Geotermia em Portugal Continental: Situação actual e novas

Transcrição

Geotermia em Portugal Continental: Situação actual e novas
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
Geotermia em Portugal Continental: Situação actual e novas
oportunidades
Carla Lourençoa, Bernardo Meloa, Carlos Rosab e Diogo Rosab
(a) Direcção-Geral de Energia e Geologia. Av. 5 de Outubro, nº 87,
1069-039, Lisboa.
(b) Laboratório Nacional de Energia e Geologia, I.P. Estrada da
Portela,Zambujal – Alfragide, Apartado 7586, 2720-866 Amadora
e-mail: [email protected]; [email protected]
e-mail: [email protected]; [email protected]
Palavras-chave: Bombas de calor geotérmicas, Geotermia, Geotermia estimulada, Recursos geotérmicos.
Resumo
Portugal Continental possui, em virtude de uma complexa e diversificada geologia, um apreciável potencial geotérmico,
utilizado com finalidades termais desde tempos remotos. Nos últimos anos tem-se assistido a progressos merecedores
de registo, traduzidos quer na concretização do aproveitamento do potencial de diversos pólos geotérmicos e na
investigação de outras áreas, quer no recurso à chamada “nova geotermia”, ou seja, às bombas de calor e geotermia
estimulada (EGS).
Preâmbulo
GEOTERMIA é a designação usada para o conjunto
das ciências e técnicas que estudam e exploram o
calor terrestre ou a energia geotérmica. No que se
segue, atribuir-se-á considerável importância à vertente
económica do aproveitamento deste tipo de energia. Este
tipo de energia oferece, entre outras, a vantagem de ser
renovável, pouco poluente e independente do custo dos
combustíveis. Para além disto, e em contraste com outras
fontes renováveis de energia, o recurso geotérmico tem
uma elevada disponibilidade, ou seja, pode ser explorado
praticamente em contínuo.
105
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
A energia geotérmica tem origem no interior da terra,
verificando-se que, em termos médios, a temperatura
o
aumenta, em profundidade, de cerca de 33 C por Km.
Porém, devido à heterogeneidade da crusta terrestre,
existem zonas anómalas, isto é, zonas onde a variação da
temperatura com a profundidade (gradiente) é inferior
ou superior àquele valor, dito normal.
São as zonas de elevado gradiente, isto é, as de maior
temperatura a menores profundidades, que interessam
prioritariamente à geotermia, como são os casos das
zonas afectadas por vulcanismo. Porém, as zonas de
gradiente normal ou mesmo inferior ao normal podem
também ser interessantes, com base numa análise de
custos/benefícios.
O aproveitamento da energia geotérmica implica a
existência de um fluido, normalmente a água, que
transporte o calor do interior da terra para a superfície.
Na chamada geotermia convencional o reservatório
geotérmico possui este fluido bem como a permeabilidade
necessária para a sua extracção. No caso da geotermia
estimulada, pode não existir fluido e/ou permeabilidade
no reservatório, pelo que é necessário artificialmente
injectar fluido e/ou criar a permeabilidade essencial à
sua circulação.
Os preços elevados dos combustíveis que ocorreram
em consequência da crise petrolífera de 1973 levou
a que se pensasse que, em certos casos, poderia ser
economicamente mais viável captar calor de uma fonte
fria do que produzi-lo directamente, isto é, poderia
ser mais conveniente usar uma bomba de calor do que
uma caldeira. No entanto, as bombas de calor apenas
se difundiram de forma significativa a partir de 2000,
altura em que, para além do problema do custo dos
combustíveis, começam também a entrar em jogo os
problemas ambientais.
As bombas de calor geotérmicas são uma solução
energética eficiente para fornecer condições de conforto
interior às habitações, dado que aproveitam a energia do
meio ambiente para produzir calor.
1 - Enquadramento Legal
A crise energética vivida no início dos anos setenta
do século passado, associada à vontade existente no
arquipélago dos Açores de proceder ao aproveitamento
geotérmico dos recursos aí existentes, para a produção
essencialmente de electricidade, levou ao estabelecimento
106
do primeiro diploma legal relativo à geotermia, o
Decreto-Lei nº 560-C/76, de 16 de Julho, o qual veio
definir o regime a que ficou sujeita a prospecção,
pesquisa e exploração de recursos geotérmicos e
determinar a integração dos mesmos no domínio público
do Estado.
O desenvolvimento, por todo o mundo, de projectos
de baixa entalpia e a constatação de que era possível
e desejável o aproveitamento dos recursos disponíveis
em Portugal Continental determinou a fixação de novo
quadro jurídico que veio a ser integrado no conjunto
legislativo referente aos recursos geológicos, publicado
em 16 de Março de 1990.
A geotermia ficou assim enquadrada pelos Decretos-Lei
n.os 90/90 e 87/90, ambos de 16 de Março, os quais
definem recurso geotérmico como: fluidos e formações
geológicas do sub-solo, de temperatura elevada, cujo
calor seja susceptível de aproveitamento.
O acesso à actividade encontra-se descrito, de uma forma
resumida, na figura 1.
Figura 1
Recursos Geotérmicos: Acesso à actividade
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
A exploração de recursos geotérmicos deve ser realizada
em moldes técnicos adequados à natureza e características
dos recursos, nomeadamente definindo um plano de
exploração devidamente fundamentado no estudo
hidrogeológico do sistema aquífero, assegurando a sua
preservação e controlando periódica e regularmente a
sua evolução temporal. Por estas razões o concessionário
deve ser assessorado por um Director Técnico com a
formação técnico-científica adequada.
O concessionário está obrigado a facultar à Administração
os elementos de informação estatística e técnico-científica
que possibilitem o acompanhamento da exploração, bem
como a melhoria do conhecimento hidrogeológico do
território nacional.
Em contrapartida, o concessionário pode beneficiar de
informação e conhecimentos hidrogeológicos disponíveis
e beneficiar mesmo, em circunstâncias a definir, do
apoio técnico-científico da Direcção-Geral de Energia
e Geologia.
A Portaria nº 865/2009, de 13 de Agosto, vem reconhecer
a importância da energia geotérmica, em particular o
que respeita ao desenvolvimento de sistemas geotérmicos
para a produção de electricidade, como tecnologia
emergente. Determina igualmente os valores do
coeficiente Z, aplicável às centrais eléctricas que utilizem
energia geotérmica em Portugal Continental, para
projectos de grande profundidade e elevada entalpia,
nomeadamente de Sistemas Geotérmicos Estimulados.
Por sua vez, a 31 de Dezembro de 2010, foi publicado o
Decreto-Lei nº 141/2010, o qual “vem estabelecer metas para
a produção de energia com base em fontes renováveis e dar aos
consumidores instrumentos para poderem avaliar a quantidade
de energia proveniente de fontes renováveis no cabaz energético
de um determinado fornecedor”. De igual forma, transpõe
parcialmente para a ordem jurídica interna a Directiva
n.º 2009/28/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho,
de 23 de Abril, relativa à promoção da utilização de
energia proveniente de fontes renováveis.
2 - Sistemas Geotérmicos Convencionais
Nos Açores, a existência de gradientes geotérmicos
elevados devidos ao vulcanismo activo, permite a
exploração de águas para usos directos e produção de
electricidade em duas centrais, exploradas pela empresa
Electricidade dos Açores, que têm uma potência instalada
de 23 MW, na ilha de São Miguel. Na ilha Terceira
decorrem trabalhos de prospecção para a possível
exploração do recurso existente.
Em Portugal Continental, os gradientes geotérmicos
são naturalmente mais baixos do que nos Açores,
não existindo, até à data, centrais geotérmicas para
produção de electricidade. Tal poderá eventualmente
vir a ser possível através dos Sistemas Geotérmicos
Estimulados, a descrever no capítulo 3. No entanto
existem registos históricos da utilização, em Portugal, da
água quente natural para balneoterapia, desde o tempo
da colonização romana, expresso através de alguns
vestígios arqueológicos.
Considerando como água termal a água de origem
subterrânea, cuja temperatura de emergência excede
o
os 20 C (convenção adoptada no “Atlas dos Recursos
Geotérmicos da Europa” (CEC, 1988), verifica-se que
muitas águas minerais possuem temperatura superior a
esse valor, o que as torna potenciais recursos geotérmicos,
podendo então ser exploradas para outros fins que
não só a balneoterapia e engarrafamento, permitindo
deste modo uma melhor gestão do recurso. Contudo,
o
a temperatura de emergência nunca excede os 80 C,
o
verificando-se existir uma predominância entre os 20 C
o
e os 40 C (Figura 2).
A energia geotérmica captada por bombas de calor
é, de acordo com o citado Decreto-Lei, considerada
renovável desde que a energia final produzida exceda
significativamente a energia primária utilizada para
fazer funcionar as bombas de calor.
107
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
Figura 2
Distribuição por temperatura, das águas minerais naturais
acidentes tectónicos, como é o caso, por exemplo, dos
acidentes Penacova-Régua-Verin ou da Vilariça.
As nascentes termais localizadas nas Orlas Meso-Cenozóicas Ocidental e Meridional estão estreitamente
relacionadas com falhas activas ou diapiros salinos,
verificando-se, na maioria dos casos, a concorrência de
ambos.
Assim, desde há cerca de três décadas, a utilização de
águas com temperaturas elevadas começou a conhecer
outros usos, nomeadamente, no que diz respeito ao
aproveitamento do calor com fins de climatização.
Estas acções marcam o aparecimento em Portugal
do conceito de recurso geotérmico, no que diz
respeito à utilização do calor como energia explorável,
independente do modo como é explorado. Nos últimos
anos tem-se vindo a observar um interesse crescente
na realização de estudos e projectos que têm em vista
o aproveitamento da energia geotérmica, para usos
directos, nomeadamente o aquecimento dos próprios
estabelecimentos termais, de unidades hoteleiras, de
piscinas e de estufas agrícolas. Estas utilizações podem
e devem ser feitas de forma integrada e sucessiva a fim
de ser obtido o melhor aproveitamento do recurso.
Alguns dos projectos encontram-se actualmente em
funcionamento (Figura 3).
Em 1982 arrancou, em Chaves, o primeiro projecto de
uso de calor para fins que não a balneoterapia. O furo
AC2 das Termas de Chaves, com 155 m de profundidade e
temperaturas que rondam os 75oC, passou a ser utilizado
para aquecer a água da piscina municipal, através de
permutador de calor. Mais tarde, e numa perspectiva
de aproveitamento em cascata, a água proveniente dos
permutadores de calor passou também a ser utilizada no
aquecimento ambiental do hotel Aqua Flaviae, localizado
nas proximidades das termas.
A distribuição destas ocorrências de água termal
em Portugal Continental encontra-se directamente
relacionada com aspectos essencialmente tectónicos,
que favorecem a circulação ascendente rápida dos
f luidos, constituindo anomalias geotérmicas locais
que sobressaem dos valores regionais de gradiente
geotérmico. A distribuição destas águas pelo território
é desigual, observando-se uma predominância na
zona norte e centro do Maciço Hespérico, estando essa
distribuição intimamente relacionada com grandes
108
Actualmente existem 6 concessões de águas minerais em
que o recurso possui uma dupla qualificação, como água
mineral natural e recurso geotérmico (Caldas de Chaves: 73 oC, S. Pedro do Sul: 68 oC, Carvalhal: 60 oC,
Monção: 51oC, Alcafache: 50oC e Aregos: 49oC).
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
Figura 3
Tipos de aproveitamento de recursos geotérmicos
A aplicação de geotermometros e traçadores a algumas
destas águas minerais indica que elas têm uma componente
proveniente de reservatórios significativamente mais
quentes, tendo arrefecido no transporte para a superfície,
nomeadamente através de mistura com águas mais frias
(Haven et al., 1985; Aires de Barros et al., 1998). Tal
foi confirmado por estudos efectuados nas Termas do
Carvalhal, em que a execução de um furo, de 600 m de
profundidade, tornou possível um aumento de caudal e
de temperatura de 3 l/s a 44,4oC para 6 l/s a 60oC (Ferreira
Gomes, 2007) ou nas Termas de Fonte Santa de Almeida,
onde um furo de 1000 m de profundidade permitiu um
aumento de temperatura de 19oC para 35oC (Ferreira
Gomes et al, 2007). Esta tendência permite equacionar
que a profundidades maiores se possam encontrar
temperaturas superiores, passíveis de exploração através
dos Sistemas Geotérmicos Estimulados descritos no
próximo capítulo.
3 - Sistemas Geotérmicos Estimulados
Nos casos em que o gradiente geotérmico é relativamente
baixo, comparado com as regiões de vulcanismo activo,
as profundidades necessárias para exploração do recurso
(~3-5 km) implicam que os reservatórios tenham de ser
estimulados para aumentar a sua permeabilidade e assim
incrementar o seu caudal de produção. Tal é feito através
de métodos artificiais, nomeadamente através da criação
de uma rede de fracturação induzida estabelecida pela
injecção de água a alta pressão (hidrofracturação) e
através da utilização de agentes químicos para dissolução
selectiva de fases minerais. Estas técnicas são herdadas
das usadas na exploração de hidrocarbonetos e são o
princípio dos genericamente denominados Sistemas
Geotérmicos Estimulados (Enhanced Geothermal
Systems – EGS; Figura 4). Tal como na exploração de
109
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
hidrocarbonetos, esta estimulação dos reservatórios deve
ser bem controlada e cuidadosamente monitorizada para
evitar a geração de sismos perceptíveis e contaminação
de aquíferos pelos agentes químicos.
Figura 4
Esquema ilustrativo de um Sistema Geotérmico Estimulado
e da sua exploração
para aumentar a produção, sendo que a localização
destes furos de produção deverá ser função da
distribuição e orientação das fracturas que condicionam
a permeabilidade em profundidade. Assim, para a
definição da localização dos furos de produção recorre-se
à distribuição dos hipocentros da microssismicidade
induzida, gerada pela propagação das fracturas durante
a fase de hidrofracturação.
O desenvolvimento dos sistemas geotérmicos estimulados,
dependente da gradual redução dos custos das sondagens
e do desenvolvimento das técnicas de estimulação de
reservatórios, contribuirá para a progressiva expansão
da exploração do recurso geotérmico, para zonas
com gradiente geotérmico inferior ao das zonas de
vulcanismo activo. A expansão dos Sistemas Geotérmicos
Estimulados para novos contextos geológicos, permitirá
que estes cheguem a novas áreas geográficas. Ainda
assim, é essencial conhecer bem a distribuição do calor
em profundidade, para nestas novas áreas seleccionar os
locais que tenham gradiente geotérmico mais elevado,
pois a profundidade de exploração afectará os custos dos
projectos, condicionando a sua viabilidade. A adequada
selecção de locais é necessária para minimizar os custos
de investimento relativamente altos, decorrentes das
sondagens profundas, de modo a que estes possam ser
compensados pela exploração de um recurso com elevada
disponibilidade (>90%) e cujos custos de operação são
relativamente baixos.
Adaptado de Department of Energy, 2008.
Uma vez melhorada a permeabilidade do reservatório,
garantindo-se caudais significativos, o calor das rochas é
extraído através da circulação de água. Para estabelecer
esta circulação, para além do furo de injecção, faz-se
um furo de produção para extracção de água quente
profunda (salmoura). De modo a garantir a pressão
do reservatório, para suster o caudal, a salmoura é de
novo re-injectada em profundidade. No entanto, antes
da re-injecção, procede-se à transferência do calor
num permutador, estabelecendo-se assim um circuito
binário. A utilização deste circuito binário destina-se a
separar o circuito da salmoura corrosiva dos delicados
circuitos da turbina (geração eléctrica) e/ou dos usos
directos (climatização, etc.). Dependendo do volume do
reservatório criado, podem ser feitos furos adicionais
110
O desenvolvimento de estudos geológicos e geofísicos
detalhados permitiu identificar reservatórios a 3-5 km
de profundidade que podem possibilitar a produção de
electricidade e calor através de Sistemas Geotérmicos
Estimulados em vários países e contextos geológicos
(MIT, 2006; DoE, 2008). Entre os projectos mais
conhecidos incluem-se os desenvolvidos nos EUA
(Fenton Hill - Novo México), Japão (Hijori, Ogachi),
Austrália (Cooper Basin), Reino Unido (Rosmanowes
- Cornualha), França (Soultz-sous-Forêt), Alemanha
(Landau, Bruchsal, Insheim). Na Europa, o projecto
piloto de Soultz-sous-Fôret, no Vale do Reno, financiado
pela UE e vários parceiros industriais desde 1987, tem
permitido desenvolver a geotermia estimulada, testando
e aperfeiçoando materiais e técnicas. Neste momento
existe uma pequena central eléctrica com uma capacidade
instalada de 2.1 MW. Mais do que esta pequena central,
Soultz-sous-Fôret constituiu um excelente laboratório de
ensaios que permitiu iniciar a exploração comercial do
recurso geotérmico para geração de electricidade em
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
ambientes não vulcânicos. Exemplo disso é a Alemanha
que possui um mercado dinâmico, fruto da existência
de tarifas bonificadas muito atractivas que despoletou
intensa prospecção geológica e geofísica. Desta actividade
resultou a construção de centrais eléctricas, entre as quais
se encontram as de Landau (3.0 MW) e Bruchsal (0.5
MW), no Vale do Reno, Unterachting (3.0 MW) na bacia
de Molasso da Baviera, e Neustadt-Glewe (0.3 MW) na
Bacia Norte-Alemã.
Apesar de cada área ter as suas especificidades geológico-estruturais, sendo portanto necessário seleccionar
métodos de prospecção e caracterização adequados a
cada caso, o conhecimento existente sugere que Portugal
também possui recursos passíveis de poderem vir a ser
explorados. Entre os factores favoráveis destacam-se
a existência de granitos radiogénicos, com elevada
capacidade de geração de calor resultante do decaimento
radioactivo de alguns dos seus elementos constituintes, a
existência de espessas bacias sedimentares com aquíferos
quentes, bem como a ocorrência de falhas profundas
que possam facilitar a ascensão de fluidos profundos. A
avaliação de alguns destes factores foi feita por diversos
autores (Correia et al, 1982, Rodrigues da Silva et al,
1996; Correia e Ramalho, 1998; Ramalho et al, 1999,
entre outros), mas carece de ser aprofundada e integrada
com novos modelos e técnicas na óptica dos Sistemas
Geotérmicos Estimulados.
O reconhecimento da existência deste potencial no
país, levou à recente atribuição a investidores privados
de direitos de prospecção e pesquisa de recursos
geotérmicos, para cinco áreas totalizando 2 851,288
km2 onde decorrem estudos de detalhe que se esperam
possam revelar a existência de bons reservatórios que
venham a ser explorados, contribuindo com electricidade
renovável para a base do diagrama de carga.
4 - Bomba de Calor Geotérmica
O sistema das bombas de calor já é conhecido há vários
anos, mas somente na última década conheceram uma
grande evolução. Para isso contribuíram, para além das
várias crises petrolíferas que levaram ao aumento do
custo dos combustíveis, questões ligadas à necessidade
de utilizar a energia de forma mais racional bem como
os crescentes problemas ambientais. Tal facto conduziu,
e está a conduzir, vários países a incentivar o uso de
instalações (para climatizar ambientes e produzir água
quente) alternativas àquelas que utilizam combustíveis
fósseis.
Em sociedades que revelam uma dependência energética
crescente e que continuam a utilizar combustíveis
fósseis como principal fonte de energia, o recurso a
esta tecnologia pode contribuir para a redução das
importações de produtos petrolíferos e aumentar a
segurança de abastecimento energético.
A popularidade crescente destes sistemas, é reflectida
pela sua utilização bem sucedida no Norte da Europa e
em particular nos climas frios, como na Escandinávia,
tendo como objectivo a substituição de caldeiras
como equipamento produtor de calor nos sistemas de
aquecimento.
Princípio básico de uma bomba de calor
Para transferir calor de um meio a uma temperatura mais
baixa para um outro com uma temperatura mais elevada
existem equipamentos que usam processos físicos com
essa finalidade, entre eles, as bombas de calor.
A s máquinas mais conhecidas e difundidas são
essencialmente constituídas por um circuito fechado,
dentro do qual é continuamente comprimido e feito
expandir um f luido de trabalho, chamado f luido
frigorigéneo. A cada ciclo de compressão/expansão (isto
é, a cada ciclo de trabalho), o fluido retira um pouco
de calor ao fluido frio e cede-o ao quente. O ar seria o
fluído mais lógico, por ser abundante, seguro do ponto
de vista ambiental e praticamente sem custos. No entanto
não é utilizado porque comporta ciclos de trabalho com
rendimento térmico muito baixo.
A eficiência da bomba de calor é indicada normalmente
como o coeficiente do desempenho do sistema, ou na
terminologia inglesa “coefficient of performance – COP”,
e cujos valores se situam tipicamente entre 2,5 e 6,
dependendo em grande medida das temperaturas de
consumo pretendidas e das temperaturas do meio
fornecedor de calor. Isto significa que retirar calor de
uma determinada fonte requer apenas 1kW de potência
eléctrica a fim gerar entre 2,5 kW a 6 kW de potência
térmica. Neste caso, os sistemas de bomba do calor são,
consequentemente, cerca de 2,5 a 6 vezes mais eficientes
do que outros sistemas convencionais utilizando
combustíveis fósseis.
111
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
Funcionamento de uma bomba de calor
Figura 5
Princípio básico de uma bomba de calor
Uma bomba de calor extrai a energia da temperatura
relativamente baixa do ambiente e aumenta a sua
temperatura para finalidades de aquecimento. O seu
princípio de funcionamento baseia-se na utilização de
uma fonte de calor (água, terra ou ar), de onde retira
energia térmica para a fornecer ao meio a climatizar.
Necessita ainda de dois permutadores de calor (um para
absorver – evaporador - e outro para libertar o calor condensador) e uma quantidade relativamente pequena
de energia motriz para manter o sistema a funcionar,
nomeadamente, o compressor (Figura 5).
Para transferir o calor entre meios, utilizam-se vários
tipos de fluidos que evaporam quando o calor é absorvido e que condensam quando o calor é cedido. Estas
passagens de estado fazem aumentar consideravelmente
a quantidade de calor que cada ciclo de trabalho é capaz
de absorver e ceder. Tendo possibilidade de inverter os
ciclos de trabalho, estas máquinas podem ser utilizadas
quer para aquecer quer para arrefecer. No primeiro caso
são chamadas bombas de calor, no segundo máquinas
frigoríficas. No entanto, trata-se de uma diferença apenas nominal. O esquema seguinte (Figura 6) evidencia
os principais componentes de uma bomba de calor.
Figura 6
Principais componentes de uma bomba de calor
Adaptado de www.portal-energia.com
112
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
Este tipo de sistema tira partido das temperaturas
mais moderadas e estáveis do solo para incrementar a
eficiência e, deste modo, reduzir os custos operacionais
de sistemas de aquecimento e de refrigeração. Estes
podem ser combinados com módulos de aquecimento
solar, melhorando ainda mais os níveis de eficiência.
Os sistemas de aquecimento/arrefecimento usando
bombas de calor geotérmicas capturam uma combinação
do calor produzido pelo aquecimento da superfície
terrestre através do Sol juntamente com o calor
derivado da actividade magmática do interior da
Terra. À semelhança das máquinas frigoríficas ou
de equipamentos de ar condicionado, estes sistemas
geotérmicos recorrem ao princípio das bombas de calor
para forçar a transferência de energia térmica.
Estas máquinas transferem calor de um espaço frio
para um espaço quente contra a sua direcção ou fluxo
naturais. Podem também optimizar a transferência
de calor de um espaço quente para um espaço frio.
Tal como qualquer bomba de calor, esta tecnologia
baseia-se num circuito fechado de um fluido frigorigéneo
funcionando num ciclo termodinâmico do tipo bomba de
calor de compressão de vapor, ciclo esse que permite a
transferência de calor entre os dois espaços em questão.
As bombas de calor são sempre mais eficientes a aquecer
do que os aquecedores eléctricos puros, baseados no
efeito de Joule em resistências eléctricas, mesmo quando
a energia térmica é extraída a partir do ar frio de
Inverno.
Ao contrário das bombas de calor que usam a aerotermia,
que movem calor de/para o ar atmosférico exterior, as
bombas de calor que usam a geotermia trocam calor
com o subsolo. Pelo facto das temperaturas do subsolo
serem bastante mais estáveis e moderadas, sobretudo a
partir de determinada profundidade, estes sistemas são
energeticamente mais eficientes durante todo o ano
quando comparados com os sistemas ar/ar. Um sistema
geotérmico extrai assim calor do solo durante o Inverno
para permitir o aquecimento de espaços interiores,
transferindo-o de volta ao solo durante o Verão para
permitir a refrigeração dos mesmos. Alguns destes
sistemas estão preparados para funcionar apenas num
dos dois modos (o de aquecimento ou o de refrigeração),
dependendo das condições do clima.
113
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
Bombas de calor com colectores enterrados
ou verticalmente (Figura 8 b), (colectores horizontais
ou sondas verticais, respectivamente), podendo ainda
Este tipo de instalações utiliza o calor que se encontra
acumulado nas camadas mais superficiais da terra,
proveniente sobretudo, do sol e da chuva. Este calor
passa da terra para a água que circula dentro dos tubos
dos captadores, dispostos horizontalmente (Figura 8 a)
ser utilizado este sistema para aproveitamento da
temperatura de lago ou outro (Figura 8 c). Para que essa
água não congele junta-se-lhe um líquido anticongelante
(glicol), passando a designar-se por água glicolada, tal
como é ilustrado na Figura 7.
Figura 7
Bombas de calor com colectores enterrados
Adaptado de www.portal-energia.com
1 - Compressor, o fluido frigorigéneo, que circula em circuito fechado,
aumenta a sua pressão e temperatura.
2 - Condensador (permutador de calor), o calor é transferido para o
aquecimento central. O agente de refrigeração arrefece e liquefaz-se.
3 - Válvula de expansão, expande o fluido frigorigéneo, baixando a
sua temperatura (queda de pressão) e arrefece.
4 – Sondas geotérmicas, permitem aproveitar o calor constante que
existe nas camadas do subsolo, para a produção de água quente
sanitária e como fonte de climatização.
5 – Evaporador, a energia captada pela sonda geotérmica é transferida
para o fluido frigorigéneo, este aquece e evapora-se.
6 - Para a operação paralela do aquecimento central da água e do
arrefecimento passivo, os dois sistemas são separados hidraulicamente
por válvulas comutadoras.
114
7 - Ventilador, a água fria ao circular pelo ventiloconvector retira calor
existente ao ar ambiente. A temperatura de ida temde ser regulada
para não haver condensação.
8 - Em piso, paredes ou tecto radiante, ao circular a água, esta arrefece
à superfície da divisão a climatizar. Esta superfície funciona como
permutador de calor retirando calor do ambiente. A temperatura de
ida tem de ser regulada de forma a não haver condensação.
9 - Válvulas comutadoras, conduzem a água de aquecimento através
do permutador passivo de calor e arrefecimento.
10 - Bomba de circulação/climatização, uma vez em funcionamento
activa a água glicolada. A energia da água de climatização é transferida
para o circuito da água glicolada dentro do permutador de calor e
dissipa-se no solo.
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
Figura 8 a)
Bombas de calor com colectores enterrados
Circuito horizontal
Figura 8 b)
Bombas de calor com colectores enterrados
Circuito vertical
Figura 8 c)
Bombas de calor com colectores
Circuito de lago
Circuito Horizontal - É muitas vezes usado
quando existe uma grande área de superfície terrestre disponível. As tubagens são
colocadas em trincheiras e podem ter uma
extensão que varia entre os 30 e os 120 metros. É muito comum colocar as tubagens na
zona de implantação do edifício, antes da
edificação do mesmo.
Circuito Vertical - São a escolha ideal quando a área de superfície terrestre é limitada.
É utilizado um equipamento de perfuração
para a execução de furos de pequeno diâmetro, que poderão atingir profundidades
entre os 25 e 250 metros.
Circuito de Lago - É um sistema económico de
instalar, quando existe uma reserva de água por
perto, visto que os custos da escavação são muito
reduzidos. Simplesmente, são instalados raios
e tubos no fundo do lago (podem também ser
utilizados poços, piscinas, entre outros).
Como alternativa aos circuitos fechados que utilizam
os permutadores enterrados poderá utilizar-se circuitos
abertos, sendo no entanto os circuitos fechados os mais
comuns.
circula a água glicolada. Ao contrário do sistema aberto,
não existe contacto directo com as reservas de águas ou
com o subsolo.
O termo Circuito Aberto refere-se a sistemas de bombas
de calor geotérmicas que utilizam directamente a água
do subsolo, de minas ou túneis como fonte energética,
incluindo água potável que passa no sistema e é devolvida
à origem como fonte de aquecimento ou arrefecimento.
Os furos servem para a extracção e para a injecção de
água (10 – 50 m) que circula pela bomba de calor onde
é aproveitada a sua energia através da diferença de
temperatura, sendo depois devolvida ao subsolo. Como
as águas subterrâneas apresentam uma temperatura
mais ou menos constante ao longo do ano, acabam por
ser uma excelente forma de energia térmica.
5 - Conclusões
Por seu lado, Circuito Fechado é um termo normalmente
utilizado para descrever sistemas de bombas de calor de
subsolo que utilizem permutadores enterrados, circuitos
horizontais (1,2 – 2,0 m) ou circuitos verticais (25 – 250 m),
tendo como fonte de energia térmica o calor armazenado
no subsolo ou nas reservas de água, tais como troca de
calor em águas de lagos e rios, sendo este extraído por
permuta através de tubos (geralmente em Polietileno de
Alta Densidade) enterrados no subsolo ou estendido nos
lagos e rios. Estes tubos são ligados à bomba de calor
formando um “loop” selado e subterrâneo por onde
Cada projecto geotérmico tem os seus problemas
específicos, que se prendem fundamentalmente com
aspectos técnicos e de organização.
Uma das principais razões para o atraso relativamente ao
aproveitamento geotérmico em Portugal Continental é
consequência de algumas hesitações dos investidores, que
não tem sido possível ultrapassar, tão depressa quanto
seria desejável, apesar do efeito de demonstração técnica
e económica das instalações em operação. Por outro lado,
o avanço da tecnologia tem permitido o aproveitamento
sustentado deste tipo de recursos.
A valorização do potencial geotérmico enquadra-se na
preocupação de valorizar os recursos endógenos, na
diminuição da factura energética e na substituição de
combustíveis fósseis importados por uma tecnologia
limpa e com elevada disponibilidade.
Os enquadramentos legais estão definidos, justificando-se,
pois, a promoção deste tipo de energia, com potencial
de exploração em Portugal.
115
Boletim de Minas, 45 (2) - 2010
BIBLIOGRAFIA
AIRES-BARROS L., MARQUES J.M., GRAÇA R.C., MATIAS M.J., VAN
DER WEIJDEN C.H., KREULEN R. e EGGENKAMP H.G.M. (1998)
– “Hot and cold CO2-rich mineral waters in Chaves geothermal area
(Northern Portugal)”. Geothermics nº 27, Issue 1, pp. 89-107.
DIRECÇÃO-GERAL DE GEOLOGIA E MINAS. (1990) – “Recursos
Geológicos” – Legislação. Lisboa.
CALEFFI (2009) - Revista Hidráulica, Vol. 28, Dezembro de 2009.
FERREIRA GOMES, L.M. (2007) - “Elementos construtivos e
hidráulicos da nova captação de água mineral das Termas de Carvalhal”.
Castro Daire. Boletim de Minas. Vol. 42 - nº 2. pp. 137-147.
CEC (1988) - “Atlas of Geothermal Resources in the European
Community, Austria and Switzerland”. R. Haenel & E. Staroste (eds.),
Commission of the European Communities, D.G. for Science, Research
and Development. Bruxelles/Strasbourg. 74 pp.
FERREIRA GOMES, L.M.; ANDRADE PAIS, L. and MENDES E.,
(2007) - “Contribution for the knowledge of the fracturing and
hydraulic characterization of the granitic pluton of Castro Daire region
- Viseu (Portugal)”. 11th Cong. of the International Society for Rock
COELHO, L. (2010) - Bombas de Calor Geotérmicas. Seminário “A
Eficiência Energética no Sector Residencial”, 23 Março 2010, Escola
Superior de Tecnologia de Setúbal.
Mechanics. Ed(s): Ribeiro e Sousa, Olalla & Grossmann. © Taylor y
Francis Group London. ISBN 978-0-415-45084-3. pp. 2007-2010.
CORREIA, A., DUQUE, R., MACIEL, C., CAMELO, S., ALMEIDA,
L.C. e MENDES VICTOR, L. A. (1982) – “Primeiras determinações
do fluxo de calor em Portugal”. INMG, Boletim Informativo nº56,
pp.3-13.
CORREIA, A. and RAMALHO, E.C. (1998) – “New heat flow density
determinations in Southern Portugal: a geothermal anomaly revisited”.
Tectonophysics, nº 291, pp.55-62.
DECRETO-LEI Nº 560-C/76, de 16 de Junho (1976) – “Define o
regime de prospecção, pesquisa e exploração de recursos geotérmicos”.
Imprensa Nacional Casa da Moeda. Lisboa.
DEPARTMENT OF ENERGY (DoE). (2008) – “An Evaluation of
Enhanced Geothermal Systems”. 37 pp.
DECRETO-LEI nº 90/90, de 16 de Março (1990) – “Disciplina o regime
geral de revelação e aproveitamento dos recursos geológicos”. Imprensa
Nacional Casa da Moeda. Lisboa.
DECRETO-LEI nº 87/90, de 16 de Março (1990) - “Aprova o
regulamento de exploração das águas de nascente”. Imprensa Nacional
Casa da Moeda. Lisboa.
DECRETO-LEI nº 141/2010, de 31 de Dezembro (2010) - “Define as
metas para a produção de energia com base em fontes renováveis”.
Imprensa Nacional Casa da Moeda. Lisboa.
116
HAVEN, HLT.; KONINGS, R., SCHOONEN, M.A.A., JANSEN, J.B.H.,
VRIEND, S.P., VAN DER WEIJDEN C.H., and BUITENKAMP, J.
(1985) - “Geochemical studies in the drainage basin of the Rio Vouga
(Portugal)” . II. A model for the origin of hydrothermal water in the
Vouzela region. Chemical Geology. Nº 51, Issues 3-4, pp. 225-238.
MASSACHUSSETS INSTITUTE OF TECHNOLOGY. (2006) – “The
future of geothermal energy”. 358 pp.
PORTARIA Nº 865/2009, de 13 de Agosto (2009) – “Determina os
valores do coeficiente Z, aplicável às centrais eléctricas que utilizem
energia geotérmica em Portugal Continental”. Imprensa Nacional
Casa da Moeda. Lisboa.
RAMALHO, E. C., LOURENÇO, M. C. and Correia, A. (1999)
– “Geothermal resources of mainland Portugal”. International
Geothermal Association News. N.º 37, pp.7-9.
RODRIGUES DA SILVA, A. M., CRUZ, J., LOURENÇO, M. C.,
RAMALHO, E. C. and CORREIA A. (1996) - “Low and very low
enthalpy geothermal resources in mainland Portugal”. Transactions.
Vol. 20. (1996) Annual Meeting, Portland. 6p.
www.portal-energia.com.

Documentos relacionados