(Mário Piragibe) em PDF - Centro Teatral e Etc e Tal

Transcrição

(Mário Piragibe) em PDF - Centro Teatral e Etc e Tal
Eterno, mas não estático
Centro Teatral e Etc e Tal surpreende e monta “Branca de Neve”
apoiada em versões menos conhecidas da história, e sem dizer uma palavra
Por Mario Piragibe
22/12/2006
Quando se abre o jornal à procura de peças de teatro para criança
numa cidade como a do Rio de Janeiro, uma das coisas que se pode
perceber é uma oferta exagerada de peças feitas daquelas histórias
que eu aqui, para efeito de entendimento, vou chamar de clássicos
infantis. Há costumeiramente quatro Belas Adormecidas (ou Gatas
Borralheiras, escolha), dois João e Maria, e até mesmo uma certa
quantidade de Rei Leão. Acontece que, geralmente, essas peças
oferecidas em multiplicidade – quase sempre apresentadas em
salões de clubes ou associações atléticas – compartilham, além da
história escolhida, uma ingenuidade amadora que se reflete na
modéstia de sua produção, na inexperiência de seus intérpretes, e
no desconhecimento das verdadeiras origens das histórias que
contam, levando-os a optar sem saber por encenar as versões –
quase sempre desfigurantes – transformadas em desenhos animados
pelos estúdios de Walt Disney.
É claro que esse tipo de teatro tem o seu lugar – precisa ter o seu
lugar! Mas isso é assunto para outra matéria. Agora estou aqui
tentando falar sobre a peça que levei meus filhos para assistir no
último fim-de-semana.
O espetáculo em cartaz no Centro cultural Oi Futuro (boa noite,
John Boy!) grafa o título da história entre pontos de interrogação, à
espanhola. Isso serve em si como uma marca distintiva entre as
(não sei quantas) versões do mesmo conto oferecidas na cidade,
outra marca diferencial na peça está na assinatura da montagem. A
excelente companhia de teatro, mímica e humor Etc. e tal doa
qualidade e seriedade a todo trabalho que realizam, e a marca desse
trio na frente de um teatro já é suficiente para garantir que, no
mínimo, adultos e crianças aproveitem seu tempo dando belas e
saudáveis risadas. O humor feito pela Etc e tal é de fazer cair da
cadeira, além de ser invariavelmente o resultado de trabalho,
aplicação técnica e, evidentemente, talento.
Marguerite Clark e a Branca de Neve
de Disney Alguma semelhança?
Mas, as interrogações. As marcas gráficas postas em torno do título falam bastante a respeito do tipo de
reação que a companhia esperava por parte do público. Primeiramente porque o roteiro final é resultado
de uma leitura mais próxima ao conto dos irmãos Grimm, e também do aproveitamento de elementos de
outras versões do conto colhida em tradições diferentes, ou até mesmo de contos semelhantes (A
Wikipédia portuguesa tem um artigo muito bom sobre as versões do conto aqui).
O resultado final parece-se em pouco com o desenho animado de 1937 feito pelos estúdios Disney. Aliás,
bem em tempo, o diretor da peça Álvaro Assad mencionou uma versão do conto feito para o cinema
(mudo) em 1916, com a atriz Marguerite Clark no papel central. Segundo Assad menciona-se que
Disney teria tido a idéia de fazem Branca de Neve após assistir ao filme, e que o desenho da personagem
foi inspirado na atriz. E de fato, esse filme mudo de Branca de Neve, mesmo não estando disponível à
companhia, dialoga bem mais com a peça do que o desenho de Disney.
Uma coisa que eu deveria ter mencionado sobre o espetáculo
desde o início da crítica é que ele é representado sem que os
atores pronunciem sequer uma palavra. E eis o outro motivo
para as interrogações. A companhia Etc e tal trabalha com a
mímica, linguagem muito bem dominada por todos os atores. A
peça transcorre sem que haja um texto dito, e isso não resulta
em perda de entendimento, muito menos em prejuízo para a
diversão. Ao contrário: a linguagem corporal, o uso de algaravias
e a vocação para o humor do elenco amplificam os efeitos dos
dispositivos de representação, e apresentam ao público uma
cena em que os elementos da história são apresentados de
forma essencialmente lúdica. Essa “cena brincada” abriga
confortavelmente jogos de troca, duplicação ou condensação de
personagens, objetos imaginários, metalinguagem, e assim por
diante.
Marcio Moura,
Álvaro
Assad:
engraçadíssimo
Melissa
elenco
Teles-Lôbo
afinado
e
O cenário é simples e acompanha a proposta de criação gestual
da ficção. O grupo opera quase-milagres com o espaço exíguo
que o Centro Cultura lhe destinou. A trilha sonora e Joaquim de
Paula enriquece o espetáculo ao remeter ao cinema mudo e
evidenciar os momentos do espetáculo em que a interpretação é
mais acentuadamente pantomimesca. A eterna queixa sobre os
timbres eletrônicos que não conseguem substituir sons de
instrumentos “de verdade”, mas seria estúpido exigir da
companhia outro tipo de produção com as verbas de se dispõe.
Os efeitos de vídeo são interessantes, mas não tão interessantes
quanto as performances in loco do próprio elenco, e as cenas
feitas em teatro de sombras. O efeito de transformação da
madrasta má com as silhuetas é excelente.
Os atores mantêm o nível muito bom de performance visto em
espetáculos anteriores. Álvaro Assad e Marcio Moura formam
uma dupla cômica afinada. As piadas mímicas do primeiro e o
excelente uso do grammelot pelo segundo são barbadas para o
público. A Melissa Teles-Lôbo coube a missão ingrata de
conduzir a narrativa dobrando Branca de Neve e a Madrasta, o
que ela faz com clareza e com soluções bacanérrimas.
De fato, ¿Branca de Neve? justifica suas interrogações por
apresentar uma peça que, por usar um argumento supostamente
batido, surpreende o público por suas escolhas inusitadas. É
preciso qualidade para transformar apropriadamente formatos
tão solidamente celebrizados, e nesse quesito o Centro Teatral
e Etc e Tal converte interrogações em exclamações.
Melissa representa, quase que ao
mesmo tempo, Branca de Neve e a
Madrasta.
Após o recesso de final de ano a companhia retorna com a sua
temporada no Centro cultura Oi Futuro, até o final do mês de
janeiro.
Você acha
dentro?
que tem
uma
maçã
aí