Cervicalgias: Tratamento farmacológico atual e novas

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Cervicalgias: Tratamento farmacológico atual e novas
AtualizaDOR - Programa de Educação Médica em Ortopedia
Dr. Eduardo Barros Puertas
(CRM-SP 20.927)
Professor associado livre-docente, chefe do Grupo da Coluna da Disciplina de Ortopedia do
Departamento de Ortopedia e
Traumatologia da Escola Paulista
de Medicina – Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
Cervicalgias: Tratamento farmacológico
atual e novas técnicas cirúrgicas
Objetivos do aprendizado
• Saber conceitos básicos sobre os tipos principais de cervicalgias.
• Adquirir conhecimento sobre diagnóstico e principais opções de tratamento
clínico e cirúrgico.
Dr. David Del Curto
(CRM-SP 111.511)
Mestre em Ciências e médico do
Grupo da Coluna da Disciplina
de Ortopedia do Departamento
de Ortopedia e Traumatologia
da Escola Paulista de Medicina
– Universidade Federal de São
Paulo (UNIFESP).
Definição
Dor na região do pescoço, que pode ter múltiplas causas. Pode ser dividida
topograficamente em anterior e posterior, sendo a última, dividida em occipital e
subaxial1. Pode apresentar irradiação para o dorso ou para os ombros. Quando
todo o membro superior é acometido, é considerada uma cervicobraquialgia.
Apresenta caráter surdo (contínua, imprecisa, de baixa intensidade) ou em
pontada, esta mais aguda, limitando o arco de movimento.
Sua intensidade varia desde uma dor leve até um grau em que praticamente todas
as posições são desconfortáveis, limitando as atividades, podendo também ser
graduada de 0 a 10 pelo paciente.
Em relação à duração, quando aguda, normalmente é contínua, apresentando
melhora após uma a duas semanas, em média. Para ser considerada crônica,
os sintomas devem estar presentes por pelo menos três meses, podendo até
apresentar breves fases de latência durante esse período2.
Dependendo da etiologia, pode-se intensificar progressivamente, sendo
considerados fatores desencadeantes ou agravantes, as posições forçadas
e contínuas do pescoço, tanto durante a atividade laborativa, quanto durante o
sono. Além disso, também estão relacionadas com frio, tensão nervosa e diversas
doenças degenerativas e inflamatórias.
A aplicação de calor local, o repouso e o uso de medicações analgésicas,
podem ser considerados fatores de melhora para esse tipo de dor, que em certas
situações, pode estar acompanhada de sintomas nos membros superiores (como
fraqueza, formigamento e dor) ou até disfagia e cefaleia, dependendo da etiologia.
Etiologia
As cervicalgias podem ser divididas de acordo com a sua etiologia em: mecânicas,
miofasciais, degenerativas, traumáticas, inflamatórias, infecciosas ou tumorais3.
As causas mecânicas são as mais prevalentes, oriundas de contraturas ou
estiramentos musculares, e da sobrecarga de estruturas musculares, ósseas e
ligamentares. Normalmente estão relacionadas a más condições ergonômicas
(postura incorreta, movimentos repetitivos, levantamento de peso), estresse e
baixa temperatura. Na maioria dos casos, essas dores são de início agudo e
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tendem a melhorar após aproximadamente uma a duas semanas com repouso,
retirada dos fatores agravantes e medicações sintomáticas.
Pontos-chave
• As cervicalgias podem ser divi-
Já as dores miofasciais são crônicas, e podem ser generalizadas. No caso das
fibromialgias, cuja etiologia ainda é desconhecida, não há fatores mecânicos
desencadeantes ou mantenedores diretamente relacionados com o quadro
doloroso. O diagnóstico é feito por exclusão e a abordagem terapêutica exige o
uso de recursos medicamentosos, de medicina física e psicoterapia. Síndromes
dolorosas miofasciais localizadas estão relacionadas à disfunção de um músculo
ou grupo de músculos, com reconhecimento de fatores etiológicos mecânicos
desencadeantes e mantenedores, que respondem ao tratamento local e correção
desses mecanismos etiológicos. Estão relacionadas diretamente com a presença
dos pontos-gatilho miofasciais. Esses são definidos como locais hiperirritáveis
situados nos músculos, fáscias e tendões. Quando estimulados, desencadeiam
dor local, dor remota e fenômenos autonômicos4.
As dores de origem degenerativa são mais comuns em pacientes acima dos 40
anos de idade, e estão relacionadas a artrose facetária, formação de osteófitos,
ossificação ligamentar e hérnias discais. Dessa forma, podem causar cervicalgias
associadas a radiculopatia ou mielopatia5.
Quando associadas a um trauma, esse pode ser direto, por colisões laterais,
mergulhos ou outros acidentes. O impacto pode resultar em lesões ósseas ou de
partes moles que, por sua vez, podem levar a uma variedade de manifestações
clínicas, desde contusões, normalmente resolvidas num curto período de
tratamento medicamentoso, até lesões mais graves como fraturas ou luxações
com necessidade de tratamento cirúrgico de urgência. O trauma indireto, como
lesão do “chicote”, geralmente ocorre por colisões automobilísticas traseiras
em baixas velocidades, nas quais ocorre um mecanismo de aceleraçãodesaceleração com transferência de força para a região cervical.
Pacientes portadores de doenças inflamatórias como artrite reumatoide ou
espondilite anquilosante também podem apresentar cervicalgias. No caso da
primeira, acomete principalmente mulheres de meia-idade e provoca fadiga,
febre baixa, dor, inchaço e enrijecimento nas articulações menores das mãos e
dos pés. A coluna cervical é a região mais acometida do esqueleto axial na artrite
reumatoide, principalmente a primeira e a segunda vértebras cervicais (C1-C2),
ocasionando o deslocamento entre estas duas vértebras pelo comprometimento
do ligamento transverso, principal elemento de sustentação do processo
odontoide. A segunda mudança mais comum é causada pela erosão e migração
superior do odontoide para dentro da base do crânio. Isso pode causar problemas
com equilíbrio, coordenação e dificuldades de caminhar4.
Já a espondilite anquilosante afeta principalmente homens nas idades entre
20 e 40 anos, tendendo a atingir membros de uma mesma família, o que
sugere influência genética no seu desenvolvimento. A doença provoca a fusão
das articulações situadas entre os corpos vertebrais na coluna com limitação
progressiva dos movimentos e cifotização da coluna vertebral4.
No caso das infecções, sejam elas por tuberculose, as de origem piogênica
ou micótica, pode haver formação de abcesso, com compressão de estruturas
anatômicas adjacentes, resultando em diversos sintomas álgicos. Lesões
neoplásicas podem provocar destruição dos corpos vertebrais ou massas
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didas de acordo com a sua etiologia em: mecânicas, miofasciais,
degenerativas, traumáticas, inflamatórias, infecciosas ou tumorais.
• As dores de origem degenerativa
são mais comuns em pacientes
acima dos 40 anos de idade, e estão
relacionadas a artrose facetária,
formação de osteófitos, ossificação
ligamentar e hérnias discais.
• A maioria dos pacientes
com cervicalgia, com ou sem
radiculopatia, pode ser tratada
conservadoramente.
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tumorais que também podem comprimir estruturas nervosas, causando uma
variedade de sintomas neurológicos e álgicos.
Outras causas de dor referida na coluna cervical são disfunção da articulação
temporomandibular, tireoidite, faringite, carcinoma de laringe, traqueíte, aneurisma
dissecante da aorta, infarto do miocárdio, angina pectoris e a pericardite.
Epidemiologoia
De acordo com um estudo norte-americano de 1998, a cervicalgia atinge
pacientes adultos de todas as idades, sem preferência significativa por sexo.
Esse estudo mostrou que 66% da população adulta apresenta, ou apresentará,
pelo menos um episódio de cervicalgia durante a vida, sendo que em 5% a
intensidade será maior, causando uma maior morbidade6. Sabemos que essas
estatísticas variam de acordo com a população estudada.
Anualmente, a cervicalgia afeta entre 30 e 50% da população geral. Pode-se
afirmar que 15% da população geral experimentará cervicalgia crônica em
algum momento de suas vidas. A cada ano, entre 11 e 14% da população
economicamente ativa apresenta limitação funcional devido à cervicalgia, sendo
considerada uma importante causa de absenteísmo7.
A maior prevalência ocorre em doentes de meia-idade, e as mulheres são mais
afetadas que os homens. Os fatores de risco incluem o trabalho repetitivo, longos
períodos de permanência em flexão cervical, estresse aumentado no trabalho,
fumo, e traumatismos prévios do pescoço e dos ombros7.
A maioria dos estudos indica a necessidade urgente de orientação e programas
de reeducação postural, com finalidade de diminuição de custos advindos das
síndromes dolorosas cervicais. Estimativas da Holanda mostram gastos diretos e
indiretos de cerca de US$ 4 milhões ao ano com tais condições8.
Fisiopatologia
É complexa e ainda pouco compreendida. Nas causas mecânico-degenerativas
e não mecânicas, seu desenvolvimento ocorre primariamente por meio da
instalação de forças anormais sobre a coluna (alterações discais, alterações
osteocartilaginosas e alterações capsuloligamentares).
Essa biomecânica alterada gera novas lesões locais, que liberam mediadores
de inflamação, principalmente dos discos vertebrais. Os mediadores então
estimulam nociceptores, encontrados nas articulações sinoviais, no ânulo fibroso
do disco intervertebral, nos ligamentos paravertebrais ou nos vasos e nervos
protegidos pela estrutura óssea da coluna.
Pacientes com dores crônicas de origem miofascial parecem ter um menor nível
de fosfatos de alta energia na musculatura. No entanto, ainda não está claro se
isso é uma causa ou consequência da dor9.
As causas psicogênicas ou psicossomáticas têm a fisiopatologia ainda menos
clara e o que se infere até agora é que a dor é percebida no córtex cerebral.
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Anatomia e Biomecânica
A coluna cervical está envolvida com o processo de sustentação e
movimentação da cabeça e proteção das estruturas neurais e vasculares.
Estima-se que a mobilização da coluna cervical ocorra cerca de 600 vezes
por hora, ou a cada seis segundos10.
.
É constituída por sete vértebras, sendo que as duas primeiras (atlas e áxis)
apresentam propriedades distintas das restantes. O atlas tem a forma de
anel, não possui corpo vertebral e se articula com a base do crânio através da
articulação atlantoccipital, sendo responsável por grande parte do movimento
sagital da coluna cervical. O áxis, a segunda vértebra, possui proeminência
que emerge do seu corpo vertebral, chamada processo odontoide, a qual se
projeta para o interior do atlas, formando um pivô sobre o qual a articulação
atlantoaxial consegue efetuar a rotação do crânio; entre essas duas vértebras
não existe disco intervertebral, e elas são separadas e sustentadas por
diversos ligamentos internos.
As demais vértebras cervicais, de C3 a C7, são mais homogêneas, possuem
corpo vertebral anterior e arco neural posterior e se diferenciam das vértebras
torácicas e lombares por apresentarem o forame transverso, através do qual
passa a artéria vertebral.
Os corpos vertebrais são separados pelos discos intervertebrais, que são
compostos por duas porções: uma central, chamada de núcleo pulposo, a qual é
constituída por 90% de água e proteoglicanos e outra periférica, denominada de
ânulo fibroso, formada por fibras resistentes, dispostas em lamelas concêntricas.
Tais estruturas são responsáveis por absorção de impacto e dispersão de energia
mecânica, sendo importantes alvos de processos degenerativos.
A biomecânica da coluna cervical envolve a distribuição de forças sobre o
disco intervertebral, sendo que a região do ânulo fibroso é responsável pela
recepção de carga, distribuindo-a posteriormente para o núcleo pulposo.
Durante o processo de envelhecimento, ocorre uma redução da quantidade de
água do núcleo pulposo e uma diminuição na capacidade de embebição do
disco, associadas a um aumento do número de fibras colágenas, determinando
uma menor elasticidade e compressibilidade. Tais alterações tornam o ânulo
fibroso susceptível a rupturas, podendo, através destes pontos, produzirem-se
herniações discais com compressões radiculares. O processo degenerativo se
caracteriza ainda por formações osteofitárias, diminuição da altura do disco
intervertebral e esclerose subcondral11.
Quadro Clínico
O paciente com cervicalgia costuma adquirir uma atitude de defesa e rigidez
dos movimentos. Ocorre também uma alteração na mobilidade do pescoço
e dor durante a palpação da musculatura, podendo também ser abrangida
a região do ombro e nos casos mais graves ou prolongados haver irradiação
para todo o membro superior.
Em relação à dor, o paciente pode queixar-se de desde uma dor leve local e uma
sensação de cansaço, até uma dor mais forte e limitante. O braço, além de doer,
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pode apresentar alterações de sensibilidade e força muscular, caracterizando as
chamadas “alterações neurológicas”12.
O paciente refere adormecimento de alguma área ou de todo o membro, podendo
ser contínuo ou desencadeado por algum fator. A fraqueza muscular acontece em
casos mais graves ou prolongados sendo geralmente progressiva. Podem existir
também alterações nos reflexos encontrados em algumas inserções musculares
no punho, cotovelo e ombro nos casos mais graves.
Deve-se obter uma história detalhada incluindo o início, a qualidade e o local
da dor, os fatores que desencadeiam e que aliviam o quadro álgico, o tempo, o
grau de comprometimento e os sintomas associados. A dor cervical axial pode
ter origem discogênica ou musculogênica e também pode estar relacionada com
doença do ombro, occipitocervical, miofascial ou visceral. Em alguns casos, ela
pode ser desencadeada pela radiculopatia da raiz de C413.
Assim, para diferenciar as múltiplas fontes de cervicalgia, é necessário estabelecer
se os sintomas são mecânicos (aumentam com a atividade e diminuem com
o repouso ou mudança de postura) ou não mecânicos (não aliviam com o
repouso ou mudança de posição). Deve-se tomar cuidado com a cervicalgia não
mecânica, pois ela pode estar associada com processos tumorais ou infecções.
A dor cervical mecânica é frequentemente discogênica, sendo desencadeada
ou exacerbada pela extensão da coluna cervical e pela rotação para o lado mais
sintomático14. O quadro clínico pode ser uma dor relacionada ao ombro, região
superior do braço ou região interescapular. Os pacientes com degeneração
cervical superior podem apresentar dor occipital ou temporal além de cefaleia
retrocular. A cervicalgia de origem muscular, como por exemplo a dor causada
por um estiramento muscular agudo ou crônico, é exacerbada com a flexão e
rotação da coluna cervical, ocasionando aumento dos sintomas do lado oposto.
Os sintomas radiculares, que se caracterizam pela irradiação da dor no trajeto
de uma raiz nervosa, podem ser causados por herniação lateral do disco,
degeneração crônica com formação de osteófitos ou instabilidade segmentar.
A maior parte dos pacientes apresenta o quadro clínico de monorradiculopatia,
apesar de várias raízes poderem estar envolvidas. Os sintomas desse paciente
consistem de dor aguda, lancinante, irradiada para o braço, associada com vários
graus de disestesias, parestesias e dormência com o padrão consistente com o
dermátomo da raiz do nervo envolvido. Os sintomas podem ser desencadeados
ou exacerbados por meio de vários testes. Os pacientes descrevem aumento da
dor com a manobra de Valsalva. A extensão e rotação da cabeça para o lado
afetado também reproduz a dor (sinal de Spurling). O teste da compressão axial
pode reproduzir os sintomas radiculares cervicais. O sinal da abdução do ombro
alivia os sintomas da compressão por meio da diminuição do estiramento da raiz
do nervo com a colocação da mão ipsilateral no topo da cabeça.
A mielopatia cervical não é facilmente detectada no exame inicial uma vez
que os pacientes apresentam queixas vagas. O quadro clínico é caracterizado
por dificuldades para a marcha, espasticidade, diminuição da destreza para
atividades manuais, fraqueza de extremidades e urgência urinária. Deve-se
realizar um exame neurológico completo verificando a presença de clônus
na extremidade inferior e sinal de Babinski. O reflexo de Hoffmann (flexão
interfalangiana do indicador e do polegar com a extensão súbita da articulação
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interfalangiana distal do dedo médio), quando presente, e especialmente quando
assimétrico, é altamente sugestivo de mielopatia cervical.
Os seguintes sinais de alerta devem ser sempre considerados, exigindo uma
investigação minuciosa e precisa: traumatismo, cervicalgia aguda sem história de
trauma, dor noturna, fraqueza dos braços ou pernas, diminuição da sensibilidade
dos braços e pernas e sintomas sistêmicos como febre e perda de peso, abuso
de drogas, restrição da mobilidade e deformidade estrutural.
Exames Complementares
Radiografias simples - é o primeiro exame solicitado. São necessárias incidências
em anteroposterior, laterais e oblíquas para avaliar o estreitamento ósseo dos
forames. Radiografias dinâmicas em flexoextensão são úteis quando se suspeita
de instabilidade, ou quando se avalia rigidez da deformidade no plano sagital.
Deve-se avaliar a presença de estreitamento do espaço discal, estenose do
canal, subluxações, desalinhamentos e formação osteofítica vertebral. Esses
achados anormais nas radiografias devem ser correlacionados com a clínica do
paciente, pois podem ser simplesmente achados de exame e não ter relação
com o quadro clínico.
Tomografia computadorizada - permite a visualização das estruturas ósseas
compressivas, além do forame neural. Também é útil para detectar alterações
degenerativas facetárias e intervertebrais.
Ressonância magnética - As imagens da ressonância magnética (RM) produzem
informações diretas sobre a compressão da raiz do nervo ou da medula espinhal.
É o exame de escolha para determinar afecções ocultas, avaliar elementos neurais
e estruturas paravertebrais incluindo o complexo ligamentar. É a modalidade
mais sensível para avaliar a morfologia da coluna vertebral e sua relação com o
canal vertebral. Além disso, a RM mostra alterações na medula que podem estar
relacionadas com o prognóstico da doença.
Eletroneuromiografia - Pode ser utilizada para confirmar a suspeita de
radiculopatia ou como exame adicional para melhor investigação da causa dos
sintomas do paciente com quadro atípico.
Tratamento não Cirúrgico
A maioria dos pacientes com cervicalgia, com ou sem radiculopatia, pode
ser tratada conservadoramente. O tratamento inicial dos sintomas moderados
a graves compreende a imobilização através de uma órtese cervical, antiinflamatórios não hormonais (AINHs) e modalidades de fisioterapia como o calor
e o ultrassom, que podem aliviar os sintomas agudos, além da tração manual
que pode proporcionar alívio da compressão radicular por meio da abertura
do forame intervertebral. O uso inicial de uma órtese cervical pode ajudar a
diminuir a compressão dinâmica de uma raiz irritada, permitindo melhora da dor
causada por fadiga ou espasmo da musculatura paravertebral. Outra medida
que deve ser considerada é a restrição das atividades com a finalidade de evitar
a extensão do pescoço e o levantamento de peso durante a fase aguda da
cervicalgia. Ocasionalmente, o uso de corticoide oral, por períodos curtos, pode
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aliviar os sintomas de radiculopatia. Injeções de esteroides epidurais, podem ser
recomendadas para o tratamento do componente inflamatório da radiculopatia
cervical15. Os pacientes com sintomas de mielopatia podem ser imobilizados
com órtese cervical macia para prevenir a compressão dinâmica da medula.
Porém essa medida é paliativa e não constitui seu tratamento definitivo.
Tratamento Cirúrgico
As indicações cirúrgicas dos pacientes com cervicalgia secundária a estenose
do canal ou dor discogênica cervical são limitadas. Whitecloud e Seago
relataram resultados que variavam entre bons e excelentes em 70% dos casos
de artrodese intersomática anterior para pacientes com dor cervical de acordo
com a discografia. Entretanto, outros observaram que a artrodese para o
tratamento da dor cervical discogênica produz resultados não muito melhores
do que a história natural da enfermidade. Assim, a conduta conservadora para
esses pacientes continua sendo a preferida. A dor cervical resistente raramente
está relacionada a espondilolistese degenerativa ou a retrolistese. A instabilidade
sugerida pelas radiografias dinâmicas em flexo-extensão pode ser tratada por
artrodese segmentar anterior e posterior.
As indicações para o tratamento cirúrgico na radiculopatia cervical incluem:
falha do tratamento conservador por um período de três meses em aliviar a
radiculopatia persistente ou recorrente no membro superior, com ou sem déficit
neurológico, e o paciente com quadro de déficit neurológico progressivo. É
importante que os achados neurorradiográficos se correlacionem com a clínica,
e que a duração e intensidade dos sintomas sejam suficientes para justificar o
procedimento cirúrgico15.
A quantidade e a qualidade das evidências disponíveis com relação ao
tratamento cirúrgico das hérnias discais cervicais ainda são limitadas. Existem
alguns ensaios clínicos controlados randomizados, mas a maioria apresenta
riscos de viés dentro da metodologia aplicada.
Nardi realizou um estudo em que comparou o tratamento clínico usando
anti-inflamatórios não hormonais, corticosteroides e fisioterapia, com a
nucleoplastia percutânea. Os pacientes submetidos ao procedimento cirúrgico
obtiveram melhor recuperação. No entanto, não foi realizada comparação
estatística entre os grupos16.
Alguns estudos demonstraram resultados conflitivos na comparação entre a
discectomia anterior com e sem fusão17-19. Apesar da hipótese de maiores índices
de pseudoartrose, dor cervical e instabilidade nos procedimentos sem fusão, não
há evidências concretas que demonstrem a superioridade de um procedimento
em relação ao outro. Novos estudos, com melhor qualidade metodológica, são
necessários para estimar corretamente os efeitos das intervenções no seguimento
prolongado dos pacientes.
Uma das principais complicações relacionadas à artrodese na coluna é a
degeneração dos níveis adjacentes. Nesse sentido, o desenvolvimento das
próteses de disco estabeleceu um novo parâmetro de abordagem, uma vez que
sua técnica permitia a descompressão adequada pela via anterior associada à
preservação da mobilidade no nível comprometido. Três estudos compararam
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a artroplastia cervical com a artrodese. Dois desses estudos não encontraram
diferenças entre os procedimentos20,21, e o terceiro estudo demonstrou moderada
evidência favorecendo o uso da prótese a longo prazo22. Entretanto os resultados
apresentaram apenas os desfechos clínicos, sem demonstrar os efeitos das
intervenções na degeneração do nível adjacente.
Novas abordagens cirúrgicas minimamente invasivas estão disponíveis para o
tratamento das hérnias discais cervicais, e elas incluem o uso da endoscopia
tanto pela via anterior quanto pela via posterior. No entanto, a demanda técnica
desses procedimentos com sua curva de aprendizado longa restringe seu uso a
poucos centros pelo mundo. Um estudo comparou a foraminotomia endoscópica
pela via posterior com a descompressão anterior associada à fusão, obtendo
resultados equivalentes no alívio da dor23.
As indicações cirúrgicas para o tratamento da mielopatia cervical incluem: a
mielopatia progressiva, mielopatia moderada ou grave que esteja estável e seja
de curta duração (menos de um ano) e mielopatia branda que afete as atividades
de rotina. A maioria dos pacientes com mielopatia tem melhora do quadro
neurológico após a descompressão cirúrgica.
A exposição cirúrgica da parte anterior da coluna vertebral é um procedimento
relativamente seguro24,25. Após a incisão da pele, a abordagem é realizada pela
divisão do platisma. O disco intervertebral é mais proeminente do que o corpo
vertebral. Dentre os procedimentos estão: (1) discectomia e artrodese cervical
anterior com a descompressão direta da raiz nervosa através de uma pinça
de Kerrison ou uma cureta. A técnica de artrodese intervertebral de Robinson
envolve a colocação de enxerto tricortical da crista ilíaca dentro do espaço
discal a fim de conseguir a artrodese óssea; (2) corpectomia e artrodese
cervical anterior que deve ser executada realizando a discectomia cervical
anterior acima e abaixo da vértebra-alvo. Após isso, retira-se o corpo vertebral.
Aproximadamente um terço do corpo vertebral deve ser removido para fornecer
descompressão adequada e segura da medula.
A abordagem posterior da coluna cervical utiliza um plano na linha média e
os procedimentos envolvem a foraminotomia, laminectomia e laminoplastia. A
abordagem combinada anterior e posterior pode ser necessária nas situações
nas quais a fixação obtida foi inadequada. Isso pode ocorrer quando a
qualidade do osso é extremamente pobre ou se ocorrerem problemas técnicos
durante a cirurgia e a estabilização adequada não puder ser utilizada.
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