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GRUPO DE TRABALHO III
MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS
E LUTAS POR REPRESENTAÇÃO
Coord.: Marivânia Conceição de Araújo; Coord.: Jéssica Barbosa da Silva
A Esquerda e os Movimentos Homossexuais na America Latina
Alessandro Ribeiro Hafemann................................................................................................................................................236
As mídias digitais e seus usos pelo movimento LGBT brasileiro
Marcela Peregrino Bastos de Nazaré.....................................................................................................................................246
As políticas públicas urbanas: um breve discorrer sobre sua constituição de políticas setoriais
urbanas para políticas públicas urbanas
Everton Henrique Faria; Ana Carolina Torrente Pereira...................................................................................................263
Democracia e desigualdade na avaliação de uma elite não-estatal
Angélica Ripari............................................................................................................................................................................275
Discursos e representações: a DOPS e o PCB no norte do Paraná (1945-1953)
Verônica Karina Ipólito.............................................................................................................................................................287
Distintos padrões de ação coletiva no município de Sarandi-PR
Josimar Priori...............................................................................................................................................................................301
O conselho municipal de assistência social de Maringá-PR
Fausto Salamão Cirico..............................................................................................................................................................317
Percepções de moradores de pequenos municípios com a chegada das unidades prisionais: o caso
de Valparaíso- SP
Natália Carolina Narciso Redigolo.........................................................................................................................................328
Sentimentos partidários e gênero no Brasil
Audrey Karoline Marques Dias................................................................................................................................................350
A ESQUERDA E OS MOVIMENTOS
HOMOSSEXUAIS NA AMERICA LATINA
Alessandro Ribeiro Hafemann
Aluno da Graduação em Ciências Sociais da UEM - Universidade Estadual de Maringá
Resumo: Em se tratando da política latino-americana temos uma forte aparição e, até mesmo,
certa dominação da esquerda, fator que nos remete a pensar os posicionamentos desta esquerda
diante de certos fatos como por exemplo os movimentos homossexuais que hoje apresentam
considerável força e representatividade na America Latina. Hoje os partidos e governos de
esquerda se posicionam alguns a favor outros não tão a favor mas também não repudiando
esses movimentos, visto que os governos esquerdistas colocam-se como favoráveis as causas
populares, no entanto, nem sempre foi assim, houve uma época em que a esquerda latinoamericana repudiava os homossexuais chegando a taxá-los de burguesia decadente. Para melhor
entendermos este envolvimento da esquerda com os movimentos homossexuais é preciso
primeiro avaliar um pouco do histórico da homossexualidade, bem como conhecer autores que
posicionam-se favoráveis à legitimação de movimentos que defendam esta minoria, fator este
que será decorrido no desenvolver do trabalho.
Palavras-chave: América latina; Movimentos homossexuais; Esquerda.
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A ESQUERDA E OS MOVIMENTOS HOMOSSEXUAIS NA AMERICA LATINA
INTRODUÇÃO
Quando pensamos a America Latina politicamente logo nos remetemos a alguns governos de
caráter esquerdista tais como Brasil, Argentina, Chile e Venezuela, compreendemos que após
um longo período de hegemonia neoliberal, com a folgada reeleição de direitistas alinhados
aos EUA – como FHC, Menem e Fujimori –, o pêndulo hoje pende para as forças oriundas
das lutas sociais comprometidas com soberania e a integração regional. A insatisfação social,
presente nas guerrilhas da Colômbia e Chiapas, nos levantes insurrecionais que depuseram onze
presidentes em cinco anos e nos crescentes protestos de rua, desemboca na vitória de candidatos
mais esquerda do espectro político – como Chávez, Lula, Kirchner, Tabaré e, Morales.
Tal ascensão esquerdista deve-se ao cenário em que se desenvolvem as lutas de classes
na América Latina forjou-se ao longo de três séculos de exploração colonial um período menor,
porém, mais predatório de dominação imperialista européia, logo em seguida, norte-americana.
O latifúndio, a monocultura de exportação e as formas pré-capitalistas de exploração da mãode-obra ainda constituem considerável parcela da realidade agrária de muitos países latinoamericanos. A industrialização, concentrada em alguns setores de interesse do capitalismo
internacional é realizada tardiamente, em uma época em que a economia mundial era dominada
pelo grande capital monopolista, e isso não permitiu o desenvolvimento, tornando os países latinoamericanos extremamente dependentes dos centros econômicos mundiais, conseqüentemente,
vulnerável as crises do capitalismo internacional.
O tema da ascensão da esquerda ganhou destaque entre os analistas e cientistas
políticos , a partir das eleições ocorridas na América Latina no período recente, quando líderes
identificados com as "causas populares" foram eleitos com ampla maioria de votos. Falou-se de
uma "esquerdização" na América Latina, cujo sentido foi assim expresso por uma autoridade
política:
Toda essa aparição e, até mesmo, certa dominação da esquerda na America Latina nos
remete a pensar os posicionamentos desta esquerda diante de certos fatos como por exemplo
os movimentos homossexuais que hoje apresenta considerável força e representatividade na
America Latina. Hoje os partidos e governos de esquerda se posicionam alguns a favor outros não
tão a favor mas também não repudiando esses movimentos, visto que os governos esquerdistas
colocam-se como favoráveis as causas populares, no entanto, nem sempre foi assim houve uma
época em que a esquerda latino-americana repudiava os homossexuais chegando a taxá-los de
burguesia decadente.
Para melhor entendermos este envolvimento da esquerda com os movimentos
homossexuais é preciso primeiro avaliar um pouco do histórico da homossexualidade , bem
como conhecer autores que posicionam-se favoráveis à legitimação de movimentos que
defendam esta minoria.
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UM BREVE HISTÓRICO DA HOMOSSEXUALIDADE
De acordo com Maria Berenice Dias (2006) a historia conta que ao longo dos tempos as
civilizações sofreram mutações na sua forma de constituição, acarretando novos costumes e
códigos sociais, sendo expressos pela existência de mitos, lendas, relatos ou encenações. Para
Brandão (2002) uma dessas conformações era evidenciada pela prática do sexo entre os iguais,
ou seja, o exercício da homossexualidade estava presente no comportamento de civilizações
antigas, tais como Caldéia, onde se encontram os vestígios mais antigos desta conduta, as
romanas, egípcias, gregas e assírias.
De acordo com esta mesma autora a homossexualidade era tida como uma necessidade
natural do homem, pois se estabelecia no mesmo nível das relações entre casais, entre
amantes ou de senhor e escravo heterossexuais. Desta forma, a bissexualidade era habitual e
a heterossexualidade, em tese, se apresentava em um patamar menor, uma vez que as relações
sexuais entre os homens e as mulheres estavam direcionadas apenas para a procriação, ou seja,
para constituição familiar.
Rodrigues (2004) afirma que esta prática amorosa, entre dois homens, era denominada,
na época, como pederastia, perversão sexual ocorrida entre homens adultos e rapazes, elevada
a categoria de ritual sagrado. Para Costa (1999) múltiplas culturas, cerimoniavam a pederastia,
demonstrando seu caráter pedagógico, posto que, faziam parte da ética dos prazeres, preparava
os rapazes na formação de si com o governo da polis ou a preparação para a vida política.
Portanto para Dias (2006) a homossexualidade prevista e amplamente introduzida nas
civilizações supracitadas provocou a mudança de pensamento e definiu a cultura ocidental, pois
representou um exercício na evolução da sexualidade, das funções definidas para os gêneros e
para as classes. Contudo, na história da humanidade, a prática nunca foi apreciada, mas tolerada.
As limitações que até os dias atuais são impostas às uniões homoafetivas, dizem mais respeito
a sua externalidade, sua conjugalidade, do que a sua prática.
Segundo o antropólogo Pablo Lasso (1985) a masculinidade, o contato sexual, entre
homens, estava diretamente relacionada não só a política, mas também à guerra, a agressividade,
ao potencial que o exército poderia alcançar nas batalhas enfrentadas, uma vez que cada
guerreiro ao lutar com o inimigo defendia sua própria vida e a de seu amado.
Brandão (2002) ainda afirma que na Idade Média, a presença da homossexualidade
estava marcada nos acampamentos militares e nos mosteiros. Ressalta-se, que a Igreja
Católica já era detentora de domínio religioso e que com sua união ao Estado ampliou o seu
monopólio, legitimou o seu poder político, passando a condenar os homossexuais por sodomia
e pederastia, através do Tribunal da Santa Inquisição, aplicando penas de morte na fogueira e
por apedrejamento.
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Atualmente, para Dias (2006) a Igreja continua a perseguir e a condenar moralmente
os que não seguem o seu desígnio princípio, qual seja: a procriação, a constituição familiar.
É imprescindível ressaltar que este tormento não só atinge os homossexuais, mas também os
heterossexuais, vez que na visão religiosa a masturbação, o sexo infértil, que pode decorrer da
genética, doença, acidente ou por opção do indivíduo, são considerados antinaturais e qualquer
relação sexual prazerosa é vista como transgressão à ordem natural.
De acordo com Mott (1988) a colonização da America Latina feita particularmente de
caráter religioso no sentido católico, impôs a proibição à sodomia para as culturas indígenas,
ao mesmo tempo que controlava o comportamento sexual dos colonizadores hispânicos e
portugueses. Ainda é necessário um levantamento completo do número de pessoas na América
Latina hispânica que morreram pelas chamas, durante aproximadamente 300 anos de atividade,
a Inquisição Portuguesa com jurisdição em todo o Império português, incluindo Brasil, África
e Ásia, registrou 4.419 denúncias no Index de Abominações contra homens suspeitos de haver
praticado o abominável e pervertido pecado da sodomia. Entre os denunciados, 447 foram
presos e submeteram-se a um julgamento formal, 62% no século XVII, o período de maior
intolerância homossexual na península Ibérica. Trinta dos sodomitas considerados mais
pervertidos e incorrigíveis foram queimados na fogueira.
Passados anos após a colonização já no inicio do século XX, na Argentina, Brasil e
outros países da América Latina, segundo Salessi (2000), eugenistas, físicos, psiquiatras
e juristas engajados iniciaram um movimento de campanha com o intuito de medicalizar a
homossexualidade, alegaram que esse assunto não era uma questão meramente moral, religiosa
ou policial, mas algo que também requeria a ação de profissionais cujo objetivo era atentar
para os riscos dessa doença social e pessoal. As mulheres que desejavam mulheres receberam
menos atenção por parte destas observações médico-legais, mas elas se chocaram com inúmeras
restrições sociais, submetidas a um controle mais próximo pelos seus pais, maridos e outros
parentes do sexo masculino.
Diante dessas novas abordagens de repressão social dos comportamentos sexuais não
normativos, os homens que tiveram maior acesso ao espaço público e a parceiros sexuais,
passaram a agir como semi-clandestino em um mundo de desejos nos maiores centros urbanos
da América Latina. Um componente importante desse semi-invisível universo paralelo foi
a criação de múltiplas condições de ambigüidade na apresentação pública, que protegeram
muitos do ostracismo social. Entretanto, aqueles homens que assumiram um jeito afeminado ou
aquelas mulheres que adotaram atitudes ou comportamentos tidos como masculinos, tornaramse os símbolos dessa perversa transgressão sexual.
A divisão dos papéis de gênero, que tanto perturbaram o ordenamento normal da
sociedade, causou uma angustiante generalização dos comportamentos sexuais de homens e
mulheres identificados com o erotismo entre o mesmo sexo. Além disso, a pressuposta passividade
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dos homens afeminados na atividade sexual e a associação das mulheres masculinas com o
anormal comportamento agressivo, forjaram estereótipos unilaterais da homossexualidade
como patológico e profundamente subversivo às normas hegemônicas associadas aos papéis de
gênero tradicionais.
HOMOSSEXUALIDADE E POLÍTICA
Segundo D’Emilio (1988) por volta das décadas de 1950 e 1960 grupos de homossexuais
passaram a se unir nos Estados Unidos com o intuito de criar um movimento que defendesse
os interesses do homossexuais e este movimento ficou conhecido na America Latina como uma
atitude motivadora para que os gays latino-americanos também se unissem e formassem frentes
em suas próprias defesas.
De acordo com Perlonger (1985) pouco tempo após as movimentações se iniciarem
nos Estados Unidos um grupo de dez homossexuais reuniram-se em um cortiço, em um bairro
operário de Buenos Aires, para fundar a primeira organização política gay da Argentina, El
Grupo Nuestro Mundo, em novembro de 1969. O grupo foi formado por um membro do Partido
Comunista Argentino, do qual havia sido expulso por ser homossexual. Outros membros do
Nuestro Mundo eram ativistas de sindicatos que representavam os trabalhadores de classe
média baixa. A principal atividade do grupo consistia em bombardear a imprensa com boletins
mimeografados promovendo a liberação gay. Infelizmente, são muito poucas as informações
sobre o Nuestro Mundo e dos primeiros dois anos de sua organização política na Argentina.
É interessante observar que um ex-militante do Partido Comunista Argentino tenha
dirigido o Nuestro Mundo. O ocorrido está intimamente relacionado com o fato de que os
esquerdistas argentinos possuírem amplas experiências políticas em operações clandestinas ou
semi-clandestinas, pois viviam em um país onde os períodos democráticos eram muito curtos
em relação aos governos militares. A tradição, pois, das organizações clandestinas, entre os
comunistas e peronistas, forneceram um conveniente modelo para os homossexuais ativistas,
interessados em se organizarem contra a discriminação e a opressão.
A historia da formação dos primeiros grupos politizados de homossexuais na América
Latina, é muito falha e conturbada, mas é possível analisar que a maioria dos grupos que
surgiram no início dos anos de 1970 e 1980, tiveram entre seus fundadores e líderes, membros de
partidos comunistas ou de seus grupos dissidentes, ou ainda, provenientes de outras formações
esquerdistas.
Segundo Green (2003) no início da década de 1970, no México e em Porto Rico,
apareceram grupos formados por gays e lesbicas semelhantes ao da Argentina. As revoltas
estudantis de 1968 desencadearam uma nova geração nos protestos sociais, e a expansão da
contracultura para além dos limites dos Estados Unidos e da Europa Ocidental influenciando
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a nascente classe média na América Latina. Novos estilos e comportamentos mais informais
questionavam certos aspectos dos rígidos papéis de gênero, especialmente no que se referia aos
cabelos, roupas e outras formas de apresentação pessoal, ao passo que promoviam as liberdades
individuais e a auto-expressão.
Ainda segundo esse autor um emergente movimento feminista internacional
formulava críticas sistemáticas ao patriarcalismo e à hierarquia de gênero, ao mesmo tempo
que se criavam novos fóruns de mulheres que visavam a desenvolver lideranças políticas
competentes. As culturas homossexuais urbanas da Cidade do México, de San Juan e de Buenos
Aires revelaram-se solos férteis para desenvolvimento dos movimentos dos gays e lésbicas
dentro dessa avalanche de revoltas políticas do final da década de 1960 e início de 1970.
Assim, consequentemente estes novos grupos que se formaram no México em 1978, a Frente
Homosexual de Acción Revolucionaria, e em 1971, a Frente de Liberación Homosexual de la
Argentina (FLH) adotaram um discurso esquerdista. Ao mesmo tempo, muitos destes membros
deslocaram-se para a ala esquerda do movimento peronista, num esforço anti-imperialista pela
libertação nacional e justiça social. Eles estavam em um período de intensa politização, quando
mobilizações populares de base derrubaram o governo militar e abriram caminho para a volta
de Perón à presidência, depois de um exílio de dezoito anos.
Enquanto que na constituição dos movimentos por direitos de gays e lésbicas em Porto
Rico, México e Argentina, três dos mais urbanizados e industrializados países da América Latina,
pequenos grupos debateram idéias relacionadas com um movimento internacional e lutaram
em pró da criação de expressões endógenas autênticas de ação política e social. O Brasil não
mostrava uma movimentação organizada mesmo possuindo um vivo segmento homossexual
masculino e uma, embrionária, sociabilidade lésbica. Enquanto movimentos incipientes
esforçavam-se para sobreviver em Buenos Aires, Cidade do México e San Juan, os gays e
lésbicas brasileiros estavam vivendo sob os mais repressivos anos da ditadura militar. Embora
os homens e mulheres homossexuais não fossem alvos diretos da ditadura, o crescente número
de policiais militares nas ruas, o uso arbitrário da lei e a generalizada vigilância nas expressões
artísticas e literárias criaram um clima que desencorajava a possibilidade de emergência de um
movimento por direitos dos gays e lésbicas no início dos anos de 1970.
Por volta dos anos 1980 e 1990, com o fim da ditadura no Brasil voltava o regime
democrático na maioria dos países da América Latina, que haviam sido controlados por ditaduras
militares, abria novas possibilidades para a organização política. O movimento homossexual
brasileiro florescia sob estas condições de liberdade, surgiram também novos grupos na
maioria dos países do continente. O movimento feminista internacional e os encontros latinoamericanos de lésbicas e feministas encorajavam as mulheres de vários países a criarem grupos
nacionais. Entre os desafios destas novas organizações, houve mudanças de atitudes sociais
sobre a homossexualidade na medida em que construíam alianças e diversas ações estratégicas
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políticas para conseguir transformações na legislação e nas políticas governamentais.
A ESQUERDA E OS HOMOSSEXUAIS
De acordo com Mogrovejo (2000) o Movimento Internacional Comunista, que emergiu depois
da Revolução Russa de 1917: quando os bolcheviques tomaram o poder, em outubro de 1917,
foram abolidas todas as leis czaristas, e o primeiro Código Penal soviético, decretado em 1922,
não penalizava sexo entre homens adultos, desde que consentido. Porem, homens, e às vezes
mulheres, foram acusados sob alegação de atividade homossexual. Entre as conseqüências da
ascensão de Stálin ao poder no final de 1924, estava o Estatuto de 1934 que criminalizava os
envolvimentos sexuais consentidos entre homens adultos, com a punição de três a quatro anos
de encarceramento. As mulheres não foram mencionadas no novo Estatuto.
Diante das imposições a homossexualidade passou a ser relacionada com a classe alta
e à decadência burguesa, os homossexuais eram taxados como burgueses decadentes, e essa
ideologia influenciava o movimento comunista internacional. Segundo Engelstein (1995) mais
tarde, em 1981, o Partido Comunista Brasileiro, pró-soviético, continuou mantendo essa posição
nos seus pronunciamentos oficiais. Assim como, grupos pró-chinês e pró-maoismo albanês,
que tinham influência na Colômbia, Peru e Brasil, dentre outros países latino-americanos, de
1960 até 1980, continuaram sendo mais stalinistas ortodoxos que seus opositores nos partidos
comunistas pró-soviéticos, defendendo noções que igualavam a decadência capitalista à
homossexualidade.
De acordo com Okita (1981) muitos documentos esclarecem que nos primeiros anos
da Revolução Cubana, o Partido Comunista Cubano se aproximava dos ideários da política
soviética a respeito de homossexualidade. Combinando o moralismo católico tradicional
com as correntes noções que ligavam o homoerotismo ao desvio social bem como ao turismo
sexual, os líderes cubanos associavam o comportamento não normativo dos homens cubanos a
fraqueza moral e falta de fervor revolucionário, ou seja, os homossexuais não eram vistos como
revolucionários pelo contrario eram colocados como pessoas contrarias à revolução.
A Revolução Cubana foi muito influenciadora na geração estudantil dos anos de 1960
em toda América Latina, que seguia os exemplos do Movimento de 26 de Julho, que foi o
movimento revolucionário cubano organizado por Fidel Castro e, mais tarde, das atividades de
guerrilha de Che Guevara, na Bolívia, ingressando na luta armada contra os regimes militares
ou autoritários, instaurados na maior parte do continente entre os anos de 1960 e 1970. Apesar
de tudo ainda permaneciam velhos preconceitos contra a homossexualidade, combinados com
a construída moralidade revolucionária, que condenava as atividades sexuais entre os militantes
do mesmo sexo, silenciaram ativistas no interior das frações das organizações de esquerda que
expressassem qualquer desejo erótico direcionado a outros membros do mesmo sexo.
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Herbert Daniel (1982), que era um líder revolucionário brasileiro da Vanguarda Popular
Revolucionária, organização ligada à guerrilha no final de 1960 e início de 1970, relatou mais
tarde o repressivo clima interno de sua organização que tornava impossível a revelação de
seus desejos sexuais. Os partidos comunistas pró-soviéticos ou pró-chineses, com sua ênfase
na construção de uma base na classe operária ou campesina, e a nova onda de organizações
revolucionárias inspiradas pela Revolução Cubana, compartilhavam o ponto de vista comum
de que a homossexualidade não poderia existir dentro da verdadeira classe trabalhadora e
entre revolucionários da classe média, como se os homossexuais não fizessem parte da classe
trabalhadora também.
Ainda segundo Daniel (1982) muitos refugiados políticos dos repressivos regimes latinoamericanos levaram estes valores consigo para o exílio. Em 1975, o Movimento da Esquerda
Revolucionária Chileno (MIR) convocou uma reuniao para debater se um jovem gay poderia
fazer parte do movimento, mesmo sabendo-se que o mesmo teria participado muito ativamente
em solidariedade ao Chile, contudo a reunião serviu para exaltar ainda mais o preconceito pois
o jovem não foi aceito. Apesar disso, o MIR não deveria ser apontado, conforme se viu, como
a única organização revolucionária da América Latina que partilhou preconceitos contra gays
e lésbicas esquerdistas, muitas outras organizações esquerdistas se colocavam contrarias aos
homossexuais.
De acordo com Green (2003) até a década de 1990, indivíduos ou correntes dentro de
organizações libertárias ou social-democratas de um lado e algumas formações trotskistas de
outro foram exceções em relação à profunda homofobia da esquerda latino-americana. Por volta
de 1978, gays e lésbicas dentro do Partido Revolucionario de los Trabajadores Mexicanos e a
brasileira Convergência Socialista (atualmente o Partido Socialista dos Trabalhadores unificados
PSTU) organizaram frações internas e participaram do emergente movimento de gays e lésbicas
nestes dois países, incluindo, no caso do Brasil, o início de uma política dentro do Partido dos
Trabalhadores (PT) no momento de sua formação, em 1980-1981. os ares começavam a mudar
os homossexuais começaram a ter voz, mesmo que de forma quase que insignificante.
Os militantes gays e as militantes lésbicas dentro do Partido Revolucionario de los
Trabajadores e da Convergência Socialista desempenhavam um papel importante na constituição
de laços entre setores progressistas do emergente movimento de gays e lésbicas e setores da
esquerda latino-americana, criando, assim, as bases para a consolidação da coalisões e alianças
táticas na década de 1990. Consequentemente houve a formação de um grupo de gays e lésbicas
dentro do Partido dos Trabalhadores, em 1992, e o papel de liderança de alguns políticos do
PT no Congresso, sobre a introdução de legislações relativas a parcerias domésticas e antidiscriminação, deve muito a estes esforços pioneiros da década de 1970.
Da mesma forma, na Nicarágua na década de 1980, segundo Mogrovejo (2000),
homossexuais se juntaram as forças revolucionárias dos sandinistas, encorajaram a formação
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do movimento homossexual nicaraguense. O processo revolucionário na América Central,
por vezes, desempenhou um papel crucial na formação de uma geração de ativistas gays e,
especialmente, ativistas lésbicas.
Hoje o movimento homossexual mantêm uma relação, relativamente, amigável com a
esquerda visto que na Argentina já é permitido o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e no
Brasil um movimento em pró do casamento está em tramitação sendo que este ano foi aprovada
a união estável entre homossexuais, no entanto, a historia e os fatos revelam que muita luta foi
necessária para se chegar aos tramites atuais, os partidos de esquerda muitos não reconhecem o
erro que cometeram posicionando-se contra os movimentos homossexuais porem não colocam
entraves para a participação de gays.
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AS MÍDIAS DIGITAIS E SEUS USOS PELO MOVIMENTO
LGBT BRASILEIRO
Marcela Peregrino Bastos de Nazaré
Mestranda em ciências sociais na Universidade Estadual de Maringá
Resumo: Atualmente, assistimos aos usos da NTICs (Novas Tecnologias de Comunicação e
Informação) por diversas organizações da sociedade civil. Muitos estudiosos vêm levantando
questões sobre os impactos desses usos para a democracia e para a participação política. Com
o intuito de contribuir com esse debate, esse trabalho tem por objetivo apresentar uma análise
dos usos dessas tecnologias pelo movimento LGBT (Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais).
Por meio da realização de entrevistas semi padronizadas com 10 representantes do movimento
LGBT de diversos estados do Brasil e da leitura dos sites e blogs de suas associações de base,
foi possível perceber os usos e importâncias de mídias sociais digitais para ação política dos
grupos que compõem o movimento. Tenho a intenção de apresentar o movimento e expor os
seus marcos históricos; o período de sua emergência e o contexto político; suas relações com
outros atores sociais e as “rotinas” de ações executadas ao longo de sua trajetória. Partindo do
princípio de que a internet é um recurso de mobilização, apresento as ferramentas do ciberespaço
utilizadas pelo movimento, bem como a dinâmica de tais empregos.
Palavras-chave: Movimento LGBT brasileiro; Internet; Política.
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AS MÍDIAS DIGITAIS E SEUS USOS PELO MOVIMENTO LGBT BRASILEIRO
INTRODUÇÃO
Atualmente, assistimos ao uso da internet por diversas organizações da sociedade civil. Na
medida em que esta ação se amplia e os recursos da comunicação digital se diversificam, um
crescente número de estudiosos vem lançando luz a essas práticas e concentrando esforços
para conhecê-las e compreendê-las. Muitas questões foram levantadas e já temos resultados
interessantes sobre o uso dessa tecnologia da informação pelas organizações da sociedade e
acerca da influência que exerce sobre as interações interpessoais, sobre a participação política,
sobre a dinâmica organizacional e articulação política de algumas associações. A fim de
contribuir para o aprofundamento desse debate, este trabalho tem por objetivo apresentar uma
análise dos usos das novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) pelo movimento
LGBT (Lésbicas, Gays, Travestis e Transexuais).
O movimento político homossexual surgiu no Brasil no final dos anos de 1970. O Jornal
Lampião da Esquina e o grupo Somos de São Paulo foram suas primeiras organizações de
aparição pública e referências de ação política. A internet se tornou relativamente comum para
alguns grupos do movimento LGBT no final dos anos de 1990. Atualmente, vem crescendo o
seu uso pelos grupos do movimento e alguns representantes não conseguem pensar em realizar
as ações das associações sem utilizá-la. Em meio ao uso da internet pelo movimento, vêm
caindo as utilizações do telefone e do correio convencional.
Tendo em vista a importante presença das Novas Tecnologias de Informação e
Comunicação, em especial da internet, no cotidiano dos grupos do movimento LGBT brasileiro,
tenho como objetivo principal apresentar os usos que o movimento faz das mídias sociais
digitais e os resultados que trazem para as ações políticas dos grupos. A fim de enquadrar as
ações políticas do movimento, mobilizo o conceito de “repertório de ação” e “rotina” presentes
nas obras de Tilly (1995), Tarrow (2009), McAdam, Tarrow e Tilly (2009). “Repertórios” são
maneiras pelas quais as pessoas agem juntas em busca de interesses que lhe são comuns. “Os
repertórios” implicam em conjuntos limitados de ações ou “rotinas” aprendidas, escolhidas e
executadas pelos movimentos.
Para tanto, esse estudo possui amostra heterogênea ou com variação máxima (RITCHI
E LEWIS, 2003). Ou seja, se tenta integrar apenas alguns casos, mas que são os mais distintos,
para expor a gama da variação e diferenciação no campo (FLICK, 2009). A amostra é baseada
nas associações que ocupam cargos na diretoria e secretarias da ABGLT (Associação Brasileira
de Lésbicas, Gays, Travestis e transexuais). Para esse trabalho, os casos selecionados são
grupos cujos públicos alvos expressam as diferentes configurações de identidade presentes
no movimento. Essas configurações, sobretudo, envolvem identidade de gênero e orientação
sexual.
Esse artigo conta com duas fontes de dados, entrevistas semi estruturadas e leitura
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de sites e blogs dos grupos. No total, foram realizadas 10 entrevistas com representantes de
entidades de várias regiões brasileiras, são elas: Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais,
Rio de Janeiro, Salvador, Paraíba e Sergipe. As sessões foram realizadas por meio da internet,
utilizando o e-mail, o Skype, o qual oferece um sistema de áudio e vídeo e pelo telefone. Foram
feitas leituras de blogs ou sites desses grupos.
A leitura de blogs e sites foi orientada por três eixos. Mobilização Online: internet
como espaço para a discussão sobre as demandas do movimento, com as variáveis: presença
de discussão no site, presença de discussão em fórum indicado pelo site­­­. Mobilização Online:
internet como espaço de discussão sobre as estratégias de ação política, com as variáveis:
presença de discussão no site, presença de discussão em fórum indicado pelo site­­­. Internet
utilizada como meio de organização “da” ou “para” a ação política, com as variáveis: presença
de calendário de manifestações/ações no site; site ou blog como meio para divulgar ações/
manifestação online; site ou blog como meio para a organização de campanhas/ações online;
site ou blog meio para convocar protestos online; meio para divulgar protestos online; site ou
blog como meio para divulgar ações/manifestação offline que o grupo promove ou apóia; site
ou blog como meio para convocar protestos offline/convite. As variáveis foram formuladas
a partir de um debate contemporâneo sustentado por autores preocupados com os temas da
participação política e democracia em que a internet é um elemento indispensável e seus usos
são constantemente problematizados1.
No total, oito páginas da internet foram pesquisadas, incluindo sites e blogs, no mês
de junho de 2012. A leitura não se repetiu depois. As páginas pertencem à ABGLT, com a
última atualização (até o momento da coleta) em 2012; ao grupo Diversidade de Niterói,
com a última atualização em 2011; ao Grupo Dignidade, com última atualização em 2012; ao
grupo Igualdade-RS, com última atualização em 2012; à Associação das travestis da Paraíba,
com última atualização em 2009; à Astra: Direitos humanos e cidadania LGBT, com última
atualização em 2009; ao Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual (Cellos), com última
atualização em 2012; ao Centro Paranaense da Cidadania (CEPAC), com última atualização em
2012. A Associação Lésbica de Minas possuía um site, porém, no momento da coleta de dados,
estava “fora do ar”. A associação de travesti de Salvador não possui site ou blog.
Esse artigo é dividido em duas partes. A primeira conta com a apresentação do
movimento e exposição de seus marcos históricos; o período de sua emergência e o contexto
político; suas relações com outros atores sociais e as “rotinas” de ações executadas ao longo
de sua trajetória. Partindo do princípio de que a internet é um recurso de mobilização, na
segunda parte, apresento as ferramentas do ciberespaço utilizadas pelo movimento, bem como
a dinâmica de tais empregos. Como um dos resultados da apropriação do ciberespaço pelos
grupos LGBTs, a pesquisa identificou o “repertório” de mobilização online e “rotinas” de
1 Basicamente, as variáveis surgiram da leitura do livro: Internet e Participação Política no Brasil, 2011.
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ações online. Para o movimento LGBT, especificamente, veremos também que a utilização das
mídias sociais digitais e a mobilização online não substituem emprego de recursos tradicionais
de comunicação e nem a importância da ação política “ao vivo”.2
O SURGIMENTO DO MOVIMENTO LGBT E SUAS “ROTINAS” DE AÇÃO
No Brasil, as discussões que têm em foco a sexualidade têm trazido à tona temas que à primeira
vista dizem respeito às minorias específicas e à vida privada. Porém, o debate é mais amplo.
Discute-se o que deve ou não ser tolerado ou criminalizado, o que deve ou não receber o
amparo legal e a atenção de políticas públicas. Tendo estas discussões um alcance maior, elas
questionam o significado do casamento, da família, da parentalidade, da própria identidade
pessoal (SIMÕES e FACCHINI, 2009).
O Movimento LGBT juntamente com o movimento feminista são agentes precursores e
fundamentais do debate na sociedade brasileira sobre a ampliação do conceito de cidadania, ao
incluir temas como diversidade e os direitos da sexualidade nas discussões públicas (SANTOS,
2006). Suas ações coletivas, ao reconhecerem na cidadania uma estratégia de luta, tornaram
possível ir além da noção clássica de tal conceito, baseado, até então, em ideias liberais pautadas
no universalismo de direitos com a suspensão das particularidades dos indivíduos; na separação
da vida social entre o público e o privado, onde no primeiro encontra-se o Estado e o exercício
da cidadania, e no segundo a família, o exercício da liberdade individual e a busca de interesses
pessoais.
O então chamado MHB (Movimento Homossexual Brasileiro) nasceu, no Brasil, em
finais dos anos 1970, como primeira mobilização política de pessoas que se identificavam
como homossexuais3. Como aspectos importantes que conformam o cenário de sua emergência,
temos o encontro de diferentes desejos e angustias de grupos que mesmo diante das diferenças
ideológicas, de classe, gênero, orientação sexual, cor, seguraram a bandeira contra a ditadura
e a favor da democracia e da autonomia; a criação de novos partidos políticos; a anistia aos
que contestaram o regime militar; o declínio da repressão às contestações de maneira geral; a
abertura para um Estado democrático.
Neste cenário, estavam formadas o que podemos chamar de estruturas de oportunidades
políticas. Segundo Tarrow (2009), “oportunidades políticas” são dimensões consistentes,
não necessariamente formais, permanentes ou racionais do ambiente político, suscetíveis a
2 Cabe dizer que esse artigo apresenta alguns resultados de um trabalho mais amplo, uma dissertação de mestrado
em andamento.
3 É importante dizer também que desde os anos de 1950, aproximadamente, existia em grandes cidades brasileiras
o esforço de pessoas em articular e organizar lugares de sociabilidade, aglutinado principalmente homens que
promoviam eventos como concurso de miss¸ shows de travestis e concursos de fantasias. Muitos militantes do
emergente movimento homossexual viam essas movimentações como despolitizada e até mesmo “reforçadora da
vergonha e do preconceito que atingiam a homossexualidade” (SIMÕES e FACCHINI, 2009, p. 63).
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mudanças de acordo com o contexto histórico e político que encorajam pessoas a se engajarem
em embates. Essas dimensões criam incentivos para atores sociais que não têm recursos próprios
agirem de forma contestatória. Para o autor, o confronto político (principal e quase sempre o
único recurso que pessoas comuns têm contra opositores poderosos) é desencadeado por essas
oportunidades que criam incentivos externos para a mobilização de grupos.
Segundo Tarrow (2009), as oportunidades para os desafiantes apresentarem suas
reivindicações na arena pública surgem quando se abre o acesso institucional, quando há
divisões nas elites, quando os aliados se tornam disponíveis e quando declina a capacidade
de repressão do Estado. A partir dessas circunstâncias, aqueles que não têm acesso regular às
instituições, que não possuem recursos próprios e que agem em nome de exigências novas ou não
atendidas podem adquirir recursos externos para a institucionalização de seus próprios projetos
de sociedade, interesses e concepções de mundo. Portanto, a redemocratização configura um
cenário de oportunidades políticas para o movimento LGBT brasileiro.
No período de sua emergência, o movimento político homossexual teve o Jornal Lampião
da Esquina e o grupo Somos de São Paulo (criado em 1978) como primeiras organizações
de aparição pública e como referência de ação política. O Lampião, cuja primeira edição de
circulação restrita foi em 1978, é reconhecido hoje pela literatura que analisa a atuação política
do movimento homossexual brasileiro como um dos principais meios de mobilização política
em defesa da homossexualidade no Brasil.
O Lampião da Esquina, além de ser o primeiro jornal a tratar a homossexualidade como
questão social e política e expressar em suas temáticas as reivindicações dos homossexuais
da época, se configurou como importante recurso de divulgação de algumas mobilizações
para outras organizações que não se localizavam no eixo Rio-São Paulo. As organizações
periféricas, ao se informarem sobre a existência e atuação de grupos em outros estados do
Brasil, alimentavam-se em termos de articulação (FACCHINI e SIMÕES, 2009).
Para apresentar as ações políticas do movimento LGBT ao longo de sua trajetória
mobilizo o conceito de “repertório” existente nas obras de Tilly (1995), Tarrow (2009), McAdam,
Tarrow e Tilly (2009) e nas de outros estudiosos dos movimentos sociais. “Repertórios” são
maneiras por meio das quais as pessoas agem juntas em busca de interesses que lhe são comuns.
O repertório envolve o que Tilly chama de “conjunto limitado de rotinas” que são aprendidas,
compartilhadas, e executadas por meio de um processo de escolha. Os limites do aprendizado
restringem as opções disponíveis para a interação coletiva e estabelece as bases das futuras
escolhas (Tarrow, 2009, p. 51).
Por exemplo, segundo Tarrow (2009), em 1780, na França, como forma de confrontar
possíveis infratores (coletores de impostos que ultrapassavam os limites da legalidade, donos
de prostíbulos) “rotinas” familiares eram utilizadas, tais como: saques, derrubadas de casas,
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ataques, queimas de arquivo de imposto. Nesse período, “rotinas” como demonstrações de
massas, greves e ou insurreições urbanas, como barricadas, em favor de objetivos comuns não
eram empregadas, pois apenas a partir do século XIX passaram a ser conhecidas.
A combinação entre a estrutura de oportunidades políticas proporcionada pela abertura
democrática e o aproveitamento dela pelo movimento LGBT desencadeou algumas “rotinas”
que marcaram a sua trajetória política.
O processo de abertura democrática trouxe os partidos políticos como importantes aliados
influentes para o emergente Movimento Homossexual Brasileiro. Os partidos se converteram
em canais para se tornar visíveis as demandas do movimento e articulá-las politicamente. Nos
anos de 1990, houve uma intensificação da construção da legitimidade das temáticas LGBT
em partidos tais como o PT (Partidos dos Trabalhadores) e o PSTU (Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificados), embora o reconhecimento das questões nas políticas públicas e nos
programas de governo só apareça nos anos 2000.
Esse reconhecimento, refletido nas políticas públicas e programas de governo, indica
um processo de construção da legitimidade da temática LGBT nos partidos, cujo marco é a
proposição do projeto de lei sobre a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, em 1995, o
qual indica as primeiras conquistas de uma “rotina” proporcionada pela abertura democrática:
a articulação LGBT pela via partidária.
Somada ao processo de abertura democrática, ainda nos anos de 1990, é possível
identificar outra oportunidade política, a criação do Programa Nacional DST/Aids (CN – DST/
AIDS) para o desenvolvimento e financiamento de projetos que objetivassem o combate à
epidemia. Essa oportunidade contribuiu para o fortalecimento e visibilidade do movimento
LGBT e deu impulso a outra “rotina”: a participação do movimento em programas do governo.
Na década de 1980, os primeiros doentes de Aids foram identificados no Brasil. A
partir deste momento, começaram a surgir insistentes conexões entre homossexualidade e
Aids propagadas pelos médicos e pelos meios de comunicação que ecoavam o preconceito de
políticos ligados a grupos religiosos. Dentro deste contexto, os grupos organizados da sociedade
civil conseguiram dar respostas à epidemia e à articulada imagem degradante dos homossexuais
ao aproveitarem a oportunidade de agir junto ao governo. Segundo Facchini, (2005):
A organização em torno das questões relacionadas à Aids tem atraído não só
indivíduos em busca de informações e suporte, como também tem provido novos
recursos e infra-estrutura. Os grupos têm aprendido como concorrer por fundos
dos Estados e dos ministérios de saúde para educação e prevenção em relação à
Aids. Em alguns casos, um escritório alugado com suporte financeiro também
tem servido como um espaço de encontro para grupos gays e lésbicos locais.
(FACCHINI, 2005, p. 165).
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O fato dos homossexuais serem classificados como um dos “grupos de risco” acabou
se transformando em justificativa daimportância de traçar estratégias específicas de combate à
epidemia para essa comunidade. Após o governo Collor, houve uma intensificação da relação
do Estado com a sociedade civil marcada por diversas formas de cooperação entre Ongs/Aids
(resposta da sociedade civil à epidemia articulada nos anos de 1980 por alguns grupos, inclusive
de homossexuais) e o Programa Nacional de Aids, e pela abertura das organizações estatais para
a participação da sociedade civil na implementação de atividades do Projeto de Controle da
Aids e DST, mais conhecido como Aids I (FACCHINI, 2005).
O movimento LGBT, como atualmente é designado, transformou-se nos últimos anos
em um dos movimentos sociais mais expressivos do país. É possível dizer que alguns traços
dessa expressão são desenhados pela presença de suas “rotinas” de ações, de seus interesses, de
seus aliados e da comunidade que representa em diversos espaços da sociedade.
Atualmente no Brasil, o movimento é composto por redes e grupos cujas sedes estão
espalhadas pelas cinco regiões brasileiras. No Brasil temos, por exemplo, a ABGLT, ANTRA, a
Liga brasileira de Lésbicas, as quais, na sociedade civil, atuam como “articuladoras” (LAVALLE,
CASTELO E BICHIR, 2004), pois são organizações institucionalizadas que reúnem outras
associações ou entidades civis.
As “articuladoras” e os grupos possuem projetos que, muitas vezes, são financiados
por órgãos dos governos municipais, estaduais e federais. Muitas vezes, possuem vínculos
dinâmicos com outros movimentos sociais, partidos políticos, organizações internacionais,
com atores do legislativo, executivo e judiciário, Igrejas, academia científica, empresariado.
Considero esses vínculos como “redes” formadas por atores sociais que compartilham ideais,
valores, objetivos, trocam informações, colaboram e travam conflitos entre si, e muitas vezes
elaboram ações políticas em comuns.
Retomando a construção da expressividade do movimento devido ao fato de ocupar
alguns lugares, chegamos à rua. Nas ruas de diversos cantos do país, encontramos “rotinas”
como Paradas, Caminhadas, Marchas, Pique Niques, Beijaços, festivais e mostras de arte e a
apropriação de “rotinas” já existentes, desde aproximadamente1950, como concursos de “miss
gay” ou “trans”. Essas manifestações, em linhas gerais, têm o propósito de celebrar o Orgulho
LGBT, promover a visibilidade da população LGBT, contestar a hetenormatividade, lutar contra
a LGBTfobia e a favor do respeito, da diversidade e dos direitos iguais. Nessas manifestações, é
possível identificar algumas alianças, mesmo que pontuais, do movimento com o empresariado
e atores do sistema político, por exemplo.
Outra “rotina” de ação que caracteriza a atuação política do movimento LGBT é a
“participação política institucional” que expressa participação do movimento no Estado e em
colaboração com este no processo de elaboração de políticas públicas. Como veremos adiante,
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assim como a “participação política institucional” outra “rotina” de ação do movimento é
“lobbies no parlamento”. Ambas as “rotinas” fazem parte do que Abers, Serafim e Tatagiba
(2011) chamaram de “repertório de interação”.
Como exemplo de “participação política institucional”, temos a elaboração do programa
Brasil Sem Homofobia (BSH)4 contou com a intensa participação de muitas lideranças do
movimento, desde as primeiras articulações em 2003, no âmbito do CNCD (Conselho Nacional
de Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos). Esse conselho foi instituído pelo
Estado Brasileiro, a fim de construir políticas públicas para os grupos vulneráveis, por meio do
decreto número 3.952 de 2001. O conselho constitui-se como órgão colegiado composto por
representantes da sociedade civil e governo federal.
Em resposta à articulação do movimento, em 2005, a estrutura regimental do CNCD
foi alterada passando a incorporar explicitamente a participação de membros da população
LGBT. Em 2010, o governo federal institui nova competência e estrutura ao CNCD. A fim de
potencializar as políticas públicas para a população LGBT, surge então o CNCD-LGBT, o qual
passa ter finalidade de formular e propor diretrizes de ação governamental, em âmbito nacional
voltadas ao combate à discriminação e promoção e defesa de direitos da população LGBT.
Como resultado do Programa Brasil Sem Homofobia, temos a criação de Centros de
Referência, os quais funcionam em diversas capitais e interiores do país e são implantados
por meio de convênios e acordos entre a Secretaria de Direitos Humanos (SEDH), governos
estaduais, municipais e grupos do movimento. Muitas vezes, os centros contam com trabalhos
de ativistas.
Outras formas da “participação institucional” se dão por meio da participação no
Conselho Nacional LGBT, criado em 2011, e em outros espaços da mesma natureza existentes
nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Goiás, Paraíba, Rio Grande do Norte, por
exemplo. Outra “rotina” é “lobbies no parlamento”. Quando o movimento atua na constituição
de frentes parlamentes, como a Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT (coordenada
pelo deputado Jean Wyllys, PSOL-RJ), e possui aliados na esfera parlamentar.
Há aproximadamente uma década, os interesses do movimento LGBT vêm sendo
representados por parlamentares que se organizam em Frentes existentes nas esferas federal,
estadual e municipal.Os parlamentares são responsáveis pela elaboração e defesa de projetos
de leis que contemplem as necessidades da comunidade LGBT. Atualmente, dois senadores se
destacam na luta contra a homofobia, embora encontrem dificuldades colocadas pela bancada
evangélica, são eles Jean Wyllys e Marta Suplicy (PT).
4 O BSH foi o primeiro plano de governo dirigido especificamente para a população LGBT, seja em nível federal,
estadual ou municipal. A partir dele, teve início um esforço efetivo de articulação de um conjunto de ações e
programas destinada a combater a LGBTfobia no âmbito do Poder Executivo.
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As alianças estabelecidas pelos movimentos sociais com a sociedade política e a
participação desses em esferas institucionais constitui, segundo Tatagiba (SEM DATA), a
negação da tese segundo a qual é uma oposição natural a estratégia adotada pelos movimentos de
não se relacionarem com a esfera institucional. Ou seja, a negação do mito presente em algumas
perspectivas sobre os movimentos sociais, segundo o qual, a sociedade civil é possuidora de
uma capacidade natural de confrontar o Estado, sendo assim, a única responsável pelos avanços
democráticos. Nessa visão, o Estado, por sua vez, é visto como o inimigo da sociedade civil,
autoritário por essência (DAGNINO, OLVERA E PANFICHI, 2006).
Ao mesmo tempo em que o movimento LGBT reconhece o Estado como interlocutor,
coopera com o mesmo, atua dentro dele, transfere seus recursos humanos para secretarias
e ministérios e estabelece alianças com parlamentares, também exige a formação de arenas
participativas, disputa ideologias e formula críticas. Como exemplo de crítica, temos o Troféu
Pau de Sebo dado de forma simbólica pelo grupo Gay da Bahia à presidenta Dilma e ao ministro
da saúde, Alexandre Padilha, ao reconhecê-los como inimigos da comunidade LGBT. Dilma
e o ministro foram considerados merecedores do troféu porque, respectivamente, vetaram, em
2011, o kit antihomofobia e o filmete de prevenção da Aids para gays no carnaval5.
Como foi visto, o surgimento de novas “rotinas” está relacionado à estrutura de
oportunidades políticas e ao aproveitamento delas pelos movimentos sociais. Esse aproveitamento
também depende de recursos materiais de mobilização. Como veremos, as mídias sociais
digitais se compreendem como recurso para a ação política originando “repertórios" e “rotinas
de ação”.
REPERTÓRIO DE MOBILIZAÇÃO ONLINE: MUDANÇAS E CONTINUIDADES
Cada vez mais, grupos do movimento LGBT vêm utilizando a internet em sua luta por direitos.
Todas as associações analisadas nesse trabalho utilizam a internet em seu cotidiano6. Algumas
associações vêm incorporando mais essa tecnologia do que outras e parte dos militantes ainda
está aprendendo a lidar com os recursos do ciberespaço. Neste item, veremos quais recursos
da internet são utilizados pelo movimento para mobilizar a população em torno de suas ações
políticas, como esses instrumentos são empregados e quais resultados trazem para a ação de
mobilização dos grupos. Veremos também que a mobilização online é um repertório de ação
disponibilizado pelo uso da internet e a partir dele “rotinas” de ação são geradas.
5 Nos últimos 22 anos, o Grupo Gay da Bahia divulga o Oscar Gay, dando o Troféu Triângulo Rosa aos
simpatizantes e o Troféu Pau de Sebo aos inimigos dos homossexuais. Neste ano 2012, receberam o Triângulo
Rosa, dentre outros atores, os ministros do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça pela
legalização do “casamento homoafetivo”. Informação retirada do site: http://www.ggb.org.br/oscar%20gay%20
ggb%202012%20lista%20completa.html, do Grupo Gay da Bahia.
6 Como foi dito, esse artigo é parte de um trabalho mais amplo. No total, foram entrevistados 10 representantes de
grupos do movimento LGBT. Os nomes dos entrevistados citados nesse trabalho não são reais, apenas é revelado
os nomes de suas associações base.
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Por meio das entrevistas e leitura de sites e blogs dos grupos, pude perceber os usos que
o movimento faz da internet e de suas mídias sociais. As mídias sociais, como facebook7, blog,
e-mail, são vistas pela maioria dos entrevistados como recurso para mobilizar e agregar pessoas
para as ações do movimento. Entendo por mobilização a divulgação de ações; organização de
ações; convocação ou convites para ações; discussões sobre as demandas e estratégias políticas
do movimento; “rotinas” de ação que se dão por meio da utilização dos recursos da internet
(ações online) e “rotinas” que não são executadas por meio da estrutura digital (ações offline).
Segundo Jorge, representante do Centro Paranaense da Cidadania (CEPAC), a associação
tem utilizado muito o facebook, e com menos freqüência o twiter8 e o Orkut9, o qual considera
ter caído um pouco em desuso. A utilização desses recursos disponibiliza o “repertório” de
mobilização online. Por meio dessas ferramentas, o grupo mobiliza a população e atingi as
pessoas. Em termos de mobilização política, o CEPAC e outros grupos utilizando o facebook
atingem a população por meio de “rotinas” de ações como a divulgação e convites para eventos
como a Parada, III Marcha Nacional Contra a homofobia, festas dos grupos, dentre outros.
A Parada e a Marcha, dentre os eventos políticos do movimento, são os de maior
magnitude, pois agregam um número maior de pessoas. As festas dos grupos são eventos
relativamente pequenos, pois contam com a participação de um número reduzido de indivíduos.
Considerando a Parada, a Marcha e as festas dos grupos como “rotinas” de ações offline, suas
divulgações seguem lógicas distintas para alguns grupos.
Para a Parada ou a Marcha, a mobilização não se dá apenas pela internet, mas sim por
meio de panfletagem, outdoor, rádio, programas de TV, jornais, cartazes etc. Para eventos desse
porte, a internet é apenas mais um meio de mobilização devido aos efeitos que outros recursos
como o rádio traz. Segundo Jorge do CEPAC, comparando o “boca a boca na internet” com a
divulgação da Parada pela rádio, a rádio tem mais alcance e atinge mais pessoas.
Para eventos de menor número de público, alguns grupos vêm empregando exclusivamente
a internet. No caso do Grupo Diversidade Niterói (GDN), há oito anos, no início da associação,
a divulgação de eventos era feita por meio de panfletos pela cidade. Atualmente, o uso de
panfletos é direcionado para divulgar eventos como a Parada de Niterói. Quando os eventos são
relativamente pequenos, como a “feijoada”, “festas do grupo” ou outra atividade que faz parte
do cotidiano da associação, como as oficinas realizadas na sede, a divulgação é exclusivamente
pela internet, em grande parte utilizando o facebook. Segundo o representante do GDN, neste
7 Facebook é uma rede social na qual as pessoas interagem umas com as outras, disseminam informações por
meio de fotos, vídeos, texto e emitem suas opiniões. O facebook também pode ser um espaço de entretenimento.
8 Twiter uma página individual onde é possível transmitir informações em tempo real.
9 Orkut é uma rede social que está caindo em desuso. Atualmente, o facebook, para algumas pessoas, vem
substituindo o Orkut. O Orkut, assim como o Facebook, é uma página individual onde as pessoas interagem umas
com as outras, disseminam informações por meio de vídeos, fotos, textos e emitem suas ideias e opiniões sobre
fatos. O Orkut pode ser um espaço de entretenimento.
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caso, o facebook é “a ferramenta”, sendo a internet grande instrumento de divulgação.
Blogs e sites dos grupos também são recursos para a mobilização online. Cabe dizer
que nem todas as associações cujos representantes foram entrevistados possuem site ou blog e
nem todos esses recursos, quando existem, são atualizados. Isso está vinculado a uma série de
fatores. Primeiro, à falta de recursos financeiros. Quando a associação está sem financiamento
de projetos ela não tem como alimentar o site ou blog, pois a maioria das vezes isso é feito
por pessoas que trabalham no projeto ou por profissionais especializados que são contratados
pelo movimento. Segundo, à falta de recursos humanos, no caso ausência de voluntários. Em
terceiro, à falta de capacidade técnica das pessoas e a não inclusão digital. Quando perguntei
a Kimberly, representante da associação de Travestis e Transexuais de Salvador, se associação
base a qual pertencia possuía um blog ou site, ela me disse que não e que associações que têm
site ou blog têm dificuldade enorme de alimentar cotidianamente essas ferramentas. Segundo a
militante, os motivos principais são:
A falta de técnica mesmo das pessoas. Como te disse, para se utilizar as redes
sociais, Orkut, facebook, e-mail, isso é muito fácil. Já pra construir um blog
e alimentar um blog já depende um pouco mais de um treinamento, de uma
capacitação para que possa fazer isso com mais rapidez, e isso ainda falta
muito nas associações, principalmente nas associações de travestis. Por isso, a
criação desses instrumentos que seriam importantes também para a comunicação
e divulgação de ações eles ainda são muito poucos, poderia ser de muito mais
rapidez, se as pessoas estivessem mais capacitadas e incluídas para saber como
fazer esses processos de criar blog, sites e coisas assim (Palavras de Kimberly).
Kimberly também falou da falta de recursos humanos quando disse que associação
é composta por um grupo pequeno e isso devido ao fato das travestis estarem
iniciando na militância.
Mesmo diante das dificuldades, algumas associações mantêm blogs e sites e a eles
atribuem importâncias. Os blogs e sites das associações são para a maioria dos militantes
um espaço onde é possível reunir as informações importantes sobre o grupo, sobre suas
conquistas. Um espaço onde a entidade pode disponibilizar seus materiais de trabalho com o
seu público alvo, divulgar suas atividades, orientar o público, postar e registrar as notícias que
julguem relevantes. Esses recursos também aproximam alguns grupos de seu público alvo e
de simpatizantes à causa. Os sites e blogs também são vistos por essa maioria como forma de
provar para a sociedade que o movimento existe e que suas atividades são sérias.
Quanto à utilização desses recursos pelo movimento LGBT, por meio da leitura dos blogs
e sites utilizando as variáveis a) “Mobilização online: internet como espaço para a discussão
sobre as demandas do movimento”, b) “Mobilização online: internet como espaço de discussão
das estratégias de ação política”, c) “Mobilização Online: internet utilizada como meio de
organização “da” ou para” a ação política, foi possível perceber que também são utilizados para
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o trabalho de mobilização.
Para as variáveis “a” e “b” não foi encontrada nenhuma referência em site ou blog
que configurasse essas mídias como espaço para discussões sobre as demandas ou estratégias
políticas do movimento. Já para a variável “c” pude perceber a existência de calendários de
manifestações/ações. Os grupos que possuem esse tipo de recurso são o Grupo Dignidade,
Igualdade RS, CEPAC, ABGLT com as últimas atualizações em 2012 e o grupo Astra-SE, com
a última atualização em 2009. Esses calendários divulgam encontros presenciais dos grupos,
programações vinculadas ao Dia de Visibilidade das Travestis, programação de Seminário de
Paradas, programação com datas de dias das Paradas do Nordeste, programação de Audiência
Pública.
Além dos calendários nos sites e blogs, há também banners que divulgam “rotinas” de
ação online do movimento ou apoiadas por ele. As “rotinas” encontradas e permitidas pelo uso
da comunicação digital são o abaixo assinado online a favor da criminalização da homofobia,
votação digital para a aprovação do PLC/12210, a petição pública online “Estatuto da Diversidade
Sexual” que tem como intenção colher assinaturas necessárias (1% do eleitorado nacional) para
apresentar o projeto do Estatuto da Diversidade Sexual por iniciativa popular11, e o “Twitaço” em
prol da III Marcha Nacional contra a Homofobia, com a hashtag #OCUPAPLANALTO. Sites
e blogs são utilizados como meio para divulgar ações políticas online e se compreendem como
espaço onde essas ações ocorrem, o que configura as midias sociais digitais como importante
ambiente em que muitos processos políticos da sociedade contemporânea acontecem (Garcêz,
2011). Não foi possível afirmar, por meio da leitura, a utilização de sites e blogs como meio
para organizar ações online.
Já em relação às “rotinas” de ação offline que os grupos promovem ou apoiam, os
sites ou blogs também servem como meio para divulgá-las. A divulgação se dá por meio de
notícias de que esses eventos irão acontecer ou já aconteceram, por fotos, banners, folders com
dia e horário e por notícias de atividades realizadas por outros grupos do movimento LGBT
ocorridas em outros estados brasileiros. Por causa da disposição de convites, os sites e blogs
se compreendem como meio para convocar protestos offline, mas não para organizá-los, assim
como para não organizar campanhas e outras ações.
Foi possível encontrar notícias sobre as seguintes “rotinas” de ação offline: as políticas
lúdicas como paradas, marchas, beijaços, “pink nique” (pique nique), acampamento da juventude,
noites culturais com shows, concursos de miss/top como o de “Melhor Top Drag e Caricata”,
mostra da diversidade (financiada pelo Fundo Nacional de Cultura) e audiências públicas,
10 Projeto de lei que criminaliza a homofobia.
11 Trata-se de um projeto que concede direitos, criminaliza a homofobia e prevê políticas públicas. Para
mais
detalhes
acesse:http://www.direitohomoafetivo.com.br/uploads/5.%20ESTATUTO%20DA%20
DIVERSIDADE%20SEXUAL%20-%20texto.pdf.
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MARCELA PEREGRINO BASTOS DE NAZARÉ
encontros com secretários de segurança, educação, justiça, cidadania e direitos humanos e
com desembargadores, eventos acadêmicos que discutem questões de interesse da comunidade
LGBT, como, por exemplo, a questão da educação contra a homofobia, fórum social temático
do Dia da Visibilidade das Travestis e encontros com outros movimentos sociais.
Algumas perspectivas dos militantes quanto à utilização dos sites e blogs completam
a leitura feita desses recursos ao apontarem outras “rotinas” de ações online disponibilizadas
pela utilização do ciberespaço e mostrarem os resultados do emprego dessas mídias para o
movimento. Segundo Jorge, o site do CEPAC foi utilizado como espaço de inscrição de jovens
gays para a participação em um projeto com o intuito de formar jovens ativistas para trabalhar
com direitos humanos, advocacy, prevenção às DSTs. A divulgação do projeto no site se constitui
como uma “rotina” online. Efetuar as inscrições pela mídia social, juntamente com a utilização
de material gráfico para a divulgação da mesma atividade, trouxeram, segundo Jorge, como
resultado para a associação a participação de pessoas no projeto e em longo prazo a participação
da maior parte desses jovens nas atividades do grupo.
Vinícius do GDN aponta outra “rotina” de ação disponível no ciberespaço, a divulgação
do grupo nos sites e blogs. A divulgação nos sites e blogs assim como nas outras mídias como o
facebook e e-mail facilita o trabalho de mobilização. A internet, nesse caso, torna-se importante
para a mobilização do movimento LGBT devido a uma característica específica dos grupos: a
dificuldade de interpelar as pessoas nas ruas. Muitos LGBTs andam com discrição pelas ruas,
não manifestam afetos por seus companheiros e companheiras em lugares públicos, pois ainda
vivem o medo da repressão social. Esse anonimato dificulta o acesso do movimento ao seu
público alvo:
Quando você faz movimento LGBT, você tem uma certa dificuldade em chegar no
seu público alvo. Porque quando você faz movimento de mulheres, você encontrar
uma mulher na rua é fácil, você convida a mulher. Se você faz movimento
estudantil você vai na porta do colégio; movimento sindical tá na porta da fábrica.
O movimento LGBT você no máximo vai na porta dos guetos, né? Das boates
gays, na porta desses lugares. Então essa é uma grande dificuldade que tem. E isso
é um pouco que a internet supre, né? Você começa achar pessoas que você não
acharia no seu dia a dia normal, não acharia pela rua. As comunidades, as listas e
tal acabam tendo essa forma de ajudar nessa divulgação. (...) A grande imprensa
não divulga a gente. (...) Então se não for as mídias alternativas, se não for Blog,
site, nossos e-mails e tal a gente não consegue chegar em todo mundo que a gente
pretende atingir (Palavras de Vinícius do GDN).
Os usos das mídias sociais para alguns grupos têm trazido como resultado também a
diminuição do emprego de material gráfico como é o caso do grupo Cellos de Minas Gerais.
O grupo Cellos há dois anos não investe muito dinheiro em cartazes e folders para mobilizar,
como acontecia antes. Essa ação está relacionada ao baixo custo do material digital e ao retorno
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AS MÍDIAS DIGITAIS E SEUS USOS PELO MOVIMENTO LGBT BRASILEIRO
que a associação vem recebendo com o seu emprego. Segundo o militante.
Agora a gente tá, nos últimos tempos, há dois anos para cá, a gente, no espaço
de mobilização preparada12, por exemplo, a gente usou muito as redes sociais e
material digital. A gente não gastou muito dinheiro com cartazes, folders, que
antes a gente usava muito para mobilizar para a Parada. A gente até utilizou, mas
não foi o nosso central. E a gente viu que a Parada tem crescido muito o número
de pessoas, e esse ano a gente vai tá usando material mais digital mesmo, porque
é mais barato e a gente tem recebido um retorno bem bacana (Palavras de Caio).
Embora com o advento da internet e os benefícios que o seu uso traz para o movimento,
os recursos tradicionais de comunicação não foram substituídos.
Segundo Sara do grupo Alem de Minas Gerais, é preciso usar também a carta, para
conseguir divulgar os eventos e mobilizar, pois nem todas as mulheres (público alvo da
associação), principalmente as do interior de Minas Gerais, têm acesso à internet.
Outra situação foi a mencionada por Rony. Segundo ele, a associação não utilizava a
internet como vem utilizando nos últimos anos. Por exemplo, para a mobilização da Parada do
ano passado o Facebook não foi utilizado, nesse ano, a promessa era usá-lo e disponibilizar por
meio dele toda a programação das Paradas do Estado de Sergipe. Segundo Rony, a internet vem
sendo utilizada cada vez mais pelo grupo. Para este ano, além da panfletagem e colagem de
cartazes na rua, a associação pretende usar o Orkut e o Facebook para disponibilizar o material
impresso online e fazer uma “panfletagem virtual”, que se constitui como outra “rotina” de ação
online. No entanto, em meio à promessa dessa nova experiência com internet, os cartazes foram
citados como recursos que mais trazem efeitos sobre o trabalho de mobilização da associação.
Segundo Kimberly, a associação utiliza a internet para quem está mais “linkado”, o
telefone para quem não tem o acesso a essa tecnologia, quem não está nas comunidades virtuais
e também nas “malas diretas”, e o “boca a boca” empregado com quem é possível encontrar
no dia a dia. Jorge também considera o boca a boca como outro instrumento de mobilização
além do material gráfico. Segundo ele, as pessoas que fazem parte da organização ou que já
frequentaram ou participaram de algum projeto trazem por meio do “boca a boca” novas pessoas
para o grupo.
Outro instrumento muito importante para o movimento são os panfletos. Mesmo com a
rapidez na transmissão de informações, segundo Felipa, representante da associação de travestis
e transexuais da Paraíba (Astrapa) os panfletos atingem uma parcela da sociedade que não
pode estar conectada por motivos específicos. Por exemplo, Felipa atribui à falta de tempo das
pessoas que vivem da prostituição, um motivo pelo qual o panfleto é um meio mais eficaz no
momento de mobilizar essa população.
12 “Mobilização preparada” implica em um uso mais planejado dos recursos midiáticos sejam digitais ou não.
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MARCELA PEREGRINO BASTOS DE NAZARÉ
Outro motivo é que embora parte do público alvo da Astrapa esteja conectada à internet,
pois muitos profissionais do sexo utilizam o meio digital como recurso para os seus trabalhos,
infelizmente nem todos possuem a internet como “ferramenta cotidiana”. O uso da internet,
nesse caso, muitas vezes, se dá de forma esporádica por meio da utilização de lan houses.
Felipa considera que os panfletos são uma forma de atingir as pessoas com difícil acesso
à mídia digital e fazer com que elas possam participar:
Às vezes a pessoa não sabe nem o que é, mas ela pega aquele panfleto, ela leva
para casa, ela vai ler, raciocinar. Então é uma forma de provocar a pessoa a olhar e
a ler e entender o que que aquilo está querendo dizer e ela poder participar disso”
(Palavras de Felipa).
Além da não substituição dos recursos tradicionais de comunicação pela internet, a
apropriação dos recursos do ciberespaço também não substitui a importância do “ao vivo”.
Segundo Sara do grupo Alem, a panfletagem permite que o movimento fique cara a cara com o
seu público alvo, “você distribui o panfleto e você tá vendo quem recebeu. A pessoa conversa
ali com você, é uma coisa mais ao vivo”. Para a militante, é importante que o movimento não
fique restrito à internet. Tendo em vista que uma das grandes bandeiras do movimento é a
visibilidade, afirma que o grupo tem que estar em alguns espaços públicos. Considera a internet
um recurso para chamar as pessoas “para tá rua e mostrar a cara”, em eventos como a Parada e a
caminhada de lésbicas. E atenta para os perigos do facebook para o movimento, pois essa mídia
pode servir como um armário onde as pessoas se escondem fato que vai contra os propósitos
do movimento.
A partir das falas dos entrevistados, é possível dizer que existe um emprego cada vez
maior da internet pelo movimento LGBT. Isso é devido a uma série de elementos. O facebook,
assim como o e-mail, twiter, blog dentre outras mídias tornam a comunicação e disseminação
de informações mais rápidas, o que é fundamental quando faltam recursos humanos para a
ação política, como é o caso CEPAC. Segundo seu representante, existe um número reduzido
de pessoas que trabalham no grupo e se fossem utilizados materiais gráficos para atingir a
população, não conseguiriam atingir uma pequena parcela de pessoas que atingem com os
recursos da internet.
Outro elemento é a ferramenta “compartilhar” do facebook que facilita e diminui o
trabalho de divulgação de atividades e eventos. Segundo Vinícius, “dá pouco trabalho, é você ter
uma arte bunitinha, e jogar na rede”. A ferramenta “compartilhar” é vista como algo inteligente
que somado ao número de pessoas que existem nos grupos do facebook da associação facilita o
trabalho de divulgação e mobilização. Um terceiro fator, recorrente nas falas dos entrevistados
é o baixo custo que o emprego do material digital dispõe: a internet é considerada pelos grupos
como instrumento barato, mais barato que usar o telefone e disponibilizar material impresso. É
possível dizer que esses fatores diminuem os custos da participação política.
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AS MÍDIAS DIGITAIS E SEUS USOS PELO MOVIMENTO LGBT BRASILEIRO
A internet vem se tornado cada vez mais um instrumento importante para a realização
de um trabalho imprescindível para o sucesso das ações políticas do movimento LGBT: a
mobilização de seu público alvo e simpatizantes que resulta na participação dessas pessoas em
eventos como a Parada, a Marcha e no trabalho dentro dos grupos. Vinícius do GDN resume a
importância desse trabalho:
Na verdade a grande questão é isso, ter pessoas com a gente. E a aí quando a gente
faz uma manifestação, um Beijaço, seja uma Ocupação da Câmara de Vereadores,
a gente briga muito com a prefeitura na época de Parada. Então é assim, nesse
momento que a gente tem de luta, tem que ter essas pessoas com a gente. E isso
a gente tem conseguido. E isso não faz só pela internet. E hoje tá muito isso, as
pessoas acham que você manda um compartilhar e militou, né? Fez sua parte pelo
bem do mundo. Se as pessoas acreditam que as revoluções do mundo se dão pelo
facebook é uma grande balela, não se dá. Facebook é só mais um instrumento para
você se organizar e mobilizar, mas ele não é o fim, ele só é um meio. (Palavras
de Vinícius).
Vinícius expõe a importância de ter pessoas mobilizadas para participar das manifestações
políticas. Afirma que o GDN tem conseguido agregar a população e deixa claro o papel da
internet nesse processo. O facebook é apenas um meio para organizar e mobilizar. Esse dado
nos ajuda a entender o papel da internet para as ações políticas do movimento LGBT. A internet,
a partir da fala de Vinícius e dos outros entrevistados, é um recurso que o movimento tem
para fazer política, mas não é o único. São necessários outros instrumentos de comunicação,
principalmente os mais tradicionais como a carta, mesmo que em casos muito específicos.
A utilização da internet, mesmo disponibilizando o “repertório” de ação mobilização
online, não substitui a importância de outros “repertórios” e rotinas de ação executadas pelo
movimento, tais como a participação em conselhos, os “lobbies parlamento”, a militância na
rua e em outros espaços como a câmara de vereadores, etc. Ou seja, a participação offline, para
os grupos do movimento LGBT, não é e não pode ser substituída pela participação online.
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MARCELA PEREGRINO BASTOS DE NAZARÉ
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262
AS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS: UM
BREVE DISCORRER SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO
DE POLÍTICAS SETORIAIS URBANAS PARA
POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
Everton Henrique Faria; Ana Carolina Torrente Pereira
Universidade Estadual de Maringá – Programa de Mestrado em Ciências Sociais
Resumo: Compreender as políticas públicas urbanas nos remete à historicidade e às
peculiaridades que se desenrolaram na história política de nosso país, especialmente, aos
paradigmas existentes no cenário político institucional. As políticas urbanas percorreram um
longo caminho para se estabelecerem como uma política pública determinante no campo
político. Elas passaram do estágio de política distributiva, no qual as decisões eram tomadas
pelo governo militar, que desconsiderava a questão dos recursos limitados, gerando impactos
mais individuais do que universais, ao privilegiar certos grupos sociais ou regiões (os quais
mantinham a ordem ditatorial) em detrimento do todo, para serem fomentadas dentro da
concepção de política redistributiva, que atinge o maior número de pessoas e impõe perdas
concretas e no curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos e futuros para outros.
(Souza, 2006, p. 28). Mesmo a estrutura de funções governamentais se mantendo, a própria
legislação (Constituição de 1988) direcionou a União para a função social da cidade e
consequentemente para a política redistributiva. Tendo em vista o dimensionamento que as
políticas públicas urbanas vêm tomando na última década, acreditamos que precisamos apontar
algumas de suas dimensões dentro do cenário socioeconômico em nosso país, sobretudo, como
a mesma tem se estruturado dentro do cenário político institucional.
Palavras-chave: Políticas públicas; Urbanização; Políticas urbanas.
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EVERTON HENRIQUE FARIA; ANA CAROLINA TORRENTE PEREIRA
Os processos de transformação ocorridos no cenário político, econômico e social ao longo do
século XX culminaram na redemocratização do país com a Constituinte de 1988. O Brasil, que
passou das Oligarquias para a Democracia Representativa, trouxe a perspectiva da abertura
democrática dos diversos setores públicos instituindo novas formas de gestão pública.
A institucionalização dos procedimentos políticos do Estado e a inserção da sociedade
civil no cenário político institucional por meios legais resultaram na burocratização acentuada
e racional das ações de intervenção no meio social, bem como possibilitaram que a sociedade
civil obtivesse ação mais direta junto à ação política. (Hall; Taylor, 2003)
Todo esse movimento em torno do cenário político institucional propiciou a criação
de novos mecanismos e o aprimoramento dos já existentes dentro das gestões públicas, de
forma a considerar a importância de se estabelecer a descentralização do aparelho de Estado
conforme previsto na constituição. Essa descentralização, por sua vez, tinha como princípio
garantir a autonomia das administrações governamentais, tendo em vista os novos mecanismos
de participação na efetivação do controle social exercido pela sociedade. Ou seja, os governos,
diante dos novos direitos assegurados na constituinte, necessitaram criar novos instrumentos
capazes de proporcionar autonomia da gestão pública, prevendo co-participação da sociedade
nas tomadas de decisão.
Deste modo, segundo a constituinte, as administrações públicas nacionais devem
garantir a descentralização político-administrativa e a participação popular na formulação das
Políticas Públicas e no Controle das ações em todos os níveis de governo. Sendo o Controle
Social o mecanismo mais importante a ser implantado dentro das gestões públicas a fim de
garantir a abertura democrática e a participação da sociedade na vida pública.
Para efetivação do Controle Social os Conselhos Gestores passaram a ser vistos sobre
as atenuantes da gestão pública, nos quais traziam em seus paradigmas novas formas de se
pensar políticas públicas sociais e urbanas juntamente com o cenário político institucional.
Concomitantemente, outros mecanismos eram aprimorados como ferramentas no processo de
redefinição da gestão pública. Pensar o planejamento urbano de forma sustentável e ordenada
tornava-se uma importante característica da nova forma de gestar os órgãos públicos após a
constituinte de 1988. Com base nos artigos 182 e 183 que, por sua vez, determinam que a
política de desenvolvimento urbano executada pelo Poder Público municipal tenha por objetivo
ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes, foi aprovado o Estatuto das Cidades pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001.
Oriundo das reivindicações dos Movimentos de Reforma Urbana que se iniciaram em
meados dos anos 70, o Estatuto da Cidade representou um importante instrumento legal de
crescimento ordenado das cidades através da gestão democrática na fomentação de Planos
Diretores. Segundo o estatuto, todo município com mais de 20.000 habitantes, inseridos em
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
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264
AS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS:
UM BREVE DISCORRER SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
regiões turísticas ou com impactos ambientais e pertencentes a regiões metropolitanas devem
obrigatoriamente possuir Plano Diretor. Suas diretrizes devem ser consideradas no processo de
elaboração dos instrumentos normativos da gestão pública, como o Plano Plurianual - PPA, a
Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual.
Assim, diante de tais prerrogativas estes novos instrumentos de gestão pública como
os conselhos gestores e os planos diretores possibilitam maior descentralização das decisões e
permitem um crescimento ordenado dos espaços urbanos, garantindo maior participação popular
nas decisões políticas, além de inserir as questões de Desenvolvimento Urbano, de Habitação,
Saneamento Ambiental, Transporte Urbano, Trânsito e Mobilidade Urbana nas agendas de
governo para a fomentação de Políticas Públicas específicas. Cria também novos canais de
discussão entre governo e sociedade, sobretudo, efetivando os princípios de descentralização
existentes na constituinte de 1988.
O PROCESSO DE URBANIZAÇÃO NO BRASIL
E SUA FORMAÇÃO DAS POLÍTICAS URBANAS
O processo de real urbanização do Brasil é recente, mas pode-se dizer que este vem se
constituindo desde o século XIX. No ano de 1822 o país era constituído de 12 núcleos que foram
classificados como cidades. Neste período houve um deslanche no processo de urbanização
do país. Dois eventos históricos auxiliaram na intensificação deste processo: a abolição da
Escravidão e a Proclamação da República. Estes acontecimentos incrementaram a evolução da
industrialização e por conseqüência a urbanização. Este processo se mostrou injusto e desigual
desde os primórdios de sua construção, pois a massa de trabalhadores, que era composta por
negros e pobres, não fez parte da constituição do espaço urbano.
No Brasil as grandes transformações territoriais e sociais ocorreram no final do século
XIX, e mais profundamente no século XX. Isto se deve às alterações na economia desta
sociedade, que passa a se basear não mais na produção agrícola, mas na indústria. Na década
de 1920 percebe-se um aumento nos números demográficos, mas a estrutura de moradia não
acompanha este crescimento. Nesta época destaca-se na cidade do Rio de Janeiro o conflito
entre proprietários e inquilinos, que tinham seus aluguéis extrapolando os valores possíveis e
seus salários sem acréscimos algum. Com isto o Estado intervém, com a regulamentação do uso
do solo e a construção das edificações. Surgem os primeiros edifícios residenciais e comerciais.
O processo de urbanização e industrialização no país parecia indicar um caminho para
independência econômica em relação à dominação da produção agrária de exportação, já que
o PIB brasileiro crescia 7% ao ano de 1940 a 1980. Nas décadas de 1930 a 1950 tem início a
elaboração de planos de ordenamento das regiões urbanas. Estes planos buscam articular os
bairros, o centro e todas as extensões das cidades a partir de sistemas de vias e transportes.
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265
EVERTON HENRIQUE FARIA; ANA CAROLINA TORRENTE PEREIRA
Com o governo JK e sua política desenvolvimentista, o Brasil incrementa sua economia, mas
crescem seus índices de desigualdade. As políticas sociais são deixadas de lado em detrimento
das obras viárias.
Várias cidades brasileiras passaram por reformas urbanas, entre o final do século XIX
e o início do século XX, lançando-se as bases do urbanismo moderno. Medidas voltadas para a
eliminação de epidemias ocorreram através de obras de saneamento básico. Ocorreram também
obras de paisagismo e implantação de bases legais para o mercado imobiliário capitalista.
Estes processos expulsavam a população mais vulnerável, sendo deslocadas para os morros e
franjas das cidades. Cidades como Manaus, Belém, Porto Alegre, Curitiba, Santos, Recife, São
Paulo e Rio de Janeiro são exemplos das que uniram saneamento ambiental, embelezamento
e segregação territorial (SEGUNDA CONFERÊNCIA NACIONAL DAS CIDADES, 2005).
A partir da ditadura política brasileira, o Estado se fecha totalmente através do Sistema
Financeiro de Habitação, que previa moradia através de recursos do FGTS. Esta medida
favoreceu as classes média e alta. Estes investimentos eram utilizados para financiar obras
superfaturadas de infra-estrutura e o BNH (Banco Nacional de Habitação).
A defesa da Reforma Urbana, que tinha como objetivo alargar o mercado interno e as
condições de vida da população, teve início na década de 1960, mas foi forçada pela ditadura
a paralisar seus movimentos. Neste período ocorre o agravamento das desigualdades sociais
e territoriais. Entre as décadas de 1970 e 1980 as mobilizações populares fazem com que o
Movimento pela Reforma Urbana retorne nos anos 80.
Questões relacionadas à crise urbana são recentes no Brasil, pois o desenvolvimento
industrial brasileiro deu-se de maneira mais enfática na segunda metade do século XX, fator
que influencia na urbanização do país. Com seu crescimento, as cidades se tornaram terreno
de conflitos e exclusão. Problemas como a generalização da pobreza, a intensificação das
desigualdades sociais, a exclusão, se agravaram ainda mais, pois, somadas ao crescimento
urbano, o Brasil passou por reformas econômicas neoliberais ocorridas no país na gestão federal
de Fernando Collor de Melo e Fernando Henrique Cardoso, nas décadas de 1980 e 1990 (Santos
Junior, Maricato, 2010, p. 167).
A degradação nas condições de vida é evidente, principalmente nas grandes cidades e
regiões metropolitanas, tanto que:
De espaço de mobilidade social e lugar de acesso à diversidade cultural, melhores
oportunidades de emprego e qualidade de vida, as cidades têm-se torrnado
aglomerações, em grande parte depósito de pessoas, marcadas por fragmentação,
dualização, violência, poluição e degradação ambiental. (Santos Junior, Maricato,
2010, p. 167)
Todos esses fatores deixam clara a negação do direito à cidade. Com isso, nos anos 1980
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS:
UM BREVE DISCORRER SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
os movimentos pela reforma urbana começam a lutar por mudanças em relação à governança
dos espaços urbanos, que enfatizava a necessidade de democratização da gestão urbana, na
regularização de uso do espaço urbano, com ênfase na função social deste território. Com a
união dos movimentos populares às associações de classe, organizações não-governamentais,
instituições acadêmicas e de pesquisa, cria-se o Fórum Nacional de Reforma Urbana – FNRU.
Através da entidade FNRU ocorrem realizações fundamentais para a efetivação das mudanças
almejadas para a reforma urbana, tais como o capítulo sobre política urbana na Constituição de
1988, o Estatuto das Cidades em 2001 que dá foco ao Plano Diretor Participativo, a criação do
Ministério das Cidades em 2003 (Santos Junior, Maricato, 2010).
Na Constituição de 1988 há um capítulo sobre política urbana de importância histórica
para o desenvolvimento da governança urbana. Segundo Carvalho (2006), possui este caráter
inovador por ser uma parte exclusiva ao tema, capítulos II, título VII, e por compreender
mecanismos que se faziam ausentes para a legislação urbana no país. O Estatuto das Cidades
é a Lei 10.257/01, que regulamenta dos artigos 182 e 183 da Constituição de 88. Além da
ordenação e regulação do espaço urbano, o Estatuto se vincula principalmente ao bem estar
social. O Estatuto privilegia a utilização de um instrumento em especial, o Plano Diretor.
Este tem como objetivo a gestão do espaço excludente e degradado, a municipalização de sua
governança, institucionalização de uma metodologia de planejamento urbano direcionado à
função social das cidades e a democratização e participação popular nas tomadas de decisão
referentes às cidades.
Capítulo III Plano Diretor
Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor,
assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de
vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas
as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei. (ESTATUTO DAS CIDADES, 2001)
Já na Constituição de 1988 o Plano Diretor é citado como ferramenta voltada para que a
função social das cidades seja o principal direcionamento para a reforma urbana. Este elemento
direcionador é revolucionário sob o âmbito da caracterização da propriedade privada; “...o direito
de propriedade poderá se transformar no direito à propriedade, perdendo o sentido individual
e definindo-se por uma função socialmente orientada.” (CARVALHO, 2006, p. 30). O Plano
Diretor, como um dos principais instrumentos das inovações voltadas às reformas urbanas, tornase obrigatório com o Estatuto das Cidades para municípios com mais 20.000 habitantes, para
regiões metropolitanas e para áreas de interesse turístico ou com impacto ambiental (Galinari et
al, 2010, p. 141). É prioridade que sua construção seja de forma participativa e democrática, e
para que isso aconteça é necessária a criação de espaços que possibilitem as discussões com a
participação de variados segmentos da sociedade, os movimentos populares e a gestão pública
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em seus três níveis de atuação. Ainda para garantir o caráter participativo e democrático do plano
diretor, este documento prevê a criação de conselhos municipais que irão formular e monitorar
as ações voltadas para cada área da administração pública e seus investimentos. Na composição
destes organismos deve estar assegurada a participação dos variados segmentos da sociedade e
da gestão pública. Em especial no planejamento urbano, o plano diretor institui a criação de um
Conselho das Cidades ou Conselho de Planejamento Urbano, que cuida de acompanhar todos os
processos que o envolvam. Este conselho tem como objetivo também a preocupação de garantir
a participação popular no planejamento urbano (II Conferência Nacional das Cidades, 2005).
Para Santos Junior e Maricato, a escolha dos participantes e a dinâmica de funcionamento dos
mesmos é fundamental para a “mediação de conflitos e construção de consensos” (p. 179). E
ainda a partir destes autores, a maneira de assegurar que os conselhos sejam espaços realmente
democráticos é através de direcioná-los a:
(i) funcionar enquanto uma arena de debates, gestão de conflitos e construção de
consensos e (ii) tomar decisões e torná-las efetivas no que diz respeito às políticas
públicas. (Santos Junior: Maricato,, 2010, p. 181)
No livro Política Urbana e Gestão Urbana há um texto sobre avaliação de planos
diretores. Este artigo é o resultado de uma pesquisa voltada para a avaliação e implementação
de planos diretores da região metropolitana do Rio de Janeiro. Um dos tópicos avalia o
Sistema de Gestão e Participação Democrática dos planos diretores estudados, e verifica-se
como referencial os instrumentos e mecanismos vistos no Estatuto das Cidades. Apresenta-se
nesse estudo que os principais elementos de avaliação de participação e controle social são os
conselhos gestores ligados ao planejamento urbano (Conselho da Cidade ou similares) (Santos;
Oliveira, 2010).
A gestão participativa no espaço urbano com o plano diretor está prevista no Estatuto
da Cidade no Capítulo IV, denominado Gestão Democrática da Cidade. Neste se faz garantir a
participação da sociedade em geral na governança do espaço urbano, estimulando de variadas
formas o exercício pleno da cidadania. A participação democrática no Brasil também é algo
inovador, principalmente quando o incentivo a isto se verifica sobre os âmbitos do governo.
Para Tonella (2010, p. 92) a partir dos anos 1990 algumas práticas democráticas começam
a se institucionalizar no Brasil, tendo como referência as “eleições livres, parlamento ativo,
liberdade de imprensa, amplo espectro partidário”. A participação e a democracia, apesar de
apresentarem-se um pouco mais na realidade brasileira, precisam se estabelecer veementemente
como sentido de cidadania. Segundo Young, citado por Tonella: “em uma sociedade de massa,
para que a política seja realmente democrática, a representação e a participação exigem uma
reciprocidade permanente”. (Young, 2000, p. 124 apud Tonella, 2010, p. 93). Percebe-se que
com as reformas da política urbana conseguidas através de lutas dos movimentos populares,
fator que demonstra a expressão máxima da participação democrática no Brasil, os fatores
“participação” e “democracia” pretendem incorporar um número bem maior da população a
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UM BREVE DISCORRER SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
estes preceitos. Estes termos apresentam-se institucionalizados tanto na Constituição de 88,
quanto no Estatuto das Cidades e no Plano Diretor.
Com a criação do Ministério das Cidades, é definitivamente estabelecida a importância
da política urbana, que enseja o desenvolvimento das cidades voltado para o novo espaço urbano
democrático e sustentável. Este organismo representa um marco, que demonstra que realmente
o Estado brasileiro inseriu como pauta de prioridades as questões urbanas, que institucionalizou
as preocupações voltadas para o direito à moradia digna, à participação democrática nas políticas
urbanas.
DAS POLÍTICAS URBANAS ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
Tendo em vista o dimensionamento que as políticas públicas urbanas vêm tomando na última
década, acreditamos que precisamos apontar algumas de suas dimensões dentro do cenário
socioeconômico em nosso país, sobretudo, como a mesma tem se estruturado dentro do cenário
político institucional.
Celina Souza, em seu artigo “Políticas Públicas: uma revisão da literatura”, nos traz uma
reflexão acerca deste conceito. Segundo ela, não há uma definição conceitual exata do que são
políticas públicas, já que esta subárea do conhecimento da Ciência Política pode ser observada
e explicada pelas diversas áreas do conhecimento, as quais sempre nos remetem ao interesse do
conhecimento direto sobre as ações do governo.
No entanto definições de políticas públicas, mesmo as minimalistas, guiam o nosso
olhar para o locus onde os embates em torno de interesses, preferências e idéias
se desenvolvem, isto é, os governos. Apesar de optar por abordagens diferentes,
as definições de políticas públicas assumem, em geral, uma visão holística do
tema, uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes
e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses contam, mesmo
que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores (2006, p. 25).
Assim,
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que
busca, ao mesmo tempo, “colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação
(variável independente) e, quando necessário, propor mudanças no rumo ou curso
dessas ações (variável dependente). A formulação de políticas públicas constituise no estágio em que os governos democráticos traduzem seus propósitos e
plataformas eleitorais em programas e ações que produzirão resultados ou
mudanças no mundo real.
Deste modo, a percepção sobre as políticas públicas específicas aos paradigmas urbanos
de nosso país não fogem das atenuantes das discussões das diversas áreas do conhecimento,
sejam elas humanas, exatas, biológicas ou técnicas. Os diversos setores sociais vêm discutindo
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como melhorar a infraestrutura urbana de nossa sociedade, bem como realizar um efetivo
controle da melhoria da qualidade de vida e dos gastos públicos com a modernização do espaço
urbano.
É sabido que o reconhecimento da necessidade de trabalhar o desenvolvimento urbano
como uma política pública específica no Brasil é recente. Transformar a política urbana em uma
política pública trouxe um grande debate dos diversos segmentos sociais pelo reconhecimento
da necessidade de se ter a estruturação e a junção de diversos programas governamentais
desenvolvidos separadamente, como programas de moradia social, mobilidade urbana,
saneamento, entre outros.
Por isso o processo de transição das políticas dos setores urbanos para política pública
só veio a ocorrer após a aprovação da Constituição Federal de 1988, mais precisamente com
a aprovação do Estatuto das Cidades, no ano de 2001, aproximadamente doze anos após a
apresentação de seu projeto de lei pelo senador Pompeu de Souza. Posteriormente, quando
implementadas como políticas públicas, as políticas governamentais trouxeram novas
perspectivas de implantação de projetos, pois as mesmas passaram a ser temas recorrentes
das agendas dos governos em um ciclo político deliberativo de ações, diante de um processo
gradual de estabelecimento de ações públicas junto à sociedade civil no aprimoramento e na
descentralização do aparelho de Estado.
O Ciclo da Política Pública, que Souza (2006) define em uma tipologia, passou a
regulamentar-se por um ciclo deliberativo, onde o ciclo passa a ser pensado em um sistema de
planejamento, execução, monitoramento e avaliação:
Esta tipologia vê a política pública como um ciclo deliberativo, formado por vários
estágios e constituindo um processo dinâmico e de aprendizado. O ciclo da política
pública é constituído dos seguintes estágios: definição de agenda, identificação de
alternativas, avaliação das opções, seleção das opções, implementação e avaliação.
Desta forma, podemos compreender este sistema da seguinte forma: planejamento como
o momento de realizar diagnósticos socioeconômicos para se inserir programas e projetos nas
agendas de governos por meio do Plano Plurianual – PPA. O orçamento como momento de
direcionar recursos seguindo as leis do ciclo orçamentário, Lei de Diretrizes Orçamentárias –
LDO e a Lei Orçamentária Anual – LOA para implementação das ações contidas no planejamento.
A execução que colocará as ações em efetivação e, consequentemente, o monitoramento e
avaliação a serem realizados por meio das equipes técnicas e dos órgãos governamentais de
fiscalização, como o Tribunal de Contas, ou pela junção do governo com a sociedade civil por
meio dos Conselhos Gestores de Políticas Públicas que, aqui, podemos citar como exemplo os
Conselhos da Cidades e o Conselho de Habitação e Interesse Social.
O Ciclo da Política dentro das teorias pode ser observado da seguinte forma:
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AS POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS:
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Figura 1: Ciclo da Política
Elaboração: Everton Henrique Faria, 2012.
Dentro de uma visão mais contemporânea, tendo a idéia de descentralização do Estado
e a participação da sociedade civil por meio do controle social, podemos colocar este ciclo da
seguinte forma:
Figura 2: Ciclo da Política
Elaboração: Everton Henrique Faria, 2012.
Neste Ciclo Político o Planejamento tem o mesmo significado do anterior, porém o
Fundo compreendido na Figura 1 como Orçamento direcionado e gestado somente pelos
órgãos gestores passa a ter a conotação de direcionamento de recursos próprios para uma
política pública especifica, com a participação direta da sociedade por meio dos Conselhos
na aprovação dos instrumentos de Planejamento, como PPA, LDO e LOA. E o momento da
execução traz a caracterização da co-responsabilidade da sociedade civil na participação do
acompanhamento por meio da fiscalização e avaliação das ações, especialmente, contribuindo
com a descentralização da tomadas de decisões, garantindo que as problemáticas existentes
dentro dessa política sejam inseridas nas agendas de governo.
Quanto à questão da distribuição de verbas, Arretche (2004) diz que mesmo com as
reformas institucionais feitas nas décadas de 1980 e 1990, a estrutura de distribuição federativa
não passou por modificações em suas funções.
O governo federal arrecada e redistribui, por meio de empréstimos, os recursos da
principal fonte de financiamento destas políticas: um fundo destinado a indenizar
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EVERTON HENRIQUE FARIA; ANA CAROLINA TORRENTE PEREIRA
trabalhadores demitidos sem motivo, cuja arrecadação líquida é direcionada ao
financiamento de programas de saneamento e habitação (o Fundo de Garantia por
Tempo de Serviço – FGTS). (Arretche, p. 23, 2004)
A autora explana, em seu artigo “Federalismo e Políticas Sociais no Brasil: problemas
de coordenação e autonomia”, elucidações sobre o federalismo e a coordenação das políticas
sociais brasileiras. Para a política urbana, o governo federal é o principal gestor financeiro dos
programas desta pasta. Este direcionamento passa a União certa autonomia diante as decisões
para distribuição de empréstimos federais. Comparando com outras políticas sociais, a política
urbana se assemelha à de saúde, quando se trata da centralização, no governo federal, das funções
de financiamento e formulação da política nacional, mas “nesta política particular, a autoridade é
ainda mais concentrada do que na área da saúde, em vista da ausência de representação federativa
nas principais arenas decisórias. (Arretche, p. 23, 2004). Esta concentração de funções na União
para a questão urbana permite a melhor garantia de respostas redistributivas (Arretche, 2004).
As políticas urbanas percorreram um longo caminho para se estabelecerem como uma
política pública determinante no campo político. Elas passaram do estágio de política distributiva
- no qual as decisões eram tomadas pelo governo militar, que desconsiderava a questão dos
recursos limitados, gerando impactos mais individuais do que universais, ao privilegiar certos
grupos sociais ou regiões (os quais mantinham a ordem ditatorial), em detrimento do todo - para
serem fomentadas dentro da concepção de política redistributiva. Esta atinge o maior número de
pessoas e impõe perdas concretas e no curto prazo para certos grupos sociais, e ganhos incertos
e futuros para outros (Souza, 2006, p. 28). Mesmo a estrutura de funções governamentais se
mantendo, a própria legislação (Constituição de 1988) direcionou a União para a função social
da cidade e consequentemente para a política redistributiva.
Assim, compreender as políticas públicas urbanas nos remete à historicidade e às
peculiaridades que se desenrolaram na história política de nosso país, especialmente, nos
paradigmas existentes no cenário político institucional. De modo a realizar uma análise de
conjuntura sobre os diversos agentes e grupos envolvidos nas tomadas de decisões realizadas
pelos nossos governantes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A reflexão acerca das políticas urbanas dentro da pluralidade de atores sociais envolvidos
nesse processo caracteriza a recente história da democratização do espaço urbano que estamos
vivenciando, sobretudo a multiplicidade de ações que ainda precisam ser pensadas, fomentadas
e implementadas dentro de nossa sociedade.
Não obstante, o percurso para que essas políticas sejam realmente efetivadas dentro de
nossa sociedade como políticas públicas ainda é longo. Quando pensamos em efetivação da
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UM BREVE DISCORRER SOBRE SUA CONSTITUIÇÃO DE POLÍTICAS URBANAS PARA POLÍTICAS PÚBLICAS URBANAS
democracia com a transformação do Estado em uma instituição descentralizada, democrática,
esbarramos nas heranças do Brasil Império pautadas no Personalismo, Mandonismo e
Patriarcalismo. Estes fatores contribuem diretamente para que as ações das instituições
governamentais se voltem algumas vezes a grupos de interesse ou ao particularismo político.
Contudo, mesmo diante destas prerrogativas, já obtivemos grandes resultados, garantimos em
lei a participação da sociedade nos processos decisórios, criamos instrumentos de planejamento,
conseguimos iniciar a descentralização da máquina estatal e acima de tudo conseguimos inserir
algumas políticas periféricas dentro das agendas de governo (Otmann, 2006).
Desta forma, as políticas públicas urbanas ao serem inseridas nas agendas de governo
e debatidas pela sociedade ganham o status de política intersetorial, pois auxiliam diretamente
as políticas públicas tidas como universais como a saúde, a educação, a assistência social, a
segurança, a cultura, o esporte e o lazer, além de assegurar o direito básico à moradia e ao
acesso das pessoas aos bens públicos. De fato, as políticas públicas urbanas podem direcionar
o aprimoramento e o amplo desenvolvimento do espaço urbano em nosso país não mais como
mecanismo modernizador de infraestrutura arquitetônica, mas como mecanismo articulador da
infraestrutura com a qualidade de vida.
Assim, as políticas públicas urbanas desencadeiam uma série de problemáticas para
serem discutidas. Todavia, não podemos olhar isso de forma negativa, pois uma vez colocadas
as problemáticas para que os atores envolvidos possam discuti-las, garantimos um direito
fundamental de participação da sociedade no espaço político institucional; sobretudo,
reforçamos as políticas públicas como elo dos governos com a sociedade.
Enfim, as políticas públicas urbanas estão iniciando seus trajetos dentro da arena política
com uma série de problemas a serem resolvidos e um caminho longo a ser percorrido, para seu
estabelecimento efetivo no cenário político institucional. A única coisa que podemos afirmar
é que independentemente da vontade dos governos de quererem ou não dar atenção a essas
questões, as discussões, os debates e os embates estão postos na mesa para possíveis soluções.
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DEMOCRACIA E DESIGUALDADE NA AVALIAÇÃO DE
UMA ELITE NÃO-ESTATAL
Angélica Ripari
Mestranda em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá.
Resumo: O estudo em questão avalia a relação existente entre a democracia e a desigualdade
a partir da cultura política de dirigentes de FASFILs (Fundações e Associações Sem Fins
Lucrativos) da cidade de Maringá certificadas pelo governo. Estes dirigentes compõem a
elite nãoestatal da cidade, tendo ainda que muitos são membros de conselhos municipais, e,
consequentemente, têm grande influência sobre a elaboração de políticas públicas. Acresce
ainda que entidades como as FASFIL tiveram grande incentivo do Estado, tanto a nível federal
como municipal, na defesa de uma atuação descentralizada e mais democrática. Tem-se ainda,
dado que as entidades estudadas são certificadas pelo Estado como portadoras de finalidades
públicas, espera-se dessas instituições que compõem a FASFIL uma defesa pela redução das
desigualdades sociais. Com o grupo pesquisado foi aplicado um survey com 95% das entidades
certificadas e, posteriormente, alguns respondentes foram selecionados para participar de grupos
focais. Os resultados encontrados contrastam as expectativas iniciais. Em grande medida, os
participantes demonstraram uma busca por distinções dos que consideram o “povo”; avaliam
que o “povo” é incompetente e não deve participar da política; e ao mesmo tempo em que
demonstram desejos pela redução das desigualdades, esperam a imutabilidade.
Palavras-chave: Desigualdades sociais; Associativismo; Qualidade democrática.
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ANGÉLICA RIPARI
Em geral, as análises políticas mais recentes têm constatado que após vinte e sete anos de
democracia no Brasil, já temos um regime consolidado. Por outro lado, temos uma realidade
nacional com altíssimos níveis de desigualdade.
Em maio de 2011 foram apresentados dados sobre a extrema pobreza brasileira1. Eram,
segundo os dados do censo 2010, 16,27 milhões de pessoas nessa condição, o que representa
8,5% da população brasileira.
Dados mais otimistas foram anunciados recentemente2. Segundo o IPEA, o crescimento
dos salários, os rendimentos previdenciários e os programas sociais federais (como o “Bolsa
Família” e o mais atual “Brasil Sem Miséria”) possibilitaram uma redução dos quadros de
desigualdade social brasileiros em proporções jamais vistas. O coeficiente de Gini (medida
adotada para o calculo das desigualdades sociais) atingiu em 2011 0,527, o menor índice
alcançado desde 1960 (quando o coeficiente começou a ser medido). No entanto, estes níveis
ainda projetam o Brasil entre os doze países mais desiguais do mundo.
Uma questão ressalta com a exposição destes dados: é possível a concretização de um
regime democrático sob índices tão alarmantes de desigualdade social?
Para fins de uma análise sobre esta inquietação, proponho uma investigação sobre a
cultura política de um grupo específico da elite. Exploro aqui as crenças e avaliações que os
dirigentes de FASFILs (Fundações e Associações Sem Fins Lucrativos) da cidade de Maringá
expuseram sobre a desigualdade social. Avalio ainda as possíveis consequências para a
democracia.
Refiro-me aqui a associações organizadas, credenciadas e legalmente institucionalizadas.
Foram selecionadas ainda apenas as associações maringaenses que têm algum certificado
aprovado pelo governo federal, seja certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social
(CEBAS), de Utilidade Pública Federal (UPF) ou de Organização da Sociedade Civil de
Interesse Público (OSCIP).
Estas instituições têm ainda grande importância para o cenário político da cidade,
representam as cotas da sociedade civil nos conselhos gestores, acabam por influenciar
ativamente não apenas as políticas públicas, mas também a estrutura do aparato público como
um todo. Por tais razões, seus dirigentes (o objeto direto de pesquisa) representam o que
denomino aqui como uma elite nãoestatal, tendo por critério para tal denominação a capacidade
de influência deste grupo.
1 PASSARINHO, Nathalia. Brasil Tem 16,27 Milhões de Pessoas em Extrema Pobreza, Diz Governo. G1,
Brasília, 03 mai. 2011. Caderno Política. Acesso em: http://g1.globo.com/politica/noticia/2011/05/brasil-tem1627-milhoes-de-pessoas-em-situacao-de-extrema-pobreza.html.
2 COSTA, Gilberto. Em 2011, Brasil Atingiu o Menor Índice de Desigualdade Social da História. Carta Capital,
25 set. 2012. Notícia publicada originalmente na Agência Brasil. Acesso em: http://www.cartacapital.com.br/
economia/em-2011-brasil-atingiu-menor-indice-de-desigualdade-social-da-historia/
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DEMOCRACIA E DESIGUALDADE NA AVALIAÇÃO DE UMA ELITE NÃOESTATAL
A problematização é agravada ainda dado que havia uma expectativa (acadêmica
principalmente) de que instituições como as que compreendem as FASFILs seriam
representativas da sociedade civil organizada e cumpririam uma função de adensamento ao
regime democrático. As ações destas instituições tem uma finalidade, direta ou indireta, de
redução das desigualdades sociais. É devido então avaliar até que ponto estas expectativas
refletem o que de fato ocorre.
Este estudo se apropria de uma metodologia mista, que mescla técnicas quantitativas e
qualitativas. Tal mescla consiste, em um primeiro momento, na análise de um survey3 aplicado
a presidentes ou representantes de associações maringaenses. Segundo levantamento realizado
em outubro de 2010, havia em Maringá cento e treze FASFILs certificadas. Entre estas, foram
sorteados aleatoriamente oitenta e dois dirigentes, compondo uma amostra representativa com
nível de confiança de 95% e intervalo de confiança de 5%.
As questões propiciadas pela análise dos dados do survey fundamentam e direcionam
a segunda parte da pesquisa: a aplicação de grupos focais com uma amostra selecionada entre
os respondentes do survey. Foram realizados dois grupos focais. Um primeiro com quatro
participantes e um segundo com três.
DEMOCRACIA E DESIGUALDADE
Muitos autores sustentam que é inviável que haja pauperismo e desigualdade socioeconômica
em grandes níveis em regimes ditos democráticos. Os textos utilizados aqui como referência da
cultura política da elite têm como motivação para os estudos o desvelar dos processos sociais
que consolidam as desigualdades. Autores como Reis (2000), Scalon (2007), O’donnel (1999b)
propõem análises que pretendem confrontar conclusões que naturalizam as desigualdades ou
onde estas são propostas como consequências (quase) inevitáveis de uma organização social ou
de um regime democrático.
Estes estudos questionam um ponto em contradição. Se por um lado as elites dizem preferir
sociedades igualitárias, se preocupam com as condições de pauperismo encontradas, por outro
os traços de sua cultura política levam a conclusões que estas elites esperam a imutabilidades
dos quadros de desigualdade, e em grande medida, agem para que sua expectativa se consolide.
Este é um dos pontos principais de preocupação destes estudos, uma vez que a
mutabilidade é dependente da posição da elite, já que, tendo em vista a centralidade e o poder
de influência deste grupo, dificilmente uma política pública que vise reverter as desigualdades
seria exequível sem sua aprovação (REIS, 2000).
A percepção que as elites têm sobre os assistidos consola este panorama. Scalon (2007)
3 O survey a que me refiro foi realizado para fins da dissertação de Eder Gimenes (2011). Este estudo embasa e
orienta minha pesquisa pelo recorte populacional, banco e análise de dados e escolhas metodológicas.
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chega a afirmar que esta contradição, no final, “aprisiona” as massas. Isto porque as elites
esperam mudanças, mas não abrem espaços possíveis para a mobilidade dos membros da não
elite, o que acaba por conformar as desigualdades sociais.
Esta relativa dependência das crenças e valores da elite para a redução das desigualdades
é o ponto inicial de relação entre a desigualdade e a democracia. A questão que se desenvolve é
quanto prejudicial para a qualidade democrática é a manutenção de uma ordem de desigualdades
sociais. Elaboro aqui três fatores para analisar esta medida.
O primeiro fator parte do pressuposto que para o exercício democrático é necessário
autonomia de escolha de todos os indivíduos; e grandes níveis de desigualdade geram uma
parcela da população incapaz de exercer sua autonomia.
O’Donnell (1999a) elabora este pressuposto democrático da autonomia. Para o
autor, considerar a existência e as garantias para eleições livres e competitivas como um dos
pressupostos básicos da democracia, é também considerar, indiretamente, que a população
tenha capacidade cognitiva e autonomia para gerir suas decisões.
A aposta na democracia, deste modo, é uma aposta na autonomia de todo e qualquer
cidadão, ainda que seja minimamente só para decisão de seu representante. Assim, um ponto de
grande relevância na concepção democrática do autor é que esta institui um coletivo de agentes,
de modo a denominar essa noção de “agency”.
Para esta concepção, é possível que haja um sistema democrático sem que esta noção
de “agency”, seja respeitada; sem que toda a população, independente de sua vontade, aceite
que todo indivíduo adulto têm competência para votar, e isso significa em outro plano dizer
que eles têm capacidade para gerir suas próprias escolhas, erradas ou não. O desrespeito a esta
noção não determina que não haja mais uma democracia, mas assim como para os outros fatores
elaborados neste texto, o que é determinado pelo seu respeito é a qualidade democrática.
Em outras palavras, há graus de democracia que variam de acordo com o acesso aos
direitos e liberdades, a participação, a transparência e responsabilidade pública, bem como, o
ponto primordial para as finalidades deste artigo, o contexto social.
No caso da noção de agentes, se existe uma conjuntura de desigualdade tal que faz com
que alguns indivíduos não tenham capacidade para gerir suas escolhas, a qualidade democrática
é diminuída. Nas palavras de O’donnel:
(...) a simples e trágica situação das centenas de milhões de pessoas cujo
desenvolvimento físico e emocional é "atrofiado" (esta é a expressão sintética
usada pela literatura pertinente) pela desnutrição e pelas doenças típicas da
extrema pobreza (...). Salvo no caso de indivíduos realmente excepcionais, [a
desigualdade] impede a existência ou o exercício de aspectos básicos da agency,
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inclusive a disponibilidade de opções mínimas compatíveis com ela; essa "vida de
escolhas forçadas" é intrinsecamente contrária à agency. (O’DONNELL, 1999a)
Um segundo ponto é que uma situação de discriminações e pauperismo conduz,
consequentemente, à limitação de busca por direitos (O’DONNELL, 1999a). Mesmo em uma
concepção tida como “minimalista”, são considerados direitos básicos para que se tenham
eleições competitivas (como o direito a livre expressão, por exemplo).
O’donnel desenvolve um desdobramento destes direitos mínimos que chega a um leque
extenso desse pacote que considera “básico”. O que se tem de mais claro, para uma democracia
é necessário uma igualdade de direitos políticos (paridade no voto, poder ser votado, entre
outros). Estende-se ainda aos direitos políticos e sociais, que segundo ele é uma condição para
que os indivíduos sejam autônomos.
Esta correlação entre direitos civis e políticos também é encontrada em Miguel (2002),
que defende que a desigualdade de poder, tendo por consequência o monopólio de um grupo,
torna o “poder do povo” inaplicável. Esta desigualdade de poder, acrescida por desigualdade
de renda, de informação e de instrução, torna o quadro ainda mais emblemático. Nestes termos,
uma desigualdade política causada pela exclusão de uma parcela da população tem uma
consequência social indissociável.
Além dessas consequências desgastantes para a democracia, a bibliografia aborda
ainda a relação entre apatia política e desigualdade. Kerstenetzky (2002) cita pesquisas nas
quais se verifica que a população menos favorecida tende a não participar da política. Assim, a
desigualdade social e econômica afasta uma parcela da população da vida política, como também
cria desinteresse de participação nesta parcela. Este desinteresse é causado pela incapacidade
de participação, já que há falta de condição econômica para tal e distanciamentos produzidos
socialmente, tendo em vista fatores como o tempo e o acesso a informação.
O’donnel chega a afirmar: “Los pobres son políticamente débiles” (O’DONNELL, p.73,
1999b). Para o autor, esta debilidade dos pobres proporciona um cenário de oportunidades
para que as elites ajam taticamente em defesa de seus interesses, tendo por consequência o
aprisionamento das grandes massas (assim como citado por Scalon) 4. Tal conjuntura tem por
consequência ações das elites de cooptação, repressão seletiva e isolamento político contra os
grupos subalternos.
Em linhas gerais, estes foram os três fatores apresentados: a perca da autonomia de uma
parcela da população (cooptação); a perca da equidade de direitos civis e políticos (repressão),
e a apatia política (isolamento político). A intenção para este artigo é demonstrar como estes
4 Interessante ressaltar que para O’donnel, não é a atuação das elites que criam as desigualdades. Estes grupos
se aproveitam de um diferencial já dado para consolidar sua soberania sobre os pobres. Explorarei mais adiante o
grau de responsabilidade das elites pelas desigualdades e suas motivações para agirem da maneira aqui descrita.
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desdobramentos da desigualdade prejudiciais para a democracia estão expressos nas avaliações
e argumentações da elite estudada (os dirigentes de FASFILs da cidade de Maringá).
DESDOBRAMENTOS DA DESIGUALDADE
Os entrevistados demonstraram, tanto no survey como nos grupos focais, uma preocupação
pelas desigualdades sociais. As declarações coletadas apontam uma relativa importância
dada ao problema da pobreza e ainda uma crença de que seja possível reverter os quadros de
desigualdade. No entanto, ao mesmo tempo em que se demonstram sensibilizados, expressam
alguns argumentos que reforçam a segregação e o distanciamento entre eles e uma parcela da
população que identificam como “povo”.
Nas argumentativas dos grupos focais, em nenhum momento os entrevistados afirmam
categoricamente que pertencem à elite. Mas também não se incluem quando afirmam a
culpabilização de um grupo de pessoas que não agem da forma que acreditam ser corretas.
GI2 – [...] “Eu não vou me submeter a trabalhar por oitocentos reais”. Que absurdo!
Não é? Hoje uma família com cinco membros, cada um ganhando oitocentos
reais, são quatro mil reais de renda. É... puxa... É uma excelente renda. Não é?
Só que hoje o que acontece? O povo num... Dois três trabalha e quatro cinco se
encosta. Né... é essa daí a realidade hoje, do povo, da nação. Daí eu me atrevo a
dizer da nação. E é uma tristeza, não é?
Descreve-se desta forma uma realidade “do povo”, mas não se inclui ao povo. Abarcam
ainda no argumento a “nação”, mas aparentemente expressam que a nação, o coletivo, seja
prejudicada pela ação do “povo”.
Em alguns trechos aparece ainda uma necessidade da segregação, como intencional e
estrategicamente eficaz.
GI2 – [...] o prefeito aqui anunciou uma vez, (...) botou aí em são Paulo Curitiba
outdoor dizendo: “Maringá – cidade que todo brasileiro gostaria de morar/viver”.
GI4 - Vir né.
GI2 - Aí não sei o que... o que que aconteceu? Aconteceu também com Ribeirão
Preto. Em Ribeirão Preto o prefeito falou que era a Califórnia Brasileira. Daí o
que que aconteceu? Deu nem dois três anos que encheu de bandoleiro, de não sei
o que. Quer dizer, vem gente boa e vai vir gente ruim. Então, é a mesma coisa
quando eu falo, quando você globaliza as coisas, não vem só coisa boa. É mais
fácil vir os piores do que os...
Ao justificar as mudanças que aconteceram na cidade nos últimos anos, os participantes
do grupo focal expressam uma necessidade e desejo de seleção dos “melhores” (em contraponto
aos “piores”). Há, nestes argumentos, uma busca pela segregação criando um discurso para
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inferiorizar um dado grupo da sociedade e se distinguir.
A) PERCA DA AUTONOMIA – COOPTAÇÃO
O primeiro fator anunciado das consequências da desigualdade para a democracia é a perca
da autonomia de uma parcela da população. Ou, em outra formulação, há uma parcela que é
cooptada. Sinais que evidenciam a existência deste desdobramento foram encontrados nos dados
coletados. Um primeiro sinal que atento aqui é o reforço de uma manutenção das hierarquias.
Foi encontrado nas respostas do survey certo apego à manutenção da ordem através da
hierarquia. Os entrevistados deviam responder se concordam ou não com a sentença seguinte:
“sem hierarquia definida nenhuma ordem se sustenta”. 87,5% dos respondentes concordaram
com esta afirmação.
Tabela 1 - Sem hierarquia definida nenhuma ordem se sustenta %
Discorda totalmente
Discorda
Concorda
Concorda totalmente
2,5
10,0
42,5
45,0
Fonte: Pesquisa “Cultura política e elites não-estatais”, 2011.
Outra questão do survey promove uma reflexão de como a defesa pela hierarquia está
associada à criação de distinções e busca por segregação. Perguntados agora se concordam
que “a melhor sociedade é aquela onde cada um sabe o seu lugar”, 87,7% responderam
afirmativamente.
Tabela 2 - A melhor sociedade é aquela onde cada um sabe o seu lugar %
Discorda totalmente
Discorda
Concorda
Concorda totalmente
Fonte: Pesquisa “Cultura política e elites não-estatais”, 2011.
2,5
9,9
53,1
34,6
Considerando que a elite estudada tem expectativas sobre uma sociedade embasada
na hierarquia, acentuando que tal hierarquia representa a não intervenção de uma parcela da
população que julgam inferiores, esta ordem que propõem pode ser lida como uma forma de
cooptação.
Estas expectativas também aparecem nos grupos focais. Neste, os entrevistados narram
um tempo anterior no qual havia desigualdade, mas não era tão intensa como hoje. Essa
modificação é justificada pelo Estado não mais ter controle sobre a população, os pais não ter
mais autoridade sobre os filhos, os jovens poderem frequentar as ruas e fazerem o que quiserem.
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GI3 - Eu não sei quando é que aconteceu, quando é que aconteceu nessa história?
Deve ser nos anos 60. Aquele pessoal revoltado, aqueles jovens todos achando
que droga é legal, que não sei o que, o que que...
GI1 - Anos setenta, não é?
GI3 - O senhor (voltando-se para GI2) falou de uma época em que as famílias
se preocupavam, que as famílias se preocupavam com os filhos. Que mandavam
pra escola, que se preocupavam. Que ficavam bravos mesmo. Que agradeciam o
professor e tal. Quando é que aconteceu isso? (...) Daí começou essa... desgringolar
desse jeito. Em algum momento aconteceu isso, não é?
GI2 - Eu acho que esse problema que a senhora falou aí foi um problema gradativo.
Mas foi um problema de... de queda de hierarquia.(grifos meus)
Na fala citada acima, a ausência de hierarquia é responsabilizada pelo “desgringolar”
da sociedade. Por meio de um argumento de causa e consequência, a não hierarquia geraria a
quebra de valores que consideram primordiais, o que justifica a intensa defesa pela manutenção.
No entanto, este argumento ainda reforça traços de desigualdade e ilustra, em certa medida, a
cooptação da população.
Além da manutenção da hierarquia, um ponto central que aparece nas argumentações é
a perca da autonomia. O trecho que segue denota a presença de tal fator na avaliação do grupo
estudado.
GI4 – (...) nós se defrontamos com essa situação no dia a dia ali, porque pra
quem que nós realizamos a vizita? [se referindo à atividade da entidade] Praquelas
pessoas que são as mais pobres da periferia. Daí a gente constata (segue a fala
enumerando com os dedos): que os filhos não estão na escola, os pais não tem
domínio mais sobre os filhos, 10, 12, 15 anos, acabou. Não há mais autoridade
nos lares.
A argumentativa que predomina nos grupos focais é que há uma parcela da população que
se distingue deles por diversos fatores. Tal distinção gera distanciamentos que vão de questões
mais estruturais às mínimas atividades destes indivíduos. Deste modo é determinado que um
dado grupo de pessoas são ignorante, não são capazes de fazer compras (em outros momentos
afirmam que tais pessoas referidas são facilmente enganadas pelos anúncios de parcelamento
de mercadorias) ou de cuidar de seus filhos. Ou seja, tal elite acredita que há uma parcela da
população que não tem capacidade de autonomia para gerir a própria vida. Os posicionamentos
sobre o Programa Bolsa Família expressam como esta perca de autonomia que identificam se
transfigura no voto.
GI4 – (...) é a falta de instrução do povo mesmo... de uma grande maioria mesmo
é a falta de instrução. Porque eles são massa de manobra da classe política, e a
classe política gosta disso daí mesmo. Fica... é fácil. Com pouca coisa, há uma
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certa dominação dessa classe. Com pouca coisa obtêm o voto deles.
Os participantes evidenciam desta forma uma crença na ausência de capacidade da
população no discernimento de decisões políticas. Para esta compreensão, o “povo” não tem
autonomia para participar ativamente do mundo público.
B) DESIGUALDADE DE DIREITOS – REPRESSÃO
Como venho demonstrando, a desigualdade social tem desdobramentos dado um grupo que
consegue monopolizar o poder, potencializando que uma parcela da população fique à margem
das conquistas que o regime democrático traz. Entre estas conquistas está a equidade de direitos,
que é barrada em sociedades com altos índices de desigualdade. Os indivíduos marginalizados
passam a ser reprimidos por uma condição que não responde igualmente quando a legislação é
para julgar um membro da elite e quando é para julgar alguém do “povo”.
Para além das consequências de um regime democrático convivendo com uma intensa
desigualdade social, o que atento aqui é como tais fatores ecoam na cultura política da elite
pesquisada. Neste sentido, a fala de GI4 reproduz ao mesmo tempo em que endossa uma
desigualdade de direitos civis.
GI4 - É muito triste! É muito triste o que observamos hoje. Muitas, mas muitas
famílias ouviram falar de Jesus Cristo, ouviram falar. Mas muito superficialmente
quando ouviram. (...) Então, são crianças que estão aí, sem batismo, sem catequese.
E daí cresce daquele jeito... E até nós brincamos um pouquinho que é... nós
percebemos que a criatura humana hoje não há muita diferenciação dos animais.
O senhor mesmo falou no início aí que há muitos casais que não são regularizados,
nem no civil e nem na igreja. Então qual é a diferença entre... dos animais. Então
em todos os sentidos isso tá acontecendo hoje. Há um desvirtuamento muito
grande dos valores. Então, a gente tenta trabalhar todos esses fatores aí.
Em situações como as narradas acima, na qual a entidade aparenta ter liberdade para
ultrapassar a moral pessoal dos que a organizam e acabam sendo contrários a lei sobre liberdade
de culto; Ou ainda quando um entrevistado afirmou que atendem em sua entidade apenas
famílias, ou seja, casais (obviamente heterossexuais), casados no religioso e preferencialmente
com filhos; Quando em situações de vulnerabilidade, os indivíduos parecem estar submetidos
às regras e à moral imposta pelas associações, seja qual regra for. Tal vulnerabilidade representa
a perca de direitos civis básicos de uma parcela da população em sociedades desiguais.
E como defende O’donnel (1999a), os direitos civis e políticos estão interligados
intimamente. Assim, aspectos que ilustram como está incutido nos entrevistados valores que
expressam uma expectativa pela desigualdade de direitos políticos foram também encontradas
nos dados.
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No survey há alguns dados que vão ao encontro desta análise. Quando perguntados
se os brasileiros sabem votar, 86,4% responderam que não sabem (em uma escala de 1 a 10,
a estatística refere-se as respostas de 1 a 5). Atentando ainda que nenhum dos respondentes
afirmou que a população brasileira sabe votar (as respostas mais altas atingiram nível 7 na
escala).
Tabela 3 - Brasileiro sabe votar %
Extremo Positivo
Níveis de 10 a 8
Brasileiro sabe votar
0
Fonte: Pesquisa “Cultura política e elites não-estatais”, 2011.
Extremo Negativo
Níveis de 1 a 3
35,8
Em outro momento, foi questionado quem acreditam que o governo deveria levar em
conta na elaboração das leis. Deveriam escolher entre duas alternativas: a maioria da população
ou um grupo seleto com conhecimento. 67,1% afirmaram que o grupo seleto deve ser mais
ouvido. Os dados representam uma visão negativa do coletivo, do “povo”. Tido como não
competentes para participar ativamente da vida pública (nem ao menos eleger e opinar sobre
as leis).
Tabela 4 - Quem deve ser considerado na elaboração das leis %
A opinião de pessoas que realmente saibam
algo sobre o assunto
67,1
A opinião da maioria dos cidadãos
32,9
Fonte: Pesquisa “Cultura política e elites não-estatais”, 2011.
Corroboram assim com a ideia de que as ações de um grupo de pessoas, aos quais eles
se distinguem, prejudicam a coletividade.
C) APATIA – ISOLAMENTO POLÍTICO
A apatia política chega a ser pressuposto como consequência das posições anteriores. Os mais
prejudicados pelas desigualdades sociais, sem autonomia, sem direitos, subordinados ao querer
das elites dominantes, não há espaços nem motivações para tais indivíduos se envolverem nas
decisões políticas.
Neste sentido, algumas argumentativas coletadas se referem às expectativas apáticas
da população com os acontecimentos políticos. A crença da impotência do cidadão médio
expressada abaixo segue tal expectativa. A discussão citada se desenvolve em situação onde os
participantes do primeiro grupo focal expõem suas impressões sobre uma determinada charge.
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DEMOCRACIA E DESIGUALDADE NA AVALIAÇÃO DE UMA ELITE NÃOESTATAL
GI2 - Aquele papai Noel (se referindo à gravura que representa o Lula na charge).
(risos) Certo? O papai Noel com o chapéu alheio. (risos) Certo? Tomando dinheiro
do coitado do trabalhador.
GI4 - Exatamente
GI3 - Descontente. Mas não pode fazer nada.
GI2 - E... com a cara feia lá, mas tem que se conformar. Enfiaram a mão no bolso
dele e fica quieto. (grifos meus)
O debate sugere que não cabe ao cidadão médio qualquer intervenção política. Há
desdobramentos das decisões em um âmbito distante, e o “povo” “não pode fazer nada”. Há
uma expressão nesta argumentativa de que quase naturalização do afastamento político de uma
parcela da população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A exposição contida neste artigo explora os fatores que levam a desigualdade a reduzir a qualidade
de um regime democrático. Foram enumerados três fatores: a perca da autonomia (cooptação);
a desigualdade de direitos civis e políticos (repressão); e a apatia política (isolamento).
A partir de tal elaboração teórica, procurei evidenciar como tais desdobramentos da
desigualdade estão amplamente presentes na cultura política da elite. Mais especificamente o
estudo ilustra os valores de uma elite nãoestatal, de dirigentes de FASFILs de Maringá.
Estas evidências denotam que a elite estudada tanto reproduz tais valores gerados desta
estrutura de desigualdades, como ainda reforça as distinções. Aparentemente, esperam uma
continuidade dos traços denunciados. Em alguns pontos afirmam que seja possível a redução
das desigualdades, mas as características citadas como consequentes de uma situação de
pauperismo são tidas como quase naturalizadas.
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ANGÉLICA RIPARI
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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segmento da elite não estatal do município de Maringá (PR). 2011. Dissertação (Mestrado
em Ciências Sociais). Maringá: Universidade Estadual de Maringá, 2011.
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Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n.4, 2002. pp. 649-675.
MIGUEL, L. F. A democracia domesticada: bases antidemocrátricas do pensamento
democrático contemporâneo. Dados –Revista de Ciências Sociais, Rio de Janeiro, v. 45, n.
03, 2002. pp. 483-510.
O’DONNELL, G. Teoria democrática e política comparada. Dados –Revista de Ciências
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In: TOCKMAN, V.; O'DONELL, G. Pobreza y desigualdad en América Latina. Buenos Aires:
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SCALON, C. Justiça como igualdade? A percepção da elite e do povo brasileiro. Revista
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DISCURSOS E REPRESENTAÇÕES: A DOPS E O
PCB NO NORTE DO PARANÁ (1945-1953)
Verônica Karina Ipólito
Doutoranda em História pela UNESP
Resumo: O objetivo central deste trabalho é analisar os discursos e as representações da
Delegacia de Ordem Política e Social (DOPS) frente à atuação dos militantes do Partido
Comunista do Brasil (PCB) na região norte do Paraná no período compreendido entre o fim do
regime estadonovista e a promulgação da Lei de Segurança Nacional (LSN) em 1953. Sendo a
DOPS um órgão de controle social se levará em conta os mecanismos de repressão acionados
pelo Estado, cujo objetivo era manter a ordem estabelecida. O período de 1945 a 1953 no estado
do Paraná foi marcado pela efervescente organização dos trabalhadores rurais (como foram os
casos da Guerra de Porecatu, a Revolta do Sudoeste) e por uma luta política cotidiana nas cidades
sejam pelos debates políticos do final da Segunda Guerra, do processo de legalização do PCB
e sua posterior proscrição ou dos constantes movimentos sociais urbanos. A atuação da polícia
política neste período configura-se ainda pelo controle político-cultural ou de qualquer forma
de expressão que signifique ameaça à ordem social estabelecida. A abordagem da pesquisa dará
destaque à cultura política ressaltando o seu papel nas relações de poder, levando em conta as
representações, valores, tradições e cultura dos atores sociais envolvidos nos movimentos. A
intenção é demonstrar que o período aqui discutido se tratou de um momento contraditório,
onde na teoria havia liberdade, mas na prática o poder do Estado inibia direitos de decidir e agir.
Palavras-chave: DOPS-PR; PCB; Lei de Segurança Nacional (LSN-1953).
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VERÔNICA KARINA IPÓLITO
O tema que permeia a problemática deste trabalho é a trajetória política do Partido Comunista
do Brasil (PCB) na região norte do Paraná, no período de 1945-1953 e a ação da Delegacia de
Ordem Política e Social (DOPS) frente à atuação desses militantes. O tema aqui proposto está
situado, portanto, no campo de “estudo das mentalidades políticas e das representações através
do uso do conceito de cultura política” (CAPELATO, 1996, p. 04). Trata-se de compreender
e reconstruir a política e suas ações e representações, o choque de identidades, das lutas e
adaptações, os conflitos e as alianças que fizeram a experiência comunista no norte paranaense.
O PCB, desde sua criação em 1922, sempre procurou ser reconhecido e atuar livremente
na política brasileira. No período que compreendeu seu nascimento até sua legalização
definitiva em 1985, o partido teve menos de três anos e meio de legalidade plena. Nesse
sentido, consideramos ser fundamental analisar, por intermédio de documentos produzidos
pelos militantes, bem como de evidências registradas pela polícia política, algumas estratégias
utilizadas pelo Estado para continuar com o aparato repressivo da Era Vargas, legitimando não
apenas um novo regime conhecido equivocadamente como “interregno democrático”, mas que
contribuiu para o prolongamento da “lógica da suspeição”. Nessa perspectiva, todo o indivíduo
que atentasse contra o controle da sociedade continuaria sendo um inimigo em potencial. A
partir dessa constatação empírica, objetiva-se analisar as representações da polícia política
em relação ao PCB no norte do Paraná como parte da estratégia utilizada pelo Estado para
perseguir os suspeitos considerados perturbadores da ordem pública. Instrumento precioso da
“lógica da suspeição” e, portanto, da legitimação do novo regime que se convencionou chamar
de democrático, a construção de mitos políticos foi mecanismo de significativo investimento
estatal, particularmente do mito da conspiração comunista internacional, que se cristalizou no
imaginário social. As regras instituídas pelo poder policial são reveladoras não apenas do aparato
de exclusão permitido pelo Estado, como também são expressivas de símbolos acionados com
o objetivo de legitimar, ao nível do imaginário coletivo, a ideia de “grupos perigosos” ou de
“inimigos-objetivo” (ARENDT, 1991).
Neste caso, o tipo de operação simbólica existente entre comunistas e polícia política
não está inscrita somente no âmbito institucional, mas em um imaginário social constantemente
em transformação. Encarado nessa perspectiva, o investimento do Estado em campanhas
anticomunistas é indispensável para a consolidação de um projeto político sem questionamentos,
mesmo após o fim do regime getulista em 1945. Por isso, uma das hipóteses da investigação é
a de que a Constituição de 1946 não estava sendo cumprida na íntegra. Considerada por muitos
como símbolo da democracia, consagrando as liberdades previstas na Constituição de 1934,
a Carta Magna de 1946 marcou para a história a recuperação da liberdade e a restituição dos
órgãos democráticos. No entanto, no dia 7 de maio de 1947, por decisão do Tribunal Superior
Eleitoral, o PCB é colocado na ilegalidade, contradizendo o que dizia a Constituição de 1946.
É fato que a intimidação dos militantes comunistas não foi um caso exclusivo no
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DISCURSOS E REPRESENTAÇÕES: A DOPS E O PCB NO NORTE DO PARANÁ (1945-1953)
Brasil. A aliança formada entre a União Soviética e os Estados Unidos, vitoriosa na Segunda
Guerra Mundial, não havia terminado com a consciência de luta comum, mesmo com os atritos
diplomáticos em tempos de guerra. No intervalo entre 1945 e 1947 os partidos comunistas
atuavam em ministérios da maior parte dos governos beligerantes e que foram ocupados na
Europa Ocidental, bem como nos países não comunistas da Europa Oriental. Partindo de
experiências pessoais, Eric Hobsbawm (2002, p. 198) considera que o fim da Segunda Guerra
Mundial provocou certo “relaxamento” do anticomunismo. A consciência de luta comum
manifestada nesse intervalo de dois anos foi aniquilada com o rompimento da aliança entre
as duas potências no pós-guerra. Em 1947, os ministros comunistas dos governos ocidentais
foram varridos de seus cargos. Houve a mesma reação em países governados pelo comunismo
(HOBSBAWM, 2002, p. 204). O período marcado pelo “relaxamento” do anticomunismo saiu
de cena para estrelar “os anos perigosos de 1947 até os dramáticos fatos da Guerra da Coreia”
(1950-53) (HOBSBAWM, 1995, p. 239).
No Brasil esses sintomas puderam ser sentidos com a cassação do PCB em 1947 e a
promulgação da Lei de Segurança Nacional (LSN) de 1953, que definia crimes contra a segurança
externa ou interna do Estado e também contra a ordem política e social. Embora a restrição aos
comunistas se tratasse de um fenômeno mundial e se a política brasileira vivesse um período
democrático, por que houve, então, a necessidade de cassar o registro do PCB e sancionar mais
uma lei de segurança nacional? Não seriam essas atitudes mecanismos de repreensão que vão
de encontro à liberdade proposta pelo Estado? Desse modo, trabalharemos com a perspectiva
de que a repressão, em termos, continuou, chegando a adotar formas superiores de violência,
exemplificadas na intensificação de ações coercitivas aos movimentos sociais e em particular
às organizações políticas de esquerda. Por isso, uma de nossas pretensões é trabalhar o fato de
que esse momento não era tão democrático quanto se pensava.
Nesse sentido, analisaremos a ação da polícia política no norte do Paraná como estudo
de caso a fim de pensarmos a contradição na qual um Estado, dito efetivamente republicano
e democrático, utiliza-se de uma organização policial capaz de legitimar e amparar práticas
comuns em regimes autoritários, principalmente com relação aos militantes e simpatizantes do
comunismo.
Assim, pensar a República no Brasil, no período aqui proposto (1945-1953), requer
ponderar as práticas voltadas ao interesse público na medida em que as autoridades –
influenciadas ou não por organismos externos ou internos – visam transmitir a imagem na
qual, enquanto governantes, estariam contribuindo para uma vida social, livre e democrática.
A construção de mitos, como a aversão ao comunismo e a maneira como isto se cristalizou no
norte do Paraná, indica que o processo de transformação acompanha o declínio de todo Estado
liberal: vigilância, perseguição e eliminação.
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UM BALANÇO DA LITERATURA ESPECIALIZADA
Nos dias de hoje, qualquer análise referindo-se ao fim do Estado Novo, governo de Eurico
Gaspar Dutra e início do novo mandato de Getúlio Vargas nos anos de 1950, nasce carregada
de uma ampla gama de argumentos que atestam sua relevância. O desinteresse acadêmico
por esse período, no entanto, é significativo no que se referem às políticas institucionais as
quais atestam o prolongamento da vigilância, opressão e limitação de liberdades provenientes
do regime estadonovista. Afinal, se a democracia se caracteriza como governo de massas, o
que justifica a intensa atuação da polícia política nos estados? Por que a vigilância era algo
constantemente prezado e registrado nos relatórios e demais documentos produzidos pelas
DOPS estaduais? Entre os anos de 1945 a 1964 a concepção que se tinha era a de finalmente
conviver com um período amplamente democrático. Cumpre arriscar uma aproximação da
literatura especializada que ratifique ou conteste essas pressuposições. Faz-se imperioso, no
entanto, delimitar os espaços e restringir os percursos ou, em outras palavras, apresentar um
recorte mais cronológico para a exposição.
O fim da Era Vargas para alguns autores tratou-se do primeiro momento da história do
país marcado pela inauguração de uma democracia ampliada. O surgimento e fortalecimento
de partidos políticos nacionais com programas ideológicos definidos e identificados com o
eleitorado seriam características inéditas na política brasileira (FERREIRA; DELGADO,
2003). Antônio Lavareda (1999, p. 133) salienta que apesar das dificuldades iniciais, o pós-1945
representou uma “experiência privilegiada” que combinou a expansão dos direitos políticos dos
cidadãos, a nacionalização dos partidos políticos e um rápido processo de urbanização com
concessão de direitos políticos a amplas camadas da população.
Eli Diniz (1989, p. 327) acredita que a saída de Vargas implantou o regime democrático
no Brasil em 1945 em função das “profundas reformas políticas” realizadas naquele momento.
A autora destaca as descontinuidades dos sistemas partidários brasileiros. Em sua visão, o
período iniciado em 1945 é significativo pela queda da ditadura getulista e a inauguração do
pluripartidarismo. No entanto, historicamente os sistemas partidários refletem “em grande parte
uma estratégia das elites dominantes tendo em vista manter sob controle o jogo partidário”.
Para Carlos Fico (1989, p. 326), o período que se inicia com o governo Dutra e a
Constituição de 1946 pode ser caracterizado como “novo” já que marcou o fim de uma ditadura
e o início de uma fase de respeito as normas de uma democracia formal. Mesmo assim, o
autor não considera que houve uma “democratização” plena. Afinal, em sua opinião, “Dutra,
antigo simpatizante das experiências fascistas, era a expressão de uma coligação de forças
conservadoras”.
Contribuindo com essa discussão, Luis Reznik (2004, p. 64) afirma que a aprovação do
anteprojeto de 1947 em Lei de Segurança Nacional de 1953 confirmava que dentro dos moldes
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de uma nova concepção de democracia haveria a necessidade de instalação de outra segurança
nacional. Sob a vigência da Constituição de 1946, a lei de 1953 “definia crimes contra o Estado
e a ordem política e social”. Nestes termos, a guerra passa a ser “total” e a polícia política se
centra nos movimentos sociais e nas atividades do PCB.
No entanto, de tudo o que foi dito nesse breve balanço da literatura especializada,
está uma questão até hoje ignorada por muitos historiadores: os estudos regionais. Apenas
recentemente a História Regional está adquirindo espaço significativo nas pesquisas. Nem
sempre considerada muito importante no universo acadêmico, o estudo da História Regional
produziu trabalhos sistematizados sobre o tema apenas a partir da década de 1980. Foi com a
chamada Nova História, em vigor na França desde os anos de 1970, que a História Regional
conquistou efetivamente seu espaço dentre os trabalhos acadêmicos.
Indo de encontro a essa proposta, muitas análises sobre o PCB priorizaram estudos em
uma perspectiva nacional, destacando principalmente os antecedentes e realizações do partido
no eixo Rio-São Paulo. José Antonio Segatto (1982), apesar de se dedicar a uma abordagem
factual e rica de interpretações, reconstrói a trajetória do PCB destacando-o como interlocutor
político das classes trabalhadoras. As memórias de Gregório Bezerra (1980) também seguem
essa linha, deixando explícita a militância comunista, divulgação dos ideais e da luta de classes
nas áreas de concentração rural ou em áreas urbanas, em trabalho político com operários ou
mesmo fugindo da repressão. Astrojildo Pereira (1976) também atesta a sua militância comunista
na maneira como relata a história do PCB. Outros trabalhos como os de Gildo Marçal Brandão
(1997) e Ronald Chilcote (1982), se concentram no âmbito da Economia, Ciência Política e
abordam o PCB de maneira generalizada, não privilegiando as abordagens regionais. Como se
tratam de primeiras produções sobre o partido no Brasil1, é natural que essas abordagens sejam
produzidas por militantes, incluindo ativistas políticos de esquerda e também jornalistas ou
advogados ligados de alguma forma ao movimento comunista.
Em relação ao PCB, o pouco que se sabe é que este partido passou a existir no Paraná
após 1930, mais precisamente depois de 1945, quando da I Conferência Estadual que levou à
direção do PCB no Paraná os comunistas como: Meireles, Walfrido Soares de Oliveira, Dario,
Jacob Schmidt e outros, que construíram a história do partido no estado. A situação é mais
crítica ainda quando nos referimos ao norte do Paraná. O que se conhece sobre a atuação do
PCB nessa região está quase sempre direcionado à sua atuação no campo, principalmente com
a participação do partido na Revolta de Porecatu, onde os militantes tiveram um importante
papel na luta dos camponeses pela permanência da posse da terra. São raras as publicações que
trazem como tema principal a ação da polícia política frente à atuação dos militantes do PCB
na região norte do Paraná.
1 No caso das obras mencionadas de José Antonio Segatto (1982), Gregório Bezerra (1980) e Astrojildo Pereira
(1976).
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A própria história do PCB neste Estado, especialmente em relação às ações da polícia
política, é recente. Foram 69 anos de atuação da DOPS no Paraná (de 1920 a 1989), quase que
ininterruptamente a busca de militantes comunistas. Particularmente nesse Estado, entre os
anos de 1940 e 1950, não dispomos de registros históricos encadeados, capazes de nos narrar
as representações, os mecanismos de controle social e de repressão elaborados pela DOPS em
relação aos militantes na região norte do Paraná. Os poucos trabalhos que se dedicaram a esta
análise, não priorizaram a visão que a polícia política construiu em relação aos comunistas ao
longo desses anos.
Osvaldo Heller da Silva (2006), por exemplo, resgata a trajetória organizativa dos
trabalhadores do campo para analisar o movimento sindical paranaense. Em sua visão,
o período que vai do pós-guerra até o golpe militar de 1964 se constitui em um tempo de
acúmulo de experiências para o PCB no campo. Baseando-se no perfil da revolução brasileira
e enquadrando-se neste esquema teórico os conflitos, sobretudo a Revolta de Porecatu, que
afloravam no Paraná, Heller considera que este parece ter sido o ponto inicial para que os
militantes pudessem se aproximar dos trabalhadores do campo e assim instituir sua mediação.
Muito embora a análise de Heller esteja preocupada com a formação do sindicalismo e
como o PCB e a Igreja Católica participaram desse processo no norte do Paraná, é importante
frisar a ausência em seu estudo das representações realizadas pelos comunistas na área urbana.
Durante os trabalhos publicados nos anos de Iniciação Científica (IPÓLITO; PRIORI, 2005;
2006) e no período de vigência do mestrado (IPÓLITO; PRIORI, 2008; 2009), demonstramos
que a atuação do PCB no norte do Paraná foi além de envolvimentos em conflitos rurais e das
primeiras manifestações sindicais. Sediando suas ações na cidade de Londrina, onde fundou seu
primeiro comitê paranaense em 21 de junho de 1945 e manteve um núcleo de organização bem
estruturado para a época, os comunistas influenciaram o imaginário social de pessoas comuns
com campanhas comunistas organizadas internacionalmente. Os Manifestos pela Paz Mundial,
a Campanha do Petróleo e do desarmamento, foram apenas alguns exemplos de que a atuação
do PCB na região não estava restrita apenas ao meio rural, mas se fazia fortemente presente nos
espaços urbanos.
Outro trabalho de destaque que analisou a dimensão do comunismo/anticomunismo no
setentrião paranaense é o de Sonia Adum (2003). Em sua tese de doutorado, a autora pesquisou
o Partido Comunista de Londrina. Foram objetos de estudo de Adum as relações dos militantes
comunistas londrinenses como a Revolta de Porecatu, as Ligas Camponesas e a sindicalização
do homem do campo. Também foi trabalhada a maneira como o Partido Comunista de Londrina
dosou suas práticas entre as perspectivas internacional, nacional e local, participando de
campanhas mundiais (como os Movimentos pela Paz, Contra o envio de tropas para a Coreia,
etc). Adum analisa a atuação dos militantes comunistas de Londrina nas esferas rural e urbana,
mas trabalha secundariamente com algumas questões como os bairros operários e as identidades
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e representações do imaginário da polícia política construída acerca do PCB. A preocupação da
autora se concentra em destacar como um pequeno grupo de comunistas londrinenses teve uma
posição importante como líderes intelectuais de movimentos de grande efervescência entre os
anos de 1945 a 1951.
Embora seja um trabalho de expressiva contribuição historiográfica sobre as ações do
Partido Comunista em Londrina, não foram prioridades da autora analisar o PCB londrinense
sob a ótica da polícia política paranaense. Muito embora Adum mencione os vários rótulos
construídos para identificar os comunistas, como “subversivos da ordem”, “agentes de Moscou”,
dentre outros, não foi sua principal preocupação pesquisar as representações que se moldaram
especificamente no interior da DOPS sobre a ameaça vermelha naquela região. Enquanto
objeto de análise, Adum focou seu trabalho na reconstrução de vivências e das experiências
dos militantes comunistas na cidade de Londrina. Optou por um recorte microscópico para
analisar as representações dos militantes dessa cidade em episódios que tiveram uma amplitude
nacional, como foi o caso da Revolta de Porecatu.
Diferentemente da proposta de Sonia Adum e de Osvaldo Heller da Silva, nossa temática
se concentra em analisar o discurso político construído pela DOPS em relação aos distintos
movimentos empreendidos ou influenciados pelo PCB no norte do Paraná. Consideramos a
atuação dos militantes londrinenses nas várias manifestações construídas no campo, sobretudo
em Porecatu, como um ponto a ser destacado na consolidação do PCB nesta região. Contudo,
também acreditamos ser relevante destacar a participação comunista nas cidades do setentrião
paranaense. Não apresentamos especificamente como objeto de estudo as representações do PCB
em Londrina, mas como a presença desses militantes foi recepcionada nas várias cidades que
compreendem o norte do Paraná. Do mesmo modo, pretendemos entender o reforço da polícia
política à medida que a atuação do PCB se enraizava acompanhada, quase simultaneamente, da
multiplicação de delegacias regionais nessa região (ROLIM, 2000).
A díade PCB/DOPS no norte do Paraná assume significados particulares e indícios de
que a democracia é ferida pela opressão. Foi a partir dessa perspectiva que analisei em minha
dissertação de mestrado (IPÓLITO, 2009) os diferentes espaços construídos pelo PCB no norte
do Paraná para permanecerem vivos na ilegalidade. O lema “permitido proibir” era paradoxal
comparada à legislação brasileira do período que afirmava, ao menos em tese, reprimir atitudes
ou ações que impedissem a liberdade de manifestação do pensamento, de consciência, crença
e de defesa mediante qualquer acusação. A Constituição de 1946 foi seguida da proscrição
do PCB em 1947 e da promulgação da LSN de 1953. Os subterfúgios legais construídos para
minar os espaços democráticos em fins dos anos de 1940 e início da década de 1950, indicam
a existência de representações engessadas e controle da opinião pública. São esses espaços e
discursos identificados durante meu trabalho de mestrado que pretendo aprofundar no doutorado.
Portanto, as representações da polícia política em relação ao PCB no norte do Paraná
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é uma lacuna a ser preenchida já que, pela bibliografia analisada, ainda não se constituiu
especificamente em objeto de investigação científica. Nas pesquisas que já realizamos,
notamos que o PCB constituiu-se no eixo em torno do qual as reivindicações rurais e urbanas
se estabeleceram. Trataremos, assim, de analisar não apenas a dinâmica do sindicalismo
agrícola (PRIORI, 1996; SILVA, 2006), a Revolta de Porecatu (FELISMINO, 1985; PRIORI,
2000; SILVA, 1993) e os diferentes movimentos arquitetados pelo PCB nas cidades norte
paranaenses (ADUM, 2003), mas também suas relações com outros ambientes sociais externos
a estes espaços não concretizados e que, por vezes, nos parecem invisíveis às transformações
sucessivas sofridas sob o efeito de fatores políticos, econômicos e do abalo das lutas travadas
pelos camponeses, trabalhadores urbanos, militantes, polícia política e demais lideranças.
No mais, a escolha pelo Estado do Paraná se justifica pelo papel atuante dos comunistas
nesta região e como a DOPS se estruturou, criando novas delegacias e aperfeiçoando as normas
técnicas em nome do combate ao comunismo. A determinação e o entusiasmo por um lado
do PCB e, por outro, da DOPS de se lançarem na conquista do monopólio de representação
das populações rurais e urbanas do Estado é um fenômeno conhecido e exemplar que teve
repercussões em âmbito nacional. O setentrião paranaense assistiu na década de 1940, nas ligas
camponesas, a primeira forma de organização efetiva do campesinato pelos comunistas. O
conflito de Porecatu provavelmente inspirou várias lutas agrárias que estouraram em diversos
pontos do país na década de 1950. Também a Federação dos Trabalhadores de Lavoura do
Estado do Paraná, além de seu pioneirismo, se tornou exemplo para a formação de outras
federações comunistas em diversos pontos do país (SILVA, 2006, p. 23).
Dado o caráter minimamente explorado do tema proposto neste trabalho, poucas fontes
bibliográficas são disponíveis. Por isso, consultamos ao longo dos anos dedicados ao assunto a
produção bibliográfica existente de temática semelhante ao abordado em outro contexto histórico,
geográfico ou de termos correlatos (BRUSANTIN, 2003; SILVA, 2003; GONÇALVES, 2004).
Apesar das lacunas apontadas, não se pode deixar de ressaltar a riqueza das fontes
oferecidas pelo Arquivo Público do Paraná, onde atualmente estão abrigados os relatórios,
fichas, fotografias e demais documentos produzidos pela DOPS-PR no período aqui analisado.
Nesse sentido, o trabalho se enquadra numa perspectiva da nova história política, suas ações e
representações, pois se trata como aqui de “revisitar” uma perspectiva eminentemente oficial
e, em contrapartida, as impressões populares, escovando a história a contrapelo (BENJAMIN,
1994).
A partir de um variado garimpo documental composto por depoimentos, relatórios,
entrevistas, periódicos e imagens inicialmente analisados em projetos durante a graduação e
no mestrado, é impossível não retomar a ideia de que essas evidências se transformaram em
monumento. Revestindo-se em documento arquitetônico, escultural, escrito ou iconográfico,
o monumento é utilizado como testemunho de poder. Esse poder é perpetuado pela memória
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coletiva, a qual tenta recordar as futuras gerações sobre sua existência, instruindo-as e avisandoas sobre a força que possui. Os símbolos apresentados no documento/monumento representam
o discurso do poder. Por isso, ao lidar com fontes de naturezas diversas é imprescindível
reconhecer, como atestou Jacques Le Goff (1990, p. 472), que o documento não é inofensivo,
mas sim, “uma montagem consciente e inconsciente, da história, da época, das sociedades que
o produziram. O documento é monumento. Resulta do esforço das sociedades históricas para
impor ao futuro (...) determinadas imagens de si próprias.”
Portanto, analisar os discursos da DOPS frente à atuação dos militantes comunistas do
norte do Paraná, significa tocar nas representações de poder exercido por este órgão entre fins da
década de 1940 e início dos anos de 1950. Na perspectiva aqui proposta, trata-se de concentrar
esforços entre uma posição da história política tradicional e aquela que se agrupa no âmbito
das representações e seus vínculos com as práticas sociais, tentando construir uma narrativa
histórica onde o estudo da cultura e dos imaginários também adquira sua importância científica.
À GUISA DE CONCLUSÃO.
Fontes não falam por si. Para que o historiador consiga estabelecer um diálogo com a
documentação é pertinente que este estabeleça procedimentos teórico-metodológicos ajustados
a seus interesses analíticos. No nosso caso, três conceitos centrais interpretados na história
política são particularmente essenciais: “cultura política”, “mito” e “imaginário social”.
Para Sonia Alvarez, Evelina Dagnino e Arturo Escobar (2001) a presença da dimensão
cultural na luta política nas sociedades latino-americanas implica na constituição da cultura
como um fato político na luta pela democratização, exercício de cidadania e aperfeiçoamento
de esferas públicas. Do ponto de vista deste projeto uma nova “cultura política” se forjava
nesse momento, e estava evidente em termos como “nacional” e “democrático”, que ganharam
novos sentidos a partir de 1945. Como afirma Daniel Pécaut (1990, p. 141), “em torno do
Partido Comunista e de sua interpretação do nacionalismo formou-se uma cultura política
singularmente fecunda”, sobretudo no fato de conceber o povo como a encarnação simbólica
da nação e do partido possuir a tradição política que via no Estado o mecanismo capaz de
modernizar a sociedade brasileira, realizando as mudanças estruturais que seriam necessárias.
Como órgão gerenciador de informações arquivadas e complementares, a DOPS e suas
“filiais” estaduais garantiram a perpetuação de mitos. No período em questão, é imperioso o
mito da conspiração comunista internacional e a maneira como este se cristalizou no imaginário
social. Para a polícia política norte paranaense o PCB seria o responsável pelas “imperfeições
da sociedade”, além de sempre estar presente “para explorar, para agitar e para mais fundo
cavar na discórdia”2.
2 ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ – DOPS/PR. Pasta 544d, caixa 061 – Delegacia de Polícia
de Londrina (1941 a 1943, 61, 76, 78, 81).
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Para os agentes da DOPS os comunistas contavam com o apoio de órgãos de imprensa para
difundir seu credo entre os “ignorantes”. Viam o partido como um instrumento meticulosamente
ordenado. Em virtude da presença do PCB em Londrina afirmavam que diante da situação
crítica de movimentos sociais, residia nessa cidade “alguns dos mais operosos dirigentes da
agitação comunista do Paraná” e devido a essa repercussão doutrinária entre as massas “havia
o Partido Comunista situado o comando da ação subversiva”.
Em nossa pesquisa, o caso do mito da conspiração comunista assume um caráter
republicano atrelado a outro mito: o da nacionalidade (ou brasilidade), que se esforçava
em integrar o indivíduo a Nação. Como um organismo internacional o Partido Comunista
contradizia essa lógica. Aqueles que não se enquadravam no modelo arquitetado pelo regime
eram rotulados de “indesejáveis” e por isso eram perseguidos, vigiados e eliminados.
Nosso enfoque privilegia a presença de uma lógica simbólica orientando a experiência
dos homens, ou melhor: de homens e mulheres de carne e osso, como dizia Lucien Febvre.
Dessa forma, os métodos que o historiador deve seguir necessitam estar fundamentados na
“lógica histórica”, a qual exprime o diálogo entre as fontes. Nesta perspectiva, “a ‘história’ é
um bom laboratório, porque o processo, o ato de acontecer, está presente em cada momento
da evidência, testando cada hipótese, através de uma conseqüência, proporcionando resultados
para cada experiência humana já realizada” (THOMPSON, 1981, p. 59).
Temos consciência, no entanto, que a história não é concretamente um laboratório
experimental, onde poderemos testar empiricamente nossas hipóteses, mas como defende E.
P. Thompson (1981, p. 49), a história tem uma lógica própria, que se adéqua ao material do
historiador.
Partindo dessa perspectiva, Thompson (1981, p. 49-53) nos convida a adotar
procedimentos lógicos de pesquisa. Para ele, o objeto do conhecimento histórico compreende
“fatos” ou “evidências” dotadas de existência real. Apesar disso, o conhecimento histórico não
deixa de ser “provisório e incompleto” – porque sempre haverá algo a mais a ser descoberto sobre
o objeto de estudo em questão – e “limitado” – pelo padrão de questionamentos e problemática
lançada pelo historiador ao documento. No entanto, mesmo com todas essas delimitações, o
conhecimento histórico não pode ser compreendido como “inverídico”, pois se fundamenta no
levantamento de hipóteses, as quais podem ou não ser confirmadas através do diálogo com as
fontes que foram produzidas em um passado que realmente existiu.
Reconstruir a realidade como ela se passou nos parece ser uma perspectiva inocente e
não ajustável à nossa proposta. Aplicado a um estudo de caso típico, o mesmo referencial teórico
utilizado por Sidnei Chalhoub (1986) parece então servir no trato com as fontes. O interessante,
para esta análise, é notar as distintas interpretações pessoais tanto do PCB, da polícia política
ou de pessoas comuns, que se apresentam como símbolos a serem desvendados. É fundamental
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estar atento a pistas, indícios, informações que se repetem (ou não) nas evidências. Nas palavras
de Chalhoub (1986, p. 23) “é na análise de cada versão, no contexto de cada processo, e na
observação da repetição das relações entre as versões em diversos processos, que podemos
desvendar significados e penetrar nas lutas e contradições sociais que se expressam, na verdade,
se produzem nessas versões”.
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DISTINTOS PADRÕES DE AÇÃO COLETIVA NO
MUNICÍPIO DE SARANDI-PR
Josimar Priori
Mestrando em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá.
Resumo: Inserido no debate sobre a democratização da sociedade, este trabalho aponta para a
heterogeneidade da sociedade civil, a qual abriga e desenvolve distintos projetos políticos, muitas
vezes antagônicos. A partir de uma pesquisa com associações de moradores do município de
Sarandi-Pr verificam-se distintos padrões associativos que alternam entre um padrão conflitivo
ligado a tradição dos movimentos sociais brasileiros a um padrão conciliatório, governista
e clientelista. Assim, é possível concluir que a sociedade civil é um espaço social plural,
contraditório e constituído em sintonia com o contexto social específico e com os projetos
políticos incorporados pelas diferentes associações da sociedade civil.
Palavras-chave: Sociedade civil; Projeto político; Democracia; Conflito; Conciliação.
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JOSIMAR PRIORI
INTRODUÇÃO
Este trabalho pretende contribuir para o estudo da ação coletiva ao apontar para heterogeneidade da
sociedade civil. Parte significativa da bibliografia tem alertado para os perigos da essencialização
da mesma, seja ao concebê-la como demiurgo da democracia, seja ao caracterizá-la como
reprodutora das desigualdades sociais e de comportamentos conservadores.
A partir de um estudo com associações de moradores na cidade de Sarandi (Paraná),
sustento que no interior da sociedade civil distintos projetos políticos estão em disputa buscando
afirmar suas respectivas concepções sociais e políticas. Enquanto alguns sujeitos se inscrevem
no que podemos chamar de tradição dos movimentos sociais brasileiros, buscando sustentar
sua ação por uma lógica participativa, conflitiva e reivindicativa, outros se valem das parceiras
construídas por meio de relações privadas com agentes do Estado para alcançar suas demandas.
Todavia, o padrão de ação coletiva destes sujeitos não se encerra nestes dois tipos opostos,
de modo que é possível encontrar um número significativo de sujeitos coletivos intermediários
que alternam entre um e outro padrão, ora optando por uma ação conciliatória, ora por uma ação
conflitiva. Assim, os resultados da pesquisa indicam diferentes padrões de atuação da sociedade
civil, caracterizados por uma ação conciliatória ou conflitiva, a depender do contexto e dos
projetos políticos que postulam.
PROJETOS POLÍTICOS EM DISPUTA NO INTERIOR DA SOCIEDADE CIVIL
Um projeto político pode ser gestado tanto no interior da sociedade civil como do Estado e
consiste num conjunto de valores, crenças, interesses e representações do que deve ser a vida em
sociedade e que orienta a ação política de diferentes sujeitos. De acordo com Dagnino, Olvera
e Panfichi (2006) esta noção pretende enfatizar a intencionalidade como elemento importante
da política, considerando o papel do sujeito e da ação humana como dimensões essenciais da
política.
Esta noção traz também a compreensão de que a política é um terreno também estruturado
por escolhas expressas nas ações dos sujeitos, orientados por seus valores e representações
sociais. Nesse sentido, a noção comporta um vínculo indissolúvel entre cultura e política, assim
os projetos políticos “[...] não se reduzem a estratégias de atuação política no sentido estrito, mas
expressam, veiculam e produzem significados que integram matrizes culturais mais amplas”
(2006, p. 39). Da mesma forma que os sujeitos sociais se apoiam em configurações culturais
macrossociais, eles também inserem novos elementos, que podem transformar e reinterpretar
o repertório cultural e as práticas da sociedade. Outra característica importante dessa noção é
que ela não se restringe a ações sistematizadas no campo político institucional, mas comportam
uma série de sujeitos sociais, temas e formas de ação política nas mais diversas instâncias
societárias. Dagnino, Olvera e Panfichi salientam que
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Essa flexibilidade da noção aqui adotada permite que ela seja capaz de dar conta
da multiplicidade e diversidade dos sujeitos políticos envolvidos no processo
de construção democrática e das suas diferentes formas de ação política, com
frequência desconsideradas nas análises desse processo (2006, p. 40).
Para Marcelo K. Silva a sociedade civil é um terreno heterogêneo de modo que não é
possível, a priori, concebê-la como democratizante ou como reprodutora das desigualdades
sociais. Silva (2006) salienta que
O conceito de sociedade civil delimita um campo heterogêneo de atores sociais,
os quais podem apresentar os mais diversos tipos de representações e práticas
em relação à democracia (divergindo, geralmente, até mesmo sobre o seu
significado). A sociedade civil se caracteriza, assim, tanto pela diversidade quanto
pela mudança, fazendo com que não haja uma “natureza” preestabelecida, mas
sim um contínuo processo de construção, reprodução e transformação dos atores,
a partir das configurações geradas pelo campo de relações que estabelecem”
(2006, p. 175)1.
De acordo com o autor, há análises que identificam na Sociedade Civil virtudes
essencialmente democratizantes e outras que questionam as supostas potencialidades de
democratização da sociedade civil e passam a identificá-la com marcados traços clientelistas,
autoritários e de baixa densidade participativa. Nesse sentido, segundo o autor
[...] algumas análises que adotam uma perspectiva crítica em relação às
potencialidades democratizantes da “sociedade civil” também apresentam um
viés “essencialista”, mas de sentido oposto. Ou seja, contra o pressuposto do
inerente caráter democrático da sociedade civil, é assumido o pressuposto da sua
insignificância ou, em outras versões, da sua influência negativa à democracia.
Ou seja, de “pólo da virtude”, que encarnaria a positividade e assumiria o
protagonismo do processo de construção democrática, a sociedade civil se torna
um espaço da reprodução das desigualdades, de tensionamento das instituições
democráticas e/ou de esvaziamento da própria política [...] (SILVA, 2006, p. 159).
Diante de tais problemas, Silva busca superar esses “essencialismos maniqueístas”
por meio de uma abordagem relacional e historicamente situada, que ao contrário de afirmar
“determinadas características intrínsecas”, leva em consideração
[...] que não existe uma relação unívoca entre sociedade civil e construção
democrática. Ao contrário, esta relação apresenta diferenciações de acordo com
os distintos contextos locais analisados, os quais constituíram, ao longo de suas
1 Ao longo dos anos 1990 prosperou uma literatura cujos principais expoentes foram Sérgio Costa e Leonardo
Avritzer. Tais sustentaram que a Sociedade Civil seria, a grosso modo, por meio das associações civis voluntárias,
independentes tanto do sistema financeiro como do Estado, capazes de adensar e ampliar os problemas
provenientes do mundo da vida e tematizá-los no espaço público, promovendo o alargamento da democracia, isto
é, democratizando a própria democracia. Uma crítica a este modelo teórico pode ser encontrada em Gurza Lavalle
(2001).
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trajetórias, configurações locais específicas, nas quais e pelas quais se definem as
relações entre os atores da sociedade civil e a democratização da gestão pública
(SILVA, 2006, p. 161).
Portanto, as possíveis características das associações e movimentos alocados na
Sociedade Civil não podem ser atribuídas a priori. Ao contrário, para caracterizá-la é necessário
investigar levando em consideração o contexto histórico em que ele se insere, bem como o
conjunto de referências sociais e políticas incorporadas pelos diversos sujeitos sociais.
Um estudo realizado na cidade de Sarandi-Pr tomando como base a atuação das
associações de moradores corrobora essas pressuposições, indica padrões distintos de ação para
associações de moradores. Sinteticamente, é possível encontrar um conjunto minoritário de
associações que sustentam sua ação no conflito público e na politização de suas necessidades,
um segundo grupo atualmente predominante, que se vale de redes privadas para orientar sua
ação e um terceiro grupo que alterna entre essas formas de atuação.
Nesse contexto, é possível identificar a presença de um projeto democrático, participativo,
reivindicatório que se encontra em oposição a um projeto clientelista, personalista e governista.
Por outro lado, evidencia-se também que parte dos sujeitos associativos se encontram em
posições intermediárias, alguns mais próximos do projeto conservador-autoritário, outros mais
próximos do democrático participativo, mas sem que assumam plenamente um ou outro.
PROJETO POLÍTICO DEMOCRÁTICO PARTICIPATIVO
O município de Sarandi se localiza no norte do Estado do Paraná é faz conturbação com Maringá,
município que sedia a região metropolitana, criada em 1998. Embora a Região Metropolitana
de Maringá (RMM2) seja composta por 25 municípios, efetivamente apenas Maringá, Paiçandu
e Sarandi são contíguos. Enquanto Maringá se caracteriza como uma cidade bem estruturada
com equipamentos e serviços, Sarandi e Paiçandu são caracterizados pela falta de planejamento
urbano e pelo custo de vida mais barato, o que cria condições para que a população de baixa
renda consiga se assentar nesses municípios (RODRIGUES, 2004).
O município de Sarandi se caracteriza como uma cidade predominantemente de
população com baixa renda e por problemas na área da infraestrutura urbana, educação,
saúde, moradia e segurança. Com vários problemas sociais, surge um número significativo de
associações de moradores e outras formas de organização coletiva com a intenção de enfrentar,
de alguma forma, tais problemas. Nesse trabalho, limito-me a realizar uma análise sumária do
associativismo de moradores sarandiense, que se encontra estruturado em distintos padrões de
2 A Região Metropolitana de Maringá foi criada pela Lei Estadual n° 83/98 e constituída inicialmente pelos
municípios de Maringá, Sarandi, Paiçandu, Marialva, Mandaguaçu, Mandaguari, Ângulo e Iguaraçu. Leis
complementares incorporaram outros municípios, totalizando, em 2010, 25 ao todo e reunindo mais de 700.000
pessoas (TONELLA, 2011, p. 5).
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atuação, o que indica a pluralidade da sociedade civil.
Assim, uma parcela do associativismo sarandiense busca inspiração para sua atuação no
que podemos chamar de tradição dos movimentos sociais brasileiros3. À luz de uma linguagem
dos direitos e da igualdade social, este setor realiza uma reinterpretação dos problemas sociais
e forja um padrão de ação coletiva capaz de desafiar a ordem estabelecida e criar um espaço
público onde podem projetar suas existências, seus dramas, suas vidas.
Essa vertente associativa começou a gestar ainda nos anos 1990 quando a cidade enfrentou
uma crise de abastecimento de água, período em que floresceu os apelos de privatização por
parte da prefeitura municipal. Nesse contexto emergiu um movimento popular que passou a
questionar a solução privatista para “o esvaziamento das torneiras”. Assim, padres ligados
à teologia da libertação, grupos de jovens da pastoral da juventude, militantes de esquerda,
associações de moradores passaram a enfrentar o que consideravam prejudicial ao munícipio.
O prefeito municipal desejava vender o sistema municipal de água e inclusive teve
o projeto de privatização aprovado na câmara dos vereadores. No entanto, a população se
organizou e depois de muitas manifestações, protestos, passeatas conseguiram reverter o
processo de privatização. Nesse contexto, é possível afirmar que se inaugura em Sarandi uma
nova forma de organização popular, caracterizada pela independência e pela própria recriação
política.
Tendo como característica marcante a emersão pública popular e a contestação da política
instituída, a partir de então se forjou em Sarandi o que podemos chamar de um campo político
democrático-participativo. O conceito de Campo Político, segundo Feltran, seria um espaço
simbólico em que as iniciativas movimentistas se mostram e se apoiam, o que dá sustentação
e projeta as lutas sociais para o espaço público. Segundo Feltran, sem campos políticos a ação
movimentista é como se fosse projetada no vazio4 (FELTRAN, 2005, p. 209).
Nesse sentido, diversos atores sociais localizados na sociedade civil incorporam
uma linguagem comum e passam cada vez mais a alargar sua forma de fazer de política. As
manifestações públicas cada vez são maiores e mais reconhecidas pela população. O resultado
dessas lutas foi a formação de novas lideranças, bem como a ampliação da participação política,
sentida ainda atualmente mesmo no campo político adversário.
Assim, a inauguração desse projeto político forjado desde a sociedade civil ocorre
com essas jornadas contra a privatização do sistema de água e permanece vivo ainda hoje.
É importante mencionar que este projeto não se limitou a atuar desde a sociedade civil, mas
3 Ver Sader (1988) e Feltran (2005).
4 De acordo com Feltran “sem espaços na sociedade para que possam constituir campos políticos [...] em que se
mostrem e se apoiem, as iniciativas movimentista são semelhantes a imagens projetas no vazio; não se realizam”
(2005. p. 209).
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JOSIMAR PRIORI
passou também a disputar e ocupar cargos no Estado, por meio da eleição de vereadores e até
mesmo do prefeito municipal Aparecido Spada pelo Partido dos Trabalhadores.
Embora não seja hegemônica, essa vertente segue presente em Sarandi por meio de
algumas associações que têm politizado questões sociais e fomentado a criação de espaços
públicos, por meio da pressão sobre o legislativo e o executivo municipal. É o caso, por
exemplo, da associação de Felipe5 que tem rejeitado qualquer parceria com os governantes que
venha lhes cercear a liberdade de atuação. Não se trata de recusar o diálogo terminantemente,
mas de não permitir que o atrelamento aos governantes lhes prive do direito de denunciar o
que julgar incorreto. Segundo Felipe, é importante ter um bom relacionamento com a política
institucional, todavia “não ficar preso a eles, né”. Felipe justifica sua posição, com base na
experiência de outras associações que, na sua avaliação, acabam por descaracterizar o papel de
associação, ao se tornar parceiras dos governantes:
Porque às vezes aqui eu conheço bastante associação que em vez de desempenhar
seu papel de associação de moradores faz parceria com o governante. E aí não
pode reivindicar nada, daí fica preso a ele, ce não tem nada. Nós não podemos
ser assim, nós não podemos. Nós temos que fazer um trabalho junto, mas sem tá
preso a eles, né. É que de repente, até eles vem aqui e fala: “vou fazer isso aqui,
mas você passa pro meu lado”. Não, nossa associação não, a nossa graças a deus
nós somos independente. É, tem, assim, é, vários, membros de vários partidos
dentro da associação. Mas nós não somos ligados a ninguém, entendeu? Então nós
temos a liberdade de cobrar aquilo que o bairro precisa, aquilo que a população
precisa. Então nós não temos medo disso né, porque nós não somos preso a eles.
Agora ce eu faço uma aliança com eles, se comprometendo, como é que eu vou
cobrar depois? (Entrevista, 2012)
É importante salientar que essa independência não significa ruptura com o Estado,
tampouco com a política institucional e mesmo com partidos políticos. Trata-se, na realidade, de
um projeto político que, tanto na sociedade como no Estado, se opõe a práticas que se enceram
em soluções personalistas e privatistas. Nesse sentido, a associação de Felipe tem realizado
um contundente trabalho de mobilização, fiscalizando, denunciando e cobrando soluções das
autoridades seja executiva ou legislativa.
Assim, é possível falar de uma vertente de ação coletiva que sustenta sua prática pelo
estabelecimento do conflito, pela fundação de espaços públicos e pela reivindicação de direitos.
Essa vertente, como tentei demonstrar, não está limitada às fronteiras da sociedade civil, mas
permanece em contínua relação com o Estado, seja para exigir que ele atenda os direitos da
população, seja para ocupá-lo, por meio de eleições. Em seguida, apresento outra vertente
associativa que tem optado pela negociação e pela parceria, muitas vezes privada, com políticos
5 Ao longo da pesquisa foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os presidentes de Associações de
Moradores do Município de Sarandi-PR e integralmente transcritas. As citações obedecem as regras de citações
bibliográficas diretas e os nomes dos entrevistados são fictícios.
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tradicionais.
CONCILIAÇÃO E PARCERIA: UM PROJETO GOVERNISTA
O associativismo sarandiense tem passado por mudanças à medida que passa a adotar
predominantemente uma postura de natureza conciliatória e governista. Assim, certos de que
a supressão do conflito é mais benéfica, a aposta de grande parte das lideranças associativas
recentes tem sido pela parceira com o governo municipal. Em meados de 2010 um grupo de
associações apoiados pelo prefeito municipal, Carlos Alberto De Paula Jr (PDT), organizou uma
chapa para disputar a direção da União Sarandiense de Associações de Moradores (UNISAM)
e acabou vencendo as eleições.
Esta chapa se contrapunha a diretoria da época, a qual atuava de forma predominantemente
conflitiva, inclusive participando das manifestações pela cassação do ex-prefeito Milton Martini6
(PP). A proposta dessa chapa era romper com o padrão de oposição municipal e se aproximar do
prefeito. De acordo com Walter, a sua chapa procurou deixar claro ao prefeito que desejavam
estar perto dele para que pudessem mostrar ao prefeito a realidade dos bairros:
Assim, na realidade, a gente deixou bem claro que a gente queria tá perto, todo
momento a gente queria tá perto. [...] Ou a gente é conversa e se adapta a realidade,
a gente busque aquele meio de chegar, falar, a gente precisa de diálogo, e isso que
a outra administração não tinha, a concorrência não teve. E a gente propôs o
seguinte, a gente quer tá perto, a UNISAM quer tá perto. Foi essa a nossa proposta
desde o início com o De Paula (WALTER, Entrevista, 2012).
Assim, essa chapa se configura, como reconhece Ivani, como o grupo do prefeito: “é
na verdade a nossa chapa era do prefeito” (Entrevista, 2012). Contudo, é importante salientar
que a aposta na parceria com o chefe do executivo não se trata simplesmente de uma manobra
manipuladora do prefeito. O que ocorre, na verdade, é uma confluência de opiniões e crenças
sobre como atuar politicamente, evidentemente bem distinta daquela que apresentei no item
anterior.
Eleita com o apoio da máquina municipal, a UNISAM passa a fundamentar sua ação
num outro quadro de referência. Enquanto a gestão passada se pautava por uma lógica conflitiva,
a atual opta invariavelmente pela negociação. Josué, por exemplo, defende o que ele chama
de “agir dentro da lei”, em outras palavras, rejeita estratégias como fazer greves, protestos,
fechamento de ruas. Sua posição é que tudo pode ser resolvido na conversa, em vez de fazer o
que ele classifica como “baderna”. Nesse sentido, se configurar um projeto que se contrapõe ao
democrático e popular:
6 Martini foi eleito em 2008, tendo como vice Carlos Alberto de Paula Jr. Depois de denúncias de corrupção e
da pressão popular, com especial participação da UNISAM, Martini foi cassado pela câmara de vereadores numa
longa sessão legislativa iniciada no dia 1° e encerrada apenas na madrugada do dia 2 de março de 2010. No mesmo
dia De Paula tomou posse como prefeito municipal.
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[...] eles queria que a associação fosse pra cima, fosse fazer greve, fazer
fechamento, barulho. Que a gente aí no passado até político andou levando umas
cassetada aí, processo aí, por esse tipo de coisas. Eu acho que a linha é sempre
dentro da lei, agir dentro da lei é a melhor coisa do mundo. E a primeira coisa que
eu sempre tive comigo é a conversa, conversa uma, conversa duas, conversa três,
porque não a quarta? Aí a linha é diferente. Então a nossa linha era essa, não ter
baderna. Então ce viu que Sarandi ela parou com baderna, Sarandi era noticiado
em qualquer é jornal, Sarandi fechou tal lugar, Sarandi fez não sei o quê, acabou
isso. E a cidade começou a andar (Entrevista, 2012).
Josué narra com orgulho que a cidade começou a desenvolver quando a UNISAM
deixou de questionar e passou a apoiar a governo municipal. Neste sentido, fica evidente o
deslocamento de sentido na atuação da UNISAM. Na percepção dele, a aposta na parceria com
o prefeito deu certo e hoje a cidade se encontra bem melhor que antigamente. Ele narra como
tem sido o relacionamento com o prefeito:
O De Paula ele falou assim que precisava da UNISAM pra trabalhar e fazer com
que a cidade viesse assim a desenvolver. E a gente deu essa credibilidade pra ele,
tanto que você viu ai hoje cidade aí hoje, a cidade não tem essa buraqueira mais, a
cidade hoje tem uma linda UPA7, construindo o hospital municipal. Colégio sendo
ampliado lá no Vale Azul, asfalto no Vale Azul, asfalto no Alvamar, entendeu? [...]
E assim a gente tinha aquela proposta, se tá fazendo lá o meu tá próximo. Essa
é a esperança do pobre, né. O dia de amanhã vai ser melhor. Se tá fazendo vai
melhorar e vai ser rápido (Entrevista, 2012).
Assim, esta vertente acaba por desenvolver uma postura governista à medida que
compreende que a associação de moradores ou mesmo a UNISAM é “uma extensão da prefeitura”
– para usar a expressão de Ivani – e, portanto, deve zelar sempre pelo bom relacionamento com
o executivo municipal. A presidenta defende que as associações sejam como que “office-boys”
da prefeitura, servindo de intermediários entre o prefeito e o povo e levando as necessidades
desses para o executivo:
Eu costumo dizer assim que nós somos uma espécie de office-boys da prefeitura.
Que a gente pega e leva, faz a entrega dos problemas lá. Então, é, teria que
ser mais valorizado o presidente de bairro porque, na verdade, a associação de
moradores é uma extensão da prefeitura. E se o prefeito coloca isso na cabeça ele
poupa até uma quantia de trabalho, de funcionários, de tudo. Porque ce quer saber
de um problema que tem aqui, você chega no presidente de bairro, ele vai saber
do problema. (IVANI, Entrevista, 2012).
Na mesma direção, Anderson entende que mesmo sem perder a autonomia, a associação
de moradores deve evitar ser oposição, devido aos riscos que esta posição atrai:
[...] eu não concordo com a oposição, porque a oposição as vezes, demais, ela
7 Unidade de Pronto Atendimento – UPA 24 horas.
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atrapalha, ela atrapalha. [...] Muita oposição não é legal. E daí o prefeito, o político,
o vereador ele vai começar a ter uma rixa com você e você como presidente de
bairro, com certeza ele vai te atender menos, na prefeitura. Você sendo parceiro
dele não, ele vai te atender mais vezes. (Entrevista, 2012).
De fato, essa opção pela amizade com o governo trata-se claramente de uma estratégia
de ação ancorada na conquista de benefícios imediatos. O raciocínio é mais ou menos assim:
“em troca do meu apoio político a você, quero que você atenda o meu bairro”. No entanto,
essa estratégia apresenta um déficit democrático participativo, no sentido de que a mobilização
popular, a tematização pública dos direitos, e o protagonismo social cedem lugar a uma solução
privada, precária e com certo tom clientelista, no sentido de que se estabelece uma relação de
troca entre o gestor e o morador.
A configuração dessa vertente associativa permite depreender um padrão de ação coletiva
distinto do que apresentei acima. Enquanto aquela se vale de critérios públicos, conflitivos,
rejeitando a negociação personalizada, essa vertente, num postura de negação ao perfil do
primeiro grupo, opta pela amizade, pela rejeição da oposição ao poder público, pela amenização
do conflito e pela resolução por meio da conversa. Desse modo, é possível afirmar que perpassa
por este grupos um padrão mais restrito de democracia e mesmo menos participativo, já que em
vez de mobilizar a população para cobrar o poder municipal, as redes pessoais e a negociação
dos gabinetes são consideradas mais eficazes.
Assim, podemos identificar no interior da sociedade civil nos limites territoriais de
Sarandi-PR um padrão de ação coletiva – o que tenho chamado de projeto político – de natureza
participativa, reivindicatório, conflitivo, mas também um projeto conservador, governista e
elitista do ponto de vista da construção democrática. Todavia, é possível identificar ainda atores
que não se limitam as estratégias de apenas um destes tipos opostos, mas que oscilam entre um
e outro, ora tendendo mais a negociação, ora mais ao conflito.
ENTRE A NEGOCIAÇÃO E O PROTESTO
Ao analisar as narrativas dos presidentes de associação
é possível observar a disputa entre
distintos projetos políticos – crenças, concepções de mundo e representações do que deve ser
a vida em sociedade e que orienta a ação política de distintos sujeitos (DAGNINO, 2004). Por
estar em constante concorrência, as visões de mundo, percepções e representações do que deve
ser a vida em sociedade nunca está acabada, mas consiste num fazer e refazer, isto é, numa
reelaboração contínua de suas ideias e práticas, o que assegura continuidade em sua ação, mas
também pode engendrar mudanças na sua inserção social e política.
Assim, em parte significativa das associações observa-se uma transição entre um projeto
politico conflitivo e outro conciliatório. Isso não significa, todavia, que eles considerem suas
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JOSIMAR PRIORI
ações práticas contraditórias. Segundo suas percepções, a forma como fundamentam suas ações
é coerente com as demandas de seus bairros e para alcançá-las, mobilizam-se as estratégias
que têm a sua disposição. Nesse sentido, a atual opção por uma ação mais combativa ou mais
conciliatória pode ser modificada num futuro, desde que o contexto se modifique e sua estratégia
atual perca eficiência.
O caso de Joel parece ser significativo para compreender os trânsitos entres distintos
projetos políticos. Trata-se, do ponto de vista da disputa por projetos políticos, de uma
tensão contínua, em que referências distintas são analisadas, examinadas e consideradas suas
possibilidades de eficácia. Em outras palavras, o sujeito político tem a sua disposição quadros
de referências distintos, crenças e visões de mundo, representações e estratégias de ação política
diferentes e umas e outras são medidas pela funcionalidade imediata. A referência principal
de Joel é a negociação via amigos e conhecidos que podem influenciar no atendimento de
suas demandas. Caso essas redes privadas falhem, resta à sua disposição o estabelecimento
do conflito e o embate público, quando a população pode ser mobilizada para conquistar a
“melhoria pro bairro”.
Muito próximo afetivamente a lideranças importantes do campo conservador, Joel
enxerga nos “pedidos” ao prefeito, a melhor solução para as questões do bairro.
Olha, o meu contato com o prefeito, eu conheço o prefeito já há muitos anos e,
inclusive agora, quando ele como prefeito, que eu tive um contato maior com ele.
Respeito ele e toda a vida eu conversei com ele, que eu vou pedir alguma coisa,
ele nunca falou não pra mim. Ele só pediu um tempo, porque Sarandi tem muito
problema, ele falou: “oh, Antônio, me dá um tempo que eu vou tentar resolver da
melhor maneira possível, ceis não vão se arrepender”. Eu, no que eu pedi pra ele
até hoje, tanto como o secretário da fazenda também, que é muito meu amigo,
eu nunca ouvi não, não, até hoje não, não, sempre quando pediram um tempo e
sempre colaboraram pra me ajudar (Joel, Entrevista, 2012)
Joel foi indicado para concorrer a presidência da associação de seu bairro pela atual
presidência da UNISAM e pelo governo municipal. Ele resistiu, mas devido a insistência
acabou por aceitar:
Pediram pra mim disputar a associação, uma coisa que eu não queria, eles me
imploraram, me pediu, “não, disputa que você é o cara certo, eu tenho certeza que
isso aqui vai mudar”, aí eu peguei e fui, [...] a comunidade e o próprio pessoal da
prefeitura, o qual eu conheço [pediram] (Entrevista, 2012).
Morador de Sarandi há mais de trinta anos, Joel tem trânsito fácil com boa parte dos
políticos de Sarandi, inclusive com a atual administração municipal, que segundo ele, lhe
garantiu que “vão ajudar a comunidade”:
Eu tenho muita amizade na prefeitura, com o prefeito, secretário da fazenda, é
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secretário do urbanismo, secretário da água, graças a deus, a minha amizade é
muito grande, eu conheço muita gente ali dentro. Eles já falaram que eles vão
ajudar a comunidade, vão ajudar a associação, ajudando a associação tá retornando
a ele, a própria comunidade (Entrevista, 2012).
A narrativa de Joel indica o que ele concebe como melhores alternativas para solucionar
os problemas sociais que tanto lhe aflige. Nesse sentido, vínculos privados como suas amizades,
a palavra de gestores públicos e mesmo do prefeito são formas razoáveis de conseguir
atendimento para o bairro. Todavia, se for necessário, Joel não se opõe a realização de protestos,
pois em alguns casos não resta outra alternativa a população:
É, porque hoje muitas vezes você vê certas situação, então é direito também
manifesto, de panelaço que o pessoal fala, cara-pintada. Então muitas vezes o
que acontece na cidade é isso, se não fizer um manifesto, parece que infelizmente
os políticos não apoiam, [...] eles não escutam e a gente tem que fazer, se for
preciso fazer sim, e eu acho que como presidente, estou disposto, eu apoio (JOEL,
entrevista, 2012).
Essa formulação de Joel possivelmente é legada das lutas populares conflitivas e de
toda a mobilização democrático-participativa realizada na cidade de Sarandi e mesmo no
contexto amplo. Nesse sentido, ele parece considerar que algumas causas somente podem ser
conquistadas por meio do conflito publicamente estabelecido. No entanto, essa consideração não
é apropriada como inspiração de um padrão de ação política, trata-se apenas de uma estratégia
de última instância. Quando seu bairro enfrentou problemas com o asfalto a associação propôs
a organização de um protesto, mas Joel pediu que antes ele buscasse “conversar com alguém” e
graças a sua amizade dentro da prefeitura não foi necessário a manifestação:
Teve já alguma coisa pra sair, inclusive eu era vice presidente ainda, teve um
protesto já iniciado no bairro. Eu perguntei, cheguei no pessoal, vamos dizer
assim, no líder né, que tava fazendo isso, pedi pra ele que me desse uns dias de
prazo, que eu ia conversar com alguém. Porque era sobre o recapeamento do
nosso bairro, uma ruas que não tinham nem condição de circular. Ele me deu
esse prazo, então não teve protesto. Eu fui lá, conversei com o pessoal, que são
muito meus amigos dentro da prefeitura, não vou mentir. E a gente conseguiu
essa melhoria de trazer o recapeamento pra onde precisava e começou a rebaixar
também a iluminação pública [...] (Joel, Entrevista, 2012).
Assim, Joel, parece estar satisfeito com os serviços que a prefeitura vem prestando, apesar
de entender “[...] que dava pra fazer um pouquinho mais, eu acredito que dava” (Entrevista,
2012). Ao mesmo tempo que usa expressões como “pedir”, “conversar com alguém”, “ajuda”,
Joel parece avançar na reflexão política e social – como a simpatia pelo atos públicos, por
exemplo – e fala em cobrar direitos e lutar pela bairro. Desse modo, ele mescla elementos mais
combativos e outros mais subservientes, como nesse trecho de sua entrevista, quando num
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primeiro momento ele fala em “cobrar” e “reivindicar” para em seguida afirmar a “ajuda” da
prefeitura:
[...] a gente tem cobrado, a gente tem falado, a gente tem explicado, é a gente tem
reivindicado junto ao prefeito a melhoria pro bairro, aconteceu já alguma coisa
sim. Então o povo agora tá começando a brigar um pouco mais, né, desde os três
anos que eu fiquei de vice, agora sou o presidente da associação, a gente vem
reivindicado isso, eu não vou dizer que a gente não teve alguma ajuda, que teve
sim (Entrevista, 2012, grifos meus)
Apesar de suas ideias não se transformarem numa prática política mais reivindicativa,
Joel possui um olhar dos problemas sociais distinto do que o senso comum e a própria sociologia
poderia determinar para alguém próximo aos setores conservadores da sociedade. É o caso,
por exemplo, da análise que ele faz a respeito da população em situação de pobreza extrema.
Sua avaliação se afasta dos clichês e das críticas fáceis de que esta população é preguiçosa,
aproveitadora ou vive à custa do governo. Com efeito, Joel pensa que essa população deseja
trabalhar, e que a sobrevivência por meio de caridade não garante sua liberdade. Nesse sentido,
os baixos salários seriam a raiz desse problema:
Tem muita gente que fala que esse pessoal quer emprego, mas não quer trabalhar,
mas eu acho que não é bem por aí. Eu penso comigo que as pessoas, ele quer
trabalhar, ele quer ganhar o seu salário, receber o seu salário, ou ele acha pouco ou
ele acha médio, ou ele acha bastante, não sei. Mas ele quer pegar o seu dinheiro e
comprar aquilo que ele quer, não pegar o que tão te dando, porque se você pega o
que tão te dando, você é obrigado aceitar aquilo que tão te dando. E se você tiver o
dinheiro você compra aquilo que você quer comprar. Eu penso também que, acho
que o Brasil teria que pensar melhor, num salário mais decente pra esse pessoal,
principalmente quem ganha salário mínimo, eu acho que é muito pouco, um pai
de família que paga aluguel, que paga água, que paga luz, e que tem que fazer a
compra, que tem quatro crianças pequenas em casa, é muito complicado. Esse
sim, que eu acho pra mim que esses são artistas, viver com um salário mínimo
nessas condições que falei, ele pra mim é um artista (Entrevista, 2012).
Nesse sentido, este presidente parece alternar entre uma crítica mais aguda a sociedade
e uma posição mais submissa e pedinte junto ao poder público municipal. De fato, de um
lado, estão as questões trabalhistas e sociais, a forte sensibilidade social e intenção de ampliar
a cidadania, a participação e os direitos sociais. Por outro lado, uma relação mais pessoal e
voltada para vínculos particulares de resolução dos problemas do bairro, situação em que a
participação popular e a política (o conflito público) cedem espaço para outra lógica, negociadora
e governista.
Discursivamente Joel busca romper com um padrão conservador de atuação associativa,
mas no momento seguinte regressa a este mesmo padrão. Nesse sentido, a disputa de distintos
projetos políticos ocorre nas representações sociais e na ação dele. No entanto, em seu caso tal
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problemática parece equilibrar-se, através da constituição de um repertório de estratégias para
conquista de distintas demandas. Nessa direção, é o grau de dificuldade e a possibilidade ou não
de negociação pessoal e, portanto, privada, que determinará se é preciso recorrer ao conflito ou
não.
O caso de Cléber também é ilustrativo desse trânsito que há entre distintos projetos na
prática associativa em Sarandi. Ao contrário de Joel, Cléber tem um histórico de participação
de mobilizações populares passando pela luta contra a privatização da água e pela cassação do
prefeito Milton Martini, além de muitas outras lutas de menor destaque em nível municipal e
local. Cléber valoriza a participação popular e em sua fala são recorrentes expressões como
“luta”, “comunidade”, “injustiça”. De fato, no contexto de sua narrativa, tais expressões
remetem a um projeto político, cuja igualitarização das relações sociais esteja na base. Por outro
lado, Cléber recentemente fechou um acordo com o prefeito, onde em troca de apoio o prefeito
se comprometeu a “trabalhar pro bairro”.
De qualquer modo, sua concepção participativa não fica guardada no passado, mas
ainda é referência para Cléber atualmente, que entende que uma associação que conte com
participação ativa dos moradores se fortalece e pode trazer bastante “avanço” para o bairro:
Quanto mais membros você colocar dentro de uma associação, quanto mais
associado tiver, a associação pega força, né. [...] A gente tem as pesquisas na mão,
a gente tem associação aqui no, no Sarandi mesmo que ela tá caminhando sozinha,
por quê? Ela conseguiu engajar os moradores dentro, né, se nóis conseguir a gente
vai avançar bastante, né (Entrevista, 2012).
Por outro lado, Cléber celebrou um acordo com o atual prefeito Carlos De Paula numa
clara estratégia de atrair a atenção do poder público municipal para o bairro: “É, nós tivemos a
oportunidade do ano passado a gente ter fechado um acordo com ele, pra ele trabalhar pro bairro
mais, né, aí. É por isso que a gente tá conseguindo muita coisa” (CLÉBER, Entrevista, 2012).
Assim, ao mesmo tempo que Cléber elabora um discurso crítico, denunciando as dificuldades
em ter acesso ao poder municipal, do abandono que o bairro enfrenta historicamente, ele procura
atrair os olhares do prefeito e de pelo menos alguns vereadores, porque “se você não tá dentro
da política municipal você não consegue discutir nada, né” (Cléber, Entrevista, 2012).
Não obstante a parceria firmada, Cléber não se esquiva das críticas ao prefeito:
O relacionamento com o prefeito é, olha, eu vou falar pro ce assim, é difícil,
se fosse possível, né, hoje, hoje a gente tem, conseguiu é uma história aí com
prefeito. Mas de cada, é, vamos supor assim, de cada doze meses que você vai
lá, você consegue uma [...], uma conversa, a cada doze meses. É, nós tivemos
a oportunidade do ano passado a gente ter fechado um acordo com ele, pra ele
trabalhar pro bairro mais, né, aí. É por isso que a gente tá conseguindo muita
coisa. Mas eu vejo cara, eu acho que a associação ela tem que ter relacionamento
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com o prefeito e o prefeito deveria e como obrigação como ele é, é um homem
público, e ele é prefeito da cidade inteira: ele deveria não só ter compromisso com
a associação, mas sim assumir as consequências que a associação precisa, né.
Apesar de reconhecer que o dever do prefeito é com o coletivo, Cléber parece entender
que somente se manter esse acordo, mesmo com dificuldades de ter acesso ao prefeito, poderá
avançar no atendimento das necessidades do bairro. Assim, oscila entre a crítica e a cobrança
de atendimento universal e a negociação privada com o prefeito.
Os casos de Cléber e Joel, portanto, ilustram posições intermediárias entre um projeto
político conservador e outro democrático-participativo, sendo comum trânsitos entre uma e
outra concepção de mundo. Nesse sentido, estes sujeitos acabam por formular um padrão de
atuação capaz de mobilizar estratégias distintas, no intuito de minimizar as necessidades do
bairro.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho busquei argumentar que a sociedade civil é um terreno plural, heterogêneo e,
portanto, permeado por diferentes projetos políticos em disputa. Longe de ser um bloco fechado
com características essencialmente democratizantes ou conservadoras, o estatuto político da
sociedade civil pode apresentar uma grande variação, a depender das diferentes configurações
que as associações civis podem adotar em diferentes contextos e em contato com diferentes
projetos políticos.
A base empírica da argumentação se dá por meio de um trabalho de campo realizado
na cidade de Sarandi-Pr onde foram entrevistados os presidentes de associações de moradores
atuantes no munícipio, bem como o presidente da União Sarandiense de Associações de
moradores. A pesquisa indicou a pluralidade de concepções sociais e políticas incorporadas
pelas associações de moradores.
Desse modo, podemos identificar pelos três configurações políticas diferentes
entre as associações. De um lado, um grupo não-hegemônico tem construído sua ação por
meio das referências históricas dos movimentos sociais brasileiros, pautando sua ação pelo
estabelecimento do conflito público, capaz de politizar suas questões. Por outro lado, encontrase um grupo de associações que rejeita essa postura conflitiva e opositora e opta pela parceria
e pela amizade com o espectro político local. Em posição intermediária encontram-se diversas
associações que não estabelecem uma linha exclusiva para sua ação, mas alternam entre e o
conflito e a mobilização de influências governistas, a depender das potencialidades de cada uma
das estratégias para obter suas demandas.
Assim, os dados evidenciam a impossibilidade de determinar a sociedade civil como
demiurgo da democracia, portadora de virtudes públicas ou representante de interesses legítimos.
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Da mesma forma, não se pode falar que a sociedade civil seja essencialmente conservadora ou
clientelista. Assim, conclui-se que a sociedade civil é um espaço social plural, contraditório e
constituído em sintonia com o contexto social específico e com os projetos políticos incorporados
pelas associações específicas da sociedade civil.
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JOSIMAR PRIORI
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O CONSELHO MUNICIPAL DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL DE MARINGÁ-PR
Fausto Salamão Cirico
Graduando do curso de Ciências Sociais da Universidade Estadual de Maringá
Resumo: O município de Maringá conta, desde 1995, com o Conselho Municipal de
Assistência Social, que hoje é disposto pela Lei Municipal n° 8.958, de 14 de junho de 2011,
sendo responsável pelo controle social da Política Municipal de Assistência Social e articulação
com as demais políticas setoriais. A atuação dos conselhos gestores de políticas públicas no
Brasil tem-se intensificado a partir da década de 1990, sendo seu maior marco a Constituição
Federal de 1988, a chamada constituição cidadã. No âmbito municipal, os conselhos figuram,
muitas vezes, como caráter obrigatório à execução de políticas públicas, com o a atribuição
principal de acompanhá-las, fiscalizá-las e propô-las, ampliando a participação da sociedade
civil na gestão dessas políticas. A atuação do Conselho Municipal de Assistência Social em
Maringá conta com a participação, além de membros representantes do governo municipal, de
representantes de entidades prestadoras de serviços na área da assistência social, trabalhadores
do setor e usuários da política de assistência social, conferindo-lhe um caráter de captor de
demandas para essa política, bem como de extensor participativo na sua formulação. Está
vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social e Cidadania de Maringá, e dentre
suas atividades está a deliberação sobre orçamento municipal na área de assistência social.
Para entender seu funcionamento é necessário observar características como sua composição,
atribuições específicas e dinâmica de trabalho.
Palavras-chave: Conselho; Participação; Controle social.
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FAUSTO SALAMÃO CIRICO
INTRODUÇÃO
A democracia no Brasil, durante seu processo de desenvolvimento histórico, esteve amargamente
obscurecida em detrimento dos interesses de uma burguesia imperialista. Os processos onde a
participação dos cidadãos brasileiros se mostrou ativa e influente figuraram fracamente durante
a primeira república e mesmo após o golpe de Estado de 1930. O país, servindo aos interesses
dos colonizadores e posteriormente a uma hegemonia capitalista que os substituiu, não foi
construído as vistas de uma interação nacional, onde a população atua junto aos governantes
para decidir o caminho político e econômico a ser seguido. O que se via era uma elite dominante
controlando os rumos pelo qual o país perpassaria e pelos quais a sociedade em geral deveria
submeter-se. De acordo com Dagmino (2002, p.141):
“...a idéia da participação da sociedade na discussão e decisão sobre os rumos do
país ganhou espaço na disputa com projetos marcados por concepções elitistas de
democracia.”
Essa concepção elitista começou a ser questionada na segunda metade do século
XX e teve como experiências exitosas, já na década de 1970, a instauração de luta dos
movimentos sociais que visava a constituição de espaços públicos de participação social onde
se promoveriam debates políticos e sociais até então destinados somente aos órgãos estatais.
Figuram nestes espaços participativos como ferramentas indispensáveis a sua realização, os
conselhos participativos.
As experiências com conselhos no Brasil têm origem, segundo Teixeira (2000, p.101),
ou em experiências de caráter informal sustentadas por movimentos sociais, no formato de
“conselho popular”, ou como estratégias de luta operária na fábrica, alternativas à inércia e ao
comprometimento dos sindicatos oficiais na forma de Comissão de Fábrica. Nas décadas de
70 e 80 as pautas de reivindicações e sugestões já figuravam na organizada forma de reuniões
periódicas e de caráter continuado. Neste período a inquietude dos movimentos populares já
não estava mais amparada apenas pelas reivindicações do movimento operário e movimento
estudantil, outros segmentos da sociedade se organizaram para lutar por pautas de reivindicações
próprias, como as organizações de bairro, através de suas associações de moradores, Comunidades
Eclesiais de Base, movimento de mulheres, de negros e de homossexuais, conforme descreve
Tonella (2006, p.27). Os processos de interferência dos agentes sociais nos meios de decisão e os
princípios de participação popular acabaram por serem absorvidos nos debates da constituinte e,
depois de sua incorporação na Constituição Federal de 1988, a consolidação dos conselhos foi
efetivada como um mecanismo de defesa democrático. É a partir desse ponto que surgem leis
que instituem, implantam e/ou regulamentam os conselhos nas três esferas de governo (Federal,
Estadual e Municipal), atribuindo a eles várias funções, com o objetivo final de propiciar a
participação popular, dando assim possibilidade de acesso, àqueles que dependem das políticas
públicas do governo, ao processo de formulação e acompanhamento destas. Sobre os conselhos
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O CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE MARINGÁ-PR
de políticas públicas Tonella (2006, p. 31) observa:
“São previstos em legislação nacional, tendo um caráter obrigatório. Fazem parte
integrante da implementação de políticas a partir da esfera federal, e sua existência
é condição sine qua non para a transferência de recursos públicos. Entram nessa
categoria os de Assistência Social, de Saúde, de Educação e de Direitos da Criança
e do Adolescente”.
A participação da sociedade civil na elaboração das políticas públicas deixa de ser um
privilégio outorgado pelo Estado, passando a fazer parte da sua própria execução por meio dos
conselhos. O caráter obrigatório de existência de conselhos para repasse de recursos públicos
e um exemplo de êxito democrático na medida em que o governo deve executar este recurso
acompanhado de perto por esta instância participativa. No caso da política de assistência social
o governo federal, por meio do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome e
sua Secretaria Nacional de Assistência Social e Cidadania estabelece que os municípios, para
receberem verbas do Fundo Nacional de Assistência Social, devem ter o chamado “CPF”:
Conselho Municipal de Assistência Social, Fundo Municipal de Assistência Social e Plano
Municipal de Assistência Social. A partir daí é possível a transferência fundo a fundo, do
nacional para o municipal, que exige a aprovação e acompanhamento do Conselho.
Mais do que apenas deliberar e acompanhar a execução dos recursos municipais os
conselhos de políticas públicas tem papel de forte relevância no acompanhamento à prestação
de serviços destas políticas, feita pelo governo. No âmbito municipal, são estas instituições
que representam a sociedade civil, e camadas da população, no acompanhamento dos serviços
que as prefeituras executam, tratando de incluir democraticamente o cidadão comum dentro da
esfera governamental, em uma representação participativa.
Nos capítulos a seguir serão apresentados alguns resultados deste processo participativo
através das características e atuação do Conselho Municipal de Assistência Social de Maringá.
Por meio de consulta de seus instrumentos regulatórios e observação de suas reuniões, será
realizada análise de seu funcionamento em conjunto com algumas teorias já existentes a cerca
dos processos participativos propiciados nos conselhos.
CONHECENDO O CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE
MARINGÁ-PR
O Conselho Municipal de Assistência de Maringá foi criado em 1995 e está atualmente disposto
na Lei Municipal 8.958, de 14 de junho de 2011 que, juntamente com o Conselho, dispõe sobre
a Conferência Municipal de Assistência Social e o Fundo Municipal de Assistência Social. Para
atualização da lei de criação o próprio Conselho, por meio de uma comissão eleita em uma de
suas reuniões plenárias, estudou as orientações do Conselho Nacional de Assistência Social e
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FAUSTO SALAMÃO CIRICO
fez as proposições de atualização, depois, em conjunto com a Secretaria de Assistência Social
e Cidadania de Maringá, articulou junto ao prefeito municipal a proposição de projeto de lei ao
legislativo para dar validade à sua lei atualizada.
Esta lei em seu Art. 11, sobre o Conselho, descreve: “constitui-se em órgão permanente e
de deliberação colegiada, vinculado à estrutura da administração pública municipal, sendo
responsável pelo controle social da Política Municipal de Assistência Social e articulação com
as demais políticas setoriais”. Neste contexto o controle social, existe para possibilitar que a
população atue junto ao governo na elaboração da política pública, fiscalizando, acompanhando
e propondo ações para os serviços prestados. Controle social da política de assistência social
nasce junto com a própria política, uma vez que a Constituição Federal de 1988 definiu
como diretrizes das políticas nacionais, em especial na organização da assistência social, a
descentralização político-administrativa e a participação popular na formulação das políticas e
no controle das ações em todos os níveis.
Para exercer o controle social o Conselho tem atribuições específicas, dispostas na lei como a
deliberação e definição acerca de política municipal de assistência social em consonância com
as diretrizes do Conselho Nacional de Assistência Social e a fiscalização, avaliação e gestão
dos recursos, bem como os ganhos sociais e o desempenho dos serviços, programas e projetos
aprovados, dentro da área da assistência. Para o exercício de suas competências esse colegiado
se reúne uma vez por mês em reuniões ordinárias já estabelecidas em calendário próprio e,
quando há necessidade, realiza reuniões extraordinárias convocadas por sua mesa diretora. O
Conselho é composto por 26 membros titulares e seus respectivos suplentes, sendo 13 membros
não-governamentais, eleitos em assembléias próprias e 13 membros governamentais nomeados
pelo chefe do poder executivo. A divisão dos representantes da sociedade civil (membros nãogovernamentais) se dá da seguinte forma, conforme art. 13, § 2°, da Lei 8958/2011: 04 vagas
para o segmento dos trabalhadores do setor, 05 vagas para o segmento de usuários e representante
dos usuários e 04 vagas para o segmento das entidades prestadoras de serviço na área de
assistência social. É na representação não-governamental que vemos o caráter de ampliação
participativa do Conselho, Lavalle (2011, p. 34) descreve que: “A idéia da participação entra
no cenário nacional como uma categoria prática, isto é, uma categoria mobilizada para
conferir sentido à ação coletiva de atores populares”. Se esta ação coletiva, que tem seu início
ainda mesmo na década de 60 deve garantir-se no processo democrático das políticas públicas,
dentro do Conselho, assegurá-las em lei se faz uma forma de possibilitar sua continuidade. No
caso do Conselho de Maringá estão garantidas as participações de membros da sociedade civil
envolvidos diretamente na prestação e usufruto desta política, já previstos em Resolução do
Conselho Nacional de Assistência Social, instância superior ao Conselho municipal.
A participação de usuários – e aqui falamos de usuários da política de assistência social,
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O CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE MARINGÁ-PR
vinculadas aos programas, projetos, serviços e benefícios desta política – é de fundamental
importância no processo de democratização da política pública de assistência, uma vez que esta
é a eles destinada. Dar voz aos usuários significar garimpar as experiências exitosas e também
os entraves nos serviços de assistência em Maringá e a administração pública deve não só ouvilos, mas procurar uma inserção crescente destes na formulação de novas ações. É importante
frisar que no ano de 2011, quando o Conselho realizou estudo e proposição de melhorias na
lei, houve aumento de uma vaga para os representantes de usuários, passando de 04 para 05,
e estes são eleitos em assembléias próprias subdivididos por territórios de abrangência dos
Centros de Referência de Assistência Social – CRAS, que hoje somam 07 no município. Além
dos usuários atuam também como membros não governamentais os trabalhadores do setor,
que se configuram em todas as formas de organização de trabalhadores que atuam e/ou podem
atuar na área de assistência social, conforme preconiza a Lei Orgânica de Assistência Social e o
Sistema Único de Assistência Social. Hoje como representantes dos trabalhadores do setor esse
colegiado conta com a participação de representantes do Núcleo Regional de Serviço Social de
Maringá – NUCRES, Ordem dos Advogados do Brasil - OAB / Subseção Maringá e Sindicato
dos Serviços Públicos Municipais de Maringá – SISMMAR, sendo que este último não atua
diretamente com a prestação dos serviços de assistência, mas na defesa dos profissionais da área
que trabalham na prefeitura. Para a escolha dos representantes das entidades que prestam serviço
na área de assistência social, que se deu por meio de assembléia de eleição, realizada no ano de
2011 juntamente com a assembléia de eleição dos representantes de usuários e trabalhadores
do setor, o pré-requisito foi que estas estivessem inscritas no conselho e desenvolvendo suas
atividades como preconiza a Lei Orgânica de Assistência Social.
Junto com os representantes não-governamentais o Conselho é composto pelos representantes do
governo local – membros governamentais – que são indicados pelo chefe do poder executivo, por
meio de seus respectivos secretários. Os 13 membros governamentais do Conselho representam:
a secretaria municipal de assistência social e cidadania, secretaria municipal de saúde, secretaria
municipal de habitação de interesse social, secretaria municipal de esporte e lazer, secretaria
municipal de cultura, secretaria municipal de meio ambiente, secretaria municipal da mulher,
secretaria municipal de gestão, procuradoria geral do município e Universidade Estadual de
Maringá – UEM. Cada instituição desta tem um representante e seu respectivo suplente no
Conselho, com exceção da secretaria de assistência que conta com 03, sendo 01 dos serviços
que abrangem a proteção social básica, 01 dos serviços que se enquadram na proteção social
especial e 01 do setor administrativo. São nas discussões travadas entre estes conselheiros e
os conselheiros nas governamentais, não de forma unilateral mas abrangendo todos de forma
heterogênea, que se dão as proposições e deliberações do Conselho de Assistência de Maringá.
Estas deliberações são tomadas nas reuniões plenárias que ocorrem uma vez ao mês e
extraordinariamente quando necessários, conforme já exposto, porém o conselho não realiza
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a analise de todos os assuntos que permeiam suas pautas reunido plenariamente, existem
comissões temáticas que fazem a discussão dos assuntos de sua competência e emitem pareceres
para deliberação nas plenárias. O que o colegiado faz quando está todo reunido é ouvir o relato
destas comissões e, quando há parecer, deliberar sobre este de forma soberana, uma vez que
só em reunião plenária do conselho é que são tomadas as decisões. As comissões temáticas
permanentes do conselho são assim denominadas: comissão de documentação e cadastro que,
em síntese é responsável pela análise e parecer quanto à inscrição e renovação de inscrição das
entidades de assistência social no Conselho; comissão de finanças, cujas atribuições culminam
no controle e parecer quanto ao financiamento para as ações de assistência social no município
abrangendo repasse de recursos e acompanhamento da execução orçamentária da Secretaria;
comissão de políticas públicas, voltada para o acompanhamento da prestação dos serviços de
assistência social executados pelo governo; comissão de comunicação que tem atribuição de
dar visibilidade às ações do conselho e da própria política de assistência, bem como, articular
a realização de capacitações e eventos do conselho; comissão de telemarketing, que analisa
e emite parecer quanto à autorização e fiscalização das ações de telemarketing beneficente
realizada pelas entidades. As atribuições destas comissões estão descritas no regimento interno
do conselho e quando figura algum assunto e/ou demanda de estudo/análise e parecer ao
Conselho que não cabe em nenhuma destas, é elaborada uma comissão especial e temporária,
específica para este fim.
As reuniões do conselho, plenárias e de comissão, bem como todas as suas ações são
assessoradas por sua secretaria executiva, constituída de um secretário executivo e um auxiliar
administrativo, remunerados pelo governo e em exercício exclusivo para atuação junto ao
conselho. Cabe a secretaria executiva buscar subsídios para o trabalho dos conselheiros, bem
como, organizar e dar encaminhamento às suas decisões. Essa função de assessoria é prevista
na Lei que dispõe sobre o conselho e deve ser garantida pelo governo, por meio do gestor da
política de assistência social em Maringá, por isso é usual falar que o Conselho Municipal de
Assistência Social é vinculado à Secretaria de Assistência Social e Cidadania.
DEBATES E DELIBERAÇÕES: COMO ATUA O CONSELHO
EM RELAÇÃO À POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL.
O município de Maringá desenvolve as ações referentes à política de assistência social,
por meio da Secretaria de Assistência Social e Cidadania, logo é com ela que o Conselho
Municipal de Assistência Social dialoga mais fortemente, bem como é a ela que o conselho está
vinculado. Suas reuniões mensais contam continuadamente com pontos de pautas envolvendo
os serviços dessa Secretaria, seja por questões trazidas pelos conselheiros, ou por solicitações
da própria Secretaria, ou ainda por algum tipo de denúncia e/ou reclamação dos serviço. No
acompanhamento de suas reuniões é facial observar discussões e informações trazidas sobre
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os Centros de Referência de Assistência Social, que se configuram como porta de entrada dos
serviços de assistência no município. Para exemplificar uma destas discussões, coloco um
momento ocorrido em reunião plenária do conselho no mês de outubro de 2012, onde debateuse amplamente as condições precárias na estrutura física do Centro de Referência de Assistência
Social do Jardim Requião, que atende há vários bairros em seu entorno – sendo que o conjunto
destes bairros pode se denominar como território de abrangência. O conselho, após esgotar a
discussão sobre o serviço, deliberou em articular com um vereador municipal a inclusão de
previsão no orçamento municipal para o ano de 2013, para adequação de sua estrutura física.
Um dos argumentos fortes pelos quais o conselho se amparou na solicitação de melhorias
para a estrutura do Centro de Referência do Jardim Requião foi a quantidade de bairros atendidos
e consequentemente o número de possíveis usuários daquele serviço. A despeito desta linha de
pensamento, Teixeira (2000, p. 110) formula a seguinte afirmação:
“As organizações da sociedade civil hoje buscam pressionar o Estado para elaborar
políticas públicas que possam atender aos segmentos sociais mais necessitados e
os Conselhos são um dos canais mais propícios para isso, porque lá se defrontam
não só os atores da sociedade, mas também os representantes de diferentes setores
governamentais”.
É na alegação do confronto entre representantes governamentais e atores da sociedade,
onde pode-se observar o amadurecimento das propostas e deliberações do conselho. No caso
citado, sobre o serviço do Jardim Requião, observa-se que além dos usuários do próprio
serviço, o Conselho conta com a participação de um membro governamental que faz parte da
coordenação deste, podendo contribuir com dados como bairros de abrangências e número de
atendidos – no caso dos atendidos pelos Centros de Referencia de Assistência Social denominase, pelo menos nas reuniões observadas, como famílias referenciadas.
Outro ponto de debate e deliberação nas reuniões do Conselho, que exige a participação,
reflexão e troca de informações entre os representantes da sociedade civil organizada e do
Estado é a questão do financiamento das ações de assistência social de Maringá. Aprovação
do orçamento municipal referente às ações de assistência social é uma prerrogativa atualmente
estabelecida na Lei Federal n° 12.435/2011, Art. 17,§ 4°:
“Os conselhos [...] com competência para acompanhar a execução da política de
assistência social, apreciar e aprovar a proposta orçamentária, em consonância
com as diretrizes das conferências nacionais, estaduais, distrital e municipais,
de acordo com seu âmbito de atuação, deverão ser instituídos, respectivamente,
pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, mediante lei específica.”
Embasados nesta disposição Federal, bem como, em suas atribuições conferidas
pela Lei Municipal n° 8.958/2011, o Conselho deliberou no mês de setembro de 2012 sobre
a previsão de recursos para o financiamento das ações de assistência para o município, no
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ano de 2013. Para esta reunião contou com a participação dos representantes do Conselho
Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, Conselho Municipal dos Direitos do Idoso
e Conselho Municipal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, uma vez que estes também estão
vinculados à Secretaria de Assistência do município e reivindicaram a participação na discussão
do orçamento. Em conjunto com os demais conselhos, o Conselho de Assistência observou no
orçamento a inexistência de novas ações propostas para o ano de 2013, sendo que a previsão
foi feita para dar continuidade aos serviços que hoje vem sendo desenvolvidos, com apenas
algumas melhorias e, apesar de aprovar o orçamento como foi apresentado, deliberou solicitar
a inclusão de alguns item, como foi o caso da já mencionada adequação na estrutura física do
Centro de Referência de Assistência Social do Jardim Requião.
Além das deliberações referentes ao orçamento municipal e serviços da área de
assistência social, outro tema que figura continuadamente nas pautas de reuniões do Conselho é
a inscrição de entidades que prestam serviços sociassistenciais no município. Quando falamos
em inscrição de entidades está vinculada a articulação que o Conselho faz para a regulamentação
e readequação dos serviços que estas prestam em consonância com as diretrizes e normativas
da Política de Assistência Social. Para isso o conselho conta com as orientações técnicas e
normativas elaboradas pelo Conselho Nacional de Assistência Social e, por meio da comissão
de cadastro, em parceria com a equipe técnica da Secretaria de Assistência, orienta as entidades.
Todo o ano as entidades inscritas devem apresentar, no início do ano, um plano de ação para as
atividades que serão desenvolvidas e um relatório das atividades do ano anterior, é neste plano
de ação que a entidade deve demonstrar de acordo com as orientações e normativas vigentes,
quais ações e/ou serviços executará.
É importante destacar que as entidades inscritas no conselho estão passando por um
processo de readequação de seus serviços, conforme a Tipificação Nacional dos Serviços
Socioassistenciais, aprovada pela Resolução n° 109 de 11 de novembro de 2009, do Conselho
Nacional, que tipificou e subdividiu em categorias os serviços que se caracterizam em
assistência social. O Conselho Municipal, frente a este documento, exige que as entidades,
para se inscreverem, desenvolvam ações que nele estão especificadas, com exceção apenas de
alguns serviços mais recentes que já foram caracterizados pelo Conselho Nacional como de
assistência social, porém ainda carecem desta tipificação. Neste sentido as entidades, como
critério indispensável para continuarem inscritas no Conselho, devem abandonar suas velhas
práticas voltadas ao assistencialismo para enquadrar-se nesta política, conforme descreva
Almeida (2009, p. 255):
“Para que possam ser reconhecidas nesse novo estatuto, elas estão desafiadas
a transformar suas concepções e práticas, deslocando-as das fundamentações
religiosas, típicas da filantropia, para as dos direitos e deveres correspondentes
à idéia de cidadania. Seu modo de funcionamento, sua prática e seus discursos
passaram a ser avaliados segundo novos critérios, que exigem publicidade,
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universalidade, planejamento, monitoramento, profissionalismo”.
Este trabalho realizado pelo conselho torna-se uma função demasiada técnica e burocrática
a ser executada, levando em consideração que os conselheiros não são obrigatoriamente
profissionais da área e com experiência nas ações de assistência e sua metodologia. Mesmo
trabalhando com as orientações existentes e assessoria técnica, a função de conselheiro nestas
atividades lhes exigem muita disposição e especialização para a atividade específica.
A CONCRETIZAÇÃO DAS AÇÕES DENTRO DE UMA INSTITUIÇÃO
PARTICIPATIVA: ENTRAVES E DESAFIOS.
O Conselho Municipal de Assistência Social, como maior instância participativa de caráter
continuado nas ações de assistência social em Maringá, deve estar em pleno funcionamento
durante todas as gestões da administração municipal. Mesmo que a cada dois anos sejam
realizadas as conferências municipais na área da assistência social, para discussão das diretrizes
que serão seguidas nos anos subsequentes, cabe ao conselho dar continuidade a articulação e
fiscalização destas diretrizes e, é importante frisar que cabe também ao conselho a realização
destas conferências em parceria com o gestor. Temos ainda as instituições que também defende
pautas de interesses desta política de forma legalizada, como os conselhos de classes e sindicatos
que defendem os trabalhadores desta área e entidades que prestam assessoramento e realizam
a defesa dos usuários da assistência social, mas é ao conselho que confluem as demandas e
pautas reivindicatórias referentes às ações de assistência e essa não é uma tarefa possível de ser
exercida se o colegiado não estiver atuante em suas atribuições.
É fundamental que os conselheiros e mesa diretora do conselho estejam atentos aos
diversos aspectos de sua participação, sinalizando e questionando sempre que perceberem suas
atuações convergindo para formas mecanizadas, regradas e/ou direcionadas, seja pela dinâmica
da atuação do conselho prevista na lei e/ou regimento interno – e nesse caso cabe solicitação
de discussão para possíveis diagnósticos da atuação do conselho e até proposição de mudanças
nesta atuação – seja nas solicitações e/ou demandas advindas do governo. É necessário que
os conselhos de políticas públicas visualizem, dentro de suas atribuições, as possibilidades de
se fazerem participativos ao ponto de alcançarem o nível máximo seu caráter democratizante.
Esta atitude se dá no reconhecimento de onde limita-se a ação prática do conselho, conforme
descrevem Almeida e Tatagiba (2012, p. 73-74): “Eles possuem também limites que lhe são
inerentes, como por exemplo, a natureza setorial e fragmentada, sua forte dependência dos
governos e uma tendência à burocratização dos processos participativos...”. A burocratização
das ações atrapalha o caráter participativo dos conselhos num todo quando regra e/ou limita
suas iniciativas, ou mesmo quando faz com que este obedeça a determinada imposição em
detrimento das ações que podem desenvolver livremente no que tange às reivindicações e ou
proposições de melhorias dentro da política pública de assistência.
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Quanto à fragmentação de suas ações é inegável reconhecer que, em se tratando de
um conselho voltado específicamente a uma política pública, tem-se um direcionamento
de demandas e pautas que figura de forma latente. É necessário neste caso que se busque
estratégias de atuações que priorizem a ampliação das discussões de modo que ultrapassem
os limites estatais, agregando e mobilizando o maior número de indivíduos fora do governo
que dependam, atuam e/ou se relacionam de qualquer modo à política pública de assistência.
Outro ponto fundamental para trabalhar soluções de problemas relacionados à fragmentação do
Conselho de Assistência são as articulações cabíveis a este. Neste item Teixeira (2000, p. 111112) descreve quatro possíveis formas de articulação: dos diferentes conselhos entre si; entre os
conselheiros, no sentido de formar consensos e reforçar argumentos e alianças; entre conselhos
e entidades, principalmente com suas bases sociais; entre o conselho e a sociedade como um
todo.
É importante relatar que algumas destas articulações o Conselho Municipal de
Assistência Social de Maringá já realiza, como por exemplo a interlocução com os demais
conselhos. Conforme já exposto a análise do orçamento municipal dos recursos da secretaria de
assistência, previstos para o ano de 2013, se deu em parceria do Conselho de Assistência com
os demais conselhos vinculados à Secretaria de Assistência, uma vez que foi um consenso de
entendimento que todos eles fiscalizavam e acompanhavam, pelo menos em algum item, ações
desenvolvidas pela secretaria. Mesmo que atribuição de deliberar sobre o orçamento recai
apenas ao Conselho de Assistência, levou-se em conta as proposições que os demais conselhos
realizaram. De acordo com as observações há também um fluxo de trabalho espontâneo entre o
Conselho de Assistência e o Conselho dos Direitos da Criança e do Adolescente para diversos
pontos de pauta relacionados a serviços da secretaria, no que tange ao atendimento de crianças
e adolescentes, cujas discussões respaldam tanto na garantia de seus direitos, como nas ações
de assistência social que lhes são destinadas.
Um ponto de entrave para atuação plena do Conselho, que se faz como principal
elemento e também como ponto delicado de sua efetividade é a forma de participação de seus
atores, e para isso entendamos forma de participação como disponibilidade de tempo para
comparecer às reuniões, conhecimento acerca da política pública e mecanismos de execução
destas políticas, compreensão das ferramentas de que se vale a administração municipal para
a implementação da política e outras características que não são obrigatoriamente de domínio
dos atores integrantes do conselho. Um conselheiro atua dentro de suas atribuições esperando
que as discussões e deliberações a qual fez parte surta um efetivo efeito em relação à política
de assistência, principalmente se levarmos em conta que nem os membros da sociedade civil,
nem os membros que representam o governo, atuam no conselho como atividade preponderante
do seu dia a dia. Pelo contrário, conforme descreve Wampler (2011, p. 44): “...os cidadãos têm
tempo limitado para desempenhar ações voluntárias, portanto eles só continuarão a participar
das reuniões se acharem que isso terá um efeito positivo”. Levando em conta que a participação
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O CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DE MARINGÁ-PR
no Conselho, além de ser voluntária, requer dos conselheiros disponibilidade de tempo e estudo
de alguns assuntos que permeiam suas pautas de debate e deliberação, é fundamental que,
além de seu interesse e comprometimento com a Política de Assistência Social, eles consigam
visualizar êxitos na existência na atuação do Conselho, fazendo deste um real veiculo de efetiva
mudança e melhoria nos assuntos característicos do governo local.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Carla Cecília Rodrigues. Conselhos gestores e regulação: a assistência social em
tempos de transição. In: Política e sociedade. 2009, V. 08, n° 15, p. 251-269.
ALMEIDA, Carla; TATAGIBA, Luciana. Os conselhos gestores sob o crivo da política:
balanços e perspectivas. Ser. Soc. Soc., São Paulo, n° 109, p. 68-92, jan./mar. 2012.
BRASIL. Lei Federal n° 12.435 de 06 de julho de 2011. Altera a Lei n° 8.742, de 7 de dezembro
de 1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social. Brasília-DF, Brasil.
DAGNINO, Evelina. Democracia, teoria e prática: a participação da sociedade civil. In:
PERISSINOTTO, Renato; FUKS, Mario. (Org). Democracia teoria e prática. Rio de Janeiro:
Relume Demurá, 2002, p. 141-166.
LAVALLE, Adrián Gurza. Participação: valor, utilidade, efeitos e causa. In: PIRES, Roberto
Rocha C. (Org). Efetividade das instituições participativas no Brasil: estratégias de avaliação.
Brasília: Ipea, 2011, v. 7, p. 33-42.
MARINGÁ (Município). Lei Municipal n° 1.859 de 14 de junho de 2011. Dispõe sobre a
Conferência Municipal de Assistência Social o Conselho Municipal de Assistência Social e o
Fundo Municipal de Assistência Social. Maringá-PR, Brasil.
TEIXEIRA, Elenaldo Celso. Conselhos de Políticas Públicas: Efetivamente uma nova
institucionalidade participativa?. Revista Pólis, n° 37, São Paulo: 2000. p. 99-119.
TONELLA, Celene. Poder local e políticas públicas: o papel dos conselhos gestores.
Maringá: Eduem, 2006.
WAMPLER, Brian. Que tipos de resultados devemos esperar das instituições participativas?.
In: PIRES, Roberto Rocha C. (Org). Efetividade das instituições participativas no Brasil:
estratégias de avaliação. Brasília: Ipea, 2011, v. 7, p. 43-51.
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PERCEPÇÕES DE MORADORES DE PEQUENOS
MUNICÍPIOS COM A CHEGADA DAS UNIDADES
PRISIONAIS: O CASO DE VALPARAÍSO- SP
Natália Carolina Narciso Redigolo
Mestranda em Ciências Sociais na linha de “Pensamento Social e Políticas Públicas” pela
Universidade Estadual Paulista (UNESP). Licenciatura em Ciências Sociais pela Universidade
Estadual Paulista (UNESP) e bacharelado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM). Contato: [email protected]
Resumo: A construção de presídios em municípios pequenos pode trazer sentimentos ambíguos
para a população que o recebe: por um lado a sociedade combate e avalia negativamente este
tipo de empreendimento, e por outro usufrui e exalta a criação de empregos e o incremento
econômico, especialmente do comércio. Com a desativação de grandes presídios paulistanos,
o governo paulista empreende uma “interiorização” do sistema penitenciário, contemplando
a cidade de Valparaíso com um presídio com capacidade de 600 condenados, para uma
população de pouco mais de 18 mil habitantes. Em 2001, outro foi construído para 672 presos.
As penitenciárias causaram um impacto significativo em vários aspectos da vida da população.
Atualmente, a população carcerária totaliza quase 9% da população total do município, gerando
confortos e desconfortos. Valparaíso era uma cidade pacata, com baixo índice de criminalidade
e baixíssima percepção de criminalidade. Através da aplicação de entrevistas e questionários
com a população tentamos avaliar as mudanças nas percepções destes moradores. Investigamos
a vitimização e o medo dos moradores antes e depois da instalação das unidades em cada bairro,
e fizemos perguntas sobre como a penitenciária afeta positiva ou negativamente cada segmento
da população. Também comparamos as mudanças nas taxas de criminalidade dos municípios da
região que possuem unidades prisionais com os que não possuem.
Palavras-chave: Interiorização do sistema penitenciário; Percepções; Violência; Cidades.
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PERCEPÇÕES DE MORADORES DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COM A CHEGADA DAS UNIDADES PRISIONAIS:
O CASO DE VALPARAÍSO- SP
INTRODUÇÃO
“A cidade representa a maior aspiração da humanidade em relação a uma ordem
perfeita e harmônica, tanto em sua estrutura arquitetônica como nos laços sociais”
1
.
Yi- Fu Tuan inicia com esta frase o capítulo chamado Medo na Cidade, no livro Paisagens
do Medo. O geógrafo, inspirado nas reflexões sobre a fenomenologia mostra que a idéia de
cidade mexe com as emoções de seus habitantes. Por isso, falar em cidade é muito mais do que
descrever seus aspectos físicos, e sim mostrar que ela é fruto das aspirações humanas, e reflete
as percepções de seus habitantes.
Tudo o que se constrói em uma cidade reflete os desejos de um grupo de pessoas e afeta
a vida dos moradores. Desta forma, pensar em cidade, em planejamento urbano é pensar no
impacto dos empreendimentos na vida dos moradores.
Cada empreendimento pode afetar a vida da população de uma maneira diferente.
Alguns podem ser muito bem recebidos, outros podem trazer transtornos à vida das pessoas e
outros podem trazer sentimentos ambíguos. Um exemplo claro destes últimos é a construção de
penitenciárias em municípios pequenos.
Os sentimentos que a presença de uma penitenciária desperta na população são ambíguos
no sentido que por um lado a sociedade combate e avalia negativamente, mas por outro usufrui
e exalta a criação de empregos e o incremento econômico, especialmente do comércio.
Para investigar estes sentimentos escolhemos o município paulista de Valparaíso,
localizado a cerca de 600 km da capital do estado. Em 1998, com a desativação de grandes
presídios paulistanos, o governo do estado empreende uma “interiorização” do sistema
penitenciário, contemplando Valparaíso com um presídio (Penitenciária de Valparaíso –
“Segurança Máxima”) com capacidade de 600 condenados, para uma população de pouco mais
de 18 mil habitantes. Em 2001, chegou ao município o Centro de Progressão Penitenciária,
CPP, com capacidade para 672 presos (regime semi-aberto).
A escolha deste município como nosso objeto de estudo deve-se ao fato da penitenciária
ter causado um impacto significativo em vários aspectos da vida da população. Atualmente,
somando-se os dois presídios, a população carcerária totaliza mais de 2000 pessoas (CPP, 895
e Penitenciária, 1121) 2 o que representa quase 9% da população total do município, gerando
confortos e desconfortos.
1 TUAN, Yi-fu. Paisagens do Medo, Trad: Lívia de Oliveira. Editora UNESP, 2005. P.231.
2 Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária, informação retirada em 17/03/2010, 10h56. http://www.
sap.sp.gov.br/common/unidprisionais/cro/pen_valparaiso.html http://www.sap.sp.gov.br/common/unidprisionais/
cro/cpp_valparaiso.html
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NATÁLIA CAROLINA NARCISO REDÍGOLO
Valparaíso era uma cidade pacata, com baixo índice de criminalidade e baixíssima
percepção de criminalidade. Hoje há um discurso de medo entre os moradores. Alem do
medo das rebeliões, a insegurança dos moradores se dirige, também, às visitas dos presos,
que carregam estigmas. O senso comum, balizado pela mídia, estigmatiza o presidiário e
toda a sua rede de relações (familiares e amigos, por ex.). Para Goffman, “uma pessoa com
ordem de prisão pode contaminar legalmente qualquer um que seja visto em sua companhia,
expondo-o à prisão como suspeito” (1975, p.57). Desta forma, se determinados moradores do
município têm alguma relação com o preso, eles também são considerados bandidos e, neste
caso, a presença da penitenciária automaticamente faria “aumentar o número de bandidos” do
município. Conflitos com os novos moradores podem aumentar ainda mais o medo do crime,
pois “a perda de confiança na vizinhança é condição tanto para incidentes de crime como para
o medo da vitimização” (FELIX, 2002, p. 132).
Diversos instrumentos foram utilizados para tentar compreender os impactos da
penitenciária na vida das pessoas: referencial teórico sobre o assunto, notícias de jornais, análise
de documentos, entrevistas e questionários com os moradores. As entrevistas e questionários
foram a parte mais reveladora da pesquisa, pois foi o momento em que a população expôs
verbalmente suas percepções sobre a penitenciária. Isto fez com que as pessoas levantassem
inquietações que não percebiam ter. As entrevistas renderam cerca de dez horas de gravação e
os questionários centenas de variáveis. Infelizmente, pesquisa é recorte e nem tudo foi utilizado
para este texto.
A prisão assume significados diversos para os diferentes atores sociais: a sociedade em
geral, o Estado, o recluso e as pessoas que vêem seu cotidiano diretamente afetado pela presença
da instituição. Ela é o símbolo da segregação, da separação entre bons e maus, punidos e não
punidos, a revanche social contra o mal praticado: o criminoso é um ofensor à sociedade e a
prisão é a expiação da sociedade contra a sua ofensa (crime). Embora seja o símbolo de ordem ao
tirar os “desordeiros” do convívio social e mantê-los confinados sob regras, também é símbolo
de desordem, pois, segundo relatos de presos, funcionários, da literatura sobre o assunto3 e dos
veículos midiáticos, tratam-se de verdadeiras bombas relógio, onde nada funciona como deveria
(as celas são superlotadas, há corrupção em todas as instâncias, alguns presos têm privilégios e
outros são completamente esquecidos pelo aparato estatal) e há sempre a iminência de rebeliões,
homicídios, extermínios. Ela mostra a presença do poder estatal - decide quem deve estar dentro
ou fora dos muros e como deve ser a sua tutela, mas também mostra a fraqueza estatal, ao
escancarar como o crime organizado (no caso paulista, o PCC) consegue exercer poder em
um espaço que deveria ser totalmente controlado pelo Estado (DIAS, 2011). Teoricamente,
ela também é um símbolo de educação, reinserção e ressocialização, como outras instituições
típicas para este fim (escolas, conventos, manicômios) 4, mas não tem alcançado muito sucesso
3 VARELLA (1999), por exemplo
4 Ver mais sobre isto em GOFFMAN (2001)
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PERCEPÇÕES DE MORADORES DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COM A CHEGADA DAS UNIDADES PRISIONAIS:
O CASO DE VALPARAÍSO- SP
nestes objetivos. Enfim, este tipo de instituição pode ser ao mesmo tempo símbolo da violência
(nem toda violência da sociedade está contida em seus muros, mas seus muros contêm apenas
seres que de alguma forma violentaram a sociedade5), da justiça (ao tentar punir, vingar ou
evitar um novo mal) e do perigo (já que seus muros contêm pessoas que “ameaçam” de alguma
forma a sociedade).
Na década de 1980, depois de um longo período de ditadura, o Brasil se deparou com
um processo de democratização em que a questão dos direitos do cidadão era a pauta do dia.
Este contexto incide no sistema penitenciário de duas maneiras: por um lado os presos entram
no script dos cidadãos a receberem seus direitos, principalmente os “direitos humanos” de
forma que se elaborou uma série de medidas que previam a humanização do sistema carcerário;
por outro lado, o país se encontrava em crise econômica e aumento da criminalidade, de forma
que parte da população não queria dividir os direitos (principalmente sociais) com aqueles
que agridem a sociedade democrática com a violência e a criminalidade. O poder político
acabou optando por recuar com as políticas de humanização dos presídios. Um exemplo da
guinada conservadora da década de 1990, é o “vertiginoso aumento da população prisional
nesse período, no Brasil como um todo, mas particularmente em São Paulo” (DIAS, 2011,
p.103). Esta explosão demográfica carcerária está relacionada ao descrédito da prisão como
ressocializadora, conformando-se com seu papel de segregadora espacial.
Para tentar humanizar o sistema carcerário, o governo paulista transferiu as funções
prisionais da Secretaria de Segurança Pública (SSP) para a Secretaria de Administração
Penitenciária (SAP), com a intenção de melhorar as condições dos presos e aumentar a segurança
dos cárceres. Com a SSP, os presos eram tutelados pela polícia civil em locais totalmente
inadequados (as cadeias, delegacias e etc), aumentando o risco de rebeliões. Já a Secretaria
de Administração Penitenciária construiu unidades prisionais mais adequadas e treinou
(mesmo que minimamente) os profissionais que lidam com os presos (que não são policiais
e sim funcionários concursados). Dias (2011, p.98) aponta que a SAP agia “a partir de uma
diretriz de controle do abuso de poder dos guardas sobre os presos” enquanto a SSP mostrava
“uma tendência clara de produzir nova inflexão na questão dos direitos, em direção a novos
retrocessos no que diz respeito ao controle da ação policial dentro dos limites legais”. Mesmo
esta transferência tendo trazido algumas mudanças nas condições das prisões, em momentos de
crise como nas rebeliões, a idéia de humanização é sempre a primeira a ser esquecida.
O governo do estado, agora com a SAP, tentou resolver o problema das prisões
aumentando suas vagas6. Para tanto criou 132 novas unidades prisionais no estado desde o ano
5 É claro que aqui não estamos levando em conta os casos, que devem ser muitos, de pessoas presas injustamente.
Estas considerações são apenas para refletir sobre a imagem que se tem das prisões e não devem ser levadas ao pé
da letra.
6 Segundo os últimos números divulgados pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em junho de 2010
a população carcerária de São Paulo chegava a 173.060 presos, distribuídos em 148 estabelecimentos.
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331
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de 1990, tendo o período de 1998 a 2008 como recordista em construções.
Godoi (2010) observa que este processo de instalação das prisões no interior do estado
altera toda uma estrutura que existe ao redor do preso. Ou o visitante do preso começa a fretar
ônibus, estruturando um sistema de transporte informal ou ele migra para o município em que
a penitenciária se encontra, mudando toda a sua dinâmica. Isto acontece porque a distribuição
dos presos nas unidades não tem nenhuma relação com sua origem, já que, 70% dos presos
do estado são paulistas sendo metade da região metropolitana e a outra metade dos outros 606
municípios (GODOI, 2010, p.50), de modo que a grande maioria acaba deslocada da cidade em
que residia antes da prisão e afastada de seus familiares e amigos.
O medo ocasionado pelas rebeliões fugas e homicídios obtém como resposta a construção
de novas unidades. O processo de interiorização do sistema penitenciário é uma questão política,
econômica e de ocultação dos dilemas das prisões e sua concretização geralmente não considera
o que uma prisão significa para o município que a recebe. Por isso, observamos o impacto deste
processo na pequena Valparaíso, que convive com o “mundo da prisão” há cerca de 15 anos.
O MUNICÍPIO ESTUDADO: VALPARAÍSO
Valparaíso é uma cidade de 22.576 habitantes, com um Índice de Desenvolvimento Humano7 de
0,807 e uma área de 858 km², sendo 4,96 km² de área considerada urbana.
A história de Valparaíso, como a maioria das cidades do interior de São Paulo é a história
dos ciclos rurais, principalmente do café e da cana-de-açúcar. As atitudes e percepções de uma
população têm a ver com o espaço que ela se relaciona, de forma que esta vocação agrária das
cidades confere certas características a seus habitantes.
Valparaíso foi fundada e emancipada no ano de 1937 (ESERIAN e CARVALHO,
2009), graças à expansão da cultura de café no estado de São Paulo. Em 1940, já contava com
uma população de 40 mil habitantes, espalhados em uma área que hoje corresponde a vários
municípios que cresceram e acabaram se emancipando, fazendo a população declinar ao ponto
de chegar à 7.000 habitantes. Depois da prosperidade econômica proporcionada pela cultura do
café na década de 40, e do declínio na década de 60, a cidade volta a prosperar na década de
80 graças à expansão de uma nova cultura: a cana-de-açúcar. Em 1976, o município recebeu a
primeira destilaria de álcool da região oeste paulista: a Univalen. Graças à usina também surgiu
o primeiro núcleo residencial da cidade: O Parque dos Canavieiros. Desta época em diante a
população volta a crescer, pois graças à geração de empregos, muitas pessoas migram de outros
estados para trabalhar no corte da cana e toda a população se vê de alguma forma ligada à cana
de açúcar. Todo o comércio e os serviços se desenvolveram de acordo com as necessidades da
7 No IDH são calculadas variáveis relativas a renda, longevidade e escolaridade, para tentar mensurar a qualidade
de vida de cada cidade ou região. Quanto mais próximo o índice for de 1, melhor é a qualidade de vida.
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usina.
Hoje a cidade até conta com outras culturas, mas a cana ainda prevalece de maneira
indiscutível e apesar de várias mudanças ocorridas nos últimos anos, Valparaíso pode ser
considerada uma cidade agrária, contando com 3 usinas de açúcar e álcool (uma pertencente ao
município vizinho, Bento de Abreu, a 10 km de Valparaíso8)
Apesar de o município ainda depender quase que exclusivamente de seus produtos
rurais, as mudanças nas técnicas de produção inverteram o perfil da população. Enquanto em
1980 a taxa de urbanização9 era de apenas 75,28%, hoje conta com mais de 95%, pois o plantio
e a colheita de cana estão quase que totalmente mecanizados e não há mais necessidade da
instalação dos munícipes nas áreas rurais.
Com isso o comércio da cidade também cresceu: em 1991 o município possuía 57
estabelecimentos comerciais e em 2010 já contava com 146 de acordo com o Seade. E este
número provavelmente está subestimado, já que é comum parte dos comerciantes se manterem
na informalidade por causa da alta carga tributária do país. Alem das usinas, outro fator que pode
ter fortalecido o comércio local é a chegada das penitenciárias no município. Em entrevista,
um agente penitenciário garantiu que muitos comerciantes se beneficiaram com a vinda das
penitenciarias, pois as duas unidades compram praticamente tudo no comércio local e as visitas
dos presos gastam muito nos fins de semana.
Porem este tipo de consumidor não é festejado por todos. Um comerciante entrevistado
garante que aos sábados possui dois tipos de clientes, um ocorre antes das 16 horas e o outro
depois. Segundo ele, as mulheres que compram após as dezesseis são “muito barulhentas, e
meio para frente, acham que são donas da razão, já chegam impondo as coisas”. Apesar de elas
trazerem um lucro extra ao seu comércio, o entrevistado garante que preferia não ter este tipo
de público para não correr o risco de ser furtado.
A opção por trazer as unidades prisionais para Valparaíso foi uma alternativa política
consciente. A prefeita da época garante que a prisão traz muitos empregos aumentando a renda da
cidade. Em 13 de maio de 1997 a câmara de vereadores do município aprovou por unanimidade
o projeto de lei, em regime de urgência que previa a doação da propriedade municipal para o
Governo do Estado com a finalidade de construir a penitenciária. No próprio projeto consta que
“esta obra irá gerar cerca de 400 empregos durante a construção e quando em funcionamento
mais ou menos 600 empregos diretos, alem de melhorar o movimento financeiro e comercial do
município e conseqüentemente gerando mais arrecadação aos cofres públicos”.
Este discurso estava afinado com o discurso oficial do governo do estado, que precisava
8 Como grande parte dos trabalhadores desta usina são moradores de Valparaíso, ela é considerada pertencente
ao município na percepção dos moradores.
9 http://www.seade.gov.br/produtos/imp/index.php?page=tabela
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construir diversas unidades prisionais para tentar amenizar os problemas de segurança pública
da época. O contexto era de crise econômica na grande maioria dos municípios do interior do
estado e de crise do sistema prisional concentrado na capital.
Na época, até mais do que hoje, era comum programas sensacionalistas que descreviam
os crimes e pregavam a vingança da sociedade aos criminosos (CALDEIRA, 2000). A
democracia ainda era algo muito recente, a violência urbana estava atingindo índices absurdos
e muitas pessoas sentiam saudades do rigor da ditadura militar para com os “bandidos”. O
chamado Massacre do Carandiru despertou a atenção para os problemas do sistema penitenciário
paulista10.
Enquanto uma parcela da sociedade continuava a achar que bandido tem que sofrer
mesmo, outra parcela começou a exigir direitos humanos dos detentos. Diante deste debate,
resolver o problema das prisões entrou na pauta da agenda do governo do PSDB, que assumiu o
estado três anos após o massacre. O empenho foi grande, e nos anos seguintes foram construídas
dezenas de unidades prisionais no interior do país. Valparaíso foi uma das primeiras cidades a
contribuir com a desativação do Carandiru.
O vereador que requereu a instalação da penitenciária conta em entrevista realizada
em abril de 2012 que a ideia partiu de uma noticia de jornal que dizia que seriam construídas
no estado 22 novas penitenciárias. Ao ver a noticia pensou na segurança da população e nos
empregos que traria. Quanto à segurança, o vereador ao lado de uma comissão foi visitar a
unidade instalada no município vizinho, Mirandópolis. Desta visita ele concluiu que a presença
de penitenciárias não aumenta a criminalidade no município. Ele admite que a população de
Valparaíso não foi consultada em nenhuma etapa do processo. Sua única objeção à penitenciaria
é a localização (muito próxima aos bairros residenciais), que segundo ele foi escolhida sem a
sua consulta. Ao ser interrogado sobre o motivo da aprovação, já que tinha objeções, respondeu
que na ocasião da votação já estava tudo decidido e que, como autor da proposta, não perderia
o bônus político do empreendimento por causa de uma objeção.
Apesar das objeções, não acredita que o crime ou o medo tenham aumentado, e não se
incomoda com as visitas dos presos porque não convive com elas, mas não deixa de observar
que a população tem um forte preconceito com estas pessoas. A penitenciaria é vista como uma
coisa tão positiva pelos políticos locais que há uma disputa sobre o processo de implantação. A
prefeita da época garante que a vinda da penitenciária contribuiu com a sua reeleição em 2000.
Muitos entrevistados comentaram que antes do governo oferecer a unidade para Valparaíso,
10 Carandiru é o apelido da Casa de Detenção, um complexo prisional que abrigava cerca de 10 mil presos em
condições inadequadas de saúde, higiene e segurança. Uma rebelião, provavelmente decorrente de uma briga, fez
com que a polícia entrasse no complexo e desse inicio a uma chacina no dia 2 de outubro de 1992(VARELLA,
1999). As informações sobre o ocorrido são controversas: imprensa, órgãos oficiais e sobreviventes tem versões
diferentes das causas da chacina e da quantidade de mortos, mas o fato é que o incidente levantou o debate sobre
as condições das detenções paulistas.
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foi oferecida para a cidade vizinha, Guararapes, e a população de lá foi terminantemente contra.
Alguns relatos apontam que os próprios moradores de Valparaíso reivindicaram a instalação
da penitenciaria por acharem que a vizinha Mirandópolis, que já tinha a unidade, estava se
desenvolvendo mais. O chefe do Departamento de Água do município na época acha que é uma
bobagem a população de Guararapes se orgulhar de ter recusado a penitenciária, pois eles não
têm vantagens como a geração de empregos e melhora no comércio, mas têm os prejuízos, pois
um foragido de Valparaíso provavelmente vai para lá.
De fato algumas coisas mudaram com a vinda das unidades. Além do movimento no
comércio em geral, como dito acima, tipos específicos de atividades se desenvolveram em
função dos presídios. Se antes da penitenciária o movimento hoteleiro em Valparaíso era quase
inexistente, hoje existem seis hotéis, de acordo com o site oficial da prefeitura municipal e
mais dezenas de pousadas, muitas delas dirigidas pelos próprios familiares dos presos, que se
instalam no município, alugam uma casa com vários quartos e recebem as pessoas que vem nos
fins de semana por preços mais módicos do que os cobrados pelos hotéis.
O setor de transportes também foi ampliado: antes da instalação das unidades havia
apenas um taxi que passava a maior parte do tempo parado na rodoviária. Na ocasião da pesquisa
encontramos o telefone de seis taxis diferentes e dezenas de moto taxis. Cardoso e Siqueira
(2011) afirmam que “a construção de presídios acabou com a vida pacata e transformou cidades
do oeste do Estado no “Texas paulista”, apelido dado pelos próprios detentos por causa da
distância da capital e do rígido sistema carcerário”.
Os policiais garantem que por causa das penitenciárias na região triplicou o número de
mulheres presas por tráfico de drogas, flagradas ao tentar entrar nas unidades com drogas dentro
do corpo. Além dessas visitas, a polícia também reclama do transtorno trazido pela “saidinha”
dos presos do regime semiaberto em algumas datas. Apontam um aumento de 20% a 30% no
número de furtos e roubos durante os períodos de saída temporária (ALEXANDRE, 2007).
Um entrevistado em Valparaíso afirmou que a penitenciária tirou a segurança da comunidade
porque os policiais ao invés de estarem fazendo ronda, estão fazendo acompanhamento de
depoimentos de preso, guarda em pavilhões e escolta, deixando a população desguarnecida.
Apesar disso, os entrevistados se mostram conformados com a presença da penitenciária:
“Tem que ter um lugar para os presos. Então a gente tem que aceitar, eu aceito isso, porque se
tem que ter em algum lugar, por que não aqui?”. A ideia é que a penitenciária não resolve o
problema da criminalidade, mas os criminosos existem e precisam ser isolados em algum lugar.
Percebemos que os sentimentos da população em relação a penitenciária muitas vezes são
controversos e isto pode ser melhor observado com uma análise mais detalhada das entrevistas
e dos questionários.
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A PESQUISA DE CAMPO EM VALPARAÍSO
Este texto apresenta apenas uma parte da pesquisa, pois os questionários aplicados ainda não
foram totalmente tabulados e analisados. Foram aplicados 226 questionários, espalhados em
todos os bairros do município. Este número representa cerca de 1% da população. Como não
dispusemos da distribuição populacional dos bairros, fizemos um calculo a partir da quantidade
de ligações de água ativas em cada bairro11.
A construção do questionário foi baseada nas entrevistas, onde pudemos perceber como
tocar nos pontos mais importantes para a investigação. Antes da aplicação definitiva também
foram aplicados dez questionários-teste para decidir a melhor forma de abordagem.
Estamos cientes das limitações deste tipo de método de investigação, pois “fatores,
como a surpresa da abordagem, o local onde o entrevistado se encontra, o interesse pessoal
e a própria conjuntura social também podem influenciar nas respostas” (BRANDÃO; DALT;
SILVA; SANTOS, 2008: 36), mas mesmo assim acreditamos que a aplicação de questionários
pode trazer uma enorme riqueza de informações, já que abrange um numero significativo de
pessoas de diferentes localidades e grupos sociais. Este tipo de pesquisa é um subsídio para
percebermos se a população em geral se sente insegura com a presença das penitenciárias no
município.
A espacialização dos questionários serve para medir as percepções nos diferentes espaços
e classes sociais. A sensação de insegurança pode mudar toda a dinâmica da sociedade e alterar
a estrutura urbana. Em uma cidade ou bairro em que a sensação de medo do crime é alta, a
população desenvolve estratégias de defesa, tanto mudando a arquitetura de suas residências
(muros altos e fechados, câmeras e interfones), como mudando seus hábitos: deixando de
frequentar determinados espaços em determinados horários ou deixando de se relacionar com
determinadas pessoas.
Apesar do roteiro definido para as entrevistas e do questionário fechado, este contato
direto com a população trouxe surpresas importantes para a pesquisa. Alguns temas, por
exemplo, foram recorrentes nas falas dos moradores mesmo quando não eram perguntados
diretamente sobre o assunto.
Um destes temas é o direito dos presos. Muitos moradores se mostraram ávidos para
discutir a legalidade dos benefícios dos presos em detrimento dos cidadãos comuns. Para
grande parte dos moradores, de todas as classes sociais, é aviltante pensar que alguém que
matou, roubou ou sequestrou está sendo alimentado e medicado com dinheiro público. Além do
mais, há um discurso recorrente de que os presos têm prioridade no atendimento aos serviços
públicos, em contrapartida dos cidadãos “de bem”, que trabalham e acabam tendo que enfrentar
11 Informações fornecidas pelo DAEV (Departamento de Água e Esgoto de Valparaíso)
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O CASO DE VALPARAÍSO- SP
filas e passar por dificuldades para assegurar estes serviços.
Em relação a isto, o direito que mais revolta a população é o auxilio-reclusão. Em quase
todas as entrevistas e questionários, percebe-se um sentimento muito crítico a esse benefício
do preso. Referem-se a ele como bolsa ou salário, sempre com muito ódio ao imaginar que os
filhos dos presos recebem o benefício. Todas as alusões se referem a um salário altíssimo que
beneficia todos os presos. O auxilio reclusão está muito presente no imaginário popular, com
ideias generalistas. Na verdade o auxílio-reclusão não é uma bolsa e nem todos os presos têm
direito. É um benefício previdenciário previsto na Constituição (art. 201, IV), destinado aos
dependentes do preso segurado de baixa renda que estava trabalhando na ocasião da prisão.
A extensão do benefício nem é expressiva, já que o país tem cerca de 500 mil presos12 e o
benefício é pago a cerca de 30 mil famílias, de acordo com o site da Previdência Social13, local
onde se encontram todas as informações, de forma clara e breve.
Depois de anos de luta pela consolidação da democracia, quando se trata de segurança
pública a população se sente saudosa em relação aos métodos ditatoriais. A prova disso é uma
pesquisa recente (divulgada em junho de 2012) coordenada por Nancy Cardia e aplicada no
país inteiro, que encontrou 47,5% dos brasileiros favoráveis ao uso da tortura para obtenção de
provas de crimes14.
O outro tema que mexe com a percepção dos moradores é a presença da chamada
“mulher de preso”. Esta figura, que seria a visita dos presos, carrega um forte estigma. Em
uma cidade pequena, onde todos são mais ou menos conhecidos, as pessoas “diferentes” são
facilmente identificadas. Os sinais de identificação das mulheres de presos são: compras nos
mercados no período da tarde aos sábados portando sacolas de plástico transparente, utilização
de vans ou taxis.
Segundo relato dos moradores, nos comércios locais há até funcionários específicos
para observar as mulheres de preso. Isto mostra que entre os comerciantes há critérios claros
para identificá-las.
A presença destas pessoas é incômoda para grande parte da população. Até porque muitos
acham que o preso não deveria receber visitas, já que sua punição deve ser a pior possível.
Mais do que a visita em geral, o que causa grande polemica entre os entrevistados é o direito
à visita íntima e isso também tem a ver com a disputa de direitos com o “cidadão de bem”. Na
percepção de alguns entrevistados, se essas mulheres se sujeitam a gerar filhos dentro de uma
prisão, não merecem respeito, nem na forma como são revistadas.
12 http://www.bbc.co.uk/portuguese/noticias/2012/05/120529_presos_onu_lk.shtml
13 http://www.previdencia.gov.br/conteudoDinamico.php?id=922
14 http://www.nevusp.org/portugues/index.php?option=com_content&task=view&id=2858&Itemid=96
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Uma agente que exerce a função da revista feminina descreve que as agentes anotam
a roupa que as visitantes estão usando, seus nomes e os dos filhos. Não podem entrar com
roupa decotada, curta ou transparente. Se elas se recusam a trocar de roupa recebem 90 dias
de suspensão. Ficam cinco agentes dentro de um cômodo bem grande, elas entram, tiram as
roupas, colocam em um balcão, onde são anotadas e revistadas. Nuas, vão para um canto, onde
outra funcionaria fala para ela fazer o agachamento15, três vezes de frente, três vezes de costas,
mostrando o máximo possível o interior da sua genitália. Depois vão para um detector de metais
e repetem os movimentos.
De acordo com os questionários, a população não acha este procedimento exagerado, pois
se as mulheres realmente tentam entrar com objetos proibidos, tem que aceitar o procedimento.
O direito de uma mulher de preso, tal como o direito de um preso deve ser bem demarcado em
relação aos direitos da população.
Para captar as percepções dos pesquisados montamos um questionário que buscasse
captar a relação dos moradores com o município, a percepção de criminalidade na cidade, com
perguntas como “Você já foi vitima de algum crime na cidade?”, “Você tem medo de ser vitima
de algum crime na cidade?” e “O que você faz para se proteger da criminalidade?”. Também
fizemos perguntas específicas sobre a penitenciária como “A construção de mais penitenciárias
auxilia na solução para o problema de criminalidade do país?”, “Como você acha que é o
funcionamento de uma unidade prisional?”, “Como você acha que é o tratamento dos presos
numa penitenciária?”, “Como você acha que é o tratamento dos familiares dos presos numa
penitenciária?”, “A presença das penitenciárias no município aumentou a criminalidade?”.
Inicialmente tentamos traçar um perfil dos entrevistados.
PERFIL DOS ENTREVISTADOS
Para traçar o perfil perguntamos o tempo residência no bairro, a profissão, o sexo, a idade, a
escolaridade, a renda e o estado civil. Os entrevistados foram 81 homens e 145 mulheres. A
superioridade feminina é comum neste tipo de pesquisa, já que em muitas famílias ainda, mais
homens trabalham fora do que mulheres. Já a faixa etária teve a seguinte distribuição:
15 Embora não tenha sido informado pela agente entrevistada, sabe-se que em algumas instituições são colocados
espelhos no chão para melhor visualização da genitália.
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IDADE DOS ENTREVISTADOS (ANOS)
2%
14%
31%
DE 16 A 25
DE 25 A 50
ACIMA DE 50
SEM RESPOSTA
53%
RELAÇÃO COM O ESPAÇO
De acordo com Tuan (2005) a apreciação da cidade varia de acordo com o local, a classe
social e a biografia da pessoa. Por isso o morador de cada bairro pode apreciar a cidade de uma
maneira diferente. Para o autor, as pessoas tendem a julgar a qualidade do seu bairro mais pelo
que percebem ser um bom vizinho do que pela condição física do bairro (TUAN, 2005, p. 259).
Portanto, apreciar a cidade é classificar os moradores, os vizinhos e os “outros”.
Por isso uma das variáveis usadas foi o tempo de residência. Moradores mais antigos
tendem a ter uma relação sentimental maior com seu espaço e se preocupar e observar mais os
empreendimentos que os cercam.
Tabela1. Tempo de moradia dos entrevistados por bairro
DE 1 A 5
ANOS
0 (0%)
DE 5 A 10
ANOS
1 (33%)
MAIS DE
10 ANOS
2 (67%)
SEM
RESPOSTA
0 (0%)
TOTAL
ACAPULCO
MENOS
DE 1 ANO
0 (0%)
AGROVILA
0 (0%)
1 (17%)
0 (0%)
5 (83%)
0 (0%)
6
A. BUAINAIN
2 (100%)
0 (0%)
0 (0%)
0 (0%)
0 (0%)
2
BELA VISTA
0 (0%)
0 (0%)
1 (33%)
2 (67%)
0 (0%)
3
CALIFORNIA
0 (0%)
0 (0%)
0 (0%)
1(100%)
0 (0%)
1
CANGUÇU
0 (0%)
1 (4%)
3 (11%)
23(85%)
0 (0%)
27
CENTRO
0 (0%)
2 (7%)
1 (3%)
27(90%)
0 (0%)
30
J. M. B. ARRUDA
0 (0%)
1 (33%)
0 (0%)
2 (67%)
0 (0%)
3
ECOVILLE
1 (33%)
1 (33%)
0 (0%)
1 (34%)
0 (0%)
3
FLAMBOYANT
0 (0%)
1(100%)
0 (0%)
0 (0%)
0 (0%)
1
JD. CRISTAL
1 (17%)
0 (0%)
2 (33%)
3 (50%)
0 (0%)
6
3
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LAMBARI
3 (12%)
5 (19%)
5 (19%)
13(50%)
0 (0%)
26
MIGUEL VILAR
0 (0%)
0 (0%)
1 (33%)
2 (67%)
0 (0%)
3
MORUMBI
0 (0%)
1 (33%)
0 (0%)
2 (67%)
0 (0%)
3
PEDRO SAMUEL
0 (0%)
1 (20%)
1(20%)
3 (60%)
0 (0%)
5
PQ.CANAVIEIROS
1 (20%)
0 (0%)
0 (0%)
4 (80%)
0 (0%)
5
ASA BRANCA
0 (0%)
1(11%)
0 (0%)
8 (83%)
0(0%)
9
RIVIERA
2 (18%)
1 (9%)
3 (27%)
5 (46%)
0 (0%)
11
SANTA CASA
0 (0%)
1 (5%)
1 (5%)
17(90%)
0(0%)
19
SANTA ROSA
0 (0%)
1 (6%)
4 (24%)
12(70%)
0(0%)
17
SÃO PEDRO
0 (0%)
2 (7%)
3 (11%)
22(78%)
1 (4%)
28
VALDEVINO
0 (0%)
1 (10%)
0 (0%)
9 (90%)
0 (0%)
10
VILA AYUB
0 (0%)
0 (0%)
2 (50%)
2 (50%)
0 (0%)
4
VILA RICA
0 (0%)
0 (0%)
0 (0%)
1(100%)
0 (0%)
1
TOTAL
10 (4%)
21 (9%)
28(13%)
165(74%)
1 (0%)
226
Gráfico 1: Gosta do bairro em que mora?
GOSTA DO BAIRRO ONDE MORA?
2%
0%
7%
SIM
NÃO
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
91%
A esmagadora maioria dos entrevistados gosta do bairro onde moram, e a frequência se
repete independente do tempo de moradia:
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Gráficos 2 e 3.
MENOS DE UM ANO DE RESIDENCIA NO
BAIRRO
DE UM A CINCO ANOS DE RESIDENCIA NO
BAIRRO
0%
10%
0%
0%
0%
19%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
INDIFERENTE
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
81%
90%
Gráficos 4 e 5.
DE CINCO A DEZ ANOS DE MORADIA NO BAIRRO
MAIS DE DEZ ANOS DE MORADIA NO BAIRRO
2%
4%
0%
0%
5%
7%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
INDIFERENTE
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
89%
93%
O mesmo acontece em relação à amizade com os vizinhos:
Gráfico 6. Gosta dos vizinhos?
GOSTA DOS VIZINHOS?
8% 2%
4%
SIM
NÃO
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
86%
Gráficos 7 e 8.
MENOS DE UM ANO DE RESIDENCIA NO BAIRRO
DE UM A CINCO ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
5%
10%
0%
20%
60%
0%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
INDIFERENTE
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
10%
95%
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NATÁLIA CAROLINA NARCISO REDÍGOLO
Gráficos 9 e 10.
DE CINCO A DEZ ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
11%
MAIS DE DEZ ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
4%
7%
2%
4%
7%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
INDIFERENTE
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
78%
87%
Esses dados refletem a própria relação com a cidade:
Gráfico 11. Gosta de Valparaíso?
GOSTA DE VALPARAÍSO?
1%
0%
13%
SIM
NÃO
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
86%
Gráficos 12 e 13.
MENOS DE UM ANO DE RESIDENCIA NO BAIRRO
DE UM A CINCO ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
0%
0%
0%
0%
30%
SIM
NÃO
SIM
38%
NÃO
INDIFERENTE
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
62%
SEM RESPOSTA
70%
Gráficos 14 e 15.
DE CINCO A DEZ ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
4%
ACIMA DE DEZ ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
1%
0%
0%
9%
7%
89%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
INDIFERENTE
INDIFERENTE
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
90%
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PERCEPÇÕES DE MORADORES DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COM A CHEGADA DAS UNIDADES PRISIONAIS:
O CASO DE VALPARAÍSO- SP
Gráfico 16. Mudaria para outra cidade?
MUDARIA PARA OUTRA CIDADE?
2%
30%
SIM
NÃO
SEM REPOSTA
68%
Gráficos 17 e 18.
MENOS DE UM ANO DE RESIDENCIA NO BAIRRO
DE UM A CINCO ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
0%
9%
27%
SIM
SIM
48%
NÃO
52% NÃO
SEM REPOSTA
SEM REPOSTA
64%
Gráficos 19 e 20.
DE CINCO A DEZ ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
MAIS DE DEZ ANOS DE RESIDENCIA NO BAIRRO
4%
1%
26%
33%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
SEM REPOSTA
SEM REPOSTA
63%
73%
PERCEPÇÃO DE CRIMINALIDADE
Muitos entrevistados garantiram que não fazem nada para se proteger da criminalidade, porém
seus muros são altos, há cercas elétricas, interfones, ao contrário de alguns anos atrás. Talvez
isto seja um indicativo de que algumas pessoas não percebem estas medidas como medidas
de segurança e sim como estéticas, como no caso dos condomínios fechados. Mas a presença
da penitenciária pode trazer a sensação de insegurança e incentivar este tipo de medidas. Um
agente penitenciário garante que a existência de duas empresas de segurança responsáveis
pela vigilância residencial a distancia na cidade, que antes não existiam é uma prova de que a
penitenciária trouxe medo para a população. Um morador chega a afirmar que a penitenciária
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ao invés de trazer mais habitantes e consequentemente mais renda para a cidade, afasta os
habitantes que tem poder aquisitivo para escolher onde morar que acabam fugindo da cidade por
causa do medo da violência. No quesito de periculosidade da cidade a opinião dos moradores
está bem dividida como vemos abaixo:
Gráfico 21. A cidade é perigosa?
A CIDADE É PERIGOSA?
4%
SIM
43%
NÃO
53%
SEM RESPOSTA
Gráficos 22 e 23.
DE UM A DEZ ANOS DE RESIDENCIA
MENOS DE UM ANO DE RESIDENCIA
5%
10%
47%
48%
40%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
50%
Gráficos 24 e 25.
ACIMA DE DEZ ANOS DE RESIDENCIA
DE CINCO A DEZ ANOS DE RESIDENCIA
4%
36%
4%
SIM
SIM
NÃO
60% SEM RESPOSTA
43%
53%
NÃO
SEM RESPOSTA
Apesar do excesso de repostas positivas em relação a criminalidade no município, a
maioria da população nunca foi vítima de nenhum crime, o que prova que a criminalidade em
Valparaíso aparece mais no campo da percepção do que como perigo real.
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PERCEPÇÕES DE MORADORES DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COM A CHEGADA DAS UNIDADES PRISIONAIS:
O CASO DE VALPARAÍSO- SP
Gráfico 26. Já foi vítima de algum crime no município?
JÁ FOI VÍTIMA DE ALGUM CRIME NO MUNICÍPIO?
1%
18%
SIM
NÃO
SEM RESPOSTA
81%
Gráficos 27 e 28.
MENOS DE UM ANO DE RESIDENCIA NO MUNICÍPIO
DE UM A CINCO ANOS DE RESIDENCIA NO MUNICÍPIO
0%
9%
25%
27%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
75%
64%
Gráficos 29 e 30.
DE CINCO A DEZ ANOS DE RESIDENCIA
0%
ACIMA DE DEZ ANOS DE RESIDENCIA
1%
21%
16%
SIM
SIM
NÃO
NÃO
SEM RESPOSTA
SEM RESPOSTA
79%
83%
DADOS CRIMINAIS REAIS
Através das entrevistas temos algumas pistas de como os moradores se sentem. Muitas entrevistas
apontam a criminalidade de Valparaíso como mais baixa que das cidades vizinhas. Apareceram
muitas referencias aos dois municípios vizinhos de Valparaíso: Guararapes, que não aceitou a
instalação da penitenciária e Mirandópolis, que foi um dos precursores da região em recebê-la.
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A comparação dos índices criminais destes municípios é pertinente por duas razões: por serem
municípios de porte semelhante e com características semelhantes à Valparaíso e por estarem
muito presentes na fala dos moradores.
Tabela 2. População dos três municípios antes da chegada da primeira unidade
em Valparaíso e atualmente
3530102 Mirandópolis
3518206 Guararapes
3556305 Valparaíso
População e Estatísticas Vitais População
População e Estatísticas Vitais População
População e Estatísticas Vitais População
Fonte: Seade
1997
2011
25.545
27.630
28.191
30.764
17.943
22.982
No site da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo encontramos os índices
criminais dos três municípios a partir do ano de 2001:
Tabela 3. Índice de criminalidade em Valparaíso.
Ano
Homicídio
Doloso
Furto
Roubo
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
4
6
6
4
4
1
6
2
8
7
7
195
173
183
233
317
335
210
223
234
210
242
10
11
12
14
23
27
38
33
32
39
24
Furto e
Roubo de
Veículos
2
7
2
6
6
3
6
6
6
6
10
Fonte: SSP
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PERCEPÇÕES DE MORADORES DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COM A CHEGADA DAS UNIDADES PRISIONAIS:
O CASO DE VALPARAÍSO- SP
Tabela 4. Índice de criminalidade em Mirandópolis.
Ano
Homicídio
Doloso
Furto
Roubo
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2
2
2
0
3
3
3
1
2
1
1
165
183
232
258
270
427
342
358
289
285
285
8
4
10
9
6
12
9
12
14
17
29
Furto e
Roubo de
Veículos
6
7
4
2
1
2
4
8
3
6
11
Fonte: SSP
Tabela 5. Índice de criminalidade em Guararapes.
Ano
Homicídio
Doloso
Furto
Roubo
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
1
0
9
10
7
2
1
3
4
2
2
894
895
610
741
1.098
1.030
925
604
531
334
269
31
20
26
31
56
43
49
72
74
40
35
Furto e
Roubo de
Veículos
8
12
10
6
7
18
15
10
33
35
20
Fonte: SSP
Vemos que apesar das semelhanças entre os municípios, Guararapes tem os maiores
índices de criminalidade. Isto indica que não há uma relação de fácil dedução entre a presença
das penitenciarias e aumento da criminalidade. A penitenciária pode até trazer alguns tipos
específicos de crime, como por exemplo, o tráfico de drogas para o interior da cadeia, mas a
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NATÁLIA CAROLINA NARCISO REDÍGOLO
relação entre criminalidade e penitenciária é muito mais complexa do que se pode imaginar
em uma primeira análise. É muito mais frutífero pensar nas consequências da penitenciaria na
percepção dos moradores dos municípios, do que tentar fazer uma relação direta entre números
oficiais de criminalidade e presença da penitenciária.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de todas estas considerações, a opinião da população sobre a presença das penitenciárias
é bem dividida.
O QUE O SR/A ACHOU DA INSTALAÇÃO DAS
PENITENCIÁRIAS NO MUNICÍPIO?
3%
26%
6%
ÓTIMO
27%
BOM
INDIFERENTE
REGULAR
PÉSSIMO
26%
12%
SEM RESPOSTA
Com a tabulação de todos os dados poderemos avaliar o perfil de cada entrevistado que
é contra ou a favor da penitenciária, para tentar entender se a renda, o local de moradia, a idade
ou a escolaridade influenciam nesta opinião. Outro fator que pode influenciar é a relação do
entrevistado com a penitenciaria, de forma que as pessoas que se beneficiam mais diretamente
da presença das unidades tendem a fazer uma avaliação mais positiva.
Assim, ao se construir novas penitenciarias deve se levar em conta que tipo de sentimentos
a prisão vai gerar na população e como estes sentimentos vão influenciar no desenvolvimento
urbano, comercial e político desta localidade.
REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRANDÃO, André Augusto; DALT, Salete; SILVA, Anderson Paulino; SANTOS, Priscila
Caldellas. Metodologia de Pesquisa e o Trabalho de Campo: Experiência com a Pesquisa
de Vitimização. In: DUARTE, Mario Sérgio de Brito (Coord.)Pesquisa de condições de vida
e vitimização de -2007 / Coordenador Mario Sérgio de Brito Duarte; Organizadores Andréia
Soares Pinto e Vanessa Campagnac – Rio de Janeiro: Riosegurança, 2008.
CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de Muros-Crime, segregação e cidadania em São
Paulo. São Paulo: Edusp, 2000.
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PERCEPÇÕES DE MORADORES DE PEQUENOS MUNICÍPIOS COM A CHEGADA DAS UNIDADES PRISIONAIS:
O CASO DE VALPARAÍSO- SP
DIAS, Camila Caldeira Nunes. Da pulverização ao monopólio da violência: expansão e
consolidação do Primeiro Comando da Capital (PCC) no sistema carcerário paulista. Tese
de Doutorado. São Paulo: USP, 2011.
ESERIAN, Maria França dos Santos, CARVALHO, Maria Inês Ribeiro. Valparaíso:72 anos
de história. Editora Somos, 2009.
FELIX, Sueli. Geografia do Crime: aspectos teóricos e o caso de Marília/SP. Tese
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_____. Geografia do Crime: Interdisciplinaridade e Relevâncias. Marília: Unesp, 2002.
GODOI, Rafael. Ao redor e através da prisão: cartografias do dispositivo carcerário
contemporâneo. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP, 2010.
GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.
Tradução: Márcia Bandeira de Mello Leite Nunes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
_____. Manicômios, prisões e conventos. Tradução: Dante Moreira Leite. São Paulo: Editora
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TUAN, Yi-fu. Topofilia: um estudo da percepção, atitudes e valores do meio ambiente.
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_____. Paisagens do medo. Trad. Lívia de Oliveira. São Paulo: Edunesp, 2005.
VARELLA, Drauzio. Estação Carandiru. São Paulo: Cia. das Letras. 1999.
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www.folhadaregiao.com.br/Materia.php?id=81853>. 20 de dezembro de 2007.
CARDOSO, Willian; SIQUEIRA, Chico. Corredor de presídios faz, em 10 anos, criminalidade
dobrar no ‘’Texas paulista’’. <http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,corredor-depresidios-faz-em-10-anos-criminalidade-dobrar-no-texas-paulista,707272,0.htm>. 17 de abril
de 2011.
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349
SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
Audrey Karoline Marques Dias
Bolsista PIBIC/CNPq-FA- UEM
Resumo: No ano de 2010 a população brasileira elegeu uma mulher para o cargo de presidente
do Brasil. Apesar desse fato, dados apresentados por diferentes organizações internacionais
denunciam um quadro de sub-representação feminina. Algumas tentativas de explicação têm
sido propostas, mas parece existir um consenso sobre a natureza multicausal do fenômeno,
que envolveria fatores estruturais, institucionais e culturais. O presente artigo pretende analisar
uma dimensão do problema que se situa na interface entre as instituições e a cultura política
dos cidadãos, focalizando os sentimentos partilhados pelos indivíduos em relação aos partidos
políticos mais relevantes no cenário nacional e a sua associação com disposições favoráveis ao
voto em mulheres. Mais especificamente, analisa as relações entre os sentimentos relativos aos
partidos PT e PSDB, e atitudes dos brasileiros a respeito do papel da mulher na política, usando
para tanto os dados coletados pelo ESEB, na terceira onda de pesquisa pós-eleitoral, efetivada
em 2010.
Palavras-chave: Sub-representação feminina no Brasil; Cultura política; Partidos políticos;
Sentimentos partidários.
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350
SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
INTRODUÇÃO
Os trabalhos no campo da Ciência Política que se ocupam do estudo da relação entre gênero,
comportamento eleitoral e crenças políticas alertam sobre o problema da baixa representação
política das mulheres em cargos eletivos, principalmente, de primeiro escalão. Dados do PNUD
– Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que mensuram o nível de igualdade de
gênero de diversas nações, colocam o Brasil em 127º lugar dentre 138 países, no que se refere
ao número de mulheres ocupantes de cadeiras no parlamento.
Inglehart e Norris (2003), ao desenvolverem um estudo comparativo com dados de mais
de 70 nações, identificaram como uma das causas da sub-representação feminina os baixos
níveis de desenvolvimento econômico. Assim, Finlândia, Suécia e Alemanha figuram nas três
primeiras posições no ranking dos países que apresentam maior igualdade de gênero, segundo
dados analisados pelos dois autores extraídos do Word Values Survey – WVS, de 1995-2001.
Os referidos autores também identificaram que sociedades agrárias tem menor equidade entre
gêneros que nações industriais. Estas, por sua vez, são mais desiguais, sob essa perspectiva, que
nações consideradas pós-industriais (p. 34).
Todavia, níveis de desenvolvimento econômico e industrial não dão conta da explicação
dos níveis de igualdade de gênero. Em seus trabalhos, Amarthya Sen define outros fatores
relevantes para o entendimento referente ao alcance do desenvolvimento econômico sobre a
população. Conforme aponta o autor, estes não coincidem, necessariamente, com os níveis
de desenvolvimento humano. Nas palavras do mesmo, “economic growth can influence these
conditions, but even in an affluent nation these can still many pockets of social inequality and
inadequate safety nets” (p.35).
Perante o exposto acima, cabe à apresentação de alguns dados sobre o percentual de
cadeiras ocupadas por mulheres nos parlamentos ao redor do mundo. Estes números corroboram
a ideia de que o fenômeno da sub-representação feminina é multicausal, envolvendo barreiras
estruturais, institucionais e culturais. Os dados da pesquisa comparada feita por Inglehart e
Norris (2003) mostram que países como Moçambique, África do Sul e Venezuela possuem
índices mais altos de representação feminina em cargos eletivos do que os Estados Unidos,
França e Japão. Os três primeiros se encontram em (9º) nono, (10º) décimo e (11º) décimo
primeiro, respectivamente, enquanto as três últimas nações, com altos níveis de desenvolvimento
econômico, estão em (15º) décimo quinto, (59º) quinquagésimo nono e (94º) nonagésimo quarto
lugares.
Em 1996, o Brasil instituiu, em sua legislação, a política de cota para mulheres dentro dos
partidos, a fim de propiciar a inclusão feminina nas instâncias de decisão. Apesar do aumento
do número de candidatas concorrendo aos cargos, não houve um ganho significativo dentre as
candidatas eleitas. Araújo (2001), ao analisar o percentual das candidaturas femininas antes
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351
AUDREY KAROLINE MARQUES DIAS
(1990) e após (1998) a instituição das cotas, percebeu um aumento considerado significativo
no número de mulheres que se candidataram a algum cargo eletivo no Brasil – de 6,15% para
10,35%. No entanto, tal aumento não se refletiu no número de candidatas eleitas. Conforme
salienta Ribeiro (2011), a questão da implantação de cotas para candidatas mulheres dentro
do partido é ponto polêmico, porém há certo consenso na ideia de que a baixa representação
feminina se constitui um obstáculo para a consolidação da democracia, pois a inclusividade
de minorias sub-representadas na política reflete seu grau de agregação às demais esferas da
sociedade.
Diversos são os fatores institucionais que influenciam a eleição de mulheres em cargos,
dentre eles, o tipo de sistema de representação. Na literatura, faz-se a distinção de três tipos
específicos. Segundo Araújo (2001), há os sistemas de representação majotirária, no qual se
exige a maioria absoluta dos votos para a eleição. Neste sistema, a ascensão das mulheres aos
cargos disputados é tida como mais complicada. Há, também, o sistema distrital misto, que é
igualmente desfavorável à eleição de mulheres. E, finalmente, o sistema mais adequado para o
êxito das candidatas mulheres, seria o sistema proporcional, adotado nas eleições de cargos do
poder legislativo no Brasil.
Hoje em nosso país, ocorre um evento que, visto de forma isolada, contrapõe-se às
análises dos especialistas das relações entre gênero e política. Dentre os candidatos à Presidência
da República no ano de 2010, duas foram mulheres: Marina Silva, candidata do Partido Verde
(PV), e Dilma Rousseff, que concorreu pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Destas, a última se
elegeu Presidente da República. Esse evento de enorme relevância, todavia, não pode esconder
uma realidade que continua bastante desigual no cenário da representação nacional tomado na
sua totalidade.
Desta forma, para tentar contribuir para a identificação dos possíveis fatores que
influenciam as disposições favoráveis e contrárias ao voto em mulheres, propomos uma
pesquisa que se situa na interface entre os estudos de cultura política e de comportamento
eleitoral. Procuramos verificar em que medida os sentimentos partidários positivos em relação
aos dois partidos mais expressivos nacionalmente (PT e PSDB) estão relacionados a disposições
favoráveis à igualdade de gênero no campo político.
Tal escolha se deve à evidente expressividade dessas duas legendas no cenário nacional
e também pela trajetória de oposição que ambos os partidos tiveram, um em relação ao outro, ao
longo da história política nacional, apesar das reconfigurações e adaptações de ambos perante
a conjuntura nacional.
PT e PSDB surgiram nacionalmente após a abertura partidária, aprovada pelo congresso
nacional em 1979, no período conhecido como “pluripartidarismo moderado”. Segundo Kinzo
(1980, apud AVELAR e CINTRA, 2007), tratava-se de uma estratégia da equipe de Figueiredo
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352
SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
para rearranjar facções que não se encaixavam nos moldes do sistema político do MDB e da
Arena.
O Partido dos Trabalhadores surgiu em 1980, segundo Fleischer (2007, p.312), como
“um partido “obreiro” nos moldes do PSOE espanhol, com base no novo sindicalismo emergente
nas regiões Sudeste e Sul [...] liderado por Luiz Inácio (Lula) da Silva”.
O Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), por sua vez, surgiu na arena política
em 1988. Formado por dissidentes do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)
descontentes com os rumos que o PMDB vinha tomando na Assembléia Nacional constituínte,
vinculado ao Bloco Conservador, o chamado “Centrão” (FLEISCHER, 2007).
Na pesquisa realizada as relações políticas dentro dos partidos foram entendidas como
passíveis da criação de sociabilidade entre seus militantes e simpatizantes. Hilário (2006),
refletindo sobre as formulações de Duverger comenta:
A intenção do conceito de cultura política é conhecer as crenças, os compromissos
de um partido, formado por um grupo que possui interesses e ideiais “comuns”,
assim como perceber o seu papel no processo de socialização, reconhecimento de
novas formas de sociabilidade e a formação de uma nova consciência (HILÁRIO,
2006, p.151).
O estudo realizado ultrapassa as explicações referentes à criação de significados de
dentro de uma unidade partidária específica para verificar se o eleitorado e simpatizantes de
determinados partidos, composto por um universo maior do que o número de filiados, coadunam
com a ideia de elegerem mulheres em cargos políticos.
ESPAÇO PÚBLICO E ESPAÇO PRIVADO: EXPLICAÇÃO FEMINISTA SOBRE A
SUB-REPRESENTAÇÃO
O movimento feminista há anos vem construindo trabalhos científicos sobre a opressão das
mulheres, sobre a limitação do seu trabalho, sobre seus problemas com relação à identidade,
seu papel social, sobre seu “silêncio histórico” (BONNICI, 2007). A discussão sobre gênero e
sobre a exclusão da mulher no espaço público cada vez vem ganhando mais espaço neste meio
acadêmico, principalmente em ciências sociais.
Uma das principais indagações acerca do tema é porque a mulher encontra dificuldades
de inserir-se neste meio, o que a impede de participar do espaço público?
A exclusão das mulheres no processo de construção da cidadania e,
consequentemente, das esferas públicas que organizavam a vida política
ocidental, é um fato histórico, marcando a construção das democracias modernas,
e definindo os lugares públicos como lugares naturalmente masculinos (Perrot,
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353
AUDREY KAROLINE MARQUES DIAS
1999; Pateman, 1993 apaud LAPA, Priscila, 2005).
A dicotomia existente entre o “público-privado” é a principal explicação dada pela
teoria feminista sobre o tema. Iris Marion Young (1987) e Carole Pateman (1996) ponderam
em seus trabalhos sobre esta dicotomia, determinando características de cada campo específico.
Segundo estas autoras, o espaço público é um espaço da imparcialidade, da razão, da cultura,
devendo este ser ocupado e dominado apenas pelos homens; em contraste há o espaço privado
ou doméstico, um espaço movido pelos desejos, vontades, afetividade e pela natureza, um
espaço próprio para as mulheres.
Uma das questões fundamentais para a teoria política feminista levantada por Carole
Pateman é que, se todos os Homens nascem iguais, porque as mulheres nasceram escravas?1
Para responder tal questão a autora primeiramente esboça que a teoria feminista e o liberalismo
possuem uma relação estreita e complexa, em suas palavras:
Ambas doctrinas hunden sus raíces em la emergencia del individualismo como
teoría general de la vida social; ni el liberalismo ni el feminsimo son concebiles
sin alguna concepción de los individuos como seres libres e iguales, emancipados
de los vínculos asignados y jerarquizados de la sociedad tradicional (PATEMAN.
1996. Pág. 31).
Mas no decorrer do tempo, ambas as doutrinas (feminismo e liberalismo) assumem
posturas antagônicas: o liberalismo acaba se assemelhando ao patriarcalismo, uma doutrina que
sustenta relações hierárquicas e de subordinação. Pateman aponta que a subordinação da esposa
ao seu marido se baseia na natureza. Sendo que esta subordinação contraria o individualismo
pregado no liberalismo.
Luis Felipe Miguel (2001) retoma três autores contratualistas para explicar a
subordinação da mulher ao homem: A primeira teoria é a de Thomas Hobbes que acreditava
na existência de uma diferença de “talentos” entre os indivíduos, mas que isto não significava
uma diferença entre poderes no Estado natural. Com relação às mulheres, Hobbes acreditava
que como era (a mulher) responsável pela sobrevivência de sua prole, esta deveria se submeter
ao homem. O contrato sendo voluntário deve ser então acatado. Os homens se reúnem então
para “celebrar o contrato social”, transferindo todo poder a um dominante. As mulheres não
possuem participação alguma, pois já estavam dominadas.
O segundo autor é John Locke que acreditava que através do contrato do casamento as
mulheres alienam os seus direitos; o consentimento das mulheres a autoridade de seus maridos
é um reconhecimento formal de sua subordinação “natural”. Locke naturaliza a dominação
masculina. O terceiro autor é Jean Jacques Rousseau que acredita que havia uma diferença entre
os sexos. Que as mulheres eram inaptas ao uso da razão, uma vez que são ligadas apenas aos
1 Questionamento presente em: PATEMAN. 1996. Pág. 38.
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SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
sentimentos (paixão) e isso corrompe o uso da razão. Vê a mulher como produto da sociedade.
Com isso as mulheres foram excluídas de toda forma de cidadania.
De acordo com a teórica feminista Iris Young:
Poucos negariam que os membros de grupos estruturais menos privilegiados estão
sub-representados na maioria das democracias contemporâneas. A desigualdade
socioeconômica estrutural com frequência produz desigualdade política e
exclusão relativa das discussões. [...] Na maior parte dos sistemas políticos, as
mulheres ocupam uma pequena proporção dos cargos públicos eleitos, bem como
estão relativamente poucos presentes nas posições de poder e influência na vida
pública e privada de modo geral (YOUNG. 2006. Pág.169).
Temos então que a explicação para a sub-representação política das mulheres dá-se
na dualidade e na separação entre o público e o privado, mas segundo Clara Araújo (2001)
para entendermos a questão da baixa participação política das mulheres nas esferas políticas,
devemos ir além de explicações históricas, e buscar explicações através de características
socioeconômicas, da cultura política, e das dimensões institucionais do sistema político.
Ao analisarmos esta questão deparamos com uma visão errônea dos eleitores e do
próprio campo acerca da inserção da mulher no espaço político. Têm-se a ideia de que com a
inserção desta, haveria o abrandamento da chamada “política dos interesses”, uma política feita
por homens. Para esta teoria,
As mulheres trariam para a política uma valorização da solidariedade e da
compaixão, além da busca genuína pela paz; áreas hoje desprezadas nos embates
políticos, como amparo social, saúde, educação ou meio ambiente, ganhariam
atenção renovada.
A presença feminina possibilitaria a separação da “política de interesses”, egoísta
e masculina, colocando em seu lugar o desprendimento, o zelo pelos outros, a
tolerância e a sensibilidade (MIGUEL. 2001. p 260).
Esta política seria uma fusão dos valores privados (domésticos) e valores públicos. Luís
Felipe Miguel discorda desta corrente citando a primeira ministra britânica Margaret Thatcher
e a ministra da economia Zélia Cardoso de Melo, em que foi difícil encontrar nas gestões destas
mulheres os traços da política do desvelo. Ou seja, homens e mulheres exercem o poder da
mesma maneira. O que poderia vir a acontecer é que o único “nicho” disponível para elas no
campo político seja relacionado a essa política. Segundo o autor temas que são considerados
femininos são importantes, mas essas questões no campo político não possuem tanto prestígio.
A política do desvelo naturaliza as mulheres na tarefa de cuidar dos outros. A mulher é vista
então como uma agente da política do desvelo, pois seria uma característica sua se preocupar
mais com os outros do que com ela. Negando então que esta possui interesses próprios. A
subalternidade estaria mascarada por um véu de “superioridade moral”.
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AUDREY KAROLINE MARQUES DIAS
O autor conclui que as ações afirmativas são maneiras de fugir de um circulo vicioso,
contribuindo para uma redistribuição do capital simbólico, ou para o “empoderamento” de
grupos marginalizados. A presença da mulher na esfera política representa um “passo na
realização da democracia”.
As ações afirmativas são apontadas como uma forma de superar essa separação entre o
público e o privado. Mas também devemos atentar para o papel que a mulher desempenha neste
espaço, onde esta exerceria apenas a política do desvelo.
Edna Costa em seu trabalho indaga se a política é ainda “no século XXI, um ‘trabalho de
homens’”. Segundo dados apresentados2 o Brasil ocupa 110° lugar entre 140 países em termos
de presença das mulheres no Legislativo, os dados apontam ainda que no Congresso brasileiro
e no Senado, as mulheres ocupam respectivamente 8,8% das cadeiras e 12,3% das cadeiras.
Nestas eleições, em dados apresentados pelo CFemea,
Dos 27 partidos que disputaram essa eleição, 22 conseguiram representação na
Câmara Federal. Destes, 8 partidos não elegeram nenhuma mulher. O partido com
a maior proporção de mulheres é o PCdoB, com 6 deputadas das/os 15 eleitas/
os. Em termos absolutos, o PT foi o partido que elegeu mais mulheres, contudo
as 9 deputadas frente aos 80 deputados eleitos perfazem apenas 10% da bancada
petista.3
Ednaldo Ribeiro (2011) analisa em “Cultura política e gênero no Brasil: Estudo
explanatório sobre as bases da sub-representação feminina” a baixa representação feminina e
as desigualdades encontradas no cenário político que acabam representando “sérios riscos para
a vitalidade das democracias”. Segundo o autor,
O sistema eleitoral pode dificultar ou facilitar o acesso das mulheres nos
parlamentos quanto a três aspectos: i) ao tipo de representação, que tende a ser
mais favorável as mulheres quando proporcional; ii) a magnitude dos distritos,
sendo que os médios ou grandes oferecem mais chances para a eleição das
mulheres; iii) e, finalmente, ao sistema de voto que, quando fundamentado em
listas fechadas, favorece a s candidaturas mulheres (RIBEIRO, 2011, p. 197).
Ainda de acordo com Ribeiro a inserção positiva das mulheres se deu em estados de
menores índices de desenvolvimento socioeconômico, o que acaba contrariando a hipótese
de que maior desenvolvimento era sinônimo de maior inserção feminina no cenário político.
Utilizando Clara Araújo (2009), o autor conclui que a incidência ocorria por dois motivos: a) o
2 Dado apresentado pela articulista Rachel Moreno, disponível em: MORENO, Raquel. Lacunas na cobertura
jornalística? Disponível em: http://observatoriodamulher.org.br/site/index2.php?option=com_content&do_
pdf=1&id=4262. Acessado dia 04.10.11.
3 Dados
retirados
do
site:
http://www.feminismo.org.br/livre/index.php?option=com_
content&view=article&id=2426:os-desafios-da-subrepresentacao-feminina-para-a-proximapresidenta&catid=39:business-travel&Itemid=399. Acessado no dia 30 de outubro de 2011.
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SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
peso dos partidos políticos; b) densidade da disputa.
O autor ainda ressalta que os valores culturais “impõe obstáculos no interior dos partidos
à participação das mulheres na política institucional” frustrando assim, as cotas. As mulheres
candidatas, não são apoiadas com o financiamento e recursos no interior do partido, e estas
mulheres estão presas em “atributos associados ao gênero feminino”, e por isso as chances de
se eleger em cargos no executivo são menores.
CULTURA POLÍTICA E SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS
Nas democracias representativas, as eleições são eventos políticos fundamentais. É nelas
que os partidos ganham notoriedade e assumem sua posição de instituição central dessa
forma de governo. No cenário político brasileiro temos duas grandes legendas, o Partido dos
Trabalhadores (PT) e o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), que nos últimos
pleitos vem consolidando seu domínio na esfera eleitoral política.
Trabalhos científicos vêm analisando os partidos políticos, a identificação dos indivíduos
com estas instituições e a tipologia do eleitorado brasileiro. Os autores utilizam a matriz
explicativa proposta por Almond e Verba (1989) em The civic culture, onde temos que cultura
política, é um conjunto de valores, sentimentos, atitudes e orientações dos indivíduos em relação
à política. A cultura política pode ser vista como “uma dimensão subjetiva da política”.
Sobre os partidos, Clara Araújo (2001) analisa que estes não são imutáveis, e que suas
ideologias variam de acordo com o tempo, refletindo assim, características de cada sociedade.
E mas importante, os partidos são influenciados, em sua opinião, pela cultura política. Segundo
ainda a autora a política de cotas surgiu com os partidos de esquerda e que a adesão de outros
partidos deu-se em decorrência do “contagion – effect from the left”, e aponta que tais princípios
foram adotados não por princípios ideológicos, ou por “efetivos compromissos feministas”,
mas por ganhos eleitorais imediatos.
Apesar da existência de ações que visem essa inserção, os dados obtidos sobre a subrepresentação feminina segundo Phillips (1991) seriam “sintomas dos processos históricos
e culturais que, cristalizados em instituições” dificultam essa inserção e sua participação em
partidos políticos e também, seu êxito em eleições.
Clara Araújo (2001) chama a atenção para as condições gerais que marcam o processo
político, abordando a cultura política de gênero que “pode vir a ser mais ou menos favorável para
ajudar a construir um sentido de inclusão em relação às mulheres”. Para compor o argumento,
a autora utiliza-se de Norris (1993), onde,
Culturas políticas mais igualitárias tenderiam a ser mais abertas e valorizar a
participação das mulheres, ao passo que culturas políticas mais tradicionais seriam
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AUDREY KAROLINE MARQUES DIAS
mais conservadoras neste aspecto. Vale o registro de que o termo “tradicional” se
refere às culturas aferradas a tradição e a hierarquia, independentemente de ser o
seu regime político considerado democrático.
Em uma pesquisa realizada por Simone Bohn (2008), cuja intenção era analisar em que
medida os eleitores brasileiros mostram-se favoráveis a participação das mulheres na esfera
política, ficou explicito que grande parte da população brasileira é favorável a igualdade de
gênero no campo político, mas apesar disto uma parcela da população ainda apresenta valores
tradicionais, tanto no campo político quanto em outras áreas.
Tem como intenção, esta pesquisa, identificar as associações positivas ou negativas com
relação ao voto em mulheres, verificando também em que medida os sentimentos partidários
em relação ao PT e ao PSDB estão relacionados a disposições favoráveis à igualdade de gênero
no campo político. Baseando-se no trabalho de Borba, Carreirão e Ribeiro (2011), utilizo a
definição de sentimentos partidários como uma forma subjetiva de identificação dos eleitores
com os partidos políticos.
Borba, Carreirão e Ribeiro (2011) apresentam ainda duas teorias acerca da identificação
partidária (IP), são elas a Escola de Michigan, que pregava que através de “uma adesão de
base psicológica” aos partidos surgiria a IP. A segunda teoria é a Escolha Racional, onde os
indivíduos “encapsulariam” informações sobre o desempenho e promessas partidárias ao longo
da vida política, criando certa identificação partidária. Nesta teoria a IP pode variar, de acordo
com a avaliação que o eleitor tem sobre o partido. Tanto na análise dos autores, quanto para
esta pesquisa, os sentimentos partidários foram analisados através de variáveis especificas do
questionário do ESEB 2010.
Esta pesquisa baseia-se na hipótese de que há associação entre os sentimentos favoráveis
a um partido e ser ou não favorável a uma maior participação política das mulheres. Para a
comprovação ou refutação de tal hipótese utilizamos os dados coletados pelo ESEB, realizado
após as eleições presidências de 2010. Para este fim, foram utilizados testes de associação
gamma e regressões logísticas para as variáveis partidárias4 e variáveis de gênero5 com o
propósito de identificar quais variáveis influenciariam o voto a mulheres.
4 São consideradas variáveis partidárias, as variáveis: ESEB8)- Qual o partido que melhor representa a maneira
como o(a) senhor (a)pensa? –para esta pesquisa, esta variável foi recodificada apenas para os partidos PT e PSDB.
ESEB 15a)- Gosta do Partido:PT? E ESEB 15e)– Gosta do Partido: PSDB? As respostas eram dadas através de
(0) Não gosta, (10) Gosta muito, (11) Não conhece o partido, (12) Não sabe, (13) Não respondeu. Para a regressão
logística todas as variáveis partidárias foram binarizadas.
5 As variáveis de gênero são referentes às perguntas: 1.“Votaria em uma mulher para cargo majoritário, como
presidente, governadora ou senadora?”, as respostas para esta pergunta se delimita a (1) sim e (2) não; 2. “Em
geral os homens são mais adequados para a carreira política do que as mulheres”, 3. “Em geral, quando eleitos,
homens governam melhor do que as mulheres”, e 4. “As mulheres ainda não tem experiência política suficiente
para governar bem”, as respostas consistiam em (1) discorda muito, (2) discorda, (3) concorda, (4) concorda muito,
(5) nem concorda nem discorda;
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SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
OUTRAS PESQUISAS: GÊNERO E SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS
Esta pesquisa baseou-se na intersecção de dois outros trabalhos, numa pesquisa realizada por
Simone Bohn (2008) e no trabalho desenvolvido por Ednaldo Ribeiro, Yan Carreirão e Julian
Borba (2011). Um trabalho analisou através da perspectiva dos eleitores a igualdade política de
gênero e o outro trabalhou com a cultura política e com os sentimentos partidários dos eleitores,
medindo de que maneira esses sentimentos se apresentam em questões referentes à democracia,
a igualdade política, entre outros.
Simone Bohn6 tinha a expectativa de que “a maior parte da população esboce valores
modernos como igualdade de gênero, mas que também haja uma minoria resistente a esses
princípios” (p. 358). Na concepção da autora, os cidadãos brasileiros tendem a exibir valores
não tradicionais, ou seja, que em maior parte, tendem a aceitar a igualdade de gênero. A pergunta
central deste artigo é: se o entrevistado votaria ou não em uma mulher para presidente do
Brasil, ligando esta questão as variáveis de gênero, idade, renda, grau de escolaridade, nível de
confiança interpessoal, estoque de capital social, opinião e atitudes a respeito de outros grupos
sociais e apoio ao regime democrático (p. 359). E por ultimo a autora analisou a minoria, que
respondeu negativamente, mostrando se desfavoráveis à equidade entre os gêneros no campo
político.
Através da analise dos dados a autora chegou à conclusão de que se tratando da variável
de gênero, os dados obtidos são inexpressíveis. Unindo as variáveis de gênero, raça e classe
social, os dados obtidos também não tem tanta relevância estatística. Ao abordar a variável
idade e nível educacional - cuja hipótese da autora se confirma – obteve-se que quanto maior a
idade do indivíduo menos tende a aceitar a participação equitativa da mulher no campo político.
Assim como nível educacional, quanto mais elevado é esse nível, maior a chance de aceitar
a participação na esfera política. E ainda, ganhos em termos de desenvolvimento de capital
associados à modernização traduzem-se em posturas mais igualitárias.
Assumindo que todos os eleitores que não votariam em uma mulher para presidente do
Brasil rejeitam o valor de igualdade entre os sexos na esfera política (p. 366), a autora analisa
variáveis de discordância, como por exemplo: “os homens são mais adequados para uma
carreira política”, “os homens governam melhor que as mulheres”, entre outros. Essas variáveis
foram correlacionadas principalmente entre a faixa etária, raça e nível educacional. Simone
Bohn analisa que aqueles que rejeitam os princípios de igualdade de gênero na política tende
a rejeitar esta igualdade em outros setores, como no mercado de trabalho, e são intolerantes a
grupos sociais minoritários. Conclui que o perfil dos cidadãos brasileiros foi de que, apesar de
uma maioria ser favorável a equidade da mulher no campo político, em estratos específicos
desta população, há ainda, na sociedade brasileira “bolsões” com valores tradicionais.
6 BOHN, Simone. Mulher para presidente do Brasil? Gênero e política na perspectiva do eleitor brasileiro. (2008)
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Correlacionando os dados obtidos com a pesquisa “Sentimentos Partidários e atitudes
políticas”, de maneira geral mostrou-se uma identificação dos indivíduos com relação ao PT.
E verificando as questões referentes ao sentimento dos eleitores aos partidos e suas atitudes
com relação à democracia, observou-se que tanto a preferência quando a adesão à democracia
é associada positivamente à preferência dos eleitores ao partido petista. Também se chegou
à conclusão de que: “eleitores com preferência pelo PT têm inclinações mais estatistas,
enquanto eleitores com preferência pelo PSDB têm inclinações menos estadistas” (p.15). Com
relação ao igualitarismo mostrou-se que “não há associações estatisticamente significativa
entre os sentimentos partidários positivos em relação ao PSDB e o índice de igualitarismos”.
Com relação ao PT, seus eleitores “têm tendência levemente maior a manifestarem atitudes
igualitárias” (p.17).
Ainda neste trabalho ao analisar a aceitação da repressão ou censura utilizou-se duas
perguntas onde os indivíduos indicariam se concordariam com ações do governo caso viesse a
reprimir passeatas e manifestações ou censurar os meios de comunicação. Conforme os dados
obtidos, chegou-se a conclusão de que os eleitores do PSDB tendiam a aceitar a repressão e a
censura dos meios de comunicação. Diferindo do PT que apesar de haver índices de aceitação a
censura, são baixos quando comparados com os dados do outro partido. Com relação à aceitação
da repressão a passeatas e manifestações, a associação com PT é nula.
Na última parte os autores analisam a relação entre os sentimentos partidários e a
variável comportamental “voto dos eleitores em 2010” (p.20). A candidata Dilma foi tomada
como referência neste momento. Para tanto, os autores utilizaram dois modelos explicativos:
um com sentimentos positivos em relação ao PT e ao PSDB e outro com sentimentos positivos
e negativos a ambos os partidos. As conclusões que chegaram, foi de que: o avanço na escala
ideológica aumentava as chances de voto em Serra (comparado a Dilma). Cada nível de
escolaridade aumenta a chance de voto em Marina. Apontam ainda que uma variável que tem
se “mostrado relevante na decisão de voto para presidente do Brasil tem sido a avaliação que os
eleitores fazem do desempenho do governo em exercício” (p.24). Ao testar tal variável obtevese o seguinte resultado: a chance do eleitor votar em Serra e Marina caia consideravelmente na
medida em que aqueles avaliavam o governo Lula.
SENTIMENTO PARTIDÁRIO E GÊNERO NO BRASIL: ANÁLISE DOS DADOS
O principal objetivo do presente artigo foi identificar a existência de associações positivas ou
negativas entre sentimentos partidários pelo PT e PSDB e disposições favoráveis à igualdade
de gênero no campo político.
Para tanto, primeiramente são analisadas as associações entre eleitores que “gostam” do
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SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
PT ou PSDB7, e a partir desta identificação, verificamos suas atitudes com relação à igualdade
de gênero. Sendo assim, os eleitores que têm preferência por um dos partidos analisados,
responderam se votariam em uma mulher para cargos majoritários e se concordam ou discordam
de afirmações acerca do campo político como um lugar propício ao domínio masculino.
Posteriormente são observados dados com relação aos partidos que representam a maneira
como os eleitores pensam8. Para este fim foram utilizados modelos de associação gamma para
verificar as associações entre os eleitores e os partidos, e suas disposições com relação ao
campo político. Verificando também a intensidade do relacionamento entre as variáveis.
As Tabelas 1 e 2 apresentam os resultados dos cruzamentos entre as variáveis partidárias
e as variáveis de gênero:
Tabela 1. Associação gamma: Gosta do PT x variáveis de gênero
1. Votaria em uma mulher para cargo majoritário (...)?
Valor
Sig.
Gamma
,511
,000
2. Em geral os homens são mais adequados para a carreira política (...).
Valor
Sig.
Gamma
-, 050
, 142
3. Em geral os homens governam melhor do que as mulheres (...).
Gamma
Valor
Sig.
-,071
,042
4. As mulheres ainda não possuem experiência política suficiente (...).
Gamma
Fonte: ESEB 2010
Valor
Sig.
-,156
,000
Nota: sig. < 0,05
N=2000
A Tabela 1 apresenta as associações entre os eleitores que gostam do PT e suas
disposições com relação à igualdade política. De maneira geral, a partir dos dados obtidos
verifica-se uma maior disposição dos eleitores que gostam do PT serem mais abertos a uma
maior participação política feminina. Esse dado se comprova quando consideramos a variável
de gênero 1, “Votaria em uma mulher para cargo majoritário (...)?”, vemos então, a refutação da
hipótese nula (sig.=,000), indicando assim, que há associação entre gostar do partido petista e ser
favorável ao voto em mulheres para cargos eletivos. O valor de gamma corrobora tal conclusão,
indicando um relacionamento positivo de alta intensidade entre as variáveis. Ou seja, eleitores
que gostam do PT têm chances maiores de votar em mulheres para cargos políticos.
7 Dados obtidos através das perguntas: “Gosta do partido: PT” e “Gosta do partido: PSDB”, sendo as respostas
(0) Não gosta, (10) Gosta muito, (11) Não conhece o partido, (12) Não sabe e (13) Não respondeu;
8 Os dados apresentaram-se através da recodificação da variável “Qual o partido que melhor representa a maneira
como o(a) senhor(a) pensa?” (Apêndice Metodológico 1);
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Na variável 2, relacionada à afirmação de que os homens são mais adequados para a
carreira política, verificou-se um valor de significância acima de ,05, com o qual não podemos
rejeitar a hipótese nula. Por isso, não há relação alguma entre gostar do PT e a concordância
com tal afirmação.
Com relação a variável de gênero 3 e 4, verifica-se também a corroboração com a ideia
inicial de que os eleitores petistas são mais favoráveis à participação política. Neste caso, em
ambas as variáveis são descartadas as hipóteses nulas. Os valores de gamma (-,071 e -,157,
respectivamente) explicitam que a relação entre a variável gostar e a concordância com as
afirmações feitas, dá-se de forma negativa, de modo que quanto mais o eleitor “gosta” do PT,
menor será a chance de concordar que quando eleitos os homens tendem a governam melhor e
que as mulheres ainda não possuem experiência política suficiente para governar.
Tabela 2. Associação gamma: Gosta PSDB x variáveis de gênero.
1. Votaria em uma mulher para cargo majoritário (...)?
Valor
Sig.
Gamma
-,177
,005
2. Em geral os homens são mais adequados para a carreira política (...).
Valor
Sig.
Gamma
,097
,003
3. Em geral os homens governam melhor do que as mulheres (...).
Gamma
Valor
Sig.
,062
,067
4. As mulheres ainda não possuem experiência política suficiente (...).
Gamma
Fonte: ESEB 2010
Valor
Sig.
,036
,277
Nota: sig. < 0,05
N= 2000
A Tabela 2 retrata os eleitores que gostam do PSBD e suas associações com relação ao
campo político. Primeiramente podemos notar que eleitores que tendem a gostar deste partido
são menos propícios ao voto em mulheres, e acreditam que os homens são mais adequados
para a carreira política. Essas observações podem ser verificadas por meio das variáveis 1 e
2. Notamos que o nível de significância de ambas as variáveis é inferior a ,05, sendo assim há
relação entre as variáveis, apesar de que no primeiro caso (variável 1) esse relacionamento se
desenvolve de maneira negativa (-,177). Com isso, gostar do PSBB diminui as chances dos
eleitores votarem em mulheres para cargos eletivos. No segundo caso, vemos que há associação
entre gostar de tal partido e concordar com a afirmação de que os homens são mais adequados
para a carreira política.
Para a terceira e para a última variável, não há a rejeição da hipótese nula, ou seja, não
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SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
há relação entre gostar do PSDB e concordar com as afirmações de que os homens governam
melhor do que as mulheres e estas ainda não possuem experiência política suficiente.
As analises a seguir serão baseadas na pergunta “Qual partido melhor representa a
maneira como o(a) senhor(a) pensa?”9 e cruzado com as variáveis indicativas de gênero.
Tabela 3. Associação gamma: “Pensa” PT x variáveis de gênero
1. Votaria em uma mulher para cargo eletivo (...)?
Valor
Sig.
Gamma
,687
,000
2. Em geral os homens são mais adequados para a carreira política (...).
Valor
Sig.
Gamma
-,123
,139
3. Em geral os homens governam melhor do que as mulheres (...).
Gamma
Valor
Sig.
-,114
,173
4. As mulheres ainda não possuem experiência política suficiente (...).
Gamma
Fonte: ESEB 2010
Valor
Sig.
-,214
,013
Nota: sig. < 0,05
*N=776
Nesta Tabela 3, podemos verificar que eleitores petistas (que tem o partido como
representante da maneira como pensam) são mais favoráveis ao voto em mulheres, sendo
corroborado através dos dados do cruzamento entre as variáveis “pensam” e “votaria em uma
mulher para cargo eletivo?”. Uma vez que rejeitamos a hipótese de que não há relacionamento
entre as variáveis (sig.=,000), vemos que essa associação é positiva e de alta intensidade (,687).
Portanto, ter o PT como partido que representa a maneira como o eleitor pensa, aumenta as
chances de este votar em uma mulher.
Para a segunda e a terceira variável relacionada ao gênero, o valor da significância (,139
e ,173) aponta que não há a rejeição da hipótese nula, deste modo, não há relação entre ter o
partido petista representando a maneira que o eleitor pensa e a concordância com as afirmações
de os homens são mais adequados para a carreira política e que estes governam melhor do que
as mulheres.
Por fim, a quarta variável de gênero evidencia a partir do resultado do nível de
significância que podemos rejeitar a hipótese nula, indicando assim, que há associação entre
ambas as variáveis, porém esta associação ocorre de maneira negativa (-,214), por isso, ter o PT
como representante da maneira como o eleitor “pensa” reduz as chances de concordância com
9 Para esta variável foi feita uma recodificação, ver apêndice metodológico 1.
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AUDREY KAROLINE MARQUES DIAS
tal afirmação.
Tabela 4. Associação gamma: “Pensa” PSDB x variáveis de gênero.
1. Votaria em uma mulher para cargo eletivo (...)?
Valor
Sig.
Gamma
-,782
,000
2. Em geral os homens são mais adequados para a carreira política (...).
Valor
Sig.
Gamma
,246
,030
3. Em geral os homens governam melhor do que as mulheres (...).
Gamma
Valor
Sig.
,246
,031
4. As mulheres ainda não possuem experiência política suficiente (...).
Gamma
Fonte: ESEB 2010
Valor
Sig.
,302
,010
Nota: sig. < 0,05
N= 776
Observando os dados da Tabela 4, vê-se que podemos rejeitar em todas as variáveis a
hipótese nula, e com exceção da primeira variável (votaria em uma mulher para cargo eletivo)
temos de maneira geral associações positivas entre as variáveis. Sendo assim, na variável 1
temos um sig. de ,000, indicando a existência de associação, mas ao observamos o valor de
gamma vemos que essa associação ocorre de maneira intensa e negativa (-,782), por isso, ter o
partido tucano10 como representante da maneira como pensa, diminui as chances de votar em
mulheres para cargos majoritários.
Como já observado anteriormente para a variável 2, 3 e 4 vemos a rejeição da hipótese
nula, e as associações entre ter o PSDB representando a maneira como pensa e a concordância
com as afirmações propostas, ocorrem de maneira positiva, ou seja, ter o partido tucano
representando a maneira como pensa aumentam as chances do eleitorado concordar com as
afirmações de que os homens são mais adequados e governam melhor do que as mulheres, e que
estas ainda não possuem experiência política para governar.
De maneira a confirmar os resultados apresentados até este momento, busca-se agora,
determinar o efeito de um grupo de variáveis sobre a probabilidade de voto em mulheres, ou seja,
procura-se entender que atributos fazem de um individuo favorável ao voto em mulheres para
cargos eletivos. O entendimento destes fatos foi feito através de modelos de regressão logística,
em que, como dito anteriormente, a variável “Votaria em uma mulher para cargo majoritário
(...)?” é a variável dependente e incluímos os sentimentos partidários junto com variáveis sócio10 “Partido Tucano” é a denominação nacional do PSDB. Pois seu símbolo é um tucano nas cores azul e amarela
e, por esta razão, seus membros e seus eleitores são chamados de “tucanos”.
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SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
demográficas, porém foram rodados testes diferentes para cada sentimento considerado por esta
pesquisa, pois essas variáveis acabavam influenciando os resultados entre si.
Tabela 5. Modelo de regressão logística para Voto em mulheres, usando a variável
partidária “Gosta” PT e PSDB.
Variáveis
B
Sig.
Exp. (B)
Sexo
,141
,455
1,151
Idade
-,003
,669
,997
Escolaridade
,166
,000
1,180
Renda individual
,000
,753
1,000
Gosta PT
1,420
,000
4,138
Gosta PSDB
-,830
,001
,436
Constant
1,658
,002
5,251
Fonte: ESEB 2010
Nota: sig. < 0,05
Como já esperado as variáveis sexo, idade e renda não se apresentaram como preditores
estatisticamente relevantes. Neste primeiro caso apenas escolaridade e gostar de um dos partidos
aparecem como preditores relevantes a essa pesquisa. Sendo assim, o aumento de um nível de
escolaridade elevam em 18% as chances de se votar em mulheres. Com relação às variáveis
partidárias, vemos que gostar do PT aumenta em 313,4% de chances dos eleitores votarem em
uma mulher. Em se tratando do PSBD, observamos que eleitores que gostam deste partido têm
56,4% de chances reduzidas de votar nestas para cargos eletivos.
Tabela 6. Modelo de regressão logística para Voto em mulheres, usando a variável
partidária “Pensa” PT e PSDB.
Variáveis
B
Sig.
Exp. (B)
Sexo
,115
,543
1,122
Idade
-,003
,584
,997
Escolaridade
,157
,001
1,170
Renda individual
,000
,780
1,000
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Pensa PT
1,312
,000
3,713
Pensa PSDB
-1,184
,000
,306
Constant
1,831
,000
6,239
Fonte: ESEB 2010
Nota: sig. < 0,05
Para esta regressão também não encontramos como preditores estatisticamente
relevantes as variáveis sexo, idade e renda. A variável escolaridade influi em 17% nas chances
dos eleitores votarem em uma mulher. Quando analisamos os eleitores que têm o PT como
representante da maneira como pensa, vemos que ter o partido como representante da maneira
como os eleitores pensam aumenta em 271,3% de estes votarem em mulheres para cargos
majoritários. Já eleitores que tem o PSDB representando a maneira como pensam tem 69,4%
de chances a menos de votar em mulheres.
Tabela 7. Modelo de regressão logística para Voto em mulheres, usando a variável
partidária “Sentimentos Partidários” PT e PSDB.
Variáveis
B
Sig.
Exp. (B)
Sexo
,138
,465
1,148
Idade
-,003
,675
,997
Escolaridade
,165
,001
1,180
Renda individual
,000
,811
1,000
1,515
,000
4,548
-,910
,001
,404
1,640
,002
5,155
Sentimentos
Partidários PT
Sentimentos
Partidários PSDB
Constant
Fonte: ESEB 2010
Nota: sig. < 0,05
Podemos inferir através da tabela acima que a variável escolaridade e as variáveis de
partido mostram-se significativas. A variável escolaridade nos mostra que a cada elevação do
nível de escolaridade influem em 18% as chances de se votar em mulheres. Com relação às
variáveis partidárias, vemos que indivíduos que possuem sentimentos partidários favoráveis
ao PT às chances de estes votarem em uma mulher aumentam para 354,8%, já indivíduos que
tem sentimentos partidários favoráveis ao partido tucano têm 59,6% de chance de não votar em
mulheres para cargos políticos.
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SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para este trabalho, os sentimentos partidários mostram-se como fatores importantes para
uma abertura política favorável a participação feminina. Tal fato acabou corroborando com a
hipótese inicial desta pesquisa em que, sentimentos favoráveis a partidos políticos determinados,
acarretam em atitudes mais favoráveis à igualdade política.
Questões relativas às desigualdades entre os gêneros marcam e ocupam uma parte
relevante da agenda política e de debates acadêmicos. Buscamos analisar de que maneira o
eleitor brasileiro entende o processo político, como este participa e qual sua opinião acerca da
participação feminina no espaço público.
Sendo assim, com os dados obtidos através dos testes de associações, verificamos que
eleitores que possuem disposições positivas ao PT, em sua maioria são favoráveis ao voto em
mulheres e tendem a não concordar com afirmações que delimitam o espaço público como um
espaço de domínio masculino. Com isso, eleitores que gostam ou “pensam” no partido possuem
mais chances de votar em mulheres do que eleitores tucanos.
Eleitores que gostam ou tem o partido tucano como representante da maneira como
pensam têm menos chances de votar em uma mulher para cargos eletivos majoritários, e definem
o espaço público como um espaço próprio do domínio masculino. Mas vemos que eleitores que
têm este partido como representante da maneira como pensam são menos favoráveis do que
eleitores que “gostam” do partido. Com isso, eleitores tucanos mostraram-se menos abertos a
participação política feminina.
Ao relacionarmos tais dados aos indicativos socioeconômicos vemos que para
esta pesquisa apenas a escolaridade e os sentimentos referentes aos partidos mostraram-se
estatisticamente significantes, sendo assim a cada aumento no nível de escolaridade aumentamse a chance dos eleitores a votarem em uma mulher para cargos majoritários, e também que
gostar ou ter o PT como representante da maneira como o eleitor “pensa” aumenta as chances
deste ao voto em mulheres, já com relação ao PSDB, temos uma redução nas chances de voto.
Com os dados obtidos através desta pesquisa verificamos que eleitores que se associam
favoravelmente ao PT são mais favoráveis à igualdade política do que eleitores tucanos. A partir
das pesquisas relacionadas aqui vemos que de maneira geral os eleitores brasileiros tendem a
concordar com a participação política das mulheres nos centros decisórios brasileiros, mas há
uma parcela da sociedade brasileira que continua a associar as mulheres a papéis tradicionais,
impedindo sua participação ou então relegando a esta a “política do desvelo”.
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367
AUDREY KAROLINE MARQUES DIAS
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22 a 26 de Outubro de 2012
368
SENTIMENTOS PARTIDÁRIOS E GÊNERO NO BRASIL
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www.scielo.br/pdf/ln/n67/a06n67.pdf/>. Acessado dia 03 de julho de 2012.
APÊNDICES METODOLÓGICOS:
Apêndice Metodológico 1- “Pensa PT” e “Pensa PSDB”
A recodificação foi feita a partir da seguinte pergunta: ESEB8) QUAL O PARTIDO MELHOR
REPRESENTA A MANEIRA COMO O(A) SR(A) PENSA? As opções eram uma lista com
28 partidos brasileiros, na qual o partido petista tinha valor 4, e o partido tucano tinha valor 8.
Para este artigo recodificamos os partidos analisados com valor 1 e os outros partidos como 0,
respostas como “não sabe”, “não respondeu” foi recodificado como system missing.
Apêndice Metodológico 2 – Votaria em mulheres para cargos majoritários (...)?
Foi usada a questão: ESEB64)VOTARIA EM UMA MULHER PARA ALGUM CARGO
MAJORITÁRIO, COMO PRESIDENTE, GOVERNADORA OU SENADORA? Com as
seguintes opções de respostas: (1) Sim e (2) Não. Para a utilização desta variável recodificamos
as respostas em (0) Não e (1) Sim.
Apêndice Metodológico 3 – Variáveis de gênero.
Foram utilizadas 3 questões; todas com as seguintes opções de resposta: “(1) Discorda muita;
(2) Discorda; (3) Concorda; (4) Concorda muito; (5) Não concorda nem discorda. Questões:
ESEB80a) CONCORDA/DISC: EM GERAL HOMENS SÃO MAIS ADEQUADOS PARA
A CARREIRA POLÍTICA DO QUE AS MULHERES; ESEB80b) CONCORDA/DISC: EM
GERAL, QUANDO ELEITOS, HOMENS GOVERNAM MELHOR DO QUE MULHERES;
ESEB80c) CONCORDA/DISC: AS MULHERES AINDA NÃO TEM EXPERIÊNCIA
POLÍTICA SUFICIENTE PARA GOVERNAR BEM. As respostas foram recodifica, com os
valores (0) Discorda e (1) Concorda.
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Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
369
RESUMOS SIMPLES - GRUPO DE TRABALHO III
MOVIMENTOS SOCIAIS, POLÍTICAS PÚBLICAS E LUTAS POR
REPRESENTAÇÃO
Estado de bem estar social: origem, desenvolvimento e crise
Claudinéa Justino Franchetti; Sidnei J. Munhoz.................................................................................................................371
Mídia, política e gênero na eleição presidencial brasileira de 2010
Dhiannie Caroline de Souza....................................................................................................................................................372
Retratos dos homicídios na área conurbada da Região Metropolitana de Maringá e as Políticas de
Segurança Pública
Fernanda Martins Valotta; Ana Lúcia Rodrigues...............................................................................................................373
ESTADO DE BEM ESTAR SOCIAL: ORIGEM,
DESENVOLVIMENTO E CRISE
Claudinéa Justino Franchetti; Sidnei J. Munhoz
UEM
Resumo: O Estado e suas respectivas sociedades passaram por diversas mutações ao longo da
história da humanidade. Deste modo, para que seja possível estudar o desempenho do Estado
no fomento dos mecanismos de proteção social, este trabalho objetiva a realização de uma
breve análise de sua história, começando pelo Estado Moderno, passando pelo Estado Liberal
até chegarmos ao Estado de Bem-Estar Social, tudo isso, tendo em mente que os sistemas
político-econômicos de cada país são responsáveis por dar vida ao campo estatal, intervindo
diametralmente na atuação do Estado junto à sociedade. Sempre considerando que, o conceito
de “Estado” não é universal, servindo apenas para assinalar e expor um modo de ordenamento
político que começou a ser gestado na Europa a partir do século XIII, mesmo fundamentado
em conjunturas e causas especificamente europeias, posteriormente a esse período se expandiu
a vários países, tomando formas distintas das que possuía orginalmente, sofrendo mutações de
acordo com o contexto histórico, político, econômico e cultural de cada país.
Palavras-chave:
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
371
MÍDIA, POLÍTICA E GÊNERO NA ELEIÇÃO PRESIDENCIAL
BRASILEIRA DE 2010
Dhiannie Caroline de Souza
PIC-Universidade Estadual de Maringá (UEM)
Orientadora: Profª. Drª. Carla Cecília Rodrigues Almeida
Email: [email protected]
Resumo: A mulher, vista ao longo da história unicamente como administradora do lar, vem
se destacando em cargos gerenciais na sociedade civil. Ao se lançar no meio político, ela não
só precisa se mostrar apta a ocupar tais cargos, como também buscar o credo daqueles que
ainda duvidam de sua capacidade. Após as ultimas eleições e as mudanças dos paradigmas
que culminaram na eleição da primeira presidente do Brasil, o presente estudo visa analisar
o comportamento da mídia impressa, mais precisamente das matérias vinculadas no jornal
O Estado de São Paulo ante as candidaturas femininas nas eleições presidenciais de 2010. A
metodologia escolhida foi a Análise de Conteúdo, que possibilita a analise dos dados de forma
qualitativa e quantitativa. A coleta de dados foi feita a partir de um Livro de Códigos, baseado
em Cervi (2003), e adaptadas aos objetivos dessa pesquisa. Foram consultadas 123 edições
do jornal O Estado de São Paulo e registradas 2145 entradas. Este trabalho analisou apenas as
entradas do Painel de Leitores.
Palavras-chave:
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
372
RETRATOS DOS HOMICÍDIOS NA ÁREA CONURBADA
DA REGIÃO METROPOLITANA DE MARINGÁ E AS
POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA
1
Fernanda Martins Valotta; Ana Lúcia Rodrigues
2
Bacharel e Licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Maringá; Mestranda
do Programa de Pós graduação em Ciências Sociais na área de Sociologia Urbana. Atuando
principalmente nas seguintes áreas: políticas públicas, sociologia urbana e sociologia da
violência. Pesquisadora assistente do Observatório das Metrópoles - Núcleo Região Maringá;
Integrante do projeto de pesquisa “Organização Social do Território e Criminalidade Violenta”
- INCT
1
Professora adjunta da Universidade Estadual de Maringá no curso de graduação e no Programa
de Pós-Graduação em Ciências Sociais, no curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo e
na Pós Graduação em Políticas Públicas. É coordenadora do Mestrado Profissional em Políticas
Públicas e do núcleo local do Observatório das Metrópoles, atuando também como membro do
Comitê Gestor do INCT - Observatório das Metrópoles e como pesquisadora visitante no IPEA
no projeto de Estudos das Regiões Metropolitanas do Brasil
2
Resumo: A violência urbana é um fenômeno que, principalmente a partir da década de 1980,
vem se constituindo como um grave problema para a sociedade brasileira. Segundo dados da
Organização Mundial da Saúde - OMS, no ano de 2000 morreram no mundo todo 1 milhão e 600
mil pessoas vítimas de alguma forma de violência. Diante desse cenário, se justificam estudos
que analisem o fenômeno da violência urbana. Essa pesquisa trata desta temática e tem como
foco específico a análise das ocorrências de homicídios, pressupondo que estes se compõem
como indicadores da violência urbana, fenômeno não mais restrito às grandes capitais, mas
que se encontra em crescimento também no interior do Brasil. Os municípios de Maringá,
Sarandi e Paiçandu (Pr) se constituem nos territórios da Região Metropolitana de Maringá
que serão estudados, pois apresentam as maiores taxas de homicídios dessa região e ainda
estabelecem alto grau de integração entre si. Esse trabalho se constituirá, assim, da identificação
das características que compõem o perfil das vítimas dessa modalidade de violência, assim
como do mapeamento de algumas políticas e ações municipais na área de segurança pública
nesses territórios.
Palavras-chave:
Anais do X Seminário de Ciências Sociais - Tecendo diálogos sobre a pesquisa social
Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Ciências Sociais
22 a 26 de Outubro de 2012
373