Entrevista com Maurício Cárdenas: O Brasil está se

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Entrevista com Maurício Cárdenas: O Brasil está se
Entrevista com Maurício Cárdenas: O
Brasil está se desindustrializando
MODÉ, Leandro. “Entrevista com Maurício Cárdenas: O Brasil está se
desindustrializando”. Estado de São Paulo. São Paulo, 3 de março de 2010.
No fim do ano passado, o Brookings Institute, respeitado think-tank (instituição sem
fins lucrativos cujo objetivo é debater e formular ideias) americano lançou um livro para
analisar o atual momento do Brasil. Brazil As An Economic Superpower?
Understanding Brazil"s Changing Role In The Global Economy (Brasil Superpotência?
Entendendo o Papel de Mudança do Brasil na Economia Global, em tradução livre) foi
coordenado pelo diretor para América Latina do Instituto, Mauricio Cárdenas.
O colombiano, que já foi ministro do Desenvolvimento Econômico e dos Transportes
de seu país, conversou ontem com o Estado sobre a posição do Brasil no mundo e
seus desafios. Ele esteve em São Paulo para participar de um evento da Votorantim
Metais.
O Brasil tem elementos para ser uma superpotência?
Sim, mas é preciso qualificar esta resposta. Depende do que considerarmos como
superpotência. Se pensamos na importância dos setores agrícola e energético e na
biodiversidade, ninguém questiona que se trata de uma superpotência. Mas isso não é
o que normalmente se associa a uma superpotência. Superpotência é um país que
tem influência global - na agenda política, na agenda cultural e na agenda econômica.
Também se associa superpotência à área militar e, em alguns casos, ao fato de ter
armas nucleares. Em certo sentido, o Brasil está na estrada para se converter em
superpotência, mas não chegou lá.
Os analistas internos são muito mais críticos com o Brasil do que os externos. Por
quê?
É mais fácil conquistar mérito no exterior do que no próprio país. A percepção
internacional, por definição, costuma ser pintada com brocha. A percepção interna é
algo que se faz com mais detalhes. Sempre é mais importante ouvir esse "pincel",
essa letra fina, que é a análise interna. Essa avaliação próxima mostra a dualidade do
Brasil. Há um lado moderno, representado pelas multinacionais brasileiras, etc. - que é
ajudado pela imagem pessoal de Lula. De outro lado, há a realidade que chamo de
"Brasil latino-americano", que tem uma série de problemas comuns à região. Entre
eles, a informalidade, a qualidade da educação, etc. O Brasil moderno só prevalecerá
se os temas internos forem resolvidos.
Qual parte vai prevalecer?
Depende da política. Nada está ganho. O País teve 16 anos de governos muito
competentes, que o transformaram. Agora é preciso construir sobre isso. Como
construirá e se vai construir dependerá das opções que os brasileiros farão
politicamente.
Os principais candidatos à presidência estão em bom caminho?
Não conheço detalhes das propostas. Mas creio que o Brasil requer continuidade em
certos aspectos, mas mudanças em outros. Uma delas é no relacionamento comercial
com o resto do mundo. O Brasil é um país relativamente protecionista, mas, cada vez
mais, seu crescimento vai depender de remover obstáculos nos mercados
internacionais, notadamente na Europa e nos EUA. O Brasil precisa disso para dar
impulso grande à agricultura e para poder ser competitivo com suas manufaturas. Se
não fizer isso, vai perder mercados agrícolas no mundo e manufatureiros para a China.
Diferentemente da China, para o Brasil, é indispensável que as manufaturas possam
entrar nos EUA em condições atrativas. Do contrário, o Brasil terá mercado doméstico
forte e exportações essencialmente de commodities. Não é uma estratégia de
desenvolvimento de longo prazo.
O Brasil corre o risco de desindustrialização?
Sim, e já a está vivendo. O Brasil está se desindustrializando e se "commoditizando".
Se compararmos os Brics, China e Índia estão se industrializando, enquanto o Brasil
está se desindustrializando. Qual é o modelo? A China e a Índia produzem as
manufaturas para os mercados globais e o Brasil produz as matérias-primas. Pode-se
ter uma estratégia bem- sucedida como produtor de commodities, como a Noruega e o
Chile. Mas, para uma economia tão grande como o Brasil, provavelmente seria melhor
ter um sistema de desenvolvimento muito mais balanceado.
Como sair dessa armadilha?
É preciso compensar a perda de competitividade decorrente do real valorizado com (1)
investimentos em infraestrutura e (2) acesso preferencial a os mercados de EUA e
Europa.
Como vê as propostas de mexer na taxa de câmbio?
O Brasil não deve mexer nos fundamentos econômicos.
Qual é o risco de ser o "queridinho" dos mercados?
Com os mercados, é sempre importante ter reservas. Assim como se apaixonam, se
desapaixonam rapidamente.
Mauricio Cárdenas é diretor do Brookings Institute