Haitianismo em perspectiva comparativa: Brasil e Cuba (sécs. XVIII
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Haitianismo em perspectiva comparativa: Brasil e Cuba (sécs. XVIII
Haitianismo em perspectiva comparativa: Brasil e Cuba (sécs. XVIII-XIX)* Alain El Youssef Introdução A Era das Revoluções (1789-1848) foi marcada por uma série de mudanças que reconfiguraram o campo político, econômico, social e das idéias no espaço atlântico, tanto na Europa como no Novo Mundo. Neste período, o Antigo Regime entrou em uma crise que o levou à sua derrocada. No Velho Continente, França, Espanha e Portugal, entre outros, foram dando fim aos seus regimes absolutistas em processos repletos de idas e vindas. Na América, com algumas exceções, colônias inglesas, francesas, espanholas e portuguesas foram, no decorrer deste período, adquirindo suas independências políticas. À mesma medida em que o regime colonial passava a ser questionado, a ordem escravista, existente em alguns dos principais territórios produtores de mercadorias do continente americano, começou a sofrer sucessivas contestações.1 Além disso, as sociedades escravistas do Brasil e de Cuba passaram a conviver, desde o Congresso de Viena, com a pressão exercida pela Inglaterra para que dessem fim ao comércio de africanos. Mas, muito embora a Inglaterra exercesse forte coação nesse sentido, a reestruturação da economia-mundo marcada pela emergência da hegemonia política e econômica britânica fez com que a indústria moderna requisitasse novas e antigas matérias-primas numa escala sem precedentes. Este processo gerou dois grandes efeitos: em primeiro lugar, ocorreu uma reestruturação da divisão internacional do trabalho, pois com a queda dos impérios coloniais, a relação colônia-metrópole deu lugar à hegemonia do capital financeiro e industrial britânico; em segundo lugar, o mesmo processo que levou à destruição da escravidão em antigas regiões produtoras como as Antilhas inglesas e francesas, encorajou a expansão e a intensificação da instituição em outras regiões da América, notadamente Brasil, Cuba e Estados Unidos. Cada um destes * Esse texto é, em parte, fruto de um mestrado, ainda em andamento, desenvolvido dentro do Programa de Pós-Graduação de História Social da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), sob orientação do Prof. Dr. Rafael de Bivar Marquese, cujo título, ainda provisório, é Opinião pública e escravidão. Imprensa e política no Império do Brasil durante a vigência do tráfico negreiro transatlântico (1820-1853). Agradeço à Fapesp pelo financiamento da pesquisa. 1 Robin Blackburn. A queda do escravismo colonial, 1776-1848. (Trad. port.). Rio de Janeiro: Record, 2002, principalmente pp. 13-43. 1 espaços especializou-se na produção de um tipo de mercadoria – enquanto no Brasil ocorreu o arranque da cafeicultura, Cuba passou por um verdadeiro boom na economia açucareira e os Estados Unidos praticamente monopolizaram o mercado mundial de algodão –, consolidando uma nova divisão internacional do trabalho a partir de sua crescente integração com a produção industrial. Neste quadro, a escravidão nos três espaços mencionados foi em larga escala remodelada, sendo modificada em suas condições de existência, função e significado. É justamente a partir desta mudança do caráter e da sistemática escravista que se configura a formação de uma “segunda escravidão” no Império brasileiro, na colônia espanhola de Cuba e na República norteamericana durante o século XIX.2 Boa parte dessas mudanças estruturais na escravidão do Novo Mundo tiveram origem a partir da Revolução do Haiti. Em 1789, a colônia francesa de São Domingos, além de possuir o maior volume de tráfico negreiro do planeta, representava dois terços do comércio exterior da França, produzindo metade do café consumido no mundo e quase o equivalente de açúcar exportado por Jamaica, Cuba e Brasil juntos. Era, em suma, a maior colônia americana no último quartel do século XVIII, a “pérola das Antilhas”, sendo, quase que conseqüentemente, a sociedade escravista que mais se desenvolvia no mundo atlântico.3 Devido à importância dessa colônia e à forma como ocorreu a revolta dos escravos, a Revolução do Haiti4 pode ser, de fato, considerada um turning point na história, pois ela demonstrou aos negros de boa parte do mundo atlântico que a liberdade poderia ser alcançada por conta própria e que o cativeiro não era uma condição inescapável.5 Após a ocorrência deste fato único na história da humanidade, os territórios que estavam reconfigurando as bases de suas sociedades escravistas (Brasil, Cuba e Estados Unidos) viram-se diante de um problema que poderia colocar um fim definitivo à tão 2 Cf. Dale Tomich, “The ‘Second Slavery’: Bonded Labor and the Transformation of the NineteenthCentury World Economy”. In: Through the Prism of Slavery. Labor, Capital and World Economy. Boulder: Rowman & Littlefield, 2004, pp. 56-71. 3 Sobre a Revolução do Haiti, cf. C. L. R. James, Os jacobinos negros. Toussaint L’Ouverture e a revolução de São Domingos. (Trad. port.). São Paulo: Boitempo Editorial, 2000; e Robin Blackburn, A queda do escravismo colonial, pp. 179-224 e 231-79. 4 Para evitar repetições ao longo do texto, utilizarei os termos “Revolução do Haiti” e “Haiti” como sinônimos, respectivamente, de “Revolução de São Domingos” e “São Domingos”. Todavia, é necessário ressaltar que os primeiros termos só passam a existir a partir de 1804, quando São Domingos declarou sua independência, adotando o nome Haiti. 5 David Brion Davis, “Impact of the French and Haitian Revolutions”. In: David P. Geggus (edit.), The Impact of the Haitian Revolution in the Atlantic World. Columbia, SC: The University of South Carolina Press, 2001, p. 4. 2 lucrativa instituição: o “espectro do Haiti”. De fato, a revolta de escravos que atingiu São Domingos abriu um novo (mas não o único) campo de possibilidades para a formulação de um novo tipo de resistência escrava cuja base passou a residir na eliminação de todas as formas de cativeiro. Assim, como muitos historiadores vêm destacando nos últimos anos, escravos de diversas regiões do mundo atlântico passaram a fazer leituras dos fatos ocorridos no Haiti, chegando, inclusive, a instrumentalizá-los em ações contra seus senhores.6 As conseqüências e implicações destas instrumentalizações são enormemente destacadas pelos historiadores que trataram do tema. No caso de Cuba, o temor da repetição de uma revolta escrava nos moldes da ocorrida em São Domingos é argumento recorrente na historiografia que tentou explicar o tardio processo de independência da ilha, em comparação às outras colônias espanholas que se emanciparam da metrópole no primeiro quartel do século XIX.7 De acordo com essa vertente, o medo de que um movimento independentista desembocasse em lutas sociais entre brancos, escravos negros e livres de cor foi um fator decisivo para a manutenção do projeto político que desde a segunda metade do século XVIII havia selado a união entre elite local e burocracia espanhola. Tal argumento é amplamente referendado pelos historiadores que se dedicaram ao estudo do espectro do Haiti na ilha, que constataram que o exemplo da colônia vizinha permaneceu vivo em Cuba graças à circulação de pessoas e de notícias, de revoltas escravas inspiradas em líderes haitianos, etc. A historiografia brasileira não se distingue muito da cubana no que tange a este assunto. Dentre os historiadores que analisaram o período final da colonização e o processo de independência, é recorrente a explicação do “caráter conservador” da 6 Esta é a tese central de Eugene Genovese em Da rebelião à revolução: as revoltas de escravos negros nas Américas. (Trad. port.). São Paulo: Global, 1983, principalmente pp. 13-21 e 87-118. Apesar de bastante criticada, a idéia central de Genovese foi muitas vezes mal compreendida. O próprio autor fez questão de afirmar que não estava sugerindo “de modo algum a existência de uma homogeneidade ideológica e muito menos de uma coordenação, antes ou após a Revolução Francesa, e nem o desaparecimento de revoltas restauracionistas. Admito, prontamente, que os mecanismos de transmissão ideológica permanecem obscuros e à espera de uma investigação mais profunda. Insisto, sim, que a exigência negra de uma abolição da escravidão como sistema social era algo novo e que marcou época. Ela não poderia ter emergido como um poder histórico mundial antes da ascensão da ideologia burguesademocrática, a qual estendeu o compromisso liberal revolucionário à propriedade absoluta. As revoltas de escravos, a exemplo de tantos outros fatos, não podem ser compreendidas fora do contexto de uma história mundial em desenvolvimento, no qual a política, a economia e a ideologia da Europa, África e Ásia, tinham-se tornado inseparáveis” (p. 18). 7 A título de exemplo, cf. Ramiro Guerra y Sánchez, Manual de Historia de Cuba (economica, social y politica). Havana: Cultural, 1938; e Manuel Moreno Fraginals, Cuba/Espanha, Espanha/Cuba: uma história comum. (Trad. port.). Bauru: Edusc, 2005. 3 emancipação política do país, entre outros fatores, graças ao medo da repetição de um novo Haiti no território brasileiro. Segundo alguns historiadores, o haitianismo teria sido responsável por “catalisar” forças sociais dispersas pelo vasto território da América portuguesa, criando “uma solução de compromisso com a Metrópole”, que terminaria com a adoção do regime monárquico em 1822.8 Idéia, mais uma vez, corroborada pelos especialistas brasileiros em escravidão, que caracterizam o final do período colonial e as primeiras décadas do Império brasileiro como um momento no qual teria prevalecido um “grande medo” por parte dos senhores de escravos, a todo o momento preocupados com a possibilidade de rebeldia de seus cativos. Mas, ainda que o tema se faça presente em diversas análises históricas, são notáveis algumas questões que têm passado batidas pelos historiadores que se debruçaram sobre a temática do haitianismo. Dentre elas, podem-se destacar as seguintes: teriam os escravos de diversos espaços americanos lido o exemplo de São Domingos da mesma forma? Aliás, será que todos chegaram a vislumbrar como exemplo a única revolta de escravos bem sucedida da história? Como analisar o impacto do Haiti nos três principais territórios escravistas do século XIX? O espectro dos escravos que acabaram com o regime colonial e com o cativeiro na principal possessão ultramarina francesa foi o mesmo no Brasil, em Cuba e nos Estados Unidos? Este ensaio se propõe a responder estas questões por meio da utilização de um quadro comparativo entre a América portuguesa (Império brasileiro, depois de 1822) e a ilha que permaneceu colônia espanhola até o fim do século XIX, tomando ambos os espaços como partes de uma unidade de análise maior, o Atlântico, caracterizada por ser uma região histórica específica que faz parte da economia-mundo capitalista.9 Esta tarefa, todavia, não resultará de uma pesquisa documental inédita. Pelo contrário, a 8 Cito, expressamente, Maria Odila Leite da Silva Dias, “A interiorização da metrópole”. In: Carlos Guilherme Mota (org.). 1822 – Dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1972, pp. 160-84, citação da p. 174 (grifo meu); e da mesma autora, “Ideologia liberal e construção do Estado”. In: A interiorização da metrópole e outros estudos. São Paulo: Alameda, 2005, pp. 127-49, citação da p. 134 (grifo meu) - o texto é uma versão revista e ampliada do artigo “A nossa Independência e a deles”, publicado no Jornal da Tarde em 4 de julho de 1976; e Kenneth Maxwell, “A geração de 1790 e a idéia do império lusobrasileiro”. In: Chocolate, piratas e outros malandros: ensaios tropicais. São Paulo: Paz e Terra, 1999, pp. 157-207. A idéia central deste artigo já se acha presente no último capítulo de A devassa da devassa. A Inconfidência Mineira: Brasil e Portugal, 1750-1808. (Trad. Port.). São Paulo: Paz e Terra, 2005 (6ª edição; 1ª edição 1973). 9 Dale Tomich, “Atlantic History and World Economy: concepts and constructions”. Texto apresentado à Linha de Pesquisa Escravidão e História Atlântica; cf., também, do mesmo autor “A riqueza do império: Francisco Arango y Parreño, economia política e a segunda escravidão em Cuba”. Revista de História, nº 149 (2º semestre – 2003), pp. 11-43. 4 proposta consiste em valer-se da larga documentação citada pela historiografia que lidou com o tema para, a partir de uma releitura, fornecer uma nova interpretação sobre esse conjunto de fontes. Para isso, o recorte temporal elegido cobrirá o fim do século XVIII, quando se inicia a revolta de escravos em São Domingos, até o fim da década de 1830 e início do decênio seguinte, momento em que o temor em torno da repetição do Haiti começa a perder força tanto em Cuba como no Brasil, ao menos no que diz respeito a revoltas escravas. O caso cubano Desde o início do processo colonizador, Cuba desempenhou um papel ímpar no âmbito do Império espanhol. A ilha constituiu-se, desde o século XVI, como o principal enclave comercial-militar das rotas de comunicação entre a América hispânica e a metrópole, sendo parada obrigatória dentro do sistema de frotas que regeu a economia do colonialismo espanhol durante a época moderna. Tal quadro só veio a alterar-se a partir de meados do século XVIII, quando os ministros de Carlos III (Gerónimo de Ustáriz, José Campillo y Cosío e Bernardo Ward), imbuídos de idéias iluministas, passaram a colocar em prática um plano de reformas que objetivavam reconfigurar o Império Bourbon. Nesse sentido, o governo espanhol empenhou-se em duas frentes: a reforma administrativo-militar e a econômico-mercantil. Se, por um lado, os ilustrados espanhóis esforçaram-se para liberar o comércio dentro do Império, por outro, buscaram aumentar o controle político-administrativo sobre as colônias.10 Foi exatamente isso que ocorreu em Cuba. Após a retomada da ilha, que havia passado dois anos (1762-63) sob o comando dos ingleses, tomou posse do Governo Superior Político de Cuba, em nome do rei espanhol, o tenente general Ambrosio de Funes e Villalpando, o conde de Ricla. As prioridades deste governador estavam dirigidas, em primeiro lugar, ao fortalecimento militar defensivo e ofensivo da ilha, e, em segundo lugar, na sua reorganização político-administrativa. Dessa forma, tratava-se de uma proposta de modernização do aparato governativo, da economia e da sociedade. 10 D. A. Brading, “A Espanha dos Bourbons e seu império americano”. In: Leslie Bethell (org.). História da América Latina: a América Latina Colonial I. (Trad. port.). São Paulo: EDUSP/FUNAG, 1998, pp. 391-9; e István Jancsó, “A construção dos Estados nacionais na América Latina – Apontamentos para o estudo do Império como projeto”. In: Tamás Szmrecsányi; José Roberto do Amaral Lapa (orgs.). História econômica da Independência e do Império. São Paulo: HUCITEC/ EDUSP/ Imprensa Oficial, 2002, p. 8. 5 Projeto que recebeu amplo apoio da oligarquia havanesa, desejosa de entrar nos circuitos do mercado mundial por meio da produção de produtos tropicais. Na realidade, esta aliança entre o poder colonial e a classe dominante cubana facilitou imensamente a consecução das reformas ilustradas na ilha. Baseada, em grande parte, em interesses escravistas e constituída, sobretudo, por meio de alianças matrimoniais entre burocratas e militares metropolitanos e os plantadores nativos, esta aliança formou um grupo de poder baseado em sua força econômica e em sua influência na corte espanhola. Gestada nesta época de reformas, essa união tinha feições oligárquicas e constituía um setor social homogêneo que foi capaz de lançar as bases do complexo açucareiro cubano, formar uma sociedade escravista, organizar uma base técnico-material moderna e capitalista e, sobretudo, levar à reestruturação do sistema colonial espanhol criando uma nova relação com a metrópole.11 Para alcançar seus objetivos, a oligarquia cubana reivindicou a supressão de barreiras que travavam o deslanche da economia açucareira. Dentre elas, a mais importante era a concessão do direito de comercializar livremente escravos trazidos da África. Reivindicação que, ao que tudo indica, era compartilhada pela alta administração metropolitana. O próprio Campomanes, ministro de Carlos III, afirmou em uma de suas obras mais importantes que “o tráfico de negros nas Índias Ocidentais é um dos objetos de maior atenção [...]. Põe[-se] a necessidade a nosso governo de que deixe este ramo livre ao Comércio, rebaixando os impostos, que atualmente impedem a introdução de negros e tomando os meios possíveis para facilitar a introdução”.12 Com essa convergência de interesses, a liberalização do comércio negreiro para a ilha foi conseguida tanto de forma oficial como de forma oficiosa. O tráfico foi, na realidade, fundamental para o deslanche da economia açucareira na ilha. Embora as reformas implantadas pelo conde de Ricla e seus sucessores tenham surtido efeitos satisfatórios, Cuba continuava sofrendo com uma forte crise econômica por conta da queda nos preços do açúcar na década de 1780. Mas, com a chegada da 11 Eduardo Torres-Cuevas, “De la Ilustración reformista al reformismo liberal”. In: Maria del Carmen Barcía; Gloria Garcia; Eduardo Torres-Cuevas (grupo de redacción). Historia de Cuba. La colonia – evolución socioeconómico y formación nacional. La Havana: Editora Política, 1994, pp. 315-18; Manuel Moreno Fraginals, Cuba/Espanha, Espanha/Cuba, pp. 190-91. 12 CAMPOMANES, Pedro Rodríguez. Reflexiones sobre el comercio español a Indias. – Apud Pablo Tornero Tinajero, Crescimiento economico y transformaciones sociales. Esclavos, hacendados y comerciantes en la Cuba colonial (1760-1840). Madrid: Ministerio de Trabajo y Seguridad Social, 1996, pp. 25-6. 6 época revolucionária, esta situação alterou-se profundamente. A oligarquia havanesa soube muito bem se aproveitar da derrocada de São Domingos e do vácuo deixado pela colônia francesa no mercado mundial. Com a formulação de um projeto de desenvolvimento da agricultura da ilha, Cuba viveu um verdadeiro boom açucareiro da última década de século XVIII até os anos 1830.13 Tudo graças às sucessivas concessões que o governo fez à oligarquia cubana a partir da década de 1790, materializando seu projeto. Entre tantas medidas adotadas, destacam-se: a emissão de uma série de reais cédulas, entre 1789 e 1804, autorizando a liberalização do comércio de escravos; a facilitação da entrada de todo tipo de ferramentas e máquinas utilizadas para o cultivo da cana e a fabricação do açúcar; e a emissão de autorizações para o estabelecimento de refinarias na ilha. Por seu lado, o livre-comércio, embora não tenha sido autorizado em caráter oficial, foi extensamente praticado desde a última década do século XVIII.14 Essas reformas aceleraram profundamente o tempo histórico para os habitantes da ilha. Num período muito curto de tempo, Cuba sofreu mais transformações do que havia vivenciado em todo o período colonial. Durante o governo de Luis de las Casas (1793-96), administrador metropolitano que atuou em conjunto com a oligarquia cubana, iniciou-se um processo de redução do número de pequenos agricultores. Enquanto os antigos criadores de gado perdiam suas terras, as áreas destinadas ao plantio de açúcar começaram a expandir-se largamente pela ilha.15 Em um período relativamente curto de tempo, a oligarquia havanesa transformou-se em uma plantocracia ou sacarocracia. Mas, sem dúvida, a principal mudança se deu no âmbito da escravidão: a maior parte de Cuba deixou, nesse mesmo período, de ser uma sociedade com escravos para transformar-se em uma sociedade escravista. Dessa forma, como bem ressaltou Manuel Moreno Fraginals, “açúcar e negro cresceram paralelamente na ilha”. Com o incremento maciço de população africana, todavia, o caráter patriarcal da escravidão cubana foi substituído pela exploração intensiva do 13 Alguns textos de Francisco Arango y Parreño sintetizam muito bem esse projeto da oligarquia cubana. Cf., sobretudo, “Discurso sobre la Agricultura de la Habana y medios de fomentarla”. In: Obras. Havana: Ministério de Educación, 1952, 2 vol., vol.1. 14 Ramiro Guerra y Sánchez, Manual de Historia de Cuba, pp. 192-94. A maior parte destas concessões já havia sido sugerida por Francisco Arango y Parreño no texto mencionado na nota anterior, o que diz muito sobre a aliança entre a oligarquia cubana e o poder metropolitano. 15 Ramiro Guerra y Sánchez, Manual de Historia de Cuba, pp. 194-97. 7 negro. Por conta disso, rapidamente se intensificaram os conflitos internos da ilha.16 Aliado ao turbilhão revolucionário que atingiu a Europa e a América, o aumento da exploração escravista abriu possibilidades para o incremento das manifestações de rebeldia dos escravos.17 Por essas razões, todas essas mudanças não vieram desacompanhadas da formulação de uma nova política de controle muito mais restritiva à população negra, tanto a livre como a escrava. Em um primeiro momento, ela concentrou-se no reforço de antigas restrições: procurou-se obstaculizar o máximo possível o acesso à alforria com o intuito de perpetuar as diferenças sociais e dificultar a atividade independente dos negros. Ao mesmo tempo, foram feitos esforços para melhorar a vigilância nos centros urbanos, principalmente em cidades como Havana e Santiago de Cuba que possuíam densidade demográfica considerável e intensa movimentação mercantil.18 Tudo isso, no entanto, não foi suficiente para impedir que o exemplo do Haiti se fizesse presente em Cuba. Em termos geográficos, o ponto mais oriental da colônia espanhola fica apenas a algumas milhas de São Domingos. Fato que, por si só, indica uma facilidade para a circulação de pessoas, notícias e informações de um território ao outro. E, após o estouro da rebelião de escravos, formou-se uma verdadeira rede de comunicação entre as duas colônias. As fontes de informação, nesta época, foram muitas, diversas, constantes, substanciais, ricas em detalhes e alcançaram um amplo grupo de pessoas.19 Desde o início da revolução, produziu-se uma enorme quantidade de notícias de caráter oficial. As autoridades coloniais de São Domingos, ao se depararem com fatos inéditos e, portanto, tão inesperados, começaram a escrever aos governantes das colônias vizinhas. Foram, sobretudo, as autoridades de Santo Domingo, da Jamaica e de Cuba que receberam os pedidos de socorro dos administradores franceses. Por meio 16 Manuel Moreno Fraginals, Cuba/Espanha, Espanha/Cuba, pp. 190-97, a citação encontra-se na p. 196. Eduardo Torres-Cuevas, “De la Ilustración reformista…”, p. 321. 18 Gloria Garcia, “Vertebrando la resistencia: la lucha de los negros contra el sistema esclavista, 17901845”. In: Maria Dolores González-Ripoll; Consuelo Naranjo; Ada Ferrer; Gloria García; Josef Opatrny, El Rumor de Haití en Cuba: temor, raza y rebeldia, 1789-1844. Consejo Superior de Investigaciones Científicas: Madrid, 2004, pp. 258 e 266. 19 Este parágrafo e os seguintes estão baseados em Ada Ferrer, “Noticias de Haití en Cuba”. Revista de Indias, septiembre-diciembre 2003, vol. LXIII, no 229, pp. 675-94; da mesma autora, “Cuba em la sombra de Haití: noticias, sociedad, y esclavitud”. In: Maria Dolores González-Ripoll; Consuelo Naranjo; Ada Ferrer; Gloria García; Josef Opatrny, El Rumor de Haití en Cuba, pp. 179-231; e Matt D. Childs. “‘A Black French General Arrived to Conquer the Island’. Images of the Haitian Revolution in Cuba’s 1812 Aponte Rebellion”. In: David P. Geggus (ed). The Impact of Haitian Revolution in the Atlantic World, pp. 135-50. 17 8 destas cartas oficiais, também chegavam descrições dos eventos, principalmente de ataques de escravos aos seus senhores e de destruições de fazendas. Dessa forma, é possível ver como os administradores cubanos estavam muito bem interados dos principais fatos ocorridos na colônia vizinha. Todavia, as notícias não chegavam apenas de forma oficial, movimentando-se também por meios mais públicos ou pessoais. Neste ponto, a navegação exerceu um papel central. Os barcos que aportavam em Havana, Santiago e Baracoa, entre outros portos cubanos, geralmente traziam consigo notícias, cartas particulares, periódicos de diversos países e panfletos impressos, além de estarem carregados de passageiros que poderiam ser testemunhas oculares dos fatos ocasionados em São Domingos. Não há dúvidas de que as notícias mais detalhadas e alarmantes que chegavam a Cuba provinham da colônia espanhola de Santo Domingo, situada na mesma ilha da colônia francesa atingida pela revolução. Durante as décadas de 1790 e 1800, formou-se um verdadeiro triângulo informativo que tinha início no Haiti, passava por Santo Domingo e terminava na ilha cuja capital era Havana. Além dos vínculos entre as duas possessões espanholas serem muito fortes nesta época, Santo Domingo não ficou imune aos acontecimentos da colônia vizinha, pois uma parte da revolução desenvolveu-se também em seus territórios. Assim, a maioria das notícias que chegava à parte espanhola da ilha também chegava a Cuba. Com o desenrolar da rebelião de escravos, muitos donos de terras dominicanos refugiaram-se em Cuba, levando consigo experiências vivenciadas pessoalmente. Ao entrarem em contado com cubanos de certa posição social, interavam-nos dos acontecimentos por eles vividos. Algo semelhante ao que ocorreu com os refugiados franceses que migraram para Cuba após o estouro da revolução. Seu fluxo foi tão significativo que, por volta de 1808, somente na cidade de Santiago a população de origem francesa somava o número de 7.449 refugiados, enquanto outros milhares viviam em Havana e em outras partes da ilha. Ambos os grupos chegariam a ocupar uma posição importante dentro da sociedade cubana, tornando-se, muitas vezes, senhores de terras e escravos, inclusive de cativos que, assim como eles, eram oriundos da ilha vizinha e haviam vivenciado os acontecimentos da revolução.20 20 Para evitar a introdução de escravos de São Domingos, o Capitão General de Cuba, Luís de las Casas proibiu, em 1796, a entrada de cativos que não fossem bozales [nascidos na continente africano] trazidos das costas da África. Além disso, escravos importados das colônias francesas após agosto de 1790 9 A guerra entre França e Espanha (1793-95) proporcionou a oportunidade de outros agentes históricos cubanos entrarem em contato direto com a revolução do Haiti. Dentre os vários regimentos de soldados enviados a Santo Domingo durante o mencionado conflito, estavam os batalhões dos regimentos de infantaria de Cuba e de Havana. Lá, esses soldados lutaram contra as tropas de negros rebeldes e trabalharam ao lado dos homens de Biassou e Toussaint Louverture antes que estes passassem a ser considerados inimigos. Terminada a guerra, os soldados cubanos levaram todo este conhecimento e essas experiências para Cuba. Sebastian Calvo de La Puerta y O’Farril, o Marquês de Casa Calvo, um dos principais nomes da sacarocracia cubana, liderou o regimento de Havana em Santo Domingo. Ao escrever, em 1795, uma carta a Luis de las Casas, Capitão General de Cuba, para informá-lo sobre a situação em que se encontrava, Calvo afirmou que durante o conflito “se estabeleceu entre eles [negros] e nós [brancos] a perfeita igualdade”. No entanto, o problema residia no fim da guerra, pois os soldados partiriam de volta para Cuba “cheios da lisonjeira idéia que se situarão em Havana e que nessa Cidade gozarão das mesmas distinções, prerrogativas, luxo e demasiada tolerância”. E continuava: “Eu quero representar a VE o caráter destes homens, para que com estas curtas reflexões, o talento de VE possa decidir-se a não permitir no seio da florescente Ilha de Cuba leal e fiel a seu Rei, nem dentro do recinto dessa Cidade de Havana [...] [que] se alberguem, nem se hospedem estas víboras venenosas. [...] Sou quase testemunha ocular [...] da desolação dessa Colônia [São Domingos] [...]; ainda que os pintem de outras cores, os mesmos que assassinaram seus Senhores, violaram suas Senhoras, e acabaram com quantos tinham propriedades neste solo no princípio da insurreição; para que mais reflexões se só com essas se horroriza o coração humano...”.21 O Capitão General de Cuba, ao receber a carta, impediu o desembarque daquelas tropas. Mas o que ele não conseguiu evitar foi sua substituição pelo Marquês de Someruelos, um militar de reputação, em 1796. De acordo com a metrópole, a situação geopolítica do Caribe exigia, graças à existência da possibilidade de ser decretada uma guerra contra os Estados Unidos, a presença de um governador capaz de defender Cuba contra qualquer inimigo.22 Logo de início, Someruelos teve que lidar com os mesmos deveriam ser retirados de Cuba num prazo de três meses. Cf. Matt D. Childs. “‘A Black French General…”, p. 140. 21 Citado em Ada Ferrer, “Cuba em la sombra de Haití”, p. 194. 22 Guerra y Sánchez, Manual de Historia de Cuba, p. 199. 10 problemas de seu antecessor, pois Jean-François, um dos líderes haitianos, pediu exílio a Cuba. Embora tenha negado a permissão ao líder, o novo Capitão General acreditava que “algumas das divisões de São Domingos do caudilho Juan-Francisco [nome dado a Jean-François em Cuba], ainda vivem na ilha” e precisavam ser “expelidas”, pois “poderiam causar desconfiança, esconder-se e muito mais nesse país”.23 Além das relações pessoais, uma de suas principais fontes de informação da época era a imprensa periódica. Se, por um lado, o Papel Periódico de Havana não publicava notícias sobre a revolta de escravos na colônia vizinha, as mesmas chegavam a Cuba por meio de periódicos franceses que entravam ilegalmente na ilha. Mas, sem dúvida, a maior fonte de informações sobre o Haiti provinha da Gazeta de Madrid, autointitulada o boletim oficial do governo espanhol, que realizava uma cobertura regular dos acontecimentos ocorridos na colônia francesa. Someruelos logo percebeu o perigo que representava a circulação destes jornais na colônia espanhola que governava. Na medida em que o público cubano possuía acesso às mesmas notícias que circulavam em Paris, Londres, no Caribe inglês e nos Estados Unidos, rapidamente o Capitão General tratou de fazer uma queixa formal endereçada à metrópole, informando que ele estava fazendo o possível para que esses papéis não circulassem entre as pessoas de cor que, segundo o próprio Someruelos, os analisavam “com bastante viveza”. A tarefa do Capitão General não parecia ser fácil, visto que as gazetas “se vendem ao público, todos as compram e correm muito bem nas mãos dos Negros”.24 À medida que o tempo passava, essas constatações se materializavam em grandes e pequenas contestações de escravos e de negros livres. Nos anos posteriores ao início da revolta de escravos de São Domingos, ocorreram, em Cuba, dezenas de supostas rebeliões e conspirações. Coincidência ou não, essas revoltas se deram na região oriental da ilha, a que fica mais próxima do Haiti e que recebeu o maior número de imigrantes de Santo Domingo. Nesta parte de Cuba, conspirações e revoltas escravas foram abortadas em 1795, 1798, 1805, 1809 e 1811-12. Já no resto da ilha, esse tipo de protesto atingiu seu pico entre 1797 e 1799. A freqüência constante de insurreições 23 Someruelos a ?, 27 de janeiro de 1800 – Apud Matt D. Childs. “‘A Black French General…”, p. 140. Someruelos a Sec. De Estado, 25 de maio de 1804, citada textualmente em Someruelos a Sc de Estado, 13 de agosto de 1809 – Apud Ada Ferrer, “Noticias de Haití en Cuba”, p. 687. 24 11 levou a Junta do Real Consulado a rever sua política de controle, o que dificultou ainda mais a ação dos escravos.25 Mesmo assim, em 1806 ocorreu uma tentativa de sublevação que colocou em risco a sociedade escravista cubana. Ocorrido ao sul de Havana, mais especificamente em Güines, o plano foi descoberto antes de ser posto em execução. De acordo com as investigações das autoridades, dois eram os líderes da conspiração, ambos crioulos: Estanislao e Francisco Fuertes. Os depoimentos fornecidos por escravos que participariam da rebelião dão a entender que seu objetivo era levantar-se contra seus senhores, marchar sobre Guanabacoa, “acabar com todos os brancos”, tomar a cidade e estabelecer-se em “liberdade absoluta como em Gua[rico]”, nome que se dava em espanhol à São Domingos. Assim, boa parte dos escravos implicados na conspiração parecia conhecer bem a experiência do Haiti, fazendo menção às “grandezas de seus companheiros e às façanhas que hão feito e de que estavam absolutos senhores”.26 Se o exemplo do Haiti vira e mexe colocava a escravidão cubana em perigo, o agravamento dos conflitos dentro do Império espanhol tornou a situação dentro da ilha ainda mais aguda. Com a invasão da Espanha por Napoleão, o rei Carlos IV abdicou do trono. Fernando VII, seu filho, acabou sendo proclamado rei, mas, assim como seu pai, terminou no cativeiro. Diante desta ausência de governo, os espanhóis rapidamente organizam uma Junta Central, ao mesmo tempo em que foram criadas juntas locais nas províncias, inclusive nas ultramarinas. Em Cuba, o Ajuntamento formado em 1808 demonstrou sua lealdade à metrópole. No resto da América, embora as outras possessões espanholas também tivessem inicialmente demonstrado fidelidade à Coroa, não tardou para a situação tornar-se favorável à quebra das relações coloniais, dando-se inicio aos movimentos independentistas, processo irreversível à altura de 1810.27 Nesse mesmo ano, o Conselho de Regência de Espanha e Índias, órgão que substituiu a Junta Central, publicou um decreto real no qual proclamava que deveriam ser realizadas eleições em cada um dos domínios espanhóis da América e da Ásia, a fim de escolher deputados para as Cortes extraordinárias que teriam início em breve. As eleições foram confiadas ao Ajuntamento de cada capital que precisava designar, de 25 Gloria Garcia, “Vertebrando la resistência...”, pp. 276-81; e Ada Ferrer, “Cuba em la sombra de Haití”, pp. 215-16. 26 Ibidem, pp. 283-87. 27 François-Xavier Guerra, Modernidad e independencias. Ensayos sobre las revoluciones hispánicas. México: MAPFRE/ Fondo de Cultura Económica, 1992, pp. 17-18. 12 início, três pessoas, entre as quais seria escolhida, por meio de sorteio, a que assumiria o cargo. Em Cuba, realizadas as eleições, foi escolhido Andrés de Jáuregui.28 De fato, o início do período constitucional representou o primeiro momento de questionamento da escravidão no Império espanhol. Já no início de 1811, quando as Cortes se encontravam em pleno funcionamento, o deputado pela Nova Espanha, José Miguel Guridi y Alcocer, apresentou uma proposta que previa, entre outras medidas, a abolição imediata do tráfico negreiro, a liberdade das futuras crianças nascidas de ventre escravo e o direito legal do cativo à alforria. Como essa proposta foi recebida com surpresa e pânico, sua discussão foi postergada, mantendo-se em segredo até que, em abril, o deputado liberal espanhol Augustín Arguelles apresentasse um texto mais moderado. Ao contrário do primeiro, este projeto se limitava à abolição imediata do tráfico de escravos para as possessões americanas e o fim da tortura em todo o Império espanhol.29 Ao que tudo indica, rumores sobre essas propostas não tardaram a chegar em Cuba. O Capitão General Someruelos rapidamente tratou de enviar uma carta na qual pedia aos deputados das Cortes para “tratar a questão com toda a reserva, atenção detalhada e consideração de que esse grave tema precisa de ordem para não perder essa importante ilha”. A razão de tal pedido residia na circulação de panfletos e jornais, em Cuba, que, com base nos debates das Cortes, anunciavam o risco de uma revolução como a de São Domingos. Segundo Someruelos, as notícias a respeito do debate sobre a escravidão estavam causando inquietação “entre os habitantes da capital e uma série de lamentáveis queixas [...] por toda a ilha, requerendo toda a vigilância do governo”.30 A tática de Someruelos e dos escravistas cubanos surtiu o efeito por eles desejado, freando os impulsos antiescravistas presentes em Cádiz. Dessa forma, os projetos de Alcócer e Argüelles foram deixados de lado ainda em 1811, com o debate sobre o tráfico e a escravidão sendo retirado do âmbito constitucional para retornar ao campo diplomático. Além disso, a constituição aprovada pelas Cortes ratificou o projeto 28 Guerra y Sánchez, Manual de Historia de Cuba, p. 213. Márcia Regina Berbel e Rafael de Bivar Marquese, “A escravidão nas experiências constitucionais ibéricas, 1810-1824”. Texto apresentado no Seminário Internacional Brasil: de um império a outro (17501850). Departamento de História – USP, 5 a 9 de setembro de 2005. 30 “Representación que el Capitán General de la isla de Cuba, Marques de Someruelos, elevó a las Cortes”, 27 de maio de 1811 – Apud Matt D. Childs. “‘A Black French General…”, pp. 148. 29 13 cubano no que se refere à definição de cidadania, com a população de origem africana sendo praticamente excluída dessa categoria.31 Todavia, as medidas adotadas pelas Cortes impulsionaram a conspiração de Aponte (1812), um mulato livre, artesão e ex-capitão de milícias. Não só o líder, mas todos os protagonistas da rebelião inspiraram-se claramente pelo exemplo de São Domingos para animar suas idéias, planos e aspirações. Além das notícias originárias de Cádiz que circulavam por meio de periódicos e chegavam por meio das rotas marítimas, as autoridades da ilha apreenderam um livro de pinturas de Aponte que continha retratos dos líderes revolucionários haitianos, entre eles Henri Christophe, Toussaint Louverture, Jean-François e Jean-Jacques Dessalines. Da mesma forma, os interrogatórios realizados aos envolvidos freqüentemente relataram o plano dos insurgentes de receber ajuda de militares haitianos, sobretudo de Jean-François. Notícia que se torna mais plausível pelo fato de ex-soldados deste militar haitiano encontrarem-se em Havana entre fins de 1811 e início de 1812. Assim, a conspiração de Aponte pode ser vista como uma espécie de síntese de diversas formas como o Haiti fazia-se presente em Cuba. Depois de 1812, o espectro de São Domingos ainda voltaria a assolar a ilha, como no caso da conspiração escrava de La Escalera, mas a partir de então as referências à única revolta de escravos bem sucedida da história passaram, progressivamente, a ser cada vez mais pontuais. O caso brasileiro No Império português, o período de reformas teve início ainda antes que no espanhol, já na década de 1750. Com a subida de D. José I ao trono, rapidamente Sebastião de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, tomou as rédeas da política lusitana, aproveitando-se, sobretudo, das oportunidades que lhe foram oferecidas pelo terremoto que assolou Lisboa (1755) e pela tentativa de assassinato do rei (1758). Com isso, o homem forte de D. José I tratou de implementar um projeto ousado de modernização do Império português, corporificando uma série de concepções iluministas em voga na Europa: expulsou a ordem dos jesuítas de todos os territórios lusitanos, apropriando-se de seus bens; criou o Colégio dos Nobres e realizou a reforma da 31 Márcia Regina Berbel e Rafael de Bivar Marquese, “A escravidão nas experiências constitucionais...”. 14 Universidade de Coimbra, estatizando o ensino dessas duas instituições; aboliu a escravidão em Portugal (não nas colônias); modernizou o exército português; criou o Tesouro Real, fornecendo a esse órgão um sistema de contabilidade centralizado e poderes fiscais uniformes; reconstruiu Lisboa de acordo com o modelo de planejamento urbano do Iluminismo; e acabou com a distinção entre cristãos-velhos e cristãos-novos.32 No que tange à America portuguesa, as reformas também foram bastante significativas. Sempre baseado numa avaliação cuidadosa dos fatores políticos e econômicos que envolviam cada situação, Pombal procurou casar a reforma fiscal e a militar: foi estabelecida uma junta da fazenda em cada capitania brasileira; os portugueses nascidos na América foram envolvidos nos órgãos administrativos e fiscais das colônias e os índios tornaram-se súditos do rei de Portugal. No plano econômico, o ministro de D. José I aboliu o sistema de frotas para o Rio de Janeiro e para a Bahia e criou duas companhias monopolistas de comércio, a do Grão-Pará e Maranhão e a de Pernambuco e Paraíba.33 Muito embora essas companhias não tenham vingado, pode-se dizer que a primeira foi bem sucedida no seu intento de colocar a região norte da América portuguesa no circuito do tráfico de escravos, abrindo a possibilidade do Maranhão vir a transformar-se em uma sociedade escravista. Todas essas medidas de caráter econômico tomadas por Pombal possuíam a clara intenção de dar fim à crise econômica que assolava o Império português desde a década de 1760, pois, nessa época, a coroa vinha sofrendo com a diminuição de suas rendas graças, principalmente, ao declínio da produção de ouro e diamante e à queda do preço do açúcar e do fumo no mercado internacional. A recuperação econômica, todavia, ocorreu somente na década de 1780, após a queda de Pombal, sendo constante para o resto do período colonial. Vários fatores contribuíram para essa retomada: as mais significativas foram a revolução industrial e a revolução de São Domingos. Assim, em um curto espaço de tempo, os preços do açúcar, produzido principalmente em Pernambuco, na Bahia e no Rio de Janeiro, subiram, com o volume e o valor de suas exportações aumentando significativamente. As vendas anuais do fumo baiano (90% do fumo feito no Brasil) quase que dobraram, passando de 320 mil arrobas no período de 32 Para um detalhamento maior das reformas realizadas no período pombalino, cf. Kenneth Maxwell, Marquês de pombal: paradoxo do iluminismo. (Trad. port.). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996. 33 Ibidem, principalmente cap. 6; e Dauril Alden, “O período final do Brasil colônia, 1750-1808”. In: Leslie Bethell (org.). História da América Latina: a América Latina Colonial II. (Trad. port.). São Paulo: EDUSP/FUNAG, 1999, pp. 548-56. 15 1750-1766 para 615 mil nos anos 1780, atingindo seu auge na década seguinte. O algodão do Pará e do Maranhão, por seu turno, chegou a abastecer 30% do mercado inglês na década de 1790 e, por volta de 1800, já representava 28% do valor das reexportações portuguesas de produtos oriundos do Brasil.34 Essa retomada da economia colonial foi sucedida pela intensificação do tráfico negreiro para as regiões produtoras (sobretudo, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco e Maranhão). No final do período colonial, a população africana e de homens livres de cor aumentou substancialmente. Mesmo tendo conhecimento dos fatos ocorridos em São Domingos, os senhores de escravos brasileiros não hesitaram em comprar mais cativos para trabalharem em suas culturas. Ao que tudo indica, diante das primeiras notícias dos acontecimentos caribenhos, somente as autoridades coloniais temeram que as influências da Revolução do Haiti pudessem atingir os escravos da América portuguesa. Sua maior preocupação residia nas regiões de fronteira, sobretudo as do norte da colônia, onde havia grandes riscos dos escravos entrarem em contato, via Caiena, com notícias e idéias correntes no Caribe.35 O próprio governador do Pará, Sousa Coutinho, informou ao rei português, em junho de 1795, que “havia negros fugidos transitando até as campinas de Macapá sem dificuldade”, algo que seria “indispensável prevenir”, pois os mesmos iam “obter liberdade”.36 Além dos escravos que cruzavam as fronteiras, muitas embarcações que passavam pelo Caribe aportavam na região norte da América portuguesa, trazendo consigo informações que passavam facilmente de boca em boca. Alguns navios traziam consigo “gazetas que chegam da Europa”, objeto tão valioso que mesmo “os escravos não ignoram”.37 Outras embarcações, inclusive francesas, penetravam o território brasileiro atrás de fugitivos, causando preocupação e deixando atentas as autoridades coloniais. No ano de 1792, Martinho de Melo e Castro, Secretário de Estado dos Negócios da Marinha e do Ultramar, alertava os governadores de algumas capitanias a tomar “as mais oportunas e eficazes providências, para acautelar e impedir, toda e 34 Dados retirados de Dauril Alden, “O período final do Brasil colônia...”, pp. 556-69. Flávio Gomes, “Experiências transatlânticas e significados locais: idéias, temores e narrativas em torno do Haiti no Brasil escravista”. Tempo, Rio de Janeiro, no 13, p. 217. 36 Documento citado por Carlos Eugênio Soares e Flávio Gomes, “Sedições, haitianismo e conexões no Brasil escravista”. Novos Estudos CEBRAP, no 63, julho de 2002, p. 133. 37 Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, códice arq. 1, 1, 4 – Apud Carlos Eugênio Soares e Flávio Gomes, “Sedições, haitianismo...”, p. 133. 35 16 qualquer Comunicação entre os Habitantes desse Governo, e os Passageiros, Equipagem, e todas as mais pessoas em geral, que vierem abordo dos Navios Franceses”.38 Mesmo diante destas ocorrências, os senhores de escravos brasileiros não pareceram preocupar-se muito com o perigo vindo do Caribe. Durante a Conjuração Baiana, em 1798, os senhores de escravos locais não hesitaram em arregimentar cativos e livres de cor para colocar em execução seu projeto de dar fim ao domínio colonial. Mesmo sendo derrotados, vendo seus planos frustrados, nenhum membro da elite baiana cogitou estar correndo perigo ao politizar as camadas baixas da população. A experiência de 1798 demonstrara que, caso isso viesse a repetir-se, somente os últimos sofreriam com a repressão das autoridades coloniais, e não os senhores de escravos.39 Dessa forma, durante a última década do século XVIII, o temor da repetição de uma revolta de escravos no estilo da de São Domingos na América portuguesa parece ter sido intenso e recorrente somente no norte da colônia, sobretudo na região de fronteira. Já no que se refere às outras regiões da América portuguesa, o contato com notícias e pessoas que de alguma forma participaram dos acontecimentos de São Domingos foi extremamente escasso, não causando nenhum tipo de receio por parte de senhores e traficantes de escravos. No início do século XIX, essa situação continuou a vigorar. Uma das poucas exceções ocorreu no Rio de Janeiro, em 1805, quando “o Ouvidor do Crime mandara arrancar dos peitos de alguns cabras e crioulos forros, o retrato de Desalinas [sic], Imperador dos Negros da Ilha de São Domingos. E o que mais notável era que esses mesmos negros estavam empregados nas tropas da Milícia do Rio de Janeiro, onde manobravam habilmente a artilharia”.40 Mas, com a chegada da Família Real à capital da colônia e a conseqüente montagem de toda uma estrutura que incluía a militarização da Corte e o estabelecimento de uma rede de comunicação no centro da colônia que se transformava em sede da Monarquia, o exemplo haitiano não voltou a assolar seriamente essa região. 38 Martinho de Melo e Castro a Bernardo José Lorena, Lisboa, 21 de fevereiro de 1792. Documentos Interessantes, XLV, 1924, pp. 449-52. 39 István Jancsó, Na Bahia contra o Império. História do ensaio de sedição de 1798. São Paulo/Salvador: HUCITEC/EDUFBA, 1996. 40 Documento citado por Luiz Mott, “A revolução dos negros do Haiti e o Brasil”. História: Questões e Debates, Curitiba, 3(4) junho de 1982, p. 57. 17 Por outro lado, no norte da América portuguesa a situação permaneceu conturbada durante o início do século XIX. Em revide à invasão napoleônica em Portugal, a Corte bragantina acabou invadindo e ocupando Caiena em 1809. Iniciado o controle sobre a possessão francesa, o governo do Rio de Janeiro emitiu ordens para os administradores lusos “procurar[em] fazer sair da colônia todos os homens revolucionários, e cuja conduta futura pudesse de qualquer modo dar cuidado nas futuras vicissitudes a que pode ficar sujeito esse estabelecimento”. Ordenava, também, que tivessem atenção redobrada à “subordinação dos negros” e não medissem esforços “para evitar toda a correspondência dos habitantes com o governo francês”.41 A historiografia costuma afirmar que o espectro do Haiti aumentou na época da independência brasileira. Aqui, o caso mais típico é o da Bahia, onde a emancipação política foi alcançada após a ocorrência de inúmeros conflitos entre “brasileiros” e “portugueses”, abrindo brechas para a atuação de escravos. Todavia, até que ponto pode-se afirmar que esse medo esteve realmente presente no cotidiano dos agentes históricos ou era apenas uma construção ideológica das autoridades e dos senhores de escravos brasileiros? João José Reis coloca essa questão, afirmando que o “partido negro” (entendido como “vários grupos negro-mestiços de escravos, libertos ou homens livres que, cada qual à sua maneira, tentaram negociar uma participação no movimento da Independência, ou subverter a própria ordem escravocrata no calor do conflito lusobrasileiro”) foi as duas coisas ao mesmo tempo. A análise das fontes da época pode, contudo, dizer o contrário. Dos quatro documentos citados por Reis, três são de franceses. O primeiro deles é de uma espécie de espião anônimo que trabalhava a serviço de D. João VI relatando, entre 1822 e 1824, o que julgava ser a situação política do Brasil. Assim, escrevia que as “pessoas brancas” estavam correndo sério risco ao se colocarem em luta pela Independência, “...pois, embora havendo no Brasil aparentemente só dois partidos [o dos brasileiros e o dos portugueses], existe também um terceiro: o partido dos negros e das pessoas de cor, que é o mais perigoso, pois trata-se do mais forte numericamente falando. Tal partido vê com prazer e com esperanças criminosas as dissensões existentes entre os brancos, os quais dia a dia têm seu número reduzido. Finalmente: todos os brasileiros, e sobretudo os brancos, não percebem suficientemente que é tempo de se fechar a porta aos debates políticos, às discussões constitucionais? Se se continua a falar dos direitos dos homens, de igualdade, terminar-se-á por pronunciar 41 Documento citado por Flávio Gomes, “Experiências transatlânticas...”, pp. 226-27. 18 a palavra fatal: liberdade, palavra terrível e que tem muito mais força num país de escravos do que em qualquer outra parte. Então toda a revolução acabará no Brasil com o levante de escravos, que, quebrando suas algemas, incendiarão as cidades, os campos e as plantações, massacrando os brancos e fazendo deste magnífico império do Brasil uma deplorável réplica da brilhante colônia de São Domingos”.42 O segundo é Albert Roussin, um barão francês que se encontrava na Bahia no momento em que estourou a guerra de independência. Em junho de 1822, Roussin escreveu que, “mesmo os partidos os mais exasperados terão sempre um motivo de inquietação que enfraquecerá seus meios de oposição: é a presença dos escravos e a necessidade mútua e de todos os dias de impedir sua terrível irrupção”. Assim, diante da existência de “divergências de opiniões”, rapidamente poderia formar-se “uma oposição muito mais temível que qualquer outra e que, se não prontamente reprimida, trará a perda irreparável do Brasil: é a insurreição dos escravos, da qual os mais pavorosos sintomas já se manifestaram”.43 Já o último documento é uma carta escrita em 22/05/1822 por Jacques Guinebeau, cônsul francês que se encontrava na Bahia, na qual afirmava que no contexto da independência “as idéias de liberdade continuam a fermentar entre escravos crioulos e pardos. [...] Os africanos ainda não pedem liberdade, mas agem com independência [...] recusando obedecer ao feitor e ao senhor”.44 Ora, o que há de comum em todos esses textos é que seus autores, por serem franceses, estavam lendo o período de lutas em torno da independência na Bahia a partir da experiência francesa, tanto na metrópole como na colônia de São Domingos. O autor anônimo, por exemplo, transporta literalmente a história ocorrida na França para o caso brasileiro: em sua formulação, debates constitucionais abertos levariam inevitavelmente à revolução de escravos, tal qual ocorreu em São Domingos. Para o segundo, o esquema não é muito distinto: discussão entre facções distintas numa sociedade em que há presença de escravos, leva à insurreição dos últimos. Já o terceiro acreditava que a revolta, como na colônia francesa, seria iniciada por crioulos e pardos insuflados pela idéia de liberdade. No mesmo período, ainda na Bahia, o único relato de um nativo até agora encontrado desmente todos aqueles realizados por estes franceses. Trata-se de uma carta 42 Luiz Mott, “Um documento inédito para a história da Independência”. In: Carlos Guilherme Mota (org.), 1822: dimensões. São Paulo: Perspectiva, 1986, p. 482. 43 Documento citado por João José Reis. “O jogo duro do dois de julho: o ‘partido negro’ na independência da Bahia”. In: Eduardo Silva; João José Reis, Negociação e conflito: a resistência escrava no Brasil escravista. São Paulo: Companhia das Letras, 1989, p. 92 e 139 (nota). 44 Documento citado por ibidem, p. 93. 19 escrita por Dona Maria Bárbara, mulher de Luiz Paulino d’Oliveira Pinto da França, deputado baiano nas Cortes de Lisboa, que ficou encarregada de cuidar do engenho do marido enquanto o mesmo atuava como político na Europa. Embora também estivesse vivenciando os conflitos entre brasileiros e portugueses, Maria Bárbara em momento algum sentiu que os escravos poderiam se revoltar, reproduzindo no Brasil os acontecimentos de São Domingos. Em determinada correspondência, afirmou que “a crioulada da Cachoeira fez requerimentos para serem livres. Estão tolos, mas a chicote tratam-se”. Para a senhora de Luiz Paulino, “todos os dias se finge que os negros são temíveis, a fim de as tropas persistirem aqui. Armem os regimentos da Província e não tenham medo. Eu estou no Brasil há 12 anos e, falando-se tanto dos perigos que podem haver em razão da escravatura na província da Bahia, no decurso deste tempo, que de mortes que tem havido? Nada, nada, só boas leis e doçura. Tudo o mais é peta”.45 No Rio de Janeiro, durante o curto período de funcionamento da Assembléia Constituinte, o deputado José Bonifácio de Andrada e Silva, apresentou sua famosa “Representação... sobre a escravatura”, com a qual procurava pôr em execução um projeto amplo de reformas que culminassem com o fim da escravidão no Brasil. No fim da Representação, o autor afirma que se o cativeiro não fosse abolido gradualmente, não restaria outra saída que esperar dos “vis escravos, que não tem nada a perder”, “alguma revolução como a de São Domingos”.46 Embora muitos autores afirmem que essa declaração seja mais uma prova do medo de haitianização presente nas elites brasileiras, ela é, na realidade, uma apropriação do pensamento antiescravista realizada para cobrar a urgência de reformas, visando, em última instância, exercer pressão sobre os demais deputados da Constituinte brasileira.47 Assim, se nas duas primeiras décadas do século XX, o exemplo de São Domingos já era rarefeito na maior parte da América portuguesa, na década de 1830 o mesmo esvoaçou-se. As três principais revoltas de escravos que ocorreram nesse período em nada retomavam o Haiti: a Revolta de Carrancas (1833) estava 45 Maria Bárbara a Luiz Paulino, 29 de junho de 1822. In: António D’Oliveira Pinto da França (org.), Cartas Baianas (1821-1824). Subsídios para o estudo dos problemas da opção na independência brasileira. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1980, pp. 139-40. 46 José Bonifácio de Andrada e Silva, “Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura”. In: Miriam Dolhnikoff (org.), Projetos para o Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 45-82. 47 Antonio Penalves Rocha, “Idéias antiescravistas da Ilustração européia na sociedade escravista brasileira”. Revista Brasileira de História, vol. 20, nº 39, 2000, pp. 37-68. 20 profundamente articulada às disputas entre Caramurus e Exaltados; na Revolta dos Malês (1835), como no ciclo de revoltas escravas da Bahia, não há sequer uma menção a São Domingos; a Revolta de Manoel Congo (1838) consistiu em uma fuga em massa para o interior do Rio de Janeiro.48 Por mais que as referências ao Haiti estivessem presentes neste período, principalmente na esfera pública, elas geralmente possuíam objetivos políticos bem claros que foram deixados de lado a partir da formação de Regresso e da consolidação da hegemonia conservadora na política imperial.49 Conclusões Diante das evidências apresentadas acima, convém colocar-se duas questões para aprofundar o debate sobre o espectro do Haiti a partir de uma visão comparativa, analisando as causas e conseqüências desse fenômeno para as sociedades brasileira e cubana do fim do século XVIII e início do XIX. Em primeiro lugar, como é possível pensar as razões que levaram a uma disparidade tão significativa entre o haitianismo existente no Brasil e em Cuba? Obviamente, não se trata apenas de uma questão geográfica, embora esse possa ser considerado um dos fatores mais importantes no que concerne a este tema. De fato, desde o início do processo colonial, Cuba estava, por meio do sistema de frotas, inserida nas rotas de navegação do Atlântico norte e profundamente articulada ao mundo caribenho, enquanto a América portuguesa rapidamente passou a fazer parte do circuito de trocas do Atlântico sul, ligando-se estreitamente à costa da África graças ao comércio negreiro.50 No século XIX, essa situação manteve-se inalterada. O que mudou, nessa época, foi o caráter da escravidão cubana, que se intensificou em um curto espaço de tempo graças ao rápido crescimento da produção de açúcar. Os dirigentes da ilha transformaram tardiamente a colônia espanhola em uma sociedade escravista, no justo momento em que o tráfico e o 48 Marcos Ferreira de Andrade, “Rebelião escrava na Comarca do Rio das Mortes, Minas Gerais: o caso Carrancas”. Afro-Ásia, nº. 21-22, 1998-1999, pp. 45-82; João José Reis, Rebelião escrava no Brasil. A história do levante dos malês em 1835. (Edição revista e ampliada). São Paulo: Companhia das Letras, 2003; Flávio Gomes, História de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro (séc. XIX). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 1995, pp. 179-296. 49 Alain El Youssef, Opinião pública e escravidão: os periódicos do Império do Brasil na década de 1830. Relatório Final de Iniciação Científica. São Paulo: DH/FFLCH/USP, 2007, pp. 54-60. 50 Para a América portuguesa, cf. Luiz Felipe de Alencastro, O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 21 cativeiro passavam a ser criticados em escala internacional. Por seu turno, a América portuguesa já estava com sua sociedade escravista há séculos consolidada. Além disso, a reformulação da escravidão brasileira pela cafeicultura só veio a ocorrer a partir da década de 1830, quando o exemplo haitiano já estava perdendo força. Assim, quando a ideologia revolucionária chegou aos portos brasileiros e cubanos, foi sentida de maneiras distintas pela população local. Enquanto na América portuguesa ela atingiu muito mais a camada populacional formada por administradores e ilustrados, na ilha caribenha essa ideologia ressoou enormemente em todos os grupos sociais, inclusive na população negra, tanto nos escravos como nos libertos. Ainda assim, a América portuguesa possuía uma relativa, embora precária, condição de segurança contra rebeliões escravas há um bom tempo. A partir do final do século XVII, após a destruição do Quilombo de Palmares, o sistema escravista brasileiro passou a escorar-se em uma estreita articulação entre tráfico negreiro volumoso e número constante de alforrias. Dessa forma, foi possível introduzir na colônia grande quantidade de africanos sem que se correrem grandes riscos de provocar um abalo na ordem social escravista, produzindo uma ampla população livre egressa do cativeiro. Tal política surtiu grande efeito na passagem do século XVIII para o XIX: neste período, o quadro populacional da América portuguesa era ímpar em comparação às outras sociedades escravistas do Novo Mundo. Enquanto o Caribe inglês e francês contavam com uma população na qual predominava número esmagador de negros cativos, a colônia portuguesa contava com uma considerável população livre negra e mestiça, uma quantidade substantiva de brancos e uma maioria de escravos formada principalmente por africanos.51 Mas, além das causas, também é necessário averiguar quais foram as conseqüências que essas diferentes intensidades da presença haitiana tiveram para as sociedades cubana e brasileira. Nesta questão, a disparidade entre esses dois espaços atlânticos fica bem nítida. O primeiro ponto a ser ressaltado são as já conhecidas mudanças ocorridas durante a Era das Revoluções nas esferas política e social. A queda do Antigo Regime implicou a reformulação da esfera pública, da prática política e do conceito de cidadania. Nas sociedades escravistas, essas mudanças ganharam uma tonalidade peculiar, pois seria necessário, a partir de então, decidir como os escravos e a 51 Rafael de Bivar Marquese, “A dinâmica da escravidão no Brasil: resistência, tráfico negreiro e alforrias, séculos XVII a XIX”. Novos estudos – CEBRAP, no 74, março 2006, pp. 107-123. 22 população egressa do cativeiro passariam a ser inseridos socialmente frente aos novos quadros institucionais. Isso, num contexto de forte crítica ao tráfico de escravos e de agitação política e social, ambos em escala atlântica, poderia gerar sérias implicações para as sociedades escravistas do Novo Mundo. Cientes destes problemas e preocupados com a influência do Haiti em seu território, os cubanos fizeram de tudo para ratificar seu projeto político nas Cortes de Cádiz. Nesse sentido, saíram vitoriosos: além dos debates em torno da abolição do tráfico e da escravidão terem sido silenciados do âmbito constitucional, o texto aprovado corroborou um projeto de cidadania que agradava a elite cubana. Com a aprovação dos artigos 22 e 29, foram adotados critérios bastante rígidos para a concessão de títulos de cidadãos aos habitantes de origem africana, restringindo-os “aos que fizerem serviços qualificados à Pátria, ou aos que se distinguirem por seu talento aplicação e conduta, com a condição de que sejam filhos de legítimo matrimônio de pais livres e que estejam casados com mulher livre e domiciliados nos domínios das Hespanhas, e que exerçam alguma profissão, ofício ou indústria útil com um capital próprio”.52 Diante dessa solução, os senhores de escravos cubanos puderam garantir um domínio mais efetivo sobre a população negra da ilha, vedando sua participação na política local e imperial. Além disso, esse arranjo garantiu a manutenção de Cuba nos quadros do Império espanhol, evitando por mais de meio século que a ilha se tornasse independente ou fosse anexada aos Estados Unidos. Por seu turno, o processo constitucional do Império português foi muito marcado pela experiência constitucional do país vizinho. A Constituição aprovada em Cádiz serviu de referência para as Cortes de Lisboa, sendo, inclusive, jurada por D. João VI no Rio de Janeiro. Todavia, no que tange à escravidão, o constitucionalismo lusitano teve um desdobramento completamente distinto daquele vivenciado no Império espanhol. Em momento algum, o tráfico de escravos foi objeto de discussão dos constituintes portugueses, fazendo com que esse tema continuasse a ser decidido no campo diplomático. Assim como nas Cortes espanholas, o debate sobre a escravidão foi silenciado em Lisboa, com o consentimento de europeus e americanos. Já no que concerne à cidadania, a solução adotada foi completamente oposta à de Cádiz: no momento em que as Bases Constitucionais portuguesas substituíram o texto espanhol, 52 Márcia Regina Berbel e Rafael de Bivar Marquese, “A escravidão nas experiências constitucionais...”. 23 definiu-se que não haveria distinção entre homens livres e escravos para a concessão da cidadania.53 Essa decisão fornece uma clara noção de que os deputados portugueses da América não estavam preocupados com a reprodução de um Haiti no Brasil. Isso, todavia, fica mais evidente no momento em que foi decido o envio de tropas para a Bahia, por ocasião do início de sérios conflitos na região. Um dos argumentos utilizados pelos europeus para aprovar essa proposta foi a possibilidade de ocorrerem levantes escravos. De imediato, foram retrucados pelos deputados americanos, sobretudo por Cipriano Barata, José Ricardo Costa Aguiar de Andrada e Antônio Carlos de Andrada e Silva. Todos afirmaram não haver quaisquer riscos de um novo Haiti ocorrer no Brasil, argumentando que a estabilidade do território americano residia na demografia de sua população. Para Barata, o assunto não era considerado importante: “quanto aos escravos, isso merece risada: não tenha o Congresso dó do Brasil: não se compadeça de nós: pobres escravos! É melhor não falarmos nisso; vamos ao que interessa”. Antônio Carlos foi ainda mais enfático: “clamam uns nobres preopinantes, e tem-se neste recinto aturdido a todos com a repetição da mesma linguagem: é para guardar os brasileiros contra os negros que se lhe mandam os batalhões não pedidos, antes detestados. Assombrosa audácia! Terrível zombaria acrescentada à mais escandalosa opressão! Tão ignorantes nos acreditam que recebamos como obséquio insultos e ofensas! Não sabemos nós melhor que ninguém que os escravos não são para temer, que o seu número é insignificante comparado com o dos livres, e que a doçura da servidade doméstica entre nós, tem feito dos nossos escravos antes amigos do que inimigos?”54 Quando a Assembléia Geral, Constituinte e Legislativa do Império do Brasil se reuniu, em 1823, também incluiu em seu projeto de Constituição uma definição de cidadania bastante ampla. De acordo com o Título V, artigo 123, os libertos nascidos no Brasil seriam cidadãos ativos, aptos a votar caso possuíssem um rendimento líquido anual igual ou superior ao valor equivalente a 150 alqueires de farinha da mandioca. Da mesma forma, o novo arranjo político estabelecido a partir de 1822 foi favorável à continuidade do cativeiro. Mais do que isso, ratificava-se a dinâmica sistêmica que a escravidão brasileira havia adquirido desde o século XVII, garantindo-se, dessa forma, a manutenção da estabilidade dessa instituição no país.55 53 Ibidem. Documentos citados em Ibidem. 55 Ibidem. 54 24 Como Cuba não possuía esta estabilidade, a elite havanesa tratou rapidamente de ir à procura da melhor maneira de garantir um equilíbrio entre a manutenção e ampliação da escravidão e a garantia de sobrevivência deste sistema. A solução encontrada foi a atuação em duas frentes: a primeira, fazer uma observação atenta das ameaças externas, seja das potências européias seja de países vizinhos como o Haiti; e a segunda, empreender uma vigilância completa dentro do próprio território. Dessa forma, graças à revolta escrava de São Domingos, a administração colonial e os senhores de escravos cubanos passaram a repensar, em conjunto, toda a sociedade local. Para isso, tiveram que reconsiderar a arquitetura de sua população, a geografia da ilha e até mesmo as relações sociais. No que diz respeito ao primeiro ponto, houve uma preocupação crescente com a demografia que passou a ser vista como um requisito extremamente necessário para manter a segurança de Cuba. Assim, a população da ilha passou a ser submetida a uma constante quantificação racial, transformada em ferramenta indispensável do escravismo local. Além disso, estabeleceram-se comparações entre diversas regiões cubanas, com o intuito de verificar quais regiões necessitavam de mais proteção. Com todas essas informações, o estado colonial pôde planejar e implementar políticas populacionais, sabendo exatamente onde mais deveria fomentar o equilíbrio quantitativo entre as diferentes raças que habitavam a ilha.56 No Brasil, pelo contrário, como já havia um certo equilíbrio percentual entre escravos, libertos e brancos e o medo de uma revolta escrava de grandes proporções não foi significativo, a quantificação da população ocorreu tardiamente. Somente em 1871 foi realizado o primeiro censo nacional. Antes, em 1851, quando se tentou levantar qualquer tipo de dados referentes à população (sobretudo a porção livre), esta logo boicotava, de alguma forma, este tipo de prática. Em grande parte, isso ocorria pelo medo que a camada de baixa renda possuía com relação ao alistamento militar. Com relação aos escravos, o Estado brasileiro raras vezes ousou fazer algum tipo de contagem, pois isso implicava interferir no princípio de soberania doméstica dos senhores, que detinham todo poder no âmbito de suas propriedades. Assim, pode-se afirmar que no Império brasileiro não houve esse tipo de preocupação, sendo a prática censitária deixada de lado durante toda a primeira metade do século XIX. 56 Ada Ferrer, “Cuba em la sombra de Haití”, pp. 203-14. 25 Algo semelhante ocorreu em relação à imprensa. Em Cuba somente foi permitida a publicação de periódicos locais nos períodos constitucionalistas. Mas, bastava que o Antigo Regime fosse retomado na metrópole, que a imprensa publicada na ilha voltava a ser rapidamente suprimida. Para a elite cubana, já eram suficientes os perigos que os jornais europeus causavam para a ordem escravista local quando chegavam à ilha por meio de navios. Algo que em momento algum assustou os senhores de escravos do Império brasileiro. Desde o período da independência, os redatores de jornais foram bastante atuantes politicamente, dando início à gestação de uma opinião pública de tipo moderno na Corte imperial. E, desde seus primeiros momentos, os jornalistas brasileiros não recearam discutir abertamente questões concernentes ao tráfico de escravos e à escravidão, seja para defender seja para criticar um ou outro.57 Por todas essas razões, é possível afirmar que, em Cuba, a revolução do Haiti teve um “impacto cognitivo” gigantesco, interferindo de forma bastante significativa no futuro político e escravista da ilha. Já, no Brasil, o mesmo evento histórico pouco repercutiu, não se constituindo em um efetivo espaço de experiência que ajudasse a formar um horizonte de expectativas baseado em seu exemplo. Tal constatação impõe a necessidade de empreender uma revisão historiográfica sobre os fatores que contribuíram para a manutenção da unidade territorial da América portuguesa no momento de sua independência. Mas, se essa revisão já foi iniciada nos meios acadêmicos, ela ainda necessita ser avançada. Bibliografia • • • ALDEN, Dauril. “O período final do Brasil colônia, 1750-1808”. In: Leslie Bethell (org.). História da América Latina: a América Latina Colonial II. (Trad. port.). São Paulo: EDUSP/FUNAG, 1999. ALENCASTRO, Luiz Felipe de. O trato dos viventes: formação do Brasil no Atlântico Sul, séculos XVI e XVII. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. ANDRADE, Marcos Ferreira de. “Rebelião escrava na Comarca do Rio das Mortes, Minas Gerais: o caso Carrancas”. 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