A judicialização da saúde na perspectiva weberiana

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A judicialização da saúde na perspectiva weberiana
A judicialização da saúde na perspectiva weberiana
A JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE NA PERSPECTIVA WEBERIANA
Marcos Henrique Machado
1
INTRODUÇÃO
O direito à saúde é um direito social, expressamente previsto nos art. 6º, caput
da Constituição Federal, geograficamente situado entre a “educação” e o “trabalho”.
Além de sua categoria constitucional, o direito à saúde possui natureza coletiva.
Tanto verdade que, para assegurá-lo, o constituinte de 1998 criou o Sistema
Único de Saúde – SUS -, regulado pela Lei nº 8.080/90, justamente com o objetivo de
assegurar o acesso universal e igualitário a todos.
Não bastasse, para que não houvesse dúvida de interpretação sobre a vontade
legislativa, a saúde foi apresentada ao povo brasileiro como um “direito de todos e
dever do Estado” (CF, art.196, caput).
Ocorre que, o Estado brasileiro, incumbido a garantir mediante políticas públicas
que visem à redução do risco de doença e de outros agravos à saúde, e dispor, nos
termos da lei, sobre a regulamentação, fiscalização e controle das ações e serviços de
saúde, vem sendo competido a cumprir ordens judiciais para internação em unidades
de terapia intensiva, realização de cirurgias eletivas e fornecimento de medicação
para tratamento de doenças.
A investida judicial decorre de, pelo menos, duas variáveis. De um lado, da ausência
ou insuficiência de políticas públicas implementadas para atender a demanda de uma
população carente de serviços de saúde, em quantidade e qualidade aceitáveis. De
outro lado, a constitucionalização de temas que já foram vistos como reservados ao
campo da política, entre os quais a garantia de direitos à saúde.
Mas não é só. O processo de democratização nacional tem servido para transpor
1 Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso – TJMT. Ex-promotor de Justiça
do MPMT (1994/2011). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Araçatuba - SP (1991).
Ex-secretário de Estado de Administração, de Justiça, de Segurança Pública, de Saúde, do Meio
Ambiente em Mato Grosso no período de abril/2002 a dezembro/2006. Professor do Curso de
Direito e coordenador da Revista Ensaios Acadêmicos da Universidade de Cuiabá. Especialista
em Direito Civil, Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Administrativo, Difusos e Coletivos,
Processual Civil e Processual Penal. M.B.L em Direito do Estado pela Universidade Castelo Branco
- RJ. Mestre em Política Social pela Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT.
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uma racionalidade da tradição liberal, baseada em relação bilaterais, normalmente
entre um credor e um devedor, para a área dos direitos sociais.
Nessa onda, juízes e Tribunais não estão individualizando o direito à saúde postulado
por cada pessoa que alega não ter acesso a um determinado tratamento médico ou a
um determinado medicamento, mas tão somente estão prestando tutela jurisdicional
para garantir que essa pessoa receba o tratamento e o medicamento necessários.
O termo, não integrante do vocabulário da língua portuguesa, ora vem sendo
utilizado para indicar os efeitos da expansão do Poder Judiciário no processo decisório
das democracias contemporâneas, ora no sentido de ativismo judicial, segundo Luís
Roberto Barroso.
2
O principal argumento que sustenta essa cômoda posição do Judiciário se funda
no princípio da Separação de Poderes, derivado do modelo liberal clássico, segundo
3
o qual os juízes são a “boca de lei” , por isso devem cumpri-la.
Para o enfrentamento do tema, recorremos aos parâmetros de análise social
fornecidos pelos fundamentos do pensamento weberiano; que apontam algumas
determinações necessárias à análise de fenômenos sociais.
Ao defender uma sociologia capaz de compreender os sentidos e conexões
presentes nas ações sociais, Max Weber propõe uma concepção específica de método
e de objeto que se ampara na explicação de ações sociais individuais, sob condições
determinadas, e busca, ao mesmo tempo, explicar as significações das instituições
sociais, nas quais os indivíduos agem, como resultantes também da ação humana.
Esses parâmetros balizadores das ciências sociais modernas, muito embora
escritos, na Alemanha, entre o fim do século XIX e o início do século XX, são atuais,
uma vez que as análises sociais de Weber são caracterizadas por se afastarem
das perspectivas positivistas de ciência e buscar uma forma de sociologia que
permita compreender os sentidos e conexões presentes nas ações dos indivíduos
em sociedade.
Esse fenômeno social foi batizado de “judicialização”, sendo tratado e interpretado
sem critérios objetivos, de modo a consolidar situações desiguais e criar verdadeira
desordem no sistema público de saúde.
2 BARROSO. Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. www.
direitofranca.br/direitonovo.> Acesso em: 30 de jan. de 2012.
3 PUGNALONI, Melina Maria de Carvalho. O juiz pode, no exercício jurisdicional, infringir a lei?
Sítio eletrônico: WWW.lfg.com.br > Acesso em: 30 de jan. de 2012.
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A metodologia weberiana é “um forte antídoto contra as tendências holistas de
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impor conceitos coletivos na análise dos fenômenos sociais, históricos e políticos”.
Nessa perspectiva, o presente trabalho busca submeter a judicialização ao
individualismo metodológico desenvolvido por Weber, ao se reconhecer que, apesar
das análises sociológicas tratarem de fatos de repercussão coletiva, o ponto de partida
para qualquer análise de fenômenos sociais recai sobre a ação do indivíduo.
OS DIREITOS SOCIAIS
Os direitos de primeira geração, conhecidos como “liberdades públicas” ou
como “direitos de defesa”, são aqueles que têm como objetivo garantir uma esfera de
autonomia do indivíduo, na qual o Estado não deve interferir.
Por isso, as liberdades individuais, tais como de fazer tudo àquilo que não é
proibido ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei, de se manifestar, de se
associar, entre outras, são interpretados como deveres negativos do Estado, pois lhe é
vedado tomar qualquer medida que interfira nessas liberdades, entre elas a imposição
de censura, outorga de preferência ou proibição específica. Nessas hipóteses, a tarefa
do juiz é garantir o direito e declarar inválido qualquer ato administrativo.
Já os direitos sociais, tidos como de segunda geração, em razão de sua imposição
prestacional ao Estado, exige uma ação estatal positiva, um ato concreto. Ao contrário
do que ocorre com a proteção aos direitos individuais, a realização dos direitos sociais
depende de recursos.
Neste ponto, uma indagação importante se apresenta: o juiz pode intervir nas
políticas sociais e econômicas destinadas à promoção, proteção e recuperação da
saúde que disciplinadas e vinculadas a orçamentos públicos?
Nasce aqui, particularmente em relação à saúde, o maior entrave para a sua
efetivação: o chamado custo público ao Estado dos direitos sociais.
Ora, o juiz para realizar e proteger direitos não pode ignorar que eles custam
dinheiro público, notadamente no caso dos sociais.
4 MONTEIRO, J. Cauby S. & CARDOSO, Adalberto Trindade. Weber e o Individualismo Metodológico.
Anais do 3º Encontro Nacional da ABPC – Associação Brasileira de Ciência Política. Niterói:
Julho de 2002, p.01.
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Os recursos públicos são indispensáveis também para a proteção dos direitos
civis e políticos, por isso são divididos em orçamentos e executados de forma planejada,
sob regência da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Nessa quadra, a solução judicial não seria legítima se lançada com base no
singelo engodo da “falta vontade política”.
De outro lado, embora o gestor tenha a competência de implementar as políticas
públicas que assegurem a efetivação dos direitos sociais, cabe a cada juiz o controle
de suas execuções, no tempo, espaço e em conformidade com as necessidades
reconhecidas em cada programa social.
A JUDICIALIZAÇÃO
A judicialização da saúde envolve inúmeras situações jurídico-subjetivas.
Desde o fornecimento de medicamentos, passando por tratamentos normalmente
não incluídos nas políticas prestacionais do Sistema Único de Saúde – SUS, até de
efetivação de serviços de internação e cirurgias.
Para explicar a judicialização da saúde, o Desembargador Genaro Baroni Borges,
integrante da 21ª Câmara Cível do TJRS, acredita que:
O sistema de saúde se tornou judicializado porque chegam ao
TJ questões que não deveriam chegar. Tendo como conseqüência: O
Judiciário, tanto quanto o paciente, é vítima da situação carente do
Estado e se vê incumbido de administrar a escassez de recursos pú5
blicos, quando essa não é a sua função.
Indistintamente, as ações judiciais estão sendo promovidas contra a União,
Estados-membros e Municípios, obrigando-os a fornecer medicamentos de alto custo
ou tratamentos de alta complexidade, além de internações, por advogados, pela
Defensoria Pública e também pelo Ministério Público, mesmo em favor de usuários que
possuem seguro-saúde, quando as seguradoras se negam a fornecer o medicamento
ou prestar o serviço de saúde.
Essas ações criam um verdadeiro “fluxo paralelo”, por vezes subjugando os
conhecimentos médicos, invertem a prioridade de atendimento clínico, criam situações
de absoluto desvirtuamento da assistência farmacêutica, desrespeitam critérios
5 CECONELLO, Douglas. Sistema de Saúde se tornou judicializado. Diário da Justiça, Porto Alegre
- RS, 24 de agosto de 2004. p. 1.
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médicos para a dispensação dos medicamentos, na maioria das vezes prejudiciais
aos próprios usuários do sistema público.
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O número crescente de processos, além da demanda gerada pela limitação da
estrutura de serviços instalada e dos recursos disponíveis, também deriva da ação
organizada de cartéis formados por empresários e profissionais da saúde, que se
valem do direito constitucional para venderem medicamentos, insumos e próteses, ao
preço que bem entendem, por força de liminares concedidas em ações judiciais.
Especialmente em relação aos medicamentos, o lobby das empresas
farmacêuticas pode ser apontado como uma vala de desvio de recursos da saúde,
para atender ao interesse econômico de indústrias e representantes comerciais de
medicamentos, insumos e próteses.
As liminares deferidas, em série, já provocaram inúmeras reuniões e debates
promovidos pelo CONASS – Conselho Nacional de Secretários de Saúde, em
todo Brasil, na tentativa de mostrar aos juízes e desembargadores que é preciso o
conhecimento sobre a gestão de saúde antes da tomada de decisões de obrigação de
fazer, sem, contudo, maiores resultados práticos.
7
O aumento no número de ações judiciais do SUS levou a Ministra Ellen Gracie,
então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a suspender decisões judiciais,
por meio da Suspensão de Tutela Antecipada - STA n° 91, ao afirmar que o direito
à saúde se realiza por meio da efetivação de políticas públicas que beneficiem a
8
população como um todo. Dessa forma, somente teriam caráter obrigatório os
medicamentos que constassem na lista do SUS.
Essa decisão atendeu ao pedido do Estado de Alagoas, na referida STA, para
suspender decisão concedida em ação civil pública que determinou ao estado o
fornecimento de medicamentos necessários para o tratamento de pacientes renais
crônicos em hemodiálise e pacientes transplantados.
De acordo com a Lei nº 8080/90 e a Portaria nº 1318 do Ministério da Saúde,
ao Estado compete o fornecimento de medicamentos relacionados no Programa de
6 MACHADO, Marcos Henrique. Uma reflexão sobre a assistência farmacêutica. Congresso na
do Ministério Público do Estado da Bahia. Bahia: setembro de 2004, denominado “O Ministério
Público e o Direito à Saúde”.
7 CONSELHO NACIONAL DE SECRETÁRIOS DE SAÚDE. Informativo do CONASS . Disponível
em: www.portalconass.org.br > Acesso em 30 de jan. de 2012.
8 TERRAZAS, Fernanda; WANG, Daniel. Decisões da Ministra Ellen Gracie sobre medicamentos.
Suspensão de Tutela Antecipada - STA n° 91. Disponível em: http://www.sbdp.org.br/artigos_ver.
php?idConteudo=66. Acesso em 30.1.2012.
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Medicamentos Excepcionais e de alto custo.
A ministra Ellen Gracie, ao admitir a competência do STF para analisar o pedido,
declarou estar configurada a lesão à ordem pública, já que a execução de decisões
como a ora impugnada:
“afeta o já abalado sistema público de saúde”, bem como considerou
que “a gestão da política nacional de saúde, que é feita de forma regionalizada, busca maior racionalização entre o custo e o benefício dos tratamentos
que devem ser fornecidos gratuitamente, a fim de atingir o maior número
possível de beneficiários”.
Afirmou, ainda, que a norma do artigo 196 da Constituição Federal, ao assegurar
o direito à saúde, “refere-se, em princípio, à efetivação de políticas públicas que
alcancem a população como um todo, assegurando-lhe acesso universal e igualitário,
9
e não em situações individualizadas”.
O Estado de Alagoas, por sua responsabilidade em fornecer recursos necessários
à reabilitação da saúde dos cidadãos, não poderia inviabilizar o sistema público de
saúde, o que aconteceria no caso, pois estaria “diminuindo a possibilidade de serem
oferecidos serviços de saúde básicos ao restante da coletividade”.
10
A decisão supracitada gerou uma corrida ao Supremo Tribunal Federal, pois
limitaria a responsabilidade de cada Estado-membro de fornecer tão somente os
medicamentos contemplados na Portaria nº 1318, do Ministério da Saúde, conhecida
como Protocolo de Diretrizes Terapêuticas que descreve os medicamentos disponíveis
na rede pública para atender todos os usuários do SUS.
Entretanto, a própria Ministra Ellen Gracie deixou claro que o raciocínio jurídico
empregado na STA n° 91 tratava-se de medida tópica, pontual, não se aplicando a
todos os casos.
De importante, deixou consignado que cada processo judicial, envolvendo o
direito à saúde, deve ser analisado individualmente, de forma concreta, e não abstrata
e genericamente.
O fenômeno social denominado judicialização da saúde se contrapõe à política
social e econômica, assim entendidas as ações e os serviços de saúde e competência
do SUS, a serem executados em rede coletivamente.
9 BRASIL. Supremo Tribunal Federal - STF. Suspensão de Tutela Antecipada. STA – 91 AL.
Disponível em: http://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19139898/suspensao-de-tutela-antecipadasta-91-al-stf. Acesso em: 30 jan. 2012.
10 Idem.
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A SAÚDE E O JUDICIÁRIO
O princípio da Separação de Poderes é um pilar da República e do Estado
Democrático de Direito. No entanto, o ideal de Montesquieu, aplicado a um regime
presidencialista sem o devido enfrentamento ao capitalismo, em uma sociedade mais
complexa daquela por ele vivenciada na Europa, no século XVIII, não pode servir de
argumento válido para justificar a independência do juiz para intervir na gestão da saúde,
11
que possui regras próprias e competências definidas em três níveis de poder interno .
Por outro lado, a Separação de Poderes não pode ser interpretada como sinônimo
de não-diálogo entre os poderes, pois, indubitavelmente, a saúde é o principal bem
intangível e mais precioso do ser humano.
Ao ser erigido à categoria constitucional, subjetivo e social, o direito à saúde
deve ser diretamente prestado pelo Executivo e, em caso de omissão, receber a tutela
protetiva do Judiciário. Todavia, há necessidade de se definir como o Estado será
capaz de assegurar a integralidade dos serviços de saúde e direcionar de forma eficaz
os recursos disponíveis.
Além disso, a decisão a respeito do que é melhor ou pior para a própria saúde
varia de paciente para paciente, não só pelas suas condições físicas, mas porque, em
qualquer sociedade democrática, dentro da qual convivem pessoas com filosofias e
sensibilidades diferentes, as soluções procedimentais são aquelas que prevalecem
se for necessário definir uma regra que se imponha a todos, num contexto em que a
comunicação representa o menor denominador ético comum entre os indivíduos.
Ocorre que, na ótica judicial, o fundamento elementar para se outorgar a tutelar
jurisdicional é a efetivação do direito social à saúde.
Germano André Doederlein Schwartz acredita que bastam dois pressupostos
12
para o deferimento da tutela à saúde . O primeiro parte da idéia de mínimo existencial,
que obriga o Estado assegurar as condições mínimas de existência para preservação
da vida e o respeito à dignidade da pessoa humana estiverem ameaçados; o segundo
recai sobre a necessidade de obter a prestação em saúde, sem risco à subsistência,
própria e /ou da família, do usuário.
11 SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva
sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001 apud WWFFORT, Francisco. Os Clássicos da
Política. São Paulo: Ática, 2006, p.111, v.1
12 SCHWARTZ, Germano André Doederlein. Direito à Saúde: efetivação em uma perspectiva
sistêmica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p.2.
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Euclides Benedito de Oliveira acredita que exista um dever estatal decorrente
da obrigação de assistência à saúde ao indivíduo, não sendo lícito ao Estado limitar a
assistência apenas às hipóteses previamente delimitadas por programas do Ministério
13
da Saúde .
Maria Cristina Barros Gutiérrez Slaib defende que a obrigação estatal envolve
todos os tratamentos que a ciência repute necessários, pois seria impossível limitar o
juiz à cega obediência à lista de remédios que serve, exclusivamente, para indicar os
14
repasses da União para o Estado e para o Município .
No entanto, acreditamos que, ao deferirem pretensões por remédios, tratamentos
médicos, vagas em unidade de terapia intensiva, os juízes não estarão efetivando a
saúde como direito social de todos, mas desorganizando o sistema público, de modo
a prejudicar seu funcionamento e o atendimento universal e igualitário.
A JURISPRUDÊNCIA SOBRE O DIREITO À SAÚDE
Por jurisprudência se reconhece o conjunto de soluções dadas às questões de
direito ou a interpretação reiterada que os Tribunais dão à lei, nos casos concretos
submetidos a julgamento colegiado.
Para análise do tema proposto, colacionamos alguns julgados dos Tribunais,
com destaque em negrito, a respeito do direito à saúde.
Do Supremo Tribunal Federal:
ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. FUNDAMENTOS. A Constituição Federal prevê ações programáticas para assegurar à coletividade o
direito à saúde, assim também ao indivíduo ao referir que o direito é de todos.
A saúde - ou doença - está no corpo, impondo-se preservar a primeira,
nas ações programáticas, e curar a segunda, na atenção particularizada,
fornecendo aos carentes os medicamentos excepcionais, como os necessários ao tratamento da AIDS, como é de previsão legal (Lei n.º 9.908/93)
15
neste Estado e no país (Lei n.º 9.913/96).
13 OLIVEIRA, Euclides Benedito de. Direito à saúde: garantia e proteção pelo Poder Judiciário.
Revista de Direito Sanitário, v. 2, n. 3, 2001, p. 51-53.
14 SLAIB, Maria Cristina Barros Gutiérrez. Direito fundamental à saúde: tutela de urgência. Revista
Forense, v. 373, maio/junho 2004, p. 431-432.
15 BRASIL. Supremo Tribunal Federal - STF. Sentença confirmada em reexame necessário, ressalvada
a verba honorária APC N.º 598 444 818, J. 12/05/99, Rel. Des. João Carlos Branco Cardoso.
Recursos Desprovidos.
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Do Tribunal Regional Federal da 5ª Região:
Constitucional E Administrativo – Serviço De Saúde – Sus – Entidade
Hospitalar Privada – Remuneração – Fator De Conversão Para Urv – União
– Legitimidade Passiva Estado-Membro E Municípios – Litisconsórcio Necessário – Provimento Parcial – 1. O direito constitucional à saúde impõe
como conseqüência indissociável a obrigação jurídica ou o dever moral
de os entes políticos das diversas esferas governamentais garantirem o
acesso de todos à saúde, responsabilidade conjugada ou conjunta que
se dá de forma autônoma e solidária. 2. em compasso com o plasmado
no parágrafo único do art. 198 da Constituição, “O sistema Único de Saúde
será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
daí por que, na hipótese em que se discute o fator de correção da conversão
para URV do reembolso devido à entidade hospitalar privada que executou
serviços pelo SUS, muito embora seja reconhecida a legitimidade da União
para figurar no pólo passivo da relação processual, impõe-se reconhecer que
o Estado e os Municípios nos quais prestados os serviços devem, como litisconsortes necessários, integrar a lide. 3. Recurso parcialmente provido. (TRF
5ª R. – AC 296878 – (2002.05.00.017298-3) – CE – 2ª T. – Rel. Des. Fed.
16
Petrucio Ferreira – DJU 20.10.2003 – p. 371)
Do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
Agravo de Instrumento – Medicamentos – Antecipação de Tutela – O
fornecimento gratuito de medicamentos constitui responsabilidade solidária do Estado e do Município derivada do artigo 196 da Constituição Federal. Possibilidade de seu deferimento, em face da relevância dos
interesses protegidos (vida e saúde), em antecipação de tutela, inclusive
contra o Poder Público, mesmo na ausência de negativa expressa por parte
da Administração, em vista da demora de quase um ano na apreciação do
requerimento administrativo. Precedentes do STJ e desta Câmara. Decisão
reformada. Recurso provido. (TJRS – AI 70005011796 – 3ª C.Civ. – Rel. Des.
17
Paulo de Tarso Vieira Sanseverino – J. 14.11.2002)
Administrativo E Constitucional – Tratamento de saúde e fornecimento
de medicamentos – Solidariedade dos entes públicos – Preliminar de falta de
interesse – Rejeição da preliminar uma vez que o pedido na via administrativa – instaurado ou não o processo administrativo – Não impede ao acesso
ao Judiciário, consoante garantia individual prevista na CF/88. A Carta
Federal é expressa ao assegurar o direito à vida e o direito à saúde
como garantias fundamentais, de acordo com a responsabilidade solidária
(art. 196 da CF/88). Precedente de julgamento. Modificação da condenação
da verba honorária em atenção à disposição da Súmula nº 201 do STJ. Apelos desprovidos. Sentença parcialmente reformada, em reexame necessário.
16 BRASIL.Tribunal Regional Federal. Disponível em: <http://www.trf5.jus.br/cp/cp.do>. Acesso em:
30 jan. 2012.
17 BRASIL.Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.br/
busca/?q=70005011796&tb=jurisnova&pesq=juris&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%25
20Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%25A
3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Acivel&
requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 30 jan. 2012.
Revista Jurídica da Unic / Emam, v. 1, n. 2, p. 159-175, jan./jun. 2014
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(TJRS – AP-RN 70004386769 – 4ª C.Civ. – Rel. Des. Vasco Della Giustina
18
– J. 28.08.2002)
No Tribunal de Justiça de Mato Grosso, os posicionamentos são os seguintes:
AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CONTRA O ESTADO - DIREITO
À SAUDE - TUTELA ANTECIPADA - CONCESSÃO - PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA REJEITADA - PRESCRIÇÃO DE MEDICAMENTO DE ALTO CUSTO - MÉDICO NÃO CREDENCIADO - PROCEDIMENTO DE DISPENSAÇÃO - LEGISLAÇÃO DE CONTROLE - “RESERVA DO
POSSÍVEL” - EXIGÊNCIA RAZOÁVEL - RECURSO PROVIDO. Para efeito
de exame sumário, mostra-se razoável, tem amparo na legislação de
controle e não esvazia o conteúdo essencial do direito fundamental à
saúde, a exigência do Sistema Único de Saúde - SUS, que condiciona o acesso a medicamentos destinado ao tratamento de osteoporose,
considerado de alto custo (em torno de U$ 26 mil dólares), a que o paciente
se submeta a procedimento de dispensação por profissional especializado e
credenciado pelo sistema, para se aferir acerca da efetiva adequação do tratamento e necessidade da paciente. Exigência, por conta da singularidade do
caso, compatível com a chamada “reserva do possível” e que, a um primeiro
exame, não compromete a garantia do “piso vital mínimo” enquanto proposta
garantidora de efetividade dos direitos sociais. (Numero: 10656 Ano: 200,
19
Magistrado: DES. GUIOMAR TEODORO BORGES)
AÇÃO CIVIL PÚBLICA - FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS A CIDADÃO NECESSITADO - DEFERIMENTO LIMINAR -RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA - DEVER DO ESTADO DE PROMOVER A SAÚDE DE TODOS
- NÃO FERIMENTO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E DA AUTONOMIA
DOS PODERES - PRESENÇA DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
- MULTA COMINATÓRIA - POSSIBILIDADE. A política de descentralização
praticada pelo Governo deu-se somente no sentido de facilitar o trabalho de
prevenção e promoção da saúde pública, não afastando a responsabilidade
constitucionalmente atribuída ao Estado. Cumpre ao Estado promover a
saúde de todos, especialmente frente a incolumidade física. Não há que
se falar em desrespeito ao princípio da autonomia dos poderes em sendo determinado o cumprimento judicial de tal preceito constitucional.
O fato do medicamento requerido não constar em lista elaborada pela
administração, não afasta o fumus boni iuris, ensejando o deferimento da medida, obrigando-se a fornecer medicamento ou equipamento à
pessoa que não detém condições de adquiri-lo no comércio. É perfeitamente cabível a imposição de multa cominatória em face da Fazenda Pública
em caso de descumprimento da decisão judicial. (Numero: 66112 Ano: 2008,
20
Magistrado: DES. CARLOS ALBERTO ALVES DA ROCHA)
18 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Disponível em: <http://www.tjrs.jus.
br/busca/?q=70004386769&tb=jurisnova&pesq=juris&partialfields=tribunal%3ATribunal%2520de%
2520Justi%25C3%25A7a%2520do%2520RS.%28TipoDecisao%3Aac%25C3%25B3rd%25C3%2
5A3o%7CTipoDecisao%3Amonocr%25C3%25A1tica%7CTipoDecisao%3Anull%29.Secao%3Aciv
el&requiredfields=&as_q=>. Acesso em: 30 jan. 2012.
19 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Disponível em: <http://www.tjmt.jus.br/
jurisprudencia/>. Acesso em: 30 jan. 2012.
20 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Disponível em: <http://www.tjmt.jus.br/
jurisprudencia/>. Acesso em: 30 jan. 2012.
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Embora a jurisprudência adote fundamentos distintos, a intervenção judicial no
sistema público de saúde é sempre admitida para efetivação do direito social à saúde.
Ocorre que, os juízes, ao prestarem a tutela à saúde, apoiado no caráter coletivo
dos direitos sociais, ignoram os efeitos de suas decisões para o sistema público e,
notadamente, para o usuário que está em situação mais vulnerável.
A natureza coletiva dos direitos sociais exige a edição de políticas públicas
concebidas coletivamente e não se exaure nos limites de uma autuação processual
(autos de um processo).
Não há dúvida que o juiz tenha legitimidade para conhecer e julgar atos e fatos
inerentes às políticas públicas.
Entretanto, o juiz ao impor obrigação pecuniária ao sistema, sem atentar como
sua decisão poderá ser cumprida, seja ordenando o fornecimento de medicamentos,
seja impondo um tratamento médico especializado, sem considerar as políticas de
saúde, prejudica deliberadamente ações públicas na área da saúde, bem como retira
dos serviços de saúde instalados na rede pública atendimentos imprescindíveis para
uma parcela significativa de usuários.
A análise desse fenômeno social não pode ser resolvida por mera opção entre o
ativismo ou contenção judicial.
Por contenção judicial se entende a postura de isolamento do juiz, que se deve
manter afastado de decisões relativas a políticas públicas; por ativismo judicial, o
enfrentamento por juízes de questões que envolvam políticas públicas.
Na verdade, o que se mostra conveniente é a educação jurídica, na organização
dos Tribunais e, sobretudo, nos autos dos processos judiciais, a partir do tratamento
dos direitos sociais com uma visão weberiana.
Em suma, o direito à saúde não pode ser tratado, exceto em casos excepcionais,
com a adoção teórica de abstrações padronizadas na jurisprudência, sem qualquer
individualidade e persecução dos motivos que levaram o usuário a postular judicialmente
um serviço gratuito, pois algo está errado.
A EFETIVIDADE DO DIREITO À SAÚDE EM MAX WEBER
Nesse contexto de autonomias e competências públicas, entre gestores de
saúde e juízes, o individualismo metodológico weberiano, por não expressar apenas
um simples princípio constituinte da sociologia compreensiva, mas demonstrar o
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rigor dos meios e dos fins em suas análises é capaz de proporcionar uma fórmula de
amortecimento do conflito.
Com efeito, ao relacionar empiricamente o conjunto concreto de ações, Weber
nos proporciona se não a compreensão do fenômeno trazido à análise, uma orientação
a ser experimentada.
Compreender as evidências postas nos sentidos das ações refere-se ao
entendimento do sentido em um caso historicamente dado, numa quantidade dada
de casos ou num tipo puro conceitualmente, o que não resulta de modo algum em um
sentido verdadeiro ou correto, e é justamente neste aspecto que Weber evidencia a
diferença entre o que ele denomina de ciências empíricas de ação, como a sociologia
e a história, e outras ciências dogmáticas, como a lógica, a ética ou a jurisprudência –
que têm por intenção investigar em seus objetos um sentido correto.
Nesse processo, as determinações da ação social podem configurar formas
diversas, a saber:
21
a) De modo racional referente a objetivos: partindo de uma análise objetiva
e considerando possíveis conseqüências, o indivíduo utiliza racionalmente as
expectativas e comportamentos dos objetos ou de indivíduos do mundo exterior como
meio para o alcance de um objetivo próprio;
b) De modo racional referente a valores: caracteriza uma ação na qual o
agente age segundo mandamentos ou exigências que acredita serem dirigidas a ele,
independente das conseqüências possíveis da ação;
c) De forma afetiva: ação dirigida por afetos em geral ou estados emocionais
atuais;
d) De modo tradicional: encontra-se no limite de uma ação orientada pelo sentido,
pois acaba, não raras vezes, sendo expressão de uma reação surda a um estímulo
habitual.
Os modos de ação social supracitados denotam não apenas a dimensão
efetivamente real das ações, mas também a teia relacional presente em cada ação,
bem como a necessidade de compreensão da sua causalidade.
Assim sendo, o processo de efetivação do direito à saúde implicaria na
compreensão de que cada ator social, no caso o usuário do SUS, enquanto agente
21 WEBER, Max. Economia e Sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Tradução
Regis Barbosa e Karen Elsabe Barbosa (Trad); Gabriel Cohn (revisão técnica). Brasília: UnB: São
Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1999, p.16.
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reflexivo situado em um contexto social específico, possui informações e razões únicas
para agir da forma que age.
Compreender o motivo, a relação de sentido da sua iniciativa, é justamente o
fundamento de sua conduta.
Por isso, a individualização da pessoa e de sua motivação concreta do
pedido de intervenção judicial na gestão da saúde, notadamente o fornecimento de
medicamentos, deve ser observada pelo juiz ao conceder a tutela jurídica específica.
O ideal seria ouvir previamente o gestor ou a área técnica da entidade pública
– Estados (medicamentos de alto custo) ou Município (medicamentos da farmácia
básica) – antes de qualquer decisão judicial.
Não nos parece correto tratar o fenômeno da judicialização com impessoalidade,
a partir de base unicamente teórica extraída do texto constitucional (CF, art.196), mas
se aferindo a vontade e a razão do tratamento desigual que geraria ou não atendimento
ou a recusa do Poder Público.
Em Weber, podemos extrair a noção de indivíduo, portador de características
pessoais e vontades próprias, o qual não deve ser tratado apenas como vítima de
fatores conjunturais macrodeterminantes.
Assim sendo, considerado o efeito derivado de um precedente jurisprudencial
sobre qualquer tema, fonte de interpretação e aplicação do Direito, a orientação
weberiana recomenda tratamento específico, caso a caso, das ações judiciais que
compõem a judicialização da saúde.
Nessa vertente, se assenta a inconveniência de adotar o padrão jurisprudencial
para se admitir judicialização, sem critérios ou ressalvas.
Por outro lado, é relevante destacar, ainda com arrimo na sociologia weberiana,
que a sociedade não é concebida como resultado puro da vontade dos homens, visto
que os fenômenos sociais podem também ser resultados de consequências não
intencionais, assim como podem ocasionar consequências não intencionais, quer
dizer, não relacionadas com vontade ou racionalidade humanas.
Partindo das considerações weberianas, embora pareça óbvia a observação, os
juízes precisam se conscientizar a dar relevância sobre a função jurisdicional na área
social. De um lado, o direito à saúde não pode ser tratado como mais um direito, ou seja,
sem que não haja consequência jurídica concreta alguma de sua previsão constitucional.
De outro, não é adequado ao sistema público de saúde que o acesso às ações ou aos
serviços de saúde seja tratado como se fossem direitos sem custo algum para o Estado.
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Se de um lado os juízes não podem ser impedidos de prestar jurisdição, sempre
que provocados (CF, art. 5º, XXXV), pois nem a lei pode excluir da apreciação do
Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito, não podem ignorar as políticas sociais e
econômicas existentes para reduzir o risco de doença e outros agravos, por meio de
rede regionalizada e hierarquizada com diretrizes concebidas (CF, art. 98, I a III).
A judicialização, tratada como instrumento genérico de acesso e efetividade
do direito à saúde, não permite que o Judiciário conheça a realidade dos fatos
apresentados para julgamento de modo a aferir as particularidades da demanda, sem
que haja a manifestação do gestor de saúde no processo.
Evidencia-se prejudicial, se não pernicioso ao SUS, a repetição de julgados com
cores líricas de constitucionalidade, em nome da efetividade do direito à saúde.
O Judiciário poderia muito bem exercer o controle da execução de políticas,
de modo a respeitar as políticas sociais e econômicas discutidas e aprovadas pelos
demais Poderes (Executivo e Legislativo), e assim impedir que não haja realocação
indevida de recursos e garantir a execução orçamentária com maior eficiência.
À GUISA DE CONCLUSÃO
O fenômeno social denominado judicialização da saúde se contrapõe à política
social e econômica, assim entendidas as ações e os serviços de saúde de competência
do SUS a serem executados em rede coletivamente.
Os juízes e Tribunais, ao deferirem pretensões por remédios, tratamentos
médicos, vagas em unidade de terapia intensiva, não estarão efetivando a saúde como
direito social de todos, mas desorganizando o sistema público, de modo a prejudicar
seu funcionamento e o atendimento universal e igualitário.
O direito à saúde não pode ser tratado unicamente com base teórica e abstrações
padronizadas na jurisprudência, sem qualquer individualidade e persecução dos
motivos que levaram o usuário a postular judicialmente um serviço gratuito.
A judicialização não permite que o Judiciário conheça a realidade dos fatos
apresentados para julgamento, de modo a aferir as particularidades da demanda sem
que haja a manifestação do gestor de saúde no processo.
A natureza coletiva dos direitos sociais exige a edição de políticas públicas
concebidas coletivamente e não se exaure nos limites de uma autuação processual
(autos de um processo).
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Nesse sentido, se mostra conveniente a educação jurídica, na organização dos
Tribunais e, sobretudo, nos autos dos processos judiciais, a partir do tratamento dos
direitos sociais com uma visão weberiana.
O Judiciário poderia muito bem exercer o controle da execução de políticas,
de modo a respeitar as políticas sociais e econômicas discutidas e aprovadas pelos
demais Poderes (Executivo e Legislativo), e assim impedir que não haja realocação
indevida de recursos e garantir a execução orçamentária com maior eficiência.
Na perspectiva de Weber, o direito social à saúde não poderia ser tratado sem
ser uma persecução concreta e individualizada do fato.
Por efeito, o meio termo ou ponto de convergência, a ponderação ou a conciliação
de interesses, se obtido de forma racional, permitiria conceber a judicialização como
um recurso legítimo do usuário do SUS ao atendimento de saúde, caso o gestor não
o tornasse efetivo.
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