A construção e liquidez da identidade no espaço das - PPGA

Transcrição

A construção e liquidez da identidade no espaço das - PPGA
ii
Manuela do Corral Vieira
Os jovens flâneurs.com: A construção e a liquidez da identidade no espaço das redes
sociais da internet
Tese apresentada como requisito parcial para
obtenção do título de Doutora em Antropologia pelo
Programa de Pós-Graduação em Antropologia da
Universidade Federal do Pará.
Orientadora Profª. Drª. Cristina Donza Cancela
Belém, Pará
2013
iv
Os jovens flâneurs.com: A construção e a liquidez da identidade no espaço das redes
sociais da internet
Manuela do Corral Vieira
A Banca Examinadora dos trabalhos de Tese de Doutorado, em sessão pública
realizada em _____ de ________________________ de _________ considerou a candidata
Manuela do Corral Vieira ________________________.
--------------------------------------------------------------Profª. Drª. Cristina Donza Cancela
Orientadora
--------------------------------------------------------------Profª. Drª. Jane Felipe Beltrão
Examinadora Interna
--------------------------------------------------------------Prof. Dr. Agenor Sarraf Pacheco
Examinador Interno
--------------------------------------------------------------Profª. Drª. Alda Cristina Silva da Costa
Examinadora Externa
--------------------------------------------------------------Prof. Dr. Antonio Maurício Dias da Costa
Examinador Externo
--------------------------------------------------------------Prof. Dr. Ernani Pinheiro Chaves
Examinador Suplente
--------------------------------------------------------------Prof. Dr. Márcio Couto Henrique
Examinador Suplente
Belém, Pará
2013
v
Dedico este trabalho aos meus pais, Manuel e Filomena, pelo apoio e dedicação,
e à Mônica, minha irmã, pelo carinho e cumplicidade.
vi
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente à minha orientadora, Professora Dra.Cristina Donza Cancela,
quem aceitou o projeto desta pesquisa ainda no período de sua licença maternidade e
acreditou na viabilidade da pesquisa, por todos os inúmeros ensinamentos que me repassou,
tanto sobre reflexões teóricas e acréscimo profissional, até à inspiração da simpatia pessoal.
Ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará
(PPGA/UFPA), pela oportunidade de realização dos estudos de Doutorado e deste projeto. A
todos os professores das disciplinas cursadas que engrandeceram meu olhar e minhas
reflexões. Agradeço especialmente à cordialidade e atenção oferecidas pela Professora Dra.
Jane Beltrão, desde o auxílio com minhas dúvidas protocolares, ao longo do processo seletivo
para o Programa de Doutorado o qual a Professora Dra. Jane Beltrão estava Coordenadora,
além das contribuições e debates sobre esta pesquisa e inspirações profissionais.
À Professora Dra. Alda Costa, quem incentivou a realização desta pesquisa quando
esta era ideias rascunhadas em pensamento. Sou grata a todas as conversas que tivemos em
seu despacho e que foram fundamentais para traçar a execução e a motivação destes estudos.
Ao carinho e recomendações das professoras Dras. Lucilinda Teixeira e Rosa Assis,
incentivadoras de meus estudos de Pós-Graduação. Ao Professor Dr. Luiz César, quem, desde
a orientação de meu Trabalho de Conclusão de Curso, na graduação, incentiva-me a seguir
adiante na realização de pesquisas e estudos.
Agradeço à minha família, pela compreensão na realização de minhas PósGraduações, o que implicou em mudança de país e saudades, no campo pessoal, e
aprofundamento de debates e surgimento de possibilidades, no campo profissional. A minha
irmã, companheira de doutorado e de sonhos, Mônica Vieira, pela revisão dos escritos e
contribuições diversas a esta pesquisa. Ao meu namorado André Dias, pelo apoio e incentivo
para que continuasse realizando os estudos e esta pesquisa, por compreender minhas
ausências e o que este projeto significa, e pela confiança e carinho de sempre acreditar nos
projetos que traçamos.
À minha tia Domingas Barra, por ter sempre sido a primeira leitora e revisora dos
textos que escrevi desde a graduação.
À Miedja Okada, pelo companheirismo e por todos os telefonemas, desde nossos 5
anos de idade. Agradeço ainda por ter me apresentado à amiga Tônia Chalu que, com seu
pensamento otimista, me fazia acreditar sempre um pouco mais de que era possível.
vii
Ao amigo de todas as horas, Renato Nogueira, pela cumplicidade de quem passou pelo
que passei para conciliar trabalhos e estudos e pelas chamadas que me faziam voltar à escrita.
Ao feliz reencontro com a amiga Helaine Miranda, pelos resgates realizados e pelas
saídas inspiradoras que em muito me ajudaram a refletir este projeto.
Ao Raffael Regis, pelas conversas trocadas sobre o tema desta pesquisa e pela
dedicação e pesquisa realizadas na construção da capa deste trabalho.
Aos meus colegas da Pós-Graduação, Ney Gomes, Edyr Batista, Rafael Noleto, Rhuan
Lopes, Clarisse Callegari, Ângelo Pessoa, Almires Martins, Robson de Oliveira,
companheiros de envio de materiais, e-mails, conversas, ideias, disciplinas, missões e cafés.
E, finalmente, e em principal, a todos os interlocutores que participaram deste estudo e
compartilharam narrativas, desabafos, silêncios e olhares.
viii
“Que teia é esta, a do será, do é e do foi?”
(Jorge Luis Borges)
ix
OS JOVENS FLÂNEURS.COM: A construção e a liquidez da identidade no espaço das
redes sociais da internet
Resumo: O presente estudo se propõe a analisar, através de um olhar antropológico, a
importância que as redes sociais da internet desempenham no processo de construção das
identidades dos jovens. Desta forma, objetiva-se realizar uma leitura das performances sociais
adotadas pelos sujeitos em questão, em diversos momentos de suas interações com o outro,
consigo e com o social. Estas análises baseiam-se, sobretudo, nas abordagens advindas das
leituras das categorias de sociabilidade, performance e gênero. Além disto, busca-se avaliar,
tendo como base os estudos de objetificação da cultura material, no campo da cibercultura, de
que maneira e em qual nível estas tecnologias são capazes de encantar e de exercer influência
á medida que interagem com os sujeitos, influenciando assim em suas subjetividades,
interações sociais e, consequentemente, nas experimentações e construções de suas
identidades.
Palavras-chave: Redes sociais da internet; sociabilidade, performance, identidade e cultura
material.
YOUNG FLÂNEURS.COM: The construction and the liquidity of the identity within
the social networks of the internet
Abstract: This study aims to analyze, through an anthropological view, the importance that
the social networking sites play in the construction of identities of young people. Thus, the
objective is to analyze the social performances adopted by the subjects in question, in various
moments of their interactions with each other, themselves and the social environment. These
analyses are based mainly on the approaches coming from categories such as sociability,
gender and performance. Furthermore, reflections are made, through studies of objectification
of material culture, in the field of cyberculture, how and at what level these technologies are
able to charm and influence as they will interact with the subjects, thereby influencing in their
subjectivities, social interactions and, consequently, in trials and constructs of their identities.
Keywords: Social networking sites, sociability, performance, identity and material culture.
x
LES JEUNESSES FLÂNEURS.COM: La construction et la liquidité de l’identité au
sein des réseaux sociaux de l’internet
Résumé: Cette étude vise à analyser, à travers un point de vue anthropologique, l'importance
qui les sites de réseaux sociaux jouent dans la construction des identités des jeunes. Ainsi,
l'objectif est d'effectuer une lecture des performances sociales adoptées par les sujets en
question, dans les différents moments de leurs interactions d’uns avec les autres, eux-mêmes
et le social. Ces analyses sont basées principalement sur les approches des lectures de
catégories de la vie sociale, le genre et la performance. Par ailleurs, des réflexions sont faites,
sur des études d'objectivation de la culture matérielle, dans le domaine de la cyberculture,
comment et à quel niveau ces technologies sont capables de charme et d'influence, car ils
interagissent avec les sujets, ce qui influe sur leurs subjectivités, les interactions sociales et,
par conséquent, à des essais et des constructions de leurs identités.
Mots-clés: Sites de réseaux sociaux, sociabilité, performance, identité et culture matérielle.
xi
SUMÁRIO
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES.COM
13
1. (RE)CONHECENDO O OBJETO DE ESTUDO E OS INTERLOCUTORES
29
1.1 Vivências e impressões
31
1.2 Jovens. Quem são?
35
1.3 Repensando categorias e conceitos
44
1.3.1 Sobre a escolha do local e o sentir-se à vontade: de onde e como se 51
fala
1.4 O campo e as reflexões
2. SUJEITO E IDENTIDADE
2.1 (Des)Construção do sujeito
2.1.2 Identidades, sujeitos e tecnologias
2.2 Da sociabilidade
2.2.1 Informação e sociabilidade
57
71
81
92
99
105
3. SOBRE PERFORMANCE
111
3.1 A questão do corpo
123
3.2 Práticas de performance e exercícios de sociabilidade nas redes da 131
internet
3.3 Performance e identidade
4. CULTURA MATERIAL DAS REDES SOCIAIS DA INTERNET
142
148
4.1 Interação e redes sociais da internet
154
4.2 Objetificação e internet
159
4.3 Sujeitos e tecnologias
166
4.4 Sociabilidade e cultura material nas páginas de internet
173
4.5 Sobre o encantamento e algumas considerações
182
CONCLUSÃO
189
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
194
APÊNDICE - ROTEIRO SEMI ESTRUTURADO PARA TRABALHO DE
214
CAMPO
ANEXOS
216
ANEXO 1 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA DE PERFIL DE USUÁRIO 216
xii
DO ORKUT
ANEXO 2 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA DE PERFIL DE USUÁRIO 217
DO FACEBOOK
ANEXO 3 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA DE PERFIL DE USUÁRIO 218
DO TWITTER
ANEXO 4 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA INICIAL DO YOUTUBE
219
ANEXO 5 – DOSSIÊ UNIVERSO JOVEM MTV
220
13
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES.COM
“Tudo que existe, existe talvez porque outra coisa existe.
Nada é, tudo coexiste.”
(Fernando Pessoa)
Uma das principais características das Ciências Sociais é a conexão com assuntos de
relevância humana, uma vez que estar conectado com o construto social é primordial para o
desenvolvimento das análises. No caso específico da Antropologia, soma-se a isto que o
objeto/sujeito da pesquisa e o sujeito pesquisador estão ambos inseridos em contextos sociais,
sejam eles mais ou menos diferentes e devem ser sempre estranhados, em uma prática
hermenêutica de constante questionamento acerca do que está dado ou captado em primeiras
impressões. Falar em diversidade de pensamento é também estar aberto a posturas diversas,
em eterna construção e aprimoramento. Por este motivo devem ser acompanhadas de análises
contextualizadas em tempo e cenários, caso contrário, corre-se o risco da fidelidade teórica vir
acompanhada de certas amarras. Neste sentido, a liberdade de ir e vir deve ser capaz de
construir uma prática do conhecimento, permitindo o frequente questionamento sobre as
próprias ideias e conclusões.
Inicio este texto com estes apontamentos, uma vez que eu mesma me coloco neste
cenário de conhecimentos matizados: comecei meus estudos na Universidade da Amazônia
(Unama), no período dos anos de 2002 a início de 2006, no campo das Ciências Sociais, neste
caso o da Comunicação Social, mais especificamente na área da Publicidade e Propaganda.
Uma vez encerrada a graduação, estendi as análises acerca dos comportamentos de mercado,
iniciados ao longo da Graduação, na forma do mestrado em Marketing, realizado pela
Universidad Autónoma de Madrid (UAM), durante os anos 2006 e 2007. Finalizado este
momento, dei início ao doutorado em Antropologia, área esta do conhecimento a qual me
dedico, pois permitiu que muitos questionamentos trazidos ao longo dos momentos pretéritos,
encontrassem campo para o desenvolvimento da pesquisa.
Faço uso da opinião do pesquisador Heitor Frúgoli (2007), que desenvolve estudos em
temáticas de interesse à Antropologia Urbana, especialmente sobre as formas de interação dos
sujeitos em tempos elásticos da internet, marcados pela imaterialidade de apropriações
constantes, transitórias e diversas. Sobre estes pontos, as contribuições de Frúgoli sinalizam
para a compreensão profunda e contextualizada do cenário interacional entre estas redes
sociais da internet e os sujeitos aí inseridos. As próprias trocas de conversação podem ter
campo em um tempo esticado sem, necessariamente, a presença física dos envolvidos,
14
considerando que as mensagens e as representações disponibilizadas nas redes da internet
ficam aí registradas e podem ser acessadas em diferentes momentos, por usuários em distintos
contextos. Segundo o autor, aí reside a necessidade primeira da pesquisa de campo, para que
objetos de estudo possam ser analisados em perspectiva, ao que destaca a contribuição da
etnografia nestas pesquisas, uma vez que
lida com pessoas através da própria interação e descreve regras e princípios
constitutivos de relações cotidianas – bem como, pode-se acrescentar, realiza
reflexões sistemáticas sobre os termos e as decorrências de tais interações com
seus atores pesquisados, o que incide nos próprios escritos etnográficos.
(FRÚGOLI, 2007, p.23)
Por conseguinte, convido o leitor, que pode, inclusive, ter passado por situação
similar, a imaginar como meus conceitos e bases foram transformados e remexidos nesta
mudança. Até então a tecnologia era uma ferramenta de comunicação e, quiçá, plataforma
para compra e venda, o que me parece ainda ser a grande motivadora dos estudos na área da
Publicidade e Propaganda, bem como a de Marketing. Quando iniciei os estudos na área da
Antropologia não imaginava quantas questões havia eu silenciado. Estudar outra área, que não
a de meus primeiros seis anos de vida acadêmica, converteu-se em uma forma complementar,
questionadora, mas, sobretudo enriquecedora, diante, inclusive, dos mesmos assuntos lidos
anteriormente, entretanto, agora, reflexionados sob outras visões. Este trabalho é fruto do
exercício do estranhamento não apenas do Outro, mas das práticas de pesquisa e dos assuntos
que considerava ter certo domínio.
O recorte metodológico escolhido para esta pesquisa reflete minha trajetória de vida,
pois nos últimos três anos, quando iniciei a atividade da docência universitária, aprofundei as
pesquisas na área da cibercultura1 e das novas tecnologias, em razão dos trabalhos de
conclusão de curso que orientei nas graduações de Publicidade e Propaganda e de Jornalismo.
Meu interesse pelo assunto deriva, portanto, muito mais de necessidades discentes do que de
minha escolha inicial, uma vez que o tema da cibercultura sempre me pareceu demasiado frio
e plástico, se assim é possível a utilização da palavra para caracterizar algo amorfo de
sentimentos humanos. Conforme lia as obras do campo da Comunicação, percebia que a
maior parte tratava do potencial tecnológico da internet e da cibercultura sem, entretanto, dar
especial ênfase às formas como a identidade do sujeito é construída e pode ser percebida
1
Termo utilizado para definir os estudos sociais, culturais e tecnológicos da relação entre sujeito,
sociedade e tecnologias digitais. O estudo ganha forças em 1970 devido o desenvolvimento e a
convergência da informática com as telecomunicações
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através das interações realizadas tanto no mundo on-line2 quanto no mundo off-line3. Boa
parte das obras que tive acesso acabava por priorizar análises restritas sobre estas esferas de
vida, mas meu pressuposto era o de que, de alguma forma, estes mundos se encontravam e
caminhavam em paralelo, não apenas como a clássica fuga de identidade trazida em algumas
análises, mas em um sistema que caracterizava como as identidades poderiam ser plurais,
antagônicas, ricas e complementares. Desta maneira, este projeto reflete o exercício que tive
que fazer ao rever conceitos há muito consolidados em minhas leituras no campo da
Publicidade e Propaganda e do Marketing.
Ainda assim, a motivação na pesquisa sobre esta temática está baseada na afinidade
que tenho com as redes sociais da internet, das quais faço parte há mais de oito anos. Em
momentos diversos de minha vida pude reconhecer uma importância maior ou menor destas,
por exemplo, quando realizei meus estudos de Mestrado, o que me levou a passar dois anos
fora do país. Antes disso, já utilizava as redes sociais da internet, especialmente para entrar
em contato com amigos e para tramitar algumas demandas profissionais. Entretanto, durante o
tempo em que realizei o Mestrado, a utilização destas foi incrementada a partir da distância
geográfica que me encontrava e que não mais me permitia certas formas de interação.
Logo, as redes sociais on-line consistiram na principal maneira que tinha de entrar em
contato com familiares e amigos. Estas redes foram também úteis quando precisei buscar
materiais para o trabalho de campo que desenvolvia por conta do Mestrado. Pude então
perceber, a partir de minhas experiências pessoais, quão variada pode ser a intensão de um
sujeito que interage nestas redes, desde um momento de solidão e de saudade, até a execução
de uma tarefa profissional. Sentia que um dia sem internet significava um dia sem falar com
meus pais, professores e amigos. Curioso perceber como, quase que simultaneamente,
interagia com estas três esferas de relacionamento. Separo-as em esferas, pois a intenção e os
objetivos que buscava em cada uma delas eram distintos. Desta maneira, as redes sociais da
internet me permitiram continuar onde não estava, ainda que guardadas as devidas
proporções: não estava mais totalmente ausente do que acontecia em meu núcleo familiar e de
amizade, pois sabia de um ou outro acontecimento e novidade; se tinha esquecido algum
material de consulta bibliográfica em minha mudança, pude solicitar que este fosse enviado
em formato especial, via internet.
2
Considera-se on-line o instante em que o sujeito está conectado a alguma rede social da internet ou se
reporta a este mundo e como se representa socialmente e interage neste.
3
O off-line diz respeito a ações e percepções interativas do sujeito fora da internet e de suas redes
sociais.
16
Apesar disto, reconheço que esta situação de estar e não estar em um momento, a
sensação de que faltava o tocar, o olhar, influenciaram nas minhas formas de sentir e,
independente da frequência que interagia com determinados sujeitos, na ocasião de meu
regresso, pude perceber uma espécie de [interferência no sinal]. Nem tudo o era como eu
sentia, inclusive porque eu sentia diferente entre on-line e off-line. Há interações, mas estas
são distintas quando se introduz caracteres ou olhares. Não quero com isso hierarquizar
situações, apenas destacar que são diferentes formas de sentir, entre estéticas tecnológicas e
relações sociais. Desta forma, ao regressar à cidade na qual morava, Belém, e iniciar as
pesquisas sobre qual projeto desenvolver, considerei todas estas transformações que
aconteceram comigo, no que tange as interações com as redes sociais. A partir do pressuposto
de que, bem como tive estas impressões ao longo dos anos que possuo rede sociais da
internet, talvez isto pudesse ser desdobrado em análises mais cautelosas e com a devida
presença de determinadas categorias de estudo,
Sendo assim, o principal levantamento bibliográfico realizado para esta pesquisa
remonta ao ano de 2010, período de realização das provas para entrada no Programa de PósGraduação em Antropologia, da Universidade Federal do Pará. A elaboração desta proposta
de estudo, levou-me a constatar que, tanto na área da Comunicação, conforme indicavam
meus pressupostos, quanto na da Antropologia, nacionalmente, o portal da CAPES
(Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e as Universidades e
Institutos mais referenciados na área não apresentavam pesquisa que se ocupasse dos estudos
da identidade de sujeitos através das redes sociais da internet e a forma como estes coexistiam
com a vida no plano off-line. Neste momento percebi que ali havia a oportunidade da pesquisa
que ao longo destes três anos senti falta nas leituras que realizei.
Boa parte dos estudos que tive acesso dava conta de analisar redes de Internet
específicas, entretanto penso que, sendo este um campo tão importante4, dinâmico e de rápida
transformação, a alternativa mais interessante é a de analisá-las a partir das formas pelas quais
os sujeitos interagem com grupos, expressam suas individualidades e constroem suas
4
Neste sentido, entre as principais redes sociais da internet destacadas no trabalho de campo realizado,
as quais serão analisadas nos próximos capítulos, constato a pertinência deste estudo segundo os dados
da utilização destas redes: até 14 de Setembro de 2012, o Facebook possuía 1 bilhão de usuários
ativos, sendo 600 milhões de usuários em aparelhos móveis (Fonte: GLOBO, 2012. Disponível em: <
http://tinyurl.com/bwlodxx>. Acesso em 30 de Fev. 2013). O Twitter, tinha para o mesmo período,
aproximadamente, 500 milhões de usuários (Fonte: UOL, 2012. Disponível em:
<http://tinyurl.com/avkqakm>. Acesso em 30 de Fev. 2013). O Orkut, no final de 2009 contabilizava
um total de 34, 4 milhões de usuários. (Fonte: ESTADÃO, 2012. Disponível em:
<http://tinyurl.com/bl8wbns>. Acesso em 30 de Fev. 2013).
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identidades através destas redes da internet. A partir de uma proposição inicial de que há algo
maior capaz de reunir estes sujeitos em torno da utilização destas redes, meu intuito foi o de
saber quais eram os motivos capazes de reunir, em determinados momentos e tempos, sujeitos
plurais, em grupos, bem como de que formas estas relações aconteciam e motivadas por quais
categorias.
Conforme destaca Raquel Recuero, uma das principais estudiosas brasileiras no campo
das novas tecnologias e dos impactos que estas podem provocar nos atores sociais, “embora
as tecnologias não tenham sido, em sua maioria, construídas para simular conversações, são
utilizadas deste modo, construindo, portanto, ambientes conversacionais” (RECUERO, 2012,
p.34-35). As proposições de Recuero são de relevância a este estudo, pois analisam as
interações entre tecnologia não apenas em seus aspectos técnicos, mas através das buscas e
finalidades de usos operadas pelos indivíduos como forma de se relacionarem e interagirem
no mundo. Partindo destes pressupostos, planteei algumas indagações orientadas no sentido
de perceber como cada sujeito se adaptou a estas redes e as inclui em suas identidades; quais
os níveis de importância dados à presença e participação nestas redes; quais as
potencialidades e limites das procuras que buscava eu ainda descobrir as causas; e, sobretudo,
quais os graus da simbiose desta relação entre a identidade on-line e a identidade off-line.
Haveria aí uma alta dependência no sentido de complementariedade ou seria esta mais uma
experiência que pouco teria afetado a ida dos sujeitos?
Acrescento que a definição de redes sociais da internet é compreendida, pelo estudo
aqui proposto, como tecnologias capazes de promover, com base na mediação, a interação
entre os indivíduos. Segundo Recuero (2012), a popularização destas tecnologias 5 foi
responsável para que o sujeito experimentasse novas formas de “ser” no social. Daí a proposta
aqui apresentada de perceber de que maneira a própria identidade é vivida, experimentada e
construída a partir das interações entre mundo on-line e mundo off-line. Nesta visão, a
interação social percebida nas redes sociais da internet não ocorre como algo dado e sim a
partir do instante no qual indivíduos apropriam-se deste espaço on-line para se expressarem e
se relacionarem, tanto com suas subjetividades quanto com as experiências de mundo, uma
5
O trabalho de Recuero está centrado nas principais páginas de redes sociais da internet, neste caso o
Facebook, o Orkut e o Twitter, devido estas serem as páginas de redes sociais da internet mais
conhecidas e utilizadas entre seus entrevistados. Não por acaso, consistem nas redes sociais da internet
mais populares no Brasil, sobretudo o Facebook. Ao longo do trabalho de campo percebi que o
Facebook era a ferramenta comum a todos os entrevistados e, marcadamente, a que também mais
utilizavam, seguida pelo Twitter e o Orkut, o qual entra em certo desuso a partir da maior utilização do
Facebook tanto de parte dos entrevistados quanto do maior número de amigos que encontram nestas
redes.
18
vez que as ferramentas oferecidas por estas novas tecnologias, como Orkut6 (Anexo 1) e
Facebook7 (Anexo 2).
não são rede social, mas, sim, o espaço técnico que proporciona a emergência
dessas redes. As redes sociais, desse modo, não são pré-construídas pelas
ferramentas, e, sim, apropriadas pelos atores sociais que lhes conferem sentido
e que as adaptam para suas práticas sociais. (RECUERO, 2012, p. 20)
Apesar da pertinência das pesquisas realizadas por Recuero (2004, 2011, 2012),
observo que esta interação entre as tecnologias e os sujeitos deve ser pormenorizada e
aprofundada a partir, sobretudo, dos estudos da cultura material e dos conceitos daí advindos
acerca da objetificação, conforme será desenvolvido em próximo capítulo deste projeto. Logo,
segundo as contribuições destas abordagens, é possível reflexionar acerca de quão
responsáveis se tornam nossos objetos pelo que somos, uma vez que a relação entre sujeitos e
objetos nem sempre é feita apenas em uma única via, dando mostras de que a interação
operacionalizada entre indivíduo e computadores, indivíduo e rede, por exemplo, apresenta
influências situadas antes mesmo da interação entre indivíduo e outro indivíduo. Esta
perspectiva remete-nos às proposições de Donna Haraway (2009), em sua obra “Manifesto
Ciborgue”8, na qual defende que a própria tecnologia que utilizamos nos constrói e se insere
em nosso subjetivo de uma maneira pela qual não é mais possível uma autonomia puramente
humana em qualquer ação, uma vez que as ações tidas como humanas são, em realidade,
combinações, sutis ou mais fortemente marcadas, entre sujeitos e objetos/tecnologia. Desta
maneira, o ciborgue é o resultado entre prática, realidade e imaginação, tanto na esfera on-line
quanto off-line, a partir da construção da identidade e da relação com o Outro, inclusive
mediada por computadores.
6
Trata-se de uma rede social com a finalidade de fazer com que pessoas se conheçam e se encontrem.
Cada membro da rede possui um perfil ao qual podem ser acrescidos e estabelecer comunicação com
contatos e comunidades de interesses específicos.
7
Constitui-se em uma rede social na qual o sujeito pode disponibilizar fotos e mensagens que deseje
publicar no chamado “perfil” possuído no Facebook. A rede é formada por amigos, adicionados diante
a permissão do possuidor de determinado perfil, bem como perfis de empresas ou eventos. Há a
possibilidade de criação de listas de perfis com nomes escolhidos pelo sujeito-proprietário do perfil.
Todas as publicações, bem como as fotos disponibilizadas, podem ter seu acesso configurado para
público, neste caso a visualização do conteúdo referente será permitido tanto para amigos quanto não
amigos presentes no perfil; bem como acesso restrito, o qual poderá ser apenas aos amigos presentes
no perfil ou a amigos específicos do perfil.
8
O termo faz referência à interação entre homem e tecnologia, inclusive em questão de interferências
no próprio corpo, como pernas mecânicas e objetos acoplados ao corpo capazes de simular testes de
direção de carro, demonstrando que nossa relação com o mundo é aprofundada a cada dia com a
interferência maior de objetos da ciência e que nos levam a questionar o que é o realmente e
exclusivamente humano, bem como se isto é, se quer, passível de existência.
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O encontro e as articulações resultantes entre humanos e as coisas faz levantar o
questionamento de que o futuro seria ciborgue, conforme articula Haraway, por este estar,
justamente, na fronteira entre o biológico e o artificial. Em tempos de próteses e de
tecnologias que nos representam, ainda que parcialmente, por meio de fotos, imagens e
símbolos, estaríamos vivendo tempos do que previu a ficção científica? Seria realmente
possível separar onde começa o humano e onde termina o mundo das coisas? A intensificação
da presença do digital em nossas rotinas mostra-nos que os tradicionais locais de práticas
sociais, como bares, ruas e vizinhanças, não são mais as únicas e exclusivas maneiras de se
exercer a sociabilidade, especialmente em tempos nos quais se trabalha, estuda-se e se
conhece pessoas via computador. O digital atravessou esferas e, por nossa própria busca e
necessidade, teve seus papéis sociais desdobrados e seu alcance ampliado. Entretanto,
algumas questões no que tange o potencial influenciador destes objetos na vida dos sujeitos e
a forma como estes podem ter suas condutas e posturas de vida modificadas, seguem
permeando indagações sobre os efeitos desta relação com os computadores e os demais
dispositivos que permitem, principalmente, o acesso à internet; se estaríamos, nós, realmente,
mais ativos socialmente ou, muito pelo contrário, tornando-nos sujeitos mais solitários diante
do placebo efeito de nossas tecnologias, ou ainda: até que ponto estaríamos dispostos a
explorar ou experimentar as versões de nós mesmos?
Estar no mundo, a partir desta perspectiva, a qual também será utilizada como
arcabouço teórico deste trabalho, consiste em estar inserido tanto a partir do subjetivo, quanto
a partir das relações estabelecidas com os demais, incluindo-se aí interferências e influências
estabelecidas por sujeitos e objetos; há que considerar sobre este ponto, tanto as esferas online quanto off-line das redes sociais. O que nos leva ao conceito da antropologia multilocal
de George Marcuse (1995), o qual defende que tanto os contextos, quanto os sujeitos, em um
contexto contemporâneo, mostram-se como completos e descontínuos, a partir de uma
produção múltipla, o que leva a etnografia a demandar uma visão que extrapole as esferas de
um único local de observação. Para o caso da pesquisa que aqui proponho, pude perceber a
recomendação de Marcuse (1995) ao notar que as identidades dos sujeitos eram vividas tanto
na esfera off-line quanto na on-line, neste caso das redes da internet. Tal fato demandava-me,
como observa o referido pesquisador, a perceber os aspectos sociais e culturais dentro de um
plano diverso de atuação que interage, interrompe e retoma aspectos de forma a construí-los
em uma completude descontínua, sendo neste conflito que a atividade antropológica é
exercida na grande diversidade dos compromissos contraditórios, a partir de uma constante
20
renegociação de conceitos e análises em perspectiva destes multilocais que afetam sujeitos e
pesquisa etnográfica.
Dadas as recomendações, o recorte metodológico precisava definir quais os sujeitos
que seriam pesquisados, afinal se os locais seriam múltiplos e os conceitos negociáveis a
partir dos contextos, a própria questão de quais critérios iriam nortear a definição de público
jovem exigia revisão. A intenção inicial sempre foi a de trabalhar com o público jovem, com
o qual possuo familiaridade, uma vez que exerço a docência universitária. Neste instante um
impasse surgiu: em um primeiro contato de campo que realizei um ano antes da execução das
entrevistas, em 2010, constatei que um grande número das comunidades de redes da internet
tinham “associados” que iam desde os 3 até os 60 anos de idade. O que isto estava querendo
falar? Foi então que, em análises com minha orientadora, optei pelo caráter do auto
reconhecimento. Não quero com isso ignorar as definições, e estas são muitas, acerca do que
seria o “jovem”, entretanto não considerava antropologicamente adequado rotular quem se
enquadraria ou não em um conceito que, para mim mesma, consistia em uma interpretação
ficcional de uma parcial verdade. Nas páginas futuras o leitor poderá encontrar um debate
mais aprofundado acerca da definição de jovem, uma vez que, neste primeiro momento, o
objetivo é o de traçar as linhas da metodologia na qual assentei a pesquisa.
O que será encontrado nestes escritos é o resultado de entrevistas que realizei
utilizando dois filtros: ser usuário de redes da internet, não importando a frequência, e a de se
auto reconhecer como “jovem”, categoria esta a ser desenvolvida em um próximo capítulo.
Confesso que esta foi uma das partes mais surpreendentes da pesquisa, pois a partir dessa auto
conceituação, os interlocutores acabavam por exemplificar-me, de diversas maneiras, as
razões pelas quais realmente consistiam o “sujeito de estudo”. Caso contrário, creio que, se
fosse a partir de meu próprio julgamento, muitos interlocutores não teriam sido envolvidos
por esta pesquisa, uma vez que existia a possibilidade de escolhê-los mediante faixas etárias,
o que, possivelmente, levaria a resultados distintos dos aqui observados. Desta forma, a
metodologia selecionada para este projeto muito me ensinou sobre pontos de vista e me levou
a buscar análises que melhor me ajudassem a compreender não apenas as falas dos
interlocutores, mas igualmente os silêncios e os suspirares de uma resposta.
Sobre as abordagens as quais priorizei neste projeto, aproveito para utilizar os
fundamentos do antropólogo brasileiro Roberto Cardoso de Oliveira (1976, 1979, 1988a,
1988b), um dos primeiros a me deixar mais a vontade com meu estudo sobre a coexistência de
várias áreas do conhecimento dentro de um estudo. Esta fluidez do pensamento não quer dizer
total abandono às bases do conhecimento, sua existência é importante para que ideias
21
continuem sendo propostas. A própria execução do campo levou-me a buscar novas leituras e
atentar para outros aspectos além dos inicialmente imaginados, como a pertinência dos
posicionamentos religiosos e os impactos que esta trazia no mundo on-line, através dos usos
que certos interlocutores davam às redes sociais, bem como o paralelo traçado de como esta
questão encontrava espaço nas representações do mundo off-line. Seguindo às bases da
Antropologia Interpretativa, analisada por Cardoso de Oliveira (1988a, 1988b), é possível
perceber a contribuição que a tríade hermenêutica sujeito, história e subjetividade são capazes
de trazer à pesquisa.
No caso específico desta pesquisa, as relações, com isso as trocas comunicacionais,
operadas pela mediação do computador e seus impactos na construção identitária dos sujeitos
envolvidos, faz retornar o estudo desenvolvido por Recuero (2012) no que tange a estas
práticas relacionais e que, conforme sinalizado pela referente autora, são responsáveis por
promover a criação e o estabelecimento de laços sociais, bem como de desenvolver o capital
social, estabelecidos tanto nas práticas da vida concreta quanto nos grupos que são formados a
partir das redes da internet. Recuero alerta que estes contextos não podem ser interpretados
apenas segundo abordagens quantitativas, como por exemplo, o número de participantes que
determinada conversação envolve, mas sim percebidos a partir dos espaços sociais e das
interações que deles decorrem.
No caso da internet, lembra-se que as conversas e as formas de interação ocorrem na
imaterialidade de um espaço determinado a partir de suas práticas, por consequência, muitas
das relações estabelecidas socialmente podem se apresentar de maneiras múltiplas, a partir
dos diversos espaços nos quais acontecem, inclusive de maneira simultânea. Além disto, ainda
há a possibilidade de que determinadas conversas, assuntos e objetivos migrem de uma rede
para outra, seja por intermédio do replique de informações ou da busca ampliada a ser
realizada pelos sujeitos. Por este motivo, o exercício de analisar os conteúdos e os propósitos
das relações e das próprias conversas estabelecidas nestas redes da internet em poucas
situações dará conta de alcançar toda a magnitude e amplitude de sua dinâmica, uma vez que
os sujeitos podem estabelecer diversos laços, bem como trazer distintos conteúdos para seus
mundos e para a construção e suas identidades, a partir dos trajetos próprios e únicos que
desenvolverão nas atividades sociais mediadas tanto pelo computador quanto em suas vidas
concretas. Desta forma, as esferas de relacionamento se cruzam não apenas entre sujeitos que
se encontram a partir do compartilhamento de informações, mas também pelas buscas
individuais e pelas consequências que esta atividade trará para o mundo subjetivo de cada um
dos sujeitos envolvidos.
22
O estudo aqui proposto sobre a construção da identidade nas redes sociais da internet
possui o aporte teórico de cientistas sociais como Stuart Hall (2006) e Néstor Canclini (2003),
além do antropólogo Everardo Rocha (2006). Destarte, compreender a construção da
identidade pós-moderna dentro de diversos pontos de vista justifica-se na própria fala do
antropólogo Everardo Rocha quando ressalta que “(...) é preciso conhecer como a cultura
constrói essa experiência na vida cotidiana, como atuam os códigos culturais que dão
coerência às práticas e como, através do consumo, classificamos objetos e pessoas,
elaboramos semelhanças e diferenças” (ROCHA, 2006, p.86.). Ao que Canclini ainda
acrescenta, sobre as formas de socialização e construção do indivíduo, que
uma classificação rigorosa das coisas, e das linguagens que falam delas,
sustém a organização sistemática dos espaços sociais em que devem ser
consumidos. Essa ordem estrutura a vida dos consumidores e prescreve
comportamentos e modos de percepção adequados a cada situação.
(CANCLINI, 2003, p.300-301, grifos do autor)
Alvo de reflexões, esta pesquisa traz a questão da identidade como objeto de
questionamentos sociais que argumentam uma possível crise do sujeito e da individualidade.
Algumas situações decorrem do fato da temática não ser algo estático ou finalizado e sim um
processo de construção que sofre determinadas influências de acordo com os caráteres de
tempo-espaço nos quais se contextualiza o discurso. Soma-se a isto a questão do próprio
conceito de identidade ainda ser pouco explorado e mais profundamente reconhecido e
trabalhado nas Ciências Sociais, a exemplo do que um dia, aconteceu intensamente com a
questão da cultura. A complexidade do tema se acentua com a chegada do século XX e toda a
bagagem e discussões que este período trouxe, a partir da soma dos que o precederam, no que
tange questões como gênero, sexualidade, etnia, paisagens culturais e nacionalidade. Desta
forma, a percepção social, cultural e individual se transforma, conforme salienta Hall:
estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais,
abalando a ideia que temos de nós próprios como sujeitos integrados. Esta
perda de um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas vezes, de
deslocamento e descentração do sujeito. Esse duplo deslocamento –
descentração dos indivíduos tanto de seu lugar no mundo social e cultural
quanto de si mesmos – constitui uma ‘crise de identidade para o indivíduo.’
(HALL, 2006, p.09)
A questão do estudo da identidade é acompanhado das análises de Marcell Mauss
(1974a, 1974b, 1974c) e Judith Butler (1993), no que compreende a importância das
performances na construção das práticas sociais, tanto em seus aspectos coletivos quanto
23
subjetivos ao sujeito. Com isto, pretende-se explanar de que maneira a identidade se constrói
como um eterno vir-a-ser acionado de acordo com o contexto, os objetivos e os sujeitos aí
envolvidos, em uma observação em perspectiva que deve estar aliada ao estudo do sociólogo
Georg Simmel (2006) ao defender a importância da seleção de conteúdo e da sociabilidade no
estabelecimento de nossas personas sociais.
Desta maneira, as interações sociais legitimizam-se em diversos sentimentos e
situações, sendo boa parte deles passíveis da intermediação dos objetos/sujeitos das redes
sociais. Estas trocas são a matéria-prima da socialização do indivíduo, que nem sempre se
estabelece de forma harmônica, haja vista a quase sempre frequência do conflito, uma vez que
há a possibilidade do ser humano de
se dividir em partes e sentir qualquer parte de si mesmo como seu ser
autêntico – parte que colide com outras partes e que luta pela determinação da
ação individual – põe o ser humano, à medida que ele se sente como ser social,
em uma relação frequentemente conflituosa com os impulsos de seu eu que
não foram absorvidos pelo seu caráter social. O conflito entre a sociedade e o
indivíduo prossegue no próprio indivíduo como luta entre as partes de sua
essência. (SIMMEL, 2006, p. 83-84).
As categorias de identidade, performance e sociabilidade serão analisadas na segunda
parte deste estudo, o qual comporá um painel sobre a construção destes conceitos e como são
trabalhados e vivenciados na pesquisa de campo realizada, uma vez que, conforme propõe
Hall (2006), o sujeito se constrói à medida que institui o mundo e que o mundo o constrói;
esta relação quase simbiótica é por vezes dolorida e difusa, daí porque o estado da matéria
escolhido para adjetivar a identidade hipermoderna não é, conforme se poderia imaginar, o
gasoso, mas sim o líquido que adiciona, subtrai, molda-se e, inclusive, evapora-se em partes.
Acerca disto, Hall destaca a questão das pluralidades identitárias dos sujeitos e mesmo
o sujeito, previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável,
está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias
identidades,
algumas
vezes
contraditórias
ou
não-resolvidas.
Correspondentemente, as identidades, que compunham as paisagens sociais ‘lá
fora’ e que asseguravam nossa conformidade subjetiva com as ‘necessidades’
objetivas da cultura, estão entrando em colapso, como resultado de mudanças
estruturais e institucionais. O próprio processo de identificação, através do
qual nos projetamos em nossas identidades culturais, tornou-se mais
provisório, variável e problemático. (HALL, 2006, p.12)
Desta forma, a questão da identidade, mostra-se como uma das categorias principais
de reflexão a partir do trabalho de campo realizado, levando-me algumas indagações, como a
24
questão da complementariedade identitária, na qual esta não possui uma única e coerente
trajetória de construção. Dentro de todas as formas de manifestação que uma identidade pode
ter, quem realmente somos nós? Será que este “realmente” existe? Será que este não seria um
empecilho à fluidez das experiências e das transformações? E quem é o Outro com o qual me
relaciono? De que forma a nossa relação, entre eu e o Outro, constrói ou interfere em quem
somos?
Adianto ao leitor que busquei perceber até que forma nossas vidas, tanto no plano online, quanto no off-line, são capazes de andarem em paralelo ou se dispersarem,
caracterizando um quadro que, a primeira vista, pode-se mostrar como um termo usualmente
utilizado no senso comum como “falta de identidade”. Seria realmente isto?
Dito isto, a construção da identidade, das práticas de performance e de sociabilidade
são compreendidas neste projeto como uma trajetória a ser percorrida e constantemente
perseguida e não como um ponto de chegada fixo em um determinado espaço e tempo, haja
vista que esta, alavancada pelas características pós-modernas do mundo da qual faz parte não
permite que algo seja tão estável como podem ser os objetos de estudos de outras ciências,
como as exatas. A própria categoria “território” será revista, tendo como fundamentação
principal os aportes de Michel de Certeau (2008) e Néstor Perlongher (2008) no que tange a
concepção desta esfera como um espaço de práticas sociais e não em uma concepção
geográfica, uma vez que o objeto deste estudo abrange, especialmente, a vida vivida na
internet. Estas questões serão exploradas em profundidade no primeiro capítulo da presente
pesquisa, tendo como pano de fundo o cenário do objeto de estudo e alguns apontes trazidos
quando da execução do trabalho de campo.
Outro importante ponto para este estudo diz respeito à concepção trazida pela cultura
material, através dos estudos dos antropólogos Daniel Miller (2000) e Alfred Gell (1992)
sobre a potencialidade que a objetificação das páginas da internet desempenham nos sujeitos,
podendo estes serem tanto os criadores quanto àqueles que entrarão em contato com estes
objetos. Faz-se então a observação de que o repasse acelerado das informações encontra apoio
em algumas ferramentas disponibilizadas pelas tecnologias digitais, o que nos leva a perceber
que se a comunicação na internet está cada vez mais imediata e sucinta, este não é mérito
exclusivo das redes sociais e sim do fenômeno da internet como um todo. Excelente exemplo
para a questão são as leituras hipertextuais, comumente chamadas de hiperlinks9, que
9
Expressão inglesa que denota uma conexão para um arquivo textual ou imagético maior, destarte
leituras sobre outros assuntos afins com o texto que se lê no momento, bem como mais informações ou
complementações ao assunto podem ser acessadas a partir de uma única leitura, visto que um texto de
25
permitem o acesso de diversos conteúdos, o que termina levando ao fenômeno que faz Miller
desenvolver seu estudo “A fama dos trinidadianos: Websites como armadilhas”10, no qual
afirma que os aspectos estéticos analisados como armadilhas dos sites11 dizem respeito não
tanto às suas belezas, mas às propriedades visuais dentro de suas eficácias sociais (MILLER,
2000, p.16). Gell (1992) defende que as armadilhas, mais do que refletirem o modelo de um
[criador] e de um [visitante], constituem uma forma de ligação entre estes dois protagonistas
no tempo e espaço da cibercultura.
As categorias acima expostas, e principais desta pesquisa, são analisadas, para além
das fundamentações teóricas que aqui sinalizo, a partir das contribuições advindas do trabalho
de campo, materializadas em um total de onze entrevistas em um roteiro semi estruturado
(Apêndice) que compreendia questões de identificação, como definição de sexualidade, idade
e sexo ao nascer. Em seguida, eram propostas reflexões acerca dos principais objetivos que
orientavam o acesso às redes sociais da internet, quantos contatos, em média, possuíam em
suas redes, bem como propunha uma reflexão sobre com quantos daqueles “amigos”
mantinham um contato assíduo em suas vidas concretas ou se esta relação era restrita à vida
on-line. Outra pergunta do roteiro que preparei era se o entrevistado reconhecia mudanças em
seu comportamento off-line e em seu on-line, este questionamento era fundamental para o
embasamento dos apontamentos acerca da identidade e das performances do sujeito.
Finalmente, à exemplo do que propõe os estudos de cultura material, perguntava ao
entrevistado acerca da influência que as redes da internet desempenhavam em suas vidas e em
seus relacionamentos sociais, bem como se o interlocutor participava de redes que
considerava incoerentes ou não compatíveis. Afirmo, ainda, que outras questões vieram à tona
à medida que a entrevista era realizada, de acordo com a condução da fala do entrevistado e
internet pode apresentar diversos hiperlinks sobre variados temas afins, geralmente se apresentam em
cores de destaque em relação ao texto principal, o que denota a possibilidade de “ponte” para outra
página/informação.
10
Do original “The fame of trinis: websites as traps”. A pesquisa de Miller foi realizada de Janeiro a
Março de 1999 e envolveu o estudo de 60 sites pessoais e 60 sites comerciais. O estudo destes objetos,
segundo o autor, é melhor compreendido se seguimos as premissas de Alfred Gell sobre a criação de
armadilhas estéticas que expressam os resultados sociais que os criadores destes sites obtém em trocas
sociais e comerciais através da utilização da internet. Logo, o ciberespaço pede uma revisão dos
conceitos de espaço-tempo, uma vez que os criadores destes sites, a exemplo da experiência de Kula,
irão experimentar a expansão de valores tanto individuais quanto de todo um grupo, no caso do artigo
de Miller, o Estado-nação Trinidad e Tobago. A internet, com a consequente criação destes sites, passa
a ser uma forma de ganhar visibilidade internacional.
11
Conjunto de páginas da internet acessíveis e organizadas com endereços eletrônicos próprios, os
chamados Uniform Resource Locator – URL. Cada página possui conteúdo que pode ser textual,
imagético, com animações, dentre outros. O conjunto de sites compõe a World Wide Web, também
conhecida como Web e WWW, um sistema de documentos interligados e acessíveis pela internet.
26
de meus objetivos e interesses de pesquisa, daí porque alguns temas foram mais explorados
para alguns sujeitos.
Ainda sobre a metodologia da pesquisa de campo realizada, esclareço que me reservo
o direito de preservar as identidades dos interlocutores, uma vez que algumas revelações e
desabafos envolvem traços muito íntimos destes sujeitos. Esta é a razão pela qual optei pela
utilização de nomes fictícios, com a finalidade de resguardar o que me foi dito, algumas vezes
em tom de confissão. Peço ainda que o leitor compreenda que alguns temas serão indicados,
mas não necessariamente exaustivamente detalhados, dado envolverem questões demasiado
particulares ou terceiros, para os quais não possuo a devida autorização para tratar de
determinados assuntos. Creio esta ser uma ação de respeito a estes sujeitos e que não
comprometerá o objetivo principal destas análises, apenas se trata de cuidar para que nomes e
vidas não sejam extensamente e incomodamente dispostos em vitrines de análises, sempre que
este não for o objetivo deste estudo. Acrescento, ainda, que, de modo geral, todos os
entrevistados demonstraram interesse imediato na pesquisa e em fazer parte dela. As situações
de alguma reatividade que pude encontrar, conforme detalharei em seguida, estavam
relacionadas com temas de maior ou menor acessibilidade de conversa, em virtude de traços
de identidades e histórias de vida dos interlocutores.
Tendo como base as observações acima, esclareço que os conceitos utilizados neste
trabalho são mostras de como os objetos das Ciências Humanas, sobretudo as sociais,
mostram-se dinâmicos, daí a proposta pós-moderna de considerar identidades enquanto
estados do discurso do sujeito e em plena e eterna construção e não como campos fixos nos
quais a imutabilidade constitui um estado equivocado das interpretações, pois quando se
pensa que é, se foi. Assim, este trabalho encontra-se estruturado em quatro partes as quais
compreendem:
Parte 1: Detalhamento do perfil dos entrevistados, bem como discussão dos critérios
metodológicos utilizados na pesquisa de campo, como a construção analítica da categoria de
abordagem deste trabalho, “jovem”, a partir da pluralidade de visões que envolvem a
compreensão deste conceito. A partir deste detalhamento é exposto qual o conceito e a forma
de análise escolhida por esta pesquisa como fundamentação metodológica. Semelhante
dissertação ocorre sobre as categorias “território” e “classe social”, as quais estarão
acompanhadas da conceituação que se adotou para analisar e debater o objeto de estudo
proposto, bem como as informações e reflexões advindas do trabalho de campo.
Parte 2: Trará a análise em profundidade das categorias identidade e sociabilidade, a
partir da demonstração de como estas são abordadas no contexto da fluidez pós-moderna e
27
como questões sobre relacionamentos amorosos, laços de amizade, auto afirmações e auto
reconhecimentos surgiram a partir das entrevistas realizadas, tanto sobre aspectos da vida offline quanto da on-line, com isso, busca-se avaliar se realmente ocorre um abandono do Eu, à
medida que o sujeito se faz presente nas redes sociais da internet, para se viver uma realidade
diferente e sem compromissos ou amarras com a identidade que se possui.
Parte 3: A partir das considerações elaboradas no capítulo anterior é discorrido sobre a
categoria da performance e como a questão do corpo pode ser compreendida e operada nas
redes sociais da internet, por exemplo com a análise sobre a publicação de fotos realizadas por
muitos interlocutores nestes espaços. Logo, em conjunto com a categoria da sociabilidade, as
práticas de performance adotadas pelos interlocutores são observadas com a fundamentação
teórica que demonstra como estes marcadores podem se constituir no reflexo das buscas
identitárias e das interações dos sujeitos com os demais e com o social.
Parte 4: Os estudos de cultura material e da objetificação das páginas da internet, neste
caso das redes sociais às quais se faz parte, possuem um papel significativo de influência na
construção das identidades e das ações dos sujeitos. Busca-se aqui acrescer às análises de
campo, a contribuição, raramente considerada nos estudos dos meios de comunicação, que
estes objetos desempenham não apenas como plataformas de conversas, mas como
encantamentos e argumentos de atração do sujeito para envolverem-se com a rede não apenas
por suas características estéticas, mas pela autonomia que possuem de serem de muitos,
contrapondo a ideia de que se pode ter um perfil12 puramente pessoal, uma vez que o acesso
destes, consequentemente suas construções envolvem outros indivíduos e contextos.
Finalmente, serão apresentadas observações sobre as conclusões obtidas com o
trabalho de pesquisa teórica e como este foi desenvolvido à medida que se observava o
campo, com suas demandas e questões por serem estudadas. Buscar-se-á analisar os impactos
acerca do estudo da identidade a partir da interação de sujeitos com as tecnologias do mundo,
com o social e com suas próprias individualidades, a partir de experiências que permitem
experiências e construções móveis, com práticas acionadas de acordo com as necessidades e
intencionalidades, sejam àquelas orientadas pelo coletivo ou pelos anseios pessoais. A
contribuição da ciência Antropologia é destacada nestas considerações finais, bem como é
demonstrada à contribuição conferida por esta para que novas abordagens acerca do estudo da
identidade e das redes sociais da internet fossem laminadas.
12
Ao fazer parte de determinada rede social da internet, o sujeito cria uma página para disponibilizar
informações, fotos, publicar mensagens, adicionar indivíduos que façam parte da rede social, dentre
outros. A isto, dá-se o nome de “perfil” do usuário/sujeito.
28
Tendo como base estas questões centrais, o leitor poderá apreciar, nas páginas que
seguem, o resultado de meus estudos teóricos e as maneiras pelas quais pude perceber suas
aplicabilidades, formas de apresentações ou ressalvas, a partir das informações que estes onze
interlocutores partilharam comigo e com esta pesquisa e que podem e devem ser repensadas a
todo e a qualquer instante, na medida que não se possuem verdades absolutas nem identidades
fixas, apenas interpretações contextualizadas, bem como o é o cenário e os objetivos deste
estudo.
Sobre a capa: As imagens que ilustram a capa deste trabalho dizem respeito ao trabalho do
artista plástico francês Thomas Menelle. Neste projeto, realizado em 2010, Menelle buscou
humanizar a imagem inicial fornecida pela rede social de Internet Facebook, transformando-a
em traços humanos. Os olhos fechados das imagens podem representar a unicidade de cada
ser, na qual se alguns traços se parecem, outros se conservam como únicos e diversos nas
múltiplas trajetórias percorridas, as quais constroem a identidade do sujeito. Assim, se
algumas formas podem se assemelhar, a essência, neste caso representada pelo impacto do
olhar, conserva-se diversa e única em seu percurso. Deste modo, se a imagem clássica
fornecida na primeira conexão que o sujeito faz ao criar seu perfil, conforme figura abaixo,
exibe características padronizadas, a proposta de Menelle é a de demonstrar que as
possibilidades podem ser inúmeras quando se observa as relações humanas, as interações em
meio às redes sociais de internet, os contextos e os sujeitos que com elas se relacionam. O
trabalho de Menelle é o resultado da fotografia de pinturas realizadas pelo artista e representa
como os sujeitos podem, a princípio, assemelharem-se entre si, mas são, de fato,
eminentemente diversificados, principalmente por meio da identidade que transparece nas
ações, no pensar, na performance corporal, no interagir, no se relacionar e no olhar o mundo,
o Outro e a si.
Figura: Imagem fornecida pela rede social Facebook quando conectada pela primeira vez pelo sujeito.
Fonte: Human Facebook Default Avatar. Disponível em: <http://tinyurl.com/4y4atzx>. Acesso em 01 de mar.
2013.
29
1. (RE)CONHECENDO O OBJETO DE ESTUDO E OS INTERLOCUTORES
“Ninguém é igual a ninguém.
Todo o ser humano é um estranho ímpar.”
(Carlos Drummond de Andrade)
O ambiente considerado como ciberespaço é constituído de um conjunto de
tecnologias de telecomunicação operadas através do computador, de onde se origina a
nomenclatura de Comunicação Mediada por Computador (CMC) para os meios que se
incluem nessa plataforma, como o caso das redes sociais.
O estudioso da Comunicação, Marshall McLuhan (1998), cunhou, em 1967, a
expressão de que o meio se constitui na mensagem, antevendo, a partir do advento da
televisão, o que se fortaleceria, anos mais tarde, em outros meios de comunicação, como o
próprio computador e as redes sociais da internet que seriam geradas a partir das interações
entre sujeitos. Segundo McLuhan (1998), os meios de comunicação podem assim ser vistos
como extensões do homem uma vez que, ao representarem parcialidades do sujeito, possuem
suas presenças mais destacadas na vida em sociedade, a partir da incorporação de formas de
linguagem e interações peculiares a estes meios. Apesar de considerar a proposta de McLuhan
(1998) oportuna à compreensão deste projeto, ressalvo o pressuposto do pesquisador ao
prever que a interação entre os sujeitos seria intensificada a partir dos Meios de Comunicação,
o que globalizaria o mundo em uma teia interdependente, promovendo a busca pelos mesmos
ideais. Posto isto, percebo, mediante o campo, que se as interações acontecem, nem por isso
elas tornam os sujeitos tão interligados que sejam capazes de pensar da mesma maneira e
buscar os mesmos anseios. Pelo contrário, algumas demarcações são acentuadas, com o
intuito de diferenciá-los dos demais, por exemplo, os tipos de lugares que frequentam e os
amigos que possuem. Estas são categorias importantes para a demarcação das representações
sociais que possuem de si e dos demais em interação.
Dito isto, acrescento que, posteriormente, no final do século XX, Levy complementa
as proposições de McLuhan (1998) ao argumentar que o espaço das redes é formado por
diversas atividades que estão coordenadas e construídas por interlocutores que se encontram
no espaço físico, daí porque, juntamente com o território e o mercado, o ciberespaço constituise em mais um ambiente para os estudos antropológicos. Por conseguinte, uma vez que os
meios de comunicação, bem como a própria internet, configuram-se como extensões do
homem, desejo analisar como os jovens tratam temáticas como a privacidade, o limite e a
30
realidade na construção de suas identidades no ambiente do ciberespaço oferecido como o
campo das redes sociais.
Se desde muito que o homem se expressa através de formas de identificação e se a
cada afirmação configura-se também uma negação, a construção do indivíduo parte deste
sistema de escolhas que são reflexos de um contexto de tempo, espaço, história, sociedade e
linguagem, conforme declara o semiótico francês Eric Landowski (2002, p.95) em seus
estudos sobre identidades que “(...) se constroem e se redefinem permanentemente, em favor
de um jogo sem fim sobre formas em si mesmas quase sem importância, mas mediante cuja
manipulação cada grupo ou até cada indivíduo se coloca e se descobre dinamicamente,
diferenciando-se ele mesmo de seus vizinhos”.
Inicio este primeiro capítulo explicando ao leitor que, antes de realizar as entrevistas
semiestruturadas, todas realizadas na cidade de Belém e área metropolitana, em caráter offline, fiz uma pré-seleção dos sujeitos que considerava que poderiam trazer contribuições
interessantes às pesquisas, este período remonta há um ano antes da realização concreta das
entrevistas. A escolha por este método teve como objetivo perceber, a partir de meus contatos
iniciais com o objeto de estudo, quais temas saltavam mais à necessidade analítica, mediante
observações nos perfis da internet de alguns possíveis entrevistados que selecionei a partir de
um primeiro contato entre os jovens que conheço, tanto em minhas redes sociais da internet,
quanto daqueles que tive contato, mediante a atividade da docência que exerço. Inicialmente
todos os entrevistados eram em maior ou menor grau conhecidos, fosse por contatos com
pesquisas anteriores acerca da mesma temática, ou pelo compartilhamento de trajetórias,
como a participação comum em congressos. Destarte, conhecia um pouco de suas trajetórias,
como antigos alunos na Universidade na qual ministro aula. Entretanto, sabia, e era minha
intenção que, para um quadro futuro, outros interlocutores seriam incorporados a esta
pesquisa no que, imaginava eu, seriam as migalhas de pão as quais devemos deixar que nos
conduzam para o enriquecimento do caminho.
Esta fase de pré-seleção é seguida pela realização das primeiras entrevistas
semiestruturadas, nas quais meu objetivo principal era de deixar os interlocutores livres para
falar sobre temas diversos acerca de seus objetivos nas redes sociais. Este primeiro roteiro
consistia em perguntas menos abrangentes do que o roteiro que posteriormente segui no
campo, uma vez que este último consistiu em resultado do primeiro. Apesar disto, como
acontece em quase todos os trabalhos antropológicos de campo, outras questões vieram à tona
e que não estavam previstas em meus objetivos analíticos. Estas situações aconteceram em
decorrência da especificidade de algumas temáticas para determinados sujeitos, bem como da
31
receptividade ou receio que alguns tiveram em detalhar e ampliar ou recuar e ser mais
cauteloso, sobre determinadas temáticas. Trarei de volta estas situações, ilustrando-as à
medida que realizo as análises ao longo dos escritos.
Durante esta fase, além da elaboração das primeiras entrevistas, também há, conforme
previsto inicialmente, a adesão de outros sujeitos ao estudo, além daqueles previstos no
primeiro período ao qual fiz referência, o que totalizou cerca de cinco meses. Neste roteiro
inicial, meus principais anseios de conhecimento centravam-se em torno da frequência com a
qual as redes da internet eram acessadas; os objetivos que norteavam estes acesos; se as
pessoas que faziam parte destas redes sociais do entrevistado eram ou não, em sua maioria,
conhecidos no plano da vida off-line; quais as vantagens e desvantagens que o interlocutor
poderia enumerar sobre a posse de redes sociais da internet e, finalmente, se reconhecia uma
transformação na pessoa que era no plano on-line e no plano off-line. De acordo com o
resultado destas primeiras conversas, que totalizaram onze entrevistas, apenas cinco estiveram
presentes na segunda etapa. O número de entrevistas foi escolhido tendo como base o
aprofundamento que cada pergunta, do roteiro semiestruturado, demandaria em termos de
profundidade de análise. Os motivos principais para a não permanência dos seis excluídos,
devem-se ou por mudanças para outra cidade ou, sobretudo, pelo pouco interesse em falar das
temáticas da pesquisa em uma entrevista a ser analisada posteriormente, ainda que com a
preservação da identidade através de nomes fictícios.
1.1 Vivências e impressões
De todas as formas, este momento inicial da semiestruturação de como abordaria
determinados tópicos nas entrevistas foi de extrema valia para reconhecer a pertinência de
outras temáticas, como a questão da utilização de fotos, a preocupação entre o que é público e
o que é privado e os conflitos advindos do cruzamento de redes que, em um campo geral, não
deveriam saber da existência mútua, como o caso daqueles entrevistados que possuíam
familiares em suas redes e que acessavam e disponibilizavam, em seus perfis da internet,
conteúdos acerca de sexualidade.
Geralmente esta informação foi acessada ao indagar se o entrevistado possuía algum
arrependimento de algo feito, escrito ou publicado nas redes sociais; em todas as entrevistas
apareceram situações de arrependimento, muitas vezes causados pelo que consideraram falhas
na comunicação, daí porque alguns entrevistados optaram por criarem listas que limitavam, a
32
apenas alguns amigos, o acesso a conteúdos selecionados. Foi o caso de Edgar13, que gostava
de postar fotos sensuais de homens e teve problemas na família porque muitos dos primos,
ainda crianças, tinham acesso ao conteúdo. O constrangimento causado, argumentou Edgar,
foi responsável por piorar o relacionamento com os pais, que considera inexistente desde que,
há sete anos, começou a tentar assumir a homossexualidade. Ressalto aqui a palavra
“tentativa”, pois, diante da recusa e da falta de diálogo familiar, o entrevistado leva uma vida
em paralelo, na qual os pais fazem “vista grossa” sobre as visitas do “amigo” à casa da
família. O perfil que Edgar mantém na rede social Facebook sinaliza que o rapaz está em
relacionamento sério, mas não acrescenta quem seja. Consequentemente, nenhum assunto
acerca do tema sexualidade é permitido em casa, apenas a eterna cobrança, por parte dos pais,
para que o entrevistado finalmente apresente uma namorada. Este comportamento, apesar de
tolerado por Edgar, especialmente por ainda apenas estagiar, dependendo financeiramente dos
pais, é responsável por gerar inquietantes frustrações, aumentando a distância do
relacionamento que mantém com os pais. A invasão e privacidade e a falta de espaços sem
maior liberdade na casa também foram enumerados como os principais embates familiares
que Edgar enfrenta na vida off-line e que acaba por fazer eco na vida on-line. Este, inclusive,
foi um dos casos relatados como exemplo do que caracterizou como invasão e falta de
respeito aos limites de sua privacidade: “eu sei que a minha mãe só entrou no Facebook [uma
das redes sociais da internet] para me vigiar, como se ela já não fizesse isso o bastante em
casa”.
O antropólogo Clifford Geertz (1997), adepto de uma Antropologia Interpretativa, a
qual defende a importância dos contextos tanto daqueles observados, quanto daqueles de
quem observa, afirma que estas estruturas sociais, que influenciam na constituição dos
sujeitos, passam a fazer parte da rotina dos sujeitos, bem como a internet, configurando-se,
então, como categorias amalgamadas, conforme destaca a pesquisadora Vânia Cardoso
Coelho (1998), em seu estudo antropológico acerca dos símbolos, sobretudo em ritos
encantatórios, e da influência da Cultura, tendo como base as ideias de Geertz, diz ela:
para Geertz, traçar um retrato humano ou um consenso universal cultural
sobre o homem não é tarefa fácil, mesmo para um antropólogo. A saída é
penetrar na ciência semiótica e abrir o leque das possibilidades. Para entender
uma cultura é preciso interpretar os credos e as crenças de cada grupo, analisar
os processos biológicos, psicológicos e sociológicos, porém, o mais
13
A partir deste momento no qual iniciarei as entrevistas apenas gostaria de relembrar ao leitor que
todos os nomes que se seguirão, bem como este, tratam-se de nomes fictícios para preservar a
identidade dos interlocutores, conforme exposto anteriormente.
33
importante é perceber as particularidades incrustadas e amalgamadas.
(COELHO, 1998, p.35)
Determinadas situações permitem que, a partir da simulação de outras facetas do Eu e
contextos que não os da vida concreta (inclusive com suas interferências sociais e culturais), o
sujeito possa experimentar a vivência de outras escolhas e perceber, ainda que parcialmente,
um contexto que não o seu no mundo off-line, o que, em alguns casos auxilia no
desenvolvimento de práticas para lidar com situações, inclusive futuras. Daí porquê não se
pode classificar as interações sociais na internet como fuga da realidade, conforme o
entendimento firmado pelo senso comum. Isto porque, em determinados casos, constituem-se
como momentos importantes para alcançar equilíbrios emocionais mediante o contato com
cenários psíquicos e comportamentais semelhantes, distintos ou complementares à vida
concreta. Conceituar o que se pratica no digital como “fingimento” ou algo falseado
tampouco configuram conclusões mais acertadas, uma vez que o simples ato de “fingir” está
vinculado com tentativas e experimentações, podendo virar parte da “realidade”, bem como a
“realidade” pode interferir nas escolhas feitas no campo do digital, em demonstração de que
as facetas e as camadas constitutivas dos sujeitos não são tão facilmente separadas na prática
das escolhas e buscas.
O exemplo trazido pela fala de Edgar, remete-me ao exercício que o trabalho de
campo, bem como sua interpretação, levou-me a realizar, sobretudo no que dizia respeito à
compreensão das principais categorias deste estudo, como território, performance e
identidade, as quais não poderiam ser tomadas de maneira generalizada, dada a variedade de
usos e objetivos que os entrevistados traçavam em suas falas. Segundo nos fala o filósofo
Michel Foucault (1979), em seus estudos acerca das relações de poder, sobre a ressalva que
toda interpretação deve vir acompanhada, uma vez que sempre se está a perseguir uma
verdade que nunca nos será apresentada e interpretada em sua totalidade, desta maneira, para
cada posição que adotemos, para cada nova categoria de análise, uma frase pode ser
desdobrada e percebida em nuances que não necessariamente foram as interpretadas na
primeira instância em que nos debruçamos sobre ela. É ainda de Foucault a declaração de que
a busca por verdades pode nos levar, inevitavelmente, a interpretações equivocadas, pois
muito se cala ou muito se tenta libertar em vão, o que apenas poderá aumentar nossa angústia
de sempre estarmos a andar do mesmo lado de uma mesma rua. Com isto, não pretendo
afirmar que as interpretações aqui contidas são as verdadeiras, mas podem ser classificadas
como a [verdade que pude perceber e reflexionar sobre]. Acredito que muitas falas foram
34
silenciadas por motivos diversos que acompanham qualquer conversa, e, apesar do esforço
etnográfico de perceber os imponderáveis da vida, conforme propõe o antropólogo Bronislaw
Malinowski (1976), em seu estudo e prática acerca da etnografia, o Outro será sempre tão rico
quanto for nosso próprio universo interior. Nesse sentido Foucault argumenta:
Parece-me que o que se deve levar em consideração no intelectual não é,
portanto, ‘o portador de valores universais’; ele é alguém que ocupa uma
posição específica, mas cuja especificidade está ligada às funções gerais do
dispositivo de verdade em nossas sociedades (...) É então que sua posição
pode adquirir uma significação geral, que seu combate local ou específico
acarreta efeitos, tem implicações que não são somente profissionais ou
setoriais (...) Há um combate ‘pela verdade’ ou, ao menos, ‘em torno da
verdade’. (FOUCAULT, p.13, 1979).
Diante das formas que o indivíduo pode acionar para demarcar sua presença no mundo
imaterial, faz-se a ressalva de que, apesar das redes sociais da internet serem comumente
interpretadas como formas de interação, é pertinente destacar que nem tudo o que se publica é
com o intuito de estabelecer conversação. Exemplo disto foi a necessidade que alguns
entrevistados esboçaram de sempre divulgar na rede o local no qual estavam. O argumento
principal não era o de gerar uma conversa a partir da referida publicação e sim apenas
divulgar o que se estava fazendo bem como a espécie de conteúdo com a qual aquele perfil se
identifica, auxiliando na construção perceptiva da performance. Ainda em análise as
proposições trazidas pelo estudo de Recuero (2012) acerca das interações entre os sujeitos e
as conversações mediadas por computadores, algumas das “falas” encontradas nas redes da
internet não querem dizer, necessariamente, a intenção de estabelecimento de uma conversa,
mas sim consistem em estratégias de demarque de presença do indivíduo.
Desse modo, por exemplo, quando alguém diz “Bom dia” no Twitter14 (Anexo
3) não está necessariamente iniciando uma conversação, mas simplesmente
marcando a sua presença on-line. O ‘Boa noite’ ou ‘Tchau’, outro exemplo,
também não necessariamente indicam a finalização de uma conversação, mas
marcam o ritual de saía ou de ida ‘off-line’ dos atores. (RECUERO, 2012,
p.75)
Foi curioso perceber que a fala de muitos entrevistados era a de que “nunca havia
pensado sobre isso”, ou “olha, eu nem sei te dizer”, o que demonstrava quase uma simbiose
14
Consiste em uma rede social da internet na qual é permitido aos usuários enviar e receber
informações de outros contatos. O limite estabelecido para estas trocas é o de cento e quarenta
caracteres. As mensagens publicadas são disponibilizadas na página do usuário que as enviou e
replicadas para àqueles que o acompanham. O ato de “acompanhar” alguém no Twitter é denominado
como “seguir”.
35
entre a tecnologia, a internet e a vida destes sujeitos, tanto on-line quanto off-line, como no
caso em que uma das entrevistadas, Carla, declarou “vou pensar a respeito e daqui a dois anos
te falo”. Achei interessante o posicionamento da fala em “dois anos”, o que interpretei de duas
maneiras: ou esta consistia em uma maneira educada de deter meus questionamentos, ou
consistia em uma pergunta densa e complexa e, caso começasse a divagar sobre ela,
provavelmente, precisaríamos de mais tempo do que apenas aquela tarde de entrevista, quem
sabe quantas coisas poderiam ser revolvidas. Tive a oportunidade de, em algumas situações,
revirar alguns desses pontos que levavam a uma franzida de testa frente a uma pergunta minha
ou a adoção de um olhar divagador e foi daí que percebi como uma palavra, um tema e uma
situação são catalisadores de sentimentos os mais diversos; então indago: até que ponto o
número de amigos definiria a acessibilidade de um dos entrevistados? Durante nossa conversa
percebi que seu mundo restrito estava relacionado com o medo de voltar a se machucar com o
grande número de pessoas que realmente não possuem vínculo emocional com você, situação
esta vivenciada no passado de Carla, na qual a quantidade de amigos que possuía passou a se
tornar inversamente proporcional ao sentimento de companheirismo. Segundo a interlocutora,
o excesso de amigos a fez perceber que apenas se tratavam de conhecidos com os quais
raramente conversava e que pouco ou nada sabiam de sua vida.
1.2 Jovens. Quem são?
Gostaria de propor a reflexão sobre até que ponto as redes sociais moldam os sujeitos
e os sujeitos moldam as redes sociais. Reconhece-se que muitos indivíduos fazem uso das
redes sociais da internet, daí porque o recorte metodológico versa por entrevistar sujeitos que
se auto reconhecessem como “jovens”, o que acabou por resultar em um público de
entrevistas variável dos 16 aos 31 anos. Este é um exemplo concreto de como operacionalizar
a liquidez pós-moderna na própria elaboração, revisão e reflexão de conceitos.
Consequentemente, uma característica em comum entre todos os interlocutores, tanto aqueles
com quem tive a oportunidade de conversar em um primeiro, quanto em um segundo
momento, foi o fato de se auto reconhecerem como jovens, critério metodológico adotado
para a seleção de quem se encaixaria nesta categoria. Sobre esta temática de classificação e de
auto reconhecimento, trago ao leitor alguns conceitos com os quais me deparei sobre “jovem”
e que foram a principal contribuição para que optasse pelo viés utilizado.
36
Sobre esta questão, ratifico que o interesse desta pesquisa acerca da construção da
identidade nas redes sociais deve-se ao fato destas constituírem um palco de/e para trajetórias
inseridas em múltiplos possíveis lugares, envolvidas pela especial e versátil não concretude do
ciberespaço. Sobre a definição da categoria “jovem”, no campo acadêmico, utilizei como base
os estudos dos cientistas sociais Luís Antonio Groopo (2000), Shmuel Noah Eisenstadt
(1976), Sulamita Brito (1968) e Gilberto Velho (2006), os quais destacam algumas distintas
concepções sobre juventude, sendo elas: a) visão biocronológica: juventude estipulada a partir
de idade, esta definição é a mesma adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU),
Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Estatuto da Criança e do Adolescente
(ECA) e Organização Mundial de Saúde (OMS –). Sobre esta definição, considera-se a
juventude enquanto uma etapa de transição; b) visão psicológica: juventude enquanto período
conflituoso no qual a pessoa possui o controle de sua vida, entretanto sem, necessariamente,
estar apto a isto. Durante este período há uma forte construção da identidade, bem como da
definição de opções; c) visão sociológica: Juventude é definida como um grupo social
formado por jovens de diferentes setores e em diferentes situações e grupos sociais e
comportamentais; d) visão cultural-simbólica: Juventude compreendida a partir de suas
características culturais; e e) visão jurídica ou legal de juventude: comumente a visão que
mais aparece nas temáticas acerca da juventude, a partir da construção e da garantia dos
deveres e direitos dos jovens.
Apesar da variedade de conceitos acima, temia que números acabassem por me fazer
perder material qualitativo, sabia que a definição por faixa etária poderia ser perigosa.
Lembrando-me de Pierre Bourdieu (1983), em “Questões de Sociologia”, sabia que a
definição do recorte e do estabelecimento do conceito de jovem acabaria por passar por uma
convenção social, como o é toda e qualquer palavra. Acreditei, então, ser mais oportuno
iniciar a compreensão do termo a partir de sua existência plural, ou seja, não apenas “jovem”,
mas sim “jovens”. A abordagem psicológica declara que a juventude se constitui enquanto um
período de transição para a vida adulta, que ultrapassa as questões de faixa etária e que se
torna diversa uma vez que acaba por envolver diferentes gêneros e classes sociais, sendo esta
determinada como um processo de passagem, que traz marcadores de gênero e de classe
social. Bourdieu ainda destaca que conceitos são socialmente e temporalmente forjados, logo
a ideia trazida pelo conceito de juventude demonstra como a marcação entre as fases da vida
passa por símbolos e rituais próprios de cada sociedade, além dos critérios que esta estabelece
no sentimento e percepção do que representa cada uma destas fases, sendo responsáveis por
delimitar as fronteiras em que as idades, inseridas em um contexto social, representam para o
37
coletivo. Este é um reforço à ideia foucaultiana de que os termos e seus conceitos são
sentimentos e percepções inventadas e convencionadas a partir do momento em que há uma
necessidade na sociedade por criá-las e utilizá-las.
A importância dada à cronologia para demarcar as etapas da vida, apesar de permear
muitas definições e conceitos, não será adotada neste projeto, uma vez que a periodização da
vida passa por simbolismos que acabam por diferir papéis sociais, funções e idades limites
entre fases da vida, situações estas manifestadas de diferentes formas para diferentes
sociedades, as quais estabelecem seus próprios conceitos e construções em relação às demais,
o que nos leva a perceber que a própria ideia de “jovem” passa por construções sociais
específicas para cada necessidade de grupo e momento contextual. Segundo Groppo (2000),
em seu “Juventude: Ensaios sobre Sociologia e História das Juventudes Modernas”, a
exemplo do que acontece com o conceito de juventude, deve-se perceber a presença de
“adolescências”, pois estas são oriundas de situações historicamente estabelecidas, a partir de
influências sociais e culturais.
Uma questão importante que gostaria de trazer é a de que, apesar das diversas
abordagens expostas anteriormente sobre a concepção do termo “jovem”, estas não devem ser
tomadas como esferas excludentes de categorização, mas sim como partes dos constructos de
um conceito que necessita diversas facetas de abordagem para que sua complexidade seja
razoavelmente alcançada. A presente pesquisa, como destacado, não se concentra em
limitações etárias, uma vez que estas não necessariamente englobam algo maior da definição
de juventude que é o fato do indivíduo se identificar como jovem, independente da idade que
tenha. Tratam-se de sujeitos que se reconhecem como jovens a partir dos modos de vida que
possuem em seus territórios, enquanto espaços praticados, conforme será analisado adiante,
tendo como base as propostas de Michel de Certeau (2008), Gilles Deleuze (2004), Néstor
Perlongher (2008) e Felix Guattari (2005).
Desta maneira é possível que um sujeito, da mesma maneira que está inserido em
distintos territórios, a partir da concepção, anteriormente trabalhada, de Certeau (2008), seja
capaz de inserir aspectos destes vários “mundos”, bem como os sujeitos que deles fazem parte
em novos grupos, em um movimento contínuo de aproximação de laços, a partir dos
interesses demandados pelo contexto dos sujeitos. Sobre a importância da conversação e das
trocas de relacionamento social que acontecerão no instante em que os sujeitos interagem em
rede. Sobre o tema Recuero salienta que
38
a estrutura da conversação, portanto, é capaz de indicar também elementos de
capital social construídos pelas interações entre os atores, seu investimento,
bem como os valores cultivados. Os graus de conexão indicam os indivíduos
que recebem mais atenção e que, com isso, conseguem mobilizar mais redes
na conversação. Isso pode ser relevante na medida em que esses indivíduos
são capazes de não apenas integrar pessoas, mas, igualmente, de espalhar a
informação. (2012, p.187)
Daí porque não se considera oportuno classificar os grupos nem as identidades dos
sujeitos como fixos, exclusivos, imutáveis, uma vez que as combinações de situações e de
agentes se tornam uma constante a partir do momento que se considera as múltiplas interações
possíveis, inclusive pela multiespacialidade permitida pelas redes da internet. Desta maneira,
além da importância de se fazer parte de uma rede e de atuar mais ou menos nesta, busco
avaliar como o indivíduo, em si e em sua pluralidade, é, ele mesmo, uma importante ponte de
sociabilidade para ambientes diversos que acabam por interferir, através das trocas e do
capital social aí envolvido, na sua identidade e, em alguns casos, na própria subjetividade dos
demais.
Conforme relembra a pesquisadora, historiadora e antropóloga Maria Luiza Heilborn
(2006), em seu estudo acerca da experiência da sexualidade, da reprodução e das trajetórias
juvenis, o conceito de jovem pode ser compreendido a partir de percepções historicamente
desenvolvidas e consolidadas, daí porque a metodologia de trabalho aqui proposta coincide
com a de Heilborn ao perceber que “as fases do ciclo de vida ou categorias de idade são
móveis e variam ao sabor de novas concepções sociais acerca do humano e das relações
intergeracionais” (HEILBORN, 2006, p.39). Utilizando os pressupostos da autora, faz-se a
ressalva ainda sobre dois termos comumente utilizados para falar sobre jovens: adolescência e
juventude, uma vez que, se a primeira é compreendida enquanto um momento de crise e como
uma fase problemática da vida; a segunda melhor aceita o momento de incerteza e de
descobrimentos.
Consequentemente, a marcação jovem foi percebida nesta pesquisa de campo a partir
das diversas esferas com as quais esta se envolve, tanto para o sujeito se diferenciar dos
demais, neste caso os “não jovens”, quanto para se diferenciar de outros jovens, em
subdivisões dentro da própria categoria, operacionalizadas mediante distintas formas de
expressarem suas identidades, envolvendo práticas sociais que englobam aspectos diversos
como econômicos, sociais e culturais. Estabelece-se a concepção de jovem, conforme também
proposto por Heilborn em sua pesquisa, a partir do conceito de trajetória biográfica,
39
especialmente centrada em alguns marcos: “o término dos estudos, o início da vida
profissional, a saída da casa dos pais e o início da vida conjugal” (2006, p.40).
A partir das considerações de que, destes quatro pontos apresentados por Heilborn,
nenhum dos entrevistados possuía filhos ou era casado e que a grande maioria ainda morava
com os pais e finalizava seus estudos, é possível perceber como a operacionalização destas
quatro categorias, que antes bastavam para determinar a classificação ou não de um sujeito
como jovem, possibilitam reflexão. Esta observação encontrada no campo é explicada na
proposição de Heilborn ao salientar que, dentro da perspectiva contemporânea, na verdade, o
que mais se reconhece é um entrelaçamento entre a vida adulta e a vida jovem, no que a
referida pesquisadora destaca como prolongamento da juventude, marcante nos países
industrializados e que tem sua origem:
em mudanças estruturais no mercado de trabalho que passaram a demandar
crescente escolarização para um ingresso bem sucedido na vida laboral e, ao
mesmo tempo, apresentar uma contratação de oportunidades para os jovens.
Tais transformações associadas com mudanças nas relações intergeracionais,
que garantem maior autonomia aos jovens sem implicar sua independência
financeira, produz como consequência o retardamento da saída da casa dos
pais e o adiamento da vida conjugal e reprodutiva. (2006, p.40-41)
Logo, compreender a juventude nos tempos atuais implica em não homogeneizá-la na
busca de padrões e características que incluam ou eliminem sujeitos deste coletivo plural. Esta
etapa da construção do sujeito deve ser compreendida a partir dos modos como estes
indivíduos experimentaram, pela primeira vez, algumas situações, como a afirmação da
sexualidade, a aquisição de um emprego, dentre outros. Além disso, outro ponto marcante é a
grande influência que os amigos desempenham na socialização com o mundo, conforme será
percebido, mais adiante, na descrição das maneiras e estilos de relacionamento que os
entrevistados desempenham tanto na vida on-line quanto na off-line, bem como do que
classificam como prioridade em suas vidas.
Trata-se então de um jogo de negações e afirmações que constroem estes sujeitos em
um determinado contexto, sem, entretanto, deixarem de fazer parte de outros. Daí um dos
principais motivos pelo qual, mesmo dentro de grupos que partilham pontos de afinidade, a
diversidade ainda existe, uma vez que esta passa pela imagem que o sujeito constrói de si, da
que este constrói para os outros, bem como aquela edificada dos outros, ou seja, o ambiente
ao redor.
40
Desta forma, o conceito de jovem passa a ser reconhecido neste estudo como um
marcador de diferença social assinalado pela fluidez e pelo reconhecimento e busca da
construção de si e dos outros, também em situação relacional. Jovens se tornam juventudes a
partir do momento que estão organizados em torno de objetivos comuns, como preferências
musicais, escolhas profissionais, hábitos de consumo, o que não anula suas diversidades
individuais e que lhes são próprias, como seres humanos e agentes sociais que assim o são.
Ao longo do levantamento que realizei acerca dos conceitos de “jovem” e das
categorias que o tema mantinha afinidade pude encontrar algumas questões diretamente
pertinentes à metodologia que estava disposta a propor, como no caso da ideia de
transitoriedade vinculada ao universo “jovem”. O sentido de construção das bases do sujeito e
da fase de experimentação são peculiaridades da juventude, segundo propõem os estudos na
área de Giovanni Levi e Jean-Claude Schimitt (1991), em “História dos Jovens. Volume 1 –
Da Antiguidade à Era Moderna”, atestam sobre a questão da transitoriedade a qual é
comumente atrelada à juventude:
é precisamente sua natureza fugidia que carrega de significados simbólicos, de
promessas e de ameaças, de potencialidade e de fragilidade essa construção
cultural, a qual, em todas as sociedades, é objeto de uma atenção ambígua, ao
mesmo tempo cautelosa e plena de expectativas (...). As sociedades sempre
construíram a juventude como um fato social intrinsicamente instável. (1991,
p.08-09).
Sobre o assunto, Alberto Melucci e Anna Fabbrini (1992) afirmam que não apenas os
jovens devem ser considerados como sujeitos em transição, uma vez que a existência social,
por si só, configura uma experiência fluídica. Daí a razão pela qual este estudo considera
possível que um sujeito pode sentir-se jovem sem, necessariamente, estar comprometido com
uma faixa etária, como no caso de Rodrigo, o entrevistado de 31 anos. Ou ainda para todos
aqueles acima dos 25 anos, como o caso de Tadeu e Lia, ambos de 27 anos, que, na visão dos
conceitos trabalhados no início deste tópico, não fariam mais parte da categoria “jovem”,
embora ainda assim se reconheçam.
Imerso nestas transformações tecnológicas, o público jovem encontra-se inserido nas
novas formas de linguagem, dentre as quais se destacam as redes sociais da internet, o que o
torna um consumidor de alta afinidade com o que lhe é natural, revés para as gerações
pretéritas que tiveram que adaptar seus hábitos e suas posturas às mudanças conjecturais, este
é um dos principais motivos que faz com que consumam e façam parte desta interação social,
na qual o sujeito se torna, essencialmente, fragmentado. Sherry Turkle (2005), ao desenvolver
41
estudos na área da sociologia afirma que diversos personagens são encontrados nestes mundos
mediados por computadores ao que se conclui, então, que o ciberespaço é constituído de um
Eu fluído, múltiplo e constituído de um mosaico que transforma e se (re)forma.
Entretanto, é necessário considerar que uma análise, para ser completa, deve abranger
os dois lados do percurso dialético. Partindo-se desta ressalva, é desde já um
comprometimento prioritário desta pesquisa, reconhecer que o sujeito possui escolhas, mas
que nem todas elas lhe levarão a [abrir janelas], muito além das permitidas pela interface do
computador, para que possa estabelecer compreensões, avaliações e diálogos aprofundados
nos múltiplos cenários que constituem o mundo e, consequentemente, o indivíduo pósmoderno, ao que o pesquisador social, Zygmunt Bauman, classifica como “mundo
irritantemente confuso das normas flexíveis e dos valores flutuantes” (2009, p.82).
No decorrer das entrevistas, os interlocutores expressavam facetas de sua
subjetividade responsáveis por inseri-los, segundo seus próprios julgamentos, na categoria de
jovem. Diversos foram os exemplos de experiência, transição, curiosidade pelo novo, dentre
outros comportamentos que pude identifica-los como sujeitos “jovens”. Rodrigo, o
entrevistado de maior faixa etária, argumentou que a internet é sua fonte da juventude e a
responsável por mantê-lo atualizado e conservar sua prática jovem e assinala a importância
social que a tecnologia e as redes sociais das quais faz parte tiveram na construção de sua
identidade:
eu entendi muito mais as pessoas e, na minha profissão, isso é muito
importante, porque a gente acaba conhecendo mais a vida das pessoas. Para
mim, que tenho 20 anos a mais que meus alunos, às vezes é difícil
acompanhar a linha de raciocínio, sociedade e cultura porque a gente tende a
ficar mais lento e mais introspectivo, mas com a internet a gente acompanha
mais tudo isso, é uma atualização que a gente faz na nossa psicologia. As
redes ajudam a falar com pessoas interessantes, a me atualizar.
Percebo a importância de analisar as transformações tecnológicas de maneira
relacional com as mudanças que estas trouxeram nos campos da comunicação social e do
estudo antropológico, sobretudo desta pesquisa. Conforme propõe a semioticista Lúcia
Santaella (2004), é necessária uma reflexão que os símbolos, signos e significados sociais
desempenham nos grupos sociais e nas representações do sujeito em interação com os demais,
sendo esta, inclusive, uma das maneiras de construir suas identidades sociais, reunidas na
forma de uma identidade plural. Desta forma, segundo Santaella (2004), o estudo da
Comunicação, do sujeito e de sua individualidade, deve levar em consideração as formas
42
como o coletivo opera no individual e das diversas interpretações e consequências possíveis
para uma mesma ferramenta, que, conforme destaca o trabalho de campo: os diversos usos
que as redes sociais da internet e os diferentes níveis de impacto que estas podem trazer à
construção da identidade dos sujeitos, “em suma, o que se tem aí é uma proposta para a
comunicação cuja radicalidade do transdisciplinar delineia-se muito justamente na síntese
entre o múltiplo e o específico” (SANTAELLA, 2004, p.67, grifos do original).
Longe de se mundializar e defender a criação de uma cultura universal e padronizada,
creio que o mais coerente seja avaliar os níveis e tipos de participação, associação e
compartilhamento existentes nestas sociedades em rede na internet. Comunicar é estar
relacionado coletivamente e, inclusive, subjetivamente, uma vez que se tratam de esferas
complementares e que se auto influenciam quando da construção da identidade dos sujeitos ao
vivenciarem relações entre o plano do off-line e do on-line, bem como distintos objetivos e
graus de importância, conforme será discutido e avaliado ao longo deste trabalho.
Destarte, fiz um primeiro contato, um ano antes de dar início às entrevistas, com
Edgar, Danilo, Dalila, Lia e Rodrigo, os quais conhecia de momentos diversos, como estudo,
lazer e trabalho. Lúcio e Marcelo ão amigos entre si e entraram na pesquisa após o primeiro
período de seleção de interlocutores, através da convivência que tive com núcleos sociais
afins. Carla era próxima de um conhecido e sugeriu que eu entrevistasse sua namorada, Marta,
também integrante de redes sociais da internet. Em princípio não havia imaginado entrevistar,
obrigatoriamente, casais, mas resolvi aceitar a recomendação de Carla e acreditar nas
surpresas que o campo, quando tomado com certa liberdade de acontecimentos, pode trazer à
pesquisa.
Vinícius e Danilo eram estudantes que possuíam alto grau de interação em suas redes
sociais. Rodrigo, aficionado por tecnologia, havia trabalhado com algumas pessoas que entrei
em contato por ocasião desta pesquisa. Lia, tive a oportunidade de conhecer durante a
adolescência, com a entrada na Universidade nosso relacionamento restringiu-se às redes da
internet, característica esta que acrescentou percepções resultantes de análises obtidas em
longo prazo acerca da relação de Lia com as redes da internet. Tadeu foi um entrevistado
recomendado por Danilo, pois sendo namorados, argumentaram que possuem maneiras
diferentes de operar com suas redes sociais e que o relacionamento amoroso levou a certos
“ajustes de comportamentos” acerca desta questão. Uma vez que iria entrevistar dois casais
homossexuais, considerei a possibilidade de contatar o noivo de Lia, mas esta afirmou que ele
se recusa a participar de redes sociais pela exposição de vida, uma vez que, conforme destaca
Recuero (2012), uma determinada conversação pode, rapidamente, ser replicada e espalhar-se
43
pelos perfis dos envolvidos ou para todos os amigos pertencentes àquela rede social, daí a
dificuldade de normatizar posturas conversacionais, uma vez que estas redes consistem em
territórios praticados e não de delimitação geográfica, conceito este que será explorado em
profundidade mais adiante. Desta forma,
por ser fruto da apropriação, a conversação pelo computador é mutante,
transformadora e produtora de novas redes sociais. Esses elementos auxiliam a
compreensão dela, mas não dão conta de sua integralidade. Práticas
conversacionais características de um determinado grupo podem ser diferentes
em outro grupo dentro de uma mesma ferramenta, por características
específicas da rede social que a apropriou. (2012, p.37)
Para facilitar o acompanhamento dos relatos e propiciar um retorno aos nomes
fictícios dos sujeitos creio ser oportuna a presença de quadro esquemático para apresentação
rápida dos interlocutores. Peço que a escolha desta ferramenta não seja tomada de maneira
fria, uma vez que as demais características de suas identidades e falas serão aprofundadas em
análise à medida que lançar mão destas informações no decorrer da escrita. O recurso trata-se
apenas de um ponto de partida para apresentação esquemática dos interlocutores. Acrescento
que todas as entrevistas foram realizadas na cidade de Belém e área metropolitana,
individualmente, em caráter off-line, e em dias diferentes, o que totalizou cerca de quatro
meses para que as onze fossem concluídas.
Quadro 1: Entrevistados.
Nome15
Idade
Atividade/Formação
profissional
Lúcio
16 anos
Estudante do Ensino Médio
Marcelo
17 anos
Estudante do Ensino Médio
Vinícius
21 anos
Estudante universitário
Carla
24 anos
Psicóloga e estudante
universitária
15
Danilo
25 anos
Estudante universitário
Marta
25 anos
Estudante universitária
Dalila
25 anos
Educadora Física
Edgar
25 anos
Estudante universitário
Todos os nomes são fictícios para preservar a identidade dos entrevistados.
44
Tadeu
26 anos
Publicitário
Lia
27 anos
Médica
Rodrigo
31 anos
Professor
Apesar da diversidade de suas performances, conforme pude perceber, os
entrevistados compartilharam algumas características: nenhum possuía filho e nenhum era
casado em cartório, embora Lia vivesse há três anos com seu noivo. Carla namorava Marta e
Danilo namorava Tadeu, mas nenhum dos dois casais, apesar de se considerarem
relacionamentos estáveis, moravam juntos. Sobre as questões financeiras, apenas Marcelo e
Lúcio não exerciam qualquer atividade remunerada e realizavam as provas para tentarem
ingressar na Universidade; Vinícius, Carla, Edgar, Danilo e Marta estagiavam em áreas afins
a seus estudos. Rodrigo, Dalila, Tadeu e Lia trabalhavam em suas áreas de formação,
professor acadêmico, professora de academia de ginástica, área de marketing e médica,
respectivamente. Apesar disto, com exceção de Lia, todos moravam na casa dos pais, o que,
em algumas entrevistas mostrou-se como um marcador importante sobre as questões de
privacidade: em virtude de possuírem pouco espaço para realizarem as atividades que
gostariam, e diante de algumas barreiras impostas pelos familiares, o espaço da internet
oferecia a liberdade que não encontravam em maior escala na vida concreta. Neste aspecto as
questões que mais se destacaram foram a dos relacionamentos, tanto homossexuais quanto
heterossexuais, e acerca de questões mais “incômodas” à tolerância familiar, como a própria
sexualidade e decisões religiosas. Alguns destes embates e a dificuldade em preservar a
privacidade nas redes da internet ilustrarão exemplos que utilizarei adiante.
1.3 Repensando categorias e conceitos
Apesar de partir de um objetivo de pesquisa comum, previno o leitor, neste instante,
acerca da diversidade de performances de vida e de vivências de categorias com os quais esta
pesquisa se deparou, consistindo em potenciais práticas e características que nos constroem,
aproximam e distinguem, tornando a identidade tão múltipla quanto possibilitam nossas
escolhas, desde as mais triviais até às que nos custam mais serem tomadas ou recebidas. A
seguir tratarei dos pontos principais desta pesquisa a partir da apresentação dos entrevistados
e parte das situações e complexidades que este trabalho de campo trouxe.
45
No recorte metodológico desta pesquisa optei pela inclusão das reflexões pósmodernas acerca do fazer antropológico ao qual se propõe este trabalho. Para tanto, remetome à ideia defendida por estudiosos como Gilles Lipovetsky (2004), autor, em especial, da
Comunicação Social, o qual concentra seus estudos nas mudanças e nas práticas advindas
tanto a partir da modernidade, quanto com o que costuma classificar como pós-pósmodernidade, o que vem a denominar como “hipermodernidade”. Lipovetsky declara que
agora vivemos um momento pós a pós-modernidade, o qual classifica como a
hipermodernidade e que trás consigo algumas das questões advindas dos períodos anteriores.
Grande parte de suas pesquisas estão concentradas nas temáticas da moda e do consumo, mas
as questões que gostaria de extrair como de meus principais interesses em seus escritos são a
maneira como este pesquisador trata das efemeridades das relações hipermodernas e a questão
do contraste que se complementa. Percebo em Lipovetsky as razões pelas quais, a exemplo do
autor, alguns superlativismos precisam de uma análise mais detalhada, conforme realizo
diante dos argumentos fornecidos pelos interlocutores, inseridos em um mundo veloz, quase
que puramente antecipativo, e de inúmeras informações e possibilidades, no qual a esfera
entre o presente e o passado é tênue e sempre nos sentimos a viver o futuro, em um tempo que
não nos pertence totalmente, divididos em tecnologias que sempre se aprimoram e com
nossos anseios humanos nunca satisfeitos. Logo, vivemos o que classifica, como o título de
uma de suas obras, como o “Império de Efêmero”. Conforme destaca,
no momento em que triunfam a tecnologia genética, a globalização liberal e os
direitos humanos, o rótulo pós-moderno já ganhou rugas, tendo esgotado sua
capacidade de exprimir o mundo que se anuncia. (...) Essa época terminou.
Hipercapitalismo,
hiperclasse,
hiperpotência,
hiperterrorismo,
hiperindividualismo, hipermercado, hipertexto – o que mais não é hiper? O
que mais não expõe uma modernidade elevada à potência superlativa?
(LIPOVETSKY, p.52, 2004, grifos do autor)
Entretanto, não quero com isto afirmar que a empatia pela adoção das ideias de
Lipovetsky e sua classificação “hipermoderna” surge sem qualquer vínculo com as
construções de conhecimento advindas de momentos pretéritos. Desta forma, em contextos de
pesquisa, a dialogicidade se faz cara e percebi a necessidade de revisar e de até relativizar
algumas questões e determinados conceitos, em uma visão em perspectiva, inclusive porque
esta pesquisa, sendo essencialmente antropológica, inevitavelmente mantém vínculo com
outros campos do conhecimento advindos da área da Comunicação, o que influencia em
alguns recortes teóricos, sempre compreendendo o Social como uma arena extremamente
fluídica e de trocas.
46
Mais do que tecer críticas, o exercício que proponho é o de revisar algumas categorias
e adaptá-las, sempre que necessário, aos contextos nos quais esta pesquisa se desenvolve,
tanto no que diz respeito ao local de onde os entrevistados elaboram suas falas e revelam
aspectos de sua identidade, quanto do campo social no qual todos estamos inseridos de
alguma maneira, inclusive minha persona, enquanto pesquisadora.
Neste contexto, reconheço alguns dos questionamentos que ocorreram ao longo das
aulas que tive no programa de doutorado, como os de tempo e espaço, os quais não poderiam
mais ser pensados, no contexto deste projeto, tal qual o propuseram. Apesar disto, aproveito
para exemplificar como algumas ideias anteriores ainda se fazem pertinentes a este estudo,
como o trabalho dos pesquisadores sociais, Émile Durkheim (1981, 1993) e Marcel Mauss
(1974a, 1974b, 1974c, 1981), para quem as regras sociais deveriam ser percebidas e
apreendidas pelos indivíduos a partir das influências e das construções do social. Percebo que
os paradigmas que antecederam à proposta pós-moderna também foram relevantes para que
alguns avanços fossem feitos, como por exemplo a concepção de Durkheim (1981, 1993) de
que o sistema social é algo coletivamente construído, com elementos que se relacionam e que
desempenham funções sociais. A própria obra de Mauss (1974a, 1974b, 1974c, 1981)
considera a questão da psicologia no social da vida do homem, além do fato social e a troca
(construções) serem base desta vida, o que nos leva a perceber o fato social como um todo,
incluindo os aspectos físico, fisiológico, psíquico e sociológico; além disso, é de Mauss
(1974a, 1974b, 1974c, 1981) o fundamento de que o inconsciente é capaz de conectar o eu
com o outro através da ação em distintos níveis como linguística e religião, entretanto, esta
pesquisa de campo mostrou a necessidade de se relativizar o conceito durkheiminiano da
sociedade tida como entidade total, única e global, uma vez que esta não pode mais ser
tomada apenas como uma coisa dada e ordenada, mas sim compreendida à luz de contextos
advindos do resultado de ações diversas dos sujeitos em interação com o mundo, os objetos e
com suas próprias subjetividades.
Apesar da pertinência que algumas abordagens clássicas desempenham neste estudo,
reconheço que, para outros casos, uma ressalva se faz necessária para a compreensão de como
certas categorias operacionalizam com o contexto hipermoderno e o da internet. Exemplo
disto é o debate trazido pelo historiador Certeau (2008) acerca das diferenciações entre lugar,
espaço e território, os quais não podem, no caso desta pesquisa, serem compreendidos apenas
como delimitações físicas e geográficas como as clássicas fronteiras entre bairros, Estados e
países. A proposta de Certeau (2008) foi escolhida para a abordagem destas categorias, pois,
conforme salienta o autor, é imprescindível considerar os aspectos subjetivos na construção e
47
na operacionalização destes conceitos no momento de suas práticas. Desta forma, para o
pesquisador francês, lugar estaria configurado pela apresentação de elementos específicos e,
sobretudo, implicado com uma organização topográfica, como seria o caso de computadores
distribuídos em uma sala.
O instante em que os indivíduos passam a utilizar aqueles computadores e a estarem
presentes naquela sala, esta passaria a ser considerado um espaço, caracterizando este
ambiente como um local de práticas no qual sujeitos se encontram, conversam, olham-se ou
até invisibilizam-se. Para Certeau (2008), a principal diferença entre lugar e espaço seria a
mobilidade do segundo, em oposição à estabilidade do primeiro. A compreensão subjetiva
entre sujeito e território é também trazida ao campo do debate pelo antropólogo Perlongher
(2008), para quem território deve ser compreendido a partir da pluralidade de suas esferas
determinadas a partir da utilização e das formas de interação que os indivíduos reunidos
possuem em determinado ambiente e espaço. Perlongher (2008) e Certeau (2008)
desconstroem a concepção de um território definido e estável e trazem a importância que o
indivíduo tem quando da construção destes espaços: são os próprios sujeitos, mediante seus
espaços praticados que constroem o território e suas características.
Ambos os estudos detalhados acima me interessam para esta pesquisa, pois em se
tratando de redes sociais da internet, não encontro na geografia clássica um conceito que
realmente dê conta destas novas maneiras dos sujeitos estarem inseridos em um espaço que,
fisicamente, não existe, mas sim a partir de suas relações. Desta forma não é o sujeito que
habita um território, mas sim o território que é praticado pelo indivíduo e que participa da
construção de sua identidade, através da expressão de subjetividades e do transitar por
distintos lugares que possam satisfazer os anseios e as demandas da pluralidade social e
individual. Ora, a sala de computadores, bem como a posterior presença de sujeitos em
possível relação com suas individualidades, identidades, com os objetos e com os demais,
aproxima as ideias de Certeau (2008) deste estudo. Assim, em adaptação às suas ideias
primeiras, é possível que se perceba, por exemplo, como o local de onde se acessa às redes
sociais da internet, é responsável por toda uma construção ou ativação de códigos sociais, que
perpassam tanto na escolha das roupas, quanto na postura corporal ou nos interesses que se
iria buscar em cada um destes locais.
Sobre isto, exemplifico o caso traçado por alguns entrevistados, os quais
demonstravam especial preocupação com o tipo de rede social a qual fariam parte e de que
forma suas posturas deveriam ser adaptadas, como no caso de Rodrigo que, sendo professor
universitário, migrou várias vezes de rede social quando sentia que aquele espaço, aqui
48
aplicando o conceito de estabilidade de Certeau (2008), tinha se transformado em algo
puramente de lazer, diferente dos propósitos de trabalho imaginados inicialmente pelo
interlocutor. A rede perdeu o interesse de Rodrigo, pois este não mais se identificava com
aquele espaço, talvez porque agora tinha percebido que ele, em sua identidade, havia mudado
de interesses e posturas desde o início da construção daquela Rede. Outro exemplo é o de
Dalila que, sendo professora de academia de ginástica, constrói em uma mesma rede
informações provenientes tanto de sua vida pessoal, como fotos dos locais que conheceu,
quanto de sua esfera de trabalho, ao publicar suas idas ao curso de pós-graduação.
Naturalmente diferentes ambos os momentos são complementares à identidade que Dalila está
construindo para si e algumas marcações de diferenciação são possíveis de serem percebidas:
quando deseja acionar a Dalila profissional e competente, o vocabulário se torna mais apurado
e as temáticas são restritas a sua área de formação; quando Dalila deseja destacar sua
“porção” informal, o vocabulário se torna coloquial e com a presença de gírias, as fotos
deixam de ser tiradas em salas de aula e mudam para restaurantes e praias. A forma
encontrada por Dalila para coordenar, em um mesmo espaço, categorias antagônicas é um
modo de como, em realidade, estas se mostram complementares em relação ao que identifica
o sujeito em seu mundo social. Desta forma, cada rede possui uma demanda operacional
própria, vinculada com a forma de expressar, as fotos que se disponibilizará, os amigos que
serão adicionados, dentre outros.
O próprio local de onde se acessa a Rede demanda uma espécie de código
comportamental, como acesso de ambientes de estágio ou de trabalho. Segundo o filósofo
Deleuze (2004), o sujeito não possui uma identidade de expectativa social e coordenada com
padrões pré-estabelecidos, pois o que faz de si e de sua subjetividade reflete uma programação
de sua subjetividade que, dependendo do contexto, ou seja, dependendo do território o qual
deseja ocupar ou experienciar, será ativada ou permanecerá cristalizada em seu âmago. Isto
posto, para Deleuze e Guattari (1997), a construção e desconstrução de territórios que, uma
vez não existindo fisicamente, centra-se no plano do subjetivo de cada sujeito que,
eventualmente, poderá se encontrar com pares, mas estes grupos nunca são eternos, pois a
eterna fluidez dos sujeitos e as oportunidades que cada qual terá, as decisões que cada qual
realizará serão responsáveis por hora aproximá-los, hora afastá-los em interesses localizados
em tempo e espaço de comportamentos e performances de si, passíveis de mudança e
transformações, uma vez que serão acionados a partir das subjetivações individuais e dos
impactos que o mundo externo operará no interno do sujeito.
49
Sobre estas questões trazidas por Deleuze e Guattari (1997), exemplifico que alguns
entrevistados declararam acessar suas redes de territórios que demandavam agenciamentos de
suas subjetividades, como Tadeu que aproveita para utilizar as redes na busca de informações
demandadas por seu trabalho, quanto aproveita o intervalo, entre uma informação e outra,
para atualizar sua página pessoal e estabelecer conversas com seus amigos. Segundo o
interlocutor, não é que esteja a fugir do trabalho, mas a atividade oscilante ajuda-o a
desestressar. Namorado de Tadeu, Danilo tem comportamento diferenciado: como as Redes
de seu estágio possuem acesso controlado, prefere acessar sua página pessoal de seu celular.
O principal argumento para tal, segundo Danilo, era o de que, no ambiente do estágio seria
impossível publicar determinadas fotos ou realizar determinados comentários, pois se
compartilhava o receio que olhares adjacentes percebessem algo, o que poderia levar ao risco
de perder o trabalho ou por estar assumindo um comportamento em Rede não aceito pela
empresa ou por estar utilizando horas de trabalho em uma atividade classificada como
secundária pela empresa, o que Perlongher (2008) caracterizará como a mutabilidade e a
variância dos encontros entre distintas performances do sujeito. O medo de “arranhar” a
imagem e prejudicar a postura profissional, sobretudo aqueles que trabalhavam ou
estagiavam, cobrava destes entrevistados uma cautela redobrada na realização de
determinadas ações, alguns inclusive admitiam que, mesmo para eles, estar na Rede, no
ambiente de trabalho, era algo menos importante e uma ação quase irresponsável. Ainda
assim, estas atividades “marginais” não eram abdicadas, apenas encontravam outro espaço
para serem praticadas, nestes casos dispositivos particulares, como celulares que garantissem
uma maior privacidade.
Durante a construção das primeiras indagações para o momento das entrevistas, outra
categoria que reconheci a necessidade de análise mais cautelosa diz respeito à compreensão
das classes sociais dos entrevistados, uma vez que estas não foram compreendidas segundo
valores econômicos, pois optei por utilizar, conforme será analisado nas próximas páginas,
como fundamentação para referida categoria, o conceito de Bourdieu (1983, 2007), que trata
da necessidade de percebê-las não como características monetárias, mas a partir de uma
compreensão em perspectiva das buscas e maneiras dos sujeitos de se inserirem em contextos
nos quais se veem, por motivos diversos, inseridos ou inclinados a fazer parte, como nos
casos específicos de Lia e Danilo, entrevistados que, apesar de serem provenientes de uma
classe social mais baixa, a partir das compreensões financeiras, não foi percebido grande
diferencial de conteúdo e certas oportunidades de vida que estes dois interlocutores tiveram
em relação aos demais entrevistados que possuíam uma trajetória de vida econômica distinta.
50
Segundo Bourdieu (1983, 2007), o estudo das classes sociais é compreendido a partir
de três esferas. Considera-se que o grau de instrução é o primeiro responsável na seleção de
conteúdo, seguido apenas em um segundo momento pela herança familiar, tida,
equivocadamente, como muitos pela responsável na seleção de gostos e interesses. A família e
a escola são, por assim dizer, os símbolos maiores das escolhas pessoais, as quais podem estar
orientadas ora em acordo, ora em desacordo com o que estes grupos representam ou
defendem. Desta maneira, classe social pode ser vivida na sua totalidade ou em sua fração,
por isso deve ser compreendida não apenas como um marcador econômico, mas ainda social,
com estilos de vida do campo simbólico, e cultural, daí porque cada sujeito irá empregar
funções diversas ao que é simbolicamente consumido através da percepção dos sistemas
classificatórios, daí a necessidade, de acordo com Bourdieu, da realização da pesquisa
empírica na compreensão desta categoria. A recomendação do teórico foi seguida por este
trabalho e se pode perceber a pertinência da questão, daí porque as conexões teóricas e
práticas estão aqui percebidas em perspectiva. Ilustro esta temática com alguns casos que
percebi quando da realização das entrevistas, como o de Danilo, que havia ingressado na
Universidade através de programas de incentivo do governo; Lia, por exemplo, poderia
facilmente cair nos preconceitos mais arraigados de nossa sociedade: negra e de classe média
baixa, entretanto havia se formado em medicina, profissão esta tida na sociedade paraense,
bem como a brasileira, como elitista. Atualmente, Lia trabalha na profissão, mora em um
apartamento alugado com o noivo, paga todas as suas despesas e está economizando para a
compra de um apartamento próprio. Dalila também provinha de uma família de renda
limitada, visto que só o pai trabalhava e a mãe era responsável pelas atividades domésticas,
mas conseguiu se formar em Universidade pública e hoje é o principal salário para o
pagamento das contas de sua casa.
Castells (2009) prevê, em suas abordagens, sobretudo acerca da questão da identidade
na internet, categoria esta a ser tratada, em profundidade, no próximo capítulo, a pulverização
de mensagens e de registros. Segundo o autor, o fenômeno da criação de redes não é novo,
entretanto os nós de interação oriundos da internet possuem o diferencial da adaptação e da
flexibilidade. Apesar disto ressalta que “a volatilidade, a insegurança, a desigualdade e a
exclusão social andam de mãos dadas com a criatividade, a inovação, a produtividade e a
criação de riqueza nesses primeiros passos do mundo baseado na internet” (2003, p.09).
Castells (2009) finalmente toma posição que compartilho e que gostaria que fosse tomada
como premissa para o estudo proposto, o qual lida com um contexto, o da internet,
especialmente transcendente e fluído. Talvez por esta razão, compreender o presente se torna
51
um dos maiores desafios desta pesquisa diante das tecnologias digitais e da forma como os
múltiplos sujeitos se relacionam com estas Redes. Logo, em uma situação em que o plural e a
transitoriedade imperam, compartilho o apontamento trazido por Castells acerca da
emergência destes estudos, na esfera da internet, e incorporo sua ressalva, marcadamente
antropológica, sobre a necessidade da eterna contextualização de análises, pois
ainda que não saibamos o bastante sobre as dimensões sociais e econômicas
da internet, sabemos alguma coisa. Nas páginas que se seguem você não
encontrará nenhuma previsão sobre o futuro, pois penso que mal
compreendemos nosso presente, e desconfio profundamente da metodologia
subjacente a essas previsões. Você não encontrará também nenhuma
advertência moral, nem, aliás, prescrições de conduta ou conselhos sobre
administração. Meu objetivo aqui é estritamente analítico, já que acredito que
o conhecimento deve preceder a ação e a ação é sempre específica a um dado
contexto e a um dado objetivo. (CASTELLS, 2003, p.09)
Aproveito ainda para destacar que, nos casos que acabo de citar, segundo os próprios
entrevistados, a internet sempre foi uma maneira de ter acesso a livros, a conhecimentos que,
de outra forma, não teriam tido a oportunidade de tempo, espaço e finanças, de realizar. Desta
forma, a internet se tornava o meio pelo qual interagiam e acessavam conteúdos de contextos
diversos, ao que levava ao compartilhamento e construção de algo maior para suas
performances: o conteúdo e a sociabilidade que estes forneciam. Nestes casos, o traço
marcante dizia respeito à finalidade e ao uso que Lia e Danilo conferem às tecnologias em
relação aos demais, o que era um cenário previsto, uma vez que o comportamento dos
usuários de tecnologias e seus anseios e buscas diferem, haja vista a própria especificidade
dos anseios, contextos e trajetórias de vida.
1.3.1 Sobre a escolha do local e o sentir-se à vontade: de onde e como se fala
Retornando às especificidades técnicas do recorte metodológico, as entrevistas
semiestruturadas realizadas continham um total de 23 perguntas (Apêndice), sendo destas
quatro de identificação (“Idade”, “Sexo ao nascer”, “Como se define sexualmente”, “Como
você define a sua cor”), e, as demais, dialógicas, o que permitiu o acréscimo de perguntas
específicas para situações que vieram a aparecer. Desta forma determinadas temáticas foram
exploradas mais ou menos em algumas entrevistas. Destaco ainda que, a participação de cada
entrevistado foi marcadamente diferenciada, enquanto alguns detinham-se mais nas temáticas
52
acerca da privacidade, outros chamaram a atenção para assuntos que não estavam presentes
no roteiro inicial, como a busca pela sexualidade através das experiências em rede.
Ainda assim, o tempo médio de realização destas entrevistas esteve em torno de uma
hora de duração, mas para alguns casos, nos quais o caráter de confissão se mostrou como
mais atuante, como no caso de Edgar, para quem apenas após quatro horas foi possível
finalizar a fala, com o desabafo do interlocutor de que nunca tinha tido o espaço necessário
para tratar daquelas temáticas e de que sentia como se uma porta em si tivesse sido aberta para
conhecer coisas que nem ele reconhecia em si, mas que, ao ser indagado em nossa conversa,
percebeu que precisava refletir mais sobre o que estava fazendo em seus dias e quem
realmente estava por detrás de suas ações, tanto off-line quanto on-line.
Levada pelo intuito de deixar o interlocutor o mais à vontade possível com o objeto de
estudo e com a conversa que teríamos, procurei realizar as entrevistas em locais nos quais os
entrevistados se sentissem à vontade para responder os questionamentos, destarte todas foram
realizadas em lugares escolhidos por afinidade ou que garantissem, segundo o entrevistado, a
privacidade necessária para tratar de determinadas temáticas. Curioso perceber que em
nenhum dos casos o roteiro semiestruturado foi apresentado ao entrevistado, mas a simples
sensação de ter que falar de algo que talvez estivesse ali contido fez com que, em todos os
casos, o local de onde se falaria e como se falaria fosse essencial para que a entrevista
acontecesse ou não em determinado dia.
Desta maneira, os locais escolhidos para a realização das entrevistas compreenderam
Belém e área metropolitana, dado o local no qual alguns moram, trabalham ou estudam.
Apenas Marcelo escolheu sua residência para nossa conversa, mas em seu quarto, com portas
fechadas e apenas com o irmão mais velho na casa e instalado em um cômodo afastado.
Vinícius escolheu a universidade em que estuda, pois argumentou que assim melhor se
encaixava em seus horários, uma vez que é músico e divide seu tempo entre os estudos, o
estágio, a família, a namorada e os ensaios da banda que faz parte, conforme esclareceu.
Lúcio, sendo amigo de Marcelo, escolheu a casa do colega para realizar a entrevista, em um
dos encontros que os amigos mantêm para jogar jogos on-line com a rede social da qual
ambos fazem parte. Danilo e Tadeu foram entrevistados no mesmo dia, separadamente, em
um fim de semana no qual estavam de passeio, a entrevista foi realizada na casa de um amigo,
uma vez que os pais de Danilo não aceitam a relação homossexual do filho.
Lia e Dalila escolheram minha casa para conceder a entrevista, realizada em um
intervalo do trabalho que tiveram. Durante nossa conversa, Dalila revezava entre responder
minhas perguntas e às mensagens que chegavam, via celular, de sua rede social. Carla e Marta
53
optaram a ir ao encontro em minha residência. Edgar preferiu um café da cidade, evitou a
residência, pois ainda mora com os pais e estes não aceitam abertamente sua
homossexualidade, a qual, inevitavelmente, conforme pude comprovar, uma vez que foi a
entrevista de maior tempo de duração, viria à tona na sua relação com as redes sociais da
internet.
Rodrigo escolheu um café, mas ao nos depararmos com um ambiente cheio de pessoas
percebi que a conversa não fluiria, em virtude da temeridade do entrevistado para falar sobre
algumas questões de sua identidade. O entrevistado sugeriu que esta ocorresse em seu carro, a
portas fechadas, talvez em tentativa de garantir que ninguém aparecesse de inesperado e
quebrasse seu momento de privacidade, para falar com mais tranquilidade e sem tantas
amarras sociais.
Um dos pontos que despertou reflexão foi o de que, enquanto o [estar à vontade] para
uns compreendia um local de afinidade com suas rotinas, como local de estudo ou casa de
amigos, outros optaram por locais totalmente públicos, como uma cafeteria existente em uma
loja de departamentos, com o argumento de que “aqui não vai parecer que estaremos fazendo
uma entrevista e ficarei mais à vontade para falar de qualquer coisa, sem a sensação de que
estou sendo observado e de que estão escutando o que falo. Sabe, alguns destes pontos são o
motivo pelo qual não me dou muito bem lá em casa”. A rua, bem como analisa o filósofo
Charles Baudelaire (2006), em seu espaço de convivência público, a cafeteria da loja, ou a
rede social da internet, era o espaço no qual o entrevistado conseguia experenciar o mundo
para além das dificuldades que, afirmava, vivia na familiaridade da residência.
Destarte, bem como uma modernização do flâneur citado por Baudelaire (2006) e
Walter Benjamin (2006), o sujeito então se constitui cidadão do mundo, com interesse de
sentido global e apreciativo de seu entorno. Consequentemente, se torna impossível limitar
este jovem “homem do mundo”, que, levado pela sua curiosidade e interesse inclinado
“vivamente pelas coisas, mesmo por aquelas que são aparentemente mais triviais”, funde-se
na inconstância do movimento, transitoriedade característica da identidade pós-moderna. A
rua e a multidão, no contexto do ciberespaço, transformam-se nas Redes sociais presentes na
internet. A identidade se dilui e se constrói no âmbito destas “massas”, que em alguns
momentos, tal como pontua Benjamin, flexibiliza alguns traços do sujeito, como uma
intenção de se evitar a solidão total. O sujeito flâneur proposto pelo referente autor insere-se
em uma sociedade na qual, cada vez mais, o conhecimento e o processo industrial implicam
em constantes mudanças sociais e culturais, situação esta que pode se ver refletida em partes
na velocidade de um mundo repleto de superlativismos e de velocidades e transitoriedades, no
54
que classifica como um labirinto social através de (re)invenções das partidas e chegadas de
cada trajetória que
o flâneur, sem o saber, persegue esta realidade. Sem o saber – por outro lado,
nada é mais insensato do que a tese convencional que racionaliza seu
comportamento e é a base inconteste da ilimitada literatura que descreve o
flâneur em seu comportamento e aparência. Trata-se da tese de que o flâneur
teria escolhido como objeto de seu estudo a aparência fisionômica das
pessoas, a fim de fazer a partir do andar, da estrutura física e das expressões
faciais a leitura da nacionalidade e do status social, do caráter e do destino.
(BENJAMIN, 2006, p.474)
Segundo Manuel Castells (2002), sociólogo mexicano, as Redes se constituem em
mais um potencial espaço para que o sujeito experiencie sua vida, sua cidadania no mundo,
considerando que quanto mais se explora este novo palco de interação social, mais há algo
que se (auto) descobrir. Reconheço que este novo espaço antropológico é caracterizado por
uma paisagem que modifica e se modifica, no qual o sujeito, no caso especial desta pesquisa,
o jovem, estabelece percursos normativos e de descoberta imersos nesta tecnologização da
sociedade. Desta maneira, juventude, conforme exposto anteriormente, enquanto categoria
social é compreendida nesta pesquisa não apenas como uma faixa etária ou grupo homogêneo,
mas sim como um sentimento, uma performance construída social e culturalmente, em
determinado contexto, inclusive histórico; tornando-se incompleto percebê-la apenas como
um período de conflitos e de transição, uma vez que a vida humana e suas fases são ricamente
permeadas de fluidez e transições.
Grande parte das ideias que se tem para a categoria juventude e as significações do
que representam as faixas etárias são construções sociais, uma vez que a própria idade e suas
simbologias são um fenômeno determinado socialmente, conforme o propõe Fredrik Barth
(2000) em sua obra “O guru, o iniciador e outras variações antropológicas” ao ressaltar que a
sociedade é o resultado de uma construção arbitrária, através da concepção da cultura como
elemento coerente e que não pode ser representada como um corpus definitivo e homogêneo.
A observação das práticas sociais, tanto coletivas quanto individuais, deve ser acompanhada
de uma análise da própria sociedade, em seus aspectos simbólicos, quanto pela forma de viver
dos indivíduos nestes contextos sociais relacionados:
todos os padrões observados nas construções culturais estão de algum modo
relacionados, de maneira essencial, às funções simbólicas e expressivas da
cultura. A cultura pode ser representada como variável independente e
princípio motor, e perpetuada a herança dos pressupostos do holismo e do
55
essencialismo dentro dos universos fechados de diferenças culturais.
(BARTH, 2000, p. 111)
A identidade, conforme é trabalhada no capítulo a seguir, é produto da construção de
sua cultura, em meio aos contextos de significante e significados que permeiam as interações
com o mundo e com os demais, inclusive através do forte agente catalisador de mudanças que
é a comunicação, tendo em vista que os próprios meios de comunicação refletem a cultura e
as práticas sociais de determinada sociedade. O filósofo tchecoslovaco Vilém Flusser (2007)
argumentava, em seus textos acerca da língua e da decodificação do mundo, que seu objetivo
não era o de criar sistemas consistentes, uma vez que isto poderia desencadear em uma
escassez da produtividade reflexiva. Por outro lado, entendia que o caos não é tolerável
permanentemente, por mais confuso que o mundo possa parecer, o sujeito sempre busca
encontrar uma certa ordem no que observa, vive, escuta e pensa, em uma herança da tradição
grega a qual fundamentou que se pode perceber muito além dos fenômenos, passando pelo
que também transparece. Neste sentido, propunha que o mundo com o qual sonhava era
constituído de paredes que se alteravam em vários aspectos físicos. Neste mundo, a
inconsistência física existia, pois a relação primeira estava estabelecida com o campo das
ideias, responsáveis por fomentar as transformações e experimentações almejadas.
Ora, o sonho retratado por Flusser (2007) encontra campo no ciberespaço e deixa de
ser completa ficção científica. Analisando a proposta do filósofo, o contexto do imaterial
permite a relativização e revisão de conceitos, há muito construídos, como os de tempo e
espaço, uma vez que vivemos em época na qual o mundo vivido e o mundo do digital acabam
por se relacionar e se influenciar a tal ponto que, na maior parte das vezes, não é possível,
apesar de suas peculiaridades, delimitar claras fronteiras entre estes campos. No ciberespaço
tem-se uma infinidade de conteúdos disponíveis e de trajetórias possíveis, entretanto, alguns
deles dificilmente entram na “rotina de acessos” dos usuários, ou simplesmente não são
acessados com frequência.
No início do século XX, no qual Flusser desenvolve seus estudos, a explosão da
internet e suas redes sociais ainda não havia acontecido, porém as características humanas de
ordenar o mundo de acordo com suas necessidades e compreensões estava lá, por isso a
proposição que segue de Flusser (2007), ainda que argumente o contexto de um mundo que
vivia a Segunda Guerra Mundial, pode ser interpretado, guardada às características de cada
contexto, a partir dos anseios, buscas, experiências e afirmações dos sujeitos nas redes sociais
56
da internet, como forma de também viver o mundo off-line, complementando-o com o on-line
assim,
um mundo caótico, embora concebível, é, portanto, insuportável. O espírito,
em sua ‘vontade de poder’, recusa-se a aceitá-lo. Procura, no fundo das
aparências caóticas, uma estrutura graças à qual as aparências, caoticamente
‘complicadas’, possam ser ‘explicadas’. Essa estrutura deve funcionar de duas
maneiras: deve permitir a fixação e cada aparência dentro do esquema geral,
deve servir, portanto, de sistema de referência; e deve permitir a coordenação
entre as aparências, deve servir de sistema de regras. A estrutura deve ser
estática e dinâmica ao mesmo tempo. Fixando o lugar da aparência, isto é,
utilizando-nos da estrutura estática, tornamos a aparência apreensível. Ligando
a aparência com outra, de maneira que ela seja consequência de outra, isto é,
utilizando-nos da estrutura dinâmica, tornamos a aparência compreensível. O
primeiro esforço, o da fixação, equivale a uma catalogação do mundo. O
segundo esforço, o da coordenação, equivale a uma hierarquização do mundo.
Se coroados de êxito, o primeiro esforço resultará em catálogo de todas as
aparências bem definidas umas diante da outra, e o segundo esforço resultará
em hierarquia de classes de aparências perfeitamente deduzíveis uma da outra.
O mundo terá sido transformado de caos em cosmos. Poderemos dizer que o
mundo ‘aparentemente’ caótico, é ‘realmente’ ordenado. Ou, que há um
mundo ‘aparente’ caótico, e um mundo ‘real’ ordenado. (FLUSSER, 2007,
p.31-32)
O coletivo desta forma representa as maneiras pelas quais o sujeito organiza suas
performances com o intuito da interação e da construção e catalogação de si e dos demais. Daí
porque as práticas dos sujeitos são concebidas em uma análise situacional e relacional de
acordo com a maneira pela qual o sujeito interage e o contexto no qual está inserido. A
observação em perspectiva e contextualizada ocorre em situação semelhante na proposta de
Bourdieu (1983), conforme tratado previamente, para a análise das classes sociais.
Finalmente, a manutenção e construção dos territórios, conforme concebidos por esta
pesquisadora e analisados com base nos fundamentos de Certeau (2008), Deleuze (1997;
2004), Guattari (1997) e Perlongher (2008), acontece mediante o significado que
acompanham os jogos de interesse e os códigos de diferenciação.
Desta forma, pode-se esboçar que as redes sociais constituem parte do grupo dos
objetos que permitem certas liberdades ao sujeito, sem, necessariamente, esse estar restrito à
pertinência apenas a um grupo ou a um estilo de vida. Subjetivam-se as ações, tendo como
parâmetro os contextos sociais e a individualidade de cada um destes indivíduos, daí a razão
da multiplicidade das escolhas e trajetórias realizadas no acesso à internet e suas redes sociais.
A utilização deste meio, consequentemente suas redes sociais, é uma ponte para que o sujeito
possa construir e experenciar, através de outras interfaces com o mundo, a sua identidade,
57
sem, necessariamente, essa implicar em completa negação ou incoerência com o que se vive
no plano on-line, uma vez que as ligações e complementações não obedecem a padrões e sim
às ideias e anseios, inclusive aspiracionais, que movimentam estas individualidades em um
coletivo.
1.4 O campo e as reflexões
A partir das ideias acima, confesso que a pesquisa de campo mostrou várias facetas de
atuação, interpretação e de escuta ao que se respondia. Por vezes identifiquei que aquilo que o
Outro relatava havia, em algum momento, ocorrido de forma semelhante comigo e qual não
era o esforço em não deixar transparecer, exacerbadamente, estas características, de modo a
tentar controlar, um pouco, a influência que minha persona desempenhava naquele instante.
Entretanto, reconheço que, como toda etnografia, inevitavelmente, minha presença, meus
olhares, meus questionamentos e meus silêncios provocaram certas catarses de falas acerca de
assuntos latentes e inquietantes aos entrevistados: o acesso às redes sociais da internet era, em
boa parte, para falar de si, para se descobrir, para se experimentar no que ainda não estava
assumido ou dado. Por isso, é oportuno destacar que as redes da internet não se constituem no
sujeito. Estas redes tratam-se de escolhas realizadas, através de ideias e anseios pelas quais
estas podem representar a possibilidade de se transgredir algumas regras.
Gostaria de esclarecer que, algumas das observações são provenientes não apenas das
entrevistas realizadas pela ocasião do campo junto aos interlocutores, mas da percepção
adquirida ao longo dos oito anos que possuo redes sociais da internet, talvez por esta razão,
sentia que, por vezes, havia a intenção, por parte dos interlocutores, de que eu participasse e
interagisse com o desabafo que estavam fazendo de forma a concordar ou interpor-se ao que
diziam, através de algumas frases em tom interrogativo.
Neste instante retomo a fala da complexidade de se realizar o trabalho de campo e dos
impactos que o ato da “confissão” leva. Ilustro com o caso mais específico, certa que houve
outros, mas este foi o mais marcante: a entrevista com Edgar, que durou quase quatro horas.
Após refletir bastante acerca deste momento, percebi que, ao plantear meus questionamentos,
determinadas catarses de emoções tinham início e, com isso, muitos argumentos silenciados
do entrevistado vinham à tona. Edgar verbalizou um desses momentos quando, ainda em
nossos primeiros minutos declarou: “Você está me fazendo falar de coisas que eu não falo há
muito tempo e não sei porquê estou tendo esta confiança agora. A porta abriu e não sei
58
quando vou conseguir fechar”. Mesmo tomando todo o cuidado para que não houvesse um
envolvimento despropositado e até perigoso à pesquisa e às confissões, pude sentir parte do
que aquele indivíduo mais buscava nas redes sociais: um espaço para conversar, para
confessar para si. Uma vez que não encontrava a possibilidade de criar, em profundidade, este
território em seu mundo off-line recorria, então, às redes da internet, como uma forma de
transgredir às regras, ou guardava para si. Tudo isto até aquele instante em que estava eu, com
meu gravador e olhos atentos a escutá-lo e a indagá-lo acerca de temas que talvez outros não
tivessem demonstrado tanto interesse ou não tivessem tido a oportunidade de conversar com
Edgar, sempre de muitas brincadeiras, mas que talvez sentisse falta de momentos em que
fosse levado com mais seriedade por seus amigos.
Algumas perguntas adicionais foram realizadas em determinadas entrevistas.
Considerei enriquecedora a possibilidade de retirar o máximo proveito para melhor conhecer
uma situação que se descortinava diante de mim, não limitando as análises aos assuntos
incialmente rascunhados, mas sim aprofundando o olhar frente a certos desabafos de vida. E
então estava lá eu, em um café da cidade, e refletia: quantas das pessoas aqui presentes estão
conversando sobre assuntos de tamanha delicadeza em suas vidas? Quantas vezes eu mesma
fui capaz de me enxergar da forma como o interlocutor está fazendo agora? É verdade que,
houve momentos nos quais esta ponte de confissão não foi construída tão facilmente, mas
creio que, como mostram os relatos de outros pesquisadores, tudo há um quê a ser
interpretado: mesmo uma frase mais curta ou um silêncio podem carregar cargas de confissão.
Sobre isto, uma das entrevistas que mais alertou meus olhares foi a de Marcelo.
Iniciei as perguntas de identificação e, ao propor questões que imaginava confeririam
maior liberdade de respostas, quiçá mais longas, Marcelo simplesmente foi quase
monossilábico em suas respostas. Após quatro perguntas e algumas mudanças de assunto, na
tentativa que acreditava estar a fazer para aproximar o interlocutor da pesquisa, surgiu, em
minha fala, o tema da religião. No mesmo instante uma veia imediatista me repreendeu: por
que havia feito aquilo? Onde aquela pergunta poderia me levar? Será que ela realmente me
interessava? Felizmente não havia tempo para arrependimentos, foi então que iniciou a
reviravolta na conversa com Marcelo:
eu faço parte de um grupo que é um pouco polêmico na internet, mas acho que
mais por parte de diálogo iria ajudar isso a ser menos polêmico. Eu sou ateu e
acho que é muito mal visto pela maioria das pessoas e que se houvesse uma
conversa poderia ser mais bem explicado, para aumentar a aceitação entre
grupos. A maior parte da minha família é católica. Não sei muito bem quando
eu comecei a me considerar ateu, mas foi mais uma transição lenta, eu fui
59
perdendo a fé aos poucos até realmente me considerar ateu. Cheguei a ser
católico e evangélico, mas não sentia que me ajudava muito. Mais ou menos
há uns quatro anos fui me sentindo mais ateu.
Ao terminar sua frase Marcelo seguia olhando-me fixamente enquanto, em meu
interior, buscava interpretar aquele torvelinho de verdades que acabavam de ser partilhadas.
Reflexionando sobre a trajetória de vida de Marcelo creio ser oportuno acrescentar
algumas importantes considerações acerca do tempo referenciado por Marcelo como “mais ou
menos há uns quatro anos”. Há quatro anos os pais de Marcelo se separaram o que se
configurou como uma experiência traumática ao interlocutor. As dificuldades emocionais
trazidas por Marcelo, bem como as consequências advindas do divórcio, foram parte do
motivo que gerou o abandono da religião, até então partilhada em família. Marcelo afirmou
que possuía redes sociais mais pelo que classificou como “obrigação social de estar lá” e que,
ainda assim, tinha poucos amigos nestas redes, uma média de 150 pessoas, número pequeno
se comparado com outros perfis de entrevistados que contabilizavam cerca de 800
conhecidos, categorizados pela rede social como “Amigos” 16.
A partir das considerações acima, ratifico a importância de perceber as representações
enquanto interpretações sociais em uma experiência e em uma escrita marcada pela tensão da
autoridade. Na busca por figurar com o Outro no discurso multivocal e pastiche dos relatos da
imersão etnográfica, um constructo de negociações com pontos de aproximação e de
conflitos, conforme destaca Renato Rosaldo (1991), em seus levantamentos acerca das
interferências do campo subjetivo na esfera social, “nessas arenas culturais, as relações
humanas estão governadas mais pelo conflito que pelo consenso” (p.168, 1991)17. A proposta
da fusão de horizontes nos moldes dos pós-modernos, e com sua prática ensaiada nas
experiências hipermodernas, não diz respeito e nem almeja a subtração de identidades, pelo
contrário: admite-se a existência de identidades plurais trazidas a tona a medida que se fazem
necessárias. Seriam estes os reconhecidos momentos de sociabilidade, conforme proposto por
Simmel, o qual será analisado em profundidade no próximo capítulo, encontrados nos
indivíduos, em diversos contextos e, inclusive, na operação entre vida on-line e vida off-line.
Cautelosamente, para não quebrar o momento delicado de confiança que havia
estabelecido com Marcelo, a conversa prosseguiu. O interlocutor argumentou que a separação
dos pais levou-o a questionar a religião que antes possuía. Além disto, encontrou nas
16
Neste caso, as redes sociais utilizadas pelos interlocutores permitem o agrupamento destes
“Amigos” em listas específicas a serem categorizadas pelo próprio proprietário da rede, uma vez que
podem-se ter conhecidos agrupados em listas como “Família”, “Trabalho”, “Escola”, dentre outros.
17
Tradução própria.
60
comunidades de jogos de vídeo game, um convidativo espaço para estar em outras vidas, em
outros personagens para além das situações que lhe incomodavam no plano off-line.
Reconheci nesta ação uma tentativa de aliviar as pressões emocionais, falar com outras
pessoas e experimentar uma vida diferente, a qual pode ser vivida sem tantos riscos
emocionais. Apesar disto, a lembrança do off-line não desaparecia totalmente das atitudes de
Marcelo, pois para grande parte das comunidades que fazia parte, seus amigos de colégio
estavam lá, bem como a grande parte dos tópicos que buscava nos fóruns desta rede tratavam
de assuntos presentes, em maior ou em menor nível, em suas práticas off-line.
Acerca da forma com que alguns dos entrevistados expressavam a relação entre suas
identidades concretas e não concretas, gostaria de utilizar o exemplo de Vinícius: músico,
universitário, de fala extremamente tranquila. Vinícius afirma que geralmente é taxado, na
vida off-line, como “sério” ou “rabugento”, talvez pelos piercings e tatuagens que carrega e
declara que a reação não passa dos famosos pré-conceitos sociais, “eu tento esclarecer
algumas coisas, mas sei que de algumas eu não quero falar. Não vale a pena, eu já até tentei,
agora eu prefiro só ler, escutar ou falar com algumas pessoas”, confessou o interlocutor. E
quais seriam esses temas aos quais Vinícius desacredita da possibilidade do diálogo? Quando
indaguei-o, confessou que, o principal, são as questões religiosas, pois apesar de partilhar a
escolha por ser ateu, juntamente com seu pai e com sua mãe, não encontra em todos os seus
amigos um campo para a conversa sobre o assunto, inclusive com sua namorada, evangélica:
evito ao máximo postar coisas que, na minha concepção, podem ser certas,
mas para outras pessoas podem ser erradas, por exemplo, eu sou ateu desde
criança, minha mãe é ateia, meu pai é ateu, então eu cresci com essa
concepção, daí tem uma foto sobre ateísmo, eu evito compartilhar porque
podem ter pessoas que se ofendam. Mesma coisa uma piada homofóbica, o
que eu não gosto também, eu acho que, se eu não dou moral para fazerem mal
para mim, também não posso fazer essas coisas com outros.
Em relação à vida on-line, Vinícius se informa e se atualiza sobre os debates no campo
da religião, mas declara que nem assim se sente à vontade para se manifestar, uma vez que
procura evitar que muitas pessoas tenham conhecimento de decisões que considera mais
polêmicas, como a escolha por ser ateu. A atitude do entrevistado remete às proposições
expostas anteriormente, e embasadas nas pesquisas de Recuero (2012), acerca das relações
estabelecidas entre indivíduos na conversação mediada pelo computador. Podendo estas
envolverem situações de polidez e de conflito, a partir da convenção de normas “aprovadas
socialmente” sobre comportamentos e atitudes aceitos e permitidos em cada rede social, os
61
quais, frequentemente, esbarram na dificuldade de possuírem um acesso de público tão
diverso que acarreta na dificuldade de se estabelecerem padrões que normatizem determinada
rede de relação social.
Vinícius reconhece que na internet é possível ser diferente e reconhece tanto em si,
quanto nos outros essa mudança comportamental: “conheço pessoas que são meio diferentes.
Eu conversei com uma que disse que, no Ensino Médio, ela sofria bullying18, então ela criou
meio que uma barreira na vida social dela com os amigos, daí pessoalmente ela é meio que
tímida e evita algumas coisas, mas na rede social não, ela tem os amigos que só ela aceita, se
relaciona com eles e não tem espaço para os que trataram ela mal no passado. Na rede social
ela é engraçada, conversa, mas pessoalmente ela é meio afastada, meio tímida”. Segundo Hall
(2006), características diversas são possíveis de existir em uma mesma identidade, pois esta
não é singular e sim a representação de um coletivo de traços e subjetividades, partilhadas
socialmente e intimamente, daí a percepção de um comportamento oscilatório. Esta linha de
interpretação é utilizada igualmente para o contexto de Vinícius que, após ter participado
ativamente das redes sociais acabou por vivenciar experiências que considerou negativas.
Diante disto, hoje Vinícius se considera um sujeito mais neutro em sua vida on-line,
expondo bem menos de si na internet, reduzindo o número de fotos e controlando certos
comportamentos e atitudes. Esta estratégia, afirma, tem garantido que problemas de
comunicação e interpretação não ocorram com tanta frequência, uma vez que é muito mais
difícil, para Vinícius, recuperar um mal-entendido através de palavras publicadas na internet,
as quais diversos amigos terão acesso, do que em uma conversação no mundo off-line,
geralmente, com um número mais restrito de interlocutores. A questão do que é público e do
que é privado é representada de maneira permeável nas redes da internet, pois as próprias
ferramentas que estas tecnologias possuem fazem com que o sentimento de público seja
marcante uma vez que mesmo sem e selecionando os receptores que poderão ter acesso a
determinada publicação, ela pode, apenas com o manuseio de alguns botões, deixar de ser
privada e passar a domínio público, uma vez que
a mediação do computador gera elementos que caracterizam, de forma
simultânea, as conversações em públicas e privadas. Uma conversação
privada, assim, por conta da mediação, tem o potencial de ser tornada pública,
uma vez que seu registro é característico do ciberespaço. O que se tem, em
conversações privadas, portanto, é uma limitação da visualização da
conversação realizada pela ferramenta. Isso significa, entretanto, que essas
18
Termo que se refere a atos de agressão, tanto físicas quanto verbais.
62
conversações podem ser capturadas por outros indivíduos e publicadas.
(RECUERO, 2012, p.57)
Outra avaliação interessante é de que os próprios meios de comunicação refletem as
mais pertinentes características, bem como os principais dilemas de uma sociedade. A isto,
destaco a contribuição de Landowski (1992), o qual, através do que conceitua como
“sociedade refletida”, salienta que nossas formas de interação com a tecnologia, bem como
nossas relações subjetivas e com o Outro, fazem parte da rede de significados operados na
cultura e no social. Apoiada nestes pressupostos, indago se não seria o touchscreen19 de
celulares e computadores uma forma de destacar a aproximação que tanto buscamos no
mundo pós-moderno? Nossas redes sociais da internet, tão diversas, não seriam mostras das
múltiplas, diversas, antagônicas e complementares características que nossas identidades
fluidas carregam? Para a densidade deste pensar, provoca:
ao mesmo tempo que contribui para transformar os domínios tradicionais da
vida cotidiana, o desenvolvimento dos meios de comunicação de massa,
acompanhado pelo progresso das técnicas automatizadas de tratamento da
informação, leva hoje um grande número de observadores e de analistas a
reexaminar, em termos relativamente novos, o velho problema das definições
de fronteiras – efetivas ou desejáveis – entre os domínios respectivos da ‘vida
privada’ e da ‘vida pública’ (LANDOWSKI, 1992. p.85)
Conforme destacado anteriormente, alguns dos entrevistados faziam parte de minhas
redes sociais da internet, outros me adicionaram ou eu os adicionei como “Amigos”, por
ocasião da pesquisa, entretanto nossos contatos nas redes nunca tinham tanta proximidade
quanto nas entrevistas. O que podia perceber era que, nas redes, apenas certa parte de suas
identidades eram publicadas e, embora muitos polarizassem mais determinadas questões, a
maior parte alternava entre assuntos profissionais de assuntos mais leves, de lazer. Inclusive
aqueles que, nas entrevistas, argumentavam sempre publicarem apenas conteúdo profissional,
vez ou outra publicavam ou comentavam em outros perfis, acerca de festas, viagens,
brincadeiras restritas ao grupo de amigos. Ou seja: mesmo quando se dizia fazer algo, a
prática mostrava que nem sempre o sujeito conseguia ser fiel à imagem que tinha de si.
Essa complexidade da performance humana não passava desapercebida a todos, visto
que alguns interlocutores confessaram sentir que viviam com versões internas de si, as quais
nem sempre eram expostas abertamente, pelo menos não para qualquer um. Dado o interesse
19
Ferramenta de interação de celulares, computadores e demais tecnologias na qual as funções e os
comando são executados a partir do toque e do contato dos dedos com o monitor.
63
de pesquisadora e o respeito que tinha em relação ao que o Outro se dispunha a contar e me
permitia conhecer acerca de sua intimidade, procurei manter, sempre que possível, o contato
visual e, aos poucos, o gravador em minha mão sublimava e não éramos apenas uma pesquisa
sendo realizada, mas uma atmosfera de reflexão e de confissões que refletiam hoje, escolhas
de muitos anos. Complexidades acerca das representações sociais, das performances que se
realizam, das escolhas e posturas de vida e, sobretudo, da forma como se relacionar com o
mundo, seus objetos e seus sujeitos.
A postura de criar um ambiente de confiança para o que o interlocutor estava a dizer,
colocou-me, em partes por meu esforço, em uma posição da divisa, através da busca, ao longo
das entrevistas, de agenciar alguns momentos emocionais mais delicados e outros nos quais a
dúvida era a resposta obtida para minha pergunta. A tarefa por vezes custou-me mais do que
poderia imaginar, havia a tentação de opinar, de provocar para alguma reflexão, mas temia
que esta fosse minha e não um caminho escolhido pelo entrevistado, o que considerava
perigoso para manter um (im)possível nível de [pureza] e fidelidade da performance
identitária do entrevistado, lembrando-me das recomendações recebidas em livros e por
professores, os quais alertavam que o trabalho do antropólogo está não em se tornar o Outro,
mas em ser capaz de se relacionar com este, reportando experiências que, ainda que advindas
de temas subjacentes, em muito poderão acrescentar às conclusões e traduções etnográficas.
Percebi este fato, sobretudo, ao entrevistar casais, sempre em separado, e confrontar muito do
que cada um dizia, bem como a forma como o simples contato com o parceiro moldou suas
condutas e a forma como se relacionava com as redes sociais da internet. Curiosamente, entre
os casais entrevistados, sempre havia um perfil mais simpático às tecnologias e às
experiências que esta permitia, enquanto o outro cônjuge mostrava-se cauteloso e, inclusive,
detentor de experiências, ressalvas e dificuldades acerca dos mesmos objetos em questão.
Sobre este aspecto pude notar que a alteridade e o próprio local do qual o antropólogo fala,
consequentemente o que aqui proponho desenvolver, são de fundamental importância, pois
talvez a suposta [posição ideal] seja justamente a de estar dividida entre horizontes que se
aproximam e se distanciam de acordo com a situação que, muitas vezes, produz o desespero
da possibilidade, a qual também é a própria maravilha da construção etnográfica.
Gostaria de complementar a análise dos perfis dos entrevistados, retomando a pesquisa
realizada por Recuero (2012) na qual são apontadas três categorias principais que norteiam as
interações dos indivíduos, nesse caso de que maneira estas ocorrem em Rede. Estas esferas de
análise auxiliam a particularizar algumas observações, bem como relativizar certas
percepções. A primeira etapa de análise seria então responsável por avaliar o “grau de
64
conexão” que consiste no relacionamento estabelecido entre as conexões enviadas e as
recebidas por determinado grupo, bem como pelos sujeitos aí imersos. Em seguida, tem-se o
“grau de intermediação” que diz respeito a quantas vezes determinada temática aparece em
um contexto de sociabilidade, categoria esta a ser trabalhada no próximo capítulo, sendo
responsável por avaliar o nível do capital social que um contexto será capaz de gerar aos
sujeitos envolvidos. Finalmente, o “grau de proximidade” possui a intenção de perceber quão
conectados estão determinados sujeitos, a partir de temáticas específicas. Seguindo estas
conclusões, é possível perceber que determinados sujeitos são capazes de aproximar
participantes, inclusive provenientes de outras redes, a partir do replique de informações e do
compartilhamento de conteúdos.
Ora, se as conversações eram tão responsáveis por determinar características na
identidade dos sujeitos, conforme destacado por Recuero (2012), despertei para o interesse de
reconhecer até que ponto isto poderia ser percebido no trabalho de campo. Faço especial
análise sobre uma das primeiras interrogações quando iniciei esta pesquisa e que consistia em
saber qual o grau de influência que os locais onde estes moravam, das escolas que haviam
estudado e dos locais nos quais trabalhavam, por exemplo, influenciavam nas suas interações
e na construção de suas identidades. A partir das entrevistas, pude perceber, à exemplo do que
havia previsto Recuero (2012) sobre a influência das trocas conversacionais na construção das
identidades dos sujeitos, a pertinência da análise trazida pelo sociólogo Bourdieu (2007) sobre
a compreensão de classes sociais.
Uma vez que a comunicação se torna fator importante na análise da identidade, a
internet vista através de sua interatividade, permite com que haja uma simbiose entre as
funções de produtor e receptor de conteúdo, enquanto sujeitos em interação. Dito desta
maneira, as identidades exercitadas nas redes sociais da internet, possuem o forte marcador da
influência do coletivo na afirmação do pessoal. Consequentemente, a identidade de cada
indivíduo passa a “ser” a medida que estabelece relação com outros sujeitos, programas, bem
como a própria interface20 digital. Entretanto, destaco o fortalecimento da ideia do conteúdo
que conecta e que socializa, tomando como base as pesquisas de Simmel (2006), ao
estabelecer pontes de possibilidades, tanto de acesso informacional, como de arenas de
discussão e exercício destas situações propostas. Compartilha-se, neste estudo, a observação
elaborada por Serra (2006) a respeito das características próprias da internet e da informação
20
Utiliza-se aqui o termo no sentido de “modo de acesso”.
65
advinda desta, bem como de suas redes sociais em contraste com os clássicos Meios de
Comunicação de Massa21:
a internet contrasta, deste modo, com os mass media, na medida em que as
formas simbólicas são produzidas por estes de um modo tal que os indivíduos
não têm, ou têm apenas de forma muito indirecta, qualquer papel na sua
produção – limitando-se, no momento da recepção, a apropriar-se de tais
formas, ainda que de forma criativa, intersubjectiva e diferenciada; eles são,
por assim dizer, sempre colocados perante um facto já consumado – as formas
simbólicas produzidas, algures, por outrem. (SERRA, 2006, p.15)
A relativa quebra de estruturas e padrões, ainda que encontrem barreiras em (pré)
conceitos sociais e em obstáculos concretos, como o valor de um curso universitário,
apresenta claraboias para que outras luzes penetrem nos universos, antes hermeticamente
construídos. A ideia de fusão de ambientes é defendida pelo sociólogo britânico Anthony
Giddens (2002), sobretudo em suas obras acerca das consequências trazidas pela modernidade
e dos aspectos mais relevantes ao estudo da identidade neste contexto. Giddens (2002) ocupase de mostrar, bem como demonstrou o trabalho de campo, que as “descontinuidades” de
culturas e de padrões de vida são características de um mundo que está a todo instante a se
reinventar e a sofrer transformações de cunho tecnológico e social, o que afeta seus sujeitos e
suas formas de operação relacional com o mundo, bem como das relações entre sujeitos e dos
indivíduos com suas subjetividades. Estas questões demonstram a quebra de padrões e a
necessidade de se revisar conceitos, diante do objeto pesquisado:
em vários aspectos fundamentais, as instituições modernas apresentam certas
descontinuidades com as culturas e modos de vida pré-modernos. Uma das
características mais óbvias que separa a era moderna de qualquer período
anterior é seu extremo dinamismo. O mundo moderno é um ‘mundo em
disparada’: não só o ritmo da mudança social é muito mais rápido que em
qualquer sistema anterior; também a amplitude e a profundidade com que ela
afeta práticas sociais e modos de comportamento preexistentes são maiores.
(GIDDENS, 2002, p.22)
A questão da privacidade e dos limites entre o que é público e o que é privado também
foi um ponto delicado e de divergências entre os entrevistados. Enquanto uns afirmavam se
sentirem extremamente expostos em suas vidas, outros declaravam evitar fazerem muitos
comentários e publicar frases ou fotos, entrementes todos possuíam ao menos uma situação
conflituosa para relatar. Dificuldades, experiências, aflições e conquistas marcavam a fala
21
Classifica-se como os tradicionais e primeiro Meios de Comunicação, como a televisão, o jornal e a
rádio.
66
destes sujeitos que, diante do exercício antropológico que realizava, estranhavam seus
mundos e argumentavam com frases do tipo “nunca havia pensado nisso desta forma” ou,
conforme afirmou Rodrigo, “acho que sou assim e faço assim porque no passado as redes
sociais da internet me trouxeram muitos problemas. A vida é complicada e a verdade é que
estamos sempre sendo observados”. A confissão de Rodrigo remete ao proposto por Geertz
(1973) ao analisar a cultura a partir de suas formas simbólicas públicas de representação, as
quais tanto expressam quanto constroem os sujeitos, suas interações e percepções sociais.
Conforme relembra Geertz (1973), é na subjetividade que estas se organizam, a partir de uma
espécie de classificação da forma de pensar. Geertz (1973) salienta que é através da cultura
que os sujeitos representam o mundo bem como este os molda, de maneira a encaixá-los e
adequá-los. Ora, as posturas exercidas pelos sujeitos nas redes sociais da internet, são guiadas
por certos padrões os quais nascem tanto no on-line quanto no off-line de cada indivíduo e do
mundo no qual estão imersos. Rodrigo retrata algumas dificuldades, baseado na
representação, nem sempre obedecida pelo interlocutor, de moldes culturais de seu mundo.
Ao tentar transgredi-las, Rodrigo percebeu os impactos que poderia gerar e, assim como
relembra Geertz (1973), é na subjetividade que as representações operarão.
Geertz (1973) argumenta que os discursos sobre a pessoa possuem a intenção cultural
de bloquear ou de permitir aquilo que obedece às normas, ao que está conforme o esperado e
convencionado na relação social. Estas ações são as responsáveis por determinar uma
característica cultural que pode perfeitamente ser diferenciada da de outra sociedade, a partir
de discursos, práticas, termos e regras conectados, conforme assim foi sentido por Rodrigo, ao
tentar romper certos padrões culturais de seu mundo. Ainda que esta tentativa tivesse
acontecido no on-line, não deixou de impactá-lo e de demandar uma mudança em seu
posicionamento.
A expressão de Rodrigo reflete ainda que o ato de comunicar é, essencialmente, um
fazer antropológico, e os ideais de troca e compreensão comunicativa não só transformam
sujeitos como a própria sociedade, conforme lembra-nos Dominique Wolton (1999) em seus
estudos no campo da Comunicação Social, nos quais analisa, sobretudo de que maneira os
sujeitos estão a operar com as ferramentas tecnológicas, com os meios de comunicação e
como esta relação está impactando suas vidas, pessoas e o mundo ao redor. Wolton (1999),
por exemplo, argumenta que a própria ideia de mundo globalizado deve ser revista, pois se a
tecnologia é a mesma, os objetos não terão os mesmos fins e os mesmos usos, uma vez que os
sujeitos são diferenciados e os territórios nos quais realizam suas práticas sociais também
serão únicos.
67
Reflito acerca da proposição acima de Wolton e destaco que, mesmo tratando, nas
entrevistas, com sujeitos habitantes da mesma cidade, pude perceber o modo como cada um
se relacionava de maneira própria com as redes e como ordenavam, segundo aspectos tanto
externos quanto subjetivos, suas vidas. Noto como Wolton (1999) é feliz ao analisar que,
sendo a comunicação um exercício social, logo antropológico, seria impossível obter os
mesmos comportamentos e as mesmas práticas sociais como resultado das ações dos sujeitos.
Desta feita, se os locais de onde se fala e os horizontes de análise são diversos, apesar dos
entrevistados terem nascido na mesma cidade, a forma de se relacionarem com o mundo era
distinta, uma vez que moravam em bairros diferentes, frequentavam locais distintos, tiveram
experiências amorosas diversas, bem como todo um leque de fatores que os aproximava,
enquanto conhecedores e usuários de determinada tecnologia, às redes da internet, e em outros
pontos os distanciavam, afastamento este justificado pelos territórios subjetivos de cada qual.
Uma vez que,
a comunicação é, antes de mais, uma experiência antropológica fundamental.
Intuitivamente, comunicar consiste em trocar algo com alguém. Muito
simplesmente não existe vida individual e colectiva sem comunicação. E o
próprio de toda a experiência pessoal, como de qualquer sociedade, é definir
as regras da comunicação. Do mesmo modo que não há homens sem
sociedades, também não há sociedades sem comunicação. (WOLTON, 1999,
p.10)
Desta forma, em determinados momentos pude perceber o cuidado, especialmente
aquele advindo dos casais, estes sempre entrevistados em separado, ao me explicar que muitos
dos seus comportamentos na internet tinham sido moldados a partir de negociações feitas com
o comportamento do que o parceiro aprovava ou não como postura para a internet. Ora, esta
situação na vida on-line também era estendida para outra gama de questões específicas ao
plano da vida off-line, em mostras de que se os conteúdos diferiam, as situações que as
norteavam permaneciam. Desta forma, apesar de alguns preferirem explorar e divulgar suas
vidas na internet, estas condutas se viam reprimidas dadas a não aprovação do parceiro.
A demonstração é o exemplo de como nossas escolhas não são unicamente nossas,
bem como nossas identidades não são fruto apenas de nossas preferências, mas que também
são muito operacionalizadas levando em consideração a aprovação ou o que determinam os
grupos sociais e contextos nos quais estamos inseridos, daí a razão primeira para compreender
o motivo pelo qual o ser humano nunca foi, e talvez nunca será, um sujeito inteiramente
coerente segundo alguns padrões e expectativas, socialmente alocadas, o podem esperar.
Segundo Recuero (2012), algumas práticas são adotadas pelos sujeitos no sentido de
68
demarcarem suas presenças nas redes sociais da internet, os quais envolvem tanto as
ferramentas, no que tange à parte técnica, quanto às formas de apropriação realizadas pelos
indivíduos nestes espaços de trocas sociais. Enquanto a primeira é mais estática, a segunda é
determinada a partir de características culturais e contextuais, conforme relembra a proposta
de Barth (2000) acerca da concepção de sociedade, as quais implicam em um forte dinamismo
desta esfera de análise.
Barth (2000) assim propõe que a identidade não se constitui em algo estático e sim
transformado a medida que se relaciona e interage, tanto nos aspectos coletivos quanto
individuais, com outras identidades. Assim, se a cultura se constitui em uma teia de
significados, conforme proposto por Geertz (1973; 2008), é nesta interação diversa e
contextualizada que sujeitos e grupos se definem e se transformam. Desta maneira, as
identidades são construídas de acordo com os tipos de interação as quais podem promover
tanto a exclusão quanto a aproximação de laços em um grupo, a partir do desenvolvimento,
reconhecimento e posicionamento de suas identidades em determinado contexto.
Segundo Barth (2000) são nesses contatos contínuos entre grupos e sujeitos, que as
transformações e as identidades acontecem, uma vez que características são (com)partilhadas
e organizadas, tendo como finalidade definir o “eu” e o “outro”, ainda que estes sempre
provisórios, dada a dinamicidade do processo de formação identitária e as peculiaridades que
traçam os objetivos e a rede de significados, seja tanto no on-line quanto no off-line, bem
como no impacto e nas consequências das interação destas esferas.
Após estas observações e retomando a análise das entrevistas realizadas, estas
geralmente encerravam-se no questionamento que os propunha a desenvolver acerca de como
acreditavam que seriam suas vidas sem internet e sem as redes sociais desta. A surpresa ficou
por conta de que, para a grande parte dos entrevistados, seria possível viver sem redes sociais
da internet, uma vez que a “cobrança” de se fazer presente, de manter o perfil atualizado, de
publicar fotos ou de acompanhar o que os demais escrevem, tornaria suas vidas mais
tranquilas, entretanto, não sem a internet. Ao afirmarem isso o primeiro questionamento que
realizava era: mas a sua rede, quem faz, não é você? Porque você está permitindo isso? E, o
que geralmente escutei foi uma absorção da responsabilidade, no sentido de “é, eu sei que a
culpa é minha”. Muitos ilustraram, como o caso de Lia e de Danilo que “houve vida” após um
período de “abstinência” ao acesso às redes e estes perceberam, inclusive, que o tempo que
agora lhes “sobrava” era utilizado para fazer muito mais coisas do que a percepção de
atividades que realizadas quando passaram o mesmo tempo em suas redes. Estas foram
mostras da própria pluralidade do sujeito que, se hoje toma algo como atividade rotineira,
69
amanhã pode tentar uma adaptação diante de outro panorama de vida. Muitos, ao esboçarem o
sentimento de que conseguiam viver sem a tecnologia das redes igualmente construíam a fala
de sua não dependência a estas tecnologias e formas de interação social, excluindo-se,
inclusive, do perfil apresentado, muitas vezes nas reportagens da grande mídia, como quadros
patológicos de usos da internet.
Conforme será justificado e trabalhado nos próximos capítulos, especialmente o que
segue, percebo o estudo antropológico da identidade, das novas tecnologias e da sociabilidade
resultante dessa interação, como um processo de construção. Uma vez que a cada nova
mudança conjuntural surgem novos paradigmas a reinterpretarem as teorias pioneiras ou a
proporem novas abordagens. Segundo destaca o etnólogo Maurice Leenhardt (1971) que, nos
séculos XIX e XX, em seu trabalho de campo na Melanésia, salientava o fato do sujeito
existir mediante a performance que possui na sociedade, no grupo, sendo a questão da
psicologia do local e dos sujeitos, de grande valia para estas observações.
Ratifico com isto que a questão das características das identidades consiste em
terrenos de forte efemeridade e transitabilidade, pois estão intimamente vinculadas com
aspectos comportamentais e de posturas de vida, uma vez que neste jogo social, os fatores de
atração e os catalisadores de interesse provêm de pontos os mais diversos possíveis e é no
campo da vida cotidiana, conforme relembra o pesquisador social Jesús Martín-Barbero
(1995), que ocorre a produção de conhecimento e a própria troca e produção e sensibilidade,
uma vez que “a vida cotidiana é o lugar em que os atores sociais se fazem visíveis do trabalho
ao sonho, da ciência ao jogo” (MARTÍN-BARBERO, 1995, p. 59).
As pesquisas de Martín-Barbero (1995), um dos principais expoentes latinoamericanos no estudo dos Meios de Comunicação, sobretudo o das novas tecnologias e seus
impactos sociais, traz importantes reflexões a esta pesquisa, especialmente a posição que o
sujeito exerce na produção social e em suas interações subjetivas, ocorridas através da
utilização dos meios. Desta maneira, o contexto deste estudo está inserido nas tecnologias que
proporcionem o acesso às redes sociais da internet, especialmente os novos modelos de
celulares e os computadores que, em se tornando pessoais, permitiram uma individualização
dos assuntos e dos interesses neles armazenados, fornecendo algumas pistas de como são
possíveis as construções de sujeitos com identidades tão matizadas. Conforme prevê MartínBarbero (1995), é na produção cotidiana que nos construímos, inclusive em nossos aspectos
mais íntimos.
A maleabilidade dos laços sociais, mediante os conteúdos de afinidade social e as
buscas pessoais para cada contexto, destacadas por Barth (2000), mostra-nos ainda que, os
70
tempos hipermodernos dos quais nos fala Lipovetsky (2004) não parecem deixar abertura para
que estes jovens “percam tempo” com amizades que não se encaixam no comportamento
esperado: não há demasiadas chances porque não há infinita paciência. Ao longo do trabalho
me vi várias vezes refletindo se a velocidade de apertar de botões e do cômodo acesso a
qualquer conteúdo, não se estenderam para comportamentos de acionar, bloquear e decidir a
vida de maneira tão instantânea e veloz quanto à velocidade de ligar e desligar objetos.
Como linhas gerais norteadoras desta pesquisa, tem-se o conceito de jovem ligado a
posturas e formas de perceber, sentir e agir no mundo, através de estilos de vida e formas de
auto reconhecimento de sujeitos que utilizam este marcador como diferencial, seja esta ação
no plano de sua vida concreta, seja no campo das redes sociais da internet. Levanto ainda o
pressuposto de que nunca se pode afastar totalmente o que somos, por isso nossos mundos,
embora em esferas diferentes, sempre, de alguma forma, encontram uma maneira de andar em
tortuosos paralelos. Dito isto, e uma vez apresentados os fundamentos de pesquisa, convido o
leitor aos próximos capítulos, nos quais questões específicas como os da identidade, da
comunicação, das tecnologias e da cultura material dos objetos serão tratados em
profundidade, sempre na companhia dos onze entrevistados, suas histórias de vida e minhas
reflexões teóricas.
71
2. SUJEITO E IDENTIDADE
“A vida não é a que vivemos, é a que recordamos,
e como recordamos para contá-la”
(Gabriel García Márquez)
Este capítulo possui o objetivo de expor e analisar as principais contribuições advindas
dos resultados obtidos com o trabalho de campo e referencial teórico selecionados como
metodologia para a compreensão do estudo da identidade, perpassando pelas categorias da
sociabilidade, da performance e do corpo. Além disto, as formas de expressão e de
“materialização” do corpo e das práticas sociais nas redes da internet serão igualmente foco
de análise desta pesquisa.
Desta forma, gostaria de introduzir, a partir das ideias acima, uma análise aprofundada
acerca das principais transformações que a concepção de “sujeito” sofreu até o período
reconhecido como pós-modernidade. Reconhecendo a importância da evolução e
transformação que este conceito sofreu ao longo do tempo e das situações contextuais que se
apresentaram, analiso esta categoria com o intuito de fundamentar as reflexões que seguirão
acerca da construção da identidade, conforme percebida através do trabalho de campo. Logo,
inicio esta percepção do conceito de identidade partindo das contribuições de Hall (2006),
para quem é possível considerar cinco momentos determinantes na história que contribuíram
não apenas para o repensar das questões de identidade e relações sociais, como também
acarretaram impactos em outras áreas do conhecimento humano.
A proposta de Hall (2006), acerca do estudo da identidade, baseia-se no que considera
o primeiro grande momento de reconhecimento do sujeito enquanto um ser descentrado e
múltiplo, o qual diz respeito às tradições do pensamento marxista. Grande parte deste trabalho
foi revisitada e reinterpretada na década de sessenta do século XX. Sobre esta revisitação à
obra de Marx do século XIX, a principal questão a qual nos relembra Hall (2006) é a de que
os homens fazem a história, mas este movimento só é possível dentro das condições nas quais
são oferecidas. Alguns pensadores humanistas questionaram essa proposição, uma vez que
reconheceram nesta ideia pouco crédito dado à agência humana. Apesar disto, esta
perspectiva foi uma das que mais influenciou a construção do pensamento moderno.
A segunda proposta, cronologicamente disposta por Hall (2006), consiste no advento
das ideias psicanalíticas de Sigmund Freud nas concepções ocidentais sobre o sujeito. Para
esta corrente de pensadores, os processos psíquicos e simbólicos são os responsáveis pela
formação da identidade do sujeito. As contribuições do psicanalítico Jacques Lacan somaram-
72
se a esta nova percepção do eu e de como este se percebe através do espelhamento social. As
representações simbólicas, na figura da cultura, língua e diferenciação sexual também são
pontos de construção e de interferência no sujeito e na sua identidade. Consequentemente, o
que nos falta interiormente é preenchido com as informações recebidas do exterior, sendo no
processo desta troca que a “inteireza” do ser é erguida.
Um ponto de discussão entre os estudiosos da identidade acerca da proposta
psicanalítica diz respeito ao fato desta não poder ser vista ou examinada com facilidade, e sim
apenas a partir de um processo profundo de observação, questionamento e análises. Apesar
disto, as reflexões sobre as questões psíquicas e subjetivas ganharam força com as propostas
freudianas e até hoje são alvo de indagações e impactos sobre as noções de sujeito e
identidade. Neste ponto destaco a lembrança do antropólogo norteamericano, Marshall
Sahlins (2003), o qual ressalta a importância das questões simbólicas no fazer cultural, bem
como nos momentos de estabelecimento das relações sociais, tanto no que diz respeito à
manutenção de tradições quanto de novos recortes dados à vida e, consequentemente, à
identidade do sujeito.
Diante disto, Theodor Adorno e Max Hockeimer (1985), pesquisadores da área da
comunicação, afirmam que o homem, ao entrar em contato com um poder invisível, acaba
imitando-o como forma de aproximação, pois “é só enquanto tal imagem e semelhança que o
homem alcança a identidade do eu que não pode se perder na identificação com o outro, mas
toma definitivamente posse de si como máscara impenetrável” (ADORNO; HOCKEIMER,
1985, p.22). As ideias defendidas por Adorno e Horckeimer (1985) podem ser aproximadas
do postulado por Sahlins (2003) ao argumentar a interferência que o simbólico desempenha
em nossa apreensão de mundo e de nosso autoreconhecimento, a partir do ponto que
considero que os sujeitos também se reinventam segundo as expectativas dos demais que
estabelecem relação, seja esta direta ou indireta, e que a geografia da verdade, da qual salienta
Foucault, está centrada nos espaços onde reside e não nos locais nos quais nos colocamos para
observá-la,
nem tudo é verdadeiro; mas em todo o lugar e a todo momento existe uma
verdade a ser dita e a ser vista, uma verdade talvez adormecida, mas que no
entanto está somente à espera de nosso olhar para aparecer, à espera de nossa
mão para ser desvelada. A nós cabe achar a boa perspectiva, o ângulo correto,
os instrumentos necessários, pois de qualquer maneira ela está presente em
todo o lugar. (FOUCAULT, 1979, p. 113)
73
Seguindo as análises do histórico estudo da identidade, Hall (2006) assinala que a
terceira abordagem advém da linguística estrutural, quando o linguista Ferdinand Saussure
apresenta os significados de uma língua como originários de convenções advindas de um
coletivo. Esta simbologia não é algo fixo, daí porque falar uma língua consiste em
compartilhar significados e construções culturais, desta forma as vivências de mundo são
válidas para serem utilizadas na criação de símbolos que comuniquem, que libertem a
imaginação. Ilustrando a possibilidade de como nossa vida é vivida através de símbolos,
Edgar Wind (1997), pesquisador da área da iconologia, afirma, em análise ao escritor e
político alemão Joahann Goethe, que “Goethe disse de si mesmo que via tudo
simbolicamente. (...) Ele mesmo descreve como, desse modo, a intensa experiência pessoal se
tornou em fonte da criação artística, como a arte adquiriu a capacidade de exercer um papel
libertador e remidor na vida” (WIND, 1997, p.63).
Desta maneira, se a própria linguagem pela qual os sujeitos estabelecerão
comunicação é tida como algo não findo, estendo a interpretação de que a identidade destes
sujeitos, os quais farão uso de referida língua e seus símbolos, será, por consequência, algo
inerentemente instável e parte de uma construção social, na qual a influência e a contribuição
dos demais atores sociais em muito influenciam na percepção nas práticas dos sujeitos,
conforme aponta Landowski:
a condição de relativizar meu ‘ser’, isto é, de descobrir o ser do outro, ou sua
presença, ou de me descobrir eu mesmo como parcialmente outro, eu faço
nascer o espaço-tempo, como suporte de diferenças posicionais entre mim
mesmo e meus semelhantes, como efeito de sentido induzido pela distância
que percebo entre meu aqui-agora e todo o resto – lugares distantes, tempos
distintos -, ou ainda, como resultante da relação que me liga, eu sujeito, a um
mundo objeto cujas formas discretas, à medida que as recorto, me revelam a
mim mesmo. (2002, p.68)
O quarto descentramento que influencia os estudos acerca da Identidade, conforme
trabalhado por Hall (2006), refere-se às ideias propostas, especialmente, por Foucault,
sobretudo no que se relaciona à existência do chamado “poder disciplinar”, capaz de manter a
ordem e controlar a vida do indivíduo para que este possa ser um corpo “dócil”. Este poder se
encarregaria de manter a vida, o trabalho, os prazeres e a própria infelicidade do indivíduo sob
controle de modo a não fugirem da disciplina estabelecida para que o sujeito esteja inserido
em uma individualização descendente.
Para já porque as disciplinas mostram, segundo esquemas artificialmente
claros e decantados, a maneira como se podem articular uns sobre os outros os
sistemas de finalidade objetiva, de comunicação e de poder. (...) Aquilo que é
74
preciso entender por disciplinarização das sociedades depois do século XVIII
na Europa, não é que os indivíduos que dela fazem parte se tornam cada vez
mais obedientes; nem que eles se põem todos a assemelhar-se em casernas,
escolas ou prisões; mas que aí se procurei um ajustamento cada vez mais
controlado - cada vez mais racional e econômico - entre as atividades
produtivas, as redes de comunicação e o jogo das relações de poder.
(FOUCAULT, 1971, p.10)
Finalmente, o quinto descentramento ressaltado por Hall (2006) diz respeito ao
feminismo, tanto sobre seus impactos sociais quanto teóricos. Proveniente dos movimentos
sociais que emergiram na década de sessenta do século XX, o feminismo carregava em si
questões tanto sobre a política capitalista do ocidente, quanto reflexões sobre a identidade.
Estas novas proposições sobre o olhar analítico em direção à identidade foram percebidas e
vivenciadas ainda no movimento negro, na luta pelos direitos civis, nas revoltas estudantis,
nos movimentos juvenis, nos antibelicistas, dentre outros. A questão principal foi que, com o
feminismo, houve uma “relação mais direta com o descentramento conceitual do sujeito
cartesiano e sociológico” (HALL, 2006, p.45).
Hall (2003b) acrescenta, em entrevista concedida à professora e pesquisadora da área
de Letras, Heloísa Buarque de Hollanda (2003), e à pesquisadora em Comunicação, Liv Sovik
(2003), que estes movimentos foram de grande acréscimo não só às questões de identidade,
mas ao próprio desenvolvimento dos chamados Estudos Culturais: “os Estudos Culturais não
começaram sozinhos. Surgiram relacionados a outros movimentos da época como as políticas
de cultura, o feminismo, os estudos multiculturais, sobretudo aos estudos pós-coloniais,
enfim, a uma enorme gama de novos trabalhos críticos nas ciências humanas. Vejo os Estudos
Culturais como um poderoso fio nessa trama”(HALL, 2003b).
Os cinco níveis de análise utilizados por Hall (2006) para realizar suas considerações
sobre o estudo da identidade também são de valia para esta pesquisa, a qual tem o intuito de
considerar a identidade a partir de uma análise em perspectiva do contexto do sujeito, bem
como da vastidão de práticas sociais que este pode exercer quando da interação social e
subjetiva, daí a razão pela qual, mais adiante, serão exploradas as categorias de sociabilidade
e performance.
Outro aspecto de contribuição ao estudo da (re)interpretação do sujeito e sua
individualidade consiste no fenômeno da globalização pós-moderna, na qual temáticas e
territórios conectam-se a partir de recursos como a internet, na qual distâncias e fronteiras são
relativizadas. Ultrapassando fronteiras geográficas, uma vez que as noções de território,
conforme vistas no capítulo primeiro são redimensionadas e reconceituadas, sobretudo com o
advento das tecnologias, pode-se integrar e conectar as mais diversas comunidades.
75
Segundo Giddens (1990; 2002), desde a modernidade tem-se um apelo e uma intenção
globalizantes, por esta razão diz-se que a relação espaço-tempo deve ser definida de acordo
com a época na qual se analisa, uma vez que a identidade passa por questões de
representação, o que configura uma mobilidade tanto de nossas comunicações quanto de nós
mesmos. Destarte, Landowski salienta, acerca das representações sociais e das construções
identitárias que realiza cada sujeito, que
ao se deixar levar no dia-a-dia pelas senhas intelectuais, linguísticas,
vestimentares e outras, do lugar e do momento, ao seguir o movimento
ambiente, ao louvar todos em coro os mesmos ídolos da estação ou ao cantar
os mesmos slogans22, cada um se reconhece a cada instante a si mesmo, em
uníssono com o outro, seu vizinho, seu semelhante: como se, num mundo
onde nada que vale em matéria de gosto ou de opinião tem o direito de durar,
fosse preciso para permanecer socialmente em seu lugar mudar, por assim
dizer, de pele a cada primavera. (2002, p.93)
Consequentemente, os sujeitos envolvidos neste contexto de globalização, passam a
deter a possibilidade de partilhar e de compartilhar um número maior de experiências e pontos
de vista, em tempos relativizados, uma vez que o correio é substituído ou divide funções com
correios eletrônicos, os quais, em apenas um simples apertar de botões, chegam a seus
destinatários em questão de segundos.
Sobre esta quase instantaneidade do mundo pós-moderno, Wolton (1999) questiona se
não seria o caso repensar as condutas de relação interacional com o Outro, haja vista que os
espaços são muito mais flexíveis, correndo-se o risco de estabelecer relações sociáveis
equivocadas e indesejáveis, dado o nível de “intromissão” na vida dos demais. A isto, somase a base conferida por Geertz (1973; 2008) a qual trata da cultura enquanto uma teia de
significados (com)partilhados e que orientam as ações dos sujeitos, bem como o subjetivo, e
suas representações sociais, através de convenções que implicam e que moldam as ações.
Desta forma, a cultura tanto molda os comportamentos dos indivíduos e sua forma de pensar,
reagir e operar em sociedade, quanto sofre modificações no decorrer das interações entre
sujeitos e cultura. Estes momentos poderiam surgir tanto pelo estabelecimento de trocas
conversacionais como entre transeuntes em dada situação, como por exemplo a de sujeitos
que compartilham um transporte público. Busca-se padronizar o outro, pois esta é uma
22
Slogan: frase curta e apelativa, muito usada em publicidade ou propaganda política; palavra de
ordem; frase que identifica uma marca ou uma organização; divisa. (Fonte: Enciclopédia e Dicionários
Porto Editora, disponível em <www.infopedia.pt/lingua-portuguesa/slogan>. Acesso em 25 de Jun.
2011).
76
condição básica da comunicação e do sentimento de tranquilidade e de segurança de que nem
tudo é estranho e mutável no mundo exterior.
Ontem o tempo da deslocação permitia que nos preparássemos para o encontro
com o outro; hoje, tendo desaparecido esse intervalo de tempo, o outro está
presente quase imediatamente sendo, logo, mais rapidamente ‘ameaçador’.
Não é simplesmente por motivos ligados à tradição que desde sempre a
diplomacia, cuja função consiste em estabelecer laços entre sociedades
diferentes, requer códigos e rituais que "demoram tempo". Esse tempo é um
meio de manter as distâncias e de evitar um face a face demasiado rápido.
Hoje em dia, quando o acesso ao outro se torna directo e sem condicionantes,
seria bom meditar sobre esta lição da diplomacia. (WOLTON, 1999, p.45)
Sobre a temática do acesso à informações dos outros, todos os entrevistados
concordaram que o acesso a estas, tanto acerca de temáticas quanto sobre sujeitos outros, é
um dos pontos principais de atração sobre se fazer parte de uma rede social, daí o motivo pela
adoção de redes nas quais a maior parte de seus conhecidos estão. Alguns interlocutores,
como o caso de Danilo, argumentaram que abandonaram redes quando perceberam que seus
amigos não estavam mais lá, pois haviam migrado para outros ambientes sociais da internet.
Acerca das vantagens de se utilizar a ferramenta das redes sociais da internet em tempos de
globalização, Danilo argumenta que reconhece neste ponto, especialmente, o fortalecimento
dos laços sociais, conforme assinalado anteriormente por Wolton (1999) ao destacar a criação
de laços de relação: “pode ter amigo em todos os lugares, gente que tu jamais teria contato se
fosse por carta. Se não tivesse internet seria muito mais complicado encontrar uma pessoa,
saber como está, onde está morando, enfim, a relação ia se perder com o tempo”.
Apesar dos prós ressaltados pelo interlocutor, a possibilidade de um acesso mais
permissivo e facilitado aos diversos mundos exteriores e aos subjetivos, foi, simultaneamente,
o principal ponto positivo e negativo para os entrevistados, conforme retoma Danilo:
a desvantagem é que tu não sabendo usar essa rede tu acabas te expondo
muito, como a possibilidade de se ter acesso a todo tipo de conteúdo, o que faz
bem e o que pode te afetar para o mal. Por exemplo, se um primo pega meu
computador e vê algo de sacanagem, sei lá isso para uma criança tem que
limitar muitas coisas para poder doutrinar e colocar cada coisa a seu tempo,
para saber diferenciar o que é certo e o que é errado. Pode prejudicar estudos e
vida pessoal se não souber moderar tempo de acesso e filtrar informações.
Tem que saber lidar com aquela ferramenta, se não ela acaba te prejudicando.
Baseado nos argumentos de Danilo e retomando a importância dos meios de
comunicação, consequentemente da própria internet, na desconstrução das fronteiras
geográficas a partir de uma concepção de território enquanto espaço praticado, e das trocas
77
comunicacionais dos sujeitos, reconheço a importância destes fatores na construção das
identidades sociais. Sobre este ponto, Landowski (1992) destaca a problemática da fronteira
entre o que seria “público” e o que seria “privado”, tendo em vista que, no caso das redes
sociais da internet, estes limites nem sempre ficam muito claros, uma vez que o traço mais
marcante é a mistura, interferência e a influência de um sobre outro. Da mesma forma ocorre
a relação entre as influências de caráter exterior e as de caráter interior na construção da
identidade, a qual se localizará entre estes dois campos sociais e simbólicos.
Logo começo a refletir que, apesar da vida social estar, para alguns, mais globalizada,
especialmente através do acesso às tecnologias, as quais permitem que os sujeitos, mesmo em
espaços geográficos distintos, construam e compartilhem determinado território praticado
como o faz a internet; menos as identidades devem ser compreendidas na forma de estruturas
fixas. Por conseguinte, o produto destas identidades culturais e conectadas dá origem a
identidades em construção e experimentação permanentes, conforme destaca Bauman,
significa um movimento em direção a uma identidade eternamente
‘indeterminada’, de fato, ‘indeterminável’ (...) Não tem um modelo próprio
definido para seguir e emular. É principalmente uma unidade de
reprocessamento e reciclagem – vive de crédito e se alimenta de material
emprestado. Só pode construir e sustentar sua distinção por meio de um
esforço ininterrupto e ininterrompível para compensar as limitações de um
empréstimo por meio de mais empréstimos. A ausência de um alvo préselecionado só pode ser compensada por um excesso de marcadores culturais e
um esforço contínuo de cercar todas as apostas e manter abertas todas as
opções. (2009, p.45-46)
O produto destas relações entre sujeitos e mundo dá origem, então, ao que Castells
(2010) classifica como identidade híbrida. Esta identidade é o resultado do somatório,
subtração e, sobretudo, combinação, de valores culturais e sociais. Este seria o motivo pelo
qual nenhum sujeito, por mais que esteja presente em um grupo, pode ser considerado
idêntico a qualquer outro do referido coletivo. Esta identidade torna-se a principal
característica da era da pós-modernidade, na qual, marcadamente, os sujeitos interagem suas
ações com momentos off-line e on-line, por assim dizer, no caso desta pesquisa, práticas online e off-line, repletas de significados e autorepresentações, uma vez que as
identidades são fontes mais importantes de significado do que de papéis, por
causa do processo de autoconstrução e individualização que envolvem. Em
termos mais genéricos, pode-se dizer que identidades organizam significados,
enquanto papéis organizam funções. Defino significado como a identificação
simbólica, por parte de um ator social, da finalidade da ação praticada por tal
ator. (CASTELLS, 2010, p.23)
78
Sobre as questões das relações sociais estabelecidas na internet e como estas
constroem e interferem no processo identitário, Castells (2010) defende que o sujeito possui
uma identidade primeira e que, a esta, somam-se novas identidades à medida que estreita
vivências de mundo ou que desenvolve experiências modificadoras. Daí porque, em uma
mesma rede social da internet, conforme pude perceber ao longo do trabalho de campo,
temáticas pessoais são confundidas com profissionais, uma vez que o sujeito não se
reconhece, na prática, enquanto cartesianamente facetado. Mais do que isso, os interlocutores
foram unânimes em considerar coerentes suas práticas nas redes da internet e na vida off-line,
em mostras de que a própria racionalidade opera com algumas instâncias subjetivas do
julgamento pessoal de cada um ao se auto reconhecer. Desta maneira, Castells propõe a ideia
de que, para grande parte dos atores sociais, quando em uma sociedade em rede, como o são,
em maior ou menor escala, as sociedades pós-modernas,
o significado organiza-se em torno de uma identidade primária (uma
identidade que estrutura as demais) autossustentável ao longo do tempo e do
espaço (...). Não é difícil concordar com o fato de que, do ponto de vista
sociológico, toda e qualquer identidade é construída. A principal questão, na
verdade, diz respeito a como, a partir de quê, por quem e para quê isso
acontece. (2010, p.23)
Segundo Dalila, o grande fator responsável por não ser uma pessoa diferente nas
relações entre a vida on-line e a vida off-line, deve-se ao autoconhecimento que tem de si e ao
fato de sua rede ser frequentada, unicamente, por pessoas as quais a entrevistada conhece ou
conviveu em algum momento de sua vida. Totais desconhecidos não são permitidos em seu
perfil, pois, conforme argumentou, não considera coerente que, sujeitos estranhos e
desconhecidos, saibam do que se passa em sua vida. Entretanto, o fato de publicar na internet
uma informação, considerando que pessoas conhecidas tenham acesso e, inclusive, possam
replicá-la a outros sujeitos, conhecidos para a segunda e desconhecidos para a primeira, não
seria uma maneira de correr os chamados riscos os quais a interlocutora desejaria evitar?
Volta-se então a questão aqui destacada por Landowski, anteriormente, sobre as esferas
“pública” e “privada” em tempos de reconceituações de espaços e incremento do acesso a
informações.
Sobre a observação acima Dalila argumenta:
eu consigo ser a mesma, tanto na brincadeira, na forma de falar, até nas fotos,
eu realmente coloco como sou. A maioria são meus amigos que eu tenho
contato diariamente então não dá para ser outra coisa. Se eu fosse uma pessoa
que não me conhece, que quisesse estar mostrando uma imagem, ainda vai,
79
mas como são pessoas que eu tenho contato diariamente, não tem como, nem
que eu quisesse.
A fala da entrevistada ilustra a influência que os grupos aos quais faz parte exercem
em seu comportamento e na maneira pela qual suas atitudes e práticas serão coordenadas.
Retorna-se à ideia da vigilância social na construção identitária, conforme proposta há alguns
parágrafos por Foucault. Ainda assim, ao visitar o perfil na rede social da internet de Dalila, é
possível perceber que, enquanto em sua vida off-line a entrevistada prioriza conversar sobre
assuntos profissionais, orientada, conforme destacou para a consolidação de sua carreira, nas
redes sociais é possível encontrar mais informações para além dos cursos que realiza e que
são o principal assunto de sua rotina, como as festas que frequenta, as viagens que realiza e,
inclusive, restaurantes preferidos. O contato mantido com Dalila vem de três anos, primeiro
na figura de sua aluna, depois de sua amiga, seguido, então pela posição de pesquisadora
deste projeto.
Entretanto, aproveito para deixar assinalado que, se não fosse pelas fotos
disponibilizadas em seu perfil, não teria conhecimento das viagens que Dalila realiza e que
não gosta de comentar na vida off-line. Quando indaguei à entrevistada o motivo disto, foi
categórica: “para evitar o olho gordo dos outros”. Desta maneira, Dalila, em seu perfil na rede
social da internet, ao apenas aceitar pessoas conhecidas, tem a sensação de que está mais
protegida e seletiva do que com toda e qualquer pessoa que pode entrar em contato ao longo
de sua rotina.
O curioso foi perceber, ao longo das entrevistas que, se os entrevistados não se
reconheciam como sujeitos de comportamentos significativamente distintos na vida on-line e
na vida off-line, o mesmo não acontecia ao estenderem o julgamento para terceiros, dando
mostras de que os julgamentos acerca da identidade de cada um perpassam por conceitos e
percepções extremamente subjetivos sobre as formas como se auto reconhece e como se
percebe o Outro. Tadeu foi categórico ao declarar:
sou a mesma coisa, tanto que tem aquela coisa de compartilhar um milhão de
coisas na internet e eu só compartilho aquilo que eu acredito, aquilo que eu
gosto, que eu acho válido. Não é qualquer coisa. Só curto o que eu quero, o
que eu escuto, como por exemplo as bandas que eu curto na internet, eu tenho
o CD em casa, escuto sempre e foi sempre assim.
Entretanto, ao ser indagado sobre como percebia o comportamento das outras pessoas
nas redes sociais da internet, afirmou:
80
para os outros é muito diferente. A minha irmã, por exemplo, no Facebook
dela devem ter umas três mil pessoas, sendo que ela conhece apenas duzentas.
O que ela escreve lá são coisas lindas, mas pessoalmente não é nada daquilo.
Eu fico olhando e penso: Sim, quem és tu? No Facebook tu és uma pessoa e
na vida real tu és outra. A maior parte das pessoas é assim, também tenho
muitos amigos assim: No Facebook tu bates o maior papo comigo, mas na
vida real tu viras a cara. Não entendo isso, acho que porque na vida de internet
tu acabas sendo quem tu és mesmo, tem uma veracidade maior nos teus atos
do que no mundo real, que tu te expões no olho no olho e acabas te
reprimindo.
Apesar da pertinência das observações realizadas por Tadeu, interrogo-me se a questão
de se reconhecer a “incoerência” apenas no comportamento do Outro, não diria respeito aos
padrões de julgamento, consequentemente normatizadores, extremamente subjetivos, que
percebem no Outro as incoerências que não percebe em si.
Acerca destas observações, Bourdieu analisa que “a ‘modernidade’ sendo definida
como um ‘estilo de vida participante’ pode-se ver na ‘exposição aos mass media’ (media
exposure), que é suposta como fator de aumento da empatia dando-lhe oportunidade de
exercer-se, um dos fatores determinantes da transformação das atitudes” (1979, p.52). Desta
forma, no contexto das transformações que a modernidade e a pós-modernidade acarretam,
inserem-se as opções de linguagens que o ser humano utiliza para se expressar no mundo,
tanto sobre seus valores, quanto suas aspirações. Conforme ilustrado no caso de Dalila, a
comunicação e a vivência nas redes da internet, analisadas a partir da soma das experiências e
das práticas sociais, imprimem significado na construção da identidade e da própria maneira
pela qual se relaciona com o meio e com os demais.
Por conseguinte, no contexto da pós-modernidade, retomando as postulações de Hall
(2006), o sujeito é percebido como fragmentado e dinâmico, logo a identidade é reflexo dos
processos e das trocas sociais, os quais envolvem, inclusive, a memória, conforme ressalta o
historiador francês Jacques Le Goff (2003) ao destacar que é na memória que a história, tanto
coletiva quanto individual e subjetiva, são representadas, imprimindo, por intermédio das
linguagens, os reflexos comportamentais e ideológicos dos homens, outrossim “a memória é
um elemento essencial do que se costuma chamar identidade, individual ou coletiva, cuja
busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e das sociedades de hoje, na febre e
na angústia” (2003, p.469).
A própria questão da individualidade, pode ser acompanhada desde sua mudança
conceitual durante a pré-modernidade, quando esta já existia, porém era concebida e vivida de
forma diferenciada, haja vista que a ideia do indivíduo soberano, sem as amarras da religião,
por exemplo, só foi possível com o Humanismo Renascentista do século XVI e o Iluminismo
81
do século XVIII (HALL, 2006, p.25). É com a chegada do capitalismo que se percebe uma
concepção mais individualista do sujeito, somando-se a este momento as crises de cunhos
econômico, religioso e social que o período medieval provocou.
Destarte,
as
sociedades,
então
modernas,
tornaram-se
mais
complexas,
consequentemente mais sociais e coletivas, o que obrigou a uma revisão das teorias liberais,
com democracias modernas e uma percepção do sujeito muito mais social. E, com todas estas
transformações, vivenciadas tanto no campo prático quanto no conceitual, Landowski (1992)
traz a proposta do que determina como “sociedade refletida”, na qual as fronteiras entre
“público” e “privado” estão cada vez mais tênues, quando se quer encontram-se presentes,
haja vista que com o advento das tecnologias, da informática e da amplificação do acesso a
diversos conteúdos, as práticas sociais entre sujeitos, subjetivo e mundo foram transformadas.
Nos dias atuais, o mais frequente não é vivenciar a construção de uma ponte entre o que é
meu e o que é do coletivo, mas sim considerar que se tratam de esferas combinadas, nem
sempre em harmonia, daquilo que considero apenas meu, daquilo que divulgo para alguns, do
que divulgo para todos e daquilo que nem eu mesma reconheço que está em meu interior.
Desta forma, a individualidade é produto da construção e invenção de uma sociedade,
conforme destacado, no primeiro capítulo deste estudo, por Barth (2000), em meio aos
contextos de significante e significados que permeiam as interações com o mundo e com os
demais, inclusive pelo forte agente catalisador de mudanças que é a comunicação e a própria
internet, dado que os próprios meios de comunicação refletem a cultura de uma sociedade.
2.1 (Des)Construção do sujeito
A questão da identidade e sua pessoalidade, apesar de ter interessado aos Iluministas23
e Românticos24, apenas foi compreendida como uma etapa em construção e encarada como
um problema a ser estudado a partir da Modernidade, conforme assinala o sociólogo John
Thompson (1995; 1998), em suas abordagens sobre os impactos sociais advindos da relação
com as mídias e os aspectos culturais e ideológicos de determinado contexto. Desta forma, é
apenas no período Moderno que a identidade começa a ser estudada em profundidade e são os
23
Percebiam a identidade como o controle principal da experiência e da razão necessárias para
conduzir a vida e o pensamento. (HALL, 2006)
24
Identidade é percebida como uma espécie de ponte entre a razão e a sensibilidade dos sujeitos
inseridos em um social. (HALL, 2006)
82
estudos pós-modernos os principais responsáveis por explorar a temática na concepção como
o presente trabalho a reconhece: uma construção fragmentada e em constante transformação.
Foucault (1979;1984) analisa as categorias das relações de poder e da ordem que os
discursos assumem quando da construção das relações sociais e da subjetividade. Segundo o
filósofo, esta eterna (des)construção do sujeito e de sua identidade são chamadas de
“descentração” do sujeito e estão presentes, de acordo com Foucault, tanto nas questões de
alteridade e poder, quanto da elaboração do discurso, do poder e das suas relações com os
sujeitos no social. Apesar da presença de um caráter fluídico, é possível encontrar certa
porção de estabilidade, algo que, apesar das modificações, permanece.
Esta ideia de Foucault (1979; 1984), acerca de uma vivência em experiência diversa,
embora tenha sido alvo dos estudos modernos, remonta sua existência a um período anterior.
Paulo Serra (2006), em seu estudo realizado em Portugal, acerca das concordâncias e
complementariedades identitárias, ilustra esta observação com exemplo do poeta Fernando
Pessoa. Ao longo de seus escritos, Pessoa, fazia referência ao debate identitário e à forma de
experienciar a vida em pluralidade, não simplesmente antagônica, mas, sobretudo
complementar ao sujeito. Portanto, a herança desta questão remonta a um ponto de estudo que
transcende a atual Sociedade da Informação:
tal fenômeno não pode interpretar-se em termos meramente individuais,
psicológicos e/ou psiquiátricos (como alguns quiseram fazer com Pessoa), mas
em termos sócio-culturais e estéticos. A heteronímia é, a par de outros
fenómenos conexos, menos espectaculares mas nem por isso menos
significativos, como a pseudonímia, a metamorfose, a viagem para ‘o outro
lado do espelho’ ou, no campo científico, ‘a personalidade múltipla’, a
expressão premonitórias e reveladora de uma realidade que, contida já em
germe na invenção moderna da subjectividade, apenas na actual ‘sociedade de
informação’ – uma sociedade caracterizada pela instabilidade e pela
fragmentação das identidades individuais e colectivas – se revela em toda a
sua crueza. (SERRA, 2006, p.07)
O que pretendo neste estudo, ao expor as ideias acima, é estabelecer que a questão da
pesquisa pretendida, sobre o percurso das identidades dos jovens nas redes sociais da internet,
deve ser avaliada na perspectiva de interação tecnológica, ao mesmo tempo em que os anseios
do sujeito pelo tema da identidade pessoal, remontam ao um passado manifesto. Desse modo,
ratifico a ideia da heteronímia, conforme proposta por Serra (2006), em seus estudos acerca
das identidades, com a licença de se experienciar identidades que, ao se ligarem no plural de
suas práticas, encontram-se reunidas em algo maior e único: a identidade de cada um. Esta
experiência confere uma eterna (des)construção do sujeito originando resultados
83
completamente distintos, conforme provou o relato compartilhado da trajetória de vida de
cada um dos entrevistados, alguns dos quais exemplificados neste trabalho. Destarte, o sujeito
ao ser duas coisas (personalidades) A e B, distintas entre si, o sujeito S não é
nem A nem B isoladamente; mas ao ser A e B, como estas duas coisas são
distintas entre si, o sujeito S é distinto de si próprio. (...) Ora, esta diferença
entre S e S marca “a distância interna que distende o sujeito no interior de si
próprio, e o faz tornar-se relação, ao fragmentar o eu substancial”25.(SERRA,
2006, p.08, parênteses do original)
Aproveito para destacar que, ao longo do trabalho de campo, um dos questionamentos
que propunha era o da média de contatos existentes nas redes sociais da internet dos
entrevistados, os chamados “Amigos”26. A indagação também tinha o intuito de levar os
interlocutores a refletir sobre a quantidade de amigos que era conhecida ou daqueles que
haviam sido adicionados “no escuro”, sobre isto, considerava-se aqueles introduzidos na rede
sem total conhecimento prévio. Neste ponto, para alguns entrevistados, desenhou-se a
situação de terem adicionados amigos provenientes de amizades em comum. Quando isto
acontecia, alguns dos entrevistados declararam que não se tratavam de pessoas totalmente
desconhecidas, uma vez que o respaldo de outra relação conferia ares de simpatia e tendências
de possíveis afinidades.
O intuito do momento descrito acima era o de perceber quais os principais critérios
que faziam determinadas pessoas serem ou não aceitas para figurarem nas redes sociais dos
entrevistados. Enquanto uns se mostravam mais rigorosos nos critérios de adicionar apenas
aqueles que conheciam pessoalmente, outros declaravam que adicionavam amigos de amigos,
o que não os classificava como totais desconhecidos.
A entrevistada Marta declarou:
eu sigo alguns artistas, mas eu sigo mais amigos que outra coisa, e notícias
também. Tanto que no Twitter, quando eu publico é para alguém específico,
não é pra todo mundo. Acho estranho seguir desconhecidos, eu sou meio
tímida pra fazer amizades, então eu fico mais com quem eu conheço. Muitos
desses artistas que eu sigo falam sobre assuntos diversos, bastante sobre
política, que me interessa, por isso considero pessoas afins.
Outro entrevistado, Tadeu faz parte do grupo daqueles que preferem apenas adicionar
pessoas com as quais tenha algum contato de rotina:
25
A expressão entre parênteses diz respeito ao título da obra de Mark Poster, The Second Media Age
(1995. Cambridge: Polity Press), glosado por Serra.
26
A explicação e como esta categoria é concebida nas redes sociais foi trabalhada no capítulo anterior.
84
só tenho no meu Facebook quem eu conheço. Não gosto disso: ‘Ah, tenho 3
mil amigos’, sendo que eu conheço vinte. Se eu só tenho vinte amigos, só
adiciono vinte pessoas no meu Facebook. Não me preocupo muito com
relação ao que os outros pensam, é mais por mim mesmo, não gosto de ficar
tanto me exibindo com tanta gente que não conheço. Eu sou uma pessoa
pública, por influência dos meus avós e dos meus pais. Todo mundo me
conhece em Belém por causa deles, do meu sobrenome, então já em
consequência prefiro não me expor tanto assim.
Na pesquisa de campo pude perceber que o grau de “exigência” sobre quem era ou não
desconhecido, mostrou-se muito relativo, ainda assim todos concordavam que haveria de se
ter muita cautela com o que se publicava porque tanto os “conhecidos” quanto os
“parcialmente conhecidos” poderiam saber em demasia de suas vidas.
O instante que, normalmente, seguia-se a este questionamento dizia respeito a quantas
daquelas pessoas tinham um convívio diário com o entrevistado. Tinha, com isto, a intenção
de avaliar se a rotina off-line era um reflexo fiel, parcial ou em total diferença da rotina da
vida on-line. A maior parte dos entrevistados argumentou não realizar tantas ações
diferenciadas em relação à vida off-line, entretanto todos afirmaram que a liberdade que as
redes conferiam aos usuários havia sido uma ferramenta de experiência em uma situação ou
outra. No decorrer de suas falas, percebi que esta liberdade a qual se referiam dizia respeito
tanto à liberdade de expressão para opinar sobre diversos assuntos, quanto de preservação de
suas identidades, uma vez que a utilização de nomes ficcionais e preservação do anonimato
era o que, em situações diversas, atraía os interlocutores a experimentarem facetas de suas
identidades em construção.
Portanto, quando o entrevistado desejava fazer algum comentário e não ser
identificado, ou vivenciar certas possibilidades, como se fazer passar por mulher quando,
biologicamente, era homem, em salas de conversa na internet, lançava-se mão de ferramentas
que preservavam as identidades, como o uso de fotos que não fossem as próprias e a troca de
nome. Edgar considera que essa preservação da identidade pode ser uma espécie de “máscara
virtual” utilizada para falar sobre qualquer assunto, desde aqueles que sejam mais tabus para
cada contexto ou para outros nos quais apenas não se deseja ser identificado por motivos
diversos:
A rede que eu mais participava eram nas salas de bate-papo sobre sexo. Se
entrasse os sete dias da semana, três era de sexo, uma vez um tema qualquer,
tipo amizade, e um ou dois dias para outros temas. Tem três temas que não
suporto: religião, futebol e política. São construções que ainda estou fazendo,
mas não gosto de dialogar porque as pessoas só sabem impor. Me fala, mas
não me força a aceitar o que tu pensas. Eu falava sobre isso na internet, mas
85
evitava porque eu sabia que, no final, ia dar problema, ia dar discussão. Na
internet, como a gente utiliza as máscaras virtuais, a gente fala o que quer, faz
o que quer e não importa o que a outra pessoa pensa. Se a pessoa viesse com
um assunto que não me agradasse, parava o bate-papo, cortava o assunto. Se
fosse um tema aberto, saía da sala de bate-papo e ia pra outra.
Entrementes, para determinados momentos, sobretudo no que tange a assuntos
profissionais, os nomes eram assumidos, bem como informações que validassem o perfil no
grupo. Rodrigo declarou que, no seu caso, era essencial determinar exatamente quem era, pois
muitos problemas haviam se originado quando não assumiu marcadamente sua identidade
principal:
sou atingido praticamente toda a semana: Vem um e resolve se meter na
minha vida virtual. Antigamente eu apagava, hoje em dia eu já vi que se não
aprender a contornar e a perceber quando as pessoas querem comentar ou me
atingir vou me dar muito mal, mas geralmente eu resolvo o problema lá na
hora porque eu sou uma pessoa pública e preciso dar uma resposta naquele
momento, mas depois eu procuro conversar ao vivo e a cores, olho no olho
porque pra mim, isso, nada substitui.
Entretanto, para outras situações, conforme a exemplificada por Edgar, optava-se pela
escolha de um nome fictício capaz de preservar a identificação no plano off-line. Sobre a
questão do anonimato, Recuero afirma que:
o espaço digital é um espaço fundamentalmente anônimo, graças à mediação.
Como o corpo físico, elemento fundamental da construção da situação de
interação, não é um partícipe do processo no espaço mediado, há uma
presunção de anonimato gerada pela própria percepção deste. (...) Assim, é
comum que a linguagem e os contextos utilizados para a comunicação neste
ambiente sejam apropriados pelos atores como elementos de construção de
identidade. (...) Essa construção, necessária para a visibilidade daquele com
quem se fala, é fundamental à interlocução. A partir dessa construção, tem-se
a presença, ainda que “virtual”, que permite a situação da conversação. (2012,
p.44)
Desta sorte, o indivíduo pode construir e expressar sua persona nas redes sociais da
internet a partir do sentimento de concretude conferido pelos grupos os quais integra, assuntos
que normalmente conversa ou se interessa, das fotos que disponibiliza dentre outros. Este
sistema de construção de identidade pode tanto contribuir para reforçar características mais
dominantes do subjetivo, quanto despertar aspectos mais adormecidos do sujeito. Edgar,
extremamente vaidoso, apenas disponibiliza fotos nas quais esteja magro. Rodrigo, que vive
uma fase de ascensão profissional, prefere publicar assuntos referentes ao seu trabalho.
86
Vinícius gosta de compartilhar comentários engraçados, pois não gosta da imagem de “cara
sisudo” que diz ser a opinião de muitos acerca de sua pessoa.
Neste sentido, os entrevistados não se sentiam outras pessoas na vida on-line porque
mesmo suas atitudes “diferentes” faziam parte da coerência que tinham de si. Aproveito para
destacar que, por mais que boa parte dos interlocutores tenha afirmado que a possibilidade de
se apagar algo que havia sido publicado em determinada rede da internet, era o fator principal
que os atraís à experimentação e à transgressão e algumas regras, não acredito ser possível
borrar ditas referências por completo, uma vez, sempre, na memória de alguém, persistirão.
Confesso que um dos interesses por mim manifestos, desde o início do desenho desta
pesquisa, era o de saber acerca de um tema comumente tratado nos meios de comunicação de
massa e, principalmente, em minha área de estudo de origem, a Comunicação Social:
relacionamentos familiares e amorosos. Neste aspecto, pude perceber que muitos
entrevistados possuem pouco ou quase nenhum contato com seus familiares, especialmente,
os mais próximos nas redes sociais. A rotina, o ato de se ver frequentemente, ou em alguns
casos, as dificuldades de relacionamento que são projetadas na vida concreta para as redes
sociais, estavam entre as principais justificativas. Destaquei três grupos maiores: os que não
se relacionam com seus familiares nem na vida off-line, nem na vida on-line, e que
verbalizaram a indignação quando pais e mães começam a fazer parte destas redes. Um
exemplo deste grupo é, Edgar, homossexual não assumido aos pais, justificou como “mais
uma forma de me controlar, de me vigiar ou de fazer tudo errado”. Edgar se incomoda com a
vigilância dos pais e as tentativas que executam em confirmar sua homossexualidade, a qual
Edgar não se sente à vontade para tratar com os progenitores. Entretanto, na vida on-line, o
entrevistado fez parte de redes sociais homo, e argumentou que, se não fosse a entrada de
parentes nas redes as quais integrava, ainda permaneceria como membro, todavia, agora
apenas acessa e lê seus conteúdos, sem replicá-los ou comentá-los. Outro grupo percebido era
formado por entrevistados que declaravam um bom relacionamento familiar, mas não viam a
necessidade de que este fosse estendido às redes da internet, dado que, na maior parte dos
casos, moravam na mesma casa, no Caso de Marta, ela e o irmão compartilham a presença na
rede social Twitter, entretanto apenas se falaram por ela logo no início da adesão, atualmente
preferem conversar quando se encontram em casa: “meu irmão tem o Twitter, mas a gente
não se fala, geralmente ele acessa do meu lado. Logo que criamos o Twitter a gente se falava
bastante porque ele ficava me perturbando e eu devolvia. Hoje a gente prefere se falar ao
vivo”.
87
Um número menor de entrevistados argumentava que só possuía redes sociais para
manter contato com familiares que moravam em outras residências, cidades ou países, como
no caso de Danilo, que após morar um tempo em outro país, devido às necessidades de
trabalhos de seu pai, utilizou as redes da internet para manter contato com familiares e
amigos. Na ocasião de sua mudança, Danilo possuía a rede social Orkut, entretanto, ao chegar
à Itália, constatou que aquela ponte de sociabilidade não era compartilhada por seus amigos
locais. Danilo iniciou sua conta no Facebook para poder participar da vida social de seus
amigos italianos, enquanto que a rede Orkut, mais popular no Brasil, ficou restrita aos seus
relacionamentos do país de origem. Muito provavelmente o Danilo brasileiro, que possuía a
rede Orkut, recebeu interferência do Danilo que passou a viver na Itália e que incorporou
novas rotinas, novas palavras, novas fotos e contextos de vida:
Na verdade eu passei a acessar mais o Facebook depois que eu fui morar fora,
porque eu cheguei na Itália e ninguém sabia nem o que era o Orkut e eu tinha
que, obrigatoriamente, ter um Facebook. Eu já tinha Facebook, mas achava
chato. Pra mim é sempre a mesma coisa: eu vou, me cadastro, vejo como é e
depois decido se gosto ou não, mas eu gosto de ver como funciona a rede
social. Facebook achava legalzinho, mas era muito diferente da que eu usava,
que era o Orkut, eu só fui passar a usar mesmo nos sete meses que fiquei na
Itália porque Orkut ninguém sabia o que era lá. Depois o Facebook passou a
ser mais divulgado aqui no Brasil, inclusive lembro de uma reportagem da
revista Veja, umas cinco páginas só explicando o fenômeno Facebook e
Twitter. Twitter eu tenho também, mas passei a não utilizar mais tanto porque
achei que ficou muita besteira, deixa no Facebook que tenho opção de não
visualizar a atualização de algumas pessoas.
Em todas as falas, o sentimento do espaço e da individualidade preservada se mostrou
como um forte marcador nas falas. Em nenhum dos casos havia o compartilhamento de
senhas de grande parte dos entrevistados, inclusive os que declaravam ter um relacionamento
bom com seus familiares nas redes da internet, afirmaram ter passado por algum
inconveniente de privacidade, o que ratificava meus pressupostos de que interações humanas
podem ser complicadas em qualquer nível e em qualquer território praticado.
Acerca dos relacionamentos amorosos percebi uma polaridade nas respostas: alguns
declararam que nunca teriam um envolvimento amoroso via internet, pois conforme ressaltou
Lia, atualmente formada e que encontrou seu noivo nas salas de aula do curso de medicina,
“eu sou muito desconfiada e também não entro muito na internet. Mas acho que se conhecer
alguém lá, tem inúmeras formas de você ir se aproximando e acabar confiando”. A frase de
Lia demonstra a importância que a confiança e os riscos que o desconhecido impactam na
decisão deste grupo de entrevistados em acreditar na possibilidade de um relacionamento
88
através das redes sociais dos computadores. Nestas falas, destaca a necessidade de humanizar
o meio e o contato para que se possa acreditar na realidade daquele relacionamento, mostra de
que os impactos trazidos por um envolvimento amoroso foram categorizados como de maior
risco emocional do que os de uma relação de amizade. Para este grupo havia uma diferença
marcante entre o paquerar e o namorar. Apesar disto, estes entrevistados reconheceram a
influência que as redes sociais da internet desempenharam em suas vidas e em seus
comportamentos, sobretudo no que tange a aproximação de pessoas, declarou Lia:
apesar de não entrar tanto, me aproximou de pessoas que estão distantes, de
pessoas que já estiveram muito próximas e hoje em dia estão distantes, você
acaba sabendo como é que ela ‘tá, o que foi que aconteceu. Pessoas que
colocam todo dia uma mensagem, mas que você entende, mais ou menos, o
estado de espírito por aquela mensagem, e aí com aquela frase eu consegui
aproximar novamente algumas pessoas.
Enquanto isso, outro grupo era composto, inclusive, por casais que se conheceram
pelas redes sociais e, como o relacionamento, na ocasião da pesquisa, ainda existia,
declararam ser a internet excelente espaço para se conhecer pessoas, até de intensificar laços
de alguma situação no plano off-line, como o caso de Tadeu que encontrou o atual namorado,
Danilo, em uma festa e aproveitou as redes sociais da internet para se aproximar e conciliar
agendas e horários, o que dificilmente aconteceria no plano off-line dado a diferença de
rotinas. Apesar disto, experiências, no mesmo campo amoroso, que consideraram negativas e
frustrantes também foram relatadas, como o caso de Carla que, mesmo tendo conhecido sua
atual namorada, Marta, pelas redes da internet, afirmou:
já tive uma pessoa que eu conheci e comecei a namorar pela internet. Dá para
conhecer pela internet, mas ficar namorando pela internet não dá, eu sinto
necessidade de contato físico. Não é se arrepender de ter vivido isso, mas eu
não toparia de novo porque não é a mesma coisa, nunca vai ser a mesma coisa
de um namoro presencial.
Pude então perceber que, mais do que falar de um tema sobre linhas gerais, os
entrevistados traziam suas experiências pessoais para justificar muitas das respostas, como
por exemplo “olha, comigo isso nunca deu certo, mas conheço gente que até casou, mas eu
não confio nisso não. Namorar, estar junto, é muito complicado para fazer isso na internet”,
declarou Carla. Tive a oportunidade de entrevistar Carla e Marta em momentos separados e,
apesar de algumas respostas mais divergentes, como os assuntos que buscam em suas Redes,
ambas argumentaram não gostar de assumir a homossexualidade na internet, em virtude de
não considerarem este um espaço para que qualquer um saiba de suas questões mais íntimas,
89
mostras de que o conceito trazido por Perlongher (2008) e Certeau (2008), acerca da
importância do subjetivo na construção dos territórios é de extrema importância para a
compreensão dos cenários hipermodernos desta pesquisa.
Alguns ainda eram categóricos ao afirmar acreditarem em encontros amorosos pelas
redes sociais da internet, mas declaravam firmemente: não se pode manter um relacionamento
apenas pela rede social, é preciso contato, é preciso convivência. Assinalo que a postura é
consequência não apenas do que haviam observado em sujeitos próximos, mas o que lhes
tocavam em suas próprias histórias de vida. Curiosamente, os dois casais que entrevistei
tinham se conhecido através de redes sociais da internet, mas ambos os casos enumeraram
algumas doloridas situações que haviam passado antes de estarem com os atuais parceiros:
traição, distância, decepções, afastamento, até aí sentimentos possivelmente compartilhados
com as relações amorosas da vida off-line, entretanto uma característica parecia ser exclusiva
a vida on-line, a de que nunca se conhece totalmente a pessoa.
A questão sobre o que é dito e o que não é dito sobre os relacionamentos, conforme
citado na análise de Foucault (1979), no primeiro capítulo deste trabalho, é defendida através
do afastamento desta concepção binária. Logo, as diferentes formas de não dizer algo em
sociedade devem ser analisadas a partir das relações de poder estabelecidas. Daí porque o
autor defende que tanto o silêncio quanto a confissão podem ser aprisionadores tamanho os
comprometimentos que estes podem ter com as relações de poder.
Avançando nesta questão, a pesquisa de campo aqui realizada retoma os estudos de
Eve Sedgwick, em sua obra “A epistemologia do armário” (2007), na qual analisa as formas
de regulação da vida social e individual através destas relações de poder trazidas na análise de
Foucault (1979). Sedgwick (2007) salienta que homens e mulheres, hetero ou homo, sofrem
processos sociais de poder e de regulação das vidas sociais. Desta maneira a ideia do
“armário” surge como algo que não apenas existe na vida de casais homo, mas garante aos
demais, a manutenção das relações de poder usufruídas, como a heteronormatividade.
Funcionando como um regulador social, o armário impõe àquelas pessoas que se relacionam
homossexualmente que, para evitar as consequências das esferas públicas e pessoais, que
entrem neste armário de silenciosos murmúrios ou gritos sociais. O medo de ser descoberto e
de sofrer opressoras consequências, tanto físicas quanto mentais, faz com que estes sujeitos
estejam constantemente no convívio do temor de que se descubra o que guardam dentro de
seus armários. É daí que, conforme salienta Sedgwick (2007), versões de si são criadas,
forjando sentimentos e condutas que influenciam diretamente em suas subjetividades
oprimidas.
90
Ainda trabalhando esta proposição de Sedgwick (2007), aproveito para retomar a
proposição de Butler (2010) na qual afirma que, para melhor se compreender as relações de
gênero, faz-se necessário abandonar algumas normas socialmente e culturalmente
convencionadas, uma vez que não representam a diversidade das situações com as quais os
sujeitos experienciarão suas vidas. É verdade que estas normas podem afetar as escolhas
individuais e coletivas, arrastando (pré)conceitos, bem como a maneira como algumas ações
transcorrerão. No caso específico traçado por Sedgwick (2007) agrega-se a ressalva que
Butler (2010) realiza ao desconstruir a lógica da heteronormatividade, a qual se baseia na
existência binária de apenas duas possibilidades de sujeitos: homem/mulher. Nesta lógica, os
gêneros inteligíveis aparecem a partir de uma série de comportamentos previamente
imaginados, e por isso mesmo esperados, a partir do reconhecimento intersubjetivo para que
um indivíduo reconheça o outro. A grande questão está em ser, no próprio reconhecimento, o
lugar no qual os campos inteligíveis podem sofrer modificações, a partir das maneiras pelas
quais os indivíduos operam suas identidades a partir de interações com o outro e com suas
subjetividades,
materializando
gêneros
que
saltam
ao
padrão
estipulado
pela
heteronormatividade, daí porque alguns optam por “entrar no armário”. Dessa forma,
mediante o contexto e o Outro que se depara comigo, eu posso escolher sair, ainda que
momentaneamente, do armário, visto que este existe no contexto da regulação operada pela
heteronormatividade e pode:
marcar posição no campo da inteligibilidade, revisá-lo e expandi-lo, de modo
que uma nova forma de reconhecimento seja possível. Ou o indivíduo pode
dizer: ‘não quero ser reconhecido por meio de nenhum dos termos que você
tem’, e nesse ponto aquele campo de inteligibilidade é recusado e uma
distância crítica se estabelece. Invocamos campos de inteligibilidade quando
reconhecemos outros, mas também podemos retrabalhá-los ou resistir a eles
no curso de novas práticas de reconhecimento. (BUTLER, 2010, p.168)
Relembro então a proposição, anteriormente exposta, sobre a ideia foucaultiana entre
poder e resistência, na qual é possível que o sujeito, em determinado contexto e em relação
com alguns sujeitos, “saia do armário”, a partir de negociações e licenças que são
estabelecidas, como o anonimato em uma rede social da internet. A situação relacional entre
sujeitos e contextos passa a ser, então, fundamental para que o indivíduo possa persistir em
seu próprio ser, à medida que este é resultado desta interação com o outro e consigo. Sobre
esta questão Butler pontua:
91
antes de tudo, não sei se existe algo universalmente verdadeiro sobre todos os
humanos. Penso que algo acontece quando as normas se rompem, ou quando
se resiste às normas, ou quando as normas produzem um campo de assim
chamados seres humanos fora das normas (...) e é por isso que as condições
sociais precisam ser propiciadoras. Não é uma capacidade interna, é uma
capacidade que vem a ser vivida e exercida nas relações sociais (...) é algo que
só se torna possível no contexto de um conjunto de relações. (2010, p.167168)
Daí porque, para alguns entrevistados, como Edgar, a pressão familiar exigia,
conforme o previu Sedgwick (2007), condutas hetero, as quais eram abandonadas quando o
entrevistado se encontrava na rua, em público, e podia circular em grupos específicos e
frequentar os locais sociais de escolha e afinidade. O mesmo ocorria em suas redes sociais da
internet, espaço este no qual Edgar realizou suas primeiras descobertas sexuais:
essas questões surgiram na adolescência: Meu Deus, por que tinha que ser eu?.
É quando a gente percebe que deixa de ser criança e começa a virar adulto e a
gente percebe que tem muitas responsabilidades e mais uma que a gente não
tem nem ideia de como lidar. Desde os quinze anos eu já procurava por
homens na internet. A gente se identificava por nomes que podia criar.
Determinados nomes já tinha uma magia no ar pra dizer se tu estavas
procurando por mulher, homem ou pelos dois. Eu já buscava um nome que
pudesse atrair, mas que não fosse agressivo para outras pessoas. Um dos
nomes que eu usava era chupetinha: por ser novo e porque eu procurava por
homens mais velhos, sempre me atraí por homens mais velhos, mais maduros.
Mas nessas redes eu participava de forma escondida porque como o
computador era acesso de todos e ele ficava num local de fácil acesso,
visibilidade, então qualquer pessoa que passasse poderia ver. Gosto de utilizar
as expressões do bajubá27 na minha rotina, inclusive na internet, acho uma
forma de identidade de um grupo segregado, de dizer: olha, nós existimos,
participamos, nós contribuímos para a sociedade continuar evoluindo e
estamos aqui, vejam que nós existimos, nós respeitamos vocês, então nos
respeitem. Hoje eu me defino como homossexual, no começo tentava
esconder. Até hoje meus pais não aceitam facilmente, eles não me perguntam,
mas estão aceitando aos poucos. Mas só vou assumir quando eu sair de casa,
aí sim vou poder falar o que eu quiser, claro que de forma educada, polida,
para não chocar. Mais do que contar, é viver, sentir.
A pesquisa de Sedgwick (2007) mostra o paradoxo do armário e como não se pode
estar completamente dentro dele. Este é o exemplo, anteriormente descrito, do que acontece
com Carla e Marta, Tadeu e Danilo que, apesar de serem casais homo não assumem esta
condição de relacionamento para um grande coletivo, como as redes sociais da internet.
Entretanto, prova de que o armário é impossível é o fato de, em um grupo restrito, no caso
27
Termo que categoriza as palavras e expressões utilizadas como forma de identificação pelo grupo de
Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros (LGBTS).
92
seus amigos mais próximos e mais tolerantes, o relacionamento é assumido e saem de seus
armários.
Desta maneira, conforme Sedgwick (2007) salienta em sua página inicial: “A
epistemologia do armário não é um tema datado nem um regime superado de conhecimento”
(2007, p.21). Entrar e sair do armário são práticas que não estão vinculadas apenas com o
individual e sim com a relação contextual estabelecida nas microssociologias das quais o
sujeito faz parte.
2.1.2 Identidades, sujeitos e tecnologias
Outro ponto importante a ser considerado é a pluralidade de tecnologias por meio das
quais é possível o acesso às redes sociais da internet, não se detendo apenas aos
computadores, mas a outros meios, sobretudo, conforme o foi comprovado pelo trabalho de
campo realizado, a telefonia móvel. Com isso, faz-se necessário o repensar, inclusive, de
funcionalidades e classificações dadas não apenas às práticas sociais, mas aos objetos
inseridos neste mundo pós-moderno.
Segundo Durkheim (1981), as classificações seriam as formas pelas quais a sociedade
organiza sua vida e, se o teórico avançou considerando estas classificações, estas não eram as
mesmas para todas as sociedades. Pois bem, o que se vê no mundo pós-moderno é um sem
fim de possibilidades, de somas e de fragmentações de sujeitos e de suas vivências, seja
através dos meios de comunicação ou da reflexão destes sujeitos sobre o seu fazer no mundo.
Isto, para o sociólogo, Michel Maffesoli, consiste em uma “abertura aos outros, abertura às
diversas características do eu” (MAFFESOLI, 1996, p. 310). Lia e Vinícius foram os únicos
casos de entrevistados que declararam não acessar a internet dos aparelhos de celular: “Outro
dia alguém falou pra mim: “teu celular não pega internet? Eu disse: não, pra mim é só pra
ligar. Até porque eu sou míope e no celular é muito pequenininho, vou forçar minha vista
daqui a pouco o grau tá mais alto”, ressaltou Lia.
Entretanto o comportamento da interlocutora pareceu-me raro quando o comparei com
o dos demais entrevistados. Carla argumentou que costuma acessar as redes especialmente
quando está fazendo alguma tarefa em simultâneo, mas que esta não desperta o mesmo
interesse, conforme destacou: “principalmente quando estou em aula e dá aquele tédio”.
Segundo Rodrigo, como passa o dia inteiro fora de casa, o celular é a ferramenta principal
para continuar conectado ao longo do dia e não perder o que é publicado pelos amigos ou em
perfis ligados ao seu trabalho:
93
passo o dia inteiro conectado, todos os dias, não tem jeito. Começo com as
novidades do dia, mas elas acabam sempre rumando para o trabalho. É uma
hora que tiro para mim: acessar blogs que gosto, atualizar o meu blog28, sobre
vídeo e cinema, que é o que eu gosto. Trabalho se mistura com lazer quando
acesso a internet, uma coisa leva a outra.
Rodrigo acrescentou que é impossível não agir dessa maneira, uma vez que não apenas
procura estar sempre presente e promovendo conversações, mas igualmente acompanhando se
algo inapropriado é comentado em seu perfil.
Geertz (1973) se encontra na base analítica da declaração de Rodrigo, uma vez que
reconhece que a intencionalidade das ações está pautada nos moldes conferidos por
determinada cultura, através de práticas, discursos e representações capazes de unir os sujeitos
em torno de uma relação social. A própria subjetividade passa a ser construída a partir da teia
de significados que cada interação impactará e representará no social, a partir de temas
culturalmente convencionados e, por isto mesmo, contextualizados e de peculiares
significados. Desta maneira, é na cultura que temas diversos adquirem a forma de construtos
sociais, a partir da rede de significados possíveis que assumem, mediante convenções
posicionadas e compartilhadas por sujeitos contextualizados em determinada comunidade.
A subjetividade do sujeito, conforme destaca Geertz (1973), passa por uma
organização a qual demanda representações através de falas, gestos e posturas. É a partir daí
que o sujeito pode operar sua sensibilidade de maneira que esta represente e signifique algo
que é compartilhado, em meio a uma série de ideias conectadas e que nascem a partir das
construções culturais que tanto moldam o indivíduo quanto são construídas a partir deste em
interação social, desenvolvendo a condição de criatura social do sujeito. Essas atitudes,
ordenadas pela cultura, são vistas por Geertz como fundamentos da condição humana de
organizar o mundo através de símbolos inteligíveis, os quais possa compreender, ordenar e
fazer funcionar no mundo. De acordo com este autor:
a perplexidade, o sofrimento e um sentido de paradoxo ético obstinado,
quando se tornam suficientemente intensos ou suportados durante muito
tempo, são todos eles desafios radicais à proposição de que a vida é
compreensível e de que podemos orientar-nos efetivamente dentro dela,
através do pensamento29. (1973, p.100)
28
Página da internet que permite a publicação de textos e fotos que o usuário deseje vincular a seu
perfil. Funciona semelhante a um diário de acesso público, no qual comentários podem ser deixados,
por aqueles que acessam o blog, a respeito do conteúdo divulgado. Os conteúdos variam desde
temáticas políticas, econômicas, poéticas, artísticas quanto de aspectos mais subjetivos sobre o dia-adia do proprietário do blog.
29
Tradução própria.
94
Seguindo a proposta da teia de significados culturais de Geertz (1973; 2008), retomo
as observações desenvolvidas por Barth (2000) acerca de sua pesquisa sobre a identidade e
seu dinamismo, bem como das normas que regem e influenciam, à exemplo do proposto por
Geertz (2008) na construção das identidades. Desse modo, por mais que os interlocutores
encontrassem na internet um espaço livre para suas ações, ainda assim estas eram orientadas a
partir da intenção que tinham de serem coerentes em seus comportamentos, evitando
repercussões negativas dos demais. Entretanto, o campo também mostrou que, em alguns
momentos, o interesse que norteava o entrevistado era o de transgredir as regras que o
dominavam off-line. Desta forma, o espaço das redes sociais da internet era aquele em que
possibilidades seriam experimentadas, a partir da fluidez e da dinâmica que estes espaços
conferiam às identidades dos interlocutores.
Estando, assim, as identidades contextualizadas em cenários culturais particulares,
algumas ações dos entrevistados estavam orientadas nas normas e nos significados que suas
ações poderiam ter e acarretar, tanto on-line quanto off-line. Todavia, algumas atitudes on-line
estavam orientadas no sentido de explorar facetas de interesse, ainda que pela curiosidade da
experiência, como a possibilidade de assumir diferentes categorias das características
identitárias, como idade, sexo, gênero, dentre outros. Desta maneira, percebe-se que a
dinâmica proposta por Barth (2008) acerca da construção da identidade, a partir dos distintos
grupos e situações nas quais o sujeito se depara e interage, também opera on-line, a partir que
há a afirmação e fortalecimento de algumas demarcações, bem como a possibilidade de novas
experiências e posicionamentos.
Logo, a afirmação de Rodrigo sobre considerar o acesso à internet como um momento
que tem para si, para lazer e trabalho, encontra-se simultaneamente na proposta de Barth
(2000), sobre a dinamicidade da construção da identidade, e de Geertz (1973), no que diz
respeito à teia de significados culturalmente estabelecidos para as ações dos sujeitos. Ainda
sobre este ponto de análise, acrescento a proposta do antropólogo americano Ray Oldenburg
(1999), quem propõe que os lugares de sociabilidade seriam então os responsáveis pela
integração e pela perpetuação da comunidade. Por conseguinte, bares e cafés ganham uma
finalidade para além da mera questão comercial: trata-se de espaços de relacionamento e de
interação do sujeito com o meio e consigo.
No contexto do mundo globalizado anteriormente descrito, o equivalente a cafés e
bares também podem existir em ambientes digitalizados, como as comunidades de rede que se
formam e são capazes de reunir sujeitos com pontos de interesses em comum. Estes lugares
95
recebem o nome de “bons lugares” para Oldenburg (1999). Desta forma, se nem todas as
finalidades e os propósitos se assemelham, o fator de união e ponte móvel entre estes sujeitos
passa a ser o conteúdo, responsável pela aproximação e socialização de determinado coletivo
de sujeitos que, nesta interação, acabam por descobrir, experimentar outras facetas e afirmar
em um eterno vir-a-ser que acontece, inclusive, por intermédio das interferências e formas de
relacionamento no ciberespaço.
Dito isto, ressalvo que o sentido de comunidade, nesta pesquisa, não está implicado
com a ideia de sujeitos homogêneos e reunidos sobre os mesmos objetivos e motivações. A
utilização do referido termo, relaciona-se com indivíduos que ora se aproximam ora se
afastam, mediante laços de afinidade e intenções sociais realizadas, mas que, igualmente,
podem ser transformados ou abandonados. Considero os entrevistados como mundos,
sobretudo subjetivos, muito ricos para serem agrupados em comunidades em um conceito
atrelado a conteúdos e participantes totalmente compatíveis e equivalentes. Lembro, sobre
isto, a proposta de Jacques Derrida (1996), ao destacar a palavra “comunidade”, cujo sentido,
para o filósofo, implica na consideração da heterogeneidade que lhe é peculiar.
Seguindo esta proposição de Derrida (1996), semelhante raciocínio opera nas
considerações que faço às chamadas “comunidades virtuais” da internet, uma vez que não se
encontram ali sujeitos idênticos em sua totalidade, mas sim indivíduos puramente diversos e
instáveis, em um exercício de pura democracia de estar em grupo, mas de conservar suas
características:
eu não gosto muito da palavra ‘comunidade’, eu não estou nem totalmente
certo se eu gosto da coisa. Se por comunidade tem-se o significado, como
normalmente acontece, de harmonia de grupo, consenso e concordância
fundamental sobre os fenômenos do desacordo ou da guerra, então eu não
acredito muito nisso e acho que é mais um truque de promessa. (DERRIDA,
1996, p.107)30
Marcelo possui redes sociais da Internet há oito anos e, embora na maior parte das
vezes se relacione com amigos31 que conheceu pessoalmente, especialmente àquelas com
quem interage em sua rotina, o entrevistado declarou não apoiar tudo o que acontece nas
comunidades da internet às quais faz parte: “vejo muitos xingamentos e preconceitos raciais e
30
31
Tradução própria.
No sentido conferido para redes da internet.
96
sociais, principalmente em comentários publicados no Youtube32 (Anexo 4), e eu não gosto
disso. Leio e não gosto, mas não me manifesto sobre isso”. Marcelo argumenta que não gosta
de se manifestar para não se indispor com o grupo do qual faz parte, embora não exposto, não
concorda com todo o conteúdo da comunidade da qual escolheu ser integrante.
Entretanto, se não se pode considerar a presença de uma homogeneização de
características identitárias, apenas de facetas compartilhadas pelos sujeitos de uma
determinada comunidade, Turkle (1997) lembra-nos que, quanto mais uso se faz da
tecnologia, mais esta acaba por se inserir como hábito. Esta é a razão pela qual, em grande
parte dos casos, os sujeitos não podem mais, com clareza, separar o que é vivido apenas
digitalmente e o que é sentido off-line, haja vista que as esferas acabam por se tornarem
complementares e permeáveis ao sujeito e a identidade construída.
A partir deste raciocínio, creio oportuno indagar se a tecnologia, além de trazer
interferências na vida pessoal dos sujeitos, não é igualmente responsável por se constituir em
opção interativa com o mundo. É estabelecida uma esfera de relacionamento que, em
interação com as demais camadas que formam a identidade do sujeito, faz com que muito da
vida vivida on-line, relacione-se com os aspectos da vida off-line e vice-versa, em caráter
complementar. Não por acaso, acabamos por nos acostumar a realizar muitas tarefas de
nossos próprios lares: trabalhamos, sentados na sala de casa, através de nossos computadores
pessoais, realizamos compras diversas pelo telefone e internet, conversamos com pessoas
através de nossas redes digitais, bem como acabamos por conhecer, incorporar e experimentar
aspectos de nosso subjetivo, através destes novos hábitos.
Desta maneira, o computador, a exemplo do que, durante muito tempo, foi a televisão
no passado, é uma ferramenta não apenas tecnológica, no sentido de permitir redigir nossos
textos com maior velocidade ou acessar a conta que temos no banco. O computador,
atualmente, tornou-se uma porta para vários mundos e para várias situações, as quais não
demandam, necessariamente, o deslocamento de nosso corpo físico em um espaço material,
uma vez que a representação e a performance, categorias estas a serem vistas mais adiante, no
próximo capítulo, são exploradas em profundidade nestas relações entre o social, o subjetivo e
a tecnologia .
Muito do que soava como ficção científica, torna-se executável. Com isso, ganha-se
muito, economiza-se muito, experimenta-se muito e se aprende e muito, mas as ressalvas
32
Página da internet que permite que seus usuários publiquem e compartilhem vídeos em formato
digital. Uma vez criada a conta particular de cada usuário, pode-se fazer parte de canais favoritos na
página e trocar mensagens com os integrantes sobre os materiais publicados.
97
feitas por Turkle (1997), e Wolton (1999) ainda se mostram pertinentes ao refletirmos sobre
até que ponto, de fato, estamos complementando mundos e não apenas isolando e priorizando
determinadas partes destes, o que nos levaria ao risco de um isolamento social. Conforme
relembra Turkle,
Na atomização da vida social americana iniciada no pós-guerra, o crescimento
dos subúrbios habitados pela classe média criou comunidades de vizinhos que
muitas vezes permaneciam estranhos (...). No passado recente, abandonámos
as nossas comunidades para abraçarmos estes lazeres distantes; e agora, cada
vez mais, queremos atividade de lazer (como o aluguer de filmes em vídeo)
que possam ser desfrutadas diretamente em nossas casas (...). Aparentemente,
embarcámos num processo que nos refugiamos cada vez mais dentro de casa,
fazendo as compras por catálogo ou através de canais televisivos, procurando
companhia através de anúncios pessoais. (1997, p.350-351)
Tadeu ressaltou várias vezes, ao longo da conversa que tivemos, como se incomoda
com o comportamento de pessoas em serem extremamente comunicativas nas redes sociais da
internet, mas não reproduzirem estas atitudes no plano da vida on-line, o que classifica como
um falseamento de identidade: “Se no Facebook você conversa, compartilha, mas na vida
real, vira o olho, eu acho que a pessoa acaba mentindo por não acreditar em si mesmo. Eu
vejo isso direto então por que me ter no Facebook se nem fala comigo?”.
Apesar dos riscos de atomização social, Marcelo faz parte de uma perspectiva otimista
sobre o uso das redes sociais, uma vez que ele mesmo, conforme destacou, enquadra-se na
situação detalhada: “rede social da internet pode ajudar no fato de manter relações e trazer
mais perto amigos que estão distantes”, o entrevistado ainda faz a seguinte ressalva:
prejudicar é algo relativo, porque uma pessoa que passa mais tempo na
internet, passa porque ela gosta. Outras pessoas podem olhar e dizer ‘internet
faz mal, a pessoa fica sedentária, não joga bola nem nada’, mas é aquilo que
ela gosta de fazer mais. Por isso acho que é relativo, pode ser prejudicial para
uma pessoa, mas não para outra.
Desta maneira, pude perceber como, ao longo do trabalho de campo, não apenas
sujeitos de vivências e objetivos distintos compartilharam comigo suas impressões acerca do
tema das redes sociais, mas, principalmente, incluiu nestas análises a própria experiência que
têm de suas pessoas nestes contextos tão plurais quanto o são as identidades de cada um.
Por conseguinte, o estudo aqui proposto acerca das tecnologias digitais, quando na
perspectiva de seus impactos na vida social e na subjetividade, traz à tona questões que
ultrapassam o âmbito tecnológico, considerando-se, uma vez, os impactos sociais que sujeito-
98
computador/internet sofrem ao se relacionarem. Reconheço que esta observação nos leva a
cruzar novas fronteiras e ampliar a discussão para outros campos do conhecimento humano.
Para além da própria questão da Comunicação é necessário avaliar sobre o que se comunica, o
que se busca e de que forma cada sujeito se expressa e se constrói nessa empreitada. De
acordo com Turkle,
no preciso momento em que passámos a aceitar melhor uma afinidade entre os
computadores e a mente humana, começámos também a formular um novo
conjunto de perguntas acerca dos limites entre pessoas e coisas. Depois de
várias décadas em que colocámos a interrogação ‘O que significa pensar?’, a
pergunta-chave no final do século XX é: ‘O que significa estar vivo?’ (1997,
p.35)
Mais adiante e em sequência à observação acima, Turkle adjunta:
os computadores não se limitam a fazer coisas por nós, fazem-nos coisas a
nós, incluindo às nossas formas de pensar acerca de nós próprios e das outras
pessoas (...). As pessoas recorrem explicitamente aos computadores em busca
de experiências que possam alterar suas maneiras de pensar ou afectar a sua
vida social e emocional (...). Procuram no computador, isso sim, uma máquina
intimista. (1997, p. 37)
Partindo das ideias mencionadas anteriormente, e tendo como exemplo a diversidade
de questionamentos e posturas de vida que tive contato ao longo desta pesquisa junto aos
interlocutores, percebi que suas trajetórias, e neste ponto enxergava a minha enquanto
pesquisadora, são formadas e construídas a partir de um eterno vir-a-ser, no qual algumas
transformações e formas adaptativas sobressaem-se para cada contexto. Carla e Marta
namoram no plano off-line, entretanto ambas preferem não assumir a relação em suas redes
sociais da internet. O cuidado e a cautela manifestos por Carla e Marta representam a
complexidade do que constitui nossas identidades: o que assumimos? O que extravasamos? O
que desenvolvemos apesar dos julgamentos? E, sobretudo, quanto de tudo isso necessita ser
público para ser verdadeiro? Para o casal de entrevistadas, a relação em nada era diminuída
por não estar nos olhos públicos da Rede, apenas era mais uma das formas de se preservar a
individualidade, tanto de possíveis reações preconceituosas, quanto do próprio cuidado, que
mais tarde pude perceber na entrevista individual de ambas, que possuem sobre o que
divulgam de suas vidas.
99
Quando indaguei Carla sobre se a homossexualidade era uma questão assumida em
suas redes sociais da internet, a interlocutora, em uma postura firme, característica de sua
identidade ao longo de toda a entrevista, declarou:
eu não tenho problema de assumir em absoluto se chegarem e me perguntarem
ou se tiver que falar, eu não vou falar ‘o meu namorado’, eu acho isso ridículo,
eu penso que quem tem que me aceitar sou eu, só que eu não chego falando
pra todo mundo, porque se eu fosse hétero também não faria isso, porque
sendo lésbica eu tenho que fazer? Esses links ‘orientação sexual’ eu também
nunca preencho, eu sempre deixo sem resposta, mas acho que mesmo que
fosse hétero não preencheria, não tem porque se rotular. Assim como colocar
‘estado emocional: feliz, triste, deprimido’. Uma pessoa que vai responder
com seriedade, não vai responder assim. Pra mim, quem se rotula quer
aparecer, acaba sendo uma autoafirmação muito mais pra si que para qualquer
outra coisa, e para mim, as minhas autoafirmações tem que ser pra mim, não
preciso expor para ninguém, mas isso é pensamento meu, não critico quem
faça, cada um funciona de um jeito. Se perguntar, seja em rede social ou vida
extra internet, nunca vou esconder.
O firme posicionamento de Carla demonstra a maneira como toma algumas questões
em sua vida: seus pais sabem de seu relacionamento com Marta, bem como de sua
homossexualidade, assumida então há mais de quatro anos. Apesar de viverem em uma
situação de respeito e tolerância, não se pode dizer que há uma felicidade, por parte dos pais,
pela “escolha” feita por Carla, entretanto não há esconderijos em sua vida concreta, o que há é
uma postura discreta do que a interlocutora o é, tanto em sua vida on-line quanto off-line,
pouco se pode saber de Carla apenas pelo acesso a suas redes sociais da internet, bem como
pouco se saberá de sua vida ao tomar como referência um primeiro contato com seu mundo
off-line. Carla precisará de tempo para que sua confiança seja conquistada. A mim foram
necessários dois anos para realizar a entrevista de três horas desta pesquisa, considerando que
tínhamos algum grau de proximidade. Pude singularizar, com mais atenção, alguns aspectos
da identidade da interlocutora, creio que isto se deu em parte devido às percepções que ainda
possuía de dois anos atrás, bem como maior atenção que agora prestava, em virtude dos
anseios desta pesquisa, a determinadas categorias de Carla. Considero o pressuposto de que,
sobre outras questões, apenas agora, em contexto e intenção mais específicos, Carla
demonstrava e tratava sobre algumas temáticas comigo.
2.2 Da sociabilidade
100
Outra das questões contidas no roteiro semiestruturado era a de se o entrevistado
apreciava partilhar acontecimentos de sua vida, fosse através de mensagens textuais ou com a
publicação de fotos, e quais as principais vantagens e desvantagens que percebia em estar
presente nas redes sociais. A seleção de conteúdo, conforme trabalharei nas próximas linhas
através dos escritos de Simmel (2006), mostrou-se como a principal divisora de momentos de
vida e um importante traço de separação em um território que coexiste com múltiplos
aspectos e interesses da subjetividade destes sujeitos. Alguns interlocutores, como Marcelo e
Lia, falavam que raramente comentavam em suas redes sociais e quase nunca publicavam
fotos, faziam mais parte destas redes para estar em contato com amigos ou saber de suas
vidas. Quando publicavam algo acerca de suas vidas, eram extremamente analíticos e seletos
em relação aos amigos que teriam acesso àquela informação, uma vez que possuíam as
chamadas [listas de amigos], as quais permitem restringir ou conceder acesso à determinada
informação.
Enquanto isso, para outro grupo, encabeçado por Danilo e Edgar, as publicações eram
constantes e diziam respeito tanto a questões profissionais, com divulgação e cursos e
reportagens, quanto de cunho pessoal, estas fortemente marcadas pela divulgação de fotos
que, sempre que possível, continham seus amigos, estes também, em grande número, usuários
de redes. O intuito principal era o de que a publicação de uma foto promovesse o acesso e a
reação de comentários por parte das pessoas envolvidas ou interessadas na temática. Tadeu
argumentou que tanto “marca”33 pessoas quanto gosta de ser [marcado].
Diante desta observação, saliento alguns pontos dos escritos de Simmel (1983), a
partir dos aspectos interacionais entre indivíduo e massa e indivíduo e grupo, que são
responsáveis pelo estabelecimento de pontes de sociabilidade, unindo, afrouxando e
separando indivíduos, de acordo com seus contextos interacionais. A questão do conteúdo é
defendida por Simmel como um dos principais pontos pelos quais indivíduos expressam suas
afinidades e estabelecem conexões. Desta maneira, redes sociais da internet, em extensão às
ideias de Simmel, tratam-se, também, de formas de sociação entre indivíduos em sociedade.
33
Ferramenta do Facebook que permite aos usuários sinalizar o nome da pessoa que aparece em
determinada foto. Esta marcação estará visível aos que acessarem o conteúdo, bem como ao sujeito
recebedor da marcação. Trata-se, especialmente, de um recurso para discriminar com quem se estava
em específica ocasião e fazer saber ao sujeito marcado que uma foto, na qual aparece, encontra-se
publicada. Desta maneira, os comentários possibilitados pelo Facebook podem fluir de maneira mais
rápida, uma vez que, em meio aos inúmeros e diversos conteúdos divulgados nesta rede social, as
pessoas relacionadas com determinado evento serão noticiadas, imediatamente, da disponibilização de
específico conteúdo, incrementando, possivelmente, as ações e os laços de sociabilidade. Alguns
sujeitos, inclusive, usam as marcações em fotos para saber quão populares suas publicações e
consequentemente, suas vivências são, quando analisadas pelos comentários que geram na rede.
101
tudo que está presente neles de maneira a engendrar ou mediar influências
sobre outros, ou que receba tais influências, designo como conteúdo, como
matéria, por assim dizer, da sociação. Em si mesmos, essas matérias com as
quais a vida é preenchida, as motivações que a impulsionam, não são sociais.
(...). São fatores de sociação apenas quando transformam o mero agregado de
indivíduos isolados em formas específicas e ser com e para um outro – formas
que estão agrupadas sob o conceito geral de interação. Desse modo, a sociação
é a forma (realizada de incontáveis maneiras diferentes) pela qual os
indivíduos se agrupam em unidades que satisfazem seus interesses. Esses
interesses, quer sejam sensuais ou ideais, temporários ou duradouros,
conscientes ou inconscientes, causais ou teleológicos, formam a base das
sociedades humanas. (SIMMEL, In: MORAES FILHO, 1983, p.166)
A temática da sociação e da afinidade de conteúdos, leva-me a trazer, mais uma vez, a
questão da identidade, conforme compreendida por Hall (2003a, 2003b, 2006) e por este
projeto: fluídica, múltipla, antagônica, mas nem por isso, deixando de ser complementar e
plural. Outrossim, seguindo o exemplo da delicada situação de vida trazida por Marcelo,
alguns entrevistados demonstraram-se receosos com o impacto que suas declarações poderiam
causar. Suponho que este sentimento provinha, em primeiro plano, do receio das
interpretações que eu, enquanto pesquisadora que lhes ouvia, poderia ter, e, em segundo plano
o julgamento que poderiam fazer aqueles que tivessem contato com estes escritos. Daí a
escolha por, no instante da construção do texto, trabalhar com nomes fictícios e preservar a
identidade dos interlocutores.
Logo, a intenção de algumas publicações está vinculada com a promoção da
sociabilidade a partir de uma seleção de conteúdo, como no caso de Tadeu que, ao divulgar
momentos de sua vida, procura atrair comentários e visualizações ao seu mundo:
eu quero que as pessoas comentem e fico postando de novo a mesma coisa até
que isso aconteça. Eu fico injuriado: Ah, alguém vai comentar! Na maioria das
vezes as pessoas comentam, às vezes boto uma foto de uma besteira e tem 30
comentários. Pôôô, na foto que eu queria mesmo que comentassem... É
normal, gosto muito dos comentários, são engraçados. Às vezes a gente nem
tem um contato físico por conta da distância e me aproximo com as fotos.
Posto algumas fotos da rotina também, quando vou ao trabalho eu tiro foto
também, acho bacana dizer que estou visitando vários portos de navegação.
Desta forma, o indivíduo expressa e demarca parte de seu subjetivo, de sua identidade,
a partir do que publica, seja através de imagens ou de informações textuais que tanto podem
ter um sentido de ação, como quando, por exemplo, o indivíduo disponibiliza conteúdos que
permitem perceber o que está se fazendo pela publicação de algo. Uma preocupação
recorrente dos entrevistados era acerca da educação e das práticas de respeito estabelecidas
102
nas redes sociais da internet, uma vez que, de acordo com Recuero (2012), “toda a
conversação necessita ocorrer dentro de normas convencionalmente acordadas pelos
integrantes para que sua função de construir as relações sociais aconteça” (2012, p.87). Por
este motivo, os valores [aprovados socialmente] por uma determinada rede são muitas vezes
inconscientes e orientam as normas convencionalmente aceitas na interação entre os
indivíduos, no sentido de evitar o confronto a partir da polidez na manutenção das interações.
Entretanto, neste aspecto, a internet apresenta um entrave, visto que diversos
indivíduos, com distintas características e valores sociais, podem entrar em contato mediante
um mesmo ambiente on-line. Logo, torna-se árduo, em alguns contextos, estabelecer padrões
de polidez, dado que diversas culturas, situações, inclusive histórias de vida, serão trazidas
por aqueles indivíduos àquela rede, o que Recuero (2012) classifica como possíveis situações
de conflito. “Vários autores relatam também a presença de discussões muito inflamadas
nesses espaços, ressaltando a necessidade de regras de conduta para as organizações”
(RECUERO, 2012, p.92). Neste sentido, os interlocutores afirmaram que, de acordo com a
rede que faziam parte na internet, determinados códigos linguísticos eram mais ou menos
utilizados, a importância de se divulgar mais fotos também estava relacionada às
características da rede, a qual demandava vivências específicas, como idas a determinados
bares, restaurantes ou realização de viagens. A realização destas atividades se materializava
através das imagens disponibilizadas. Mesmo a partir da tentativa de seguir o que acreditavam
serem as expectativas da rede, os entrevistados destacaram reconhecer falhas na comunicação,
pois muitas vezes o mal entendido surgia de onde menos se esperava, como uma frase com
uma palavra interpretada de maneira diferenciada entre emissor e receptor.
A identidade, em uma perspectiva hermenêutica, é construída com materiais
simbólicos dentro de uma narrativa própria ao sujeito, que, através de interpretações34,
construir-se-á e modificar-se-á na medida em que continua a existir e a se transformar com o
tempo e com as situações que aparecerão no decorrer da trajetória destes sujeitos. Dito isto, a
comunicação passa a significar, também, a existência de novas possibilidades de
conhecimento, de interação, de relacionamento, de experiência e (des)construções, por isso, o
que se propõe como referencial para as futuras análises deste estudo é o de não se limitar ao
aspecto superficial que alguns comportamentos e características podem representar para a
identidade.
34
Considera-se o caráter próprio e único que o ato de interpretar implica, uma vez que acaba por se
constituir como uma ficção, à medida que quem interpreta trará para significação todo o aporte de
mundo e percepções de seus contextos coletivos e pessoais, bem como suas aspirações, pré-conceitos e
valores.
103
Por conseguinte, antes de tudo, é necessário abandonar certas convenções sociais e
modelos comportamentais, uma vez que se o sujeito tem a liberdade de ficcionar acerca de
suas interpretações. Estas podem convidar passos a caminhos únicos, singulares, de modo
que, não obstante terem sido fruto parcial de um coletivo, o filtro do individual opera de
maneira peculiar a construir sujeitos que nem sempre se encaixam nos padrões previstos, e
como bem o desejariam que fossem os estipulados, pelas instituições. Desta maneira, “os
indivíduos se encontram continuamente confrontados com novas possibilidades, os seus
horizontes estão continuamente a alterar-se, os seus pontos simbólicos de referência estão
continuamente a mudar” (THOMPSON, 1998, p.13). A isto, lembra-se a diferença
inicialmente aqui retratada do conceito de Castells (2010) acerca da identidade e dos papéis
sociais35.
Aproveito o presente ensejo para, destacando a importância do tema ora tratado, traçar
um paralelo entre a pesquisa de campo aqui realizada e um estudo elaborado pela emissora de
televisão, MTV Brasil, em 201036 (Anexo 5). Apesar de apresentar metodologia37 diferente,
gostaria de comparar algumas categorias que tanto esta pesquisa quanto a da emissora de
televisão MTV compartilharam resultados afins. O estudo realizado pela MTV trazia pergunta
semelhante sobre o sentimento que se teria diante da situação da vida sem internet. A
proposição apontou que para 60% dos entrevistados pela emissora brasileira, viver sem
internet seria semelhante ao fim de suas vidas sociais, os quais associaram o sentimento de
dependência a esta tecnologia com algumas palavras semelhantes às percebidas na fala dos
entrevistados: sociabilidade, aprendizado, pesquisa e trabalho.
35
Ressalvo que mesmo os papéis sociais, tradicionalmente e classicamente definidos e
normativamente regulados, são palco de análise e questionamento, como prova os estudos de gênero e
sexualidade propostos por Butler. Sobre esta temática, este trabalho se deterá mais a fundo no que
tange ao Corpo e à Performance no ambiente da cibercultura.
36
Disponível para download em <http://www.aartedamarca.com.br/pdf/Dossie5_Mtv.pdf>. Acesso em
28 de Jun. 2011) .
37
A metodologia do estudo foi a seguinte: “Este estudo teve duas fases de pesquisas intensas. Na fase
qualitativa, realizada entre maio e julho de 2010, ouvimos 154 jovens, em grupos de discussão e em
entrevistas de profundidade, nas capitais São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília,
Salvador, Recife, Porto Alegre e no Interior de São Paulo. Além disso, nós “grudamos” em oito
jovens. Durante quatro dias, eles foram monitorados por nossos pesquisadores por celular, MSN e
redes sociais. Nós também convidamos outros dez jovens para criar um diário de atividades, durante
uma semana. Também aprofundamos nosso conhecimento sobre o comportamento jovem e o consumo
de mídia ouvindo 66 formadores de opinião. Foram 22 entrevistas em profundidade com pais,
professores, psicólogos e profissionais que trabalham com os jovens, além de 44 entrevistas com
profissionais de mídia das principais agências de propaganda e anunciantes no eixo São Paulo-Rio de
Janeiro. Na fase quantitativa, em julho de 2010, foram entrevistados 2.000 jovens, de 12 a 30 anos, das
classes A, B e C, das mesmas cidades selecionadas na fase qualitativa. As entrevistas foram feitas nas
casas desses jovens, que responderam a um questionário de 45 minutos.” (DOSSIÊ MTV, 2010, p.08).
104
As diversas possibilidades de interação com o mundo e a portabilidade que os
computadores oferecem, estavam entre as principais sensações que o estudo da MTV e que os
entrevistados trouxeram como justificativa para a dependência à internet. Esta tecnologia seria
então a grande responsável para que estes sujeitos tivessem acesso aos mais variados
conteúdos, desde diversão e lazer até formas de encontrar amizades e formação profissional.
A própria funcionalidade do aparelho celular não está mais atrelada ao ato de ligar e sim à
gama de possibilidade advinda, substancialmente, do incremento nas tecnologias móveis
oferecidas pelos chamados smartphones38.
A pesquisa realizada pela MTV apontou que uma das mais populares funções dadas
aos denominados [celulares inteligentes], é o ato de fotografar e, posteriormente, publicar esta
imagem para que possa ser compartilhada com sua rede de contatos da internet. Resultados
semelhantes puderam ser percebidos no trabalho de campo quando, apenas Lia, Carla e Marta
declararam não possuir celulares [modernos], todos os demais tinham adquirido seus
smartphones justamente para o acesso à internet.
Desta forma, o estudo da comunicação, das novas tecnologias e da sociabilidade
resultante da interação entre estes elementos, deve ser visto como um processo de construção
e que, nem por isso, se encontra finalizado, pois a cada nova mudança conjuntural, novos
paradigmas surgem a reinterpretar teorias, até então pioneiras, ou a propor novas abordagens.
É fundamental então, neste contexto, compreender que o conceito de “meio”, como uma
forma de abrangência das redes, significa, na atualidade, muito mais do que apenas
transmissão.
Consequentemente, sobre estes aspectos, assinalo, para esclarecimentos do estudo aqui
proposto, o fato de que a experiência de ser vários está ligada a um processo de produção e
criação, e não apenas a descoberta de algo que existia por completo39. Qual seria, então, a
relação entre a consciência (inclusive a de si) e a comunicação? Segundo Nietzsche40 (2002),
38
Tratam-se de telefones celulares com múltiplas funcionalidades que podem ser, inclusive, estendidas
através de programas específicas. Um dos principais atrativos destas tecnologias é o acesso à internet.
39
Sobre esta questão, pontua-se o fragmento advindo de “O livro do Desassossego”, de Pessoa, no
qual declara: “Às vezes não me reconheço, tão exterior me pus a mim, e tão de modo puramente
artístico empreguei a minha consciência de mim próprio. Quem sou por detrás desta irrealidade? Não
sei. Devo ser alguém. E se não busco viver, agir, sentir, é - crede-me bem - para não perturbar as
linhas feitas da minha personalidade suposta. Quero ser tal qual quis ser e não sou. Se eu cedesse
destruir-me-ia. Quero ser uma obra de arte, da alma pelo menos, já que do corpo não posso ser. Por
isso me esculpi em calma e alheamento e me pus em estufa, longe dos ares frescos e das luzes francas
- onde a minha artificialidade, flor absurda, floresça em afastada beleza.” (PESSOA. Disponível em
<http://tinyurl.com/8xfatpb>. Acesso em 24 de Fev. 2012)
40
Sobre esta ideia, ver mais em NIETZSCHE, Friedrich. 2002. A Gaia Ciência. São Paulo: Hemus.
Disponível em <http://tinyurl.com/7thg8to>. Acesso em 24 de Fev. 2012.
105
talvez a consciência não fosse apenas um reflexo do social, mas uma forma de reagir,
responder e se portar diante deste social, a ilustrar um trecho da passagem “Ilusão dos
Contemplativos”:
nós que pensamos e sentimos, nós que fazemos realmente e sem cessar alguma
coisa que não existe ainda – todo este mundo que sempre aumenta em
apreciações, de cores, de valorações, de perspectivas, de graus, de afirmações
e de negações. Esse poema inventado por nós e sempre aprendido, exercitado,
repetido, traduzido em carne e em realidade, sim, mesmo em vida quotidiana,
pelos que são chamados homens práticos (nossos atores, como eu já o
indiquei). Nada que possua valor neste mundo o possui por si mesmo,
segundo sua natureza – a natureza é sempre sem valor: atribui-se-lhes certa
feita um valor e fomos nós que os demos, nós, os atribuidores! Nós criamos o
mundo que interessa ao homem! Mas esta é precisamente a ciência que nos
falta, se a encontramos por um instante, escapa-nos um instante após.
(NIETZSCHE, 2002, p.196-197, grifos do autor)
As pesquisas na área da Comunicação Social a partir das formas de interação dos
sujeitos e os impactos trazidos no campo do social desenvolvidos por Recuero (2011) trazem
abordagens pertinentes a este projeto, no sentido de se interessar por perceber as práticas e os
processos sociais que permeiam a utilização das tecnologias digitais, tendo-se focado nas
pesquisas sobre os hábitos de conversação e da sociabilidade advinda destes processos e
destaca:
a comunidade virtual é um elemento do ciberespaço, mas é existente apenas
enquanto as pessoas realizarem trocas e estabelecerem laços sociais. O seu
estudo faz parte da compreensão de como as novas tecnologias de
comunicação estão influenciando e modificando a sociabilização das pessoas.
(RECUERO, 2011, p.10)
Considero que, mesmo não trazendo um foco específico sobre as questões das
identidades dos sujeitos, Recuero (2011) avança no debate sobre as intencionalidades e as
programações performáticas das conversações mediadas por computadores, e por este motivo
é uma das autoras de categorias a serem utilizadas nas análises aqui elaboradas. Recuero
(2011) mostra a pertinência no que tange às críticas que elabora sobre a interação entre os
aspectos comunicacionais, a tecnologia e os impactos sociais trazidos, especialmente quando
estas operam nas intencionalidades dos sujeitos.
2.2.1 Informação e sociabilidade
106
Um ponto de investigação interessante é se, nos novos espaços de sociabilidade
mediados pelas redes sociais da internet, de fato, há um ambiente de comunicação
colaborativa fortalecendo a geração de informação e o debate, bem como estreitando laços de
sociabilidade ou, se o que acaba ocorrendo é uma parcial atuação destes sujeitos, os quais não
estariam profundamente envolvidos com suas participações nestas redes, gerando,
possivelmente uma pseudosocialização, conforme destaca o pesquisador de Ciência da
Informação Júlio Pinho:
parece inegável que o emprego de tais tecnologias resultou, certamente, numa
maior rapidez tanto no que diz respeito ao acesso como também na
transferência da informação em escala global. Permanece, contudo, a questão:
o resultado de tais avanços tecnológicos está produzindo maior interação,
cooperação e socialização entre os usuários de tais instrumentos? E quais são
os usos que estes interlocutores fazem desses recursos e possibilidades
tecnológicas que possibilitam novas formas de acesso e trocas de
informações? (2010, p.02).
As opiniões existentes sobre as questões acima planteadas divergem entre aqueles que
consideram as tecnologias, sobretudo a internet, como um conteúdo superficial, informações
precárias, bem como propiciariam relacionamentos alienados e artificiais e, de outro lado
aqueles que percebem as redes sociais da internet como espaços colaborativos e capazes de
fortalecer e expandir os laços de sociabilidade do sujeito, bem como deste explorar a
construção da identidade. Defensor da primeira ideia, o filósofo francês Jean Baudrillard
(1992), possui um posicionamento pessimista sobre a relação entre sujeitos, tecnologia e suas
trocas comunicacionais, uma vez que percebe esta tríade através da construção de um mundo
maravilhoso e que tangenciaria o real, pois não apresentaria problemas e imperfeições e no
qual, todas as ações estariam vinculadas com a espetacularização da mensagem.
Entrementes, não se pode negar a influência que pensadores mais otimistas operam
acerca das mesmas questões analisadas por Baudrillard (1992) e que dizem respeito às
análises deste projeto, como Recuero (2011, 2012). Segundo a autora, as redes sociais da
internet intensificam a socialização com novas e inéditas formas de pensar e acessar a
informação, além de perceberem o mundo on-line e o mundo off-line intimamente ligados e
complementares, uma vez que, conforme defende Recuero, nós somos a medida que
interagimos com a tecnologia, a cultura, a natureza e a sociedade. Segundo o antropologista
Bruno Latour (2004), especializado nos estudos sobre os campos da ciência e da tecnologia,
analisar as formas de interação com os objetos tecnológicos constitui ato essencial para a
compreensão de quem somos no mundo.
107
A proposta trazida por Recuero (2011, 2012) e Latour (1994) são as que considero
oportunas às proposições aqui expostas, entretanto se a sociedade é uma construção arbitrária,
a qual nos ergue à medida que a elevamos, conforme exposto por Barth, não se pode deixar de
considerar a pertinente análise de Baudrillard (1992) ao relativizar a maneira como os sujeitos
são afetados e afetam o processo de construção, haja vista que nem todos estabelecerão as
mesmas formas de relação. Considerando que novas conjunturas não partem do nada, acredito
que o olhar em perspectiva e contextualizado seja a melhor maneira de compreender as
distintas formações e os diversos significados que operam para cada sujeito, em cada situação,
sobre sua relação tecnológica com o mundo e com sua subjetividade. Sobre isto, o
pesquisador da área da comunicação social, especializado em tecnologias digitais e seus
fenômenos comunicacionais, André Parente (In: COHN, 2009), argumenta:
então, na verdade, sempre que aparece uma coisa nova, isso gera muitas vezes
um certo antagonismo. Mas, certamente, esse novo não é uma coisa que está
completamente desligado do que se produzia antes, porque tudo isso que foi
surgindo, num certo sentido, estava de alguma maneira já presente na cultura.
O digital não surgiu do nada e não caiu do céu, por isso que eu não temo
algumas tecnologias: porque eu não acho que elas sejam desencarnadas dos
processos de produção de subjetividade. Ou seja, os dispositivos, as máquinas
trazem consigo, elas exprimem a cultura aonde isso foi produzido da mesma
forma que um quadro, um livro, um romance, ou algo do gênero. Não dá para
eu me desconectar do que se produz tecnologicamente, como se aquilo fosse
inventado do nada. No fundo é o contrário disso: já havia uma necessidade de
uma demanda, que ainda não era talvez consciente, mas que já estava lá.
Dessa forma, talvez já houvesse uma série de questões na própria cultura que
apontavam para essas mudanças que ocorreram depois, tecnologicamente.
(PARENTE, In: COHN, 2009, p. 169)
Mediante a reflexão de Parente, retomo a indagação: novas tecnologias, novas formas
de se relacionar, implicariam em novos papéis sociais? De que forma a identidade destes
sujeitos seria moldada ou sofreria influência destas novas situações? Os professores de
Ciência da Informação e Ética, Rafael Capurro e Birger Hjorland (2007) lembram que são as
informações compartilhadas as responsáveis por gerar conhecimento a partir do que
classificam como “significados compartilhados”. Estes significados são os que fazem com
que a comunicação se transforme em informação, a partir de construções e desconstruções de
visão de mundo e de sujeitos inseridos em determinado contexto social. Considerando que os
contextos dos quais tratam Capurro e Hjorland (2007) podem ser os mais plurais possíveis,
boa parte destes, conforme destacam, encontram-se nas arenas de sociabilidade, dentre elas as
redes sociais da internet.
108
Ainda que se tratem de redes sociais da internet, é de significante influência as
questões trazidas do contexto social e cultural dos sujeitos, o que irá operar, inclusive, no
conteúdo que estes buscam, bem como na forma como estes se relacionam com as redes das
quais fazem parte. Mais importante do que marcadores demográficos e de faixas etárias, devese atentar para as questões comportamentais e para os motivos das buscas que levam estes
sujeitos a estabelecerem laços de socialização diversos, uma vez que o próprio conteúdo pode
ser uma ferramenta de sociabilidade.
Por isso a análise da construção identitária e da sociabilidade percebida via práticas e
formas de interação dos sujeitos com seus mundos on-line e off-line, estão vinculadas a
análises comportamentais de sociabilidade, performance e cultura material, duas categorias a
serem analisadas mais adiante. Haja vista que o próprio sujeito deve ser compreendido
mediante o contexto do qual fala, para quem fala e com quais objetivos. Um exemplo da
importância da contextualização do olhar diz respeito à própria compreensão do “local” de
pesquisa, uma vez que, no caso da internet, algumas categorias precisam ser repensadas,
conforme justificado nas linhas introdutórias desta pesquisa. De acordo com o que defende
Pinho (2010) acerca de como, nas comunidades virtuais, o contato é, via de regra, mediado
pela internet, um meio de comunicação que permite o anonimato e a vivência e
experimentação de diversas possibilidades.
Sobre a questão específica da ação de comunicar, Pinho ainda destaca a possibilidade
de existência de dois fenômenos específicos do contexto da internet: a cultura do efêmero,
também denominada como snack culture41, “onde os produtos culturais são elaborados para
um consumo instantâneo, com imediata e incessante reprodução” (PINHO, 2010, p.04); o que
embasaria o porquê das redes da internet apresentarem informações resumidas e pouco
extensas. O pressuposto do snack culture pode ser exemplificada em algumas redes nas quais
há o limite de caracteres a serem publicados42, incentivando o fluxo contínuo de informação,
bem como seu imediatismo e, porque não, certa superficialidade dos fatos repassados. A
velocidade com a qual estas informações são publicadas, entretanto, muitas vezes podem
gerar um sentimento de frustração ao não se conseguir acompanhar tudo que é compartilhado
em rede. Uma das entrevistadas, Carla, retrata este tipo de sentimento:
O termo faz referência à palavra inglesa “snack” utilizada para definir refeições rápidas ou lanches
que podem ser imediatamente consumidos, preferencialmente nos momentos de pouco tempo ou entre
refeições.
42
Exemplo disto é a rede social Twitter, na qual cada postagem não deve ultrapassar o limite de 140
caracteres, bem como outras redes, como Facebook, que apesar de ter um limite de caracteres maior
que o do Twitter, não permite postagens muito longas.
41
109
o Twitter eu acesso para ver notícias, no Facebook não sei mexer direito e eu
acho muito bagunçado, vem várias atualizações e some tudo que eu estava
vendo. Às vezes eu entro para usar os jogos que tem na rede e, quando vejo,
‘vinte e quatro atualizações43!’. No Twitter, talvez por ser mais simples, eu
saiba mexer melhor.
As características ferramentais e de interface de uma rede também são responsáveis
para gerar mais ou menos afinidade com os sujeitos-usuários, consequentemente este é um
dos fatores capazes de implicar em mais ou menos participação na rede. Sobre a questão da
afinidade e da imersão, Carla complementa:
acho difícil gerenciar tanta informação. Diante desse turbilhão de notícias, as
pessoas acabam tendo mais acesso, mas não aprofundam o conhecimento em
nada, a gente vai lendo, vê alguma coisa que parece interessante, daí acessa
outra página, daí não volta mais para aquilo que estava fazendo. Na própria
rede social isso acontece comigo: se eu estou na página de alguém e vejo
alguma coisa eu vou e clico, aí muda e eu esqueço. Já perdi muito tempo
jogando e me esqueço do que tenho que fazer. Às vezes até no Twitter: vou
atrás de uma coisa, de outra, quando vejo já passou muito tempo. Ou então
perco tempo no Facebook tentando aprender a mexer, quando eu vejo já perdi
coisa que eu tinha marcado pra fazer. Eu esqueço, mas eu já sou esquecida
também. Mas o Facebook aflora isso demais, justamente essa muita variedade
de informação que tem o tempo todo, tudo que tu quiseres tem na internet e a
gente vai atrás fuçando, fuçando, acaba que eu vou me perdendo. Eu já tenho
um déficit de atenção, que inclusive já fiz tratamento, e com o tempo ele
melhora, mas para mim tem épocas em que ele fica pior; e é muito ruim se eu
estiver na internet. A Marta, minha namorada, briga muito comigo, se a gente
tiver que sair a gente não vai sair se eu ficar na internet, eu me esqueço de
tudo.
Além dos encantamentos da tecnologia, teoria esta a ser aprofundada em capítulo
seguinte, a influência de outros sujeitos deve ainda ser considerada no que tange ao nível de
sociabilidade, afinidade e imersão em uma rede da internet. Esta influência pode ocorrer
através do conteúdo das mensagens publicadas, como textos e imagens disponibilizados. Em
análise paralela, Marta, namorada de Carla, reconhece como seu fundamental interesse nas
redes da internet as temáticas políticas, as quais fazem parte de sua vida, desde a infância, por
influência familiar: “me interesso por informação sobre o que tá acontecendo aqui e no
mundo. Notícias sobre catástrofes, bastante sobre política. Eu falo bastante sobre política”.
Marta possui em suas redes da internet, muitos partidos políticos e sujeitos relacionados a este
Cada “atualização” diz respeito a uma nova publicação recebida no perfil do usuário. Desta maneira,
a situação retratada por Carla diz respeito a um exemplo no qual a interlocutora, em pouco tempo,
recebeu vinte e quatro novas notificações de publicações dos perfis presentes em sua rede.
43
110
meio, e reconhece que, mesmo operando um filtro do que lê e do que escreve, estes
formadores de opinião influenciam no julgamento e são alvo de críticas:
eu sigo no Twitter o que me interessa. Eu, politicamente, aceito mais as ideias
do PT [Partido dos Trabalhadores] e do PSOL [Partido Socialismo e
Liberdade] e muita gente diz: “Por que tu segues o Edmilson Rodrigues?”.
Muita gente não gosta. A gente cresceu num meio mais politizado da direita,
mas desde a barriga da minha mãe a gente ia para reunião do PT, mas
estudamos em escola particular e que éramos amigos da filha dos Kayathy44,
filhos do Jordy45, então fica uma coisa bem ampla. Muita gente critica a gente
por ser do PT. Daí perturbam, vão questionar, mas mesmo assim eu replico. O
engraçado é que não me perturbam em rede, só quando me encontram e falam
de uma coisa que eu postei, mas não tenho porque esconder, se eu gosto, se eu
estou ali, não escondo.
A criação do Eu, apresenta-se com infindáveis e diversas possibilidades de criações,
como espelhos que podem refletir e serem observados de distintas maneiras. Por isto a tarefa
de analisar o que é humano é tão complexa, dado que caímos em outra reflexão: o que é capaz
de nos tornar humanos? Percebe-se nesta esfera que, tanto sujeitos quanto objetos
demonstram capacidade de acionar nossas “humanidades” e nossas características mais
profundas, muitas vezes existentes na forma de pulsões reprimidas, levando-nos de volta às
questões anteriores: o que configuraria então o “real” em meio ao digital que também está
presente na vida vivida e que também exerce impactos e influências? O que seria o sujeito
quando a relação com determinados objetos atinge esferas profundas de empatia e
cumplicidade, de verdades não ditas e de segredos (com)partilhados? Como separar o
conceito de sujeito sem avaliar o conceito que se tem por objetos e por suas funções em
nossas vidas? Estas reflexões encontram campo, sobretudo, nos debates trazidos pela área da
inteligência artificial ao indagar: como e por quem são exercidas as influências da interação
entre sujeitos e tecnologia? Algumas destas reflexões serão laminadas em maior profundidade
no decorrer dos próximos capítulos, mediante questões trazidas pelo trabalho de campo
realizado e observadas a partir dos estudos de performance e da cultura material.
44
45
Família que possui histórico na política paraense.
Arnaldo Jordy, político paraense.
111
3. SOBRE PERFORMANCE
“Não vemos as coisas como são,
vemos as coisas como somos.”
(Anaïs Nin)
Uma vez que os meios de comunicação, bem como a própria internet, configuram-se
como extensões do homem, conforme proposto por McLuhan (1998) e analisado no primeiro
capítulo destes escritos, é possível desenvolver uma interpretação peculiar sobre como os
jovens tratam temáticas como a privacidade, o limite e a realidade na construção de suas
identidades no ambiente do ciberespaço oferecido como campo da construção das redes
sociais. Destarte, se desde muito que o homem se expressa através de formas de identificação
e se a cada afirmação configura-se também uma negação, a construção do indivíduo parte
desde sistema de escolhas que são reflexos de um contexto de tempo, espaço, história,
sociedade e linguagem, conforme declara Landowski (2002) sobre as múltiplas maneiras que
os sujeitos possuem de se construírem e de se descobrirem através dos significados, proposta
esta realizada antes por Geertz (1973) quando trata da importância da teia dos significados
culturalmente compartilhados e que orientam as ações dos indivíduos de determinado
contexto.
O conceito de performance trazido por Butler (2004) é importante na análise de
algumas falas, em especial nas quais os entrevistados fundamentam sua atuação nas redes
sociais da internet e na vida do plano off-line, justificadas e embasadas na medida em que se
sentiam observados ou analisados, como o exemplo de Rodrigo. Também encontro exemplos
de performances nas fotos que são disponibilizadas em rede, nas comunidades às quais os
sujeitos fazem parte ou, simplesmente, na omissão de certas temáticas em seus discursos, em
mostras de como o silêncio também comunica. Neste ponto, é pertinente a contribuição dos
estudos realizados por Butler (2004) acerca das identidades diversas, uma vez que, em seus
trabalhos sobre o feminismo, a autora destacou o fato do sujeito não ser único, pelo contrário:
é múltiplo e, na maior parte das vezes, complexo. Inúmeras possibilidades de caminhos são
possíveis e a performance que cada sujeito exercerá em seus horizontes sociais é determinante
para reunir, em torno de um caleidoscópio, as diversas matizes que constroem a identidade do
sujeito.
Dalila afirma que gosta de publicar fotos em sua rede social, entretanto apenas aquelas
nas quais está em alguma situação especial, como uma saída com os amigos, ou que está em
viagem ou fazendo algum curso. Estes recursos e estas práticas demonstram a orientação que
112
a interlocutora possui de construir sua persona social a partir de atos e situações que possam
conferir algum adjetivo ou diferencial comunicativo.
A partir do que foi abordado acerca da sociabilidade em Simmel (2006), pode-se
reconhecer um incremento nas práticas de performance na rede de Dalila, por exemplo,
quando esta, conforme confessou, gosta de “marcar”46 o nome das pessoas que aparecem nas
fotos. Desta maneira, outros possuem um incentivo maior para acessar a página do perfil de
Dalila e de comentar em suas fotos ou nas temáticas que disponibiliza.
A fala de Dalila remete às representações sociais, no que tange à construção da
identidade. Sobre isto, Butler (2003) destaca a importância do gênero, sendo este construído
no momento da performance, que se configura como a demonstração do comportamento que
o sujeito possui naquele determinado momento, no que diz, no que faz ou no que ostenta
socialmente, no caso do estudo a que me proponho, esta situação é vivenciada, em especial,
na questão das fotos que o sujeito disponibiliza sobre si ou sobre assuntos de seu interesse ou
de relevância para este.
Butler (2003) acrescenta que o gênero, no campo da identidade dos sujeitos, consiste
em uma marca de diferenciação e que esta não se trata apenas de definições biológicas e sim
da compreensão dos aspectos relacionais entre os sujeitos quando inseridos nas arenas sociais.
Logo, o gênero está vinculado com a forma como os sujeitos se reconhecem e atuam
socialmente, construindo identidades e performances, o que também acontece no campo das
redes sociais da internet, quando estes sujeitos tem a oportunidade de experienciar diversas
formas de se apresentarem ao mundo e de se relacionarem com os demais. Sobre a relação
entre identidade de gênero e performance, Butler salienta:
nesse sentido, o gênero não é um substantivo, mas tampouco é um conjunto de
atributos flutuantes, pois vimos que seu efeito substantivo é
performativamente produzido e imposto pelas práticas reguladoras da
coerência do gênero. Consequentemente, o gênero mostra ser performativo no
interior do discurso herdado da metafísica da substância – isto é, constituinte
da identidade que supostamente é. Nesse sentido, o gênero é sempre um feito,
ainda que não seja obra de um sujeito tido como preexistente à obra. (...) Não
há identidade de gênero por trás das expressões do gênero; essa identidade é
performativamente constituída, pelas próprias “expressões” tidas como seus
resultados. (2003, p.48, grifos da autora)
46
O ato de realizar marcações nas fotografias disponibilizadas em rede, no caso de Dalila, no
Facebook, relaciona-se com uma conexão que é estabelecida com outro usuário da mesma rede e que
pode ter um link criado a partir da identificação de seu rosto ou de algo que o remeta, em uma foto ou
publicação. O usuário marcado, neste caso, recebe uma notificação do ato e, não só ele, mas,
dependendo da configuração realizada pelo usuário, os contatos do sujeito marcado também podem
acessar o conteúdo em questão.
113
Desta forma, retomando algumas percepções que tive a partir das entrevistas
realizadas, detalho que em alguns casos, sobretudo nos que envolviam a intenção de um
relacionamento, fosse ele por um parceiro afetivo ou por amizade, havia a intenção muito
mais da experiência. Destarte, em alguns momentos, a motivação principal, por se estar em
determinada rede, era a de experimentar sexualidades e possibilidades de comportamentos
sexuais, caso para o qual a ferramenta do anonimato, conferida nestas redes, se tornava um
dos aspectos mais convidativos. Rodrigo iniciou as perguntas de identificação dando pistas
das múltiplas situações as quais as redes sociais da internet desempenharam em sua vida. Ao
perguntar como o entrevistado se definia sexualmente, Rodrigo declarou em tom de tensão
casado com um enfoque de brincadeira, na tentativa de aliviar a seriedade de um tema que,
para si próprio, ainda é um assunto delicado: “Ainda estou me descobrindo. Assim que
descobrir te falo”. Rodrigo não partilha suas dúvidas e grande parte de seu mundo interior
com muitas pessoas e, como ainda vive com seus pais, incomoda-se com a falta de diálogo e
privacidade que, declarou, acompanharam sua criação.
Foi nas redes sociais da internet que Rodrigo encontrou o espaço para interagir com
seus amigos e para experimentar situações que a vida concreta e as pessoas ao seu redor,
quiçá mesmo ele, Rodrigo, não permitiriam. Atualmente, explicou, o uso principal das redes
era como uma ferramenta de trabalho e de atualização de seu currículo, entretanto nem
sempre o foi assim. Na juventude Rodrigo me relatou que diversas vezes experimentou
adotar, em salas de bate papo, outras sexualidades: “De vez em quando eu fingia que era
mulher para pegar foto de ‘sapatão’. Já fui umas ‘Natashas’ da vida. Quem nunca fez isso?
Quem nunca disse que era uma coisa que não era? É evidente. Adorava porque recebia um
monte de foto de mulher pelada”. Segundo Rodrigo esta era uma diversão, mas como ter
certeza que, através da desculpa de um riso, dissimulava-se a possibilidade de experienciar
outra forma de ser e de se autoreconhecer?
Interpreto e situo esta análise a partir da leitura dos grupos formados nas redes sociais
da internet, nos quais o sujeito igualmente atuará performaticamente, de acordo com as
demandas e necessidades do contexto, questão esta também abordada na relação
sujeito/subjetividade da definição de território, exposta anteriormente, de Guattari e Deleuze
(1997). Diante disto, reconheço a pertinência dos fundamentos trazidos por Butler (2004) em
seus estudos de gênero e sexualidade, no que tange às análises sobre a performance e a
identidade dos sujeitos. Butler (2004) argumenta que a capacidade do ser humano está em ser
único e plural, apesar de sua participação em coletivos sociais. A exemplo do que propõe Hall
114
(2006), ao ressaltar a complexidade da identidade pós-moderna do sujeito, fazer parte de redes
sociais da internet não implica, necessariamente, coerência e singularidade de expressões
performáticas de identidades, uma vez que estas questões devem ser igualmente pesquisadas a
partir dos paradoxos que podem acarretar:
se o meu fazer é dependente do que fazem comigo, ou ainda, na forma como
eu sou feito pelas normas, então a minha persistência como um “Eu” depende
da minha capacidade do fazer alguma coisa com o que é feito comigo. (...) Se
eu tiver qualquer agência, é possível pelo fato que eu sou constituído por um
mundo social que nunca escolhi. Que minha agência é trazida pelo paradoxo
não significa que ela é impossível. Isso apenas significa que seu paradoxo é a
condição de sua possibilidade. (BUTLER, 2004, p.03)47
Conhecer parte de uma pessoa, bem como conhecer a si, demanda tempo,
oportunidades e sensibilidades, afinal: se quer mesmo conhecer o Outro? Quanto do Outro
nem o Outro conhece? E quanto do Outro habita em mim? Os limites traçados pelo écran
eram vistos como os responsáveis para que esta complicada situação de conhecer alguém se
desenrolasse na internet, afinal “até se pode procurar alguém, desde que você não queira nada
sério”, conforme destacou Rodrigo, que conheceu pessoas pelas redes, mas nunca assumiu
nenhum relacionamento de namoro pela internet. A convivência e os momentos partilhados
não combinariam com a distância e a falta do contato físico e de uma rotina no plano off-line,
na qual, mais de escutar e perceber como o Outro fala de si, percebe-se e interpreta-se o que o
Outro é, segundo nossos olhos e nossas próprias conclusões, o que pode acarretar, como
geralmente acontece, diferença nas posturas percebidas e naquelas que se deseja criar e fazer
de si.
A análise sobre os comportamentos e os padrões identitários e sociais dos indivíduos
não deve ser percebida de maneira superficial e lógica, pois muitas vezes as identidades,
segundo prevê Butler (2004), seguem um caminho próprio e muitas vezes conflituoso em suas
coexistências, por isso a própria questão do simbólico deve ser compreendida como resultado
da agência de seus sujeitos mediante as relações que estabelecem com o meio social no qual
estão inseridos: Atualmente Rodrigo se reconhece uma pessoa mais seleta acerca daqueles
que realmente farão parte de seu mundo e declara que muitos podem até se considerar seus
amigos, mas ele sabe que, de fato, não sente o mesmo e adiciona48 “apenas por educação”.
Por conseguinte, o número de pessoas que integram o grupo de amigos em seu perfil da rede
47
48
Tradução própria.
Acrescenta à sua lista de contatos da rede social da internet.
115
social da internet, apesar de serem todos conhecidos seus de algum momento de sua trajetória,
não reflete o número de pessoas das quais o interlocutor realmente se considera amigo.
Entretanto, a seleção de quem estará nas redes sociais não demonstra o sentimento que
está por detrás daquelas amizades, por mais classificatório que se deseje ser. O motivo
principal? Convenções sociais, segundo Rodrigo, que diz sofrer com a profissão de professor,
especialmente por se tornar difícil dizer não em alguns momentos: “Os meus amigos sabem
tudo da minha vida, convivem comigo, mas os meus contatos da internet nem todos são
amigos, pra mim a convivência é importantíssima e alguns são alunos, mas não amigos”.
Quando indaguei do que mais se arrependia ter disponibilizado nas redes sociais, Rodrigo não
expressou dúvidas:
fotos pessoais. E incomodou muito, me arrependi e tirei. Me incomodou
demais alguém saber tudo aquilo, tudo da minha vida. Me sinto invadido,
penetrado. Todos os comentários foram muito bons, mas 2-3 dias depois que
eu coloquei, me arrependi. Saber que as pessoas estavam ali, vendo minhas
fotos, me incomodou demais. Na mesma hora que posto me arrependo.
Relembro, para melhor ilustração do leitor, que a entrevista de Rodrigo foi realizada
dentro de seu carro peliculado, com todas as portas fechadas e trancadas, espaço este
confortável e seguro para desabafar: território, no conceito de Certeau (2008), seu e exclusivo,
no qual nem pais, nem amigos, podem escutá-lo ou julgá-lo sobre o que me estava ali a
confessar.
Desta forma, pensar o estudo da identidade como resultado das várias performances
que um sujeito pode assumir, leva a considerar uma observação mais profunda dos vários
[mundos] nos quais habita, ou melhor: constrói a trajetória de sua identitade, em tempo e
espaço os quais devem ser contextualizados. Consequentemente, o contexto da cibercultura,
no que diz respeito às redes sociais da internet, em paralelo com os mundos off-line destes
sujeitos, expõem algumas indagações. Um destes questionamentos diz a respeito à reflexão de
que as mudanças estruturais e a liquidez do mundo pós-moderno deram origem a uma tensão
entre os níveis micro e macro da sociedade, envoltos em uma complexa relação com
territórios subjetivos. Percebo aqui a pertinência da passagem do antropólogo colombiano,
especializado no estudo da antropologia do desenvolvimento e dos movimentos sociais,
Arturo Escobar, acerca de sua pesquisa sobre a influência da cibercultura nas representações
sociais e seus impactos culturais e interacionais, tratando-se de abordagens importantes para o
desenvolvimento deste estudo. Escobar argumenta sobre a origem e as influências da cultura
cibernética na sociedade,
116
apesar da novidade, a cibercultura se origina em uma bem conhecida matriz
social e cultural da modernidade, ainda que esta se oriente para uma
constituição de uma nova ordem a qual não podemos conceituar, mas que
devemos tratar de entender- através da transformação dos possíveis tipos de
comunicação, trabalho e formas de ser. (ESCOBAR, p.19, 2005)49
Considero pertinente reconhecer, fundamentando-me nos estudos de Mauss (1974b),
sobretudo no que se relaciona à performance e às expressividades comunicativas dos sujeitos,
a influência psicológica dos grupos de referência nas tomadas de decisão que os sujeitos e
seus corpos terão quando de sua representatividade social. Utilizando o termo “imitação
prestigiosa”, Mauss retrata a importância da cópia de atitudes, seja por crianças, seja por
adultos, de comportamentos que, dentro de algum critério e aspecto, são considerados como
atitudes de sucesso e êxito por parte dos indivíduos que as copiarão.
Esta imitação diz respeito a uma série de movimentos que, culturalmente
reconhecidos, concederão uma determinada posição ou visibilidade social e comportamental
àqueles que os utilizam. Destaco esta como uma questão importante ao estudo, uma vez que
nestas redes sociais da internet alguns sujeitos portam determinadas vestes, visitam lugares
específicos, expressos através da disponibilização de fotografias nestes locais de
relacionamento, ou fazem questão de tratar de certas temáticas e escutar músicas específicas a
partir da referência que fazem a um ou mais sujeitos, como cantores e atores famosos,
membros mais próximos de seus grupos sociais ou, inclusive sujeitos que admiram, sem se
quer conhecê-las pessoalmente. Esta gama de sujeitos podem constituir as matrizes da
imitação prestigiosa destes indivíduos que, em uma atitude de similaridade, ascendência ou
comparação, reproduzem técnicas corporais. Consequentemente,
a criança, como o adulto, imita atos que obtiveram êxito e que ela viu serem
bem sucedidos em pessoas em quem confia e que têm autoridade sobre ela. O
ato impõe-se de fora, do alto, ainda que seja um ato exclusivamente biológico
e concernente ao corpo. O indivíduo toma emprestado a série de movimentos
de que ele se compõe do ato executado à sua frente ou com ele pelos outros.
É precisamente nesta noção de prestígio da pessoa que torna o ato ordenado,
autorizado e aprovado, em relação ao indivíduo imitador, que se encontra todo
o elemento social. No ato imitador que segue, encontram-se todo o elemento
psicológico e o elemento biológico. (MAUSS, 1974b, p.215)
Um dos temas de debate mais presente, tanto no mundo acadêmico quanto em círculos
mais informais e de menor uso de teoria, é a possibilidade de se criar um mundo on-line
49
Tradução própria.
117
inteiramente diferente daquele off-line. Tadeu trabalha diretamente com a internet,
especialmente pela praticidade que esta desempenha em sua vida:
eu sou histográfico, então tem que saber de tudo um pouco e é mais fácil
procurar no Facebook sobre um fornecedor do que procurar em lista telefônica
etc. No Facebook basta digitar o nome que já sai telefone de contato, tudo.
Procuro primeiro no Facebook, depois em outro lugar, nossos fornecedores a
gente costuma pegar tudo no Facebook, acaba sendo uma ferramenta de
trabalho.
Apesar disto o interlocutor diz que não consegue desvincular um caráter mais
intimista, como o de estar em contato com amigos mais distantes, através de suas redes
sociais em seu perfil, é possível encontrar mensagens tanto de empresas quanto de saídas dos
fins de semana:
busco, principalmente, nas redes meus amigos, saber onde estão, o que ‘tá
acontecendo, marco encontros, vejo notícias de música (todos os artistas que
eu gosto estão lá então é só curtir a página que eu fico sabendo das
atualizações deles direto) e notícias em geral, do mundo, do meu trabalho,
sempre tem lá no Facebook, e mais fácil acessar em um só lugar que procurar
vários.
Santaella (2008) possui uma afirmação pertinente sobre esta questão, quando declara
que a comunicação de nossos dias perpassa por inúmeros interesses, reforçando a visão da
pluralidade de nossos comportamentos. Entretanto, não é raro que, vez ou outra, estes
diversos mundos dos quais fazemos parte “se encontrem” ou “se choquem”. Em virtude disto,
Tadeu declara que, apesar de manter um relacionamento há mais de um ano com Danilo,
também nosso entrevistado, não gosta de tornar isto público nas redes sociais das quais faz
parte na internet: “(...) acho que é uma coisa muito pessoal minha, até quando ‘tava hétero,
não colocava. Tinha namorada, mas nunca gostei de expor minha parte de relacionamento pra
ninguém. Lá diz que estou em relacionamento sério, mas não mostra o nome da pessoa.”.
Além dos apontamentos trazidos por Sedgwick (2007) e o paralelo com a imagem do
armário social, Recuero (2012) também analisa, a partir da lógica da marcação de presença do
indivíduo, que alguns aspectos de seu subjetivo, como a publicação da situação de
relacionamento, são uma das maneiras relevantes de narrar
elementos que tradicionalmente são perceptíveis no espaço off-line para o online. Desta forma, por exemplo, quando alguém narra, no Facebook, o status
de sua relação com outra pessoa (por exemplo, quando um ator anuncia que
está ‘casado’ com outro), há uma narrativa que é constituída pela ação.
(RECUERO, 2012, p.77)
118
No caso de alguns dos entrevistados, como Edgar, não há a intenção de se demarcar a
presença no campo do relacionamento amoroso segundo critérios de preservação da
intimidade, os quais envolvem tanto os tênues limites entre público e privado quanto perpassa
pelas questões dos preconceitos sociais, neste caso específico, sobre relacionamentos
homossexuais, os quais a pertinência do estudo de Sedgwick (2007) auxilia na compreensão
desta atitude, a qual é reproduzida tanto na vida on-line quanto na off-line.
Tadeu também sente que é mais fácil ser outra pessoa nas redes sociais, mas diz que
isso o deixa extremamente irritado e que retirou pessoas de seus contatos nas redes, pois
quando as encontrava pessoalmente, o mesmo relacionamento e entrosamento da internet não
existia no plano off-line e, afirmava o interlocutor, mal era cumprimentado na rua. Muito certo
do que considerava como as características básicas para uma amizade verdadeira, Tadeu,
provavelmente com o mesmo olhar cortante de quem não mede palavras e que o acompanhou
ao longo de nossa conversa, afirmou declarar em mais de uma vez: “Já falei: olha, te exclui do
meu Facebook porque tu não falas comigo aqui na rua, então pra quê? Tá excluído! Falei. A
pessoa ficou toda sem graça e a amizade não continuou, não vi mais”.
Acerca das diversas, e muitas vezes efêmeras, formas de sociabilidade destes sujeitos,
acrescento a abordagem do trabalho de pesquisa de Frúgoli (2007), ao retomar algumas ideias
de Simmel (2006) sobre os laços sociais criados no contexto de sujeitos que habitam centros
urbanos e, consequentemente, fazem uso de tecnologias, como a internet. Desta forma,
Frúgoli (2007) mostra que os laços sociais são mais ou menos maleáveis de acordo com as
questões situacionais envolvidas capazes de aproximar ou distanciar sujeitos em conteúdos de
sociabilidade partilhados ou não por suas identidades e justifica que a
idéia da fragilidade dos laços sociais, feitos de intimidade e distância, com
relações marcadas por pequenas repulsas recíprocas; isso talvez diga respeito à
própria condição de habitantes das metrópoles, nas quais, dependendo de
onde, quando e com quem se encontram, podem passar pela condição de
estranhos (cujo gradiente de estranheza é situacional), quando o outro da
relação tem uma identidade apenas aproximada ou precariamente tipificada.
Finalmente, a conversa como espaço possível do princípio de sociabilidade,
enquanto construção temporária de uma igualdade. (2007, p.48-49)
Consequentemente, o sujeito, em caráter de afastamento ou aproximação, invoca uma
relação de imitações, treinamentos e habilidades que constituirão as atitudes e as escolhas de
vida daquele sujeito, a partir do próprio treinamento e convenção que determinadas atitudes
passam a ter tanto na vida concreta quanto não concreta destes indivíduos. Gostaria ainda de
ressaltar que, muitas vezes, as técnicas e as escolhas de modo de vida adotadas por
119
determinado sujeito não são, necessariamente, uma reprodução nas duas esferas, on-line e offline, de existência, entretanto as escolhas realizadas nestas esferas não podem ser
simplesmente vistas como antagônicas, uma vez que pode haver, e quase sempre há,
complementariedade entre elas.
A pertinência desta abordagem é encontrada nas pesquisas do antropólogo Claude
Lévi-Strauss (1989), em seus estudos acerca das estruturas sociais, ao salientar que algumas
práticas devem ser observadas como atitudes complementares as quais possuem justificativas
em suas escolhas, ainda que estas operem muito mais no campo do inconsciente, mas
possuidor tanto do concreto quanto do abstrato, e são responsáveis por delimitar locais na
sociedade e marcar a identidade do sujeito junto a determinado grupo, inserindo-o ou
simplesmente negando sua participação. Lévi-Strauss (1974) parte da contribuição de Mauss e
Durkheim, que percebiam as relações sociais como fatos totais, podendo estes ser tanto de
bens tangíveis quanto intangíveis:
nada nos autoriza a supor que nosso espírito, desde o nascimento, traga já
elaborado em si o protótipo deste quadro elementar de toda classificação. Sem
dúvida, a palavra pode ajudar-nos a dar mais unidade e consistência ao
conjunto assim formado; mas se a palavra é um meio para melhor realizar este
agrupamento, uma vez que se concebeu sua possibilidade, não poderia por si
mesmo sugerir-nos sua idéia. De outro lado, classificar não é apenas construir
grupos: é dispor estes grupos segundo relações muito especiais.
(DURKHEIM; MAUSS, 1981, p.403)
Sobre isto, assinalo a percepção que tive na entrevista com Lúcio, que faz parte de
uma família com costumes tradicionais sobre matrimônio, estrutura familiar e religião,
categoria esta na qual irei me ater para fundamentar a análise. Ele e seu irmão mais velho
frequentaram escolas católicas, entretanto nosso entrevistado possui várias práticas que não
expõe para os pais, algumas, em especial, para evitar desafetos, como no caso da religião.
Lúcio não aceita a imposição religiosa dos pais e é apenas nas redes sociais da internet que
pode ler e discutir sobre o assunto:
faço parte do grupo de ciência que fala sobre religião, aí já tem opinião
religiosa lá e quando uma pessoa não tem a mesma religião da outra já tem
conflito ideológico, mas como é só na internet as pessoas acabam nem
descobrindo que eu faço parte desse grupo. Eu não me identifico. Uso ele mais
para ler, gosto de debater.
Protegido pela sensação do anonimato, Lúcio pode participar de diálogos e expressar
suas opiniões, inclusive em conversas conflituosas, com os demais participantes da rede
social, postura esta que afirma não assume na sua vida off-line. A principal razão da
120
“diferença” de atitude, segundo o entrevistado, deve-se, especialmente, a um ato “de respeito”
aos pais, os quais não conseguiriam entender os questionamentos do filho e poderiam
mergulhar em decepções acreditando que falharam em repassar uma boa base religiosa
familiar.
Minimizando a importância que a falta daquele diálogo possa ter em sua vida, Lúcio
inclusive assume que os pais lhe classificam como imaturo para decidir qualquer coisa. Sendo
assim, o que não encontra em sua vida concreta; neste caso um campo de diálogo com os pais,
é encontrado na realidade da internet, capaz de complementar e suprir parte de seus anseios.
Conforme lembra Simmel, o indivíduo é resultado de diversos cruzamentos sociais, no
sentido em que não pertence apenas a um círculo social, daí advém ser este um centro de
tensões e de relacionamentos sociais.
As proposições acima não possuem o intuito de afirmar que o indivíduo existe de
forma autônoma na sociedade, mas sim mostra que nem sociedade nem indivíduo podem ser
compreendidos se não analisados em caráter interacional. Desta maneira, as ações e a
subjetividade de um indivíduo podem tanto ter impacto na construção de sua identidade e de
suas expressões identitárias, através das performances adotadas através de fotos, mensagens,
relações com a aparência física, dentre outros, quanto nos impactos sociais que o coletivo, a
partir do indivíduo, trará para a sociedade, sendo esta concebida enquanto um coletivo
diverso, dadas às múltiplas maneiras que os indivíduos terão de se expressarem e de
relacionarem consigo e com os demais, em subjetividade e em sociedade.
Lúcio acaba por se reconhecer, no instante de sua fala, de forma diferente daquela que
o pai tem do filho: apenas um jovem em transição e imaturo, características próprias à
concepção moderna de juventude. Entretanto Lúcio se vê como um sujeito buscando
informações e ciente do que seriam posturas menos sujeitas a mudanças e argumenta:
prefiro não comentar, não conversar. Meu pai tem 58 anos sendo católico, de
repente ter que conversar com o filho sobre isso? Eu acho meio estranho,
acabaria tendo conflito. Eles não sabem que eu faço parte dessa comunidade,
mas já fiz comentários sobre isso, que acho que deixei um pouco claro, mas
nada que se aprofundasse. Meu pai escolheu ignorar, disse que eu era muito
novo para fazer esse tipo de escolha e ficou nisso mesmo. Acharam que eu ia
mudar, mas isso já faz uns dois anos. Mas já converso muito sobre o assunto
na internet, já debati muito, já li muito sobre isso, acho que não seria muito
progresso falar com eles.
Questiono, com o exemplo dado por Lúcio, quanto de nós somos capazes de camuflar
para não ferir aos demais, bem como o que somos capazes de evitar e de calar para que outras
relações, outras sociabilidades não sejam desfeitas? No caso de Lúcio, em prol da
121
sociabilidade familiar, alguns assuntos, como suas escolhas religiosas, não vêm à tona naquele
nível de relacionamento.
Portanto, um ponto em comum entre Mauss e Lévi-Strauss, e importante à pesquisa
em questão, diz respeito à eficácia simbólica e às significações que um ato, inclusive corporal,
pode acarretar para tornar um momento convincente. A importância do fato social, em seus
aspectos fisiológicos, psíquicos, físicos e sociológicos e a própria consideração que deve ser
feita sobre o inconsciente enquanto elo entre o Eu e o Outro, demonstram que a percepção das
atitudes e das posturas de corpo e demonstrações públicas que estes farão na rede, estão
relacionados com uma série de interesses e intencionalidades que operam nesta
instrumentalização e manuseio destes corpos e suas posturas interferindo, agindo e fazendo
parte da vida social.
Finalmente, o destaque que Mauss (1974b) dá aos diferentes comportamentos
humanos, como andar, dormir, falar, pisar dentre outros, dá mostras de que o corpo se
constitui, na verdade, do primeiro instrumento do homem. Se para o caso específico deste
estudo, posteriormente os sujeitos terão acesso a outras ferramentas, neste caso tecnológicas,
como o computador, as máquinas fotográficas, a internet, ou, inclusive os instrumentos e
marcas que incorporarão a seus corpos, como cortes de cabelo e estilos de roupa, estes virão a
complementar e não a abandonar a questão de que o corpo continua sendo uma forma de se
comunicar e de se inserir socialmente. Esta é a razão pela qual Mauss (1974b) destaca a
importância de considerar algumas variantes que podem imperar nestas escolhas e posturas de
modos de vida, como é o caso da psicologia do sujeito, dos impactos da sociedade, do físico,
do fisiológico e da idade.
Há, pois, coisas que acreditamos ser de ordem hereditária, mas que, na
realidade, são de ordem fisiológica, psicológica e sociológica. Uma certa
forma dos tendões, e mesmo dos ossos, não é outra coisa senão a decorrência
de uma certa forma de se comportar e de se dispor. Isso é bastante claro. Por
esse procedimento, é possível não só classificar as técnicas, como classificar
suas variações por idade e por sexo. (MAUSS, 1974b, p.220)
Dito isso, Mauss (1974b) assinala a importância que tem para o indivíduo aprender
estas técnicas convencionadas socialmente para que possa se inserir e demarcar um lugar no
mundo a partir do sentimento de pertença ou de similaridade com determinado coletivo. Esta
situação é replicada tanto na vida concreta quanto nas redes sociais da internet, uma vez que
seus usuários procuram participar de comunidades ou se aproximar mais de pessoas
específicas, construindo um perfil comportamental específico para a pessoa social que são ou
que pretendem performaticamente desempenhar em determinado momento da vida. Este é o
122
motivo pelo qual nossos atos, inclusive nossas posturas corporais, acabam por ser uma
mistura resultante do físico, sociológico e psicológico. Nossas emoções atuam diretamente em
determinadas escolhas, sem deixar de serem acompanhadas pela racionalidade, seja esta em
menor ou maior grau, de acordo com a situação que se referencia. Conforme Mauss:
uma das razões pelas quais essas séries podem ser montadas mais facilmente
no indivíduo é, precisamente, o fato de serem montadas pela e para a
autoridade social. (...) Há em todo o conjunto da vida em grupo uma espécie
de educação dos movimentos em formação cerrada.
Em toda sociedade, todos sabem e devem saber ou aprender aquilo que devem
fazer em todas as condições. Naturalmente, a vida social não é isenta de
estupidez e de anormalidades. O erro pode ser um princípio. (MAUSS, 1974b,
p.231)
A adaptação de nossas práticas às necessidades e às vontades de expressão implicam
no que Mauss (1974b) denomina “educação do corpo”, categoria esta que será analisada no
tópico seguinte. Tendo em vista a funcionalidade e o emprego que se deseja para aquele
instrumento-corpo, apreende-se socialmente o que determinadas posturas e vestes significarão
socialmente e se expressa de acordo com a intencionalidade do ato.
Esta situação se reproduz nas redes sociais da internet quando percebo a seleção que
os entrevistados fazem das fotos que publicam. Pude perceber a operação de um filtro capaz
de categorizar os “melhores momentos” e as posturas e vestimentas mais pertinentes a serem
divulgadas na rede da internet. Nenhum dos entrevistados demonstrou interesse em publicar
fotografias, por exemplo, acerca de suas rotinas, apenas quando estas expressavam alguma
situação a qual consideravam de destaque, como uma viagem realizada ou um dia de festa no
qual trajavam roupas diferenciadas ou se relacionavam, sobretudo, com inúmeras ou novas
pessoas. Em alguns casos, os interlocutores diziam que apenas se interessavam em publicar
fotos nas quais estavam em outra cidade, outro país ou alguma festa, pois consideravam que o
cenário, bem como suas próprias personas, nestes contextos, despertariam a atenção dos
demais e construiriam uma narrativa diferenciadora do lugar comum encontrado na maior
parte de suas rotinas.
A partir desta percepção constatei que dentro dos principais critérios que regiam a
coletivização de determinado conteúdo, não apenas o visual interferia, mas o contexto e o
local de onde se falava e para quem se falava eram de principal fundamento sobre quem teria
ou não acesso a específico assunto. Destaco aqui a importância que a unanimidade dos
interlocutores conferiu à criação das chamadas [listas], recurso este disponibilizado pelas
principais redes que permitem a publicação de imagens. Através das listas é possível ao
123
sujeito criar, em seu perfil na rede, um ou vários agrupamentos dos contatos presentes na sua
rede da internet. Desta sorte, é possível realizar a seleção daquelas listas que terão ou não
acesso a uma foto ou a uma publicação, por exemplo.
A existência e utilização destas listas por um perfil na rede demonstram como nem
todas as performances de um corpo estão acessíveis ou desejam ser expostas a qualquer um,
como acontecem através da seleção de quem terá acesso a determinadas fotografias. No
próximo item serão exploradas algumas das situações vivenciadas em campo acerca deste
assunto.
3.1 A questão do corpo
As abordagens trazidas por Mauss (1974b), em especial seu estudo sobre as técnicas
corporais, são de fundamental consideração para interpretar algumas práticas realizadas pelos
sujeitos nas redes sociais da internet, como a importância de perceber o corpo enquanto suas
questões simbólicas e suas formas de representação no mundo. Uma vez que as técnicas
corporais se constituem das “maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de
maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos” (MAUSS, 1974b, p.211), a comunicação
e as informações presentes nas fotografias disponibilizadas pelos sujeitos em redes sociais da
internet podem ser interpretadas como maneiras de participar de grupos através da
instrumentalização do corpo que, conforme salienta Mauss, deve considerar questões como a
idade e o sexo. Nesta pesquisa, gostaria de expandir esta análise para as questões de gênero,
fundamentadas com o pensamento de Butler (2004) acerca da identidade e das performances
que estas possuem.
Os estudos de Butler (2004), conforme algumas questões laminadas em páginas
anteriores deste estudo, tornam-se importantes na pesquisa das identidades, uma vez que a
autora declara que, dependendo da situação e de sua importância, inclusive simbólica,
identidades podem se unir, mas também se separar, de acordo com as necessidades e as
afinidades que estejam sendo relacionadas, dando mostras de que o processo de negociação
está intimamente ligado com o de construção dos processos de identidade e que estes nem
sempre são lógicos. Neste aspecto, Butler declara que o corpo pode ser a agência e
instrumento desses sujeitos, no sentido de que
124
apesar de brigarmos por direitos sobre nossos próprios corpos, os corpos pelos
quais nós lutamos não são apenas nossos. O corpo possui sua invariável
dimensão pública, constituída de um fenômeno social para a esfera pública,
meu corpo é e não é meu. (...) Se eu estou lutando por autonomia, não
precisarei estar lutando também por algo mais, uma concepção do meu Eu
como invariável na comunidade, impressa pelos outros, imprimindo-os
também, e em formas que não são sempre claramente delineáveis, em formas
que não são sempre previsíveis? (2004, p.21)50
A questão da performance e do corpo são categorias caras no ambiente da cibercultura,
pois uma vez que o sujeito não se mostre “interessante”, performaticamente, o que inclui a
expressividade de suas fotos e do que seu corpo representará a determinado grupo social, estes
podem ser excluídos ou simplesmente invisibilizados pelo coletivo em questão, uma vez que
não haverá identificação, não se desejará permitir o pertencimento. Butler, mais uma vez
salienta:
‘o corpo’ aparece como um meio passivo sobre o qual se inscrevem
significados culturais, ou então como instrumento pelo qual uma vontade de
apropriação ou interpretação determina o significado cultural por si mesma.
Em ambos os casos, o corpo é representado como um mero instrumento ou
meio com o qual um conjunto de significados culturais é apenas externamente
relacionado. Mas o “corpo” é em si mesmo uma construção. (1990, p.27)
As considerações de Butler (1990) estão inseridas na compreensão acerca do corpo e
das identidades dos sujeitos na cibercultura, a partir da mediação da tecnologia, como a
disposição de fotos reunidas em álbuns temáticos em determinadas plataformas sociais de
internet, uma vez que o ambiente considerado como ciberespaço é constituído de um conjunto
de tecnologias de telecomunicação operadas através do computador, de onde se origina a
nomenclatura de Comunicação Mediada por Computador (MCM) para os meios que se
incluem nessa plataforma, como o caso das redes sociais. Segundo Levy, o espaço das redes é
formado por diversas atividades que estão coordenadas e construídas por interlocutores que se
encontram no espaço físico, daí porque, juntamente com a terra, o território e o mercado, o
ciberespaço constitui-se em mais um ambiente para os estudos antropológicos.
Tendo como base os argumentos de Butler (1993, 2003, 2004) e Mauss (1974b), é
possível perceber as técnicas corporais sendo perpetuadas na sociedade, inclusive a “em
rede”, acarretando uma reprodução, imitação e legitimação de determinadas posturas, de
determinadas vestimentas para este corpo, atitudes, modos de falar, dentre outros, que sejam
capazes de expressar o comportamento que é esperado, ainda que de forma padronizada e
50
Tradução própria.
125
idealizada, para determinado coletivo, o que se percebe nas imagens que são selecionadas
para caracterizar a identidade e as práticas destes sujeitos na internet, através da fotografia.
Esta seleção de escolhas e atitudes está presente no que Mauss classifica como o
“treinamento” que se dá ao corpo de acordo com a função e o emprego que este terá:
o treinamento, como a montagem de uma máquina, é a procura, a aquisição de
um rendimento. Trata-se aqui de um rendimento humano. Essas técnicas são
pois as normas humanas do treinamento humano. Os processos que aplicamos
aos animais foram aplicados pelos homens voluntariamente a si mesmos e a
seus filhos. (MAUSS, 1974b, p.210)
Consequentemente a questão das representações identitárias tratada por Butler (1993,
2003, 2004) também estão presentes nas identidades das redes sociais da internet, quando os
sujeitos atuam segundo diversas performances51, diversas identidades, de acordo com os laços
sociais52, que se aproximam em determinado momento, ou, inclusive, aqueles que negam,
haja vista que “as identidades podem ganhar vida e se dissolver, dependendo das práticas
concretas que as constituam” (BUTLER, 2003, p.37). Tadeu cita, a exemplo da proposição
acima de Butler, que, em sua página de Facebook, possui listas diferentes de acesso a cada
temática de fotos, o conteúdo que classifica como de lazer, de saída com os amigos e das
festas que frequenta, não pode ser acessado pelos contatos provenientes de seu ambiente de
trabalho. A criação de listas é uma forma de operacionalizar algumas intenções do usuário de
separar temáticas e sujeitos.
Segundo o entrevistado a criação de listas é necessária, pois nem todos no trabalho
sabem de seu relacionamento homossexual, além disso, Tadeu considera que algumas fotos,
como as que está em ambientes de festa, não passariam o tom de seriedade e responsabilidade
exigidos no ambiente de trabalho. Portanto, estendendo algumas das propostas levantadas por
Sedgwick (2007), o armário social, nas redes da internet, no caso de Tadeu, pode ser
reconhecido no objetivo que tem de não permitir que todos tomem conhecimento de um
aspecto de sua vida operacionalizado tanto nas performances que pratica ao longo dos papéis
sociais que desempenha em sua vida, como a própria representação que faz de seu corpo nas
redes da internet e pelas fotografias que disponibiliza.
Seguindo o exemplo de Tadeu, Vinícius afirma que a criação das listas é responsável
por determinar não apenas os sujeitos que terão acesso a cada conteúdo disponibilizado, mas
51
Sobre isto, cito, como uma de suas possibilidades, a seleção das fotos divulgadas por estes sujeitos.
Estes laços sociais podem ser observados quando da participação em comunidades de redes sociais
da internet que estes sujeitos podem fazer parte.
52
126
igualmente ao teor da conversa e da intencionalidade que o interlocutor deseja conduzir por
publicação, não apenas de performance construída sobre si, como para si. Saliento que
nenhum dos entrevistados declarou publicar fotos sobre suas rotinas, a menos que estas
apresentassem alguma novidade ou algo que conferisse destaque e espetacularizasse o trivial,
como viagens a trabalho, um almoço em um restaurante novo, reencontro com algum amigo,
dentre outros. Além disso, bem como Dalila, Vinícius realiza uma seleção dos momentos que
ilustrarão suas fotos, de maneira a conferirem argumentos e diferenciais para a imagem que os
demais terão dele:
costumo colocar fotos de amigos, quando viajo, quando me marcam eu não
aceito (a marcação) para às vezes já colocar no meu álbum. Não tem um
assunto específico, mas tem os álbuns separados para meus amigos, namorada,
família. Eu coloco uma foto com a legenda mais séria daí já entendem e fazem
comentários mais sérios.
Desta forma, hoje se percebe, mais acentuadamente, a relação estabelecida entre
sujeitos e objetos, configurando o que Haraway (2009) classificou como título de uma de suas
obras: “Manifesto ciborgue”, o qual ressalta que nossos corpos são partilhados em objetos que
nos constituem e que fazem parte de nosso viver. Defendendo a premissa de que a unidade é
uma norma excludente de possibilidades, Haraway (2009) argumenta que a construção de
unidades em contextos de ações concretas é um dado marcante da atualidade partilhada com a
ciência e a tecnologia.
Danilo destaca que enxerga o computador como um elemento essencial para sua vida,
pois sem ele não teria tido acesso às redes da internet, principais responsáveis pelo contato
com amigos e familiares e afirma que às vezes nem percebe que está falando com alguém em
meio a distâncias geográficas significativas, pois sente que aquelas ferramentas tecnológicas
fazem parte de sua vida, de sua pessoa:
as redes são fundamentais para manter contato com quem ‘tá distante. Eu sou
filho de militar e tem muita gente que conheço, que morou comigo no
condomínio e depois o pai acabou sendo transferido. A gente perde um pouco
desse contato, mas com as redes da internet é diferente: a gente passa a fazer
parte, saber o que ‘tá acontecendo com a pessoa, a pessoa também pode saber
que a gente ‘tá bem, tudo para não perder aquele vínculo de amizade que tinha
anteriormente.
Danilo faz uma pausa e confessa que, além dos motivos talvez mais comuns para se ter
uma rede social, como aquele que acabava de declarar, afirmou que foram as redes da internet
que ajudaram para que ele convivesse melhor com uma doença que possui, via informações
127
que acessou e da troca de conteúdos e emoção que compartilhou com sujeitos que possuem a
mesma doença.
A confissão de Danilo levou-me a perceber que, apesar de se tratar de um rapaz
extrovertido, que havia morado no exterior e com muito amigos, carregava em si
características que muitos não suspeitariam à primeira vista: como o temor pela doença que o
acompanha há mais de cinco anos. O exemplo de Danilo dá mostras de como as buscas nas
redes sociais da internet podem ser tão plurais quanto forem as características que compõem a
identidade do sujeito, e que podem ser refletidas, em maior ou menor grau, nas vidas on-line e
off-line. Entretanto, para mais da metade de seus contatos de Facebook, os quais não sabem
de sua doença, talvez uma face mais preocupada na vida off-line ou uma publicação específica
fossem responsáveis por levantar dúvidas sobre a temida coerência de comportamento que
nosso juízo faz.
Consequentemente, se no momento desta escrita, Danilo encontra-se apreensivo pela
iminência de uma cirurgia e boa parte das buscas na internet são canalizadas neste sentido,
isto não quer dizer que esta característica irá acompanha-lo para o resto da vida, uma vez que
pode se operar e esta doença deixará de preocupá-lo em demasia, como acontece na ocasião
da entrevista. A situação descrita dá mostras de que os comportamentos, tanto os expressos na
vida on-line quanto na off-line, mudam porque nós estamos em constante transformação e
interação social. O entrevistado afirmou que, quando se encontra em momentos de crise, é o
computador que lhe acalma por intermédio de uma mensagem positiva que recebe ou da
informação de novos medicamentos disponíveis no mercado:
eu tenho ceratocone53 desde os dezessete anos, desde então eu já pesquiso
sobre isso e me mantenho atualizado. Faço parte de redes sociais para saber
atualizações do que aconteceu com outras pessoas que fizeram a cirurgia.
Tenho amigos no meu Facebook que tem ceratocone, mas que eu conheci
nessa rede. Inclusive uma era minha vizinha e eu não sabia que ela tinha a
doença. Ela fez o transplante nos dois olhos e morava pertinho de casa. Vendo
a evolução dela, fico mais calmo para fazer minha primeira cirurgia.
Tendo como base as afirmações acima, vale destacar a afirmação de Butler (2003)
sobre a forma como as identidades são alternativamente instituídas e abandonadas, a partir do
caráter provisório que possuem, uma vez que o sujeito está em constante mudança em meio a
um mundo que igualmente, e de maneira constante, transforma-se. Ainda partindo dos estudos
feministas acerca da multiplicidade e fluidez identitária, Haraway (2004) salienta a
53
Trata-se de uma doença progressiva do olho que gera mudanças estruturais na córnea. Sua principal
consequência é a diminuição da visão, visão borrada e sensibilidade à luz.
128
interferência que os conceitos cultural, político e historicamente estabelecidos, operam no
social e nas categorizações que temos acerca da identidade e seus componentes:
se as teorias feministas de gênero partiram da tese de Simone de Beauvoir de
que não se nasce mulher (...) para a compreensão de que qualquer sujeito
inteiramente coerente é uma fantasia, e que a identidade pessoal e coletiva é
precária e constantemente socialmente construída (...) finalmente, e
ironicamente, o poder político e explicativo da categoria ‘social’ de gênero
depende da historização das categorias de sexo, carne, corpo, biologia, raça e
natureza, de tal maneira que as oposições binárias, universalizantes, que
geraram o conceito de sistema de sexo/gênero num momento e num lugar
particular na teoria feminista sejam implodidas em teorias da corporificação
articuladas, diferenciadas, responsáveis, localizadas e com consequências, nas
quais a natureza não mais seja imaginada e representada como recurso para a
cultura ou o sexo para o gênero. (2004, p.245-246)
Noto que a observação dos pressupostos feministas de Haraway (2004) pode ser,
conforme o campo, estendida a uma visão geral dos sujeitos sociais, que não apenas aqueles
entendidos na categoria de feminino. Desta maneira, as relações sociais com o mundo são
passíveis de serem percebidas através de intermediações que, para além do pensamento e da
linguagem, envolvem igualmente objetos. Sobre estes, Haraway (2009) salienta que a
interação com os objetos podem nos tornar cada dia mais ciborgues, a partir do uso de novas
estéticas e maneiras de sentir e viver o mundo social, nossas identidades e relações com o
Outro, como por meio de computadores para se comunicar e redes sociais que podem
aprofundar as relações com a própria subjetividade e com o mundo. Desta forma, ao
entrarmos em contato e fazermos parte de comunidades na internet, estamos envolvidos em
mais um dos múltiplos exemplos de como a flexibilidade e a fluidez nos estilos de vida, e nos
próprios objetos, são uma característica marcante de identidades, sujeitos e do próprio
contexto atual. Santaella (2004) classifica o computador como o principal exemplo semiótico
da atualidade, dada a possibilidade, a partir do mesmo interagir, significar, indicar, simbolizar
e provocar desdobramentos no pensar e no agir dos sujeitos que os operam.
Seguindo esta linha, o trabalho da antropóloga Emily Martin (1994), ainda que verse
especialmente sobre as questões femininas e do corpo da mulher, é exemplo de como os
estudos e as pesquisas se tornam mais atentos a determinadas situações, como a própria
questão do corpo, inicialmente concebido de maneira singular, o masculino, e todos os outros
estabeleciam relação ou comparações com este, a partir de valores racionais. No exemplo
trazido por Martin (1994), o organismo feminino é interpretado, com grandes influências da
medicina, como uma máquina capaz de gerar bebês, a própria menstruação é vista como um
129
fenômeno racional e que tem sua vivência partilhada da mesma forma. Ora, o trabalho de
Martin é revolucionário ao estar interessado muito mais nas experiências de cada sujeito e nos
relatos que cada mulher pode operar sobre determinada situação, do que nos conceitos
abstratos e culturalmente estabelecidos, em especial, com a contribuição da medicina. Desta
forma, Martin expressa como a cultura é responsável por moldar não apenas os corpos e suas
funções e finalidades, como toda uma esfera do pensamento.
Segundo Martin (1994), é nos espaços culturais que recebemos o reforço e o conteúdo
das práticas adaptáveis e flexíveis. Desta maneira não só a questão do corpo é vista como algo
padronizado e com funções pré-definidas dentro de uma norma, mas a própria identidade era
antes interpretada como algo único, por isso, indivíduos que possuíssem identidades variadas
eram conferidos a doentes sociais. Contradizendo esta forma de perceber corpo e identidade, o
que a antropóloga propõe, visão partilhada por esta pesquisa, é uma visão mais flexível dos
conceitos e das finalidades e usos que os sujeitos dão a seus próprios corpos, o que podemos
adaptar também para o que é observado nas redes sociais da internet e na maneira como os
sujeitos se representam e expressam sua identidade e exercitam diversas facetas do Eu.
Esta é a razão principal por este trabalho acreditar que a palavra “adaptação” é uma
forte aliada para conceber e existir no mundo atual. Consequentemente, chega-se a conclusão
de que a vida on-line torna-se flexível porque a própria vida off-line assim o é, afinal o jovem
que vai à escola, segue para seu estágio, sai para namorar, estabelece relacionamentos
familiares, dentre outras situações sociais as quais demandarão posturas e comportamentos,
desde a forma de falar, até as conversas que traçar e a forma de se vestir particulares. Por isso,
a identidade que se vive no mundo on-line não pode ser analisada e considerada de maneira a
se desvincular com a off-line.
Um exemplo de como o mundo da internet pode operacionalizar distintos interesses e
atividades é a construção da chamada página de abertura de acesso à internet. Neste espaço, o
usuário escolhe um programa de navegação54 e pode criar atalhos para os conteúdos mais
acessados, na forma de “Favoritos”. A análise deixa perceber alguns dos variados e
complementares assuntos e performances de vida que envolvem o sujeito. Segundo Turkle
“um lar virtual, tal como um lar real, está decorado com objetos que comprámos, criámos ou
recebemos como prenda [presente]” (1997, p.387). Analisando minha própria página de
abertura, percebo que tenho atalhos de acesso aos meus jornais preferidos, da mesma forma
54
Consistem em programas que são instalados no computador e permitem o acesso à internet, uma vez
que se possua conexão com esta. Alguns destes programas são o Internet Explorer, o Mozilla Firefox e
o Google Chrome, entre tantos outros.
130
para o grupo de estudantes de Antropologia do Programa de Pós-Graduação do qual faço
parte, e ainda atalho para páginas da internet sobre moda, muitas recomendadas por amigas,
gastronomia e círculo de leituras de livros que não estão ligados apenas à minha formação
acadêmica. Perfis nas redes sociais são facetas da identidade que coexistem não apenas no
subjetivo, mas podem ser visualizados nas páginas da internet.
Analisando as formas que os sujeitos entrevistados possuem de divulgar, parcial ou
integralmente determinados aspectos de sua identidade, retomo o trabalho de Serra (2006), o
qual realizou estudo, conforme assinalado, em Portugal, de relevante contribuição à
compreensão de algumas categorias acerca do nível de interferência que a internet pode
possuir na construção das subjetividades. Serra demonstra a importância que a questão da
identidade na internet desempenha para que distintas temáticas do comportamento individual
possam ser interpretadas, inclusive quando estas se veem em caráter relacional com grupos.
Por conseguinte, o autor argumenta que a identidade pode ser compreendida a partir da
curiosa, interdisciplinar e, talvez por estas mesmas razões, pertinente proposta da
heteronímia55, o que levanta a proposta do autor para duas possibilidades sobre o estudo do
sujeito, sua identidade e a relação com as redes sociais da internet.
A partir desta corrente de raciocínio, Serra declara que a internet permite a oscilação
entre o individual e o coletivo, propondo a importância de esmiuçar o assunto da identidade56
nas redes em dois momentos: 1) a primeira possibilidade trata-se de ser capaz, em uma
espécie de jogo identitário, de despersonalizar com o intuito da criação de várias identidades.
Logo, o sujeito não assume apenas um mesmo posicionamento, mas tem suas ações e
posicionamentos orientados e determinado espaço e tempo. Neste ponto o sujeito reconhece
em si as características em questão; 2) outra visão é a da internet como um meio exploratório
das identidade, neste ponto, os indivíduos em interação com o grupo, e mesmo entre si,
podem viver experiências em mundos contíguos, os quais podem estar mais ou menos
separados entre si. Neste sentido, nem todas as experiências ou situações vivenciadas pelo
sujeito são interpretadas como “suas”, pois estão muito mais atreladas a um plano de
experiência, sem, necessariamente, comprometimento com o que auto reconhece.
55
Remonta-se à ideia da poesia, dos autores fictícios que, entretanto possuem características
marcantes. A heteronímia foi uma prática comum do poeta português Fernando Pessoa.
56
Toma-se como identidade a proposta de Castells que a difere de papéis sociais. Para o autor, “as
identidades organizam o sentido, enquanto que os papéis organizam as funções” (CASTELLS, 2001,
p.29). Desta forma a primeira é constituída de fonte de sentido para os sujeitos, em busca de um autodescobrimento e percepção individual perante um coletivo. Paralelamente, os papéis sociais são
definidos como normas externas aos sujeitos e estabelecidas pelo social e suas instituições.
131
Reside no argumento acima, especialmente, a razão pela qual nem todas as pessoas
vivenciam a sociedade da cibercultura da mesma maneira, uma vez que há filtros de
conteúdos, interesses e estilos de vida, tanto os que são estabelecidos no plano do digital,
quanto no off-line, entretanto, não se deve desconsiderar que, como o sonho e a linguagem, as
redes sociais da internet e a possibilidade de estabelecer laços afins, parcial ou totais, com
demais sujeitos e temáticas, são formas do indivíduo se autoconhecer, auto experienciar e
aprofundar as ferramentas do pensamento e das situações de mundo, e, se os interesses e as
escolhas e possibilidades são diversas, ao classificar, em uma visão pós-moderna conforme a
que propõe Hall (2006), o sujeito como sendo múltiplo não implica, necessariamente, em
dizer que este possui identidade múltipla, o que aí sim poderia estar enquadrado em alguma
forma de distúrbio psicológico e social. Sobre estas características, a contribuição dos
conceitos de performance, analisados com o escopo da construção identitária, conforme segue
a este tópico, são de importância fundamental para destacar e perceber as multiplicidades de
posturas, ações, modos de falar, de se vestir e, inclusive, de se auto reconhecer no mundo.
3.2 Práticas de performance e exercícios de sociabilidade nas redes da internet
O estudo da identidade leva a perceber que a partir do momento no qual a vida de
grupos e a importância destes para a socialização começam a ser alvo de estudos, conforme
retrata Simmel (2006), passa-se a desenhar uma perspectiva acerca das questões principais da
vida do sujeito na sociedade e na vida individual. Entretanto a maior parte das pesquisas
sempre deu um caráter mais psicológico para estas observações. Em contrapartida, Simmel
(2006) aporta a necessidade de perceber a sociedade como um “sujeito com vida, leis e
características internas próprias” (2006, p.40).
Dentro desta forma de análise, as ações da sociedade extrapolam o olhar individual e o
que se percebe é um indivíduo pressionado por todos os lados, sejam eles impulsos,
sentimentos ou pensamentos. Para perceber algumas nuances entre coletivo e individual, fazse necessário compreender o sujeito como parte integrante de determinada massa, sendo esta a
porta de entrada – o fazer parte – responsável para que o sujeito pertença a um ou mais grupos
sociais.
Portanto, ao se tornar um sujeito (com)partilhado socialmente, diferenças e
semelhanças caminham unidas, nas mais diversas formas, e esta é a principal razão pela qual
cada individualidade é plural entre si, pois se o grupo externo é o mesmo, a questão interna,
132
complementada com outras características da trajetória de vida, não estão dispostas na mesma
forma em todos os sujeitos. Sobre esta questão, o filósofo americano, de forte veia marxista,
Marshall Berman (2007), salienta a importância que o início da modernidade teve na
transformação da perspectiva sobre a religião e a filosofia, o que impactou na forma como o
espaço e o discurso passaram a ser percebidos: dentro de uma concepção humanizada na qual
o presente ganhou importância frente ao passado e ao futuro, uma vez que,
a moderna transformação, iniciada na época do Renascimento e da Reforma,
coloca ambos esses universos na Terra, no espaço e no tempo, preenchidos
com seres humanos. Agora o falso universo é visto como o passado histórico,
um mundo que perdemos (ou estamos a ponto de perder), enquanto o universo
verdadeiro consiste no mundo físico e social que existe para nós, aqui e agora
(ou está a ponto de existir). (BERMAN, 2007, p.131)
Segundo a concepção defendida por Berman (2007), pode-se fazer parte de um grupo
em alguns aspectos e, em outros, esse conjunto de interseção acontecerá com outro grupo. Daí
porque um coletivo nunca pode ser compreendido de maneira uniforme e homogeneizado,
uma vez que as características subjetivas interferem nas decisões, opiniões e práticas dos
sujeitos. Um exemplo primeiro que pude perceber sobre isto, neste projeto, diz respeito à
finalidade e as formas de interação dos entrevistados para com suas redes: enquanto uns se
mostravam extremamente cautelosos, especialmente acerca das questões de privacidade e
qualidade do conteúdo recebido, outros não percebiam grandes empecilhos ao usar as redes
sociais em profundidade. A diferença foi reconhecida, inclusive, dentro dos relacionamentos
de casais, fossem homos ou heteros. Lia, embora argumente não possuir muito tempo para as
redes da internet, reconhece a importância que estas tiveram no fortalecimento dos laços de
amizade:
não tenho muito tempo de entrar no meu Facebook, eu nem sei mexer direito.
Eu também não sou uma pessoa de ligar muito para meus amigos, às vezes
nem tenho o contato de todo mundo e acabei perdendo por alguns eventos da
minha vida, mas acho um meio prático de saber como é que eles estão e tentar
estar presente. Tento saber de alguma coisa, tento publicar alguma coisa, sem
necessariamente ter que passar por ligar, aquela coisa mais formal.
Apesar de perceber um ponto positivo, Lia não consegue convencer seu noivo,
também médico e com pouco tempo para lazer, a participar de qualquer rede social da internet
e confessa:
fiz meu noivo entrar porque uma amiga dele pediu para ele entrar para saber
como ele está, alguma notícia. Ele fez o Facebook dele, mas ele não entra, ele
133
é uma pessoa desligada, ele não curte estar entrando, comentando, ele diz:
‘Vou comentar pra quê?’. Não é o mundo dele, eu mostro algumas coisas do
meu Facebook e às vezes eu digo para ele entrar, mas ele entra uma vez ao
mês porque eu digo: ‘Olha, teu amigo ‘tá te perguntando isso’.
Danilo e Tadeu, apesar de acessarem suas redes sociais da internet com frequência
também possuem comportamentos diversos: enquanto Tadeu conecta, especialmente para ver
ou divulgar conteúdos profissionais, Danilo, majoritariamente, disponibiliza informações
acerca de saídas com os amigos e festas que foi. Entrevistados em separado, os dois
declararam que estas posturas tiveram que ser amenizadas ao iniciarem o relacionamento, pois
antes publicavam muito mais estes conteúdos e o parceiro reclamava e demandava ora mais
assuntos profissionais, ora mais assuntos de lazer. Atualmente, Tadeu argumenta que, ao
postar assuntos pessoais prefere criar filtros para evitar a exposição, através da utilização de
listas nas quais pode selecionar quais os contatos, presentes em sua rede, que terão acesso a
determinada informação:
meu Facebook é bastante privado. Fotos e informações pessoais, só para meus
amigos mais próximos, naqueles que confio, público em geral ‘tá bloqueado.
E mesmo dentro dos meus amigos tem outra filtragem: tem álbuns que é só
para um determinado grupo de amigos. Só assim posto fotos de aniversário,
viagens, shows, reencontros de amigos.
A análise dos casos acima leva a perceber como esta pluralidade de características e
qualidades podem ser tomadas como o fator principal que tornam o indivíduo único, tanto em
sua vida on-line quanto na off-line. Acerca disto, Simmel relembra que
o indivíduo pode possuir tantas qualidades aprimoradas, altamente
desenvolvidas, cultivadas quantas quiser – mas é justamente por isso que,
quanto mais frequente isso se dê, tanto mais inverossímil será a igualdade e,
portanto, a formação de uma unidade desse indivíduo com as qualidades dos
outros. (...) Pode realmente acontecer que se fale com desprezo do ‘povo’ e da
‘massa’ sem que com isso o indivíduo se sinta atingido, pois realmente não é
dele que se trata: quando se considera o indivíduo em si e em seu todo, ele
possui qualidades muito superiores àquelas que introduz na unidade coletiva.
(2006, p.47-48)
A afirmação acima ressalta muito bem porque há diferenças entre o sujeito indivíduo e
o sujeito massa, pois se tratam de autoridades e níveis que, historicamente, provém de fontes
distintas. Um sujeito indivíduo pode ganhar extrema notoriedade, significância e
representação quando está apoiado sociologicamente na massa e são estes jogos sociais que
fazem com que a massa, diferente do sujeito indivíduo, possua uma ideia preferencial e
134
dominante, que a impulsiona a um objetivo específico. No que tange ao indivíduo o que se
percebem são múltiplas veredas na eventual construção da caminhada.
Edgar, por exemplo, declara que apesar de fazer parte de determinadas comunidades,
não se identifica completamente com elas e justifica nas ações dos demais o motivo pelo qual
isto ocorre:
o principal problema é a educação, quem não tem conhecimento sobre o
assunto, já vem com uma ideia produzida. Essas comunidades, sobre
homossexualidade, eu acho importante, acho interessante, o problema é que as
pessoas que deveriam ter interesse nelas, em especial os homossexuais, não
apenas os simpatizantes, ficam dizendo: ‘Ah, essa comunidade não tá babado’,
daí não participam, não contribuem. Isso me deixa triste. Se fizer uma
pesquisa nesses grupos essas pessoas estão mais para caçar, pra procurar
alguém para o sexo ou para algum relacionamento e não para falar sobre a
causa e lutar por direitos.
Desta maneira, conforme defende Simmel (2006), “Na verdade, porém, a massa não é
essa soma, e sim um novo fenômeno que surge não da individualidade plena de cada um de
seus participantes, mas daqueles fragmentos de cada um que coincidem com os dos demais”
(2006, p.50). A interação social surge através de certos impulsos e/ou finalidades e, uma vez
que a sociedade é composta, as motivações e buscas se inserem em determinados contextos
sociais e daí surgem as matérias de sociabilidade defendidas por Simmel (2006) que
compreendem
tudo o que existe nos indivíduos e nos lugares concretos de toda realidade
histórica como impulso, interesse, finalidade, tendência, condicionamento
psíquico e movimento nos indivíduos – tudo o que está presente nele de modo
a engendrar ou mediatizar os efeitos sobre os outros, ou a receber esses efeitos
dos outros. (2006, p.60)
Por estas razões, pode-se afirmar que alguns aspectos do mundo, como o trabalho, o
amor e a religiosidade, não são sociais e sim fatores de sociabilidade, que seria, então, a forma
pela qual os indivíduos atuam em direção a uma unidade no bojo da qual os interesses são
realizados e no qual é estabelecido o caráter que aquele ser terá na comunidade. Neste cenário
é de extrema importância as capacidades de flexibilidade e de adaptação, de acordo com o que
ratifica Bauman,
o bilhete de entrada para a nova elite global é a ‘confiança de viver na
desordem’ e a capacidade de ‘florescer em meio ao deslocamento’; o cartão de
sócio é a capacidade de ‘se posicionar numa rede de possibilidades, mais do
que ficar paralisado num emprego em particular’; e o cartão de visitas é ‘a
vontade de destruir o que se construiu’, ‘de abandonar ou dar’. (2008, p.54)
135
Considerando o caleidoscópio de características que um sujeito pode apresentar
quando da construção de sua individualidade, considero pertinente compreender e analisar a
riqueza de conteúdos, bem como o reconhecimento da existência de linhas de convergência e
divergência a determinados assuntos, os quais permeiam a construção do social, no campo do
coletivo em interação com diversas subjetividades, e da identidade subjetiva em relação com a
pluralidade do social. Simmel (2006), em análise às proposições do filósofo Immanuel Kant,
o qual se concentrou nos estudos da ética, da estética e da epistemologia, determina que cada
um tem sua porção de liberdade à medida que o outro pode também ter a sua. Logo, a
sociabilidade cria um mundo ideal no qual os sentimentos do indivíduo, sejam eles de alegria
ou tristeza, por exemplo, estão intimamente ligados com o que o coletivo do qual faz parte
sente. Este é um dos motivos pelos quais o presente na modernidade e na pós-modernidade é
muito mais amplo e acaba trazendo o domínio sobre passado e futuro, “Na verdade, não
ficamos órfãos nem do passado nem do futuro, pois as relações com essas coordenadas
adquirem nova relevância à medida que o presente amplia seu domínio” (LIPOVETSKY,
2004, p.66).
Percebo que, no campo das interações sociais, o advento das tecnologias determinou
novas formas de relações de sociabilidade às quais não podem mais ser cartesianamente
alocadas em simples faixas etárias e sexualidades, pois mesmo estas características consistem
em terrenos de forte efemeridade e transitabilidade, pois estão intimamente vinculadas com
questões comportamentais e de posturas de vida, uma vez que neste jogo social, os fatores de
atração e os catalisadores de interesse provêm de pontos os mais diversos possíveis.
O sentido de mundo sociologicamente ideal é necessário para que haja uma sensação
de que, em parte, as pessoas são iguais e possam interagir estabelecendo laços de
sociabilidade. Este cenário pode ser considerado como uma espécie de jogo, o que não
implica em um rótulo de mentira, uma vez que passa a ser guiado por intenções. Retomando à
entrevista com Edgar, ao formular as primeiras perguntas de identificação, pude perceber
alguns traços desses interesses de sociabilidade aos quais Simmel se relaciona. Reconheço
Edgar como um jovem de pele branca, olhos castanhos e cabelo escuro, entretanto, ao
perguntar como o entrevistado definia sua cor, argumentou:
a título de ego, me identifico branco, mas branco nessa palidez, nessa
brasilidade que corre no meu sangue: minha mãe é ruiva (descendente de
alemão) e pinta o cabelo de loiro e meu pai é negro. Nessa mistura tem uma
brasilidade linda entre eu e meus irmãos. Apesar de ser esse branco azedo, eu
gosto de me intitular pardo, meus amigos dizem: ‘Tu és branco, do cabelo
136
preto, da barba ruiva’. Eu tenho o direito de me intitular pardo porque meu pai
é negro e minha mãe é branca, eu não deixo de ser filho de negro.
Intrigada com aquelas primeiras respostas insisti e perguntei: “Mas por que, pelo teu
ego, te intitulas branco?”. Edgar foi direto: “Porque eu gosto de ostentar uma riqueza que
realmente não existe, sou de classe média baixa57”. Continuei a provocação ao interlocutor:
“Gostas de dizer que és filho de uma descendente de alemão?”. Ao que respondeu:
adoro, digo pra todo mundo, aí dizem: ‘Olha, toda rica, toda trabalhada na
riqueza’, mas aí eu digo: ‘Ah, mas ela casou com um preto, ‘tá meu bem?’.
Hoje em dia, com mais maturidade, já aceito meu pai ser negro, mas quando
criança achava que tinha um sobrenome pobre e comum: o do papai. Sempre
achei que queria ser diferente.
Questionei como o entrevistado se definia na internet, em termos de cor de pele:
sempre dizia que era branco até porque, visualmente, eu sou branco. No
começo dizia ou a verdade ou uma visão mais europeia, tipo branco, loiro, dos
olhos azuis. Faço parte até hoje de comunidades alemães na internet, tipo ‘Eu
tenho sobrenome alemão’. Não faço parte de nenhuma comunidade negra, eu
omito, suprimo essa parte.
Ao longo da fala de Edgar pude perceber quão superficial pode ser a leitura de uma
imagem, de uma aparência, uma vez que esta não apenas carrega as nossas impressões, mas as
percepções daquele que entra em contato comigo. Talvez não desconfiasse que Edgar tivesse
um pai negro e por isso jamais conseguisse entender o orgulho que o entrevistado possui de
sua descendência alemã, para omitir as outras práticas que fazem parte de sua trajetória de
vida. A própria construção de imagens muitas vezes gera polêmicas no que diz respeito ao
contexto da pós-modernidade, suas intenções transitórias e das impressões simbólicas e de
identidade que concedem aos seus interpretantes, sobre isto, os pesquisadores em
Comunicação Social, Iluska Coutinho e Potiguara Mendes da Silveira Jr. (2007), relembram
Platão na defesa da premissa da imagem e argumentam que,
para evitar uma condenação última às imagens do presente, e resgatar sua
potencialidade como portadoras de identidade e força simbólica, vale recorrer
aos dois conceitos de Verdade em Platão, que destaca o jogo/negociação entre
a Verdade Lógica (adequação, correção) e a Verdade Estética (alethéia ou
desocultação, revelação, ser antológico). Para o filósofo grego, independente
da adesão ou utilização de um ou outro conceito, a Verdade tem que estar
ligada ao Todo, à unidade, ao Hólon; ao passado, presente e futuro e, no
57
Mesmo não adotando a classificação das classes sociais em valores étnicos e econômicos, e sim na
concepção de Bourdieu, conforme detalhei no primeiro capítulo, Edgar incluiu, em sua própria fala,
por decisão espontânea, este marcador, tendo como base questões étnicas.
137
âmbito da reflexão proposta nesse texto, pode estar em imagens produzidas
em diferentes tempos e narração delas nos processos de construção de
memórias e identidades. (2007, p.117)
Destarte, o simples ato de se estabelecer conversa é fundamento de sociabilidade entre
indivíduos que se unem a partir de laços de amizade, buscas comuns ou mesmo do
afastamento daquilo que não pode ser envolvido pela prática da busca do sujeito quando no
exercício da sociabilidade. A temática foi alvo dos estudos de cultura material de autores
como Gell (1992; 1998) e Miller (2000), a qual será analisada, em profundidade, em capítulo
seguinte. Saliento que uma conversa sociável também pode funcionar como “armadilha” que
atrai e “prende” pessoas. Seja pelas imagens, músicas ou textos capazes de acionar práticas e
interesses específicos como formas do sujeito se autoafirmar, descobrir-se e se relacionar. Ao
tomar como base as entrevistas realizadas, pude perceber a frequência que esta situação
acontece, a partir do significativo número de interlocutores que, nas falas, confessaram perder
mais tempo do que consideravam necessário nas redes da internet. A própria apresentação
estética na internet desempenha papel importante, no sentido de conectar e incrementar a
interação entre sujeitos, uma vez que “representa uma tentativa de alinhar em tempo e em
espaço o criador da web e o potencial usuário, de modo que cada um possa, no caso, entrar ao
lado um do outro no ciberespaço” (MILLER, 2000, p.17).
Seguindo as observações acima, pode-se considerar que o sociável ganha força quando
o indivíduo é capaz de diluir sua narrativa particular no coletivo. Logo, passa a haver o
compartilhamento de histórias, opiniões, vivências, angústias, alegrias, dúvidas dentre outras
formas de interação humanas. Marcelo, por exemplo, afirma que as redes sociais das quais faz
parte na internet estão influenciando de maneira considerável a escolha que terá que fazer ao
fim do ano sobre que curso universitário escolher e justifica seu interesse em falar com
pessoas de regiões diversas, mesmo que não as conheça pessoalmente, como principal forma
de obter conhecimento de mundo e formar sua própria opinião:
prefiro falar com pessoas das regiões as mais diversas possíveis pra
compreender vários pontos de vista sobre política e outras coisas e assim ter a
minha. Essas redes também estão influenciando muito em que carreira eu
quero seguir. Eu tenho pesquisado bastante sobre como pagar, onde estudar,
quais faculdades são boas.
O relato acima lembra-me de que as redes podem tanto operar sobre coisas imediatas,
como qual bar está na moda para sair no fim de semana, conforme detalhou Marcelo, quanto
acerca dos aspectos que poderiam influenciar na escolha profissional. Apesar dos pontos
positivos advindos com a prática da sociabilidade, gostaria de fazer algumas ressalvas. A
138
primeira delas diz respeito à questão do indivíduo necessitar se adequar, transformando-se,
para que possa viver segundo um contexto e um modo de vida relacionado com as demandas
de específico grupo social. Esta transformação pode acarretar mudanças nos valores do
próprio sujeito, considerando ser necessário que a vida deste caminhe de maneira mais ou
menos coordenada com os preceitos do coletivo. Caso isto não ocorra, as forças da
sociabilidade não poderão operar.
Rodrigo, por exemplo, diz que apenas procura na internet assuntos relacionados à sua
profissão e sobre pornô “porque todo mundo gosta”, mas afirma que, para fazer parte destes
grupos de sua vida on-line sem perder os da vida off-line, necessita tomar algumas
precauções, a exemplo do que, anteriormente, foi trabalhado nos estudos de Sedgwick (2007)
acerca dos armários sociais:
na comunidade de pornô, a gente muda nome, inventa e-mail falso para se
cadastrar, para receber fotos. Não sei por que não posso de jeito nenhum
assumir quem sou, talvez porque sou uma pessoa pública. Professor que vê
pornô pode virar hit58, melhor eu não arriscar. Alguém iria te criticar porque
pessoa pra te criticar tem um monte todo dia.
A sociabilidade deve ser igualmente compreendida em sua virtude ética, uma vez que
é a característica responsável por fazer os indivíduos interagirem e se retirarem, ainda que em
termos momentâneos, de possíveis ilhas de isolamento social. Vinícius, que se percebe uma
pessoa séria e por vezes um pouco fechada, relembra a importância que as redes sociais da
internet tiveram em sua vida atual, tanto no que tange ao relacionamento afetivo quanto aos
de amizade:
eu ‘tô namorando, conheci minha namorada no Facebook, a gente tá há oito
meses direto, então isso já é alguma coisa muito significativa. Também é
importante pelos meus amigos, porque quando a gente ‘tá distante um do
outro, a gente marca as coisas pelo Facebook, faz trabalho no Facebook. Mas
fico mais por lazer no Facebook, só procuro as coisas que me interessam.
Questões do profissional eu não chego a procurar, mas procuro coisas que
talvez me formem.
Os grupos, tanto na vida on-line quanto na off-line são formados de acordo com
preceitos de liberdade, os quais envolvem a junção ou separação de coletivos, de acordo com
seus interesses e, consequentemente de acordo com os sujeitos que deles fazem parte e que
coordenaram seus valores e buscas. Estas relações interacionais entre indivíduos “fornecem
58
A palavra aqui foi empregada no sentido de chamar a atenção, de se transformar em notícia.
139
uma miniatura do ideal de sociedade que se poderia chamar de liberdade de associação”
(SIMMEL, 2006, p.78).
Neste “jogo de faz de conta” (SIMMEL, 2006, p.71) para que não haja a impressão ao
sujeito de que ele está se relacionando com falsas práticas é importante a manutenção de
certos vínculos com a realidade, com o intuito de romper esta impressão. Desta forma, os
laços entre as práticas sociáveis e o que acontece no plano off-line devem ser mantidos para
que a relação estabelecida não perca sua funcionalidade. É necessário, então, que o sujeito não
se questione se aquelas situações são reais, pois aquelas situações de fato são reais e não
haveria, portanto, a necessidade da indagação. Caso esta desconfiança ocorra, os laços de
sociabilidade entre os indivíduos passam por tensões e muitas vezes não podem ser
recuperados. Segundo as observações de Simmel,
a partir desse contexto torna-se evidente que as pessoas reclamam, com e sem
razão, da superficialidade das relações sociais. Certamente um dos fatos mais
importantes da existência espiritual é que, quando retiramos qualquer
elemento da totalidade do eu os fechamos em um reino à parte organizado em
suas próprias leis, e não nas leis do todo, esse reino, apesar de toda sua
perfeição interna, pode mostrar um caráter vazio e suspenso no ar, exatamente
por sua distância de toda realidade imediata. (2006, p.80)
Sobre esta questão saliento os novos estilos de vida que a tecnologia trouxe no qual,
como debatido anteriormente, faixa etária e sexo não podem ser tão superficialmente
interpretados, há a necessidade de revisão de conceitos. É no campo da vida cotidiana,
conforme relembra Martín-Barbero (1995), que ocorre a produção de conhecimento e a
própria troca e produção de sensibilidade, os quais Simmel (2006) classifica como
sociabilidade entre os indivíduos. Daí a necessidade do estudo da comunicação, seja através
de sujeitos, seja através dos meios de comunicação, como a internet. Wolton (1999) trabalha
esta análise quando salienta que o ato de comunicar é, essencialmente, um fazer
antropológico, desta forma os ideais de troca e compreensão comunicativa não só
transformam sujeitos como a própria sociedade.
Vinícius acrescentou, juntamente com a observação anterior, acerca de seu
relacionamento afetivo nas redes sociais, reconhecer que algo em si é transformado quando se
comunica na internet e que isto não apenas é reconhecido pelos demais como por ele próprio.
Entretanto, o interlocutor não considera isto uma razão para se definir como um sujeito
diferente nos planos on-line e off-line apenas trata-se, de acordo com sua declaração, de
adaptações de suas práticas para contextos específicos:
140
Nas redes sociais eu sou um pouco mais sério porque, pelo fato de conhecer
muitas pessoas que usam as redes sociais, elas acabam vendo o que eu
escrevo, o que eu publico. Muitas pessoas que me conhecem pela internet,
quando me conhecem pessoalmente dizem ‘pô, eu te achava metido’, por isso
me considero diferente. Às vezes, na internet, eu tenho um pouquinho mais de
tempo, ‘tô, por dentro, mais feliz, porque não ‘tô me preocupando com
trânsito, engarrafamento, trabalho, que é quando eu fico com raiva, cara
fechada, chateado no cotidiano. Então como já venho com trauma do Orkut,
por conta de umas fotos e coisas que eu publicava e que as pessoas
reclamavam, tento não abrir brecha para fazer de novo. Só coloco foto
engraçada e “marco” quando é com meus amigos, não “marco” quem não
conheço. Tem umas fotos lá que só amigos meus podem ver.
A questão trazida por Vinícius envolve não apenas aspectos de sociabilidade como
também de performance, categoria esta a ser aprofundada no próximo tópico de análise.
Considero pertinente assinalar que, se existe o conflito é porque o indivíduo traz em si a
própria sociedade e esta é conflituosa, esta é diversa e suas comunicações são intensas.
Wolton ainda questiona se a internet de fato permite o exercício da individualidade, pois,
conforme assinala,
esta rede, que hoje fascina, ilustra sem dúvida melhor as expectativas e as
esperanças, significa, na realidade, pelo sufixo ‘net’ a rede; e Webs, a ‘teia de
aranha’. O que simboliza o aparecimento da liberdade individual designa, na
realidade, um fio, uma teia de aranha. Quer dizer que toda a gente,
intuitivamente, se quer libertar. E quem diz teia de aranha ou fio, diz alguém
que o atira e que o apanha. Quem apanha aqui? E o que é que se apanha? A
quem aproveita? (1999, p.232)
Esta rede de significados, conforme já exposto anteriormente, está embasada nas
proposições de Geertz (1973) ao fundamentar a importância que as convenções culturais
determinam naquilo que se representa, simboliza e sofre interação no campo do social.
Através da cultura, há o compartilhamento do sistema simbólico externo que irá operar no
subjetivo de cada sujeito alocado em determinado contexto e que compartilhe determinados
valores de cultura. Desta maneira, a ordem e o significado são responsáveis por ordenar as
interações humanas, daí a razão pela qual Geertz (2008) salienta que não se podem
compreender ações como o encadeamento de formas puras, uma vez que estas estão
vinculadas com ações simbólicas de significado construído e partilhado a partir de uma teia
cultural contextualizada. Sendo assim um produto de experiência coletiva, a cultura é tão
responsável por estimular formas de ação, mediante o significado que se deseja conferir, o
qual é partilhado pelo coletivo, quanto de sofrer alteração a partir das relações sociais entre os
141
sujeitos que operam com esta. É na experiência que os significados culturais podem ser
percebidos, inclusive quando estes atuam no plano do subjetivo de cada sujeito.
Desta forma, a experiência se constitui, a partir do fundamento de Geertz (2008),
como o conjunto de formas pelas quais o indivíduo pode operar e se relacionar com os
demais, consigo e com sua realidade. A variedade de signos representa a diversidade de
significados que os comportamentos possuem, uma vez que são construídos a partir da teia da
cultura com a qual estão conectados e são partilhados por um coletivo. Isto posto,
o que nos permite falar desses indicadores em uma linguagem comum e de
uma forma útil, e o fato de que todos registram uma sensibilidade comunitária,
ou seja, que representam, para todos que participam daquela comunidade, uma
disposição de espírito comum. (GEERTZ, 2008, p. 23)
Logo, é necessário ressalvar alguns atrativos que o discurso pode fazer uso na captura
da atenção e do envolvimento do sujeito, para que este imerja nas trocas sociais, nos
relacionamentos, na comunicação e na autoafirmação. Estas práticas podem acontecer tanto
em seu relacionamento da sua subjetividade, da sua identidade, com o Outro, quanto em suas
interações com os próprios meios de comunicação. Estes meios de interação trazem consigo
uma gama de tecnologias as quais permitem novas formas de práticas de sociabilidade, na
qual a desterritorialização e a mobilidade são as principais palavras na compreensão desta
conjuntura a qual envolve, inclusive, o campo da internet.
A identidade deve passar a ser vista, conforme detalha Giddens, dentro de sua própria
construção reflexiva e da “pluralidade de escolhas que confronta os indivíduos nas
circunstâncias da alta modernidade” (2002, p.81) e que destas derivam várias influências. Daí
a razão pela qual o estado principal da “matéria” da modernidade passa então a ser o líquido,
carregado de suas possibilidades, de seus “vir a ser”, de seus recentes passados e combinações
plurais, nos quais a sociabilidade se adequa a estas conjunturas uma vez que seus sujeitos dela
fazem parte com a “pluralização de mundos de vida” (GIDDENS, 2002, p.81) no qual a
identidade passa a ser não apenas o que o sujeito é, mas também com quem o sujeito se
relaciona ou sobre o quê o sujeito fala, faz e com quem o fala, faz. Todo seu entorno e seus
vínculos interacionais, sejam eles do mundo off-line e do on-line são reforços para sua
identidade. De acordo com o pesquisador social, Valdir José Morigi, concentrado,
principalmente, nas pesquisas acerca das representações e da gestão da mediação e da
informação,
nos contextos das sociedades industriais e das pós-industriais, as
representações sociais assumem um caráter móvel, plástico e circulante. Ao
142
mesmo tempo em que elas surgem, podem desaparecer. Em diversos campos
(político, religioso, científico, entre outros), muitas delas não conseguem
sequer se sedimentar, pois o seu tempo de duração (existência) não as deixa se
transformarem em tradições imutáveis, o que mostra o seu caráter altamente
dinâmico. (2004, p. 04)59
Por esta razão as análises realizadas neste estudo são levadas a cabo mediante a
consideração de que sujeitos partilham afinidades e posturas contextualizados em tempo e
espaço, uma vez que, em cada situação podem ser estabelecidos papéis diferenciados,
conforme proposto por Simmel (2006). Esta adaptação de práticas está relacionada com a
citada liquidez do mundo pós-moderno, uma vez que “como tudo o mais, as identidades
humanas – suas autoimagens – se dividiram em coleções de instantâneos, cada uma tendo que
evocar, carregar e expressar seu próprio significado, muitas vezes sem se referir a outros
instantâneos” (BAUMAN, 2008, p.115). Desta maneira, uma das categorias principais deste
estudo consiste na análise das práticas de performance nas redes sociais da internet e as
formas que estas possuem de se constituírem, bem como serem reflexos, da construção das
identidades dos sujeitos, conforme será analisado no próximo tópico.
3.3 Performance e identidade
Se o sujeito possui maneiras diversas de se relacionar com o Outro, a partir de
intencionalidades e contextos distintos, entre as principais características de comunicação da
internet como formas de estabelecer laços com o social, destacam-se o textual e o imagético.
As práticas de performance podem ser percebidas pelos gestos, posições corporais, cenários
etc., os quais podem estar presentes e serem visualizados através das fotos, por exemplo, que
os sujeitos disponibilizam nas redes sociais. Serra destaca que, é justamente na performance, e
na possibilidade do anonimato que as redes sociais podem conferir, que surge a grande
questão do “dizer-se o que se é e ser-se o que se diz, e dizer-se o que se não é e ser-se o que se
não diz” (2006, p.15). A observação faz referência aos questionamentos do senso comum de
que nem sempre os sujeitos expressam aquilo que realmente o são ou pensam nas redes
sociais.
Muitas vezes o conflito se estabelece na tentativa de verificar se há simulação ou
autenticidade no que é vivido no ambiente da internet. Serra (2006) chama a atenção para
59
Disponível em <http://www.compos.org.br/e-compos>. Acesso em 26 de Jun. 2011.
143
duas possibilidades de posturas identitárias na internet, quando de seus impactos no social e
no próprio sujeito: a primeira possibilidade diz respeito àqueles que não encontram na
simulação um caminho seguro para as trocas e para o convívio social de forma a garantir
interação social. Sobre o grupo dos temerários às representações sociais na internet Serra
destaca:
na medida em que põe em causa a credibilidade sem a qual não pode haver
verdadeira interacção pessoal; uma posição que Slater exprime através da
seguinte interrogação: “em que base se poderá acreditar que alguém on-line é
quem pretende ser; e podem as relações que são atormentadas por este grau de
dúvida (ou de simulação) ser tratadas como relações sérias e ‘reais’? (2006,
p.16).
Lia e Carla, argumentaram que, apesar de fazerem uso das redes sociais da internet
não confiam que as práticas presentes na vida on-line se assemelham ou podem substituir
certas práticas da vida off-line. Lia, por exemplo, declarou que, apesar das redes a manterem
informada sobre o que acontece na vida de seus amigos, não acredita que uma amizade possa
ser mantida apenas com as trocas da internet. Carla acompanha esta opinião quando declara
que certas coisas “mais sérias”, como um relacionamento amoroso, não podem existir apenas
na internet, pois é muito fácil falsear e enganar a outra pessoa, especialmente pelos maus
entendidos gerados por uma comunicação intermediada por computador, na qual gestos e
olhares acabam sendo suplantados por letras e desenhos que tentam imitar expressões
humanas como sorrir, chorar e gritar. Carla afirmou:
uma coisa é estar falando com a pessoa frente a frente: tu falas algo e a reação
da pessoa é uma. Na internet tu não vês a reação da pessoa, acaba sendo um
comportamento diferente. Acho que na internet tenho menos tato para falar
com as pessoas, eu acabo falando o que eu quero falar.
Quando indaguei se havia algo de diferente nas pessoas que frequentam a rede naquilo
que elas apresentam no plano off-line e no plano on-line, Carla declarou:
ah, isso acontece com muita gente. Eu mesma sou muito superficial e muitas
pessoas acabam sendo pelo mesmo motivo que eu: para se manterem
preservadas, qualquer coisinha que você mencione, se a pessoa interpretar de
outro jeito, pode ter uma repercussão muito aquém ou além do que tu
esperava. A rede acaba te protegendo para ser uma outra pessoa.
A segunda possibilidade da qual trata Serra (2006) diz respeito a um comportamento
oposto ao planteado na situação primeira. Classificados como os “ciber-libertários”, tratam-se
de pessoas para quem a proposta da simulação de comportamentos sociais na internet é o
144
canal de permissão para experimentar identidades distas àquelas vividas no mundo off-line.
Associam-se ideias de liberdade, expressão e aprofundamento de vivências culturais sem o
congelamento de situações únicas, inclusive passíveis da experimentação de existência em
outros corpos, com outras raças, outros sexos e outros gêneros que não aqueles vividos no
cotidiano off-line.
Assim, para os ‘ciber-libertários’, enquanto que o off-line seria o espaço e o
tempo em que cada um de nós estaria amarrado ao que ‘é’, com tudo o que tal
implica em termos de preconceitos, hierarquias e repressões, o on-line seria o
espaço e o tempo (virtuais) em que cada um poderia – e deveria – ser tudo o
que não é off-line mas que, secretamente, desejaria ser: homossexual (se
heterossexual), mulher (se homem), violento (se pacífico), e assim
sucessivamente. Neste sentido, o on-line seria não propriamente um espaço e
um tempo de ‘simulação’ mas até de maior autenticidade. (SERRA, 2006,
p.16)
A experiência acima retratada por Serra foi percebida nas entrevistas de Rodrigo, que,
conforme exposto anteriormente, simulou a vivência de outras sexualidades em redes da
internet. Além disto, Edgar declarou que boa parte das dúvidas que tinha sobre ser
homossexual foram, para ele, esclarecidas no que lia e nas comunidades das quais participava
na internet, ainda que sua família não soubesse disso. Pude perceber, ao longo das entrevistas
que as situações descritas apenas foram possíveis pois dois interlocutores, neste caso, são
sujeitos que possuem redes da internet altamente sociabilizadas e com grande fluxo de acesso,
publicação de fotos, de informação e de contatos em suas redes. Conforme relembra Rodrigo:
Facebook pra mim é praticidade, em especial para o trabalho de professor,
tipo acessar conteúdo para uma aula, fóruns de discussões, dicas para debate.
Nas minhas relações a praticidade é para entrar em contato com as pessoas. Eu
sou uma pessoa com muita facilidade para se relacionar, alguns alunos acabam
virando bons amigos a partir do contato nessas redes da internet. Tenho duas
classes de pessoas nessas redes sociais: uma é família e a segunda categoria
são os alunos e amigos. O Facebook me ajuda a saber mais coisas sobre o que
acontece com a família, para mostrar que a família está presente.
Apesar das ideias planteadas por Serra (2006) contribuírem ao aprofundamento das
questões sobre identidade, uma vez que reconhece que nem todos se comportam da mesma
forma quando acessam a rede mundial, o que penso ser mais adequado é ressalvar alguns
pressupostos acima, uma vez que não generalizo o fato de todos os sujeitos terem sempre os
mesmos comportamentos e pertencerem estritamente a um grupo ou ao outro. Ao contrário, a
proposta que faço é a de plantear não a dualidade de opostos extremos, mas percebê-los como
esferas complementares e transitórias, uma vez que, a partir de determinado contexto
145
acionado, o sujeito poderia fazer mais uso de quem é, quanto de quem almeja ser, levando-se
em consideração que quase sempre nos projetamos sobre algo que está mais ou menos
passível de realização imediata.
Isto posto, o critério de “realização” pode acontecer ainda no plano das ideias, o que
pode satisfazer o sujeito e ser capaz, igualmente, de interferir em quem este é e nas múltiplas
identidades que formam a sua totalidade, enquanto indivíduo único no coletivo, se bem capaz
de se assemelhar, em alguns pontos, com alguns coletivos. Desta forma, considero oportuno
trazer para o embasamento destas ideias o argumento defendido por Turkle (1997), quem
percebe o cenário não como grupos classificatórios de identidades digitais e identidades
concretas, e sim como fronteiras permeáveis60 e em contato contínuo na configuração do que
somos e de como expressamos nossa(s) identidade(s) e alerta:
a noção de que ‘somos aquilo que fingimos ser’ tem uma ressonância mítica.
A história de Pigmalião61 perdura porque traduz uma fantasia poderosa: a de
que não estamos limitados pela nossa história pessoal, e podemos recriar-nos a
nós mesmos. No mundo real, vibramos com as histórias de pessoas que
transformam a si próprias radicalmente. (TURKLE, 1997, p.284)
Seguindo esta lógica, consequentemente,
ao criar diversas identidades fictícias, ele pode, duma forma mais controlada,
realizar experiências com diversos conjuntos de características e ver onde é
que estas conduzem. Ele tem ainda a possibilidade de ver onde é que estas
conduzem. Ele tem ainda a possibilidade de fazer-se passar por mulher, algo
que lhe seria muito mais difícil na vida real. Cada uma das suas múltiplas
identidades virtuais possuía sua própria independência e integridade (...).
Desta forma, estabelece-se uma relação entre as diferentes personagens por ele
interpretadas; cada uma delas é uma faceta de si próprio. (TURKLE, 1997,
p.281)
Turkle utiliza o termo “permeabilidade da fronteira entre o real e o virtual” (1997, p. 367) e, em
seguida, pontua que, “a um nível mais geral, são cada vez mais vulgares as janelas de conversa,
através das quais diversos colaboradores ‘falam’ enquanto revêm documentos comuns, tomam notas
em ‘quadros brancos’ comuns e manipulam dados comuns” (1997, p. 367), em exemplificação de
como as duas esferas, a digital e a concreta, estão interligadas e operam não de maneira isolada no
tempo, mas sim, inclusive, concomitantemente.
61
A lenda de Pigmalião e Galatéia é oriunda da ilha de Chipre. No mito, Pigmalião é um escultor local
que, escandalizado pelo comportamento indecente das mulheres de Chipre decide isolar-se e imergirse em seu trabalho. É então que esculpe a imagem de uma mulher em marfim, para fazer-lhe
companhia. A escultura mostrou-se tão bonita e atraente que Pigmalião acabou por se apaixonar por
esta, dando-lhe beijos, roupas e joias. A situação acabou por atormentar-lhe a tal ponto que, em uma
celebração em honra à Afrodite, Pigmalião suplicou que a Deusa lhe permitisse encontrar uma mulher
semelhante à escultura que tinha feito. Afrodite, em resposta ao pedido decide transformar a estátua de
marfim em mulher real e, com ela, Pigmalião tem dois filhos: um filho homem, Pafos, e uma filha
mulher, Metarme.
60
146
É importante destacar que, apesar de Turkle (1997) utilizar a palavra “personagem”, a
autora não deixa cair no uso de algo não real e meramente imaginado, mas sim como algo que
se complementa e compõe a identidade principal. Esclarecido este ponto, a visão da autora se
enquadra mais na proposta a qual identifico este estudo e da compreensão das análises de
campo. Reconheço que estas proposições, ainda que mais oportunas à visão da presente
pesquisa, podem ser alvo de crítica ou ressalva, parcial ou total, uma vez que o trabalho de
campo é uma situação contextualizada e específica e aberta a diferenciações em relação à
teoria. Isto posto, o ponto teórico básico proposto é o da internet enquanto facilitadora de
experiências e construções que complementariam o sujeito, mais do que autenticá-lo ou
destacá-lo como uma fraude do subjetivo, afinal de contas os jogos identitários passam por
inúmeras desconstruções no processo fluido de sua construção. Esta é a razão pela qual, ao
entrar na internet, o sujeito pode ser muitos ao mesmo tempo em que continua sendo único,
característica marcante da sociedade da informação e da pós-modernidade, conforme Hall
(2003a, 2003b) sublinha em suas análises do comportamento e da identidade plural, fluída e
múltipla que culmina, pelo menos até o presente momento, com a pós-modernidade.
Desta forma, o que podem parecer comportamentos contraditórios, muitas vezes
tratam-se de atitudes complementares ao sujeito, uma vez que a virtualidade, apesar de
possuir símbolos com aspectos culturais e de interação próprios, ainda trazem consigo
aspectos que nos são familiares, o que é fundamental para que não haja um total
estranhamento entre a esfera concreta e a digital de mundo, desta forma, segundo Turkle:
no ciberespaço, centenas de milhares, talvez já milhões de utilizadores criam
personalidades on-line, personalidades essas que vivem num grupo
diversificado de comunidades virtuais onde a formação rotineira de
identidades múltiplas abala qualquer noção dum eu real e unitário. E, contudo,
a noção de realidade contra-ataca. Os indivíduos que vivem vidas paralelas no
ecrã não deixam por isso de estar limitados pelos desejos, pela dor e pela
mortalidade da sua pessoa física. As comunidades virtuais proporcionam um
novo e dramático contexto para pensar acerca da identidade humana na era da
internet. São espaços para descobrir o significado experiencial duma cultura
da simulação. (1997, p. 400)
Acrescento ainda, acerca das afirmações dos interlocutores ao se autoreconhecerem
coerentes em suas ações on-line e off-line, a partir da proposta de Foucault (1979, 1984) sobre
a noção de poder exercida pelas formas de controle e de vigilância de uns para com os outros,
bem como a de si próprio, uma vez que em várias situações olhamos para nós como se
fossemos os outros que nos observam e julgam. Lúcio declarou até reconhecer alguns traços
147
diferentes, mas não reconhece nisto uma mudança em sua identidade: “Acho que acabo
falando mais do que eu penso no computador do que na vida real. Acaba fluindo com mais
natureza, não sei como explicar, até porque muitos dos assuntos que eu falo na internet, que
eu já li sobre, eu converso mais com o pessoal da internet, não da vida real”. A declaração do
entrevistado leva-me a reconhecer como a identidade pode ser fluida mediante o ambiente,
neste sentido o território praticado, das redes relacionadas, levando a uma ou outra
oportunidade de exercício de performances específicas.
Daí porque nem todas as pessoas declaram serem tão diferentes, nas simulações do
digital, do que realmente o são no plano da vida concreta, o que não quer dizer que, nas
interações da vida on-line, bem como acontecem nas da off-line, determinados aspectos sejam
ressaltados em detrimento de outros. Talvez resida na possibilidade da esquematização das
situações, vistas de maneira mais didática do que no imediatismo sem registros tecnológicos,
para além da memória, que se possa melhor vislumbrar os plurais desdobramentos que o Eu
pode assumir e que acontecem na vida concreta e na digital.
Quando fazemos com que a nossa identidade do MUD62 ‘exprima’ algo e
observamos o respectivo efeito, será que adquirimos uma melhor compreensão
das nossas verdadeiras emoções, que não podem ser activadas e desactivadas
tão facilmente, e que, por vezes, não conseguimos se quer descrever? Ou será
que o comando ‘exprimir’ e tudo o que ele simboliza não são mais do que
reflexos daquilo a que Fredric Jameson63 chamou o esvaziamento do afecto na
vida pós-moderna? (TURKLE, 1997, p.380)
Os questionamentos acima permitem uma reflexão que considero complementar e de
valia às análises realizadas: será que o que exprimimos na internet e em suas redes sociais
possuem relação com um aprofundamento e uma busca pelo autoconhecimento ou se o que
fazemos é superficializar e esvaziar nossos mundos em ações mecânicas e artificiais, por meio
da tecnologia? A resposta para tal questionamento talvez não exista de maneira permanente e
sim como uma resposta transitória e contextualizada. No capítulo seguinte serão realizadas
reflexões acerca da interação e influência construída entre sujeitos e objetos, tendo como base
o enfoque da cultura material.
Do termo em inglês “Multi User Domain”, que caracteriza domínios que podem ser utilizados
publicamente e por diversos usuários, como é o caso das redes sociais da internet.
63
Crítico americano literário e política que trabalha em suas obras, a preocupação com a modernidade,
pós-modernidade e as questões que estas trazem e suas consequências.
62
148
4. CULTURA MATERIAL DAS REDES SOCIAIS DA INTERNET
“Vivo a minha vida em círculos cada vez maiores
que se estendem sobre as coisas.”
(Rainer Maria Rilke)
Este capítulo tem como um de seus principais objetivos, analisar a questão do fluxo de
informações que circula nas redes sociais da internet, percebendo-as não apenas enquanto
plataformas, mas enquanto tecnologias de encantamento, as quais motivam atitudes tanto de
autonomia quanto de envolvimento com os sujeitos. Destarte, considero necessário realizar
um questionamento inicial acerca dos impactos trazidos a partir desta interação. Sobre isto,
destaco a pesquisa realizada por Miller (2000), acerca da utilização das páginas da internet
entre adolescentes de Trinidad e Tobago. Segundo este autor, o objetivo principal do uso
desta ferramenta era o de criar um circuito social no qual sua fama cresça à medida que cresce
a fama de seu site entre seus afins. Consequentemente, mais do que o apelo estético, Miller
destacou o interesse no crescimento dos comentários dos visitantes às páginas, o que pode ser
interpretado como o fortalecimento dos laços de sociabilidade.
De acordo com o que Miller (2000) destacou em sua pesquisa, os sites incrementaram
os circuitos de interação, nos quais uma página, através de um link, servia de apoio a outros.
Miller ainda classificou a experiência de acessar a internet e suas páginas como uma
armadilha, uma vez que visitados tantos links o sujeito muitas vezes pode se questionar qual
era o ponto de partida quando sua ação teve início, podendo-o levar a caminhos que fogem
àqueles planejados e previstos inicialmente. Isto posto, destaco que ao longo da pesquisa de
campo que realizei, muitos interlocutores declararam ser a abundância de informação
disponível na rede um dos quesitos responsáveis por levar ao que alguns classificavam como
um sentimento de desespero, uma vez que reconheciam a tentativa, nunca conclusa, de se
querer acompanhar, amplamente, o que é publicado. Este sentimento envolve as próprias
publicações que os entrevistados disponibilizam e que alguns se entristeciam de,
possivelmente, não estarem sendo lidos. Ainda assim, os entrevistados não sublimaram, em
suas falas, ações e percepções conectivas entre os ambientes on-line e off-line, conforme
argumenta Carla:
logo que comecei no Twitter, como eu sou psicóloga, sei que em muitos
lugares, quando eles fazem recrutamento, eles acessam a página digital,
o perfil das pessoas para ver como elas se comportam nas redes sociais,
então quis traçar um perfil mais profissional. Mas depois desisti porque
149
pensei: ‘ah, ninguém tá lendo isso, ninguém quer ler isso essa que é a
verdade e eu não vou ficar procurando coisa em livro pra ninguém ler,
comentar’.
Carla se mostrava cautelosa na publicação de informações mais íntimas, sobretudo
pela exposição que faria a qual, não necessariamente, teria uma ação por parte do Outro
equivalente às expectativas da interlocutora. Desta forma, as redes sociais da internet, apesar
de serem percebidas como espaço de expressão e de relacionamento, também representavam
os anseios ou temores dos sujeitos, uma vez que os sujeitos não abandonavam, ainda que
ocorresse parcialmente, as impressões e as vivências off-line. Assim, se há o sentimento de
compartilhar algo que se está vivendo de maneira considerada de destaque por parte do
sujeito, há quase sempre a intenção de que aquele ato desperte no outro atenção ou interesse
semelhantes. Como isto nem sempre acontece, alguns conteúdos deixam de ser publicados
pelo receio de que o Outro não tenha a mesma sensibilidade ou motivação para tratar da
temática que àquele que a publicou. Pude perceber esta situação em falas como a de Carla,
que opta por publicar assuntos de menor importância subjetiva com o intuito de evitar o
número dos momentos de expectativa de correspondência do Outro:
às vezes publico música, porque quando eu ‘tô com uma música na
cabeça eu passo o tempo todo com essa música. Publico mais coisas da
rotina. Não gosto de publicar sentimento, acho que não é todo mundo
que eu quero que saiba, só se estiver em algum momento que realmente
esteja necessitada de falar, de por pra fora, mas normalmente não. Eu
sei que uma vantagem que eu tenho nas redes é que dá pra ter mais
acesso às notícias que vem publicadas pela internet. Não sei se tem
muita desvantagem, acho que é mais quando as pessoas esperam, mais
no sentido do Outro, que façam ou falem alguma coisa e eu, por
exemplo, não dou esse retorno. Mas eu sei que às vezes eu espero
também e daí é quando eu penso: ‘se eu, que sou a pessoa mais
desleixada com isso espero uma reação, um comentário, então imagina
as pessoas que acessam sempre: vão esperar com certeza’. Por mais que
a pessoa diga que está nem aí, ela sempre acaba esperando.
Sobre a disponibilidade das informações, alguns entrevistados afirmaram sentirem-se
frustrados com a rapidez com a qual as coisas aconteciam e eram divulgadas nas redes sociais
da internet, e as quais dificilmente os interlocutores conseguiam acompanhar, dado o
excessivo número de publicações. Este fator acabava por gerar, conforme relataram, aumento
da ansiedade e do inconformismo perante as coisas mais triviais de sua rotina com o que liam,
150
viam, escreviam e sentiam, apesar da importância que reconheciam nas redes sociais da
internet como fonte de informação e de interação. Segundo Marcelo:
considero a internet e essas redes sociais como diversão, porque além
de ser onde eu pego a maior parte da minha informação, também me
divirto no próprio processo de aprendizado, que é legal. A vida sem
internet ia ser bem monótona porque dinamiza as relações sociais entre
as pessoas, também a forma de como a pessoa obtém informação. O
maior tempo que passei sem acessar internet foi um mês durante meu
intercâmbio, nos Estados Unidos, minha caixa de e-mail e minha rede
social estavam lotadas, passei acho que uns dois meses para ler tudo.
Reflexionando sobre a fala de Carla e de Marcelo, as quais ilustram sentimentos
compartilhados por outros interlocutores ao longo da pesquisa de campo que realizei,
questiono-me que tipos de interações e de relacionamentos seriam estes, uma vez que da
mesma forma que as falas destacadas salientam a importância que as redes sociais da internet
possuem no processo de obtenção e construção da informação e do conhecimento, os sujeitos
igualmente reconhecem a falta de interesse que determinados assuntos, especialmente os de
caráter essencialmente subjetivos, despertam nos demais. Embora Carla argumente que
prefere publicar acontecimentos triviais de sua rotina, ainda assim não deixa de gerar
expectativa para que o Outro reaja com interesse acerca de outros tipos de publicações. Logo,
da mesma forma que, quando off-line não se encontra o interlocutor esperado por determinada
sociabilidade, o sujeito escolhe suprimir determinada ação ou conteúdo, semelhante acontece
on-line quando, evitam-se determinadas temáticas. As próprias transformações tecnológicas e
características interacionais das redes sociais da internet, fazem com que os sujeitos possam
ter mais de uma, migrem, deem mais atenção ou simplesmente abandonem determinadas
redes sociais da internet por outras. Esta situação é igualmente destacada como a frustração
que alguns entrevistados sentiam ao se dedicarem àqueles objetos interacionais. Retornando à
entrevista com Carla, a interlocutora argumenta:
quando eu fiz o perfil no Facebook acho que ‘tava cansada de ajeitar
tudo, colocar foto, publicar coisas, informações e daí chega na hora
todo mundo sai da página porque apareceu uma mais legal ou mais
nova, pensei: ‘eu não vou ajeitar essa página! Daqui a pouco vão criar
uma outra cosia e eu perdi meu tempo ajeitando isso aqui’.
A velocidade da mudança, da qual trata Carla, é sentida de maneira abrupta quando se
está na internet e se decide parar e reparar com certo distanciamento. Foi desta maneira que
151
alguns interlocutores afirmaram terem percebido como estavam imersos nas redes sociais e
não conseguiam lidar tão facilmente com o excesso de informação e a velocidade com a qual
as coisas eram possíveis de acontecer. Este torvelinho que ora foi o ponto positivo destacado
pelos interlocutores, também se mostrava como o principal fator da complexa interação com
as redes sociais da internet e os sujeitos que ali podiam ser encontrados. Somam-se a esta
ideia os estudos na área da comunicação de Parente (1999), o qual ressalta que o digital é
percebido a partir de três concepções: a primeira é a concepção de uma tecnologia do virtual
que concebe as imagens digitais como formas de romper com os modelos de representação; a
segunda é de tecnologia virtual como causa das transformações culturais e a terceira como
uma função da imagem criadora, capaz de promover as mais diversas relações entre sujeito e
mundo.
Não quero com isto dizer que as diferenças não existam, ou que a possibilidade de
acessar conteúdos seja feita obedecendo os mesmos filtros e as mesmas motivações por todos.
Muitos conteúdos se quer são acessados, e a própria forma como as pessoas lidam com a
tecnologia deve ser considerada como um fator de distinção entre grupos líquidos. Acerca
disto, recordo o que Wolton (1999) ratifica ao destacar que, apesar de todo o acesso à
comunicação em tempos tecnológicos, podemos acabar por nos comunicar menos,
acarretando, em alguns casos, a falsa ideia de achar que o mundo virou uma grande aldeia
global, na qual todos agem, consomem e pensam da mesma forma.
Sendo assim, as práticas sociais e as construções das identidades, tanto nos aspectos
on-line quanto off-line terão sinuosidades e características peculiares a cada exemplo
analisado, daí porque ao pensarmos na popularização e ampliação da acessibilidade das
técnicas e dos conteúdos, não podemos deduzir que todos fazem uso destas, muito menos que
todos as consomem igualmente e com os mesmos propósitos, em se tratando de sujeitos em
sociedade, o contexto é fundamental para iniciar qualquer interpretação, ainda que esta seja
sempre uma ficção:
a mundialização das técnicas existe, mas não conduz à aldeia global,
porque nunca há mundialização dos conteúdos da comunicação! A
globalização pertence ao vocabulário económico para designar uma
realidade da economia, tornada mundial pelo alargamento dos
mercados, pela produção e a normalização dos produtos à escala
mundial, pela inter-relação dos serviços e pelo livre intercâmbio
generalizado.
O risco? Apresentar a globalização e a mundialização como a
instrumentalização da referência ao universal. Foi, aliás, em nome de
um certo universalismo, ligado à idéia de pacifismo, que se
152
desenvolveram no passado os correios, primeiro, e depois o telégrafo e
o telefone, primeiras revoluções mundiais da comunicação (...). Hoje, a
situação é diferente. Não só o mundo está conquistado como,
principalmente, as duas guerras mundiais e a guerra fria mostraram os
limites de uma tal filosofia universalista da História (WOLTON, 1999,
p.38).
Neste sentido, concordo com a proposição de Wolton, uma vez que não somos tão
homogêneos quanto o prefixo de globalização assim infere, nem fazemos parte de um
fenômeno que passará pelas mesmas etapas. Em se tratando de sujeitos, as peculiaridades e as
vontades próprias existem implicadas mais ou menos com as trajetórias pessoais e os
contextos, porém o que proponho é que, no processo da experiência, tanto on-line quanto offline, bem como na relação que se estabelece entre as duas, o sujeito pode conhecer novos
indivíduos, interagir com diversos assuntos e, inclusive, construir a identidade que tem de si e
do mundo. Conforme argumenta a pesquisadora em comunicação, Catarina Moura (2002):
a liberdade individual passa a estar ligada, entre outros, à possibilidade
de produção e novas figuras a partir de si, possibilidade essa oferecida
pela técnica como novo registro do que Fernando Pessoa chamou
‘mecanismo de outrar’, isto é, de multiplicar (e, no mesmo gesto,
dividir) o eu. (...) Na condição fragmentária e acidentada do self
enquanto corpo incessantemente possuído e despossuído, conectado e
desconectado, pelos dispositivos da sociedade, adivinha-se a
desintegração da figura, a mîse-em-abyme de um sujeito em vertigem,
fragmentado até ao infinito nesse espaço que lhe permite ser quantos de
si desejar sob o anonimato de máscaras textuais e imagéticas (MOURA,
2002, p.03)
A liberdade oferecida pela internet e por suas redes é o que dá a sensação ao sujeito de
que este pode realizar diferentes experiências e assumir posturas diversas, ao que acima é
caracterizado como máscaras, mas não se deseja aqui dar o tom falseador que o termo pode
aportar. Desta forma, por [máscaras] este trabalho gostaria de adotar a interpretação de não
apenas como algo que oculta, mas também revela, tendo por detrás um sujeito que não
desaparece e que, performaticamente, adota posturas, expressões, palavras e pensamentos que
podem auxiliar no descobrimento de si, do que está por detrás do que é visto como uma
defesa, assim o escudo também é uma forma de se expor a questões mais subjetivas. A esta
liberdade de se poder voltar atrás recriar, acrescentar ou retirar, a imaterialidade do
ciberespaço é característica de extrema distinção, uma vez que pode ser vista como uma fonte
de impulso e de agregação de novas maneiras para o exercício da liberdade, uma vez que o
153
sujeito será capaz de transcender às suas características físicas e estará mais acessível às
possibilidades, questão esta já recorrente na filosofia do início do século XX, conforme
destaca Moura:
o corpo é muitas vezes visto como um empecilho para a realização dos
desafios que o futuro apresenta à humanidade, crença que desemboca
inevitavelmente numa teoria da desencarnação. A ideia da
desincorporação como inevitabilidade não é nova. Já no início do
século XX o físico anglo-irlandês John Desmond Bernal, no seu livro
“The World, the Flesh and the Devil, Three Enemies of the Rational
Soul”64 (1926), defendia que, sendo o conhecimento a finalidade da
existência humana, o sujeito deveria renunciar consciente e
deliberadamente ao corpo, transcendendo a sua condição biológica para
perseguir a vocação cognitiva da espécie sob outras formas ontológicas.
(2002, p.06)
Sobre isto, Moura ressalta que, apesar do forte caráter comunicativo dos sujeitos, a
relação que se estabelece com os demais e com os objetos envolvidos, influenciam nas
representações desempenhadas tanto de forma digital quanto off-line.
A vocação comunicacional uniformemente reconhecida como essência
do ser humano é também uma vocação do corpo – de um corpo de cuja
relação ao mundo emerge o sentido desse mesmo mundo. Eu sou este
corpo físico, esta estrutura, este volume espesso e opaco. Mas eu sou
também esse corpo sublimado que a tecno-logia transformou em
imagem sem carne. E é como habitante deste mundo actual que me
exibe como subjectividade a um tempo encarnada e desencarnada que
devo procurar definir-me. (MOURA, 2002, p.07-08)
Mediante as análises realizadas por Moura (2002), percebo a complementariedade que
opera entre on-line e off-line, a qual, nas redes sociais da internet, se veem refletidas nos
conteúdos divulgados, bem como nos critérios utilizados na seleção do que não se publica, e
nas formas de operação adotadas pelos sujeitos no que tange aos significados de suas ações
sociais, embasados na teia culturalmente construída (GEERTZ, 1973). Por conseguinte, a
complementariedade entre os espaços on-line e off-line implicam na constituição do sujeito,
consequentemente de sua identidade, a partir das relações e das percepções construídas de si,
do Outro e do mundo ao redor.
64
Em português, o título da obra é conhecido como “O mundo, a carne & o diabo: Um inquérito no
futuro dos três inimigos da alma racional”.
154
4.1 Interação e redes sociais da internet
A tecnologia está inserida de tal forma em nossas vidas que muitas vezes parece que
nunca vivemos sem televisores, aparelhos de telefonia, sobretudo a móvel, e, mais
destacadamente computadores e os serviços e produtos advindos da utilização da Internet. Os
simples atos de escrever e mandar cartas foram, em grande parte, substituídos pela digitação
em programas como o Microsoft Word e o envio do correio eletrônico, os chamados e-mails.
Além de uma série de ferramentas capazes de facilitar o ato de escrever, apagar, mudar ideias
de lugar, além de enviar e receber correspondências, dentre outras atividades, tiveram seus
tempos de execuções significativamente relativizados a partir da utilização do computador,
além disto, a possibilidade de acessar diversas informações, quase que simultaneamente, a
partir da abertura e do gerenciamento das janelas de acesso deste aparelho tecnológico, fez
com que acabássemos por nos acostumar com a nova forma de executar rotineiras operações
mecânicas.
Assim, enquanto usuários, estamos a todo instante executando nossas tarefas, mas
também sendo acionados por outras informações, as quais entramos em contato a partir do
momento que interagimos com as tecnologias, no caso desta pesquisa, aquelas vinculadas
com a internet. Soma-se a isto a possibilidade de que algumas ações aconteçam em um espaço
de tempo muito diferente do tradicional, o que acabou por nos acostumar com uma certa
velocidade e emergência, inclusive acarretando em o que muitos argumentam ser uma
superficialidade, da própria comunicação. É o caso de textos que são automaticamente
corrigidos em sua ortografia à medida que são digitados, mensagens por celulares que
possuem seu recebimento acusado no exato instante em que esta ação ocorre, e-mails que
atravessam oceanos na velocidade do apertar de um botão. Além destas, Turkle (1997)
enumera ainda algumas hipóteses de situações nas quais as pessoas acabam por se sentirem
atraídas pela tecnologia, especialmente o uso de computadores e a interação, através das redes
sociais, que estas propiciam:
algumas sentem-se encantadas por mundos virtuais que parecem livres
da desordem e sujidade do real. Outras são cativadas pela sensação de
mentes humanas potenciando-se umas às outras, ou fundindo-se com a
mente do computador. Se uma pessoa receia a intimidade, mas receia
também a solidão, até mesmo um computador isolado (não ligado a
uma rede) oferece uma solução aparente. Interactivo e reactivo, o
computador proporciona a ilusão da companhia sem as exigências da
155
amizade. Uma pessoa pode ser solitária sem nunca estar sozinha
(TURKLE, 1997, p.43).
Turkle (1997) defende que o computador nos permite autobservar de formas
específicas ou diferenciais, em um exercício que tanto pode ser de contemplação quanto de
autodescobrimento. Centro neste ponto a questão pela qual o plural das performances e
práticas encontradas nas redes sociais da internet são mostras da própria diversidade humana,
de seus comportamentos e de formas de pensar o mundo e a si mesmo. Inicialmente pensados
para serem grandes máquinas com propósitos essencialmente matemáticos, atualmente, a
sedução da tecnologia dos computadores ultrapassou os campos da programação e hoje se
encontra enraizada na questão do relacionamento com a interface deste objeto tecnológico.
Mais uma vez ressalto que o relacionamento estabelecido entre sujeitos e as redes sociais da
internet, foi percebido, através do trabalho de campo realizado, como gerador de situações
diversas, como propósitos, intenções e finalidades, haja vista que diferentes sujeitos não
partilham da mesma forma, muito menos nas mesmas proporções, suas essências, histórias e
anseios, o que se tornam marcos diferenciadores da forma como cada um perceberá a
interação, seus impactos e influências com lentes próprias.
Marta, por exemplo, reconheceu que, ainda que seja uma pessoa tímida, foi nas redes
sociais da internet que conseguiu trabalhar mais esta característica de sua identidade,
tornando-se uma pessoa mais aberta a conversas e relacionamentos. Não que a entrevistada
tenha mudado completamente a forma como era antes das redes sociais, mas reconhece que o
on-line permitiu que alguns comportamentos off-line sofressem transformação:
Acho que fiquei mais aberta, comecei a conhecer outras coisas que não
só daqui de Belém, outras coisas do mundo. Para mim expandiu mais a
minha visão e isso com certeza influenciou nas minhas opiniões. A
gente vai mudando as opiniões, com várias notícias e pessoas que me
relaciono, eu já paro, reflito e penso: ‘poxa, não é bem assim’. Mas eu
ainda sou tímida tanto na internet quanto fora dela, por isso digo que
mudei algumas coisas [com as redes sociais da internet], mas ainda sou
muito a mesma pessoa.
Constatei, entre os entrevistados, que o que acontecia off-line de certa forma
interferiam nas posturas on-line. Sobre isto traço o paralelo de dois interlocutores: Marcelo e
Lúcio: quando indaguei, em entrevistas separadas, se percebiam alguma diferença das pessoas
como eram nas redes sociais da internet e off-line, apesar de possuírem algumas afinidades e
serem colegas de colégio, tiveram opiniões divergentes sobre a indagação. Como exemplo,
156
destaco um traço de suas identidades que ambos reconheceram como característica marcante
de seus comportamentos: a escolha por serem ateus. Lúcio, conforme tratado em capítulos
anteriores, vinha de uma família católica e argumentou que como não possuía abertura de
diálogo com seus familiares e parentes mais próximos, reservou apenas às redes sociais da
internet e aos sujeitos que aí interagia, a conversa sobre o assunto. No sentido de que, o
participar de fóruns de discussão, estava entre outros que compartilhavam suas opiniões e por
isso o motivavam a expressar esse aspecto de sua identidade. Marcelo, entretanto, diz assumir
para sua família que é ateu e também se informa sobre o assunto nas redes sociais da internet,
a diferença para Lúcio é a de que, na família de Marcelo, outras pessoas compartilham esta
escolha, conforme analisado em capítulo anterior.
Retomo estas análises, para fundamentar a próxima observação, a qual diz respeito
sobre a forma como os interlocutores reconheciam o comportamento do Outro na internet.
Assim, percebi que algumas opiniões, como no caso de Lúcio e Marcelo, foram
possivelmente conduzidas a partir das suas trajetórias de vida pessoal, as quais os faziam
reconhecer comportamentos do Outro a partir de um autoreconhecimento das práticas sociais
que realizavam. Assim, ao questionar se os entrevistados percebiam algo de diferente na
pessoa que eram tanto on-line quanto off-line, ambos declararam serem os mesmos, o que
demonstra que, por mais plural e diverso que seja determinado comportamento, este apresenta
complementariedade com as intenções do sujeito. Entretanto, ao afastá-los da situação e
indagar se percebiam alguma mudança no comportamento dos demais as respostas foram
distintas, talvez em uma mostra de que algo do plural que vivenciam pudesse ser mais
facilmente percebido quando se interpretava a prática do Outro. Assim, Marcelo, que se
reconheceu ateu tanto off-line quanto on-line, talvez compartilhe a opinião de que os sujeitos
são os mesmos, dado que ele explora, de certa maneira, da mesma forma, este traço de sua
identidade. Marcelo que, em outro momento da entrevista, auto reconheceu-se mais tímido
off-line que on-line, pareceu-me inserir-se, ainda que sem querer, no próprio argumento que
desenvolveu para expressar sua opinião, em uma possível mostra de que alguns traços são
mais facilmente percebidos no Outro do que em si:
Não, não percebo diferença de quem as pessoas são [tanto on-line
quanto off-line]. As pessoas não são exatamente iguais, mas no que
forem diferentes não é uma diferença tão grande que dê para perceber.
Uma pessoa mais tímida, mas que fala muita coisa no Facebook é
normal, porque as pessoas tímidas, geralmente, quando não estão sendo
observadas tendem a ficar mais soltas, mais descontraídas e mais
confortáveis para falar ou escrever.
157
Em contrapartida, Lúcio, que não conversa sobre ser ateu com sua família, apenas nas
redes sociais da internet das quais faz parte, quando questionei sobre a mesma pergunta
realizada a Marcelo, afirma:
Não acho que as pessoas que eu encontro na internet são muito sinceras.
Não sei se posso dizer assim, é claro que a gente acaba cruzando com
pessoas que mudam na internet. Porque ela tenta ser o que ela não é na
vida real [off-line]: pode ser um garoto que já foi agredido verbalmente,
sofreu bullying e na internet ele tenta inverter o papel. Na sociedade
virtual [on-line], já encontrei pessoas que provavelmente aconteceu
isso, claro que não cheguei a ser amigo dessa pessoa, mas claro que já
encontrei pessoas que tentam ser algo a mais que não conseguiram ser
na vida real e tentam na virtual.
Os relatos trazidos acima são mostras de que, uma vez que os percursos gerados nas
redes são múltiplos, acabam sendo utilizados por sujeitos diversos em situações distintas,
através de estéticas da interação que, de acordo com as conclusões de Santaella (2008), em
análise acerca das linguagens líquidas das tecnologias de alto nível e interação, como o
computador, são capazes de estimular nossos registros e nossas percepções sensíveis,
“regenerando e tornando mais sutil nossa capacidade de apreensão das qualidades daquilo que
se faz presente aos sentidos” (SANTAELLA, 2008, p.35). Santaella alerta sobre a eterna
fluidez e mutação, não apenas dos sujeitos na construção de suas identidades, mas ainda de
seus objetos, os quais refletem as características destes tempos líquidos, englobando as redes
sociais e suas interfaces estéticas, assim, uma tecnologia que sempre se (re)inventa e que
permite o desenho plural de trajetórias e de práticas, o que reflete os diversos valores e
representações praticados pelos sujeitos na construção de suas identidades,
não obstante a imensa diversidade de possibilidades, questões e desafios
que as estéticas tecnológicas contemporâneas apresentam, uma
constante está indiscutivelmente sempre presente: o caráter processual
de inacabamento, em que o artefato não existe mais em uma versão
final, mas apenas em processos estéticos que abandonaram a
estabilidade dos sólidos, a delimitação no espaço e tempo, em prol da
variabilidade, emergência, aceleração e mutabilidade dos líquidos, em
vir a ser (SANTAELLA, 2008, p.51).
A respeito da questão espacial destas mudanças, uma vez que o estado é muito mais
fluido e líquido, o território destas práticas de sociabilidade e de encantamento tecnológico
158
também é móvel. Conforme analisado em capítulos anteriores, compreendo este território
como espaço praticado, intimamente ligado com as características identitárias daqueles que o
constroem, assim, de acordo com o estudioso da cibercultura, André Lemos,
a idéia de território informacional está vinculada a essa forma
identitária, criando um ‘lugar informacional’ que se diferencia do
espaço abstrato. Uma zona wi-fi65 em uma praça. Por exemplo, é um
lugar social onde se apresenta uma heterotopia de acesso/controle
informacional. (LEMOS, In: SANTAELLA, 2008, p.221).
Por conseguinte, a imersão do sujeito no ambiente digital é de grande importância para
que não haja completo estranhamento entre on-line e off-line, este é o motivo pelo qual as
próprias plataformas de interação atuais estão se especializando na simulação de seus
ambientes, conciliando vínculos com as percepções advindas do ambiente social off-line.
Sobre esta temática, Turkle assinala a importância do reconhecimento entre elementos on-line
e off-line:
as pessoas olham para uma tecnologia e, para além dela, vêem toda uma
constelação de associações culturais. Quando viram os primeiros
entusiastas dos computadores pegarem na máquina e construírem um
mundo à parte, muitas pessoas sentiram que não pertenciam a esse
mundo, nem queriam pertencer. Agora, a máquina já não tem que ser
apreendida como algo que nos coloca num mundo à parte. Aliás, ela
pode colocar-nos no centro das coisas e das pessoas – no centro da
literatura, da política, da arte, da música, da comunicação, do mercado
bolsista. (TURKLE, 1997, p.90)
Acerca da imersão dos sujeitos nas redes sociais da internet destaco a situação de
Danilo que, apesar de ter passado mais de cinco anos utilizando a ferramenta das redes sociais
e da internet, ainda se reconhece um pouco descontrolado quanto ao uso destas ferramentas e
declara que, facilmente, perde a conta de quanto tempo de seu dia demanda a atividade de
buscar informações na internet: “depois, com o tempo, acabas vendo que perdes muito tempo
na internet com coisas que poderias estar produzindo muito mais. Se eu ficar conectado não
faço mais nada. Com o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) vai ser uma batalha porque
tem que ficar focado, mas se entrar no Facebook já era, perde toda a linha de raciocínio. E
65
Tecnologia que permite o acesso de vários aparelhos à internet sem precisar, para tal, da utilização
de fios e/ou cabos de conexão.
159
computador é a ferramenta que eu mais utilizo, mas não significa que tenha que ficar
conectado.”.
A situação descrita acima faz parte do que os estudos desenvolvidos por Gell (1988,
1992, 1996) e Miller (1987, 2000) apontam como o “encantamento da tecnologia”. Este
encantamento seria o responsável, por exemplo, por fazer com que, apesar de Danilo ter
reconhecido que “não significa que tenha que ficar conectado”, não deixe de realizar a
atividade e se sinta mais envolvido e atraído, a cada acesso, pelo que seria o poder atrativo
que as redes da internet, bem como a própria internet, exerce. Desta forma, as redes sociais da
internet se constituem em armadilhas, pois passam a ter, conforme destacado por Gell (1992,
1996), uma espécie de vida própria, na medida que não serão de interação exclusiva ao
criador de determinado perfil, mas sim de todos aqueles que sujeitos que o acessarem.
Esta análise é apoiada na comparação que Gell (1988, 1992, 1996) e Miller (1987,
2000), realizam sobre os fatores capazes de capturarem a atenção e o envolvimento, tanto do
criador inicial de determinado perfil, quanto dos sujeitos que acessam, interagem, comentam,
constroem e podem ser construídos pelas percepções advindas das interações que acontecem
nas redes sociais da internet, considerando que, conforme destacado anteriormente, reconheço
on-line e off-line como espaços de interação e complementariedade entre si. Assim, da mesma
forma que um sujeito cria um perfil na internet para se posicionar e ativa ferramentas para
gerar conteúdo capaz de promover os laços de sociabilidade, também outros indivíduos
entrarão em contato com este material e poderão gerar repercussões e novos
encaminhamentos para o referido conteúdo, como a divulgação para terceiros, não
necessariamente sujeitos conhecidos ou de acesso previsto ao criador inicial do perfil. “É este
cenário de armadilha que estabelece ligamentos dramáticos entre esses dois protagonistas
juntos, e que os alinha em tempo e espaço” (MILLER, 2000, p.17). Estas questões acerca da
objetificação, conceito este a ser abordado em profundidade em um próximo tópico, e da
cultura material que estes objetos e seus encantamentos exercem serão explorados no próximo
tópico, apenas deixo aqui salientado mais um dos tópicos que foram percebidos no decorrer
das entrevistas e que foi alvo de análises por parte deste trabalho.
4.2 Objetificação e internet
Perceber o mundo enquanto palco das relações entre sujeitos sugere um
aprofundamento do olhar acerca dos objetos, uma vez que mais do que ferramentas de
160
vontades e demandas, é através destes que muitas das impressões e posturas sociais da relação
com o Outro e com o subjetivo serão desenvolvidas. É oportuna a lembrança dos estudos
realizados pelo antropólogo Christopher Tilley (2008), sobre a conceituação quintessenciada
de objetificação66, a qual está relacionada com o que as coisas são e o que elas fazem
inclusive no que diz respeito às suas representações no mundo social. Consequentemente, a
ideia surge e se materializa nos objetos, os quais se tornam grandes incorporadores de
registros e percepções diversas.
A partir das considerações anteriores, é importante ter em conta que as redes sociais da
internet, não estão ligadas a um único sujeito, neste caso aquele que criou determinado perfil,
e mesmo este sujeito se encontra em interação com outros. Assim, estas redes se tornam
capazes de atravessar o tempo, o espaço e de se relacionar com indivíduos e contextos
distintos, tornando-se sujeitos de uma história própria, conforme propõe o arqueólogo Chris
Gosden (2005), sendo capazes de tocar as mais diferenciadas formas de relações humanas,
inclusive a sociabilidade entre as pessoas. Contextualizando a questão da objetificação para o
campo de estudo da cibercultura e das redes sociais, ressalto que estas se constituem em mais
uma das inúmeras formas pelas quais os objetos podem se apresentar aos olhos e assumir
posturas de interação social, bem como de continuidade de uma trajetória que pode ser
múltipla, escapando ao controle exclusivo de apenas um sujeito, dado se tratarem de objetos,
neste caso as redes sociais da internet, de e em interação social.
A ampliação do acesso à tecnologia da informática e seu uso pessoal, também
incentivou e incrementou o número de pessoas que vêem, nestes objetos, extensões de si,
contribuindo para sua aceitação social e para o incentivo à utilização dos demais. Gell (1988,
1992) destaca que a tecnologia pode ser compreendida na dualidade de encantar e de ser ela
mesma o encantamento que atrai. A partir deste pressuposto, percebo as redes sociais como
[ingredientes mágicos] que atraem e se transformam em ferramentas de anseios e buscas,
estas refletidas na capacidade dos objetos de sensibilizarem. Logo, verifico como esta relação
pode ser sutil a ponto de desenvolver uma dependência na relação com estas tecnologias.
Sobre isto, destaco que todos os entrevistados argumentaram não se verem tranquilos com a
ideia de uma existência sem internet. Alguns Ressaltaram que a vida poderia ser mais
66
Segundo Christopher Tilley, a objetificação está relacionada com o que as coisas são e o que fazem
dentro do que representam no mundo social. Assim, a objetificação consiste na incorporação de uma
ideia que se materializa em um determinado objeto ou na forma de sua presença e/ou ausência. “A
perspectiva da objetificação concede a resposta para ambas questões básicas, sobre o que as coisas são
e o que as coisas fazem no mundo social: a maneira na qual os objetos ou as formas materiais estão
encaixadas na vida dos mundos dos indivíduos, grupos, instituições ou, mais amplamente, na cultura e
sociedade” (TILLEY, 2008, p.60)
161
tranquila, visto que não estariam ansiosos para acompanharem as publicações, mas a maior
parte das falas foi acompanhada de um sentimento de perda do sentido de suas ações, alguns,
como Vinícius que, personalizando a figura da internet, declarou: “seria o fim do mundo.
Internet sempre vai fazer parte e sempre será muito bem vinda na minha vida. E sem rede
social seria muito difícil para compartilhar até os trabalhos que já tenho.”
Sobre as páginas de internet dos entrevistados percebi uma interação, quase que diária,
com pelo menos cinco pessoas de grupos sociais distintos (categorizadas para melhores níveis
de análise em “família”, “amigos”, “estudo”, “trabalho” e “lazer”). Um dos principais
atrativos destacados pelos interlocutores foi o compartilhamento de fotos, dado o poder de se
“autenticar” a realidade. Logo, há uma intencionalidade pela promoção da vida social destes
sujeitos, através do ato de perceber a presença de outros nas situações fotografadas e
divulgadas nos murais67 dos perfis contidos nas redes sociais da Internet. Sobre isto, Miller
(2000) destaca que a aprovação do grupo é um dos principais motivos que fazem com que
estes jovens tenham páginas de rede social e que busquem, constantemente, novas formas de
serem sempre visitadas e citados pelas pessoas de seus grupos sociais: “o foco desses sites
parece quase sempre estar relacionado com a recepção popular e estes sites são altamente
socializados” (2000, p.13). Rodrigo cita como exemplo o auxílio que as redes sociais da
internet tiveram, especialmente, em sua vida profissional: tanto na obtenção de informações,
quanto na divulgação de seu trabalho, sobretudo aquele relacionado às artes visuais:
qualquer trabalho pode ser reconhecido rapidamente e, principalmente,
você pode ter um retorno muito rápido daquilo que você acha que é
bom, mas de repente nem é tanto. Exemplo: posto um trabalho meu e,
através dos comentários, descubro que aquilo não interessou tanto, aí já
traço um perfil do meu próximo trabalho, para realmente acerte mais
pessoas ou da maneira correta. A maior desvantagem, quando você
chega no topo [quando já possui muitos contatos e é uma pessoa de
considerável visibilidade nas redes sociais da internet], é a facilidade
que as pessoas tem de te maltratar por nada.
Sobre a questão de [se sentir atacado], Rodrigo percebe que, uma vez que as redes
sociais da internet são capazes de reunir, em um mesmo perfil, sujeitos diversos, muitas vezes
sentiu-se incomodado com a reação de algumas pessoas, o que o fez, em alguns casos, apagar
uma publicação que tenha feito:
67
Parte da página de relacionamentos destinada à exposição de fotos.
162
sou muito espontâneo, mas na internet a gente fala muito rápido e as
pessoas também respondem muito rápido e nem sempre é o que a gente
gosta. Na internet, como todos estão vendo, ou pelo menos tem a
possibilidade de ver, às vezes eles sabem que os outros estão olhando e
se aproveitam dessa situação pra alimentar o ego, mostrar que sabem
mais, que são mais importantes... Eles acabam atingindo a gente de
propósito, mas aí é uma questão de você sair [apagar a publicação].
A gente tem que se policiar a cada momento, a gente ‘tá aberto a todo
momento, suscetível a ataques, a alguém te fazer mal, tentar alguma
coisa ruim pra ti. Sempre a coisa ruim vai aparecer muito mais que a
coisa boa, infelizmente.
Entretanto, observo que, mesmo desaparecendo o comentário da página do perfil, o
registro do ocorrido não desapareceu das lembranças do entrevistado, muito menos da postura
que passou a adotar após consecutivas situações semelhantes, levando-o, inclusive, a
questionar a necessidade e o que aporta de positivo, as redes sociais da internet em sua vida.
Vislumbro, por conseguinte, como as interações sociais, ainda que on-line são capazes de
influenciar as práticas sociais e a fomentar a revisão de determinadas percepções acerca do
Outro, em complementariedade ao espaço off-line. Conforme destaca Rodrigo, sobre como
vivencia a referida situação:
a gente acaba se tornando dependente daquilo [das redes sociais da
internet], de repente aquilo não está lá para me ajudar, para deixar as
coisas muito mais práticas, rápidas etc. Talvez minha vida fosse mais
tranquila [sem as redes sociais da internet] porque hoje em dia a gente
acaba criando uma ansiedade justamente pelas coisas estarem acessíveis
tão rapidamente que a gente cria essa ansiedade. Tanto que hoje em dia
a gente liga para uma pessoa, ela não atendeu no terceiro toque, a gente
já fica desesperado: por que essa pessoa não ‘tá atendendo celular? Pra
que essa pessoa tem celular? A gente acaba criando uma ansiedade
baseada nessa rapidez que a internet e as redes sociais que tem lá
proporcionam.
Assim, os espaços das redes da internet se transformam em oportunidades para que o
indivíduo atue e trabalhe em seus relatos, argumentos, buscas e na execução de sua maior
obra, a qual a comunicóloga Paula Sibila (2007), resume como a própria identidade. Não
apenas a internet, mas outras tecnologias afins, como os celulares que permitem o
compartilhamento de fotos, motivam e permitem que o sujeito divulgue e construa sua
identidade a partir da publicação e troca de mensagens, vídeos compartilhados ou
simplesmente a leitura de fóruns de debate que já podem em muito influenciar no percepto. A
intimidade, então, passa a ter significativas janelas a quais podem representar o que se faz, do
163
que não se gosta, com quem se namora, bem como quais dificuldades o dia de determinada
pessoa teve ou até qual foi a refeição consumida no almoço. De acordo com Tadeu:
com as redes sociais da internet acabei conhecendo muito mais coisas,
áreas de interesse, acho que aguça um pouco a curiosidade. Eu sou
muito curioso, então sempre gosto de vasculhar, saber o que está
acontecendo, e lá é uma ferramenta que te dá milhões de opções: ah,
não tem aqui, mas ele te direciona para outro site que te informa
milhões de coisas. Por exemplo, currículo: eu ‘tô atrás de um novo
emprego então tem milhares de sites que te adicionam por currículo.
Em meus contatos também tem empresas, você curte e fica sabendo de
tudo.
Tadeu afirma que acessa as redes sociais da internet o dia todo e, inclusive, reconhece
que esta tecnologia interacional ajuda-o na execução de determinadas tarefas do trabalho,
apesar disto um momento nunca é único, no sentido de que Tadeu trabalha, mas não deixa de
ver notícias de interesses diversos, o que consome mais horas de seu dia do que o entrevistado
gostaria, por isso às vezes se obriga a fechar as janelas das redes sociais da internet. Em casa,
Tadeu afirma que prefere acessar as redes sociais da internet a partir de seu aparelho celular,
pois sente preguiça de ligar o computador [percebi, ao longo da fala do interlocutor, a
construção da imagem do computador enquanto objeto de trabalho, por isso, ao terminar seu
expediente, em tentativa de se desligar, ainda que parcialmente dos afazeres e das questões
relacionadas a este ambiente, prefere seguir acessando as redes sociais da internet a partir de
outro objeto, neste caso o celular, que possibilite interação e que seja menos caracterizado
com o reconhecimento do entrevistado a atividade laboral que executa]. Noto, com isto, a
criação de espaços distintos, no sentido dos territórios praticados de Certeau (2008), de acordo
com o objeto com o qual o interlocutor se relaciona, capazes de conferir códigos simbólicos
de posturas e práticas que operacionalizam na percepção dos significados das ações sociais
que desempenhará. Segundo Tadeu ressalta:
acesso muito as redes sociais do trabalho, todo dia, de segunda a sexta,
de 8 da manhã até 5 da tarde, direto. Final de semana, só uma ou duas
horas, no máximo [ocasião na qual Tadeu se reúne e encontra os amigos
off-line]. Eu trabalho mas ‘tá lá o Facebook aberto. Às vezes me
atrapalha, daí eu fecho [o Facebook] e volto a fazer o que ‘tô fazendo.
[Por exemplo] Às vezes tenho que adiantar algum serviço e dou uma
pausa pra ver alguma coisa no Facebook que me chamou a atenção,
mas eu sei que podia estar adiantando o trabalho. Mas em casa, acesso
mais do meu celular, tenho preguiça de ligar o computador e vou lá com
164
o celular, mais fácil. Tenho esse celular a pouco tempo [mas o
entrevistado reconhece que já o usa bastante].
Tadeu, a exemplo de Rodrigo, reconhece que muitos dos assuntos que acontecem online acabam influenciando em algumas prática off-line e vice-versa, sobre isto, relembra:
quando minha cachorra morreu ‘tava todo mundo compartilhando que
ela precisava de um cachorro para doar sangue, ‘tava todo mundo
compartilhando, querendo achar cachorro pra doar. A gente conseguiu,
mas não deu certo, ela teve um infarto antes da transfusão. Mas no
mesmo dia que eu fiz a primeira publicação a gente conseguiu o
cachorro, a mobilização foi rápida no Facebook.
Não por acaso, os fatos mais triviais tornam-se pauta de divulgação pública e de
discussão e debate. Qualquer brincadeira pode se tornar uma ofensa e a impressão é de que
sempre há alguém a ler ou a observar, por isso há uma tendência, por alguns sujeitos, de
espetacularizar suas vidas a partir da clara seleção e conteúdo que divulgarão como ponte de
sociabilidade. Seguindo esta ideia, destaco o caso de Dalila que apenas divulga momentos
“marcantes” para que seus alunos a admirem e tenham mais confiança de contrata-la enquanto
professora de academia de ginástica. Sempre que está em algum módulo da especialização,
Dalila publica em seu perfil onde está e com quem está, quando viaja a trabalho também gosta
de divulgar isto em sua página, para que o grupo saiba para onde ela pode ir, uma vez que está
trabalhando e se firmando cada dia mais como profissional. Assim, um fim de semana pode
passar como de costume para algum amigo, mas Dalila destaca que um simples café da manhã
está sendo tomado na orla do Rio de Janeiro. Ou seja: o que é trivial, o café da manhã, passa a
ter um valor capaz de diferir Dalila dos demais, agregando prestígio social ou, inclusive,
potencializar seu capital social a partir das mensagens e percepções que poderão ser geradas,
tanto on-line quanto off-line.
A questão da armadilha, conforme tratado anteriormente, é um dos influenciadores
para que uma das principais dificuldades relatadas pelos interlocutores aconteça. Esta situação
diz respeito aos maus entendidos na comunicação via internet. Dalila afirma utilizar as redes
não apenas para buscar informações gerais, sobre locais a conhecer, restaurantes novos na
cidade, dentre outros, mas igualmente manter contato com seus alunos e acabar por conhecer
mais a rotina destes. Entretanto salienta que, por mais cautelosa que seja naquilo que escreve,
sempre há o risco de que algumas interpretações equivocadas aconteçam:
165
eu posso estar brincando e a pessoa levar a sério. Por mais que tu
coloques uma caretinha rindo68. É muito difícil conseguir se expressar
no computador, é muito difícil tu estares pensando te expressar de uma
forma e a pessoa entender de outra, até uma vírgula que tu não
coloques, um ponto de exclamação que coloque um monte, uma letra
maiúscula, a gente nunca sabe, é muito complicado. Às vezes evito
comentar por causa disso, postei e apaguei em seguida porque fiquei
com medo da pessoa se magoar, daí só curti69 o que ela colocou e foi
melhor.
Recuero (2012) justifica que a situação trazida por Dalila seria o resultado da mistura e
hibridização de linguagens tradicionalmente diferentes, neste caso a oral e a escrita, e que, no
caso das redes sociais da internet, vem-se combinadas, no sentido que se escreve,
principalmente, com as características de como se fala. Assim, “a ‘fala’ na internet é também
associada a um uso informal da língua, que também é mais característico da linguagem oral”
(RECUERO, 2012, p.48). Desta forma, apesar da linguagem escrita ser a comumente utilizada
nestas redes de Internet, salvo algumas situações em que materiais em vídeo são
disponibilizados para acesso, o tom da conversa tende ao informal, uma vez que há a intenção
de [dar vida] àquilo que está sendo dito, bem como a própria noção de sujeito é criada a partir
de fotos e conteúdos. Desta forma,
podemos dizer que, embora não seja constituída de ‘fala’ na maioria das
vezes, a conversação no ambiente virtual é constituída de interações
próximas desta, que simulam a organização conversacional oral e que
têm efeitos semelhantes nas interações sociais e na constituição dos
grupos (RECUERO, 2012, p.49).
Aprofundando esta questão para além das particularidades comunicacionais, Mauss
(1974) destaca a importância do psicológico no âmbito social do indivíduo, do fato social e da
troca (construções) constituírem a base da vida social – assim, o fato social deve ser visto
como um todo, incluindo os aspectos físico, fisiológico, psíquico, sociológico e, finalmente, a
importância do inconsciente, neste caso na ação em diferentes campos (lingüística, religião,
magia etc.), na conexão com o Outro. Estendendo estas análises, Lévi-Strauss (In: MAUSS,
1974), em análise introdutória à obra de Mauss, destaca que: “é próprio da natureza da
sociedade exprimir-se simbolicamente em seus costumes e em suas instituições” (In:
68
Referência aos códigos utilizados na internet que, através de letras e símbolos do teclado simulam
desenhos de faces expressando sentimentos, como alegria, tristeza, dentre outros.
69
Em algumas páginas, como o Facebook, há a possibilidade de apertar um botão chamado “Curtir”
para expressar se você gostou ou não de determinada publicação.
166
MAUSS, 1974, p.07). Consequentemente, o aspecto social passa a ser considerado real a
partir do momento que faz parte de um sistema. Esta ideia é compartilhada por Lévi-Strauss
(1985), quando chama a atenção para o fato das relações sociais serem a própria
materialização das estruturas sociais: “as relações sociais são a matéria-prima empregada para
a construção dos modelos que tornam manifesta a própria estrutura social” (p.316).
Nas redes sociais da internet, bem como off-line, a identidade do sujeito é construída a
partir de relatos, palavras e interações que estão dispostas em fluxo constante de sujeitos que
as lêem, replicam ou comentam, o que leva à interpretação de uma ação na internet, como por
exemplo uma conversa, estar envolvida em contextos múltiplos, anseios diversos e intenções
plurais, haja vista a diversidade de sujeitos que poderão ora se encontrar em determinados
conteúdos ora se distanciar. Algumas vezes, por exemplo um comentário feito sobre algum
aspecto da vida, na internet, costuma ganhar mais força, agregar novos pontos de vista,
inclusive da parte de seu autor pelo fato da mensagem ter entrado em contato com o espaço
público.
Logo, o estudo das relações da tecnologia com os sujeitos e os impactos que estas
podem causar nestes e vice-versa, leva a destacar que, no processo de interação com a
tecnologia, a própria percepção do que se constitui o Nós se vê influenciada ou, de certa
forma, alterada. Se antes a relação entre computadores e sujeitos estava restrita ao cálculo e
operações de programadores racionalmente previstas, na atualidade o que se verificam são
múltiplas fontes para inúmeros receptores, o que recai sobre outra questão determinante de
estudo: a entrada, e sua consequente ampliação de acesso, da internet.
4.3 Sujeitos e tecnologias
A “armadilha”, assim denominada por Miller, das redes sociais da internet, pode ser
também reconhecida como ciberzapping70, característico do consumo fragmentado, imediato
e pulverizado de informação na internet e nas redes sociais da internet. A esta velocidade da
informação Bourdieu (1997) classifica, no contexto da televisão, como “um elo negativo entre
a urgência e o pensamento” (1997, p.30), o que levanta o questionamento: mais comunicação
significa mais informação? Partilho a indagação do sociólogo, entretanto não quero afirmar,
com isso, que tudo o que se consome na internet é de qualidade duvidosa e superficial, apesar
O termo é resultado da junção de duas palavras “ciber”, que remete à “cibercultura” e “zapping”
conhecido como o ato de trocar constantemente os canais da televisão em busca de programação.
70
167
de não negar o imediatismo das buscas, bem como do próprio consumo por informação e,
talvez, das interações que estão sendo construídas, tanto no mundo subjetivo quanto no social.
Danilo, hoje com 25 anos, possui redes sociais desde os seus 16 anos e afirma que
sempre foi uma forma de conhecer pessoas e de trocar experiências:
quando entrava no site da Turma da Mônica era a única forma de
interatividade e aquilo era um vício. Aos finais de semana o tempo
limitado, mas entrava 1 hora, via quem ‘tava lá... O site era bate-papo,
para mim era uma ferramenta nova, nunca entrava em canais de
conversação porque antes era proibido em casa, lembro que até troquei
carta com duas meninas que conheci no chat71.”
Quando indaguei o motivo da proibição aos chats, Danilo confirmou um cenário
frequente aos entrevistados: antes, o computador não era pessoal, e sim um objeto
compartilhado pelos demais membros da casa, neste caso os pais do interlocutor. Assim, na
figura de um objeto de uso comum, certas privacidades não eram possíveis de serem
mantidas, pois o acesso e utilização dos objetos estavam conferidos a mais de uma pessoa na
residência. Sobre isto, recordo que antes o computador consistia em um aparelho doméstico
compartilhado com todos os que viviam na casa, dado, especialmente seu valor de mercado,
muito mais alto nos anos 90 do século passado, em relação ao início do século XXI, inclusive
com mais possibilidades de formas de pagamento, daí porque hoje este objeto se tornou um
bem quase que pessoal. O exemplo trazido pelo campo mostrou que todos os entrevistados
possuíam seu próprio computador e raras foram as vezes que tiveram que compartilhá-lo com
outros sujeitos de sua casa. Esta mudança em torno de um mesmo objeto, antes utilizado por
um coletivo e hoje de maneira mais pessoal, interferiu, inclusive, para que uma seleção de
conteúdo, muito mais individualizada, tivesse espaço, uma vez que, passando a ser este um
objeto pessoal a relação entre sujeito e objeto passou a ser mais intimista. Consequentemente,
o aumento da privacidade na utilização do computador acabou por melhor refletir as formas
de se expressar a identidade de cada qual através de seus objetos exclusivos, conforme Danilo
relembra:
computador chegou em casa no ano dois mil, ‘tava na 8ª série e era
mais para os pais, aos poucos fui entrando e com acesso limitado: usa
isso, não usa aquilo, era controlado. Hoje eu acesso mais de casa, no
período da noite, geralmente. Nas férias, a maior parte do tempo,
também estou em casa e acesso. Eu fico na internet, mas procuro
estipular um prazo pra não ficar o dia todo conectado porque eu já
71
Salas onde os sujeitos podem manter diálogos grupais ou privados com outras pessoas.
168
passei muito tempo conectado, mas eu era mais novo, então além da
internet demorar mais, perdia a noção do tempo, quando via era o papai
abrindo a porta e perguntando: ‘e aí? Que é que tu ‘tá fazendo
acordado?’. Já cheguei a virar muita noite na internet e nas redes
sociais.
Quando indaguei se Danilo sempre utilizou as redes sociais da internet com a mesma
finalidade e com as mesmas práticas e intenções, o entrevistado afirma que estas sempre
sofreram transformação no que dizia respeito aos interesses que possuía e aos objetivos e
funcionalidades que conferia. Por conseguinte, reconhece nas suas redes sociais objetivos
específicos, os quais destaco tanto comportamentos acerca de interações sociais com seus
amigos e familiares, como a importância que as informações disponibilizadas nestas redes
possuem na influência de decisões de compra, por exemplo, para o entrevistado:
Eu tenho duas redes sociais da internet: o Facebook e o Orkut. Antes eu
usava o Orkut para falar com meus amigos, mas agora todo mundo tem
Facebook e eu uso o Orkut só para ver descontos das empresas que tem
lá, eu também vejo a opinião das pessoas que compraram o produto, até
porque eu gosto muito de fazer compras on-line, pela comodidade
mesmo. Então só entro no Orkut para ver o que tá em promoção. Mas o
que eu uso mais é o Facebook, que é por onde eu falo com meus amigos
e vejo algumas notícias.
Sobre a utilização principal que a rede Facebook possui para Danilo, o interlocutor
acrescenta, em análise geral:
Hoje eu uso as redes sociais mais para manter contato com pessoas que
já foram importantes, te ajudaram e não queres perder o vínculo, daí por
mais que não se encontre toda vez ou não se ligue, mas tem o contato
no Facebook. Já usei minhas redes para trabalho, para repassar
informações, mas depois pensei: ‘ah credo, tem muita coisa da minha
vida’, e tirei [as informações]. Mas costumo publicar umas informações
de trabalho, quando sei que tem vaga de emprego em algum lugar, essas
coisas. Agora colocar o teu perfil como um currículo ainda não. Eu até
comecei a fazer isso, mas não acho muito legal porque tu deixas muito
aberto. Eu, por exemplo, ‘tô em um trabalho, mas não ‘tô, devido
problema de saúde. Daí colocar que eu estou fazendo curso pode ser
complicado porque as pessoas não entendem e você dando muita
satisfação, todo mundo dá opinião.
A fala de Danilo, ao detalhar as transformações que as interações realizadas com as
redes sociais da internet, bem como do próprio relacionamento estabelecido com o objeto
169
computador, leva-me a destacar, como um dos principais desafios que encontrei, como o da
dinamicidade da internet. Isto, conforme o que destaca Gell (1992), para quem a web é um
movimento do pensamento e, por isso, é necessário analisar este objeto como um momento
dentro de uma trajetória.
Desta forma, a partir das ideias e dos questionamentos planteados acima, realizei o
levantamento da importância dos sites enquanto objetos de sociabilidade e de construção das
identidades. Assim, o ciberespaço, por ser um contexto social, encontra-se aberto às inúmeras
formas de significação que possam ter em mais de uma situação e para mais de um indivíduo.
Considerando, mais uma vez, a contribuição de Geertz (1973), ressalto que é na cultura que a
teia de significados se constrói e operará nas ações e pensamentos do sujeito.
Uma vez que cada cultura trará formas próprias de significação e de valorização, faço
um breve parêntese para lembrar algo que ainda questiono sobre até qual ponto conseguimos
conviver com a diversidade, tendo como base o pertinente questionamento do sociólogo
francês Alain Touraine quando interroga “Poderemos viver juntos?: Iguais e Diferentes”, em
mostra reflexiva acerca das transformações advindas com a pós-modernidade a partir da
interface com tecnologias e cenários múltiplos, as quais transitam, segundo o pesquisador, em
inevitáveis tensões instrumentais e simbólicas, tendo o sujeito como foco, especialmente, das
transformações sociais. O aporte da pluralidade de atitudes e formas de interação lembra, mais
uma vez, as bases trazidas por Geertz (1973) e das especificidades culturais na determinação
das ações e dos contextos nos quais os sujeitos interagem.
Bem, como acabamos por nos ver/construir através da tecnologia, outras pessoas
igualmente se vêem e também nos percebem e nos interpretam, o que acaba por influenciar
nosso comportamento e a vida em comunidade, tanto a digital quanto a concreta. Se o
computador é uma ferramenta, não o é tão somente isso, pois este
oferece-nos tanto novos modelos da mente como um novo meio no qual
podemos projetar as nossas ideias e fantasias. Nestes últimos tempos, o
computador tornou-se algo mais do que um misto de ferramenta e
espelho: temos a possibilidade de passar para o outro lado do espelho.
Estamos a aprender a viver em mundos virtuais. (TURKLE, 1997, p.
11-12)
Utilizando a ideia acima de espelho, é através deste que podemos, então, não só
observarmos e experimentar facetas e posturas novas, mas de interagir com o Outro e de
perceber ou construir traços de nossa identidade. Busco compreender a construção da
identidade, entre os jovens, através da interação com redes sociais da internet, percebendo
170
este processo como uma relação complementar entre o espaço off-line e o on-line. Logo, se no
ciberespaço lemos correspondências eletrônicas, publicamos e trocamos fotografias,
enviamos mensagens, dentre outros, estas todas são formas de interação com o mundo, logo,
com o ambiente social. Por isto, creio que as identidades, na época da internet, não podem ser
compreendidas sem estarem vinculadas com uma contínua percepção do sujeito sobre si,
inclusive mediante a influência de contextos e situações, tanto off-line quanto on-line, na vida
destes.
Seguindo esta linha de análise, destaco os apontes de Simmel (1971), ao afirmar que,
apesar da interação entre indivíduos sempre surgir a partir de propósitos específicos, não
podemos deixar de considerar a importante parcela que os objetos desempenham neste
processo, pois considerando a carga de informação e possibilidades de interpretações que
estes objetos, no caso do estudo de Miller (2000), sites, possuem é através deles que as
experiências de interação, consequentemente de sociabilidades, acontecem e se multiplicam,
uma vez que o objeto em questão não precisa ser compreendido como algo estático e sim
como um objeto que possui vida e trajetória próprias, independentes daquelas de seus usuários
(ou também poderíamos acrescentar o debate de quem é o usuário de quem). Edgar destaca o
papel que as redes sociais da internet desempenharam para esclarecer a homossexualidade.
Assim, o interlocutor destaca, sobretudo, a obtenção de informações e as estratégias e
possibilidades de sociabilidade que encontrou nestas redes, para que, ao conhecer pessoas,
percebesse como estas se portavam, os locais que frequentavam, a forma como falavam.
Tendo como exemplo a metáfora do espelho, Edgar enxergava nos outros laços que se
afrouxavam ou se fortaleciam com práticas as quais se interessava ou demonstrava interesse e
afinidade. Neste sentido, relembra:
no começo eu fiz parte de várias comunidades homossexuais,
procurando por pessoas, mas mais amizade, se rolasse sexo depois,
ótimo, se não, ótimo também,. O importante era conhecer pessoas, para
saber como era o modo de vida delas, como elas se comportavam
perante a sociedade, para julgar o que eu posso ou não posso fazer, o
que eu gosto ou não.
Justamente pela identificação das atitudes e comportamentos é que eu
agregaria ou não coisas a minha identidade. Daí eu fazia parte de chats
que eram divididos por tema, desde falar de animais, até de sexo.
A troca de informações na rede é peça fundamental para que o conhecimento possa
tanto ser emitido quanto recebido, assim é ensinado, mas também aprendido, configurando
formas de comunicação, mas, sobretudo dos significados culturais (GEERTZ, 1973) que
171
nortearão as atitudes e o pensar dos indivíduos, bem como da busca identitária a partir de
negociações e transformações constantes, uma vez que a sociedade é o resultado das
interações culturais, estas sempre diversas e dinâmicas, conforme retrata Barth (2000). Por
esta razão, as práticas sociais, tanto individuais quanto coletivas, são consequências dos
simbolismos e interferências das formas de viver dos sujeitos envolvidos em determinado
contexto.
A complexidade das redes sociais da internet reside no fato de que as esferas
simbólicas de construções culturais e identitárias são tênues e frequentemente passíveis de
permeabilidade. Por exemplo, se uma informação é disponibilizada em determinada rede na
internet, esta não está acessível apenas aos sujeitos que integram o ambiente no qual foi
publicada, uma vez que há a capacidade do replique de informações, permitindo que os mais
diversos contextos, situações e sujeitos sejam acionados. Sobre esta situação, Edgar ressalta:
conheci meu atual namorado pelas redes sociais da internet, mas agora
eu tenho mais cuidado porque tinham alguns conteúdos do Facebook
que eu acessava com fotos de homens com estereótipos que eu achava
interessante e eu curtia essas fotos e um dia ele [o namorado] comentou:
‘tem umas fotos que aparecem no teu Facebook de uns homens fortes,
peludos’. E aí pensei: ‘meu Deus do céu, tô fazendo besteira!’. Primeira
coisa que pensei: ‘poxa, ele vai ficar com raiva de mim pensando que
eu ‘tô traindo’, mas depois pensei: ‘eu tenho crianças no meu
Facebook, acho que algumas cenas, algumas imagens que eu curto
chegam a ser um pouco chocantes’. Hoje em dia só admiro, transformei
em obra de arte, não comento nem publico mais.
A problemática sobre o que se publica e o traço do limite entre público e privado
também está relacionado ao uso que cada um daqueles sujeitos inseridos em uma mesma rede
dará a elas. Enquanto uns argumentam, como Rodrigo e Dalila, que a internet é apenas
utilizada para fins profissionais, relatam incômodos ao perceberem como determinadas
questões são facilmente compartilhadas, enquanto deveriam pertencer à esfera particular do
sujeito. O que leva a perceber que, mesmo dentro de uma rede com interesse específico ao
sujeito, este não é, necessariamente, compartilhado por todo o coletivo que congrega, levando
à discordância de posicionamento e, em alguns níveis, ao abandono da rede por parte do
sujeito que não concorda com determinadas posturas. Desta forma, uma rede é convencionada
e constituída por sujeitos que imprimem nesta, através de seus perfis pessoais, seus mundos
interiores e extraem daí o que se pode ter de mais comum aos membros. O que é dissonante
172
provavelmente encontrará abrigo em outra rede e não será publicado naquela, em espécie de
construções culturais com sua teia de significados permitidos e esperados (GEERTZ, 1973).
A temática ou a intencionalidade da comunicação está vinculada não apenas com o
instante em que ocorrem, mas com as experiências e situações também pretéritas, uma vez
que o sujeito apropria-se do conteúdo de intersecção daquilo que lhe constitui, e que é,
consequentemente, partilhado socialmente, seja no plano de grupos da vida concreta, quanto
das redes sociais da internet, para expressar o que lhe representa. As próprias questões
tecnológicas podem incentivar de que maneira estas interações entre conteúdos, sujeitos e
performances irão interferir na construção das identidades envolvidas, mediante a influência
da teia cultural (GEERTZ, 1973) e dos processos dinâmicos de identidade, os quais trata
Barth (2000) em seus estudos sobre as intencionalidades e as buscas que aproximam e
afastam sujeitos e suas identidades, conforme destacado em capítulos prévios.
A respeito desta tecnicidade, Recuero (2012) cita não apenas a capacidade de publicar
mensagens, lê-las e comentá-las, mas, especialmente, o replique permitido na interface com
estas tecnologias. Destarte,
o que caracteriza essa conversação em rede, assim, é sua migração
através das diversas redes sociais, sendo republicada por diversos
grupos que assim ganham acesso à informação e participam da
conversação. Observamos que essas conversações também acabam por
introduzir indivíduos que não se conheciam e que não estavam
diretamente conectados entre si (...), a partir das trocas na conversação,
podem decidir conectar-se, adicionando-se às respectivas listas de
amigos (RECUERO, 2012, p.125)
Logo, se um sujeito decide replicar alguma informação, obtida em outra rede social,
para que seus “amigos”, advindos de redes diversas, tenham acesso ao conteúdo, é muito
possível que aconteça um encontro de intenções diversas, cruzadas a partir de um conteúdo
em comum. Esta ação poderá ser capaz de fortalecer laços de sociabilidade, afrouxá-los e
repeli-los, conforme propõe Simmel (2006). Entretanto, neste intervalo, impressões diversas
podem ser geradas, como por exemplo opiniões expressas, tanto positiva quanto
negativamente sobre o conteúdo exposto. A possibilidade do replique é o que faz com que
nem Lúcio nem Edgar divulguem informações de cunho mais pessoal, seja na vida dentro ou
fora da internet, pois argumentam que, no fim, estas esferas sempre se cruzam, demonstrando
que nem sempre é possível criar limites, seja no mundo on-line quanto off-line acerca do meio
em que determinado conteúdo estará restrito. Esta dificuldade também pode ser interpretada
173
como o próprio ponto positivo da vida social, uma vez que, se não se tem uma clareza total
dos limites de atuação e impacto de determinado conteúdo ou ação, inúmeras são as
possibilidades de laços associativos entre sujeitos.
Desta forma, os objetos sites tornam-se capazes de agregar pessoas com interesses
afins ou diferenciados, ao que Simmel (In: VELHO, 1976) indica, em seus estudos de
sociabilidade, como o complexo organismo dos relacionamentos sociais, entretanto a
abordagem trazida por Recuero (2012) e sua capacidade de multiplicar laços relacionais deve
ser analisada igualmente através da dificuldade encontrada em se traçar os limites das esferas
entre público e privado, uma vez que nem todos os conteúdos poderiam ser alvo de
sociabilidade ou seriam do interesse de divulgação ampla ou para um sujeito específico.
4.4 Sociabilidade e cultura material nas páginas de internet
Sobre os fatores de sociabilidade tratados anteriormente, aprofundo a temática com os
aportes trazidos pelas pesquisas de Simmel (2006), para quem o conteúdo seria o principal
catalisador por reunir afinidades e interesses. Simmel sinaliza para as diferentes formas como
o sujeito é capaz de exercer a sociabilidade no campo da vida social e, trazendo esta temática
para as formas de interação entre sujeitos, a partir da utilização de computadores, da internet e
das redes sociais disponibilizadas na internet, Turkle (1997) argumenta, sobre os propósitos
de seu livro “A vida no ecrã. A identidade na era da internet”, que a própria mudança na
utilização, ou seja o propósito, dos aparelhos tecnológicos, influenciou na forma de
objetificação destes. Se antes o computador era apenas tido como uma ferramenta, hoje
nossos conceitos e percepções acerca da realidade foram revistos com a interferência que
estes objetos/sujeitos exercem naqueles que com eles interagem ou que são, de alguma
maneira, afetados pela sua existência e características.
Por outras palavras, este não é um livro sobre computadores. É antes
um livro sobre as relações intensas que as pessoas estabelecem com os
computadores, e o modo como estas relações estão a mudar a nossa
forma de pensar e sentir. O movimento duma cultura do cálculo para
uma cultura da simulação acarretou mudanças naquilo que os
computadores fazem por nós e naquilo que eles nos fazem a nós – às
nossas relações e às nossas formas de pensar acerca de nós próprios
(TURKLE, 1997, p.32, grifos do original).
174
Posto isto, observam-se inúmeros desdobramentos que as redes sociais podem
representar e interferir, enquanto sujeitos, na constituição individual e nas relações de
socialização dos indivíduos. Para tanto, é necessário que estes objetos sejam interpretados
dentro dos conceitos da objetificação para que possam ser percebidos além de suas
características tecnológicas e passem a ser compreendidos, igualmente na condição de coisas
que representam, constroem e modificam, em distintos níveis, os sujeitos a sua volta.
Exemplo disto é o de que, sendo o homem um ser social, o relacionamento acaba por ser
estabelecido, inclusive, com alguns de seus objetos, entretanto a significação que estas ações
receberam e a forma como foram praticadas e percebidas, modifica-se ao longo dos tempos e
contextos.
Desta maneira, um sujeito decide ligar-se a determinada rede por um assunto
específico ou por um interesse delimitado, como o caso anteriormente ressaltado de Edgar,
acerca das informações que buscava nas redes sociais da internet sobre homossexualidade.
Entretanto esta busca trará consigo um mundo tão vasto que poderá interferir em toda a
configuração e postura da rede. Edgar relata que, durante suas experimentações sexuais,
costumava fazer parte de fóruns sobre assuntos relacionados à homossexualidade, entretanto o
entrevistado não fazia filtros sobre as pessoas que teriam acesso às informações que
publicava. O comportamento foi responsável por gerar desconforto em sua família,
especialmente quando sua mãe passou a fazer parte de uma de suas redes sociais da internet e
reclamou que não seria interessante que as crianças da família, que também estavam na rede
de Edgar, acompanhassem os “locais” por onde o interlocutor transitava na internet, muito
menos suas opiniões sobre algo que considerava inapropriado e desnecessário, solicitando ao
filho que parasse de publicar conteúdos de temática homossexual. Nenhum primo que estava
na rede de Edgar havia se manifestado anteriormente sobre qualquer assunto relacionado à sua
homossexualidade, porém bastou sua mãe entrar em um de seus ambientes sociais para que o
entrevistado fosse chamado à atenção e sentisse reprimido e ordenado a evitar determinadas
condutas.
Turkle (1997), em seu estudo sobre os Multi-User Domains72 (MUDs) destaca que são
a opção do anonimato e a fluidez as principais características que demarcam a diferença da
internet em relação a outras formas de comunicação e sociabilidade. É permitido, através
destas particularidades, a experiência de optar por viver diversas experiências, acionando ou
refutando determinados aspectos da identidade, de acordo com o contexto. Apesar disto,
72
Domínios de Multi-Usuários, em referências às redes sociais da internet, termo utilizado tanto para
se referir às interações de jogos em grupos quanto para canais/salas de conversa, dentre outros.
175
ressalvo que esta não foi a ferramenta utilizada em profundidade pela maior parte dos
entrevistados, visto que, um número significativo de interlocutores declarou preferirem não
fazer uso do anonimato e reforçarem o que consideram traços mais marcantes de sua
identidade, sobretudo as performances vividas no mundo off-line.
O que percebi, após análise mais detalhada é o que Simmel (2006) classificou como
“seleção de conteúdo”, capaz de distinguir os laços de sociabilidade que serão estabelecidos
ou afrouxados. Daí a razão pela qual, quando o interlocutor esbarrava em preconceitos ou
situações delicadas, sobretudo nas questões da sexualidade e da religião, a opção pelo
anonimato on-line era utilizada. Foucault (1997), em análise específica sobre a temática da
sexualidade, mas, em uma visão macro, acerca da constituição de estados estáveis e
condizentes com a norma, declara a questão de como o poder também é algo efêmero e que o
discurso, assim como as identidades experimentadas, podem, e acabam por assim o ser,
diversas, e apresentam sua própria forma de libertação e resistência ao que não é permitido,
mas nem por isso deixaria de ser desejado, neste caso, no campo do comportamento,
demonstrando que os discursos são diversos porque assim o são os sujeitos: fluidos e plurais.
Por isso,
não existe um discurso do poder de um lado e, em face dele, um outro
contraposto. Os discursos são elementos ou blocos táticos no campo das
correlações de força; podem existir discursos diferentes e mesmo
contraditórios dentro de uma mesma estratégia; podem, ao contrário,
circular sem mudar de forma entre estratégias opostas. Não se trata de
perguntar aos discursos sobre o sexo de que teoria implícita derivam, ou
que divisões morais introduzem, ou que ideologia – dominante ou
dominada – representam; mas, ao contrário, cumpre interroga-los nos
dois níveis, o de sua produtividade tática (que efeitos recíprocos de
poder e saber proporcionam) e o de sua integração estratégica (que
conjuntura e que correlação de forças torna necessária sua utilização em
tal ou qual episódio dos diversos confrontos produzidos) (FOUCAULT,
1997, p.97).
Não à toa, os entrevistados buscavam divulgar aspectos de suas identidades, através
das páginas da internet, com a intencionalidade de fornecer um contexto de características
para cada situação e finalidade. A ideia metafórica de redes mostra que estando os sujeitos
nos nós, o que lhes liga é um fio de interesses afins que pode, a qualquer instante, receberem a
conexão e outros nós, bem como serem desatados para se ligarem com outras pontas.
Entretanto, estes momentos de conexão de desconexão dos nós nem sempre é permanente,
uma vez que existem interesses de prioridade, o que não significa um desaparecimento dos
176
secundários. Desta forma, alguns nós estarão muito mais fortes do que outros, de acordo com
o conteúdo que se trata e com os interesses buscados, através destes laços relacionais e
associativos, pelo sujeito.
As chamadas [janelas]73 dos computadores na internet são as portas de entrada, e
também de saída, às possibilidades que a internet oferece. Tratam-se de características de uma
pulverização do sujeito que, quase como em uma obra de ficção científica, pode estar em
vários lugares em espaço e tempo próprios e particulares ao mundo digital. A exemplo de uma
experiência de sonho, na qual o conhecimento de si passa pela experiência do que nem
sempre se é familiar ou usual. O romancista inglês, Lewis Carrol (2010), já no século XIX,
trazia à tona a temática da busca por uma identidade, mas, sobretudo a experiência de
possibilidades, conforme ressalta em sua obra “Alice na terra do espelho”. O escritor
surrealista argentino Jorge Luís Borges, em seu “Livro dos Sonhos” também faz alusão ao
jogo de imagens que temos e que acabamos por vivenciar do mundo ao redor e das
percepções e anseios que trazemos adentro:
- Agora está sonhando. Com quem sonha? Sabes?
- Ninguém sabe.
- Sonha contigo. E se deixasse de sonhar, o que seria de ti?
- Não sei.
- Desaparecerias. És uma figura de um sonho. Se este rei despertasse, te
apagarias como uma vela. (BORGES, 1979, p.134)
A experiência da fluidez pós-moderna, facilitada pelo computador e pela internet,
mostra que o sujeito pode ser muitos e, não necessariamente, desaparecer com determinadas
características, práticas e comportamentos ao desligar o computador. O pressuposto que me
interessa trazer à discussão é a de que algo do universo on-line acompanha o sujeito off-line e
vice-versa. Uma vez que não considero esferas distintas e sim em permanente conexão, com
características mais ou menos acionadas, de acordo com o contexto e as intencionalidades
almejadas e percorridas em flâneries.
Sobre isto, pude perceber como, no decorrer das falas, grande parte dos entrevistados
afirmou que, durante algum período, perderam o interesse por determinadas redes da internet.
Em alguns casos o interesse foi recuperado, mas, na maior parte das vezes, houve a
substituição de uma rede social da internet por outra. O que mais saltava à análise destas falas
era um momento de vida que acarretava em mudanças comportamentais: a entrada na
73
Denomina-se “janela” às diferentes portas de acesso a determinada informação.
177
Universidade, viagens realizadas, novas amizades, a entrada em um estágio, a graduação na
Universidade e a mudança de trabalho foram os principais momentos de vida que
determinavam quando uma rede deixava de fazer sentido para os sujeitos que entrevistei. Em
alguns casos, o que se busca nas redes sociais da internet não possui uma relação direta com
algo vivenciado off-line, mas, em virtude de despertar o interesse, o entrevistado ia em busca
de determinada informação que considerava pertinente à formação de sua identidade, embora
reconhecesse que em alguns casos a interpretação do senso comum era a de que se fazia parte
de uma rede social sobre determinado assunto, automaticamente o sujeito havia passado ou
passava por temáticas afins. Carla declarou, como exemplo da diversidade de conteúdos que
lhe interessa e que lhe constrói:
No Twitter, eu gosto de música gospel e de rock, se a pessoa tiver algo
interessante para me acrescentar eu não tenho problema com isso [com
a diversidade de assuntos e identidades encontradas entre os sujeitos nas
redes sociais da internet], até porque eu tenho muito cuidado para não
rotular ninguém. Eu tento sempre ir além do primeiro impacto
[primeiras impressões e conceitos]. Acho que deixo bem claro que
tenho gosto bem diferente um do outro, nunca tive problema de
esconder isso, ‘tá lá na minha página [perfil da internet da entrevistada].
[Por exemplo] Tinha um fórum que eu participava que era de debate
sobre homossexualidade e era muito mais por ele trazer notícias, não
por ser uma comunidade de pessoas homossexuais, muito mais pelas
informações que trazia. Eu participo de fóruns de violência doméstica e
nunca sofri violência doméstica, participo de fórum de abuso sexual,
que eu também nunca sofri, não é uma cosia que esteja pertinente a
minha história de vida, mas participo porque acho interessante os
debates.
Sobre a percepção acima de Carla, reconheço que, embora não façam parte de ações, a
busca por estas temáticas de interesse fazem sim parte da história de vida da interlocutora,
ainda que estejam envolvidas com o plano das ideias e dos conceitos. Sendo assim, um
conteúdo interessado e do qual se busca informação, não seria uma demarcação de história de
vida? Não seria uma ação verbal ou mental? Desta forma, por mais que o sujeito não tenha a
vivência de atitudes e situações físicas sobre determinados conteúdos, a ação do pensamento
poderia implicar em traços de sua identidade.
Por conseguinte, não é apenas determinado conteúdo da rede da internet que adquire
relevância, mas toda uma situação de vida percebida, ainda que muito mais no plano do
subjetivo, pelo sujeito que o fazia distanciar-se das características que antes lhe eram mais
presentes, mais marcantes ou até de maior interesse, em prol de outras conjunturas de vida.
178
Daí porque muitas das principais mudanças sentidas pelos entrevistados afetavam diretamente
suas práticas sociais, consequentemente as formas de se relacionar com o conteúdo das redes
e os sujeitos que a elas estavam ligados. Recuero (2012) argumenta que os perfis da internet
são uma forma dos sujeitos demarcarem suas presenças em um espaço caracteristicamente
fluídico e sem concretudes de espaço. Assim, o sujeito se constrói performaticamente através
de fotos, assuntos que se interessa ou que publica, a maneira como se expressa, os amigos que
possui, dentre outros. Desta forma,
ao construir um perfil, os atores precisam, reconstruir indícios que dêem
pistas aos demais interagentes a respeito de quem são. Assim,
elementos representações do corpo (como avatares), descrições,
expressões linguísticas, gostos, convenções etc. são transportados para
este perfil. São essas pistas que darão a quem entra no perfil uma ideia
de quem é aquele ator. (RECUERO, 2012, p.140)
O ato de pertencimento a um determinado grupo/rede, confere o desenvolvimento de
um capital social ao sujeito, com o intuito de fortalecer seus relacionamentos e suas
experiências, o que acaba por interferir diretamente, bem como ser a própria causa de
determinados traços na identidade do sujeito, uma vez que apesar de vir do coletivo, através
das redes, este capital social pode ser apropriado ou transformado pelo indivíduo. No caso da
internet, a possibilidade de acesso a quase todo e qualquer conteúdo, permite com que
determinados contextos sejam conhecidos e possíveis de interação de uma maneira mais fácil
do que o seriam no plano da vida off-line. Outrossim, o espaço do qual o sujeito poderá
influenciar suas condutas e buscas, não mais será um limitador geográfico, uma vez que dirá
respeito a um território praticado socialmente.
Lúcio destacou ter entrado em contato com fóruns de diversos países até decidir ser
ateu, tema este não discutido em profundidade com sua família católica. Edgar teve certeza de
sua homossexualidade a partir dos conteúdos que lia, vídeos que assistia e imagens que tinha
acesso nas redes sociais que fazia parte na internet, as quais lhe conferiram não apenas
material sobre a temática, como a segurança do anonimato acerca de uma questão que, afirma,
esbarra em preconceitos sociais. Nos dois casos, as experiências tidas na internet não foram
exploradas em profundidade no mundo off-line destes sujeitos, mas interferiram em suas
identidades, tanto on-line quanto off-line. O que Barth (2000) classifica como a fluidez da
construção identitária, mediante o contexto de significantes e de significados que configuram
as relações com os demais e com o mundo social, a partir da construção do que reconheço
como uma narrativa identitária.
179
Sobre isto Derrida (1996) frisa que a escrita de uma narrativa acontece não apenas
com a participação do autor, mas pela contribuição da audiência, podendo ser o próprio
silêncio ou a omissão de determinadas informações, uma estratégia de comunicação. Como
Foucault (1971) assinala, os percursos gerativos do discurso podem ser os mais plurais
possíveis, desta forma a interação com a tecnologia digital influencia na construção da
identidade e de sua percepção. O desenvolvimento deste raciocínio, leva à recuperação do
conceito sobre os computadores, no âmbito do social. Criados com o intuito de serem
ferramentas, até quase o final do século XX, esta tecnologia era percebida como meras
máquinas de fazer cálculo. Dentre algumas mudanças na utilização destes objetos é destacado
o surgimento da internet como um dos grandes responsáveis por fazer com que as ideias
postuladas por Derrida (1996) e por Foucault (1971) fossem observadas no ambiente digital.
Há quinze anos, na cultura popular, as pessoas estavam ainda a
habituar-se à ideia de que os computadores podiam projectar e expandir
o intelecto do utilizador. Hoje em dia, as pessoas começam a aceitar a
noção de que os computadores podem expandir a presença física dum
indivíduo. Algumas pessoas usam os computadores para expandir a sua
presença física através de ligações vídeo em tempo real e salas de
reunião virtuais. Outras recorrem à comunicação mediada pelo
computador para encontros sexuais no ecrã (TURKLE, 1997, p.29).
Um perfil da internet não se constitui em algo estático, uma vez que acompanha as
transformações sofridas pelo sujeito, quem pode mudar, a qualquer instante, uma ideia, uma
opinião ou um interesse. Uma vez que os perfis auxiliam na interação e na contextualização
relacional entre sujeitos, podem ser adaptados de acordo com os valores e as intenções de
cada momento regido por expressões e percepções específicas. Todas estas consistem em
maneiras associativas de se relacionar no espaço imaterial das redes da internet e de vestir de
informações um corpo imaterial; e é nesta busca por se construir um “cartão de visita” a ser
disponibilizado de acordo com as características e interesses de cada rede que o sujeito tem a
possibilidade de experimentar facetas de si, interferindo em sua construção identitária.
A conversação, portanto, constitui e reconstrói o perfil, oferecendo
elementos para a construção de identidade e também dependendo desta
para se construir através de performances conversacionais com outros
atores (RECUERO, 2012, p.141)
Da mesma maneira, ao longo do estudo de campo, percebi que cada rede social da
internet possuía, muitas vezes, finalidades específicas para os interlocutores, podendo serem
180
apropriadas para propósitos específicos e que diferiam ou se complementavam entre si. Para
Marta, enquanto seu perfil na rede Twitter está mais direcionado para a busca de informações
profissionais, seu Facebook já tem um cunho lúdico informal mais marcante, a partir do
momento que sua principal utilização é para entrar em contato com amigos. Já Tadeu
argumentou que, embora busque priorizar seu perfil no Facebook para assuntos profissionais
é impossível escapar dos pessoais e por isso vez ou outra enfrenta situações nas quais se torna
complicado preservar sua privacidade. Por este motivo não gosta de assumir seu
relacionamento com Danilo na rede e reconhece que, às vezes, procura se lembrar de
selecionar as fotos das festas que frequenta e publica em seu perfil. Ainda assim Tadeu diz
que adora ver fotos dos outros e divulgar as suas, caso contrário o Facebook perderia parte de
seu atrativo. As fotos são uma das ferramentas comumente utilizadas para que o sujeito não
apenas construa uma imagem, ou performance em rede, mas também contextualize as
informações que os demais disponibilizam e sintam mais ou menos atraídos por estabelecer
laços de sociabilidade.
No caso de Tadeu, há uma prioridade por fotos nas quais está viajando e trabalhando,
uma possível mostra de como o entrevistado poderia estar a tentar [agradar], ambas facetas
tanto profissionais quanto pessoais, no sentido de divulgar, imageticamente, o que de
interessante está fazendo. Fotos da rotina, argumenta, não são interessantes, a partir do
momento que não o posicionam como um sujeito que faz um “algo a mais”, como define. A
expressão e o reconhecimento feitos pelo entrevistado é mostra de como as fotos podem ser
usadas como construtores de performance e facilitadores de sociabilidade.
Há, assim, uma intenção de priorizar fotos que tratem de viagens, situações de
destaque no trabalho ou momentos partilhados com um grupo de amigos, com o principal
intuito de destacar, ainda que dentro da rotina de suas vidas, situações que possam despertar o
interesse coletivo, por mais específico que este seja, fazendo com que o “banal”, o “trivial”,
possa receber ares de destaque, um diferencial perante o que é coletivo. O que Sibila destaca
como uma intenção de priorizar a mensagem e conferir uma potencialização atrativa da
realidade, como no caso trazido por este trabalho de campo, através da percepção das
fotografias, que registram certos acontecimentos da vida cotidiana e os
congelam para sempre em uma imagem fixa: não é raro que foto
termine engolindo o referente, para ganhar mais realidade do que
aquilo que em algum momento deveras aconteceu e foi fotografado. Do
mesmo modo, também as palavras que tecem a minuciosa escrita
autobiográfica parecem exalar um poder mágico: não só testemunham,
mas também organizam e inclusive concedem realidade à própria
181
experiência. Tais relatos tecem a própria vida; de alguma maneira, a
realizam. (SIBILA, 2007, p.185)
As distintas funcionalidades dadas às redes se justificam pelos específicos atributos
estabelecidos tanto pelo indivíduo criador de determinado perfil em determinada rede, quanto
consistirão em critérios acordados pelo coletivo. Esta foi a principal razão que levava os
entrevistados a não possuírem apenas uma rede da internet e por estarem sempre migrando de
contexto e de interface, levando-os a utilizarem várias ferramentas simultaneamente. Segundo
Lia, enquanto se conecta para responder correios eletrônicos, aproveita para entrar no
Facebook e ver “o que as pessoas estão fazendo”. A conta de e-mail consiste em uma
ferramenta para tratar de assuntos em profundidade e de se comunicar, sobretudo em questões
do trabalho. O Facebook é utilizado, como primeira intenção, para ócio e para se informar
acerca do que, socialmente, seus amigos estão publicando ou dizem estar fazendo. Lia não
gosta de publicar muitas coisas a seu respeito, mas sempre que pode, comenta uma foto ou
deixa alguma mensagem para um amigo específico. Percebo nestas ações da entrevistada a
intenção de fortalecer os laços sociais e incrementar o capital social advindo daquele
relacionamento, caso contrário, os horários de vida extremamente diferentes acabariam por
distanciá-la de pessoas que ainda gostaria de preservar o convívio, mesmo que este ocorra
apenas e tão somente pela mediação das redes da internet.
eu não publico todo dia [nas redes sociais da internet], para eu fazer isso
tem que ser alguma coisa interessante, no sentido de me marcar. Teve
um dia que eu até coloquei: ‘ah, ‘tô muito preocupada, minha
cachorrinha adoeceu’, mas não coloquei no sentido de: ‘quantas pessoas
vão comentar?’, mas é como se eu estivesse desabafando, para mim é o
que ‘tô vivendo. Se eu estiver em um momento difícil, não vou colocar
lá uma foto, uma imagem pra todo mundo rir, não coloco coisas se
aquilo não estiver refletindo a minha realidade naquele momento.
Acaba que quando eu escrevo alguma coisa, tanto se estiver chateada ou
se eu estiver muito feliz, eu quero dividir isso com as pessoas que eu
conheço, com as pessoas próximas, que nem um convite para um
casamento, uma formatura: tu queres dividir aquilo com as pessoas que
são próximas, que te conhecem. Apesar de ser público, apesar de ser
redes sociais eu não quero que o cara que tá lá do outro lado, que eu não
sei nem quem é, saiba. Sou muito fechada, mas eu acho que tem um
limite, mesmo sendo redes sociais com o acesso de tanta gente pela
internet.
Agora sei que tem muita gente que faz coisas bem diferentes na
internet: daí ou ela mudou ou a gente não sabe o que ela tá passando,
mas eu acho que a página [o perfil na rede social da internet] acaba
182
sendo um desabafo. A gente não sabe o que a pessoa ‘tá passando, às
vezes a gente muda de opinião num estalar de dedos.
A referência acima permite perceber como as autobiografias dos perfis das redes da
internet possuem uma tendência a encaminhar os relatos para uma afirmação e construção do
sujeito perante o social, de maneira que possa se destacar, seja através das fotos que publica
ou nos assuntos que ressalta como de interesse. Assim, se no século XIX, escreviam-se
diários e se grifavam informações de si com o intuito de se firmar diferenças e
especificidades, através do relato de vidas contadas em narrativas extraordinárias e bem
contadas, com uma nítida influência romântica, hoje o que se costuma perceber nas páginas
de perfis pessoais da internet é um sujeito que se narra e se mostra de maneira a fazer parte, a
assimilar, a resistir, a se resignificar e a construir o capital simbólico, a partir da relação
estabelecida consigo e com o Outro, de sua identidade.
4.5 Sobre o encantamento e algumas considerações
O jogo de interesses, a seleção de redes sociais e a forma de interação com estas e com
os sujeitos presentes nelas, acompanham a pesquisa realizada por Miller (2000) acerca das
formas de apropriação realizadas pelos indivíduos. Sobre isto, a própria questão da
performance e a intencionalidade que cada um dos entrevistados tinha em suas redes sociais,
eram mostras do direcionamento de sociabilidade realizados através destes objetos. Desta
maneira, as redes sociais da internet podem ser percebidas como a construção de anseios,
intenções e objetivos.
Aproveito este capítulo para ratificar que as páginas das redes sociais da internet
podem ser percebidas como o resultado da relação entre sujeitos e das próprias sensações
trazidas quando estes entram em contato com seus perfis na rede, bem como as demais
possibilidades propiciadas pela tecnologia. Miller (2000) alerta para a criação de uma essência
vital nestes objetos, a qual pode chegar a níveis não controlados pelos sujeitos uma vez que,
por ser partilhada, seu controle total não é possível, pois parte desta essência é exclusiva ao
encantamento exercido pelas redes da internet nos sujeitos.
Destarte, a identidade pode ser encontrada com influências tanto do mundo público
quanto no pessoal, pois quando o sujeito se projeta este também se dá conta de quem é ou de
quem gostaria de ser, daí a importância das redes sociais, que sempre acompanharam a
183
trajetória humana, fossem na forma de núcleos familiares, de amizades, do trabalho ou, como
mais recentemente temos nos deparado, com as redes sociais presentes no chamado
ciberespaço. O sujeito se constitui de maneira fragmentada, porque as realidades nas quais se
insere são diversas e fluídicas, tanto no que tange ao tempo quanto ao espaço, categorias estas
exploradas nas bases desta pesquisa, conforme avalia Miller: “a criação do ciberespaço é
claramente uma expansão do espaço-tempo” (2000, p.06).
Grande parte desta dinamicidade de espaço e de tempo pode ser percebida no contexto
do ciberespaço, o qual diz respeito muito mais a um estado de trajetória do que algo. Desta
maneira, as reflexões sobre esta temática estão centradas na questão da extensão que os
sujeitos fazem destes ambientes de rede social, bem como nos diversos tipos de interferências
geradas a partir da interação entre sujeitos e redes sociais da internet. Logo, a própria ideia de
que se é dono de um determinado local na web é uma fantasiosa, pois este passa a ser um
cenário de trocas sociais e não apenas individuais, configurando espaços de sociabilidade,
experiência, performance e interação. Sobre este ponto, Gell (1998) ressalta a existência e
capacidade da web de relacionar e colocar, em um palco de interação sujeitos e coisas, a
objetificação. Isto posto,
a web (na sua forma total) é um objeto no qual nós somos capazes de
seguir como um movimento do pensamento, um movimento da
memória alcançando o passado e um movimento de aspiração,
sondando entre um não realizado, ou talvez não realizável futuro.
Através do estudo destes artefatos, nós somos capazes de ter uma ideia
de como estas disposições externas (e eternas) destes atos púbicos de
objetificação e simultaneamente de envolvimento da consciência de
uma coletividade, transcendem o ambiente individual e coordenam um
particular aqui e agora (1998, p.258)
Acerca da questão tratada acima, o pesquisador social Mário Guimarães Jr. (2004)
declara a necessidade para que o estudo do fazer antropológico no ciberespaço não seja mais
analisado como formas de interações sociais em um aspecto superficial. Tendo como
fundamento as propostas de Barth (2000), acerca da compreensão da identidade, como algo
em constante dinamismo e que deve ser compreendido a partir das características da
sociedade na qual se insere e que influencia sua construção e transformação, percebo o ato do
sujeito de se representar nas redes sociais da internet como uma das plurais demonstrações de
experiências possíveis para que características e interesses diversos sejam catalisados, de
forma a criar e construir, a partir de diversos propósitos, uma identidade fluida. Assim,
184
Movendo o foco de investigação da materialidade das tecnologias para
a natureza das práticas sociais e respectivas representações nas quais as
mesmas estão inseridas. A natureza das tecnologias, portanto, não se
encontra em sua materialidade, mas nas formas pelas quais as mesmas
são utilizadas em cada contexto específico (GUIMARÃES JR., p.132,
2004).
Considero importante ratificar algumas características da etnografia realizada e já
exposta em capítulos anteriores, dada a importância da leitura dos símbolos sociais, conforme
proposto por Geertz (1973) e Barth (2000), bem como pelo paradigma hermenêutico e em seu
desdobramento, a Antropologia Simbólica. Desta forma, estando a cultura vinculada com uma
série de conceitos semióticos de significados, sua preocupação principal centra-se na forma
pela qual os sujeitos compreendem o mundo ao redor e seu universo interno, através do uso de
uma linguagem simbolicamente compartilhada. Estes sujeitos também agenciam em muito
suas próprias culturas, inclusive suas tecnologias, conforme salienta o antropólogo Paul
Rabinow (1999), quando interpreta de que maneira as representações são formas de se
compreender os fatos sociais.
Tanto a questão da performance, anteriormente trazida por Butler (1993, 2003), quanto
as representações das quais trata Rabinow (1999), são categorias de interesse prioritário no
estudo da etnografia que realizei. O interesse que realizo neste projeto é o de perceber de que
formas, ainda que mediados pela tecnologia, estes sujeitos podem representar-se a si e a
inserirem suas performances em um mundo imaterial que nunca deixa de refletir escolhas,
consequentemente, performances e representações, que ocorrem no mundo material. Faço
uso, sobre esta questão, de uma afirmação de Rabinow (1999), que acompanha a ideia já
anteriormente exposta sobre as performances de Butler (1993, 2003): “A conversação entre
indivíduos e culturas somente é possível dentro de contextos moldados e limitados por
relações históricas, culturais, políticas e práticas sociais parcialmente discursivas que as
constituem.” (RABINOW, p.77, 1999).
Destaco a possibilidade de, nas redes sociais da internet, o sujeito estar mais livre para
selecionar o conteúdo que deseja ter acesso ou que deseja estabelecer laço, ainda que por
breve momento de sociabilidade. Enquanto alguns entrevistados mostraram cautela sobre a
divulgação e fotos, outros buscaram selecionar acontecimentos, como festas e férias. Sempre
que possível estas fotos possuem outros sujeitos que, ao terem seus nomes marcados por
aquele que publicou a foto são notificados, automaticamente, seja via correio eletrônico, seja
por mensagens que chegam dentro da própria rede social, na qual a foto se encontra
disponível. Esta se mostra uma atualização dos exemplos de sociabilidade trazidos por
185
Simmel (1971, 2006), tanto sobre as pontes que o ato implica quanto para a questão do
conteúdo e de sua seleção, trazida pelo autor, uma vez que promove o debate e a reunião das
pessoas ali fotografadas, bem como permite o replique de comentários de quem a vê
publicada.
O caso de Dalila é um exemplo de como fotos podem dizer muito, inclusive sobre suas
características e potencialidades profissionais. Segundo a entrevistada, em virtude de ser
professora de academia de ginástica sempre procura fazer uma seleção meticulosa das fotos
que disponibiliza em suas redes sociais: “quando eu coloco [fotos], acabo vendo o que é bom,
porque as pessoas vêem que a gente ‘tá bem, que ‘tá se cuidando, acabam vendo por esse
lado. Uma divulgação também do meu trabalho.”.
Dado curioso é o de que, mesmo entre aqueles entrevistados que afirmaram não
publicarem fotos suas, seja por falta de tempo ou por questões de privacidade, foi unânime o
interesse em ver fotos, ainda que de pessoas não tão próximas a seu ciclo social. Aí residem
uns dos pontos fortes das redes sociais da internet: pode-se ver muito, sobre vários, sem
necessariamente se identificar ou realizar algum comentário, diferente da vida off-line que,
muitas vezes, demanda mais expressões e práticas verbais ou gestuais na interação social.
Dalila afirmou utilizar outras ferramentas das redes sociais, as quais acabam por,
mesmo que não seja a intenção consciente da entrevistada, divulgar determinados aspectos de
sua identidade e de buscar consequências positivas para sua atuação profissional. Exemplo
disto é o registro do local que se encontra em determinado momento, o denominado checkin74, o qual Dalila realiza frequentemente:
estava na pós-graduação e coloquei o check-in, até para meus alunos
saberem o que estava fazendo, para saberem que estava me
qualificando, daí viram e na segunda já vão chegar me perguntando: o
que foi, como foi, uma forma de interação, de divulgar, porque às vezes
é difícil a pessoa saber que ‘tô fazendo um curso e daí é bom as pessoas
do meu dia a dia, do meu trabalho, saberem.
A grande questão é que, dada a liberdade para se colocar qualquer foto, o sujeito pode
tanto se representar tal qual é no mundo off-line, quanto revelar características específicas do
que constitui a percepção e os anseios de e sobre si. Assim, as performances on-line, bem
como as off-line, podem ser formas de ocultar ou destacar aspectos que também podem oscilar
74
Esta ferramenta permite indicar, a partir de um rastreamento geográfico, a localização na qual
determinada foto foi tirada ou local que se esteve.
186
e se transformar, o que não deixa de passar pela questão de como o sujeito se reconhece ou
deseja ser percebido. De acordo com Moura,
uma ideia imagem – construída à medida do simulacro que a envolve e
em resultado direto do permanente encontro/desencontro do corpo com
o seu outro-sublimado, fabricado pelas novas tecnologias.
A experiência quotidiana do sujeito contemporâneo encontra-se
marcada pelos diversos dispositivos que o ligam e desligam do que o
rodeia. Telemóvel, televisão, internet, jogos de computador, ...
ligar/desligar – ligar/desligar - ligar/desligar – ligar/desligar ... O sujeito
salta de máquina em máquina, funde-se com ela, dilui-se nela, exige
tudo dela como ela exige tudo de si. Com isso algo se perde – algo se
cria – algo se transforma. (2002, p.08)
Sendo assim, o ambiente do ciberespaço permite que o sujeito se encontre
parcialmente liberado dos aspectos físicos de seu corpo. É acompanhado, desta maneira,
muito mais da ideia de si próprio e a possibilidade da experiência de posturas e situações online, as quais, em algum nível, poderão sofrer interferências do plano off-line e vice-versa.
Sobre este aspecto específico, faço a ressalva sobre o que muitas vezes é interpretado como
fuga ou falseamento de si: o fato de que, para acessar a internet, não é necessário ter um corpo
físico correspondente ao que se vive on-line, o que não significa que este não exista como
representação dos auto reconhecimentos ou anseios da experiência off-line, a exemplo da
seleção de fotos disponibilizadas pelos usuários em seus perfis. Rodrigo detalha que houve
situações em que simulou ser do sexo feminino, nas redes sociais da internet:
Para experimentar umas coisas eu gosto do anonimato das redes porque
Eu, minha vida, ninguém toca. Por isso não publico Nada sobre minha
vida, só sobre meu trabalho, meu amor pela fotografia, não gosto de
publicar fotos pessoais porque a gente pode receber um comentário
ruim e ser atacado a qualquer instante, é muita exposição. Mas u gosto
tanto do que faço [com o que trabalha] que só procuro essas coisas na
internet e nos meus contatos das redes sociais. E pornô que todo mundo
gosta, mas aí eu uso o anonimato.
Apesar da pontuação positiva acerca da liberdade oferecida pela internet e suas redes
sociais, possuir um corpo físico no mundo off-line também influencia formação da identidade
do sujeito, uma vez que este será o responsável por contar a(s) história(s), trajetória(s) e
algumas das principais características do indivíduo, inclusive sobre as formas de relação que
este estabelece com o mundo, consigo e com os demais. Destarte, o percurso de vida e das
187
próprias ideias e percepções do sujeito são [expostas] em seu corpo físico, na figura de um
objeto que fala, que conta uma história.
Assim, corpo off-line e corpo on-line se encontram na esfera do campo das ideias e das
características já possuídas ou em construção do sujeito, conectados nesta percepção pela
subjetividade, em um sentido de que se possui o corpo e o corpo também nos possui, que
participamos de redes sociais da internet, mas elas também nos possuem, elas também fazem
parte daquilo que nos constitui e nos constrói, em situação de vertigem que configura o ato de
possuir, mas simultaneamente de abrir mão do próprio corpo para, somente assim, poder vir a
ser de outras formas, ultrapassando as fronteiras do material para contemplar as possibilidades
do que é essência.
Neste ponto reside a questão destacada por Geertz (1973) acerca da teia de
significados determinados e construídos culturalmente, a qual permite que um símbolo seja
capaz de carregar inúmeros significados, os quais serão acionados de acordo com o contexto
ao qual se refere determinada análise, uma vez que “cada sociedade tem seu regime de
verdade, sua ‘política geral’ de verdade: isto é, os tipos de discurso que ela acolhe e faz
funcionar como verdadeiros” (FOUCAULT, p.12, 1979). Ao longo das falas dos
entrevistados, percebi que as fotos disponibilizadas nas redes sociais da internet funcionavam
como símbolos de performance acerca do que se deseja passar ou da identidade que o sujeito
procura transparecer. Por conseguinte, a tecnologia fomenta anseios que já existiam no
sujeito: da experiência, da imaginação, da busca, da influência, da construção; razões estas
que levaram a uma modificação e uma ressignificação das formas interativas com o mundo e
com a individualidade, em um encontro/desencanto do sujeito que surge a partir destas novas
interações com o mundo e com os demais.
Assim, se em alguns casos a ideia do “anonimato” permite percorrer situações que de
outra forma não seriam escolhidas caso a identidade fosse revelada, em outros momentos o
sujeito faz questão de ser assim reconhecido e se (auto)afirmar, apesar disto ambas as
situações não são, necessariamente, ambíguas, pois todas estão interligadas pelas
intencionalidades identitárias do sujeito, de acordo com o momento, a finalidade, os objetivos
e, inclusive, a justificativa que pode ser dada, na teia dos significados culturais e sociais, para
as ações e interpretações realizadas. Percebo como as redes sociais da internet permitem que
os sujeitos possam ter suas vidas e determinados assuntos partilhados, com o intuito de
aumentar não apenas a exposição de suas individualidades, mas de promover suas
representações, seus valores e aquilo que lhes é complementar na identidade, através das
experiências trazidas pela interação social. Assim, há uma busca pelo aprofundamento do
188
capital social e de sua identidade, seja em uma visão global, quanto sobre assuntos
específicos. É nesta busca que, constantemente, podem-se agregar, questionar e descartar
valores e conceitos, performances e subjetividades de maneira a nunca se ter uma sujeito de
práticas fixas, mas, conforme o propõe Nietzsche (2002), um sujeito que é transição e queda,
é ponte e não fim.
189
CONCLUSÃO
“Nossa caminhada não tem começo nem fim,
só continuidade.”
(Renée Gumiel)
O estudo da identidade proposto neste projeto esteve focado em compreender de que
forma os jovens, constroem suas identidades, considerando as relações estabelecidas entre online e off-line, dinâmicas em permanente construção e em situação relacional com o outro e
com o social. Logo, a metodologia do recorte dos interlocutores deste projeto considerou a
fluidez que marca as experiências sociais e as relações entre gerações.
Dada à dinamicidade e a necessidade de operar com análises que envolveram tanto
aspectos do on-line quanto do off-line, a categoria espaço foi percebida enquanto um cenário
de práticas sociais e não uma localização geográfica. A construção e desconstrução destes
locais estão centradas, especialmente, no subjetivo e no jogo de interesses dos sujeitos, o que
envolve as finalidades e funções que cada espaço adquirirá àqueles que aí e com ele
estabelecem relações.
A classe social não foi definida a partir de características econômicas apenas e sim a
partir de um marcador social operado mediante valores construídos no campo social e
cultural, tendo como base uma relação de significados compartilhada por sujeitos inseridos e
envolvidos em determinado contexto. Demonstrando que a dinamicidade e as escolhas são
operadas com influência do coletivo e do subjetivo, ligados a sistemas classificatórios
simbolicamente representados, construídos, transformados e utilizados.
Uma vez que as redes sociais da internet se configuram em territórios de espaços
praticados, podem convergir interesses e propósitos diversos, o que levou alguns
entrevistados a destacarem a falta de privacidade que sentem em algumas situações, bem
como o sentimento da vigilância. Apesar disto, não deixam de ser oportunidades para que o
sujeito trace novas experiências ou aprofunde determinadas questões pertinentes em maior ou
menor escala à construção de suas identidades. O julgamento advindo do senso comum sobre
as redes sociais da internet muitas vezes as percebem como espaços de fuga da realidade,
entretanto foi constatado, através do trabalho de campo, que on-line e off-line não se
configuram como esferas antagônicas e sim como realidades complementares. Desta forma,
estas esferas estão em constante comunicação e interferência, estabelecendo relação quase
simbiótica, pois o que se vive no off-line geralmente reflete situações, anseios e buscas com o
on-line, e vice-versa.
190
Tendo em consideração o exposto acima, as categorias que envolvem a compreensão
do sujeito e de sua identidade foram estudadas de forma a demonstrar que muitas ideias
trazidas no fundamento dos estudos da Antropologia consistiam em aportes necessários à
operacionalização das análises advindas do campo. Logo, considero de fundamental
importância a incorporação da Antropologia, a qual norteou as reflexões tecidas neste estudo
e foi a ciência responsável por perceber sujeitos e tecnologias para além das características
operacionais e de valores comunicacionais, conforme desenvolvido por outras pesquisas na
área da Comunicação Social no Brasil.
Graças ao aporte antropológico, foi possível conciliar este projeto não apenas com as
contribuições advindas da Comunicação, mas aprofundar as informações trazidas do campo
com o embasamento dos debates acerca de classe social, das categorias de performance e
gênero, da relação do sujeito com sua subjetividade, da relação social, dentre outros. Por
conseguinte, o passo dado neste projeto teve o intuito de atentar para outras questões que
formam a identidade do sujeito e vão para além das trocas conversacionais operadas e da
maneira como estas interfaces funcionam. Esta argumentação está embasada na emergência
que se acredita necessária ao aprofundamento dos estudos acerca da internet e das relações
que aí se inserem, tanto entre sujeitos quanto entre sujeitos e perfis da internet. Mais do que
fenômenos de comunicação, as redes sociais da internet bem como a forma pela qual
influenciam nos comportamentos dos indivíduos e são tomadas por estes sujeitos, dizem
respeito a reflexos do social e da cultura.
A construção de significados sociais e a forma como estes são culturalmente
construídos, interpretados, adaptados e transformados foi fundamental para apreender de que
maneira as identidades e as interações com o mundo acontecem mediante intencionalidades,
expectativas, julgamentos e pré-conceitos. A cultura e seus significados são os responsáveis
por traçar grande parte dos comportamentos sociais, sendo assim, a identidade se constitui em
desafio de estudo, pois envolve a interpretação de mundos e categorias diversas dentro do
contexto social. A construção das identidades dos indivíduos tem influência das intenções,
buscas, questionamentos e significações ligados tanto ao social quanto ao individual do
sujeito, em experiências de vidas dinâmicas e diversas.
Neste contexto de dinamicidade de experiências, os laços estabelecidos demonstram a
aproximação ou o afastamento entre sujeitos de acordo com o momento, o que não significa a
perpetuidade e forma fixa destas interações. Desta maneira, a concepção de grupo deve ser
vista como reunião não homogênea de sujeitos que se conectam, em determinado instante, por
191
motivo e razão específicos, podendo, em outras situações estarem separados ou mais
afastados.
As redes sociais da internet levam a refletir sobre como estas identidades e as
sociabilidades podem ser operacionalizadas no on-line, dado que a concepção do corpo,
enquanto matéria física terá sua representação operada em fotografias, formas de falar e
conteúdos compartilhados. Destarte, o sujeito aciona características de sua identidade de
modo a construir uma narrativa pessoal, a qual, no instante em que entra em interação com os
demais, poderá sofrer modificações, como a forma de se expressar e a expectativa gerada
sobre o que se espera da interação com o outro. Não obstante, os limites entre público e
privado são tênues e possibilitam transposição, uma vez que a rede social da internet bem
como qualquer coletivo agregará sujeitos que compartilharão determinados laços de
sociabilidade, mas que podem se mostrar divergentes e antagônicos sobre outros.
Muitas das questões as quais os interlocutores demonstraram receio na exposição offline, como temáticas da religião e da sexualidade, eram vivenciadas no on-line por meio de
atitudes que não tinham oportunidade de acontecimento no off-line. Apesar disto, o sujeito
raramente se desvinculava dos comprometimentos e das representatividades de determinada
postura exercida no off-line. Por esta razão, alguns optavam pelo anonimato ou possuíam
cautela em suas ações, esta observação demonstra que não se pode considerar a vivência online como uma fuga daquela off-line. O que foi possível perceber foi que on-line e off-line
operam de maneira complementar, ora a reforçar, ora a explorar espaços e características,
assim como a ideia da identidade que se tem de si não abandona estes sujeitos. Por esta razão,
não considero os comportamentos e atitudes expostos pelos sujeitos através do campo
realizado como antagônicos, e sim como plurais e fluídos, o que corresponde aos fundamentos
teóricos trazidos nas bases dos estudos antropológicos utilizados.
As análises realizadas neste projeto demonstraram a influência da cultura material, e
mais especificamente do conceito de objetificação, na compreensão da influência que as redes
sociais da internet podem exercer na vida dos sujeitos. Considerando que estas ferramentas
tecnológicas integram o sistema de interação entre os sujeitos, elas não podem ser percebidas
tão somente como plataformas comunicacionais, mas para além disto, dizem respeito a formas
de encantamento e de atração dos sujeitos, graças ao envolvimento não apenas estético
oferecido por estas plataformas, como também pela capacidade destas de reunirem diversos
indivíduos e possibilidades.
Observar o comportamento humano na interação com os objetos que os constroem é
considerar toda a carga de importância que estes possuem na vida em sociedade. Por este
192
motivo, apurar a compreensão sobre a objetificação das coisas que cercam o mundo social,
tanto coletivo quanto subjetivo, seja no on-line como no off-line, é uma forma de
compreender como estas relações entre sujeitos e tecnologia integram as esferas da construção
do ser social e de sua identidade, em processo vital de interação, toque, percepção e
sociabilidade.
Durante as entrevistas, foram assinalados diferentes propósitos que buscavam
justificar determinada conduta ou forma de agir, entretanto, todos eles se viam refletidos nos
anseios próprios do sujeito para a construção de sua identidade e da interação com os demais.
Dito desta maneira, os casais que nem sempre assumiam o relacionamento no on-line eram os
mesmos que no off-line reservavam tal informação para poucos sujeitos de seu ciclo social,
em demonstração de que o que era considerado de caráter extremamente pessoal, o era tanto
no off-line quanto no on-line. Os sujeitos, sobretudo aqueles que se reconheceram
homossexuais, evitavam tratar da questão no universo on-line como reflexo de preconceitos e
situações encontradas no off-line. Neste processo dialético de construção das narrativas a
partir das falas individuais e de como estas são inseridas na sociedade, percebi que um
comportamento ou uma forma de pensar no off-line pode encontrar outras correspondências
no on-line, considerando a riqueza trazida pela trajetória vivida pelo indivíduo.
Deste modo, criar um perfil na internet está relacionado com escolhas realizadas que
interferem e (des)constroem as identidades do sujeito em constante mudança. A fluidez que
acompanha a identidade é a demonstração de que o sujeito, em relação consigo e com os
demais, é capaz de transformar o outro, o contexto ao seu redor, e também a si, em um eterno
vir-a-ser no qual espaços e características são negociados mediante necessidades e intenções.
A complementariedade do on-line e do off-line mostra a sincronia que operam, portanto não
cabe aqui determinar se o que os sujeitos vivenciam nas redes sociais da internet e no off-line
é ou não verdadeiro, uma vez que se cairia em padrões normativos os quais não considero
oportunos às compreensões aqui propostas. Afinal, cada indivíduo trás um universo dentro de
si, tão rico e matizado que faz com que as identidades aqui analisadas estejam em frequente
transformação.
Muitas vezes, o estudo da interação entre sujeitos e tecnologia pode levar a uma visão
parcial sobre como ela se operacionaliza na prática, conforme foi o caso dos principais
trabalhos já desenvolvidos na área da Comunicação no Brasil, os quais se encontraram
fundamentados nas trocas de mensagens e nas características de interface das tecnologias. Por
isto, as bases antropológicas conferidas a este projeto foram necessárias para que a discussão
explorasse outros sentidos e perspectivas em relação ao tema. Agrada-me imaginar a
193
possibilidade dos interlocutores de seguirem se modificando e não serem os mesmos do início
desta pesquisa, o que me faz perceber que as análises aqui realizadas devem ser
compreendidas segundo um recorte de tempo e espaço, e não como temática finalizada, tendo
em vista que novos contextos podem surgir, bem como outras categorias podem ser
incorporadas à análise da construção das identidades, explicitando desta forma as relações
sociais e culturais como um campo frutífero para os estudos antropológicos dos sujeitos.
194
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214
APÊNDICE - ROTEIRO SEMI ESTRUTURADO PARA TRABALHO DE CAMPO
Filtro:
-Participar de redes sociais da internet
Perguntas de identificação:
Idade:
Sexo ao nascer :
Como se define:
Como vc define a sua COR?
1- Há quanto tempo faz parte de redes sociais da internet?
2- De quais redes sociais da internet faz parte e qual/quais a que mais acessa? Por quê?
3- O que mais busca nestas redes sociais da internet?
4- A maior parte das pessoas com as quais você se relaciona no cotidiano também são as que
você mais se relaciona nas redes sociais? Por quê?
5- Os contatos de suas redes sociais são conhecidos seus pessoalmente?
6- No que você considera que as redes sociais mais influenciam na sua vida?
7- Você considera que há algo de diferente na pessoa que você é no plano concreto e no plano
do não concreto? Em que sentido?
8- Você considera que há algo de diferente nas pessoas que freqüentam a rede naquilo que
elas apresentam no plano concreto e no plano do não concreto? Em que sentido?
9- Você costuma colocar fotos atualizadas em sua rede social? De quais momentos principais?
Por quê?
10- De onde você mais costuma acessar as redes sociais da internet?
11- Com qual frequência? Por quê?
12- Qual a principal vantagem e desvantagem de fazer parte das redes sociais da internet?
13- Você já viveu relacionamentos amorosos a partir da internet?
14- Quem na sua casa acessa internet e faz parte de redes além de você?
15- Seus pais/ irmãos participam de redes em comum com você? Como é essa experiência?
16- Você já postou coisas na internet que se arrependeu? Quais?
17- O que você não gosta de postar na internet?
215
18- Você tem redes que não se conciliam? Que são bem diferentes? E quando elas se cruzam,
como vc faz? Ou você evita esse cruzamento? (pensar os diferentes tipos de redes que
estamos: famílias, grupo militante, grupos alternativos homossexuais com assuntos
correspondentes e que são publicados para todos virem... como lidar comesses vários
pertencimentos que se cruzam ao postar notícias?)
19- Viver sem internet e sem redes sociais da internet para você significa...
216
ANEXOS
ANEXO 1 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA DE PERFIL DE USUÁRIO DO
ORKUT
Nota: Imagens e nomes foram suprimidos de maneira a manter a privacidade do sujeito do
perfil.
217
ANEXO 2 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA DE PERFIL DE USUÁRIO DO
FACEBOOK
Nota: Imagens e nomes foram suprimidos de maneira a manter a privacidade do sujeito do
perfil.
218
ANEXO 3 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA DE PERFIL DE USUÁRIO DO
TWITTER
Nota: Imagens e nomes foram suprimidos de maneira a manter a privacidade do sujeito do
perfil.
219
ANEXO 4 – MODELO DE IMAGEM - PÁGINA INICIAL DO YOUTUBE
220
ANEXO 5 – DOSSIÊ UNIVERSO JOVEM MTV

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