sobre a sagrada liturgia e seu lugar na vida da igreja

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sobre a sagrada liturgia e seu lugar na vida da igreja
IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO BRASIL
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CARTA PASTORAL DE DOM SEBASTIÃO ARMANDO, POR GRAÇA DE DEUS
E ELEIÇÃO DO POVO, BISPO DA IGREJA CATÓLICA DE CRISTO, NA
DIOCESE ANGLICANA DO RECIFE, DA IGREJA EPISCOPAL ANGLICANA DO
BRASIL, SOBRE A SAGRADA LITURGIA E SEU LUGAR NA VIDA DA IGREJA
1.
INTRODUÇÃO: LITURGIA, A JOIA DA IGREJA
Esta é a última Carta Pastoral que escrevo à Diocese, em meu
ministério de Bispo diocesano. Há muito que tenho desejado fazê-lo, mas
julgava que os tempos ainda não estavam maduros. Entrementes,
crescemos e nos fortalecemos. Para mim, dois sinais são evidentes: depois
de tantas crises e tribulações, a Diocese chegou ao Sínodo de 2006, se não
unânime, com clara maioria, ao sugerir o nome de sua preferência para a
eleição de bispo pelo Sínodo; e agora, no último Concílio, chegamos ao
pleno consenso ao aclamar um só nome, o do Reverendo João Peixoto
Filho, para a consideração do próximo Sínodo Provincial. Além disso, em
nossas comunidades, temos crescido em novas sínteses: comunidade local
e dimensão diocesana; paróquia da Catedral cada vez mais consciente de
sua missão de sé diocesana; Igreja, comunidade a serviço da sociedade;
espiritualidade e ação social; diaconia sociopolítica e diaconia da Liturgia...
É verdade que “longo ainda nos resta o caminho a percorrer”, mas não é
possível ignorar os passos que, pela graça de Deus, com esforço e alegria,
temos feito. É que a vida caminha em seu próprio ritmo, quanto mais
quando temos de considerar que interferem os ritmos e a respiração de
cada pessoa e de cada grupo.
Agora desejo “coroar”, quer dizer, concluir o exercício de meu
ofício de bispo diocesano com o chamado à Diocese a refletir e meditar
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sobre Liturgia. Já adianto que o texto será longo, para ser lido e pensado
lentamente. Não porque a Liturgia seja o que há de mais importante na
Igreja, apesar das aparências e de todo o investimento que fazemos
ordinariamente no aspecto religioso e ritual da expressão da fé cristã. Na
verdade, o que há de mais importante é o amor (cf. 1Cor 13). Aliás, é o
que nos ensina claramente o Evangelho e, particularmente, a Primeira
Epístola de São João. É o amor que nos define enquanto discípulos e
discípulas de Jesus, pois “declarar” a fé com os lábios, diz São Tiago, até os
demônios são capazes de fazê-lo (cf. Tg 2, 19). Pensar que sabemos orar
pode ser terrível ilusão narcisista. Pois a oração pode não passar de
simples exercício de olhar-se no espelho, para consolar-se ou confirmarse, justificando-se pelas próprias obras. Facilmente, podemos iludir-nos na
contemplação do próprio rosto, fechados(as) em nós mesmos(as), sem
capacidade de abrir-nos
verdadeiramente a Deus, jogando-nos,
confiantemente, para além de nós. Segundo o autor da epístola joaneia, é,
ao abrir-nos a irmãos e irmãs que de nós necessitam, que testamos,
realmente, a capacidade de abertura a Deus, o Outro por excelência. Por
isso, o critério decisivo de pertença a Cristo é a capacidade e a decisão de
amar (cf. 1Jo 4, 7-21; Mc 12, 28-34).
Sim, a Liturgia não é o mais importante na vida da Igreja, decerto o
mais importante é o amor que se concretiza em dom de si, entrega,
serviço, partilha e sacrifício, até da própria vida. É a vida em adoração,
como ato contínuo de culto, nosso “corpo oferecido em sacrifício vivo” (cf.
Rm 12, 1-2). É a vida consagrada, total e radicalmente, sem divisões nem
dualismos. Adorar não é, prioritariamente, render culto ritual a Deus, é a
prática do amor que tem de estar no centro da vida pessoal e coletiva,
pois, das virtudes teologais, “ a maior delas é o amor” ( Cor 13, 13). Por
isso, nossas relações interpessoais e comunitárias, e o ministério de
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diaconia sociopolítica têm de ser o centro da vida quotidiana da Igreja. A
fé não é outra coisa senão a nova divina visão que se nos comunica pelo
amor e que surge da prática do amor, é ver o mundo como Deus o vê, a
saber, amorosamente. A esperança é firme confiança em que o
“éschaton” é o que nos move, em outras palavras, é o Fim do caminho
que já está no meio, ou seja, Deus como dom total e absoluto, plenitude
de nossa vida, já agora. Se o amor nos leva a operar com as mãos para que
a vida seja mais bela; se a fé nos descortina horizontes sempre de maior
beleza na experiência da realidade do mundo; a esperança de que a
beleza é possível, o que levava Santo Agostinho a cantar: “ó beleza tão
antiga e sempre nova”, é o que nos move a celebrar, proclamar a poesia
de nossas utopias, criar o espaço privilegiado do exercício de esperar. A
liturgia é, por excelência, celebração da esperança.
Sim, é verdade, Liturgia não é o mais importante, é só
“sacramentum” da realidade vivida e esperada, só traz à tona o
“mysterium absconditum”, oculto no íntimo de nossos amores. É só a jóia,
pedra preciosa a enfeitar de beleza e brilho a vida da Igreja de todo dia, é
o “glamour” autêntico escondido no quotidiano, no ordinário, na
simplicidade dos gestos desde os mais simples. Com efeito, liturgia não
são os dedos, nem os braços, nem a cabeça, nem o pescoço do corpo da
Igreja, mas é a jóia que lhes confere encanto, brilho, resplendor.
Manifesta aquela dimensão estética, criadora de beleza, que está na raiz
dos sonhos que fazem nascer qualquer projeto de vida (se o mundo é
bonito – cf. Gn 1 -- pode ser ainda mais bonito), e que se concretiza no
imperativo ético (se pode ser, deve ser mais bonito) e na prática política
(se deve ser, tem de ser mais bonito, com os meios de que de fato
dispomos). Na poética da Liturgia, resplende a beleza, irradia o brilho da
“glória de Deus que resplandece na face de Cristo” (2Cor 4, 6) e é capaz
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de, penosamente, redimir nossa vida e transfigurá-la pela beleza do amor
(cf. 2Cor 3, 18).
Não sei se serei capaz, pois falar de Liturgia é já tocar, de perto,
horizonte e atmosfera que sentimos em Apocalipse, livro eminentemente
litúrgico, quando se nos abrem os véus e como que se nos revela o céu.
Justamente a visão que teve Jesus ao receber o batismo: “E enquanto
subia da água, viu rasgados os céus e o Espírito descer até Ele” (Mc , )
na forma do pássaro gerador da criação (cf. Gn 1, 2; 8, 8-12). Como quer
que seja, minha intenção é só ajudar a Igreja a se deixar encantar pelo
resplendor da pedra preciosa, que, é certo, não está destinada a substituir
o “corpo” (cf. Rm 2, -2), mas a dar-lhe encanto e ressaltar a beleza de
seus traços. Liturgia é feita para tornar mais irradiante o brilho da vida e
nos devolver a ela, com a firme convicção de que pode ser ainda mais
bela, se lhe transfundimos a energia do Espírito que habita nossos corpos
como em templo (cf. 1Cor 3, 16; 6, 19-20). Afinal de contas, liturgia é ato
sublime de vida, e esta é templo, adoração, nosso “culto racional”, isto é,
o culto como deve ser.
Eis por que deixei que esta fosse a “última” Carta Pastoral. Como
um ato de entrega da jóia da Igreja, sempre a preservar com o cuidado de
quem guarda um tesouro, que enfeita seu corpo para se apresentar
dignamente, como noiva bonita, ornada e engalanada para seu Amado (cf.
Ap 21-22; a partir daqui valeria a pena reler Oseias e Cantares).
2.
LITURGIA É ADORAÇÃO
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Conceito chave na tradição anglicana e nela onipresente é o de
“adoração” (“worship”, em inglês). Quem sabe, haja nisso forte influência
do monaquismo que, como sabemos, está nas raízes da formação do
Cristianismo nas Ilhas Britânicas. Provavelmente, através do monaquismo,
chega a influência da Igreja do Oriente na qual o conceito é central. A vida
é adoração, consagração do tempo e do trabalho a Deus, causa
transcendente e glória de toda a criação (cf. Sl ; 3 ). O lema “ora et
labora” sintetiza e manifesta, justamente, esta mentalidade: “a obra de
nossas mãos”, o trabalho, é o exercício da oração, da consagração a Deus
de nossa vida; doutro lado, a oração é chamada de “opus” (obra) ou de
“officium” (trabalho) ou também “servitium”, ou seja, os dois tipos de
“trabalho” se entrelaçam. É bom lembrar que “culto” tem a ver com
“cultura” (a totalidade da obra criativa humana sobre a natureza), e o
termo “cultura” se aplica particularmente ao trabalho agrícola e ao
trabalho intelectual – obra de nossas mãos e obra de nosso íntimo...
Daí, a imagem da liturgia como espaço privilegiado do sublime
encontro entre terra e céu. No Anglicanismo também a liturgia é algo
central. É experiência da dimensão profunda do mistério cristão,
enquanto aliança entre a comunidade humana, reunida pelo Espírito em
torno da Trindade, princípio e modelo de toda a realidade criada. Na
celebração comunitária da liturgia, a Igreja se expressa como comunidade
e aprende, na prática, a ser efetivamente comunidade. Também é na
celebração reiterada da liturgia que a Igreja aprende o que é para crer :
“Lex orandi, lex cridendi”. É da “concentração” (pensemos em atletas) na
liturgia que a Igreja se “dispersa” para realizar a tarefa de evangelização,
dizer ao mundo, por gestos e palavras, que o amor é possível, que a
comunhão é a forma autêntica de viver a humanização, de tal forma que a
experiência comunitária (trinitária) se difunda no tecido da sociedade e
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chegue até a penetrar a própria criação material. É por isso que se diz que
Anglicanismo é, antes de tudo, “atitude e atmosfera” de vida, ou seja,
espiritualidade.
Não devemos, porém, esquecer que, ao falar de liturgia, estamos a
pensar sob a categoria de “sacramentalidade”. Ou seja, celebração
litúrgica é evento sacramental, a saber, símbolo da realidade da salvação
que age eficazmente, na vida das pessoas, da comunidade, da sociedade,
do cosmos. Celebramos as obras de Deus em nossa vida, em nós e por
nossas mãos. Como nos diz, expressamente, o Apóstolo São Paulo, “o
sacrifício vivo” é nosso corpo, isto é, nossas relações, ações e as estruturas
de organização que criamos, tudo isso consagrado a Deus. E esse ato de
consagração se revela, em sua verdade, quando se opera em nós a
“metánoia”, ou seja, a transformação profunda de sentimentos e
pensamentos e, por decorrência, de comportamentos, na medida em que
já não nos “con-formamos” (não assumimos a forma, não nos deixamos
modelar) às estruturas do sistema deste mundo (cf. Rm 12, 1-2).
Adoração se dá, antes de tudo, na realidade do dia a dia. Os antigos
teólogos falariam aqui de “res”, coisa, acontecimento, isto é,”nós em
Cristo”, vitalmente. No ato litúrgico, essa realidade (“res”) vem à tona,
conscientemente, mediante “sinais” (“sacramentum”), coisas e gestos que
revelam a realidade escondida no íntimo e no quotidiano da vida ordinária
no mundo. Enquanto se realiza aqui e agora a liturgia, quando os “sinais”
compõem o ato litúrgico, então, temos o que os medievais chamavam de
“sacramentum et res”, ou seja, os sinais no ato de revelar (tirar o véu) a
realidade que está em nós. Lutero formulava a mesma coisa, quando dizia
que, “postos os elementos (sinais), a Palavra de Deus constitui o
sacramento”, isto é, mediante os sinais e a Palavra, revela-se a graça
salvadora presente em nossa vida.
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É por isso que, na Igreja, no centro de tudo, tem de estar o amor
que restaura pessoas e situações de vida, como o mostram claramente os
evangelhos e se explicita de maneira particular na Primeira Epístola de São
João. A liturgia, o culto, não é o centro de tudo, pois o Cristianismo não é,
nem simplesmente nem acima de tudo, religião. Se assim se apresenta
hoje na sociedade, é resultado de um lamentável desvio, desde que a
Igreja cristã se tornou religião da sociedade grecoromana e, assim,
legitimação ideológica de sua organização social, política e cultural. Não é
o que vemos no Novo Testamento e, muito menos ainda, no
comportamento de Jesus. Naturalmente, como se dá com Jesus, o amor se
exerce por gestos e palavras, e, em dimensão estrutural, através da
diaconia sociopolítica da Igreja, marcada essencialmente por gestos e
palavras proféticas. É isto o que se celebra e, por celebrá-lo, se confirma a
decisão e o compromisso de agir, de lutar para que este mundo vença o
pecado e vá além de sua forma atual, modelada por poderes de opressão
(cf. Ef 6, 10-17; Cl 1, 16), e se transforme de acordo com os sonhos do
Criador: “E Deus contemplou o que tinha feito e disse: é muito bonito”
(Gn , 3 : é bom lembrar que, em Hebraico, “bom” e “bonito” são o
mesmo vocábulo; cf. 1Cor, 7, 31). Não é outra coisa o que vemos nas “0
Marcas da Missão”, formuladas pela Comunhão Anglicana há anos.
Nascida do anúncio das boas novas pela conversão das pessoas, a Igreja se
sente um povo convocado por Deus a reunir-se e se fortalecer como
comunidade de crentes, pela comunhão fraterna, a escuta atenta da
Palavra de Deus e a celebração da liturgia, particularmente dos
sacramentos. Mas esse não é o objetivo de sua existência, pois é enviada
por Deus ao mundo para, em favor dele, exercer a tarefa salvífica do
próprio Deus, revelada na vida e obra de Jesus de Nazaré: prestar serviços
de amor a quem necessita; lutar pela transformação das estruturas
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injustas da sociedade; zelar pelos recursos da criação, conservar e renovar
a vida na terra; e lutar para promover e garantir a paz. Assim, na liturgia,
celebramos e testemunhamos a maravilhosa obra de Deus, que se realiza
pelo poder do Espírito Santo, através de nós, e, deste modo, nos
confirmamos e fortalecemos na missão de Deus.
Tudo isto significa que liturgia é, essencialmente, evento simbólico
que se dá pela mediação de determinados instrumentos de comunicação
(posturas corporais, relações entre as pessoas, gestos, coisas, palavras,
rituais, etc ). Sua função, enquanto produto cultural (religioso), é servir a
um objetivo antropológico, social e político: expressar e, ao mesmo
tempo, reforçar, e até produzir e legitimar uma determinada visão do
mundo, o que equivale a uma especifica maneira de compreender a ação,
uma mentalidade, em outras palavras, uma espiritualidade, ou seja,
explicitar os motivos teologais da ação e das lutas da vida.
Daí decorrem duas perspectivas, a partir das quais a Igreja é
chamada a avaliar sua vida, as
relações e as instituições e,
particularmente, o culto com o qual tanto se ocupa: estamos a produzir e
manifestar uma vivência e visão do mundo de acordo com os padrões do
sistema estabelecido, de exploração, dominação e alienação¿ ou estamos
a promover a assimilação de atitude crítica que estimule a confrontar o
sistema estabelecido e, assim, encarnar a profecia bíblica, cuja finalidade
é denunciar a injustiça nas relações humanas e com o universo, e
anunciar novas possibilidades da realidade¿ Só assim se garante à vida
cristã sua dimensão escatológica de abertura ao futuro absoluto e
transcendente em relação às ”obras” já produzidas “por mãos humanas” e
ao presente como tal. A primeira perspectiva é o que a Bíblia designa
como “serviço aos ídolos”, a segunda é o “sacrifício de louvor” ao Deus
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vivo, interessado na salvação, a saber, na cura dos males, na restauração
da integridade das pessoas, em suma, na libertação e plenificação gloriosa
da imagem de Deus na humanidade.
3.
IMPORTÂNCIA DA LITURGIA
Temos de dedicar zelo, cuidado e reflexão à liturgia. Não porque
seja o que há de mais importante na Igreja, uma vez que o mais
importante é a prática do amor. Mas porque, através dela, é que aparece
ao povo a face mais visível da Igreja, mais pública e identificável. Isto é
assim porque o senso do religioso é espontâneo e fundamental na vida
das pessoas, celebrar dá prazer e é necessidade humana primária. Até
quem é ateu tem necessidade de celebrar a vida e manifestar sua
dimensão poética profunda, isto é, sua transcendência, mesmo que essa
não se refira a um Deus pessoal. De fato, é mediante a liturgia que a
Igreja, ordinariamente, mantém contacto com a população, pois é o
espaço aonde o povo acorre em maior quantidade e com mais freqüência.
E, em última análise, lamentavelmente, dependemos de uma já longa
tradição de fazer da liturgia uma das atividades, senão a atividade, mais
importante da vida da Igreja.
Como dito acima, liturgia é expressão poética, simbólica, de nossa
vida consagrada à obra de Deus. Em todo caso de amor é assim,
precisamos de símbolos e momentos simbólicos que manifestem e
confirmem os sentimentos que nos inspiram a mover-nos e agir. O
problema é que muita gente tem compreensão equivocada do que
significa “símbolo”. Quantas vezes já não temos escutado frases como
esta: “Ah, pensei que era real, mas é só símbolo”¿ Ora, “sým-bolos” quer
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dizer aquilo que nos conecta, une com outra coisa ou pessoa. O contrário
é “diá-bolos”, o que divide, aparta, separa. No caso, o “sinal” externo nos
conecta com a “realidade”, invisível, interior, vivida. Mas atenção, não se
trata de realidade distante que é apenas lembrada mediante o sinal, mas
de “realidade” presente, agora, perto de nós e em nós. Ao produzir o
“símbolo”, fazemos vir à tona o que está “realmente” presente, mas não
se mostra por si mesmo, só por nossos gestos e relações, por nós e em
nós. Os mistérios da fé: o amor de Deus como Criador e Pai; a condição
sublime de sermos, em Jesus, filhos e filhas; a ação redentora e
santificadora de Deus , mediante Seu Filho e o Espírito Santo; a presença
real de Cristo ressuscitado, vivo entre nós, como Cabeça do Corpo que
somos nós, e do universo inteiro (cf. Cl 1, 15-20)... tudo isto é realidade já
presente, mas “escondida com Cristo em Deus”, pois não se mostra por si
mesma, só por “sinais”.
Não é, porém, de admirar, pois também em nossas relações
humanas as realidades mais belas e profundas não se mostram por si
mesmas, só se revelam por sinais. Pensemos no amor. Não se mostra em
si mesmo. Está “presente” realmente, marca o mais íntimo de nós, move o
que somos e nosso agir, mas só aparece por gestos e relações. Beijar e
abraçar, por exemplo, não são o amor, são sinais exteriores que podem
revelar (sim, “podem”, porque correm o risco de ser falsos e significar até
mesmo traição, pensemos no beijo de Judas), podem revelar que o amor
está presente e, deseja, fazer-se visível. Em outras palavras, os símbolos
são sinais que nos conectam com a realidade atual e presente na vida,
mas escondida. É isto o que chamamos de “sacramento” ou liturgia.
“Símbolo” é o que faz vir à tona as dimensões mais profundas e mais
lindas da vida. Ao celebrar a Eucaristia, por exemplo, a Igreja não costuma
falar de “memória de Jesus”, justamente para não deixar que tudo se
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perca em mera “lembrança”. Faz questão de falar de “memorial”, noção
bíblica muito mais rica e que aponta para a presença da vida e da obra de
Jesus no momento atual de nossa vida. Não se trata de mera recordação,
mas de vivência atual do mesmo mistério revelado no passado, presente
agora em nós. O Ressuscitado está no meio de nós (cf. Jo 20, 19-29; 14,
22.28; 15, 1-17), é Emanuel (cf. Mt 1, 23).
É por isso que podemos acrescentar que a liturgia manifesta a
vocação escatológica do povo de Deus, a saber, aquele dinamismo, já
presente, que nos impulsiona na direção do futuro de Deus, pois Deus
presente entre nós já carrega e garante esse futuro. De repente, no
espaço e no tempo do mundo presente, no “santuário”, espaço que
reservamos simbolicamente para que aconteça o aparentemente
impossível, como que “o véu se rasga”, abre-se a cortina e, à semelhança
do que se narra em Apocalipse, nós nos sentimos participantes da liturgia
celestial, para além do tempo e do espaço quotidianos. Eis por que a
liturgia é espaço e momento particularmente estéticos, de beleza que
deve atingir todos os sentidos – olhos, ouvidos, olfato, tato, pele, gosto,
enfim, mexer com nossas emoções, desde o profundo das vísceras, e com
nossas relações com as pessoas e as coisas. Isto está a exigir que a
preparemos da melhor maneira possível, justamente como se faz com
obra de arte, de poesia, de teatro, de música, de dança... Há texto,
retórica, cenário, coreografia, arquitetura, escultura, pintura e ação de
personagens em cena. Sim, não esqueçamos, liturgia é “drama”,
expressão totalizante, concentrada, daquilo que se acha disperso e
fragmentado nos tempos da história passada e nas vivências do
quotidiano de agora. Como em bom teatro, tudo tem de chamar a
atenção para o que há de mais profundo na vida que se vive a cada dia.
Daí, a liturgia dever ser, simultaneamente, bela, poética e mística,
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“evento” estético, que recolhe e antecipa a ética e a política. Celebrar e
contemplar, “como se estivéssemos a ver o invisível “(cf. Hb , 27), deve
enviar a agir para que a Beleza se encarne no dia a dia da vida e do
mundo, pois “o Verbo se fez carne” (Jo 1, 14; cf. Pr 8; Sb 7).
Permita-se que fale de duas experiências pessoais. Durante o
período em que fui bispo na Diocese Anglicana de Pelotas, tive a felicidade
de ser, ao mesmo tempo, pároco de duas comunidades, sucessivamente.
Na primeira, o objetivo principal era suscitar o senso de participação, não
só na execução, o que já acontecia de maneira exemplar, mas também na
reflexão e na decisão; avivar nas pessoas o senso missionário; promover o
estudo bíblico; renovar o canto na liturgia. Experiência gratificante que
ainda hoje recordo com alegria e saudade. Na outra, o principal era
renovar a liturgia, mediante a constituição de uma “equipe de liturgia”.
Reuníamo-nos, cada segunda-feira à noite, para avaliar o culto do
domingo e planejar a celebração do domingo seguinte. Éramos uma
diácona, um ministro pastoral auxiliar, o primeiro guardião, a
coordenadora da UMEAB, mais um leigo e eu. Compartilhávamos as
leituras bíblicas e as comentávamos, como também recordávamos o que
estava acontecendo em torno de nós, na comunidade e na sociedade, em
vista de preparar a pregação; escolhíamos os cantos correspondentes;
cada qual se encarregava de uma determinada tarefa, inclusive da
pregação. Tudo devia acentuar o tema bíblico do domingo e levar a
comunidade ao compromisso ao qual a Palavra nos chamava como povo
em comunhão. Era bonito sentir como a congregação percebia que a
celebração não saíra de uma única cabeça, nem estava concentrada numa
só pessoa. Ou seja, a maneira de preparar a liturgia já era mensagem de
comunhão e participação, de intercâmbio de dons entre clero e povo.
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Sinto saudades daquele momento, quando experimentávamos o que o
povo gosta de dizer: “O melhor da festa é esperar por ela”.
4.
A LITURGIA, EXPRESSÃO DO QUE É DE FATO A IGREJA
Todos e todas nós conhecemos o clássico adágio do Catolicismo,
desde a Antiguidade, apropriado com muito zelo pela tradição anglicana:
“Lex orandi, lex credendi”. Isto quer dizer que na liturgia se revela o que
cremos, é espelho de nossa fé. Podemos acrescentar-lhe uma paráfrase e
dizer também: “Lex orandi, lex agendi”, na liturgia também se revela como
agimos, não é apenas espelho do que cremos, mas do que na realidade
somos. Ao celebrar, temos o retrato de como vivemos nossa vida na Igreja
e como Igreja.
A liturgia vai, necessariamente, mostrar se somos comunidade
aberta ao mundo e aos problemas da vida do povo, ou se somos um gueto
de gente piedosa; se somos um grupo de pessoas comprometidas com a
obra de Deus, ou apenas buscamos no culto consolo para nossas dores e
expressão de nossos sentimentos religiosos; se somos comunidade
alternativa ao sistema do mundo, onde se acolhem em pé de igualdade
gente rica e pobre, homens e mulheres, pessoas adultas, jovens e
crianças, gente madura na fé e neoconvertida; ou somos classistas,
sexistas, moralistas, gente cheia de preconceitos e excludente; se somos
uma roda de dons, onde se partilham serviços , carismas e bens, ou uma
pirâmide hierarquizada, conforme modelos de poder mundano; se somos
comunidade participativa na qual as pessoas leigas têm plena condição de
autoridade e criatividade, como “laós (povo) de Deus”, ou se somos um
“rebanho” controlado e dominado pelo clericalismo de pastores; se
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somos comunidade onde domina o personalismo do clero ou de pessoas
leigas influentes, ou, realmente, uma fraternidade vivida com alegria e
participação e sem constrangimentos; se somos um povo politizado, com
atitude crítica diante de qualquer sistema estabelecido, seja civil, militar
ou eclesiástico, ou uma massa acrítica e alienada; se somos gente com
profundidade espiritual, aberta culturalmente, preparada teologicamente
e capacitada metodologicamente, ou gente superficial, infantilizada,
despreparada. Na maneira como celebramos, infalivelmente, deixamos
transparecer a maneira de pensar a Igreja (teoria eclesiológica) e de viver
a Igreja (prática eclesial). Nossa práxis litúrgica (prática e teoria) será
reflexo da práxis eclesial (prática e teoria).
Se é assim, qualquer celebração litúrgica deve carregar algumas
características elementares: deve ser tradicional e inculturada, carregar
nossa herança de família e, ao mesmo tempo, testemunhar que nossos
olhos estão abertos ao contexto no qual estamos inseridos(as). Dom
Sherrill, bispo emérito e fundador de nossa Diocese, dizia certa vez, com
sabedoria: “Ser anglicano é, ao carregar nossa herança de família, fazer
em cada lugar onde estamos, com a iluminação do Espírito Santo, o de
que o povo necessita aqui e agora”; presidida (atenção, não “celebrada”)
pelo clero, mas celebrada pela comunidade toda, portanto, com a
qualidade verdadeiramente de “oração comum”, isto é, da comunidade.
Por isso, o que está no centro do espaço litúrgico é a mesa da refeição
comunitária, não a tribuna do pregador; bem preparada para que “faça
acontecer” e não seja apenas ato de recitação de um texto. Tem de levar
em conta as lições bíblicas com o tema central que propõem para cada
celebração, a situação em que se acha a comunidade no momento, e os
problemas da sociedade que nos envolve e, assim, seja cheia da vida;
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participativa, com tarefas do clero e do povo leigo, de tal modo que não
esteja centralizada, personalizada e clericalizada.
5.
LITURGIA É PEDADOGIA
Se “lex orandi, lex credendi”, a Liturgia é espaço privilegiado de
fortalecimento da fé e de aprendizagem e assimilação da mente da Igreja
(doutrina, catequese, teologia, prática conforme o Evangelho)). Por isso, é
imprescindível dar particular importância a sua função pedagógica que se
desdobra em três aspectos: deve formar para a koinonía (comunhão da
vida comunitária), deve ser disdaskalía (transmitir a doutrina da fé), e
deve ser mystagogía (introduzir ao mistério de Cristo revivido em nossas
vidas).
O mais elementar é o povo perceber o curso do Ano Litúrgico, ou
Ano da Igreja. Conhecer as várias diferentes quadras do Ano, saber de sua
importância e sentido. Sobretudo as quadras de Advento-Natal-Epifania e
a da Quaresma-Páscoa, concluindo-se com a festa de Pentecostes e o
Domingo da Trindade. Ao longo do ano se desenrola pedagogicamente,
mediante “drama”, o mistério da salvação, para que sejamos
introduzidos(as) nele e o assimilemos profundamente ao crescer na
identificação com Cristo. Ao celebrar o Ano Litúrgico, a Igreja nos convoca
a consagrar a Deus todo o curso de nossa vida, da sociedade e da própria
criação.
Que bom será se o povo cristão tiver em mãos as indicações do
Lecionário Bíblico para a leitura diária das Escrituras! Se tiver
conhecimento do Santoral para contemplar, no testemunho de santos e
santas, como pessoas humanas como nós têm vivido o mistério de Cristo,
de tal forma que em suas vidas resplandece a vitória da graça de Deus.
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Assim, são exemplo e estímulo para a caminhada, como o faz a Carta aos
Hebreus (cf. Hb 11-12). E há certos sinais ou costumes que, com
sabedoria, a tradição da Igreja tem conservado e que são pedagógicos,
como, por ex., a cor litúrgica para cada tempo; a diferença nos
paramentos entre as ordens; as velas e as flores; a coroa do Advento; o
presépio; as cinzas (ou outro sinal mais atual) para marcar o começo dos
exercícios quaresmais; o Domingo de Ramos com a evocação da entrada
de Jesus em Jerusalém, aclamado com ramos de palmeira; oTríduo Pascal
com a bênção dos óleos e a renovação dos votos ministeriais, que
deveriam ser do clero e do povo; o lavapés; a solenização da Ceia do
Senhor e sua relação com a ceia judaica; o desnudamento do templo; a
Vigília Pascal, “Mãe de todas as vigílias”, dizia Santo Agostinho, com a
cerimônia do fogo novo, do círio e da água para lembrar o batismo... Uma
outra tradição anglicana – não católica romana – é, durante a Quaresma,
abster-se de celebrar casamentos, por seu tom particularmente festivo, e
batizados, reservando estes últimos para a Vigília ou o domingo de
Páscoa, momento mais apropriado para batizar.
Um dois ministérios mais importantes na Igreja é o do canto e da
música, e a eles se pode associar o da dança. Digo sempre que o canto
está na mesma altura da pregação e, sob certo aspecto, acima dela. É que
a pregação, por sua própria índole, tem de apelar bastante para o
raciocínio, a reflexão, enquanto o canto e a música vão ao mais recôndito
das emoções. O sentimento é a região mais secreta, brota das vísceras, o
mais íntimo, a região dos afetos, dos desejos profundos, onde se acha
nossa dimensão erótica (do prazer) e a sexualidade.
Não se trata simplesmente de “tocar e cantar”, como se fosse só
enfeite ou entretenimento. O canto e a música na liturgia devem fluir da
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espiritualidade de quem dirige esse ministério. Devem ser fruto de
sensibilidade espiritual. Por isso, como se dá com o ministério pastoral, o
“ministério de louvor” exige de quem o carrega profunda coerência de
vida cristã: honestidade nas relações e nos negócios, vida de oração,
simplicidade, bondade, modéstia e humildade, delicada atenção às
pessoas e fina sensibilidade para perceber seus sentimentos e estado de
espírito. Muito para além de arte, é “espírito”, atitude ética e atitude
mística. Assim, o ministro ou ministra se prepara para enfrentar certas
tentações típicas que avançam, com freqüência e às vezes
sorrateiramente, sobre quem se põe à frente e, particularmente,
pastores(as) e ministros(as) de música. No caso destes(as), com o
agravante de que se trata de artistas: a vaidade, o encantamento consigo
mesmos(as) e com a própria obra, a concorrência, a dificuldade de
trabalhar em equipe, o personalismo, o exibicionismo e a facilidade para
impor seus próprios gostos e projetos...
Além disso, é ministério que supõe fina sensibilidade para
auscultar o estado de espírito da comunidade e sua realidade no que diz
respeito ao estágio de maturidade da fé e da prática cristãs. Seu encargo é
o de conduzir a comunidade a expressar pelo canto o que já vive e pensa,
seu jeito de crer e de praticar a fé. Mas é sua tarefa também ajudá-la a
sedimentar e aprofundar as convicções de fé. Além disso, o canto da fé
tem de ser profético, como se lê nas Escrituras (cf. Ex 15, 1-21; Jz 5; 1Sm 2,
1-11; 1Cr 16; Jt 16; Lc 1, 39-80; Mt 11, 25-27). Na mesma linha profética,
de louvar a Deus por proezas na história em favor de Seu povo e
sobretudo pela consolação e o levantamento de quem é pobre e abatido,
encontramos muitos textos nos livros proféticos e em diversos salmos.
Para isto, é necessário ousadia, assim como, ao mesmo tempo, agudo
senso de paciência pedagógica para conduzir delicadamente a
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comunidade a crescer na fé e perceber novas dimensões dos apelos de
Deus, particularmente ajudá-la a abrir-se a manifestar, pelo canto, o
compromisso da Igreja – de nós – com a “obra de Deus”, que é a
libertação das pessoas, particularmente do povo mais pobre e desprezado
pelos sistemas deste mundo. Em outras palavras, ministério de música é
carisma de inspiração, “faro” de pastor e instinto profético.
Finalmente, não devemos esquecer que o ministério de música
não é para produzir “show musical”, objeto de enfeite ou de distração,
não é para chamar atenção para si, mas para servir na liturgia, ou seja, é
estímulo e auxílio a uma comunidade orante. Por conseguinte, é preciso
escolher o que cantar em cada quadra litúrgica. Há cânticos próprios de
Advento, tempo de espera; de Natal, alegria e louvor para celebrar a
Presença; de Epifania, revelação de Jesus a todos os povos; de Quaresma,
tempo de penitência, de intensificar a oração, a meditação da Bíblia e de
aprofundar a própria conversão; de Semana Santa e de Páscoa, celebração
da doação total de Jesus e de Sua Ressurreição. Deve mesmo haver
aqueles cânticos que só voltam cada ano na quadra litúrgica apropriada.
Não é para cantar qualquer coisa em qualquer tempo. Música litúrgica
tem tudo a ver com memória afetiva (o que se cantava em casa, ou na
infância, ou em determinados eventos de nossa história pessoal, familiar,
comunitária...), com discipulado, com formação bíblica, com catequese,
com conscientização e aprofundamento dos critérios do Evangelho, com
profecia e estímulo a comprometer-se com a obra de Deus na sociedade.
Tem tudo a ver com “nós”, e não apenas com “eu”...
Além de observar a quadra litúrgica, o canto tem de ser apropriado
a cada momento da celebração. Uma coisa é cantar na “entrada”, outra, é
preparar-se para confessar pecados; outra é louvar e agradecer pela
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generosa graça de Deus que se derrama em nossas vidas, outra, é cantar
para meditar, o salmo, por exemplo; outra é aclamar o Evangelho, santa
palavra de Jesus; outra é cantar para expressar nosso ofertório de vida e
bens; outra é celebrar nossa comunhão com Cristo e entre nós; outra é o
canto final de envio e de compromisso com a missão... Cada momentos
desses exige tipo de canto diferente.
Há certas Igrejas aonde nunca se chega com atraso, pois o culto
está sempre, de certo modo, a recomeçar: canto, leitura, palavra,
testemunho; de novo, canto, leitura, pregação, canto... Em nosso Igreja,
no entanto, a celebração da Santa Eucaristia tem um ritmo próprio, de
acordo com duas linhas dinâmicas. Uma corre em ritmo ascendente, cada
parte do culto vai conduzindo a comunidade ao ápice que é a Grande
Oração Eucarística e a santa comunhão. A outra linha corre em ritmo
circular, tudo deve girar em redor do tema bíblico do dia. O canto litúrgico
deve levar em conta essas duas linhas. De um lado, conduzir a
comunidade a dirigir-se à mesa, ao momento sublime da Ceia do Senhor,
para participar do mistério da Paixão e da Ressurreição de Jesus. Santa
Ceia não é apêndice à liturgia da Palavra. Daí, a importância do cântico de
ofertório, de comunhão e de envio, que contribuem como pedagogia
“mistagógica” (que introduz ao mistério da fé). Doutro lado, o canto deve
levar a comunidade a assimilar o tema bíblico proposto pelas leituras e
pela homilia, deve cumprir a função de “eco” da palavra bíblica e, assim,
ajudar a comunidade a interiorizá-lo e aprofundá-lo, enquanto o recebe
sempre de novo, de variada forma, ao longo da celebração, já desde o
processional de entrada, passando pelo canto de confissão, o louvor, a
aclamação ao Evangelho, o ofertório, a comunhão até o envio. Destarte,
será fácil ao povo levar o tema bíblico na mente e no coração para toda a
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semana, fortalecido pela comunhão no Corpo do Senhor, presente entre
nós.
6.
CONCLUSÃO
Espero que esta reflexão, sobre princípios básicos da relação entre
liturgia e vida cristã, a jóia preciosa e “o corpo oferecido em sacrifício
vivo”, ajude a renovar em nós a compreensão mais plena da função do
culto como expressão e, ao mesmo tempo, confirmação de nosso
compromisso com “o brilho da glória de Deus” neste mundo. A esta
seguirá uma exortação pastoral para tratar de maneira mais concreta do
ordenamento do culto.
Recife, 24 de Junho de 2013,
Festa de São João Batista, Profeta Precursor de Nosso Senhor Jesus Cristo
+ Sebastião Armando, Bispo Diocesano
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