os ambiciosos
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os ambiciosos
MICHELLE MILLER OS AMBICIOSOS TRADUZIDO DO INGLÊS POR SALVADOR GUERRA 1 TODD Q UA R TA - F E I R A , 5 DE MARÇO; N O VA I O R Q U E , N O VA I O R Q U E – És um idiota. – O rosto dela tinha ido do vermelho ao branco enquanto tirava as pernas nuas de baixo dos lençóis. Recolheu o rasto de roupas espalhadas, refazendo os passos da noite anterior a partir da sala de estar até à cama. Todd pegou no comando de televisão e mudou para a MSNBC, esperando que o som abafasse o constrangimento. Odiava o constrangimento da manhã. A rapariga voltou para o quarto e começou a vasculhar os lençóis, à procura das cuecas. – Não entendo... – começou, olhando para ele. – Não entendo porque tens tanto medo do compromisso. – Eu não tenho medo do compromisso – disse ele simplesmente, fingindo-se absorvido na televisão onde dois comentadores discutiam o mais recente escândalo no L. Cecil, envolvendo corretores que supostamente tinham vendido duzentos milhões de dólares em ações que sabiam sobrevalorizadas a investidores incautos. Todd fez uma careta para o ecrã: era bom que aquilo não afetasse o seu bónus. 5 A rapariga puxou a saia sobre as ancas magras e apertou o soutien push-up; tinha uma bela prateleira, mas as coxas eram demasiado grandes e ela parecia do tipo que incharia como um balão quando chegasse aos trinta e cinco. Era um 8 em 10, numa escala de atração, que era onde Todd gostava de jogar: as oito eram giras, mas inseguras por não serem dez, por isso esforçavam-se muito para agradar. Agora, porém, mal chegava ao 6, com o rímel esborratado e o cabelo loiro oleoso. – Então qual é o problema em levares-me a jantar? – perguntou ela em voz baixa, imóvel pela primeira vez desde que saíra da cama. – Porque não é isso que és para mim – respondeu ele com honestidade. – Então o que sou? – A voz dela era ainda mais baixa. Os dedos apertaram os lençóis enquanto esperava a resposta que não queria ouvir. – Ouve, nós divertimo-nos muito. Porquê estragar tudo? – disse Todd, falando a sério. A jovem cerrou o maxilar e os seus olhos lacrimejantes brilharam. – Quer dizer que sou a tipa com quem fodes. Todd não disse nada. Precisava de ir para o trabalho. – Sabes que andei na Penn? Tipo, não sou uma bimba idiota. Trabalho num escritório de advocacia de primeira linha: sou a rapariga com quem se namora, não um engate estúpido. – Talvez tenhas razão. – Então vamos jantar! – disse ela, exasperada. – Eu não quero uma namorada. – Então porque é que... – Tu. – Cortou Todd, com a paciência esgotada. – Tu é que me contactaste, bêbeda, num bar, às duas da manhã, depois de colocares o teu perfil numa aplicação de encontros baseada na localização do telemóvel. De que é que estavas à espera? 6 Ela não desviou o olhar. – A Hook é uma ferramenta para conhecer pessoas. Tu usa-la, e és presumivelmente normal. Por que razão é que o facto de eu a usar faz de mim uma galdéria? – Eu não disse que és uma galdéria. Disse que me procuraste no contexto de um engate a altas horas da noite, e isso é o acordo implícito que temos. – Mas isso foi há quatro encontros – protestou ela. Todd não queria magoá-la, mas na verdade também não tinha tempo para aquele tipo de drama. Precisava de se focar exclusivamente na sua carreira: acabara de comemorar o trigésimo segundo aniversário e estava bem consciente de que tinha apenas doze meses para concretizar um negócio sério no banco de investimento do L. Cecil se ainda quisesse alcançar o objetivo de ser o diretor mais novo de sempre na prestigiada empresa de Wall Street. – Ficámos a conhecer-nos um ao outro desde então. – Ela continuava a falar, recusando-se a abandonar o assunto. – Conversámos sobre o teu trabalho e falei-te da minha família, e cheguei atrasada ao trabalho na semana passada, porque sei que gostas de sexo de manhã. – O lábio dela tremia. – Eu não te pedi para fazeres isso. As faces da rapariga ficaram vermelhas, ela sabia que era verdade. – Não posso acreditar que isto esteja a acontecer. – Virou-se e acabou de se vestir, abandonando a busca das cuecas. Todd continuou a ver televisão, onde todos concordavam que, embora não fosse ilegal o facto de os corretores do L. Cecil saberem que estavam a vender uma porcaria, isso tornava o seu comportamento antiético e digno de sanções. Era uma discussão estúpida – o papel de um corretor era facilitar negócios: cabia ao investidor determinar se valia ou não a pena investir o seu dinheiro nesses negócios. Todd esperou que a porta da frente batesse e saiu da cama, colocando o seu corpo de ex-jogador de polo aquático com um metro e noventa e dois debaixo do chuveiro. 7 A questão de trazer uma mulher para o seu apartamento ou ir para o apartamento dela era um eterno enigma para Todd. Por um lado, o minimalismo dispendioso do seu espaçoso T1 garantia que qualquer mulher que trouxesse teria relações sexuais com ele, mesmo se se tivesse mostrado puritana até esse momento; por outro lado, os jogos fora de casa tinham a vantagem de ele poder sair nos seus próprios termos. Devia ter ido para a casa dela ontem à noite, uma vez que sabia que ela ia dormir com ele, mas bebera demasiada tequila no Monkey Bar e não estava a pensar claramente quando lhe enviou uma mensagem pela Hook. Todd fez a barba e vestiu o seu uniforme-padrão – fato feito por medida, gravata Hermès, meias Armani, sapatos Gucci. Usou a Uber no seu telefone para pedir um carro e olhou-se com aprovação ao espelho antes de descer. Quando saiu pela porta da frente do prédio, a rapariga estava ao lado da porta, soprando nas mãos para afastar a brisa de março. – Raios – sussurrou ele. Ela viu-o e mordeu o lábio em jeito de desculpa. – Lamento – disse. – Eu realmente não quero ser dramática, só que acho que isto poderia ser mais. Quer dizer, eu podia ser mais, eu sou mais do que o perfil da Hook. Todd pousou a mão com delicadeza na anca dela e beijou-a no rosto suavemente. – Está tudo bem – disse –, mas ando muito ocupado, e o que temos agora é o máximo que consigo. Se quiseres mais, eu respeito isso, mas não to posso dar. Ela assentiu com a cabeça e olhou para o chão. – Vou voltar a ver-te? – perguntou em voz baixa, sem olhar para cima. – Não vou a lado nenhum – disse ele, esquivando-se à pergunta. – Posso ajudar-te a arranjar um táxi? Ela abanou a cabeça. – Não, eu vou a pé. 8 – Está bem. Tem um bom dia, ok? – disse com uma voz sedutora, fazendo os seus olhos azuis sorrir. – Ok. – Ela dirigiu-se para a rua, os stilettos de dez centímetros e os cabelos emaranhados eram uma letra vermelha no passeio matinal de quarta-feira. Todd entrou no carro preto e consultou a sua lista de «Favoritas» na Hook. Como é que ela se chamava? A-qualquer coisa. Amy? Allison? Amanda. Certo. Encontrou-a e apagou prontamente o seu perfil. Bloquear utilizador? Perguntou o aplicativo. Ele carregou no «Sim». Deixar um comentário? «Não.» Ela não valia nem mais um minuto do seu tempo. O BlackBerry que usava para o trabalho zumbiu no bolso e ele trocou-o pelo iPhone, percorrendo os vinte e seis novos e-mails que recebera durante a noite. Havia as explosões normais da manhã: a atualização do mercado asiático, a previsão diária FX, um e-mail de Catherine Wiley, presidente do banco de investimento, com uma declaração de conformidade para fornecer aos clientes que perguntavam sobre o escândalo das ações do L. Cecil. E, em seguida: um e-mail de [email protected]. Todd – Decidi entrar em bolsa. Quero que faça isso. JH Todd quase se engasgou; leu o e-mail novamente. Olhou para o motorista, como se o homem pudesse entender o significado do que ele segurava na mão. Todd podia sentir o seu coração acelerar: Josh Hart era CEO da Hook, a aplicação que não só tornara a sua vida sexual muito mais eficiente como também se revelara a empresa mais interessante de Silicon Valley. Uma Oferta Pública Inicial daquela aplicação não iria apenas fazer com que muita gente ganhasse muito dinheiro, trazê-la para o L. Cecil iria solidificar a promoção de Todd. Diretor executivo, caramba – um negócio daquela monta poderia impulsioná-lo ao status de chefe de equipa. 9 Todd desceu até à assinatura do e-mail e marcou o número de Josh. O telefone tocou e ele olhou para o relógio, percebendo que eram apenas seis e um quarto em São Francisco, mas Josh Hart atendeu ao terceiro toque. – Estou? – Josh! – exclamou Todd com demasiado entusiasmo. – Josh, fala Todd. Todd Kent. Acabei de receber o seu e-mail e... desculpe, o momento é oportuno? – Não há problema. – A voz de Josh era como a de um robô. – Ouça, eu... – Todd debateu-se para recuperar a compostura. Esforçou-se por se lembrar da última vez que tinha falado com Josh Hart: fora há dois anos em Las Vegas, durante o Consumer Electronics Show, quando se conheceram num clube de striptease. Josh era um cromo dos computadores, pálido, com olheiras e caracóis de rapazinho colados à cabeça. Vestia uma sweatshirt com capuz e calças caqui com pregas. Todd vira-o do outro lado da sala e fora direito a ele (um tipo que entrava num clube com aquele aspeto, tinha de ser importante) e convidara-o para a sua mesa. Josh sentara-se, estudando as dançarinas como se fossem extraterrestres, contraindo-se de cada vez que Todd tentava falar com ele sobre a sua estratégia de financiamento, à procura de uma maneira de envolver o L. Cecil. No fim da noite, Todd dera a Josh o seu cartão e nunca mais tivera notícias dele. Mas deve ter dito algo certo, assegurou a si mesmo, para Josh entrar em contacto com ele dois anos depois, com o maior negócio de qualquer uma das suas vidas. – Eu só queria saber o que está a pensar no que diz respeito a trabalharmos juntos no financiamento da Hook – disse Todd finalmente. – Disse-lhe no meu e-mail. – Josh parecia irritado, como se a sua mensagem de uma linha fosse mais do que suficiente para pôr uma OPI em movimento. – Decidi entrar na bolsa com a Hook e decidi que você deve fazer a subscrição. Gostaria de conseguir 10 1,8 mil milhões de dólares numa avaliação de catorze mil milhões de dólares. Todd pestanejou: a Hook ainda não tinha dado lucro, e Wall Street estava a começar a questionar o valor das aplicações das redes sociais. Mas também tinham duvidado do Facebook e o preço das suas ações subia cada vez mais. Agora que pensava nisso, se o Facebook valia 150 mil milhões, a Hook provavelmente valia mais do que catorze mil milhões. – Esses números parecem corretos. O processo típico é fazer um concurso, onde diferentes bancos lhe apresentam propostas e... – Não quero concurso. Quero que você faça isso. O cérebro de Todd zumbia: havia sempre um concurso. Saltar essa etapa era sequer permitido? – Isso é ótimo, quero dizer, poupa-nos muito tempo – continuou ele. – Então vou falar com o meu chefe, o Larry, ele é quem estará a liderar o... – Não – corrigiu Josh. – Eu disse que quero que você faça isso. Você. – O quê? Eu? – Sim – disse Josh. – Não é isso que faz? Supervisiona negócios? – Bem, sim, trabalhei em dezenas de negócios, mas este é enorme, Josh, e há um monte de pessoas mais experientes que... – Todd parou. Só porque Larry estava no banco há mais tempo, isso significava que sabia realmente mais do que Todd? Larry tinha quarenta e cinco anos e era casado: o que sabia ele sobre uma aplicação de encontros com base na localização do telemóvel e cujos utilizadores primários pertenciam à Geração Y? E se Josh, que tinha trinta anos, podia criar uma empresa como a Hook, Todd certamente poderia liderar a sua OPI. – Sim – corrigiu-se ao telefone –, claro que posso tratar deste negócio para si. – Ótimo – disse Josh. – Podemos encontrar-nos aqui amanhã para finalizar isto. 11 – Amanhã? – Todd inclinou-se para a frente. – Ainda preciso de tratar do contrato e... – Pensou rapidamente: de que mais precisava? – E tenho de reunir a equipa certa. – A equipa? – Bem, sim, vamos precisar de arranjar alguns analistas e um associado do meu grupo, mais alguém do mercado de capitais próprios para se pronunciarem sobre as condições do mercado e a tournée, e provavelmente... – Três. Pode ter três pessoas, no máximo. Todd riu-se. – Josh, para um negócio desta envergadura, vai querer... – Deixe-me ser muito claro sobre uma coisa, Todd – cortou Josh. – Eu odeio Wall Street. Vocês são todos uns idiotas que não fazem nada a não ser imiscuírem-se em processos a fim de lucrarem com a ineficiência que vocês próprios criam. Se eu pudesse reunir 1,8 mil milhões de dólares sem precisar de si, fá-lo-ia, mas não tenho tempo para corrigir também a indústria de serviços financeiros enquanto construo uma empresa. Todd cerrou o maxilar com força: ele sabia, porque crescera no norte da Califórnia, que o pessoal da tecnologia não gostava de Wall Street, mas era preciso muita coragem para contrariar um sistema que tinha sido próspero durante centenas de anos. – Então, pode ter três pessoas na equipa – continuou Josh –, mas se aparecerem chicos-espertos, o negócio é cancelado. Fui claro? – Sim, com certeza. – Muito bem. Vemo-nos na sexta-feira, então. – Sexta-feira – assentiu Todd. Isso, pelo menos, dava-lhe um dia. – Vemo-nos na sexta-feira. Estou muito entusiasmado por... Ouviu o clique do telefone e olhou para o ecrã. Aquilo realmente acontecera? – Chegámos – disse o motorista do banco da frente no momento em que ele desligava o telefone. 12 Todd ergueu os olhos, voltando ao presente, depois olhou pela janela e viu a sede do L. Cecil em Park Avenue. Passara todos os dias úteis e fins de semana da maior parte dos últimos dez anos ali, excetuando as férias anuais de duas semanas que os reguladores obrigavam os colaboradores dos bancos de investimento a gozar para restringir o abuso de informação privilegiada. O edifício de vidro erguia-se quarenta e três andares em direção ao céu, refletindo a luz da manhã nas janelas de vidro espelhado. As letras de metal «L. CECIL» estavam penduradas acima da entrada, sobre a porta giratória afastada da rua por um muro coberto com flores com a intenção de a tornar acolhedora, mas não tão acolhedora que as pessoas não percebessem que não eram convidadas a entrar. Funcionários envergando fatos mostravam a sua identificação de segurança ao entrarem no edifício, todos eles na esperança de que hoje fosse o dia em que aparecesse um negócio que lhes permitiria deixar de ser uma peça na engrenagem para projetar a sua própria roda. Hoje, Todd percebeu, era o seu dia: Josh podia ser um idiota arrogante, mas ia fazer de Todd um dos tipos mais poderosos da história da banca de investimento. Caraças, aquilo era enorme. NICK Q UA R TA - F E I R A , 5 DE MARÇO; SÃO FRANCISCO, CALIFÓRNIA – Eu sei que não gostas de falar de dinheiro, mas como diretor financeiro da empresa, é minha responsabilidade dizer-te que não temos escolha a não ser aumentar o capital, se quiseres manter essa visão viva – disse determinadamente Nick Winthrop para o espelho. – Quero recomendar muito firmemente que prossigamos para uma oferta pública. Olhou para o seu reflexo de tronco nu no espelho e tentou visualizar a reação de Josh. 13 – Bem, eu sei que odeias Wall Street – disse, antecipando os protestos imaginários do CEO – e foi por isso que avancei e preparei esta apresentação em PowerPoint esboçando o historial de cada empresa e filtrando as dez primeiras que devem ser convidadas para o concurso. Ele não podia dizer não àquilo. Até Josh Hart, o prodígio da informática que criara a Hook e parecia ter orgulho na sua falta de visão para os negócios, não podia discutir com Nick sobre aquele ponto. O que significava que Nick só tinha de obter a concordância de Josh sobre a OPI e, em seguida, poderia contactar tranquilamente os melhores bancos de investimento e tê-los a dar-lhe graxa durante semanas, tudo pelo direito de terem o nome deles no acordo que transformaria a participação de Nick em oitenta e cinco milhões de dólares em dinheiro vivo e, mais importante, colocá-lo-ia em posição de ter o tipo de impacto mundial que ele merecia. Estivera relutante em assumir o cargo na Hook. Formara-se na Universidade de Stanford, em 2004, e começara a sua carreira na McKinsey & Company, a empresa de consultoria de gestão número um do ranking mundial, onde se destacara. Tinha saído ao fim de três anos para se juntar à Dalton Henley Venture Partners, onde se tornara aprendiz de Phil Dalton, um dos investidores de risco mais respeitados de Silicon Valley; Phil escrevera-lhe uma carta de recomendação para a Harvard Business School, onde Nick fora um bolseiro Baker, ou seja, a nata da nata da comunidade de gestão empresarial. Enquanto em Harvard, Nick delineara o plano de negócios para a ApplyYourself, que viria a abalar completamente o mercado de candidaturas à universidade ao prever a probabilidade de um utilizador entrar nos vários programas de topo de todo o país. A empresa começaria com a Ivy League + Stanford, tal como o Facebook, e depois estender-se-ia a todas as universidades e, por fim, criaria também algoritmos de previsão para o mercado de trabalho. No entanto, quando Nick mostrara o plano de negócios a Phil Dalton, este sugerira-lhe que se devia candidatar à vaga disponível 14 para CFO na Hook. Nick ficara devastado: estava pronto para ser um empreendedor e não o CFO de uma empresa fundada por alguém mais jovem do que ele e que nem sequer tinha frequentado a escola de gestão. Mas quando Nick teve seu primeiro fracasso (todos os bons empreendedores tinham pelo menos um fracasso), ao não conseguir angariar um milhão e meio de dólares, lembrou a si mesmo que a adaptabilidade era outra componente essencial do sucesso empresarial, e, assim, ajustou a sua definição de prestígio e aceitou com confiança o papel de CFO, juntamente com uma participação de 0,5 por cento na Hook. Quando a Hook tinha começado a descolar, na última primavera, crescendo para mais de quinhentos milhões de utilizadores e captando a atenção dos media internacionais, Nick tivera um momento profundo de fé no plano que o Universo lhe reservara. Esse plano, sabia, faria dele uma pessoa com impacto real à escala global, e podia sentir nas suas veias que estava à beira de se tornar um dos grandes líderes mundiais. Respirou fundo e recompôs-se, olhando para seus peitorais com admiração. O pacote de CrossFit que adquirira na Groupon no mês passado estava mesmo a dar resultados, preparando-o para estar no seu melhor quando as revistas começassem a fotografá-lo para as capas. Passou o dedo pela linha em torno do músculo do ombro com satisfação e deitou-se no chão para fazer dez flexões, como exercício adicional. Eram seis e meia da manhã, mas Nick estava bem acordado quando carregou no botão da máquina Nespresso para se servir de um forte, polvilhando com canela-da-china biológica a fim de regular os níveis de glicose, um truque que aprendera com o livro 4 Horas por Semana – O Corpo. Olhou para o iPhone para ver se Grace enviara alguma mensagem desde a última vez em que tinha verificado, há dez minutos, e disse a si mesmo para relaxar quando viu que ela ainda não enviara nada: era uma rapariga gira e tinha o direito de se mostrar calma, e ele era um tipo porreiro que podia alinhar nisso. 15 Ainda assim, desejava poder dizer-lhe que grande negócio estava prestes a fazer acontecer – para ver o rosto dela quando percebesse o tipo de homem com quem estava a namorar. Mas o acordo teria de ficar em estrita confidencialidade até que o S-1, um documento legal de cem páginas detalhando a oportunidade de investimento, fosse entregue à Securities and Exchange Commission, e isso levaria meses. Tomou nota para reservar uma mesa no Gary Danko todas as sextas-feiras de maio para comemorar. Terminou o café e colocou a caneca na máquina de lavar louça, limpou a pega da máquina com uma esponja de limpeza Lysol para remover as dedadas do acabamento em aço inoxidável. Lançou um olhar ao iPhone mais uma vez – nada – e fechou o colete polar personalizado da Dalton Henley enquanto se dirigia para a porta e para a curta caminhada para a sede da Hook. Aquela era a sua hora favorita do dia de trabalho: os engenheiros não deixavam as instalações até às primeiras horas da manhã, e o pessoal dos recursos humanos só chegava por volta das dez, por isso, o imaculado escritório de vidro recém-construído no Embarcadero de São Francisco era todo seu. Estendeu a mão para o sensor de segurança de tecnologia de ponta, do lado de fora da entrada do prédio, e apanhou o elevador até ao sexto andar. Atravessou o escritório principal, onde os programadores informáticos estavam instalados; a sala encontrava-se cheia de bonecos de peluche e bolas de plástico coloridas que tinham saído da piscina de bolas no canto. Ao lado dele, um gorila em tamanho real dobrava-se para uma máquina de hélio que os engenheiros usavam para encher os balões com que depois enchiam os gabinetes dos gestores nos seus aniversários, e, mais frequentemente, para ficarem pedrados. Tudo naquele espaço deixava Nick ansioso: convertê-lo num espaço de trabalho profissional e aceitável seria a primeira coisa que ia fazer com os lucros da OPI. Não se importava com o que os engenheiros tivessem a dizer sobre o assunto. 16 Chegou ao seu gabinete de canto e descontraiu-se, abraçando a pureza de seu espaço pessoal intocado. – Olá. Nick olhou para cima, assustado, ao ver a silhueta de Josh recortada na porta. – Oh, olá. – Levou um momento a processar. – O que estás a fazer aqui? – Estava a codificar – disse Josh. As olheiras eram escuras e pesadas e a sua cabeça abanava, inclinando-se ligeiramente para a direita e em linha reta novamente. – Perdi a noção das horas. – Que bom. – Nick sorriu afirmativamente. Outra das lições que aprendera com Phil Dalton era incentivar sempre os engenheiros quando eles se perdiam na codificação. Podes não entender o que estão a fazer, mas grandes coisas saem dessas noitadas, tinha dito Phil, e Nick tinha escrito no caderno Moleskine que trazia com ele para anotar conselhos sábios. – Preciso de ti para uma reunião às onze horas, na sexta-feira – anunciou Josh, virando-se para sair. – Para quê? Josh voltou-se para trás e a sua cabeça abanou novamente. Nick nunca descobrira o que desencadeava o tique do fundador da Hook, mas aprendera a ignorá-lo. No mínimo, as peculiaridades de Josh significavam apenas que a Hook precisaria de um rosto diferente para toda a publicidade que receberiam quando a empresa entrasse na bolsa, e ele estava humildemente disposto a aceitar esse papel. Havia uma tradição em Harvard, onde todos os estudantes do MBA colocavam dez dólares num frasco para dar à primeira pessoa da turma que tivesse o seu retrato desenhado a lápis na capa do Wall Street Journal, e Nick percebeu com confiança que iria ser ele. Embrulha, Stephen Hartley. Quem é o tipo mais fixe da escola agora? – Os do L. Cecil vêm cá – disse Josh, sem mais explicações. – O quê? – Nick inclinou-se para a frente. – Porque é que o L. Cecil... 17 – São eles que vão tratar da oferta pública – disse Josh. – E vêm na sexta-feira. – De que estás a falar... – começou Nick, abanando a cabeça. – Não podes tomar essas decisões, Josh. Eu sou o diretor financeiro da Hook e essa é uma decisão financeira. Josh olhou para ele. – A empresa é minha. – A empresa é tua parcialmente. – Ambos tinham conversado sobre aquilo antes. – Tens uma responsabilidade para com o teu investimento... – Nick parou, lembrando-se que a OPI era o que ele queria, e sentindo que este era um daqueles momentos em que estava a lutar para ganhar, matéria sobre a qual tinha recebido um feedback negativo na escola de gestão. Disse devagar e com calma: – Há um processo, Josh. E, na qualidade de CFO, eu deveria liderar esse processo. – Eu sei – disse Josh. – Não quero ter mais nada que ver com isso. – Quero dizer que há um processo para a escolha de um banco – disse Nick. – Tem de se abrir um concurso e, em seguida, os bancos apresentam as suas propostas e a seleção é feita com base em... – Porquê? – O olhar de Josh penetrou-o. Nick sentiu o rosto corar. – Porque... – começou. Não podiam simplesmente passar por cima do concurso. Os bancos tinham de os engraxar. – Mesmo que fosse possível, o L. Cecil é uma escolha terrível. Tens visto as notícias? Estão sob investigação por... – Eu sei – cortou Josh, mexendo a cabeça. – Isso é o que os torna uma boa escolha. – O quê? – Nick semicerrou os olhos. O L. Cecil nem sequer entrara para a sua lista de participantes no concurso. – Como é que podes pensar tal coisa? – Estão desesperados para arranjar negócios. Precisam de nós. – Josh olhou para Nick; estava irritado por ter de explicar a sua decisão. – Põe-te sempre no assento do poder, Nick. Não te ensinaram isso na escola de gestão? 18 O sangue de Nick ferveu. Já era mau o suficiente quando Josh se mostrava arrogante sobre assuntos de informática, mas as decisões de negócios eram do domínio de Nick. – Na verdade, em Harvard nós... – protestou Nick. – O tipo que contratei nem sequer tem nada que ver com o escândalo. – Como assim «o tipo» que contrataste? Não te... – Todd Kent. Conheci-o há dois anos no CES – disse Josh. – Ele vai tratar de tudo. A voz de Nick ficou presa na garganta: – O Todd Kent? O Todd Kent é o ponto de contacto que escolheste? – Conhece-lo? – Josh estudou o rosto de Nick. – Andámos juntos na universidade. – A cabeça de Nick começou a latejar. – Na licenciatura, não na escola de gestão. Ele não foi para a escola de gestão. Tenho a certeza de que não conseguiria entrar – disse automaticamente, acintosamente. Josh sorriu. – Ótimo. Podem pôr a conversa em dia na reunião. Nick observou uma bola rebolar da confusão do lado de fora do seu gabinete, quando Josh saiu. Pegou na bola e esmagou-a na mão antes de a atirar de volta para o escritório vazio. TODD Q UA R TA - F E I R A , 5 DE MARÇO; N O VA I O R Q U E , N O VA I O R Q U E – Se estragares isto, estamos lixados. – O pescoço de Larry pulsava como o de um pit bull. – Eu sei, amigo. Percebo perfeitamente. – Não estou a falar de ti. Estou a borrifar-me para o teu final de ano. – A voz de Larry afrouxou um pouco perante o poder que 19 ele tinha sobre o bónus de Todd, mas depois elevou-se novamente quando se lembrou de que fora excluído de um negócio em favor do seu colaborador mais novo: – Estou a falar de eu estar lixado, neste grupo, nesta divisão, na merda deste banco inteiro, porra. – Larry fez uma pausa para tomar fôlego antes de recomeçar. – Que merda do caraças. Esses malditos idiotas de Silicon Valley. – Todd permaneceu em silêncio. – Sai do meu gabinete antes que eu te corte a pila. Todd escondeu um risinho quando fechou a porta. Pobre tipo. Quando Todd chegara ao vigésimo sétimo andar, nessa manhã, onde estava instalado com o resto do grupo de Tecnologia, Media e Telecomunicações, tinha a certeza de que Larry teria de ser excluído da OPI da Hook. Josh estava certo: Todd Kent era o homem certo para liderar aquela subscrição, não só por ser um grande profissional, mas porque possuía o repositório de conhecimento de que a empresa de aplicações necessitava para convencer efetivamente os mercados da sua avaliação em catorze mil milhões de dólares. Apesar de Larry ter imensa experiência a conduzir negócios, estava velho e envolvido num processo de divórcio porque a mulher descobrira que era viciado em pornografia: definitivamente não era a imagem que a Hook escolheria. Todd caminhou orgulhosamente, sorrindo confiante para que todos aqueles que se virassem – e toda a gente se virou – ficassem a saber que ele saíra por cima de tudo do que quer que estivesse por detrás do grito abafado que tinham acabado de ouvir no gabinete de Larry. – O que fizeste para o tirar do sério? – perguntou Kal Taggar, o outro diretor mais velho do grupo, sem erguer os olhos quando Todd se sentou no seu cubículo no bloco de seis. – Conheces a Hook? – Claro. Porquê? – disse ele para o ecrã do computador, onde preenchia as suas previsões para a liga de basquetebol. – Querem entrar na bolsa. – Todd fez uma pausa, antecipando a reação de Kal à piada. – E o Josh Hart quer-me a conduzir o negócio. 20