito que as ações derivadas desta prática afetam por consequência a sociedade,
contribuindo para a formação de um consciência do sujeito ampliada devido a
interpretação de saberes, e como estes são representados por outros olhares, exercitando
a alteridade e empatia.
Ao final destas percepções diante da proposta, reforço a crença em uma mudança nos
parâmetros de qualidade diante dos estudos já realizados sobre o tema, pois ao lançar um
olhar lúdico e crítico, sobre determinada carência comum ao professor, foi possível
promover princípios de autonomia aos sujeitos envolvidos.
Aos quais pode ser expressa com clareza pelo aluno ES01:
[...] O RPG é uma ferramenta indispensável para o(a) educador(a), pois permite ao
estudante desenvolver suas potencialidades intelectivas, lúdicas, criativas e
interativas [...] O professor que se sentir apto ou simpático para experimentar a
utilização de narrativas de RPG no seu ato de ensinar tem o dever de escrever sobre
suas experimentações a fim de deixar um legado público acerca do desenvolvimento
desta e de outras ferramentas que agregam a prática docente (Aluno ES01).
91
Descrevo também certa similaridade entre os relatos dos estudantes que passaram
pelo curso, que se constata como grande satisfação diante do método, o enquadramento
de uma visão sobre as interações em sala de aula de um ambiente divertido que se
distancia do enfoque sofrido, o aluno e o(a) professor(a) se enquadram como participantes
de uma atividade coletiva e para tanto, precisam se comunicar e expressar cada vez
melhor. Desta forma, os dados obtidos pela comparação da coleta bibliográfica e
pesquisadores, vieram a complementar uma lacuna diante da relação metodológica do
Role Playing Game.
Este trabalho elucida, em seu direcionamento crítico interpretativo, certas noções e
necessidades sobre o estudo do jogo de representação junto a educação convencional,
por meio da compreensão da experiência dos sujeitos envolvidos, as quais creditam que o
elemento narrativo presente no RPG, e não propriamente apenas o jogo, poderia atuar,
quando devidamente orientado, atendendo às demandas sutis da natureza dos indivíduos
envolvidos na escola, sendo a gente transformador e emancipador para professore(a)s e
alunos.
92
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Celso. Jogos para a estimulação das múltiplas inteligências. 6. ed.
Petrópolis: Vozes, 2000. 300 p.
BARTHOLO, Márcia Fernandes. O lazer numa perspectiva lúdica e criativa. Cinergis,
Santa Cruz do Sul, v. 2, n.1, p. 89-99, jan/jun, 2001.
CAILLOIS, R. Os jogos e os homens. Lisboa: Portugal, 1990.
CAMPBELL, Joseph. As Máscaras de Deus. Mitologia Primitiva. São Paulo: Palas Athena,
1982.
______. O herói de mil faces. Tradução de Adail Ubirajara Sobral. São Paulo:
Pensamento, 2007. 404 p.
______. O poder do mito. Tradução de Carlos Felipe Moisés. São Paulo: Palas Athena,
1990. 241 p.
CANCELA, Jaime R. Entrevista. 2012. Disponível em:
<http://www.facebook.com/messages/JaimeDanielCancela>. Acesso em: 23 jan. 2011. Não
publicado.
CHAVES, Otília. A arte de Contar Histórias. Disponível em:
<http://www.gsmfans.com.br/index.php?topic=156570.0>. Acesso em: 05 jun. 2011.
CURY, C. R. J. Lei de diretrizes e bases e perspectivas da educação nacional. Revista
Brasileira de Educação, n. 8, 1998, p. 72.
DINELLO, Raimundo Angel. Pedagogia da expressão. Uberaba: Uniube, 1996. 204 p.
______. Expressão ludocriativa. Uberaba: Uniube, 2007. 182 p.
FALCÃO, Luiz. Experiências sobre RPG: depoimento [ 4 de junho, 2012]. Entrevistador:
Rafael C. Rocha. Não publicado.
FERREIRA, A. G. Dicionário de latim-português. Porto: Porto Editora, 1983.
FREITAS, Luiz Eduardo Ricon de. O Role Playing Game e a Escola: múltiplas linguagens
e competências em jogo - um estudo de caso sobre a inserção dos jogos de RPG dentro
do currículo escolar. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
FREUD, S. Cinco lições de psicanálise. ESB. Rio de Janeiro: Imago, [1909]. v. 11.
HUIZINGA. Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução de João
Paulo Monteiro. São Paulo: Perspectiva, 2007.
93
HITCHENS, Michael; DRACHEN, Anders. The Many Faces of Role-Playing Games. In:
International Journal of Role-Playing
, Issue 1, p. 3-21, 2008. Disponível em:<http://marinkacopier.nl/ijrp/wpcontent/uploads/2009/01/hitchens_drachen_the_many_faces_of_rpgs.pdf >. Acesso em
25Ago. 2011
IBGE. Uberlândia - MG: dados básicos. Disponível em:
<http://www.ibge.gov.br/cidadesat/painel/painel.php?codmun=317020>. Acesso em: 08 fev.
2013.
KLIMCK, Carlos. TNI (Técnicas para Narrativas Interativas) B. Téc. Senac: a Revista.
Educ. Prof. Rio de Janeiro, v. 33, n.3, set./dez. 2007.
LHÔTE, Jean-Marie. In:______. Jogos de Dados. Disponível em:
<http://www.ludomania.com.br/wp/?p=1322>. Acesso em: 23 set. 2011.
MARCATTO, Alfeu. Saindo do Quadro. São Paulo: Editora do autor, 1996.
MORENO, J. L. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1993.
PAVÃO, Andréa. A Aventura da Leitura e da Escrita entre Mestres de Role
playing Game (RPG). 2. ed. São Paulo: Devir, 2000.
PINTO, Tânia Regina. Jogos de gente grande. O Estado de São Paulo, São Paulo, 21
out. 2001. Disponível em:
<http://www4.estado.com.br/suplementos/casa/2001/10/21/casa003.html>. Acesso em: 10
jul. 2011.
REIS, Alessandro Viera dos. Módulo Básico FLER: Ferramenta lúdica de ensino por
representação. Florianópolis: Edição do autor, 2002.
RICON, Luiz Eduardo. Mini Gurps: O Descobrimento do Brasil. São Paulo: Devir, 1999.
RICON, Luiz Eduardo. Mini Gurps: O Quilombo dos Palmares. São Paulo: Devir, 1999.
RIBEIRO, André Luiz. Jogador-professor: depoimento [10 de setembro, 2011].
Entrevistador: Rafael C. Rocha. Não publicado.
RIYIS, Marcos Tanaka. SIMPLES: Sistema Inicial para Mestres-Professores Lecionarem
Através de uma Estratégia Motivadora: Manual para o uso do “RPG” na educação”.São
Paulo: Edição do Autor, 2004.
RIYIS, M.T. Entrevista sobre o SIMPLES: depoimento [13 de dezembro, 2011].
Entrevistador: Rafael C. Rocha. Não publicado.
RODRIGUES, Sônia. Role playing game e a pedagogia da imaginação no Brasil. Rio
de janeiro: Bertrand Brasil, 2004. 210 p.
SCHMIT, Wagner Luiz. RPG e Educação: alguns apontamentos teóricos. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Estadual e Londrina, Londrina, 2008.
94
SILVA, Jeane. Professor-jogador: depoimento [12 de setembro, 2011]. Entrevistador:
Rafael C. Rocha. Não publicado.
TRAGTENBERG, Maurício. Educação e sociedade. São Paulo, Cortez, jan./abr. 1985.
VYGOTSKY, L.S. Interação entre aprendizado e desenvolvimento. In: ______. A
Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
VASQUES, Rafael Carneiro. As Potencialidades do RPG (Role Playing Game) na
Educação Escolar. 2008. 169 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Estadual Paulista, Araraquara, SP. Disponível em:
<http://www.fclar.unesp.br/poseduesc/teses/rafael_carneiro_vasques.pdf>. Acesso em: 3
jun. 2011.
VIERA, Matheus. Entrevista. 2012. <http://www.facebook.com/messages/MatheusVieira>.
Acesso em: 20 ago. 2012. Não publicado.
95
Anexo
96
Entrevista completa com professora-jogadora
e jogador-professor.
Jogador-professor - Bacharel em direito e história
a) RELAÇÃO: RPG X JOGADORES X PROFESSORES
Sendo objetivo, o que você percebe sobre o RPG na sua vida, em benefícios
pessoais?
Você consegue sempre agregar mais conhecimento, você vai formando uma pluralidade
de fontes de informação, porque ao mesmo tempo em que você esta vivendo uma
aventura, você precisa de conceitos de Física, noções de Biologia, História, das facetas
antropológicas, que cada cenário é composto de uma arquitetura que tem um componente
humano que enriquece uma cena que é narrada, então RPG me permite o que? Essa
diversificação de conhecimentos.
Professor-jogador - Bacharel em Direito, História e doutora em História
Você citou que a mídia mostrou o RPG como um jogo assassino, mas teve a
experiência de ter contato com jogadores de RPG que inclusive auxiliaram seu
processo, qual sua percepção sobre esse jogo em relação do que a mídia diz?
Pois é, na época eu me lembro li algumas coisas, vi críticas inclusive de alguns
evangélicos falando, um monte de gente falando, um monte de coisas más, sobre RPG, aí
97
eu fui conversar com um colega professor e ele se reúne com colegas para jogar RPG aos
domingos, até mesmo me convidou. (...)
Mas eu me lembro de uma coisa que me chamou atenção, foi que existe um preconceito
pelo que as pessoas não conhecem, a minha geração não conhece, e as pessoas mais
velhas do que eu, que não conheciam, e é complicado falar do que não conhece. E
continuo com a mesma teoria que eu tive durante a vida eu acho que não é o jogo que é
prejudicial, porque como tudo na vida ele é um instrumento usado pelas pessoas e acho
que as pessoas têm essas coisas internas e isso despertada pelo jogo, mas o jogo não é
responsável por assassina-la, é como as pessoas usam, a menina podia ter morrido de
outra coisa de overdose, de drogas, enfim, isso seria uma desculpa, para dizer matou a
fulana, jogou RPG e morreu... Mas isso é coisa de pessoas desajustadas, de mente
doentia.
Enquanto eu estava com os garotos isso foi uma experiência boa para mim como docente
e para eles. E eu e o aluno conversamos sobre isso na época ele disse: “não professora o
jogo não é ruim que nem as pessoas falam” e era algo que não podia ser ruim porque ele
sabia tanto, aprenderam tanto. E veio na mídia só o ruim, ela não mostrou o lado bom, mas
é como tudo na vida um instrumento.
Você comentou sobre a relação das gerações, mas a sua geração é de qual década?
Eu tive adolescência nos anos 80, que vi muita televisão, pulei corda , andei de patins de
bicicleta, o videogame era aquele inicial, aquele bem simples, o Atari, bola queimada,
enfim, foi uma geração do computador, quando fui ter um computador já estava em
faculdade, agora todos os meninos nascem com computador, com Playstation e um monte
de coisas e recursos lúdicos, que foi uma coisa que minha geração não pegou, foi porque
não era uma coisa que estava ali, naquele momento na década de oitenta.
98
b) RELAÇÃO: RPG X PROFESSOR X ALUNOS
Jogador-professor - Bacharel em Direito e História
No caso, como fica a sua relação com seus alunos em sala de aula quando você
aplica RPG?
O que às vezes torna a coisa um pouco complicada, é até você transformar a teoria que
você esta aplicando no envolvimento deles no cenário que você pretende com o conjunto
de interpretação. Qual que é a vantagem? É você conseguir que eles vivenciem um
período da história que você esta relatando, você dá a teoria, você tem a teoria, a parte
didática emprega ali, e ao aplicar o RPG se cria um cenário no qual ele (o aluno) se insere
no contexto da teoria que eu passei pra ele.
Então se eu estou falando de cruzadas, eu divido por exemplo a turma, uma parte
muçulmana peço a eles que façam um background (histórico) do que seriam os
muçulmanos, que colham informações sobre a pregação muçulmana, que levante o
cotidiano muçulmano e do outro lado eu coloco o que? Uma turma de católicos, eu inicio
então depois que eles fazem a coleta de dados, ai primeiro eles tem que fazer um debate,
verbal evidentemente, sobre os temas ali abordados que eu vou mapear ao longo da aula
sobre a presença de cristo entre eles, do porque a Terra Santa é importante, se ela é santa
mesmo ou existe um cunho pecuniário, riqueza, monetário, vamos assim dizer depois eles
simulam que seria uma tentativa de tomar uma posição resguardada, eu junto às cadeiras,
ai é a parte que a coordenação adora que eu faço a bagunça inteira na sala, como se
fosse uma fortificação e aí eles têm que fazer o que? A coisa que eles mais gostam
que é a bolinha de papel tentando acertar pontos determinados nas cadeiras que
seria parte onde romperia a barreira onde eles poderiam passar na área resguardada.
Então tem isso eu coloco uma galera defendendo as cadeiras, eles não podem atirar
bolinha um no outro, somente nas cadeiras, então fica uma turma defendendo as cadeiras
e uma turma atacando as cadeiras.
Isso mostra o que? Que na guerra hoje, o conhecimento já determina uma posição
resguardada, ela necessita de muito menos pessoas do que em relação a tropa atacante,
99
se você pegar dados estatísticos hoje do exército americano, que ataca com 20 soldados
de ataque para 1 de defesa, o Brasil hoje tem uma estimativa de crescer para chegar há 7
para 1, então isso não justifica por exemplo, o efetivo militar norte americano
extremamente elevado, o custo bélico dos Estados Unidos, por que menor que seja o
inimigo os Estados Unidos tem essa consciência de ataque, por exemplo pego uma idéia
do período medieval e consigo dar para o aluno uma noção, por exemplo á retirada do
Iraque, então eu consigo trabalhar neste sentido, eu transito entre o espaço e o tempo com
o RPG, entre um conhecimento e outro.
Diga-me uma coisa, em relação da expressão do aluno em sala de aula, a posição
ativa dele, o que você pode dizer sobre isso?
A unanimidade de participação você não consegue quase em nada, mas assim eu vejo
principalmente por parte dos meninos mais ação enquanto das meninas eu percebo mais
questionamento, o aluno, o menino quer ir direto para execução enquanto a menina, a
garota, ela já questiona mais o contexto, o cenário, mas isso é típico da própria questão
biológica, a mulher é muito mais detalhista que o homem, historicamente a mulher é mais
detalhista que o homem, o pessoal costuma brincar que o homem ia caçar e a mulher
ficava na caverna, então ela tinha que reparar nas coisas, o homem tinha que ir até as
coisas. Então eu vejo muito isso, mas há uma participação sim, em torno de 80%, uma
participação efetiva.
Você já teve conflito com aluno, stress e irritação trabalhando RPG em sala de aula?
Ou o RPG permitiu um canal de comunicação mais funcional entre vocês?
Não, que stress eu nunca tive, eu sempre parti do principio que é uma atividade, do
mesmo jeito que eu posso passar uma tarefa para o aluno fazer em casa e ele não fazer, a
mesma coisa pode ocorrer em um exercício de RPG em sala de aula, eu vou aplicar
aquele exercício, eu tenho que respeitar evidentemente a individualidade daquele aluno
em não querer participar, lógico que eu o questiono porque, se é uma questão religiosa, se
100
é uma questão de falta de interesse, se é uma dificuldade de interpretar o exercício. E com
isso eu crio esse canal de conversação também, que aí você aprende um pouco daquela
pessoa, do aluno, você para de vê-lo como um número de chamada e passa a ver como
pessoa, você vai entender as razões com aquilo que ele esteja travado, muitas vezes se é
uma pessoa muito tímida né, introspectiva, tem a chance durante o jogo de se soltar,
houve casos disso acontecendo.
E no caso, você tem esse tempo de conversar com o aluno, também é uma chance
de poder ser inserido neste contexto (conteúdo curricular) de aula-jogo?
Com certeza.
Chegou a passar por isso?
Sim, teve aluno por exemplo, a meu pai ele é pastor e ele fala que RPG é do capeta e que
esse negócio mata as pessoas e não sei o que relatando o caso Ouro Preto, né daquele
acidente, falei, primeiro eu tenho todo o processo deste caso, que mostra que é uma
questão de tráfico de drogas e que não tem nada haver com o RPG, a mídia noticiou o
RPG, mas não noticiou a sentença, que mostrava que não tinha coligação nenhuma com
atos diabólicos nem nada. Então eu fui conversando isso com ela, inclusive o pai dela veio
pra conversar comigo, a gente trocou muito idéia, mostrei até algumas linhas do RPG
relacionados a espiritualidade, como anjos, que é uma linha que se tem. Não houve
problema, a menina participou da atividade, não forcei ela, falei que só queria explicar e se
o pai quiser falar comigo estava a disposição, e isso foi até legal porque foi possível
romper uma barreira dentro de sala de aula e na sociedade, explicar para o pai que é um
posicionador na sociedade, um formador de opinião, uma vez que ele é pastor.
101
Mas no caso, esta ferramenta pedagógica facilitou, além da relação com seus
alunos, dos alunos com o conteúdo e a sua relação com o conteúdo sabendo que
tudo é uma questão de percepção e interpretação?
Olha, eu acho fundamental, porque antes de você aplicar o jogo em si, você dá uma
pesquisa, estimula que cada um colha argumentos para aquele personagem ou situação,
então neste ponto se vê uma funcionalidade da teoria, muitas vezes eu vou em uma teoria
e ele (aluno) fala: vou usar isso para que? Eles simplesmente ignoram, mesmo que eu use
para o jogo, eu forcei ele a ter que trabalhar aquele conteúdo, e eu tenho certeza que a
partir do elemento lúdico ele vai guardar alguma informação e isso é comprovado e muitas
vezes aluno fala assim, mas no nosso exercício, que tivemos outro onde a gente simulou o
que, pegamos aquele filme “As Ultimas horas de Hitler”; “A queda” e misturou com a
operação Barbarossa. Então a gente montou uma linha de espionagem para tentar chegar
no Banker antes dos russos, então a gente tinha que atravessar a fronteira russa, chegar
em Berlin, conseguir entrar dentro do Banker, então o que eu fiz, dividi a sala em grupos,
uma galera foi pesquisar o Banker, outra galera foi pesquisar os números russos em Berlin,
ou foi pesquisar o que era a operação Barbarossa, então o que eu fiz, montei como se
fosse um QG, como se fosse uma central de inteligência para montar essa operação,
então o jogo foi justamente esse como nós poderíamos atacar o Hitler, como nós
capturaríamos o Hitler, movimentamos os terceiros colegiais inteiros nesse sentido.
Professor-jogador - Bacharel em Direito, História e doutora em História
...Então o que acontece, eu era professora nesta época lá no Colégio Ângulo, e eu
trabalhava com os alunos do noturno e com 8ª série também, e eu tinha um aluno que não
prestava atenção na minha aula, ele estava sempre lendo um livro grande assim colorido,
então eu ia lá e “fulano, o que é isso? A é um livro, eu to lendo um livro de RPG aqui” e aí
eu fui dar uma aula de Idade Média e quando eu fui dar essa aula, o menino sabia tudo,
tudo assim: “oh professor era isso e aquilo e tudo mais camponeses, senhor feudal”, ele
conseguiu contextualizar toda a Idade Média e eu falei assim, quando você estudou isso,
como você fez isso e tal? Não, é o livro colorido que estou lendo aqui e ele foi me mostrar,
na época que era um livro de RPG mas sobre Idade Média, foi aí que ele me chamou
102
muita atenção, aí eu marquei com ele e mais alguns colegas para ele me ensinar o jogo,
ele foi e me ensinou a mim e a alguns colegas, perguntei quem tinha interesse, na época
por Idade Média e aí eu sugeri a ele que fizesse sobre Revolução Inglesa, ai ele topou,
achou que ia ser bacana, ai nos fizemos a ficha e montamos o joguinho para poder aplicar
em sala de aula.
... Porque assim, eu não trabalho com isso especificadamente, “o RPG” foi uma
experiência que eu passei assim, que na verdade, veio dos alunos até mim, e eu achei que
era legal, achei isso interessante para o professor, ver o que a moçada esta fazendo, para
a gente ver a importância disso e como se reflete na educação, e foi quando fiz da
revolução inglesa e montei com eles as fichinhas.
Eu foquei muito a questão de história para construir os personagens, então achei que o
que os meninos estavam fazendo com a idade média, do RPG, era uma coisa que eu
podia fazer trabalhando com as histórias das mentalidades, pois eu vi que tinha
caracterização de cada grupo, cada personagem, então pensei que daria um teatro. Então
até esta aqui na ficha, o rei, o nobre feudal, o profeta, o camponês então eles colocaram as
características nas fichas, dos atributos físicos, sociais e mentais que na época eu lembro
que eles me ensinaram a montar para fazer a fichinha. E tudo foi muito interessante, eu
acho que foi o caminho contrario, normalmente os professores chegam e propõem para os
alunos aceitarem a metodologia, e eu aqui nesse caso, inverti o papel, os alunos que
tinham a metodologia e me ensinaram o que eles queriam fazer, com aquele grupo que
gostava de jogar RPG.
A sala que você aplicou, era uma sala de quantos alunos?
É uma sala de 40 alunos, mas quem de fato trabalhou, foi o colega que tinha os livros de
RPG Role Playing Idade Média, que orientou a gente, ai eu perguntei na sala e tivemos
uns 6 a 7 alunos que interessaram, por incrível que pareça eram todos meninos. E ai foi
que nos encontramos para fazer o joguinho do RPG, eu trabalhei com 7 alunos, com um
grupo não com toda sala, depois foi apresentado para toda a sala.
103
E o que aconteceu quando foi apresentado para toda sala?
Na época foram dois horários, fizemos o jogo e os meninos foram acompanhando, não foi
ruim não, tiveram alunos que participaram, foram acompanhando os personagens, na
época dividi a sala, peguei a turma e dividi em cada componente do grupo para
acompanhar o jogo.
No caso, você dividiu esse jogo com outros docentes? A realização desse jogo
melhorou sua relação com seus alunos, digo em caráter interpessoal?
Melhorou, eu senti assim, o jogo me levou a encontrá-los depois da escola, e senti que
principalmente o aluno que tinha lá o livro do RPG em feudalismo, ele se sentiu o máximo
porque estava ensinando a professora, e realmente ele estava fazendo isso, porque disse
“oh, você que vai conduzir o trabalho aqui pra gente” e ai eu senti que ele teve uma maior
participação na minha aula, eu lembro que a relação foi melhor, que ele deu um salto
qualitativo.
Qual era a idade dele nesta série?
Era 8ª série, ele devia ter uns 12 anos.
Como educadora, o que você pode observar nesta metodologia, quando realizamos
pesquisas aprofundadas sobre RPG falamos de características comuns como
ludicidade, expressão, mas na sua percepção nesta experiência o que vale ressaltar
do que foi trabalhado com os alunos em diferencial da aula expositiva?
104
Eu senti muito,... esse artigo foi uma surpresa, mais uma metodologia, eu conhecia
teatrinho, eu já tinha brincado, mas a minha geração não teve o RPG, chance de ver o
jogo, então foi muito novo pra mim como professora, e eu ficava me questionando porque
o povo fala que é um jogo assassino? Aí eu fui entender, que tem alguns grupos que
encenam, fazem teatro do jogo, representam o jogo teatralmente, é isso não é?
105
O RPG tem várias ramificações, uma delas é o live action ou hoje em dia descrito
como LARP (Live Action Role Playing) que é um jogo mais restrito como uma festa a
fantasia, mas isso não tem ligação nenhum com quaisquer noticias de violência,
todos os jogos são mediados, mas dentro das ramificações tem o RPG como
ferramenta pedagógica e linha de pesquisa, ao qual você experimentou, mesmo sem
saber que existia essas variedades.
O que me chamou atenção para o jogo, além do relacionamento com a turma, que claro
melhora, aqueles sete aluninhos, além deles me ajudarem e melhoramos o relacionamento
interpessoal eles também se tornaram lideres da turma, o que me chamou atenção no jogo
é que ao construir personagens ele coloca atributos, é uma coisa que eu vejo muito nesta
nova geração como Harry Potter, esses personagens construídos... Essa tarefa de
construir personagens é muito complexa, pois ele tem qualidades e defeitos, pois ele não é
bom em tudo, e para mim isso foi bacana, foi um achado, uma surpresa encontrar isso,
que eles vivenciam... As pessoas têm carisma, elas mentem, estava tudo ali presente no
jogo... Você trás humanidade para um personagem, eu achei que foi legal e me
surpreendeu, porque começamos a trabalhar filosofia, são valores.
Eu me lembro que quando estavam construindo esse personagem o camponês, eles
diziam “esse aí é camponês ele não pode ser muito inteligente, ele só tem força física” e aí
começou uma discussão, mas ai ele é burro? Mas ele sabe escrever? Aí pensei: - Isso leva
para o campo da filosofia e da ética, de entender um pouco dos nossos preconceitos
quando se constroem esses personagens, porque estamos atribuindo para um
personagem lá do passado, uma coisa que a gente sabe que existe hoje... O camponês
não sabe escrever então ele é burro, ele tem que ter força física porque ele é camponês...
E eu fiquei assistindo isso tudo, porque foi uma experiência nova para mim...
106
Você falou que trabalhou história, mas também apareceu filosofia e ética, você
percebe que essa ferramenta pedagógica é por natureza multidisciplinar?
Eu entendo que sim, porque você navega em vários campos, eu dei mais ênfase na
história no livro ética do antigo regime, mas ao me deparar com essa relação de condutas,
eu vejo como campo da filosofia, mas ao mesmo tempo está lidando com a literatura, pois
esse negócio de construir personagens e contar histórias está muito no campo da
literatura, essa interface passado e presente, eu acredito que sim que é uma ferramenta
interdisciplinar.
Eu quero especificar a seguinte pergunta, a relação do aluno com você melhorou a
relação sua com o aluno também, agora a sua percepção e interpretação sobre o
conteúdo da revolução inglesa sofreu alguma transformação, pois aplicando essa
ferramenta tem múltiplos olhares, como você começou a enxergar a revolução
inglesa depois desta experiência?
Na verdade, eu também não pesquiso revolução inglesa... Sou professora há muitos anos,
inicialmente com ensino infantil trabalhei muito com dinâmica, jogos. Eu sempre fui a
professora das dinâmicas, eu acho que levei um pouco disso para a faculdade de História,
que era muito teoria. (...) O que melhorou pra mim, eu não simplesmente li autores do
ensino superior, mas eu vi de fato como isso pode existir lá no ensino médio onde nós
trabalhamos.
c) TEMPO, APLICAÇÕES E EXPERIÊNCIAS.
Jogador-professor - Bacharel em Direito e História
No caso você faz essas aplicações há quantos anos?
107
A primeira vez foi em 99, em uma turma de primeiro colegial, que foi sobre cruzadas, foi
em 1999
E vem de 99 até hoje?
Até hoje, hoje são mais espaçadas, não consegui aplicar em todas as turmas, em todas as
series, 1°, 2° e 3° colegial, normalmente aplico em uma por ano, no caso ou no 1°, ou no
2° ou no 3°.
Porque não aplicar em todos?
O conteúdo programático que nos é imposto, por uma questão de cumprir conteúdo para
ENEM, outros limita o nosso tempo e hoje a disciplina conta com o que? Duas horas aula,
cinquenta minutos cada uma, e você tem no primeiro colegial que transitar da idade média
e vai até a idade moderna, então você vai de 400 até 1800, você tem que dar 1400 anos
de história olhando geral Brasil e Américas. Aí você pega, por exemplo, na parte de
segundo colegial você tem que fazer da idade moderna até a contemporânea, até o século
XX, depois você chega ao terceiro colegial você tem que terminar a contemporânea e fazer
o resgate da matéria do primeiro e segundo colegial.
Professor-jogador - Bacharel em Direito, História e doutora em História
Como ficou a sua relação com o conteúdo específico que trabalhou com eles,
porque o professor tende a fazer o plano de aula e repetidamente ano após ano
usando a mesma forma, agora como ficou a sua relação com o conteúdo?
Ficou engraçado, o que me motivou a esse trabalho foi o aluno que era terrível, porque ele
era um aluno relapso, ele não fazia nada, ele não era indisciplinado ele era apático. E ele
lendo alguma coisa, pensei, deve ser algo muito interessante para esse aluno estar lendo,
porque se ele esta lendo ele tem vontade, o que ele esta lendo? Então eu sinto que foi
uma melhora dele como pessoa, porque isso o socializou muito com a turma, foi um salto,
108
começamos em maio, em junho o aluno melhorou muito nas minhas aulas e alavancou ele
socialmente para dentro da turma, pelo fato de eu reconhecer ele. No meu caso, trabalhei
esse ano com esse jogo, no outro ano que fui trabalhar revolução inglesa, acho que por
questão de tempo, trabalhei com um filme, e não voltei a trabalhar com RPG, porque o que
me chamou atenção foi esse aluno, que era apático e o grande conhecimento que ele tinha
sobre idade média para um aluno de 8° série. E...
E não sentiu a necessidade?
Não é que eu não vi necessidade, eu não me motivei, até difícil de explicar, foi uma
experiência que eu tive, eu estava na segunda graduação, isso também me motivou, para
compartilhar na faculdade, na época estávamos estudando revolução inglesa, que é um
assunto que nem se comenta direito na escola, aí pensei que o jogo seria uma ótima
maneira de trabalhar isso, mas foi um momento, estava focada em outras coisas da minha
pesquisa... “se você pedir minha análise hoje olhando 10 anos depois, eu acho que foi um
dos primeiros momentos que eu como professora, abandonei métodos e técnicas
conhecidas e me deixei guiar pelos alunos, e deixei um aluno, um grupo, me mostrar uma
técnica que é importante para a geração deles, que é uma coisa que vem de uma grupo
mais jovem, que não me pertence, que estava ali aprendendo, fiquei muito insegura... eu
não sei nada de RPG, o que eu sei foi essa experiência”.
A sua experiência foi em que ano?
Acho que eu anotei aqui, essa experiência foi 2001, agora você me fez lembrar uma coisa
importante eu apliquei com os meninos, eu acho que em 2001, e depois em 2003 quando
teve um encontro de história, eu fui com uns colegas em uma escola estadual e a gente
tentou aplicar isso aqui lá, mas eu me lembro que dessa vez não foi bacana. Porque na
época os professores nos deram duas turmas foram uns oitenta meninos, e nós não
conseguimos fazer o trabalho. Porque fui eu e dois ou três outros colegas professores do
curso de história, e eu lembro que o meu sentimento nesta outra experiência, era aplicar a
mesma coisa que foi feito em uma escola na outra, eu não consegui. Eu não tive apoio, os
109
professores das duas turmas sumiram, nos deixando com 80 meninos em uma quadra,
para dividir os grupinhos, ai a coisa não funcionou, talvez pela quantidade de alunos e a
circunstância da época. Eu achei que faltou apoio neste dia.
E você acha que as suas dificuldades em aplicar em outro ambiente em 2003 foram
realmente por falta de apoio de outros docentes ou por falta de preparo e
experiência?
Não, eu acho que foi... É que nos tínhamos que explicar primeiro o jogo para os meninos, e
depois formar os grupos para jogar, e eu acho que o que fracassou foi levar duas turmas
de quase oitenta alunos para o mesmo espaço isso não permite o diálogo, ficou muita
conversa muita bagunça, não tinha microfone, e se já tem uma falha nesta comunicação
inicial aí acabou, não vai dar certo daí pra frente (...) “eu me lembrei agora dessa
experiência foi frustrante conversei e depois avaliei com os colegas, e a relação do aluno
de escola pública com o docente é diferente, então professor novato que vem para aplicar
algo novo, não existe um vínculo, então tem uma certa resistência por parte dos alunos, na
época pensei: abandonaram a gente aqui, foram fazer outra coisa, se vira com esses
meninos, e os colegas também compartilharam esse sentimento, e nos não conhecíamos a
turma e o que faz a educação funcionar se não a relação entre o professor e aluno, eu
conhecia meus alunos e os chamava pelo nome, agora quando se pega um grupo de
oitava serie onde você não conhece ninguém, não sabíamos como chamar atenção, faltou
preparo sim. Eu acho que duas turmas juntas foi algo absurdo”.
d) MATERIAL DE RPG E EDUCAÇÃO
Jogador-professor - Bacharel em Direito e História
Só para concluir, você já teve acesso a algum material de RPG aplicado a educação
de teóricos, pesquisadores, pessoas que trabalham já nessa linha? Ou você só usa
o material base de RPG que trás com sua experiência?
110
Eu tenho no caso, assim, alguns fascículos antigos de uma tentativa brasileira que foi o
sistema Gurps.
O mini-gurps?
O mini-gurps, que usava eventos da história eu tenho eles ainda mas basicamente eu uso
o que, meu conhecimento de RPG a minha experiência em lidar já, como mestre, como
jogador porque há realmente uma ausência, existe essa lacuna de material didático
vinculado ao RPG não houve desenvolvimento deste material.
Professor-jogador - Bacharel em Direito, História e doutora em História
Você encontrou algum livro de RPG específico criado por professores, ensinando
como trabalhar em sala de aula? Ou você utilizou apelas os livros convencionais de
jogo?
Não, eu só usei esses livros que o aluno tinha sobre Idade Média e trabalhei com os livros
e a temática da revolução inglesa eu não fui para esse lado, eu vi um artigo muito tempo
depois, não me lembro se foi na teve, que tinha como jogar o RPG, mais foi uns cinco ou
seis anos depois, muito tempo depois. (...) Entendo, nosso grupo era bem amador porque
nos não tínhamos leitura sobre o RPG, acho que nosso erro principal foi partir da ficha e
não do jogo. (...) “E quando eu queria ler mais coisas sobre o assunto, eu não encontrava,
não tinha nada”.
111
112

Documentos relacionados