Será que estamos fazendo a coisa certa? um estudo

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Será que estamos fazendo a coisa certa? um estudo
PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8a10 de outubro 2014)
Será que estamos fazendo a coisa certa? um estudo preliminar sobre
códigos de ética de marketing e negócios1
Ricardo Zagallo Camargo2
ESPM
Maria Caramez Carlotto3
ESPM
Resumo
A proposta deste texto surgiu da nossa participação, enquanto integrantes do Centro de Altos
Estudos da ESPM (CAEPM), no processo de atualização do Código de Ética do Profissional
de Marketing proposto pela Associação Brasileira de Marketing e Negócios (ABMN).
Metodologicamente, trata-se, portanto, de um esforço reflexivo a partir de uma observação
participante (Haguette, 1992). Baseando-se em um levantamento acerca dos códigos de ética
de marketing e negócios e em um estudo comparado preliminar, este trabalho propõe uma
síntese das principais questões que orientam o campo da ética no marketing no Brasil e no
mundo para sugerir caminhos para construção de um código de ética efetivo, que seja capaz
de contribuir para a transformação das práticas profissionais.
Palavras-chave: código de ética de marketing, autorregulamentação, marketing, ética.
Considerações iniciais
O presente trabalho, elaborado a partir de nossa participação no processo de
atualização do Código de Ética da Associação Brasileira de Marketing e Negócios
(ABMN), dialoga com o tema geral do 4º Congresso Internacional de Comunicação e
Consumo ao propor uma reflexão crítica sobre os problemas e questões que pautam,
1
Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho Comunicação, Consumo e Institucionalidades, do 4º
Encontro de GTs- Comunicon, realizado nos dias 08, 09 e 10 de outubro de 2014.
2
Doutor em ciências da comunicação pela ECA-USP em 2009, atualmente é diretor do Centro de Altos
Estudos da [email protected]
3
Formada em Ciências Sociais pela USP, fez mestrado e doutorado em sociologia pela mesma
instituição. Foi pesquisadora do CEBRAP, do Gpopai/USP e hoje é vinculada ao CAEPM
[email protected].
1
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contemporaneamente, a construção e atualização de Códigos de Ética no campo de
marketing e negócios em âmbito nacional e internacional. O envolvimento do Centro
de Altos Estudos da ESPM no debate contemporâneo sobre ética foi consequência do
convite feito pela ABMN à ESPM, por intermédio de sua Vice-Presidência
Institucional, para que ela, enquanto instituição de ensino e pesquisa, participasse do
processo de atualização do código de ética marketing da associação, criado
originalmente em 1999. Vale lembrar que a ESPM já havia participado da elaboração
da primeira versão e constitui-se, por esse motivo e pela expertise acumulada no
campo do marketing, como instituição credenciada para essa tarefa. O Centro de
Altos Estudos (CAEPM), por sua vez, devido a sua vocação para a pesquisa integrou
esse processo coordenando a contribuição da escola.
Partindo dessa demanda de ordem prática, o CAEPM desenhou e executou um
estudo comparado de códigos de ética no campo do marketing, buscando levantar
questões e tendências que têm pautado contemporaneamente a construção e
atualização desses códigos. Em sua fase inicial, realizada até aqui, a pesquisa seguiu
duas etapas: (1) um levantamento da literatura sobre ética no campo de marketing e
negócios, assim como dos códigos existentes e; (2) um estudo comparado de códigos
de ética com ênfase nos novos temas e questões por eles abordados.
Em relação ao levantamento da literatura, realizamos uma primeira busca nas
bases de dados EBSCO, EMERALD e SAGE, considerando o período 2011 a 2014 e
utilizando as seguintes palavras-chave:

Marketing Ethical Code(s);

Marketing e “Ethical Code”;

Ethical Code on Marketing;

Marketing Code of Ethics;

Comparing Marketing Ethical Codes;

Marketing and Advertisement Ethical Codes;

International Standard Ethical Code For Advertising And Marketing;

Standard Ethical Code For Global Marketing;
2
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
Standard Ethical Code For Marketing Strategy.
Depois de hierarquizar os artigos por “relevância” – ranking que leva em
conta um conjunto de critérios, particularmente a incidência exata dos termos
buscados e o número de citações de cada artigo4 – passamos à leitura dos abstracts e à
seleção final dos artigos. Além dessa pesquisa nas bases internacionais, realizamos
uma segunda busca no Portal SCIELO, sem definição de intervalo temporal, com as
seguintes palavras-chave:

Código de ética em marketing

Ética em negócios;

Ética no marketing;

Ética na propaganda.
No caso da pesquisa no SCIELO, dado o número restrito de artigos
encontrados, selecionamos todos os artigos elencados. A última etapa desse
levantamento foi uma primeira geral leitura dos desses artigos e, a partir disso, a
seleção de outros artigos e textos relevantes. O resultado final desse levantamento está
sintetizado no relatório Códigos de ética: levantamento preliminar de conteúdo,
disponível no site do CAEPM5.
Além de uma seleção de artigos sobre códigos de ética segundo os critérios
apontados, o levantamento inclui uma listagem de códigos de ética profissionais,
construída a partir de dois critérios: (a) os códigos citados pelos principais códigos de
ética de marketing e negócios referenciados pelos códigos de ética de marketing e
4
Os critérios para o ranking de relevância estão disponíveis on-line. Para a EBSCO ver
<http://support.epnet.com/knowledge_base/detail.php?id=3971>.
Para
a
EMERALD
ver:
<http://www.emeraldgrouppublishing.com/authors/impact/index.htm?PHPSESSID=plgncos6u62bufaf
673hanspv5>
Para
a
SAGE
ver:
<http://online.sagepub.com/site/sphelp/SageColl_SearchResults.xhtml>. Acesso em 08 ago. 2014.
5
Mais precisamente no link:
<http://www2.espm.br/sites/default/files/pagina/codigos_de_etica_de_marketing_levantamento_biblio
grafico_08.08.2014.pdf>. Acesso em 08 ago. 2014.
3
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negócios brasileiros6; (b) códigos encontrados no Google a partir de uma busca pelas
palavras-chaves mencionadas acima. Esses códigos de ética, listados na tabela em
anexo, serviram de base para a construção de um quadro comparativo entre códigos
de ética cujas dimensões analisadas foram definidas a partir do código da ABMN,
destacando-se os seguintes aspectos:
•
Estrutura do documento (como se divide, tamanho etc.);
•
Público-alvo (a quem se destina);
•
Escopo do código (que áreas ele contempla);
•
Objetivos declarados (como o código apresenta a sua finalidade);
•
Documentos citados (quais códigos, documentos ou recomendações são
citados como referência);
•
Preceitos gerais (valores ou princípios de referência);
•
Deveres em relação à sociedade (recomendações quanto à responsabilidade social);
•
Deveres em relação às estratégias de marketing (recomendações específicas
quanto às atividades de marketing);
•
Deveres no exercício cotidiano da profissão (prática profissional)
Além disso, observamos as recomendações específicas quanto:
•
Ao uso de dados estatísticos e de pesquisas de mercado;
•
Ao uso de informações e de pesquisas científicas;
•
Ao uso de dados pessoais dos clientes;
•
Ao merchandising e identificação publicitária;
•
Às responsabilidades ecológicas e preocupações ambientais;
•
Aos apelos de sustentabilidade;
•
Ao marketing dirigido a crianças e jovens;
•
À responsabilidade em relação a grupos de pressão (negros, mulheres, ONGs);
•
Ao uso de novas mídias;
6
Mais precisamente, neste levantamento preliminar, consideramos os códigos de ética citados (como
referência) pelo código da ABMN e dois dos principais códigos internacionais.
4
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É importante notar que este quadro comparativo ainda é preliminar. Começamos
por analisar os códigos nacionais citados pelo código da ABMN e os dois principais
códigos internacionais mencionados. Em síntese, são eles:

Código do CONAR7

Código de ética da AMPRO8

Código de ética da ABEMD9

Código Internacional para a prática de pesquisa social e de mercado10

Statements of Ethics of AMA (American Marketing Association)11

Advertising and marketing communication code: consolidated ICC code
(International Chamber of Commerce)12
7
O código do CONAR traz formulações mais específicas sobre algumas dimensões da prática
publicitária, em especial, especificações sobre a publicidade para crianças e jovens, a publicidade
implícita e o merchandising e os apelos de sustentabilidade.
8
O código da AMPRO é bem específico sobre a prática de marketing promocional. Busca regular a
relação entre o promotor, o agente intermediário e o receptor, o cadastro de ideais promocionais, a
política de contratação de serviços, a política de remuneração dos agentes intermediários e seus
fornecedores.
9
O Código da ABEMD regulamenta as práticas de marketing direto, em especial o telemarketing. Por
isso, traz recomendações mais detalhadas sobre a as práticas de abordagem direta, incluindo a
regulamentação do uso de dados dos consumidores. Pode ajudar a formular recomendações concretas
quanto ao respeito à privacidade.
10
Código bastante específico para pesquisa de mercado, mas traz uma regulamentação completa para o
processo de produção de dados por pesquisas sociais e de mercado, uma área que tem se tornado cada
vez mais importante para o planejamento estratégico e as iniciativas de marketing.
11
O código da AMA é muito sucinto. É mais uma explicitação de valores e princípios do que um
conjunto de normas detalhadas que marca a maioria dos códigos de ética consultados. Um ponto
interessante, que não aparece em outros códigos, é a valorização do chamado "comércio justo" [fair
trade]. No que concerne à essa questão, o código traz a seguinte recomendação: "Urge supply chain
members to ensure that trade is fair for all participants, including producers in developing countries".
12
O código de ética do ICC é, provavelmente, um dos primeiros códigos de ética de marketing do
mundo, já que a sua primeira versão é de 1937. Por outro lado, ele vem sendo atualizado com relativa
frequência, sendo também o mais recente que encontramos, já que a última versão é de 2011. Até por
isso, ele possui um capítulo inteiro sobre "mídia interativa digital". Além disso, ele traz um capítulo
específico sobre "apelação ambiental". Um ponto interessante também é que eles regulamentam o
"patrocínio".
5
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Partindo desse levantamento da literatura e desse estudo comparado
preliminar, este artigo se organiza da seguinte forma: (i) na primeira parte,
apresentamos o contexto histórico que determinou a emergência da ética no campo do
marketing, com foco especial no Brasil; (ii) na segunda,elencamos e analisamos de
modo sucinto as principais questões e problemas levantados pelos códigos de ética
contemporâneos de marketing; (iii) na terceira, propomos alguns caminhos para a
construção de um código de ética efetivo. O artigo se encerra com algumas reflexões
inseridas nas considerações finais.
I. Contexto histórico: a importância crescente da ética no marketing
No mundo atual, em que o consumo e a cultura midiática são elementos
constitutivos da vida social, o marketing e a publicidade assumem um papel cada vez
mais importante na construção de imaginários sociais, na difusão de valores e visões
de mundo e na construção de identidades. Em função disso, as cobranças sobre os
padrões de desenvolvimento dessa atividade aumentam e a sociedade, através de
“grupos de pressão” organizados em movimentos sociais, entidades da sociedade
civil, organizações governamentais, não-governamentais e associações formais e
informais, passa a pressionar pela regulamentação do marketing e suas atividades
principais (Acevedo et al., 2008 e 2009).
Os profissionais de marketing, por sua vez, são sensíveis aos questionamentos
e têm, historicamente, procurado desenvolver e fortalecer mecanismos de
autorregulamentação, em especial os chamados códigos de ética, que buscam balizar
o exercício da atividade. Esses códigos podem ser corporativos (de empresas
específicas) ou de associações profissionais (que reúnem diversas empresas e
profissionais).Nossa pesquisa, em função da demanda da ABMN, se concentrou
principalmente em códigos de associações profissionais.
A história da autorregulamentação publicitária no Brasil começa nos anos
1970, quando diante da ameaça do governo de censurar previamente a propaganda,
foi criado o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), logo
6
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após do III Congresso Brasileiro de Propaganda, em 1978. Dois anos depois, o
CONAR aprovou o seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, que
representa um dos marcos da história dos códigos de ética de publicidade no país,
somando-se ao Código de Ética dos Profissionais da Propaganda, de 1957. Desde
então, surgiu um conjunto de regulamentações e normatizações éticas na área de
marketing no país, em uma cronologia que pode ser assim sintetizada:
1957 – Código de Ética dos Profissionais de Propaganda;
1980 – Código de Autorregulamentação Publicitária do CONAR;
1993 – Código de Ética da AMPRO;
1997 – Código de Ética da ABEMD;
1999 – Código de Ética da ABMN.
A partir dos anos 2000, mudanças sociais relacionadas à globalização política
e econômica, à crise ambiental e à emergência acelerada de tecnologias de informação
e comunicação resultaram em novas questões que vêm impactando o campo de
marketing e negócios, e são sinalizadas por estudos acadêmicos e mercadológicos.
Assim, podemos observar grandes linhas de tensão entre coletivismo e individualismo
que permitem antever aumento do consumo, gerando uma pressão no que tange aos
impactos socioambientais; e também entre fragmentação e integração, com grandes
corporações convivendo com uma miríade de pequenas empresas e redes de empresas
em mercados de nicho (cf. Frechtling & Boo, 2011; Ferrell & Keig, 2013; Grein &
Gould, 2007; Laczniak & Kennedy, 2011; Nill & Schibrowsky, 2007; Sharbatoghlie,
Mosleh & Shokatian, 2011; Warren, 2011).
Além disso, os impactos da tecnologia, sobretudo no que diz respeito à
explosão do volume de dados disponíveis, das redes sociais e mídias digitais,
implicam novos questionamentos sobre privacidade e uso de dados de pessoas físicas
e jurídicas, oferecendo condições favoráveis para o protagonismo do consumidor e a
organização de “grupos de pressão” (Grein & Gould, 2007; Williams & Aitken,
2011). Esse complexo processo de mudança resultou, não só em novas questões
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éticas, como aumentou, também, a visibilidade das pressões sociais pela
regulamentação da atividade dos profissionais de marketing e negócios, favorecendo
iniciativas nesse campo – formado empresas, agências de publicidade e propaganda,
associações profissionais e instituições de ensino e pesquisa – em prol da criação ou
atualização de novos códigos. É nesse sentido que Douglas Frechtling e Soyoung Boo
afirmam que, hoje:
There is abundance of corporate codes of ethics, and the published
research on them is plentiful […] There is also a class of ethical
codes developed by professional associations to guide their
members toward ethical behavior (Frechtling & Boo, 2011, p. 149)
Mas os códigos de ética no campo do marketing e negócios não têm se tornado
apenas mais abundantes, como também mais internacionalizados. Segundo Richard
Warren, o processo de globalização transformou a ética em uma questão
decisivamente internacional. Para esse autor, desde a criação da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) em 1918, uma série de regulamentações passou a
incidir sobre o mundo corporativo em âmbito internacional. Partindo dos
apontamentos desse autor, construímos a seguinte cronologia:
1918 - Criação da OIT: surgem os primeiros padrões de normatização do trabalho;
1948 – Declaração Internacional dos Direitos Humanos: estabelece-se
diretrizes éticas internacionais em várias esferas;
1985 – A ONU define um primeiro Código Internacional de Consumidor,
chamado United Nations Guidelines for Consumer Protection;
1993 – Primeiro Código Internacional de Negócios, a partir de um acordo
inter-religioso, o chamado Code of Ethics on International Business for
Christians, Muslims, and Jews;
1994 – Diretrizes da OECD para multinacionais, o Guidelines for
Multinational Enterprises;
1997 – Em Boston (EUA) surge a Global Reporting Initiative (GRI);
1999 – Primeira atualização do Guidelines for Multinational Enterprises da OECD
2000 – A União Européia obriga empresas com mais de 500 empregados a
publicar anualmente relatórios de responsabilidade social, informando “o que
elas estão fazendo para o desenvolvimento sustentável e as questões de
emprego, treinamento e condições de trabalho” (cf. Warren, 2011, p. 219).
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O recente processo de proliferação e internacionalização de códigos de ética
de marketing e negócios coloca questões tanto no que concerne aos grandes temas
abordados por essa expansão normativa quanto à efetividade real desses instrumentos,
cada vez mais avaliados a partir de uma ideia de “performance” (cf. Erwin, 2010;
Orlitzky et al., 2003; Vershoor, 1998). A seguir, propomos uma reflexão nesses dois
âmbitos: os temas abordados pelos códigos de ética contemporâneos e a efetividade
desses instrumentos.
II. Um estudo comparado de códigos de ética: grandes temas
Neste
item,
pretendemos
apresentar
os
principais
temas
tratados
contemporaneamente pelos códigos de ética de marketing e negócios considerando,
para isso, tanto o estudo comparado de códigos quanto a revisão preliminar da
literatura. Por limitações de espaço, faremos uma exposição bastante sucinta, somente
elencando desses temas.
Considerando, em primeiro lugar, o estudo comparado de códigos de ética,
notamos que os temas tratados contemporaneamente – ou seja, inseridos nas mais
recentes atualizações e/ou versões – referem-se em geral à:
Uso de dados estatísticos e pesquisas científicas: ou seja, regras mais ou
menos explícitas para a mobilização, cada vez mais frequente, de informações obtidas
de forma supostamente científica e/ou metodologicamente consistente;
Uso de dados pessoais e privacidade: questão cada vez mais premente dada a
expansão das formas eletrônicas de comunicação, com os correios eletrônicos e redes
sociais, que possibilitam a apropriação de informações de pessoas físicas e jurídicas
para a geração de comunicação e outras ações mercadológicas dirigidas (como, por
exemplo, o modelo Google);
Merchandising e identificação publicitária: embora esse seja um tema clássico
da ética no marketing, é possível dizer que ele ganha nova importância e significado a
partir da emergência das “novas arenas da comunicação com o mercado” que
complexificaram e diluíram a comunicação com o mercado (Gracioso, 2010)
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Ecologia e impactos ambientais: a emergência da crise ambiental e das
preocupações com as mudanças climáticas tornaram a questão da ecologia e dos
impactos ambientais um ponto central
em todas as áreas
de atuação.
Consequentemente, alguns códigos consultados, especialmente internacionais,
chegam mesmo a orientar os profissionais de marketing a não participar da
comunicação de produtos que implicam ou produzem danos ambientais;
Uso dos “apelos de sustentabilidade”: outro ponto fundamental é a
regulamentação dos chamados “apelos de sustentabilidade”, ou seja, a menção
indevida ao caráter “sustentável” dos produtos vendidos e/ou divulgados. Observamos
que essa questão tende a englobar as preocupações ambientais, como um dos aspectos
da sustentabilidade, somada às preocupações com a saúde financeira dos negócios e
suas implicações sociais;
Ações de marketing e propaganda destinada às crianças: outro tema
clássico que tem ganhado destaca, especialmente no Brasil por meio da atuação de
grupos de pressão mais ou menos radicais tais como a Ação Educativa, o Instituto
Alana e o seminário Infância Livre do Consumismo;
Ao longo do nosso levantamento bibliográfico, por sua vez, encontramos
novos temas, ligados especialmente a desafios impostos pelo processo de
globalização, que expõe as empresas, profissionais e agências a tensões inerentes à
sua atuação para além das fronteiras. Nesse sentido, as principais questões
encontradas foram:

Direitos humanos;

Condições de trabalho;

Propina, corrupção e controle de lavagem de dinheiro

Proteção ambiental;

Racismo e discriminação;

Patentes e propriedade intelectual;

Fair trade (comércio justo);

Imperialismo cultural;
10
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
Trabalho infantil;

Serviços contratados em países com baixos salários;

Comércio internacional com Estados párias (que não aderem a tratados internacionais).

A importância do consumidor e “miopia moral”
III.
Para pensar e construir um código de ética efetivo para os profissionais de
marketing: para além da ideia de “performance ética”
A expansão das preocupações de ordem ética no campo de marketing e negócios
implicou não somente a emergência de novas questões como também o
fortalecimento de novas formas de conceber e avaliar a dimensão ética. Chama a
atenção, de modo especial, a emergência de uma noção utilitarista da ética, em que as
empresas ou associações que adotam essas diretrizes passariam a ser avaliadas em
termos de uma “performance ética” (Erwin, 2010). Nessa chave, a adoção de códigos
e programas de ética estaria submetida a cálculos de eficiência, inclusive de ordem
financeira. Nas palavras de Patrick Erwin:
Commitmentto ethical standards has been implicated inenhanced
overall company performance through avariety of metrics, including
increased financial performance, reduced cost structures, product
differentiation, and brand equity. While someof these gains are
efficiency-based (e.g., reduced costsvia recycling), the primary
benefits result from companies aligning their products with consumer
values.(cf. Erwin, 2010, p.535)
Diante desse cenário, e considerando como já foi dito sobre a recente
disseminação de códigos de ética, é imprescindível iniciar uma reflexão sobre o
sentido e a efetividade real desses novos códigos de ética: ou seja, indagar, afinal,
para que eles servem e de que forma cumprem os objetivos propostos. Não é intenção
deste artigo esgotar essa discussão, ao contrário, gostaríamos apenas de colocar em
pauta alguns possíveis caminhos para que o processo de construção e aplicação de
códigos de ética resulte de fato efetivo.
Nesse sentido e em primeiro lugar, nos parece importante apontar que, ao adotar
códigos de ética como uma forma de responder a pressões sociais por mais
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transparência e responsabilidade, as empresas e as associações profissionais deveriam
valorizar não somente os compromissos dos profissionais de marketing com os seus
clientes (contratantes), mas, também, com os consumidores dos produtos que
anunciam. É a chamada Service Dominant Logic que, segundo John Williams e
Robert Aitken, “appears to offer Marketing theory a more humanistic aspect, by
putting the customer on the same level as the firm” (Williams & Aitken, 2011, p.439).
Uma outra preocupação que deveria estar no horizonte dos códigos de ética é o
combate ao que Drumwright e Murphy (2004) chamam de “miopia moral”, ou seja, a
tendência – que assume graus variados – de subestimar a responsabilidade dos
profissionais de marketing em relação aos efeitos da sua atividade. Segundo os
autores, “de modo geral, a miopia moral impede a clara percepção dos problemas
éticos [...] e, na falta de percepção ou na distorção de problemas morais, a presença de
boas decisões éticas é altamente improvável” (Drumwright & Murphy, 2004, p. 11).
Mas talvez o ponto mais fundamental a se considerar é o processo de construção e
aplicação dos códigos de ética. Como alguns estudos vêm mostrando, a efetividade
desses códigos tende a ser maior em instituições, associações e empresas que adotam
verdadeiros “programas de ética”, ou seja, ações correlatas voltadas à discussão,
difusão e aplicação desses documentos normativos. Nessa chave, é importante notar
que em 2003, o Ethics Resource Centre (EUA) realizou um estudo sobre a percepção
e a atitude de funcionários de empresas que adotaram Programas de Ética. Partindo
de uma amostra de 1.500 funcionários de diferentes empresas norte-americanas, a
pesquisa mostrou que os códigos de ética corporativos tendem a ter um impacto maior
quanto mais é acompanhado por iniciativas complementares, tais como treinamentos
em ética e escritórios de ética. Mas mais do que isso, a pesquisa mostrou que o código
de ética ou de conduta como elemento único do programa de ética pode ter até mesmo
um efeito negativo sobre a percepção dos empregados de empresas que adotam esses
programas. Segundo o estudo, ainda, os Programas de Ética que contam com
iniciativas complementares ao código de ética parecem aumentar a preocupação com
condutas desviantes e a pré-disposição a relatar esses comportamentos (ERC, 2003).
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Partindo dessa constatação sobre a necessidade de fortalecer o processo de
implementação dos códigos de ética, no sentido de inseri-los em programas mais amplos
que levem à efetiva participação e discussão do público alvo dos códigos no seu processo
de aplicação, gostaríamos de ressaltar uma dimensão pouco analisada nos artigos e
códigos que consultamos: a importância do processo de elaboração dos códigos13. Ou
seja, ao se elaborar um novo código de ética, torna-se imprescindível envolver todo o
grupo profissional ao qual se destina, incluindo estudantes, professores e profissionais de
mercado em um processo de construção e constante atualização que resulte, de fato, em
um documento (sempre “beta”) no qual esse grupo se reconheça.
Considerações finais
Retomando a questão que norteou a discussão acerca da efetividade dos
códigos de ética de marketing no tópico anterior, podemos dizer que os códigos são
criados e atualizados para funcionar como um conjunto de normas e balizadores de
conduta; para difundir princípios e valores considerados importantes pelos
profissionais e empresas de marketing; e para contribuir para a construção de uma
imagem digna desse campo de atuação.
Contudo, tendo em vista a ênfase no processo de elaboração e reelaboração
dos códigos, parece pertinente sugerir um deslocamento do âmbito da normatização e
difusão de valores e imagem (que tende a ser contemplado) para a ideia de um código
"vivo", que sirva como ferramenta de transformação das práticas profissionais, sendo
ponto de partida para fóruns de discussão (entre pares e entre profissionais do
mercado e da academia), compartilhamento de histórias de profissionais que viveram
dilemas éticos, desdobramentos para a formação superior, como, por exemplo, a
elaboração de casos de ensino por professores e estudantes universitários. Um
conjunto de ações que permita a reflexão cotidiana sobre o fazer marketing e sobre o
ser profissional de marketing, tratando não apenas dos casos de explícita conduta
contrária à ética, mas das lógicas e procedimentos naturalizados, por vezes banais,
13
Agradecemos especialmente ao professor Luiz Peres-Neto, do PPGCOM ESPM, por ressaltar a
importância desta dimensão.
13
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que permeiam o dia a dia do marketing e de seus profissionais. Ajudando a resgatar, a
cada momento, uma pergunta fundamental: será que estamos fazendo a coisa certa?
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PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2014 (8a10 de outubro 2014)
SHARBATOGHLIE, Ahmad; MOSLEH, Mohsen; SHOKATIAN, Taha.Exploring trends in
the codes of ethics of the Fortune 100 and Global 100 corporations. Journal of Management
Development, v. 32, n. 7, p.675-689, 2013.
VERSHOOR, C. C. „A Study of the Link Between a Corporation‟s Financial Performance
and Its Commitment to Ethics‟, Journal of Business Ethics, v. 17, p. 1509–1516, 2008.
WARREN, Richard C. Are we making progress in international business ethics?
Humanomics, v. 27, n. 3, p. 212 – 224, 2011.
Anexo
Lista de Códigos de Ética levantados
1. Código de ética da ABMN
Associação Brasileira de Marketing e Negócios (ABMN)
http://abmn.com.br/menu/pdf/codigo_de_etica.pdf
2. Código de Ética do Marketing Promocional
Associação de Marketing Promocional (AMPRO)
http://ampro.com.br/codigo-etica
3. Código de ética dos profissionais de propaganda
Associação dos Profissionais de Propaganda (AAP)
http://www.cenp.com.br/PDF/Legislacao/Codigo_de_etica_dos_proffisionais_da_propaganda.pdf
4. Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária
Conselho de Autorregulamentação Publicitaria (CONAR)
http://www.conar.org.br/codigo/codigo.php „
5. Código de Ética da ABEMD
Associação Brasileira de Marketing Direto
http://www.abemd.org.br/pagina.php?id=23
6. Código Internacional de Pesquisa de Mercado e Pesquisa Social (ISOMAR/ICC)
ESOMAR (Sociedade Europeia para Pesquisa de Opinião e Mercado)
ICC (Câmara Internacional de Comércio)
http://www.esomar.org/uploads/public/knowledge-and-standards/codes-and-guidelines/ESOMAR_ICCESOMAR_ Code_English.pdf
7. Advertising and marketing Communication Practice: consolidated ICC code
ICC (Câmara Internacional de Comércio)
http://www.iccwbo.org/advocacy-codes-and-rules/document-centre/2011/advertising-and-marketingcommunication-practice-(consolidated-icc-code)/
8. Statement of Ethics of AMA
American Marketing Association
https://archive.ama.org/Archive/AboutAMA/Pages/Statement%20of%20Ethics.aspx
9. Standards of Practice of the AAAA
American Association of Advertising Agencies
http://www.aaaa.org/about/association/pages/standardsofpractice.aspx
10. Code of Ethics of LMA
Legal Marketing Association
www.legalmarketing.org/d/do/545
12. Direct Marketing code of practice DMA
The Direct Marketing Association
http://www.dma.org.uk/sites/default/files/tookit_files/code-of-practice-feb2012.pdf
13. The direct marketing code of ethics
Japan Direct Marketing Association
http://www.jadma.org/e/guideline/01.html
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