A “INOVAÇÃO” NA TEORIA ECONÔMICA: UMA REVISÃO
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A “INOVAÇÃO” NA TEORIA ECONÔMICA: UMA REVISÃO
A “INOVAÇÃO” NA TEORIA ECONÔMICA: UMA REVISÃO. Ricardo Lobato Torres, IE/UFRJ, [email protected] Área temática: Economia da ciência, tecnologia e inovação. Resumo O progresso tecnológico é um tema já abordado nos escritos de Smith, Ricardo e Marx, embora não como foco principal de análise econômica. Apesar da consciência da importância do progresso tecnológico nesses autores, o tema passou para segundo plano com a revolução marginalista na teoria econômica. Foi somente com Schumpeter que o progresso tecnológico voltou a ser estudado como um elemento fundamental para o desenvolvimento econômico em economias capitalistas. “Inovação” foi a palavra usada por Schumpeter para descrever uma série de novidades que podem ser introduzidas no sistema econômico e que alteram substancialmente as relações entre produtores e consumidores, sendo o elemento fundamental para o desenvolvimento econômico. Uma série de trabalhos foi realizada a partir dos anos 1930 para estudar a importância do progresso tecnológico para o desenvolvimento econômico. Muitos focaram nos efeitos do progresso tecnológico sobre as taxas de crescimento do PIB. Outros tentaram explicar o ganho de produtividade a partir do estudo de tecnologias específicas. O que presente trabalho propõe é apresentar uma breve revisão de conceitos fundamentais que foram desenvolvidos na literatura econômica, a saber: invenção, inovação, mudança técnica, mudança tecnológica e difusão de tecnologias. A partir dessa conceituação, são apresentados e discutidos dois grupos de trabalhos teóricos: aqueles que focaram em quantificar e teorizar sobre os efeitos do progresso tecnológico no crescimento econômico e aqueles que buscaram teorizar sobre o processo de inovação e difusão de novas tecnologias. Mesmo o trabalho seminal de Schumpeter careceu de uma teoria da inovação. Desenvolvimentos teóricos posteriores foram realizados, de forma que, hoje, há um entendimento maior sobre o processo de inovação, ainda que não haja consenso. O presente trabalho trata da discussão acerca das nuances do processo de inovação, embora não esgote toda a literatura. Palavras-chave: inovação, mudança tecnológica, difusão. 1. INTRODUÇÃO O progresso tecnológico é um tema já abordado nos escritos de Smith, Ricardo e Marx, embora não como foco principal de análise econômica. Em sua obra, A Riqueza das Nações, Smith usou o exemplo da produção de alfinetes para mostrar como a mudança na organização do processo de fabricação, com a divisão social do trabalho e a especialização dos trabalhadores em tarefas simples e repetitivas, aumentou significativamente a produtividade do trabalho (FAGERBERG, 2005). Em O Capital, Marx também explorou a importância do progresso tecnológico para a expansão do capitalismo. Chama atenção o fato de que sua unidade de análise não era o indivíduo, ou um inventor ou invenção específica, mas as instituições sociais. Raramente, afirmou Marx, o progresso tecnológico é resultado do esforço de um indivíduo específico. Ao analisar a evolução do artesanato, da manufatura e da revolução industrial, Marx observou que foram as oportunidades de lucros pela descoberta da América, pela expansão das rotas comerciais com a Ásia e Austrália, que estimularam o progresso tecnológico para a produção em volumes cada vez maiores. Marx foi também o primeiro a propor um modelo econômico de dois setores: um produtor de bens de consumo e outro de bens de capital. No processo de substituição da mão-de-obra na produção por maquinário, as próprias máquinas começaram a ser adotadas para a fabricação de novas máquinas, o que alterou substancialmente a forma de produção capitalista (ROSENBERG, 1976). Apesar da consciência da importância do progresso tecnológico nesses autores, o tema passou para segundo plano com a revolução marginalista na teoria econômica. A escola neoclássica buscou a formulação de modelos econômicos que pudessem ser representados matematicamente, com foco em variáveis como preços, quantidades e disponibilidade de fatores de produção (capital e trabalho), sendo as instituições sociais abstraídas dos modelos e a tecnologia reduzida a um coeficiente técnico de uma função de produção. Foi somente com Schumpeter que o progresso tecnológico volta a ser estudado como um elemento fundamental para o desenvolvimento econômico em economias capitalistas. “Inovação” foi a palavra usada por Schumpeter para descrever uma série de novidades que podem ser introduzidas no sistema econômico e que alteram substancialmente as relações entre produtores e consumidores, sendo, na definição do autor, o elemento fundamental para o desenvolvimento econômico. E neste ponto, Schumpeter se diferencia dos demais economistas de sua época, pois o desenvolvimento econômico não é tratado como sinônimo de crescimento econômico – este sendo resultado do aumento do emprego dos fatores de produção, como no caso do fluxo circular da vida –, mas representa um crescimento espetacular da produção concomitantemente que sua mudança estrutural, a partir do surgimento de novas tecnologias, produtos e indústrias (SCHUMPETER, 1934). Uma série de trabalhos foi realizada a partir dos anos 1930 para estudar a importância do progresso tecnológico para o desenvolvimento econômico. Muitos focaram nos efeitos do progresso tecnológico sobre as taxas de crescimento do PIB. Outros tentaram explicar o ganho de produtividade a partir do estudo de tecnologias específicas (Rosenberg, 1971). O objetivo deste trabalho é discutir, a partir de uma revisão destes estudos, conceitos fundamentais que foram debatidos na literatura, a saber: invenção, inovação, mudança técnica, mudança tecnológica e difusão de tecnologias. Esses conceitos estão associados a diferentes abordagens teóricas, porém, não é intenção deste trabalho dividi-las de acordo com escolas de pensamento. A proposta aqui é separar os estudos de acordo com aqueles que procuraram quantificar e teorizar sobre os efeitos do progresso tecnológico no crescimento econômico e aqueles que procuraram teorizar sobre o processo de inovação e difusão de novas tecnologias. O trabalho está assim dividido: na segunda seção, trabalha-se com a conceituação dos termos acima mencionados. Na terceira seção, apresenta-se uma breve revisão dos principais trabalhos que buscaram quantificar os efeitos do progresso tecnológico no crescimento econômico. Na quarta seção, são discutidas as elaborações teóricas relacionadas ao processo de inovação e de difusão de tecnologias. A quinta e última seção apresenta as considerações finais. 2. CONCEITUAÇÃO Na “Teoria do Desenvolvimento Econômico” (TDE), Schumpeter faz uma enfática distinção entre invenção e inovação. Para o autor, a invenção é a criação de um novo artefato que pode ou não ter relevância econômica. A invenção só se torna uma inovação se ela for transformada em uma mercadoria ou em uma nova forma de produzir mercadoria, e que seja explorada economicamente. A inovação refere-se a novas combinações de recursos já existentes para produzir novas mercadorias, ou para produzir mercadorias antigas de uma forma mais eficiente, ou ainda mesmo para acessar novos mercados. Schumpeter define cinco tipos de inovação: (1) novos produtos, (2) novos métodos de produção, (3) novas fontes de matéria-prima, (4) exploração de novos mercados e (5) novas formas de organizar as empresas (SCHUMPETER, 1934). Em sua teoria, dois elementos são essenciais para a inovação: o empresário e o crédito. Enquanto o primeiro é o agente transformador, ou seja, aquele que realiza as novas combinações, o segundo é o meio através do qual o empresário consegue obter recursos financeiros para adiantar o pagamento dos fatores de produção em uma economia em equilíbrio. Através da inovação, o empresário consegue oferecer novos produtos, produtos de melhor qualidade, ou a custos reduzidos, que lhe permite auferir lucros mais elevados do que os outros empresários. As expectativas de lucros “extraordinários” é o incentivo para inovar e a inovação é o motor do desenvolvimento econômico na teoria de Schumpeter. É a constante introdução de inovações que empurra a economia para além da fronteira de possibilidades de produção, isto é, para um crescimento além daquele de melhor alocação dos recursos de uma economia, como no caso do fluxo circular da vida. Por outro lado, os lucros extraordinários de uma inovação são temporários. Existe sempre a possibilidade de o inovador ser imitado pelos demais capitalistas, atraídos pela oportunidade de ganhos elevados. A imitação desencadeia um ciclo de investimentos por parte dos outros empresários que leva a difusão da tecnologia introduzida pelo empresário pioneiro. Durante esse ciclo há um crescimento econômico espetacular, que se interrompe quando os lucros extraordinários são diluídos entre os concorrentes, fazendo com que a economia encontre um novo ponto de equilíbrio (SCHUMPETER, 1934). Ruttan (1959) argumenta que a definição de inovação de Schumpeter se aproxima da definição de mudança técnica utilizada pelos economistas do crescimento. A mudança técnica pode ser entendida como a mudança no produto final utilizando-se as mesmas quantidades de fatores de produção (capital, trabalho, terra). Schumpeter parece deixar claro essa relação no seu livro Business Cycles, conforme expresso na citação do próprio Ruttan (tradução nossa): Vamos definir inovação mais rigorosamente por meio da função de produção [...]. Essa função descreve a maneira pela qual a quantidade de produtos varia se a quantidade de fatores varia. Se, ao invés da quantidade de fatores, variarmos a forma da função, temos uma inovação. [...] definiremos inovação simplesmente como o estabelecimento de uma nova função de produção. Isso cobre o caso de uma nova mercadoria bem como aqueles de uma nova forma de organização ou uma fusão, ou a abertura de novos mercados [...] (SCHUMPETER, 1936, apud RUTTAN, 1959). Como o próprio Ruttan conclui, essa é a praticamente a mesma definição usada por Sollow (1957). No entanto, convém ressaltar que, apesar disso, Schumpeter se diferencia dos autores neoclássicos de sua época quanto à definição da função de produção (que excluía o capital como fator de produção) e, mais importante, que ele rejeitava a possibilidade de mensurar os efeitos da inovação através de mudanças na função de produção. Para Schumpeter, a mudanças nos preços e o caráter não-neutro da inovação limitariam a capacidade de mensuração (RUTTAN, 1959). Por outro lado, Ruttan (1959) considera que a distinção entre invenção e inovação é menos relevante do que parece ser. Ao comparar os trabalhos de Usher (1955) e Schumpeter (1934), o autor sugere que ambos os conceitos podem ser combinados em um só. Os economistas geralmente associam à palavra “invenção” aquelas inovações que podem ser patenteadas. A solução de Usher foi definir invenção como o surgimento de “novas coisas” que requerem “atos de insight”, que vão além do exercício normal das habilidades técnicas ou profissionais (USHER, 1955). Então, para Ruttan, sob o guarda-chuva da “inovação” estariam todas as “novas coisas” nas áreas da ciência, da tecnologia e da arte. Assim, quando for necessária maior precisão na definição, o termo “inovação” poderia ser acompanhado de um adjetivo, como “inovação científica”, “inovação técnica”, “inovação organizacional”. A invenção seria apenas um subconjunto da inovação técnica, para a qual se pode obter uma patente. E, como a invenção pode ser explorada comercialmente, ela é comportada dentro do simples termo “inovação”. O termo “progresso técnico” (ou “tecnológico”) também é usual na literatura econômica. Para Rosenberg (1982), o progresso técnico pode ser entendido como o conjunto de conhecimentos que torna possível a produção, a partir de uma quantidade limitada de recursos, (1) de um maior volume de produtos ou (2) de produtos qualitativamente superiores. A importância da segunda parte da definição deve ser ressaltada. É comum o entendimento de que o progresso técnico trata-se do aumento do produto, mediante a mesma combinação de fatores de produção. No entanto, a criação de novos produtos, ou o surgimento de novas indústrias, é fundamental para o entendimento do desenvolvimento econômico1. Como exemplo, o autor cita o surgimento da ferrovia, do transporte marítimo movido à máquina a vapor e dos aviões a jato, como uma grande revolução nos meios de transportes. Nas palavras do próprio autor: “não se trata da produção mais eficiente de carroças, mas da produção de um produto qualitativamente superior e o gradual abandono do produto anterior”. Fica claro que o termo “progresso técnico” empregado por Rosenberg tem o mesmo sentido de inovação de Schumpeter, e que a questão do lançamento de novos produtos não é uma mera questão de mudança técnica. 1 No sentido que Schumpeter (1934) utilizou. Essa concepção remete à idéia de “destruição criadora” que Schumpeter em “Capitalismo, Socialismo e Democracia” (CSD). Para o autor, as inovações tecnológicas geravam descontinuidades nos produtos ou nas formas de produzir, ou seja, a criação de uma nova tecnologia levava a destruição da velha tecnologia (SCHUMPETER, 1942). Esse processo, no entanto, não é radical, como apontaram Usher (1955) e Ruttan (1957): a tecnologia antiga coexiste com a nova e há uma transição gradual. O conceito de inovação geralmente é desdobrado em dois tipos: inovação de produto e inovação de processo, sendo que este último englobaria as demais definições de Schumpeter (1934) que não novos produtos. Blaug (1963) e Rosenberg (1982) argumentam que a divisão inovação de produtos e inovação em processos é um tanto artificial. A produção mais eficiente de antigas mercadorias pode ser feita mediante o uso de um novo equipamento. No entanto, tal equipamento pode ser um novo produto introduzido pela indústria de bens de capital que melhora o processo produtivo das demais indústrias. Da mesma forma, melhorias no processo produtivo que reduzam os custos de produção podem viabilizar o lançamento de novos produtos. Apesar disso, ainda sobra o caso em que o simples rearranjo ainda não tentado da forma de produzir (inovação organizacional) dá margem para redução dos custos unitários. Assim, do ponto de vista analítico, “novas formas de fazer coisas antigas podem ser distinguidas das velhas formas de fazer novidades”. Portanto, uma inovação de processo pode ser definida como qualquer melhoria na técnica de produção que reduza os custos unitários da produção mesmo que os preços dos insumos não se alterem (BLAUG, 1963). Mudança técnica e mudança tecnológica são dois conceitos que merecem atenção. Muitas vezes esses termos são tratados como sinônimos na literatura, independente da escola de pensamento. A mudança técnica pode ser entendida como a alteração no produto final a partir do emprego da mesma quantidade de fatores de produção (como capital e trabalho), geralmente entendido como variações na produtividade dos fatores (SOLOW, 1957). Já a mudança tecnológica pode se entendida como o processo de invenção, inovação e difusão de uma tecnologia. Assim, mudança tecnológica pode ser entendida como sinônimo de progresso tecnológico ou progresso técnico, conforme definição apresentada acima (ROSENBERG, 1982). Convém destacar a questão da difusão das novas tecnologias e suas implicações sobre o sistema econômico que aparece nessa definição e está de acordo com a teoria de Schumpeter. Pode ocorrer que ganhos de produtividade – uma mudança técnica – seja resultado da mudança tecnológica, ou seja, que a introdução de novas tecnologias no sistema produtivo aumente a produtividade total dos fatores. Porém, é possível que a mudança técnica decorra de outras causas – como na existência de economias de escala crescente –, sem que haja qualquer mudança tecnológica. Assim, trabalhos como a teoria do crescimento de Sollow (1957) explicam a mudança técnica e não mudança tecnológica. Mesmo o trabalho de Romer (1990), intitulado Endogenous Technological Change, trata da mudança técnica, embora incorpore elementos relacionados à mudança tecnológica, como a qualificação da mão-deobra e pessoal dedicado à pesquisa e desenvolvimento, que podem ser interpretados como insumos necessários para geração de inovações2, mas não descrevem por completo o processo de invenção, inovação e difusão de novas tecnologias. Por outro lado, os economistas que se dedicam a explicar o processo de criação e difusão de novas tecnologias muitas vezes usam o termo mudança técnica para descrevê-lo. Para evitar essa confusão conceitual, serão seguidas, ao longo deste trabalho, as distinções supracitadas: mudança técnica para se referir a alterações na produtividade dos fatores de produção, e mudança tecnológica para descrever o processo de inovação e difusão de novas tecnologias em uma economia. A difusão de novas tecnologias é tão, ou talvez mais, importante do que a própria inovação. A capacidade de criar idéias novas é um passo necessário para o progresso tecnológico, mas sem a difusão, teria pouco valor para o estudo do desenvolvimento econômico. Se as inovações ficassem restritas a um grupo de indivíduos ou firmas específicas, os impactos sobre o total da economia poderiam ser irrelevantes. Mas, o amplo uso de uma nova tecnologia, com o uso de máquinas movidas a energia elétrica ao invés de queima de carvão ou outros combustíveis fosseis, por exemplo, é que permite a mudança técnica, descrita acima, em nível agregado (HALL, 2005). A difusão de inovações é um processo social conflitante. Do ponto de vista do inovador, é interessante manter o monopólio sobre uma inovação, pois isso lhe proporciona lucros extraordinários, conforme teorizado por Schumpeter (1934). Do ponto de vista social, uma nova tecnologia se amplamente utilizada, pode elevar o padrão de vida da sociedade, seja pela maior produção com o uso de menos recursos, seja pela produção de mercadorias de melhor qualidade, como definido por Rosenberg (1982). Além disso, a difusão não é um processo simples. A transferência de tecnologia pode ocorrer por imitação, licenciamento, engenharia reversa, compra de equipamentos com a nova tecnologia incorporada, etc. A forma de difusão vai depender da 2 Ambas as teorias serão revistas em detalhes na próxima seção. natureza da tecnologia, das possibilidades de apropriação (como direitos de propriedade intelectual), dos conhecimentos e capacitações necessários para sua incorporação, etc. Buscou-se, nesta seção, clarificar alguns conceitos fundamentais antes de prosseguir para a discussão dos efeitos e das causas da inovação. Em síntese, uma invenção pode ser entendida como a criação de uma nova idéia ou de novo conhecimento. Para os economistas, é comum associar a invenção a uma inovação patenteável, pois o próprio sistema legal de proteção dos direitos de propriedade intelectual utiliza esse termo. Sugeriu-se que o conceito de inovação é mais amplo do que uma invenção patenteável, sendo que esta pode ser incluída como uma dentre várias possibilidades de inovação. A inovação, portanto, se refere a novas combinações dos recursos ainda não tentadas, para utilizar a definição de Schumpeter (1934), e de acordo com sua natureza, pode receber um adjetivo complementar, como inovação tecnológica, inovação organizacional, etc., como sugeriu Ruttan (1959). Foi estabelecida ainda uma diferença entre mudança técnica e mudança tecnológica, sendo a primeira entendida como uma alteração no produto final a partir do emprego dos mesmos fatores de produção, e a segunda definida como o processo de invenção, inovação e difusão de novas tecnologias. Os termos progresso técnico e progresso tecnológico podem ser vistos como sinônimos da mudança tecnológica. Por fim, por difusão tecnológica, entende-se o amplo uso de uma nova tecnologia pelos agentes de uma determinada economia. Geralmente, a difusão ocorre por imitação, transferência voluntária ou a descoberta de outras aplicações para a nova tecnologia. 3. EFEITOS DA INOVAÇÃO O trabalho de Abramovitz (1956) foi um dos primeiros a tentar separar a contribuição dos fatores de produção (capital e trabalho) para o crescimento do produto dos Estados Unidos3. A teoria econômica geralmente atribui o crescimento do produto ao crescimento de ambos os recursos e ao aumento na produtividade dos fatores. Em seu artigo, Abramovtiz observa que, no período de 1870 a 1953, o produto nacional líquido per capita praticamente quadriplicou, enquanto a população e o capital per capita triplicaram. Esses dados sugerem que o incremento não se deve apenas ao aumento na disponibilidade de recursos, mas também de outro elemento, nomeadamente, ganhos de produtividade. Em um exercício experimental, estabelecendo a produtividade constante em um período base, observa-se que o crescimento total dos fatores foi de somente 14 por cento. Para que o produto atingisse o nível quatro 3 Tentativas anteriores, mas para períodos de tempo mais curtos, foram conduzidas por Simon Kuznets (1952). vezes maior do que nos anos 1870, a produtividade total dos fatores deve somar, então, um crescimento de 250 por cento. O autor reconhece as limitações das estatísticas e até mesmo dos conceitos, como a formação bruta de capital fixo, que é uma definição limitada para o estoque de capital da economia. O processo de urbanização, incorporação do trabalho feminino, retirada de crianças e adolescentes e idosos da produção pela regulamentação do trabalho, entre outros fatores, também modificaram substancialmente a composição, não adequadamente captado pelas estatísticas de população ou horas de trabalho. As dificuldades de mensuração podem levar a uma subestimação do papel do aumento do estoque de capital e da força do trabalho no crescimento do produto e superestimar a contribuição dos ganhos de produtividade. Por outro lado, Abramovitz não nega que, mesmo que esses problemas pudessem ser superados, ainda haveria um papel importante para os ganhos de produtividade, cujas causas deveriam ser mais profundamente estudadas. Abramovtiz argumenta que uma porção do crescimento – e talvez uma porção crescente – esteja associada a gastos específicos na economia, como investimento de recursos em pesquisa, educação e saúde, que resultam nos ganhos de produtividade, tanto do trabalho, quanto do capital. Nas palavras do próprio autor (tradução nossa): [...] podemos, eventualmente, ser capazes de atribuir com precisão a contribuição de cada um desses recursos à medida que aprendermos a traçar a conexão entre esse investimento no conhecimento e sua contribuição marginal social [...]. Além deste ponto, no entanto, existe o crescimento gradual do conhecimento aplicado que é, sem dúvida, o resultado da atividade humana, mas não desse tipo de atividades que envolvem a escolha custosa que nós pensamos como insumo econômico (ABRAMOVITZ, 1956). O trabalho de Solow (1957) propõe uma maneira simples de separar as variações no produto per capita em função da mudança técnica e da mudança na disponibilidade dos fatores de produção (capital e trabalho). A base teórica é dada pela seguinte função de produção agregada: Onde representa o fator acumulado de mudança técnica ou fator tecnológico, insumos de capital físicos e insumos de trabalho. A formulação acima pressupõe que a mudança tecnológica é neutra, ou seja, afeta a produtividade de ambos os fatores e na mesma magnitude. Partindo do pressuposto de retornos constantes de escala, pode-se definir que o produto por trabalhador é dado por: Onde , , , mostrando que as variáveis explicativas do produto por trabalhador, que é uma proxy do produto per capita. Tratado em termos de variação percentual, a equação acima pode ser rescrita, após algumas manipulações algébricas, da seguinte maneira: Onde é a variação do produto por trabalhador, participação relativa do capital4 e variação no fator tecnológico, éa é a variação do capital por trabalhador. A equação acima representa, portanto, a variação percentual do produto por trabalhador como função da variação percentual do fator tecnológico e do capital por trabalhador, este ponderado pelo coeficiente . Assim, com um exercício econométrico, pode-se estimar a contribuição da mudança tecnológica ao longo do tempo. Solow fez essa estimativa para a economia estadunidense no período de 1909 e 1949, usando dados do PNB e de FBCF5, este ponderado pela participação dos rendimentos de propriedade na renda nacional, sendo o fator tecnológico obtido por resíduo. Seus resultados sugerem, apesar de todas as considerações metodológicas que devem ser levadas em conta, que o PNB per capita estadunidense dobrou ao longo do período, sendo que a contribuição da mudança técnica respondeu por 87,5%, enquanto o incremento no capital por trabalhador respondeu por apenas 12,5% da variação do produto per capita. Como conclui o próprio autor (tradução própria): É claro que isso não significa dizer que a taxa observada de progresso técnico seria persistente se a taxa de investimento tivesse sido muito menor ou reduzida a zero. Obviamente muitas, se não quase a totalidade, das inovações devem estar embutida em novas plantas e equipamentos a ser realizado, afinal (SOLOW, 1957). Ambos os trabalhos anteriores apresentam medidas da contribuição da mudança tecnológica para como um resíduo. Dentro da conceituação discutida na seção anterior, esses modelos mostram, na verdade, a medida da mudança técnica, que pode ser decorrente, ao menos em parte, de uma mudança tecnológica ocorrida no período de análise dos autores. 4 Pressupõe-se também que os fatores são remunerados de acordo com sua produtividade marginal. Assim, a participação do capital foi mensurada pela participação das remunerações de propriedade no total das remunerações na economia estadunidense (SOLOW, 1957). 5 Formação bruta de capital fixo. Portanto, os modelos teóricos em que se baseiam adotaram a mudança tecnológica como exógena. Em uma tentativa de elaborar um modelo de crescimento econômico em que a mudança tecnológica fosse explicada internamente foi realizada por Romer (1990). A formulação teórica do autor parte de três premissas: (1) a mudança tecnológica é o coração do crescimento econômico; (2) a mudança tecnológica decorre da ação intencional das pessoas de acordo com incentivos no mercado; e (3) o custo de criar uma invenção é fixo, mas ela pode ser usada varias vezes sem custos adicionais. O componente de nível tecnológico do modelo apresenta dois componentes distintos: o primeiro é o invento em si, cujas instruções uma vez criadas, podem ser reproduzidas sem custos relevantes. Ou seja, o conhecimento novo gerado pelos seres humanos pode ser reproduzido sem custos. Isso daria um caráter de bem público ao conhecimento: não rival e não exclusivo. Os direitos de propriedade intelectual alteram em parte essa natureza: o conhecimento continua não-rival, mas é exclusivo por determinação da lei. Porém, a transformação das instruções, ou do conhecimento, em uma mercadoria ou uma forma de produzir, efetivamente, demanda habilidades profissionais do trabalhador. O trabalhador qualificado, em si, é tanto rival quanto exclusivo, já que não pode trabalhar em várias empresas ao mesmo tempo. Portanto, existe um componente do nível tecnológico que tem as características dos bens econômicos tradicionais e, portanto, pode ser explorado economicamente, servindo de incentivo à mudança tecnológica para a iniciativa privada. A este componente, Romer denomina de “capital humano”, que é justamente a habilidade e conhecimento profissional dos trabalhadores. Toda atividade devotada para o avanço do conhecimento que determina o nível tecnológico apresenta dois efeitos: um efeito spillover, ou seja, parte do conhecimento é tornada pública, e um efeito restritivo, que impacta na concorrência empresarial, que permite o ganho de algum grau de monopólio para a empresa inovadora. É justamente esse efeito restritivo que torna atrativa a atividade inventiva por parte das empresas. Em ambos os casos, quanto maior a atividade inventiva e o capital humano, maiores devem ser os efeitos sobre o crescimento do produto de uma nação. O modelo de crescimento de Romer (1990) é representado da seguinte maneira: Onde é o produto da economia, é o estoque de capital, o número de trabalhadores e é um parâmetro com valor entre 0 e 1. é o estoque de idéias, é Além disso, o estoque de idéias, que é o parâmetro responsável pela produtividade dos fatores de produção (capital e trabalho) é determinado por: Onde é o número de trabalhadores dedicados à atividade de descoberta de novas idéias (em P&D, por exemplo) e é a taxa à qual eles descobrem novas idéias. Portanto, dá o total de trabalhadores de uma economia. Assim, o progresso tecnológico será mais intenso quanto mais pessoas tiverem empregadas em atividades inventivas e quanto maior o número de idéias que essas pessoas conseguem descobrir. Obviamente existe um limite para a primeira condição, pois ao empregar pessoas em atividades inventivas, reduz o número de pessoas empregadas em atividades produtivas. Então, empregar 100% do pessoal em atividades inventivas representaria produção nula. Esse modelo tem algum respaldo na observação empírica: países com maior nível de renda costumam a ter maior número de pessoas empregadas em atividade de P&D, bem como tendem a gastar mais nessa atividade, em termos relativos ao total de trabalhadores e ao PIB, respectivamente. Apesar dos avanços em relação às elaborações teóricas anteriores, o modelo assume que as inovações são resultado da dedicação exclusiva de pessoas à descoberta de novas idéias, como aquelas que trabalham em departamento de P&D de empresas, em universidades ou institutos de pesquisa. Porém, em uma conceituação mais ampla de inovação, como em Schumpeter (1934), a atividade inventiva, como P&D, é apenas uma fonte para o progresso tecnológico. Outras inovações podem surgir no âmbito da produção, a partir do aprendizado dos trabalhadores6, por exemplo. Além disso, o modelo trás a concepção de que uma inovação surge a partir dos esforços científicos para depois serem empregados na produção e finalmente comercializados no mercado, o que o aproxima da idéia do chamado “modelo linear de inovação” que será discutido na próxima seção. 4. PROCESSO DE INOVAÇÃO Schumpeter (1928) buscou demonstrar que o capitalismo possui uma força interna que gera uma instabilidade no próprio sistema. Essa instabilidade não é aquela causada por fatores políticos e sociais, como uma guerra mundial, ou por fatores externos, como a abertura ou acesso a novos mercados consumidores no exterior. Trata-se da dinâmica de novas combinações de recursos e fatores de produção, não tentadas anteriormente, que resultam em 6 Conforme elaboração teórica de Arrow (1962a). novos produtos ou novas técnicas de produção e comercialização de mercadorias. Tais inovações normalmente têm como efeito a geração de lucros extraordinários, ou quase-rendas, para o inovador, ainda que possam ser temporários – à medida que a imitação por parte dos outros capitalistas leve à competição e à queda da taxa de lucro. Essa concepção da inovação se afasta da análise econômica tradicional, que assume uma curva de demanda negativamente inclinada e uma curva de oferta positiva inclinada, em que o efeito das “externalidades” seria apenas o descolamento de tais curvas. Na verdade, a proposta de Schumpeter é que, com inovações, a função agregada de produção é constantemente alterada, gerando contínuos desequilíbrios. Schumpeter (1928) não rompe completamente com a idéia de equilíbrio, mas trabalha com o conceito de ciclos de negócios. A introdução de um novo produto e de uma nova técnica de produção ou de comercialização proporciona ao inovador uma quase-renda. Os demais capitalistas ao se aperceberem disso, passam a copiá-lo. Produtos ou métodos antigos de produção coexistem, até que sejam completamente substituídos ou que se ajustem a participação relativa de cada um (antigo e moderno). A inovação gera, portanto, um distúrbio no equilíbrio, mas à medida que os demais capitalistas respondem ao “choque” imposto pelo inovador, a economia tende a caminhar para um novo equilíbrio, até que o ciclo se repita com a introdução de inovações subseqüentes. No capitalismo competitivo, o inovador é o empresário individual (TDE). No capitalismo monopolístico, o inovador é a grande corporação (CSD). Schumpeter (1928) usa essas duas denominações para separar os períodos históricos do capitalismo entre os primórdios (mais precisamente de meados XVIII, também denominado de capitalismo industrial), do período mais recente (final do século XIX e início do século XX). Apesar de explicar a importância da inovação para o desenvolvimento econômico e de endereçar os atores responsáveis pela introdução de inovações no sistema econômico, Schumpeter não elaborou uma teoria de inovação propriamente dita. Solo (1951) faz algumas críticas incisivas à teoria da inovação de Schumpeter. Em primeiro lugar, a economista discorda da distinção, e principalmente, da possível desconexão, entre invenção e inovação. Todo estado da arte inclui o conhecimento tecnológico potencial e o efetivamente em uso, argumenta. Assim, se “invenção” é definida como a criação de novo conhecimento, a mudança tecnológica resulta da aplicação desse novo conhecimento (ou do seu efetivo uso), que Schumpeter chama de “inovação”. Mas este não pode ocorrer sem aquele. Em segundo lugar, argumenta que Schumpeter não explica a origem da inspiração do empreendedor para realizar novas combinações. Schumpeter explica que pode haver situações em que o inventor e o empreendedor sejam a mesma pessoa, mas que raramente este é o caso. O empreendedor é aquela que realiza novas combinações, reúne os fatores de produção necessários para a criação do novo – nova empresa, novo produto, novo processo produtivo, etc. Mas tal ação não é possível sem a invenção prévia. Mesmo que o empreendedor seja aquele que explore de forma comercial uma invenção, ele deve obter a idéia de algum inventor, possivelmente comprando os direitos de propriedade intelectual. Assim, haveria um mercado para invenções e, mais importante, uma relação entre a invenção (muitas vezes associada à pesquisa científica básica) e a introdução da inovação em si no mercado. O segundo ponto fundamental de sua crítica é a observação de que as atividades de introdução de novos produtos ou processos, ou melhoramentos dos antigos, são parte integrante da competição empresarial. A concorrência via preços é apenas parte das “armas” disponíveis para enfrentamento no mercado: a inovação é talvez a principal forma de competição capitalista. Assim, todas as empresas naturalmente se esforçam para inovar por três razões básicas: usar suas inovações na competição, diminuir os riscos da empresa e tentar garantir a sobrevivência de longo prazo e o crescimento da firma. Solo argumenta que as empresas mantêm a atividade de pesquisa e desenvolvimento e que, embora Schumpeter reconheça esse fato no CSD, ele ainda não abandona a idéia de que o novo homem de negócio (empreendedor) é fundamental para a introdução da inovação, mesmo dentro das grandes corporações. Como parte da atividade rotineira, afirma Solo, a inovação não requer necessariamente novas empresas e novas instalações, as invenções e sua aplicação podem ser feitas pelas empresas já estabelecidas, já que esta estratégia faz parte da natureza da competição empresarial. Nesse aspecto, sua crítica está orientada mais para a idéia de que a inovação não é, sem si, um fator “perturbador” do equilíbrio, já que todas as firmas usam da inovação como uma forma de competição. Por outro lado, reconhece que a análise tradicional da competição (via preços) não dá conta de explicar a verdadeira forma de concorrência empresarial e, portanto, a obra de Schumpeter tem o mérito de endereçar a verdadeira força da expansão capitalista (Solo, 1951). Dois trabalhos foram fundamentais para descrever a importância das invenções e, em especial, da pesquisa científica básica para o progresso tecnológico. O primeiro foi o artigo de Nelson (1959). Para o autor, a pesquisa básica apresenta natureza distinta, embora relacionada, com a pesquisa aplicada. Enquanto a segunda está voltada para a solução de um problema prático, a primeira está associada ao avanço no conhecimento. Geralmente, a pesquisa básica é mais livre, e seus objetivos não são claramente definidos antes do início de um projeto. Por esse motivo, a pesquisa básica possibilita o redirecionamento da atenção dos pesquisadores para novos caminhos não previstos anteriormente. As revoluções científicas decorrem muitas vezes dessas mudanças de trajetórias e quase sempre são dependentes do conhecimento científico desenvolvido até o momento. As grandes mudanças dependem revoluções científicas, como no caso da telecomunicação por ondas de rádio ou da produção de vacinas. Por outro lado, os resultados da pesquisa básica são incertos e a transformação do novo conhecimento em uma invenção útil para sociedade e mesmo em uma mercadoria pode apresentar um grande intervalo de tempo. Por essas características, argumenta Nelson (1959), a pesquisa básica tem sido financiada, em sua grande maioria, pelos governos e por instituição sem fins lucrativos, como as universidades. Apesar disso, algumas firmas se envolvem na pesquisa básica. Geralmente, são aquelas que possuem uma ampla base de conhecimento científico. Como a pesquisa básica pode dar origem a descobertas não planejadas, as empresas que dominam os princípios científicos podem usufruir dos benefícios da nova trajetória, ao transformar o novo conhecimento em novo produto ou processo produtivo. Já firmas com base de conhecimento restrita, preferem focar seus esforços em pesquisa aplicada, orientada para a solução de um problema prático, cujo resultado e foco da pesquisa podem ser estabelecidos ex-ante. Embora muitas invenções ocorram sem a necessidade da pesquisa básica, outras são dependentes das revoluções científicas. Deve haver um limite para as inovações por esforços sistemáticos de atingir um objetivo prático particular. Nelson (1959) defende que a pesquisa científica está cada vez mais acoplada às invenções. Nem toda pesquisa científica está associada à solução de problemas práticos, algumas estão focadas apenas no avanço do conhecimento. Mas a relação entre conhecimento puro e aplicação prática não é binária, há um espectro entre esses dois extremos. À medida que se avança em direção à pesquisa básica, aumenta o grau de incerteza sobre os resultados, e as metas são pouco claras e menos relacionadas a um problema específico do ponto de vista prático. Essas características reduzem os incentivos privados ao investimento em pesquisa básica. Por outro lado, há uma maior probabilidade da pesquisa básica gerar ganhos substanciais de externalidade, o que justificaria, do ponto de vista social, a orientação de recursos para esse tipo de pesquisa. Isso porque o novo conhecimento pode ser de grande valor como um insumo chave para outros projetos de pesquisas, como aqueles aplicados a solução de problemas práticos. E a possibilidade de se apropriar do resultado de tais soluções práticas faz com que as firmas concentrem seus esforços na pesquisa aplicada. O segundo trabalho a explorar o papel das invenções e da pesquisa básica no sistema econômico foi de Arrow (1962b). O autor define a invenção como a produção de informações. Se pensássemos na informação como uma mercadoria, existiriam problemas para a sua comercialização decorrente de três fatores: incerteza sobre os resultados da atividade inventiva, indivisibilidade da informação e a capacidade apropriação da informação. Dada a incerteza dos resultados, os recursos alocados para a sua produção pela iniciativa privada seriam menores do que o socialmente desejado, mesmo que mecanismos de proteção (seguros) ou de repartição dos custos fossem adotados. Além disso, a comercialização da informação apresenta um problema associado à indivisibilidade entre a informação em si e a informação necessária para saber se aquela informação é valiosa ou não, do ponto de vista da demanda. Portanto, seria impossível precificar, ex-ante, a informação, sem saber o que a informação realmente é. Mas, ao divulgar a informação, o inventor não conseguiria apropriarse dos seus benefícios, já que ela se tornaria um bem público. As patentes resolvem apenas em parte esse problema. Ao garantir os direitos de propriedade intelectual de uma determinada invenção, as patentes permitem a divulgação e a comercialização da informação. No entanto, apenas um número restrito de invenções pode ser codificado e registrado sob forma de patente. Assim, ainda haveria um espaço para sub-alocação de recursos em atividades inventivas, associada à incapacidade de apropriação dos benefícios do invento. A informação, além de ser um produto da atividade inventiva, poder ser um insumo para ela mesma. Mas, dada a incerteza dos resultados, em cada etapa de decisão sobre os caminhos a seguir, menor o leque de possibilidades de trajetórias possíveis e maior a dependência de informações anteriores, o que concentra o risco das atividades inventivas. Por esses motivos, Arrow conclui que o esforço inventivo da iniciativa privada é menor do que o socialmente desejado, e que esse espaço pode ser preenchido pelo governo, universidades e institutos de pesquisa, cujo incentivo à atividade inventiva não reside exclusivamente na exploração comercial de seus resultados (como é o caso da pesquisa básica). Assim, a partir da concepção teórica de Nelson (1959) e Arrow (1962b) pode-se entender que, se não a totalidade, boa parte das inovações relevantes são decorrentes de avanços científicos. Um trabalho empírico da mesma época, no entanto, apontou em outra direção. Schmookler (1962), ao estudar a relação entre as invenções (medida pelo número de patentes) e o produto (medido pela formação bruta de capital fixo) em algumas indústrias, como a do refino do petróleo e da produção de equipamentos de transporte ferroviário, observou uma correlação estatística entre essas variáveis, verificando que tanto no longo prazo, quanto em períodos mais curtos, o comportamento dos dados era semelhante, com pequena tendência do número de invenções aumentarem após o aumento do produto. A partir dessa observação empírica, Schmookler (1962) descarta a tese de que as invenções precedem as vendas, ou seja, que o “modelo linear” da descoberta científica, ou dos gastos em P&D, precede o lançamento de novos produtos. Assim, parece haver um fator externo que condiciona o comportamento tanto das vendas quanto do esforço inventivo. O autor defende que a demanda da sociedade exerce influência determinante sobre a atividade inovadora. O autor argumenta que a atividade inventiva requer gastos e pessoal empenhado na pesquisa, desenvolvimento e melhoramento de produtos. Esse custo só é efetivamente realizado, no entanto, se existe perspectiva de retorno sobre os custos incorridos nos esforços inventivos. Assim, poucos inventores podem, em um primeiro momento, lançar novos produtos no mercado. Mas geralmente, esses protótipos necessitam de melhoramentos. A partir do momento que há perspectiva de vendas e pressão social para melhoramentos daquele novo produto, as empresas passam tanto a comercializá-lo quanto a buscar formas de melhorá-lo. Com mais pessoal empregado e maior volume de vendas, tem-se tanto mais pessoas envolvidas na atividade inovativa, quanto recursos financeiros para isso (mesmo que percentual, como o aumento das vendas, o montante de recursos dedicados a P&D se eleva). Portanto, nas palavras do próprio Schmookler (tradução nossa): “o ponto essencial é que o incentivo para fazer uma inovação, como o incentivo de produzir outra mercadoria qualquer, é afetado pelo excesso de retorno esperado sobre os custos esperados”. Enquanto o custo do esforço inventivo pode ser considerado fixo, os retornos de tal investimento variam com as circunstâncias. Então, a decisão de incorrer em custos com a atividade inventiva depende da existência, potencial ou efetiva, de demanda social por uma invenção. Esses e outros trabalhos deram origem a um intenso debate sobre a direção da inovação tecnológica: se os avanços científicos permitiam as inovações no sistema econômico ou se as necessidades sociais (ou a demanda) direcionavam os esforços inventivos. O trabalho de Freeman (1979) encerra essa discussão mostrando que o processo inovativo é mais complexo do que ambas as linhas de pensamento pressupõem. O autor argumenta que a importância da demanda para guiar a inovação depende das mudanças nos ciclos (surgimento, crescimento e declínio) e descontinuidades das indústrias. Partindo de um estudo da indústria química – fabricação de produtos de plástico, mais especificamente – mostra que houve uma mudança no padrão de inovação: de novos produtos para melhoria nos processos e nos produtos. No surgimento da indústria química, os avanços científicos foram fundamentais para as inovações. À medida que a indústria cresceu e foi maturando, foram as necessidades dos consumidores que passaram a guiar os esforços inovativos. Além disso, Freeman (1979) argumenta que a relação entre ciência, tecnologia e inovação é distinta em cada setor de atividade. Essa idéia deu origem à taxonomia desenvolvida por Pavitt (1984), que propôs uma classificação de setores econômicos de acordo com a criação ou incorporação de inovações tecnológicas, estabelecendo quatro categorias. A primeira é denominada de setores dominados por fornecedores, ou seja, aqueles setores cujo avanço tecnológico não é gerado por si mesmo, mas depende de avanços dos fornecedores de insumos e maquinaria. É o exemplo da agricultura, que depende de avanços tecnológicos em fertilizantes, sementes e tratores para aumentar a produtividade. Outra categoria são os setores intensivos em escala, em que as fontes de inovação são tanto internas quanto externas. É o exemplo da indústria automobilística, em que avanços de design e engenharia são criados internamente, mas outras inovações podem ser promovidas por fornecedores ou em parcerias com estes. A terceira categoria é formada por fornecedores especializados, como é o exemplo dos fabricantes de bens de capital. A característica principal de inovação é o conhecimento tácito acumulado pela especialização na produção de uma pequena linha de produtos. Por fim, os setores baseados em ciência, onde pode se enquadra a indústria farmacêutica, em que o processo inovativo depende de pesquisa científica básica. Mais importante do que a inovação original, no entanto, é a difusão da inovação. Geralmente o processo de difusão é lento, somente empregado quando o custo de sua implementação é menor do que os custos de manter a tecnologia antiga. Além disso, o impacto sobre a produtividade agregada será maior ou menor de acordo com o emprego da nova tecnologia em vários setores da economia. As relações inter-setoriais também são importantes. Por exemplo, a melhoria nos transportes, pode aumentar a produtividade em outros setores, como na agricultura (escoamento e preservação da produção). Uma inovação isolada, portanto, não é responsável pelo aumento da produtividade. Mais importante é a capacidade de gerar inovações em uma economia, a capacidade de gerar soluções alternativas e complementares que promovam o progresso técnico de maneira generalizada (Rosenberg, 1982). Difusão é o termo usado para descrever o processo pelo qual indivíduos e empresas de uma sociedade adotam uma nova tecnologia, ou substituem uma tecnologia antiga por uma mais nova. A difusão não é apenas a ampla utilização de uma nova tecnologia que é útil para a sociedade, ela é parte do processo de inovação e envolve o aprendizado, a imitação e o feedback em torno da inovação original (HALL, 2005). Griliches (1960) foi o primeiro economista a estudar a difusão de sementes híbridas de milho nos EUA. Seu estudo enfatizou o papel dos fatores econômicos como os lucros esperados e a escala de produção para determinar as diferentes taxas de difusão da semente híbrida no país. O autor verificou que a variação na data inicial de seu uso dependeu da velocidade em que as sementes foram adaptadas para o uso em regiões geográficas específicas. Isto é, a difusão dependeu, em certa medida, da capacidade dos fornecedores em adaptar as sementes às condições locais, o que mostra que a tecnologia original sofre alterações no processo de difusão. Outros estudos observaram comportamento semelhante na difusão de outras tecnologias de tal forma que se tornou um fato estilizado que a adoção de uma nova tecnologia, se representada graficamente ao longo do tempo, apresenta uma curva em formato de “S”. Isso implica que o ritmo de difusão é lento no início, acelerando-se rapidamente após um tempo, e então declinando, conforme a nova tecnologia esteja saturada ou outra tecnologia mais nova esteja iniciando um processo de substituição. O Gráfico 1, a seguir, apresenta um exemplo da adoção do motor elétrico na indústria estadunidense. Como apontado, a saturação ocorreu por volta de 90%, provavelmente porque para usos especializados outros tipos de motores podem ser preferidos (HALL, 2005). Gráfico 1 – Adoção de motores elétricos na indústria estadunidense. Fonte: Hall (2005). O trabalho de Mansfield (1961) procurou explicar como e quanto tempo leva para que uma inovação, uma vez introduzida por uma empresa, seja imitada pelas demais. Sua elaboração teórica propunha que a probabilidade de uma empresa introduzir uma nova técnica é uma função crescente da proporção de empresas que já a adotaram e da rentabilidade de fazê-lo, e uma função decrescente do tamanho o investimento necessário. O autor aplicou seu modelo a doze invenções em quatro setores industriais distintos, obtendo resultados empíricos satisfatórios. Com isso, pôde verificar a existência de diferenças inter-industriais na taxa de imitação. Sintetizando essa discussão, a literatura econômica sobre o processo de inovação mostra que há uma importante relação entre a ciência (ou a pesquisa básica) e a geração de novos produtos e processo de produção de mercadorias (bens e serviços), sendo que, nas palavras de Nelson (1959), há um limite para as inovações que resultam da experiência na busca por soluções práticas, o que mostra a importância dos avanços científicos para grandes transformações econômicas. Por outro lado, não se pode ignorar o papel da demanda e das necessidades sociais para direcionar os esforços inovativos, tanto da pesquisa aplicada, quanto da pesquisa básica. Um exemplo disso são os esforços científicos devotados para a busca pela cura do câncer ou do de fontes alternativas de energia para o combustível fóssil. As invenções e inovações originais só têm relevância, do ponto de vista econômico, quando são difundidas, ou seja, amplamente empregadas em uma determinada economia. A difusão envolve não apenas a imitação, mas o aprendizado, o aperfeiçoamento e a realização de inovações complementares à inovação original. 5. CONSIDERÇÕES FINAIS O objetivo deste trabalho foi revisar conceitos fundamentais associados à teoria da inovação nas ciências econômicas, bem como elaborar uma breve discussão sobre o tratamento da “inovação” do ponto de vista teórico. Ao invés de dividir as teorias por escolas de pensamento, os trabalhos foram divididos entre aqueles que procuraram analisar ou explicar o efeito das inovações sobre o crescimento e desenvolvimento econômico, e aqueles que procuraram elaborar, propriamente dito, uma teoria da inovação. Do ponto de vista do crescimento econômico, a teoria tradicional não provia explicação suficiente quando o fenômeno era observado empiricamente. Os expressivos ganhos de produtividade dos fatores de produção foram atribuídos pelos economistas, ao menos em parte, ao progresso tecnológico. Estudos de casos, como da semente híbrida de milho, conduzida por Griliches (1960) mostram como algumas inovações podem aumentar significativamente a produtividade. Modelos de crescimento econômicos mais sofisticados foram elaborados para quantificar o efeito do progresso tecnológico, como o de Solow (1957), e outros tentaram inclusive endogenizar o progresso técnico, como o de Romer (1990). No entanto, o processo de inovação é mais complexo do que pressupunham esses autores, e uma medida única para o agregado da economia esconde nuances importantes. Mesmo o trabalho seminal de Schumpeter, que destacou o papel da inovação como um elemento fundamental para o desenvolvimento econômico, careceu de uma teoria da inovação. Desenvolvimentos posteriores foram realizados, de forma que, hoje, há um entendimento maior sobre o processo de inovação, ainda que não haja consenso. Por um lado, a pesquisa científica básica é vista como fundamental para a geração de inovações radicais, como defende Nelson (1959), por outro, inovações resultantes da pesquisa aplicada e guiadas pela demanda, como argumenta Schmookler (1962). Deve-se considerar, no entanto, como lembrou Freeman (1979), que cada vez mais a inovação está ligada à ciência, dada a crescente complexidade das novas tecnologias, como é o caso das tecnologias de informação e comunicação. Além disso, deve-se ter em mente, também, que a difusão é pelo menos tão importante quanto à inovação, já que esse processo envolve a substituição da antiga tecnologia, o aprendizado, a aperfeiçoamento e a geração de inovações complementares que são tão importantes quanto à inovação original. REFERÊNCIAS Abramovitz, M. Resource and output trends in the United States since 1870. American Economic Review, may 1956, pp. 5-23. Arrow, K. The economic implications of learning by doing. 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