Dez dúvidas sobre a Terra Pura - Tendai Hokkê Ichijô do Brasil

Transcrição

Dez dúvidas sobre a Terra Pura - Tendai Hokkê Ichijô do Brasil
Dez Dúvidas sobre a Terra Pura [T1961_.47.0077b21]
Explicado pelo Grande Mestre Zhìzhě do monastério do Monte Tiāntái [no século VI EC]
Questão 1:
A Grande Compaixão é o chamado da vida de budas e bodhisattvas. Assim, aquele que tem
desenvolvido a mente búdica, desejando salvar e atravessar outros seres sencientes até a
outra margem deveria simplesmente fazer o voto de renascer no reino tríplice 1, dentre as
cinco impurezas e os três caminhos malignos. Por que deveríamos abandonar os seres
sencientes e adentrar a uma vida de tranquilidade? Isso não seria falta de compaixão, uma
preocupação com desejos egoístas, contrários ao caminho da iluminação2?
Resposta:
Há dois tipos de bodhisattvas. O primeiro tipo são aqueles que têm seguido o caminho do
bodhisattva por um longo tempo e atingiram a compreensão do não-surgimento dos
fenômenos. Esta repreensão se aplica a eles.
O segundo tipo de bodhisattvas são aqueles que não atingiram a compreensão do nãonascimento3, assim como seres comuns que recentemente desenvolveram a mente búdica4. Se
eles aspiram atingir a perfeita compreensão e adentrar à má existência5 do reino tríplice para
salvar os seres sencientes, eles devem permanecer constantemente próximos dos budas.
É como diz o Tratado da Perfeição da Sabedoria:
"É tolo para seres humanos que ainda estejam presos a todo tipo de aflições, mesmo que
possuam uma grande mente compassiva, buscar um renascimento prematuro nos reinos
maléficos para resgatar os seres sencientes. Por que é assim? É assim porque nesse mundo
mau e contaminado, as aflições são poderosas e amplamente difundidas. Aqueles desprovidos
do poder da compreensão do não-nascimento estão presos e sujeitos a circunstâncias
externas. Eles então tornam-se escravos da forma e som, fama e fortuna, com o karma
resultante do desejo, ódio e ilusão. Assim que isso ocorre, eles não podem salvar a si mesmos,
quanto mais aos outros! Se, por exemplo, eles vierem a renascer no reino humano, num
ambiente de descrentes e externalistas, será difícil de encontrar sábios genuínos. Portanto,
não será fácil ouvir ao Dharma de Buda, nem de atingir os objetivos dos sábios. Dentre aqueles
que plantaram sementes de generosidade, moralidade e bem aventurança em existências
anteriores e estão agora usufruindo poder e fama, quantos se encontram enfeitiçados por uma
1
Reinos do desejo, forma e não-forma.
“Nos ensinamentos budistas (...) uma pessoa que não se iluminou é, por definição, enferma. O
processo de cura é a orientação distante do sofrimento, rumo à aspiração pela iluminação.” (Raoul
Birnbaum, The Healing Buddha, p. xiv)
3
Este tratado das Dez Dúvidas sobre a Terra Pura, já foi traduzido antes por Leo Pruden, para o The
Eastern Buddhist, de maio de 1973. Ele empregou a expressão “discernimento do não-surgimento.”
Charles Luk usou o termo “resistência paciente no incriado.”
4
A mente envolvida pela aspiração em atingir a iluminação. Envolve dois aspectos paralelos, a
determinação em atingir o estado de buda e a aspiração em resgatar a todos os seres.
5
Existência no mundo Sahā, chamada de má porque é preenchida pelas cinco corrupções, tais como
pontos de vista sujos, quando toda sorte de visões errôneas prevalecem e a impureza das paixões, ódio
e outras máculas predominam.
2
“Śāriputra, você deve estar ciente de que nesta era maligna das cinco corrupções, eu realizei a mais
difícil tarefa. Obtive o supremo e perfeito conhecimento. Pelo bem de todo o mundo eu proclamo esse
Dharma que é muito difícil de acreditar. É extremamente difícil.” (Sutra de Amitābha)
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vida de opulência e honras, chafurdando-se em desejo e cobiça sem fim? Portanto, mesmo
quando eles são aconselhados pelos mestres iluminados, não confiam, nem agem de acordo
com as orientações. Além disso, para satisfazer suas paixões, eles tomam vantagem de seu
poder e influência, criando uma grande quantidade de mau karma. Assim, quando sua
presente existência chega ao fim, eles caem nos três caminhos malignos por incontáveis
kalpas. Depois disso, eles renascem como humanos de castas inferiores. Se eles não
encontrarem bons conselheiros espirituais, eles continuarão iludidos, criando mais e mais mau
karma e caindo novamente nos reinos inferiores. Desde os tempos antigos, seres sencientes
presos no ciclo de nascimentos e mortes estão sob tais dificuldades. Este é chamado de o
Difícil Caminho da Prática.'"
O Sutra de Vimalakīrti também afirma que,
"Se você não pode curar sua própria enfermidade, como pode querer curar a enfermidade
alheia6?"
O Tratado da Perfeição da Sabedoria ainda diz:
"Vamos supor que duas pessoas, cada uma vê um parente se afogando no rio. A primeira
pessoa, agindo por impulso, imediatamente pula dentro da água. Contudo, por falta da
habilidade necessária, no fim, ambos se afogam. A segunda pessoa, mais inteligente e
habilidosa, velozmente busca por um barco e singra ao resgate. Assim, ambos escapam do
afogamento. Os recentemente tornados bodhisattvas são como o primeiro indivíduo em quem
falta habilidade do poder da compreensão do não-nascimento e não podem salvar os seres
sencientes. Apenas os bodhisattvas que permanecem próximos aos budas e atingem a
compreensão do não-nascimento podem substituir os budas e atravessar os incontáveis seres
sencientes até a outra margem, exatamente como a pessoa que tinha o barco."
O Tratado da Perfeição da Sabedoria ainda continua:
"Isso não é diferente do bebê que não deve deixar sua mãe, a fim de que não caia num poço,
afogue-se no rio ou morra de fome, ou do pequenino pássaro cujas asas ainda não estão
totalmente desenvolvidas. Ele deve esperar seu tempo, diligentemente pulando de galho em
galho até poder voar mais longe, despreocupado e desimpedido. As pessoas comuns,
desprovidas da compreensão do não-nascimento devem limitar-se a recitação do nome do
Buda para atingir a mente centrada. Assim que a meta é atingida, na hora da morte, eles
certamente renascerão na Terra Pura. Tendo visto o Buda Amitābha e atingido a compreensão
do não-nascimento, eles podem conduzir o barco daquela compreensão rumo ao mar dos
nascimentos e mortes para atravessar os outros seres sencientes e realizar a tarefa de
incontáveis budas de acordo com seu desejo."
Por tais razões, praticantes compassivos que queiram ensinar e converter os seres sencientes
que habitam os infernos, ou adentrar ao mar dos nascimentos e mortes, devem manter em
mente as causas e condições para renascer na Terra Pura. Isso é chamado de caminho fácil de
prática no Comentário Sobre os Dez Estágios do Bodhisattva.
Questão 2:
6
“Então o Buda declarou, “Não é possível para alguém que ainda está atado, libertar a outros de suas
amarras. Mas aquele que está livre, sim, está apto a libertar os outros de suas amarras.’” (Sutra de
Vimalakīrti)
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Todos os fenômenos são naturalmente insubstanciais, não surgidos, idênticos e imóveis. Não
estamos indo contra essa verdade quando abandonamos este mundo, buscando o
renascimento na Terra da Suprema Bem Aventurança? O Sutra de Vimalakīrti ensina que "para
renascer na Terra Pura, você deve primeiro purificar sua própria mente; quando a mente se
torna pura, as terras búdicas são igualmente puras." Os seguidores da Terra Pura não estão
indo contra essa verdade?
Resposta:
Essa questão envolve dois princípios e pode ser respondida em dois níveis.
A) No nível geral, se você acha que buscar o renascimento na Terra Pura significa "abandonar
este lugar e procurar aquele lugar" e por isso seria incompatível com a Verdade da
Condicionalidade, você não estaria cometendo o mesmo engano de se agarrar ao Mundo Sahā
e não buscar o renascimento na Terra Pura, ou seja, "abandonar este lugar e apegar-se
àquele?" Se, por outro lado, você disser, "Eu não estou nem buscando renascer lá, nem desejo
permanecer aqui," você acaba caindo no erro do niilismo.
O Sutra do Diamante afirma sobre essa conexão:
"Subhūti (...), não tenha tais pensamentos. Por quê? Porque aquele que desenvolve a mente
da suprema iluminação não defende a total aniquilação das marcas dos fenômenos."
B) No nível específico, se você sustenta já a verdade do não-surgimento7 e da Terra Pura, eu
gostaria de te oferecer a seguinte explicação.
O não-surgimento é precisamente a verdade do não-nascimento e não-morte. Não-surgimento
significa que todos os fenômenos são falsos agregados, nascidos de causas e condições
desprovidos de natureza própria. Por isso se diz que eles não possuem natureza de nascimento
real ou momento de surgimento. Analisando assim, eles, na realidade, não vêm de lugar
nenhum. Portanto se afirma que eles são não-nascidos.
Não-morte significa que, sendo os fenômenos desprovidos de natureza própria, quando eles se
extinguem, eles não são considerados mortos. Como não possuem um local físico para
retornar, diz-se que são não-extintos.
Por essa razão, a verdade do não-surgimento, ou seja, do não-nascimento e não-morte, não
pode existir em nenhum local externo aos fenômenos ordinários, que são sujeitos ao
nascimento e morte. Portanto, o não-surgimento não significa não buscar o renascimento na
Terra Pura.
O Tratado do Caminho do Meio afirma:
"Os fenômenos são nascidos de causas e condições. Assim, afirmo que são insubstanciais. Eles
também são chamados de falsos e fictícios e isso é também a verdade do Caminho do Meio."
Ele também atesta:
7
Não-nascimento, também traduzido como não-surgimento ou não-originação.
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"Os fenômenos nem surgem espontaneamente, nem surgem a partir de outra coisa. Eles nem
surgem juntos, nem separados das causas e condições. Por isso se diz que eles são nãonascidos."
O Sutra de Vimalakīrti afirma:
"Embora ele saiba que as terras búdicas
São insubstanciais como os seres vivos
Ele segue praticando o ensino da Terra Pura
Para ensinar e encaminhar os homens."
E também atesta:
"Podemos construir mansões conforme desejamos num terreno vazio, mas é impossível
construir em meio ao espaço vazio."
Quando os budas ensinam, eles normalmente baseiam-se nas Duas Verdades8, a verdade
última e a convencional. Eles não destroem identidades fictícias e provisórias dos fenômenos
quando revelam suas verdadeiras características.
Essa é a razão pela qual o sábio, enquanto decididamente buscando renascer na Terra Pura,
também compreende que a natureza do renascimento é intrinsecamente insubstancial. Este é
o verdadeiro não-nascimento e também o significado de "quando a mente é pura, as terras
búdicas são igualmente puras."
Os estúpidos e ignorantes, por outro lado, se enganam sobre o conceito de nascimento. Ao
ouvirem o termo "nascimento", eles entendem como um nascimento físico e ouvindo "nãonascimento", eles se prendem a um sentido literal e acham que não há renascimento
nenhum9. Sua compreensão é insuficiente para entender que nascimento é precisamente nãonascimento e o não-nascimento não é um obstáculo ao conceito de nascimento."
Por não entender esse princípio, eles causam discussões, caluniando e depreciando aqueles
que buscar o renascimento na Terra Pura do Ocidente. Que grande engano! Eles são culpados
de vilipendiar o Dharma e pertencem à classe dos externalistas iludidos.
Questão 3:
Todas as terras puras dos budas das dez direções possuem iguais qualidades e virtudes. Sua
natureza dhármica também é a mesma. Portanto, o praticante tem a possibilidade de meditar
nas várias virtudes dos budas e buscar renascer nas várias terras puras das dez direções. Por
que ele deveria especificamente buscar renascer na Terra Pura de um buda em particular? Isso
não é contrário à verdade de igualdade em buscar o renascimento?
Resposta:
Todas as terras puras dos budas são, na verdade, iguais. Apesar disso, a maioria dos seres
sencientes em nosso mundo, geralmente possuem faculdades débeis e limitadas e mentes
8
1) Verdade relativa ou convencional. Constatação diária do ambiente mundano sujeito à ilusão e
dicotomias e a 2) Verdade última ensinada pelo buda.
9
Conceito chave do Budismo de que tudo é construído pela mente.
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dispersas, sendo difícil para eles atingir o samādhi, ao menos que se concentrem
exclusivamente em um único reino.
A prática de constantemente se concentrar no Buda Amitābha é o samādhi da marca única.
Sendo a mente dedicada a uma única coisa, o praticante atinge o renascimento na Terra Pura.
No Sutra do Renascimento de Acordo com os Votos, o Buda Śākyamuni foi questionado por um
bodhisattva, "Honrado do Mundo, existem terras puras em todas as dez direções. Por que
você enaltece a Terra Pura do Ocidente e impele aos seres sencientes que se concentrem
continuamente no Buda Amitābha, buscando renascer em sua terra?"
O Buda respondeu, "Os seres sencientes deste mundo Sahā, geralmente possuem mentes
impuras e dispersas. Portanto, eu enalteço apenas a terra pura do ocidente, concentrando
suas mentes em um único reino. Se eles meditarem em todos os budas, a extensão de suas
atenções será muito vasta, suas mentes se tornarão perdidas e confusas e eles terão
dificuldade em atingir o samādhi. Assim, eles falharão em atingir o renascimento na Terra
Pura.
"Além disso, buscar as virtudes de um único buda é o mesmo que buscar as virtudes de todos
os budas, já que todos os budas possuem em comum a mesma natureza. É por isso que
concentrar-se no Buda Amitābha é concentrar-se em todos os budas, renascer na Terra Pura
do Ocidente é o mesmo que renascer em todas as terras puras."
Assim, o Sutra Avatamsaka afirma:
"Os corpos de todos os budas
são o corpo de qualquer buda.
Eles possuem a mesma mente e a mesma sabedoria.
Eles são iguais em poder e destemor."
Adiante, o Sutra Avatamsaka também diz:
"Isso é semelhante à lua, redonda e brilhante, sua imagem refletindo-se sobre rios e lagos.
Embora seu reflexo seja visto em todo lugar, há apenas uma única lua. Assim também é com
os budas. Embora eles apareçam em todos os reinos, seus corpos são não-duais."
Resumindo, baseado em tais exemplos, o sábio compreenderá o que significa a verdade de
que um é todos e todos são um10. Quando a verdade é captada, concentrar-se em um buda é
precisamente concentrar-se em todos os budas.
Questão 4:
Há muitos budas e terras puras em todas as direções. Sendo que os seres sencientes neste
mundo possuem mentes impuras e dispersas e diferentes disposições, o que causa a
dificuldade de atingir o samādhi se eles se concentram em diversos budas, por que eles não
deveriam recitar o nome de qualquer outro buda, conforme sua própria vontade e buscar o
renascimento em qualquer terra pura de acordo com seus votos? Por que concentrar-se
especificamente no Buda Amitābha e buscar o renascimento na Terra da Suprema Bem
Aventurança?
10
Outro conceito chave do Budismo Mahāyāna, particularmente popular na abordagem do Sutra
Avatamsaka.
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Resposta:
As pessoas comuns, desprovidas de sabedoria, devem seguir a orientação do Buda ao invés de
agir arbitrariamente de acordo com sua própria vontade. É por isso que, desde os tempos
antigos, os praticantes da Terra Pura têm diligentemente recitado o nome do Buda Amitābha.
E o que significa seguir os ensinos do Buda? Durante toda sua carreira de ensinos, o Buda
Śākyamuni constantemente intimou os seres sencientes a concentrar-se no Buda Amitābha e
buscar o renascimento na Terra da Suprema Bem Aventurança. Isso é mencionado em sutras
como o Sutra Longo de Amitābha, o Sutra da Contemplação, o Sutra de Amitābha, o Sutra do
Lótus e o Sutra Avatamsaka. Em numerosos sutras, o Buda constantemente nos incita a buscar
o renascimento na Terra Pura do Ocidente. E isso não é apenas nos sutras. Em seus
comentários, os bodhisattvas e patriarcas unanimamente nos orientam a buscar o
renascimento na Terra da Suprema Bem Aventurança.
Além disso, o Buda Amitābha possui o poder de seus quarenta e oito votos compassivos de
resgatar os seres sencientes. O Sutra da Contemplação afirma:
"O Buda Amitābha possui 84 mil marcas da perfeição, cada marca possui 84 mil marcas
menores de excelência e de cada marca menor saem 84 mil raios de luz iluminando todo o
Reino do Dharma, alcançando, sem exceção, todos os seres sencientes que praticam a
recitação da lembrança do Buda. Se quaisquer seres sencientes recitarem seu nome, haverá
correspondência entre a causa e efeito e eles certamente renascerão lá."
Também, o Sutra de Amitābha, o Sutra Longo de Amitābha, dentre outros, ensinam que
quando o Buda Śākyamuni proferiu tais sutras, os budas das dez direções, numerosos como as
areias do rio Ganges, todos estenderam suas línguas, cobrindo o universo inteiro,
testemunhando da verdade que qualquer ser senciente que recite o nome do Buda Amitābha
tem seu renascimento assegurado na Terra da Suprema Bem Aventurança, graças ao grande e
compassivo poder dos votos do Buda.
Nós já deveríamos saber que o Buda Amitābha possui grande afinidade de causas e condições
com este mundo. Como diz o Sutra Longo de Amitābha:
"Na Era do Fim do Dharma, quando todos os outros sutras tiverem desaparecido, apenas este
sutra restará por uma centena de anos para que se possa resgatar os seres sencientes e guiálos até à Terra Pura do Ocidente."
Isso demonstra que o Buda Amitābha possui forte afinidade com os seres sencientes deste
mundo corrompido.
Embora um ou dois sutras tenham, de uma forma geral, incitado ao renascimento em outras
terras puras, isso não pode ser comparado ao fato de que numerosos sutras e comentários
têm unanimemente apontado para a Terra da Suprema Bem Aventurança como foco do
renascimento11.
Questão 5:
11
Na Encyclopedia of Buddhism, vol. I, G.P. Malalasekera cita um autor japonês que listou duzentos
textos referindo-se ao Buda Amitābha e sua Terra Pura, sendo trinta e um desses textos escritos em
sânscrito.
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As pessoas comuns estão inteiramente enredadas em pesados maus karmas e são plenas de
todo tipo de aflições. Mesmo que tenham algumas virtudes como resultado do cultivo, eles
podem encontrar dificuldade em romper mesmo uma mínima fração de suas máculas e
empecilhos. A Terra da Suprema Bem Aventurança, por outro lado, é extremamente e
puramente adornada, transcendendo o Mundo Tríplice. Como podem tais moralmente
corruptos mortais esperar renascer lá?
Resposta:
Existem duas condições para o renascimento: os conceitos de próprio-poder e o outro-poder.
Mesmo que o próprio-poder seja aparente, os seres comuns deste mundo, totalmente presos
por seus apegos e aflições, mesmo tendo algum nível de cultivo, na realidade, ainda não
podem renascer na Terra Pura nem merecer permanecer lá.
A Coletânea sobre a Paz e Bem Aventurança afirma:
"Aqueles que primeiro desenvolvem a mente búdica, começando do nível de seres comuns,
completamente agrilhoados, ignorantes dos Três Tesouros e da lei de causa e efeito, devem se
basear inicialmente na confiança. Em seguida, tendo eles embarcado no caminho da sabedoria
búdica, os preceitos servem para eles como fundação. Se tais seres comuns aceitam os
preceitos do bodhisattva e continuam a mantê-los, infalivelmente e sem interrupção por três
kalpas, eles atingirão a Primeira Habitação do Estado de Bodhisattva. Se eles perseguirem seu
cultivo dessa forma através das dez pāramitās, assim como com seus votos e práticas, um após
outro, sem interrupção, no final de dez mil kalpas eles atingirão a sexta habitação do estado de
bodhisattva. Continuando assim, eles atingirão o sétimo estado, da não-retrogressão. Terão
então adentrado ao estágio da semente do estado de buda. Contudo, mesmo assim, ainda não
poderão atingir o renascimento na Terra Pura."
Considerando o outro-poder, se alguém confia no poder do voto compassivo do Buda
Amitābha de resgatar os seres sencientes e desenvolver a mente búdica, cultiva o samādhi da
recitação da lembrança do Buda, se cansa de seu corpo finito e impuro do mundo tríplice,
pratica a generosidade, mantém os preceitos e realiza outros atos meritórios, dedicando todos
esses méritos e virtudes para o renascimento na Terra Pura do Ocidente, suas aspirações e a
resposta do Buda serão equivalentes. Confiando assim no poder do Buda, ele imediatamente
atinge o renascimento12.
Assim, é afirmado no Comentário sobre os Dez Estágios do Estado de Bodhisattva:
"Há dois caminhos de cultivo, o caminho difícil e o caminho fácil. O caminho difícil se refere às
práticas dos seres sencientes neste mundo das cinco turvações, que, através de incontáveis
kalpas, aspiraram atingir o estágio da não-retrogressão. As dificuldades são verdadeiramente
incontáveis, numerosas como partículas de poeira ou grãos de areia, numerosas demais para
se imaginar. Eu vou resumir os cinco maiores abaixo:
a) Externalistas são multidões, criando confusão sobre o doutrina do bodhisattva;
b) Seres malignos destroem o bem do praticante, as boas virtudes;
c) Virtudes mundanas e ganhos podem facilmente guiar o praticante para longe, assim ele
cessa de se dedicar a práticas virtuosas;
12
Renascer através do outro poder é, em efeito, renascer através da ênfase nesse outro poder, não de
exclusiva confiança nele.
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d) É mais fácil extraviar-se para o caminho do arhat por benefício próprio, o que obstrui a
compreensão da mente da grande compaixão;
e) Confiar exclusivamente no próprio-poder, sem o auxílio do poder do Buda, tornando o
cultivo muito penoso e árduo.
Não é diferente do caso da pessoa débil e deficiente, caminhando sozinha, que só pode
avançar um pequeno trecho a cada dia, não importa quanto esforço faça. O caminho fácil do
cultivo significa que, se os seres sencientes neste mundo acreditam nas palavras do Buda,
praticam a recitação do nome do Buda e fazem o voto de renascer na Terra Pura, serão
auxiliados pelo poder do voto do Buda e terão seu renascimento assegurado. Isso é análogo à
pessoa que flutua rio abaixo num barco. Não importa se a distância é de muitos milhares de
milhas, seu destino será alcançado em dado momento. É como uma pessoa comum, confiando
no poder de um monarca universal, atravessa os quatro grandes universos em um dia e uma
noite. Isso não se dá através de seu próprio poder, mas ao invés disso, é pelo poder do
monarca."
Alguns, arrazoando sobre o princípio da coisa em si, podem dizer que os seres comuns, sendo
condicionados, não podem renascer na Terra Pura ou ver o corpo do Buda.
A resposta para isso é que as virtudes da recitação da lembrança do Buda possuem raízes do
bem que são incondicionadas. As pessoas comuns, impuras que desenvolvem a mente búdica,
buscam o renascimento e praticam constantemente a recitação do nome do Buda, podem
subjugar e destruir as aflições, atingem o renascimento e dependendo do nível de seu cultivo,
obtém a visão dos aspectos superficiais do Buda, suas trinta e duas marcas de grandeza, por
exemplo. Bodhisattvas, naturalmente, podem atingir o renascimento e ver os sutis e sublimes
aspectos do Buda, como seu corpo de Dharma. Não pode haver dúvidas sobre isso.
Assim, o Sutra Avatamsaka afirma:
"Todos as variadas terras búdicas são igualmente e puramente adornadas. Por causa de suas
ações, os seres sencientes diferem em sua percepção, pensando que tais terras são
diferentes."
Esse é o sentido do que foi anteriormente.
Questão 6:
Embora os seres sencientes, completamente enredados em aflições e pontos de vista
maléficos, possam atingir o renascimento na Terra Pura, eles estão fadados a desenvolver
aflições e visões viciosas constantemente. Sob tais circunstâncias, podem se pode dizer que
eles transcenderam o mundo tríplice e atingiram o estado da não-retrogressão?
Resposta:
Aqueles que renascem na Terra Pura, embora sejam seres comuns, totalmente enredados ao
resultado de más ações, podem não desenvolver aflições ou visões perversas, nem falhar em
atingir a não-retrogressão. Isso se deve a cinco fatores:
a) O poder do grande e compassivo voto do Buda de incluir e proteger a todos os seres;
b) A luz da sabedoria do Buda que brilha sobre eles, fazendo com que a mente búdica de tais
pessoas superiores se encontre em constante progresso;
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c) Na Terra Pura do Ocidente, os pássaros, a água, florestas, árvores, vento e músicas, todos
soam o Dharma do sofrimento, insubstancialidade, impermanência e ausência de eu. Ao ouvir
tais sons, os praticantes começam a concentrar-se no Buda, no Dharma e na Sangha;
d) Aqueles que renascem na Terra Pura, têm como companhia os bodhisattvas de mais alto
nível e estão livres de todos os obstáculos, calamidades e condições malignas. Além disso, lá
não há externalistas nem demônios, então suas mentes se encontram constantes e calmas;
e) Uma vez tendo renascido na Terra Pura, a duração de suas vidas é inexaurível, exatamente
igual às dos budas e bodhisattvas. Assim, eles podem cultivar pacificamente por incontáveis
kalpas.
Como resultado dessas cinco causas e condições, os seres sencientes que renascem na Terra
Pura, certamente atingirão a não-retrogressão e nunca desenvolverão aflições ou pontos de
vista perversos. Os seres sencientes neste mundo das cinco turvações, por outro lado, tem
vidas curtas e encaram inúmeras condições vis e obstruções. Portanto, eles têm grande
dificuldade em atingir a não-retrogressão. Essa verdade é evidente e além de qualquer dúvida.
Questão 7:
O Bodhisattva Maitreya é um bodhisattva de vida única que está agora no Paraíso Tuṣita. Eles
sucederá o Buda Śākyamuni e se tornará um buda no futuro. Eu arrisco a afirmar que
deveríamos cultivar aspectos superiores das dez virtudes e buscar renascer no Paraíso Tuṣita,
para vê-lo em pessoa13. Quando o tempo chegar e ele descer à terra tornando-se um buda, nós
o seguiremos e certamente atingiremos o estágio do sábio no curso de suas três assembleias
de ensino. Portanto, qual a necessidade de buscar renascer na Terra Pura Ocidental?
Resposta:
Buscar o renascimento no Paraíso Tuṣita poderia, por alguns, ser considerado equivalente a
ouvir o Dharma e ver o Buda. Parece muito similar a buscar o renascimento na Terra Pura do
Ocidente. Contudo, após um exame minucioso, há muitas e grandes diferenças entre os dois.
Vamos citar os dois pontos pelo bem da discussão.
a) Mesmo que possamos cultivar as dez virtudes, não é certo que possamos alcançar o
renascimento no Paraíso Tuṣita. É como consta nos sutras: "O praticante deve cultivar os
diversos samādhis e adentrar profundamente à correta concentração de forma a obter o
renascimento no átrio interior do Paraíso Tuṣita."
Disso podemos deduzir que o Bodhisattva Maitreya não possui o meio hábil de receber e
acompanhar. Isso não se compara com o poder do voto original do Buda Amitābha e sua
poderosa luz, que pode reunir e resgatar todos os seres sencientes que se concentrarem nele.
Além disso, quando o Buda Śākyamuni ensinou o significado do meio hábil de receber e
acompanhar em sua explicação sobre os nove níveis de renascimento, ele diligentemente
intimou os seres sencientes a buscarem o renascimento na Terra Pura do Ocidente. Tal recurso
é muito simples. O praticante precisa apenas recitar o nome do Buda Amitābha e graças à
correlação entre sentimento e resposta, ele imediatamente atingirá o renascimento. Isso é
13
O propósito de ver o Buda é estar apto a ouvir seus ensinos diretamente, ao invés de percorrer fontes
intermediárias como sutras, comentários, etc. Assim, se os praticantes renascem na Terra Pura, como
afirma o Sutra Surangama:
“Eles jamais se afastarão do Buda e suas mentes despertarão espontaneamente, sem a necessidade de
expedientes. Aquele que esteve próximo do incenso também carrega sua fragrância.”
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análogo a uma campanha de alistamento. Aqueles que anseiam se juntar ao exército podem
fazê-lo imediatamente, assim que seu desejo corresponda à meta da nação.
b) Em segundo lugar, o Paraíso Tuṣita está, além de tudo, ainda dentro do Reino do Desejo, ao
qual pertence este mundo Sahā. Assim, aqueles que retrocedem ainda são muitos. Naquele
paraíso, os pássaros, florestas, árvores e vento não emitem os sons do Dharma e assim não
podem ajudar os seres sencientes a destruir as aflições, concentrar-se na Joia Tríplice, nem
desenvolver a mente búdica. Além do mais, naquele reino, há deusas que excitam os cinco
desejos nas mentes dos seres celestiais ao ponto de que poucos deles escapam das distrações
das paixões.
Como pode isso se comparar com a Terra Pura do Ocidente14, onde as árvores e os pássaros
proclamam o Dharma maravilhoso e o vento canta a iluminação destruindo as aflições dos
seres sencientes e reforçando a mente búdica dos praticantes? Além disso, na Terra Pura do
Buda Amitābha, não há formas sedutoras15 ou seres preocupados apenas com a própria
iluminação. Há apenas as puras embarcações do caminho Mahāyāna. Por isso as aflições e o
mau karma não podem surgir. Sob tais circunstâncias, como podem os praticantes falhar em
atingir o estágio da não-retrogressão rapidamente? Nós apenas esboçamos alguns poucos
pontos de comparação, já que as diferenças entre a Terra Pura e o Paraíso Tuṣita são
claramente óbvias. Como pode haver quaisquer dúvidas adicionais ou hesitação?
Ainda assim, ver o Bodhisattva Maitreya e atingir os frutos do estado de arhat não são
certezas. Durante a vida do Buda Śākyamuni, houve muitos que o viram, mas não atingiram o
estado de sábio. No futuro, quando o Bodhisattva Maitreya surgir no mundo, o mesmo será
verdade. Incontáveis seres sencientes o verão e ouvirão o Dharma, mas não atingirão o estado
de arhat. Esse não é o caso na Terra Pura do Buda Amitābha. Ao renascer lá está garantido o
atingir da compreensão do não-nascimento, sendo impossível retroceder ao mundo tríplice ou
prender-se ao karma dos nascimentos e mortes.
No escrito Relatos sobre o País do Ocidente16 há a história de três bodhisattvas, Asanga,
Vasubandhu e Simhabhadra, que praticaram meditação, determinados a renascer no Paraíso
Tuṣita. Eles fizeram um voto de que o primeiro deles que chegasse ao fim da existência,
renascesse no átrio interno do Paraíso Tuṣita e visse o Bodhisattva Maitreya, voltaria e
informaria aos outros. Simhabhadra morreu primeiro, mas já havia passado um longo tempo e
ainda não havia retornado. Posteriormente, Vasubandhu estava próximo da morte, Asanga
disse a ele, "Após prestar reverências a Maitreya, volte e me faça saber o mais rápido
possível." Vasubandhu morreu, mas só voltou depois de três anos. Vasubandhu perguntou,
"Após prestar reverências ao Bodhisattva Maitreya, ouvir seu sermão e exortações e
14
O Tratado da Perfeição da Sabedoria atesta:
“A Terra Pura não está incluída no mundo tríplice (...). É o resultado das ações do Bodhisattva
Dharmākara que permite que isso aconteça. Ela existe extra-fenomenicamente e assim podemos
chamá-la de sutil.” (T’an-Luan citado por Roger J. Corless, “Pure Land and Pure Perspective,” The Pure
Land, Dezembro de 1989)
15
A maior parte sutras budistas foram escritos há quase - ou mais de - vinte séculos atrás, quando a
ordem monástica era quase que totalmente composta por homens. Assim, a palavra originalmente
usada no texto, “mulheres”, pode nesse contexto ser compreendida mais acertadamente como “formas
sedutoras”, do que simplesmente como “pessoas do sexo feminino”.
16
“Quando investigando o imagético feminino na literatura budista, é importante manter em mente o
contexto social e cultural em que os ensinamentos foram dados. Os textos originais apresentam uma
variedade de imagens, em nenhum sentido contraditórias, mas expressando a necessidade de
diferentes ouvintes com diferentes capacidades de compreensão. Um ponto a ser considerado, por
exemplo, é o de que muitos discursos nesses textos iniciais eram direcionados a auxiliar homens
celibatários a destruir seus apegos à forma feminina.” (Karma Lekshe Tsomo, Daughters of the Buddha,
p. 22)
Índia.
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respeitosamente circumambulá-lo por três vezes, eu voltei imediatamente. Eu não retornei
antes, porque um dia e noite no Paraíso Tuṣita é equivalente a quatrocentos anos na terra."
Asanga então perguntou, "Onde está Simhabhadra agora?" E Vasubandhu respondeu, "Ele saiu
a vaguear pelo pátio externo do Paraíso Tuṣita e agora está enredado pelos cinco prazeres. Da
hora de sua morte até agora ele não conseguiu ver Maitreya."
Podemos deduzir dessa parábola que se mesmo bodhisattvas menores que renasçam no
Paraíso Tuṣita estão sujeitos à ilusão, o que dizer das pessoas comuns? Por isso, os praticantes
que desejarem assegurar-se da não-retrogressão devem buscar o renascimento na Terra Pura
Ocidental ao invés do Paraíso Tuṣita.
Questão 8:
Desde o tempo imemorial, os seres sencientes têm cometido incontáveis transgressões. Além
disso, nesta vida, desde a infância até a velhice, eles criam ainda mais mau karma, pois eles
não têm a chance de encontrar bons conselheiros. Sob tais circunstâncias, como alguém pode
dizer que na hora da morte eles vão alcançar o renascimento com apenas dez perfeitas
repetições do nome do Buda? Assim, como você pode explicar de forma satisfatória o ensino
de que tais praticantes transcendem as cadeias kármicas do mundo tríplice?
Resposta:
Na verdade, é difícil de aferir o número de boas e más sementes kármicas que os seres
sencientes têm criado desde o tempo imemorial. Contudo, aqueles que na hora da morte
encontram um bom conselheiro e atingem as dez repetições, certamente criaram bom karma
no passado. De outra forma, eles não conseguiriam sequer encontrar um bom conselheiro,
quanto mais fazer as dez puras recitações.
Agora, para evitar que você pense que pense que o mau karma do tempo sem início possui um
peso maior do que as dez repetições na hora da morte, eu vou citar três razões pelas quais o
renascimento na Terra Pura não necessariamente depende do peso do mau karma, da
quantidade de prática ou da duração do cultivo. As três razões dizem respeito a) à mente, b) às
condições e c) à questão da certeza.
a) Mente
As transgressões cometidas pelos seres sencientes nascem do pensamento iludido e vicioso. A
recitação do nome do Buda, por outro lado, surge do pensamento correto, que é ouvir o nome
do Buda Amitābha e suas virtudes verdadeiras. Um é falso e o outro é verdadeiro. Não é
possível fazer comparações entre eles!
Isso é semelhante a uma casa que ficou trancada por dez mil anos. Se as janelas de repente se
abrem, permitindo que a luz do sol entre, todas as trevas imediatamente se dissipam. Por mais
longo que tenha sido o período de trevas, falharão elas em desaparecer? É assim também com
os seres sencientes que têm cometido transgressões por muitos kalpas, mas atingem o
renascimento na hora da morte através das dez recitações puras.
b) Condições
Transgressões crescem de pensamentos obscuros e invertidos, combinados com circunstâncias
e ambientes ilusórios. A recitação do nome do Buda, ao contrário, se ergue da audição do
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nome e das puras virtudes do Buda Amitābha, combinada com a aspiração pela iluminação.
Um é falso e o outro é verdadeiro. Não é possível fazer nenhuma comparação entre eles!
Isso é análogo a uma pessoa atingida por uma flecha envenenada. A flecha penetrou
profundamente em seu corpo e o veneno é forte, ferindo gravemente sua carne e ossos. Ainda
assim, se naquele momento ele ouvir o tambor celestial17, a flecha será expelida de sua carne
sozinha e o veneno será neutralizado. A flecha não havia penetrado tão profundamente, nem
o veneno era tão forte que ele não pudesse se recuperar. Da mesma forma é para com os
seres sencientes que têm cometido transgressões por muitos kalpas, mas atingem o
renascimento na hora da morte através das dez puras recitações.
c) Questão de Certeza de Salvação
Quando os seres sencientes cometem transgressões, eles o fazem a partir do estado mental
interveniente ou no estado pós-mental. Esses dois estados mentais não se aplicam, contudo, à
hora da morte. Há apenas um, extremamente poderoso, completamente intenso pensamento
de recitação, abandonando tudo antes da morte. Assim o renascimento é atingido.
Isso é análogo a um cabo forte e muito grande, que nem milhares de pessoas podem partir.
Mas uma simples criança brandindo uma espada celestial pode cortá-lo em inúmeros pedaços
sem nenhuma dificuldade. É como uma enorme pilha de madeira acumulada por milhares de
anos, que, quando queimada por uma pequena chama é completamente consumida dentro de
um curto espaço de tempo. O mesmo é verdade sobre alguém que pratica as dez virtudes ao
longo de sua vida, tentando renascer em algum dos paraísos. Se, na hora da morte,
desenvolver um único intenso pensamento vicioso, ele vai cair imediatamente no Inferno
Avīci.
Embora o mau karma seja intrinsecamente falso e ilusório, a força derrotista da mente e
pensamentos podem perturbar uma vida inteira de bons karmas e causar a queda aos oito
caminhos. Como, então, pode a recitação do nome do Buda, que é um karma verdadeiro e
completo, gerado intensamente na hora da morte, falhar em derrotar o mau karma, mesmo
que esse karma tenha sido acumulado desde os tempos imemoriais? Assim, alguém que tem
cometido transgressões por muitos kalpas, mas, na hora da morte realiza dez recitações com
uma mente completamente diligente, certamente renascerá na Terra Pura. Não atingir o
renascimento sob tais circunstâncias é algo certamente inconcebível!
Os sutras ensinam:
"Uma única recitação sincera do nome do Buda Amitābha extingue as graves transgressões de
oito milhões de kalpas de nascimentos e mortes."
Isso é possível porque o praticante recita o nome do Buda com uma mente de inigualável
sinceridade e assim pode aniquilar seu mau karma. Assim, quando no fim da existência, ele
pronuncia o nome do Buda com tal configuração mental, seu renascimento está assegurado.
Não pode haver mais dúvidas sobre isso!
Tradicionalmente, é explicado que a habilidade da pessoa prestes a falecer em proferir as dez
recitações é devida inteiramente a bons karmas anteriores. Essa explicação, contudo, não é
correta. Por quê? Porque, como afirma um comentário, "se fosse meramente uma questão de
karma prévio, apenas o voto de renascer seria necessário e não haveria lugar para a prática."
17
Antídoto.
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O praticante que, aproximando-se do fim, realizar dez recitações, está apto a fazê-lo por causa
de suas prévias boas condições e por causa de sua sincera e comprometida recitação. Atribuir
o renascimento exclusivamente a bons karmas anteriores seria um grande erro! Eu espero que
os praticantes venham a ponderar sobre essa verdade mais cuidadosamente, desenvolvendo
uma mente firme e não se deixem afastar por pontos de vista errôneos.
Questão 9:
A Terra Pura Ocidental está a dez bilhões de terras búdicas distante daqui. Pessoas comuns,
simples, são fracas e débeis. Como eles a alcançarão?
Resposta:
A Terra Pura Ocidental é descrita como estando há dez bilhões de terras búdicas distante
daqui apenas no que diz respeito aos conceitos limitados das pessoas comuns com olhos de
carne e sangue, mergulhados no nascimento e morte.
Para aqueles que atingiram o puro karma do renascimento na Terra Pura, a mente em samādhi
na hora da morte é precisamente a mesma mente renascida na Terra Pura. Tão logo o
pensamento do renascimento surge, o renascimento foi alcançado. Dessa forma o Sutra da
Contemplação atesta que "a Terra do Buda Amitābha não está longe daqui!" Além disso, o
poder do karma é inconcebível. No espaço de um único pensamento, o renascimento na Terra
Pura é atingido. Não há razão para se preocupar com distância física.
Isso é análogo a uma pessoa que cai no sono e sonha. Embora seu corpo esteja na cama, sua
mente viaja por todos os mundos, como se estivesse acordado. Renascer na Terra Pura é,
resumidamente, semelhante a esse exemplo18.
Questão 10:
Eu agora decidi buscar o renascimento na Terra Pura do Ocidente. Contudo, eu não sei que
práticas cultivar, nem quais são as sementes do renascimento na Terra Pura do Ocidente. Além
do mais, pessoas simples têm famílias e não conseguem se afastar do apego e do desejo.
Mesmo assim eles ainda podem atingir o renascimento?
Resposta:
Se um praticante deseja se assegurar de seu renascimento, ele deve aperfeiçoar duas práticas:
a prática da aversão aos cinco desejos e a prática a alegria nos votos.
a) A prática da aversão refere-se ao fato de que as pessoas comuns têm sido presas aos cinco
desejos desde o tempo imemorial. Assim, elas perambulam pelos seis caminhos, suportando
18
A Terra Pura não é então um lugar físico para onde se vai depois da morte. É um estado mental
intuitivamente alcançado através da prática simples da lembrança do Buda Amitābha que guia a esse
estado límpido e pacífico de consciência.
“Mas que dúvida estúpida! Eu expliquei muitas vezes que não há terras fora da mente (...)! Como você
ainda pode não ter entendido! (...) As dez bilhões de terras búdicas estão precisamente dentro de nossa
mente. Elas não estão longe, mas muito próximas! Da mesma forma, renascer na hora da morte significa
meramente renascer dentro de nossa própria mente. Isso é muito, muito simples. Qual é a dificuldade?”
(Tiānrú. Dúvidas e Questões sobre a Terra Pura [jìngtǔ huò wèn quán]. Século XIV. Referência no
cânone: T1972_.47.0292a22)
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sofrimentos indescritíveis. Nesse lamaçal, a menos que criem aversão aos cinco desejos, como
poderão escapar do ciclo de nascimentos e mortes?
Assim, o praticante da Terra Pura deve constantemente visualizar o corpo como uma massa de
carne e ossos, sangue e pus. Um saco de pele contendo muco, pus, urina, fezes e outras
impurezas que emitem os quatro tipos de odores fétidos19. O Sutra do Mahaparinirvana diz:
"Essa é a fortaleza do corpo, apenas demônios vis e iludidos a toleram. Quem em sã
consciência se apegaria ou se deleitaria em tal saco de pele?"
Outra escritura atesta:
"Este corpo é uma confluência de todos os tipos de sofrimento; é uma cadeia, uma prisão, uma
massa de úlceras onde tudo é impuro. Na verdade, não há nada nele que mereça se apegar e
mesmo nos corpos celestiais das divindades não há diferença."
Por isso, mesmo que esteja andando, parado ou sentado, reclinado, dormindo ou acordado, o
praticante deve sempre visualizar este corpo como nada além de uma fonte de sofrimento,
sem nenhum prazer, desenvolvendo um profundo senso de aversão.
Além disso, o praticante também deve se esforçar nos sete tipos de meditação sobre a
impureza, ou seja, como um feto no ambiente impuro e contaminado do interior do útero,
alimentando-se do sangue da mãe, emergindo do útero entre pus e sangue jorrando, junto de
odores desagradáveis em profusão. Depois a morte, com o corpo inchando e apodrecendo
com a carne e os ossos se soltando.
Nossos corpos sendo assim, não se diferenciam dos corpos alheios. Se nós constantemente
meditarmos nas sete impurezas, vamos desenvolver a aversão sobre as formas, tanto
masculinas quanto femininas, que as pessoas comuns consideram belas e aprazíveis. As
chamas do desejo incontrolável assim gradualmente diminuem.
Se, em adição, praticarmos as meditações nos nove tipos de formas desagradáveis, o cadáver
fresco, inchado, expelindo sangue e os outros progressivos estágios da decomposição do corpo
humano após a morte, seria ainda melhor.
Nós também deveríamos fazer votos de estar para sempre livres de renascer num iludido e
impuro corpo masculino ou feminino no mundo tríplice, alimentando-se de uma variedade
indefinida de comidas e ao invés disso, aspirar dotar-se do corpo da natureza do Dharma da
Terra Pura.
Nisso consiste uma discussão geral sobre a prática da aversão.
b) Há de uma forma geral dois aspectos em se fazer o alegre voto de resgatar a si mesmo e aos
outros.
1) O praticante deve compreender claramente a meta do renascimento, que é buscar a fuga
do sofrimento para si mesmo e para todos os seres sencientes. Ele deve pensar assim, "Minha
força é limitada e eu estou preso aos resultados das minhas ações. Nessa vida vil e
contaminada, as circunstâncias e condições que guiam às aflições são poderosas. É por isso
19
A visão budista sobre o corpo como um saco de pele cheio de excremento não é nada além de
realista. Se fosse um pensamento de aniquilação, cairia no niilismo, afinal, o mesmo corpo é uma
ferramenta para a iluminação.
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que tanto eu quanto os outros seres sencientes estamos afogados no rio da ilusão, perdidos
entre os maus caminhos desde os tempos imemoriais. A roda dos nascimentos e mortes está
girando sem cessar. Como eu posso encontrar um caminho para resgatar a mim mesmo e aos
outros de forma certa e segura?
"Não há outra saída, devo buscar o renascimento na Terra Pura, aproximar-me dos budas e
bodhisattvas e, confiando no insuperável e afortunado ambiente daquele reino, esforçar-me
no cultivo e atingir a compreensão do não-nascimento. Apenas então eu poderei adentrar a
um mundo vil para resgatar os seres sencientes."
O Tratado sobre o Renascimento diz:
"Desenvolver a mente búdica é precisamente buscar o estado de buda. Buscar o estado de
buda é desenvolver uma mente ocupada em resgatar os seres sencientes. Uma mente
ocupada em resgatar os seres sencientes não é outra que não a mente que reúne todos os
seres e os ajuda a atingir o renascimento na Terra Pura."
Além disso, para assegurar o renascimento, nós devemos aperfeiçoar duas práticas: o
abandono dos três fatores que impedem a iluminação e a habitação nos três fatores que
nutrem a iluminação.
Quais são os três fatores que impedem a iluminação?
Primeiro, uma mente que busca a própria paz e felicidade, ávida em satisfazer o ego e apegada
ao próprio corpo. O praticante deve seguir o caminho da sabedoria e abandonar tais
pensamentos.
Segundo, uma mente de abandono e falha em resgatar os seres sencientes do sofrimento. O
praticante deve seguir o caminho da compaixão e abandonar tais pensamentos.
Terceiro, uma mente de buscar apenas elogios e ofertas, sem buscar formas de beneficiar os
seres sencientes e oferecer a eles paz e felicidade. O praticante deve seguir o caminho dos
meios hábeis e abandonar tais pensamentos.
Uma vez abandonando tais três impedimentos, o praticante obterá os três fatores que nutrem
a iluminação. Eles são:
Primeiro, a mente pura desprovida de máculas que não busca a própria satisfação. Isso quer
dizer que a iluminação é o estado de pureza imaculada. Se buscarmos nossa própria satisfação,
o corpo e a mente se contaminam e obstruem o caminho da iluminação. Por isso, a mente
pura imaculada é chamada de consonante com a iluminação.
Segundo, a mente pura pacífica, resgatando a todos os seres sencientes do sofrimento. Isso é
assim porque a mente búdica é a mente pura imaculada que oferece a paz e felicidade a todos
os seres sencientes. Se nós não estamos resgatando os seres sencientes e os ajudando a
escapar do sofrimento do nascimento e morte, estamos indo na direção contrária ao caminho
da sabedoria búdica. Por isso, uma mente focada em salvar os outros, ofertando a eles paz e
felicidade é chamada de consonante com a iluminação.
Terceiro, uma mente pura da bem aventurança que auxilia os seres sencientes a atingir o
grande nirvana. Sendo o grande nirvana o reino da suprema e eterna bem aventurança, se não
ajudamos os seres sencientes a alcançá-lo, obstruímos o caminho da sabedoria búdica.
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Consequentemente, uma mente que busca auxiliar os seres sencientes a alcançar a eterna
bem aventurança é chamada de consonante com a iluminação.
Como poderíamos abandonar os fatores que nos impedem a iluminação e habitar os fatores
que nutrem a iluminação? Precisamente através de buscar o renascimento na Terra Pura do
Ocidente, permanecendo constantemente próximos aos budas e bodhisattvas e cultivando o
Dharma até que se alcance a compreensão do não-surgimento. Nesse momento, poderemos
navegar o barco dos grandes votos assim como desejarmos, adentrar ao mar de nascimentos e
mortes para resgatar os seres sencientes com sabedoria e compaixão, adaptando-se às
condições, mas fundamentalmente imutáveis20, livres e desimpedidos. Aqui termina nossa
discussão sobre a meta do renascimento.
2) O praticante deve em seguida contemplar as características da Terra Pura e a afortunada
aparência do Buda Amitābha.
Afortunada aparência:
O Buda Amitābha possui o corpo de recompensa resplandecente e dourado, repleto das 84 mil
marcas maiores e cada uma delas possui as 84 mil marcas menores, das quais, cada uma emite
84 mil raios de luz que iluminam todo o reino do Dharma, atingindo a todos os seres
sencientes que recitam o nome desse Buda.
Características da Terra Pura:
A Terra Pura do Ocidente está adornada de sete tesouros, como explicados nos sutras da Terra
Pura21.
Além disso, quando se pratica a generosidade, mantendo os preceitos e realizando todos os
tipos de bons atos, os praticantes da Terra Pura devem sempre dedicar os méritos ao
renascimento na Terra Pura para si mesmos e para todos os outros seres sencientes.
Se o praticante cultivar a alegria nos votos, como explicado acima, ele desenvolverá uma
mente de esperança e anseio pela Terra Pura e atingirá o renascimento sem falta. É isso que
significa fazer o voto de resgatar a si mesmo e aos outros.
...
Traduzido pelo Upāsaka Pundarikakarna em 2015.
20
Conceito chave no Budismo de que o ensinamento é infinitamente adaptável, mas aquilo que é
verdade continua sendo o mesmo.
21
Dentre a grande quantidade de números que ocupam papéis simbólicos nas escrituras budistas e seus
comentários, os sete tesouros representam os sete poderes de quem renasce na Terra Pura, confiança,
perseverança, arrependimento, afastamento do engano, atenção plena, concentração e sabedoria.
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