revista do tribunal regional do trabalho da 14ª região

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revista do tribunal regional do trabalho da 14ª região
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PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO
DA 14ª REGIÃO
REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL
DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO
V.5 n.2 julho/dezembro 2009 - Porto Velho
ISSN 2177-0034
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.1-400, jul./dez. 2009
© 2009 Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região
Todos os artigos são de inteira responsabilidade dos autores
Comissão de Revista:
Desembargadora Elana Cardoso Lopes
Juiz Shikou Sadahiro
Juiz Rui Barbosa de Carvalho Santos
Secretário:
Amarildo Bezerra da Silva
Colaboradores:
Maristéfani Monteiro de Araújo
Raimunda Laureci de Paula Chaves
Design e Conceito Gráfico:
Hélio José Moreira
Capa:
Obra em marchetaria do artista plástico acriano
Maqueson Pereira da Silva
Impressão e Acabamento:
Núcleo de Serviços Gráficos
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 14 ª Região. – Nov. 1992 – jan./jun.
1997 ; v.5, n.1 (jan./jun. 2009). – Porto Velho: Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, 1992 –
v. ; 21,5 cm.
Semestral
Suspensa: 1996 ; 1998-2008.
ISSN: 2177-0034
1.Direito do Trabalho – Periódicos. 2. Jurisprudência Trabalhista I. Brasil. Tribunal Regional do Trabalho. (Região, 14ª).
CDD: 34 (05)
CDU: 34:331(81)(05)
Ficha Catalográfica: Dárcia Marinho, Bibliotecária-CRB11/322
Correspondência
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO
Rua Almirante Barroso, 600 - Mocambo – 76.801-901 Porto Velho – RO
Fone: 69 3211-6585 – Site: www.trt14.jus.br
e-mail: [email protected]
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.....................................................................................5
COMPOSIÇÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO
DA 14ª REGIÃO – BIÊNIO 2009/2010....................................................7
DOUTRINAS
O DIREITO CONSTITUCIONAL E A FLEXIBILIZAÇÃO
DAS NORMAS TRABALHISTAS
Maurício Godinho Delgado........................................................................ 15
PERSPECTIVAS DO TRABALHO E DO DIREITO NA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
José Augusto Rodrigues Pinto................................................................... 25
NOTAS SOBRE A APLICAÇÃO DA TEORIA DO ADIMPLEMENTO
SUBSTANCIAL NO DIREITO PROCESSUAL CIVIL BRASILEIRO
Fredie Didier Jr........................................................................................ 41
ORLANDO GOMES, MESTRE DO PORVIR
Rodolfo Pamplona Filho............................................................................ 47
ALGUNS ARGUMENTOS EM PROL DA IDÉIA DE QUE O TRABALHADOR
RURAL QUE RECEBE POR PRODUÇÃO FAZ JUS AO RECEBIMENTO DA
PRÓPRIA HORA + ADICIONAL, SE TRABALHAR EM
REGIME EXTRAORDINÁRIO
Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani................................................ 59
USO DO VÉU ISLÂMICO NOS SETORES PÚBLICO E PRIVADO
Alice Catarina de Souza Pires.................................................................... 77
A NATUREZA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO E O PRAZO PARA
SUA PROPOSITURA NA EXECUÇÃO TRABALHISTA
Antonio Adonias Aguiar Bastos e Ruy Andrade............................................ 87
RECURSO DE REVISTA EM EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL
Deusmar José Rodrigues........................................................................ 107
ASPECTOS LIMITATIVOS DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA
Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade Sandim........................................ 113
O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO FIGURA JURÍDICA ÚTIL
E APLICÁVEL NOS LIAMES LABORAIS
Christiana D’arc Damasceno Oliveira........................................................ 133
A GESTÃO POR INJÚRIA E A DANOSA COLETIVIZAÇÃO
DO ASSÉDIO MORAL
Francisco Montenegro Neto..................................................................... 163
RECURSO “LATU SENSU” - UMA NOVA VISÃO DO PROCESSO
SINCRÉTICO NO ÂMBITO DO PROCESSO DO TRABALHO
José Hélio Santos.................................................................................. 171
CONCILIAÇÃO: INSTRUMENTO DE PACIFICAÇÃO
DAS LIDES TRABALHISTAS
LucianaTaira...................................................................................183
ACÓRDÃOS
PROCESSO: TST- E-ED-RR-759.341/2001.5
RELATOR: Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires..........................193
processo: 00876.2008.041.14.00-0
RELATOR: Vulmar de Araújo Coêlho Junior. .......................................... 221
PROCESSO: 01059.2008.002.14.00-7
RELATORA: Socorro Miranda................................................................ 239
PROCESSO: 00658.2008.141.14.00-4
RELATORA: Elana Cardoso Lopes.......................................................... 251 PROCESSO: 00308.2008.005.14.00-6
RELATORA: Maria Cesarineide de Souza Lima....................................... 269
PROCESSO: 00230.2009.403.14.00-0
RELATOR: Carlos Augusto Gomes Lôbo................................................. 281
PROCESSO: 02748.2008.000.14.00-6
RELATORA: Vania Maria da Rocha Abensur........................................... 293
PROCESSO: 0000300-67.2009.514.0151
RELATORA: Arlene Regina do Couto Ramos. ......................................... 305
PROCESSO: 00682.2008.401.14.00-9
RELATOR: Shikou Sadahiro.................................................................. 341
SENTENÇAS
PROCESSO: 00031.2008.131.14.00-6
Juiz José Roberto da Silva...................................................................... 359
PROCESO: 00333.2009.401.14.00-8
Juiz Carlos Leonardo Teixeira Carneiro..................................................... 369
PROCESO: 00633.2009.404.14.00-6
Juiz Carlos Leonardo Teixeira Carneiro..................................................... 379
PROCESO: 0091000.31.2009.514.0041
Juiz Horácio Raymundo de Senna Pires Segundo....................................... 389
APRESENTAÇÃO
Estamos entregando à comunidade jurídica o segundo
número dessa nova fase da Revista do Tribunal Regional do
Trabalho da 14ª Região. Como no número anterior, os artigos não
foram previamente tematizados, ficando a critério de cada autor a
escolha do assunto e a linha de abordagem.
Nesta edição, brindamos os leitores com artigos de autores
consagrados na seara do Direito do Trabalho, como Maurício
Godinho Delgado, José Augusto Rodrigues Pinto, Fredie Didier Jr.
e Rodolfo Pamplona Filho. Há, como na edição anterior, artigos de
colaboradores de diversas partes do Brasil, e os temas abordados
são diversificados e atuais.
A presença de magistrados, procuradores e servidores,
como articulistas, confirma a vocação da Revista como veículo
ágil e democrático de debate das grandes questões do Direito do
Trabalho na atualidade e a participação de autores renomados dá
a necessária densidade científica a esta publicação.
Assim, singelamente, mas orgulhosos do resultado obtido,
trazemos a público mais esta edição da Revista de Doutrina e
Jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região.
ELANA CARDOSO LOPES
Desembargadora-Presidente da Comissão de Revista
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO
DA 14 REGIÃO
COMPOSIÇÃO
BIÊNIO 2009/2010
PRESIDENTE E CORREGEDORA
Desembargadora Maria Cesarineide de Souza Lima
VICE-PRESIDENTE
Desembargadora Vania Maria da Rocha Abensur
DESEMBARGADORES FEDERAIS DO TRABALHO
Vulmar de Araújo Coêlho Junior
Socorro Miranda
Elana Cardoso Lopes
Carlos Augusto Gomes Lôbo
JUÍZES FEDERAIS DO TRABALHO CONVOCADOS
PARA O TRIBUNAL
Arlene Regina do Couto Ramos
Shikou Sadahiro
PRIMEIRA TURMA
Desembargadora Elana Cardoso Lopes
Presidente da Turma
Desembargador Vulmar de Araújo Coêlho Junior
Juiz Convocado Shikou Sadahiro
SEGUNDA TURMA
Desembargador Carlos Augusto Gomes Lôbo
Presidente da Turma
Desembargadora Socorro Miranda
Juíza Convocada Arlene Regina do Couto Ramos
VARAS DO TRABALHO
JUÍZES FEDERAIS DO TRABALHO TITULARES
ESTADO DE RONDÔNIA
1ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Lafite Mariano
2ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Isabel Carla de Mello Moura Piacentini
3ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Afrânio Viana Gonçalves
4ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Shikou Sadahiro(Convocado p/ compor o Tribunal)
Sebastião Abreu de Almeida (Exercendo a titularidade até
ulterior deliberação)
5ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Arlene Regina do Couto Ramos
(Convocada p/ compor o Tribunal)
Edilson Carlos de Souza Cortez
(Exercendo a titularidade até ulterior deliberação)
6ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Luzinalia de Souza Moraes
7ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Domingos Sávio Gomes dos Santos
8ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO
Ana Carla dos Reis
1ª VARA DO TRABALHO DE ARIQUEMES
Vago
2ª VARA DO TRABALHO DE ARIQUEMES
Andre Sousa Pereira
VARA DO TRABALHO DE BURITIS
Linbércio Coradini
VARA DO TRABALHO DE CACOAL
Ana Maria Rosa dos Santos
VARA DO TRABALHO DE COLORADO D’OESTE
Vago
VARA DO TRABALHO DE GUAJARÁ-MIRIM
Marco Antônio Fernandes
VARA DO TRABALHO DE JARU
Monica Harumi Ueda
1ª VARA DO TRABALHO DE JI-PARANÁ
Osmar João Barneze
2ª VARA DO TRABALHO DE JI-PARANÁ
Ricardo Turesso
VARA DO TRABALHO DE MACHADINHO D’OESTE
Vago
VARA DO TRABALHO DE OURO PRETO D’OESTE
Ricardo César Lima de Carvalho Sousa
VARA DO TRABALHO DE PIMENTA BUENO
Consuelo Alves Vila Real
VARA DO TRABALHO DE ROLIM DE MOURA
Vago
VARA DO TRABALHO DE SÃO MIGUEL DO GUAPORÉ
José Roberto da Silva
VARA DO TRABALHO DE VILHENA
Eduardo Antônio O’Donnell Galarça Lima
JUÍZO AUXILIAR DE CONCILIAÇÃO DE PRECATÓRIOS
Cândida Maria Ferreira Xavier
ESTADO DO ACRE
1ª VARA DO TRABALHO DE RIO BRANCO
Ilson Alves Pequeno Junior
2ª VARA DO TRABALHO DE RIO BRANCO
Francisco de Paula Leal Filho
3ª VARA DO TRABALHO DE RIO BRANCO
Marlene Alves de Oliveira
4ª VARA DO TRABALHO DE RIO BRANCO
Edson Carvalho Barros Junior
VARA DO TRABALHO DE CRUZEIRO DO SUL
Antonio César Coêlho de Medeiros Pereira
VARA DO TRABALHO DE EPITACIOLÂNDIA
Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade Sandim
VARA DO TRABALHO DE FEIJÓ
Christiana D’Arc Damasceno Oliveira
VARA DO TRABALHO DE PLÁCIDO DE CASTRO
Vago
VARA DO TRABALHO DE SENA MADUREIRA
Vago
JUÍZES FEDERAIS DO TRABALHO SUBSTITUTOS
Silmara Negrett Moura
Cleide Aparecida Barbosa Santini
Patrick Menezes Colares
Sebastião Abreu de Almeida
Vitor Leandro Yamada
Eudes Landes Rinaldi
Ana Paula Kotlinsky Severino
Cândida Maria Ferreira Xavier
Andrea Alexandra Barreto Ferreira
Edilson Carlos de Souza Cortez
Rui Barbosa de Carvalho Santos
Carlos Leonardo Teixeira Carneiro
Jaqueline Maria Menta
Francisco Montenegro Neto
Horácio Raymundo de Senna Pires Segundo
Wadler Ferreira
Luciana Jereissati Nunes de Lavôr
Geraldo Rudio Wandenkolken
Fernanda Constantino Campos
Daniel Gonçalves de Melo
DOUTRINAS
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O DIREITO CONSTITUCIONAL E A
FLEXIBILIZAÇÃO DAS NORMAS TRABALHISTAS*
Maurício Godinho Delgado**
Boa noite a todos. Agradeço aos organizadores do
evento, particularmente à Dra. Estefânia Viveiros, que me fez
este convite, permitindo-me ter a satisfação de participar deste
Congresso, neste meu primeiro ano em Brasília. Cumprimento os
ilustres advogados que me honram com sua presença nesta mesa,
Dr. Marcos Resende e Dr. Juliano Costa Couto, cumprimentando
também todos os congressistas presentes.
O tema escolhido para nossa exposição segue a linha
traçada na brilhante palestra anterior, envolvendo o papel da
Constituição de 1988 em nossa ordem jurídica. Aqui falaremos da
Carta Magna e da flexibilização das normas trabalhistas. Antes de
exatamente adentrar o tema proposto, gostaria de fazer rápida
reflexão sobre o cenário jurídico que assiste à emergência da
Constituição de 1988.
Gostaria de ponderar que, na verdade, se examinarmos
os ramos que fazem a árvore jurídica do Direito contemporâneo,
nós vamos perceber que o Direito do Trabalho - que é o nosso
tema específico - faz parte de uma tradição muito importante de
ser ressaltada, que bem distingue a vida contemporânea e que
provavelmente também será a marca do desenvolvimento jurídico
das próximas décadas.
Essa tradição inicia-se no século 19, afirma-se no século
20 e continua presente nestas últimas décadas, produzindo novos
frutos e ramos jurídicos. Trata-se da tradição inovadora iniciada
exatamente pelo Direito do Trabalho de dar origem a ramos jurídicos
com características bastante diferenciadas em comparação aos
segmentos jurídicos fundamentais então existentes. Conforme nós
sabemos, os ramos fundamentais do Direito até o século 19 ou
*
**
Palestra proferida no VI Conferência dos Advogados do Distrito Federal, promovida
pela OAB-DF, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília-DF, em
28.08.2008, às 20:10 hs.
Ministro do Tribunal Superior do Trabalho. Ex-Desembargador Federal do TRTMG (2007-2004) e Juiz do Trabalho em Minas Gerais (2004-1989). Professor do
Mestrado em Direito do Trabalho da PUC-Minas. Autor do Curso de Direito do
Trabalho (7ª ed., São Paulo: LTr, 2008) e dezenas de artigos e livros em sua área
de especialização.
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eram segmentos jurídicos praticamente milenares, como o Direito
Civil e o Direito Penal, ou eram segmentos jurídicos centenários,
como o então Direito Comercial (hoje Direito Empresarial), o Direito
Administrativo e o Direito Tributário.
Na segunda metade do Século 19, tivemos grande mudança
na história da sociedade, tomando-se como parâmetro o mundo
ocidental e particularmente o berço europeu, que é o berço cultural
de nossa formação, em todas as esferas. Essa mudança histórica
decisiva atingiu em cheio também a cultura jurídica e, como somos
produto dessa cultura, parece-me decisivo compreender semelhante
mudança. É que aí, em torno da segunda metade do século 19,
inicia-se um inovador e irresistível processo de democratização real
das sociedades. Esse processo de democratização concretiza-se no
fato historicamente inusitado de se atribuir poder a quem não tinha
na sociedade, até então, nem poder nem riqueza.
Esse é um ponto diferencial muito importante e que
atinge, inclusive, a nossa análise da Constituição de 1988 e nosso
campo temático de exame, que é o Direito do Trabalho. Ou seja,
somente a partir da segunda metade do século 19 é que a História
iria conhecer ramo jurídico que tratasse de segmentos sociais
classicamente destituídos de riqueza e de poder, conferindo-lhes
certo poder e certa integração ao sistema produtor e distribuidor
de riquezas.
A primeira exemplificação dessa nova tendência - que seria
cada vez mais reforçada no período subsequente - foi o Direito do
Trabalho. O Direito do Trabalho foi o ramo pioneiro nessa linha.
Mas ele não se tornou um Direito isolado, um Direito que fosse
anômalo no conjunto da árvore jurídica; ao invés, ele foi ramo
precursor de importante tendência jurídica que iria florescer e se
propagar no período subsequente. É que, logo a seguir, nas duas
últimas décadas do século 19, e principalmente ao longo do século
20, tivemos também o surgimento e a estruturação de outro ramo
jurídico muito parecido e que, durante certo período, ainda na
primeira metade do século 20, em certos países e até na academia
jurídica, eram considerados ramos jurídicos praticamente atados,
como se fossem o mesmo segmento jurídico.
Hoje não há nenhuma dúvida de que são ramos jurídicos
autônomos e separados, embora com grande proximidade entre si.
Estou me referindo ao antigo Direito Previdenciário, hoje denominado
e classificado como Direito de Seguridade Social. Este foi o segundo
ramo jurídico surgido na História tratando essencialmente de
interesses e direitos de setores sociais destituídos de riqueza e de
poder.
É muito importante, portanto, nós percebermos que
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há uma tendência nova no mundo ocidental, tendência que se
explica dentro do processo de democratização da sociedade e que
responde pela criação de novos ramos jurídicos. Ao longo do século
20 essa mesma linha de transformação cultural continuou a se
expandir, conferindo origem a dois novos segmentos jurídicos, com
características bastante próximas à dos pioneiros já mencionados.
Está-se falando do Direito Consumerista e do Direito Ambiental.
O Direito do Consumidor – claramente um ramo jurídico
caudatário de vários institutos inerentes ao Direito do Trabalho
– também se caracteriza pela perspectiva de conferir cidadania,
reconhecimento, voz e status jurídico àqueles que, em certa
importante relação socioeconômica e de poder, encontram-se
em posição menos favorecida. É o que se passa no contraponto
entre consumidor e produtor ou fornecedor de bens e serviços. O
Direito Consumerista é manifesta continuidade dessa nova linha
democrática de construção e desenvolvimento do Direito - que não
coloca em questão o valor e a importância das antigas estruturas
jurídicas, embora crie perspectiva nova de grande relevância para
o aperfeiçoamento da convivência social e do próprio fenômeno
jurídico.
Finalmente, nesta mesma linha evolutiva, já nas últimas
décadas do século 20, nós temos o advento do Direito Ambiental.
Este também é ramo jurídico que trata do interesse da sociedade –
se estiver adequadamente pensado e construído, é claro -, é Direito
que coloca a perspectiva social como sua matriz de estruturação e
de concreta operação.
Percebe-se, pois, que temos neste rol quatro segmentos
jurídicos extremamente novos, modernos, extremamente
contemporâneos; ao mesmo tempo, são ramos jurídicos claramente
diferenciados em comparação à clássica cultura jurídica construída
ao longo de milênios e séculos, principalmente até o final do século
19. No contexto desses novos ramos jurídicos é que se torna
crucial compreender que o constitucionalismo também se alterou
de maneira muito substantiva.
O constitucionalismo da segunda metade do século 20
- portanto de poucas décadas atrás - é absolutamente diverso
do constitucionalismo originário, inerente ao final do século 18 e
desenrolar do século 19, com suporte na Constituição dos EUA e
primeiras cartas constitucionais européias.
Vejam que o novo constitucionalismo, antes de tudo,
incorpora na estrutura central das constituições a inovadora
perspectiva inaugurada pelo Direito do Trabalho, de se conferir
cidadania e importância aos setores sociais destituídos de riqueza e
poder, fazendo-o de maneira absolutamente harmônica às demais
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conquistas alcançadas pela civilização e pelos demais campos
do Direito. Esse novo constitucionalismo, embora deite raízes na
tendência de constitucionalização dos ramos jurídicos trabalhista e
de seguridade social, despontada nas segunda e terceira décadas
do século 20, tornou-se mais amplamente elaborado e influente
apenas a contar do final da segunda grande guerra, nos anos de
1940.
Percebemos claramente que esse aprofundamento do
processo de constitucionalização da visão social do Direito faz-se
com a descoberta também de novos institutos jurídicos. Institutos
que hoje são decisivos na configuração do novo Direito, sendo
em nossa Constituição notoriamente fundamentais. Por exemplo,
a concepção normativa dos princípios jurídicos. Essa concepção,
conforme sabemos, é bastante moderna, atual. Ela tem cerca 60
anos de vida apenas, sendo concepção que surgiu exatamente
em meio ao processo de integração da perspectiva social nas
constituições européias do pós-guerra.
Nesse quadro de avanço da visão social do Direito é que
nós temos a emergência da Constituição de 1988. Esta Carta
Constitucional (com todos os seus defeitos, e naturalmente ela
tem vários, como é inevitável em qualquer produção cultural da
humanidade) é um dos documentos políticos, jurídicos e culturais
mais importantes já produzidos na história brasileira.
Se examinamos nossa história de 500 anos, não
vamos encontrar produção tão consistente e sólida quanto essa
consumada na Constituição de 1988. Por quê essa Constituição é tão
importante? Parece-me que, além dos aspectos tão bem expostos
pela palestra anterior do ministro Gilmar Mendes, parece-me que
ela é diferenciada exatamente por ter enfatizado a dimensão social
da estruturação e do funcionamento da democracia.
A Constituição da República, com toda segurança e com
toda prudência - mas sem descurar da ousadia em país tão injusto
-, estabeleceu conexão decisiva, conexão irretratável entre a
perspectiva social e o funcionamento do Estado, da sociedade e da
democracia no Brasil. Os principais princípios da nova Constituição
Republicana tem significativa repercussão na questão social e na
questão trabalhista, direta ou indiretamente – sem considerar
também os vários efetivos princípios trabalhistas explicitamente
acolhidos no corpo da Constituição.
Se bem aquilatarmos o princípio da dignidade da pessoa
humana, ele muito irá se acanhar caso a dimensão social não seja
integrada em sua estrutura. Na verdade, embora a idéia de dignidade
não se resolva apenas no âmbito dos direitos sociais, a composição
e a vivência reais desse conceito somente se compreendem e se
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realizam quando integradas em um plano mais largo de análise,
inevitavelmente social.
A dignidade não é, portanto, algo que se resolva nas
fronteiras estritas do Direito Civil e Direito Penal, não obstante estas
também sejam dimensões importantes do conceito jurídico. Não
está se eliminando nenhum aspecto, mas apenas enfatizando que a
dignidade da pessoa humana só se concretiza se tiver projeção social
efetiva. Nessa linha é que o princípio pode ser considerado cardeal
da Constituição da República, sendo que em sua forte dimensão
social o Direito do Trabalho cumpre papel de grande relevância.
Outro princípio constitucional de grande importância é
a subordinação da propriedade à sua função socioambiental. A
Constituição reconhece, incentiva e protege o funcionamento da
propriedade privada no sistema capitalista; porém, ao mesmo
tempo, estabelece a necessidade de que cumpram essa propriedade
e esse sistema um papel de justiça social. Não apenas cumprir
certo papel social, mas cumprir função que assegure dinâmica
socialmente includente para o sistema econômico.
Ora, a Constituição evidencia equilíbrio muito claro entre
sua visão econômica e sua visão social. E esses princípios citados
demonstram isso de maneira muito transparente.
Outro princípio constitucional de notável relevância – que
seria o cardeal, caso não houvesse no ápice da pirâmide normativa
o princípio da dignidade da pessoa humana - é o da valorização do
trabalho e do emprego.
A valorização do trabalho e, particularmente, do emprego foi
tratada na Constituição de maneira jamais vista na história cultural
do Direito brasileiro. A valorização do trabalho e do emprego é na
Constituição princípio jurídico. É também fundamento da República
Federativa do Brasil. Ademais, é ela é considerada valor decisivo
à ordem jurídica. Finalmente é ainda direito social. Princípio,
fundamento, valor e direito social. Percebe-se, portanto, que a
Constituição de 1988 conferiu à idéia de valorização do trabalho e
do emprego padrão jurídico singular, inusitado, multidimensional
e abrangente, com status sequer conferido à própria idéia de
dignidade da pessoa humana.
O caráter multidimensional conferido à valorização do
trabalho e do emprego não foi estendido a nenhum outro tipo de
princípio, a nenhum outro tipo de valor na Constituição da República.
Isso demarca claramente a importância que a Constituição dá à
dimensão social. Por isso, todos os defeitos que a Constituição tem
- e são inúmeros os defeitos, se os quisermos aqui arrolar creio que
facilmente citaríamos pelo menos cinco exemplos de regras que não
deveriam estar lançadas no texto constitucional – tais defeitos são
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muito pequenos diante da grandeza constitucional de 88, grandeza
ora aqui apontada.
A dimensão social dos grandes problemas humanos e dos
caminhos para a sua solução também foi enfatizada pelo princípio
da justiça social. A justiça social jamais havia sido princípio
jurídico na tradição da cultura brasileira. A partir da Constituição
de 88 é alçada ao status de princípio normativo. E que princípio
é esse enfatizado pela nossa Carta Magna? É o principio de que
o bem-estar das pessoas não passa apenas pela sua qualidade
pessoal, estritamente individual.
É óbvio que a qualidade pessoal dos indivíduos – seu
esforço, sua iniciativa, seu trabalho – tudo isso é importante para
sua vida, sua afirmação, seu bem-estar. O que o princípio da
justiça social acentua é que o bem- estar individual e do conjunto
da população supõe também a intervenção da norma jurídica,
supõe a indução realizada por medidas externas ao mero esforço
individual das pessoais e à mera dinâmica econômica do sistema
capitalista. Tal intervenção normativa externa visa à correção de
desigualdades que o sistema econômico cria ou que não consiga
corrigir dentro de seu próprio funcionamento. Essa inovadora
linha constitucional também é muito sábia porque não comete a
ingenuidade de imaginar que o só funcionamento da sociedade e
da economia serão suficientes para assegurar a visão social das
pessoas e o bem-estar da maioria da população do país. A norma
é instrumento imprescindível para corrigir os defeitos do sistema
e para o induzir a que cumpra função socialmente includente.
Nesse contexto é que chegamos ao específico tema
sugerido pela organização deste Congresso, que é exatamente a
relação entre a Carta Magna de 1988 e a flexibilização das normas
trabalhistas, ou seja, de que modo a Constituição da República
trata dessa relação entre as normas trabalhistas e o seu eventual
processo de flexibilização.
Nós sabemos que aqueles quatro ramos jurídicos que
mencionamos no início de nossa manifestação são ramos jurídicos
que têm característica curiosa em comparação com a cultura
jurídica que era dominante no Ocidente até o século 19 e no
caso brasileiro até as primeiras décadas do século 20. São ramos
jurídicos dotados essencialmente de normas imperativas. Não
são ramos jurídicos dotados de normas dispositivas, a não ser
excepcionalmente. São estruturados a partir de matriz conceitual
em que é preponderante a imperatividade da norma jurídica, em
contraponto à matriz conceitual que enfatiza a livre disposição
do poder privado. Ou seja, esses quatro ramos representam a
tendência de inclusão social e de democratização da sociedade
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despontada no fim do século XIX e que se alargou no século
seguinte, tendo na norma jurídica imperativa seu instrumento de
atuação e generalização. Esses quatro ramos jurídico-culturais,
e sua bela história de democratização da sociedade e de
distribuição de renda no sistema econômico capitalista, alertamnos para o fato de que a imperatividade da norma jurídica não é
necessariamente um mal.
É claro que é necessária, na diversidade da vida
econômica e da própria sociedade, a presença de normas
dispositivas e de segmentos jurídicos integrados essencialmente
por normas dispositivas, tal como ocorre no Direito Empresarial
(antigo Direito Comercial) e no Direito Obrigacional Civil. Esses
campos jurídicos, conforme se sabe, são dotados de normas
que cedem espaço à livre vontade dos sujeitos particulares, a
seu livre exercício de poder. Entretanto, o fato de esses ramos
jurídicos antigos preservarem sua importância na sociedade
atual não significa que dão conta de todos os problemas sociais
– notadamente os ocorridos no interior das relações desiguais de
poder. Por essa razão é que na sociedade democrática, composta
por realidades sociais complexas e diferenciadas, com notável
distinção de poder entre seres individuais e grupos sociais,
nessa sociedade contemporânea há, evidentemente, espaço
significativo para a convivência entre as três citadas grandes
matrizes jurídicas: a matriz jurídica individualista e dispositiva
privada, com universo importante de normas dispositivas, que
dá conta de certos tipos de relação jurídica, preponderantemente
privatísticas e com maior equilíbrio de poder entre os agentes
envolvidos (Direito Obrigacional Civil; Direito Empresarial); a
matriz jurídica pública, de óbvio caráter interventivo, regendo
as chamadas questões de Estado, inerente aos antigos ramos
seculares já referidos, como o Direito Tributário, o Direito
Administrativo e o Direito Penal; finalmente, a matriz jurídica
social, também claramente de natureza interventiva, que rege
interesses mais amplos do que os simplesmente individuais,
embora não sendo necessariamente públicos, quer dizer, interesses
de evidente natureza supraindividual, de caráter social mesmo,
geridos em relações de poder manifestamente desiguais (Direito
do Trabalho, Direito de Seguridade Social, Direito Consumerista,
Direito Ambiental).
Essa diferenciação é crucial no processo de
democratização. A Constituição da República com muita sabedoria
percebeu essa diferenciação de esferas jurídicas, conferindo-lhe
tratamento compatível. Esse tratamento compatível atinge o
tema da flexibilização das normas trabalhistas.
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Considerados os princípios constitucionais já enunciados
e considerada a firme normativa jurídica que a Constituição
estabelece na área dos direitos sociais (basicamente do artigo 6º até
o artigo 11, arrolando enorme leque de diretrizes e direitos sociais),
percebe-se claramente que a Constituição sufraga a imperatividade
das normas trabalhistas como instrumento de construção da idéia
de justiça social.
Note-se que ao falar em Direito Consumerista e respectivo
Código do Consumidor, na verdade a Constituição estava se
referindo a ramo jurídico praticamente inexistente na sociedade
brasileira. Nesse contexto de plena inovação, ela fez rápidas – e
decisivas –referências ao Direito Consumerista, determinando ao
Parlamento que elaborasse, com rapidez, um Código do Consumidor
– tarefa cumprida com brilhantismo pelo Congresso brasileiro logo
a seguir.
A mesma referência normativa rápida, embora decisiva, foi
realizada quanto a outro ramo jurídico novo, o Direito Ambiental.
Entretanto, no tocante ao Direito do Trabalho, ramo já
caracterizado por história impressionante durante todo o século XX
no Ocidente, as referências constitucionais são densas, diversificadas
e abrangentes. E nessa amplitude e contundência, a Constituição
conferiu ao Direito do Trabalho papel exponencial na criação de um
Estado de Bem-Estar Social no país, concretizando os princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana, em sua dimensão
social, da valorização do trabalho e do emprego, da subordinação
da propriedade à sua função socioambiental. E muito pouco seria
factível de ser alcançado nessa seara, como é evidente, caso se
tratasse de ramo jurídico dotado de normas prevalentemente
dispositivas.
Por coerência e sabedoria, a Constituição sufragou o
caráter imperativo do Direito do Trabalho, como regra geral; por
sabedoria e coerência, permitiu-lhe certos caminhos de adequação,
sem perda de sua essência e de seus objetivos cardeais, e sempre
por meio da negociação coletiva trabalhista.
Nesse quadro, a Carta Magna autorizou algumas
flexibilizações pontuais de normas trabalhistas, mas sempre por
meio da negociação coletiva sindical. Note-se que, ao conferir maior
importância à negociação coletiva trabalhista do que no passado
jurídico do país, a Constituição tomou o cuidado de fixar nítidas
reservas e controles.
O primeiro desses controles e reservas situa-se na
obrigatória presença do respectivo sindicato de trabalhadores
no processo negocial coletivo. Não há mais, desde 1988, válida
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25
negociação coletiva trabalhista sem que haja a participação do
correspondente sindicato de trabalhadores.
A legislação infraconstitucional existente em 1988 criava a
possibilidade de algumas flexibilizações de normas sem a presença
sindical, mencionando casos de negociação coletiva sem a
participação de sindicato de trabalhadores. Obviamente que essas
regras legais precedentes não foram recebidas pela Carta Magna.
Pela Constituição, sabiamente, o instituto da negociação coletiva,
na qualidade de fonte criadora de normas jurídicas, somente se
compreende tendo como um de seus sujeitos a entidade sindical
obreira.
O segundo desses controles e reservas é o caráter pontual,
excepcional, restrito das hipóteses de flexibilização normativa.
Compreendeu, com sabedoria, a Constituição que, estendendo-se
a flexibilização a pontos exacerbados, o Direito do Trabalho, como
eficiente política pública de distribuição de renda e de poder, iria
se descaracterizar, aproximando-se injustificadamente do Direito
Obrigacional Civil. Em consequência, sua função indutora da
inclusão social, da distribuição de renda, indutora da construção de
cidadania no plano largo da própria sociedade, essa função iria se
esvair, diluir-se.
Por essa razão é que as hipóteses de flexibilização trazidas
pela Carta Magna, sempre com a participação do sindicato obreiro,
são, de fato, relativamente reduzidas. Há um primeiro exemplo,
referente à idéia de redução de jornada e de salários, via negociação
coletiva sindical, em contexto de situação econômica adversa para
o empregador. Trata-se de situação naturalmente excepcional,
inerente às crises econômicas e/ou setoriais vivenciadas pela
dinâmica empresarial. Aqui, muitas vezes o silêncio do sindicato
obreiro traduz resistência à intenção redutora, de modo a se
buscarem alternativas menos dolorosas para os trabalhadores e a
sociedade durante o enfrentamento da crise.
Outro exemplo de flexibilização normativa reside na
possibilidade de elevação, via negociação coletiva, da jornada
especial de seis horas, em direção às oito horas diárias, no
tocante a trabalhadores que laborem em turnos ininterruptos
de revezamento. Esses trabalhadores, antes de 1988, estavam
submetidos à duração padrão de trabalho dos demais segmentos
laborativos. A Constituição, reconhecendo o intenso desgaste
dessa forma de organização de horários, conferiu-lhes jornada
mais benéfica, de seis horas ao dia. Avançou normativamente em
contraponto ao passado, porém permitindo à negociação coletiva
elevar, outra vez, a jornada, até o limite padrão de oito horas ao
dia e 44 na semana.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.15-24, jul./dez. 2009
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Outro exemplo de flexibilização normativa inferido pela
jurisprudência do art. 7º, XIII, da Carta Magna diz respeito à criação
do chamado banco de horas, um regime compensatório de horários
desfavorável que se generalizou nas relações trabalhistas durante a
segunda metade dos anos de 1990 (Lei n. 9.601/98).
A jurisprudência tem compreendido, corretamente, que
o regime clássico de compensação de horários (compensação
feita durante a semana ou, no máximo, durante o mês), por
ser manifestamente favorável ao trabalhador (e também ao
empregador, é claro), pode ser pactuado por simples ajuste bilateral
escrito. Contudo, o novel banco de horas, sendo de maneira geral
desfavorável ao trabalhador, somente pode ser pactuado com os
controles e poderes da negociação coletiva sindical.
Há, é claro, um quarto exemplo importante e muito comum
na vida real: trata-se dos casos em que a negociação coletiva sindical
cria parcela trabalhista nova, acima do piso normativo da lei e
demais diplomas heterônomos estatais existentes. Sendo realmente
nova a parcela, sem previsão em regra imperativa heterônoma
precedente, pode ela ter sua natureza e suas repercussões jurídicas
reguladas pela própria regra coletiva instituidora da benesse. Esse
exemplo tem despontado, de maneira geral, nas negociações
coletivas, seja envolvendo vantagens novas e diferenciadas
entregues aos trabalhadores durante o contrato (ilustrativamente,
auxílio alimentação fornecido durante a prestação laborativa, sem
caráter e reflexos salariais), seja tratando de critérios de cálculo de
vantagens supralegais subsequentes à jubilação obreira, como as
complementações privadas de aposentadorias.
Esses são os parâmetros gerais aplicáveis à extensão e aos
limites da negociação coletiva trabalhista e respectiva flexibilização
de normas jurídicas. Conforme se percebe, a Constituição reconheceu
e enfatizou o caráter imperativo necessário ao Direito do Trabalho,
para que bem realize as suas funções econômicas, sociais e culturais
de aperfeiçoamento das relações trabalhistas, elevando as condições
de pactuação da força de trabalho no sistema socioeconômico. Ao
mesmo tempo, prestigiou a negociação coletiva, porém não a ponto
de autorizar que ela se coloque no sentido contrário aos objetivos
civilizatórios do ramo jurídico trabalhista. Fez, desse modo, a Carta
Magna uma combinação equilibrada de dinâmicas sociojurídicas,
incentivando o papel equitativo e cultural do Direito do Trabalho,
mas permitindo certa adequação setorial negociada em aspectos
pontuais, embora importantes, da ordem jurídica.
Estas são as observações que, sinteticamente, trago para
os colegas congressistas, já renovando os meus agradecimentos
por me darem a oportunidade de aqui comparecer.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.15-24, jul./dez. 2009
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PERSPECTIVAS DO TRABALHO E DO DIREITO NA
SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
José Augusto Rodrigues Pinto*
1 INTRODUÇÃO
O gênero humano teme o futuro porque o desconhece.
Para dominar seu temor, cria expectativas, e para levá-las até o
desconhecido traça perspectivas, que não passam de tentativas de
tornar certo o que é apenas provável.
É o que procurarei fazer aqui, a propósito do trabalho
humano e do seu direito no futuro da sociedade contemporânea.
O primeiro cuidado é com a escolha do sentido mais
adequado à análise a ser desenvolvida, entre os muitos que o
termo perspectiva pode assumir.
Nisso, não encontro dificuldade: Perspectiva é o modo de
antever o futuro partindo de dados conhecidos no presente.
Mas, traçar a linha entre o que é sabido e o que será
antecipado exige pontos de referência que, neste caso, são quatro,
conforme anuncia o próprio tema: o homem, a sociedade, o
trabalho e o direito.
O segundo cuidado é situar os dois planos em que a
prospecção é possível, o universal e o nacional, considerando que,
embora sejam solidamente interligados, oferecerem variáveis
muito significativas para o resultado final do trabalho.
2 PERSPECTIVAS NO PLANO UNIVERSAL
Começo, então, pelo plano maior, universal, a análise dos
pontos referenciais.
*
Titular da Cadeira 79 da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da Cadeira
40 da Academia de Letras Jurídicas da Bahia - Professor Adjunto de Direito do
Trabalho e Processual do Trabalho da Universidade Federal da Bahia; Professor de
Direito Processual do Trabalho em nível de pós-graduação da Fundação Faculdade
de Direito da Bahia; Professor da Escola de Preparação e Aperfeiçoamento de
Magistrados da Bahia; Juiz do Trabalho (aposentado) da 5ª Região - Membro do
Instituto de Advogados da Bahia e do Instituto Baiano de Direito do Trabalho.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
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2.1
O homem
Sendo impossível desprezar a premissa de que sociedade,
trabalho e direito são criações humanas, parece-me claríssimo que
o homem é a referência essencial à antevisão do que sua sociedade
deseja ser e ter – e daí surge o infeliz imperativo de que, se a referência
é o homem, a linha da perspectiva é extremamente inquietadora.
Com efeito, em milhões de anos de evolução da sua espécie,
o ser humano alcançou o domínio quase completo da razão, mas não
conseguiu libertar-se do jugo implacável do instinto.
É certo que o uso da prodigiosa energia da inteligência o
levou a trocar a treva opressiva das cavernas pela irradiante luz
das estrelas e chegar a um nível quase divino do poder de criação
material. Graças a isso, ele pôde voar como os pássaros, mergulhar
como os peixes, gravitar como os astros e até se copiar a si mesmo.
Todavia, a submissão ao instinto nunca lhe concedeu a
sublimação do espírito, que é o contraponto da mente à miséria da
carne.
Pelo instinto, ele padece do medo de perder a vida e da
ânsia de salvar-se depois dela, esquecendo que sua salvação está na
própria vida.
Ainda pelo instinto, cultiva o impulso para a agressão,
semente matriz da violência.
Com o instinto grava a fogo em sua mente, como se fora
uma lição de sobrevivência, o verso amargo de Augusto dos Anjos:
“O homem que nesta terra miserável / Mora entre feras,
sente inevitável / Necessidade de também ser fera.”1
Mas o pior mal que o instinto lhe fez foi associar-se à razão
para envenenar-lhe o espírito com sentimentos dos quais até as feras
foram poupadas: a ira e o rancor, a crueldade e a inveja, a cupidez e
a vingança.
O pérfido amálgama entre instinto e razão fez do convívio
da humanidade um espetáculo de selvajaria que resistiu aos séculos
e chega aos nossos dias com a virulência insuportável dos milhões de
famintos excluídos do banquete dos nababos, do genocídio em nome
da purificação eterna e do irônico humanitarismo de lançar mísseis
junto com alimentos à face de miseráveis.
Dir-se-á que o homem não é só isso, pois também
conhece a bondade e o perdão, o amor e a justiça, a compaixão e
1
ANJOS Augusto dos. Eu e outras poesias. 8. ed. Rio de Janeiro: Bedeschi, p.
162
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
29
a misericórdia. Posso responder que sim, mas que são tão poucos
os que praticam essas virtudes em seu estado puro, que se tornam
grãos de areia na imensidade do deserto, gotas d’água na caudal
do oceano, gravetos perdidos no cipoal da floresta.
Se cada um de nós – não apenas os que nos reunimos
nesta leitura, mas os que habitamos todo o mundo, dirigentes
e dirigidos, influentes e desvalidos – não tirar de dentro de si a
vontade para reverter na consciência o primado dos sentimentos
instintivos, que reduzem, hoje, a humanidade a uma condição pior
do que a animalesca, em primado dos sentimentos racionais, que
nos tornem dignos da presunção de sermos feitos à imagem de
Deus, não haverá perspectiva de nenhuma ordem para o futuro,
pois continuaremos caminhando, cegos e aturdidos, para um
desfecho trágico de nossa História.
A tarefa amedronta, pois se trata, simplesmente, de
homogeneizar na paz da compreensão recíproca todos os grãos
da areia do deserto brutal, todas as gotas da água do oceano
encapelado, todas as sementes perdidas da floresta hostil.
Mais do que amedrontar, exige esforço tão grande que é
provável não bastar por si só. Clamará, então, por uma energia
talvez só encontrada na loucura da personagem descrita por Mário
Quintana, em dia de rara inspiração:
“Lá bem no alto do décimo-segundo andar do Ano
Mora uma louca chamada Esperança.
E quando todas as sirenas fonfonam,
Todos os reco-recos matracam,
Quando tudo berra, quando tudo grita, quando tudo
apita
A louca tapa os ouvidos e atira-se
E – ó miraculoso vôo! –
Acorda outra vez menina, lá embaixo, na calçada.
O povo aproxima-se, aflito
E o mais velhinho pergunta:
-- Como é o teu nome, menininha de olhos verdes?
E ela então sorri a todos eles
E lhes diz bem devagarinho para que não esqueçam
nunca:
-- Meu nome é ES-PE-RAN-ÇA...2
Precisamos todos refletir sobre o quanto dependemos
da nossa própria fé e da terna insanidade da esperança para
mudar o homem. Se não iniciarmos esta obra, hoje e agora, não
2
QUINTANA, Mário. Poema do fim do ano. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1996.
p. 954. (Obras Completas)
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
30
há perspectiva a traçar para a sociedade contemporânea, porque
não haverá sociedade no futuro, nem para o trabalho, porque o
trabalho terá ficado infecundo, nem para o direito, porque o direito
terá morrido inane.
Tudo isso comprova a premissa aqui levantada. Toda
perspectiva que for possível traçar para o trabalho e para o direito,
tomando a sociedade contemporânea como alvo, se baseia em
nossa ousadia de sonhar, antes de tudo, com a mudança de perfil
do referencial humano. Se tudo não passar de um sonho – como
não passou para Martin Luther King – o que traçarei em seguida,
longe de ser perspectiva, será simples e inútil conjetura ou, para
ser mais realista, mero palpite, na exata acepção de “opinião de
intrometido.”
Mas, se o homem tiver mudado ao menos o suficiente
para não se autodestruir, quais as perspectivas da sociedade
contemporânea?
Serão, sem dúvida, as mais alvissareiras, bastando se
ampararem em algumas condicionantes indispensáveis. Mas,
está-se a ver, não serão obra ao alcance da vontade humana
individual, e sim da sociedade que ambiciona ser sua fiel projeção,
como passo a ponderar.
2.2
A sociedade
As perspectivas são alvissareiras porque a tecnologia
quase miraculosa, dominada pelos países de economia a esta altura
denominada pós-industrial, é capaz de proporcionar à sociedade o
usufruto efetivo de todas as riquezas terrestres naturais. Isso quer
dizer multiplicá-las em multiformes transformações, diminuindo o
tempo e o esforço da produção, em face da automação do trabalho,
com a benfazeja contrapartida da expansão do lazer, em todas as
medidas de tempo.
Em que condicionantes estou pensando, tão importantes
para confirmar as alvíssaras?
Uma delas é a racionalização do aproveitamento dos
recursos não renováveis, como são os minerais, e a manutenção
do potencial produtivo das fontes de recursos renováveis, como
é o solo, em relação aos grãos, por exemplo. No primeiro caso,
além da própria racionalização, é de bom-senso desenvolver
a pesquisa destinada a substituir a matéria prima natural pela
síntese laboratorial, não se podendo descartar a possibilidade da
exploração de outros corpos celestes como fontes alternativas ou
substitutivas.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
31
Condicionante fundamental há de ser também o
controle demográfico e a distribuição das populações. A explosão
populacional humana desequilibra a partição de recursos,
sobretudo os diretamente alimentares, tornando-se matriz do
que se convencionou definir como subclasse social, formada pela
massificação dos inaptos. A título de micro exemplo, bem próximo,
dentro da escala mundial, a população da Cidade do Salvador
decuplicou em 60 anos, passando de 240.000 habitantes, em
1940, para 2.400.000, em 2000.
A necessidade do controle agiganta-se dramaticamente
na constatação de que os guetos de explosão populacional são
constituídos por grupos sociais sem meios de sustento estáveis e
razoáveis, sem instrução nem qualificação para o trabalho, sem
possibilidades, portanto, de sustentar uma família consistente –
tornando-se alimentadores da marginalidade, cujo primeiro elo é
a criança de rua, na verdade o ser abandonado pelos semelhantes
que o trouxeram à vida sem intenção nem possibilidade de lhe dar
sustento e orientação.
O papel do Estado na estruturação da sociedade passa a
ser outra condicionante fundamental. Cabe-lhe, refluindo para os
fins originais que inspiraram sua criação, assegurar-lhe uma infraestrutura eficiente de acesso à educação, à saúde e à segurança,
tríade básica do intercâmbio da participação individual com o
retorno social na organização dos grupos.
A verdade é que a sociedade contemporânea tem ao seu
dispor a base material que facilita a qualquer um que a tomar como
ponto de apoio, o firme traçado de uma perspectiva de justiça e
prosperidade.
A falta atual de clareza dessa perspectiva, para não dizer
pior, somente comprova a tese de que ou o fator humano se
remodela ou a base material, dilapidada por sua insanidade, só
permitirá a perspectiva de um desastre social.
2.3
O trabalho
Os referenciais do homem e da sociedade humana, por
sua vez, são indispensáveis para decifrar o núcleo desta temática,
formado pelas perspectivas do trabalho e do direito contemporâneos,
já que o trabalho é fruto do determinismo humano e o direito é
fruto do determinismo social.
Em estudo que me foi proposto sobre o trabalho como
valor tive ocasião de identificar a íntima relação que existe entre o
trabalho e o homem, seguindo-lhe a trajetória histórica.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
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Constatei, então, que o valor do trabalho “nos remonta
ao homem anterior à sociedade, porque, embora mais próximo do
instinto do que da razão, já era premido ao labor para atender a mais
primária e irrenunciável das necessidades, a sobrevivência”3. Por
isso, o defini como “valor básico da vida humana”4, circunstância que
permitiu a Jorge Mancini encontrar nele “una dimensión fundamental
de la vida humana” 5
Quando uma inata inclinação para o gregarismo, espécie de
resposta à luta contra as forças naturais hostis à espécie, forçou o
homem a juntar-se em grupos organizados, lá estava presente o
trabalho na família, a primeira célula social de onde irrompeu como
valor de poder, proporcionado aos que primeiro o perceberam como
fonte de riqueza e não de simples sobrevivência.
Desde então, o trabalho ganhou um sentido prioritário de
valor econômico, síntese de poder e riqueza, que instilou nos grupos
sociais rudimentares a idéia de submeter os vencidos, em lugar da
pura e simples eliminação. Ato contínuo, os vencedores, travestidos
de senhores, “que eram poucos”, conforme a observação de Sérgio
Ferraz 6 trocaram o constrangimento de suportar o trabalho como
necessidade de sobrevivência pelo deleite de desfrutá-lo como fonte
de riqueza criada com o esforço alheio.
O trabalho palmilhou espaços milenares dividindo-se entre
duas noções: a de gozo, para a minoria senhoril – sendo, aqui, o
valor tomado na acepção de tudo que é útil e agradável a alguém – e
de estigma – tomado, aqui, o valor na acepção rigorosamente léxica
de marca indelével de identificação do servo e, por extensão, sinal
infamante.
Durante esse longo percurso novas noções de valor se
foram fazendo notar e agregar à idéia de trabalho, ensejando o que
denomino reação dos submissos à visão aristotélica, sintetizada por
Alonso Olea, de que “alguns homens são escravos por natureza,
nascidos para servir, para fazer o que são mandados, pouco diferentes
dos néscios, absolutamente incapazes de autogoverno.” 7
3
4
5
6
7
PINTO, José Augusto Rodrigues. O trabalho como valor. Revista LTR, São Paulo,
v. 64, n.12, p.1489, dez. 2000.
Ibidem
MANCINI, Jorge. Curso de Derecho del Trabalho y de la Seguridad Social.
2 ed. Buenos Aires: Astrea, 1996. p. 2.
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Interesse Público. Revista do Ministério
Público, São Paulo, n. 1, p. 12, dez. 1995.
OLEA, Manoel Alonso. Da escravidão ao contrato de trábalo. Curitiba: Juruá,
1990. p. 20
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
33
A agregação dessas várias noções de valor do trabalho
fermentou a lenta, mas inexorável, reação dos submissos, que
redimiu a primitiva noção de valor econômico, associando-o à idéia
da liberdade, para fazer dele, também, um valor social, elo integrativo
do produto da energia do trabalho com o proveito da sociedade, em
que ele próprio está incluído. Mais ainda, transmudou-o também num
valor moral, resumido por Amoroso Lima na idéia de que “o trabalho
é o meio que permite ao homem, moralmente, realizar ou não as
condições de sua felicidade, vencendo ou não os obstáculos que, por
natureza, se lhe opõem.” 8
O fenômeno histórico da Revolução Industrial, desencadeada
pela aliança dos fatores econômico e tecnológico, enfeixou as
agregações moral e social numa síntese do valor jurídico do trabalho,
reunindo, num único plano de importância, elementos apenas
materiais e outros, essencialmente sociais, morais e espirituais.
Em seu primeiro ímpeto, a Revolução Industrial abriu as
portas à “irrupção do proletariado”9, através do movimento sindical,
organizado à base da consciência coletiva dos trabalhadores,
propiciada pela urbanização da sociedade industrial, A proposta foi
opor à força econômica da empresa a força do seu próprio numero, a
fim de agregar ao valor do trabalho o que temos como seu componente
mais nobre, o da dignidade do trabalhador – agregação que deu ao
seu valor jurídico o perfil tutelar característico dos séculos XIX e XX.
Entretanto, a dinâmica irresistível da vida, responsável pela
incorporação da máquina ao trabalho humano, na continuidade de sua
marcha, alterou o equilíbrio de dois tipos de relação que a Revolução
Industrial parecia ter estabelecido de modo definitivo: uma, entre a
máquina e os sujeitos do contrato de trabalho humano; outra, entre
a economia e a tecnologia.
Numa primeira fase, de transição da relação de trabalho
humano para a de trabalho mecanizado, verificou-se uma relação
de harmonia entre a máquina e o trabalhador, por sua valorização
diante do empresário, evidenciada na imprescindibilidade da energia
do homem na implementação dos meios produtivos mecânicos.
Em paralelo, o fator econômico firmou sua hegemonia
sobre o tecnológico na exploração do novo potencial produtivo.
Numa segunda fase, de expansão da prestação de trabalho
mecanizado, verificou-se uma relação competitiva da máquina com
8
9
LIMA, Alceu de Amoroso. O problema do trabalho. Rio de Janeiro: Agir, 1947.
p. 95.
IGELMO, José Carro. Curso de Derecho del Trabajo. Barcelona: Bosch, 1985.
p. 18.
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34
o trabalhador, evidente na progressiva substituição da mão-de-obra
pela máquina, resultante do aperfeiçoamento do seu instrumental nos
vários estágios da cadeia produtiva.
Em paralelo, fragilizou-se o domínio do fator econômico sobre
o tecnológico, característico de sua aliança originária.
Numa terceira fase, já vivenciada pelas últimas gerações do
século XX e ainda em pleno curso, a automação tomou o lugar da
mecanização do trabalho e a relação da máquina com o trabalhador
passou a ser antropofágica, como evidencia a síndrome da aspiração
do emprego humano pelo instrumental mecânico.10
Em paralelo, a tecnologia assumiu o domínio da aliança
original com a economia.
O impacto deste último desdobramento é tão forte que
produziu a mudança do próprio nome do fenômeno histórico de
Revolução Industrial para Revolução Tecnológica. Trata-se, porém,
de um desdobramento que só surpreendeu a quem não teve lucidez
suficiente para perceber, há cinqüenta ou sessenta anos atrás, que
“o papel dos humanos, como o mais importante fator de produção,
está fadado a diminuir, do mesmo modo que o papel dos cavalos na
agricultura foi de início diminuído e depois eliminado com a introdução
dos tratores”11, nem para compreender o desafio patronal às grandes
greves do pós-II Guerra Mundial, nos Estados Unidos, com a ameaça:
“Deixem que eles discutam. Enquanto discutem, nós os despedimos.”
Podemos condenar energicamente a amoralidade dessa
filosofia, fingindo desconhecer que a única moral do capitalismo é
o lucro. Mas não podemos ignorar seu realismo, porque ela retrata
um instante crucial de conceituação do valor do trabalho, para cuja
composição está em declínio a energia humana e em ascensão a
automação do processo produtivo.
Por isso mesmo, afirmamos com absoluta convicção que se
a perspectiva do trabalho não dependesse da sociedade e a sociedade
não dependesse do homem e, portanto, se pudesse ela ser desenhada
apenas com os dados materiais hoje disponíveis, a perspectiva deixaria
a sociedade contemporânea na porta de entrada do paraíso.
Efetivamente, o potencial praticamente ilimitado de expansão
da tecnologia moderna coloca o homem na fímbria de duas metas que
sempre ambicionou alcançar: a multiplicação da riqueza e a diminuição
do esforço físico para produzi-la.
10 PINTO, Jose Augusto Rodrigues. O Direito do Trabalho e as questões do
nosso tempo. São Paulo: LTR, 1998. p. 39.
11 LEONTIEFF, apud PINTO, 1998, p.39.
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35
Pois é essa possibilidade que está, literalmente, diante dos
olhos de todos: a “fábrica sem operários”, antevista pelos japoneses,
permitiria direcionar a força humana de trabalho para as atividades
do novo setor do conhecimento criado pela própria tecnologia, para o
setor de prestação de serviços, ambas menos exaustivas e liberatórias
de tempo a empregar em atividades simplesmente lúdicas. A
incalculável produtividade da automação é capaz de disponibilizar a
toda a sociedade os itens básicos da convivência confortável.
Esta é a perspectiva utópica para o trabalho na sociedade
contemporânea. Mas, na medida em que sua linha se encontre com
as de perspectivas da sociedade e do homem, ela mergulha na mesma
realidade de sombras e desalento que já analisamos em relação aos
respectivos referenciais.
2.4 O direito
A última das perspectivas que me propus traçar – a do direito
e, mais especificamente, do Direito do Trabalho – exige uma reflexão
preliminar de extrema gravidade a que nos parece, infelizmente, que
se procura fugir, quando não escamotear.
Trata-se de saber, em suma, a serviço de quem o direito se
coloca primordialmente: da riqueza, do poder ou do indivíduo?
Por mais que me doa dizê-lo, dentro de minha condição de
humilde servo do direito, as circunstâncias que o fizeram brotar da
inteligência humanas identificam muito menos com o idealismo da
igualdade e muito mais com o pragmatismo da dominação. Louvo a
afirmação em raciocínio já desenvolvido antes:
“O homem criou a Sociedade, impelido ao gregarismo
pela necessidade instintiva de se defender de um
universo primitivo e hostil à sua espécie. A partir daí,
milênios de paciente e incessante evolução, calcada
no único e singelo método de substituir o instinto pela
razão, levaram-no ao supremo triunfo de dominar aquele
universo que o ameaçava e de fazer ecoar por todos
os recônditos o grito de sua orgulhosa proclamação
como rei da natureza. No próprio momento, porém, da
afirmação triunfal, uma fria angústia lhe invadiu a alma
com a certeza de que, dali por diante, sua grande luta
seria para defender-se de si mesmo. Foi então que ele
criou o Direito.”12
12 PINTO, José Augusto Rodrigues. Sociedade e Direito, o equilíbrio vital de opostos.
In: GACLIANO, Pablo Stolze, PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito
Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. v.IV, p. XIX.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
36
Essa gênese me levou ao encontro da cristalina dialética
de Calmon de Passos: na sociedade racional criada pelo homem é
indispensável que alguém mande e alguém seja mandado. Manda
quem, num determinado momento histórico, for fonte do poder.
E é fonte do poder quem, nesse mesmo momento, empalmar a
riqueza. A crua visão dessa realidade me levou também a dizer
alhures:
“Diante disso, não tenhamos ilusões: por seu substrato
social, vale dizer, humano, o direito não foi imaginado
para criar igualdades, mas apenas para conter os
excessos da opressão do poder alimentado pela
riqueza. Para isso, oferece regras de resistência ao
oprimido contra os excessos dos opressores. Regras,
porém, atente-se bem, que, provindo de quem domina,
jamais consentirão na paridade dos dominados.
O máximo a que chegam é impedir a regressão do
domínio ao estágio do instinto desestabilizador do
racionalismo social.” 13
Quer isso dizer que o direito não chegará a um desfecho
feliz na perspectiva que procuro traçar? De modo nenhum. Mas,
quer dizer, sim, que o direito tem que sofrer uma profunda mutação
de sua índole natural que o leve a deixar de ser um instrumento
de defesa do homem contra o homem para sê-lo de equilíbrio de
oportunidades entre o indivíduo e o poder.
Na verdade, além de estar tentando, ele já conseguiu
generosos avanços sob o pálio do constitucionalismo nascido
da Revolução Francesa e das sucessivas gerações de direitos do
homem oponíveis ao poder e à riqueza, notabilizados como direitos
fundamentais, em realidade direitos do trabalhador oponíveis ao
poder econômico.
Boa parte desta, digamos, humanização do direito se
deve aos debates e teses em torno das mutações trazidas pela
Revolução Industrial e seu desdobramento tecnológico. Por isso
me cabe apenas emprestar contextura sistemática à matéria, de
natureza universal, sem perder de vista o interesse mais direto do
ordenamento jurídico nacional.
Desde o início da Revolução Industrial a sociedade viu
a profunda mudança das relações de trabalho, dobrando-se à
13 PINTO, José Augusto Rodrigues. O futuro do constitucionalismo do
trabalho. 2009. Conferência pronunciada no encerramento do V Colóquio
Nacional do Direito do Trabalho promovido pela Academia Nacional do
Direito do Trabalho, em Salvador, BA, mar. 2009
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
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contingência de fatores os mais diversos, em que sobressaíram o
tecnológico e o econômico.
O lastro do Direito do Trabalho é fundamentalmente
econômico, embora com uma raiz social ramificada muito forte,
daí sua grande função ter sido, sempre, equilibrar a influência
da seiva econômica originária com as consequências jurídicas da
seiva social derivada.
Por causa disso, o Direito do Trabalho foi sacudido pelo
impacto do principal subproduto da Revolução Tecnológica,
a globalização da economia. E como o choque chegou a abalar
seus próprios fundamentos, grande parcela de seus especialistas
resiste a aceitar os reflexos da globalização econômica sobre sua
estrutura teórica e aplicação prática.
Não comparto esse pensar, data venia. O Direito é
projeção necessária da sociedade. Elimine-se esta última e aquele
desaparecerá. Mais do que isso, por sua função de regulador de
condutas sociais, não lhe deve incumbir a criação nem, muito
menos, a imposição de modelos sociais, mas apenas a orientação
racional do modelo que lhe é apresentado.
Vale muito, no particular, a advertência legada, segundo
ouvi dizer, por Anatole France:
“Eu já vi muitas vezes a sociedade revogar as leis,
mas nunca vi uma lei revogar a sociedade.”
O Direito do Trabalho surgiu para direcionar, de modo
racional, a atuação de um modelo social formado entre os séculos
XVIII e XIX, a partir de um fato econômico cujo grande arcabouço
se condensou na metamorfose da prestação de trabalho por conta
alheia, em cujo seio se forjou a moderna relação de emprego.
Um fato novo, provocado pela fusão entre cibernética,
informática e automação, três fatores puramente tecnológicos,
abalou tão profundamente os alicerces da Revolução Industrial
que até lhe impôs um novo nome. Seus efeitos foram sentidos
pela economia da empresa, seu gerenciamento, sua concepção
funcional. Economicamente, a informação instantânea e a agilidade
de movimentos, que beneficiaram o capital, na procura natural
do lucro, tornaram-no nervoso ao ponto de parecer volátil, tal a
facilidade com que some e reaparece entre organismos econômicos
internacionais e nacionais.
Na Revolução Tecnológica está a nascente da
globalização que, portanto, não é causa, mas efeito econômico
da expansão tecnológica.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
38
À vista disso, perde tempo quem propuser discutir
se a globalização é ou não aceitável, pois, na verdade, ela é
inevitável ou até irresistível, como já reconheceu o laureado
Professor José Martins Catharino. A única certeza definitiva que
posso estabelecer a seu respeito é que não será eterna, porque
estará sujeita às leis da evolução, que lhe são superiores.
Entretanto, se o homem, no momento, não pode
evita-la, dispõe, entretanto, da capacidade de controlar sua
ação, como já demonstrou diante de inúmeros outros grandes
fenômenos históricos. Está, pois, em suas mãos evitar danos
sociais que inegavelmente tem causado, a exemplo do
desemprego estrutural, fruto exclusivo da ação descontrolada
ou, pior do que isso, monitorada apenas pelos interesses do
capital.
O grande papel do Direito do Trabalho, dentro da linha
racional de sua perspectiva, está na contenção de projeções
jurídicas ruinosas para a relação capital/trabalho, como
conseguiu fazer, quando irrompeu a Revolução Industrial.
Logo, desde que abstraído o desalento provocado pela
perspectiva humana, condicionante de todas as demais, o
Direito do Trabalho pode ser projetado para o futuro, em seus
diferentes prismas de Direito Individual, Sindical, Coletivo e
Processual, num plano prospectivo extremamente otimista de
mutação de perfil, sempre a partir de uma só base, a revisão
dos seus fundamentos para adapta-los aos fatos tecnológico,
econômico e social que lhe cabe ordenar.
No Direito Individual, a perspectiva pode tomar uma
entre duas direções opostas: a da flexibilização das normas,
freio ao desemprego crônico, ou a desregulamentação da
relação de trabalho, que significará seu refluxo para o Direito
Civil, de que se emancipou.
A
flexibilização
precisará
amparar-se
na
empregabilidade, modelo de qualificação versátil do trabalhador
para fazer face à contingência da instabilidade dos postos de
trabalho.
A tendência manifesta tem sido direcionada,
exatamente, para a flexibilização, que significará, muito ao
contrário da atrofia profetizada pelos imobilistas, o avanço do
Direito do Trabalho sobre grandes áreas até então interditadas
à sua influência, como a dos contratos afins, chamados de
atividade, a do acidente no trabalho e a da Previdência Social.
A base da perspectiva para o Direito Sindical e Coletivo
é a compreensão lúcida de que a energia humana deixou de ter
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39
peso preponderante na formação das relações entre o capital
e o trabalho. Isto redireciona a primitiva idéia de proteção do
emprego de quem está empregado pela idéia atualizada de
partição do emprego entre os que estão desempregados.
Essa mudança básica de raciocínio cria um novo vetor
para o movimento sindical, que substituirá o sindicalismo de
luta pelo sindicalismo de negociação, exigindo um radical
aprimoramento dos seus quadros representativos para assumir
a responsabilidade do poder normativo das condições gerais de
trabalho e da fiscalização de cumprimento das normas de ordem
pública nas relações individuais, em lugar do Estado, retentor das
funções de criação e fiscalização de cumprimento das matérias
que formam o núcleo pétreo da proteção do hipossuficiente
econômico.
O Direito Processual faculta ampla perspectiva de
alcance geral, começando pela revisão, em profundidade, do
poder jurisdicional do Estado, de sua organização judiciária, o
fomento à jurisdição privada, a uniformização do procedimento,
a simplificação do sistema de recursos e a informatização dos
dissídios.
No interior dessas formulações de ordem abrangente
jazem questões a equacionar e resolver, com o intuito de
pacificar antagonismos que desestabilizam o espírito dos atores
da relação de trabalho, extrapolando as inquietações para o
todo social. Servem de exemplo alguns aspectos já regulados
por lei, entre nós, mas carecedores de melhor discussão, ao
lado de outros em que urge estimular a discussão voltada e
regulamentação.
Entre eles estão o novo papel das cooperativas de mãode-obra e o tratamento das relações por elas intermediadas;
o trabalho extraordinário e o banco de horas; a negociação
individual perante órgãos extrajudiciais de conciliação e o alcance
de sua quitação; a co-gestão e a qualificação e requalificação da
mão-de-obra.
A magnitude desse complexo de questões, tracejadas em
escala mundial, é proporcional à urgência de serem enfrentadas.
Exige a convocação de toda a estrutura social diretamente
interessada, formada por trabalhadores, empresários e
governos, a fim de travarem um diálogo sem preconceitos, de
olhos voltados para o benefício comum e não para vantagens
unilaterais.
3 PERSPECTIVAS NO PLANO NACIONAL
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
40
Ao reduzir as perspectivas a uma escala nacional, impende
considerar que o encurtamento do horizonte social pela força
aglutinadora do fato tecnológico não permite considerar grandes
diferenças estruturais, como permitia o horizonte do século XVI,
por exemplo, nem mesmo o do século XIX, consideravelmente
mais próximo da conjuntura deste século.
Portanto, nada acrescento, em termos de referencial
humano, pois os caracteres de inteligência e instinto do homem
brasileiro não são, no fundo, diferentes do de sua espécie
universal.
Em termos de sociedade contemporânea, parece-me
certo que houve, no Brasil, percepção das mutações universais
da Revolução Tecnológica pelos constituintes eleitos em 1988,
notadamente seu efeito globalizador da economia.
Isso parece estar muito claro nos direitos sociais
formulados pelo artigo 7.º e 8.º da Magna Carta, pavimentando a
adaptação da disciplina do trabalho subordinado à nova realidade
que já revelava relativa nitidez na época.
Durante toda a década de 90, o Poder Executivo comandou
o trabalho, ainda em marcha, de compatibilizar o ordenamento
ordinário com as normas programáticas da nova Constituição, cujo
resultado tem sido recebido pela classe trabalhadora e por uma
expressiva parcela de juslaboralistas com manifesto o temor pela
desregulamentação do Direito do Trabalho e a consequente entrega
das respectivas relações às desumanas leis do neoliberalismo
econômico.
Creio não haver motivo para o temor, traduzido no empenho
em manter intocado o ápice do arcabouço tutelar construído entre
os meados dos séculos XIX e XX. Justifica-se, porém, quando
se observa que em muitas das propostas legislativas, o governo
brasileiro tem ignorado dois princípios éticos gerais do Direito, a
boa-fé e a razoabilidade.
Vejo desprezo pela razoabilidade, quando: a) associa a
adaptação das nossas leis trabalhistas à economia globalizada,
com prioridade para os modelos de Primeiro Mundo, ao qual o
País não pertence; b) submete as normas propostas à orientação
de organismos internacionais; c) negligencia o dever básico
de proporcionar à população os suportes de saúde e educação
públicas, sem os quais se ausentará a justiça fugirá das regras do
que se concebe como uma moderna legislação trabalhista.
Vejo desprezo pela boa-fé, quando: a) impõe a reforma
sem prévia consulta e discussão aberta com a sociedade, do que
é notório sinal a pletora de medidas provisórias; c) prioriza o
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
41
interesse econômico diante do interesse humano, cuja medida é a
freqüência do atendimento de exigências satisfação de interesses
de investidores e credores estrangeiros; d) não empresta
consistência sistêmica à adaptação, tornando instáveis as relações
que pretende modernizar; e) aproveita a iniciativa da reforma para
excluir-se do direito que impõe à sociedade.
Contra estes aspectos, é necessária e válida a reação
de segmentos privados da sociedade, como as corporações
profissionais, instituições acadêmicas etc., que já mostraram
capacidade isso, no plano político, conquistando um regime de
liberdades públicas que nos permite a todos, hoje, falar e, portanto,
nos permitirá também exigir e fazer.
Por isso, as perspectivas nacionais do trabalho e do direito
dependem muito do que ainda estamos por erguer, na área infraestrutural, para dotar os trabalhadores e patrões da qualificação
mínima que os habilite a estabelecer uma relação de trabalho
literalmente contemporânea. Que esteja presente, para isso,
o grito do poeta trinta anos atrás: “Quem sabe faz a hora, não
espera acontecer”.
4 CONCLUSÃO
Aí está minha tosca visão a respeito das perspectivas do
homem, da sociedade, do trabalho e do direito, tal como me parece
ser possível estabelecer.
Do alto de sua infinitude, deve o Tempo sorrir da pequena
dimensão existencial humana, que a falta de grandeza interior
da espécie faz tudo para deteriorar, ainda por cima. Entretanto,
perspectiva é a incisiva comprovação do determinismo da vida a
respeito da sociedade dos homens, em dois importantes aspectos: a
civilização é um moto-contínuo do presente na direção do futuro, e o
direito não cria nem transforma esse movimento, limita-se a ordenar
seus resultados.
As mudanças dos referenciais que analisei foram profundas
e extensas, desde o fim da grande conflagração do século XX.
Olhá-las me estimula a reafirmar o que reconheci no curso do meu
pensamento: o direito, por seu substrato social, vale dizer, humano,
não foi imaginado para criar igualdades, mas apenas para conter os
excessos da opressão do poder alimentado pela riqueza.
Para isso, oferece regras de resistência ao oprimido contra
os excessos dos opressores. Regras, porém, atente-se bem, que,
provindo de quem domina jamais se inclinarão pela paridade dos
dominados. O máximo que admitem é impedir a regressão do domínio
ao estágio do instinto desestabilizador do racionalismo social.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
42
Elas confirmam palavras pronunciadas e escritas sete anos
atrás, quando fui instado a meditar sobre O Direito do Trabalho no
limiar do século XXI:
Os que tiverem vida para transpor o ano 2000 verão,
já nele, um Direito do Trabalho modificado em suas
bases e, a partir destas, em toda sua estrutura. Não
se põe em questão se para melhor ou para pior:
simplesmente para servir à área de relações humanas
para que está voltado14
As mudanças tornaram todas as coisas muito diferentes,
menos o caráter da humanidade, que continua sombriamente
estático, desde que o homem conseguiu equilibrar-se em seu destino
de bípede.
Além de não ter sabido dominar o pior instinto do animal
de que proveio, o ser humano tem aproveitado o dom da razão
para potencializar o instinto com os requintes da crueldade e da
perversão.
Isso é de lastimar, e já foi constatado, discutido e deplorado,
à exaustão, em repetidos congressos reunidos para discutir o tema.
Agora mesmo, quando intento estabelecer perspectivas que, pelos
dados materiais de que disponho, poderiam ser quase decididamente
otimistas para a sociedade, o trabalho e o direito tenho que me conter
na indagação perplexa: e como traçar a perspectiva do homem, sem
a qual nenhuma outra pode ser traçada? E aí sou forçado a responder
com desalento e medo: é absolutamente nenhuma, para o seu próprio
bem, é absolutamente destrutiva para o seu próprio mal.
Não gostaria que fosse este o epílogo de minha análise. Mas
a nua e crua verdade é que, assim como o grande Ruy, num desabafo
de profunda decepção, chegou a rir-se da honra, desanimar-se da
virtude e ter vergonha de ser honesto, temo que, vendo no espelho
que reflete o desvario humano um futuro sem perspectiva, chegará o
dia de execrar o trabalho, rir-se do direito e ter vergonha da condição
humana.
Para evitar esse extremo de tristeza, joguemos todas as
fichas de nossa fé na menininha louca de olhos verdes que o poeta
nos apresentou.
14 PINTO, José Augusto Rodrigues. O Direito do Trabalho no limiar do século XXI.
Revista LTr, São Paulo, v.68, n.8, p. 1029-1036, ago. 1996.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.25-40, jul./dez. 2009
43
Notas sobre a aplicação da teoria do
adimplemento substancial no direito
processual civil brasileiro
Fredie Didier Jr.*
RESUMO
O ensaio propõe-se a examinar a possibilidade de aplicação da
teoria do adimplemento substancial ao direito processual civil.
Palavras-chave: Boa-fé. Adimplemento substancial. Processo civil
ABSTRACT
In this essay the author intends to verify the possibility of
application of the “substantial performance doctrine” in Brazilian
Civil Procedural Law.
Keywords: Good faith. Substantial performance doctrine. Civil
procedure.
Um dos efeitos do princípio da boa-fé é limitar o exercício
das situações jurídicas ativas. A vedação ao abuso do direito é
uma dessas consequências.
Há diversas modalidades de exercício inadmissível de
situações jurídicas. Fala-se, por exemplo, em venire contra factum
proprium, tu quoque, supressio etc.
Uma aplicação da vedação ao abuso do direito é a
chamada teoria do adimplemento substancial, “estabelecida por
Lord Mansfield em 1779, no caso Boone v. Eyre, isto é, em certos
casos, se o contrato já foi adimplido substancialmente, não se
permite a resolução, com a perda do que foi realizado pelo devedor,
mas atribui-se um direito de indenização ao credor”1.
*
1
Professor-adjunto de Direito Processual Civil da Universidade Federal da Bahia.
Mestre (UFBA) e Doutor (PUC/SP). Professor-coordenador da Faculdade Baiana de
Direito. Membro dos Institutos Brasileiro e Ibero-americano de Direito Processual.
Advogado e consultor jurídico. Contato pelo e-mail: frediedidier.com.br
SILVA, Clóvis do Couto e. O princípio da boa-fé no Direito brasileiro e português.
In: FRADERA, Vera Jacob de (org.). O Direito Privado brasileiro na visão de
Clóvis do Couto e Silva. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. p. 55.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.41-45, jul./dez. 2009
44
Assim, o direito potestativo à resolução do negócio não
pode ser exercido em qualquer hipótese de inadimplemento. Se o
inadimplemento for mínimo (ou seja, se o déficit de adimplemento
for insignificante, a ponto de considerar-se substancialmente
adimplida a prestação), o direito à resolução converte-se em outra
situação jurídica ativa (direito à indenização, p. ex.), de modo a
garantir a permanência do negócio jurídico.
Mas não apenas a resolução do negócio pode ser impedida
pela aplicação dessa teoria (repita-se: derivada da aplicação do
princípio da boa-fé)2. Pode-se, por exemplo, cogitar da extinção
da exceção substancial de contrato não cumprido3 (outra
situação jurídica ativa): a parte não poderia negar-se a cumprir
a sua prestação, se a contraprestação tiver sido substancialmente
adimplida.
Embora sem utilizar essa terminologia, Menezes Cordeiro
demonstra que o desequilíbrio no exercício jurídico que se revela
pela desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular
e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem é uma das espécies
de exercício inadmissível de situações jurídicas ativas4. Segundo
o autor, trata-se do mais “promissor” subtipo de exercício em
desequilíbrio de posições jurídicas, que se verifica em situações
como o “desencadear de poderes-sanção por faltas insignificantes,
a actuação de direitos com lesão intolerável de outras pessoas e o
exercício jussubjectivo sem consideração por situações especiais” 5.
Os exemplos de exercício de poder-sanção por falta insignificante
mencionados pelo autor são exatamente o da exceção de contrato
não cumprido e o da resolução do negócio por uma falha sem
relevo de nota na prestação da contraparte6.
2
3
4
5
6
SCHREIBER, Anderson. A boa-fé e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA,
Giselda Maria; TARTUCE, Flávio (coord.). Direito Contratual: temas atuais.
São Paulo: Método, 2007. p. 141.
ABRANTES, José João. A excepção de não cumprimento do contrato no
direito civil português: conceito e fundamento. Coimbra: Almedina, 1986.
p. 123-127; MORENO, María Cruz. La ‘exceptio non adimpleti contractus’.
Valência: Tirant lo Blanch, 2004. p. 75; BECKER, Anelise. A doutrina do
adimplemento substancial no Direito brasileiro e em perspectiva comparativista.
Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande
do Sul, Rio Grande do Sul, v.9, p. 60 e 65. 1993.; BUSSATTA, Eduardo Luiz.
Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2008. p. 104-106. Assim, também, STJ, 4ª T., REsp n. 656.103/
DF, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. em 12.12.2006, publicado no DJ de 26.02.2007,
p. 595.
CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil.
2ª reimp. Coimbra: Almedina, 2001. p. 857-860.
Ibidem, p. 857.
Ibidem, p. 858.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.41-45, jul./dez. 2009
45
No direito privado brasileiro, a teoria do adimplemento
substancial vem sendo adotada a partir da aplicação da cláusula
geral do abuso do direito (art. 187 do Código Civil) e da cláusula
geral da boa-fé contratual (art. 422 do Código Civil) 7.
O princípio da boa-fé vige também no direito processual.
Uma de suas conseqüências é, também, a vedação ao abuso do
direito no âmbito processual8. É fácil perceber que o princípio da
boa-fé é a fonte normativa da proibição do exercício inadmissível
de posições jurídicas processuais, que podem ser reunidas sob a
rubrica do “abuso do direito” processual9 (desrespeito à boa-fé
objetiva)10.
Resta saber se a teoria do adimplemento substancial pode
ser aplicada no âmbito do direito processual.
Pensamos que sim.
O § 2º do art. 511 do CPC brasileiro determina que
“a insuficiência no valor do preparo implicará deserção, se o
recorrente, intimado, não vier a supri-lo no prazo de cinco
dias”. Preparo insuficiente é preparo feito; preparo que não foi
feito não pode ser adjetivado. Insuficiente é o preparo feito a
menor, qualquer que seja o valor. Isto significa que a deserção,
por insuficiência do preparo, é sanção de inadmissibilidade que
somente pode ser aplicada após a intimação do recorrente para
que proceda à complementação. O legislador atentou para seguinte
7
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Resolução dos contratos e teoria do adimplemento substancial. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 87-92; SCHREIBER,
Anderson. A boa-fé e o adimplemento substancial. In: HIRONAKA, Giselda Maria,
TARTUCE, Flávio (coord.). Direito Contratual: temas atuais. . São Paulo: Ed.
Método, 2007. p. 139.
8 BAUMGÄRTEL, Gottfried. “Treu und Glauben im Zivilprozess”. Zeitschrift für
Zivilprozess, 1973, n. 86, Heft 3, p. 355; ZEISS, Walter. El dolo procesal: aporte
a le precisacion teorica de una prohibicion del dolo en el proceso de cognicion
civilistico. Tomas A. Banzhaf (trad.). Buenos Aires: Ediciones Jurídicas EuropaAmérica, 1979, passim; HESS, Burkhard. “Abuse of procedure in Germany
and Áustria”. Abuse of procedural rights: comparative standards of procedural
fairness. Michele Taruffo (coord). Haia/Londres/Boston: Kluwer Law International,
1999, p. 153-154; DIDIER Jr., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 11
ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2009. v. 1, p. 47.
9 CORDEIRO, António Manuel da Rocha e Menezes. Da boa-fé no Direito Civil.
2ª reimp. Coimbra: Almedina, 2001. p. 861-902.
10 Além disso, o princípio da boa-fé processual torna ilícitas as condutas processuais
animadas pela má-fé (sem boa-fé subjetiva). Ou seja, a cláusula geral da boa-fé
objetiva processual implica, entre outros efeitos, o dever de o sujeito processual
não atuar imbuído de má-fé, considerada como fato que compõe o suporte fático
de alguns ilícitos processuais. Eis a relação que se estabelece entre boa-fé processual objetiva e subjetiva. Mas ressalte-se: o princípio é o da boa-fé objetiva
processual, que, além de mais amplo, é a fonte dos demais deveres, inclusive o
de não agir com má-fé.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.41-45, jul./dez. 2009
46
circunstância: interposto o recurso e feito o preparo em valor menor
do que o devido, a inadmissibilidade é sanção drástica demais;
a invalidação do recurso, no caso, é um caso típico de exercício
inadmissível de um poder jurídico processual. Mais consentânea
com a boa-fé é a necessária intimação do recorrente para proceder
ao complemento do valor devido. Protege-se, aqui, ainda que em
outro contexto, situação semelhante àquela protegida pela teoria
do adimplemento substancial. A inspiração e a preocupação da
teoria do adimplemento substancial são as mesmas que motivaram
o legislador a proceder à inclusão do § 2º no art. 511 do CPC
brasileiro. O poder de invalidar (situação jurídica ativa) o recurso
com preparo insuficiente é, aqui, limitado pela boa-fé. Tem-se aqui
um exemplo de regra jurídica que aplica a mencionada teoria.
É possível, porém, aplicar essa teoria em situações
atípicas, a partir de uma concretização do princípio da boafé processual pelo órgão julgador.
Vejamos alguns exemplos, que, não obstante sem
exaurir a casuística, podem iluminar a identificação de
outras situações semelhantes.
Sabe-se que a afirmação do inadimplemento é um dos
pressupostos para a instauração do procedimento executivo
(art. 580 do CPC). Constatado o inadimplemento mínimo,
pode o órgão jurisdicional recusar a tomada de medidas
executivas mais drásticas, como a busca e apreensão do
bem, por exemplo. Neste sentido, já decidiu o Superior
Tribunal de Justiça, que, em execução de contrato de
alienação fiduciária em garantia, entendeu correta a decisão
judicial que se recusou a determinar a busca e apreensão
liminar do bem alienado, tendo em vista a insignificância do
inadimplemento 11.
Em sentido semelhante, já se impediu a decretação
de falência, em razão da pequena monta da dívida12. O
11 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 4a T. REsp n. 469.577/SC, rel. Min. Ruy
Rosado de Aguiar, j. em 25.03.2003, publicado no DJ de 05.05.2003, p. 310.
12 “FALÊNCIA. Cobrança. Incompatibilidade. O processo de falência não deve ser
desvirtuado para servir de instrumento de coação para a cobrança de dívidas.
Considerando os graves resultados que decorrem da quebra da empresa, o seu
requerimento merece ser examinado com rigor formal, e afastado sempre que a
pretensão do credor seja tão somente a satisfação do seu crédito. Propósito que se
caracterizou pelo requerimento de envio dos autos à Contadoria, para apurar o valor
do débito, pelo posterior recebimento daquela quantia, acompanhado de pedido de
desistência da ação”. (STJ, 4ª T., REsp n. 136.565/RS, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar,
j. em 23.02.1999, publicado no DJ de 14.06.1999, p. 198). Em sentido contrário,
STJ, 3ª T., REsp n. 515.285/SC, rel. Min. Castro Filho, rel. p/ acórdão Min. Humberto
Gomes de Barros, j. em 20.04.2004, publicado no DJ de 07.06.2004, p. 220)
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.41-45, jul./dez. 20099
47
entendimento jurisprudencial repercutiu na nova lei de
falências (art. 94, I, Lei n. 11.101/2005)13.
O inciso II do § 1º do art. 694 do CPC brasileiro
determina que a arrematação do bem penhorado será
resolvida14, se não for pago o preço ou se não for prestada
a caução. A resolução da arrematação não pode ocorrer se o
inadimplemento for mínimo. Isso não quer dizer que haverá
prejuízo ao exeqüente, que não receberia integralmente da
arrematação, ou ao executado, que teria seu bem expropriado
por um valor menor do que o devido. Continuará o arrematante
obrigado a exibir o preço ou prestar caução, que poderá ser
demandado para tanto, inclusive com a incidência de multa
(fixada pelo juiz) e juros sobre a parcela não adimplida; mas,
sendo mínimo o inadimplemento, não é aceitável resolver a
alienação judicial.
Certamente, há outras situações em que essa teoria
pode ser aplicada ao processo. Este ensaio tem o propósito
apenas de despertar o estudioso e o aplicador do Direito para
esta possibilidade.
13 Art. 94 da Lei 11.101/2005: “Será decretada a falência do devedor que: I –
sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o
equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência”.
14 O texto normativo refere a “tornar sem efeito” a arrematação. O caso é, porém,
rigorosamente, de resolução por inadimplemento. A propósito, DIDIER Jr., Fredie
et al. Curso de direito processual civil. Salvador: Jus Podivm, 2009. v. 5, p.
657; ASSIS, Araken de. Manual da execução. 11. ed. São Paulo: RT, 2008. p.
759; MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Comentários ao Código de
Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. t. 10, p. 298-300; ROCHA,
José de Moura. Sistemática do novo processo de execução. São Paulo: RT,
1978. p. 406.
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48
49
oRlando gomes, mestre do porvir
Rodolfo Pamplona Filho*
1 INTRODUÇÃO
Simplesmente participar do Seminário “Orlando Gomes e o
Direito do Trabalho”, promovido pelo Tribunal Regional do Trabalho
da 5ª Região e pela Fundação Orlando Gomes, em memória ao
centenário de nascimento do pranteado jurista, mestre de diversas
gerações, é, mais do que uma honra acadêmica, um dever de
coerência e consciência para todos aqueles que cultuam o estudo
da ciência do Direito na Bahia, no Brasil e no mundo.
Ser convidado, porém, para apresentar uma manifestação,
neste concorrido evento, provocou, neste interlocutor, um
sentimento de estranheza, tendo em vista que há diversos
profissionais muito mais gabaritados que este modesto magistrado
de primeira instância e que, por terem desfrutado do privilégio da
companhia pessoal do homenageado, teriam melhores condições
de dar um testemunho qualificado da importância histórica do
pensamento de Orlando Gomes para a construção do Direito do
Trabalho.
Por isso, a reação natural, manifestada ao ilustre Prof.
Marcelo Gomes, foi a de imediatamente sugerir a indicação de
outros nomes, o que, porém, não foi aceito. Assim, a participação
neste conclave foi encarada como uma convocação oficial para a
apresentação de um testemunho, não de alguém que possa ter a
honrosa prerrogativa de se qualificar como aluno (pois este é um
privilégio que a minha geração, infelizmente, não pôde ostentar),
mas, sim, de um profundo admirador do pensamento, da obra e
*
Juiz Titular da 1ª Vara do Trabalho de Salvador/BA (Tribunal Regional do Trabalho
da Quinta Região). Professor Titular de Direito Civil e Direito Processual do
Trabalho da Universidade Salvador - UNIFACS. Professor (licenciado) do Programa
de Pós-Graduação em Direito da UCSAL - Universidade Católica de Salvador.
Professor Adjunto da Faculdade de Direito da UFBA – Universidade Federal da
Bahia. Professor da Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado) da UFBA.
Coordenador do Curso de Especialização em Direito e Processo do Trabalho do
JusPodivm/BA. Mestre e Doutor em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Especialista em Direito Civil pela Fundação Faculdade de
Direito da Bahia. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (Cadeira
58) e da Academia de Letras Jurídicas da Bahia (Cadeira 27). Autor de diversas
obras jurídicas.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.47-57, jul./dez. 2009
50
do exemplo de Orlando Gomes, o que se encontra estampado nos
depoimentos de seus verdadeiros apóstolos.
Sem ter, portanto, a qualificação necessária para a honraria
de discípulo, coloca-se este singelo palestrante como apenas mais
um dos inúmeros “fãs” de Orlando Gomes, partícipe de um culto,
cada vez maior, à figura de um verdadeiro profeta para as gerações
vindouras.
E é nessa linha que se pretende fazer este pronunciamento:
o que as novas gerações podem vislumbrar, no estudo das
imorredouras lições de Orlando Gomes, que somente veio a se
verificar, nos debates acadêmicos ou nas lides judiciais, anos após o
seu passamento terreno?
É neste desvelar da faceta de “mestre do porvir” que se
acredita que alguém com tão poucos predicados como este subscritor
possa trazer alguma contribuição diferenciada para este seminário.
Em síntese, o corte epistemológico desta exposição é: o que o Direito
do Trabalho da modernidade deve, não de fundamentação histórica
ou de pionerismo acadêmico, mas sim de antevisão analítica, a
Orlando Gomes?
É esta a proposta deste trabalho.
2 A CRISE DO DIREITO E O PAPEL DO DIREITO
DO TRABALHO
Há anos se vislumbra uma crise do Direito.
Tal concepção de desintegração da ordem jurídica, com o
repensar de seu papel, é tema de profundas reflexões por grande
parte da doutrina especializada.
Desde a quebra do mito da democracia grega, com sua
sociedade em castas e ideologicamente excludente, completamente
alheia à visão disseminada de um sistema democrático, passando
pela revolução burguesa, em que a busca por igualdade, liberdade
e fraternidade pressuponha a morte dos seus opositores, até a pósmodernidade, com a crise dos paradigmas dominantes, em que o
papel da família, da economia e do Estado sofre rediscussão, sempre
se vem discutindo qual é a função do Direito nesta composição de
forças.
Em um texto concebido em uma época bem anterior aos
conflitos de sem-terra ou sem-teto, muito antes de se falar em ações
afirmativas ou ativismo judicial, profetizava ORLANDO GOMES:
Em outra perspectiva, o organismo jurídico deixa
entrever uma erupção de fácil diagnóstico, sintomática
de pequenos distúrbios no aparelho circulatório.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.47-57, jul./dez. 2009
51
O Direito sempre teve os seus preferidos. Sob a
sombra amiga da lei e o olhar atento do gendarme,
bem aventurados sempre foram os que possuíam,
beati possidentes. Hoje, registram-se fenômenos de
mobilidade vertical na esfera jurídica. Grupos outrora
menosprezados adquirem importância social, elevamse da planície rasa onde vegetavam e reclamam
proteção jurídica para seus interesses imediatos, ora
sob o peso ameaçador do número, ora especulando
a própria utilidade, ora prevalecendo-se de
circunstâncias fortuitas. Esse deslocamento em massa
altera o metabolismo da ordem jurídica, provocando
perturbações que testificam a sua decomposição e
revelam, como sintomas inequívocos, a desagregação
da estrutura subjacente ao direito. Essa redistribuição
de papéis na ribalta do mundo neotécnico se vem
realizando com sacrifício das matrizes filosóficas do
Direito. Privilégios metajurídicos são compensados
com privilégios jurídicos, por um paradoxal processo
de democratização. Mas, como a generalização dos
privilégios importaria sua eliminação, o direito acolhe
a ascensão social de fracos e desprotegidos por um
processo de conservação, que traduz extraordinário
esforço de sobrevivência. Diz-se que se humaniza.
Os que falam nessa humanização confessam, ainda
que inadvertidamente, que ele está fora da escala
humana, que é desumano. Em verdade, porém,
esse desejo de prolongar a vida, nos que sentem a
proximidade da morte, não regateia preço para afastála; do mesmo modo que o organismo enfermo prefere
a prisão no leito ao desenlace imediato, a ordem
jurídica, sentindo a sua hora crepuscular, concede,
para perdurar, impregnando-se de conceitos elásticos
que permitem a distensão das normas básicas, com
as que se inspiram no dogma da fé jurada e no
caráter absoluto e exclusivo da propriedade, até um
ponto em que se negam a si próprias. Os conceitos de
equidade, bons costumes, boa fé, lealdade e confiança
recíprocas, usura, lesão, imprevisão e abuso de direito,
enfibram-se para possibilitar essa elasticidade, que
amortecerá os atritos entre a lei e o fato, garantindo
àquela a sobrevivência vegetativa que a desarmonia
incipiente ainda tolera. Mas não é o bastante. Os
choques iterativos reclamam intervenções mais
diretas, interferências mais particularistas; porque o
texto, mesmo provido desses amortecedores, ainda
se conserva rígido frente a certas situações, que se
estão multiplicando. Restaura-se a função pretoriana,
investindo-se o Juiz no poder de intervir nas relações
jurídicas, de proceder como se legislador fora, de
julgar praeter legem, e, até mesmo contra legem,
como alguns advogam1.
1
GOMES, Orlando. A Crise do direito. São Paulo: Brasil, 1955. p.10.
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E nesse contexto de crise, qual é o papel do Direito do
Trabalho?
No mesmo texto, datado de uma época em que o Direito
Laboral ainda era considerado uma disciplina nova, explicita:
Todos esses aspectos da crise objetivam-se
ostensivamente na formação e no desenvolvimento
do mais novo rebento da multissecular árvore
jurídica: O Direito do Trabalho. Do seu espírito se
tem dito muita coisa, inclusive de que não passa de
crucial metamorfose do direito civil pela substituição
do seu próprio coração, como me pareceu há
tempos, ao estudá-los em função do institutochave que os distingue. Mas essas interpretações
são antes descritivas do que explicativas. Mais
do que isso, são insuficientes para lhe dar a justa
medida no espaço tridimensional da ideologia
jurídica. A jovens espíritos, aos quais deve ter
entusiasmado ou desapontado, a delimitação da
sua área de expansão se impõe precisamente
porque, consubstanciando o direito do trabalho as
instituições que mais se afastam do padrão clássico,
a fixação de sua fronteiras descortina o horizonte
da evolução jurídica nos quadros da ordem social
existente.
No Direito do Trabalho, o fenômeno da falta de
correspondência entre a substância e a forma
manifesta-se em alto grau, a partir da própria
relação que constitui seu objeto. Tratada como
se fora um contrato, refoge a esse envoltório
com tamanha desenvoltura, que seus intérpretes,
impressionados com as particularidades, invertem
os termos do problema, entrevendo a decadência
do contrato onde há apenas a impropriedade
de uma categoria que, todavia, não pode ser
substituída, porque o conteúdo de vínculo jurídico
se abarrota de elementos institucionais por uma
antecipação que não coaduna com a organização
privada das empresas. Por outro lado, sendo uma
incorporação em massa de marginais do Direito, cuja
inferioridade econômica precisava ser compensada
com uma superioridade jurídica (Folch), distendeuse como um largo manto protetor, tecido, porém,
com o mesmo fio de que se faz o véu que recobre
as instituições clássicas.
Nele, mais do que em qualquer outro domínio, a
noção de equidade penetra a fundo, para emprestar
maleabilidade a seus preceitos, e muitos daqueles
amortecedores do direito civil ditam princípios
e substancializam regras, numa objetivação
crescente e sistemática. Aos juízes incumbidos de
o aplicar, conferem-se poderes extraordinários na
solução dos dissídios, especialmente nos conflitos
coletivos. Investe-se-os num poder normativo,
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53
que é uma violentação, das mais contundentes,
dos princípios jurídicos e políticos que informam a
vigente estrutura social.2
Veja-se a importância de tal manifestação?
Hoje, fala-se em extensão da tutela trabalhista para
aqueles que se encontram às margens da disciplina formal.
É o fenômeno da parassubordinação, no repensar do
papel do Direito do Trabalho que, se tem em sua gênese um
conteúdo revolucionário, hoje repassa a atuação para saber se
vale a pena mesmo ser aplicado para altos empregados, e não
pobres autônomos sem qualquer proteção formal...
No outro lado da moeda, quando se fala do tema da
flexibilização do Direito do Trabalho como um redimensionamento
do sentido e dos sujeitos que devem proteger como se fosse uma
grande novidade, ORLANDO GOMES, em artigo publicado na Revista
Forense, nos idos de 1953, já falava em uma “reprivatização” do
Direito do Trabalho, para tentar compreender e admitir, ainda que
de forma renovada, a aplicabilidade da autonomia da vontade, em
última instância, da liberdade, no campo negocial individual.
3 A ATUAÇÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO
Outro tema que está na ordem do dia é a questão da
ampliação da atuação da Justiça do Trabalho.
E, mesmo sendo um pensador preocupado com as
grandes questões de Direito Material, não se descurou de perceber
a importância da atuação social da magistratura trabalhista.
Com efeito, afirmou, na sua “Oração de Encerramento do
III Congresso de Direito do Trabalho”:
A natureza social de todo pensamento humano, refrisada
pelos pregoeiros da sociologia do conhecimento,
atira sobre os ombros da magistratura do trabalho a
responsabilidade de acrescentar velocidade ao ímpeto
reformista do Direito do Trabalho, esforçando-se por
que lhe não fiquem ocultas as idéias e tendências
da geração que está ocupando o seu lugar ao sol.
Desde o século passado, VON IHERING advertia aos
Juízes de que é o espírito de sua época que lhes põe
nas mãos os materiais com que devem reconstruir
aturadamente o templo de Themis.3
2
3
GOMES, Orlando. A Crise do direito. São Paulo: Brasil, 1955. p.13-14.
Idem. Harengas. Salvador: Fundação Gonçalo Moniz, 1971. p.105-106
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.47-57, jul./dez. 2009
54
Nesta época de consolidação da reforma do Judiciário,
pesa sobre os ombros da magistratura trabalhista a consolidação
do conceito de relação de trabalho para efeito de abarcar todas as
modalidades de trabalho, garantindo, no caso concreto, a efetivação
da cláusula geral de personalidade da Constituição Federal, que é
o princípio da dignidade da pessoa humana.
Fechar os olhos para esta nova tendência é negar o espírito
da época vigente, negando-se à atividade de construção da Justiça
no trabalho da Justiça do Trabalho.
4 REFLEXÕES SOBRE RESPONSABILIDADE CIVIL PRÉCONTRATUAL
Na perspectiva da nova atuação da Justiça do Trabalho,
um dos pontos mais visíveis é, sem sombra de dúvida, o
reconhecimento, com respaldo na Constituição Federal, pela
interpretação do Supremo Tribunal Federal, da competência para
processar e julgar reparações por danos materiais e morais,
decorrentes da relação de trabalho, inclusive como conseqüência
de acidentes de trabalho.
Consolidada esta nova perspectiva, temas correlatos
surgem no horizonte.
Um deles é, sem a menor sombra pálida de dúvida, a
questão da reparação de danos decorrente de fase pré e póscontratual.
Temas como atos discriminatórios e listas negras,
ocorridos em fases anteriores ou posteriores à relação jurídica de
direito material contratual trabalhista, têm sido ventilados tanto
na doutrina, quando na jurisprudência.
E tal modalidade de responsabilização encontra guarida
no nosso sistema?
Há muito tempo já respondia ORLANDO GOMES, mesmo
com base no velho Código Civil brasileiro de 1916:
Na linha desse pensamento correto, pode-se afirmar
que, a despeito da omissão do nosso Código Civil,
o ordenamento jurídico brasileiro aceita o princípio
da boa-fé na formação dos contratos como um dos
postulados da teoria geral dos contratos que o informa.
Tal é a opinião dos doutrinadores mais informados, a
começar por VICENTE RÁO na conferência sobre as
relações pré-contratuais, que proferiu há cerca de trinta
anos. Segundo o entendimento geral, o ordenamento
jurídico do país admite a responsabilidade no caso
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de formação frustrada do contrato, respondendo
afirmativamente à pergunta sobre a obrigação de
indenizar quem sofreu prejuízo por ter confiando no
êxito das negociações preliminares ou preparatórias
para a conclusão de um contrato4.
5 A NATUREZA DA REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS
Uma das grandes dificuldades da jurisprudência trabalhista,
na lida destes novos conflitos sob sua jurisdição, é a questão da
quantificação das indenizações por danos morais.
Em que pese a evidente imprecisão que o tema comporta,
muitas das dúvidas suscitadas parece decorrer de uma equivocada
conceituação da reparação de danos.
Sobre as formas de reparação de danos, ensinava Orlando
Gomes:
que há reposição natural quando o bem é restituído ao
estado em que se encontrava antes do fato danoso.
Constitui a mais adequada forma de reparação,
mas nem sempre é possível, e muito pelo contrário.
Substitui-se por uma prestação pecuniária, de
caráter compensatório. Se o autor do dano não pode
restabelecer o estado efetivo da coisa que danificou,
paga a quantia correspondente a seu valor. É rara a
possibilidade da reposição natural. Ordinariamente,
pois, a prestação de indenização se apresenta sob
a forma de prestação pecuniária, e, às vezes, como
objeto de uma dívida de valor.
Se bem que a reposição natural seja o modo próprio
de reparação do dano, não pode ser imposta ao titular
do direito à indenização. Admite-se que prefira receber
dinheiro. Compreende-se. Uma coisa danificada, por
mais perfeito que seja o conserto, dificilmente voltará
ao estado primitivo. A indenização pecuniária poderá
ser exigida, concomitantemente com a reposição
natural, se esta não satisfizer suficientemente o
interesse do credor.
Se o devedor quer cumprir a obrigação de indenizar
mediante reposição, o credor não pode exigir a
substituição de coisa velha, por nova, a menos que o
reparo não restabeleça efetivamente o estado anterior.
Por outro lado, o devedor não pode ser compelido à
restituição in natura, se só for possível mediante gasto
desproporcional.”5
4
5
GOMES, Orlando. Pareceres inéditos. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1998.
p.183.
Idem. Obrigações. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 51.
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E tais idéias, se aplicadas à reparação por danos morais,
permitem uma maior liberdade na atuação do magistrado, o que
já era lecionado há muito tempo por ORLANDO GOMES, com o
habitual brilhantismo, ao afirmar:
que esse dano não é propriamente indenizável, visto
como indenização significa eliminação do prejuízo e
das conseqüências, o que não é possível quando se
trata de dano extrapatrimonial. Prefere-se dizer que
é compensável. Trata-se de compensação, e não de
ressarcimento. Entendida nesses termos a obrigação
de quem o produziu, afasta-se a objeção de que o
dinheiro não pode ser o equivalente da dor, porque
se reconhece que, no caso, exerce outra função
dupla, a de expiação, em relação ao culpado, e a de
satisfação, em relação à vítima. Contesta-se, porém,
que tenha caráter de pena, impugnando-se, pois,
sua função expiatória. Diz-se que sua finalidade não
é acarretar perda ao patrimônio do culpado, mas,
sim, proporcionar vantagem ao ofendido. Admite-se,
porém, sem oposição, que o pagamento da soma de
dinheiro é um modo de dar satisfação à vítima, que,
recebendo-a, pode destiná-la, como diz Von Tuhr, a
procurar as satisfações ideais ou materiais que estime
convenientes, acalmando o sentimento de vingança
inato no homem.6
6 O PAPEL CRIADOR DA JURISPRUDÊNCIA TRABALHISTA
Outra visão de vanguarda de ORLANDO GOMES no campo
do Direito do Trabalho diz respeito ao papel criador da jurisprudência
trabalhista.
E esta visão não se limitava ao dissídio coletivo, mas, sim,
na invocação da
Nesta linha, sempre foi o diagnóstico de ORLANDO
GOMES:
Maior ainda do que em outros domínios é o papel
reservado à jurisprudência na revolução do Direito do
Trabalho. Compreendendo lucidamente o seu alcance,
quando nos reunimos em Congresso, como êste,
concentramos a nossa atenção sobre os problemas
do processo, considerado como o instrumento de
atuação da vontade do Estado para a realização da
justiça social.
Muito embora essa vontade esteja declarada no texto
de numerosas leis, muito mais está na consciência dos
6
Gomes, Orlando. Obrigações. 9.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p.272.
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magistrados. A personalidade do Juiz não pode ser
abstraída porque a garantia da justiça depende do seu
contexto como divisara ERLICH. O que mais importa
é, portanto, que órgão e função se compenetrem” 7
O que é isso, senão o mais puro fundamento ideológico
da disciplina ética da terceirização, através da responsabilidade
subsidiária construída na Súmula nº 331 do Tribunal Superior do
Trabalho? Ou as horas in itinere da Súmula nº 90, que anteciparam,
em um evidente e didático exemplo de jurisprudência praeter
legem, a previsão legal correspondente?
7 O OLHAR CRÍTICO ÀS INOVAÇÕES LEGISLATIVAS
Toda modificação legislativa, seja no campo específico
das relações de trabalho, seja em outros ramos do ordenamento
jurídico positivo, tem feito transparecer, constantemente, dois
arquétipos de correntes de pensamento.
A primeira é a que blasfema o novo, como se fosse uma
violação de sagrados preceitos imutáveis. Nessa linha, tal qual
“trombetas do apocalipse”, propugnam pela piora do sistema,
preconizam o fim da civilização como se conhece.
Por outro lado, há os deslumbrados com as novidades, que
assumem uma postura excludente de não aceitação de qualquer
posicionamento crítico em relação aos novéis procedimentos.
Quase como uma regra, ambas as linhas de pensamento
tendem a se decepcionar ou a esmaecer o seu entusiasmo pelas
brumas do tempo, perdendo, muitas vezes, a beleza e a utilidade
da inovação, iludidas com visões equivocadas sobre as propostas
de modificação.
Sobre tal fenômeno no Direito do Trabalho, observou
ORLANDO GOMES:
O Direito do Trabalho, sendo aquele que sofre maior
pressão dos fatos econômicos, como ainda há pouco
proclamava Levasseur, em notável ensaio sobre a
sua evolução, caracteres e tendências, é, por isso
mesmo, o aspecto mais interessante e sugestivo da
crise do direito, aquele através do qual os analistas
do fenômeno jurídico podem melhor perceber
a relatividade e a condicionalidade das regras e
instituições jurídicas, refreando entusiamos fáceis,
mas também se imunizando contra o derrotismo, para
7
GOMES, Orlando. Harengas. Salvador: Fundação Gonçalo Moniz, 1971. p.105.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.47-57, jul./dez. 2009
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não elevar nem rebaixar, por defeito de perspectiva,
o nível do Direito e compreender, afinal, que, nas
convulsões da crise, há uma nova vida que quer vir
à luz.
Focalizando as inovações do direito sob um prisma
que o revela na sua limitada capacidade de autoregência, não trago uma palavra de desencanto, nem
transmito uma impressão pessimista. Mas, o falso
otimismo é um estupefaciente de alto teor tóxico.
Num mundo de realidades esmagadoras, alimentar
ilusões não é perfumá-lo com o incenso da esperança,
mas salpicá-lo com a lama do desespero e destruir,
nas suas próprias raízes, os suportes emocionais que
sustentam a humanidade na sua peregrinação pela
História a dentro.8
Encarar as inovações com seriedade e busca da utilidade,
sem pessimismo ou deslumbramento. Esta parece ser mais uma
lição extraída do pensamento de ORLANDO GOMES.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Muito mais poderia ser dito.
Todavia, as limitações temporais, impostas pelo rigor do
protocolo da solenidade, devem ser respeitadas, como sempre o
fazia o homenageado, que, pelo testemunho de seus inúmeros
ex-alunos, sempre terminava a aula exatamente no horário
estabelecido, e, nesta homenagem, isto não poderá ser diferente.
Contudo, já é possível se extrair diversas reflexões de
como ORLANDO GOMES ERA e É, indubitavelmente, um Mestre
do Porvir, um homem à frente de seu tempo, cujas lições podem
e devem repercutir ainda por muitos anos, pois pensados para
situações que ainda estão por desabrochar...
Isto porque a sua preocupação com o cunho funcional
do Direito era a tônica que todo “homem de bem” deveria ter nas
suas reflexões, principalmente nos momentos em que se vislumbra
uma crise na sua aplicação.
Em suas próprias palavras:
“Por
complicado
processo
de
racionalização,
condensam-se interesses materiais de grupos sociais.
Nas épocas de estabilidade social, quando há unidade
de vistas ou interpenetração de filosofias da vida, a
condensação produz-se num ambiente tão rarefeito que,
8
GOMES, Orlando. A Crise do direito. São Paulo: Brasil, 1955. p.14.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.47-57, jul./dez. 2009
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no contexto dos princípios, não se percebe a secreção
desses interesses. Mas a história não é estática. Cada
conjuntura gera novas situações, nas suas entranhas,
como se o tempo, na sua marcha incansável, estivesse
a conceber, continuamente, a sua mesma renovação,
sucedendo-se a si próprio, num movimento perpétuo
de fenecer e desabrochar. Aos períodos tranqüilos,
seguem-se fases agitadas, nas quais, a humanidade
parece ter perdido o seu centro de gravidade. Nesses
intervalos, que caracterizam as épocas de transição,
uma transparência, provocada por novas idéias,
deixa entrever, na sua rudeza, o substrato material
do Direito. A realidade social subjacente, ferida nos
seus pontos vitais, rebela-se, em desespero, contra as
formas em que se condensa. E, nessas altitudes a que
se guindara, pelo poder da levitação dos ideólogos,
instaura-se a crise, projetada para cima, como se
um gigantesco esguicho arremessasse para o alto os
átomos libertados pela desintegração da estrutura
econômica. É nessas frases que o cunho funcional do
direito se revela com maior nitidez” 9
A este profeta dos juristas brasileiros, a nossa mais sincera
homenagem.
9
GOMES, Orlando. A Crise do direito. São Paulo: Brasil, 1955. p.5-6.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.47-57, jul./dez. 2009
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61
ALGUNS ARGUMENTOS EM PROL DA IDÉIA DE QUE O
TRABALHADOR RURAL QUE RECEBE POR PRODUÇÃO FAZ
JUS AO RECEBIMENTO DA PRÓPRIA HORA + ADICIONAL,
SE TRABALHAR EM REGIME EXTRAORDINÁRIO
Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani*
À partida, tendo em vista o tema de que ora se trata,
interessante o evocar a seguinte passagem de Ronald Amorim e
Souza, verbis: “A conquista da limitação para a jornada de labor foi
uma das mais belas páginas da conquista trabalhista.” (1)
Daí bem se vê a importância da limitação da jornada de
trabalho e os cuidados especiais que com a mesma se há de ter; vale
referir, uma outra vez, Ronald Amorim e Souza, que observa:
A prática das relações trabalhistas, entretanto, conduziu
a uma situação paradoxal. De tão freqüente a utilização
da sobre-jornada, criou-se a imagem absurda da
hora extra habitual! Se algo é habitual é exatamente
porque se tem como corriqueiro, usual, freqüente e,
obviamente, não pode ser extra. Nada pode ser, a um
só tempo, extra e ordinário! (2)
O entendimento majoritário, ao menos na jurisprudência,
é no sentido de que, quando o empregado trabalha e é pago por
produção, a hora extraordinária encontra-se remunerada com o que
recebe a mais, restando, apenas, o pagamento do adicional e reflexos,
valendo observar que o empregado remunerado por produção não
está excluído da limitação da jornada de trabalho ordinária, contida
na Constituição Federal, de 8 horas diárias e 44 semanais, conforme
Orientação Jurisprudencial n. 235, da SDI-1, do C. TST.
Referido entendimento, no que toca aos trabalhadores rurais,
não pode, com a devida vênia, prevalecer, havendo, ao reverso, que
considerar devido o pagamento da própria hora + o adicional,
e não apenas esse, uma vez que acreditar que a produção a
*
Bacharel pela Faculdade de Direito da Universidade Mackense (1982), atuou como
advogado, de 1982 a 1990. Em 1993, foi promovido a titular por antiguidade,
assumindo a Vara do Trabalho de Jaboticabal. Trabalhou também nas VTs de
Sertãozinho, 1ª de Jundaí e, ultimamente, na VT de Campo Limpo Paulista. É
convocado para substituir no TRT-15 desde 2000. Foi juiz auxiliar da Presidência
do Tribunal entre 2002 a 2004. Foi presidente da Amatra XV entre 1997 e 2001.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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mais recebida remunera o labor extraordinário, quanto a esses
trabalhadores, não se coaduna com a Lei Maior, a par de ignorar
o valor dessa conquista e provocar a paradoxal situação acima
referidos. E não será, por certo, despiciendo, acrescentar que um
tal proceder magoa o princípio da dignidade da pessoa humana,
por coisificar o homem que trabalha por produção, no meio rural.
Aliás, que esse é o resultado a coisificação do homem que
trabalha por produção, no meio rural, não há duvidar, pois a realidade
do dia a dia está aí, para comprová-la, basta querer ver, o início
das atividades de maneira precoce, com a entrada de meninos/
adolescentes no trabalho desde muito cedo, o que faz, como é natural,
que a força de trabalho se esgote também mais cedo, e o que se
exige, além do máximo das forças de cada um desses trabalhadores,
o que pode parecer contraditório, mas não é, pois o que é incoerente,
além de perverso, é querer forçar a natureza e a resistência daqueles
que trabalham, deles exigindo o que só a necessidade extrema pode
atender, e mesmo assim por um período de tempo apenas, iludindo-os
em sua simplicidade, atribuindo-lhes valores que não os beneficiam,
mas aos que parecem dar um maior peso aos referidos valores, para,
ao fim e ao cabo, não mais se importarem com esse trabalhadores,
quando as forças, físicas e morais, tiverem já debilitado-os, tornando
esses homens abatidos, desiludidos, não raro carregando pelo corpo
marcas de acidentes e intraduzíveis condições de trabalho, e pelo
rosto, a desesperança, talvez o mal maior que possa afligir-lhes
a existência, quase e em muitos casos efetivamente sub-humana
desde pequenos; conquanto não muito reduzida a transcrição infra,
nesse comenos impõe-se levá-la a efeito:
Dentre as razões da substituição rápida da força de
trabalho na cultura da cana-de-açucar, representada
pela entrada prematura de jovens no mercado,
destaca-se a precoce diminuição de sua produtividade
e, por consequência, sua desqualificação como
mercadoria. As exigências de intenso dispêndio de
força física para corresponder a um teto de salário,
concebido por patrões e trabalhadores como patamar
médio, transformam estes últimos em peça descartável
a partir, aproximadamente, dos 35 anos, Por volta
desta idade, dadas as limitações físicas acumuladas,
sua produtividade tende a decrescer. O trabalho é
desgastante, realizado sob condições adversas, que
impõem rápida fadiga do trabalhador.
Este limite não é reconhecido pelo serviço de avaliação
médica para afastamento remunerado do trabalho.
O irreconhecimento do mal-estar dos trabalhadores
pelos médicos deixa-os confusos porque expropriados
de um diagnóstico e uma explicação. Fazem, então,
recair a explicação do mal-estar sobre a consciência de
sua debilidade e sobre a desvalorização da sua força
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
63
de trabalho. Resistem sob o temor da ampliação das
condições de miserabilidade.
Os entrevistados associam o mal-estar recorrentemente
sofrido às condições penosas para o exercício laborativo.
Ao mesmo tempo, atribuem o aumento do mal-estar
à maldade do médico, único juz capaz de, por sua
autoridade, contrapor-se à imposição da fadiga pelos
patrões; por seu saber, reconhecer o sofrimento físico
do trabalhador. Por tudo isto, o único agente capaz
de suspender temporariamente a transferência de
uma força física vital à reprodução da saúde. Enfim,
mesmo aceitando que estas são as condições dadas
para trabalhar, os entrevistados reivindicam o direito
ao repouso remunerado, vital à recomposição das
disposições físicas para o trabalho.
De tal modo os trabalhadores são vitimados por
doenças e por fadigas não reconhecidas, que a solução
que encontram para prolongar a sua capacidade de
trabalho é se auto-atribuir o direito ao descanso nãoremunerado. Os empregadores avaliam esta estratégia
como preguiça ou desinteresse pela assiduidade. Por
isso, compensam e privilegiam os que são assíduos,
incutindo, também entre os trabalhadores, o orgulho
por este reconhecimento. Os trabalhadores, assim
prestigiados, passam a ser missionários da defesa
da assiduidade. Incorporam este fato como atributo
positivo de sua identidade social, enaltecida ainda pelo
cumprimento do papel de provedor da família, mediante
sacrifício e coragem de enfrentar tais vicissitudes. (3)
A descrição a seguir, feita pela ilustre Juíza do Trabalho Maria
da Graça Bonança Barbosa, bem retrata a dramática situação vivida
pelos trabalhadores rurais que atuam no corte de cana, dramática,
mas bem verdadeira, infelizmente; são suas as seguintes palavras:
Como visto, o trabalhador do corte de cana é aquele que
trabalha sujeito às mais adversas condições de trabalho,
sob o sol e exposto à fumaça e fuligem das queimadas,
bem como aos animais peçonhentos e por isso tem que
usar roupas pesadas, o que não favorece a ventilação
do corpo.
Realizam um trabalho que requer grande esforço físico
com movimentos repetitivos da coluna, ombros, pernas
e braços, despendendo além do tempo da jornada
normal e extraordinária, outras horas no trajeto do
trabalho, morando em alojamentos fornecidos pelas
usinas ou casas simples em que dividem o espaço com
outros trabalhadores.
Há um outro fator que pode ser apontado como um
agravante dessas condições já adversas de trabalho e
que está a merecer uma maior reflexão de todos aqueles
que se preocupam com o trabalho rural: a forma de
remuneração dos cortadores de cana. (4)
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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Vale mencionar, ainda, o retrato realizado pela insigne
Thereza Cristina Gosdal, assim feito:
O trabalho no corte de cana é penoso, envolvendo
movimentos constantes e de grande esforço; é mal
remunerado e realizado, muitas vezes, com pausa
reduzida, de 20 a 30 minutos (porque a pausa
significa perda de tempo, em termos de produtividade
e remuneração, que é por produção). Compreende
comumente jornadas superiores à máxima legal
permitida. Desenvolve-se sob o sol, em temperaturas
altas e com trajes que cobrem o todo o corpo (com
mangas compridas, calças compridas e lenço no rosto e
pescoço), para proteção. Não obstante, freqüentemente
não há água potável para os trabalhadores no local.
Além disso, são comuns situações em que não há
banheiro para os empregados, ou há banheiro em
más condições. Em muitos casos não há abrigo fixo
ou móvel para proteção dos trabalhadores contra
intempéries e para guarda e conservação das refeições,
como prevê a NR 31. A comida, em geral, fica na bolsa
ou mochila e, muitas vezes, estraga-se sob o sol. Não
há respeito à privacidade dos trabalhadores, porque
são permanentemente vigiados e monitorados pelos
fiscais, que controlam e limitam suas conversas e
movimentos. Dos trabalhadores se exige, por fim e
por ironia, perfeito estado de saúde, já que, se houver
sinal de adoecimento, ou apresentação de atestado
médico, o trabalhador não mais obtém oportunidade
de trabalho na região. (5)
Alves descreve o trabalho no corte de cana e o esforço
demandado:
Um trabalhador que corte 6 toneladas de cana,
num eito de 200 metros de comprimento, por 8,5
de largura, caminha durante o dia uma distância
de aproximadamente 4.400 metros, despende
aproximadamente 20 golpes com o podão para cortar
um feixe de cana, o que equivale a 66.666 golpes no
dia (considerando uma cana em pé, de primeiro corte,
não caída e não enrolada e que tenha uma densidade
de 10 canas a cada 30 cm). Além de andar e golpear a
cana, o trabalhador tem que, a cada 30 cm, abaixar-se
e torcer-se para abraçar e golpear a cana bem rente
ao solo e levantar-se para golpeá-la em cima. Além
disso, ele ainda amontoa vários feixes de cana cortados
em uma linha e os transporta até a linha central. Isto
significa que ele não apenas anda 4.400 metros por
dia, mas transporta, em seus braços, 6 toneladas de
cana em montes de peso equivalente a 15 kg, a uma
distância que varia de 1,5 a 3 metros. (5)
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
65
Mais:
“A ocorrência destes processos coercitivos na região”
{Ribeirão Preto} “ foi reiterada em relatório recente
da missão realizada pela Relatoria Nacional para o
Direito Humano ao Trabalho (Plataforma DHSC).
Dentre outros, o relatório menciona as jornadas de
trabalho que chegam às 18 horas diárias; a média
de 12 toneladas de cana colhidas por dia; os níveis
de esforços exigidos para o corte da cana (com a
necessidade de desferimento de 9.700 golpes de facão
para o corte de 10 toneladas de cana), somados à não
reposição adequada dos nutrientes e calorias perdidos
no eito, e o não esclarecimento sobre o volume da
produção diária do trabalhador.
Ainda de acordo com o relatório, as iniciativas destes
trabalhadores para levar a público este contexto de
exploração são seguidas de ameaças e retaliações por
parte das empresas. O contato destes trabalhadores
com sindicatos ou órgãos públicos competentes para
fiscalização das condições de trabalho é evitado pelas
empresas, dificultando sobremaneira não apenas
a defesa dos direitos envolvidos nas relações de
trabalho no campo, mas também o esclarecimento
acerca do real conteúdo das relações que sustentam
o corte manual da cana-de-açúcar no estado. Além
de propositalmente distanciados dos sindicatos e dos
órgãos de fiscalização, estes trabalhadores também são
afastados dos contextos rotineiros de sociabilidade das
cidades onde residem durante a safra. Uma hierarquia
espacial define não apenas fronteiras territoriais, mas
também limites aos ambientes passíveis de exercícios
das trocas simbólicas nos municípios. Abrigados em
favelas ou cortiços afastados, muitos deles situados
no interior dos canaviais, estes trabalhadores
migrantes são disciplinados no cotidiano do lugar,
sendo estigmatizados em seus corpos e em seus bens
simbólicos. (6)
O quadro é dantesco, e isso sem considerar que o corte de
6 toneladas, em inúmeras situações, não corresponde mais ao que
se exige dos trabalhadores no corte de cana, obrigados, bastas
vezes, a cortar bem mais do que essa quantidade, como se vê das
próprias linhas transatas!
Que gravura! Quadro descrito, com cores de lágrimas e
dor, mas pintando fielmente a realidade, faz lembrar citação feita
pelo grande administrativista do país co-irmão e tão caro a todos
nós, a Argentina, Roberto Dromi, a saber:
Ghirardi realiza uma classificação dos direitos
fundamentais a partir da distinção entre as vertentes
biológica e espiritual do homem. Diz: ‘a pessoa é
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racional; por essa característica, ela tem consciência
de sua dignidade e se reconhece como sujeito de direito
para peticionar legitimamente por essa dignidade.
E, como dissemos que a pessoa é um composto, a
dignidade assume duas vertentes: a ordem biológica e
a espiritual. Por isso, esse ente que chamamos pessoa
reconhece como próprios os direitos que formam sua
entidade no aspecto biológico, e reclama o direito à
vida e à integridade física; e igualmente, na ordem
espiritual, reclama o direito à liberdade, à honra e à
privacidade’. (7)
Do mesmo modo, vale a reprodução de excerto de acórdão
do STF, no HC 45.232,GB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Themístocles
Cavalcanti, J., em 21.02.1968:
[...] A vida não é apenas o conjunto de funções que
resistem à morte, mas é a afirmação positiva de
condições que assegurem ao indivíduo e aos que dele
dependem, dos recursos indispensáveis à subsistência
[...] (8)
Não posso prosseguir, sem mencionar, também, o
pensamento da ilustre Juíza e Colega Cinthia Maria da Fonseca
Espada, pela excelência do desenvolvimento, de suma importância
para o ponto que ora se aborda; diz ela:
A incidência do princípio da dignidade da pessoa humana
no âmbito do trabalho implica a necessidade de se
proteger o trabalhador contra qualquer ato atentatório
à sua dignidade, de lhe garantir condições de labor
saudáveis e dignas, e também de propiciar e promover
a inclusão social.
Constata-se, desta forma, que o núcleo do princípio
protetor do empregado encontra seu fundamento no
princípio da dignidade da pessoa humana, considerandose que a principal finalidade da proteção ao trabalhador
é promover a sua dignidade.
Nesse passo, embora o propósito do princípio protetor
do empregado também seja o de tratar desigualmente
os desiguais para promover a igualdade real/substancial
entre partes que se encontram em desigualdade de fato
(princípio isonômico) em seu núcleo, a principal finalidade
do princípio é promover a dignidade do trabalhador.
Assim, promover a igualdade real constitui um dos meios
de promoção da dignidade do obreiro. (9)
Atento aos ensinamentos acima transcritos há que ter
como devidas as próprias horas extras prestadas, com o adicional
convencional ou, não existindo, o legal, e com os reflexos
devidos e postulados, por ficar claro que o pagamento apenas
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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do adicional devido, em situações quejandas, provoca todas as
nefastas consequências apontadas nas linhas transatas.
Importante salientar que a Corte de Justiça do TRT
da 15ª Região já placitou esse entendimento, realçando ainda
outros aspectos e dispositivos constitucionais:
SALÁRIO POR PRODUÇÃO; ADICIONAL DE
HORAS EXTRAS; REMUNERAÇÃO DO VALOR DO
SALÁRIO NORMAL; POSSIBILIDADE. Hoje em dia
já não dá mais para negar que a remuneração com
base na produtividade funciona como elemento que
se contrapõe àqueles princípios protetivos à saúde e à
higidez do trabalhador. A remuneração do trabalho por
produção deve ser vista como cláusula draconiana. Seu
intuito é exatamente o de constranger o trabalhador a
estar sempre prorrogando suas jornadas em troca de
algumas migalhas salariais a mais, renda extra essa
que, no final, acaba incorporada em seu orçamento
mensal, criando, com isso, uma relação de dependência
tal qual a da droga ou da bebida.
Trocando em miúdos, essa modalidade de remuneração
faz do trabalhador rural verdadeiro escravo de sua
própria produtividade. Sem perceber, essa sua
necessidade em manter constante determinado nível
de produtividade já alcançado gera o maior desgaste
de sua própria saúde, assim como compromete, aos
poucos, sua plena capacidade física para o trabalho
num futuro ainda próximo. O que se verifica com isso
é a total desregulamentação da forma de remuneração
da jornada de trabalho, com uma prejudicial idéia de
que todos saem ganhando quando, na verdade, a fatia
do prejuízo passa a ser paga por aquele mesmo corpo
já demasiadamente cansado e suado. Remunerar o
trabalhador apenas com o adicional de horas extras em
decorrência de seu trabalho por produção representa
típico desrespeito àqueles princípios que visam a
proteção à saúde e à integridade física de pessoa
humana, valores estes que se constituem em primado
constitucional (CF/1988, artigo 7º, incisos XIII e XXII)
(Processo TRT/15 – RO 199 – 2005 – 150 – 15 – 00 –
1, Relator Desembargador Gerson Lacerda Pistori).
TRABALHADOR RURAL. CORTE DE CANA. ATIVIDADE
EXTENUANTE. REMUNERAÇÃO POR PRODUÇÃO.
JORNADA EXTRAORDINÁRIA. DESRESPEITO AOS
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE
DA PESSOA HUMANA E DOS VALORES SOCIAIS DO
TRABALHO. INAPLICABILIDADE DA REGRA GERAL
INSERIDA NA OJ Nº 235 DO C. TST. O constituinte,
no art. 1º, elegeu a dignidade da pessoa humana,
assim como os valores sociais do trabalho, como
princípios centrais de todo o ordenamento jurídico,
constitucional e infraconstitucional. Assim, a legislação
infraconstitucional deve ser interpretada conforme os
princípios acima relacionados.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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É norma geral de experiência que o trabalhador
rural, que se ativa no corte de cana, após extenuante
jornada de oito horas, tem a sua capacidade
física manifestamente reduzida. Nessas condições
de extrema fadiga, alegar que é suficiente a
contraprestação no estertor do fôlego do trabalhador
mediante singelo adicional extraordinário, colocando
inclusive a sua vida em risco (em confronto com o
inciso XXII do art. 7º da Carta Magna), é ignorar os
princípios constitucionais acima mencionados.
Portanto, a regra insculpida na OJ nº 235 do C.
TST deve ser interpretada conforme os princípios
constitucionais, ou seja, desde que atividade
extraordinária não implique demasiado esforço físico.
Consequentemente, o cortador de cana tem direito a
receber, na jornada extraordinária, a hora acrescida do
adicional extraordinário e não apenas este (Processo
TRT/15 – RO 00431–20055–120–15–85 – 2, 3ª
Turma, 6ª Câmara, Relator Desembargador Samuel
Hugo Lima).
TRABALHO POR PRODUÇÃO. CORTADOR DE CANA.
PENOSIDADE. HORA EXTRAORDINÁRIA CHEIA. O
trabalho de corte da cana-de-acúçar, face à sua
penosidade, tem propiciado desgaste físico e psíquico
do trabalhador de tal monta que, em muitos casos,
chegou a levar até a morte por exaustão. Dados
apontam que o cortador de cana, atualmente, corta em
média cerca de 15 toneladas por dia. E é sabido que o
cortador faz um conjunto de movimentos envolvendo
torcer o tronco, flexão de joelho e tórax, agachar e
carregar peso, sendo certo que, se ele vier a cortar
15 toneladas por dia, efetua aproximadamente 100
mil golpes de facão com cerca de 36 mil flexões de
pernas. Ocorre que, dada a forma de remuneração
do cortador (por produção) e o ínfimo valor pago por
metro de cana cortada, o trabalhador se vê obrigado
a laborar muito além do que deveria para auferir um
salário mensal razoável. E, para agravar a situação,
não se pode desconsiderar que são extremamente
ruins as condições em que o trabalho é desenvolvido.
Desta forma, sendo induvidoso o fato de que o serviço
do cortador de cana enquadra-se como penoso, não
se pode deixar sem a proteção devida o trabalhador
que presta serviços nestas condições. E, neste
contexto, considerando-se que, na Constituição
Federal de 1988, os direitos fundamentais foram
erigidos à sua máxima importância, sendo que o
princípio da dignidade da pessoa humana foi adotado
como fundamento da República do Brasil, conforme
dispõe o art. 1º, III, da CF/1988, é indiscutível que a
autonomia das relações de trabalho encontra limites na
preservação da dignidade da pessoa humana. Sendo
assim, procurando valorizar o trabalhador e protegêlo, o operador do direito, ao verificar que o sofrimento
deste se agiganta diante da penosidade do trabalho,
há de ponderar, no exame da postulação, que, para
corrigir essa situação, é necessário o deferimento do
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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pagamento da hora extraordinária cheia. Recurso nãoprovido neste aspecto. (Processo TRT/15 - RO 00698
- 2008 - 158 - 15 - 00 - 2, 3ª Turma, 5ª Câmara,
Relator Desembargador Lorival Ferreira dos Santos).
HORAS EXTRAS. TRABALHO POR PRODUÇÃO.
RURÍCOLA. DEVIDO O PAGAMENTO DA PRÓPRIA
HORA MAIS O RESPECTIVO ADICIONAL E NÃO
APENAS ESTE. Quando o empregado trabalha e é pago
por produção, se labutar em regime de sobrejornada,
há receber a própria hora extra mais o adicional, e
não apenas este, já que este proceder não se afina
com a Lei Maior e magoa o princípio da dignidade da
pessoa humana, por coisificar o homem que trabalha
por produção. (Processo TRT/15 - RO 00523 - 2008 042 - 15 - 00 - 1, 3ª Turma, 5ª Câmara, Relator Juiz
Francisco Alberto da Motta Peixoto Giordani).
RECURSO ORDINÁRIO - SALÁRIO POR PRODUÇÃO
- CORTE DE CANA - PAGAMENTO DA HORA E DO
ADICIONAL - NR 17. Tanto as horas normais como as
extraordinárias prestadas pelo cortador de cana, não
podem ser pagas “por produção”, daí por que, no caso,
a sobrejornada deve ser remunerada integralmente,
não apenas com o adicional. É o que deflui da análise da
Norma Regulamentadora nº 17, que veda pagamento
por produção para trabalhos que exigem sobrecarga
muscular e movimentos repetitivos, como é o corte
de cana, que extenua o empregado. De outro lado,
é notório que, a cada ano que passa, a “produção/
produtividade” canavieiro aumenta e o preço dos
serviços mantém-se ou, até, diminui, o que exige,
então, mais trabalho nessa atividade notoriamente
penosa e prejudicial à saúde. Essa situação conspira
contra o art. 7º, XIII e XVI da Constituição Federal
(horas extras somente em serviços extraordinários)
e, também, contra os fundamentos do Estado
Democrático de direito (dignidade da pessoa humana,
valores sociais do trabalho e da livre iniciativa) e contra
os princípios gerais sobre a Atividade Econômica
(art.170) e a Ordem Social (art.193). Recurso não
provido. (Processo TRT/15 - RO 02460 - 2007-011-15009, __ Turma, __ Câmara, Relator Desembargador
José Pedro de Camargo Rodrigues de Souza).
Os arestos acima reproduzidos apanham, em sua essência,
a triste realidade a que estão submetidos vários –coloco o acento
tônico nesse último vocábulo para deixar claro que não são todos,
pois há empregadores que verdadeiramente se preocupam em não
deixar seus empregados em tão desumana situação, exigindo-lhes
um trabalho extraordinário que suas forças não podem oferecer, após
cumprida as suas jornadas normais, já por demais desgastantes,
aos quais, por óbvio, apenas encômios hão de ser dirigidos - dos
trabalhadores que labutam no meio rural no interior paulista; um
trabalho ímpar, realizado pela brilhante socióloga Maria Aparecida de
Moraes, desnuda a realidade que se vem de mencionar:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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São submetidos (os trabalhadores rurais, os
cortadores de cana dos canaviais paulistas) a duro
controle durante a jornada de trabalho. São obrigados
a cortar em torno de dez toneladas de cana por dia.
Caso contrário, podem: perder o emprego no final
do mês, ser suspensos, ficar de ‘gancho’ por ordem
dos feitores (sic) ou, ainda, ser submetidos à coação
moral, chamados de ‘facão de borracha’, ‘borrados’,
fracos, vagabundos.
A resposta a qualquer tipo de resistência ou greve é
a dispensa. Durante o trabalho, são acometidos pela
sudorese em virtude das altas temperaturas e do
excessivo esforço, pois, para cada tonelada de cana,
são obrigados a desferir mil golpes de facão. Muitos
sofrem a ‘birola’, as dores provocadas por câimbras.
Os salários pagos por produção (R$ 2,5 por tonelada)
são insuficientes para lhes garantir alimentação
adequada, pois, além dos gastos com aluguéis e
transportes dos locais de origem até o interior de São
Paulo, são obrigados a remeter parte do que recebem
às famílias.
As conseqüências desse sistema de exploraçãodominação são: - de 2004 a 2007, ocorreram 21
mortes, supostamente por excesso de esforço durante
o trabalho, objeto de investigação do Ministério
Público -; minhas pesquisas em nível qualitativo na
macroregião de Ribeirão Preto apontam que a vida
útil de um cortador de cana é inferior a 15 anos, nível
abaixo dos negros em alguns períodos da escravidão.
Constatei as seguintes situações de depredação da
saúde: desgaste da coluna vertebral, tendinite nos
braços e mãos em razão dos esforço repetitivos,
doenças nas vias respiratórias causadas pela fuligem
da cana, deformações nos pés em razão do uso de
‘sapatões’ e encurtamento das cordas vocais devido à
postura curvada do pescoço durante o trabalho.
Além dessas constatações empíricas, as informações
recentes do INSS para o conjunto do Estado de São
Paulo, no período de 1999 a 2005, são: - o total de
trabalhadores rurais acidentados por motivo típico
nas atividades na cana-de-açucar foi de 39.433; por
motivo relacionado ao trajeto, o total correspondeu
a 312 ocorrências; quanto às consequências, os
números totais para o período são: - assistência
médica 1.453 casos; - incapacidade inferior a 15
dias: 30.465 casos: - incapacidade superior a 15 dias:
8.747 casos; incapacidade permanente 408 casos; óbitos: 72 casos. (10)
Sem dúvida, horrível o quadro, e isso se não se pensar,
o que seria – e é - plenamente válido, conhecendo a realidade
brasileira, que esses números não abarcam a totalidade de casos
em que os trabalhadores rurais foram acometidos de algum
mal...
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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A pergunta que logo assoma à mente e ao coração dos que
se tocam com um desenho desses, é a de como um ser humano
consegue trabalhar assim; e a resposta pode ser encontrada, para
além de outros fatores, entre os quais a necessidade - cuja influência
sobre o comportamento dos homens é algo que não deve, não
pode, em absoluto, ser ignorado, sob pena de chegar, quem assim
procede, a conclusões divorciadas da realidade, logo, de todo em
todo equivocadas e imprestáveis para sustentar alguma idéia e/
ou posicionamento, relativo a qualquer comportamento humano,
que dependa, para uma válida manifestação, de uma liberdade
e/ou opção que a necessidade não permite - no que consta de
reportagem acerca do consumo de crack pelos trabalhadores
rurais, valendo a transcrição de alguns trechos:
Os trabalhadores saem de várias cidades do noroeste
paulista e embarcam muito cedo rumo às fazendas. A
viagem leva até duas horas. No local, se concentra a
maior parte da produção de laranja e cana do Brasil.
Mas a roça perdeu um pouco da tranquilidade caipira.
Mesmo tão longe dos centros urbanos, um mal da
cidade avança pelo campo: drogas como a maconha
e, principalmente, o crack.
‘A maioria dos trabalhadores usa droga hoje’, afirma
um deles.
Numa fazenda, nós localizamos um grupo de colhedores
de laranja. Entre eles, encontramos trabalhadores que
confessam fazer uso da droga durante o serviço.
‘Viro máquina para trabalhar, trabalho até melhor’,
afirma um deles.
Um homem conta que, dos 45 trabalhadores de um
pomar, pelo menos dez usam algum tipo de droga.
‘Nós usamos maconha, pedra’, diz um dos lavradores.
A pedra de que ele fala é o crack.
[...]
‘O trabalhador hoje do corte da cana ele perde
diariamente oito litros de líquido do seu organismo,
percorre mais de 12 quilômetros por dia. Então,
é um esforço físico de um superatleta com uma
contrapartida totalmente inferior. Ele não tem
alimentação adequada, não tem descanso adequado
para desempenhar essa função e esse desgaste acaba
induzindo o trabalhador ao uso da droga’, esclarece
Antonio Valério Morillas Júnior, gerente regional do
Ministério do Trabalho. (11)
A indagação seguinte e que vem com a mesma intensidade
é: O Direito, designadamente o Direito do Trabalho, pode aquiescer
com uma situação dessas? Justificar-se-ia mesmo a existência de
um Direito que nada fizesse para evitar um sucesso tão dramático,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
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vendo a dignidade de um ser humano ser assim tão impiedosamente
vergastada? Justamente o Direito do Trabalho que, como recorda
o preclaro juslaborista Ipojucan Demétrius Vecchi, citando o culto
Häberle, por conta do movimento trabalhista, “trouxe para o
campo da prática jurídica, as especulações filosóficas sobre a idéia
de dignidade humana, que é a fonte, o fundamento, dos direitos
fundamentais”?(12)
Mais: qual a responsabilidade dos operadores do Direito
para evitar esse mal?
Enfrentando essas questões, à partida cito o preclaro Marco
Antonio Azkoul, que, em seu prefácio ao livro de Gisele Ferreira de
Araújo, disse, tendo em vista a obra que tinha às mãos:
Nesse contexto, revela-nos ser responsabilidade social
a proteção dos direitos trabalhistas, principalmente
dos operadores do direito que devem potencializálos, sem tergiversar, com vistas à rápida e segura
concretização ou efetivação material desses direitos
humanos previstos em nossa Carta Magna, como a
mais sublime expressão do ideal de justiça. (13)
Por mais que seja óbvio, nessa quadra da evolução do
pensamento humano – mas considerando que o que é óbvio para
um, talvez não o seja tanto para outro! - tenho em que vale a pena
pisar e repisar que uma pessoa não tem sua dignidade medida
pela sua posição na sociedade, ou, como diz, a insigne Gláucia
Correa Retamozo Barcelos Alves:
Aquela noção hobbesiana, vista anteriormente,
do homem dotado de dignidade entendida
como correspondência ao seu status social, fica
definitivamente para trás no horizonte da filosofia
moral. Kant inaugura a noção de que o ser humano é
dotado de dignidade enquanto tal, ou seja, enquanto
ser humano – independentemente de sua identidade
estatutária, para usar os termos De Singly. (14)
Destarte, cumpre envidar todos os esforços para que a
dignidade da pessoa do trabalhador submetido a tão reprovável
condição de trabalho - e que não é menor da de quem quer que
seja - seja respeitada, como deve sê-lo!
O impoluto Alexandre dos Santos Cunha, em trabalho
que desenvolveu, à certa altura e evocando ensinamentos de
um civilista de escol lusitano, entre tantos que lá existem, expôs
que:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
73
conforme ressalta Carvalho, ‘se é inconcebível
um Direito do Estado sem Estado, é igualmente
inconcebível um direito civil sem cives’. Portanto,
prossegue, ainda forte no doutrinador português, é
evidente que esse reconhecimento do homem como
coração do direito civil contemporâneo deve fazer do
problema da proteção dos direitos do Homem [...] o
problema central desse mesmo direito civil. (15)
Esse raciocínio, não se aplicaria, até com mais força
ainda, ao e/ou no Direito do Trabalho? A proteção do homem que
trabalha como empregado, a preservação da dignidade humana
dessa pessoa, não há de ser sua preocupação maior? Não tenho
dúvida de que a resposta há de ser prontamente afirmativa!
E para tanto, necessário ter em conta que, não raro, o
indivíduo, isoladamente, não tem como fazer valer a proteção que
o ordenamento jurídico confere à sua dignidade enquanto pessoa
humana, de modo que, deixá-la apenas aos seus cuidados, poderia
– como pode – implicar numa omissão, velada que seja, mas que,
no limite, pode ser tida como uma espécie de cumplicidade, que
leve a que seja olimpicamente desrespeitada por aquele que, no
caso concreto, tenha mais poder de fazer valer a sua vontade,
o que, em seara trabalhista, não é algo nada acadêmico, mas
sim bem real, não sendo razoável pensar que o sistema jurídico
não tenha e/ou não possa agir para evitar um mal maior; aliás,
cumpre ao ordenamento jurídico, se quer, realmente, respeitar a
dignidade da pessoa humana, protegê-la devida e eficazmente,
aqui, interessante ceder o passo ao preclaro Chaïm Perelman, que
oportunamente dilucida:
também o Estado, incumbido de proteger esses direitos
(direitos humanos, dignidade da pessoa humana) e
fazer que se respeitem as ações correlativas, não só
é por sua vez obrigado a abster-se de ofender esses
direitos, mas tem também a obrigação positiva da
manutenção da ordem. Ele tem também a obrigação
de criar as condições favoráveis ao respeito à pessoa
por parte de todos os que dependem de sua soberania.
(16)
Um exemplo já clássico de insuficiência da proteção da
dignidade humana, quando deixada a cargo de quem não tem
como, de per si, fazê-la valer, está no famoso caso que ficou
conhecido como o “arremesso de anões”, assim narrado por Nelson
Rosenvald:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
74
A municipalidade impediu o divertimento consistente
no lançamento de anão sobre um colchão, com
base no respeito à dignidade humana, o que colidiu
com a própria liberdade de iniciativa do anão – que,
inclusive, aliou-se como litisconsorte da casa em que
se passava o triste espetáculo - que defendia a sua
dignidade individual.
Cumpre perceber que a decisão final que interditou o
espetáculo como atentatório à dignidade da pessoa humana nada
mais acusou do que a prevalência do elemento axiológico básico
do ordenamento, que prevalece sobre o titular da personalidade,
podendo mesmo em face dele ser tutelado – até mesmo contra
a sua vontade -, na precisa visão de Cláudio Godoy”, prossegue
o culto autor, reproduzindo ensinamento da não menos ilustre
Professora Giselda Hironaka, então afirmando:
Em outras palavras, ‘o consentimento do anão ao
tratamento degradante a que se submetia lhes pareceu,
portanto, juridicamente irrelevante, porque não se
pode renunciar à dignidade, porque uma pessoa não
pode excluir de, de si mesma, a humanidade. (17).
À essa altura, de evocar os ensinamentos de Rizzatto
Nunes, que, em notável trecho de obra sua, pergunta:
Ou, em outros termos, pode o indivíduo violar a própria
dignidade? Por exemplo, se drogando?Tentando
se
matar?
Abandonando-se
materialmente?
Embebedando-se? enfim, há algo de consciência
ética, filosófica e/ou científica na garantia da própria
dignidade? (18)
Ao que responde o mesmo autor:
Temos de dizer que, de fato, como se trata de uma
razão jurídica adquirida no decurso da história e nesta
tanto a ciência como a filosofia e a ética também se
sustentam numa evolução da própria razão humana,
a resposta é não. Não pode o indivíduo agir contra a
própria dignidade. (18)
Lembra o eminente Gustavo Tepedino:
a proteção dos direitos humanos não mais pode ser
perseguida a contento se confinada no âmbito do
direito público, sendo possível mesmo aduzir que
as pressões do mercado, especialmente intensas na
atividade econômica privada, podem favorecer uma
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conspícua violação à dignidade da pessoa humana,
reclamando por isso mesmo um controle social com
fundamento nos valores constitucionais. Por outro
lado, como acima enunciado, no campo das relações
privadas, a usual técnica regulamentar mostra-se
avessa à proteção dos direitos humanos, pois que
incapaz de abranger todas as hipóteses em que a
pessoa humana se encontra a exigir tutela. (19)
Enfim, estou em que a dignidade da pessoa humana
do trabalhador rural fica agredida quando submetido a
trabalho extraordinário, nas condições acima descritas, o que
nem deveria ocorrer, mas uma vez acontecendo, devido o
pagamento, pelas razões desfiadas nas linhas transatas, da
própria hora extra, com o respeitante adicional, e não apenas
deste, procedimento esse que encontra arrimo e consistência
na Carta Política, como também já demonstrado, até porque,
vale salientar:
No que tange especificamente à proteção da pessoa
humana, mantém-se despercebida, as mais das vezes, pelos
civilistas a cláusula geral de tutela fixada pela Constituição,
nos arts. 1º, III; 3º, III, e 5º, § 2º.
Segundo o art. 1º, nº III, a República Federativa do
Brasil tem como fundamento a dignidade da pessoa humana.
Nos termos do art. 3º, III, constituem-se objetivos fundamentais
da República a erradicação da pobreza e da marginalização e a
redução das desigualdades sociais e regionais. Finalmente, pelo
art. 5º, § 2º,os direitos e garantias expressos na Constituição
(com aplicação imediata, consoante o § 1º) não excluem outros
decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou
dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte.
Tais preceitos, inseridos como foram no Título I,
compõem os princípios fundamentais da República, os quais,
segundo a técnica adotada pelo constituinte, precedem,
topográfica e interpretativamente, todos os demais capítulos
constitucionais. Vale dizer, a Constituição não teria um rol de
princípios fundamentais não fosse para, no plano hermenêutico,
condicionar e conformar todo o tecido normativo: tanto o corpo
constitucional, no mesmo plano hierárquico, bem como o inteiro
ordenamento infraconstitucional, com supremacia sobre todas
as demais normas jurídicas.
Pretendeu, portanto, o constituinte, com a fixação da
cláusula geral acima aludida e mediante o estabelecimento de
princípios fundamentais introdutórios, definir uma nova ordem
pública, da qual não se podem excluir as relações jurídicas
privadas, que eleva ao ápice do ordenamento jurídico a tutela
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
76
da pessoa humana, funcionalizando a atividade econômica
privada aos valores existenciais e sociais ali definidos. (20).
Por derradeiro, não será despiciendo notar que, se
há algo que, quando se fala, todos certamente concordam, é
com o que disse o ilustre Antonio Lindbergh C. Montenegro,
no sentido de que: “Na realidade, a vida não tem preço,
refuga mensuração; é um bem inalienável” (21), o que deve
valer para todos, igualmente, não podendo ser diferente para
o homem que trabalha, duramente, nas condições acima
referidas, no corte de cana, mesmo porque, a existência e/
ou execução de um contrato de trabalho, “não pode significar
para o trabalhador o comprometimento de seu direito à vida,
à integridade física e psíquica, às condições de segurança e
higiene do trabalho” (22), o que a todos é defeso olvidar,
principalmente os operadores do Direito.
REFERÊNCIAS
1 SOUZA, Ronaldo Amorim. Em derredor da jornada de trabalho.
In: GALVÃO, Juraci; AZEVEDO, Gelson de (coord.). Estudos de
direito do trabalho e processo do trabalho em homenagem
a J. L. Ferreira Prunes. São Paulo: LTr, 1998. p.207.
2 ______.______. p.209.
3 NEVES, Delam Pessanha. A perversão do trabalho infantil.
Niterói: Intertexto, 1999. p. 131-132.
4 BARBOSA, Maria da Graça Bonança. O salário por produção e as
ações coletivas: velha e nova realidade do trabalho rural. Revista
da Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da
15ª Região, Campinas-SP, n. 2, p. 145, 2009.
5 GOSDAL, Thereza Cristina. Mortes por exaustão no trabalho:
uma análise sob a ótica da contratualidade. In: CORTIANO JUNIOR,
Eroulths et al. (coord.). Apontamentos críticos para o Direito
Civil brasileiro contemporâneo. São Paulo: Juruá, 2007. p.
169-170.
6 SILVA, Maria Aparecida de Moraes et al. Do karoshi no
Japão à birôla no Brasil: as faces do trabalho no capitalismo
mundializado. Revista NERA, Presidente Prudente, v. 9, n. 8,
p. 79-80, jul./dez.2006.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
77
7 DROMI, Roberto. Sistema Jurídico e Valores Administrativos.
Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2007. p. 73.
8 FELDENS, Luciano. A Constituição Penal: a dupla face da
proporcionalidade no controle das normas penais. São Paulo:
Livraria do Advogado, 2005. p. 174.
9 ESPADA, Cinthia Maria da Fonseca. O princípio protetor do
empregado e a efetividade da dignidade da pessoa humana.
São Paulo: Ltr, 2008. p. 96.
10 JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO. São Paulo, 2009. Disponível
em http://www.folhadesaopaulo.br. Acesso em 9 jan. 2009.
11 REDE GLOBO. Rio de Janeiro, 2009. Disponível em <HTTP://www.
fantastico.globo.com/jornalismo/FANT/0. Acesso em 4 fev. 2009.
12 VECCHI, Ipojucan Demétrius. A eficácia dos direitos fundamentais
nas relações privadas: o caso da relação de emprego. Revista da
Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 15ª
Região, Campina-SP, n. 2, p. 104, 2009.
13 AZKOUL, Marco Antonio. O redimensionamento do Direito do
Trabalho no contexto da globalização. São Paulo: Plêiade, 2006.
p.7-8.
14 ALVES, Gláucia Correa Retamazo Barcelos. Sobre a Dignidade
da Pessoa. In: COSTA, Judith Martins (org.). A reconstrução do
Direito Privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 220.
15 CUNHA, Alexandre dos Santos. Dignidade da pessoa humana:
conceito fundamental do direito civil. In: COSTA, Judith Martins.
A reconstrução do Direito Privado. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2002. p. 231.
16 PERELMAN, Chaim. Ética e direito. São Paulo: Martins Fontes,
2002. p. 401.
17 HIRONAKA, Giselda. Dignidade humana e boa-fé no Código
Civil. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 10-11.
18 NUNES, Rizzato. O princípio constitucional da dignidade
da pessoa humana. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 50.
19 TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. 3. ed. São Paulo:
Renovar, 2004. p. 73.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
78
20 TEPEDINO, Gustavo. Temas de direito civil. 3. ed. São Paulo:
Renovar, 2004. p.74-75.
21 MONTENEGRO, Antonio Lindbergh C. Ressarcimento de
danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 8. ed. 2005. p. 58.
22 GOSDAL, Thereza Cristina. Mortes por exaustão no trabalho:
uma análise sob a ótica da contratualidade. In: CORTIANO
JUNIOR, Eroulths et al (coord.). Apontamentos críticos para
o Direito Civil brasileiro contemporâneo. São Paulo: Juruá,
2007. p.184.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.59-76, jul./dez. 2009
79
O USO DO VÉU ISLÂMICO NOS SETORES
PÚBLICO E PRIVADO*
Alice Catarina de Souza Pires**
A afirmação do laicismo é uma constante na história da
França. E nesse contexto discute-se o véu usado pelas mulheres
muçulmanas, uma presença significativa na paisagem humana
francesa.
Ainda recentemente, o Presidente francês enfatizou
a proibição da burca, em nome da segurança nacional. Eis aí a
atualidade do tema de que trato no presente artigo, originalmente
escrito em francês, como contribuição discente no curso de
mestrado na Faculdade de Direito da Universidade de Paris.
O debate sobre a licitude do uso do véu islâmico (o famoso
hijab), principalmente nos estabelecimentos escolares, se estende
às relações de trabalho. A liberdade religiosa foi proclamada,
primeiramente, como uma liberdade pública oponível ao Estado
pelo cidadão. Posteriormente, em textos relativamente recentes,
ela foi garantida ao empregado face ao seu empregador.
No plano das liberdades públicas, a liberdade religiosa é
reconhecida desde a Declaração dos Direitos do Homem de 1789,
segundo a qual “ninguém pode ser molestado por suas opiniões,
incluindo opiniões religiosas, desde que sua manifestação
não perturbe a ordem pública estabelecida pela lei” (art. 10º).
A proibição de discriminações entre os cidadãos pelas suas
convicções religiosas também está no Preâmbulo da Constituição
Francesa de 1946: “Todo ser humano, sem distinção de raça, de
religião, nem de crença, possui direitos inalienáveis e sagrados”1.
E a Constituição de 1958 inclui que “A República respeita todas as
crenças”2.
No plano das relações de trabalho, foi mais recentemente
que o legislador se interessou pela garantia da liberdade de opinião
e de consciência do trabalhador. O Relatório Auroux de 1982 afirma
que “As liberdades públicas, aplicáveis a todo cidadão, devem
entrar na empresa, nos limites compatíveis com as necessidades
*
Le port du foulard dans le secteur public et dans le secteur privé.
Juíza do Trabalho da 5ª Região; mestre em Direito Social pela Université PanthéonAssas/Paris 2.
1 “Tout être humain, sans distinction de race, de religion, ni de croyance, possède
des droits inaliénables et sacrés”.
2 “La Republique respecte toutes les croyances”.
**
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
80
da produção” 3. E a Lei de 4 de outubro do mesmo ano (artigos
L.122-35 e L.122-45 do Código do Trabalho), aplicando este
mesmo entendimento a propósito do regulamento interno e das
sanções disciplinares estabelece que “O regulamento interno não
pode conter disposições que prejudiquem os empregados no seu
emprego, nem no seu trabalho em razão [...] de suas opiniões
ou confissões, e nenhum empregado pode ser sancionado ou
despedido em razão [...] de suas convicções religiosas” 4.
Entretanto, como toda liberdade pública, a liberdade
religiosa pode ser limitada pelo Estado, em nome do princípio da
laicidade (princípio de valor constitucional desde 1946 e retomado
pela Constituição de 1958). Esse princípio contém a exigência da
neutralidade do Estado e, consequentemente, da neutralidade do
serviço público. E mais, é preciso que a Administração, submetida
ao Poder Público, não apenas garanta essa neutralidade, mas
demonstre essa característica por sinais exteriores, a fim de que os
usuários não duvidem da sua neutralidade. É exatamente isso que
o Conseil d´État chama de ‘dever de estrita neutralidade’, que se
impõe a todo agente que colabora com o serviço público.5 Assim,
toda manifestação de convicções religiosas no campo do serviço
público é proibida e o uso de símbolos religiosos, entre os quais o
véu islâmico, também o é, mesmo que os agentes não trabalhem
em contato direto com o público.
Desta forma, a Lei de 15 de março de 20046, que regula o
uso de símbolos religiosos nas escolas públicas, apenas confirma a
proibição, já existente, a cada agente público de ostentar as suas
crenças.
Mas a missão do serviço público é diferente dos encargos das
empresas. Enquanto na função pública os agentes devem respeitar
o princípio da neutralidade (Parte I), os empregados de empresas
privadas não estão submetidos a esta obrigação (Parte II).
3
4
5
6
“les libertés publiques, applicables à tout citoyen, doivent entrer dans l´entrepreise,
dans les limites compatibles avec les contraintes de la production”.
Le règlement intérieur ne peut comporter des dispositions lésant les salariés dans
leur emploi et leur travail en raison [...] de leurs opinions ou confessions, et
aucun salarié ne peut être sanctionné ou licencié en raison [...]de ses convictions
religieuses”.
Conseil d´Etat, 3 mai 1950 et l´avis contentieux du 3 mai 2000.
Loi encadrant , en application du principe de laicité, le port des signes ou de
tenues manifestant une appartenance religieuse dans les écoles, collèges et
lycées publics.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
81
PARTE I: O USO DO VÉU NO SERVIÇO PÚBLICO
No âmbito do serviço público, enquanto os usuários têm,
em princípio, o direito de usar um símbolo ou uma roupa destinada
a manifestar a adesão a uma determinada religião, notadamente
o véu islâmico (Capítulo 2), essa possibilidade está fechada para
os agentes públicos quando no serviço (Capítulo 1).
CAPÍTULO 1: UMA PROIBIÇÃO PARA FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
A jurisprudência do Conseil d´Etat reconheceu o valor
constitucional da liberdade de consciência e da liberdade de
manifestar as próprias convicções religiosas. Com efeito, em
sua decisão datada de 3 de maio de 2000, no caso conhecido
como Demoiselle Marteaux, o Conseil d´Etat reconheceu
expressamente a liberdade de consciência aos agentes
públicos. Assim como todos os cidadãos, os funcionários
têm liberdade de manifestar e expressar as suas convicções
religiosas, mas não obstante, o princípio da laicidade proíbe
a expressão e a manifestação dessas convicções no serviço.
Na citada decisão Demoiselle Marteaux, o Conseil
d´Etat enuncia esse princípio em termos genéricos, à
ocasião de um julgamento relativo ao uso do véu islâmico
por uma senhora que trabalhava como fiscal de alunos
interina, in verbis: “Apesar dos funcionários do setor de
ensino beneficiarem, como todos os agentes públicos, da
liberdade de consciência, que proíbe qualquer discriminação
fundada na religião, tanto no acesso às funções como no
desenvolvimento da carreira, o princípio da laicidade impede
que eles disponham, no serviço, do direito de manifestar as
suas crenças religiosas” 7. E nessa mesma decisão o Conseil
d´Etat vai além e estabelece que “Não se deve distinguir os
funcionários que exercem ou não funções de ensino” 8.
7
8
“Si les agents du service de l´enseignement bénéficient comme tous les agents
publics de la liberté de conscience qui interdit toute discrimination dans l´accès
aux fonctions comme dans le déroulement de la carrière qui serait fondée sur leur
religion, le principe de läicité fait obstacle à ce qu´ils disposent, dans le cadre du
service public, du droit de manifester leurs croyances religieuses”.
“Il n´y a pas lieu d´établir une distinction entre les agentes de ce service public
selon qu´ils sont ou non chargés de fonctions d´enseignement”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
82
O entendimento formado no caso Demoiselle Marteaux
foi aplicado posteriormente pelo Tribunal Administrativo de
Paris, que, em um julgamento que não envolvia o ensino
público 9, reafirmou a proibição para o funcionário público de
exprimir e manifestar suas convicções religiosas. Nesse processo,
Madame E., assistente social em um centro médico da cidade de
Nanterre, titular de um contrato de direito público e por tempo
determinado, contestou a determinação do seu empregador de
não renovar o seu contrato, em razão da recusa da requerente
em retirar o véu que portava. No caso, alguns pacientes do centro
fizeram queixas relacionadas com a questão, e a funcionária
manteve a decisão apesar das advertências recebidas por parte de
seus superiores e dos requerimentos formulados pelos conselhos
amigáveis formados pelos seus colegas de trabalho.
Diante dos fatos, o Tribunal decidiu que mesmo que
os funcionários públicos beneficiem, como qualquer cidadão,
da liberdade de consciência e de religião, prevista pelos textos
constitucionais, convencionais e legislativos, os princípios da
laicidade do Estado e da neutralidade do serviço público impedem
que esses agentes disponham, no exercício de suas funções,
do direito de manifestar suas crenças religiosas, principalmente
através de uma exteriorização indumentária. Esses princípios, que
visam a proteger os usuários do serviço de todo risco de influência
ou de insulto a sua própria liberdade de consciência, concernem
todos os setores do serviço público e não apenas o do ensino. Essa
obrigação deve ser aplicada com maior rigor nos setores em que
os usuários do serviço público se encontram em um estado de
fragilidade ou de dependência.
A decisão no caso Demoiselle Marteaux enunciou também
o princípio segundo o qual o fato de um agente do ensino público
manifestar, no exercício de suas funções, suas crenças religiosas,
principalmente utilizando um símbolo religioso, constitui uma falta
a suas obrigações. Como dito, apenas os agentes da Educação
Nacional foram mencionados, mas o princípio tem vocação a
englobar todos os funcionários públicos.
Em julgamento pronunciado no dia 8 de julho de 2003,
o Tribunal Administrativo de Lyon considerou legais as medidas
disciplinares tomadas com relação a uma funcionária que usava o
véu islâmico durante o serviço. O Tribunal ressalta que o fato de
um funcionário se recusar a obedecer as reiteradas ordens de seus
superiores hierárquicos e transgredir deliberadamente o princípio
9
Jugement daté du 17 octobre 2002.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
83
da laicidade, pelo uso, no serviço, de uma roupa exprimindo de
maneira ostentatória a sua devoção a um determinado culto,
constitui uma falta de particular gravidade. No caso, Sra. Nadjet
Ben A... exerce a função de inspetora do trabalho na subdivisão
de Lyon e desde 8 de outubro de 2001 ela usa o véu islâmico. Seu
superior hierárquico pediu, várias vezes, que ela usasse outro tipo
de vestimenta. Como ela se recusou, foi advertida e, em seguida,
suspensa por quinze dias. A Administração justificou a medida
disciplinar alegando que o comportamento da Sra. Nadjet Ben A.
violou a laicidade e a neutralidade do Estado.
Neste processo, o Tribunal Administrativo de Lyon não
apenas entendeu que a medida disciplinar tomada foi legítima,
como também respondeu a uma nova questão, a respeito da
aplicação da Lei nº. 2002-1062 de 6 de agosto de 2002. Para o
tribunal administrativo, a falta resultante do uso do véu islâmico por
uma funcionária, apesar dos protestos do seu superior hierárquico,
não pode ser anistiada. Com efeito, a referida lei de 6 de agosto
de 2002 exclui do benefício da anistia “os fatos que constituem
infrações à honra, à probidade e aos bons costumes” 10. E para o
Tribunal Administrativo de Lyon, a conduta imputada à Sra. Nadjet
Ben A. constitui uma falta à “honra profissional” 11 .
CAPÍTULO 2:UMA FACULDADE PARA OS USUÁRIOS
DO SERVIÇO PÚBLICO
A jurisprudência faz uma distinção com relação aos
usuários do serviço público, estatuindo que eles têm, em princípio,
o direito de usar símbolos religiosos. Foi nesse sentido que o
Conseil d´Etat decidiu no processo de 20 de maio de 1996 sobre
a questão do uso do véu islâmico por alunas de escolas públicas.
Entendeu o tribunal que nos estabelecimentos escolares o uso
pelos alunos de símbolos religiosos não é, por si só, incompatível
com o princípio da laicidade, na medida em que se enquadra no
exercício da liberdade de expressão e de manifestação das crenças
religiosas.
Entretanto, prossegue aquele colegiado, essa liberdade
não permite que os alunos usem símbolos que, por sua natureza,
pelo modo como são usados, ou pelo seu caráter ostentatório
ou reivindicativo, constituam um ato de pressão, provocação,
10 “les faits constituant des manquements à l´honneur, à la probité et aux bonnes
moeurs”.
11 “l´honneur professionnel”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
84
proselitismo ou de propaganda. Da mesma forma, entende o
Conseil d´Etat, não podem ser aceitos símbolos religiosos que
atentem contra a dignidade ou a liberdade dos alunos e de outros
membros da comunidade educacional, comprometendo a sua saúde,
segurança ou atrapalhando o desenvolvimento das atividades de
ensino e o papel educativo dos professores, enfim, que perturbem
a ordem no estabelecimento ou o normal funcionamento do serviço
público.
PARTE II: O USO DO VÉU NO SETOR PRIVADO
A aplicação do princípio da liberdade ao uso do véu tem uma
conotação específica no setor privado (Capítulo 1) e as restrições que
lhe podem ser impostas incidem sobre o próprio contrato de trabalho
(Capítulo 2).
CAPÍTULO 1:LIBERDADE E USO DO VÉU
O uso do véu por uma trabalhadora pode ser encarado como
o exercício de duas liberdades: a liberdade “vestimentar” e a liberdade
religiosa.
No acórdão de 28 de maio de 2003, em processo conhecido
como ‘o caso da bermuda’, a Chambre Sociale afirmou que “a liberdade
de se vestir ao seu gosto ao tempo e no local de trabalho não se insere
na categoria das liberdades fundamentais”12. Fazendo uma distinção
entre as liberdades e excluindo a escolha das suas vestimentas do
grupo das liberdades fundamentais, a Cour de Cassation faz uma
hierarquia das liberdades, o que traz certas conseqüências. Primeiro,
isso parece indicar que se deve ser mais severo em admitir restrições
a uma liberdade fundamental do que a uma liberdade que não pode
ser considerada como tal. Em segundo lugar, porque uma vez relegada
ao rol das liberdades ordinárias, o desrespeito à liberdade de se vestir
ao seu gosto não pode ser sancionado com a nulidade, reservada à
violação das liberdades fundamentais. Assim sendo, o que se deduz
dessa decisão é que um mesmo dispositivo (art. L. 120-2 do Código do
Trabalho Francês) pode ser sancionado diferentemente, dependendo
da categoria da liberdade que se quer proteger.
A referida decisão contribuiu também para o reconhecimento
do poder do empregador sobre as vestimentas dos seus empregados.
E, de acordo com a jurisprudência, a restrição à liberdade de se vestir
12 La liberté de se vêtir a sa guise au temps et au lieu de travail n´entre pas dans la
catégorie des libertés fondamentales.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
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ao seu modo só é legítima quando a roupa apresenta um caráter
anormal. É o caso tratado no acórdão de 6 de novembro de 2001, no
qual a Cour de Cassation considerou que a decisão do patrão de proibir
uma empregada de se apresentar no trabalho com o soutien à mostra
era justificável.
Ocorre que a questão do uso do véu não se limita à liberdade
de se vestir, sendo uma extensão de uma liberdade fundamental: a
liberdade religiosa. Mas a qualificação da liberdade religiosa como uma
liberdade fundamental não dispensa a busca pela conciliação entre
esse direito e a subordinação jurídica.
Assim, no processo envolvendo um trabalhador muçulmano
empregado de um açougue, que se recusava a entrar em contato com
a carne de porco, a Cour de Cassation entendeu que, salvo cláusula
expressa, as convicções religiosas do empregado não podem interferir
no contrato de trabalho e o empregador não comete nenhuma falta
ao exigir do empregado que ele execute a tarefa para a qual fora
contratado, desde, é claro, que esta não contrarie qualquer disposição
de ordem pública. O compromisso do trabalhador de executar o serviço
objeto do contrato prevalece sobre os seus preceitos religiosos.
Esse princípio colocado pela Chambre Sociale é suscetível de
várias aplicações. Assim, um empregado não poderia, por exemplo,
invocando suas convicções religiosas, suspender o seu trabalho para
cumprir suas obrigações rituais de oração em determinadas horas, ou
porque a sua religião o proíbe de trabalhar em certos dias. Mas, o que
dizer sobre o véu islâmico que, geralmente, não constitui um obstáculo
direto à boa execução do trabalho ligado à natureza do serviço a ser
realizado?
Com relação ao véu islâmico, geralmente o que motiva
as restrições impostas pelo empregador à liberdade da empregada
não é a execução em si do trabalho, mas a preocupação em não
comprometer a imagem que ele quer atribuir à empresa. Para proibir
o uso do hijab, os empregadores procuram uma justificativa nas
reações, supostas ou reais, dos clientes da empresa que entram em
contrato com as empregadas usuárias do véu. E essa apreciação feita
pelos empregadores do interesse da empresa como justificativa para
as restrições feitas à liberdade das trabalhadoras tem sido aceita pelos
tribunais franceses. Assim é que o Tribunal de Paris admitiu que um
empresário que explora um centro comercial no bairro de La Défense
exigisse que uma vendedora, em contato com um largo público com
convicções variadas, deixasse de usar o véu muçulmano.13
13 Paris, 16 mars 2001.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
86
Mas, como dito anteriormente, as restrições feitas pelo
empregador à liberdade religiosa da empregada, proibindo-lhe o
uso do véu, interfere diretamente no contrato de trabalho.
CAPÍTULO 2:RESTRIÇÕES AO USO DO VÉU E SEUS
EFEITOS PARA O CONTRATO DE TRABALHO
Os efeitos dessas restrições podem ser constatados tanto
antes do contrato, como durante a sua execução.
De acordo com o disposto no artigo L. 122-4 do Código
do Trabalho francês, o empregador que recusar contratar uma
trabalhadora usuária do véu deve provar que a sua decisão foi
tomada com base em elementos objetivos estranhos a qualquer
discriminação. Assim é que na região de Champagne, uma mulher
portando o lenço se apresentou aos viticultores para trabalhar na
colheita das uvas. À vista do lenço que ela portava, os proprietários
decidiram não contratá-la, alegando que o véu chocava os outros
trabalhadores. O Tribunal Correcional 14 declarou não culpados os
viticultores e afirmou que o fato de exigirem a retirada do véu
como condição para a contratação da empregada não poderia ser
considerado como um comportamento discriminatório relacionado
à crença religiosa da assalariada. O Conseil de Prud´hommes da
mesma cidade , porém, tinha sobre o caso uma opinião diferente.
Para os juízes do trabalho, como nenhum embaraço foi provado,
a insistência da trabalhadora em usar o véu não poderia ser
considerada como um motivo válido para a ruptura da promessa
de emprego.
Uma outra questão que se coloca é a de saber se
o empregador que contratou uma empregada que portava
ostensivamente o véu islâmico pode, em seguida, proibi-la de
usar o véu. A decisão proferida pelo Conseil de Prud´hommes de
Paris em 17 de dezembro de 2002 mostra que o tribunal levou
em consideração a apresentação da trabalhadora para a entrevista
de emprego. Nessa decisão o tribunal parece estabelecer uma
correlação entre o fato de o empregador não levar em consideração
as manifestações das convicções religiosas da empregada no
momento da contratação e o seu direito de restringir essas mesmas
manifestações quando da execução do contrato. Nessa decisão,
o tribunal considerou nula a despedida de uma empregada que
se recusava a tirar o véu durante o trabalho, uma vez que ela
se apresentou com o véu na entrevista de emprego, o que leva
14 Tribunal que integra a jurisdição penal francesa
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
87
a crer que o empregador não considerou que a aparência física
da empregada denotando as suas convicções religiosas pudesse
acarretar dificuldades para a empresa.
Em contrapartida, se a restrição ao uso do véu islâmico
durante o trabalho for justificada pela natureza do serviço a ser
realizado e proporcional ao objeto do contrato, a empregada
comete falta grave ao se recusar a obedecer às ordens referentes
à restrição dessa liberdade. De acordo com a jurisprudência
dominante, uma despedida fundada na recusa da empregada
muçulmana de se curvar às determinações do empregador com
relação ao uso do véu só é considerada lícita se for justificada
pela gravidade do embaraço que esse modo de expressão da fé
religiosa pode causar à atividade da empresa. E nesses casos,
a justificativa da despedida sendo exclusivamente a situação da
empresa, a hipótese escapa à classificação do direito positivo que
prevê apenas despedidas por motivo pessoal ou econômico. Tratase, pois, de um motivo não inerente à pessoa do trabalhador, mas
também não econômico.
A questão aqui é a articulação entre poder e liberdade
que, seja ao nível do Poder Público, seja ao nível das empresas,
ainda continua suscitando discussões.
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C.E. 20 mai 1996, A.J.D.A. 1996. p. 709
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CA Paris, 16 mars 2001, RJS, 11/2001, nº 1252
Cass. Soc. , 6 novembre 2001, Dr. soc. 2002. p.110, obs. Jean
Savatier
Cass. Soc., 24 mars 1998, Dr. soc., 1998. p. 614, obs. Jean
Savatier
CHIRAC, J., Discours du Président de la République du 17 décembre
2003, Le Monde, 19/12/2003.
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88
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12/12/2003.
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vêtir à sa guise, Dr. Soc., 2004. p.132.
REY, F., Le voile s’affiche aussi dans l’entreprise, Liaisons sociales,
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voile islamique, Dr. Soc., 2004. p.354.
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l’honneur de JM Verdier, Dalloz, 2001. p.461.
SUPIOT, J., Critiques du droit du travail, PUF, 1994. p.63.
T.A. Paris, 17 octobre 2002, nº. 0101740/5, Revue de l´actualié
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04/2000, p.260.
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R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.77-86, jul./dez. 2009
89
A NATUREZA DOS EMBARGOS DE TERCEIRO
E O PRAZO PARA A SUA PROPOSITURA NA
EXECUÇÃO TRABALHISTA
Antonio Adonias Aguiar Bastos*
Ruy Andrade**
1 INTRODUÇÃO
Como é sabido, o art. 1.048 do CPC dispõe acerca do
prazo para a propositura dos Embargos de Terceiro contra ato
constritivo praticado na execução, afirmando ser lícito fazê-lo até
cinco dias depois da arrematação, adjudicação ou remição1, mas
sempre antes da assinatura da respectiva carta.
Apesar de existir tal expressa disposição legal, há
posicionamento doutrinário e jurisprudencial defendendo a
aplicação do prazo de cinco dias, previsto pelo art. 884 da CLT,
para o mencionado instituto processual. É o que se depreende da
seguinte lição doutrinária:
O prazo para embargos tem início na data da
arrematação, adjudicação ou remissão (sic!) somente
se o terceiro tomou ciência da apreensão judicial do
bem por ocasião da realização de um desses atos
processuais. Se o terceiro tomou ciência da apreensão
do bem no dia de sua realização, é a partir da
apreensão que começa a fluir o prazo para oposição de
*
**
1
Doutorando e Mestre pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Especialista
em Direito Processual pela Universidade Salvador (UNIFACS). Professor na
Faculdade de Direito da UNIFACS e da Faculdade Baiana de Direito, e dos cursos
de pós-graduação lato sensu em Direito Processual Civil da Fundação Faculdade
de Direito da UFBA, da UNIFACS, da Universidade Católica do Salvador (UCSal),
do Centro de Cultura Jurídica da Bahia (CCJB) e da Faculdade Baiana de Direito.
Advogado em Salvador, Bahia. Contato pelo e-mail: [email protected]
Acadêmico em Direito pela Faculdade Ruy Barbosa, em Salvador, Bahia. Contato
pelo e-mail: [email protected]
Observamos que a Lei 11.382/2006 reformou o CPC no que tange às modalidades
expropriatórias na execução, entre outros aspectos. Neste passo, extinguiu o
instituto processual da remição da execução, anteriormente previsto entre os
arts. 787 e 790 do CPC. Atualmente, a expropriação executiva pode dar-se pela
adjudicação (arts. 685-A e 685-B do CPC), pela alienação/aquisição por iniciativa
particular (art. 685-C do CPC) ou pela alienação/arrematação em hasta pública
(arts. 686 a 707 do CPC). De uma maneira ou de outra, a idéia central do art.
1.048 é que o prazo seja contado a partir do ato expropriatório, em qualquer uma
de suas modalidades.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
90
embargos de terceiro. Se o terceiro, ciente da penhora,
aguarda a arrematação, adjudicação ou remissão para
oposição de embargos, estes deverão ser rejeitados,
por intempestivos (ALMEIDA, 2006, p. 953)
Há alguns julgados no mesmo sentido:
AGRAVO DE PETIÇÃO DA TERCEIRA EMBARGANTE.
INTEMPESTIVIDADE DOS EMBARGOS DE TERCEIRO.
A terceira-embargante tomou ciência da penhora do
bem do qual alega se proprietária parcial na ação
principal em 10.09.02, somente ajuizando a ação
de embargos de terceiro em 20.01.05, a destempo,
portanto, na medida em que o prazo previsto no art.
1.048 do CPC pressupõe que o terceiro não tenha
tido ciência anterior da constrição judicial por ele
embargada. (TRT 4ª Região – 2ª Turma – Relatora:
Juíza Denise Pacheco. Proc. 00041-2005-351-04-00-4
AP. Publicação em 19/10/2005).
Penhora sobre bens de terceiro. Prazo para ajuizamento
de embargos. Art. 884 da CLT. A teor do disposto
no art. 884 da CLT, se o terceiro interessado tomou
conhecimento da penhora havida sobre seus bens no
dia em que foi efetuada, tendo sido, inclusive, nomeado
fiel depositário, o prazo de 05 dias par apresentação
de seus embargos à penhora, ainda que na condição
de terceiro, começa a fluir daquele ato, e não a partir
da arrematação, adjudicação ou remissão (sic!), como
previsto no art. 1.048 do CPC, regra esta aplicável
apenas aos casos em que o terceiro prejudicado toma
ciência da constrição judicial após a realização da
hasta pública (TRT 3ª Região – 1ª Turma – Relator:
Juiz Marcus Moura Ferreira. Proc. 00335-2002-11203-00-0 AP. Publicação em 11/10/2002).
Como se vê, a lição doutrinária e os julgados acima
transcritos afirmam que o prazo do art. 1.048 do CPC aplica-se
somente quando o terceiro tomar ciência da contrição no momento
da prática do ato expropriatório. Do contrário, incidiria o prazo dos
embargos à execução, estipulado pelo art. 884, Consolidado.
Há, de outro lado, juristas e julgadores que interpretam
o art. 1.048 na sua literalidade, como se depreende das seguintes
transcrições:
EMBARGOS DE TERCEIRO. PRAZO. O prazo para
interposição de embargos de terceiro, no processo
de execução, é de cinco dias depois da arrematação,
adjudicação ou remição, mas sempre antes da
respectiva carta. Inteligência do art. 1048, do CPC,
de aplicação subsidiária ao processo trabalhista.
Não comprovando o agravante a tempestividade dos
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
91
embargos de terceiro opostos, há de ser mantida a
sentença que não os conheceu por intempestividade.
Agravo de petição improvido. (TRT 6ª Região – 1ª
Turma – Proc. 00475-2002-012-06-00-3 – Juiz
Relator: Valdir José Silva de Carvalho)
EMBARGOS DE TERCEIRO - PRAZO - A lei processual
civil permite ao terceiro opor embargos na fase de
execução. Todavia, há de ser observado o prazo de até
05 (cinco) dias da arrematação ou adjudicação do
bem objeto da penhora e sempre antes da assinatura
da respectiva carta de sentença para oposição de tal
medida”. (TRT 3ª Região. – 7ª Turma – Proc. 006402006-029-03-00-9 AP – Relatora: Desembargadora
Maria Perpétua Capanema F. de Melo. Publicação em
02/11/2006)
Pendendo tal querela em sede doutrinária e jurisprudencial,
procederemos à análise dos Embargos de Terceiro, examinando a
natureza do instituto e contrapondo-a à dos embargos à execução,
para chegar a uma conclusão sobre a possibilidade de aplicar o
prazo previsto pelo art. 1.048 do CPC ou aquele a que alude o art.
884 da CLT para a defesa do terceiro na execução trabalhista.
2 NATUREZA JURÍDICA E OBJETO DOS EMBARGOS DE
TERCEIRO
Dentre os inúmeros atos de ameaça, turbação ou esbulho
possessório que podem recair sobre uma determinada coisa, é
possível que eles se originem de ato de particular ou do Estado. No
âmbito deste último, a ofensa à posse pode decorrer da atividade
administrativa ou da judicial, no curso de um processo jurisdicional,
em que se deve oportunizar o contraditório e a ampla defesa.
Neste passo, o ordenamento jurídico prevê a existência de
ações possessórias em seu sentido mais amplo, assim consideradas
como aquelas que versam sobre a posse sob algum aspecto, seja
ela considerada como a causa de pedir ou como o pedido2.
2
Neste sentido explica Joel Figueira Dias (1997, p. 66): “(...) o interdito, a
manutenção e a reintegração, cujas respectivas tutelas encontram sua verdadeira
razão de existência nas relações eminentemente fático-potestativas, tendo sempre
em consideração a causa de pedir - os fatos e os fundamentos jurídicos do pedido
(o ius possessionis) (...) Não se pode negar que outros remédios judiciais, tais
como o reinvidicatório (art. 524, CCb), a nunciação de obra nova (art. 554, 555,
573, 582, 586, 623, I, e 628, todos os CCb, e art. 934, do CPCb), os embargos de
terceiro (art. 1046, do CPCb), a ação de depósito (art. 1.266, 1.267 e 1.275, do
CCb, e art. 901, do CPCb), a imissão de posse (art. 524, do CCb), têm por escopo
também, mas de forma transversa, a proteção da situação fática possessória.
Todavia essas ações não se revestem de natureza eminentemente interdital, seja
por que o pedido fundamenta-se no direto de propriedade ou no direito obrigacional
de devolução da coisa, ou na proteção contra atos judiciais de constrição (...)”
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
92
Neste enquadramento está a ação de imissão na posse, na qual
o autor alega ser proprietário do bem (causa de pedir), buscando
a entrega da posse (pedido).
Existem, de outro lado, as ações possessórias em sentido
estrito, cuja regulamentação encontra-se entre os arts. 920 e 933
do CPC e que se caracterizam por seu caráter exclusivamente
possessório, na medida em que tanto a causa de pedir como o
pedido versam sobre a posse, não sendo relevante a discussão
da propriedade para a procedência do pleito. Isto é, litiga-se pela
entrega da posse com base no direito de posse3. Tanto é assim
que o art. 923 do CPC veda a discussão dominial na pendência do
processo possessório. É o que acontece na demanda movida pelo
locatário contra o locador, em que este, embora proprietário, pode
não ter o direito à posse direta, alienada por meio do contrato de
locação àquele.
Neste panorama, as ações possessórias servem à proteção
contra os atos de ameaça, turbação ou esbulho possessórios
praticados por particulares4 ou pelo Estado-administração5.
Se, de outro lado, o ato de ameaça ou violação à posse
emana do Judiciário no regular exercício da sua função precípua
(como nos casos de penhora, depósito, arresto, seqüestro,
alienação judicial, arrecadação, arrolamento, inventário ou
partilha), o remédio cabível para a sua defesa serão os embargos
de terceiro, previstos pelos arts. 1.046 a 1.054 do CPC6.
É importante evidenciar que a querela sobre a (i)
legalidade do ato constritivo judicial não consiste no objeto
principal de uma demanda. Via de regra, trata-se de questão
incidente, que ocorre como uma sua conseqüência. Assim, não
há espaço no procedimento para a dilação acerca da regularidade
da prática de tal ato. Deve-se reservar-lhe um outro iter, voltado
especificamente para a verificação das circunstâncias em que ele
3
4
5
6
Neste sentido, explica Antonio Carlos Marcato (2008, p. 152): “Importa, pois,
para a concessão da tutela adequada a que alude o art. 920 do CPC, que a causa
de pedir seja, genericamente, a ofensa ao direito de posse do autor e, ainda, que
este tenha postulado a concessão de tutela possessória”.
É o que ensina Antonio Carlos Marcato (2008, p. 261): “(...) se a posse foi
ofendida por ato de outro particular, os embargos de terceiro são inadequados
para a solução do litígio, restando ao prejudicado ajuizar ação possessória”.
Neste sentido: Araken de Assis (2007, p. 1194).
Valemo-nos mais uma vez da lição de Antonio Carlos Marcato (2008, p. 261)
sobre o tema: “Conforme já acentuado, terceiro que não seja responsável pelo
cumprimento da obrigação e totalmente estranho ao processo poderá, ainda
assim, ter bem ou direito seu submetido à constrição judicial, devendo valer-se,
para liberá-los, da ação de embargos de terceiro”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
93
foi praticado, até porque pode ter ofendido direito de terceiro,
isto é, de alguém que não figure como parte no processo, sendo
necessário oportunizar-lhe o contraditório e a ampla defesa,
corolários que são do devido processo legal, positivados pelo art.
5º, LIV e LV, da CF/88. Mesmo que a constrição recaia sobre bem
de quem, “posto figure no processo, defende bens que, pelo título
de sua aquisição ou pela qualidade em que os possuir, não podem
ser atingidos pela apreensão judicial” (art. 1.046, § 2º, do CPC)7,
há de se garantir o exercício daqueles direitos resguardados em
âmbito constitucional para o debate específico acerca da posse.
Vê-se, pois, não ser relevante que a constrição recaia sobre bem
de terceiro ou da própria parte processual para que os embargos
de terceiro sejam manejados. Importa, sim, que se queira discutir
o ato e que ele não seja o objeto principal do processo. Não o
sendo, não há como desenvolver uma instrução para tal fim dentro
do próprio procedimento já instalado, sob pena de tumultuá-lo.
Neste passo, a doutrina define a natureza dos embargos
de terceiro como uma “ação de conhecimento, de caráter
possessório, geradora de processo autônomo, cujo objetivo único
é o de livrar o bem de terceiro de atos indevidos de apreensão
judicial” (WAMBIER; ALMEIDA; TALAMINI, 2008, p. 435).
Nesta mesma esteira, Araken de Assis (2007, p. 11931194) advoga a natureza possessória da demanda.
Trata-se, portanto, de meio processual adequado à tutela
da posse violada por ordem emanada de processo judicial8, com
natureza de ação que se desenvolverá em processo próprio. Sua
finalidade possessória é evidenciada pelo caput do art. 1.046, ao
legitimar o terceiro que “sofrer turbação ou esbulho na posse de
seus bens por ato de apreensão judicial”.
7
8
A mencionada equiparação da parte ao terceiro consiste numa ficção jurídica,
sendo ela considerada como tal somente para o fim específico de legitimar-se
para os embargos de terceiro.
Alguns doutrinadores emprestam-lhe espectro mais amplo, afirmando que serve
tanto à tutela possessória, como à dominial. É o que afirma Antonio Carlos
Marcato (2006, p. 261): “Os embargos de terceiro visam, portanto, à obtenção
de provimento jurisdicional que proteja quer a propriedade, quer a posse do
embargante, podendo, por isso mesmo, fundamentar-se tanto em direito real
quanto pessoal”. Entendemos que o instituto volte-se à proteção possessória.
Na realidade, a defesa do domínio pode acontecer por via indireta, na medida
em que o proprietário também possua a posse indireta da coisa constrita. Tanto
é assim que o § 1º do art. 1.046 legitima o terceiro “senhor e possuidor, ou
apenas possuidor” a promovê-la. Assim, o nu-proprietário não está autorizado a
manejá-la. É o que ensina Araken de Assis (2007, p. 1193): “Por conseguinte, o
proprietário despojado de posse a eles não se legitima ativamente”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
94
É importante frisar que esta ação não pode ser utilizada
para impugnar a obrigação, a dívida, nem os demais atos
executivos, na medida em que o seu objeto é especificamente a
posse ameaçada, turbada ou esbulhada pelo ato judicial 9. Portanto,
mesmo que seja proposta por quem seja parte no processo (art.
1.046, § 2º), ela não poderá utilizá-lo para opor-se à execução,
mas só para proteger o direito à posse sobre determinada(s)
coisa(s), pelo título de sua aquisição ou pela qualidade em que
o(s) possui. É o caso do executado que pretende retirar a penhora
que recai sobre bem de família, independentemente de insurgirse em relação ao título executivo ou à obrigação nele contida.
3 NATUREZA JURÍDICA E OBJETO DOS EMBARGOS
À EXECUÇÃO
O instituto de que tratamos no tópico anterior não se
confunde com os embargos à execução, considerados como
o meio típico de defesa do executado em relação à execução
fundada em título extrajudicial, no processo civil. No processo
do trabalho, ele serve também à oposição do devedor quando a
atividade satisfativa lastreia-se em título judicial.
Com efeito, a Lei 11.232/2005 criou a impugnação como
9
É o que ensina Carlos Henrique Bezerra Leite (2007, p. 980): “Pelos embargos
de terceiro, portanto, o embargante visa a manter ou restituir a posse do bem
que, indevidamente, encontra-se sob constrição judicial, a teor do art. 1.046 do
CPC, cuja interpretação pode ser ampliada não apenas para proteger os bens do
embargante contra a constrição indevida e materializada, mas também para a
ameaça da constrição”. Os embargos de terceiro não têm a finalidade de impugnar
o título, nem a dívida, como ensina José Augusto Rodrigues Pinto (2006, p. 390391): “Por conseguinte, a reação à lide pelo estranho prejudicado no seu interesse
jurídico por ato processual que lhe perturbou o patrimônio, em demanda de que
não participa e na qual, até então, não tinha o menor interesse, toma o caráter
de verdadeira ação de intervenção, para que a pessoa, que se diz prejudicada,
por efeito da penhora, arresto, seqüestro, depósito, venda judicial, arrecadação,
partilha ou qualquer outro ato judicial que importe em turbação ou esbulho à
sua posse ou direito, venha defender seus bens e livrar-se da importunação
ou da violência sofrida, em conseqüência do mesmo ato judicial, não importa
a espécie de ação ou demanda em que se tenha executado. (...) Em qualquer
alternativa, como se vê, o processo no qual teve origem a intervenção do terceiro
prosseguirá seu curso normal, cuja suspensão só ocorre, em eventualidade
específica a ser comentada, enquanto têm curso os embargos. Por outro lado,
sua natureza incidental e o objeto específico da ação por eles motivada carecem
de qualquer força para influir no destino final da execução, salvo quanto aos bens
que pretendem preservar” (itálico existente na versão original).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
95
a modalidade de defesa do executado em relação ao cumprimento
de sentença (tramite ele no regime sincrético ou autônomo),
reservando os embargos a obstar a execução baseada em título
extrajudicial. Esta distinção, no entanto, não se aplica ao executivo
trabalhista. Com efeito, o art. 769 da CLT determina a aplicação
do direito processual comum, em caráter subsidiário ao direito
processual do trabalho nos casos em que este for omisso e salvo
naquilo em que for incompatível com as normas consolidadas
específicas.
Neste passo, o art. 884 da CLT é expresso ao estabelecer
os embargos à execução como meio de defesa à execução, qualquer
que seja o título que lhe dê espeque.
Na realidade, o legislador não previu a hipótese de a
execução trabalhista fundar-se em título extrajudicial, mesmo
porque, anteriormente à vigência da EC 45/2004, a competência
da Justiça do Trabalho estava restrita às lides cujo objeto era a
relação de emprego, e não a relação de trabalho. Ocorre que
a documentação da relação empregatícia por meio de títulos
executivos extrajudiciais é praticamente inexistente10.
Neste passo, o objeto dos embargos à execução é
delimitado pelo § 1º do art. 884 da CLT, restringindo-se às
alegações de cumprimento da decisão ou do acordo, quitação ou
prescrição da dívida.
Parece-nos que esta delimitação só se aplica à defesa
contra a execução fundada em título judicial, pois, no campo
dos títulos extrajudiciais, é necessário propiciar a ampla defesa,
permitindo que o executado alegue qualquer matéria que lhe seria
lícito deduzir como defesa em processo de conhecimento (art. 745,
V, do CPC), já que a certificação do direito não decorreu da atividade
jurisdicional, não tendo passado pelo crivo do contraditório, da
ampla defesa, nem do devido processo legal.
10 A execução trabalhista fundada em título extrajudicial é assunto relativamente
novo e decorre da ampliação das atribuições constitucionais da Justiça do
Trabalho. É o que ensina José Augusto Rodrigues Pinto (2006, p. 26): “O legislador
trabalhista, ao contrário, porque só se ocupou, originariamente, da execução da
sentença, conforme definiu o art. 876 de sua CLT, manteve-se ao largo dessas
distinções de rito. O leitor que nos acompanhou até aqui, nas sucessivas edições
desta obra terá percebido que essa diferença de postura legislativa sempre nos
levou a circunscrever nossos comentários à execução fundada no título judicial.
Entretanto, na medida da expansão do complexo de relações trabalhistas de
direito material, cresceu a pressão de interessados e dos fatos determinantes da
própria expansão, no sentido de ver acrescentada ao ordenamento positivo do
direito processual trabalhista a execução fundada em títulos extrajudiciais”. No
mesmo sentido: Marcus Maltez Tanajura Gomes (2007, p. 84-97).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
96
A espécie de título importa, pois, para definir a amplitude
da defesa do executado, e não a sua espécie, já que sempre serão
os embargos do executado.
Não obstante os embargos sejam o único meio típico de
defesa do executado no processo trabalhista, existe controvérsia
acerca da sua natureza quando utilizados como meio de oposição
ao cumprimento de sentença.
A controvérsia acerca da natureza da defesa do executado
contra o cumprimento de sentença voltou à tona por força da Lei
11.232/2005, que alterou o regime de cumprimento da sentença.
ssim, a questão surgiu no âmbito do direito processual civil11
11 No direito processual civil, os doutrinadores ainda não chegaram a um consenso
acerca da natureza jurídica da impugnação de que tratam os arts. 475-J, §
1º, e 475-L. Há, de um lado, quem afirme sua natureza de ação incidental,
concebendo-a da mesma maneira que os revogados embargos à execução
fundada em sentença:
“(...) a finalidade defensiva e reativa da impugnação não lhe retira o que é
essencial: o pedido de tutela jurídica do Estado, corrigindo os rumos da atividade
executiva ou extinguindo a pretensão de executar” (ASSIS, 2006, p. 314)
Sob um segundo ponto de vista, tratam-na como defesa, mera exceção que visa
a resistência à atividade satisfativa postulada pelo exeqüente. É o que diz Danilo
Knijnik (OLIVEIRA, 2006, p. 146).
“Ao que parece, o legislador institucionalizou, ainda que em parte, e limitadamente
às execuções por quantia certa, a praxe jurisprudencial consagrada; doravante,
cumpre ao devedor opor-se ao requerimento executivo, em primeiro lugar, nos
próprios autos; em segundo lugar, através de simples petição, denominada
impugnação”. (grifos oriundos do texto original)
Nesta mesma esteira: Fredie Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira
(2007, p. 459), Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 450) e Luiz Guilherme
Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart (2007, p. 290). Hugo Filardi (2007, p. 151)
também afirma: “A modificação do rótulo do meio de defesa posto à disposição
do executado não foi apenas uma simples modificação de nomenclatura.
Isso ficou mais claro com a manutenção dos embargos do executado na
Lei 11.382/2006 e a clara diferenciação dos mecanismos de defesa entre
a execução de título judicial e extrajudicial. Embargos do executado é
uma modalidade de ação, que introduz espectro de cognição à atividade
executiva. Já a impugnação é um mecanismo de defesa processual que aferir
(sic!) a legitimidade, legalidade e extensão do título executivo judicial, sem,
contudo,permitir uma ampliação da zona de cognição já formada”.
Por um terceiro ângulo, há doutrinadores que afirmam poder ser tanto ação
como defesa, dependendo da matéria veiculada pelo executado. Se estiver
fundada nos incisos I ou VI do art. 475-L, seria ação. Lastreando-se nos demais
incisos, consistiria em defesa. É o que pensa Leonardo Greco (2006, p. 81).
Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery (2006, p. 645) sustentam ser
a impugnação um misto de ação e de defesa, afirmando que é um incidente
processual no que toca ao procedimento, mas que tem natureza de ação “(...)
porque o impugnante tem pretensão declaratória (v.g. inexistência de citação,
inexigibilidade do título, ilegitimidade de partes e prescrição) ou desconstitutiva da
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
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e de lá se transportou para a seara processual trabalhista com
complexidade ainda maior. Diferentemente do que acontece no
processo civil, em que a oposição do devedor será veiculada por
meio de impugnação ao cumprimento de sentença, e por meio de
embargos se a execução estiver fundada em título extrajudicial,
o art. 884 da CLT trata apenas dos embargos. Não havendo tal
distinção legal na seara juslaboral, é necessário perquirir se
o mesmo instituto pode possuir diversas naturezas jurídicas,
conforme o título exeqüendo.
Carlos Henrique Bezerra Leite (2007, p. 890) faz uma
diferenciação quanto à natureza do instituto, conforme seja utilizado no
cumprimento de sentença, caso em que seria uma defesa veiculada por
incidente processual, ou na execução fundada em título extrajudicial,
situação em que possuiria natureza de ação de conhecimento veiculada
em processo autônomo. Para tanto, o doutrinador considera as
modificações realizadas no sistema processual pela Lei 11.232/2005:
Se adotarmos a tese de que, no processo do trabalho,
não há mais um processo de execução de sentença (título
judicial), então é forçoso concluir que os embargos do
devedor (CLT, art. 884) deixam de ser uma ação, e passa
a ser simples incidente processual no curso da fase de
conhecimento.
No entanto, tratando-se de execução de título extrajudicial,
aí teremos um processo autônomo de execução e
o executado poderá ajuizar uma ação incidental de
embargos à execução, como veremos no item 24 infra
(itálicos existentes no original).
O assunto, no entanto, não está nem um pouco pacificado.
José Augusto Rodrigues Pinto (2006, p. 228) entende tratar-se de ação
de conhecimento:
No processo de execução, os embargos se relacionam com
títulos obrigacionais de formação judicial ou extrajudicial.
Ganham, então, natureza de ação incidental, cujo objeto
é desconstituir a constrição patrimonial do Estado-juiz na
ação executiva (título extrajudicial) ou executória (título
judicial), ambas visando ao cumprimento forçado da
obrigação.
eficácia do título exeqüendo (v.g. nulidade da citação, excesso de execução) ou de
atos de execução (v.g. penhora incorreta ou avaliação errônea)” (p. 645-646).
Por fim, há quem entenda tratar-se de um instituto novo, distinto da contestação
e da ação, considerando ser a impugnação um instituto próprio sui generis. Neste
passo, Glauco Gumerato Ramos (2006, p. 243) afirma tratar-se de impugnação.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
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(...) Desde essa visão, percebe-se que os embargos
do devedor são, tecnicamente, uma ação contra a
atividade jurissatisfativa do Estado, que lhe molesta
o patrimônio no vestíbulo de ação originária conexa.
(itálicos já existentes na versão original)
O doutrinador prossegue:
O conceito que a legislação processual trabalhista
oferece para os embargos, a deduzir do § 1º do artigo
884 da CLT, é o de defesa do executado.
Por sua relativa abstração tal conceito não explica, de
modo satisfatório, a natureza jurídica dos embargos
à execução, tratados impropriamente sob o título de
embargos à penhora pelo § 3º do mesmo art. 884.
A impropriedade tem seu fundamento lógico na
circunstância de os embargos à penhora significarem
uma resistência ao ato de constrição em si (p. ex.,
excesso de penhora, impenhorabilidade do bem
constringido), enquanto os embargos à execução
significam a resistência ao procedimento da cobrança,
de que a penhora representa simples garantia de
cumprimento.
Por isso, (...) a doutrina processual evoluiu para
conceituar os embargos à execução como uma
ação incidental à ação executória, que consideram
autônoma em face da ação de conhecimento.
(...) Há, portanto, uma espécie de descompasso
histórico entre o conceito legal trabalhista dos
embargos à execução e a natureza jurídica firmada
pela moderna teoria do processo, que lhe é posterior.
Leve-se isso em conta para a correção da leitura dos
dispositivos aqui mencionados, de modo a tornar
contemporânea sua compreensão (PINTO, 2006, p.
233) (itálicos existentes no original).
Independentemente de sua natureza (ação ou mera
defesa), vê-se que o seu objeto volta-se ao cumprimento da
obrigação, a algum fato que lhe seja extintivo ou modificativo
ou que impeça a sua exigibilidade. Embora o legislador não
mencione expressamente, entendemos que o executado
também pode valer-se de motivos que provoquem a extinção
do processo por vício formal, como a falta de uma das condições
da ação ou como um defeito num dos pressupostos processuais
de constituição ou de desenvolvimento válido do processo.
A oposição à execução lastreada em título extrajudicial
pode ser ainda mais ampla, versando também sobre os vícios
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
99
que o título eventualmente possua.
Em todos estes casos, verifica-se que os embargos
possuem natureza cognitiva e não visam à defesa da posse, mas
à verificação da higidez do título (no caso das execuções por
título extrajudicial), da obrigação ou dos aspectos do processo
executivo.
Como já definimos no livro “A defesa do executado de
acordo com os novos regimes da execução estabelecidos pelas
Leis n.º 11.232/2005 e 11.382/2006” (2008, p. 16):
Querendo, o executado pode resistir a tal atividade
[executiva], com a intenção de desconstituir a aludida
presunção [da existência da obrigação], insurgindo-se
contra o título, apontando fato ligado à obrigação ou
impugnando determinado ato executivo.
Humberto Theodoro Júnior (2007, p. 8) explica que são
os embargos a via para opor-se à execução forçada. Configuram
eles incidentes em que o devedor, ou terceiro, procura defenderse dos efeitos da execução, não só visando a evitar a deformação
dos atos executivos e o descumprimento de regras processuais,
como também resguardar direitos materiais supervenientes ou
contrários ao título executivo, capazes de neutralizá-lo ou de
reduzir-lhe a eficácia, como pagamento, novação, compensação,
remissão, ausência de responsabilidade patrimonial etc..
4 O PRAZO PARA A PROPOSITURA DOS EMBARGOS DE
TERCEIRO NA EXECUÇÃO TRABALHISTA
Como visto, os embargos de terceiro e os embargos à
execução são institutos processuais completamente distintos, com
objetos e finalidades diferenciados.
Neste passo, o prazo do art. 884 da CLT diz respeito aos
embargos à execução, para permitir que o executado se oponha
à atividade satisfativa, valendo-se daquela espécie de defesa
dentro dos contornos legais estatuídos pelo ordenamento jurídico.
O prazo para a sua propositura não é preclusivo, como advoga
parte da doutrina. Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 415) e
Misael Montenegro Filho (2007, p. 514) explicam que a preclusão
é fenômeno endoprocessual, não podendo operar efeitos fora do
próprio processo de execução. Ocorresse, portanto, preclusão na
execução, ela não afetaria os embargos, que possuem natureza
de processo autônomo. Alexandre Freitas Câmara (2007, p. 415)
afirma que o prazo de quinze dias está ligado ao interesse de agir,
na modalidade da adequação:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
100
“(...) tem-se aí (...) um elemento ligado ao interesse
de agir (mais especificamente, ligado à adequação do
meio pelo qual se pretende obter a tutela jurisdicional).
(...) Decorrido o prazo de quinze dias a que se refere
o art. 738, não será mais adequada a utilização dos
embargos do executado como meio de o demandado
na execução apresentar sua defesa. Nada impedirá
que ele se utilize de outros meios (como, por exemplo,
a propositura de uma ‘ação declaratória da inexistência
da obrigação’), mas não será mais adequado pleitear
a tutela jurisdicional através dos embargos”. (itálico já
existente no original)
Com efeito, ultrapassado o lapso temporal de cinco dias,
poderá o devedor valer-se de ação de conhecimento autônoma
(defesa heterotópica)12, sem o regime específico dos embargos.
A concessão de efeito suspensivo, por exemplo, estará sujeita
a requisitos diferentes, calcados no art. 273, e não no art. 884,
Consolidado. A jurisprudência pátria tem admitido a propositura
de demanda cautelar, com a finalidade de obstar a execução até o
desfecho da ação autônoma de conhecimento.
Mesmo considerando que, no cumprimento de sentença
(execução fundada em título judicial), os embargos possuam
natureza de defesa veiculada por incidente processual (assunto
que é extremamente controvertido como vimos anteriormente),
caso em que poderia se cogitar que o prazo de cinco dias a que
alude o art. 884 da CLT seria preclusivo, não há razão a obstar
a utilização da defesa heterotópica. Neste sentido, por exemplo,
12 Neste sentido: Antonio Adonias Bastos (2008, p. 33-38). Humberto Theodoro
Júnior (2003, p. 641) anota que “essas ações autônomas comportam o mesmo
conteúdo e perseguem o mesmo objetivo dos embargos de mérito. Tal como a
ação incidental da execução, visam atingir o direito consubstanciado no título, e,
diversamente dos embargos, não se sujeitam a um momento certo para serem
manejadas. Podem ser propostas, destarte, antes da instauração do processo
de execução, durante sua pendência, ou até depois de seu encerramento. Não
se prestam, contudo, tais ações autônomas, a reabrir discussão sobre o que
se decidiu na sentença dos embargos à execução, pela intangibilidade gerada
pela coisa julgada. Nem se destinam a questionar nulidades ou irregularidades
meramente formais do processo executivo, porque superadas pela preclusão.
Deve-se, no entanto, ressalvar que por falta de pressuposto processual ou de
condição da ação, o processo executivo pode contaminar-se de nulidade ipso iure,
equivalente à inexistência da relação processual, (...). A respeito dessa mácula
insanável da própria relação processual executiva, torna-se viável o manejo de
ação ordinária nos moldes da antiga querela nullitatis, mesmo que a impugnação
não se refira ao mérito da relação creditíca”. Neste mesmo sentido, confira-se o
Acórdão do REsp 94.811/MG, proferido pela 4ª Turma do STJ (Rel. Min. César
Asfor Rocha, ac. 29/10/1998, DJU 01/02/1999, p. 197).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
101
a jurisprudência vem admitindo a propositura de ação rescisória,
juntamente com demanda cautelar, ou com o pedido de antecipação
dosefeitos da utela, com lastro no art. 489 do CPC13:
13 Na mesma esteira:
“AÇÃO CAUTELAR - SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO. CONCEDE-SE A CAUTELA
BUSCADA DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO, QUANDO PROCEDENTE O PEDIDO
DE RESCISÃO DO TÍTULO EXEQUENDO E IMINENTE A EXPROPRIAÇÃO
PATRIMONIAL DO AUTOR”. (Processo: 01376-2004-000-05-00-6 AC, ac. nº
008689/2005, Relatora Desembargadora ELISA AMADO, SUBSEÇÃO I DA SEDI,
DJ 18/05/2005)
“AÇÃO CAUTELAR INOMINADA EM RESCISÓRIA – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
– Não obstante o art. 489 do CPC estatuir que a ação rescisória não suspende
a execução, em casos especialíssimos é possível o uso de medida cautelar
inominada para assegurar a eficácia de decisão a ser nela proferida, demonstrados
os requisitos do periculum in mora e fumus boni iuris”. (TRT 19.ª R. – MC
00160.2002.000.19.00.5 – Rel. Juiz Pedro Inácio – J. 17.06.2003).
“AÇÃO RESCISÓRIA – ART. 485, V E IX, CPC – VIOLAÇÃO AOS ARTS. 128,
333, I E 460 DO CPC E 818 DA CLT – CAUTELAR INCIDENTAL INOMINADA –
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO – Não violado o princípio da adstrição, porquanto
a lide foi dirimida nos termos em que deduzida. Condenação a horas extras
decorrente da apreciação dos cartões de ponto colacionados aos autos pela
reclamada, que acabou por fazer prova do direito do obreiro. Erro de fato não
configurado, porquanto a conclusão do julgado teve por base a apreciação dos
fatos arrolados e das provas produzidas. Medida cautelar – O art. 489/CPC, não
enuncia proibição à suspensão da execução, sendo a cautelar meio idôneo para
aquele desiderato, desde que os argumentos lançados na rescisória convençam o
juízo da coexistência dos pressupostos decisivos ao cabimento da cautelar.” (TRT
2.ª R. – Proc. 03170/2001-8 – SDI – Rel. Juiz Plinio Bolivar de Almeida – DOESP
01.10.2002).
“MEDIDA CAUTELAR PREPARATÓRIA – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DEFINITIVA
ATÉ O JULGAMENTO DA AÇÃO RESCISÓRIA – Nos claros termos do artigo 489 do
CPC, a ação rescisória não suspende a execução da sentença rescindenda, o que
se justifica pela eficácia e autoridade da coisa julgada e para que seja preservada
a segurança das relações jurídicas e da própria prestação jurisdicional. Embora a
literalidade de tal norma processual venha sendo mitigada pela jurisprudência, a
medida cautelar para suspender a execução da sentença será sempre preparatória
ou incidental à ação rescisória que pretenda desconstituir a res judicata, sendo
descabida a concessão dessa providência cautelar quando se mostrar manifesta
a ausência de periculum in mora e de plausibilidade do direito alegado pela
requerente (fumus boni iuris).” (TRT 3.ª R. – MCI 84/02– 2.ª SDI – Rel. Juiz José
Roberto Freire Pimenta – J. 12.12.2002).
“AÇÃO CAUTELAR INCIDENTAL EM RESCISÓRIA – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO –
CABIMENTO – Não obstante o art. 489 do CPC estatuir que a ação rescisória não
suspende a execução, ganha corpo entendimento de que em casos especialíssimos
seja possível o uso de medida cautelar inominada para assegurar a eficácia de
decisão a ser nela proferida. Quanto à legitimidade processual, embora na maioria
das vezes o requerente da ação cautelar seja o autor da demanda principal, é
cabível a medida cautelar quando requerida pelo réu da ação principal.” (TRT 19.ª
R. – MC 00144.2002.000.19.00.2 – Rel. Juiz Pedro Inácio – J. 22.10.2002).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
102
AÇÃO CAUTELAR. SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA
DECISÃO RESCINDENDA. É possível a suspensão
dos efeitos da coisa julgada quando presentes os
pressupostos da plausibilidade do direito perseguido e
do perigo da demora na obtenção do pronunciamento
judicial. (Processo 00529-2006-000-05-00-0 AC, ac.
nº 001422/2007, Relatora Desembargadora SÔNIA
FRANÇA, SUBSEÇÃO I DA SEDI, DJ 28/02/2007)
O prazo para a propositura dos embargos à execução
como meio expressamente tipificado e adequado para a defesa
do executado funda-se exatamente no aspecto de propiciar ao
devedor a utilização das características do instituto. Ultrapassado
o prazo, o executado poderá valer-se da defesa heterotópica,
sujeitando-se a uma ação autônoma que tramita pelo rito ordinário,
não possuindo qualquer qualidade especial. Ao fixar o prazo, o
legislador não quis impedir o devedor de opor-se à execução caso
tal lapso seja ultrapassado. Quis apenas fixar o marco temporal
no qual o executado poderá defender-se por meio de uma ação
especialmente prevista para tanto.
Já o prazo estipulado pelo art. 1.048 do CPC para os
embargos de terceiro está ligado não só ao interesse de agir na sua
modalidade adequação, mas também no que toca à utilidade. Com
efeito, o terceiro (ou a parte que, por ficção, a ele se equipare)
pode valer-se de tal ação enquanto persistir a ameaça, a turbação
ou o esbulho perpetrado pelo ato judicial. Neste passo, o termo a
quo do prazo para a sua propositura é a prolação de decisão de que
possa resultar a expedição do futuro mandado de penhora dirigido
a um determinado bem do terceiro, ou da parte que o possua por
uma especial qualidade, situação em que estará caracterizada a
“AÇÃO CAUTELAR – SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO – POSSIBILIDADE –
PLAUSIBILIDADE DE ÊXITO NA AÇÃO RESCISÓRIA – Embora o art. 489 do
CPC estabeleça que ‘a ação rescisória não suspende a execução da sentença
rescindenda’, a jurisprudência maciça, especialmente do C. TST, vem admitindo
que, presentes os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a
execução poderá ser suspensa, com a concessão de medida cautelar. O julgador
deve aferir, para tanto, a existência de plausibilidade de êxito na ação rescisória,
nos moldes da Orientação Jurisprudencial 76, da SDI-2 do C. TST. Pedido cautelar
acolhido, por unanimidade”. (TRT 24.ª R. – MC 41/2002 – TP – Rel. Juiz João de
Deus Gomes de Souza – DOMS 05.07.2002).
“MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL – AÇÃO RESCISÓRIA – SUSPENSÃO DA
EXECUÇÃO – Presente o fumus boni iuris e o periculum in mora, medida cautelar
é o remédio processual adequado para obter a suspensão da execução quando
proposta ação rescisória destinada a descontinuação do título executivo judicial.
Todavia, ausente plausibilidade de êxito da ação rescisória, deve ser rejeitada a
medida, com continuidade da execução”. (TRT 9.ª R. – MC 104/2000– Relatora
Juíza Sandra Maria da Costa Ressel – DJPR 04.06.2001)
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103
ameaça concreta de violação à posse14. Já o seu termo ad quem
está expressamente previsto pela lei, no art. 1.048 do CPC. Na
execução, seja ela civil ou trabalhista, tal momento coincidirá
com o ato que retira a propriedade do bem da titularidade do
terceiro ou da parte, conforme o caso. Daí a referência aos cinco
dias contados da realização da arrematação, da adjudicação ou da
remição (rectius: aquisição), mas sempre antes da assinatura da
respectiva carta, afinal este é o ato que aperfeiçoa a expropriação.
Transferida a propriedade, o procedimento especial dos embargos
de terceiro perderá as características que lhe demarcam a
adequação e finalidade, na medida em que se voltam à tutela da
posse, e que o direito possessório será transmitido ao adquirente
da coisa, acompanhando a transferência do domínio.
Marcelo Abelha (2007, p. 531-532) evidencia a diferença
entre os dois institutos:
Os embargos do devedor seriam mais bem nominados,
por amor à técnica, embargos do executado, posto
que as expressões “credor e devedor” são signos
utilizados para o direito substancial, além da regra do
art. 741, III, demonstra que nem sempre o executado
é devedor, e os embargos que opuser poderão declarar
a condição de ilegítimo e, portanto, de não-devedor.
O legislador observando o equívoco terminológico,
poderia ter corrigido o equívoco, mas o fez apenas
em uma passagem, qual seja, no Capítulo III do Título
III do Livro II do CP, deixando, todavia, a mesma
expressão – embargos do devedor – para designar
todo o Título III.
No entanto, afora a imprecisão terminológica cometida
pelo próprio CPC, tem-se que, como o nome mesmo já
diz, devem ser opostos pelo devedor ou responsável
(executado), e não por terceiro estranho à relação
jurídica deduzida na ação executiva. Apesar de
ambos possuírem natureza jurídica de ação e, ainda,
possuírem o mesmo nome (embargos), possuem
finalidades diferentes. Nos embargos de terceiro, este
propõe a ação para proteger-se de esbulho judicial
não somente em processos de execução, como em
14 Neste sentido, ensina Alexandre Freitas Câmara (2008, p. 426): “Admitem-se
embargos de terceiro com fins preventivos, atuando como interdito proibitório,
quando a posse do bem de terceiro estiver ameaçada por ato de apreensão
judicial (bastando imaginar o caso em que o juiz da execução tenha determinado
a penhora de bem de terceiro, não tendo esta ainda sido efetivada). O terceiro
não precisa, à toda evidência, aguardar que a apreensão se consume para,
só depois, ajuíze os embargos de terceiro. É possível, pois, o oferecimento de
embargos de terceiro para buscar tutela jurisdicional para a posse ameaçada
por ato judicial”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
104
qualquer outro procedimento. Nos embargos de
devedor, como diz Liebman, ataca-se o título. Todavia,
se pretenderam a não-sujeição dos seus bens ao
esbulho judicial, a medida correta é a dos embargos
de terceiro, que possui um procedimento específico
para essa ação (art. 1.046 do CPC).
Neste mesmo sentido, Vicente Greco Filho (2008, p. 266267) explica:
No caso, trata-se de uma ação, procedimento especial
de jurisdição contenciosa, que tem por finalidade a
proteção da posse ou propriedade daquele que, não
tendo sido parte no Feito, tem um bem de que é
proprietário ou possuidor, apreendido por ato judicial
originário de que não foi parte.
(...) Os embargos de terceiro distinguem-se, também,
dos embargos do devedor na execução. Estes são
opostos pelo devedor com a finalidade de desfazer
o título ou opor fato impeditivo à execução; na ação
de que se trata neste item (Embargos de Terceiro)
não se discute o título executivo, pedindo-se apenas a
exclusão do bem da execução.
Sendo diferentes os objetos, também o será o interesse
de agir para um e outro procedimento, inclusive no que tange
ao prazo para a sua propositura.
Por entendermos que o interesse de agir para os
embargos de terceiro se mantém por todo o tempo em que
a ameaça, a turbação ou o esbulho judicial se mantiverem, é
que nos alinhamos à corrente doutrinária e ao entendimento
pretoriano no sentido de que o prazo para a propositura de
tal demanda só finda após os cincos dias subseqüentes à
expropriação judicial, até a assinatura da respectiva carta,
ato que marca a transferência da titularidade do bem e, por
conseguinte, o direito à posse. Desta forma, não se pode mais
cogitar em ameaça, turbação ou esbulho a reclamar.
Sem dúvida, o prazo para a propositura de tal
procedimento especial está intimamente ligado à sua natureza
possessória. Tanto é assim que, no processo de conhecimento, ele
poderá ser utilizado a qualquer tempo, enquanto não transitada
em julgado a sentença. A constrição judicial decorrente desta
espécie de atividade judicial está sempre ligada à certificação do
direito à posse ou à propriedade e a querela em torno do direito
petitório, possessório ou dominial se encerrará, em caráter
definitivo, com o trânsito em julgado da decisão.
Por fim, e não menos importante, a regra de hermenêutica
demonstra a plena aplicação do art. 1.048 do CPC ao processo
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.87-106, jul./dez. 2009
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do trabalho, já que não há qualquer disposição no texto
consolidado que verse sobre o instituto, nem sobre o prazo para
a sua propositura. Enquanto os embargos à execução possuem
particularidades no processo do trabalho que não permitem
a aplicação, por completo, do regramento previsto para o
processo civil, a CLT é omissa em relação aos embargos de
terceiro, ensejando a aplicação das regras do CPC na sua
inteireza, como autoriza o art. 769, Consolidado.
A adoção de tese em sentido contrário põe em
risco a segurança jurídica no que diz respeito à adequada
interpretação do ordenamento, ao permitir uma analogia
restritiva ao direito de ação daquele cuja posse foi ameaçada,
turbada ou esbulhada por ato judicial.
Importa destacar, por fim, que, ultrapassado o prazo
do art. 1.048 do CPC, o terceiro não terá mais interesse de
agir, na modalidade adequação, para os embargos de terceiro,
o que não descaracteriza o seu interesse-utilidade. Nesta
hipótese, é cabível a ação anulatória da arrematação, com
base no art. 486 do CPC, se houver motivo para desconstituir
o ato expropriatório. Assim, vêm decidindo os tribunais
pátrios 15:
AÇÃO
ANULATÓRIA
DE
ARREMATAÇÃO
– CABIMENTO. Comprovada cabalmente a
nulidade de ato praticado durante a execução,
quando já decorrido o prazo para interposição de
Embargos de Terceiro, cabível o ajuizamento de
15 Em sentido semelhante
“ARREMATAÇÃO. AÇÃO ANULATÓRIA. É cabível ação anulatória com vistas à
desconstituição de arrematação, ainda que não tenham sido opostos embargos
à arrematação nos autos da execução em que foi praticado o ato rescindendo”
(Processo 00911-2005-005-05-01-7 RO, ac. nº 011916/2008, Relatora
Desembargadora GRAÇA BONESS, 4ª. TURMA, DJ 12/06/2008.)
“AÇÃO ANULATÓRIA. CABIMENTO. Cabe ação anulatória para desconstituir
ato judicial que não depende de sentença. O ato de arrematação (ato vontade
em adquirir bem em hasta pública), praticado por terceiro no processo, é ato
judicial que não depende de sentença. Logo, cabível ação anulatória visando
desconstituir esse ato, inexistindo coisa julgada derredor da questão posta a
julgamento”. (Processo 00350-2004-025-05-00-7 RO, ac. nº 006692/2008,
Relator Juiz Convocado EDILTON MEIRELES, 3ª. TURMA, DJ 10/04/2008)
“AÇÃO ANULATÓRIA DE ARREMATAÇÃO. CABIMENTO. Cabível é a ação anulatória
sobre a arrematação, se este intento não for possível dentro dos próprios autos
do processo de execução ou em sede de embargos”.(Processo 01060-2002131-05-00-9 RO, ac. nº 027322/2007, Relatora Desembargadora MARIZETE
MENEZES, 6ª. TURMA, DJ 01/10/2007.)
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Ação Anulatória, visando invalidar o indigitado
ato. (TRT 2ª R. – 00047/96-3 – Ac. SDI 98000330
– Rel. Floriano Corrêa Vaz da Silva – DOESP
03/03/1998).
Assim, a propositura dos embargos de terceiro após
o prazo do art. 1.048 só deve levar ao indeferimento da petição
inicial caso não trate de vício que também levaria à nulidade da
arrematação, com a formulação do respectivo pedido.
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Janeiro: Forense Universitária, 2007.
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Processo Civil: da execução forçada no código de processo civil.
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WAMBIER, Luiz Rodrigues (coord.); ALMEIDA, Flávio Renato Correia
de; TALAMINI, Eduardo. Curso Avançado de Processo Civil. 10.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. v. 2.
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RECURSO DE REVISTA EM EXECUÇÃO DE TÍTULO
EXTRAJUDICIAL
Deusmar José Rodrigues1*
A abordagem que se inicia pretende precipitar a discussão
em torno do cabimento do recurso de revista em execução de
título executivo extrajudicial.
Os recursos, conforme o escólio da doutrina tradicional
são instrumentos de correção de possíveis erros cometidos pelo
julgador, máxime o quo, e meio de dar vazão à insatisfação
humana1.
A revista se inclui no rol de recursos considerados
“extraordinários”, em acepção ampla, pois é de cabimento restrito,
ou seja, é instrumento de impugnação e recorribilidade restrita,
não se prestando, em regra, para reexame de questões factuais.
A sua interposição está regulamentada pelas seguintes
normas da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, além de
tantas súmulas e orientações jurisprudências do Tribunal Superior
do Trabalho – TST:
Art. 896 - Cabe Recurso de Revista para Turma do
Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas
em grau de recurso ordinário, em dissídio individual,
pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:
a) derem ao mesmo dispositivo de lei federal
interpretação diversa da que lhe houver dado outro
Tribunal Regional, no seu Pleno ou Turma, ou a Seção de
Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho,
ou a Súmula de Jurisprudência Uniforme dessa Corte;
b) derem ao mesmo dispositivo de lei estadual,
Convenção Coletiva de Trabalho, Acordo Coletivo,
sentença normativa ou regulamento empresarial de
observância obrigatória em área territorial que exceda
a jurisdição do Tribunal Regional prolator da decisão
recorrida, interpretação divergente, na forma da alínea
a;
c) proferidas com violação literal de disposição de
lei federal ou afronta direta e literal à Constituição
Federal.
*
Mestre em Direito pela UFG (aprovado em 1º lugar). Proficiente Pesquisador
pela UEx, Espanha. Procurador da Fazenda Nacional. Autor de livros jurídicos.
Professor universitário.
1 Nesse sentido: GIGLIO, Wagner D.; CORREA, Cláudia Giglio Veltri. Direito
Processual do Trabalho. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 435.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.107-111, jul./dez. 2009
110
§ 1o O Recurso de Revista, dotado de efeito apenas
devolutivo, será apresentado ao Presidente do
Tribunal recorrido, que poderá recebê-lo ou denegálo, o
fundamentando, em qualquer caso, a decisão.
§ 2 Das decisões proferidas pelos Tribunais Regionais
do Trabalho ou por suas Turmas, em execução
de sentença, inclusive em processo incidente de
embargos de terceiro, não caberá Recurso de Revista,
salvo na hipótese de ofensa direta e literal de norma
da Constituição Federal.
O parágrafo 2º do art. 896 da CLT afirma que somente
cabe recurso de revista em execução de sentença, inclusive em
embargos de terceiro, quando houver ofensa direta e literal de
norma da Constituição Federal. A redação atual dessa disposição
legal foi dada pela Lei nº. 9.756/98.
A quase total vedação de recurso de revista em execução
de títulos executivos extrajudiciais e nos embargos de terceiros
ainda persiste em face das mudanças ocorridas com o advento da
Emenda Constitucional nº. 45/04?
A referida Emenda, embora seja truísmo dizê-lo, trouxe
vários temas para a competência da Justiça do Trabalho. Antônio
Álvares da Silva2 chegou a dizer que ela seria o principal diploma
jurídico, depois da própria Consolidação.
Ocorre que o avanço conquistado não foi acompanhado
de mudanças nas normas processuais, de modo a recepcionar, em
termos de procedimentos, as novas competências.
Tal fato obrigou o TST a editar a Instrução Normativa – IN nº.
27/05, normatizando o processamento das novas ações e recursos.
Nesse quadro, percebe-se que as atribuições da Justiça
Especializada foram ampliadas sem a correspondente contrapartida
das normas processuais. Isso se deveu, quiçá, pelo reconhecimento
de que a economia de normas processuais na CLT e noutros diplomas
laborais seja o grande propulsor da celeridade processual. Todavia, a
permanecer tal situação, haverá insegurança jurídica e injustiças para
com os clientes da Justiça Laboral.
A questão envolvendo lacunas em normas processuais do
ramo trabalhista é velha conhecida do público em geral, mormente dos
operadores jurídicos. E essa temática ganhou fôlego logo após a série
de alterações por que vem passando o Código de Processo Civil.
2
SILVA, Antônio Álvares da. Pequeno tratado na nova competência
trabalhista. São Paulo: LTr. 2005. p. 11.
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111
Carlos Henrique Bezerra Leite3, arrimado nas lições de
Maria Helena Diniz, discorre sobre as três principais espécies de
lacunas jurídicas:
a) normativa, quando houver ausência de norma sobre
determinado caso;
b)ontológica, se houver norma, mas ela não corresponder
aos fatos sociais contemporâneos. É o que ocorre quando o grande
desenvolvimento das relações sociais e o progresso acarretarem o
ancilosamento da norma positiva;
c) axiológica, ou seja, ausência de norma justa. Neste
caso, existe um preceito normativo, mas se for aplicado, sua
solução será insatisfatória ou injusta.
Na hipótese de recurso de revista envolvendo questões
acerca de interpretação de direito federal (v.g., prazo de prescrição,
responsabilidade de sócio etc.), seja em embargos do executado
ou em embargos de terceiros, como cotidianamente acontece nas
execuções fiscais patrocinadas pela União, podendo acontecer
também na execução de Termo de Ajustamento de Conduta TAC pelo Ministério Público do Trabalho existe norma, mas se for
aplicada levará ao cometimento de injustiças e à insegurança
jurídica, já que há omissões ontológica e axiológica.
A insegurança jurídica reside, exatamente, na negativa,
por parte dos Tribunais Regionais do Trabalho e do próprio Tribunal
Superior do Trabalho, em admitir a revista em execução de títulos
executivos extrajudiciais.
Não se pode descuidar que a revista se presta outrossim
para unificação do direito nacional, como bem assinala o magistério
doutrinário4:
Numa palavra, o recurso de revista se presta a
corrigir a decisão que violar a literalidade da lei e a
uniformizar a jurisprudência nacional concernente à
aplicação dos princípios e normas de direito material
e processual do trabalho.
A viabilidade desse apelo extremo se justifica não para,
tão-somente, satisfazer as pretensões do jurisdicionado, mas,
3
4
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho.
5. ed. São Paulo: LTr, 2007.
Idem. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr,
2006. p. 683.
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112
sobretudo, para que o TST possa exercer seu múnus de unificador
da interpretação do direito federal e pacificador de divergências
regionais, que são tarefas que não podem ser abdicadas, ante o
interesse público subjacente.
A regra do art. 896, § 2º, da CLT certamente ainda é
aplicável quando se tratar de execução de sentença proferida
em processo de conhecimento, no qual se decida relação
jurídica enlaçando típica relação de emprego (empregado
versus empregador). A razão está em prestigiar a celeridade,
que garante o recebimento de crédito trabalhista sem maiores
percalços.
Com a ampliação da competência da Especializada,
promovida, especialmente, pela Emenda Constitucional nº.
45/04, a restrição em relação aos títulos executivos extrajudiciais
não se justifica.
A título de exemplo, cita-se o art. 114, VII, da
Constituição Federal, que institui uma das hipóteses aqui
ventiladas:
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar
e julgar:
[...]
VII) as ações relativas às penalidades administrativas
impostas aos empregadores pelos órgãos de
fiscalização das relações de trabalho;
A Fazenda Nacional tem foro, a partir daquela norma, na
Justiça do Trabalho para execução de Certidão de Dívida Ativa
– CDA. Para tanto, segue o rito da Lei nº. 6.830/80.
Como se sabe, o título executivo extrajudicial (CPC, art.
585; CLT, art. 876) é um facilitador que lei federal concede a
seu titular, porquanto não terá de expor suas pretensões em
um processo de conhecimento, podendo pedir a efetivação da
obrigação diretamente no processo de execução, com concretos
ganhos de tempo e custos.
Não é razoável pensar que o legislador tenha
contemplado uma pessoa com título executivo extrajudicial
– e correspondente processo de execução – e lhe obstado a
via processual extraordinária. Seria melhor, então, apesar da
inexistência de interesse processual, que a pessoa renunciasse
a via executiva e abrisse um processo de conhecimento,
que, na Justiça do Trabalho, é um dos mais breves no País.
É que, enquanto quem possui apenas pretensão e a veicule
em processo de conhecimento tem a faculdade, em tese, de
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113
chegar ao Tribunal Superior Trabalho e, talvez, ao Supremo
Tribunal Federal, ao exequente e ao executado essa via fica
interditada.
A interpretação meramente literal do art. 896, § 2º, da
CLT encontra-se superada, por ser inconciliável com as novas
competências e por que também arrosta o direito de ação e a
ampla defesa dos jurisdicionados, ficando estes sem acesso ao
Tribunal de cúpula da área obreira.
Seja como for, o fato é que as normas constitucionais,
ampliativas de competência, não fazem nenhuma restrição quanto
ao cabimento desse ou daquele recurso.
Por tudo isso, urge que os Tribunais Regionais do Trabalho
e Tribunal Superior do Trabalho passem a admitir o recurso de
revista em execução de título executivo extrajudicial, quando
houver divergência ou violação de norma legal, sob pena de
prosperar a insegurança jurídica atualmente verificada.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.107-111, jul./dez. 2009
114
115
ASPECTOS LIMITATIVOS DA
FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA
Fábio Lucas Telles de Menezes Andrade Sandim*
RESUMO
Este trabalho investiga os aspectos limitativos da flexibilização das
condições de trabalho, a partir de uma perspectiva crítica, por meio
da análise da doutrina, da jurisprudência e da legislação pertinentes
ao assunto em apreço. Busca refletir a respeito dos limites impostos
em matéria laboral às partes envolvidas na negociação coletiva e
ao Estado na atividade legiferante, com o objetivo de ressaltar
a relevância e o conteúdo das normas trabalhistas como medida
de efetiva inclusão social e de garantia dos direitos humanos e
fundamentais do trabalhador, de forma a preservar a dignidade
da pessoa humana. O resultado deste trabalho pretende indicar
parâmetros para fixação de limites à flexibilização trabalhista que
devem ser observados nos casos concretos, sem a pretensão do
estabelecimento de critérios exaustivos ou fechados.
1 INTRODUÇÃO
O objetivo do trabalho consiste em investigar os aspectos
limitativos da flexibilização trabalhista.
A análise crítica da doutrina, do conjunto normativo
e da jurisprudência, pertinentes ao assunto, visa à reflexão a
respeito dos limites impostos às partes envolvidas na negociação
coletiva e ao Estado na atividade legiferante, em matéria laboral,
com o intuito de ressaltar a relevância e o conteúdo das normas
trabalhistas como medida de efetiva inclusão social e de garantia
dos direitos humanos e fundamentais do trabalhador.
Inicialmente, foram traçados elementos concernentes à
dignidade da pessoa humana, aos direitos humanos e aos direitos
fundamentais. Em seguida, foram tratadas temáticas atinentes à
negociação coletiva, à conceituação da figura da desregulamentação
e à definição da flexibilização trabalhista, bem assim aos aspectos
limitativos da flexibilização trabalhista.
*
Juiz Federal do Trabalho da 14ª Região, titular da Vara do Trabalho de
Epitaciolândia (AC)
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Por fim, conclui-se a respeito dos aspectos que funcionam
como limites à flexibilização trabalhista nos casos concretos,
sem a pretensão do estabelecimento de critérios exaustivos ou
fechados.
2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, DIREITOS
HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
A dignidade da pessoa humana corresponde à qualidade
intrínseca e distintiva do ser humano caracterizada por um
complexo de direitos e de deveres fundamentais que devem ser
observados pelo Estado e pela comunidade, visando a assegurar
condições existenciais necessárias à vida saudável1.
A dignidade da pessoa humana constitui fundamento da
República Federativa do Brasil e da ordem econômica e financeira
(artigos 1º, III e 170 da Lei Maior).
O artigo 227, caput, da Constituição Federal de 1988
assegura à criança e ao adolescente o direito à dignidade.
Não há na doutrina uniformidade no tratamento da
existência ou não de diferença conceitual entre direitos humanos
e direitos fundamentais, pois enquanto alguns utilizam tais
expressões como sinônimas, outros indicam distinções.
Os direitos humanos podem ser concebidos como aqueles
destinados à preservação da dignidade da pessoa humana
consagrados no âmbito internacional, enquanto que os direitos
fundamentais são posições jurídicas essenciais extraídas do
ordenamento jurídico pátrio que visam a tutelar a dignidade da
pessoa humana.
Consoante
Mauricio
Godinho
Delgado,
“direitos
fundamentais são prerrogativas ou vantagens jurídicas estruturantes
da existência, afirmação e projeção da pessoa humana e de sua
vida em sociedade”2.
José Cláudio Monteiro de Brito Filho aborda a relação entre
direitos humanos e direitos fundamentais da seguinte forma:
1
2
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 63.
DELGADO, Mauricio Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho.
Revista do Ministério Público do Trabalho, Brasília, v. 16, n. 31, p.20,
2006.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
117
Adotamos essa distinção entre Direitos Humanos e
Direitos Fundamentais com a seguinte observação:
direitos fundamentais devem ser considerados como
os reconhecidos pelo Estado, na ordem interna,
como necessários à dignidade da pessoa humana.
Não obstante, para nós, Direitos Humanos e Direitos
Fundamentais tenham definições baseadas na
necessidade de seu reconhecimento como forma de
garantir a dignidade da pessoa humana, eles diferem
no sentido de que nem sempre haverá coincidência
entre ambos, pois, além de ser comum que, no
plano interno dos Estados, nem todos os Direitos
Humanos consagrados no plano internacional sejam
reconhecidos, é comum também que alguns direitos
só sejam reconhecidos como fundamentais em algum
ou alguns Estados. Tome-se o exemplo do acréscimo
de 1/3 na remuneração de férias, consagrado
como direito fundamental dos trabalhadores pela
Constituição Brasileira (art. 7º, XVII) que, somente na
situação particular de nosso país pode ser considerada
como desdobramento do direito a justas condições de
trabalho. Idem para o 13º salário (ainda do art. 7º,
agora no inciso VIII).3
O artigo 5º, § 2º, da Lei Maior, dispõe que os direitos e
garantias expressos na Constituição Federal não excluem outros
decorrentes do regime, dos princípios adotados e dos tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte,
o que consagra a concepção aberta de direitos fundamentais.
Nessa linha, existem posições jurídicas que, embora não
previstas no catálogo constitucional ou na própria Constituição
Federal, por seu conteúdo (substância) e por sua relevância
(importância), são dotadas de fundamentalidade, ou seja, são
direitos fundamentais exclusivamente em sentido material4.
Os direitos humanos laborais correspondem às posições
jurídicas, de caráter tipicamente trabalhista, previstas no âmbito
internacional e destinadas à tutela da dignidade do trabalhador,
enquanto que os direitos fundamentais trabalhistas constituem
posições jurídicas essenciais de natureza laboral extraídas do
ordenamento jurídico pátrio voltadas à proteção da dignidade
da pessoa humana.
3
4
BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Trabalho decente: análise jurídica da
exploração do trabalho: trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno.
São Paulo: LTr, 2004. p. 35-36.
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 96.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
118
Logo, as disposições contidas nas normas internacionais
sobre direitos humanos atinentes às relações de trabalho das
quais a República Federativa do Brasil seja signatária passam
a integrar a esfera de direitos fundamentais trabalhistas,
como, a título exemplificativo, as Convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), o Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das
Nações Unidas (ONU) e a Convenção Americana sobre Direitos
Humanos (Pacto de São José da Costa Rica).
A proteção ao trabalhador não está restrita às posições
jurídicas de caráter laboral, pois há direitos humanos e
fundamentais que, embora não sejam tipicamente trabalhistas,
também são aplicáveis às relações de trabalho, como os direitos
de personalidade, dentre os quais se destacam a privacidade, a
intimidade, a imagem e a honra, dentre outros.
3 NEGOCIAÇÃO COLETIVA
A negociação coletiva como instrumento vinculado à
prática de autocomposição de conflitos tem como finalidade regular
as condições de trabalho por meio da celebração de convenção
ou acordo coletivos devidamente reconhecidos pela Constituição
Federal, no artigo 7º, XXVI.
O artigo 611, caput, da CLT define convenção coletiva de
trabalho como o
acordo de caráter normativo pelo qual dois ou mais
sindicatos representativos de categorias econômicas
e profissionais estipulam condições de trabalho
aplicáveis, no âmbito das respectivas representações,
às relações individuais de trabalho.
O acordo coletivo consiste no pacto normativo entre
sindicatos profissionais e um ou mais empregadores a respeito
das condições de trabalho no âmbito dos signatários (artigo
611, § 1ª, da CLT).
O entendimento majoritário na doutrina defende a
teoria mista quanto à natureza jurídica das convenções e
acordos coletivos, segundo a qual os referidos instrumentos
compreendem aspectos contratuais decorrentes da autonomia
da vontade e normativos por estabelecerem normas jurídicas.
Para Carnelutti, tais institutos apresentam corpo de contrato e
alma de lei.
No âmbito do Direito Coletivo do Trabalho, prevalece o
princípio da equivalência dos contratantes coletivos, segundo o
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119
qual os sujeitos contrapostos se encontram no mesmo patamar
jurídico com meios eficazes de atuação e pressão, o que indica
um tratamento mais equilibrado, razão pela qual “perderia
sentido no Direito Coletivo do Trabalho a acentuada diretriz
protecionista e intervencionista que tanto caracteriza o Direito
Individual do Trabalho”, ressalvado que o fortalecimento da
representatividade e da estrutura sindical ainda não alcançou o
estágio desejável.5
O Direito do Trabalho deve privilegiar o processo negocial
como meio democrático de produção normativa, de modo a
estimular as relações sindicais por meio de seus agentes, conferindo
maior relevância às normas coletivas que constituem fontes de
Direito.
No entanto, a normatização coletiva e o incentivo à
criatividade jurídica não significam o afastamento total do Estado,
pois a negociação coletiva deve observar limites.
4 DESREGULAMENTAÇÃO E FLEXIBILIZAÇÃO
TRABALHISTA
Diferentemente da posição adotada neste trabalho,
alguns autores não fazem distinção entre a desregulamentação
e a flexibilização, cujas definições dos institutos não apresentam
uniformidade nas doutrinas nacional e estrangeira, indicando
variações conforme o ordenamento jurídico vigente e as práticas
adotadas em determinado local e em certa época.
A flexibilização trabalhista pode ser conceituada como
adaptação, ajuste ou mitigação das normas trabalhistas, por meio
das vias legislativa ou negocial.
A desregulamentação significa a ausência de normatização
heterônoma de matéria trabalhista, ou seja, a inexistência de
proteção normativa.
Desse modo, enquanto a flexibilização pressupõe a
intervenção estatal de variável intensidade, a desregulamentação
confere à autonomia privada individual ou coletiva a total atividade
regulatória das relações de trabalho.
5
DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr,
2002. p. 1292.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
120
5 LIMITES DA FLEXIBILIZAÇÃO TRABALHISTA
As diversas correntes a respeito da flexibilização trabalhista
podem ser enquadradas em três grupos principais: a) corrente da
flexibilização ilimitada ou absolutamente favorável à flexibilização
(admissibilidade absoluta); b) corrente da inadmissibilidade absoluta
de flexibilização ou absolutamente contrária à flexibilização; e c)
corrente moderada ou intermediária (admissibilidade relativa).
A primeira linha de pensamento prega a flexibilização
irrestrita como medida necessária de combate à crise econômica
e social para aumento do número de empregos, redução do custo
de produção e sobrevivência das empresas, diante da acentuada
competitividade vinculada ao fenômeno da globalização.
A segunda vertente defende que qualquer medida redutora
da proteção ao empregado não é admissível.
A terceira corrente assevera que a flexibilização deve
ser condicionada a determinados critérios de fixação de uma
proteção adequada ao trabalhador moldada às novas realidades
socioeconômicas, a fim de garantir o emprego e a sobrevivência
das empresas.6 Entende-se que esta corrente comporta subdivisão
em dois agrupamentos principais, embora ainda com variações
dentro de cada grupo: 1) intermediária ou moderada restritiva à
flexibilização trabalhista e 2) intermediária ou moderada ampliativa
das hipóteses de flexibilização.
A Constituição Federal prevê expressamente a flexibilização
dos direitos trabalhistas: a possibilidade de alteração do parâmetro
justrabalhista de irredutibilidade de salários e de compensação
de jornada de trabalho, inclusive em turnos ininterruptos de
revezamento (artigos 7º, VI, XIII e XIV).
O art. 50, VIII, da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005,
indica a redução salarial, compensação de horários e redução da
jornada, mediante acordo ou convenção coletiva, como meios de
recuperação judicial, observada a legislação pertinente.
O artigo 10 da Lei 10.192 de 2001 dispõe que “os salários
e demais condições referentes ao trabalho continuam a ser fixados
e revistos, na respectiva data-base anual, por intermédio da livre
negociação coletiva” e o art. 13 do mesmo diploma legal veda
a estipulação de reajuste ou correção automática de salários
vinculada a índice de preços.
6
ROMITA, Arion Sayão. Flexigurança: a reforma do mercado de trabalho. São
Paulo: LTr, 2008. p. 30.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
121
O artigo 623 da CLT dispõe que “será nula de pleno direito
disposição de convenção ou acordo que, direta ou indiretamente,
contrarie proibição ou norma disciplinadora da política econômicofinanceira do Governo ou concernente à política salarial vigente
[...]”.
O artigo 2º da Lei n 4.923, de 23 de dezembro de 1965,
dispõe a respeito da redução salarial prevista em instrumentos
coletivos de trabalho, nos seguintes termos:
Art. 2º - A empresa que, em face de conjuntura
econômica, devidamente comprovada, se encontrar
em condições que recomendem, transitoriamente,
a redução da jornada normal ou do número de dias
do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo
com a entidade sindical representativa dos seus
empregados, homologado pela Delegacia Regional do
Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três)
meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda
indispensável, e sempre de modo que a redução
do salário mensal resultante não seja superior a
25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual,
respeitado o salário mínimo regional e reduzidas
proporcionalmente a remuneração e as gratificações
de gerentes e diretores.
§ 1º: Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade
sindical profissional convocará assembléia geral dos
empregados diretamente interessados, sindicalizados
ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas
as norma estatutárias.
Na forma do dispositivo legal anteriormente indicado,
a validade da cláusula normativa referente à redução salarial
acompanhada da diminuição da jornada de trabalho depende da
observância cumulativa dos seguintes requisitos: norma coletiva;
comprovação da dificuldade financeira do empregador; tempo
determinado; redução salarial limitada a 25% (vinte e cinco por
cento) do salário contratual, respeitado o salário mínimo regional;
e a diminuição proporcional da remuneração de gerentes e
diretores.
No que tange às possibilidades de flexibilização trabalhista,
como já abordado, existem correntes permissivas restritivas e
permissivas ampliativas, não havendo uniformidade a respeito da
fixação de limites.
Parte da doutrina defende que as situações já descritas
compõem rol constitucional exaustivo permissivo da flexibilização
(artigos 7º, VI, XIII e XIV), enquanto alguns estudiosos asseveram
que admissibilidade de redução de salário por ser medida mais
grave também compreende o entendimento de que outras
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
122
situações menos gravosas estariam implicitamente autorizadas,
além de que não há restrição constitucional expressa ao conteúdo
da negociação coletiva .
Marcus Orione indica que a flexibilização trabalhista
exige uma interpretação sistemática e finalística do conteúdo
e da extensão das normas constitucionais, pois a Carta Magna
consagra a proteção do trabalhador (art. 7º, caput) e excepciona as
hipóteses de negociação in pejus, apresentando consonância com
o princípio da dignidade da pessoa humana.7 Para Marcus Orione,
o argumento no sentido de que a autorização constitucional de
negociação da redução salarial possibilita flexibilização de todas as
condições da relação de emprego não se coaduna com o espírito
da Constituição tão pródiga na relação de direitos sociais, senão
vejamos:
a interpretação antes mencionada foge completamente
ao espírito da carta política, introduz uma letra
de lei à Constituição, além do que esta mesma
teria pretendido. Este é um dos casos clássicos de
interpretação constitucional involutiva, em que se cria,
por meio do falso exercício hermenêutico, o sentido
da demolição de direitos que a própria Constituição
vinha conflagrando e prestigiando. Isto sim é fazer as
vezes, inadequadamente, de legislador constitucional,
interpretando de forma completamente contrária ao
espírito da Constituição. Triste é conceber que, mesmo
com esta constatação, tem-se notícia de decisões
judiciais que, sem fazer menção a esta interpretação,
acabaram por incorporá-la na sua ratio de forma a
fazer valer dos anos 90 um período de escalada de
diminuição de direitos trabalhistas.8
A flexibilização trabalhista por meio da negociação coletiva
encontra amparo no reconhecimento dos acordos e das convenções
coletivas, no princípio da autonomia privada coletiva (artigos
7 º, XXVI e 8 º da Lei Maior) e na necessidade de combate ao
desemprego, de redução do custo da produção e de sobrevivência
das empresas, diante da acentuada competitividade vinculada ao
fenômeno da globalização.
Não obstante a existência de entendimento em sentido
contrário, os direitos sociais trabalhistas previstos no art. 7º da
Carta Magna devem ser considerados cláusulas pétreas - núcleo
7
8
CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Direito Constitucional do Trabalho: Re
lações Coletivas. In: SOUTO MAIOR, Jorge Luiz et al. (org.). Curso de Direito
do Trabalho: Direito Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. v.III, p. 29.
Idem
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
123
constitucional intangível não passível de abolição ou diminuição,
por meio do Poder Constituinte Reformador (art. 60, § 4º, da Carta
Magna) - devido aos seguintes argumentos: a) a interpretação literal
não deve prevalecer sobre a interpretação sistemática e teleológica
em matéria de direitos fundamentais; b) estão previstos no Título II,
“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, da Constituição Federal,
o que indica a opção expressa (mens legis e mens legislatoris)
de atribuir fundamentalidade aos referidos direitos; c) todos os
direitos humanos, inclusive os reconhecidos de primeira e segunda
dimensões são indivisíveis e interdependentes, de forma que os
direitos civis e políticos apenas apresentam máxima efetividade
mediante a concretização dos direitos sociais; d) o art. 5º, § 2º,
da Lei Maior não exclui a aplicação de outros direitos decorrentes
de princípios e do regime por ela adotados, ou de tratados
internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte,
ainda que não previstos nos incisos do referido dispositivo, além
de que o § 1º do referido dispositivo confere aplicação imediata às
normas definidoras de direitos fundamentais sem indicar distinções
ou restrições; e e) a previsão no sentido de vedação ao retrocesso,
no que tange aos direitos fundamentais, inclusive sociais, contida
na Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de São José
da Costa Rica).9
A mens legis significa o espírito da norma, que deve ser
objeto de interpretação à luz dos princípios e valores constitucionais,
com destaque para a dignidade da pessoa humana e concreção dos
direitos humanos e fundamentais. Já a mens legislatoris corresponde
ao sentido pretendido pelo legislador, a qual se encontra em um
segundo plano, não prevalecendo sobre espírito da norma no caso
de colisão.
As formas autônomas e heterônomas de produção
normativa trabalhista devem observar como limites as cláusulas
pétreas indicativas do núcleo constitucional intangível não passível de
abolição ou diminuição, por meio do Poder Constituinte Reformador,
as quais abrangem a totalidade dos direitos fundamentais, inclusive
os direitos sociais trabalhistas (art. 60, § 4º, IV, da Carta Magna).
O Enunciado n. 9, da Comissão I – Direitos Fundamentais e
as Relações de Trabalho, aprovado na 1ª Jornada de Direito Material
e Processual na Justiça do Trabalho, em 23/11/2007, contempla
corrente restritiva das hipóteses de flexibilização trabalhista, senão
vejamos:
9
Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 428-434.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
124
(...) 9. FLEXIBILIZAÇÃO.
I – FLEXIBILIZAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS.
Impossibilidade de desregulamentação dos direitos
sociais fundamentais, por se tratar de normas contidas
na cláusula de intangibilidade prevista no art. 60, §
4º, inc. IV, da Constituição da República.
II – DIREITO DO TRABALHO. PRINCÍPIOS. EFICÁCIA.
A negociação coletiva que reduz garantias dos
trabalhadores asseguradas em normas constitucionais
e legais ofende princípios do Direito do Trabalho. A
quebra da hierarquia das fontes é válida na hipótese
de o instrumento inferior ser mais vantajoso para o
trabalhador.
O princípio da proibição do retrocesso, consagrado na
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José
da Costa Rica),10 abrange dois aspectos: a) o comando para melhora
da estrutura protetiva da pessoa humana (progressividade); e b) a
vedação a medidas ilegítimas de natureza supressiva, redutora ou
restritiva que alcancem posições jurídicas diretamente vinculadas
aos direitos fundamentais no plano constitucional ou, ainda, no
plano infraconstitucional após concretizadas, ou seja, depois de
atingir determinado grau de realização.
Na seara trabalhista, Sarlet registra o seguinte:
Note-se que a proteção contra eventual retrocesso,
mesmo no campo dos direitos fundamentais, também
não abrange apenas os direitos de cunho prestacional
(positivo) embora nesta esfera seja mais usual e
possivelmente mais impactante no que diz com as
suas conseqüências, mas também alcança a proteção
de outros direitos sociais, bastando aqui referir os
direitos dos trabalhadores (boa parte dos quais são,
em primeira linha, direitos de defesa |negativos|).11
Particularmente, entende-se que não há razão para que
o princípio da proibição do retrocesso não seja aplicado no âmbito
das negociações coletivas, em decorrência da força normativa dos
princípios, na linha do pós-positivismo.
10 Artigo 26. Desenvolvimento Progressivo. “Os Estados-Partes comprometemse a adotar providência, tanto no âmbito interno como mediante cooperação
internacional, especialmente econômica e técnica, a fim de conseguir
progressivamente a plena efetividade dos direitos que decorrem das normas
econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura, constantes da Carta
da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo Protocolo de Buenos
Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa ou por outros meios
apropriados”. O Pacto de São José da Costa Rica foi integrado ao sistema de
direito positivo interno do Brasil pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de
1992.
11 Cf. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 447.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
125
No tocante à aplicação do princípio da proibição do
retrocesso no âmbito contratual, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo
Pamplona Filho ensinam o seguinte, com apoio nas lições de José
Joaquim Gomes Canotilho:
Nesse passo, lembramo-nos do que o magistral J.
J. Canotilho denominou princípio da vedação ao
retrocesso ou do não retrocesso social: “Com isto quer
dizer-se que os direitos sociais e econômicos (ex.:
direito dos trabalhadores, direito à assistência, direito
à educação), uma vez obtido um determinado grau
de realização, passam a constituir, simultaneamente,
uma garantia institucional e um direito subjetivo”.
E mais adiante arremata: “O reconhecimento desta
proteção de ‘direitos prestacionais de propriedade’,
subjetivamente adquiridos, constitui um limite jurídico
do legislador e, ao mesmo tempo, uma obrigação
de prossecução de uma política congruente com os
direitos concretos e as expectativas subjetivamente
alcançadas”. Embora concebido, segundo esse
trecho do ilustre constitucionalista, para ser aplicado
sobretudo em defesa dos direitos sociais, nada impede
que transplantemos o princípio do não retrocesso
social para o âmbito do direito contratual, uma vez
que, segundo a perspectiva constitucional pela qual
estudamos esse último, a violação da função social
do contrato traduzir-se-ia, sem dúvida, em inegável
retrocesso em nossa nova ordem jurídica.12
No entanto, à luz do critério da ponderação, que afasta
a regra do tudo ou nada em matéria de princípios, a proibição
do retrocesso não apresenta caráter absoluto, razão pela qual
o referido princípio não pode ser considerado mecanismo de
petrificação das atividades legislativa e negocial.
Desse modo, o princípio da vedação do retrocesso
encontra-se sujeito à relativização caracterizada pelo equilíbrio
entre o direito à segurança jurídica e a necessidade de
realização de ajustes, pois as modificações constitucionalmente
legítimas vinculadas aos anseios da sociedade também visam à
segurança, sempre garantindo as condições necessárias a uma
vida com dignidade13.
Assim, qualquer medida restritiva, para ser considerada
legítima, exige proporcionalidade e razoabilidade entre a
restrição legal à proteção da confiança individual e o objetivo
12 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito
Civil. 4.ed. São Paulo: Saraiva, 2008. tomo 1, v. IV, p. 49.
13 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 466
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
126
normativo consistente na tutela da coletividade.14
Portanto, diante de uma medida retrocessiva, no
caso concreto, a verificação de eventual violação ao princípio
da proibição do retrocesso deve ser objeto de interpretação
sistemática condizente com a dignidade da pessoa humana
à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade,
exigindo justificativa plausível.
O princípio da adequação setorial negociada defendido
por Mauricio Godinho Delgado impõe limites à negociação
coletiva e, conseqüentemente, contempla restrições à
flexibilização trabalhista.
De acordo com o princípio da adequação setorial
negociada, não se admite a renúncia. Logo, é imprescindível a
existência de contrapartida a favor do trabalhador no âmbito
da negociação coletiva, além de ter como objeto direitos de
indisponibilidade relativa.
Além disso, o referido princípio não concebe a
transação sobre direitos qualificados pela indisponibilidade
absoluta, como aqueles relativos à saúde no trabalho, pois
estes são necessários ao respeito ao mínimo existencial
baseado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais
do trabalho (artigos 1º, III, IV e 170, caput, da Constituição
Federal).
A jurisprudência indica posições divergentes sobre
os limites da flexibilização trabalhista. Dentre as medidas de
flexibilização reconhecidas, o Tribunal Superior do Trabalho
consagrou admissibilidade da fixação do adicional de
periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional
ao tempo de exposição ao risco, quando pactuada em
convenções ou acordos coletivos, a teor da Súmula n. 364, II,
da referida corte.15
14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 7. ed. Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 465.
15 Súmula n. 364 do TST: “ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. EXPOSIÇÃO EVENTUAL,
PERMANENTE E INTERMITENTE (conversão das Orientações Jurisprudenciais nºs
5, 258 e 280 da SBDI-1) - Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005. I - Faz jus ao
adicional de periculosidade o empregado exposto permanentemente ou que, de
forma intermitente, sujeita-se a condições de risco. Indevido, apenas, quando o
contato dá-se de forma eventual, assim considerado o fortuito, ou o que, sendo
habitual, dá-se por tempo extremamente reduzido. (ex-Ojs da SBDI-1 nºs 05
- inserida em 14.03.1994 - e 280 - DJ 11.08.2003). II - A fixação do adicional
de periculosidade, em percentual inferior ao legal e proporcional ao tempo de
exposição ao risco, deve ser respeitada, desde que pactuada em acordos ou
convenções coletivos. (ex-OJ nº 258 da SBDI-1 - inserida em 27.09.2002)”.
Disponível em: <www.tst.jus.br> Acesso em: 13 out. 2008.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
127
A Orientação Jurisprudencial n. 342 da SDI-1 do TST
dispõe que:
“INTERVALO INTRAJORNADA PARA REPOUSO E
ALIMENTAÇÃO. NÃO CONCESSÃO OU REDUÇÃO.
PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. VALIDADE. DJ
22.6.04. É inválida cláusula de acordo ou convenção
coletiva de trabalho contemplando a supressão
ou redução do intervalo intrajornada porque este
constitui medida de higiene, saúde e segurança do
trabalho, garantido por norma de ordem pública
(art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso
à negociação coletiva.” 16
A função social do contrato indica que o instrumento
de manifestação da vontade privada está adstrito à tutela da
coletividade por meio da observância à satisfação do interesse
social e à concretização da dignidade da pessoa humana, o que
exige lealdade, boa-fé, equilíbrio contratual, ausência de condutas
abusivas e o bem comum, nas tratativas, na execução e na extinção
contratual.
Os artigos 5º, XXIII, 186, 182, § 2º e 170, III, da Carta
Magna contemplam a função social da propriedade que está
diretamente vinculada à função social do contrato, pois este é
instrumento de viabilização de situações jurídicas que envolvem o
direito de propriedade.
O artigo 421 do Código Civil preceitua que “A liberdade de
contratar será exercida em razão e nos limites da função social do
contrato”.
O parágrafo único, do art. 2.035 do Código Civil estabelece
que “nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de
ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para
16 Contudo, em sentido oposto, a decisão da Seção de Dissídios Coletivos do TST,
posterior à edição da Orientação Jurisprudencial n. 342 da SDI-1 do TST, embora o
acórdão em tela aponte inexistir ofensa ao verbete jurisprudencial anteriormente
descrito: “NEGOCIAÇÃO COLETIVA. INTERVALO INTRAJORNADA. VALIDADE.
Quando a norma coletiva estabelece condições que não implicam, necessária e
objetivamente, ofensa à saúde, à segurança e à dignidade do trabalhador, não
se pode concluir que ela a norma ofende o § 3º do art. 71 consolidado. É o que
acontece com a negociação que prevê o intervalo intrajornada fracionado, isto é,
composto de vários intervalos menores. É sob essa ótica que deve ser examinada
a teoria do conglobamento, que, como se sabe, não autoriza a ampla e restrita
negociação. Mas, no caso concreto, o negociado deve ser preservado, pois ele
não colide com normas fundamentais e indisponíveis. Neste caso, portanto, não
se decide com ofensa à Orientação Jurisprudencial n. 342/SBDI-1. TRIBUNAL
SUPERIOR DO TRABALHO TST. Ac. TST - SDC - Proc. ROAA n. 141515/2004-90001-00.5, publicado no DJ em 11 de abril de 2006. Rel. Ministro José Luciano de
Castilho Pereira. Disponível em: <www.tst.jus.br> Acesso em: 6 out. 2008.
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128
assegurar a função social da propriedade e dos contratos”.
A função social tem aplicação no campo do Direito individual
do trabalho e no âmbito do Direito coletivo do trabalho, pois nos
dois casos a perspectiva objetiva apresenta caráter contratual que
vincula os sujeitos envolvidos, embora cada situação contenha
peculiaridades.
Logo, no âmbito do Direito coletivo do trabalho, os
pactos celebrados devem observar a função social, o que exige
também a ausência de cláusulas que contrariem os interesses da
coletividade.
Ao abordar a função social no Direito coletivo do trabalho,
Rodrigo Trindade de Souza conclui:
A função social da convenção ou acordo coletivo
deve ser retirada do atendimento aos interesses
e duas ordens de coletividade: primeiramente, da
integralidade da comunidade, observando-se todo o
espaço nacional; segundo, os próprios representados
pelo sindicato. Com essa premissa, aclara-se que a
função social do contrato, ou da negociação coletiva,
também se apresenta pela contraposição entre
valores coletivos e valores individuais (ainda que
“coletivizados” pelo sindicato) como fator da liberdade
de contratar.17
O autor arremata:
Por efeito, o estabelecimento de cláusulas de
convenções e acordos coletivos, ainda que livremente
firmadas entre entidades representativas do capital e
trabalho, mas contrárias aos interesses da coletividade
– representada ou não – não podem ser consideradas
como cumpridoras de sua função social.18
Cláudia Zaneti Saegusa indica que a flexibilização não
é ilimitada, pois deve a autonomia privada coletiva submeter-se
aos princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade,
da proporcionalidade e daqueles inerentes ao Direito Coletivo do
Trabalho.19
Segundo Arnaldo José Duarte do Amaral, o limite da
flexibilização trabalhista corresponde aos direitos fundamentais de
17 SOUZA, Rodrigo Trindade de. Função social do contrato de emprego. São
Paulo: LTr, 2008. p. 164.
18 Idem
19 SAEGUSA, Cláudia Zaneti. A flexibilização e os princípios de Direito
Individual e Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. p. 101-102.
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empregados e empregadores, pois no Estado Democrático de Direito
a autonomia da vontade deve ser interpretada à luz dos direitos
fundamentais e da dignidade humana. Logo, para o autor não é
possível adotar como limite à flexibilização apenas o cumprimento
de dois requisitos acolhidos pelo c. Tribunal Superior do Trabalho em
alguns julgados: previsão em norma coletiva e modificação favorável
à ampliação do mercado de trabalho.20
Vólia Bomfim defende que há abuso de direito quando a
flexibilização não atender ao fim social do Direito do Trabalho, senão
vejamos:
a pedra de toque para a limitação do direito de
flexibilizar é o não abuso deste direito, isto é, a
sua utilização de acordo com o fim social do Direito
do Trabalho. Só se pode conceber a dignidade do
trabalhador quando o direito é exercido de acordo
com sua função social. Neste sentido, considera-se
abusiva toda e qualquer norma coletiva que tente
reduzir direitos previstos em lei sem o necessário
motivo: séria crise econômica, que deve sersempre
comprovada, em face do princípio da transparência
nas negociações coletivas.21
20 SAEGUSA, Cláudia Zaneti. A flexibilização e os princípios de Direito Individual e Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008. p. 101-102.
21 Portanto, em um Estado democrático de direito, há um limite ao negociado, ao
flexibilizado, em todos os campos da atividade humana. Diverso não é no campo
do direito do trabalho. Há limites, portanto, à flexibilização, que não são mais
o disposto em lei ou convenção coletiva, consoante estabelece o art. 444 da
CLT vigente. O limite é o respeito e a concreção dos direitos fundamentais dos
empregados e empregadores. Nesse sentido, no âmbito de um Estado democrático
de direito, a lei, ou qualquer outro instrumento normativo, incluindo os acordos e
convenções coletivas do trabalho, devem ser interpretados em conformidade com
os direitos fundamentais. Tudo isso sem se descurar de outro direito fundamental
dos empregados e empregadores: a autonomia da vontade (derivação do direito
fundamental à liberdade, sem o qual não haveria de se falar em direito do trabalho).
Mas a autonomia da vontade não é – ainda bem – o único direito fundamental
a ser considerado pelo operador do direito; há outros direitos fundamentais em
jogo, sobremodo, o direito à dignidade humana. [...] Não se faz possível, assim,
adotar como limite à flexibilização tão-somente o cumprimento de dois requisitos
acolhidos pelo TST em alguns julgados, quais sejam, primeiro, ser prevista em
norma coletiva; segundo, quando ‘a mudança favorece a ampliação do mercado
de trabalho’. [...] Em um Estado democrático de direito, qualquer violação a direito
fundamental sofre a pecha de inconstitucionalidade e pode – deve – ser anulada,
até mesmo de ofício, pelo Poder Judiciário. Suprimir os direitos fundamentais nem
ao Constituinte derivado é autorizado!”. AMARAL, Arnaldo José Duarte. Estado
Democrático de Direito: nova teoria geral do Direito do Trabalho – adequação e
compatibilidade. São Paulo: LTr, 2008. p. 111-112.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
130
A validade da norma coletiva autorizadora da flexibilização
trabalhista exige concessões mútuas, ou seja, vantagens e
sacrifícios para os envolvidos, de modo que não é admissível a
mera renúncia. Portanto, a concessão trabalhista está vinculada
à existência de contrapartida consistente em vantagem razoável
e proporcional ao sacrifício.
Nessa linha de pensamento, Silvio Beltramelli Neto
salienta que:
Finalmente, estando constitucionalmente autorizada
a flexibilização que se submete a julgamento, e
permanecendo preservada a dignidade do trabalhador,
o Princípio Protetor, inerente ao Direito do Trabalho
exige, como condição de validade da negociação
coletiva, que a vantagem do trabalhador que tenha
sido suprimida ou reduzida corresponda a conquista
diretamente proporcional. Para tanto, é mister que o
julgador proceda à análise do conjunto de concessões
e renúncias que constam do instrumento negocial,
novamente sendo levado a ponderar a natureza dos
direitos e obrigações abrangidos e sua razoabilidade
dentro do produto final do pacto que pretende reger
a relação dos envolvidos22
Em decorrência da necessidade de preservação do
interesse público, as normas infraconstitucionais de ordem pública,
ou seja, de natureza cogente (indisponível), que consagrem ou
não direitos materialmente constitucionais, devem ser observadas
(exemplos: artigos 623 da CLT, 2º da Lei n 4.923 de 1965, bem
como 10 e 13 da Lei n. 10.192 de 2001).
Insta ressaltar que o artigo 2º da Lei n. 4.923 de 1965
atende à tutela da dignidade do trabalhador de forma a propiciar
o mínimo existencial sem retrocessos, a melhoria da condição
social do trabalhador (art. 7º, caput, da Lei Maior), o equilíbrio
necessário entre a livre iniciativa e o valor social do trabalho
(arts. 1º, IV e 170 da Constituição Federal), a busca do pleno
emprego (art. 170, VIII, da Carta Magna), a função social da
propriedade (arts. 5º, XXIII; 170, III; 182, §2º; e 186; da Lei
Maior) e, consequentemente, a função social do contrato, o que é
suficiente para verificar, por meio de uma interpretação sistemática
e teleológica, que a norma em apreço fora recepcionada pela
Constituição Federal de 1998, não obstante a existência de
posicionamento em sentido contrário.
22 BELTRAMELLI, Sílvio. Limites da flexibilização dos direitos trabalhistas. São
Paulo: LTr, 2008. p. 100.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
131
No dia 03/02/2009, o Ministério Público do Trabalho, por
meio da Procuradoria Regional do Trabalho da 2ª Região – São
Paulo, expediu recomendação a todas entidades sindicais, no
tocante às negociações coletivas atinentes à redução da jornada
de trabalho, com a diminuição de salários, na qual destacou a
possibilidade de pactuação de medidas emergenciais, que visem
à preservação dos empregos, baseadas em critérios objetivos e
no menor impacto social, exigindo o cumprimento dos direitos
trabalhistas mínimos e da Lei 4.923 de 1965.23
O Ministério Público do Trabalho acrescentou ainda
na notificação recomendatória a necessidade de observância
dos seguintes aspectos: a vedação do trabalho em jornada
extraordinária enquanto perdurar a norma coletiva, salvo em
situações de emergência e de força maior, que serão objeto
da negociação coletiva; e a remessa do instrumento coletivo,
preferencialmente antes de firmados, ao Ministério Público do
Trabalho para análise.24
Diante do exposto, a flexibilização trabalhista não
encontra fórmula rígida para a fixação de seus limites, os quais,
sem a pretensão do estabelecimento de critérios exaustivos ou
fechados, diante dos casos concretos, devem ser consubstanciados
de forma cumulativa nos seguintes parâmetros: a) a preservação
da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho,
bem assim a busca do pleno emprego; b) o respeito aos direitos
humanos e fundamentais previstos dentro e fora do catálogo
(concepção aberta de direitos materialmente constitucionais),
com base no artigo 5º, § 1º e § 2º, da Constituição Federal, sem
prejuízo das situações permissivas expressamente previstas no
texto constitucional (art. 7º, VI, XIII e XIV); c) a inexistência
de violação ao princípio da proibição do retrocesso que deve ser
objeto de interpretação sistemática condizente com a dignidade
da pessoa humana à luz dos princípios da proporcionalidade e da
razoabilidade; d) a observância das normas infraconstitucionais
de ordem pública, ou seja, de natureza cogente (indisponível)
destinadas a preservar interesse público, que consagrem ou não
direitos materialmente constitucionais (exemplos: artigos 623 da
CLT, 2º da Lei n 4.923 de 1965, bem como 10 e 13 da Lei n. 10.192
de 2001); e) o exercício do direito à produção de norma coletiva
autônoma com observância à sua função social, em conformidade
com os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, sem a
23 Disponível
em:
<www.prt2.mpt.gov.br/form/pmanifestacao.php>.
Acesso em: 21 fev. 2009.
24 Idem
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
132
caracterização de condutas abusivas; e f) a exigência de contrapartida
que justifique a concessão trabalhista na flexibilização autônoma.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A flexibilização trabalhista pode ser conceituada como
adaptação, ajuste ou mitigação das normas trabalhistas, por meio
das vias legislativa ou negocial.
Não há uniformidade na doutrina e na jurisprudência
no tocante aos critérios e aspectos limitativos da flexibilização
trabalhista.
A flexibilização trabalhista não encontra fórmula rígida
para a fixação de seus limites, os quais, sem a pretensão do
estabelecimento de critérios exaustivos ou fechados, diante dos
casos concretos, devem ser consubstanciados de forma cumulativa
nos seguintes parâmetros: a preservação da dignidade da pessoa
humana e dos valores sociais do trabalho, bem assim a busca do
pleno emprego; o respeito aos direitos humanos e fundamentais
previstos dentro e fora do catálogo (concepção aberta de direitos
materialmente constitucionais), com base no artigo 5º, § 1º e § 2º,
da Constituição Federal, sem prejuízo das situações permissivas
expressamente previstas no texto constitucional (art. 7º, VI,
XIII e XIV); e a inexistência de violação ao princípio da proibição
do retrocesso que deve ser objeto de interpretação sistemática
condizente com a dignidade da pessoa humana à luz dos princípios
da proporcionalidade e da razoabilidade.
Além disso, ainda devem ser considerados aspectos limitativos
da flexibilização trabalhista no caso concreto: a observância das
normas infraconstitucionais de ordem pública, ou seja, de natureza
cogente (indisponível) destinadas a preservar interesse público,
ainda que consagrem ou não direitos materialmente constitucionais
(exemplos: artigos 623 da CLT, 2º da Lei n 4.923 de 1965, bem
como 10 e 13 da Lei n. 10.192 de 2001); o exercício do direito à
produção de norma coletiva autônoma com observância à sua função
social, em conformidade com os princípios da razoabilidade e da
proporcionalidade, sem a caracterização de condutas abusivas; e a
exigência de contrapartida que justifique a concessão trabalhista na
flexibilização autônoma.
Portanto, o negociado em matéria laboral não pode prevalecer
de forma absoluta sobre o legislado, assim como as alterações na
legislação trabalhista que afetem as garantias dos trabalhadores,
também encontram limites.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
133
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SARLET, Ingo Wolfgang. A dignidade da pessoa humana
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R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.113-132, jul./dez. 2009
135
O BLOCO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO FIGURA
JURÍDICA ÚTIL E APLICÁVEL NOS LIAMES LABORAIS
Christiana D’arc Damasceno Oliveira*
1 INTRODUÇÃO
O que é bloco de constitucionalidade? Para quê serve?
Que incidência tem na atuação de quem lida com as relações de
trabalho?
São questões a serem abordadas neste artigo, em que se
aludirá à origem e conceituação do instituto em referência, bem
assim ao respectivo nexo com o Direito do Trabalho e com os direitos
fundamentais nas relações laborais, sejam eles direitos trabalhistas
específicos (ou propriamente trabalhistas) ou não específicos.
Para tanto, com base nas propostas teóricas do jusfilósofo
espanhol Joaquín Herrera Flores, será tangenciada a contemporânea
acepção crítica e concreta dos direitos humanos e dos direitos
fundamentais, aí incluídos os trabalhistas.
Buscar-se-á também evidenciar que os direitos humanos
e fundamentais nas relações de labor enriquecem o conceito de
bloco de constitucionalidade, o que repercute diretamente na
maximização, na área do Direito do Trabalho, de sua nota tuitiva e
do viés do trabalho decente como mecanismo de inclusão social.
2 CONTEÚDO DOS DIREITOS HUMANOS E DOS DIREITOS
FUNDAMENTAIS E DIFERENCIAÇÃO RESPECTIVA
Inicialmente, importa atentar para o conteúdo dos direitos
humanos e dos direitos fundamentais, assim também para a
distinção correspondente.
Assevera Joaquín Herrera Flores que “os direitos humanos,
mais que direitos ‘propriamente ditos’ são processos; ou seja, o
resultado, sempre provisório, das lutas que os serem humanos põem
em prática para poder ter acesso aos bens necessários à vida.”1
*
1
Juíza Federal do Trabalho na 14ª Região.
“Los derechos humanos, más que derechos ´propiamente dichos´ son procesos;
es decir, el resultado, siempre provisional, de las luchas que los seres humanos
ponen en práctica para poder acceder a los bienes necesarios para la vida.”
HERRERA FLORES, Joaquín. La reinvención de los derechos humanos.
Sevilla: Atrapasueños, 2008. p. 22.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
136
Os direitos humanos afirmam-se historicamente em
perspectiva que não é linear, por meio de uma racionalidade
de resistência, configurando resultado sempre provisional
no processo de luta pelo desenvolvimento de potencialidades
humanas, de modo igualitário, por meio dos bens materiais e
imateriais para acesso a uma vida digna. Por conseguinte, não
são eles um dado a priori, e tampouco representam um patamar
definitivo, detendo historicidade.
Para Herrera Flores, os direitos humanos caracterizamse como uma unidade complexa integrada pela criação de
espaços com condições econômicas, sociais, políticas, culturais
e jurídicas, motivo pelo qual estão imersos em um contexto, e
não em um patamar transcendental.
Daí que não basta a mera previsão de tais categorias
em texto de lei como algo de titularidade de todos de forma
imanente (igualdade formal), em que pese nem todos possam,
de fato, ter acesso a tais direitos (igualdade material) no plano
da realidade da vida, com os conceitos que lhe subjazem de
liberdade positiva e fraternidade emancipadora.
Referidas categorias se inserem em um conceito
concreto denominado pelo jusfilósofo espanhol de “diamante
ético”2, o que supõe uma sintaxe dos múltiplos componentes
que definem os direitos humanos no mundo contemporâneo,
a integrar unidade complexa e coesa, com facetas lapidadas e
elementos passíveis de visualização de qualquer prisma que se
observe, todos conexos entre si.
Para o referido autor, tais direitos consistem em um dos
meios de garantia de processos de luta por acesso digno a bens
materiais e imateriais, inseridos no processo de divisão do fazer
humano, do trabalho, observado a nota da interculturalidade,
no sentido de obter respostas às situações de opressão,
desigualdade e injustiça que se presenciam em tempos de
globalização, em que emerge a inefetividade não somente
dos direitos econômicos, sociais e culturais, assim também de
direitos civis e políticos, coletivos e outros.3
Nesse tocante, em especial na esfera das relações
trabalhistas, veja-se que a apreensão dos direitos humanos e dos
2
3
HERRERA FLORES, Joaquín. “Situar” los derechos humanos. El “diamante
ético” como marco pedagógico y de acción. Disponível em: www.upo.es.
Acesso em: 29 mar. 2008.
Idem. Los derechos humanos y el orden global 3 desafíos teóricopolíticos. Disponível em: www.upo.es. Acesso em: 5 abr. 2008.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
137
direitos fundamentais se sucede de modo interativo com os processos
sociais e econômicos, não se subsumindo a um prisma abstrato.
Notadamente com esteio na denominada Teoria Crítica, tem
despontado assim racionalidade concretista no que tange aos direitos
humanos, dotando-os de caracteres integradores e contextualizados,
em que se considera as mudanças sociais, os liames que se
estabelecem e se diluem, e as exclusões e mesclas provocadas no
quadro presente, no sentido de viabilizar a implementação concreta
do teor das categorias normativas.
Disso resulta que não se limitam os direitos humanos,
portanto, ao aspecto de juridicidade, em que pese seja esse viés
um elemento importante como um dos sistemas de garantia desses
direitos, já que estes também demandam o incremento de outros
sistemas de garantia para sua concretude, a exemplo de políticas
públicas e uma economia aberta às exigências da dignidade.4
A perspectiva tradicional divide os direitos em quatro
gerações estanques, no sentido de caracterizar a “evolução”
correlata, conferindo ênfase à suposta ordem histórica de surgimento
correspondente, sendo o principal divulgador de tal doutrina Norberto
Bobbio.5
Nesse sentido, a teoria tradicional aponta as seguintes
gerações:
1ª Geração: direitos civis e políticos (em especial direitos
ligados à liberdade, à vida e à propriedade), normalmente identificados
com um não fazer (direitos negativos) e característicos do Estado
Liberal – origem no século XVIII e meados do século XIX;
2ª Geração: direitos sociais, econômicos e culturais (também
denominados direitos da igualdade), normalmente identificados com
um fazer (direitos a prestações) e característicos do Estado Social origem a partir do século XIX;
3ª Geração: direitos do consumidor, ao meio ambiente
equilibrado, à paz e ao desenvolvimento, além de direitos difusos
e coletivos outros (direitos da fraternidade ou da solidariedade) e
característicos do Estado Democrático e Social – origem a partir da
segunda metade do século XX; e
4ª Geração: conforme Noberto Bobbio, seria integrada
4
5
HERRERA FLORES, Joaquín. La reinvención de los derechos humanos.
Sevilla: Atrapasueños, 2008. p. 28.
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
p. 5. Tradução de Nelson Coutinho. A despeito de tal doutrina ter sido
amplamente difundida pelo jurista italiano Bobbio, foi concebida, na
realidade, por Karel Vasak.
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138
pelos direitos afetos à engenharia genética. Para Paulo Bonavides,
aqui se enquadrariam, na verdade, os direitos da cidadania e da
globalização política.
Além disso, parte da doutrina junge grupos adicionais.
Paulo Bonavides, em que pese utilizando inicialmente a
expressão “gerações” de direitos, defende a maior propriedade da
expressão “dimensões”.
Arion Sayão Romita, de sua parte, indica que tanto o termo
“gerações” como o termo “dimensões” não seriam apropriados,
optando por apresentar esquema classificatório que se refere a
“famílias”, “naipes”, ou “grupos” de direitos fundamentais.
Assim, acrescem tais autores as categorias seguintes:
5ª Grupo: para Paulo Bonavides, que emprega a expressão
dimensão, seria formado pelo direito à paz,6 diferentemente do
posicionamento de Norberto Bobbio que incluiu tal direito na
denominada terceira geração de direitos. Para Arion Sayão Romita,
que utiliza a denominação família ou naipe de direitos, tal categoria
seria formada pelos direitos oriundos da utilização da informática e
da cibernética;7
6ª Grupo: Arion Sayão Romita adiciona também a sexta
família ou naipe de direitos fundamentais, que, em seu entender,
refere-se aos direitos emergentes da globalização, a exemplo do
direito à democracia, à informação correta e ao pluralismo.8
Importante registrar que, apesar de municiar-se das
expressões “geração” e “dimensão” de direitos humanos, Paulo
Bonavides freqüentemente frisa em sua argumentação a unidade
que tais assim denominadas categorias (no seu entender, cinco)
observam entre si, bem assim aduz que o surgimento, oficialização
e consolidação dos direitos fundamentais ocorreu no curso da
história, por meio de processo cumulativo e qualitativo, e não por
meio de evolução sem desvios, com caducidade das categorias
antecedentes.9
Nesse mesmo sentido, direcionam-se as assertivas de Arion
Sayão Romita.10
6
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 22.ed. São Paulo:
Malheiros, 2008. p. 560-580, passim.
7 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2.
ed. rev. e aum. São Paulo : LTr, 2007. p. 102.
8 Idem
9 BONAVIDES, op. cit., p. 571-572.
10 ROMITA, op. cit., p. 129-130.
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139
Além disso, embora utilize as expressões “família”, “naipe”
ou “grupo”, mantendo a categorização dos direitos fundamentais
em blocos específicos, refere Arion Sayão Romita entendimento
quanto à necessidade de considerar-se o “homem situado”
e, portanto, as particularidades correspondentes para fins de
incidência dos direitos fundamentais.11
A concepção tradicional, fundada em especial na doutrina
de Bobbio, traduz a idéia de “sucessão” de uma geração por outra
e de “linearidade” na conquista dos direitos.
Veja-se, entretanto, que, em que pese o valor didático de
tal classificação para o estudo dos direitos fundamentais, inexiste
correlação exata entre as denominadas gerações e o processo
histórico de surgimento e expansão dos direitos respectivos, bem
assim não há eliminação de direitos de uma verve por outros.
Isto porque, como nota Antônio Augusto Cançado
Trindade, “[...] enquanto no direito interno (constitucional) o
reconhecimento dos direitos sociais foi historicamente posterior
ao dos civis e políticos, no plano internacional ocorreu o contrário,
conforme exemplificado pelas sucessivas e numerosas convenções
internacionais do trabalho, a partir do estabelecimento da OIT
em 1919, muitas das quais precederam a adoção de convenções
internacionais mais recentes voltadas aos direitos civis e
políticos.”12
Outrossim, observa George Marmelstein Lima que “a
expressão pode induzir a idéia de que o reconhecimento de uma
nova geração somente pode ou deve ocorrer quando a geração
anterior já estiver madura o suficiente, dificultando bastante o
reconhecimento de novos direitos, sobretudo nos países ditos
periféricos (em desenvolvimento), onde sequer se conseguiu um
nível minimamente satisfatório de maturidade dos direitos da
chamada ‘primeira geração.’”13
Também afirma o Juiz Federal que “por causa disso, a
teoria contribui para a atribuição de baixa carga de normatividade
e, conseqüentemente, de efetividade dos direitos sociais e
econômicos, tidos como direitos de segunda geração e, portanto,
11 ROMITA, Arion Sayão. Direitos fundamentais nas relações de trabalho. 2.
ed. rev. e aum. São Paulo : LTr, 2007. p. 210-211
12 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A proteção internacional dos direitos
humanos: fundamentos jurídicos e instrumentos básicos. São Paulo: Saraiva,
1991. p. 41.
13 LIMA, George Marmelstein. Críticas a Teoria das Gerações (ou mesmo
Dimensões) dos Direitos Fundamentais. p.3. Disponível em: http://www.
georgemlima.xpg.com.br/geracoes.pdf. Acesso em: 1º out. 2006.
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140
sem prioridade de implementação. Até em países desenvolvidos,
como nos Estados Unidos, ainda não se aceita pacificamente a idéia
de que os direitos sociais são verdadeiros direitos fundamentais,
apesar de inúmeras Constituições de Estados-membros
consagrarem em seus textos direitos dessa espécie.”14
A par disso, note-se que a categorização das posições
jurídicas como integrantes de um específico grupo arrefece a
integralidade dos direitos fundamentais e a patente circunstância
de o que se apresenta, na realidade, é uma carga preponderante
em um dado direito fundamental de índole individual, social,
coletiva e assim por diante, em um certo momento, na análise do
caso concreto.
No que atine à tradicional concepção dos direitos humanos,
Luciana Caplan, citando Gallardo, elucida:
A idéia geracional dos direitos humanos acaba por
importar em uma noção de progresso e evolução,
como se a conquista de uma das ‘gerações’ fosse o
caminho para a conquista da ‘geração’ seguinte. Com
ela, acaba-se por esquecer que a efetivação universal
de direitos civis e políticos não pode acontecer de
forma plena sem a dos direitos econômicos sociais
e culturais. E vice-versa. Não há uma categoria cuja
efetividade deva ser conquistada antes como condição
para a efetividade da outra. Aliás, a idéia hegemônica
que embasa os direitos civis e políticos perde força
quando estes são efetivados apenas em conjunto com
os direitos econômicos, sociais e culturais.
No entanto, como ensina Gallardo:
[...] as gerações de direitos não constituem um
contínuo nem este contínuo, se existir, é portador de
um ‘progresso’. O que se chama ‘gerações de direitos
humanos’ remete a racionalidades encontradas que
podem resultar mutuamente excludentes e que
supõem rupturas. Entre o abstrato direito à vida
e o direito a um salário que cubra as necessidades
familiares e existenciais dos trabalhadores existe
não somente uma diferença de conteúdo, senão
especificamente um distinto critério (racionalidade
ou discernimento) sobre a existência social e uma
diversa apreciação sobre a legimitidade das lutas
que sustentam estes critérios. Esquematicamente, o
primeiro critério observa indivíduos que entram em
14 LIMA, George Marmelstein. Críticas a Teoria das Gerações (ou mesmo
Dimensões) dos Direitos Fundamentais, p. 4. Disponível em: http://www.
georgemlima.xpg.com.br/geracoes.pdf. Acesso em: 1º out. 2006.
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141
relações e se apóia nesta observação para propor
direitos humanos básicos. O segundo discernimento
repara em relações que constituem individualidades
(e setores) para exigir um trato não discriminatório. A
primeira luta, liberal-burguesa, forma complexamente
parte do sentido comum moderno. A segunda se
move contrariamente a este sentido material e
resulta indispensável pelo que não seja acometida
usualmente (desde o jusnaturalismo, por exemplo)
senão como expressão de uma vontade cultural e
política daqueles setores que necessitam transformar
as relações sociais que constituem e reproduzem sua
vulnerabilidade sócio-histórica. (tradução nossa)15
Por outro lado, mesmo a alteração do termo “gerações”
para “dimensões” ou “famílias”, no intuito de afastar aquela idéia
de alternância e realçar o fator de constante interseção entre os
direitos fundamentais, não tem o condão de apreender em sua
concretude os fatores reais e complexos que ocasionam alterações
sociais, econômicas e culturais nos dias de hoje.
Não se tem o intuito, porém, de infirmar o arcabouço
de estudos que apresente referenciais diferenciados dos aqui
adotados, objetivando-se, na realidade, realçar os pontos de
contato e construir enfoque concretizador da dignidade do ser
humano trabalhador, na persecução de relações laborais mais
democráticas, com observância de direitos fundamentais e, por
corolário, com a garantia do trabalho decente.
Importante ter em mente que, mesmo produções teóricas
bem intencionadas realizadas com esteio na teoria das gerações,
dimensões ou famílias dos direitos humanos e fundamentais,
têm sido apropriadas e utilizadas com o intuito de legitimar o
cometimento de injustiças e o ocaso dos esforços de uma existência
digna para todos (a exemplo da idéia do “mínimo existencial”, que
o viés mercadológico desvirtua no sentido de constituir não um
patamar basilar de garantias jurídicas, e sim o teto máximo a que
se pode chegar por meio das políticas públicas).
Mister, por conseguinte, uma concepção novel no que tange
aos direitos humanos e fundamentais com o fito de viabilizar sua
implementação, concepção essa dotada de caracteres integradores
e contextualizados, devendo-se atentar que inexistem divisões ou
preeminências entre os diversos tipos de direitos humanos e de
15 CAPLAN, Luciana. A (in)disponibilidade dos direitos sociais
fundamentais nas negociações coletivas de trabalho: uma reflexão
a partir da teoria crítica dos direitos humanos. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Prebisteriana Mackenzie, Pós-Graduação em Direito Político e
Econômico. São Paulo, 2007. p. 49.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
142
direitos fundamentais, passando eles a serem analisados sob a
ótica dos meios, e não dos fins, para que se possa recuperá-los,
rechaçando-se, portanto, o inadequado marco categorial de sua
inversão.
Para os fins do presente estudo, no entanto, no que
toca ao aspecto da juridicidade, dados os limites da abordagem
a ser realizada, partir-se-á da premissa de que os direitos
humanos se reportam a categorias normativas destinadas
ao assecuramento da dignidade da pessoa humana, com
reconhecimento na seara internacional, independentemente de
vinculação a uma ordem jurídica interna específica; ao passo que
os direitos fundamentais se referem a categorias normativas
que tomam em conta os direitos humanos acolhidos expressa ou
implicitamente na ordem jurídica de determinado Estado, sendo
os direitos fundamentais, pois, um dos meios jurídicos de garantia
dos direitos humanos.16
De todo modo, reforça-se que tal dicotomia apenas
se apresenta sob o prisma didático e não sob o ponto de vista
ontológico, dada a umbilical ligação entre as categorias em
foco.17
3 DIREITOS FUNDAMENTAIS TRABALHISTAS
ESPECÍFIDIREITOS FUNDAMENTAIS TRABALHISTAS
ESPECÍFICOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS
TRABALHISTAS NÃO ESPECÍFICOS
No que tange às relações de trabalho, conforme se extrai
do teor dos artigos 7º a 11 da CF, prevê a Constituição Federal
diversos direitos fundamentais propriamente trabalhistas
16 CAPLAN, Luciana. A (in)disponibilidade dos direitos sociais fundamentais
nas negociações coletivas de trabalho: uma reflexão a partir da teoria
crítica dos direitos humanos. Dissertação (Mestrado) – Universidade
Prebisteriana Mackenzie, Pós-Graduação em Direito Político e Econômico. São
Paulo, 2007, p. 15.
17 Afirma Ingo Wolfgang Sarlet, aludindo à diferença de significado entre as
expressões, que “reconhecer a diferença, contudo, não significa desconsiderar
a íntima relação entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, uma vez
que a maior parte das Constituições do segundo pós-guerra se inspirou tanto na
Declaração Universal de 1948, quanto nos diversos documentos internacionais
e regionais que as sucederam, de tal sorte que – no que diz com o conteúdo
das declarações internacionais e dos textos constitucionais – está ocorrendo um
processo de aproximação e harmonização, rumo ao que já está sendo denominado
(e não exclusivamente – embora principalmente –, no campo dos direitos humanos
e fundamentais) de um direito constitucional internacional.”
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
143
ou trabalhistas específicos, individuais e coletivos.
Tratam-se referidos direitos daqueles que só podem
ser exercidos pelo trabalhador enquanto tal (ex., remuneração
do trabalho noturno superior à do diurno, do adicional de hora
extra, do reconhecimento das convenções e acordos coletivos de
trabalho, da greve, etc.)
Além disso, ao descrever que são direitos dos
trabalhadores aqueles elencados naquele dispositivo, “além de
outros que visem à melhoria de sua condição social”, revela a
análise do caput do artigo 7º da Constituição Federal a acolhida
em seu bojo do Princípio da Proteção, mandamento nuclear do
Direito do Trabalho, sendo ali também albergada a cláusula da
vedação do retrocesso social no que atine à aquisição de direitos
trabalhistas.
Há direitos fundamentais que incidem nas relações de
trabalho, todavia, que não são tipicamente trabalhistas. Dirigemse a qualquer cidadão e, portanto, também ao trabalhador, que não
se despe de sua condição de pessoa plena ao integrar o contrato
de labuta, motivo pelo qual, além dos direitos propriamente
trabalhistas ou trabalhistas específicos, nos planos individual e
coletivo (artigos 7º a 11 da CF), são-lhe direcionados direitos
outros, ditos fundamentais trabalhistas não específicos.
De efeito, o ingresso do trabalhador no âmbito laboral,
no qual goza de direitos fundamentais trabalhistas típicos, não
lhe suprime sua condição de dignidade e, por exemplo, direitos
não específicos albergados no artigo 5º da CF, como o de objeção
de consciência (inciso VIII)20, liberdade de exercício de ofício
ou profissão (inciso XIII) e direitos de personalidade (direito à
intimidade, à vida privada, à honra e à imagem, incisos V, X e
XII), sendo integrantes do patamar normativo nas relações de
labor tanto os direitos propriamente trabalhistas como os direitos
trabalhistas não específicos, todos a figurarem como aspectos
limitativos do poder do tomador de serviços.
Cabe realçar que os direitos fundamentais trabalhistas
não específicos podem ser objeto de modulação, dada a natureza
da relação de trabalho firmada entre as Partes, que pressupõe
18 19
18 Marthius Sávio Cavalcante Lobato denomina os direitos coletivos trabalhistas
também de direitos institucionais.
19 LOBATO, Marthius Sávio Cavalcante. O valor constitucional para a efetividade
dos direitos sociais nas relações de trabalho. São Paulo: LTr, 2006. p. 64.
20 A exemplo da recusa de trabalhadores adventistas de labutarem aos sábados.
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144
subordinação e inserção em um paradigma produtivo, a exemplo
do que ocorre nas situações que envolvem a polêmica quanto
ao monitoramento do e-mail corporativo, defendido por parcela
considerável da doutrina e da jurisprudência, desde que haja
ciência prévia tanto do monitoramento como de que o mecanismo
eletrônico somente deverá ser usado no interesse do serviço, já
que disponibilizado para o trabalho.21
De modo didático, e fazendo prévia referência aos direitos
tipicamente trabalhistas, aduz Oscar Ermita Uriarte que os direitos
trabalhistas não específicos provocam o incremento dos direitos
humanos e fundamentais de que é titular o trabalhador:
O trabalhador tem, além disso, todos os demais
direitos humanos que ele tem enquanto cidadão, não
enquanto trabalhador, e ele não perde esses direitos
de pessoa humana, de cidadão, só pelo fato de entrar
na fábrica, só pelo fato de entrar numa relação de
trabalho subordinado. Fala-se, portanto, de direitos
inespecíficos. O trabalhador tem duas classes de
direitos humanos: os direitos trabalhistas específicos,
os que todos conhecemos e com os quais trabalhamos,
e os demais direitos do cidadão, inespecíficos, não
específicos do trabalhador, mas que ele conserva,
como cidadão, na relação de trabalho.
Claro, o exercício desses direitos – liberdade de
expressão, direito à intimidade, dignidade da pessoa
humana, direito à saúde – pode ser modelado,
adaptado a uma relação de subordinação na relação
de dependência, na relação de pertinência a uma
organização produtiva, mas existe. Então, o acréscimo
dos direitos fundamentais do trabalhador, além dos
tipicamente trabalhistas, por esses inespecíficos,
provoca o incremento do número dos direitos humanos
de que é titular o trabalhador.22
Como se infere, a expressão direitos fundamentais no
trabalho (ou nas relações laborais) e direitos fundamentais trabalhistas
em sentido estrito não se equivalem, sendo a primeira mais ampla,
abarcando tanto os direitos objeto da segunda expressão (direitos
propriamente trabalhistas ou trabalhistas específicos) como aqueles
21 Também podem ser mencionados os aspectos relativos a revistas pessoais vexa
tórias, exigência de testes de gravidez à mulher para admissão, testes de AIDS,
discriminação por orientação sexual ou contra pessoas portadoras de necessidades
especiais no trabalho, além de assédio sexual e moral, entre outros.
22 URIARTE, Oscar Ermida. A aplicação judicial das normas constitucionais e
internacionais sobre direitos humanos trabalhistas. In: Fórum Internacional
sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais. organização e realização Tribunal
Superior do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 280-293.
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direitos dotados de fundamentalidade não exclusivos da categoria
dos trabalhadores (direitos trabalhistas não específicos), mas que a
eles também são destinados enquanto cidadãos, qualidade que não
é suprimida quando se integra uma relação de labuta.
Quanto
aos
direitos
propriamente
trabalhistas,
imprescindível ter em mente ainda que, por óbvio, nem todos
eles são fundamentais, a exemplo de alguns direitos trabalhistas
explicitados em âmbito infraconstitucional (ex., multa prevista no
artigo 477, §8º, da CLT, para a hipótese de atraso no pagamento de
verbas rescisórias).
Por fim, não se esqueça que o patamar de direitos
fundamentais trabalhistas específicos e não específicos indicados
na Constituição Federal é ainda majorado pelas normas que
integram o bloco de constitucionalidade, instituto que se tem
defendido no Brasil ainda de forma incipiente, conforme se
abordará a seguir.
4 ORIGEM E ACEPÇÃO DE BLOCO DE
CONSTITUCIONALIDADE
Na proteção jurisdicional dos direitos fundamentais,
especialmente os sociais nas relações de trabalho, é destacada
a importância do instituto do bloco de constitucionalidade.
A
expressão
bloco
de
constitucionalidade
foi
desenvolvida, na França, por Louis Favoreu, reportando-se às
normas do ordenamento jurídico então apontadas pelo Conselho
Constitucional francês como detendo status constitucional, para
tanto acrescendo à Constituição de 1958 daquele País, também
a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, o
preâmbulo da Constituição de 1946 e normas outras de valor
constitucional.23
A idéia ganhou novos contornos em diversos países.
No Brasil, em que pese predomine o posicionamento
de supremacia formal da Constituição, lastreado na idéia
de rigidez constitucional, pelo que, a princípio, apenas as
normas nela consignadas serviriam como parâmetro para o
controle de constitucionalidade, é certo que a noção de bloco
de constitucionalidade em patamares diversos vem sendo
bastante reforçada com ponderosos argumentos doutrinários e
jurisprudenciais.
23 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. 15. ed. rev., atual. e
ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 302.
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Aponta Pedro Lenza que se busca “fixar, com clareza para
o direito brasileiro, o conceito de bloco de constitucionalidade,
qual seja o que deverá servir de parâmetro em relação ao qual se
possa realizar a confrontação e aferir a constitucionalidade”.24
Kildare Gonçalves Carvalho aduz que o bloco de
constitucionalidade:
traduz a idéia de unidade e solidez, e se refere ao
conjunto de princípios e regras não inscritos na
Constituição, situados no mesmo nível da Constituição,
portanto, de valor constitucional, cujo respeito se impõe
à lei, e que não podem ser divididos.25
A nosso ver, o bloco de constitucionalidade concerne aos
elementos e diplomas normativos dotados de feição constitucional
que se voltam tanto para a proteção da dignidade da pessoa
humana como se constituem como parâmetro de confronto em
relação ao qual se deve proceder à verificação da compatibilidade
vertical das normas inferiores e dos atos judiciais e do executivo,
ou seja, o conjunto ou plexo de normas que é considerado como
modelo constitucional para tal confronto.Tal instituto tem destacada
importância na atuação cotidiana daqueles que lidam com o Direito,
sejam advogados, juízes, integrantes do Ministério Público, sindicatos,
por permitir a maximização e a otimização dos parâmetros a serem
utilizados notadamente na concreção dos direitos fundamentais nas
relações de labor e na efetivação da dignidade da pessoa humana.
Vale dizer que a observância do bloco de constitucionalidade
impõe-se logicamente também aos atores sociais, como paradigma
a ser observado para fins de incidência da autonomia privada e
coletiva, em especial no âmbito das relações de trabalho, seja na
formação de contratos individuais seja nas estipulações em âmbito
coletivo.
5 ESTÁGIO E ALCANCE DO INSTITUTO NO
ORDENAMENTO BRASILEIRO
A respeito do alcance do bloco de constitucionalidade, há
duas vertentes preponderantes no ordenamento jurídico brasileiro.
24 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 206.
25 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito constitucional. 15. ed. rev., atual. e
ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 302.
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A primeira (restritiva) limita o alcance do paradigma
constitucional somente aos princípios e normas explícita ou
implicitamente albergados na Constituição, além das normas
internacionais sobre direitos humanos aprovadas em cada Casa
do Congresso Nacional, em dois turnos, por 3/5 dos votos dos
respectivos membros, equivalentes às emendas constitucionais
(artigo 5º, §3º, da CF). É o bloco de constitucionalidade em
sentido estrito.
A segunda corrente, em perspectiva ampliativa,
compreende no conceito de bloco de constitucionalidade, para
fins de parametricidade26, além dos referidos preceitos material e
formalmente constitucionais, também normas apenas materialmente
constitucionais (inclusive decorrentes de convenções internacionais
ratificadas por procedimento menos solene e normas constantes
até mesmo na legislação ordinária), além de valores suprapositivos
oriundos da ordem constitucional global, sempre observada a
unidade axiológica do ordenamento jurídico.
No julgamento da ADI 514/PI, o Ministro do STF Celso
de Mello, reconhecendo a relevância do instituto e sua incidência
no ordenamento brasileiro, realizou análise acerca das posições
doutrinárias divergentes quanto ao conteúdo do bloco de
constitucionalidade, para fins de fiscalização normativa abstrata,
aludindo ainda ser a definição do significado respectivo um fator
determinante do caráter constitucional ou não dos atos estatais:
A definição do significado de bloco de constitucionalidade
- independentemente da abrangência material que
se lhe reconheça (a Constituição escrita ou a ordem
constitucional global) - reveste-se de fundamental
importância no processo de fiscalização normativa
abstrata, pois a exata qualificação conceitual dessa
categoria jurídica projeta-se como fator determinante
do caráter constitucional, ou não, dos atos estatais
contestados em face da Carta Política. [...]
Tratando-se de fiscalização normativa abstrata,
a questão pertinente à noção conceitual de
parametricidade - vale dizer, do atributo que permite
outorgar, à cláusula constitucional, a qualidade
de paradigma de controle - desempenha papel de
fundamental importância na admissibilidade, ou não,
da própria ação direta (ou da ação declaratória de
constitucionalidade), consoante já enfatizado pelo
Plenário do Supremo Tribunal Federal (RTJ 176/1019-
26 Conforme o Ministro do STF Celso de Mello, parametricidade é o
“atributo que permite outorgar, à cláusula constitucional, a qualidade
de paradigma de controle.”
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148
1020, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Isso
significa,
portanto,
que
a
idéia
de
inconstitucionalidade (ou de constitucionalidade), por
encerrar um conceito de relação (JORGE MIRANDA,
“Manual de Direito Constitucional”, tomo II, p. 273/274,
item n. 69, 2ª ed., Coimbra Editora Limitada) - que
supõe, por isso mesmo, o exame da compatibilidade
vertical de um ato, dotado de menor hierarquia, com
aquele que se qualifica como fundamento de sua
existência, validade e eficácia - torna essencial, para
esse específico efeito, a identificação do parâmetro de
confronto, que se destina a possibilitar a verificação,
in abstracto, da legitimidade constitucional de certa
regra de direito positivo, a ser necessariamente
cotejada em face da cláusula invocada como referência
paradigmática.
A busca do paradigma de confronto, portanto, significa,
em última análise, a procura de um padrão de cotejo
que permita, ao intérprete, o exame da fidelidade
hierárquico-normativa de determinado ato estatal,
contestado em face da Constituição.
Sendo assim, e quaisquer que possam ser os
parâmetros de controle que se adotem - a Constituição
escrita, de um lado, ou a ordem constitucional global,
de outro (LOUIS FAVOREU/FRANCISCO RUBIO
LLORENTE, “El bloque de la constitucionalidad”, p.
95/109, itens ns. I e II, 1991, Civitas; J. J. GOMES
CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 712, 4ª ed.,
1987, Almedina, Coimbra, v.g.) -, torna-se essencial,
para fins de viabilização do processo de controle
normativo abstrato, que tais referências paradigmáticas
encontrem-se, ainda, em regime de plena vigência,
pois, como precedentemente assinalado, o controle
de constitucionalidade, em sede concentrada, não se
instaura, em nosso sistema jurídico, em função de
paradigmas históricos, consubstanciados em normas
que já não mais se acham em vigor, ou, embora
vigendo, tenham sofrido alteração substancial em seu
texto.27
No Brasil, no que toca ao bloco de constitucionalidade,
ainda figura mais pujante a vertente restritiva, embora não tenha
sido ilidida a aplicabilidade da concepção ampliativa.
Tem-se, contudo, que a acepção ampliativa afigura-se
mais consentânea, já que o bloco de constitucionalidade, como
parâmetro a ser invocado para confronto constitucional, volta-se
para a maximização dos preceitos de direitos fundamentais, sendo
mecanismo viável de proteção e fiscalização de tais direitos para
que não tenham conotação meramente nominal, a fim de que seja
27 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI 514/PI. Rel. Ministro Celso de Mello. J.
em 24.03.2008. DJ de 31.03.2008.
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149
potencializada sua efetividade e, na hipótese de violação, sejam
eles restaurados por intermédio de tal paradigma de confronto.
Assim, almeja-se evitar que fiquem os direitos
fundamentais, especialmente nas relações de trabalho,
desassistidos e vulneráveis à atuação do legislador e à esfera
administrativa, assim também à autonomia privada e coletiva em
sentido deletério.
Como se nota, há relação do instituto com os conceitos da
cláusula da vedação do retrocesso e também com a intangibilidade
dos direitos fundamentais (cláusulas pétreas).
6 ELEMENTOS INTEGRANTES DO BLOCO DE
CONSTITUCIONALIDADE E RELAÇÃO COM OS
DIREITOS FUNDAMENTAIS NOS LIAMES LABORAIS
Versando sobre a temática do bloco de constitucionalidade,
reconhece expressamente Héctor-Hugo Barbagelata a incidência
de tal instituto nas relações de trabalho.28
No que atine à seara laboral, a abrangência do bloco
de constitucionalidade, primeiramente, reporta-se aos direitos
fundamentais trabalhistas específicos e não específicos constantes
no próprio bojo da Constituição Federal, sejam aqueles constantes
no catálogo de direitos fundamentais a que se refere o Título II da
Carta Constitucional (“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, direitos
material e formalmente fundamentais), sejam aqueles dispersos pelo
texto constitucional em outras circunscrições topográficas (direitos fora
do catálogo e materialmente fundamentais, e. g., meio ambiente
do trabalho sadio e equilibrado, artigo 200, inciso VIII, e 225,
caput, da CF).
Ainda figuram sob o manto do bloco de constitucionalidade
no ordenamento brasileiro, os tratados e convenções internacionais
sobre direitos humanos ratificados mediante aprovação, em cada
Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos
dos votos dos respectivos membros, os quais são equivalentes
às emendas constitucionais (artigo 5º, §3º, da Constituição
Federal).
Além disso, embora não seja unânime, e com base na
cláusula de abertura constante no artigo 5º, §2º, da CF, defende-se
28 BARBAGELATA, Héctor-Hugo. Os princípios de Direito do Trabalho de
segunda geração. Cadernos da AMATRA IV, Porto Alegre, v. III, n. 7,
p. 23, abr./jun. 2008.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
150
o posicionamento de que os tratados e convenções internacionais
ratificados na forma dos artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII, da
CF, que versem sobre direitos humanos, ainda que não submetidos
ao referido procedimento mais rigoroso do artigo 5º, §3º, da CF,
detém status constitucional na ordem interna brasileira, integrando
bloco de constitucionalidade e detendo, pois, aplicabilidade direta
e imediata (ex., Convenção n. 155 da OIT).
Também com esteio na cláusula de abertura mencionada,
sustenta-se que a legislação infraconstitucional pode contemplar
direitos fundamentais nas relações de trabalho, nas hipóteses em
que as normas correlatas apresentem fundamentalidade material,
diante de seu conteúdo, importância29 e correlação direta com a
dignidade da pessoa humana30 (a exemplo dos artigos 9º, 10, 444,
448 e 468 da CLT).31
Nesse sentido, prevê o artigo 5º, §2º, da CF que “os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem
outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados,
ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do
Brasil seja parte.”
O citado posicionamento é reforçado pela disposição
contida no artigo 4º, inciso II, da CF, no sentido de que o Brasil
se rege em suas relações internacionais, dentre outros, pelo
Princípio da “prevalência dos direitos humanos”.
No que se refere à área laboral, tal raciocínio também
29 SARLET, Ingo Wolfgang. A dignidade da pessoa humana e direitos
fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 89, 103.
30 QUEIROZ JÚNIOR, Hermano. Os direitos fundamentais dos trabalhadores
na Constituição de 1988. São Paulo: LTr, 2006. p. 104.
31 Cabe registrar, contudo, que os artigos 10 e 448 da CLT, que prevêem as garantias de
intangibilidade dos contratos de trabalho e da sucessão trabalhista (com responsabilização
do sucessor pelas obrigações contraídas pelo anterior estabelecimento), não prevalecem
nas seguintes hipóteses:
a) morte do empregador constituído em empresa individual (artigo 483, §2º, da CLT);
b) desmembramento de município ou estado, com surgimento de nova entidade
estatal a par da antiga (artigo 18, §§3º e 4º, da CF);
c) na seara dos empregados domésticos; e
d) nas hipóteses descritas na Lei n. 11.101/2005 quanto à recuperação judicial e
à falência. Destaque-se o recente julgamento realizado pelo STF no bojo da ADIN
n. 3.934-2 DF, na data de 27.05.2009, em que declarou aquela Excelsa Corte a
constitucionalidade do artigo 83, incisos I e VI, alínea “c”, da Lei n. 11.101/2005,
bem como dos artigos 60, parágrafo único, e 141, inciso II, da mesma norma, sendo
os dois últimos dispositivos dotados de diretrizes que afastam expressamente
o instituto da sucessão trabalhista nas hipóteses de alienação judicial de filiais
ou unidades isoladas (recuperação judicial) ou de ativos do empreendimento
ou de suas filiais (falência). DELGADO, Maurício Godinho. Curso de direito do
trabalho. 5ª edição. São Paulo: LTr, 2006, p. 420-421. Cfr. item 1.5.4.
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151
é confirmado pelo artigo 114, §2º, da CF, e pela parte final do
caput do artigo 7º da Constituição Federal, que estipula serem
direitos dos trabalhadores urbanos e rurais os discriminados
nos incisos daquele dispositivo, “além de outros que visem à
melhoria de sua condição social”.
Sobre o tema, leciona José Joaquim Gomes Canotilho:
[...] o programa normativo-constitucional não se
pode reduzir, de forma positivística, ao “texto” da
constituição. Há que densificar, em profundidade,
as normas e princípios da constituição, alargando
o “bloco de constitucionalidade” a princípios não
escritos desde que reconduzíveis ao programa
normativo-constitucional como formas de densificação
ou revelação específicas de princípios ou regras
constitucionais positivamente plasmadas.32
Além disso, quanto às normas consagradoras de direitos
fundamentais sediadas em legislação infraconstitucional, pontua
Maurício Godinho Delgado:
Tais direitos fundamentais do trabalho também
constam, evidentemente, da legislação heterônoma
estatal, a qual completa o padrão mínimo de civilidade
nas relações de poder e de riqueza inerentes à grande
maioria do mercado laborativo próprio ao capitalismo
(caput do art. 7º, CF/88).33
Por conseguinte, tem-se que a seara dos direitos
fundamentais no que atine às relações de trabalho, tal como
constante na CF, resulta majorada substancialmente pela
incorporação de novas fontes, sendo ampliado o padrão de
confronto a ser utilizado a fim de aferir se lei ou ato normativo se
revela inconstitucional, a incrementar a maximização do trabalho
decente.
Quanto à acepção ampliativa em tela, aduz Pedro Lenza
que:
Em relação à perspectiva ampliativa, o Min. Celso de Mello
(Inf. 258/STF) vislumbra possam ser
32 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da
Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2009. p. 921.
33 DELGADO, Maurício Godinho. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista
do Ministério Público do Trabalho, Brasília, v. XVI, n. 31, p.36, mar. 2006.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
152
[...] considerados não apenas os preceitos de
índole positiva, expressamente proclamados em
documento formal (que consubstancia o texto
escrito da Constituição), mas, sobretudo, que sejam
havidos, igualmente, por relevantes, em face de
sua transcendência mesma, os valores de caráter
suprapositivo, os princípios cujas raízes mergulham
no direito natural e o próprio espírito que informa e dá
sentido à Lei Fundamental do Estado.
E completa:
não foi por outra razão que o Supremo Tribunal Federal,
certa vez, e para além de uma perspectiva meramente
reducionista, veio a proclamar – distanciando-se,
então, das exigências inerentes ao positivismo jurídico
– que a Constituição da República, muito mais do que
o conjunto de normas e princípios nela formalmente
positivados, há de ser também entendida em
função do próprio espírito que a anima, afastandose, desse modo, de uma concepção impregnada de
evidente minimalismo conceitual (RTJ 71/289, 292 e
77/657).34
Para José Claudio Monteiro de Brito Filho, a dignidade
constitui o traço definidor dos elementos a serem tidos para
definição dos direitos mínimos alusivos ao trabalho decente, os
quais devem ser extraídos do Pacto Internacional dos Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), celebrado no âmbito da
ONU; bem como das convenções expressamente elencadas como
nucleares na Declaração da OIT referente aos princípios e direitos
fundamentais no trabalho, de 1998 (liberdade sindical e negociação
coletiva, Convenções ns. 87 e 98; eliminação do trabalho forçado,
Convenções ns. 29 e 105; vedação da discriminação no trabalho,
Convenções ns. 100 e 101; e erradicação das piores formas de
trabalho infantil, Convenções ns. 138 e 182), aliadas a outros
acréscimos realizados pelo autor nos seguintes termos:
No plano individual temos o Direito ao trabalho, base sobre
a qual se assentam todos os demais, desdobramento, e pode ser
analisado de diversas formas, sendo que, principalmente, como
obrigação do Estado de criar condições para que o trabalhador
possa exercer ocupação que lhe permita e à sua família subsistir,
além de: liberdade de escolha do trabalho; direito de exercer
o trabalho em condições que lhe preservem a saúde; direito a
uma justa remuneração; direito a justas condições de trabalho,
34 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. rev., atual. e
ampl. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 206.
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153
principalmente limitação da jornada de trabalho e existência de
períodos de repouso; e proibição do trabalho infantil. No rol dos
direitos mínimos temos, ainda, no plano coletivo, a liberdade
sindical; e, no plano da seguridade social, a proteção contra o
desemprego e outros riscos sociais.35
Entende-se que também são normas internacionais
importantes para a esfera das relações de trabalho: a
Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU), de 1948; a
Declaração Americana de Direitos e Obrigações do Homem; a
Carta da Organização dos Estados Americanos (OEA); a Carta
Interamericana de Garantias Sociais; o Pacto Internacional de
Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) (ONU), de
1966; a Convenção Americana de Direitos Humanos (OEA); o
Protocolo Facultativo à Convenção Americana de Direitos Humanos
em matérias de direitos econômicos, sociais e culturais - Protocolo
de San Salvador (OEA), de 1988; a Declaração da OIT sobre os
princípios e direitos fundamentais no trabalho (OIT), de 1998;
a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL; além das demais
convenções internacionais da OIT.
Instrumento também relevante, apesar de ainda não ter
entrado em vigor sequer em âmbito internacional, é o recente
Protocolo Facultativo ao Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais (PIDESC) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Recentemente, na data de 10.12.2008, foi adotado no
âmbito da ONU, durante a 63ª sessão da Assembléia Geral, por
meio da Resolução A/RES/63/117, o referido Protocolo Facultativo
ao PIDESC, circunstância de extrema relevância no marco das
garantias estabelecidas para proteção internacional dos direitos
sociais, econômicos e culturais.
O artigo 17 do referido Protocolo Facultativo prevê que
poderá ser ele ratificado por qualquer Estado que tenha assinado,
ratificado ou aderido ao Pacto Internacional em foco.
Desde 24.09.2009, após cerimônia realizada na sede
das Nações Unidas, em Nova Iorque, o Protocolo está aberto a
ratificações.
35 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro. Trabalho com redução à condição análoga
à de escravo: análise a partir do trabalho decente e de seu fundamento, a
dignidade da pessoa humana. In: VELLOSO, Gabriel & FAVA, Marcos Neves
(coordenadores). Trabalho escravo contemporâneo: o desafio de superar a
negação. São Paulo: LTr, 2006. p. 127-128.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
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Esse instrumento permitirá que as vítimas apresentem suas
queixas diretamente ao Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais da ONU, amenizando um hiato histórico na proteção dos
direitos econômicos, sociais e culturais, como bem reconhecido pela
Alta Comissionada daquela Organização Internacional, Navi Pillay.
Ultrapassado esse aspecto, vale rememorar que há
autores, a exemplo de Oscar Ermida Uriarte, que defendem que as
normas internacionais que versem sobre direitos humanos, ainda
que não tenham sido ratificadas, e, portanto, logicamente não
tenham sido submetidas a qualquer procedimento para integração
à ordem interna (seja rigoroso ou não), incluem-se também no
bloco de constitucionalidade para fins de definição do que deve ser
onsiderado para fins de controle de constitucionalidade.36
Para tanto, aponta o jurista uruguaio as convenções
e tratados sobre direitos reconhecidos como humanos nas
consagradas declarações e pactos de direitos humanos da
comunidade internacional, os quais integrariam o jus cogens ou
ordem pública internacional (repertório de patamares básicos
imperativos da convivência internacional) e, portanto, deveriam ser
atendidos por todos os países independentemente de manifestação
de vontade e de qualquer formalidade para integração no respectivo
ordenamento (ratificação, adoção, nacionalização), nos termos do
artigo 53 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados
(ainda não ratificada pelo Brasil).37
Esclarece Oscar Ermida Uriarte:
Finalmente, há um último acréscimo dos direitos
fundamentais constitucionais, porque quase todas as
constituições latino-americanas modernas contêm um
dispositivo que amplia enormemente o número de
direitos humanos. [...]
Neste marco insere-se, com facilidade, o art. 5º, §2º,
da Constituição brasileira. Como se sabe, diz que os
direitos e garantias expressos nesta Constituição não
excluem outros decorrentes do regime e dos princípios
36 URIARTE, Oscar Ermida. A aplicação judicial das normas constitucionais e
internacionais sobre direitos humanos trabalhistas. In: Fórum Internacional
sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais. organização e realização Tribunal
Superior do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 280-293
37 Observa Flávia Piovesan que a Convenção de Viena sobre o Direito dos
Tratados, apesar de ter sido concluída em 23.05.1969 e assinada pelo Estado
Brasileiro ainda em 1969, somente foi encaminhada ao Congresso nacional
em 1992, estando ainda pendente da apreciação e aprovação parlamentares
a que se refere o artigo 49, inciso, I, da CF e, portanto, da ratificação
presidencial a que se refere o artigo 84, inciso VIII, da CF. PIOVESAN,
Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional Internacional. 9.
ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 50.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
155
por ela adotados ou dos tratados internacionais em
que a República Federativa do Brasil seja parte, com
o qual a Constituição de nossos países contém dentro
dela aqueles tratados, declarações, pactos de direitos
humanos referidos na própria Constituição. Não há
aqui um fenômeno de ratificação, de adoção,
de nacionalização. Supera-se a oposição direito
nacional x direito internacional, porque é a própria
Constituição que diz: essas normas internacionais
formam parte da minha constituição. Gosto de
dizer que nossas constituições estão “grávidas”
das
normas
internacionais
de
direitos
humanos, porque elas mesmas dizem: estão
dentro de mim, fazem parte de mim. Nesses
casos, quando nossos juízes aplicam um desses
tratados internacionais, não estão aplicando direito
estrangeiro, direito internacional, estão aplicando o
art. 5º, §2º, da Constituição brasileira, o art. 72 da
Constituição uruguaia ou o art. 33 da Constituição
argentina, etc. Isso se chama, na América latina,
de “bloco de constitucionalidade”. Em matéria
de direitos humanos, há um conjunto de normas
consagratórias de direitos fundamentais, com
conteúdo diretamente constitucional, e outras
constitucionalizadas, ainda que de origem
internacional.38 (grifo nosso)
No que tange ao Brasil, acrescenta o autor ainda o
argumento referente à cláusula de abertura do artigo 5º, §2º, da
CF e a disposição contida no artigo 4º, inciso II, da CF.39
O jus cogens consiste, na visão de Hilary Charlesworth
e Christine Chinkin, citadas por Flávia Piovesan, no “conjunto de
princípios que resguarda os mais importantes e valiosos interesses
da sociedade internacional, como expressão de uma convicção,
aceita em todas as partes da comunidade mundial, que alcança a
profunda consciência de todas as nações, satisfazendo o superior
interesse da comunidade internacional como um todo, como os
fundamentos de uma sociedade internacional, sem aos quais a
inteira estrutura se romperia. Os direitos humanos mais essenciais
são considerados parte do jus cogens.”40
38 URIARTE, Oscar Ermida. A aplicação judicial das normas constitucionais e
internacionais sobre direitos humanos trabalhistas. In: Fórum Internacional
sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais. organização e realização Tribunal
Superior do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004. p. 287.
39 Ibidem, p. 280-293.
40 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o Direito Constitucional
Internacional. 9. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 66-67.
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156
Na seara trabalhista, a título exemplificativo, atentese para a Declaração da OIT referente aos princípios e direitos
fundamentais no trabalho (1998), que estabelece temáticas e
instrumentos normativos que apresentam importância tal que,
segundo a normativa em tela, não têm sua eficácia sujeita ao
reconhecimento ou adoção por cada Estado, tendo força vinculante
por si mesmos: liberdade sindical e negociação coletiva, eliminação
do trabalho forçado, proibição da discriminação no trabalho e
erradicação das piores formas de trabalho infantil.
À exceção da Convenção n. 87, as demais normativas
mencionadas na Declaração da OIT referente aos princípios e
direitos fundamentais no trabalho, foram ratificadas pelo Brasil,
mediante procedimento simplificado, em momento anterior ao
advento da EC n. 45/2004.
Ingo Wolfgang Sarlet apresenta entendimento diferente
daquele gizado por Uriarte. Para o constitucionalista brasileiro, o
artigo 5º, §2º, da Constituição Federal, apesar de ter acolhido o
entendimento de que o rol dos direitos fundamentais reconhecidos
no ordenamento jurídico pátrio abrange igualmente “posições
jurídicas fundamentais oriundas de tratados internacionais, não
fez qualquer referência expressa à sua forma de recepção.”41
Acresce Ingo Wolfgang Sarlet também que “o citado
preceito constitucional refere expressamente os ‘tratados
internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte’
[...], revelando de tal sorte, a necessidade inequívoca de uma
adesão formal ao tratado para que se possa enquadrar-se na
hipótese prevista pelo art. 5º, §2º, de nossa Carta Magna, o que,
aliás, é reconhecido pela doutrina, que condiciona a recepção à
ratificação do tratado.”42
E prossegue:
Ora, justamente quando o Constituinte, objetivando
evidentemente coibir excessos por parte do Executivo
no que tange à celebração de tratados internacionais,
previu a necessidade de procedimento legislativo
prévio para a sua incorporação definitiva ao direito
interno, regra esta embasada, ademais, em abalizada
doutrina sobre a matéria, torna-se no mínimo de
difícil sustentação o ponto de vista segundo o qual, no
concernente aos tratados internacionais sobre direitos
humanos (fundamentais), bastaria meramente o
41 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev.
atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 137.
42 Idem
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aval do Executivo. Considerar-se a regra contida
no art. 5º, §2º, da CF, em que pese a ausência de
disposição expressa sobre o tema, como tendo
caráter excepcional, quando justamente restringe
a legitimação democrática na recepção de normas
internacionais, não nos parece ser a melhor solução,
ao menos sob a ótica do direito constitucional positivo
pátrio e por mais que se cuide de um debate que
envolve também uma releitura da noção de soberania
no âmbito de uma sociedade internacional cada vez
mais conectada e interdependente, aspecto que, a
despeito de sua transcendental relevância, refoge aos
propósitos deste trabalho. (grifo nosso)43
Como se percebe, no ordenamento jurídico brasileiro,
há regra na Constituição brasileira que exige para a incorporação
definitiva de um tratado ou convenção no âmbito interno a prévia
ratificação por ato complexo que envolve o Poder Executivo e o
Poder Legislativo, previsão constitucional que alberga claramente
o Princípio do check and balances, considerando o teor expresso
dos artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII, da CF.
Não se pode esquecer também o teor do artigo 5º, §3º,
da CF, que, apesar de apresentar procedimento mais dificultoso,
pressupõe o ato de ratificação mesmo em se tratando de tratados
que versem sobre direitos humanos naquela situação.
Há de concordar-se, no entanto, que o posicionamento
defendido por Oscar Ermida Uriarte tem caráter de vanguarda,
embora infelizmente não guarde compatibilidade com nossa ordem
constitucional, para fins de incorporação definitiva das normas
internacionais.
De todo modo, tendo em vista a fundamentalidade dos
direitos albergados em tais normativas para o resguardo da pessoa
humana do trabalhador, não se pode desprezar a importância dos
elementos que afluem de inúmeras normas internacionais não
ratificadas pelo Brasil (em algumas situações, ao que parece, por
opção política, em outras por leniência, a exemplo da Convenção
n. 156 da OIT44 e da Convenção Internacional sobre a Proteção
43 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9. ed. rev.
atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 137.
44 A Convenção n. 156 da OIT (1981), com entrada em vigor em âmbito
internacional em 11.08.1983, e a respectiva Recomendação n. 165 (1981),
vigente internacionalmente desde 23.01.1981, dispõem “Sobre a Igualdade
de Oportunidades e de Tratamento para Trabalhadores e Trabalhadoras com
Responsabilidades Familiares.”
A Convenção n. 156 da OIT giza em seu Artigo 1º e subitens: “Artigo 1º. 1.
A presente Convenção aplica-se a homens e mulheres com responsabilidades
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dos Direitos de todos os Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares,
adotada no âmbito da ONU em 18.12.1990, com entrada em vigor
internacionalmente em 01.07.2003).
Assim, é possível sustentar entendimento mais moderado e
voltado para concreção da dignidade da pessoa humana no sentido de
que, embora não integrem o bloco de constitucionalidade (para fins de
parametricidade), servem as normas internacionais não ratificadas pelo
País, que versem sobre direitos humanos (em especial, convenções da OIT
não ratificadas), como fonte de direito para o caso concreto na hipótese
de ausência de regulamentação normativa (autônoma e heterônoma),
desde que preservado o interesse público e haja compatibilidade com
o regime e princípios adotados pela Constituição Federal, nos moldes
do artigo 8º da CLT e do item 26 da Declaração e Programa de Ação
de Viena, adotada na II Conferência Mundial sobre Direitos Humanos
(1993).
Atente-se, nesse particular, para a incidência da premissa
trabalhista da norma mais favorável, mesmo quando se trata da utilização
de normativas internacionais no âmbito da ordem jurídica brasileira,
motivo pelo qual os referidos tratados e convenções sobre direitos
humanos, não ratificados, não poderão afastar os patamares mais
favoráveis de direitos já assegurados aos trabalhadores, seja pela CF, por
lei, “sentença, costumes ou acordos que assegurem aos trabalhadores
interessados condições mais favoráveis que as previstas pela convenção
ou recomendação” (artigo 19, 8, da Constituição da OIT).
Tais normas servirão como limite adicional para as tentativas de
flexibilização in pejus e de desregulamentação trabalhistas tão alardeadas
nos últimos tempos, máxime em contexto recente caracterizado
por imbróglios que têm envolvido o cenário econômico e financeiro
internacional.
com relação a seus filhos e filhas dependentes, quando estas responsabilidades
restringem a possibilidade de se prepararem para uma atividade econômica e
nela ingressar, participar ou progredir. 2. As disposições desta Convenção aplicarse-ão também a homens e mulheres com responsabilidades com relação a outros
membros de sua família direta com necessidade de seus cuidados e sustento,
quando essas responsabilidades restringirem a possibilidade de se prepararem
para uma atividade econômica e de nela ingressar, participar ou progredir. 3.
Para fins desta Convenção, os termos “filho e filha dependente” e “outro membro
da família direta com necessidade de cuidado e sustento” são as pessoas
definidas como tais, em cada país, por um dos meios referidos no Artigo 9º
desta Convenção. 4. Os trabalhadores e trabalhadoras cobertos pelos Parágrafos
1 e 2 deste Artigo são doravante referidos como “trabalhadores e trabalhadoras
com responsabilidades familiares”. Também o artigo 2º fixa: “Esta Convenção
aplica-se a todos os setores de atividade econômica e a todas as categorias
de trabalhadores e trabalhadoras.” Alberga dispositivos anti-discriminatórios e
promocionais bastante interessantes para servir de aporte na análise do tema em
casos concretos.
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159
No que atine às relações de trabalho, e considerada a
multiplicidade de fontes já sinalada, tem-se que o bloco de
constitucionalidade, com esteio na acepção ampliativa e na cláusula
de abertura dos direitos materiais, alberga normas e princípios que
não podem ser vulnerados pela ação do legislador, nem pela esfera
administrativa e pela autonomia privada e coletiva, motivo pelo
qual se apresenta tal bloco como limite à flexibilização deletéria e
à desregulamentação, indicando caminho para a reconstrução do
Direito do Trabalho à luz dos direitos fundamentais.
Em síntese, o bloco de constitucionalidade no que se
refere às relações de trabalho assim se apresenta:
a) direitos fundamentais trabalhistas específicos e não
específicos inseridos no catálogo de direitos fundamentais - Título
II da CF (direitos formal e materialmente constitucionais, bem
assim formal e materialmente fundamentais);
b) direitos fundamentais trabalhistas que, embora constem
no texto da Constituição (material e formalmente constitucionais),
estejam dispersos no texto constitucional fora do catálogo dos
direitos fundamentais (Título da II da CF), motivo pelo qual, embora
não sejam formalmente fundamentais, apresentam-se dotados
de fundamentalidade material, em virtude de seu conteúdo e
importância, além da correlação direta com a dignidade da pessoa
humana (e. g., meio ambiente do trabalho sadio e equilibrado,
artigo 200, inciso VIII, e 225, caput, da CF);
c) direitos fundamentais previstos em convenções e
tratados internacionais sobre direitos humanos ratificados com
base na forma qualificada descrita no artigo 5º, §3º, da CF,
equivalentes às emendas constitucionais;
d) direitos fundamentais que, com base em seu conteúdo,
importância e correlação direta com a dignidade da pessoa humana,
apresentam fundamentalidade material, tendo amparo em tratados
e convenções sobre direitos humanos ratificados por meio apenas
do procedimento dos artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII, da
Constituição Federal, logo, por procedimento menos solene que
o previsto no artigo 5º, §3º, da CF (Convenção n. 155 da OIT).
Relembre-se que referidas normativas internacionais apesar de
não serem equivalentes a emendas constitucionais, apresentam
status de norma constitucional, detendo preeminência na ordem
jurídica interna - artigos 5º, §2º, e 7º, caput, parte final, da CF; e e)
direitos fundamentais sediados no âmbito infraconstitucional, cuja
fundamentalidade material ressai de seu conteúdo, importância e
correlação direta com a dignidade da pessoa humana (a exemplo
dos artigos 9º, 10, 444, 448 e 468 da CLT).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.133-162, jul./dez. 2009
160
Outrossim, embora não integrem o bloco de
constitucionalidade, as normas internacionais sobre direitos
humanos não ratificadas pelo País, servem como fonte de direito
para o caso concreto na hipótese de ausência de regulamentação
normativa (autônoma e heterônoma), desde que preservado o
interesse público e haja compatibilidade com o regime e princípios
adotados pela Constituição Federal, conforme inclusive o teor
do artigo 8º da CLT e o item 26 da Declaração e Programa de
Ação de Viena, adotada na II Conferência Mundial sobre Direitos
Humanos (1993) – ex., a Convenção n 156 da OIT, bem como a
Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de todos os
Trabalhadores Migrantes e de seus Familiares, de lavra da ONU.
Por
conseguinte,
manifesta-se
o
bloco
de
constitucionalidade como o paradigma que serve tanto para a
aferição de constitucionalidade como para o assecuramento da
dignidade da pessoa humana, seja no que diz respeito à criação
seja quanto à interpretação e à execução das normas, sempre
no sentido de acrescer outros direitos fundamentais decorrentes
da dinâmica social àqueles direitos já outrora reconhecidos, sem
prejuízo da alteração qualitativa quanto ao significado, alcance e
sentido que são atribuídos aos direitos no decorrer da história.
Para tanto, indispensável a postura concretizadora dos
direitos fundamentais, seja em sede de controle concentrado (STF)
seja em seara de controle difuso (qualquer juiz ou Tribunal), inclusive
a fim de que eventual argumento de óbices à regulamentação
(nas hipótese de direitos sujeitos à concreção legislativa) ou à
concretização (nas hipóteses de direitos que detenham caráter
prestacional preponderante), não exsurjam como caminho para
a frustração dos direitos fundamentais integrantes do bloco de
constitucionalidade, no sentido de dar azo a hermenêutica que
preserve a dignidade do trabalhador e normas a ele correlatas e a
inclusão social pelo trabalho.
7 CONCLUSÕES
O bloco de constitucionalidade atine aos elementos e
diplomas normativos dotados de feição constitucional que se
voltam para a proteção da dignidade da pessoa humana e se
constituem como parâmetro de confronto em relação ao qual se
deve proceder à verificação da compatibilidade vertical das normas
inferiores, ou seja, o plexo de normas que é considerado como
modelo constitucional para tal intento.
Há direitos humanos e direitos fundamentais que se
direcionam às relações laborais. Quanto ao aspecto da juridicidade,
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161
os primeiros (direitos humanos) caracterizam-se como aqueles
constantes no âmbito internacional, e os segundos (direitos
fundamentais) concernem a direitos humanos positivados na
ordem interna de um país determinado.
A expressão direitos fundamentais no trabalho (ou
nas relações laborais) e direitos fundamentais trabalhistas em
sentido estrito não se equivalem, sendo a primeira mais ampla,
abarcando tanto os direitos objeto da segunda expressão (direitos
propriamente trabalhistas ou trabalhistas específicos) como aqueles
direitos dotados de fundamentalidade não exclusivos da categoria
dos trabalhadores (direitos trabalhistas não específicos), mas que
a eles também são destinados enquanto cidadãos, qualidade que
não é suprimida quando se integra uma relação de labuta.
Assim, dentre os direitos fundamentais que incidem
nas relações de trabalho (gênero), há aqueles que concernem
somente aos trabalhadores enquanto tais (direitos fundamentais
propriamente trabalhistas ou trabalhistas específicos, espécie) e
aqueles que são aplicáveis aos trabalhadores como a qualquer
outro cidadão (direitos fundamentais trabalhistas não específicos,
espécie).
Para fins de definição do instituto do bloco de
constitucionalidade, concebe-se como mais consentânea a acepção
ampliativa, que abrange, além das normas e princípios fundamentais
constantes na Constituição Federal (sejam catalogados ou fora
do catálogo, explícita ou implicitamente reconhecidos) e dos
instrumentos internacionais subsumidos à sistemática do artigo
5º, §3º, da Carta Magna; também as normas materialmente
fundamentais, seja advindas de legislação heterônoma
infraconstitucional, seja oriundas de normativas internacionais
sobre direitos humanos ratificadas, embora não submetidas ao
procedimento mais solene, ou mesmo não ratificadas, desde que
dotadas de fundamentalidade, sendo critérios para a aferição da
materialidade constitucional da norma o conteúdo e importância
dos direitos nela consagrados, dado seu liame com a dignidade da
pessoa humana.
No que atine às relações de trabalho, tem-se que o bloco de
constitucionalidade, com arrimo na acepção ampliativa e na cláusula
de abertura dos direitos materiais, alberga normas e princípios que
não podem ser vulnerados pela ação do legislador, nem pela esfera
administrativa e pela autonomia privada e coletiva, motivo pelo
qual se apresenta tal bloco como limite à flexibilização deletéria e
à desregulamentação, indicando caminho para a reconstrução do
Direito do Trabalho à luz dos direitos fundamentais.
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O bloco de constitucionalidade manifesta-se como o
paradigma tanto no que diz respeito à criação como à interpretação
e à execução das normas, sempre no sentido de acrescer outros
direitos fundamentais decorrentes da dinâmica social àqueles
direitos já outrora reconhecidos e declarados, sem prejuízo
logicamente da alteração qualitativa quanto ao significado, alcance
e sentido que são atribuídos aos direitos no decorrer da história.
Indispensável a postura concretizadora dos direitos
fundamentais, seja em sede de controle concentrado (STF) seja
em seara de controle difuso (qualquer juiz ou Tribunal), o que deve
ser potencializado pelos demais operadores de direito e Poderes
públicos, pela sociedade civil e pelos destinatários das normas
trabalhistas, inclusive a fim de que eventual argumento de óbices
à regulamentação (nas hipóteses de direitos sujeitos à concreção
legislativa) ou à concretização (nas hipóteses de direitos que
detenham caráter prestacional preponderante), não exsurjam como
caminho para a frustração dos direitos fundamentais integrantes
do bloco de constitucionalidade na seara do trabalho.
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A GESTÃO POR INJÚRIA
E A DANOSA COLETIVIZAÇÃO DO ASSÉDIO MORAL
Francisco Montenegro Neto*
Na intrincada missão de dizer o que é assédio moral no
contexto de uma relação contratual cuja apreciação lhe é submetida,
cabe ao Juiz do Trabalho a análise de cada circunstância que lhe
é posta sob exame, para que então se verifique a presença dos
elementos que o configuram, seja para fins de responsabilidade civil
com dever de indenizar, seja para enquadramento nas hipóteses
versadas no artigo 483 da CLT, que trata da rescisão indireta do
contrato de trabalho.
Nem sempre, porém, é óbvia ou clara a presença de tais
circunstâncias, que poderão ter efeitos exacerbados ou ocultados
em decorrência das suscetibilidades (seja do empregado, seja do
empregador) feridas pela conduta alheia.
É perceptível que a pressão por resultados diante dos
efeitos da crise mundial se dissemina e aumenta a competitividade
do mercado de trabalho, a ponto de prejudicar a serenidade e a paz
para o indivíduo trabalhar bem e com boa produtividade.
Os critérios de aferição da produtividade do trabalhador,
decerto, vêm ficando mais atrozes e implacáveis, pois as empresas
também necessitam sobreviver (embora, em muitos casos, o
acirramento da competitividade signifique apenas a busca pela
manutenção de lucros em patamares astronômicos), num contexto de
rigor tributário e forte concorrência. O fato é que as novas políticas de
gestão na organização do trabalho, atreladas às políticas neoliberais,
têm se mostrado psiquicamente danosas aos trabalhadores.
No entanto, naquilo que diz respeito ao assédio moral, é
oportuno que haja a sua distinção de outras práticas que também
atacam a saúde mental dos trabalhadores, um dos valores ínsitos à
própria dignidade da pessoa humana.
Nesse passo, urge diferenciar o assédio moral (também
conhecido nacional e internacionalmente como manipulação perversa,
terrorismo psicológico, mobbing, bullying ou harcèlement moral) de
outras práticas igualmente ensejadoras de reparação moral.
A doutrinadora francesa Marie-France Hirigoyen (2002 apud
MENEZES, 2002), assim definiu o assédio moral:
*
Juiz Federal do Trabalho no TRT da 14ª Região.
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Por assédio em local de trabalho temos que entender
toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por
comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam
trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou
psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar
o ambiente de trabalho.
Ainda sobre o assédio moral, Nascimento (2004)
arremata:
Caracteriza-se por ser uma conduta abusiva, de
natureza psicológica, que atenta contra a dignidade
psíquica, de forma repetitiva e prolongada, e que
expõe o trabalhador a situações humilhantes e
constrangedoras, capazes de causar ofensa à
personalidade, à dignidade ou à integridade psíquica,
e que tenha por efeito excluir a posição do empregado
no emprego ou deteriorar o ambiente de trabalho,
durante a jornada de trabalho e no exercício de suas
funções.
A jurisprudência evoluiu de modo a detectar a existência
de outras condutas patronais, aparentemente idênticas ao assédio
moral, mas com peculiaridades diversas. É o caso da denominada
“gestão por injúria”, que, grosso modo, seria o gênero do qual o
assédio moral seria uma espécie.
Nesse passo, vale transcrever as lições extraídas de uma
decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho de Minas
Gerais, confira-se:
ASSÉDIO MORAL, RIGOR EXCESSIVO E GESTÃO
POR INJÚRIA - DISTINÇÕES E CARACTERIZAÇÕES.
No ambiente de trabalho, as relações entre empregador
e empregado são dinâmicas, uma vez que as
obrigações das partes se desdobram em incontáveis
prestações sucessivas. O primeiro dá ordens, o
segundo obedece. Esse cotidiano, normalmente, fazse marcado por conflitos de interesses, de estresse,
de gestão por injúria, de agressões ocasionais, de
condições ambientais precárias e de imposições,
comportamentos esses que não caracterizam,
necessariamente, o assédio moral, razão por
que se torna importante distingui-lo da gestão
por injúria. As divergências entre empregado
e empregador, travadas dentro de um clima de
respeito mútuo, sem a presença da perversidade, é
algo normal e até construtivo, pois pode apresentar
momentos de discussões ou de consenso entre as
pessoas envolvidas em um mesmo projeto. Porém, o
que não pode ocorrer é que por detrás de divergências
profissionais, aflore a violência, o desrespeito e
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a perseguição. Um conflito mal resolvido entre o
empregado e seu superior hierárquico ou mesmo
entre o empregado e o empregador pode acarretar
o desenvolvimento do assédio moral, mormente em
relações hierárquicas em que o poder de direção se
transforma, muitas vezes, em abuso de poder com
uma finalidade muito clara: a desestabilização do
empregado para que ele se demita do emprego. [...]
Por outro lado, a gestão por injúria pode se
caracterizar por atos de empregadores ou por
prepostos que se comportam agressivamente, e
que constantemente insultam e pressionam seus
empregados. Porém, a gestão por injúria não
visa, via de regra, a um empregado específico
e, sim, a todos os empregados, indistintamente,
que passam a ser injuriados, para que produzam
mais, para que atinjam determinadas metas. A
gestão por injúria não pode ser considerada como
assédio moral, mas pode ser um instrumento
que o tipifique, mormente quando associado a
outras espécies de conduta perseguidoras. Não
havendo prova de que a Reclamada tinha conduta
discriminatória, humilhante e constrangedora em
relação ao Reclamante, expondo-o a situação aética
na frente dos colegas de trabalho, não se configurou,
no presente caso, o assédio moral. (TRT 3ª Região;
4ª Turma; RO 00840-2005-100-03-00-7; Fonte
DJMG 28/07/2007; p. 19; Relator Juiz Luiz
Otávio Linhares Renault, grifo nosso)
Em comum ao assédio moral e à gestão por injúria, é
necessário que esteja presente a pedra de toque, qual seja: a
exposição do empregado a situação vexatória ou constrangedora,
decorrentes de abuso ou arbitrariedade do empregador.
A pura e simples cobrança por atingimento de metas
aos empregados, desde que de forma razoável e acompanhada
de orientações voltadas ao alcance do fim almejado, não rende
ensejo a assédio moral. O que diferencia uma cobrança legítima
de uma cobrança abusiva é a desmoralização ou humilhação do
empregado, sendo reprovável a conduta de um gestor cobrando
metas de um modo áspero e mediante ameaça de represálias
(como, por exemplo repetido no segmento bancário, a perda
de gratificação ou função comissionada). Não é baseando-se no
medo que a gestão empresarial incutirá em seus funcionários a
motivação e comprometimento que tanto propugna.
No propalado segmento bancário, é comum o “colaborador”
(como eufemisticamente vem sendo chamado o “empregado”) ser
tratado com a máxima “quem não atinge metas não serve para o
banco”. Ora, isso equivale a tratar o trabalhador como coisa, e não
como gente. Um profissional não ‘serve’ ou desserve para o serviço.
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Ele ou é apto ou inapto, preparado ou despreparado, capaz ou incapaz.
Mas não “servir” para o trabalho, no tom muitas vezes manejado,
passa uma idéia de coisificação do trabalhador. O empregado é sujeito
e não objeto da relação de trabalho, como preconiza a Declaração de
Filadélfia de 1944 .
Vale repetir: a cobrança de metas é admitida e se enquadra
perfeitamente no poder diretivo do empregador, mas não se pode fazer
acompanhar de comportamento abusivo (gestos, palavras e atitudes).
A lesão à moral, honra e dignidade do trabalhador encontram-se
presentes quando revelado o excesso e a arbitrariedade, os quais
ameaçam, por sua repetição, a autoestima e a integridade física e
psíquica do empregado. Tal comportamento se identifica como
microagressões, por vezes pouco graves se tomadas isoladamente,
mas que, porquanto sistemáticas, tornam-se destrutivas, porque
atingem o sentimento que o trabalhador tem de sua própria dignidade
laborativa, pois perde ele a autoestima a cada dia em que a agressão
é renovada. A consequência mais grave é o indivíduo, com o decorrer
do tempo, acreditar que, efetivamente, é incapaz, agravando-se o
efeito danoso, pois uma pessoa sem sua estima perde o discernimento
necessário para realizar as suas aptidões. Com o tempo, adoece.
Há casos absurdos de situações como questionamentos aos
empregados em decorrência de idas ao banheiro ou à cozinha para
beber água, até “remanejamentos” e transferências para cidades
distantes do domicílio familiar do “colaborador”, passando pelas tão
comuns perdas de funções e/ou gratificações.
Pesquisas sobre o ambiente de trabalho demonstram ser
prática corriqueira a abusividade na pressão por cumprimento de metas
e a pouca preocupação com a qualidade do ambiente laboral. Queixas
recorrentes e uníssonas, todas apontando a reiteração de práticas
abusivas na gestão empresarial configuram, não raro, verdadeira
gestão por injúria coletiva.
Nesse contexto, o assédio moral propriamente dito, em
desfavor desse ou daquele trabalhador, pode não se revelar perfeito
e acabado, mormente quando insidiosos os métodos adotados, sem
depreciação específica direcionada, ao menos claramente, a um
indivíduo. Portanto, os fatos geradores da gestão por injúria são os
mesmos do assédio moral.
Ademais, a inserção do trabalhador no meio ambiente de
trabalho no qual se verificam tais lesões já é suficiente para que o
empregado sofra as angústias e males do ambiente hostil, calcado
no medo dos funcionários em relação ao gestor (personificado num
gerente ou diretor, por exemplo, ou quiçá pulverizado num comando
dito “participativo”).
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No contexto da gestão por injúria, comportamentos
reativos do trabalhador a uma gestão pautada em arbitrariedades
devem ser sopesados como uma resposta do ser humano que se
sente atingido em sua honra e dignidade. Tal reação pode equivaler
tão-somente a uma reação de orgulho, típica de quem, apesar
de atingido, procura manter-se de pé em sua honra e dignidade
próprias. Deve o magistrado, pois, redobrar as atenções com os
contra-ataques processuais do assediador ou gestor por injúria
(reconvenções, pedidos contrapostos ou defesas agressivamente
imbuídas das tentativas de desmoralizar o assediado em Juízo).
Nesse encadeamento de ideias, conclui-se que um
trabalhador, em eventual episódio que resulte, por exemplo, na
retirada de sua gratificação, poderia ter cometido algum ato de
insubordinação (ato esse que poderia, por conseguinte, legitimar o
descomissionamento). Tais ponderações permeiam casos atípicos
(ou nem tanto, dado à complexidade das relações interpessoais no
mundo do trabalho) em que, ao menos no particular tocante à perda
de função comissionada, poderia se pensar que ambas as partes
estivessem sem razão: o reclamado, pelo ato de descomissionar
o reclamante como mais um capítulo da gestão por injúria; o
reclamante, por aparente insubordinação.
Todavia, percebe-se que, em meio ao contexto da
gestão por injúria tantas vezes levada à consecução pela gestão
empresarial, afigura-se razoável a recusa do trabalhador à prática
de condutas incompatíveis com as normas e procedimentos da
empresa, ou seja, em contrariedade aos estatutos e código de
ética do empregador (típico caso dos bancos).
Por óbvio, deve ser analisado o histórico funcional do
trabalhador, a competência, ética e o zelo no exercício de suas
atribuições, no intuito de aferir a proporcionalidade da reação e
a legitimidade de, no exercício válido e regular de suas funções,
descumprir ordens manifestamente contrárias à boa-fé. Até
porque, repise-se, o empregado é sujeito e não objeto da relação
de trabalho e, como tal, não lhe podem ser impostas condutas que
violem a sua integridade física, intelectual ou moral, não estando o
empregado obrigado a cumprir ordens moralmente ilegítimas, que
o diminuam ou que o coloquem em grave risco.
Como ensina a doutrina de Sarmento (2003 apud
MEIRELES, 2004) ao lidar com o princípio da proporcionalidade,
o aplicador do direito deve buscar um ponto de
equilíbrio, tendo como norte o princípio da dignidade
da pessoa humana que condensa e sintetiza
os valores fundamentais que esteiam a ordem
constitucional vigente.
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Porquanto proporcional, o exercício do direito de
resistência, longe de configurar insubordinação, revela-se digno
de aplauso, uma vez que o trabalhador tem o dever de resistir
às ordens ilegais ou moralmente ilegítimas. Não é dado ao
gestor empresarial, como justificativa, valer-se da necessidade
de aprovação de negócios para cumprimento de metas, sob
pena de os fins justificarem os meios, ainda que a custo da
degradação total da moral e da legalidade.
A pretensão indenizatória encontra amparo em toda a
principiologia constitucional e legal plasmada pela dignidade da
pessoa humana; função social dos contratos e da empresa e
boa-fé. É princípio fundamental inserido no artigo 1, III da
Constituição da República a dignidade da pessoa humana,
princípio que traz ínsita a função social da empresa. Já a função
social da propriedade prevista no inciso XXIII do artigo 5 e no
inciso III do artigo 170, ambos do texto constitucional, encontrase permeada pela valorização do trabalho humano, valor
insculpido no inciso IV do artigo 1 e no caput do já mencionado
artigo 170, cujo inciso VIII – por sua vez – preconiza a busca
do pleno emprego.
A contraprestação recebida por qualquer trabalho
possui natureza eminentemente alimentar, o que também atrai
a incidência dos princípios de probidade e boa-fé do artigo 422
do Código Civil, os quais possuem função integrativa e são
plenamente aplicáveis às relações de trabalho, rendendo ensejo
à conclusão de que comete abuso de direito quem contraria a
boa-fé, o que se verifica na gestão por injúria.
Nessa esteira, aplicados todos os princípios aqui
ventilados, uma vez infringida a boa-fé contratual pelo
empregador, forçosa a aplicação de sanção que sirva de
desestímulo à reiteração da prática, sempre atentando o julgador
para o caráter pedagógico da pena; a capacidade econômica da
instituição financeira, sem desprezar as atenuantes (no caso, a
descaracterização do assédio moral, pulverizado na gestão por
injúria, ante a ausência de perseguição exclusiva e deliberada),
a fim de que a indenização não signifique enriquecimento sem
causa.
Urge que empresas (bancos, também, senão
principalmente) revejam seus conceitos de interrelacionamento
e gestão, devendo instruir, no mesmo sentido, gerentes e
supervisores, a fim de que, equacionadas as diferenças,
seja alcançada a harmonia do ambiente de trabalho e a
saúde física e espiritual de todos, funcionários e gestores (e,
consequentemente, de suas famílias).
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Não se desconhece que gerentes e diretores também
sofram pressões descabidas do que se convencionou chamar de
“mercado”. Que, então, todos reflitam e consigam dar respostas
mais éticas e humanas no cotidiano laboral, sem deixar de lado a
competitividade inerente à atividade econômica. Competitividade
e busca por melhores resultados, sim. Gestão por injúria ou
assédio moral, não.
REFERÊNCIAS
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o assédio Moral. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002 apud
MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio Moral e seus Efeitos
Jurídicos. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre: n. 228, p.
16, 2002.
MEIRELES, Edilton. Abuso do direito na relação de emprego.
São Paulo: Ltr, 2004. p.83.
MENEZES, Cláudio Armando Couce de. Assédio moral e seus efeitos
jurídicos. Revista Justiça do Trabalho, Porto Alegre, n. 228, p.
16, 2002.
NASCIMENTO, Sônia A. C. Mascaro. O assédio moral no ambiente de
trabalho. Jus Navigandi, Teresina, v.8, n. 371 jul.2004. Disponível
em:<http//jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp/?id=5433>.
Acesso em 27 maio 2009.
SARMENTO, Daniel. A ponderação de interesse na Constituição
Federal. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003 apud MEIRELES,
Edilton. Abuso do Direito na relação de emprego. São Paulo:
Ltr, 2004. p.83.
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RECURSO “LATU SENSU” – UMA NOVA VISÃO DO
PROCESSO SINCRÉTICO NO ÂMBITO DO
PROCESSO DO TRABALHO
José Hélio Santos*
O Processo Civil Pátrio, ou mais especificamente, o CPC
tem origem no sistema idealizado por Enrico Tullio Liebman.
Liebman (1968, p. 38) defendia a consagração do princípio
da autonomia entre o processo de conhecimento e o processo de
execução. Afirma o festejado doutrinador, após ter apontado as
principais diferenças entre as atividades cognitivas e executivas,
que “é, pois, natural que a cognição e a execução sejam ordenadas
em dois processos distintos”. De maneira semelhante, Araken
de Assis (1998, p. 952) certa vez afirmou que “há inequívoca
incompatibilidade funcional na convivência de atos executivos com
atos de índole diversa, simultaneamente, na mesma estrutura
(processo).”
Dinamarco (2002, p. 138-9) afirma que o sincretismo
manifesta-se nas ações em que a sentença de mérito precede a
execução, independentemente de novo processo, “in verbis”: São
hipóteses em que a ação não é apenas cognitiva, nem somente
executiva. Nesses casos [...] tem-se o sincretismo de uma ação que
é, ao mesmo tempo, o poder de exigir o julgamento da pretensão
e a satisfação do direito reconhecido nesse julgamento.
No entanto, com o passar dos anos, a Justiça Comum vem
experimentando intenso desconforto em perceber que a autonomia
no Processo Civil não atende a realidade da sociedade, sendo
motivo de entraves e demoras na efetiva prestação jurisdicional,
qual seja, a entrega do bem da vida ao jurisdicionado.
Ada Pellegrini Grinover (1998, p.14-15) explana a respeito
da falta de efetividade do processo civil brasileiro:
Dentro da linha de transformação do processo
abstrato para o concreto, buscando a efetividade e
a instrumentalidade do processo, empenhando no
esforço rumo à universalização da jurisdição e ao
acesso à ordem jurídica justa e levando em conta as
transformações sociais, o processualista brasileiro
contemporâneo inicia o trabalho de revisitação dos
institutos processuais clássicos, para adaptá-los à
*
Servidor público do TRT da 14.ª Região, pós graduando em Direito e
Processo do Trabalho.
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nova realidade [...] Nesse trabalho de reestruturação
do processo, necessário para adequá-lo aos escopos
sociais e políticos da jurisdição, muitos dos esquemas
processuais clássicos tiveram que ser revisitados, com
o objetivo de adaptá-los à realidade sócio-política da
sociedade contemporânea.
Experimentando a mesma preocupação, Flávio Luiz
Yarshell (2001, p. 381) argumenta:
Já faz algum tempo que a doutrina processual civil,
preocupada com a efetividade do processo e da
jurisdição, tem dirigido críticas severas ao modelo
brasileiro de tutela executiva dos direitos. De um modo
geral, as críticas se voltam contra o próprio processo
de execução, cuja autonomia, assentada no binômio
condenação/execução, não é – para alguns talvez
nunca tenha sido – apta a atingir, de forma adequada,
os escopos da atividade jurisdicional, nessa seara. Falase, dessa forma, em rever ou, mesmo desestruturar
o processo de execução. Fala-se também em acabar
com a supramencionada autonomia do processo de
execução para se adotar, pura e simplesmente, uma
fase executiva; fala-se, dessa forma, na adoção
generalizada das chamadas tutelas “executiva lato
sensu” e “mandamental”.
Athos Gusmão Carneiro (2006, p. 16), com a intenção
de apontar as dificuldades oriundas da adoção do princípio da
autonomia, expõe:
[...] proposta uma ação condenatória, após decorridos
meses e anos em busca da cognição exauriente
(com contraditas, saneamento, instrução, perícia,
sentença), o advogado por fim informava ao cliente
sua vitória na demanda. Sim, fora vitorioso, mas não
poderia exigir a prestação que lhe era devida, pois
o vencido apelara, e a apelação de regra assume o
duplo efeito. Os tempos correm, a apelação do réu é
por fim rejeitada, recursos de natureza extraordinária
são intentados e repelidos, e certo dia – mirabile
dictu – o paciente autor recebe a grata notícia: a
sentença a ele favorável havia transitado em julgado.
Alvíssaras, pensou o demandante. Pensou mal. Para
receber o “bem da vida”, cumpria fosse proposto um
“segundo processo”, já agora visando o cumprimento
da sentença, novo processo exigente de nova citação,
com a possibilidade de um subseqüente contraditório
através de ação incidental de embargos do devedor
(propiciando instrução e sentença), e com o uso de
meios executórios inadequados ao comércio moderno,
tais como a hasta pública (um anacronismo na era
eletrônica).
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Nesse sentido, intensificou-se a busca de um processo
ideal, uma vez que a sistemática adotada de dois processos
autônomos e sucessivos demonstrava-se inadequada, conduzindoos ao formalismos, desnecessários, desembocando na quebra da
celeridade processual e no agastamento da imagem do Poder
Judiciário.
Alcides de Mendonça Lima (1991, p. 17) lembra que
Humberto Theodoro Júnior, em tese para doutoramento na Faculdade
de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, defendia a
possibilidade de se unificar a execução à fase congnitiva:
Merece ser conhecida e meditada a original – e
revolucionária – concepção de Humberto Theodoro
Júnior, em tese para doutoramento na Faculdade de
Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, no
sentido de abreviar e simplificar a execução de sentença,
sugerindo a volta do milenário sistema medieval per
officium judicis. Em resumo, as sugestões do mestre
e magistrado, de lege ferenda, são as seguintes: a)
falsidade da dissociação em pretensão de condenar
e pretensão de executar. Na realidade, só há uma
pretensão: a de compelir o devedor à prestação sob
inadimplência; b) se a lide real não se compõe apenas
com a sentença condenatória, tem o órgão judicial de
prosseguir através de atos, efetivando a restauração
da ordem jurídica violada; c) se a condenação não
basta para pacificar a lide, faltando ainda a atuação
executiva, não pode encerrar-se a função jurisdicional
com a sentença de mérito, e exigir que o credor
proponha outra ação para o órgão judicial executar
sua própria ordem de condenação; d) a execução,
como processo autônomo e completo, somente se
justifica na cobrança de títulos extrajudiciais, porque,
equiparados à sentença, dispensam fase de cognição
e já autorizam o início da atividade jurisdicional no
estágio da realização prática do direito do credor, sem
perder tempo com sua definição ou acertamento.
Vejam agora a visão da genialidade de Humberto
Theodoro Júnior, na referida tese de doutorado:
.Como solução prática para agilizar a execução, seria
eliminada a citação executiva: na própria sentença
seria feita a assinatura do prazo de pagamento, o qual,
ultrapassado sem comunicação ou prova de resgate,
acarretaria a automática expedição do mandado de
imissão de posse, se a condenação for de entrega de
coisa, ou de penhora, se de pagamento em dinheiro.
Cássio Scarpinella Bueno (2006, p. 7) com abalizada
argumentação a propósito do assunto, expõe:
O processo tem de ser compreendido como o conjunto
de atividades judiciais que vão desde o provocar o
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Estado-juiz a reconhecer o direito até o realizá-lo.
Processo é a junção do binômio “reconhecimento” (do
direito) e “realização” (do direito) a que fiz referência
acima. O que se dá ao longo do processo é que o foco
das atividades e da atuação do Estado-juiz altera-se
conforme as necessidades imediatas. O Estado-juiz
praticará uns tantos atos voltados precipuamente
ao reconhecimento do direito tal qual descrito pelas
partes em suas manifestações e praticará outros
tantos voltados precipuamente à realização concreta
do que foi reconhecido. Não está errado, muito pelo
contrário, sustentar que cada uma destas atividades
possa ser compreendida como uma “etapa”, como
uma “fase” do processo. Mas cada uma destas
“etapas”, cada uma destas “fases” são elementos,
são partes que compõem o todo, que é o processo.
Não são o processo. São parte dele.
Com a recente reforma do CPC, por intermédio da edição da
Lei n.º 11.232, de 22.12.2005, a tese de Humberto Theodoro Júnior
foi, em parte, positivada, estabelecendo-se, nas obrigações de pagar,
um processo sincrético, ou seja, um processo com funções cognitiva
e executiva.
Voltando o foco para o Processo do Trabalho, não se
pode olvidar que os processualistas civis sempre beberam na sua
fonte para aperfeiçoar o sistema processual comum. Entretanto, o
Processo do Trabalho que já foi considerado vanguardista, hoje está
carente de inovações e ousadia, não mais satisfazendo os anseios da
sociedade.
Com a alteração de competência e o aumento da cultura
“demandista” nas ações trabalhistas, o primeiro impulso é a aplicação
das novas regras do Processo Civil.
Contudo, o Processo do Trabalho é autônomo e deve ter
preservada a sua identidade plasmada principalmente nos seus
princípios e singularidades. Francisco Meton Marques (2004, p. 259260), abordando as singularidades do Processo do Trabalho, enfatiza
que no Processo do Trabalho, ganham caráter diferencial, em face da
maior consistência, os princípios: da oralidade, do “jus postulandi”
das partes, da concentração, da irrecorribilidade das decisões
interlocutórias, da conciliação, da substanciação e do inquisitivo.
Deve ser acrescentado à contribuição de Meton Marques,
que na interpretação do Direito Processual do Trabalho acata-se os
princípios “in dubio pro misero” e da inversão do ônus da prova.
E na medida que se exalta a aplicabilidade pura do Processo
do Trabalho, verifica-se, como já dito alhures, a necessidade de
mudanças.
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O atraso no Processo do Trabalho está assentado sobre
dois fatos: a falta de uma moderna legislação processual trabalhista
e a inércia dos juslaboristas em apresentarem propostas de
mudanças de forma densa, pragmática e organizada, uma vez
que a produção doutrinária pátria é rica.
Assim, numa proposta de mudança, apresenta-se o
RECURSO TRABALHISTA “LATU SENSU”.
A inspiração para a criação do RECURSO TRABALHISTA
“LATU SENSU” tem origem no artigo 5.º, LXXVIII, da Constituição
brasileira e na inspiradora e visionária tese de Humberto Theodoro
Júnior.
O RECURSO TRABALHISTA “LATU SENSU” formará
um elo mais sólido entre o processo de conhecimento e a
execução trabalhista. Embora, alguns acreditem que não há essa
separação, ela existe, ainda que tênue, mormente, em razão da
possibilidade de execução de título extrajudiciais (art. 876, CLT),
da execução previdenciária (876, parágrafo único, CLT) e da
legitimação extraordinária para a sua promoção (art. 878 CLT).
Registre-se que a própria legislação trabalhista
expressamente preconiza esta dualidade (art. 889, CLT).
Ademais, com a nova competência da Justiça do
Trabalho, será possível a admissão de execução de novos títulos
extrajudiciais, que não estão elencados na CLT, como um contrato
de prestação de trabalho autônomo, criando um processo
executório autônomo.
Contudo, ressalte que o fato de a execução trabalhista
ser autônoma não impede o impulso oficial (CLT, art. 878), que
tanto contribui para a celeridade processual. São situações
(autonomia x impulso oficial) que convivem pacificamente no
processo de execução trabalhista, em prol da efetividade da
prestação jurisdicional.
Como primeiro passo deverá o reclamante apresentar
petição inicial com pedido certo ou determinado, indicando o
valor correspondente. A exigência não é nenhuma inovação e
já está prevista na CLT para as reclamações enquadradas no
procedimento sumaríssimo (CLT, art. 852-b, I).
Por seu turno, o reclamado deverá apresentar contestação
impugnando o pedido e respectivo valor. A CLT não define
contestação, utiliza o termo genérico defesa. O CPC, assegura ao
réu, em resposta à ação que lhe é proposta, oferecer contestação,
exceção e reconvenção (CPC, art. 297).
Trata-se da aplicação do princípio da impugnação
específica, amplamente adotado no Processo do Trabalho, uma
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vez que a contestação por negativa geral remete à presunção de
veracidade dos fatos não impugnados (CPC, art. 300).
Encerrada a instrução processual, deverá o magistrado
proferir sentença líquida. A exigência para que o magistrado de
primeiro grau profira sentença líquida não é novidade. O CPC já
faz essa previsão para os processos sob o procedimento comum
sumário (CPC, art. 475-A, §3.º).
A reforma da CLT, ao estipular o procedimento sumaríssimo,
rito processual equivalente ao procedimento comum sumário, se
mostrou bastante tímida, ao não exigir o encerramento dos feitos
mediante sentença líquida.
Logicamente, exceções podem ser aceitas, tais como, ações
plúrimas e coletivas, em que a liqüidação poderá ser diferenciada,
por intermédio de artigos de liqüidação, por exemplo, ou poderá
ser tolerado um prazo maior para que o magistrado sentencie, de
forma líquida, o feito. No mais, o Judiciário Trabalhista deve ser
estruturado para alcançar excelência na qualidade da prestação
jurisdicional, ou seja, entregue o bem da vida ao credor no menor
espaço de tempo possível, com qualidade.
Sentenciado o feito1, abre-se, evidentemente, o prazo
recursal às partes. Aqui, reside a principal inovação. A parte
recorrente deverá na sua peça impugnar os pedidos concedidos
e os respectivos valores liquidados. A peça recursal deverá,
necessariamente, apresentar memorial de cálculos, sob pena de
preclusão – situação inspirada no comando inserto no artigo 879,
§2.º, da CLT.
Nada impede que a parte recorrente apenas impugne os
pedidos da condenação “strictu sensu”, sem manifestar-se quanto
aos respectivos valores liquidados. Os prejuízos são por sua
conta e risco e o reclamante, certamente, agradecerá. Destaquese que a preclusão não impede que o Poder Judiciário impeça o
enriquecimento sem causa.
É bom lembrar que o tribunal é parte da instância ordinária,
onde se discute valores. Ademais, se não for via RECURSO
TRABALHISTA “LATU SENSU”, certamente a matéria sobre
os cálculos retornará via agravo de petição. Aliás, é bom lembrar
também as palavras do Ministro Ronaldo Lessa, então presidente
1
Por oportuno, sem embargo de entendimento, consigne-se que, nos moldes da
reforma do CPC, a CLT, que é omissa quanto ao conceito de sentença, pode
adotar a mesma sistemática reformista processual civil, passando a conceituar a
sentença como ato que não põe fim ao processo, mas à fase de conhecimento,
extinguindo a tênue dualidade de processos existente no Processo do Trabalho.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.171-181, jul./dez. 2009
179
do TST, em entrevista concedida à Rádio Justiça, em 29.11.2006,
afirmou que outro gargalo – a execução da sentença – em breve
deverá ser satisfatoriamente solucionado, também com o auxílio
da informática: “Faremos isso através da decisão líquida e do
acórdão do TRT também líquido, o que vai tornar inexistente a
fase de liquidação, lá na execução”.
Observou o Ministro: “leva-se às vezes dois anos ou mais até
que se chegue à quantificação final do débito” e finalizou declarando
que: “como vamos ter a decisão líquida – com o valor da condenação
expresso numericamente na própria decisão –, não teremos esse
embaraço, porque esta já se fará com esse quantitativo”.
Logo, as decisões líquidas são questões que já estão sendo
abordadas com praticidade e estratégia e, em breve, será uma
realidade.
Nesse exato momento, a UNIÃO também será notificada
para manifestar-se sobre os valores liquidados na sentença
relacionados aos encargos fiscais, se for o caso, apresentando suas
razões e cálculos de impugnação que serão apreciados pelo tribunal,
por ocasião do julgamento do recurso ordinário.
Então, o Tribunal deverá conhecer da matéria previdenciária
por primeiro e haverá uma supressão de instância para a União?
É de conhecimento de todos que: 1) a Justiça do
Trabalho tornou-se uma das maiores arrecadadoras de encargos
previdenciários no Brasil; 2) antes o INSS e agora a União pouco,
ou quase nunca, impugna os valores previdenciários estipulados
nas decisões judiciais.
Nesse raciocínio, a supressão de uma instância em nada
afetaria a arrecadação da previdenciária e, sem prejuízo, não há
nulidade, situação inspirada no princípio da transcendência.
Ademais, a União, por força de lei (CLT, 876, parágrafo
único), conta com um excelente fiscal previdenciário a seu favor, o
tribunal regional. A questão deve ser tratada de ofício, onde houver
excesso retire-se, onde houve falta, que se complemente. De fato,
havendo erros na liquidação dos valores previdenciários, nenhum
magistrado ou regional permanecerá em boa sombra aceitando a
sonegação fiscal, mormente, por estar sujeito às penas da lei.
Em segundo plano, poder-se-ia perguntar: Mas como a
União poderia manifestar-se nesse momento, se a obrigação ainda
não está definida? Ora, a situação é a mesma prevista no art. 879,
§3.º, da CLT. A obrigação está sendo liquidada, não está definida e a
União deve manisfestar-se quanto aos cálculos apresentados pelas
partes ou pelos órgãos auxiliares da Justiça do Trabalho, sob pena
de preclusão.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.171-181, jul./dez. 2009
180
Ademais, os cálculos foram elaborados, com conhecimento
e isenção, pelo Estado-juiz, por ocasião da publicação da sentença
liquida. Portanto, não se vislumbra qualquer prejuízo de ordem
previdenciária.
Não ultrapassada a questão da supressão de instância, a
União poderia ser notificada para se manifestar ao final da execução
trabalhista, como tem sido adotado por alguns magistrados, em
primeira instância, considerando que o pagamento ao credor é o
fator gerador da contribuição previdenciária.
Outrossim, embora o crédito trabalhista tenha origem em
tempo anterior à sentença, as atualizações e juros apurados apenas
são concernentes a este para permitir que a entrega pecuniária
traduza o valor histórico devido. Com a entrega do valor devido e
reconhecido judicialmente, advém o fato gerador previdenciário que
obriga aos recolhimentos respectivos. Pensar o contrário, levandose o fato gerador ao tempo pretérito, acarretaria que os créditos
previdenciários teriam que ser onerados por multas decorrentes
do pagamento inoportuno, quando, por vezes, a discussão perante
a Justiça do Trabalho é ocasionada pela controvérsia de ser ou não
devida determinada verba trabalhista. O contribuinte previdenciário
seria onerado por fato gerador que até então desconhecia.
Pondere-se que, na liberação do crédito, as retenções
fiscais poderiam ser efetivadas, fato que reduziria a grita da União,
uma vez que, há pouca a insurgência contra os valores retidos
pela Justiça do Trabalho a título de previdência e imposto de
renda. Todavia, havendo insurgência, certamente a maior parte
dos encargos já estaria recolhida, facilitando a tarefa da União,
na execução do remanescente, mormente, se considerarmos a
logística e o “status” da “SUPER RECEITA”.
E a exigência de apresentação de cálculos na peça recursal
não prejudicaria o reclamante que ajuizou ação via atermação,
violando o princípio de proteção ao hipossuficiente? O número
de atermações e de recursos interpostos com a utilização do “jus
postulandi” é desprezível e, na grande maioria dos Regionais é
inexistente. Ademais, nos casos de atermações os valores, via de
regra, já são liquidados.
Julgado o recurso, havendo interposição de recurso
de revista, o despacho que negar admissibilidade ao apelo
servirá também como citação do devedor para pagar os valores
liquidados em primeiro grau, com ou sem alteração, em virtude da
manifestação do juízo “ad quem”, situação esta inspirada na tese
defendida por Humberto Theodoro Júnior no seu mestrado.
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181
A interposição de recurso de revista segue a sistemática
atual. Contudo, em suas razões o recorrente deverá abordar as
questões de direito e as relacionadas aos cálculos de liquidação,
esta última somente em caso de frontal violação à Constituição
Federal, conforme a sistemática hoje vigente para admissibilidade
de recurso de revista em execução.
Neste momento, críticas podem surgir e são bemvindas. Ora, se a intenção é dar celeridade ao feito trabalhista
e a parte não está impedida de recorrer, podendo ater-se
a discutir a matéria eminentemente de direito, ignorando os
valores liquidados, por sua conta e risco, qual a validade do
recurso trabalhista “latu sensu”?
A resposta em quatro tópicos:
1) A interposição de recurso de revista é parte do devido
processo legal.
2) Com a atribuição de valores ao bem da vida, a pretensão
torna-se mais tangível, compreensível à parte litigante. Assim, após
percorrer duas instâncias, que conheceram profundamente da
questão posta nos autos, ao ponto de liquidar a obrigação, as parte
certamente estarão inclinadas a aceitar o resultado do julgamento
como correto. Nesse pensar, facilita-se também a efetivação de
conciliação na execução, prática recomendada pelo CSJT.
3) O conhecimento profundo da matéria, ao ponto de
liquidar a obrigação, por duas instâncias, certamente mitigará o
sucesso da pretensão recursal na via extraordinária (TST).
4) Atualmente, via de regra, o processo aguarda o
julgamento do recurso de revista para iniciar a liquidação. O
número de execuções provisórias é, infelizmente, nulo. Tal fato
se atribui a falta de legislação específica no Processo do Trabalho
a respeito da matéria, uma vez que, artigos sobre execução
provisória com a redação anterior a Lei n.º 11.232/2005, pouco
contribuíam para o incremento da execução provisória no Processo
do Trabalho, bem como a intensa discussão quanto à possibilidade
de levantamento de valores sem a devida caução. A recente
reforma do CPC jogou luz sobre a questão e apontou um promissor
norte para a execução provisória. Merecem destaque as seguintes
situações: I) corre por conta e responsabilidade do exequente,
que se obriga (objetivamente), se a sentença for reformada, a
reparar os danos que o executado haja sofrido; II) fica sem efeito,
sobrevindo acórdão que modifique ou anule a sentença objeto da
execução, restituindo-se as partes ao estado anterior e liquidados
eventuais prejuízos nos mesmos autos, por arbitramento; III) o
levantamento de depósito em dinheiro, e a prática de atos que
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182
importem alienação de propriedade ou dos quais possa resultar
grave dano ao executado, dependem de caução suficiente e idônea,
arbitrada de plano pelo juiz e prestada nos próprios autos; IV) se
a sentença provisória for modificada ou anulada apenas em parte,
somente nesta ficará sem efeito a execução; V) a caução poderá ser
dispensada, quando, nos casos de crédito de natureza alimentar ou
decorrente de ato ilícito, até o limite de sessenta vezes o valor do
salário mínimo, o exequente demonstrar situação de necessidade;
a petição que enseja a execução provisória deverá ser instruída
com a sentença ou acórdão exequendo, procurações outorgadas
pelas partes, facultativamente, outras peças processuais que o
exequente ou o juiz considere necessárias;
Em princípio, todas as situações elencadas são
perfeitamente compatíveis com o Processo do Trabalho. Logo, se há
compatibilidade das novas regras da execução no processo comum
com a execução trabalhista, não seria racional a sua utilização
subsidiária, legalmente autorizada (CLT, art. 769) ao invés de criar
um recurso? Acredita-se que não.
A identidade do Processo do Trabalho deve ser preservada.
A necessidade reforma da questão processual, na esfera trabalhista,
é premente. Assim, o Processo do Trabalho não deve andar à
reboque do processo civil a cada reforma que este implementa.
O Processo do Trabalho deve implementar a sua própria reforma,
respeitando seus princípios e singularidades. Mas sem perder de
foco, a recente reforma do CPC, que aponta para uma redução no
prazo de duração dos processos na Justiça Comum.
Paulo Henrique Teixeira da Silva (2007, p.191), sobre a
necessidade de mudança do Processo do Trabalho, ressalta:
Toda vez que o Código de Processo Civil passa por uma
reforma, desencadeia-se um movimento doutrinário
no sentido de averiguar se tais inovações são ou não
aplicáveis ao Processo do Trabalho. Geralmente, as
opiniões dividem-se entre aqueles que denomino de
“puristas”, fiéis à tradição da inteireza e perfeição da
CLT, e os “holísticos”, ávidos por novidades, sempre
apresentando novas alternativas de procedimento
[...] O desejável, certamente, seria a criação do nosso
Código de Processo Trabalhista [...] Mas, enquanto
isso não vem, vale lembrar a lição de Beatrice Buteau:
‘Não podemos esperar que os tempos se modifiquem
e nós nos modifiquemos junto, por uma revolução
que chegue e nos leve em sua marcha. Nós mesmos
somos o futuro. Nós somos a revolução.
Entretanto, é preciso lembrar da segurança
jurídica, pois, nesse pensar, o magistrado, ao seu talante, se
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183
utilizará de norma processual civil, sempre que esta lhe parecer
mais efetiva, em substituição ao Processo do Trabalho. Trata-se
do “canto da sereia”, o magistrado trabalhista, seduzido, pela
modernidade dos institutos do CPC, relega ao segundo plano o
Processo do Trabalho, condenando-o ao ostracismo.
Tal fato, talvez, sem alarmismo, importe na própria
extinção do Processo do Trabalho.
Um dado prático que materializa esse “canto da
sereia”, que merece nota, é a questão relacionada a extinção
dos embargos à execução no CPC. Alguns operadores
apressaram-se em festejar a extinção dos aludidos embargos,
ocorre que o art. 475-L, criou um novo incidente, denominado
impugnação ao cumprimento da sentença, elencando 10 (dez)
possibilidade de contestar a execução, enquanto a nossa
“velha” CLT, no parágrafo 1.º, do art. 884, elenca apenas três,
quais sejam, cumprimento da decisão ou do acordo, quitação
ou prescrição da dívida.
Em remate, o presente ensaio tão-somente pretende
motivar discussões em prol da reforma do Processo do Trabalho,
de forma pragmática, fomentando a apresentação de novas
propostas a serem condensadas e “ouvidas” pelas autoridades
competentes para promovê-las de direito, porque cumpre à
sociedade, fazê-las.
Enfim, quiçá, o Processo do Trabalho, que conta com
magníficos operadores, também possa “recrutar” a sua “TROPA
DE ELITE” nos moldes do Instituto Brasileiro de Direito Processual
(IBDP), a grande mola propulsora das recentes mudanças do CPC,
promovendo as necessárias mudanças do Processo do Trabalho,
respondendo aos anseios da sociedade.
Em derradeira nota, destaque-se que, no dia 14.10.2009,
o presidente do Senado José Sarney (PMDB-AP) instalou uma
comissão de 11 especialistas para elaborar uma proposta de
novo Código de Processo Civil. A comissão terá 180 dias para
finalizar uma proposta, devendo o projeto do novo código ser
votado até o fim de 2010. É o Processo do Trabalho mais uma
vez seguindo a reboque.
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185
CONCILIAÇÃO: INSTRUMENTO DE PACIFICAÇÃO
DAS LIDES TRABALHISTAS
LucianaTaira*
RESUMO
O presente artigo trata da conciliação como forma de composição
das lides de natureza trabalhista. Ressalta a adoção desta forma
autocompositiva após a fase de conhecimento, menos em razão
de previsão legal que de aplicação de instrumentos hábeis para
realização de uma justiça mais efetiva, na esteira das mais recentes
tendências da doutrina processualística.
Palavras-chave:
Procedimento.
Processo.
Conciliação.
Execução.
Direito.
1 INTRODUÇÃO
Considerando a natureza alimentar das prestações
trabalhistas, a doutrina já assentou o entendimento de que o
processo trabalhista deve ser diferenciado quando comparado
ao processo civil.
Assim, tendo em vista o tema a ser abordado,
merece destaque o princípio da revogabilidade das decisões
no processo trabalhista. Amauri Mascaro Nascimento, citando
Couture, explica em que consiste tal princípio: “uma decisão,
‘num processo individual ou coletivo, é sempre revisável e
revogável, diante da modificação de algumas premissas’”
(COUTURE, 1971, apud NASCIMENTO, 2007b, p. 110).
Não obstante os princípios que particularizam
o processo do trabalho, não se deve desconsiderar que
sua finalidade é semelhante àquela almejada pela função
jurisdicional: a pacificação com justiça. Portanto, o processo
trabalhista só é um processo diferenciado até o limite
necessário para alcançar a mencionada pacificação.
Uma forma muito utilizada - e também bastante
incentivada - para compor litígios trabalhistas é a conciliação
que consiste na forma de composição de lides mediante a
deliberação das partes. Vê-se, então, que a conciliação é
resultado da associação entre a justiça distributiva e a justiça
*
Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região.
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social, cujo fim é o atendimento pleno às exigências do bem
comum (NADER, 1995, p. 133).
Também pela conciliação, a justiça alcança seu escopo
magno, que é a pacificação por deliberação das próprias partes. A
Consolidação das Leis do Trabalho prevê duas oportunidades para
a conciliação. A primeira delas está prevista no caput do art. 846:
“Aberta a audiência, o juiz ou presidente proporá a conciliação.”A
segunda é estabelecida pelo art. 850, caput:
Terminada a instrução, poderão as partes aduzir
razões finais, em prazo não excedente de 10 (dez)
minutos para cada uma. Em seguida, o juiz ou
presidente renovará a proposta de conciliação, e não
se realizando esta, será proferida decisão.
Porém, em razão do princípio da revogabilidade das
decisões no processo trabalhista, a conciliação entre as partes é
possível mesmo após o início da execução.
2 FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO E SUAS
CONSEQUÊNCIAS PROCESSUAIS
O Direito do Trabalho pode ser considerado um ramo
relativamente recente da ciência jurídica. Sabe-se que despontou
na chamada questão social que, por sua vez, surgiu no cenário da
Revolução Industrial.
Alguns doutrinadores dividem a evolução do Direito do
Trabalho em três fases: a de conquista, a promocional e a de
adaptação à realidade atual.
Pode-se afirmar, com segurança, que o atual estágio
pelo qual passa este novel ramo do Direito é a terceira fase - a de
adaptação às novas demandas sociais. As bandeiras pelas quais
lutam os trabalhadores, hoje, já não são as mesmas de outrora. A
utilização da tecnologia em larga escala tem suprimido postos de
trabalho, pois é sabido que a substituição da mão-de-obra humana
por inovações tecnológicas aumenta consideravelmente a produção
das empresas. Com isso, as vagas remanescentes tendem a ser
preenchidas pelos trabalhadores mais qualificados. A globalização
(que impõe níveis de produção abaixo dos quais não se admite a
integração), desatenta à condição peculiar de cada país, é também
um fator responsável pela mudança da realidade sócio-econômica.
Nesse contexto, as relações de trabalho têm passado
atualmente pelo que se pode chamar de crise do emprego. Os
trabalhadores, hoje, reivindicam a manutenção do emprego ainda que, para tanto, seja necessária uma redução do salário e da
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187
jornada de trabalho. Os empregadores, por sua vez, se pretendem
manter a competitividade, precisam incrementar sua produção não
apenas em termos de quantidade como também de qualidade. E
isso, inevitavelmente, só é possível pela redução de custos.
Atentos a esta realidade e buscando uma solução para
tais problemas, os doutrinadores do Direito têm construído uma
corrente de pensamento flexibilista, que vê a necessidade de
reduzir determinados direitos trabalhistas como forma de conter o
desemprego. De acordo com Amauri Mascaro Nascimento, em seu
Curso de Direito do Trabalho (2007a, p. 168-169):
Flexibilização do direito do trabalho é a corrente de
pensamento segundo a qual necessidades de natureza
econômica justificam a postergação dos direitos dos
trabalhadores, como a estabilidade no emprego, as
limitações à jornada diária de trabalho, substituídas,
por um módulo anual de totalização da duração do
trabalho, a imposição pelo empregador das formas
de contratação do trabalho moldadas de acordo com
o interesse unilateral da empresa, o afastamento
sistemático do direito adquirido pelo trabalhador e que
ficaria ineficaz sempre que a produção econômica o
exigisse, enfim, o crescimento do direito potestativo do
empregador, concepção que romperia definitivamente
com a relação de poder entre os sujeitos do vínculo de
emprego, pendendo a balança para o economicamente
forte.
Consta-se, portanto, que a finalidade da flexibilização é
preservar a ordem pública social, pela aplicação das leis trabalhistas,
e, sempre que a conjuntura econômica exigir, adaptar tais leis com
acordos derrogatórios.
Para ilustrar a tese de que a corrente flexibilista vem, de
fato, se firmando não só entre a doutrina mais abalizada bem como
entre legisladores pátrios, cita-se o art. 7.º da Constituição Federal
de 1988 que, em dois de seus incisos estipula, in verbis:
VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em
convenção ou acordo coletivo;
XII - duração do trabalho normal não superior a oito
horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada
a compensação de horários e a redução da jornada,
mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;
Em nível infraconstitucional, citam-se leis que retiram o
caráter salarial de diversas utilidades, tais como: diárias para viagem
até 50% do salário, vale-transporte, os abonos salariais expressamente
desvinculados dos salários, assistência escolar e bolsa estágio.
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Não obstante a tendência flexibilista, não se pode afirmar
que o Direito do Trabalho - com sua vocação de direito protetor dos
hipossuficientes - tenha perdido sua importância. Pelo contrário,
diante da flexibilização ganha mais relevo sua função de tutela
de determinados bens jurídicos fundamentais que não devem ser
passíveis de flexibilização como, por exemplo, a vida, a saúde, a
integridade física e a personalidade.
As
mudanças
sócioeconômicas,
provocadas
pela
flexibilização do direito do trabalho, demandam um aperfeiçoamento
da técnica de resolução das lides trabalhistas.
Um procedimento que vem sendo utilizado para tanto,
embora sem previsão legal expressa, é a designação de audiência de
tentativa de conciliação na fase de execução. Por esta via, a audiência
é designada mediante o pedido de qualquer das partes ou mesmo
ex officio. Comparecendo as partes e havendo composição entre
elas, o juiz homologa o acordo que deverá substituir a execução.
Em caso de inviabilidade de conciliação, a execução prosseguirá
até a satisfação dos créditos. Este método lastreia-se no princípio
dispositivo, que constitui um dos pilares do processo trabalhista,
segundo Menendez-Pidal (1950 apud NASCIMENTO, 2007b). Por
este princípio, concede-se respeito máximo à vontade das partes,
estendendo-se também à fase de execução.
Tal é a proeminência da conciliação, como método de
composição das lides trabalhistas, que o Tribunal Superior do
Trabalho determina seja elaborada estatística mensal dos acordos
celebrados na fase de conhecimento e na de execução.
3 O PRINCÍPIO DA CELERIDADE
A respeito dos princípios informativos do direito processual
trabalhista, divide-se a doutrina entre as seguintes correntes:
a) autonomia do direito processual do trabalho perante
o comum, segundo a qual o processo trabalhista tem princípios
próprios que não se confundem com aqueles que caracterizam o
processo comum;
b) unificação do direito processual, afirmando a existência
apenas de princípios comuns a ambos os ramos do direito
processual.
Conforme já apontado, tendo em vista a natureza das
lides submetidas à Justiça do Trabalho, constata-se que o processo
trabalhista precisa ser diferenciado, caso se pretenda fornecer
uma prestação jurisdicional eficaz. A doutrina que subsidia de
forma mais plena o processo do trabalho é a da autonomia deste
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189
ramo do processo. Portanto, o processo trabalhista tem princípios
característicos que o tornam um instrumento de alcance do bem
comum. Um desses princípios que merecem destaque aqui, dada
sua relação próxima com a natureza alimentar das prestações
trabalhistas, é o da celeridade processual. Segundo esse princípio,
o processo trabalhista deve ser o mais rápido possível, o que se
concretiza por meio de procedimentos simples e informais.
O processo comum também é informado por tal princípio,
pois contraria a própria natureza das relações sociais o prolongamento
imotivado de situações indefinidas. Logo, em consideração à já
comentada natureza das lides trabalhistas, a celeridade deve
ser muito mais acentuada no processo laboral. Consequência da
aplicação da celeridade como solução das lides é a tentativa de
conciliação na fase de execução.
Consoante já dito, a CLT prevê dois momentos distintos
para a conciliação: no início e fim da audiência. Entretanto, mesmo
na fase de execução, é viável a designação de audiência, seja ex
officio ou por pedido das partes, para a tentativa de acordo. E, uma
vez as partes se compondo e cumprindo os termos acordados, o
processo tem seu fim com a entrega da prestação jurisdicional
sem os incidentes da execução. Dito procedimento - embora sem
previsão legal - encontra arrimo no fato de que, no processo de
dissídio individual, a matéria versada é basicamente de natureza
alimentar. A Magna Carta, em seu art. 5º, inc. LXXVIII, preconiza
que: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a
razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade
de sua tramitação.”
A conciliação na fase de execução é, sem dúvida, um meio
de garantir a celeridade da tramitação do processo, na medida
em que exclui a oportunidade de interposição de diversos meios
impugnativos da execução. Apenas para ilustar, citam-se, como
exemplo de um desses meios, os embargos à execução, cuja
tramitação pode suspender a execução por, no mínimo, 15 dias, e
isso quando dispensada a instrução.
4 AS DIFICULDADES DA EXECUÇÃO
A execução é uma fase do processo que deveria ter uma
tramitação rápida, a fim de não retardar a prestação jurisdicional. No
entanto, devido à utilização desvirtuada dos diversos instrumentos
colocados à disposição das partes para lhes garantir a ampla defesa,
o resultado é que, às vezes, tais instrumentos cumprem uma outra
função: a protelação do processo. Disso resultam situações tais como:
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190
a) encerramento das atividades do executado com o
consequente desaparecimento de seus bens;
b) o problema da despersonalização da pessoa jurídica, pelo
qual busca-se executar o patrimônio dos sócios (e até ex-sócios)
quando os bens da sociedade são insuficientes para quitar o débito;
c) a interposição de embargos de terceiro por ex-sócios que
tiveram seu patrimônio alcançado pela execução;
d) penhoras insuficientes em razão da inexistência de outros
bens passíveis de constrição e o consequente arquivamento provisório
do processo.
Estas são apenas algumas das situações que arrastam o
andamento do processo por um período de tempo maior do que o
efetivamente necessário para a prestação jurisdicional.
Eliminar tais instrumentos dispostos pela lei às partes
durante a execução suscitaria outro problema e de maior magnitude:
o da afronta aos princípios do contraditório e da ampla defesa, tão
prestigiados pelo ordenamento jurídico pátrio, inclusive elevados à
categoria de direitos constitucionais (Constituição Federal de 1988,
art. 5.º, LV).
Com esse penar, mas sim a aplicação dos princípios próprios
do processo trabalhista que não se confundem com aqueles adotados
pelo processo comum. Essa é a via a ser seguida para excluir os
entraves da execução: a utilização destes princípios específicos num
âmbito maior.
Uma das vias a que partes e juízes é a tentativa de
conciliação. Para alguns doutrinadores na fase de execução estaria
preclusa a via conciliatória, até porque não há fundamento legal para
esse procedimento. Porém, diante da complexidade típica dessa fase,
a conciliação é, sem dúvida, um remédio cujos benefícios em muito
são superiores a eventuais discussões em matéria de preclusão.
Tão importante é esse procedimento que Almeida (1985 apud
NASCIMENTO, 2007b) elevou-o à categoria de princípio norteador do
processo trabalhista. A conciliação é uma fase obrigatória à qual estão
sujeitos tanto os dissídios individuais como os coletivos. E, embora
sem previsão legal, é um procedimento que pode ser aproveitado
durante a execução para sanar as patologias próprias desta fase
processual, pois já consagrado pela praxe forense.
5
AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E FISCAIS
A Justiça do Trabalho é competente para executar as
contribuições previdenciárias e fiscais incidentes sobre os valores
pagos a título de acordo ou condenação (CF, art. 114, VIII).
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191
Uma vez solucionada a lide, a decisão judicial ou acordo
homologado deverá sempre indicar a natureza jurídica das parcelas
respectivas para efeito de incidência previdenciária (CLT, art. 832,
§ 3º). A execução de tais contribuições deverá, então, se dar pelo
modo e nos termos estipulados.
A conciliação na fase de execução - quando levada a
efeito entre reclamante e reclamado - não alcança os débitos de
natureza previdenciária ou fiscal, pois credora dessas contribuições
é a União, portanto, um terceiro estranho à composição. Nessa
linha de pensamento, em caso de acordo entre autor e réu, apenas
a execução do crédito trabalhista será substituída pelos termos
conciliatórios.
Para que as contribuições previdenciárias e fiscais sejam
abrangidas por dita conciliação, é necessária a manifestação da
União, credora dessas contribuições. É o que diz o § 1º do art.
889-A da CLT:
Sendo concedido parcelamento do débito previdenciário
perante o INSS o devedor deverá juntar aos autos
documento comprobatório do referido ajuste, ficando
suspensa a execução da respectiva contribuição
previdenciária até final e integral cumprimento do
parcelamento.
6 NOVOS RUMOS DA PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Diante da nova feição das relações socioeconômicas,
provocada pelos efeitos da globalização sobre as relações trabalhistas, o
ordenamento jurídico tem evoluído para um processo mais simplificado,
no sentido de prestar uma tutela jurisdicional mais adequada a esta
nova demanda. Pede-se vênia para transcrever a lição de Humberto
Theodoro Júnior (2008, p. 19) a respeito do tema:
[...] o texto do Código de Processo civil sofreu, nos últimos
anos, várias reformas, todas com um só e principal
objetivo: acelerar a prestação jurisdicional, tornando-a
mais econômica, mais desburocratizada, mais flexível e
mais efetiva no alcance de resultados práticos para os
jurisdicionados.
Diante desta nova realidade, as legislações processuais hoje
são mistas, ou seja, adotam preceitos tanto de natureza inquisitiva
como dispositiva. Já não há mais espaço para legislações que adotem
apenas um destes princípios em sua pureza. Tais reformas processuais
são necessárias, pois é dever do Judiciário fornecer aos litigantes
uma prestação jurisdicional não apenas justa, mas também o mais
célere possível. E, em matéria de direito processual trabalhista, essas
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.183-190, jul./dez. 2009
192
mudanças são ainda mais prementes, dada a natureza alimentar
dos litígios que lhe são submetidos. Sobre a questão, cristalino é o
ensinamento de Costa, citado por Humberto: “Justiça tardia é justiça
desmoralizada” (COSTA, 1956, p. 53 apud THEODORO JÚNIOR,
2008, p. 31).
7 CONCLUSÃO
A conciliação é um procedimento obrigatório na fase de
cognição do processo trabalhista. É, também, conforme já salientado,
um princípio orientador deste ramo do direito processual.
As novas demandas sociais exigem um processo simples
e célere, capaz de fornecer uma tutela jurisdicional cujo alcance
dispense exigências formais inúteis. A tentativa de conciliação na
fase executória é o instrumento hábil para afastar os obstáculos
desta fase, pondo cobro a recursos protelatórios, ao mesmo tempo
em que atende às necessidades dos trabalhadores e aos desafios dos
empregadores.
Conforme a doutrina de Cintra, Grinover e Dinamarco
(2007, p. 47) “é antes de tudo para evitar ou eliminar conflitos entre
pessoas, fazendo justiça, que o Estado legisla, julga e executa (o
escopo social magno do processo e do direito como um todo).”
REFERÊNCIAS
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini;
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 23. ed.
São Paulo: Malheiros, 2007.
NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 12. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 22
ed. São Paulo: Saraiva, 2007a.
______. Curso de Direito Processual do Trabalho. 22.ed. São
Paulo: Saraiva, 2007b.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil.
48.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. v.1
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.183-191, jul./dez. 2009
193
ACÓRDÃOS
194
195
PROCESSO: TST-E-ED-RR-759.341/2001.5
ACÓRDÃO
SBDI-1
GMHSP/acp/MCG/ct/smf
EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA.
ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA LEI Nº
11.496/2007. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA
DO TRABALHO. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO
CONTRA O EMPREGADOR POR INVENTO
OCORRIDO DURANTE E EM RAZÃO DA
RELAÇÃO DE EMPREGO. ARTIGO 114 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. O objeto
da presente ação – pedido de indenização
contra o empregador por invento ocorrido
durante e em razão da relação de
emprego – insere-se na competência da
Justiça do Trabalho, ainda que demande
a interpretação de lei extravagante (Lei
nº 9.279/96) de natureza não-trabalhista.
Correta, portanto, a conclusão da e. 1ª
Turma, não havendo que se cogitar de
violação dos artigos 896 da CLT ou 114 da
Constituição Federal de 1988.
EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA.
ACÓRDÃO PUBLICADO ANTES DA LEI Nº
11.496/2007. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO
CONTRA O EMPREGADOR POR INVENTO
OCORRIDO DURANTE E EM RAZÃO DA
RELAÇÃO DE EMPREGO. ARTIGOS 88
E 90 DA LEI Nº 9.279/96. VIOLAÇÃO.
INEXISTÊNCIA. ARTIGO 1º, IV, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. O
caput do artigo 88 da Lei nº 9.279/96,
vigente quando da extinção do contrato
de trabalho do Reclamante, dispõe que “a
invenção e o modelo de utilidade pertencem
exclusivamente ao empregador quando
decorrerem de contrato de trabalho cuja
execução ocorra no Brasil e que tenha por
objeto a pesquisa ou a atividade inventiva,
ou resulte esta da natureza dos serviços
para os quais foi o empregado contratado”
(destacamos), sendo certo que, segundo o
v. acórdão embargado, o modelo de utilidade
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
196
desenvolvido pelo Reclamante resultou dos
serviços prestados para a Reclamada FCA.
Acrescente-se que o artigo 90 da mesma
Lei prevê que “pertencerá exclusivamente
ao empregado a invenção ou o modelo de
utilidade por ele desenvolvido, desde que
desvinculado do contrato de trabalho e
não decorrente da utilização de recursos,
meios, dados, materiais, instalações ou
equipamentos do empregador” (grifos não
constantes do original), quando é certo
que o modelo de utilidade de que tratam os
presentes autos foi desenvolvido de forma
vinculada ao contrato de trabalho e mediante
utilização de “material sucateado, que não
mais serviria às empresas reclamadas”,
segundo o e. TRT da 3ª Região. Ocorre,
porém, que o fato de a atual lei haver
assegurado os royalties exclusivamente
ao empregador, e previsto apenas uma
faculdade de que o empregado participasse
dos ganhos econômicos da exploração
daquela invenção, não há vedação – e nem
poderia haver, à luz do artigo 1º, IV, da
Constituição Federal de 1988 – de que o
empregado seja indenizado pela invenção
de que o empregador se beneficiou em
razão do contrato e da mencionada Lei nº
9.279/96. Com efeito, a opção do legislador
ordinário é inequivocamente injusta para
com o empregado, que conforme doutrina
secular vende, por meio do contrato de
trabalho, apenas sua força de trabalho,
mas não sua criatividade ou sua “atividade
inventiva”, para repetir a expressão
contida na Lei nº 9.279/96. Acrescentese que, segundo o e. TRT da 3ª Região, o
Reclamante exercia a função de “artífice
de manutenção”, e tomou a iniciativa
de criar um modelo de utilidade que não
apenas facilitou seu próprio serviço como
também ensejou “lucro pelas reclamadas
com a utilização de invento do reclamante
(quer em mão de obra, tempo despendido,
melhorias
técnicas
ou
vantagens
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
197
econômicas, bem como relativamente à
medicina e segurança do trabalho)”. Se se
tratasse de um empregado contratado para
o fim de desenvolver projetos ou pesquisas,
dúvida não haveria de ser do empregador o
invento ou modelo de utilidade resultante;
mas admitir-se que o empregador apropriese de modelo de utilidade desenvolvido pelo
empregado fora dos limites do contrato
de trabalho, ainda que em razão dele, não
apenas desestimularia completamente
o exercício da atividade inventiva pelos
empregados, como também corresponderia
a um verdadeiro enriquecimento sem causa
pelo empregador, que por aquele invento
ou modelo de utilidade nada pagou quando
do adimplemento de suas obrigações
contratuais típicas. Finalmente, e não
obstante os já mencionados artigos 88 e
90 da Lei nº 9.279/96, assim como não
se pode cogitar de qualquer desrespeito
às patentes (conhecido vulgarmente como
“pirataria”) no território nacional, também
não se pode admitir que uma das partes
da relação de emprego – por sinal, a mais
forte delas – aproprie-se gratuitamente
do modelo de utilidade desenvolvido pela
outra de forma estranha ao contrato de
trabalho pela só condição de empregador,
sob pena de afronta aos valores sociais do
trabalho consagrados pelo artigo 1º, IV, da
Constituição Federal de 1988. Recurso de
embargos não conhecido integralmente.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos
em Embargos de Declaração em Recurso de Revista nº TST-E-EDRR-749.341/2001.5, em que é Embargante FERROVIA CENTROATLÂNTICA S.A. - FCA e são Embargados UNIÃO (SUCESSORA
DA EXTINTA REDE FERROVIÁRIA FEDERAL S.A.) e MARCOS
PENHA MENEZES.
A e. 1ª Turma, por meio do v. acórdão às fls. 752-774,
complementado às fls. 782-783, não conheceu do recurso de
revista da Reclamada Ferrovia Centro-Atlântica S.A – FCA quanto
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
198
aos temas “Competência da Justiça do Trabalho”, “Prescrição” e
“Invento – Modelo de Utilidade - Indenização”.
Aquela Reclamada interpõe recurso de embargos (fls.
787-791). Aduz que a Justiça do Trabalho não pode decidir a respeito
de uma indenização por suposto invento, pois esta matéria não
está inserida no contrato de trabalho, por força do artigo 114 da
Constituição Federal. Quanto à prescrição, sustenta que sua duração
é quinquenal por força do artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal,
e não decenal, como reconhecido pelo e. TRT da 3ª Região. No que
tange à indenização pelo invento, alega que não é devida porque este
ocorreu nas dependências da empresa, durante o horário de trabalho
com fim específico para a atividade desenvolvida pelo Reclamante, e
sem registro de patente, nos termos do artigo 38 da Lei nº 9.279/96.
Afirma que o invento nessas condições pertence exclusivamente
ao empregador, não sendo assegurada ao trabalhador qualquer
indenização, ex vi dos artigos 40 da Lei nº 5.772/71 e 38 e 88, § 1º,
da Lei nº 9.279/96. Denuncia violação do artigo 896 da CLT.
Sem impugnação (fl. 797), havendo o d. Ministério Público
do Trabalho, por meio da promoção à fl.802, deixado de opinar por
falta de interesse público direto.
É o relatório.
VOTO
O recurso de embargos é tempestivo (fls. 784 e 787), nos
termos da Súmula nº 262, II, do TST, e está subscrito por advogados
devidamente habilitados (fls. 741-742). Custas pagas a contento (fl.
575) e depósito recursal realizado de forma a atingir o valor arbitrado
à condenação (fl. 792), nos termos da Súmula nº 128, I, do TST.
1 – CONHECIMENTO
1.1 – COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO –
INDENIZAÇÃO POR INVENTO – LEI Nº 9.279/96
A e. 1ª Turma rejeitou a preliminar de incompetência da
Justiça do Trabalho com o seguinte fundamento:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
199
“Sobre o tema em foco, o Eg. Regional assim se
manifestou:
‘Prevalece nesta Primeira Turma o
entendimento a integrar a competência da
Justiça do Trabalho as questões envolvendo
pedido de indenização.
A explicação encontra respaldo na
compreensão de que o dano teria sido
provocado em decorrência da existência de
vínculo empregatício entre as partes, razão
esta pela qual estaria ocorrendo um dissídio
individual entre patrão e empregado,
atendido portanto o propósito estabelecido
no artigo 114 da Carta Magna.
Rejeito
a
preliminar
argüida’
(fls.
596/577).
Ademais, ao decidir os embargos de declaração,
asseverou o seguinte:
‘No que pertine à questão da indenização
decorrente de invento, o acórdão é claro ao
determinar que a competência desta Justiça
Especializa decorre do entendimento de que
o dano teria sido provocado em decorrência
da existência do vínculo de empregatício
entre as partes, razão esta pela qual estaria
ocorrendo um dissídio individual entre
patrão e empregado, atendido portanto o
propósito estabelecido no artigo 114 da
Carta Magna’ (fl. 621).
Nas razões de recurso de revista, a Reclamada alega
que não se inscreve na competência material da Justiça
do Trabalho julgar pedido de indenização decorrente de
criação de modelo de utilidade.
Aponta violação ao art. 114 da Constituição Federal, aos
artigos 642 e 643 da CLT, aos artigos 2º, 6º, 38, 229, 241
da Lei 9.279/96. Traz um único aresto para confronto.
Extrai-se do v. acórdão regional que o pedido de
indenização decorre da criação de ‘modelo de utilidade’,
verificada no curso do contrato de trabalho e dele
proveniente.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
200
Transparece cristalinamente dos autos que se cuida
de lide entre empregado e empregador, que emergiu da
execução do contrato de emprego. Conquanto não tenha
por objeto prestação de índole tipicamente trabalhista, no
particular, inequivocamente a pretensão jurídica de direito
material controvertida guarda relação de causalidade com
o contrato de emprego: o pedido de indenização resulta da
criação de invento, ‘modelo de utilidade’, surgido no curso
da relação de emprego.
Manifesto, assim, que à época da propositura da
demanda a causa inscrevia-se no ‘caput’ do art. 114 da
Constituição Federal.
Presentemente, o inciso VI do art. 114 da Carta Magna,
com a redação imprimida pela Emenda Constitucional
n.º 45/2004, expressamente dissipou qualquer dúvida a
respeito.
Desse modo, o Eg. Regional, ao declarar a competência
material da Justiça do Trabalho para dirimir a presente
demanda, não violou o artigo 114 da Constituição Federal.
Quanto aos demais dispositivos legais, não os reputo
violados, porquanto não tratam de competência material
da Justiça do Trabalho para julgar lide entre empregado
e empregador a propósito de indenização decorrente de
criação de modelo de utilidade.
Inespecífico o aresto de fl. 683, visto que alude à
incompetência material da Justiça do Trabalho para compor
conflitos na ação em que se postulam danos morais.
Incidência da Súmula 296 TST.
Em face do exposto, não conheço do recurso pela
preliminar argüida” (fls. 757-759).
A Reclamada FCA interpõe recurso de embargos (fls. 787789). Aduz que a Justiça do Trabalho não pode decidir a respeito de uma
indenização por suposto invento, pois esta matéria não está inserida no
contrato de trabalho, por força do artigo 114 da Constituição Federal.
Denuncia violação do artigo 896 da CLT.
Sem razão.
O objeto da presente ação – pedido de indenização contra
o empregador por invento ocorrido durante e em razão da relação de
emprego – insere-se na competência da Justiça do Trabalho, ainda
que demande a interpretação de lei extravagante (Lei nº 9.279/96) de
natureza não-trabalhista.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
201
Correta, portanto, a conclusão da e. 1ª Turma, não
havendo que se cogitar de violação dos artigos 896 da CLT ou 114
da Constituição Federal de 1988.
Não conheço.
1.2 – PRESCRIÇÃO – INDENIZAÇÃO POR INVENTO – LEI
Nº 9.279/96
A e. 1ª Turma rejeitou a prefacial de prescrição com o
seguinte fundamento:
“Sobre o
manifestou:
tema,
o
Eg.
Regional
assim
se
‘PRESCRIÇÃO
Pugna a recorrente pela aplicação
da prescrição qüinqüenal, para que se
considerem prescritos eventuais direitos
anteriores a 02.12.93.
Não há como se colher a pretensão
empresária, eis que as parcelas deferidas
não alcançam o lapso temporal qüinqüenal,
não tendo havido, sequer, interposição de
recurso pelo reclamante, (sic) caso em
que poderia o dispositivo sofrer alterações
decorrentes do exame por esta Eg. Turma’
(fl. 598).
Nas razões de recurso de revista, a Reclamada
insiste na prescrição qüinqüenal do direito de ação,
quanto às parcelas da indenização postulada, anteriores
a 2/12/93, em virtude do ajuizamento da ação em
2/12/1998.
Aduz que a indenização postulada deve-se limitar
ao período não prescrito, ou seja, a partir de 2/12/93.
A indenização seria por quatro anos e não dez, como
determinado pelas instâncias ordinárias. Aponta violação ao artigo 7º, inciso XXIX, alínea “a”,
da Constituição Federal.
É certo que o Eg. Regional, sobre o tema em apreço,
não emitiu pronunciamento explícito à luz do artigo 7º,
inciso XXIX, alínea ‘a’, da Constituição Federal. Contudo,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
202
afastou a incidência de prescrição qüinqüenal sobre as
parcelas decorrentes da indenização postulada.
Sucede que a matéria prescrição é puramente
jurídica. Foi ventilada em razões de recurso ordinário e
de embargos de embargos de declaração. Foi renovada,
ainda, em razões de recurso de revista, sob o enfoque
pretendido. Há, nesse caso, prequestionamento ficto,
circunstância que permite seu exame nesta esfera
recursal.
Como visto, cuida-se aqui de hipótese singular e
delicada de prescrição.
O artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal
dispõe:
‘(...) ação, quanto aos créditos
resultantes das relações de trabalho, com
prazo prescricional de cinco anos para os
trabalhadores urbanos e rurais, até o limite
de dois anos após a extinção do contrato de
trabalho’.
A meu juízo, o Eg. Tribunal ‘a quo’ não vulnerou
esse preceito constitucional, por múltiplas razões.
A um, porque a disputa entre as partes não trava,
a toda evidência, a propósito de prestação de cunho
trabalhista, no sentido de que derive diretamente de
obrigação do contrato de emprego. Logo, não se cogita
aqui propriamente de ‘crédito trabalhista’.
A dois, porque, segundo o Regional, ‘as parcelas
deferidas não alcançam o lapso temporal qüinqüenal’.
De fato, extrai-se da sentença mantida no Regional que
não houve, a rigor, acolhimento de pedido anterior ao
qüinqüênio imediatamente antecedente ao ajuizamento
da ação. Em realidade, meramente tomou-se como
parâmetro da fixação do valor da indenização por
perdas e danos o fato de o contrato haver vigorado
por aproximadamente dez anos, de 1987 a 1996. Isso
absolutamente não significa retroação da prescrição
qüinqüenal trabalhista, mesmo que acaso aplicável
fosse na espécie.
A três, e principalmente, porque a natureza da
prestação vindicada – uma indenização – não se
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
203
compadece com a prescrição trabalhista, parcial
e sucessiva, no suposto de lesão periodicamente
renovada.
Entendo, pois, que, tratando-se de crédito alusivo
à criação de ‘modelo de utilidade’, não há prescrição
qüinqüenal a incidir durante a execução do contrato de
trabalho.
Tecidas essas considerações, reputo incólume o
dispositivo constitucional invocado.
Não conheço do recurso, no particular” (fls. 759761).
A Reclamada FCA interpõe recurso de embargos (fls. 789790). Sustenta que a duração do prazo prescricional é quinquenal
por força do artigo 7º, XXIX, da Constituição Federal, e não decenal,
como reconhecido pelo e. TRT da 3ª Região. Denuncia violação do
artigo 896 da CLT.
Sem razão.
Três foram as razões de decidir da e. 1ª Turma a respeito
do tema, sendo que a segunda, a saber, de que “não houve, a
rigor, acolhimento de pedido anterior ao qüinqüênio imediatamente
antecedente ao ajuizamento da ação. Em realidade, meramente
tomou-se como parâmetro da fixação do valor da indenização
por perdas e danos o fato de o contrato haver vigorado por
aproximadamente dez anos, de 1987 a 1996”, é substancialmente
diferente das duas outras.
Como, porém, a Reclamada não se insurge contra todas
as três motivações do v. acórdão embargado, mas apenas contra
aquelas que interpretaram a possível incidência do artigo 7º,
XXIX, da Constituição Federal de 1988 aos pedidos de indenização
fulcrados na Lei nº 9.279/96, não há como conhecer-se dos
embargos no particular por óbice da Súmula nº 283 do excelso
STF.
Não conheço.
1.3 – INDENIZAÇÃO POR INVENTO OCORRIDO NA
RELAÇÃO DE EMPREGO – LEI Nº 9.279/96
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
204
A e. 1ª Turma decidiu a controvérsia relativa à indenização
postulada com o seguinte fundamento:
“Sobre o tema, o Eg. Regional consignou o
seguinte:
Inicialmente, cumpre perquirir a
respeito da existência e da autoria do
invento, eis que negada pela reclamada.
As provas carreadas aos autos à
exaustão demonstram que o reclamante, de
fato, inventou o equipamento que alega na
peça exordial.
A testemunha Antônio Alves dos Reis
(depoimento às fls. 391/392), a quem o
reclamante era subordinado, afirmou que
este, há cerca de 8/10 anos anteriores ao
término do contrato de trabalho, projetou e
construiu os equipamentos que alega, sendo
que houve substancial melhora do trabalho
realizado, em quantidade e qualidade.
Acrescentou que o reclamante somente
projetou e construiu os equipamentos após
ter obtido da reclamada permissão, tendo
sido elogiado pela iniciativa. Afirmou ainda
que tais peças inexistiam nas reclamadas,
sendo decorrentes da própria necessidade
que se apresentava no local de trabalho. Por
fim, descreveu procedimentos operacionais,
afirmando que a utilização das peças
inventadas pelo reclamante implicaram a
facilitação do serviço e a redução do tempo
despendido na sua execução, sendo que os
equipamentos continuam a ser usados.
Realizada a prova pericial (fls.
466/476), constatou-se a veracidade das
afirmações da testemunha ouvida.
O perito oficial constatou que os
equipamentos denominados dispositivo
para remoção e montagem da excitratiz
das locomotivas U-20 G.E/dispositivo para
sacar e montar intercambiador de calor das
locomotivas MX/dispositivo de sustentação
de acoplamento das locomotivas U-20
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
205
G.E. foram inventados pelo autor, não
possuindo similares. Concluiu ainda o perito
oficial que os equipamentos continuam
a ser utilizados, tendo o uso dos mesmos
significado substancial redução da mãode-obra empregada, do tempo despendido
nos trabalhos e, consequentemente, do
custo operacional. Infere-se dos trabalhos
periciais (legitimamente excetuado, digase, sem qualquer vício ou mácula), ainda,
que a invenção dos equipamentos pelo
autor traduziu-se em maior segurança no
ambiente de trabalho.
Diante disto, refutam-se as alegações
da recorrente de que não restou provada a
autoria dos projetos de fls. 16/18, mesmo
porque a própria preposta da FCA afirmou
que ‘alguns equipamentos inventados pelo
Reclamante continuam a ser utilizados,
outros não’. Nesse sentido, realmente não há
como se negar que os equipamentos foram
projetados e construídos pelo reclamante,
dentro de sua jornada de trabalho, com
materiais que não mais seriam utilizados,
conforme depoimento e conclusão pericial.
Resta a questão do direito à percepção
de indenização pelos inventos. É inegável a
utilidade prática dos equipamentos, o que
foi minuciosamente descrito pelo perito no
laudo. Da mesma forma, é indubitável que
a utilização destes trouxe inquestionáveis
lucros à empresa, seja na forma de economia
de tempo, mão-de-obra e até mesmo de
segurança no ambiente laboral.
Entende a reclamada que não
restaram preenchidos os requisitos das Leis
5772/71 e 9279/96, eis que as criações não
foram patenteadas junto ao INPI (Instituto
Nacional de Propriedade Industrial), não se
podendo falar em invento. Entende ainda
que seria requisito essencial a possibilitar a
participação do reclamante.
Não comungo deste entendimento,
data vênia.
O reclamante não foi contratado para
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
206
o exercício de atividade inventiva, mas
apenas e tão-somente desenvolveu projeto
com escopo de suprir as necessidades diárias
que o serviço reclamava, não tendo visado
ao mercado nem à obtenção de lucro. De
outro lado, foi utilizado na construção dos
equipamentos material sucateado, que não
mais serviria às empresas reclamadas.
Posto isto, diante da prova testemunhal
e pericial colhida, no sentido da existência
de lucro pelas reclamadas com a utilização
de invento do reclamante (quer em mão
de obra, tempo despendido, melhorias
técnicas ou vantagens econômicas, bem
como relativamente à medicina e segurança
do trabalho), tenho que a falta do requisito
formal, qual seja, a expedição de Carta
Patente, não pode servir ao indeferimento
da pretensão obreira.
Prima o Direito do Trabalho pela
observação do contrato realidade, não se
podendo privilegiar requisitos meramente
formais em detrimento da finalidade da lei.
Provados a autoria dos inventos, bem
como o ganho proporcionado às rés, não
há como afastar-se o direito à indenização,
calcado em simples requisito formal, sendo
irreparável a r. decisão recorrida neste
sentido.
Quanto à fixação do valor devido
a título indenizatório, nenhuma razão
assiste à recorrente. Não sendo possível
determinar, com exatidão, o ganho auferido
pelas empresas reclamadas, eis que os
dados fornecidos ao perito não passaram de
estimativas, e ainda assim impugnados pelo
autor, é correta a utilização dos critérios
previstos no artigo 1536 do Código Civil, de
aplicação subsidiária’ (fls. 598/599).
Nas razões de recurso de revista, sustenta a
Reclamada a inexistência do direito à indenização.
Alega que a concessão da patente é requisito essencial
ao direito à indenização e que, não lhe havendo sido
concedida a carta-patente, o Reclamante não faria jus à
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
207
indenização postulada.
Aduz que o procedimento utilizado na fabricação
dos inventos, matéria prima, parte mecânica e demais
operações teve participação de outros empregados tais
como artífices, soldadores, maçariqueiros, torneiros e
ajustadores.
O Eg. Regional, ao decidir a questão em foco, teria,
pois, olvidado o laudo pericial que, com clareza absoluta,
revelou que as utilidades foram fabricadas dentro da
jornada de trabalho, com matéria-prima das próprias
oficinas da Reclamada.
Acresce que, se incontroverso que o Autor era
artífice de manutenção e os supostos inventos foram
desenvolvidos durante a vigência do pacto laborativo,
tais inventos decorreriam da própria natureza da
atividade desenvolvida.
Aponta violação aos artigos 2º, inciso I, 6º, 38, 88,
§ 1º, e 229 da Lei nº 9.279/96; e ao artigo 40 da Lei nº
5.772/71.
À face do que assentou o Egr. Tribunal ‘a quo’,
inquestionável a criação das utilidades pelo empregado
e a exploração lucrativa pelo empregador.
Resta saber se ao Reclamante pode ser atribuída a
autoria, bem como se lhe assiste direito à indenização
acolhida.
Ora, as invenções que envolvem o trabalho do
empregado classificam-se em três espécies: ‘invenção
de serviço’, ‘invenção livre’, ‘invenção de empresa’.
A ‘invenção de serviço’ é a que decorre da atividade
inventiva do trabalhador, contratado para o exercício
das funções de inventor. Nesta hipótese, efetivamente
o empregado não terá nenhum direito sobre a criação.
Nada impede que as partes, mediante negociação,
contratem a participação do trabalhador nos lucros
econômicos resultantes do invento. Essa participação,
caso ajustada, não ostenta natureza salarial, mas, sim,
indenizatória, não se incorporando à remuneração do
empregado.
A ‘invenção livre’, por sua vez, resulta da atividade
criadora do trabalhador, sem qualquer vinculação com
a existência e a execução do contrato de emprego.
Nesta modalidade de invenção, tanto os meios quanto
os recursos e equipamentos do empregador não podem
amparar a atividade criadora do empregado. Eventuais
conhecimentos técnicos adquiridos na vigência do
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
208
contrato laboral não geram para o empregador o direito
de propriedade, tampouco de exploração do invento. A
propriedade e o direito de exploração são exclusivos do
empregado.
Se a criação, todavia, resultar das funções para as
quais foi contratado o trabalhador, ainda que a criação
intelectual venha ao mundo jurídico sem a utilização
de recursos do empregador, perderá sua qualidade de
‘livre’, passando a ostentar natureza de ‘invenção de
serviço’. Nessa hipótese, a propriedade e o direito de
exploração são exclusivos do empregador.
Por sua vez, a denominada ‘invenção de empresa’
constitui espécie de meio-termo entre a ‘invenção de
serviço’ e a ‘livre’. Sua constituição pode-se dar em
duas hipóteses: na primeira, a invenção é conseqüência
do trabalho coletivo, sem nenhuma possibilidade de
individualizar-se o autor ou autores; na segunda, a
criação intelectual provém do esforço de determinado
empregado, ou determinado grupo de empregados.
Na primeira hipótese, em face da impossibilidade de
individualizar-se o criador do invento, pode-se concluir
que a invenção enriquece o patrimônio empresarial.
Entretanto, não se cogita de indenização, porquanto a
lei não disciplina hipótese de exploração da propriedade
imaterial em co-autoria, ou seja, coletivamente, sem
que se possa identificar seus efetivos autores.
Na segunda hipótese, o invento provém do
esforço intelectivo de determinado empregado,
ou de determinados empregados, que podem ser
identificados. Neste último caso, da força inventiva
de determinado empregado, ou de determinados
empregados identificáveis, a que se somam os meios e
recursos propiciados pelo empregador, surge o invento.
Esta produção não advém da contratação entabulada,
que a isso não visou. Representa, sim, um subproduto
resultante da capacidade criativa do homem, emanação
irradiada da personalidade do trabalhador. Daí ser-lhe
atribuído o status de ‘invenção’, com conseqüências
jurídicas que se espraiam além do contrato de trabalho
e ensejam compensação pela utilidade auferida pelo
empregador. Trata-se, pois, de indenização decorrente
do denominado invento de empresa. Nessa hipótese,
o legislador estipulou que o direito de exploração é do
empregador, embora comum a propriedade.
Na espécie, salta à vista que o Reclamante, exercente
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
209
da função de artífice especial de mecânico, não foi
contratado para o desempenho da função de inventor.
Logo, não se pode reputar a criação trazida a lume como
‘invenção de serviço’.
Igualmente não se pode considerar a criação
como ‘invenção livre’ porquanto utilizados recursos da
empresa.
No caso, a criação do Reclamante qualifica-se
juridicamente como ‘invenção de empresa’, já que os
inventos criados no curso da relação contratual não
decorrem da natureza das atividades desenvolvidas por
um simples artífice especial de mecânico.
Fixadas essas premissas, cabe agora solucionar
a questão central concernente à ‘retribuição’ ou
‘indenização’ correspondente ao ‘invento – modelo de
utilidade’ criado.
Trata-se de questão espinhosa, à falta do
estabelecimento de parâmetros objetivos em lei.
Com efeito, a Lei nº 9.279/96, artigo 91, § 2º,
assegura ao criador do invento ‘justa remuneração’. Não
estabelece, contudo, parâmetros objetivos para que o
juiz fixe a justa retribuição decorrente da novidade.
Ora, se a lei assegura ‘justa remuneração’, nada
impede que se conclua que o salário ajustado sirva de
parâmetro para o cálculo dessa compensação, igualmente
prevista na lei, para retribuição da criação de modelo de
utilidade, fruto da capacidade laborativa do empregado,
explorado lucrativamente pelo empregador.
No caso em tela, a r. sentença, confirmada pelo
v. acórdão recorrido, fixou o valor da indenização,
quanto a cada um dos inventos, em metade da última
remuneração percebida pelo empregado pelo prazo de
dez anos. Dentro, pois, dos padrões remuneratórios do
Reclamante.
A fixação nesses padrões mostra-se razoável,
porquanto, como já ressaltado, faltam parâmetros
objetivos, na lei, para atribuir-se ‘justa remuneração’ ao
inventor de modelos de utilidade.
De qualquer sorte, o valor arbitrado ajusta-se às
previsões do artigo 88, § 1º, da Lei 9.279/96 que,
disciplinando situação semelhante, assegura ao
empregado contratado para pesquisa ou atividade
inventiva, ‘inventor’ ou ‘criador de modelo de utilidade’
o salário previamente ajustado.
Por fim, cumpre analisar se a duração da indenização
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
210
em apreço, pelo prazo de dez anos, encontra guarida na
lei. Entendo que sim.
Com efeito, na ‘invenção de serviço’, a participação
do trabalhador condiciona-se à cláusula contratual,
podendo ser cumprida a obrigação indenizatória de
uma única vez, ou em parcelas sucessivas. No caso
de ‘invento – modelo de utilidade’, a participação do
trabalhador decorre da lei.
Sucede que a lei, ao tratar do prazo por que deve
estender-se a indenização, estabelece: duração de vinte
anos, nos casos de ‘invenção’; e de quinze, nos casos
de criação de ‘modelo de utilidade’. Acrescenta, ainda,
prazos mínimos de vigência: dez para ‘invenção’; sete
para ‘modelo de utilidade’.
No caso em tela, a indenização pelo modelo de
utilidade foi determinada pelo prazo de dez anos, prazo
médio, circunstância que evidencia a razoabilidade e o
acerto da decisão proferida.
Do quanto exposto, forçoso concluir que, embora
comum a propriedade e exclusiva a exploração pelo
empregador, a lei assegura ao empregado direito a uma
‘justa remuneração’ pela exploração do invento, modelo
de utilidade, resultante da contribuição pessoal do
empregado (Art. 91, § 2º, Lei 9.279/96). Pouco importa
que o invento haja sido propiciado, mediante recursos,
meios, dados e materiais, nas instalações da empresa.
Comprovada a autoria, a novidade, bem como a
utilização lucrativa do invento, construído à base de
material sucateado, em prol da atividade empresarial, o
empregador, independentemente de prévio ajuste, está
obrigado, por lei, a remunerar o autor do invento.
Irrelevante o fato de o empregado patentear, ou não,
o invento. A obrigação de indenizar tem por fato gerador
a utilidade extracontratual, emanação da atividade
intelectiva irradiada da personalidade do empregado,
revertida em benefício da exploração econômica do
empregador. É direito assegurado na Constituição
Federal.
Desse modo, o Eg. Regional não violou os artigos 88,
§ 1º, e 91, § 2º, da Lei 9.279/96, ao manter a r. sentença
em que se fixou pelo prazo de dez anos, multiplicados
pela metade da última remuneração percebida, o valor
da indenização correspondente a cada uma das três
invenções criadas pelo Reclamante.
Os demais dispositivos invocados não guardam
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
211
estreita pertinência com a hipótese discutida nos
presentes autos, visto que, especificamente, não
tratam do direito à indenização decorrente de criação
de modelo de utilidade, tampouco dos critérios para
apuração do valor da mencionada indenização. Por esta
razão considero não violados.
Em face do exposto, não conheço do recurso de
revista interposto pela Ferrovia Centro Atlântica S/A”
(fls. 767-773).
A Reclamada FCA interpõe recurso de embargos (fls. 790791). Alega que a indenização pelo invento não é devida porque
este ocorreu nas dependências da empresa, durante o horário de
trabalho com fim específico para a atividade desenvolvida pelo
Reclamante, e sem registro de patente, nos termos do artigo
38 da Lei nº 9.279/96. Afirma que o invento nessas condições
pertence exclusivamente ao empregador, não sendo assegurada ao
trabalhador qualquer indenização, ex vi dos artigos 40 da Lei nº
5.772/71 e 38 e 88, § 1º, da Lei nº 9.279/96. Denuncia violação do
artigo 896 da CLT.
Sem razão.
Para melhor compreensão da controvérsia, faz-se mister
a transcrição do magistério dos insígnes Orlando Gomes e Elson
Gottschalk, em sua obra “Curso de Direito do Trabalho”, vol. I, Ed.
Forense, RJ, 1987, pp. 253-256:
“A execução do contrato de trabalho pode dar lugar
a invenções, ou a modelos de utilidade industrial. Com
o extraordinário desenvolvimento da tecnologia, bem
como o relevante interesse econômico representado
pela exploração do invento ou do modelo, tornase importante saber a quem deve ser atribuída a
propriedade da patente respectiva. Em alguns países,
como os Estados Unidos1 a Alemanha2, o problema
1
2
P.J. Frederico, Distribution os Patents Issued to Corporation, journal of. P. O. S.,
p. 405, entre 1939 e 1955 foram patenteadas 348.125 invenções, das quais
58,51% de empregados. N.A.
CHRISTIAN ENGLERT, L’Invention faite par l’Employé dans l’Enterprise Privé, 1960,
p. 2, estima-se em 80% o número de todas as invenções oriundas dos empregados.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
212
assume grande relevância, dado o vulto das invenções
patenteadas anualmente.
Não é fácil definir a invenção. Deve-se, contudo,
distinguir invenção de descoberta. Na linguagem
vulgar, muitas vezes os dois conceitos são confundidos,
entretanto, uma diferença essencial pode ser
salientada: a descoberta não é criadora, embora não
se lhe possa obscurecer seu mérito. Com efeito, fazse descoberta do que já existe, e não se faz aplicação
prática do que se achou. Ao contrário, a invenção
criadora, servindo-se da descoberta, realiza na
prática industrial sua aplicação. Exemplificando-se: a
fissão nuclear do urânio é uma descoberta que tornou
possível a invenção da bomba atômica (Englert). A
descoberta por si mesma não é patenteável. Todavia,
nos países comunistas, o autor da descoberta pode
usufruir vantagens análogas às do inventor3. Os dois
conceitos decorrem da distinção que se faz entre ciência
pura e ciência aplicada, a primeira dando origem às
denominadas invenções científicas, ignoradas pela
lei das patentes; a segunda, criando as invenções
industriais, isto é, as que têm por objeto e por fim
prático resultado suscetível de aplicação industrial.
São seus elementos essenciais à idéia criadora e o
processo técnico.
A classificação tripartida das invenções data do
Congresso de Augsburgo, 1914, para a proteção da
propriedade industrial. Estabeleceram-se, então, três
tipos de invenções:
a) invenção de serviço;
b) invenção livre;
c) invenção de empresa ou estabelecimento4.
Na invenção de serviço o empregado é contratado
especialmente para realizar pesquisa científica e o
resultado de seu trabalho, como em qualquer outro
contrato de trabalho, aproveita ao empregador, que o
3
4
Hoje essas estatísticas devem estar sobrepassadas de muito. O Anuário Estatístico
do Brasil, 1974, IBGE, dá o total de 1.985 patentes concedidas, entre 1971 e 1973,
incluindo-se invenções, modelos industriais e de utilidades e desenhos industriais.
Não faz referência à autoria dos mesmos, p. 590, 3.11.2. N.A.
Englert, ob. cit., p. 10. A lei tcheca define a descoberta: “a constatação de
fenômenos, de qualidades ou de leis do mundo físico, que existem objetivamente
e não eram conhecidas antes”. N.A.
O Projeto de C. do Trabalho do Prof. E. M. Filho perfilha esta classificação
(art. 472). N.A.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
213
remunera para este fim. É contrato comum de trabalho
cujo objetivo se distingue pela natureza da prestação,
que atribui ao inventor a honra do invento e o direito
moral de sua autoria. Neste caso, a propriedade
da patente é do empregador, que pode explorar
livremente a invenção, respeitada a paternidade do
invento pelo interesse moral dele resultante para o
inventor.
A invenção livre é a que decorre prevalentemente
do espírito inventivo do empregado; para uns,
sem conexidade com sua atividade profissional na
empresa, para outros, embora se tenha realizado em
conseqüência desta atividade. O empregado, autor
de uma invenção livre, é seu exclusivo proprietário
e pode dispô-la livremente. Renunciando-a, porém,
em benefício do empregador deveria fazê-lo com as
devidas cautelas legais, ressalvado o direito moral e
certo interesse econômico na exploração. Tal invenção
não é gravada por qualquer direito de expectativa
‘quase real’ em proveito do empregador (Volmer).
Observam certos autores, entretanto, que o dever
de fidelidade inerente ao contrato de emprego pode
impor ao empregado-inventor certas obrigações, tais
como: a) a comunicação obrigatória da invenção ao
empregador; b) o oferecimento a este do direito não
exclusivo de utilizá-la, salvo se não lhe for útil.
A invenção de empresa ou de estabelecimento é
aquela realizada gradualmente pelo trabalho de vários
empregados cuja experiência e pesquisa inventiva se
entrelaçam de tal sorte que não se pode designar o
verdadeiro responsável (Englert). A invenção decorre
da experiência prática, dos trabalhos preparatórios, dos
meios auxiliares da empresa de modo a não se poder
identificar o inventor, dado que a invenção é fruto da
atividade profissional dos que estão na empresa ou
dos que dela já saíram. A doutrina universal admite
que em tais circunstâncias o proprietário da empresa
poderá vindicar a propriedade da patente5.
A consolidação regulou apenas a hipótese de
invenção de estabelecimento e de serviço. Entretanto,
5
As leis dinamarquesa (1955), espanhola (1944) e soviética (1959) prevêem
expressamente a propriedade das invenções de estabelecimento, atribuindo-a ao
proprietário deste. O Projeto de C. do T. de E. M. Filho aplica a reversão somente
quanto às invenções de estabelecimento. N. A.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
214
a Lei nº 5.772, de 21.12.1971, que revogou a de
nº 1.005, de 1969, isto é, o Código de Propriedade
Industrial, no particular, estabeleceu a regra da
propriedade comum da patente, quando o invento ou
aperfeiçoamento realizado pelo empregado decorrer
de sua contribuição pessoal e também de recursos,
dados, meios, materiais, instalações ou equipamentos
do empregador; mas com duas ressalvas: a) permissão
de expressa estipulação em contrário; b) garantia
ao empregador do direito exclusivo da licença de
exploração, assegurada ao empregado a remuneração
que for fixada. É prevista a invenção-de-serviço, bem
como os aperfeiçoamentos, quando realizados durante
a vigência do contrato expressamente destinado a
pesquisa no Brasil, e em que a atividade inventiva do
empregado seja prevista como objeto do contrato, ou
ainda que decorra da própria natureza da atividade
contratada. Mas se o empregado requer a patente
até um ano depois da extinção do contrato, será
considerada feita a invenção durante sua vigência,
salvo ajuste contrário. A invenção-de-serviço ou
aperfeiçoamento é prioritariamente patenteável no
Brasil, e o empregado tem direito de ver seu nome
figurar no pedido e na patente. Na invenção-livre,
segundo a nova lei, pertencerá, exclusivamente, ao
empregado o invento ou o aperfeiçoamento realizados,
desde que sem relação com o contrato de trabalho e
sem utilização de meios, recursos, dados, materiais e
equipamentos do empregador6.
A exploração da patente deverá ser iniciada pelo
empregador dentro do prazo de um ano, a contar da
data da expedição da patente, sob pena de passar
à exclusiva propriedade do empregado. No caso de
faltar acordo para iniciar a exploração da patente,
ou no curso dessa exploração, qualquer dos cotitulares, em igualdade de condições, poderá exercer
a preferência, no prazo que dispuser a legislação
comum. Requerendo o empregador privilégio no
estrangeiro, deverá assegurar ao empregado a
6
O anteprojeto da CLT da Comissão Interministerial apresenta uma classificação
mais ampla dos inventos, mas inexplicavelmente omite os modelos, embora
deixe explícito os aperfeiçoamentos dos inventos, atribuindo as respectivas
propriedades das patentes de modo acertado (arts. 44, 45 e 46). N.A.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
215
remuneração que for fixada. A legislação atual
corrigiu, assim, algumas imperfeições havidas na
anterior. O pretendente a privilégio de invenção deverá
depositar no Departamento Nacional de Propriedade
Industrial seu pedido acompanhado no relatório
descritivo e do desenho da invenção ou modelo de
utilidade. Os papéis devem estar selados e taxas
são cobradas pelas certidões fornecidas; entretanto,
o empregado-inventor está isento do pagamento
desses emolumentos, desde que declare e comprove
sua situação econômica deficiente7.
As legislações dos países altamente industrializados
dão particular relevo às invenções industriais,
estimulando-as por vários meios, com prêmios e
outros incentivos, pois delas dependem o progresso
industrial em larga escala e o triunfo na competição
do mercado internacional.
Finalmente, como observa Renato Corrado, as
invenções do empregado, feitas após haver deixado
o emprego, embora servindo-se dos conhecimentos
técnico-profissionais adquiridos no ambiente da
empresa, não podem gerar direito vindicativo da
patente pelo ex-empregador8; entretanto, no particular,
a nova Lei nº 5.772 é menos liberal para o empregadoinventor, quando lhe retira a propriedade da patente se
utiliza meios, recursos, materiais e equipamentos do
empregador, sem ressalva de conhecimentos técnicoprofissionais adquiridos antes.
Richard J. Barber, tratando da pesquisa custeada
pela indústria nos Estados Unidos, cita cifras da ordem
de 18 bilhões de dólares para o ano de 1969, época
longínqua em que 400 mil cientistas e engenheiros
se achavam empregados como pesquisadores
industriais9”.
Na mesma linha, e já considerando a nova Lei das
7
8
9
Lei nº 5.772, de 21.12.1971; Lei nº 2.556, de 6.8.1955; Decreto nº 39.573,
de 13.6.56; Decreto-Lei nº 8.481, de 27.12.1945. A propósito das invenções
industriais, vide João da Gama Cerqueira, in Tratado da Propriedade Industrial,
1º volume, p. 229 e segs. N.A.
Trattato di Diritto del Lavoro, Utet, Torino, 1966, vol. II, p. 198. N.A.
Empresas Multinacionais (Poder – Economia – Estratégia), Editora Atlas S.A., SP,
1972, p. 138. N.A.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
216
Patentes, que revogou o antigo Código de Propriedade Industrial,
tem-se ainda as preciosas lições de João de Lima Teixeira Filho
na obra “Instituição de Direito do Trabalho”, volume I, de coautoria de Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e Segadas Viana,
Editora LTr, São Paulo, 2002, pp. 253-256:Na mesma linha, e já
considerando a nova Lei das Patentes, que revogou o antigo Código
de Propriedade Industrial, tem-se ainda as preciosas lições de João
de Lima Teixeira Filho na obra “Instituição de Direito do Trabalho”,
volume I, de co-autoria de Arnaldo Süssekind, Délio Maranhão e
Segadas Viana, Editora LTr, São Paulo, 2002, pp. 253-256:
“(...) A busca pelo domínio de novas tecnologias
e seu constante aprimoramento são desafios dos
dias presentes. Todos os esforços convergem para a
superação do fosso tecnológico que separa as nações
desenvolvidas das demais. A Constituição brasileira
não passou ao largo da relevante temática, unindo, no
art. 5º, XXIX, o ‘interesse social’ ao ‘desenvolvimento
econômico e tecnológico do País’ na persecução desse
ideal de vanguarda.
A Constituição cuida da ‘Ciência e Tecnologia’
no compartimento da ‘Ordem Social’. Promovê-las
diretamente é dever do Estado, assim como fomentálas, indiretamente, pelo engajamento de terceiros. É
nesta conjugação de esforços que as empresas avultam
em importância. Os inventos e aprimoramentos
desenvolvidos em seu interior não só beneficiam seu
próprio processo produtivo como contribuem, por
propagação, para o País alavancar posições no ranking
mundial e melhorar internamente as condições de vida
dos cidadãos.
Para tanto, há comando constitucional determinando
que o Estado ‘apoiará e estimulará as empresas que
invistam em pesquisa, criação de tecnologia...’ (art.
218, § 4º, da CF). Esta imperatividade é temperada pelo
condicionamento da ação estatal à lei a ser editada. Esta
lei deverá conceder estímulos de natureza fiscal para
as empresas que instiguem e recompensem a inventiva
de seus empregados visando o desenvolvimento de
avanços tecnológicos, sob a forma de produtos ou
processos que aperfeiçoem os métodos produtivos.
A resultante da criatividade do trabalhador pode ser
patenteável ou não. Pela nova Lei 9.279, de 14.5.96,
que regula a propriedade industrial, pode ser objeto de
patenteamento:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
217
a) a invenção é uma obra inédita do
espírito, é a revelação concreta de uma
idéia-força ou engenho de criação, com
aplicação utilitária, antes inexistente. Daí a
lei exigir que essa descoberta atenda aos
requisitos da novidade, atividade inventiva
e aplicação industrial; e
b) o ‘modelo de utilidade’ não é a
manifestação de um engenho original, mas
o aperfeiçoamento de invenção já existente.
Esse desenvolvimento tem que ver com
o processo, com a forma, não com o bem
propriamente dito. Como diz a lei, é a
apresentação de nova forma ou disposição
para um objeto de uso prático, ou parte
dele, envolvendo ato inventivo, que resulte
em melhoria funcional no seu uso ou em
sua fabricação.
O invento pode ser explorado comercialmente e,
portanto, render royalties. Mas apenas após a expedição
da carta-patente pelo Instituto Nacional da Propriedade
Industrial – INPI.
O titular da carta-patente tanto pode ser o
empregador como o empregado, verdadeiro autor da
obra de criação, ou ambos. Decidi-lo-á o contrato de
trabalho. A matéria é deixada ao auto-regramento das
partes (art. 6º, § 2º). Examinemos tais hipóteses.
Só o empregado, autor do invento ou modelo
de utilidade, poderá patenteá-lo (art. 6º, caput) se
silente o contrato ou se o resultado de sua criação for
alcançado apartadamente do pacto laboral, sem contar,
por qualquer forma, com o auxílio do empregador.
Aqui, autoria e titularidade patentária concentram-se
numa só pessoa, o empregado. Ele poderá livremente
comercializar sua propriedade industrial, inclusive
com o seu próprio empregador. Em tal situação, a
empresa pagará royalties ao titular da patente, com
quem ladeia uma relação de emprego. Os vínculos
jurídicos, todavia, são incomisturáveis. Precisamente
por isso, os royalties pagos, neste caso, não têm
natureza salarial.
O empregador é o único titular do invento quando
cláusula expressa do contrato de trabalho assim o
determinar ou, se inexistente a previsão, pelo sentido
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
218
finalístico da contratação: quando o enlace jurídico
objetivar a pesquisa, a criação ou o invento resultar
da natureza própria dos serviços para cuja execução
o trabalhador foi contratado. Neste caso, o salário
convencionado é a contraprestação compreensiva
do invento, de modo que não são devidos royalties
ao empregado pela comercialização da patente pelo
empregador.
Nesta hipótese, sempre entendemos, com esteio
no art. 218, § 4º, da Constituição, ser ‘indispensável
que o empregador assegure ao autor da inovação uma
participação a ser avençada, que tome por base o
ganho que o empregador passou a ter com o produto
da criatividade do seu trabalhador. Esta participação,
que pode ser representada por um único pagamento
ou parcelas mensais, não se incorpora ao salário do
trabalhador, nem sobre ela incidem encargos sociais. A
Constituição bem andou ao dizer que essa participação
é ‘desvinculada do salário’. Com isso, evita-se o receio
de que a concessão se torne irreversível, onerosa em
função dos encargos sociais e inibidora do processo
de busca permanente por novos aperfeiçoamentos’
(‘Instituições de Direito do Trabalho’, 11ª ed., São
Paulo, LTr, 1991, pág. 249). E concluíamos essa
linha de entendimento afirmando: ‘Embora o texto
constitucional não tenha sido regulamentado, tudo
leva a crer que a participação para o empregado não
se confunde com os royalties que ele possa ter quando
titular da patente de invenção que esteja sendo
explorada’ (‘Instituições’, cits. 1991, pág. 250).
Como Secretário Nacional do Trabalho chegamos
a formular proposição com estas características, uma
novidade em relação ao agora revogado Código de
Propriedade Industrial (Lei nº 5.772, de 21.12.71).
Com satisfação, vemos tal proposta acolhida no art.
89 da Lei nº 9.279/96, in verbis:
‘Art. 89. O empregador, titular da patente,
poderá conceder ao empregado, autor de
invento ou aperfeiçoamento, participação
nos
ganhos
econômicos
resultantes
da exploração da patente, mediante
negociação com o interessado ou conforme
disposto em norma da empresa.
Parágrafo único. A participação referida
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
219
neste artigo não se incorpora, a qualquer
título, ao salário do empregado’.
Quando o invento não é comercializado pelo
empregador, mas utilizado apenas no interior do
empreendimento, descabe pagamento de royalties,
já que nenhuma renda a patente está produzindo.
Cabível, sim, o pagamento de uma participação pela
utilização interna da descoberta ou aprimoramento,
em valor negociado, que pode referenciar-se ao ganho
econômico apresentado no processo produtivo.
Presume-se de titularidade do empregador o
registro de patente requerido pelo empregado até
um ano após a ruptura do seu contrato de trabalho,
com as especificidades antes referidas. Concedida a
carta-patente ao empregador, o nome do empregadoinventor dela sempre constará, salvo se esta não for a
sua vontade (art. 39).
Por fim, a titularidade do invento pode ser
compartilhada. Empregado e empregador detêm partes
iguais da patente quando, inexistindo cláusula contratual
regulatória da hipótese, a criação resultar da contribuição
pessoal do empregado e dos recursos e equipamentos
colocados à sua disposição pelo empregador. Se a
criação é coletiva, o quinhão dos empregados (metade)
é subdividido igualmente entre todos os co-titulares da
invenção ou modelo de utilidade. Estas meações não
são rígidas. As normas legais pertinentes têm o traço
da dispositividade (art. 91 e seu § 1º, ambos in fine),
abertas, portanto, à primazia da vontade das partes
contratantes.
Permite a lei que o empregador negocie com o
empregado co-titular a exclusividade na exploração
da patente. Para tanto, a vontade do empregado
encontra na lei um limite subjetivo, indispensável ao
aperfeiçoamento deste negócio jurídico: a garantia
da ‘justa remuneração’ ao empregado (§ 2º do art.
91). Significa que as partes devem avir compensação
pecuniária equânime para o empregado, sob pena de
reversão à co-titularidade. Justa remuneração nada tem
a ver com natureza salarial. Afinal, esta cessão de direitos
não resulta de contraprestação do serviço contratado. A
nosso ver, o propósito da lei é evitar que o empregador,
ao negociar a exclusividade, pague valor irrisório ao
empregado comparado ao faturamento líquido indicado
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
220
nas avaliações de mercado de domínio do empregador
– até porque avaliou a vantagem da exclusividade...
Inexistindo este acordo, cabe ao empregador promover
a exploração do objeto da patente nos 12 meses
subseqüentes à expedição da carta. Não o fazendo
neste prazo nem apresentando razões legítimas para
não fazê-lo, passa o empregado à condição de único
titular da patente, podendo explorá-la como melhor
lhe aprouver e sem que nenhuma remuneração caiba
ao empregador.
O titular da carta-patente, seja ele qual for, pode
explorar o invento pelo prazo de 20 anos e o modelo
de utilidade por 15 anos (art. 40), findos os quais o
produto da criação cairá em domínio público.
A sistemática aplicável aos empregados é estendida
pela Lei nº 9.279/96, nas mesmas condições, as
relações jurídicas afins, como o são a do estagiário e
a do trabalhador autônomo”.
Com efeito, no presente caso, o contrato de trabalho
do Reclamante foi extinto já na vigência da Lei nº 9.279/96,
cujo artigo 88 dispõe que “a invenção e o modelo de utilidade
pertencem exclusivamente ao empregador quando decorrerem de
contrato de trabalho cuja execução ocorra no Brasil e que tenha
por objeto a pesquisa ou a atividade inventiva, ou resulte esta da
natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado”
(destacamos), sendo certo que, segundo o v. acórdão embargado,
o modelo de utilidade desenvolvido pelo Reclamante resultou dos
serviços prestados para a Reclamada FCA.
Acrescente-se que o artigo 90 da mesma Lei prevê
que “pertencerá exclusivamente ao empregado a invenção ou o
modelo de utilidade por ele desenvolvido, desde que desvinculado
do contrato de trabalho e não decorrente da utilização de
recursos, meios, dados, materiais, instalações ou equipamentos
do empregador” (grifos não constantes do original), quando é
certo que o modelo de utilidade de que tratam os presentes autos
foi desenvolvido de forma vinculada ao contrato de trabalho e
mediante utilização de “material sucateado, que não mais serviria
às empresas reclamadas”, segundo o e. TRT da 3ª Região.
Ocorre, porém, que o fato de a atual lei haver assegurado
os royalties exclusivamente ao empregador, e previsto apenas
uma faculdade de que o empregado participasse dos ganhos
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
221
econômicos da exploração daquela invenção, não há vedação – e
nem poderia haver, à luz do artigo 1º, IV, da Constituição Federal
de 1988 – de que o empregado seja indenizado pela invenção
de que o empregador se beneficiou em razão do contrato e da
mencionada Lei nº 9.279/96.
Com efeito, a opção do legislador ordinário é
inequivocamente injusta para com o empregado, que conforme
doutrina secular vende, por meio do contrato de trabalho, apenas
sua força de trabalho, mas não sua criatividade ou sua “atividade
inventiva”, para repetir a expressão contida na Lei nº 9.279/96.
Acrescente-se que, segundo o e. TRT da 3ª Região,
o Reclamante exercia a função de “artífice de manutenção”,
e tomou a iniciativa de criar um modelo de utilidade que não
apenas facilitou seu próprio serviço como também ensejou “lucro
pelas reclamadas com a utilização de invento do reclamante
(quer em mão de obra, tempo despendido, melhorias técnicas
ou vantagens econômicas, bem como relativamente à medicina e
segurança do trabalho)”.
Se se tratasse de um empregado contratado para o fim
de desenvolver projetos ou pesquisas, dúvida não haveria de
ser do empregador o invento ou modelo de utilidade resultante;
mas admitir-se que o empregador aproprie-se sem nenhum
custo de modelo de utilidade desenvolvido pelo empregado de
forma estranha ao objeto do contrato de trabalho, ainda que
em razão dele, não apenas desestimularia completamente o
exercício da atividade inventiva pelos empregados, como também
corresponderia a um verdadeiro enriquecimento sem causa do
empregador, que por aquele invento ou modelo de utilidade nada
pagou quando do adimplemento de suas obrigações contratuais
típicas.
Finalmente, e não obstante os já mencionados artigos
88 e 90 da Lei nº 9.279/96, assim como não se pode cogitar de
qualquer desrespeito às patentes (conhecido vulgarmente como
“pirataria”) no território nacional, também não se pode admitir
que uma das partes da relação de emprego – por sinal, a mais
forte delas – aproprie-se gratuitamente do modelo de utilidade
desenvolvido pela outra de forma estranha ao contrato de trabalho
pela só condição de empregador, sob pena de afronta aos valores
sociais do trabalho consagrados pelo supramencionado artigo 1º,
IV, da Constituição Federal de 1988.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
222
Com esses fundamentos, não conheço integralmente do
recurso de embargos.
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada
em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho,
por unanimidade, não conhecer integralmente do recurso de
embargos.
Brasília, 22 de outubro de 2009.
HORÁCIO SENNA PIRES
Ministro Relator
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.193-220, jul./dez. 2009
223
PROCESSO:
00876.2008.041.14.00-0
CLASSE:
RECURSO ORDINÁRIO
ÓRGÃO JULGADOR: 1ª TURMA
ORIGEM:
VARA DO TRABALHO DE CACOAL - RO
1º RECORRENTE(S): JBS S/A
ADVOGADA(S):
KÁTIA CARLOS RIBEIRO
2º RECORRENTE(S): HÉLIO GOMES DOS SANTOS
ADVOGADA(S):
GLÓRIA CHRIS GORDON
RECORRIDO(S):
OS MESMOS
RELATOR:
DESEMBARGADOR VULMAR DE ARAÚJO
COÊLHO JUNIOR
REVISOR:
JUIZ CONVOCADO SHIKOU SADAHIRO
I - PLANTÃO DE 04 ÀS 10 HORAS. HORÁRIO
NOTURNO DE 04 AS 05 HORAS. HORA
REDUZIDA PARA 52 MUNUTOS E 30
SEGUNDOS. JORNADA DE TRABALHO DE MAIS
DE 6 HORAS. INTERVALO INTRAJORNADA
DE NO MÍNIMO 1 HORA. O trabalhador que
faz plantão das 04 às 10 horas, trabalha
mais de 6 horas, na verdade, labora o total
de 6 horas, 7 minutos e 30 segundos, tendo
em vista que no labor realizado entre 04 e
05 horas deve ser computada na jornada
os minutos a mais referentes à redução da
jornada ficta. Portanto, o mesmo faz jus ao
intervalo intrajornada de no mínimo 1 hora.
II - DANO SOCIAL. LEGITIMIDADE PARA
PLEITEAR A INDENIZAÇÃO RESPECTIVA.
Considerando que a doutrina conceitua o
dano social como sendo aquele que repercute
em toda sociedade, podendo gerar prejuízos
de ordem patrimonial ou imaterial aos
membros da coletividade, somente esta, por
meio do Ministério Público, tem legitimidade
para pleitear a indenização por dano social,
nos termos do que dispõe a Carta Magna
(art. 129, III) e a lei da Ação civil Pública
(Lei nº 7.347/85 - art. 1º, IV).
III - DANO MORAL. FALTA DE CONCESSÃO
DO
INTERVALO
INTRAJORNADA.
IMPROCEDÊNCIA. A não concessão do
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
224
intervalo intrajornada por si só não comporta
a reparação por dano moral, é preciso que
o trabalhador comprove o nexo causal do
descumprimento da regra inserta no art. 71
da CLT com eventuais transtornos pessoais.
1 RELATÓRIO
Trata-se de recursos ordinários interpostos pela reclamada
e reclamante contra a sentença de fls. 252/266 que extinguiu sem
resolução de mérito os pedido de recolhimentos previdenciários, por
ter sido declarada a incompetência do juízo em razão da matéria e do
alegado dano social, por carência de ação; extinguiu com resolução
do mérito as pretensões do reclamante referente a direitos anteriores
a 04 de dezembro de 2003, por ter sido pronunciada a prescrição
quinquenal e, julgou procedente em parte os demais pedidos da
inicial para condenar a reclamada a pagar ao autor indenização pela
troca dos cartões magnéticos de ponto e horas extras decorrentes da
supressão dos intervalos intrajornadas.
A reclamada, fls. 267/270, pretende a reforma da decisão
apenas no que tange a condenação ao pagamento de horas extras
decorrentes dos intervalos intrajornadas não concedidos sempre que
o reclamante/recorrido cumpriu plantão de 04hs às 10hs.
Já o reclamante, fls. 279/292, requer a reforma do “decisum”,
a fim de condenar a reclamada a indenizar o recorrente pelos danos
social e moral causados, a pagar as horas extras, adicional noturno,
multa pelo descumprimento dos ACT’s, vale cesta não repassadas,
contribuições previdenciárias e honorários advocatícios.
Contrarrazões pela reclamada, fls. 296/300, pugnando pela
manutenção da sentença.
O reclamante, apesar de cientificado da interposição do
recurso interposto pela reclamada, fl. 294, deixou transcorrer in albis
o prazo para oferecer suas contrarrazões, conforme certidão à fl.
294-v.
Inexistindo exigência legal, e com fundamento no art. 89 do
Regimento Interno, não se fez a remessa dos autos à Procuradoria
Regional do Trabalho da 14ª Região.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
225
2 FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
2.1.1 DO RECURSO DA RECLAMADA
O recurso é tempestivo, considerando que a reclamada, ora
1º recorrente, ficou ciente da sentença de fls. 252/266, prolatada
em 2.3.2009 (segunda-feira), nos termos da súmula nº 197 do TST,
interpondo o presente apelo por fac-símile em 10.03.2009 (terçafeira), segundo autenticação mecânica à fl. 267, apresentando os
originais em 11.3.2009 (quarta-feira), fl. 273, dentro do prazo legal
estipulado pela Lei nº. 9.800/99.
A representação processual encontra-se regular, procuração
juntada à fl. 38.
Depósito recursal e custas, fls. 271/272, em ordem
considerando que foi atribuído à causa o valor de R$4.000,00.
Assim, preenchidos os pressupostos extrínsecos e intrínsecos,
conheço do recurso ordinário de fls. 267/279.
2.1.2 DO RECURSO DO RECLAMANTE
O recurso é tempestivo, considerando que o reclamante, ora
2ª recorrente, ficou ciente da sentença de fls. 252/266, prolatada
em 2.3.2009 (segunda-feira), nos termos da súmula nº 197 do TST,
interpondo o presente apelo em 10.3.2009 (terça-feira), segundo
autenticação mecânica à fl. 279.
A representação processual encontra-se regular, conforme
instrumento de mandato de fl. 15.
Custas processuais pela reclamada (fl. 266). Depósito
recursal dispensado, por se tratar de recurso obreiro.
Assim, preenchidos os pressupostos extrínsecos e
intrínsecos, conheço do recurso ordinário interposto pela reclamante
às fls. 279/292.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
226
2.2 MÉRITO
2.2.1 DO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA
2.2.1.1 DAS HORAS EXTRAS DECORRENTES DOS
INTERVALOS INTRAJORNADAS NÃO CONCEDIDOS SEMPRE QUE O
RECLAMANTE CUMPRIU PLANTÃO DE 04HS ÀS 10 HS
Insurge-se a reclamada, ora 1º recorrente, em face de sua
condenação ao pagamento de horas extras decorrentes dos intervalos
intrajornada não concedidos, sempre que o reclamante cumpriu o
plantão das 04:00 às 10:00hs.
Alega que o reclamante não laborava mais de 6 horas
seguidas, conforme conclusão que se chega se constatarmos que o
próprio reclamante admitiu em seu depoimento pessoal que gozava
diariamente de um intervalo de 20 (vinte) minutos para o café da
manhã, que conforme os cartões de ponto inclusos nos autos, não
era registrado pelo obreiro.
Sendo assim, sempre que o reclamante cumpria escala de
04:00 às 10:00hs, o mesmo não laborava 06:00 horas corridas e sim
05 horas, 47 minutos e 30 segundo, que é o resultado da subtração
dos 20 minutos de intervalo e somatória com 7 minutos e 30 segundos
a mais referentes à redução ficta da hora noturna trabalhadas.
Pede, por conseguinte, que as horas extras deferidas sejam
excluídas da condenação.
Razão não assiste ao recorrente.
Analisando o depoimento do reclamante, fl. 217, verifico
que o mesmo declarou “Que começava sua jornada de trabalho às
4 horas da manhã, deixando a empresa em horários variados, entre
11/15 horas; que gozava de apenas uma intervalo para café da
manhã, com duração de vinte minutos, em média;...”. (grifei)
Por outro, a 1ª testemunha do reclamante, Sr. Silva
Ribeiro de Souza, fls. 219/220, declarou que fazia suas refeições
no próprio setor de tratamento de água, por cerca de quinze
minutos por dia. (grifei)
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
227
Como se pode observar, o trabalhador declarou que gozava
de um intervalo para café de 20 minutos e sua testemunha de 15
minutos.
Todavia,
considerado pelo
em que houve à
correspondentes
261:
tal intervalo como sendo de 15 minutos já foi
juízo “a quo”. Senão vejamos trecho da sentença
análise do pleito de pagamento das horas extras
pela supressão dos intervalos intrajornadas, fl.
Possivelmente, a empresa não concedia ao reclamante
o intervalo para almoço, de uma hora, concedendo-lhe
apenas um intervalo de 15 minutos para o café, por
entender que o plantão perfazia apenas 6 horas de
trabalho. (grifei)
Ocorre que, considerando que o labor realizado entre as
)4:00 e 05:00 horas era noturno, deve ser computada
na jornada os minutos a mais referentes à redução ficta
dessa hora.
Portanto, de fato, o reclamante não trabalhava apenas 6
horas, trabalhava 6 horas, 7 minutos e 30 segundos.
Se já não bastasse, como visto alhures, deve ser
acrescido à jornada normal do reclamante o tempo gasto
na troca de uniforme, no início e no final da jornada, e
na revista, ao fim da jornada.
Portanto, como se observa mesmo quando cumpria o
plantão das 04:00 as 10:00 horas o autor laborava mais
de seis horas seguidas, sendo que a reclamada deveria
conceder-lhe diariamente o intervalo intrajornada de, no
mínimo uma hora.
Como não o fazia, como bem confessou o preposto,
deve ser condenado no pagamento das horas extras
correspondentes.
A decisão de primeiro grau, mostra-se irretocável, nesse
tópico, tendo em vista que o raciocínio para se conceder o intervalo
intrajornada é diferente do que pretende a recorrente, ou seja,
primeiro verifica-se o cômputo de horas trabalhadas, para após
conceder o intervalo para repouso e alimentação, nos termos do que
dispõem § 2º do art. 71 da CLT, “in verbis”:
§ 2º Os intervalos de descanso não serão
computados na duração do trabalho”.
Se a jornada não exceder 6 horas o intervalo é de 15
minutos (§ 1º do art. 71). Se a duração do trabalho exceder 6 horas,
é obrigatória a concessão de intervalo de no mínimo 1 (uma) hora.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
228
Portanto, de acordo com os argumentos acima expostos,
nego provimento ao recurso ordinário da reclamada.
2.2.2 DO RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE (FLS.
279/292)
2.2.2.1 DA JUSTIÇA GRATUITA
A reclamante renova o pedido de concessão dos benefícios
da justiça gratuita (fl. 280).
Pois bem.
É inegável que, nos termos do art. 7º da Lei nº 1.060/50,
a parte contrária poderá, em qualquer fase da lide, requerer a
revogação dos benefícios de assistência judiciária gratuita, desde que
prove a inexistência ou o desaparecimento dos requisitos essenciais
a sua concessão.
Contudo, in casu, a sentença concedeu o benefício
perseguido, não cabendo nova manifestação sobre a matéria.
2.2.2.2 DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS
Insurge-se o recorrente contra a sentença que declarou
a incompetência desta Justiça do Trabalho para julgar o pedido
de recolhimentos previdenciários devidos ao longo do vínculo
empregatício.
Sustenta que a competência advém da Lei n. 11.457/2007,
que determina ser competente a Justiça do Trabalho para cobrar as
contribuições previdenciárias do período contratual decorrente do
vínculo empregatício reconhecido nesta seara laboral, bem como das
parcelas de natureza salarial advindas das sentença que proferir, nos
termos do art. 832, § 3º da CLT, caso dos presentes autos.
Sem razão
Realmente, assiste razão ao recorrente acerca de suas
afirmações quanto ao que dispõe a Lei n. 11.457/2007.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
229
Porém, no caso dos autos não houve reconhecimento de
vínculo empregatício, nem tampouco pedido nesse sentido, restando
incontroverso o vínculo de empregado, conforme cópia da CTPS à
fl. 17. Logo, a competência desta Justiça se restringe as parcelas de
natureza salarial deferidas nesses autos.
Por essa, razão não modifico a decisão de primeiro grau
nesse aspecto.
Todavia, neste tópico, sou vencido pela douta maioria que
converge com os termos do voto do Exmº. Revisor, ao qual peço
vênia para transcrever, “in verbis”:
Divergente apenas quanto à competência da Justiça do
Trabalho para executar contribuições previdenciárias do
pacto laboral.
Ainda que seja o caso de contrato já formalizado,
com assinatura de CTPS, a Justiça do Trabalho detém
competência material para executar as contribuições
previdenciárias do pacto laboral, sejam das verbas já
pagas ou daquelas reconhecidas na sentença.
A reclamada sequer contestou especificamente o pedido
do reclamante para que houvesse recolhimento das
contribuições previdenciárias nos termos supra.
Assim, nesse ponto, dou provimento ao recurso obreiro
para reconhecer a competência da Justiça do Trabalho e
determinar que a reclamada comprove o recolhimento
previdenciário do pacto laboral, inclusive das verbas
reconhecidas na sentença, sob pena de execução.
2.2.2.3 DO DANO SOCIAL
Insurge-se o recorrente/reclamante contra a decisão que
indeferiu o seu pedido de dano social, ao argumento de que somente
o Ministério Público do Trabalho tem legitimidade para pleitear a
indenização pelo dano social.
Alega que tal indenização pode ser proposta pelo trabalhador,
individualmente, e que se pode haver a indenização em seu favor,
portanto, o mesmo é parte legítima para pleiteá-la.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
230
Por fim, alega que assim como a ação inibitória pode ser
proposta por particular, e não apenas pelo Ministério Público, pode o
empregado pleitear indenização por dano social.
Razão não lhe assiste.
A doutrina propõe a idéia do dano social como nova
modalidade de dano reparável entre nós, cumulável com o dano
material, o dano moral e o dano estético.
Segundo o entendimento doutrinário, o dano moral é
aquele que repercute socialmente, podendo gerar prejuízos de
ordem patrimonial ou imaterial aos membros da coletividade.
Há um rebaixamento moral, uma perda de qualidade de vida.
O dano social está caracterizado, por exemplo, nas condutas
socialmente reprováveis, que fazem mal ao coletivo, movidas
pelo intuito egoísta.
Partindo dessa premissa, de imediato, surge a seguinte
indagação: o dano moral coletivo é sinônimo do dano social? Segundo,
o entendimento doutrinário, a resposta é negativa, baseada nos
seguintes motivos:
O dano social também pode ser material, ou seja, também pode
repercutir patrimonialmente no âmbito da sociedade. Isso não ocorre
no dano moral coletivo, que repercute extrapatrimonialmente.
A título de exemplo, uma conduta socialmente reprovável
pode trazer danos patrimoniais a determinadas pessoas, ao mesmo
tempo em que diminui o nível de desenvolvimento da sociedade,
caso, por exemplo do posto de gasolina que explode por causa de um
cigarro ou das balas perdidas.
Da resposta, então, emerge uma outra indagação: o dano
social, se imaterial, confunde-se com o dano moral coletivo? Segundo
a doutrina, em certos pontos pode-se dizer que sim. Mas ressalta
que é interessante perceber que, enquanto no dano social a vítima
é a sociedade; o dano moral coletivo tem como vítimas titulares de
direitos individuais homogêneos, coletivos ou difusos. Se na prática
a diferença é de pouco valor, do ponto de vista da categorização
jurídica, há diferenças entre as construções.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
231
Com relação ao dano moral coletivo, já me manifestei
em outras ocasiões que por importar em dor psíquica somente
pode ser sofrido pela pessoa natural, faltando à coletividade,
ficção jurídica, atributos próprios da existência tais como honra,
intimidade e vida privada passíveis de serem violados e assim
acarretar prejuízo desta natureza.
Todavia, o que se discute nessa oportunidade é a legitimidade
para pleitear o dano social, gênero do dano moral coletivo ou
difuso.
Sobre a matéria, a Constituição Federal, em seu artigo 129,
inciso III, dispõe que são funções institucionais do Ministério Público
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do
patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses
difusos e coletivos.
A lei da ação civil (Lei nº 7.347/85), com as modificações
impostas pela Lei nº 8.884/94, estabeleceu expressamente a
possibilidade de reparação por danos morais a direitos difusos, ao
preceituar “in verbis”:
Art. 1º – Regem-se pelas disposições desta lei, sem
prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade
por danos morais e patrimoniais causados:
I – ao meio ambiente;
II – ao consumidor;
III – a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico,
turístico e paisagístico;
IV – a qualquer outro interesse difuso ou coletivo;
(grifei)
V – por infração da ordem econômica.
Diante do exposto, considerando que o dano social é aquele
que repercute socialmente, podendo gerar prejuízos de ordem
patrimonial ou imaterial aos membros da coletividade, somente esta,
por meio do Ministério Público, pode pleitear a indenização por dano
social que o autor ora propõe.
Desse modo, mantenho a sentença nesse tópico.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
232
2.2.2.4 DO VALE-CESTA
Insurge-se o recorrente contra o indeferimento do pedido
para pagamento dos vale-cestas.
Sustenta que ao contrário do fundamento do juízo de
primeiro grau, os documentos de fls. 180, 183 e 187 comprovam que
o recorrente não recebeu sua cesta básica, pois na primeira, estava
afastado pelo INSS, na segunda ocasião estava de férias e na terceira
de atestado médico. Além disso, a reclamada não comprovou que
entregou as cestas básicas no período de 09/2006 a 06/2007.
Assim, considerando que a reclamada não se desincumbiu do
ônus de provar que entregou as cestas básicas nos citados períodos,
requer a reforma da decisão, a fim de indenizá-lo nas cestas básicas
que não foram repassadas.
Não assiste razão ao reclamante nesse aspecto.
O acordo coletivo de trabalho, com vigência no período de
01/06/2005 a 31/05/2006, fls. 74/81, em sua cláusula 6ª prevê que
a empresa fornecerá aos trabalhadores uma cesta básica mensal com
os itens ali nominados. Em seu parágrafo único fez constar ressalva
de que a fornecimento da cesta básica fica restrita aos funcionários
como uma cesta prêmio, de acordo com os critérios da empresa.
Ora, se o reclamante, estava afastada pelo INSS e de
férias, nos meses de junho/2005 (fl. 180), agosto/2005 (fl. 183) e
janeiro/2006 (fl. 187), porque teria o direito de receber cesta básica,
a título de prêmio?
O acordo coletivo com vigência do período de 31/05/2006
à 31/05/2007 (fls. 82/88), em seu parágrafo 1º da cláusula sexta,
fl. 83, dispõe “A referida cesta não será concedida ao funcionário
no mês em que o mesmo estiver afastado pela previdência ou que
possuir faltas ou atestado médico.”
Os documento de fls. 122/147, comprovam que o reclamante
esteve afastado do trabalho no período de 22/08/2006 a 21/10/2008,
por motivo de “LICENÇA INSS ACIDENTE”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
233
Tal afastamento foi confirmado pelo reclamante em seu
depoimento pessoal: “que ficou afastado em duas oportunidades;
na primeira, de 11/07/2002 até 16/06/2005 e na segunda, de
24/08/2006 até os dias atuais.”, fl. 217
Desse modo, o reclamante também não faz jus as cestas
básicas do período de 09/2006 a 06/2007.
Portanto, de acordo com os argumentos acima expostos,
neste ponto, nego provimento ao recurso ordinário.
2.2.2.5 DAS HORAS EXTRAS E REFLEXOS
O recorrente se insurge quanto ao indeferimento das horas
extras e reflexos, com base nas seguintes razões:
Alega que por ocasião da impugnação dos cálculos,
demonstrou a existência de horas extras laboradas e não pagas, a
exemplo do ocorrido nos meses de agosto a novembro/2005. Requer,
portanto, indenização por tais horas.
Com relação as informações ABONO FALTA DE MARCAÇÃO,
FALTA DE MARCAÇÃO, COMPENSA DIA, afirma ser impossível o
recorrente ter esquecido de registrar o ponto tantas vez, até porque
é condição para entrada nas dependências da recorrida que o
funcionário registre o ponto.
Sustentou ainda que tais informações vem sendo inseridas
nos controles de frequências para prejudicar o recorrente em receber
as horas extras.
Quanto a troca de uniformes, alega que o magistrado
também se equivocou, sustentando que “o percurso do recorrente
da guarita até o vestiário – 30 metros -, tirar sua roupa e vestir
o seu uniforme, colocar seus EPI’s e fazer o mesmo percurso de
volta – 30 metros – para registrar o ponto, não pode ser feito em
apenas 05 minutos”.
Requer seja reformada a decisão, a fim de condenar a
reclamada a indenizar o recorrente pelo tempo gasto com troca de
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
234
vestimenta, “instalação” dos EPI’s, percurso de 30 metros e revista,
nos moldes pleiteados na inicial e comprovadas na instrução.
Razão não assiste ao recorrente.
O próprio reclamante afirmou “Que registrava corretamente
sua jornada em cartão de ponto; no entanto, em algumas
oportunidades, não batia o cartão de ponto, por a máquina estar
quebrada”, fl. 217.
Em seguida sustentou “Que em média deixava de bater o
cartão duas vezes por mês, no entanto, em uma oportunidade, a
máquina permaneceu quebrada por uma semana.”
Prosseguiu, asseverando “Que trabalhava domingos e
feriados sempre que era necessário lavar as caixas d’água, sendo
que nesses dias não registrava sua jornada em cartão de ponto; que
trabalhava entre um e dois domingos por mês; que durante todo
o tempo que trabalhou no setor de tratamento de água laborou
cerca de cinco feriados. Que não se recorda de ter registrado, por
exemplo, o trabalho ocorrido no domingo, dia 11/12/2005, como
resta especificado no documento de ponto de fl. 19.”, fl. 218.
Já a 1ª testemunha do reclamante, Sr. Silva Ribeiro de Souza,
aduz à fl. 220, “Que nesses dias em que o relógio ficou quebrado,
apesar da empresa consignar falta nos cartões de ponto, essas faltas
eram abonadas, não sofrendo qualquer desconto no seu salário.
Nos trechos dos depoimentos do reclamante e de suas
testemunhas, verifica-se contradição em suas afirmações e, ainda,
um certo lapso de memória por parte do reclamante, que sequer foi
capaz de se lembrar do registro do labor em dia de domingo, fl. 19.
Aliás, ressalte-se que o ponto em comum no depoimento
do reclamante e suas testemunhas é a afirmação de que sempre
registravam seus horários de entrada e saída no cartão de ponto
eletrônico, na chegada sempre antes de vestir o uniforme e na saída,
antes de entrar no banheiro para troca o uniforme.
Com relação ao tempo gasto na troca de uniforme,
conforme ressaltado pelo juízo de primeiro grau, os depoimentos das
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
235
testemunhas nos levam a concluir que, especialmente com relação
ao reclamante o tempo gasto era de 5 minutos, pois a demora nesse
procedimento se dava de acordo com o número de funcionários para
troca do uniforme e vistoria. Ocorre que como o reclamante deixava
a empresa em média às 10:00hs da manha e os demais funcionários
encerravam suas atividades entre 11:30 e 12:00 horas, por isso
igualmente como as duas testemunha da reclamada, gastava menos
tempo no vestiário e no procedimento de revista.
Assim, nos termos da súmula nº 366 do TST, não são
descontadas nem computadas como jornada extraordinária as
variações de horário do registro de ponto não excedentes de cinco
minutos, observando o limite máximo de 10 minutos diários,o seja,
a hipótese em questão.
Com relação ao registro “abono falta de marcação”
consignado no documento de fl. 103, o preposto informou que o
mesmo teria ocorrido porque o reclamante demorou em retornar
da licença do INSS. Verifico a verossimilhança em suas declarações
na medida em que tal abono teve início em 20/06/2005, fl. 102,
até 04/07/2005, fl. 103, sendo que nos cartões de ponto de folhas
90/102, consta que o reclamante esteve afastado pelo INSS. E
o próprio reclamante em seu depoimento pessoal confessou
tal afastamento, pois afirmou “que ficou afastado em duas
oportunidades; na primeira, de 11/07/2002 até 16/06/2005 e na
segunda, de 24/08/2006 até os dias atuais.”, fl. 217 (grifei).
Portanto, tenho que reconhecer que as horas registradas
nos cartões de ponto foram pagas pela reclamada.
2.2.2.6 DO ADICIONAL NOTURNO
Insurge-se o recorrente em face do indeferimento do pedido
de adicional noturno.
Sustenta que no mês de julho/2005 o controle de frequência
aponta que o recorrente laborou 11hs10min em horário que lhe
conferia o adicional noturno, entretanto, seu holerite referente
ao mesmo mês, demonstra que somente lhe foi pago o adicional
sobre 03hs63min, o mesmo aconteceu no mês novembro/2005 e
maio/2006, conforme tabela anexa.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
236
Com respeito aos demais meses, alega que o adicional
noturno foi pago parcialmente. A título de exemplo, cita que no mês
agosto/2005, lhe foi pago o valor de R$4,43 por R$12,73 de adicional,
quando lhe deveria ter sido pago a importância de R$28,92 por isso
foi apenas cobrada a diferença de R$24,49.
Requer a reforma da decisão, a fim de condenar a reclamada a
pagar a diferença existente na verba referente ao adicional noturno.
Improcedem as alegações do recorrente.
Cotejando as folhas de frequência com os comprovantes
de pagamentos, verifico que os adicionais noturnos foram pagos
corretamente, levando-se em conta a hora noturna reduzida, na
forma centesimal, que cada mês fechava dia 21 e, ainda, que não
houve insurgência com relação a base de cálculo do pagamento.
O exemplo de 11 hs e 10 min de adicionais do mês de
julho/2005, está totalmente equivocado.
No mês julho/2005, o reclamante trabalhou somente 3
dias em horário noturno (dias 11, 12 e 13), conforme cartão de
ponto de fl. 103, o que equivale a 3 adicionais (com alguns minutos
excedentes, os quais não são considerados em função da súmula
366 do TST) que multiplicados por 1 hora e 10 minutos corresponde
a 3,63 em horas centesimais. A reclamada, no contracheque
referente ao mês de 07/2005, fl. 158, pagou corretamente o total
de 3,63 adicionais noturnos.
No mês agosto/2005, o reclamante trabalhou 12 dias em
horário noturno (dias 25, 26, 27, 28, 29 e 30/07 e dias 08, 09, 10,
11, 12 e 12/08 ), conforme cartão de ponto de fl. 104, o que equivale
a 12 adicionais noturnos que multiplicados por uma 1 hora e 10
minutos corresponde a 12,73 em horas centesimais. No contracheque
referente a agosto/2005, fl. 159, o reclamado pagou corretamente a
quantia de 12,73 adicionais noturnos.
Igualmente fizemos a conferência dos meses de
novembro/05, onde foram pagos 19,72 adicionais, bem como do
mês de maio/06 onde foram pagos 21,40 adicionais, e constatamos
que os números de adicionais foram pagos corretamente.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
237
Talvez o recorrente tenha feito os seus cálculos considerando
o mês inteiro do dia 1º a 30, sem considerar que a folha de frequencia
do reclamado encerrava todo dia 21.
Portanto, improcedem as alegações do recorrente, razão
pela qual mantenho a sentença nesse tópico.
2.2.2.7 DO DESCUMPRIMENTO DOS ACT’S 2005/2006 E
2006/2007
Alega que houve descumprimento das cláusulas dos
acordos coletivos, que resultou em prejuízo ao recorrente e demais
empregados, consoante restou provado nos autos, portanto, a
reclamada deve ser condenada a pagar ao reclamante o valor das
multas, sendo desnecessária o cumprimento da cláusula 33, pois,
tal, condição ensejaria em violação a direito constitucional de livre
acesso ao judiciário.
Requer a reforma da sentença, a fim de condenar a recorrida
a pagar ao recorrente o valor das multas pelos descumprimentos dos
acordos de trabalho, vigência 2005/2006 e 2006/2007.
Mais uma vez o recorrente está sem razão.
Ora, se a cláusula 33ª do ACT, em seu parágrafo único, prévia
uma condição para o recebimento na multa pelo descumprimento dos
acordos e o reclamante não provou o implemento desta condição,
não há porque alegar que o indeferimento do pleito com base nesse
fundamento caracteriza violação a direito constitucional de livre
acesso ao judiciário.
Tal tese teria cabimento caso houvesse provado o implemento
da condição.
Por essa razão, mantenho a sentença.
2.2.2.8 DO DANO MORAL
Insurge-se o recorrente em face do indeferimento do pedido
de dano moral.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
238
Alega que o fato de ter sido impedido de desfrutar de seus
intervalos intrajornadas, não só é fato reprovável, como enseja em
dano moral, pois mesmo sentindo fome e necessitando de descanso,
era obrigado a continuar trabalhando, o que o deixava extremamente
abalado e humilhado.
Por esses motivos, requer a reformar da sentença para
condenar a recorrida a indenizar o recorrente pelos danos morais
que lhe foram causados durante o pacto laboral.
Improcedentes as alegações do recorrente.
O dano moral exige prova cabal e convincente da violação à
imagem, a honra, a liberdade, ao nome etc., ou seja, ao patrimônio
ideal do trabalhador.
De acordo com o artigo 186 do Código Civil quatro são os
pressupostos da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão,
culpa ou dolo, relação de causalidade e o dano experimentado pela
vítima.
Alegar simplesmente que a não concessão do intervalo
intrajornada lhe acarreta prejuízo moral, sem qualquer prova
do efetivo nexo causal, por si só não comporta reparação por
dano moral.
O não cumprimento pelo empregador quanto a regra do
art. 71 da CLT não pode ser considerado como um fator de culpa
por eventuais transtornos pessoais do empregado. Caso assim fosse,
todos os casos de não concessão dos intervalos intrajornadas, seriam
fatores geradores de indenizações por dano moral.
tópico.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso nesse
2.2.2.9 DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Socorre-se a recorrente ainda do presente recurso, para
ver incluída na sentença a condenação da reclamada em honorários
advocatícios.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
239
Sem razão a recorrente.
A condenação em honorários advocatícios na Justiça do
Trabalho somente é cabível quando a parte estiver assistida pelo
sindicato de sua categoria, bem como comprovar ou declarar
sua miserabilidade jurídica, conforme preceitua a súmula n. 219
do TST, in verbis:
219 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE
CABIMENTO (incorporada a Orientação Jurisprudencial
nº 27 da SBDI-2) - Res. 137/2005, DJ 22, 23 e
24.08.2005.
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento
de honorários advocatícios, nunca superiores a 15%
(quinze por cento), não decorre pura e simplesmente
da sucumbência, devendo a parte estar assistida por
sindicato da categoria profissional e comprovar a
percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo
ou encontrar-se em situação econômica que não lhe
permita demandar sem prejuízo do próprio sustento
ou da respectiva família. (ex-Súmula nº 219 - Res.
14/1985, DJ 26.09.1985).
Destaque-se que após a promulgação da CF/88, que prevê
em seu art. 133 a indispensabilidade do advogado à administração
da Justiça, o entendimento constante na súmula acima transcrita foi
ratificado pela de número 329 do TST, senão vejamos:
329 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133 DA
CF/1988 (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e
21.11.2003.
Mesmo após a promulgação da CF/1988, permanece
válido o entendimento consubstanciado no enunciado
nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.
Ademais, convém esclarecer que, com a ampliação da
competência desta Justiça Especializada pela Emenda Constitucional
nº 45/2004, o TST expediu a Instrução Normativa nº 27,
estabelecendo que nas demandas oriundas de pacto laboral os
honorários sucumbenciais são indevidos, senão veja-se:
INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 27 de 2005 do TST.
Dispõe sobre normas procedimentais aplicáveis ao
processo do trabalho em decorrência da ampliação
da competência da Justiça do Trabalho pela Emenda
Constitucional nº 45/2004.
(...)
Art. 5º - Exceto nas lides decorrentes da relação de
emprego, os honorários advocatícios são devidos pela
mera sucumbência.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
240
Portanto, considerando que o recorrente não está assistido
por sindicato, nego provimento ao recurso nesse aspecto.
2.3 CONCLUSÃO
Dessa forma, conheço de ambos os recursos. No mérito, negolhes provimento, porém, sou vencido quanto ao recurso obreiro, eis
que a douta maioria concede-lhe parcial provimento para reconhecer
a competência da Justiça do Trabalho e determinar que a reclamada
comprove o recolhimento previdenciário do pacto laboral, inclusive das
verbas reconhecidas na sentença, sob pena de execução, nos termos da
fundamentação supra.
3 DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade, conhecer
dos recursos ordinários interpostos. No mérito, à unanimidade,
negar provimento ao recurso patronal e, por maioria, dar parcial
provimento ao apelo obreiro, nos termos do voto do Relator, que
restou vencido somente quanto a competência da Justiça do Trabalho
para julgar o pedido de recolhimentos previdenciários devidos ao
longo do vínculo empregatício. Sessão de julgamento realizada no
dia 26 de junho de 2009.
Porto Velho-RO, 26/06/2009.
VULMAR DE ARAÚJO COÊLHO JUNIOR
DESEMBARGADOR RELATOR
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.221-238, jul./dez. 2009
241
PROCESSO:
CLASSE:
ÓRGÃO JULGADOR:
ORIGEM:
EMBARGANTE:
ADVOGADOS: EMBARGADO:
ADVOGADOS: RELATORA:
REVISORA:
01059.2008.002.14.00-7
EMBARGOS DECLARATÓRIOS EM RECURSO ORDINÁRIO
2ª TURMA
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO
DA 14ª REGIÃO
TRANSPORTE COLETIVO RIO MADEIRA LTDA. (RECLAMADA)
ÉDISON FERNANDO PIACENTINI E OUTRA
FERNANDO RODRIGUES DA SILVA (RECLAMANTE)
MARIA CLARA DO CARMO GÓES
DESEMBARGADORA SOCORRO MIRANDA
JUÍZA CONVOCADA ARLENE REGINA DO COUTO RAMOS
EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO
ALEGADA E PROVADA. EFEITO LEGAL
ADVINDO. Diante da presença de pelo menos
um requisito elencado pelo art. 535 do Código
de Processo Civil, mas sendo ele incapaz de
imprimir o implícito efeito modificativo para
a decisão embargada, à parte embargante
devem ser prestados os esclarecimentos
judiciais necessários à efetiva entrega da
prestação jurisdicional.
1 RELATÓRIO
Após a publicação do acórdão juntado às fls. 680-690, a
recorrente Transporte Coletivo Rio Madeira Ltda. opôs os embargos
declaratórios acostados às fls. 693-698, afirmando que tal decisão
é omissa porque, tendo majorado o valor condenatório original,
deixou de fixar-lhe o exato “[...] valor da condenação, de modo
a possibilitar o correto recolhimento das custas processuais”
(fl. 695). De igual modo, também buscou, com a finalidade de
prequestionamento, expressa manifestação deste Órgão Julgador,
com vistas a obter resposta para as indagações relacionadas com a
localização da região dolorosa (no ombro esquerdo ou na articulação
acrômio-clavicular); se houve uma mistura da normalidade da
coluna com a limitação análgica do ombro esquerdo; se o acórdão
considerou a alegada incongruência do laudo pericial, relacionada
com as manobras de Valsava e Lasegue; se o acórdão considerou
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
242
presente algum sinal de compressão radicular e, finalmente,
“[...] se a doença que o reclamante alega ter, não é tipicamente
degenerativa” (fl. 698).
Num singelo exame perfunctório, sem vislumbrar a
possibilidade de imprimir efeito modificativo aos mencionados
embargos declaratórios, mas apenas aqueles relacionados com
a prestação de esclarecimentos, esta Relatoria dispensou a
faculdade de intimar a parte adversária para se posicionar acerca
dessa medida recursal, em especial homenagem ao princípio da
celeridade processual.
2 FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
Diante do preenchimento dos requisitos legais de
admissibilidade, inclusive aquele relacionado com a tempestividade
(decisão publicada no dia 7 e apelo protocolado no dia 13 de
outubro de 2009, subsequente ao feriado nacional), conheço dos
embargos declaratórios.
2.2 MÉRITO
2.2.1 DA OMISSÃO ALUSIVA ÀS CUSTAS PROCESSUAIS
Afirma a empresa embargante que o acórdão
embargado é omisso porque, tendo majorado o valor
condenatório original, deixou de fixar-lhe o exato “[...] valor
da condenação, de modo a possibilitar o correto recolhimento
das custas processuais” (fl. 695).
Para dirimir a controvérsia, convém destacar que a
embargante parte da premissa de que sabe o valor das custas
processuais iniciais, inclusive porque já as recolheu na primeira
instância (fl. 617). O que ela busca, mediante os embargos ora
analisados, é a fixação do exato valor da condenação imposta
por esta segunda instância, com a finalidade de possibilitar o
correto recolhimento da diferença de tais custas processuais, fato
que, por si mesmo, é de deslinde singelo, tendo em vista que o
acórdão embargado expressamente fixou uma majoração mensal
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
243
de R$220,10 (duzentos e vinte reais e dez centavos), a partir
de cinco de abril de 2006, conforme se vê na fl. 689-verso dos
presentes autos.
Na verdade, um simples cálculo aritmético é suficiente
para fixar o montante da condenação, de abril de 2006 até o
mês de outubro de 2009, em R$9.244,20 (nove mil, duzentos e
quarenta e quatro reais e vinte centavos), o qual, nos limites do
art. 260 do Código de Processo Civil, deverá ser somado ao total
equivalente a doze novas prestações vincendas, para totalizar
R$11.885,40 (onze mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e
quarenta centavos). Logo, segundo a previsão constante no art.
789, §§ 1º e 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho, são fixadas
em R$237,70 (duzentos e trinta e sete reais e setenta centavos)
o valor das custas processuais remanescentes, majoradas nesta
instância secundária.
2.2.2 DO PREQUESTIONAMENTO
Acerca da alegada necessidade de prequestionar várias
situações fáticas, típicas da relação processual ora analisada,
melhor sorte não socorre à empresa embargante, conforme será
demonstrado, a seguir.
Inicialmente, indaga a insurgente se a região dolorosa
do obreiro está localizada no ombro esquerdo ou na articulação
acrômio-clavicular, e, mais adiante, pergunta se houve uma
mistura da normalidade da coluna com a limitação análgica desse
referido ombro esquerdo. Continuando nessa senda de “impugnar”
o laudo pericial, a embargante busca imprimir questões típicas de
aleivosias judiciais, tais como: se o acórdão considerou a alegada
incongruência do laudo pericial, relacionada com as manobras de
Valsava e Lasegue; se o acórdão considerou presente algum sinal
de compressão radicular e, finalmente, “[...] se a doença que o
reclamante alega ter, não é tipicamente degenerativa” (fl. 698).
No tocante a essa tentativa de inserir no
prequestionamento essas matérias que são típicas de
impugnação canhestra, intempestiva e trôpega, ao laudo
pericial apresentado, é conveniente que a embargante analise
com maior acuidade o conteúdo da decisão embargada, mais
precisamente essas fundamentações extraídas do voto da
Excelentíssima Juíza-Revisora:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
244
Delimitadas as insurgências autorais, a princípio,
conforme já consignado anteriormente, nota-se que o
Juízo de origem indeferiu a parcela em 0comento, eis que
não verificou a incapacitação definitiva para o trabalho,
considerando que, não obstante tenha o obreiro se
afastado do trabalho, em março/2006, em razão de
percepção de auxílio-doença acidentário, retornou ao
trabalho em janeiro/2009, com alta previdenciária,
‘aparentemente sem restrição funcional’.
Contudo, veja-se que aquele mesmo Juízo
condenou as reclamadas nos seguintes termos:
Como obrigação de fazer, condeno
as reclamadas a arcarem com as despesas
de tratamento médico (inclusive cirúrgico)
e fisioterápico e de medicamentos
necessários à recuperação do reclamante
ou amenização dos efeitos das doenças
funcionais registradas em decorrência do
labor, sob pena de multa de R$10.0000,00,
revertida para o trabalhador. (ipsis litteris;
sublinha-se; fl. 600).
Perceba-se, assim, que aquele Juízo,
ao deferir despesas a título de despesas
com tratamento médico, fisioterápico e com
remédios, registrou expressamente que o
deferimento nesse sentido se deu em razão da
necessidade de recuperação do reclamante
ou amenização dos efeitos das doenças
funcionais registradas em decorrência do
labor, como dantes transcrito. Ora, se assim
entendeu, é porque bem sabe que o autor
voltou a laborar, mas, seguramente, não
com a sua capacidade laboral íntegra.
Nesse aspecto, não obstante o
laudo pericial não seja concludente acerca
da mensuração da perda da capacidade
laboral do autor, haja vista que aponta que
‘Deve ser reavaliada sua capacidade laboral
atual (fl. 391)’, consignou o seguinte em
suas conclusões:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
245
- Capacidade Laboral – Alta
Previdenciária pelo INSS em janeiro –
recente, deve ser avaliada pela Reclamada a
capacidade laboral do Reclamante, restrições
existem e deve ser reabilitado a outra
função. Existe perda da capacidade laboral
devido a doença crônica degenerativa:
não trabalhar por longas horas, não dirigir
veículos, ao menos profissionalmente (ipsis
litteris, sublinha-se; fl. 390).
Visto isso, consoante já se deixou
evidenciado em tópico anterior, não
pairam dúvidas de que, no mínimo, o
quadro mórbido autoral foi agravado por
culpa das reclamadas, o que caracteriza o
dever de indenizar.
Nesse caminhar, ante a conclusão
anteriormente transcrita, acerca da redução
da capacidade laborativa autoral, dúvidas
inexistem quanto a sua existência, embora
a perícia não tenha fornecido elementos
para a mensuração.
No particular, o Professor Sebastião
Geraldo de Oliveira, in Indenizações por
Acidente do Trabalho ou Doença ocupacional,
2ª edição, LTr, 2ª edição, p. 277, traz lição
que revela bastante pertinência quanto ao
que se vem abordando no item ora tratado,
consoante segue:
Cabe ao perito oficial ‘avaliar em cada
caso a repercussão do prejuízo funcional
na execução das operações e atividades
implicadas na função’, bem como avaliar
qualitativa e quantitativamente o dano
causado no patrimônio físico e psíquico –
um dos elementos que servem de base
para o arbitramento da indenização’. Ainda
que o acidentado permaneça no emprego,
exercendo a mesma função, é cabível o
deferimento da indenização porquanto
‘mesmo se o trabalho desempenhado não
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
246
sofrer, na prática, diminuição na qualidade e
intensidade, o dano precisa ser ressarcido,
eis que a limitação para as atividades
humanas é inconteste’. Talvez continue no
mesmo trabalho, mas é viável que resulte a
impossibilidade para a admissão em outro
que propicie igual padrão de rendimentos.
Visto isso, o que se extrai é que, ainda
que o obreiro volte a trabalhar, até mesmo
em igual função, a moléstia já instalada
ou agravada por culpa das reclamadas,
autoriza a concessão de pensão, eis que
a limitação na sua capacidade laborativa
decorrente das enfermidades sofridas é
palpável, real, induvidosa. Tenha-se em
vista que a verba em epígrafe encontra
fundamento no art. 950 do Código Civil,
que conta com a seguinte redação:
Art. 950. Se da ofensa resultar
defeito pelo qual o ofendido não possa
exercer o seu ofício ou profissão, ou se
lhe diminua a capacidade de trabalho,
a indenização, além das despesas do
tratamento e lucros cessantes até ao
fim da convalescença, incluirá pensão
correspondente à importância do trabalho
para que se inabilitou, ou da depreciação
que ele sofreu.
[…]
Necessário se faz salientar que o
que se busca com a pensão é substituir o
rendimento que o obreiro, vitimado por
conta de acidente do trabalho, percebia
mensalmente por um valor equivalente,
proporcional ao percentual de invalidez
permanente parcial. Não obstante isso,
tenha-se em conta que a pensão constituise em uma das modalidades indenizatórias
que encontra seu fundamento na perda ou
diminuição da capacidade laborativa em
razão de acidente de trabalho, repita-se, por
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
247
força do art. 950 do Código Civil, ao passo que
salário perfaz-se em contrapartida em razão
de trabalho prestado pelo obreiro. Ou seja,
pensão e salário encontram seus respectivos
fundamentos em bases totalmente diversas,
pelo que não se confundem entre si.
Assim, nada impede que o autor
perceba pensão e, ainda, salário; aquela
em razão do dano já instalado e esse em
razão do labor despendido em decorrência
do seu retorno ao trabalho.
Na seara da responsabilidade civil,
a incapacidade deve ser analisada tendo
por referência a profissão da vítima.
Infelizmente, conforme apontado em
linhas pretéritas, nos autos em exame,
embora o citado laudo de fls. 373/391
tenha deixado explícita a existência de
perda parcial da capacidade laborativa (fl.
390), não promoveu a sua mensuração.
Contudo, essa matéria tem regulamentação
pormenorizada no campo dos benefícios
previdenciários, que bastante auxiliam no
arbitramento da pensão.
Em conformidade com o art. 104 do
Decreto n. 3048/99, quando o infortúnio
causa seqüelas que impliquem redução
da capacidade para o trabalho habitual da
vítima, o auxílio-acidente deve corresponder
a 50% (cinqüenta por cento) do salário-debenefício. No que se refere ao auxílio-doença,
certo é que o mesmo deve ser calculado de
acordo com o art. 39, I, do citado Decreto,
que prevê a sua fixação em 91% (noventa e
um por cento) do salário-benefício.
Seguramente, as tabelas constantes
do citado Decreto n. 3048/99 traz
relevantes subsídios para o enquadramento
da incapacidade parcial, porém, o exame
da questão sob a ótica da responsabilidade
civil leva em conta outros fatores, eis
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
248
que o seu objetivo é a reparação total
do prejuízo, em respeito ao princípio do
restitutio in integrum.
Sendo assim, a decisão judicial
deverá considerar a realidade que envolve o
caso, as circunstâncias e singularidades em
torno da pessoa do vitimado. Na situação
em apreço, é preciso que se veja que o
acidentado, como já se disse, portador
de deficiência parcial da sua capacidade
laborativa, em busca de emprego ou de
atividade rentável na sua área de atuação
profissional, em um mercado de trabalho
cada vez mais competitivo, ressaltandose que até aqueles que se encontram com
sua saúde íntegra encontram obstáculos
para obter uma colocação no mencionado
mercado de trabalho. A avaliação, portanto,
da incapacidade deve ser feita tendo em
vista as especificidades do caso, tais como:
idade da vítima, situação do mercado de
trabalho, rendimento útil no trabalho, nível
de instrução, segurança e risco na prestação
do serviço, etc. (fls. 684-verso a 686).
Mais adiante, na parte do voto da Excelentíssima
Desembargadora Elana Cardoso, consta o seguinte:
Assim, considerando que o reclamante
recebeu alta do instituto previdenciário em
17-2-2009, tendo retornado ao serviço com
redução de sua capacidade laboral, fixase em 20% (vinte por cento) o percentual
que deverá incidir sobre o referido valor de
R$1.100,53 (um mil, cem reais e cinquenta
e três centavos), para efeito de cálculo da
pensão vitalícia.
Diante disso, defiro ao reclamante
o valor mensal de R$220,10, a título de
pensionamento, a partir de 5-4-2006, data
em que houve a concessão de benefício,
fls. 311, onde se registrou a constatação
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
249
de incapacidade laborativa autoral, até o
momento em que o reclamante recuperar
a plena capacidade para o trabalho, sendo
que se até o trânsito em julgado desta
sentença, não restar comprovado o pleno
restabelecimento do obreiro, as reclamadas
pagarão o valor vencido de uma só vez,
consoante dispõe o art. 950 do Código
Civil, e continuarão a pagar os valores do
pensionamento subsequentes.
Deverão ser pagas 13 parcelas
anuais, em face da inclusão do 13º salário,
este a ser pago no mês de dezembro de
cada ano.
Registro que, na hipótese de mudança
no estado de fato, com a recuperação
total e inesperada da vítima ou com o
agravamento do seu quadro, tais situações
podem ensejar o ajuizamento da ação
revisional por qualquer das partes (fl. 686verso).
Portanto, não resta qualquer dúvida de que a
matéria relacionada com o “dano material, a sua reparação,
pensionamento e forma de pagamento” foi conveniente e
totalmente analisada por este Órgão Julgador, que entendeu ter
ocorrido acidente de trabalho, com a perda parcial da capacidade
funcional do obreiro, fundamento pelo qual a tentativa de
“prequestionar” o laudo pericial, usando essa forma esdrúxula,
não encontra guarida na legislação, na doutrina e muito menos
na jurisprudência. Ressalte-se, inclusive, que esta é bastante
contundente ao tratar do tema ora enfocado, segundo se vê nos
arestos a seguir transcritos:
Embargos de declaração. Contradição. Se o
acórdão já examinou os temas honorários
periciais e hora noturna reduzida não
houve omissão. O acórdão explica o tema
e não afirma algo e ao mesmo tempo o
nega. Não há, portanto, contradição. Em
embargos de declaração o juiz não tem
obrigação de ficar respondendo quesitos ou
questionário da parte. Quesitos, inclusive,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
250
devem ser feitos ao perito. O juiz não tem
obrigação de ficar explicando questões
já analisadas no acórdão, em função de
quesitos apresentados pela parte, muito
menos de exemplificar o que é salário
complessivo, mas decidir a matéria, o que
já foi feito. Acórdão não representa aula
para responder perguntas e exemplificar
as respostas. A matéria já foi analisada
no acórdão, além do que não foi objeto
de prequestionamento no recurso. Tratase de posquestionamento, pois não foi
apresentada no apelo do reclamante (TRT
2ª Região n. 02990125080/1999. Relator:
Sérgio Pinto Martins. Data do julgamento:
14-3-2000, 3ª Turma. Data da publicação
no DOESP: 28-3-2000).
[…] AJUDA-ALIMENTAÇÃO. ENUNCIADO Nº
113 DO TST. TEMAS NÃO PREQUESTIONADOS
OPORTUNAMENTE. Para configurar-se o
prequestionamento é necessário que o
tema objeto do recurso de revista tenha
sido formulado oportunamente, no caso,
por ocasião do recurso ordinário, e não
examinado na decisão recorrida, resultando
na exigência de interposição de embargos
declaratórios, a que se refere o Enunciado
nº 297 da Súmula de Jurisprudência
Uniforme do Tribunal Superior do Trabalho.
Recurso de revista não conhecido. […]
(TST-RR n. 424514/1998. Relator: Juiz
Convocado Décio Sebastião Daidone. Data
do julgamento: 6-8-2003, 2ª Turma. Data
do julgamento no DJU: 22-8-2003).
Prequestionamento. Não existe omissão.
O prequestionamento é exigido quando há
omissão no acórdão capaz de inviabilizar a
remessa do debate à instância extraordinária
(TRT 2ª Região n. 02444.2005.039.02.00-0.
Relatora: Silvia Regina Pondé Galvão
Devonald. Data do julgamento: 18-8-2009,
3ª Turma. Data da publicação no DOES:
1º-9-2009).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
251
Embargos de declaração. Manifestação de
inconformismo. Equívoco já renitente e
crônico nesta justiça especializada, em que
a parte se vale dos embargos de declaração
para, a pretexto de preqüestionamento, ou
de omissões, questionar o julgado, para
manifestar irresignação, inconformismo,
para acusar, na verdade, error in
judicando, e não, tecnicamente, omissão,
obscuridade ou contradição (TRT 2ª Região
n.
01272.2006.022.02.00-7.
Redator
Designado Des. Eduardo de Azevedo Silva.
Data do julgamento: 14-7-2009. 11ª
Turma. Data da publicação no DOESP: 287-2009).
Diante do conteúdo da jurisprudência transcrita acima,
convém à parte interessada dirigir o seu inconformismo para a
instância recursal superior, sob pena de, doravante, as suas ações
encontrarem tipificação no conteúdo do art. 17, incisos I, III, IV e
V, do Código de Processo Civil, com a cominação ali prevista.
2.3 CONCLUSÃO
DESSA FORMA, conheço dos embargos declaratórios. No
mérito, dou-lhes parcial provimento, a fim de fixar o valor das
custas processuais remanescentes em R$237,70 (duzentos e trinta
e sete reais e setenta centavos), e manter íntegros os demais
termos do acórdão embargado, por seus próprios fundamentos.
3 DECISÃO
Acordam os Magistrados integrantes da 2ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade,
conhecer dos embargos declaratórios. No mérito, dar-lhes parcial
provimento, nos termos do voto da Desembargadora-Relatora.
Sessão de julgamento realizada no dia 5 de novembro de 2009.
Porto Velho (RO), 5 de novembro de 2009.
socorro miranda
desembargadorA-RELATORA
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.239-249, jul./dez. 2009
252
253
PROCESSO:
classe:
órgão julgador:
origem:
RECORRENTE(S):
Advogado(s):
RECORRIDO(S):
Advogado(s):
RELATORA:
REVISOR:
00658.2008.141.14.00-4
Recurso Ordinário
1ª TURMA
VARA DO TRABALHO DE VILHENA - RO
JBS S/A
Sandro Ricardo Salonski Martins E
Outro
ESPÓLIO DE JOSÉ APARECIDO SANTOS
DOS ANJOS, REPRESENTADO POR JUDITE
MARIA DOS ANJOS
Jacyr Rosa Junior E Outro
DESEMBARGADORA ELANA CARDOSO
lopes
JUIZ CONVOCADO SHIKOU SADAHIRO
DANOS MORAIS. A responsabilidade
objetiva é a que o caso concreto se
amolda, dispensando o autor do ônus
de comprovar a culpa da empresa, pois
aqui o dever de reparar o dano surge
da constatação de que a empresa
desenvolve atividade econômica que
oferece alto risco ao trabalhador
(atividade mercantil de abate de reses e
industrialização de carnes e segundo a
NR-4, essa empresa classifica-se com o
grau de risco 3, numa escala crescente
de risco de 1 a 4), e, no que concerne
à atividade do autor (serviços gerais –
limpeza de trilhos por onde as carcaças
bovinas são movimentadas) o risco
é plenamente verificado na forma da
prestação dos serviços. Apesar disso,
é certo que no caso concreto sequer
haveria a necessidade de se aplicar a
responsabilidade objetiva, pois a culpa
da reclamada restou comprovada à
exaustão. Recurso improvido.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
254
1 RELATÓRIO
Irresignada, a reclamada recorre da decisão de fls.
575/602, mediante a qual foram rejeitadas as preliminares de
incompetência da Justiça do Trabalho em razão da matéria e
ilegitimidade ativa suscitadas pela reclamada; extinguiu sem
resolução de mérito o pedido no tocante à liberação de “seguro de
vida em grupo” (pleito encartado no item ‘6’ do rol de fls. 27/28);
e, no mérito, julgou procedentes em parte os pedidos formulados
pelo Espólio de José Aparecidos dos Anjos, representado por
Judite Maria dos Anjos, condenando a reclamada a pagar as
seguintes verbas: (a) Indenização por danos morais no valor
de R$ 89.600,00 (oitenta e nove mil e seiscentos reais); (b)
Indenização por danos materiais, consistente em pensão mensal
vitalícia em favor da senhora Judite Maria dos Anjos, no importe
de R$ 300,00 (trezentos reais) mensais, incluindo a parcela
correspondente ao 13º salário; (c) Multa por litigância de má-fé,
no importe de R$5.454,29 (cinco mil, quatrocentos e cinquenta e
quatro reais e vinte e nove centavos), equivalente a 1% (um por
cento) do valor da causa (artigo 18 do CPC). Deferiu-se a liberação
do FGTS depositado na conta vinculada do “de cujus” em favor
da representante do Espólio reclamante, a avó Judite Maria dos
Anjos, com arrimo no artigo 20, IV, da Lei nº 8.036/90. Definiuse, ainda, que a pensão poderá ser paga mediante inclusão da
reclamante em folha de pagamento da reclamada, considerada
a sua notória capacidade econômica, ou, a requerimento do
devedor, por fiança bancária ou garantia real, em valor a ser
arbitrado em execução; ou constituindo-se capital.
Em suas razões a reclamada sustenta que esta Especializada
não é competente para o julgamento da causa em razão do que
dispõe a Súmula 366 do STJ, eis que não existiria relação de
trabalho entre os sujeitos processuais, pois quem mantinha relação
de trabalho com a empresa era o Senhor José Aparecido dos Anjos,
falecido, sendo a competência da Justiça Estadual da Comarca de
Vilhena/RO. Sustenta, ainda, preliminarmente, a ilegitimidade
ativa “ad causam”, pois a avó do falecido não seria a titular do
direito pretendido, sendo que a genitora do “de cujus” era quem
teria tal legitimidade. Assevera que a reclamatória deveria ter sido
arquivada, pois a reclamante não compareceu à audiência na qual
deveria ter prestado depoimento. No mérito, alega a existência
de culpa exclusiva da vítima pois na ocasião do acidente a vítima
estava sem o cinto de segurança, sendo que era reincidente em
não utilizar o equipamento de segurança. Pugna, também, caso
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
255
não reconhecida a culpa exclusiva da vítima, seja considerada a
culpa concorrente. Em relação ao pensionamento da avó do “de
cujus” sustenta que tanto a requerente (avó do falecido) quanto o
seu esposo são beneficiados por aposentadoria cada um com um
salário mínimo; que moram em casa própria, que ela conta com
74 anos e seu esposo com 83 anos; que não existiria prova de que
o neto (falecido) contribuísse com o sustento dos avós. Também
sustenta que não merece prosperar a argumentação do juízo de
que é mais de 12 (doze) anos a expectativa do brasileiro em relação
à idade da recorrida, citando o site do IBGE donde constaria que a
expectativa de vida do brasileiro é de 71,3 anos, pelo que requer
a improcedência do pensionamento. Por fim, requer a exclusão da
sua condenação em litigância de má-fé.
Contrarrazões da parte autora, pugnando pela manutenção
da sentença.
2 FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
recurso.
Preenchidos os pressupostos legais, conhece-de do
2.2 DAS PRELIMINARES
2.2.1 DA ALEGADA INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO
TRABALHO PARA O JULGAMENTO DA CAUSA
A reclamada alegou que em razão da Súmula 366 do STJ
dispor que “Compete à Justiça estadual processar e julgar ação
indenizatória proposta por viúva e filhos de empregado falecido
em acidente de trabalho” esta Justiça Especializada não seria a
competente para o julgamento do feito.
Sem razão a recorrente.
O Supremo Tribunal Federal julgou no último dia 03 de
junho, ou seja, posteriormente à edição da Súmula em comento,
o Conflito de competência nº 7.545, cuja decisão foi publicada
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
256
no DJE do dia 14/08/2009, tendo decidido, por unanimidade, nos
termos do voto do relator ministro Eros Grau, que a competência
para julgar os pedidos de indenização decorrentes de acidente do
trabalho fatal formulados por dependentes da vítima (cônjuges,
filhos ou outros dependentes) é da Justiça do Trabalho, “verbis”:
EMENTA:
CONFLITO
DE
COMPETÊNCIA.
CONSTITUCIONAL. JUÍZO ESTADUAL DE PRIMEIRA
INSTÂNCIA E TRIBUNAL SUPERIOR. COMPETÊNCIA
ORIGINÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
PARA SOLUÇÃO DO CONFLITO. ART. 102, I, “O”, DA
CB/88. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA DO TRABALHO.
COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DA AÇÃO DE
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS
DECORRENTES DE ACIDENTE DO TRABALHO
PROPOSTA PELOS SUCESSORES DO EMPREGADO
FALECIDO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA LABORAL.
(grifos nossos)
1. Compete ao Supremo Tribunal Federal dirimir
o conflito de competência entre Juízo Estadual de
primeira instância e Tribunal Superior, nos termos do
disposto no art. 102, I, “o”, da Constituição do Brasil.
Precedente [CC n. 7.027, Relator o Ministro CELSO DE
MELLO, DJ de 1.9.95]
2. A competência para julgar ações de indenização
por danos morais e materiais decorrentes de acidente
de trabalho, após a edição da EC 45/04, é da Justiça
do Trabalho. Precedentes [CC n. 7.204, Relator o
Ministro CARLOS BRITTO, DJ de 9.12.05 e AgR-RE n.
509.352, Relator o Ministro MENEZES DIREITO, DJe
de 1º.8.08].
3. O ajuizamento da ação de indenização pelos
sucessores não altera a competência da Justiça
especializada. A transferência do direito patrimonial
em decorrência do óbito do empregado é irrelevante.
Precedentes. [ED-RE n. 509.353, Relator o Ministro
SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 17.8.07; ED-RE n.
482.797, Relator o Ministro RICARDO LEWANDOWSKI,
DJe de 27.6.08 e ED-RE n. 541.755, Relator o Ministro
CÉZAR PELUSO, DJ de 7.3.08]. (grifos nossos)
Conflito negativo de competência conhecido para
declarar a competência da Justiça do Trabalho.
Assim, considerando que já há o pronunciamento da
Suprema Corte, intérprete máximo da Constituição Federal,
após a edição da súmula mencionada pela recorrente, em
que o entendimento é de que se mantém com a Justiça do
Trabalho a competência para o julgamento da matéria, decide-
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
257
se confirmar a sentença que rejeitou a preliminar. A propósito,
apenas para registro, informa-se que a Associação Nacional dos
Magistrados da Justiça do Trabalho – ANAMATRA, já protocolou
no último dia 25 de maio no Superior Tribunal de Justiça (STJ)
requerimento para revogação da aludida Súmula.
Por todo o exposto, rejeita-se a preliminar, mantendose a decisão, no aspecto.
2.2.2 DA PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA “AD
CAUSAM”
O recorrente sustenta que a avó do “de cujus” não
seria parte legítima para pleitear a indenização em decorrência
do acidente de trabalho ocorrido, pois a legitimada seria a mãe
do trabalhador vitimado, pois a avó teria dito em depoimento
que “não vê a mãe do ‘de cujus’ desde que ela desapareceu,
quando José Aparecido tinha uns quatro anos,”, portanto, não
haveria prova de que a mãe não estaria viva.
O dano extrapatrimonial pode ser sofrido não apenas
pela pessoa que sofre diretamente as conseqüências do ato
ilícito, mas também pelo terceiro que é indiretamente atingido
na sua seara mais íntima, em específico, quando ocorre a morte
da vítima. Trata-se, pois, daquilo que a doutrina convencionou
chamar de dano reflexo ou em ricochete.
A avó do “de cujus” sustenta que foi ela quem o
criou desde que foi abandonado pela mãe, possuindo ligação
muito próxima a ele, pelo que, em tese, é passível de sofrer
o mencionado dano reflexo ou em ricochete, pelo que não há
nenhuma plausibilidade na pretensão da recorrente em querer
extinguir o presente feito, por ausência de legitimidade “ad
causam” ativa da avó do trabalhador morto em razão acidente
de trabalho.
O fato da mãe do reclamante possuir legitimidade não
exclui a legitimidade da avó, pelo que rejeita-se a preliminar em
exame, mantendo-se a sentença que assim decidiu, também
no aspecto.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
258
2.2.3 DO NÃO COMPARECIMENTO DA PARTE AUTORA
NA AUDIÊNCIA EM QUE DEVERIA PRESTAR DEPOIMENTO
Alega a reclamada que a parte autora não compareceu
à audiência em que deveria ter prestado o seu depoimento
pessoal, pelo que o processo deveria ter sido arquivado na
forma do artigo 844 da CLT.
Sem razão.
Quanto a tal matéria, tem-se que o juízo de origem afastou
tal alegação. E não poderia ser diferente, uma vez que o reclamante
que à época figurava no pólo ativo dos autos compareceu à audiência
inaugural (fl. 75) em que foi contestada a ação, não havendo falar em
arquivamento da reclamatória.
Transcreve-se trecho da fundamentação do juízo de origem
(fls. 235/8) em que analisou a questão:
[…]
É bem verdade que a presença do Autor para prestar
o depoimento pessoal, é imprescindível. Todavia,
considerando a fase em que se encontra os autos, onde
não foi tomado o depoimento de nenhuma das partes, e
tendo em vista, ainda, que na audiência esteve presente
o Sr. Argemiro José dos Santos, que assinou a ata de
audiência (fl. 75), não há como acolher o pedido da
Reclamada para arquivamento da ação, porque até aquele
momento, quem figurava do pólo era o Sr. Argemiro e
ainda o é, considerando que o Juízo não se pronunciou
pelo requerimento de retificação do pólo ativo.
Assim, indefiro o requerimento para arquivamento do
feito, na forma do art. 844, da CLT, e determino:
a)- A retificação do pólo ativo para constar: Espólio de
José Aparecido dos Anjos, representado por Judite Maria
dos Anjos, em deferimento ao pedido oralmente efetivado
pela parte Autora à fl. 75;
[…]
A matéria já se encontra pacificada por meio da Súmula nº
09 do TST, “verbis”:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
259
AUSÊNCIA DO RECLAMANTE. A ausência do
reclamante, quando adiada a instrução após
contestada a ação em audiência, não importa
arquivamento do processo.
Por todo o exposto, rejeita-se tal preliminar, mantendo-se a
decisão, também no aspecto.
2.2 MÉRITO
2.2.1 DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA
A chamada teoria do risco, adotada pelo parágrafo único do
artigo 927 do CCB, nos casos de exercício de atividade periculosa,
consagra o princípio da responsabilidade objetiva, “verbis”: “Haverá
obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos
casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem”. A inovação trazida pelo CCB mereceu
aplauso e, nas palavras do Professor Silvio Rodrigues in Direito
Civil. - São Paulo: Saraiva 2002, p. 162: ”representa um passo
à frente na legislação sobre responsabilidade civil, pois abre uma
porta para ampliar os casos de responsabilidade civil, confiando
ao prudente arbítrio do Poder Judiciário o exame do caso concreto,
para decidi-lo não só de acordo com o direito estrito, mas também,
indiretamente, por eqüidade.”
“In casu” a responsabilidade objetiva é a que o caso
concreto se amolda, dispensando o autor do ônus de comprovar a
culpa da empresa, pois aqui o dever de reparar o dano surge da
constatação de que a empresa desenvolve atividade econômica
que oferece alto risco ao trabalhador (atividade mercantil de abate
de reses e industrialização de carnes e segundo a NR-4, essa
empresa classifica-se com o grau de risco 3, numa escala crescente
de risco de 1 a 4 – fl. 430), e, no que concerne à atividade do autor
(serviços gerais – limpeza de trilhos por onde as carcaças bovinas
são movimentadas) o risco é plenamente verificado na forma da
prestação dos serviços:
[…] através de cadeira suspensa presa aos trilhos
fixados na parte superior da câmara de resfriamento.
A tarefa consistia em realizar limpeza dos trilhos
nas câmaras de resfriamento; primeiramente
o trabalhador passava querosene nos trilhos e
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
260
posteriormente óleo desengraxante, com objetivo
que as carcaças deslizassem mais facilmente pelos
trilhos até os setores de desossa...na câmara de
resfriamento existem vários trilhos, mas precisamente
na CR-05, onde ocorreu o acidente, existem 09 (nove)
trilhos (planta anexa), que são interligados através
de chaves conectoras” (fl. 432). “Essa operação era
realizada com o uso de uma cadeira de aço inox presa
aos trilhos. Dos trilhos até a superfície a altura é de
aproximadamente 4 (quatro) metros,” exigindo do
trabalhador que executasse essa tarefa “com o cinto
de segurança atrelado no próprio trilho, sendo que em
intervalos equidistantes aproximadamente de 1 (um)
metro, era necessário o desengate do cinto e a fixação
noutro ponto. (fl. 431). (grifos nossos).
Conforme consta dos autos, o trabalhador caiu da altura
de 4 (quatro) metros quando realizava a limpeza dos trilhos,
sofrendo traumatismo cranioencefálico (fl. 436) o que acabou por
causar a sua morte.
Assim, o tipo de trabalho a que era submetido o empregado
criava risco constante de acidentes, pelo que tendo acontecido o
infortúnio, a empresa deve reparar, mesmo se agir sem culpa.
A jurisprudência deste Regional corrobora tal raciocínio,
eis que já se pronunciou sobre a questão:
RESPONSABILIDADE OBJETIVA. Restando manifesto
nos autos que a atividade desempenhada pelo obreiro
implica, por si só, constante exposição a perigo de
eventuais acidentes, revela-se oportuna a atração,
ao contexto, da norma dispensada no parágrafo
único do art. 927 do CCB que, ao proclamar a
responsabilidade objetiva incidente nesse particular,
prescinde o acolhimento do pleito indenizatório da
prova de conduta culposa do empregador. (Processo:
00615.2006.111.14.00-5, Julgamento: 13.03.2007,
1ª Turma, Relatora: Juíza Vania Maria da Rocha
Abensur)
Assim, considerando que o trabalhador desenvolvia
atividade de risco, sofrendo acidente de trabalho, o dano causado
deve ser reparado pela empresa independentemente desta ter agido
ou não com culpa, devendo arcar com os danos causados. Apesar
dessas considerações, é certo que no caso concreto sequer haveria
a necessidade de se aplicar a responsabilidade objetiva, pois a
culpa da reclamada restou comprovada à exaustão. Vejamos.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
261
Disse o perito, fl. 436, que inexistia ordem de serviço
para a atividade; faltou treinamento sobre normas de segurança;
faltou procedimentos formais de segurança; o ambiente era
fatigante (ruidoso e frio); o trabalhador não tinha experiência para
desempenhar a função; o modo operacional era inadequado (várias
mudanças na fixação do cinto), enfim, a empresa contribuiu com o
acidente, na medida em que não tomou medidas de segurança do
trabalho, conforme se inferiu da perícia realizada.
Perguntado ao perito se a reclamada ministrava palestras
e cursos informativos para que seus empregados soubessem
exercer suas funções, respondeu: “A empresa não apresentou
nenhum comprovante de instrução de trabalho ou de treinamento/
capacitação sobre os riscos aos quais o obreiro estaria exposto.
Os documentos juntados aos autos, não permitem afirmar que a
empresa realize treinamento admissional” e perguntado se a vítima
havia recebido treinamento para trabalhar na cadeira suspensa,
respondeu: “A empresa não apresentou nenhum comprovante de
instrução em termos gerais, tampouco, treinamento específico
com a cadeira.”
Indagado a respeito do programa “ANJO”, respondeu:
“o Programa Anjo foi iniciado em maio de 2008 com término
em dezembro de 2008, ou seja, dois meses após o acidente.
Entretanto, o referido programa não deve ser considerado como
treinamento e/ou conscientização dos riscos ocupacionais, por se
tratar de questões genéricas das diversas funções que existem
neste tipo de empreendimento” (fl. 454). (grifos nossos).
Assim, seja pela aplicação da responsabilidade objetiva
ou ainda que se entendesse pela responsabilidade subjetiva, o
certo é que no caso concreto, não há como a empresa se eximir
da responsabilidade pelo acidente de trabalho em análise ante as
provas produzidas que amparam a tese da parte autora.
2.3.2. DA CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA
Não há falar em culpa exclusiva da vítima, pois em que
pese tenha restado demonstrado que o fato de o trabalhador não ter
fechado a chave conectora e não estar usando cinto de segurança
promoveu a queda do mesmo, tal procedimento é justificado
primeiro pela falta de treinamento e segundo pelo deficiente modo
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
262
operacional que a empresa submetia os seus trabalhadores no
desempenho dessa atividade. Vejamos.
No que concerne ao modo operacional, a própria
testemunha da empresa, demonstrou isso em seu depoimento (fl.
500) ao falar da atual cadeira disse: “a diferença entre a cadeira da
época do acidente e aquela que consta na fotografia de fl. 150 é o
material (o anterior era galvanizado, impróprio para estar dentro das
câmaras com a carne, o atual é de aço inox) também a atual tem
um compartimento para colocar o material de limpeza e ficar mais
fácil; o aço galvanizado é impróprio para estar na câmara com a
carne porque acarretava problemas no alimento;” (grifos nossos).
Observe-se que na perícia foi constatado que a “empresa
alegou que após o acidente ocorrido com o Sr. José Aparecido
Santos dos Anjos, o modo operacional fora substituído por
andaimes, não sendo apresentado a ‘tal cadeira’ durante a
perícia. No entanto, consta nos autos (fls. 156 e 157) a cadeira
utilizada para limpeza dos trilhos”.
Constata-se, ainda, que a empresa, embora seja uma
gigante no seu setor em termos de faturamento, descuida
no tocante à adoção de medidas efetivas para o combate a
acidentes de trabalho. Ressalte-se que o trabalhador, antes do
acidente fatal, já havia sofrido outro acidente com a “tal cadeira”,
conforme consta dos autos, e foi mencionado no depoimento da
segunda testemunha da reclamada, Sra. Elda Oliveira Mello, fl.
499/500, “verbis”:
[…] houve uma queda anterior do José Aparecido,
atendida pela depoente, ocasião em que o José
Aparecido estava de cinto, esqueceu a chave aberta e
pulou, tendo sofrido apenas um machucado no joelho
porque estava de frente […] (grifos nossos)
Veja-se que mesmo com o cinto, devido ao grau de
periculosidade da atividade, o trabalhador sofreu uma queda. Tal
depoimento rechaça a alegação recursal de que estaria comprovado
que “a vítima já era reincidente na infração de não utilizar o cinto
de segurança fornecido pela empresa, mas que por sorte saiu ileso
de outro acidente anterior” (fl. 617).
Muito pelo contrário, os depoimentos são no sentido de
que a vítima era sempre vista com o cinto de segurança, como
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
263
comprova o depoimento da própria testemunha da reclamada
“lembra de ter visto o ‘de cujus’ utilizando o cinto de segurança e
utilizando a cadeira em outras ocasiões..” (testemunha Jonata da
Silva Aguiar - fl. 499)
Asseverou a reclamada que a altura não seria de 4 (quatro
metros) como demonstraria a perícia e sim de aproximadamente
2 (dois) metros, como demonstrariam as fotografias de fls. 150 e
157, bem como o depoimento da testemunha (fl. 499).
Obviamente que tal alegação não merece prosperar,
considerando que o perito foi “in loco” e mediu a altura dos
trilhos até a superfície – é de 4 (quatro) metros - portanto, uma
fotografia não possui o condão de aferir a altura em questão,
bem como a prova testemunhal em que o declarante disse que
“estima que a cadeira fica a uma altura de 2m/2m e pouco”
é insuficiente para descaracterizar a prova pericial. Assim
manifestou-se o perito: “Dos trilhos até a superfície a altura
é de aproximadamente 4 (quatro) metros, conforme aferição
realizada com trena ultra-sônica” (fl. 431).
2.3.3 DA CULPA CONCORRENTE
Quanto a aplicação da culpa concorrente, tem-se que no
caso não se vislumbra tal possibilidade, pois o fato de o trabalhador
encontrar-se na ocasião da queda sem o cinto de segurança não
teria evitado a queda, haja vista que em outro acidente estava com
o cinto e também caiu, o que caracteriza que o trabalho em si era
muito perigoso. O modo operacional escolhido pela empresa para
desenvolver o trabalho colocava o trabalhador em constante risco,
aliado à falta de treinamento, exclui totalmente a possibilidade de
se falar em culpa concorrente.
Muito bem observado pela perícia é o fato da empresa
designar alguém tão inexperiente para desenvolver atividade tão
perigosa (apenas 20 anos e sem outra experiência profissional
anterior), e pior, sem o treinamento adequado, “verbis”:
No que tange ao componente INDIVÍDUO, verificouse que o trabalhador exercia a tarefa na empresa há
5 meses (fls. 37 e 45 dos autos), não consta outra
anotação em sua carteira profissional de trabalho,
portanto, sem experiência para desempenhar a
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
264
função e que o mesmo não recebera treinamento e
capacitação para o desempenho de sua atividade,
consequentemente, não tinha conhecimento dos
riscos a que estava exposto.
A empresa não apresentou as ordens de serviço
sobre segurança para a função, tampouco, instruções
de trabalho sobre os riscos no desempenho de sua
função. Em análise, minuciosa, ao PPRA e PCMSO,
os documentos apresentados são confusos e pouco
esclarecedores sobre as medidas de segurança adotadas
pela empresa. O ‘Projeto Anjos da Guarda’ de fls. 132148, não deve ser considerado como treinamento e/
ou conscientização dos riscos ocupacionais, por se
tratar de questões genéricas das diversas funções que
existem neste tipo de empreendimento. Vale salientar
que o referido projeto iniciou em maio de 2008, ou
seja, depois de ocorrido o acidente em questão. (fl.
439 - grifos nossos)
Tudo isso, aliado à atividade de risco desenvolvida pelo
autor na empresa desconstitui in totum a alegação de culpa
exclusiva da vítima, ou mesmo concorrente, corroborando as
alegações da inicial.
Assim, seja porque o caso atrai a aplicação da
responsabilidade objetiva, seja porque se aventada a aplicação
da responsabilidade subjetiva as provas dos autos são fartas
na comprovação da culpa patronal no acidente ocorrido, a
indenização é devida.
Assim sendo, mantém-se a decisão de primeiro grau,
que, analisando cuidadosamente as provas dos autos, concluiu
pelo dever de indenizar da reclamada.
Quanto a existência do dano moral proveniente do
acidente de trabalho, esse é daqueles casos em que tal dano
encontra-se inserido na própria ofensa, decorrente da gravidade
do ilícito em si, e, tendo o conjunto probatório dos autos sido
amplamente favorável a parte reclamante, que logrou êxito em
comprovar o acidente, a morte do trabalhador, respaldando sua
tese nas provas documentais, testemunhais e periciais produzidas,
corroboradoras das alegações da inicial e, restando demonstrado
que o empregador deve responder objetivamente, e, ainda que
se fosse perquirir a culpa, esta está mais do que provada, deve
ser mantida a sentença quanto ao deferimento de indenização por
danos morais decorrentes do acidente de trabalho.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
265
2.3.4 DO “QUANTUM” DEFERIDO
A empresa recorrente argumenta que o valor deferido a
título de indenização não mereceria subsistir. Assevera que o valor
deferido seria exorbitante e estaria causando um enriquecimento
sem causa, portanto, deveria ser reduzido para não mais de que
R$20.000,00 (vinte mil reais), além de reduzido em 50%, pela
culpa concorrente do falecido,
Primeiramente, esclareça-se que a culpa concorrente já
foi afastada, conforme fundamentação precedente.
Analisando o caso concreto, vê-se que o valor da
indenização fixada pelo juízo de origem está dentro dos padrões
utilizados pelos demais pretórios trabalhistas.
Evidencia-se, pois, o acerto da decisão, pois levou
em consideração todas as questões que envolveram o evento
fatídico, pertinentes ao julgamento da causa, e, constatada a
responsabilidade objetiva da empresa foi fixado o “quantum” da
indenização, de forma razoável.
Nesse aspecto, assinala a jurisprudência:
DANO MORAL. ARBITRAMENTO. Os critérios para a
fixação do dano moral obedecem à lógica própria.
Ante a impossibilidade de reparação que permita o
retorno pleno ao status quo ante, prepondera, em
caso como tal, o objetivo dúplice da indenização:
compensação para a vítima e punição do agente.
No arbitramento do valor, devem-se levar em
conta critérios extraídos de normas previstas para
casos análogos, da doutrina e da jurisprudência, os
quais, em regra, consideram a extensão do dano,
a condição socioeconômica e cultural da vítima e a
sua participação no evento, além da capacidade de
pagamento e o grau de culpa do agente. (Processo:
00035.2004.080.03.00-2, Juiz Relator: Antônio
Mohallem, Publicado “MG” 22.9.05).
Por todo o exposto, mantém-se o valor da condenação.
2.3.5 DO DANO MATERIAL - PENSIONAMENTO DA AVÓ
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
266
A empresa sustenta que tanto a requerente (avó do
falecido) quanto o seu esposo são beneficiados por aposentadoria
cada um com um salário mínimo; que moram em casa própria,
que ela conta com 74 anos e seu esposo com 83 anos; que
não existiria prova de que o neto (falecido) contribuísse com o
sustento dos avós. Também sustenta que não merece prosperar
a argumentação do juízo de que é mais de 12 (doze) anos a
expectativa do brasileiro em relação à idade da recorrida, citando
o site do IBGE donde constaria que a expectativa de vida do
brasileiro é de 71,3 anos, pelo que requer a improcedência do
pensionamento.
Sem nenhuma razão a recorrente.
Esclareça-se de início que o benefício previdenciário
percebido pelos avós do “de cujus” não se comunica com o
pensionamento deferido pela sentença.
Quanto às condições de vida da avó que mora em casa
própria e recebe benefício previdenciário de um salário mínimo
juntamente com o seu marido, tem-se que o valor deferido pelo
magistrado de origem, já sopesou essas questões, tanto que o
valor deferido de nenhum modo se mostra exorbitante ao caso em
análise (R$ 300,00 mensais, incluindo a parcela correspondente
ao 13º salário).
No tocante à expectativa de vida, tem-se que também
encontra-se correta a decisão, pois de simples consulta ao site do
IBGE (tábua completa de mortalidade) tem-se que a expectativa
de vida para a idade de 74 anos é de 12,2 anos.
Em relação à alegação de que a vítima não contribuía
com o sustento dos avós, nenhuma prova fez o recorrente
dessa alegação, enquanto que as provas carreadas aos autos
demonstram o zelo que a vítima possuía para com a avó idosa (fl.
43), sendo certo o entendimento de que a ajudava financeiramente,
conforme declarado por ela em seu depoimento (fl. 499) o que foi
plenamente aceito pelo juízo de origem que inclusive mencionou
ter observado no depoimento “rara sinceridade, o que pôde ser
facilmente percebido por todos os presentes na sala de audiência”
(fl. 581). Ninguém mais habilitado do que o magistrado de origem
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
267
para avaliar o depoimento porque é ele quem estabelece contato
direto com o depoente.
Assim, não tendo a reclamada apresentado prova das suas
alegações, ao contrário da parte autora que apresentou provas
que embasam a sua tese, a sentença merece ser mantida.
2.3.6 DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ
Aduz a recorrente que a motivação para que a cadeira
utilizada pelo “de cujus” para execução de seu trabalho não
estivesse nas dependências da recorrente teria sido porque
as normas internacionais não aconselhavam a utilização de
equipamentos galvanizados no mesmo ambiente de operação da
carne, pelo que a cadeira do acidente teria sido substituída por
cadeira idêntica, só que em aço inox. Que as fotografias juntadas
nos autos da cadeira similar (tendo como diferença única o
material componente), que tanto teriam ajudado na instrução do
feito, foram providenciadas pela recorrente. Quanto ao segundo
ponto levantando para fundamentar a condenação, diz que se
não restou configurada a presença do autor no programa ANJO, o
certo é que ele teria participado de vários outros programas e que
faltou razoabilidade ao magistrado na apreciação da questão.
O juízo de origem, entendendo existir a cumulação de
expediente temerário com a alteração da verdade dos fatos
declarou a reclamada litigante de má-fé e aplicou-lhe a multa de
1% (um por cento) sobre o valor atribuído à causa, no valor de
R$5.454,29 (cinco mil, quatrocentos e cinqüenta e quatro reais e
vinte e nove centavos), com fulcro nos artigos 17, II, V e VI e 18
do CPC, em razão desta ter sumido com a cadeira envolvida no
acidente e apresentado fotos com outra cadeira, mas afirmando
tratar-se da mesma cadeira do acidente, bem como por ter
afirmado que o reclamante teria sido assistido pelo programa
ANJO que foi criado somente após o acidente, “verbis”:
[…] O sumiço da cadeira envolvida no acidente fatal,
negada após reiterados requerimentos do Perito
do Juízo, bem poderia corresponder apenas a uma
tentativa de ver exercida a faculdade de não produzir
prova contra si mesma, não estivesse tal procedimento
em confronto com o dever das partes de colaborar
com a Justiça e primar pela lealdade e boa fé.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
268
Trazer à colação fotos que não refletem a cadeira
utilizada pela vítima se não podem refletir
desconhecimento de quem alega, só pode significar
tentativa de induzir o Juízo a erro. Tal procedimento
é claramente temerário, enquadrando a conduta no
inciso V do artigo 17 do CPC.
A alteração da verdade dos fatos – elastecendo a
improbidade processual à hipótese do inciso I do
mencionado dispositivo legal – , restou flagrante
quanto ao chamado “Programa Anjo”, o qual,
segundo a defesa, “Para cada novo empregado que
é contratado pela empresa, lhe é designado um
ANJO DA GUARDA, que além de explicar sua função,
o acompanha durante vários dias, inclusive no caso
do falecido, sendo acompanhado até na cadeira
suspensa, juntamente com ele” (fl. 91; grifou-se).
Ocorreu, no entanto, que a segunda testemunha
da reclamada, sob compromisso, categoricamente
afirmou que “o Programa Anjo foi implantado depois
do acidente” (fl. 501; grifou-se).
Nada há a modificar, pois restou plenamente caracterizado
a utilização de expediente temerário, consubstanciado no fato
de ter a reclamada sumido com a cadeira do acidente, o que foi
constatado pelo perito à fl. 431 e 442, porém, insistido à fl. 489,
que fosse “novamente vistoriado o local e periciada a CADEIRA
colacionada nas fotos de fls. 150/157, que se encontra nas
dependências da empresa” enquanto que a cadeira constante
na foto não é a do acidente conforme depoimento da preposta
da empresa à fl. 498 “apresentadas as fotografias de fls. 150 e
seguintes, informa que a cadeira que aparece não era a cadeira
utilizada na época do acidente”.
Verifica-se, também, a alteração da verdade dos fatos,
pois alegou a reclamada na contestação à fl. 92 que o reclamante
teria participado do programa ANJO quando tal programa foi criado
somente após o acidente.
Por todo o exposto, entendemos que a condenação merece
ser mantida, mantendo-se a sentença, também no aspecto.
2.3.7 DO ÔNUS DA PROVA
A recorrente sustenta que não estaria correto o
entendimento de aplicação do artigo 14 da Lei 8.078/90, quando
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
269
a própria CLT teria regulamentado a questão, na forma do artigo
818 da CLT, “volvendo o ônus para o indivíduo que alega” e que o
autor não teria se desincumbido do encargo, pelo que os pedidos
deveriam ter sido julgado improcedentes.
Conforme já fundamentado, ainda que não fosse o caso
da aplicação da responsabilidade objetiva, são fartas as provas
a amparar a pretensão autora, pelo que a decisão merece ser
mantida “in totum”.
Embora até a presente data não tenha a parte reclamante
apresentado os originais dos documentos de fl. 713, entendemos
tratar-se, sem sombra de dúvida, de processo que envolve interesse
de idoso, pelo que defere-se o requerido à fl. 656, (prioridade
de tramitação em todas as instâncias – artigo 1.211A do CPC),
determinando sejam procedidas as anotações cabíveis.
2.4 CONCLUSÃO
DESSA FORMA, decide-se conhecer do recurso, rejeitar
as preliminares arguidas pela recorrente e, no mérito, negarlhe provimento. Defere-se o requerido à fl. 656, (prioridade de
tramitação em todas as instâncias – artigo 1.211A do CPC),
determinando sejam procedidas as anotações cabíveis.
3 DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade,
conhecer do recurso, rejeitar as preliminares arguidas pela
recorrente e, no mérito, negar-lhe provimento. Defere-se o
requerido à fl. 656, (prioridade de tramitação em todas as instâncias
– artigo 1.211A do CPC), determinando sejam procedidas as
anotações cabíveis. Tudo nos termos do voto da Relatora. Sessão
de julgamento realizada no dia 16 de setembro de 2009.
Porto Velho-RO, 16 de setembro de 2009.
ELANA CARDOSO lopes
DESEMBARGADORA RELATORA
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.251-267, jul./dez. 2009
270
271
PROCESSO:
CLASSE:
ÓRGÃO JULGADOR:
ORIGEM:
1ª RECORRENTE:
2º RECORRENTE:
PROCURADORES:
1º RECORRIDOS:
2ª RECORRIDA:
ADVOGADOS:
RELATORA:
REVISOR:
00308.2008.005.14.00-6
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE
PLENO
5ª VARA DO TRABALHO DE PORTO VELHO - RO
REFLEXO LIMPEZA E CONSERVAÇÃO LTDA.
ESTADO DE RONDÔNIA
JERSILENE DE SOUZA MOURA E OUTROS
OS MESMOS
DINA MALALA ANDRADE
NAZINA LOPES DA SILVA LIMA
PEDRO ALEXANDRE DE SÁ BARBOSA
E OUTRA
DESEMBARGADORA MARIA CESARINEIDE DE SOUZA LIMA
DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO
GOMES LÔBO
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE.
SUBSIDIARIEDADE. ARTIGO 71, § 1º, DA
LEI N. 8.666/93. INCABIMENTO. A questão
relacionada a subsidiariedade do ente público
tomador de serviço, via de regra, não passa
pela exclusão da aplicação do art. 71, §1.º da
Lei n.º 8.666/93, mas por uma interpretação
sistemática na sua aplicabilidade, levando-se
em conta todo o arcabouço jurídico pátrio.
Incidente que não se conhece.
1 RELATÓRIO
Em reclamação trabalhista promovida por Dina Malala
Andrade e Nazina Lopes da Silva Lima contra a empresa Reflexo
Limpeza e Conservação Ltda e Estado de Rondônia o Juízo, ao decidir
o feito, acolheu, parcialmente, os pedidos da exordial, condenando
a primeira reclamada e, subsidiariamente, o segundo reclamado,
ao pagamento de adicional de insalubridade no grau máximo, bem
como seus respectivos reflexos, de acordo com o que se observa
das fls. 255/266.
Inconformados com esse decisum, a primeira reclamada e
o segundo reclamado interpuseram recursos, respectivamente, às
fls. 271/275 e fls. 280/299.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
272
Levados a julgamento pela 2ª Turma deste Tribunal, o
apelo manejado pela 1ª reclamada, por decisão unânime, não foi
conhecido em razão de irregularidade de representação processual.
Já a insurgência do reclamado subsidiário, por decisão majoritária,
teve seu julgamento suspenso, com encaminhamento dos autos
para apreciação plenária com vistas à apreciação da arguição de
constitucionalidade do § 1° do artigo 71 da Lei n. 8.666 de 21 de
junho de 1993, em atenção ao disposto na Súmula Vinculante n.º 10
do Supremo Tribunal Federal.
Dada a oportunidade ao Órgão do Ministério Público do
Trabalho, foi lavrado parecer às fls. 332/343, tendo o Ilustre Parquet
opinando pela não admissão da arguição suscitada e, sendo esta
superada, no mérito sugeriu a declaração de inconstitucionalidade
sem redução de texto para declarar a inconstitucionalidade material
do § 1° do artigo 71 da Lei n. 8.666/93, por vulneração às disposições
dos artigos 1°, incisos III e IV e 170, caput, ambos da Constituição
Federal de 1988, apenas quando de sua aplicação aos contratos de
prestação de serviços celebrados pela Administração Pública, bem
como sendo enunciado o verbete sumular correspondente, conforme
artigo 163, caput, do Regimento Interno deste Tribunal.
Por força do artigo 161 do Regimento Interno desta Corte o
feito foi redistribuído e, considerando não existir prejuízo às partes,
prosseguiu-se no julgamento.
2 FUNDAMENTOS
2.1 ADMISSIBILIDADE
O Ministério Público do Trabalho da 14.ª Região erigiu
preliminar de não conhecimento da Arguição de Inconstitucionalidade
do art. 71, §1.º, da Lei n.º 8.666/93, por força do que dispõe o art.
481, parágrafo único do CPC:
Art. 481. Se a alegação for rejeitada, prosseguirá
o julgamento; se for acolhida, será lavrado o acórdão, a
fim de ser submetida a questão ao tribunal pleno.
Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos
tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão
especial, a argüição de inconstitucionalidade, quando
já houver pronunciamento destes ou do plenário do
Supremo Tribunal Federal sobre a questão. (Incluído
pela Lei nº 9.756, de 17.12.1998).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
273
Realmente, com afirmou o “Parquet”, o Pleno já apreciou
a questão relacionada a aplicabilidade do art. 71, §1.º, da Lei n.º
8.666/93, sob a ótica do entendimento plasmado na Súmula n.º
331 do TST, conforme arestos abaixo:
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE
PÚBLICO. ENUNCIADO 331, DO C. TST. Quando
a empresa prestadora de serviços não cumpre
corretamente as obrigações do contrato de trabalho
em relação ao trabalhador, o ente público, tomador
dos serviços, deve responder subsidiariamente pelos
encargos trabalhistas, entendimento corroborado pelo
En. 331, do C. TST. Recurso não provido.” (Acórdão nº
441/03, REXRO-852/02, publicado no D.O.J -TRT 14ª
Região, ano I, nº 11, 7.5.03, Rel. Juíza Elana Cardoso
Lopes Leiva de Faria)
RESPONSABILIDADE
SUBSIDIÁRIA.
TOMADOR DE SERVIÇOS. ENTE PÚBLICO. IMPOSIÇÃO
DA SÚMULA EDITADA PELO COLENDO TST. RECURSO
IMPROVIDO. O inadimplemento, por parte do
empregador, das verbas de natureza contratual,
implica na responsabilidade subsidiária do tomador
dos serviços, inclusive quanto à administração
pública, desde que integre a relação processual, nos
termos do item IV da Súmula nº 331. (Processo n.º
RO 00713.2005.141.14.00-3, Órgão Julgador: Pleno,
Relator: Juiz Carlos Augusto Gomes Lôbo, Publicado
em 06.06.2006).
Logo, se o Pleno deste Regional já analisou a matéria,
estaria o presente incidente fadado ao não conhecimento, por
força do que dispõe o parágrafo único do art. 481 do CPC.
Outrossim, a questão de fundo dos autos relacionada
à subsidiariedade do ente público tomador de serviço, via de
regra, não passa pela exclusão da aplicação do art. 71, §1.º, da
Lei n.º 8.666/93, mas por uma interpretação sistemática na sua
aplicabilidade, como já decidiu o Tribunal Superior do Trabalho e o
Pleno desta Corte.
Sobre a matéria, o Pleno deste Regional plasmou a
seguinte decisão:
MÉRITO - Segundo a recorrente (fl. 92), a
demanda proposta não oferece à Administração Pública
a menor possibilidade de contestar as alegações fáticas
consignadas na petição inicial, ou de provar qualquer
tipo de pagamento, o que ofenderia os princípios
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
274
constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Declara que somente quem tem conhecimento
dos fatos que nortearam a relação de trabalho é o
empregador, já que toda a atividade foi orientada e
supervisionada pela empresa prestadora de serviços.
Continua aduzindo que o artigo 71 da Lei nº 8.666/93
isentaria a Administração Pública da responsabilidade
pelo cumprimento das obrigações trabalhistas em
caso de inadimplemento do empregador. Sustenta
também (fl. 96) que não haveria de se falar em culpa
in eligendo, haja vista que no caso em questão, as
entidades celebraram convênio entre si, via regular
procedimento administrativo, ocasião em que ficou
demonstrado, diante das respectivas regras legais,
a capacidade operacional e econômico-financeira da
terceirizada, sua regularidade perante a Previdência
Social e FGTS. Insurge-se, ainda, asseverando (fl.
97) que a FUNASA não integrou a ação proposta
pelo reclamante contra o seu empregador, que
tramitou sob o nº 00183.2004.416.14.00-2, no
qual a referida entidade foi condenada a pagar
diversas verbas indenizatórias. Reverbera (fl. 98),
que a responsabilidade subsidiária deveria ter sido
reconhecida no mesmo processo em que condenou o
empregador, e não em autos apartados. Infrutíferas
alegações. Iniciamos a nossa fundamentação com
uma reflexão suscitada pelo eminente magistrado
Maurício Godinho Delgado em sua estimada obra: “a
responsabilidade subsidiária preconizada no inciso
IV da Súmula 331 aplica-se também aos créditos
trabalhistas resultantes de contratos de terceirização
pactuados por entidades estatais?” (Curso de Direito
do Trabalho; 5ª ed.; São Paulo; Ltr; 2006; p. 458).
Parece não querer se conformar uma parte da doutrina
que insiste em pronunciar que o artigo 71, § 1º, da Lei
de Licitações e Contratos inviabiliza a caracterização da
responsabilidade, quer subsidiária, quer solidária, da
Administração Pública perante as dívidas trabalhistas
contraídas pela pessoa por ela contratada para
proporcionar o fornecimento de mão-de-obra para
a consecução de determinados serviços. Adotarmos
tal entendimento, no entanto, seria o mesmo que
admitirmos a validade jurídica de uma cláusula
potestativa formalmente instituída por meio de um
procedimento legal, mas que, no seu conteúdo, viola
os mais basilares princípios orientadores do Direito,
dentre os quais, o da isonomia de tratamento entre os
que se apresentam em situações juridicamente iguais,
haja vista que a Administração Pública ao pactuar
com particulares se despe de sua superioridade
jurídica e se assenta em pólo de equivalência com a
pessoa contratada, com exceção de apenas algumas
ressalvas que são ínsitas da atuação estatal, a
exemplo do direito de encampação. O que nos resta,
então? Declararmos a invalidade desse preceito que
arrosta princípios jurídicos? Não há necessidade de
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
275
se tomar essa medida. Nos orienta, na situação em
apreço, o princípio hermenêutico segundo o qual a
norma restritiva deve ser interpretada restritivamente.
Somente dessa forma podemos extrair o sentido
desse dispositivo sem incorrermos em conflitos entre
as normas e os princípios. Vejamos: “Art. 71. O
contratado é responsável pelos encargos trabalhistas,
previdenciários, fiscais e comerciais resultantes
da execução do contrato. § 1º A inadimplência do
contratado, com referência aos encargos trabalhistas,
fiscais e comerciais não transfere à Administração
Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem
poderá onerar o objeto do contrato ou restringir
a regularização e o uso das obras e edificações,
inclusive perante o Registro de Imóveis.” (Redação
dada pela Lei nº 9.032, de 1995). Literalmente,
verifica-se contradição entre essa disposição e o
artigo 37, § 6º da CF, que não exime a Administração
da responsabilização pelos danos que seus agentes,
nessa qualidade, causarem a terceiros. Como
escape para o exegeta, resta ainda a interpretação
sistemática que lhe proporciona harmonizar os
mandamentos jurídicos aparentemente conflitantes.
Nessa esteira, cabe ser invocado outro dispositivo
legal que intermedeie, apazigúe e sincronize o bom
funcionamento do ordenamento jurídico. (PROCESSO
Nº:
00432.2006.416.14.00-6,
RELATOR:
JUIZ
VULMAR DE ARAÚJO COÊLHO JUNIOR, Julgado em
14.12.2006).[Grifou-se]
Sobre este assunto, o TST prolatou o seguinte aresto:
AÇÃO
RESCISÓRIA
INSS
–
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DE ÓRGÃO
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA POR DÉBITOS
TRABALHISTAS ADVINDOS DE TERCEIRIZAÇÃO
ILEGAL E REVELIA DE ENTE PÚBLICO - MATÉRIA
CONTROVERTIDA E NÃO VIOLAÇÃO DE LEI. 1. Um
dos princípios norteadores do Direito do Trabalho,
que lhe dão caráter de ramo autônomo da Ciência
Jurídica, é o da aplicação da norma mais favorável
ao trabalhador, mediante a quebra da hierarquia das
fontes, que estrutura a pirâmide jurídica kelseniana. 2.
Em relação à questão da responsabilidade subsidiária
de entes da administração pública quanto a débitos
trabalhistas não honrados por empresas prestadoras
de serviços com as quais contrataram, o art. 71, §
1º, da Lei nº 8666/93, em sua literalidade, afasta
expressamente a possibilidade de responsabilização.
No entanto, a exegese literal do dispositivo de lei não
é a única forma de hermenêutica jurídica, havendo
também, dentre tantas outras (histórica, sociológica,
teleológica, etc.), a interpretação sistemática. Não
fora assim, a atividade jurisdicional seria meramente
mecânica, de enquadramento da matéria-prima fática
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
276
na forma legal jurídica, sem se perquirir sobre o
conteúdo, finalidade e dimensão mais abrangente da
norma. 3. Numa exegese do sistema legal trabalhista,
de caráter protecionista do hipossuficiente na relação
laboral, não se pode admitir que as empresas estatais
estejam infensas à responsabilidade subsidiária em
caso de contratação de mão-de-obra por interposta
pessoa, se esta não se mostra idônea para arcar com
os encargos trabalhistas do pessoal posto a serviço
da empresa estatal. Nossa Carta Política assegura o
mesmo tratamento jurídico, no campo trabalhista,
para as empresas públicas e privadas (CF, art. 173).
4. ‘In casu’, a responsabilidade subsidiária decorre
de dois fatores: a) a prestação direta dos serviços do
empregado é para a empresa estatal, que se beneficia
da força de trabalho alheia; e b) se a prestadora dos
serviços que forneceu a mão-de-obra não é idônea
ou não paga os salários de seus empregados, a
estatal que a contratou tem culpa ‘in eligendo’ ou ‘in
vigilando’ com relação à empresa terceirizada. 5. O
que não se admite em matéria de Direito do Trabalho
é a empresa tomadora dos serviços beneficiar-se do
esforço humano produtivo e depois o trabalhador
que o dispendeu ficar sem receber a retribuição
que tem caráter alimentar. 6. Assim, não há que se
falar em violação do art. 37, ‘caput’, da Constituição
Federal, que alberga a obediência dos órgãos da
Administração Pública aos princípios da legalidade,
impessoalidade, moralidade e publicidade, uma vez
que a decisão rescindenda não carece de base legal,
mas está devidamente respaldada numa interpretação
sistemática do ordenamento jurídico-trabalhista. 7.
Ademais, o pedido rescisório encontra óbice na Súmula
nº 83 do TST, porquanto as questões da revelia de ente
público e da responsabilidade subsidiária de autarquia,
em virtude da terceirização ilegal de serviços, eram
amplamente controvertidas à época da prolação da
decisão rescindenda, vindo somente a ser pacificadas,
respectivamente, pela OJ 152 da SBDI-1 do TST,
inserida em 27-11-98, e pela Resolução Administrativa
nº 96, publicada no DJ de 18-09-00, que modificou a
redação do item IV do Enunciado nº 331 do TST, para
nele fazer constar expressamente a possibilidade de
se impor responsabilidade subsidiária aos órgãos da
Administração Pública. Recurso ordinário e remessa de
ofício a que se nega provimento.” (TST- RXOFROAR n°
805949/2001 - Publicado no DJ em 25.04.03 - Relator
Ministro Ives Gandra Martins Filho).[Grifou-se]
Nesse pensar, não se trata de afastamento, em todo ou em
parte, da aplicação do artigo 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93, mas de
imprimir, na sua aplicabilidade, uma interpretação sistemática com
foco no caso concreto. O presente incidente, sob este argumento,
também é incabível.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
277
Registre-se por oportuno, que a aprovação da Súmula n.º
331 do TST cumpriu o que determina o artigo 97 da Constituição
Federal de 1988 e com o estabelecido na Súmula Vinculante n.º 10
do STF, uma vez que, na forma do artigo 70, I, b, do Regimento
Interno então vigente, a referida súmula foi aprovada pelo Pleno
do TST.
Em sessão do Tribunal Pleno de Incidente de Uniformização
de Jurisprudência no TST, em face da redação do § 1.º do artigo
71 da Lei n.º 8.666/93, a Corte uniformizadora entendeu que,
não obstante o referido artigo dessa Lei contemplar a ausência
de responsabilidade da administração pública pelo pagamento
de encargos trabalhistas, entre outros, resultantes da execução
de contrato, há de ser ele interpretado em harmonia com outros
princípios constitucionais como, por exemplo, o da dignidade da
pessoa, concluindo pela responsabilização do ente público, como
dá conta a atual redação do item IV da Súmula 331.(Processo
n.º TST-RR-297.751/96,Relator o Exmo. Ministro Milton de Moura
França).
Verifica-se que o entendimento da Corte Superior veio dar
interpretação aos termos do artigo 71, § 1.º, da Lei n.º 8.666/93,
não havendo que se falar em violação do referido preceito legal ou
em decretação de sua inconstitucionalidade.
Nesse pensar, a interpretação dada pelos Regionais, ao
aplicarem a Súmula 331, item IV, deve, obrigatoriamente, atrair o
mesmo entendimento da Corte Superior, qual seja, o artigo 71, §
1.º, da Lei n.º 8.666/93 não é inconstitucional e o comando nele
inserto deve ser interpretado em harmonia com outros princípios
constitucionais como, por exemplo, o da dignidade da pessoa,
concluindo pela responsabilização do ente público.
O sistema, o arcabouço jurídico pátrio deve ser levado em
consideração.
Nesse raciocínio, limitar a discussão aos termos do art. 71,
§ 1º, da Lei n.º 8.666/93, ignorando os demais diplomas da referida
lei, não é a melhor solução para o caso, uma vez que a proteção
oferecida ao ente público é parcial, comporta temperamento e
cede ao princípio da primazia da realidade (provas em contrário).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
278
Cumpre ressaltar que os artigos 54, 66 e 67 da Lei nº
8.666/93, respectivamente, dispõem que os contratos administrativos
de que trata esta Lei deverão ser executados fielmente pelas partes,
de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei,
respondendo cada uma pelas consequências de sua inexecução total
ou parcial, regulando-se pelas suas cláusulas e pelos preceitos de
direito público, aplicando-se-lhes, supletivamente, os princípios da
teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado, bem
como a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada
por um representante da Administração especialmente designado,
permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de
informações relativas a essa atribuição.
Perceba-se assim, nitidamente, que essas normas impõem
ao ente público o dever de fiscalizar o correto cumprimento do
contrato e de zelar para que a empresa prestadora de serviços
contratada cumpra com os deveres trabalhistas relativos a seus
empregados, para que possa ele usufruir da blindagem legal.
Assim, via de regra, é o desrespeito aos artigo 54 66 e
67 da Lei n.º 8.666/93 um dos fundamentos da responsabilização
subsidiária do ente público, e não a possível decretação de
inconstitucionalidade do art. 71, § 1.º, da mesma Lei.
Desse modo, a interpretação dada ao artigo 71, §1.º da
Lei n.º 8.666/93, na forma acima alinhavada, não conduz à sua
inconstitucionalidade, mas adequação da aplicação da norma ao
caso concreto.
A propósito, consigne-se os fundamentos do Desembargador
Carlos Augusto Gomes Lôbo, que acompanhou o voto da relatoria,
com pequena divergência quanto à fundamentação,mas convergente
quanto à conclusão, nestes termos:
I) a questão está sendo abordada pelo Supremo Tribunal
Federal, nos autos da ação direta de constitucionalidade n.º 16,
cuja Relatoria pertence ao Ministro Cezar Peluso, que votou pelo
não conhecimento da ação por não ver o requisito da controvérsia
judicial, sendo que Ministro Marco Aurélio, a reconheceu e deu
seguimento à ação. Após, pediu vista dos autos o Senhor Ministro
Menezes Direito, permanecendo o processo, até a presente data, sem
nova tramitação. Salientou, o Excelentíssimo Desembargador, que o
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
279
voto da relatoria da mencionada ação direta de constitucionalidade
é próprio ao caso debatido nos presentes autos; e,[Grifou-se]
II) que o art. 71 não exclui a responsabilidade subsidiária,
mas somente a responsabilidade direta, estando o ente público
autorizado a manejar ação regressiva, fato que não importa na
inconstitucionalidade do mencionado diploma legal.
Por fim, apresenta-se um escorço do pronunciamento
de Luis Gustavo Grandinetti Castanha de Carvalho, Coordenador
Acadêmico de Mestrado em Direito da Universidade Estácio de Sá,
Juiz de Direito, Doutor pela UERJ, Mestre pela PUC-RJ – ao prefaciar
a obra “Novos direitos: os paradigmas da pós-modernidade”
(Niterói - RJ: Impetus, 2004), de Cleyson M. Mello e Thelma Fraga
(organizadores), nos seguintes termos:
Atualmente, se de um lado, há uma profusão
absurda de leis que procuram regular quase toda a
atividade humana, marcando a forte onipresença
do Estado na maioria das relações sociais, de
outro lado, reclamasse da imperfeição das leis,
de sua desatualização, de seu divorciamento do
conceito do justo. As leis são tão imprevidentes
e imperfeitas como os seres humanos e hão de
recriar os mesmos modelos de incompletude. A
constatação dessa limitação impõe uma necessária
postura de humildade dos intérpretes e aplicadores
da lei. Não é propriamente na letra da lei que
serão encontradas as respostas para satisfazer o
sentimento de justiça que a sociedade espera do
Direito. A aplicação das leis demanda sempre um
eterno retorno ao ponto de partida, uma incessante
busca platônica de idéias eternas que se sobrepõem
ao mundo material das leis e lhes dá sentido. Não é,
portanto, fazendo leis em profusão, leis que tenham
a presunção de onipotência, que se logrará regular
a sociedade e levá-la a atingir o ideal de justiça.
Urge substituir o componente da onipotência das
leis pelo da humildade do intérprete. Os conceitos
legais não podem estar divorciados de valores, pois
são estes que devem ser pesquisados em todo o
processo de interpretação. A propósito, tem-se a
lição de Karl Larenz:
“No entanto, a técnica jurídica continua a
ser sempre só uma função do princípio valorativo
subjacente. Há de sempre manter-se o olhar por
cima das fórmulas positivas em direção à idéia,
ao núcleo de sentido dos institutos jurídicos, que
nelas e por meio delas se mantém. Isso não pode
significar outra coisa senão que a jurisprudência
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
280
científica, se quiser compreender as decisões de
valor dadas de antemão numa regulação jurídicopositiva e os problemas delas resultantes, não
deve quedar-se nos conceitos técnicos-jurídicos,
mas há de perguntar pelo conceito determinado
pela função que se esconde por detrás do conteúdo
técnico jurídico, tanto quanto através dele se deixa
transparecer... Tanto o princípio como o conceito
determinado pela função remetem para algo que está
para além deles: o princípio para as concretizações
em que o seu sentido se desenvolve; o conceito
determinado pela função remete de novo para o
princípio”. (Metodologia da Ciência do Direito, p.
691/692, 1997, Calouste Gulbenkian).
É esse eterno retorno o mote do processo
de interpretação, a matéria prima sobre a qual
deve laborar o consciente aplicador da lei. Se a lei
é imperfeita porque o homem assim também o é,
o processo de interpretação, ainda que contenha o
mesmo germe falível, representa uma incessante
busca e a permanente aspiração de alcançar os
valores fundamentais de uma sociedade Nesse
ponto, vem à lembrança o trecho de uma poesia de
Fernando Pessoa:
“Passa uma borboleta diante de mim
E pela primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas não têm cor nem movimento,
Assim como as flores não têm perfume
nem cor.
A cor é que tem cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta, o movimento
é que se move,
O perfume é que tem perfume no perfume
da flor.
A borboleta é apenas borboleta
E a flor é apenas flor.”
As leis serão apenas leis. Não são propria
mente boas ou más, embora sempre imperfeitas. A
nós, intérpretes e aplicadores da lei, é que incumbe
adicionar-lhes a cor, o movimento e o perfume.
Desse forma, com arrimo na interpretação sistemática
do ordenamento jurídico-trabalhista do § 1.º do artigo
71 da Lei n.º 8.666/93, não se conhece da Arguição de
Inconstitucionalidade apresentada nos presentes autos.
Posto isso, não se admite o incidente de Arguição de
Inconstitucionalidade.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
281
3 DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes do Tribunal Pleno
do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade,
não admitir a arguição de inconstitucionalidade, nos termos do
voto da Relatora. Sessão de julgamento realizada no dia 12 de
maio de 2009.
Porto Velho-RO, 13 de maio de 2009.
MARIA CESARINEIDE DE SOUZA LIMA
DESEMBARGaDORA-RELATORA
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.269-279, jul./dez. 2009
282
283
processo:
00230.2009.403.14.00-0
classe:
Recurso Ordinário
órgão julgador: 2ª TURMA
origem:
3ª VARA DO TRABALHO DE RIO BRANCO AC
1ª RECORRENTE:
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
PARA
A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA E A CULTURA UNESCO
ASSISTIDA Pela:
UNIÃO
Procuradores:
Isaias Ferreira Júnior E Outro
2ª RECORRENTE:
FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE FUNASA
Procuradores:
Marcos Leite Leitão E Outros
1ºS RECORRIDOS: OS MESMOS
2º RECORRIDo:
JOSÉ CLÁUDIO FERREIRA
Advogados:
Márcio Rogério Dagnoni E Outra
RELATOR:
DESEMBARGADOR CARLOS AUGUSTO
GOMES LÔBO
REVISORA:
JUÍZA CONVOCADA ARLENE REGINA DO
COUTO RAMOS
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. ORGANISMO
INTERNACIONAL.
UNESCO.
AGÊNCIA
ESPECIALIZADA DA ONU. A jurisprudência
e doutrina atual superaram o entendimento
de que os entes de direito público externo
gozam de imunidade absoluta de jurisdição,
porquanto prevalece hoje a tese de que
esses entes gozam de imunidade relativa
de jurisdição, ou seja, as pessoas jurídicas
de direito público internacional não gozam
de imunidade de jurisdição no domínio dos
atos de gestão, notadamente nas relações
de trabalho.
RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DA
ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA
INDIRETA
TOMADORA DOS SERVIÇOS. Restando
incontroverso nos autos que a Fundação
Nacional de Saúde – FUNASA, utilizou-se
de mão de obra ofertada por empregado
contratado pela UNESCO, responde
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
284
subsidiariamente
pelos
encargos
trabalhistas eventualmente inadimplidos
pela empregadora direta, na qualidade
de tomadora dos serviços prestados.
Inteligência da Súmula 331, inciso IV, do
C. TST.
1 RELATÓRIO
Trata-se de recursos ordinários interpostos pela
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, A CIÊNCIA
E A CULTURA – UNESCO, assistida pela UNIÃO e pela FUNDAÇÃO
NACIONAL DE SAÚDE – FUNASA, em face da sentença proferida pela
3ª Vara do Trabalho de Rio Branco/AC, às fls. 294/305, nos autos da
reclamação trabalhista movida por JOSÉ CLÁUDIO FERREIRA.
A sentença hostilizada reconheceu o vínculo empregatício
entre o segundo/recorrido e a primeira/recorrente, com
responsabilidade subsidiária da segunda/recorrente, no período
de 1º/08/2001 a 31/12/2008, condenando-as ao pagamento
das seguintes verbas: aviso prévio; férias 2004/2005 em dobro,
2005/2006 em dobro, 2006/2007 em dobro, 2007/2008 de forma
simples, e 2008 proporcionais a 5/12, todas acrescidas de 1/3; 13º
salário, proporcional em 2004, integrais em 2005, 2006, 2007 e 2008;
FGTS de todo o período do pacto laboral reconhecido com acréscimo
pecuniário de 40%. Deferida, outrossim, os benefícios da justiça
gratuita ao reclamante. Demais pedidos julgados improcedentes.
Sustenta a primeira/recorrente, em razões recursais (fls.
314/330), em síntese, a imunidade de jurisdição. No mesmo sentido é
o apelo da União, como assistente da primeira/recorrente, consoante
razões de fls. 331/346. Por sua vez, argui a segunda/recorrente, em
resumo, a ilegitimidade passiva e a não responsabilidade subsidiária,
ao argumento de não ter sido empregadora do reclamante.
Sem contrarrazões pelas partes.
Parecer ministerial, às fls. 396/399, pelo conhecimento dos
recursos, no mérito pelo improvimento.
2 FUNDAMENTOS
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
285
2.1 Admissibilidade
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço dos
recursos interpostos.
2.2 Preliminares
2.2.1 Da incompetência absoluta
Suscitam as recorrentes a preliminar em tela, ao argumento
de falecer competência à Justiça brasileira para julgar o pleito, por
não deter jurisdição para tanto. No entanto, tal preliminar confundese com o próprio mérito do recurso interposto, à medida em que, uma
vez acolhida, afastará a condenação da UNESCO. Nessa ordem, para
análise da questão, mister o ingresso no mérito da causa. Destarte,
por confundir-se com o mérito “causae”, para lá remeto a análise da
questão suscitada.
2.2.2 Preliminar de ilegitimidade passiva “ad causam”
Argui a segunda/recorrente, FUNASA, sua ilegitimidade para
figurar no polo passivo da reclamação trabalhista em tela, porquanto,
segundo sustenta, não figurou como empregadora do reclamante,
apenas celebrou contrato de natureza administrativa/civil celebrado
com a UNESCO.
Como é cediço, a análise das condições da ação deve ser feita
em “status assertionis”, ou seja, em análise superficial, atendo-se o
julgador apenas ao descrito pelo autor na exordial. É o que informa
o Princípio da Asserção. Nessa senda, não cabe ao magistrado uma
análise acurada da legitimidade das partes, bastando, pois, apenas
uma análise preambular para se aferir a pertinência subjetiva. A par
disso, e com base no item IV da Súmula 331, afigura-se a segunda/
recorrente parte legítima a figurar no polo passivo da demanda.
Demais disso, a análise acerca da responsabilidade subsidiária
relaciona-se ao mérito da questão posta, não se confundindo com a
legitimação “ad causam” da Fundação.
2.2.3 Falta de interesse de agir
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
286
Suscitam as recorrentes a preliminar em destaque, aduzindo
não ter o reclamante interesse de agir, na medida em que não procurou
solucionar o conflito de interesses extrajudicialmente. Asseveram que
os contratos de trabalho que regeram a prestação de serviços pelo
reclamante junto à UNESCO possuíam cláusula estabelecendo que
qualquer disputa relativa à interpretação ou execução do presente
contrato estará sujeita a conciliação e que, não sendo esta possível,
a disputa será resolvida por arbitragem.
Tal argumentação não subsiste.
Estabelece o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o
amplo acesso ao Judiciário, é o que a doutrina convencionou chamar
de “inafastabilidade da jurisdição”. De acordo com o preceptivo em
causa, qualquer lesão ou ameaça a direito levada ao conhecimento
do Judiciário merecerá uma resposta deste, seja analisando o mérito
(decisão definitiva), seja extinguindo o processo sem apreciá-lo
(decisão terminativa).
Não há dúvida de que o livre acesso ao Judiciário, como
qualquer outra garantia constitucional, não é absoluto. Com efeito, há
consenso geral de que a legislação infraconstitucional pode estabelecer
certos pressupostos para que o jurisdicionado bata às portas do
Judiciário, quando, por exemplo, se estabelece o compromisso de
arbitragem.
Todavia, o instituto da arbitragem na seara laboral é de
duvidosa aplicação, porquanto as parcelas trabalhistas são imantadas
de natureza imperativa, o que as torna irrenunciáveis, delas não
podendo seu titular abrir mão. Tal assertiva basta para afastar a
aplicação do instituto da arbitragem na seara laboral, notadamente
nos dissídios individuais.
Demais disso, não há na legislação infraconstitucional qualquer
regramento que imponha ao reclamante a condição de submeter seu
pleito à tentativa de solução extrajudicial antes de ingressar com ação
trabalhista. Saliento, por oportuno, que a própria obrigatoriedade de
ingresso prévio nas Comissões de Conciliação Prévia (art. 625-D, da
CLT) foi considerada inconstitucional pelo STF, em recente decisão
(ADIs 2139 e 2160). Destarte, cláusula contratual que condicione o
ingresso no Judiciário à tentativa de solução extrajudicial, para fins
trabalhistas, de nenhum valor jurídico reveste-se.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
287
2.2.4 Prejudicial de mérito – prescrição
A única prescrição a ser declarada é aquela já acolhida pela
decisão de primeiro grau. Nada mais a prover.
2.3 Mérito
2.3.1 Recurso da UNESCO e da UNIÃO (assistente simples)
2.3.1.1 Imunidade de jurisdição
Repetem as recorrentes os mesmos argumentos deduzidos
em primeira instância, por ocasião do oferecimento de contestação.
Em resumo, sustentam a imunidade de jurisdição da UNESCO,
ancorando-se em Convenções Internacionais incorporadas pelo
ordenamento jurídico pátrio, notadamente, a que trata sobre os
privilégios e imunidades da ONU, positivada internamente pelo
Decreto n. 27.784/1950.
Sem razão.
A controvérsia gira em torno do reconhecimento, ou não,
de imunidade de jurisdição da UNESCO, na qualidade de Agência
Especializada da ONU.
Compartilho do entendimento que vem prevalecendo na
Corte Máxima Trabalhista, de que os Organismos Internacionais
não detêm imunidade de jurisdição em relação às demandas que
envolvem atos de gestão, como na hipótese dos autos, em que são
debatidas questões atinentes ao direito às parcelas decorrentes de
relação de trabalho mantida entre as partes.
Nesse sentido, trago à baila decisão da SBDI-II:
RECURSO ORDINÁRIO. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
UNIDAS – PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O
DESENVOLVIMENTO – ONU/PNUD. Ação trabalhista
ajuizada perante Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento. Ação rescisória ajuizada por
Organização das Nações Unidas, sob a alegação
de que a decisão rescindenda foi proferida por juiz
incompetente, em face da imunidade de jurisdição da
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
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ONU, e de que houve violação dos artigos da Seção 2
da Convenção sobre Privilégio e Imunidades da ONU.
Conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal,
os Estados estrangeiros e os organismos internacionais
não gozam de imunidade de jurisdição no processo de
conhecimento. Em decorrência desse entendimento,
tem-se a inaplicabilidade, no nosso ordenamento jurídico,
da disposição constante da Seção 2 da Convenção
sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas, a
despeito da edição do Decreto nº 27.784/50. Recurso
ordinário a que se nega provimento – (TST - ROAR00056.2003.000.23.00-0, Relator - Ministro Gelson de
Azevedo, DJ 12/05/2006)
No mesmo diapasão e da mesma Corte, são os
seguintes arestos:
RECURSO DE REVISTA. IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO.
ORGANISMO INTERNACIONAL. ONU/PNUD .
Os
organismos internacionais não detêm imunidade de
jurisdição absoluta em relação às demandas que
envolvem atos de gestão, como na hipótese, em que
se debate o direito a parcelas decorrentes da relação de
trabalho mantida entre as partes. Recurso a que se dá
provimento. (TST – RR–01540.2003.001.23.00-1, DEJT
04/09/2009);
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE
REVISTA. ORGANISMO INTERNACIONAL. IMUNIDADE
DE JURISDIÇÃO. Esta Corte tem reiteradamente
decidido que a imunidade de jurisdição, conferida aos
organismos internacionais, não alcança as relações
de natureza trabalhista, por se encontrarem estas
inseridas no conceito de atos de gestão, os quais não
estão abarcados pela referida imunidade. Os arestos
colacionados desservem à demonstração de dissenso
de teses, porquanto não trazem o órgão julgador,
inviabilizando a análise de compatibilidade com o art.
896, a da CLT, ou não informam a fonte de publicação, o
que desatende ao comando inserto na Súmula 337/TST.
Agravo de instrumento conhecido e não-provido. (TST –
RR-01388.2001.008.17-40, DEJT 04/09/2009);
RECURSO DE REVISTA. ORGANISMO INTERNACIONAL.
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO. VÍNCULO DE EMPREGO.
A jurisprudência desta Corte Trabalhista é pacífica no
sentido de que os estados estrangeiros e os organismos
internacionais não gozam de imunidade de jurisdição
quando atuam no âmbito das relações privadas (atos
de gestão), especialmente na área do Direito do
Trabalho. Recurso de revista conhecido e provido, no
particular. (TST – RR-001045.2004.001.10-00, DEJT
21/08/2009);
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
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RECURSO DE REVISTA - ORGANISMO INTERNACIONAL
- ONU/PNUD – IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO Conforme
entendimento firmado nesta Corte Superior, os Estados
estrangeiros e os organismos internacionais não detêm
imunidade absoluta de jurisdição. Na espécie, entender
que o Decreto n o 27.784/1950 previu a imunidade
de jurisdição dos organismos internacionais quanto
a suas obrigações trabalhistas implicaria ignorar a
garantia inscrita no art. 5º, XXXV, da Constituição da
República. Precedentes. Recurso de Revista conhecido
e provido.
Processo: RR - 1797/2004-001-23-00.5
Data de Julgamento: 12/11/2008, Relatora Ministra:
Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, 8ª Turma, Data de
Divulgação: DEJT 14/11/2008);
IMUNIDADE DE JURISDIÇÃO DE ORGANISMO
INTERNACIONAL.
ONU/PNUD.
Os
organismos
internacionais não detêm imunidade de jurisdição em
relação às demandas que envolvam atos de gestão,
como na hipótese em que se debate o direito a
parcelas decorrentes da relação de trabalho mantida
entre as partes. Recurso de Revista conhecido e
provido. Processo: RR - 707/2003-002-23-00.4 Data
de Julgamento: 15/04/2009, Relator Ministro: José
Simpliciano Fontes de F. Fernandes, 2ª Turma, Data de
Divulgação: DEJT 08/05/2009)
A Imunidade de Jurisdição não mais subsiste no panorama
internacional, nem mesmo na tradicional jurisprudência de nossas
Cortes, pelo menos de forma absoluta, porquanto é de se levar em
conta a natureza do ato motivador da instauração do litígio. Em outros
termos, se o Estado Estrangeiro ou Organismo Internacional atua
em matéria de ordem estritamente privada, está a praticar atos de
gestão, igualando-se, nesta condição, ao particular e desnudando-se
dos privilégios conferidos ao ente público internacional. Do contrário,
estar-se-ia colocando em risco a soberania do cumprimento dos
princípios constitucionais, notadamente, quando o ato praticado não
se reveste de qualquer característica que justifique a inovação do
princípio da Imunidade de Jurisdição.
No tocante às Agências Especializadas da ONU, como a
primeira/ recorrente, embora haja Convenção sobre Privilégios e
Imunidades, promulgada pelo Brasil por meio do Decreto n. 52.288,
de 24 de julho de 1963, tal instrumento internacional diz respeito
aos funcionários destas, não aproveitando diretamente os referidos
Organismos Internacionais.
O Direito Consuetudinário Internacional, principalmente
após a Convenção Européia de 1972 (Europan Convention on State
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290
Immunity , Basiléia, 16/05/72), vem progredindo no sentido de
temperar e abrandar o princípio da imunidade absoluta de jurisdição
do Estado Estrangeiro, atribuindo e reservando tal imunidade apenas
aos atos de império, excluindo dessa proteção os atos de mera gestão,
que decorrem das relações rotineiras entre o órgão diplomático e os
súditos do país em que atua.
As relações trabalhistas mantidas entre Organismo
Internacional e o cidadão nacional, contratado para prestar serviços
àquela, incluem-se dentre esses atos de mera gestão, de sorte que
não se cogita, na hipótese, de existência de imunidade de jurisdição,
estando sujeita à UNESCO à jurisdição trabalhista do país em que
atua, realidade esta, aliás, já vivenciada nos países mais democráticos
do planeta, como os Estados Unidos da América e a Inglaterra.
Destarte, nego provimento ao recurso da UNESCO, no
particular, porquanto entendo não ser detentora de imunidade de
jurisdição, nos termos da fundamentação supra.
2.3.1.2 Vínculo empregatício com a UNESCO
Sustenta a primeira/recorrente a impossibilidade de
formação de vínculo empregatício com o reclamante, eis que ausente
o principal elemento caracterizador da relação empregatícia, qual
seja, a subordinação.
Sem razão.
“In casu”, a subordinação restou evidenciada, à medida
em que havia controle da prestação de serviços do reclamante,
embora fosse realizado pela FUNASA, circunstância que não afasta a
responsabilidade da UNESCO, por ser a real empregadora, conforme
se constata pelos documentos carreados pelo reclamante junto com
a exordial, não impugnados pelas recorrentes, notadamente as
declarações de fls. 14/17.
grau:
Nesse ponto, percuciente a análise do juízo de primeiro
Analisando-se os documentos verifica-se na declaração
de fls. 14/17, não impugnada pela reclamada e
pela União, que comprova os fatos relatados pelo
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reclamante, ou seja, que firmou vários contratos por
prazo determinado, sucessivos e de forma ininterrupta,
sendo incontestável que iniciou suas atividades junto
à FUNASA em 01.08.2008 e encerrou as mesmas
em 31.12.2008, sendo que sua função, entre outras,
era de prover suporte técnico ao Estado e Municípios
para o desenvolvimento de ações de saneamento
com elaboração de pareceres técnicos e relatórios de
atividades, recebendo como remuneração mensal a
quantia de R$3.973,66 (três mil, novecentos e setenta e
três reais e sessenta e seis centavos) (fls. 300).
No tocante à modalidade contratual, se determinado ou
indeterminado, concluiu o juízo monocrático (fls. 300):
Os contratos por tempo determinado, sucessivamente
confeccionados e assinados pelas partes, descaracterizam
a relação temporária prevista em lei para o contrato
individual de contrato (sic), conforme art. 443, §2º da
CLT. O contrato por prazo indeterminado é presumido
pela lei enquanto que o contrato por tempo determinado
depende de prova robusta não bastando para tanto
somente a declaração da vontade das partes, por outro
lado, as atividades desenvolvidas pelo reclamante
não podem ser tidas como serviço cuja natureza
ou transitoriedade justifique a predeterminação do
prazo, ao contrário a prestação de serviços com as
características expostas na exordial são de natureza
contínua e indispensável à sociedade.
Irretocável a decisão primeva, no particular.
Emerge dos autos que a UNESCO celebrou vários contratos
de trabalho com o recorrido, como se vê dos documentos de fls.
14/17, para desenvolvimento de atividades de assessoria e apoio
técnico à Divisão de Engenharia de Saúde Pública na implantação
e desenvolvimento dos programas de saneamento. A primeira
contratação deu-se em 1º/08/2001, perdurando até 31/01/2002. De
lá pra cá, embora celebrados vários contratos, o certo é que não houve
solução de continuidade na prestação de serviços, devendo, pois, ser
considerado pacto único, ou seja, de 1º/08/2001 a 31/08/2008.
Quanto aos elementos fáticos-jurídicos da relação de
emprego, não sendo negada a prestação de serviço, sendo esta,
ao revés, corroborada pelos documentos dos autos, às reclamadas/
recorrentes cabiam o ônus de demonstrar que a contratação não se
deu sob a modalidade empregatícia, nos termos do art. 333, inciso
II, do CPC, por se tratar de fato modificativo do direito do autor. Não
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
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se desvencilharam as recorrentes de seu ônus “probandi”, razão pela
qual reconheço o vínculo empregatício entre o recorrido e a primeira/
recorrente, no período descrito na inicial.
2.3.1.3 Parcelas contratuais decorrentes do reconhecimento
do vínculo e verbas rescisórias
Reconhecido o vínculo empregatício entre primeira/recorrente
e o recorrido, faz jus este às parcelas contratuais características da
pacto laboral, bem como às verbas rescisórias.
Nesse espeque, insurgindo-se a primeira/recorrente apenas
no que tange à ausência de vínculo empregatício, descurando-se de
impugnar diretamente as parcelas pleiteadas, na forma do dispositivo
da sentença (fls. 304).
2.3.2 Recurso da FUNASA
2.3.2.1 Imunidade de Jurisdição da UNESCO
“In casu”, utiliza-se a segunda/recorrente dos mesmos
argumentos da primeira/recorrente, razão pela qual, remeto a
análise da questão ao quanto decidido no subitem 2.3.1.1, por serem
idênticos os fundamentos.
Nego provimento.
2.3.2.2 Vínculo empregatício com a FUNASA
Equivoca-se a recorrente quanto à insurgência em tela, eis
que o juízo de primeiro grau não declarou a existência de vínculo
empregatício do obreiro com a FUNASA, mas tão somente reconheceu
a responsabilidade subsidiária deste, por ter figurado na relação
fático-jurídica em exame como tomadora de serviços, mesmo porque
o reconhecimento de vínculo empregatício com a FUNASA implicaria
em afronta ao art. 37, inciso II, da CRFB/88, porquanto inexistiu
concurso público.
Repiso, que não se cogitar de vínculo empregatício com a
segunda/ recorrente, pois realmente o trabalhador foi contratado,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
293
pela primeira/ recorrente, todavia, é inegável a responsabilidade
da FUNASA como tomadora dos serviços pelos direitos daqueles
trabalhadores que lhe prestaram serviços mediante contrato de
locação de mão de obra.
Nesse sentido é a Súmula 331 do TST, com a seguinte
redação no seu item IV:
O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte
do empregador, implica na responsabilidade subsidiária
do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações,
inclusive quanto aos órgãos da administração direta,
das autarquias, das fundações públicas, das empresas
públicas e das sociedades de economia mista, desde
que hajam participado da relação processual e conste
também do título executivo judicial.
Contudo, não tendo a segunda/recorrente insurgido-se
quanto à condenação como responsável subsidiária, resta prejudicada
a análise desta questão.
Mantenho, dessa forma, a decisão originária do juízo da 3ª
Vara do Trabalho de Rio Branco/AC, reconhecendo a responsabilidade
subsidiária da recorrente, nos termos da fundamentação supra.
2.4 Conclusão
Dessa forma, conheço dos recursos ordinários interpostos,
afasto as preliminares suscitadas e, no mérito, nego-lhes
provimento.
3 DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da 2ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade,
conhecer dos recursos ordinários interpostos, afastar as preliminares
suscitadas, no mérito, negar-lhes provimento, nos termos do voto
do Relator. Sessão de julgamento realizada no dia 27 de outubro de
2009.
CARLOS AUGUSTO GOMES LÔBO
DESEMBARGADOR-RELATOR
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.281-291, jul./dez. 2009
294
295
Processo:
classe:
órgão julgador:
origem:
RECORRENTE(S):
Advogado(s):
RECORRIDO(S):
Advogado(s):
RELATORA:
02748.2008.000.14.00-6
RECURSO ADMINISTRATIVO
TRIBUNAL PLENO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA
14ª REGIÃO
CARLA MADUREIRA DA ALELUIA SENEM
ROLAND STREGE
JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL
DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO
DESEMBARGADORA VANIA MARIA DA
ROCHA ABENSUR
APOSENTADORIA
POR
INVALIDEZ
PERMANENTE.
CONSTATAÇÃO. LAUDO
MÉDICO OFICIAL. Apenas por ocasião do
laudo que atesta a incapacidade definitiva
é que estará preenchido o pressuposto
à aposentação por invalidez, o que
determina que a inativação deva regerse pelas normas constitucionais e legais
vigentes neste momento, ainda que a
aposentadoria somente vigore a partir
da data da publicação do ato respectivo,
como expressamente previsto no caput
do art. 188 da Lei n. 8.112/90. Recurso
Administrativo não-provido.
1 RELATÓRIO
A recorrente pretende reforma do despacho de fls. 91/95
em que o Desembargador Presidente deste Regional, com base no
inciso I do § 1º do art. 40, da Constituição Federal, com redação
dada pela EC n. 41/2003, c/c inciso I do art. 186, da Lei n. 8.112/90,
e §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º do art. 1º, da Lei n. 10.887/2004, indeferiu
a paridade salarial e aplicou a média aritmética das remunerações
das contribuições no Regime Próprio de Previdência Social, em
razão da incapacidade da servidora para o trabalho ter ocorrido
somente a partir de 30/05/2005, data posterior à EC 41/2003.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
296
Nas razões recursais de fls. 105/109 sustenta restar
definida a sua impossibilidade de retorno ao trabalho e de
readaptação funcional, no Acórdão do TST/CSJT n. 193076/2008000-00-00-0, devendo este Regional, ainda, prestar esclarecimento
quanto à data do início da patologia da servidora em questão, a
fim de precisar possibilidade de ocorrência da paridade salarial.
Informa que, embora o início de sua patologia tenha
ocorrido em meados de 2002, somente em 06/10/2003 houvera
prorrogação de suas licenças, ocasionando o chamamento de
perícia para constatação da incapacidade para o trabalho e, por
conseguinte, a aposentação por invalidez permanente.
Aduz ter a Junta Médica Regional emitido parecer no
sentido da incapacidade para o trabalho ter ocorrido somente em
30/05/2005 (fl. 83), razão pela qual a Secretaria de Gestão de
Pessoas (fls. 85/86v) e a Diretoria de Serviço de Controle Interno
e Auditoria (fls. 88/89) opinaram pela aplicação do inciso I do §
1º do art. 40, da CF/88, com redação dada pela EC n. 41/2003,
c/c inciso I do art. 186, da Lei n. 8.112/90; §§ 1º/5º do art. 1º e
art. 5º da Lei n. 10.887/1004, sem que haja se falar em paridade
salarial, portanto, por ser o laudo médico oficial o instrumento hábil
a balizar a concessão da aposentadoria por invalidez permanente.
O Ministério Público opina às fls. 113/117 pelo
improvimento recursal, com fulcro no art. 3º da EC n. 41/2003 c/c
§ 2º do art. 51, da Orientação Normativa n. 01/2007, do Ministério
da Previdência Social.
2 FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
Recurso tempestivo conforme art. 108 da Lei n. 8.112/90,
pelo que dele conheço.
2.2 MÉRITO
2.2.1 APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PERMANENTE E AS
ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELAS EMENDAS CONSTITUCIONAIS
Nº 41/2003 E Nº 47/2005
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
297
Imperioso estabelecer o cotejo da aplicabilidade, no tempo,
do § 3º do art. 40, da Constituição Federal e suas regulamentações
ordinárias, com a documentação constante dos autos, principalmente
o laudo médico, para que se verifique a possibilidade da ex-servidora
ter sua aposentadoria remunerada em proventos integrais ou
proporcionais à média das remunerações de contribuição.
O inciso I do art. 186 da Lei n. 8.112/90 preconiza:
Art. 186. O servidor será aposentado:
I - por invalidez permanente,
integrais quando decorrente de
moléstia profissional ou doença
incurável, especificada em lei,
demais casos;
sendo os proventos
acidente em serviço,
grave, contagiosa ou
e proporcionais nos
Em que pese não ter sido essa redação alterada, registro se
sobreporem as modificações constitucionais sobre ela. Desse modo,
ainda que a lei preveja concessão de benefícios de forma diversa,
tal disposição encontra-se derrogada pelas constitucionais.
Assim, de acordo com a redação embrionária do art. 40
da CF, a aposentadoria de um servidor era garantida nas seguintes
situações jurídicas:
Art. 40. O servidor será aposentado:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais
quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável,
especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos;
II - compulsoriamente, aos 70 anos de idade, com
proventos proporcionais ao tempo de serviço;
III – voluntariamente:
a) aos 35 anos de serviço, se homem, e aos 30 se mulher,
com proventos integrais;
b) aos 30 anos de efetivo exercício em funções de
magistério, se professor, em 25 anos, se professora, com
proventos integrais;
c) aos 30 anos de serviço, se homem, e aos 25 se mulher,
com proventos proporcionais a esse tempo;
d) aos 60 se mulher, com proventos proporcionais ao
tempo de serviço.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
298
As aposentadorias por tempo de serviço, invalidez e
compulsória, vinculavam-se a uma regra de paridade entre os
proventos com os vencimentos recebidos no cargo ativo (redação
originária do § 4º do art. 40, da CF).
Nesse sentido, servidor que adquirisse tempo de serviço
mínimo teria direito à aposentação pela regra pré-determinada
pela CF, ou seja, os proventos da aposentadoria seriam com base
no cargo efetivo de igual nomenclatura, como se não houvesse
a interrupção na carreira. Portanto, gratificações, aumento
de estipêndios, reposicionamento e outras vantagens seriam
extensivos ao servidor aposentado.
Tal regra foi vista com uma tábua de salvação dos estipêndios
dos aposentados, por sofrerem reajustes e evoluções compassadas
com os servidores paradigmas em atividade.
Contudo, na tentativa de sanar os problemas financeiros
da Previdência Social, o Executivo, no curso dos anos, vem
alterando as normas previdenciárias com o objetivo de tornar o
sistema previdenciário mais atrativo, incluindo em seu contexto os
servidores públicos.
Como bem ressaltado no despacho de fls. 91/95, da
lavra do então Presidente deste Regional, com a EC n. 20, de
15/12/1998, a redação original do art. 40 sofreu substancial
alteração, deixando de ser aposentadoria por tempo de serviço
para um regime de previdência em caráter contributivo, “impondo
observância a um tempo mínimo no serviço público e no cargo,
idade mínima e tempo de contribuição”.
Apesar de reformado o art. 40 da CF, seu § 4º manteve a
revisão dos proventos de aposentadoria na mesma proporção e na
mesma data, sempre que se modificasse a remuneração dos servidores
em atividade, sendo também estendido, aos inativos, qualquer
benefício ou vantagem posteriormente concedidos aos servidores
em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou
reclassificação do cargo ou função em que se dera a aposentadoria.
Contudo, com o advento da EC n. 41/2003, foi implementada
mais uma alteração no art. 40, da CF, desde a promulgação da CF,
em 05/10/1988, sendo grafada da seguinte forma:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
299
Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, incluídos nas autarquias e fundações,
é assegurado regime de previdência de caráter
contributivo e solidário, mediante contribuição do
respectivo ente público, dos servidores ativos e
inativos e dos pensionistas, observados critérios
que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o
disposto neste artigo.
§ 1º. Os servidores abrangidos pelo regime de
previdência de que trata este artigo serão aposentados,
calculados os seus proventos a partir dos valores
fixados na forma dos §§ 3º e 17:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos
proporcionais ao tempo de contribuição, exceto
se decorrente de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável,
na forma da lei;
II - compulsoriamente, aos 70 anos de idade, com
proventos proporcionais ao tempo de contribuição;
III - voluntariamente, desde que cumprido tempo
mínimo de 10 anos de efetivo exercício no serviço
público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará
a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) 60 anos de idade e 35 de contribuição, se homem,
e 55 anos de idade e 30 de contribuição, se mulher;
b) 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade,
se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de
contribuição.
Desse modo, a EC n. 41/03 fixou que por ocasião da
concessão dos proventos de aposentadoria e as pensões, será
seguida a regra das remunerações utilizadas como base para
as contribuições do servidor aos regimes de previdência, com a
devida atualização, na forma da lei, sendo abolida a paridade dos
aposentados com seus pares em atividade, em razão do novo
critério ser o contributivo e levar em consideração os valores
recolhidos ao regime previdenciário, já atualizados.
Tal regra aplica-se às novas aposentadorias concedidas
aos servidores que ingressaram no serviço público após a
publicação da EC n. 41/2003, haja vista que as antigas, conforme
preconizado no inciso XXXVI do art. 5º, da CF, continuam sendo
destinatárias de paridade com os servidores em atividade,
revistas na mesma proporção e data que houver modificação da
remuneração dos servidores ativos, sendo, portanto, estendido
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
300
aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente
concedidos aos servidores em atividade, na forma do art. 7º da
EC n. 41/2003.
Contudo, o art. 2º da EC n. 41/2003 assegura o direito
à aposentadoria voluntária com proventos calculados de acordo
com os §§ 3º e 17 do art. 40, da CF.
Tal regra permite alteração do quantum recebido nos
proventos de aposentadoria do servidor público, vez que o art.
2º, da EC n. 41/2003 estipula que o servidor que se aposentar
pelas regras passadas, terá seu provento reduzido para cada
ano antecipado, em relação aos limites de idade estabelecidos
na regra geral, ou seja, 60 anos para homem e 55, para as
mulheres.
Entendo ser inconstitucional tal redução que não estava
prevista na regra de transição da EC n. 20/98, por afronta ao §
4º do IV do art. 60, da CF.
Contudo, ressalto que os cálculos dos valores a serem
pagos na aposentadoria foram mantidos pela atual reforma
da aposentadoria do servidor público, obedecendo o § 2º, do
art. 40, da CF, com redação dada pela EC n. 20/98, ou seja,
os proventos de aposentadoria e pensões, por ocasião de sua
concessão, não poderão exceder à remuneração do respectivo
servidor, no cargo em que se deu a aposentadoria ou que serviu
de referência para a concessão da pensão.
Tal regra deve ser interpretada como vem estabelecido
no art. 7º da EC n. 41/2003, já que os servidores aposentados ou
os pensionistas continuam sendo destinatários de paridade com
os servidores em atividade, em razão do direito adquirido e o
ato jurídico perfeito das respectivas aposentadorias e pensões.
Portanto, a regra da EC n. 41/2003 só é aplicada aos
novos casos, não tendo o condão de retroagir para alcançar as
pensões ou aposentadorias anteriores à sua existência.
Ademais, a proposta de Emenda à Constituição n. 227A/2004, conhecida como PEC paralela da Reforma da Previdência,
aprovada em agosto/2004, alterou a EC n. 41/2003 assegurando,
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301
aos servidores públicos que se encontravam em exercício na data
da publicação de aludida Emenda (19/12/2003), a possibilidade
de se aposentarem com proventos integrais, calculados com base
na remuneração do cargo efetivo, mantendo a regra de paridade
a que alude o art. 7º dessa Emenda, aos que se aposentarem
com base no seu art. 6º.
2.2.2 DO LAUDO MÉDICO OFICIAL
A aposentadoria por invalidez permanente é um
benefício pago ao servidor que ficar permanentemente incapaz
para o trabalho, mediante inspeção atualizada por órgão médico
pericial. Corresponde à passagem do servidor para a inatividade
com proventos integrais ou proporcionais.
Com efeito, dispõe o art. 188 da Lei n. 8.112/90:
Art. 188. A aposentadoria voluntária ou por invalidez
vigorará a partir da data da publicação do respectivo
ato.
§ 1º A aposentadoria por invalidez será precedida de
licença para tratamento de saúde, por período não
excedente a 24 (vinte e quatro) meses.
§ 2º Expirado o período de licença e não estando em
condições de reassumir o cargou ou de ser readaptado,
o servidor será aposentado.
§ 3º O lapso de tempo compreendido entre o término
da licença e a publicação do ato da aposentadoria será
considerada como prorrogação da licença.
Ademais, conforme estabelecido no art. 51 e seu § 2º, da
Orientação Normativa MPS/SPS Nº 1, de 23 de janeiro de 2007:
Art. 51. O servidor que apresentar incapacidade
permanente para o trabalho, conforme definido em
laudo médico pericial, será aposentado por invalidez,
com proventos proporcionais ao tempo de contribuição,
exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia
profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável,
hipóteses em que os proventos serão integrais,
observado quanto ao seu cálculo, o disposto no art.
56.
§ 1º Omissis
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
302
§ 2º A aposentadoria por invalidez será concedida
com base na legislação vigente na data em que laudo
médico-pericial definir como início da incapacidade
total e definitiva para o trabalho. (grifos ausentes no
original).
Assim, o benefício de aposentadoria por invalidez é devido
a partir da apresentação do laudo médico oficial que constatou
a redução na capacidade laborativa do segurado, e não como o
aduzido pela ora recorrente, no qual ”a concessão de aposentadoria
com ou sem paridade salarial, depende do quesito de em que data
fora contraída a moléstia, se anterior ou posterior a 19.02.2004”.
Compulsando os autos constato haver laudo pericial
à fl. 49, emitido pela Junta Médica Oficial deste Regional,
que atesta a incapacidade da servidora, assim opinando
pela aposentadoria por invalidez permanente com proventos
proporcionais, com arrimo no inciso I, do art. 186 c/c o § 3º do
art. 188, da Lei n. 8.112/90 e no art. 4º da Resolução n. 37,
de 20/09/1995 do Tribunal de Contas da União.
A Seção de Legislação, Aposentadoria e Pensões, por
sua vez, emitiu parecer às fls. 51/57 em que concluíra pela
concessão da aposentadoria por invalidez permanente com
percepção de proventos proporcionais à servidora, ressaltando,
contudo, que o cálculo dos proventos deverá observar os §§
1º, 2º e 5º do art. 1º e art. 5º, da Lei n. 10.887/2004 e as
disposições contidas no § 21 do art. 40 da CF, com redação
dada pela EC n. 47/2005.
No mesmo sentido, opinou o Serviço de Controle
Interno e Auditoria, conforme fls. 61/63.
Contudo, em obediência ao despacho de fl. 02, a
Secretaria de Gestão de Pessoas (fls. 81/81v.) sugeriu o retorno
dos autos à Diretoria de Saúde para manifestação objetiva
acerca da “data que definiu como início da incapacidade total e
definitiva para o trabalho”.
Em resposta, a Junta Médica Oficial (fl. 83) exarou
parecer à fl. 83 para assim reiterar o despacho de fl. 79,
que definiu a ocorrência da incapacidade para o trabalho
“somente a partir de 30/05/2005, sem perspectiva para uma
possível readaptação”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
303
Após essas manifestações, a Secretária de Gestão de
Pessoas entendeu que “o documento hábil para definir como
se dará a aposentadoria, ou seja, se com paridade ou sem
paridade e se de forma integral ou proporcional, é o laudo
médico”, considerando os preceitos do § 2º, do art. 5º, da
Orientação Normativa da MPS/SPS n. 1, de 23 de janeiro de
2007, ipsis litteris:
Art. 51. ... (Omissis)
§ 1º. ... (omissis);
§2º. A aposentadoria por invalidez será concedida
com base na legislação vigente na data em que laudo
médico-pericial definir como início da incapacidade
total e definitiva para o trabalho. (grifei).
Neste diapasão, nas hipóteses de aposentadoria por
invalidez, há de se observar, quanto à legislação aplicável, a data
do laudo que atesta a incapacidade definitiva, e não a do momento
da exteriorização da moléstia que conduziu à inativação, como
pretende a aposentada, ora recorrente.
Assim, como a divergência reside na definição do momento
em que são tidos por preenchidos os pressupostos necessários à
aposentação por invalidez, tendo em vista que, de conformidade
com a Súmula 359 do Supremo Tribunal Federal, a aposentadoria
rege-se pela lei vigente ao tempo que o beneficiário os reuniu. E isto
porque o servidor só passa a ter direito adquirido à aposentadoria
no momento em que reúne os requisitos para a sua concessão, ou
seja, quando o direito incorpora-se ao seu patrimônio jurídico.
A aposentadoria por invalidez tem por pressuposto a
invalidez permanente, reconhecida por laudo médico do órgão
de perícia competente, devendo ser precedida por licença para
tratamento de saúde, em prazo não superior a 24 meses (§ 1º do
art. 188, da Lei n. 8.112/90). Logo, no momento do aparecimento
da enfermidade, a então servidora não havia reunido todos os
pressupostos necessários à aposentação, já que não configurada a
invalidez permanente.
Ressalto que a razão da previsão legal de prévia licença
para tratamento de saúde consiste em que, diante dos inúmeros
avanços da medicina, nem sempre é possível afirmar, desde
o aparecimento da moléstia, que dela, efetivamente, advirá
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
304
incapacidade permanente. O laudo que conclui pela invalidez
permanente não se limita a atestar uma situação pré-existente,
já que, embora grave a enfermidade, pode ocorrer que o servidor
readquira as condições laborais e não venha a ser inativado,
como também pode ocorrer o inverso, isto é, que a moléstia que
inicialmente não se mostrava tão severa se agrave, de molde a
determinar a inativação. Tudo a demonstrar que, quando licenciado
o servidor para tratamento de saúde, não é possível afirmar que já
estejam preenchidos os pressupostos à inativação por invalidez.
Assim, apenas por ocasião do laudo que atesta a
incapacidade definitiva é que estará preenchido o pressuposto
à aposentação por invalidez, o que determina deva a inativação
reger-se pelas normas constitucionais e legais vigentes neste
momento, ainda que a aposentadoria somente vigore a partir
da data da publicação do ato respectivo, como expressamente
previsto no caput do art. 188 da Lei n. 8.112/90.
Note-se que o § 2º do art. 3º, da EC n. 41/2003,
assegurou a concessão de aposentadoria de conformidade
com as regras anteriores apenas àqueles servidores que,
até a data da sua promulgação, tivessem cumprido todos os
requisitos para a obtenção do benefício. No caso em exame, a
servidora encontrava-se licenciada para tratamento de saúde
desde outubro/2003, mas o laudo que atestou a incapacidade
definitiva somente veio a ser expedido na vigência da EC n.
41/2003 e da Lei Federal n. 10.887/04, o que a coloca fora
do alcance da garantia do mencionado § 2º do art. 3º, já que
não preenchido o pressuposto básico à inativação por invalidez
enquanto vigentes as regras anteriores, conquanto não atestada
a incapacidade definitiva.
Portanto, não há que se falar em paridade salarial,
considerando que o laudo emitido pela junta médica (registrando
que a servidora perdeu a capacidade para o trabalho) está
datado de 30/05/2005, posterior, portanto, à promulgação
de EC n. 41/2003, segundo a qual a base de cálculo das
aposentadorias passou a ser a média das remunerações de
contribuição do servidor (art. 40, §3º), cuja eficácia plena da
norma ocorreu com a edição da Medida Provisória n. 167, de
19/02/2004, convertida na Lei n. 10.887/2004.
2.3 CONCLUSÃO
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
305
Dessa forma, conheço e nego provimento ao apelo.
3 DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes do Pleno do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade,
conhecer do recurso administrativo; no mérito, negarlhe provimento, nos termos do voto da Relatora. Sessão de
julgamento realizada no dia 19 de fevereiro de 2009.
Porto Velho-RO,19 de fevereiro de 2009.
VANIA MARIA DA ROCHA ABENSUR
DESEMBARGADORA-RELATORA
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.293-303, jul./dez. 2009
306
307
processo:
classe:
0000300-67.2009.514.0151
Recurso Ordinário(00003.2009.151.1
4.00-4)
órgão julgador: 2ª TURMA
origem:
VARA DO TRABALHO DE BURITIS - RO
1º RECORRENTE:
ELENICE SANTOS DE OLIVEIRA TEIXEIRA
Advogada:
Corina Fernandes Pereira
2º RECORRENTE:
MADEMARCO MADEIRAS IMPORTAÇÃO E
EXPORTAÇÃO LTDA - ME
Advogado:
Fernando Bertuol Oietrobon
1ª RECORRIDA:
MADEMARCO MADEIRAS IMPORTAÇÃO E
EXPORTAÇÃO LTDA - ME
Advogado:
Fernando Bertuol Oietrobon
2ª RECORRIDA:
ELENICE SANTOS DE OLIVEIRA TEIXEIRA
Advogada:
Corina Fernandes Pereira
RELATORA:
JUÍZA CONVOCADA ARLENE REGINA DO
COUTO RAMOS
REVISORA:
DESEMBARGADORA SOCORRO MIRANDA
PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA ENTRE
O PEDIDO E A SENTENÇA. DANOS
EMERGENTES. AUSÊNCIA DE PEDIDO.
ARTIGOS 128 E 460 DO CPC. JULGAMENTO
EXTRA PETITA. Verificando-se a condenação
da parte em parcela não requerida na
inicial, deve-se reduzir o julgado de forma
a adequá-lo aos limites em que a lide
foi proposta, em respeito ao princípio da
congruência entre o pedido e a sentença,
previsto nos artigos 128 e 46 do CPC.
INDENIZAÇÃO A TÍTULO DE DANO
MORAL. QUANTIFICAÇÃO. MAJORAÇÃO.
Revelando-se o quantum indenizatório
fixado em primeiro grau desproporcional à
extensão do dano, deve-se dar provimento
ao apelo para majorá-lo.
DANO
ESTÉTICO.
Abstraindo-se
do
contexto fático dos autos que a lesão
sofrida pela obreira derivada de acidente de
trabalho imprimiu-lhe deformação estética,
tal constatação autoriza o deferimento de
indenização a título de dano estético.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
308
1 RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário (fls. 178/189) interposto
pela reclamante, Elenice Santos de Oliveira Teixeira, face a decisão
monocrática de fls. 164/177 que julgou parcialmente procedentes
os pedidos constantes na inicial (fls. 02/17).
Pleiteia a recorrente a reforma da aludida decisão, visando
o reconhecimento do valor salarial declinado na inicial (R$ 500,00),
a majoração das indenizações por danos emergentes, lucros
cessantes e dano moral, a condenação da reclamada ao pagamento
de indenização por dano estético, no ônus da sucumbência, ao
tempo em que renova o pedido de concessão dos benefícios da
Justiça Gratuita.
Sem contrarrazões pela reclamada (MADEMARCO –
Madeiras Importação e Exportação Ltda. ME), conforme certidão
de expiração de prazo de fl. 213.
Ainda em face da mencionada decisão, a reclamada
interpôs recurso ordinário (fls. 190/200) pleiteando sua reforma,
aduzindo que não houve incapacidade laborativa da reclamante.
Alternativamente, requer a mitigação do valor da pensão mensal a
título de incapacidade parcial.
Sem contrarrazões pela reclamante, consoante certidão
de expiração de prazo de fl. 213.
Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do
Trabalho por força de previsão regimental deste e. Tribunal (art. 89).
2 FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
2.1.1 DO RECURSO ORDINÁRIO OBREIRO
O recurso é tempestivo, considerando que a reclamante
ficou ciente da decisão de fls. 164/177 em 25.08.2009 (terçafeira), nos termos da Súmula n. 197 do Tribunal Superior do
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
309
Trabalho (TST; fl. 150), e protocolizou seu apelo em 02.09.2009
(quarta-feira; fl. 178), portanto, dentro do prazo legal.
A representação processual encontra-se regular (fl. 18).
No que se refere às custas processuais, perceba-se que
foram deferidos os benefícios da Justiça Gratuita à autora (fl. 177),
além de a reclamada ter sido condenada a esse título (fl. 177).
Inexigível depósito recursal por se tratar de recurso
obreiro, interpretação contrario sensu que se extrai do disposto no
art. 899 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Por outro lado, nota-se que a reclamante renova o pedido
de deferimento dos benefícios da Justiça Gratuita.
Nesse aspecto, observa-se que a r. sentença, precisamente
à fl. 177, já apreciou o pedido, deferindo os benefícios da gratuidade
da justiça à obreira.
Desse modo, no ponto em apreço, carece de interesse a
reclamante, não merecendo que tal pedido ultrapasse a barreira
do conhecimento.
A reclamada, apesar de devidamente notificada em
09.10.2009 (sexta-feira; fl. 212) para, querendo, apresentar
contrarrazões, manteve-se inerte, conforme certidão de expiração
de prazo de fl. 213.
Assim, preenchidos os pressupostos extrínsecos e
intrínsecos de admissibilidade, conhece-se do recurso ordinário
obreiro (fls. 178/189), à exceção do pedido de Justiça Gratuita,
por faltar interesse recursal à reclamante, no particular.
2.1.2 DO RECURSO ORDINÁRIO PATRONAL
O recurso é tempestivo, considerando que a reclamada ficou
ciente da decisão de fls. 164/177 em 25.08.2009 (terça-feira), nos
termos da Súmula n. 197 do TST (fl. 150), e protocolizou seu apelo em
02.09.2009 (quarta-feira; fl. 190), portanto, dentro do prazo legal.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
310
(fl. 39).
A representação processual encontra-se em ordem
Custas processuais em ordem à fl. 202.
Contudo, percebe-se irregularidade no que tange ao
recolhimento do depósito recursal, consoante restará evidenciado
nas próximas linhas. Com efeito, ao examinar o recurso interposto
pela reclamada, observa-se que a mesma não fez a escolha certa da
guia adequada para o devido recolhimento do depósito recursal.
Ocorre que, embora tenha providenciado o depósito
recursal relativo ao seu apelo (fls. 201 e 203/204), não o fez na guia
própria, qual seja, Guia de recolhimento do FGTS e Informações à
Previdência Social – GFIP, tal como se encontra determinado pelo
art. 899, §§ 4º e 5º, da CLT, c/c a Instrução Normativa n. 26/04
do Colendo Tribunal Superior do Trabalho.
Segundo a mencionada Instrução Normativa, o depósito
recursal previsto no art. 899 da CLT deverá ser efetuado mediante
a utilização da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à
Previdência Social – GFIP.
Para melhor compreensão da matéria, segue adiante a
transcrição literal da referida espécie normativa:
INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 26
Dispõe sobre a guia de recolhimento do depósito
recursal.
O Tribunal Superior do Trabalho, no gozo de suas
prerrogativas constitucionais e legais,
Considerando que o depósito recursal, nos termos do
art. 899 da CLT, deve ser feito em conta vinculada do
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, aberta
para fim específico;
Considerando que os recolhimentos, a título de
depósito recursal, realizam-se por intermédio da Guia
de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência
Social – GFIP, de conformidade com o disposto no
item 10.2 da Circular Caixa nº 321, de 20 de maio de
2004;
Considerando a possibilidade da emissão da Guia de
Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência
Social pelo aplicativo da Caixa Econômica Federal
denominado “Sistema Empresa de Recolhimento do
FGTS e Informações à Previdência Social - SEFIP”
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
311
(GFIP emitida eletronicamente), conforme previsto no
item 4.1.1 da Circular Caixa nº 321, de 20 de maio
de 2004;
Considerando a inovação trazida pela Circular Caixa nº
321, de 20 de maio de 2004, item 10.4, autorizando o
recolhimento do depósito recursal mediante a utilização
da Guia de Recolhimento do FGTS e Informações à
Previdência Social – GFIP, emitida pelo aplicativo
“SEFIP” (GFIP emitida eletronicamente), sem prejuízo
do uso da GFIP avulsa;
RESOLVEU expedir as seguintes instruções:
I - O depósito recursal previsto no art. 899 da CLT
poderá ser efetuado mediante a utilização da Guia de
Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência
Social - GFIP, gerada pelo aplicativo da Caixa
Econômica Federal denominado “Sistema Empresa de
Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência
Social - SEFIP” (GFIP emitida eletronicamente),
conforme Anexo 1, ou por intermédio da GFIP avulsa,
disponível no comércio e no sítio da Caixa Econômica
Federal (Anexo 2).
II - A GFIP emitida eletronicamente, para fins de
depósito recursal, ostentará no seu cabeçalho o
seguinte título “Guia de Recolhimento para Fins de
Recurso Junto à Justiça do Trabalho”.
III - O empregador que fizer uso da GFIP gerada
eletronicamente poderá efetuar o recolhimento do
depósito judicial via Internet Banking ou diretamente
em qualquer agência da Caixa Econômica Federal ou
dos bancos conveniados.
IV-A comprovação da efetivação do depósito recursal,
dar-se-á obrigatoriamente das seguintes formas:
No caso de pagamento efetuado em agências da
Caixa Econômica Federal ou dos bancos conveniados,
mediante a juntada aos autos da guia GFIP devidamente
autenticada, e na hipótese de recolhimento feito via
Internet, com a apresentação do “Comprovante de
Recolhimento/FGTS - via Internet Banking” (Anexo
3), bem como da Guia de Recolhimento para Fins de
Recurso Junto à Justiça do Trabalho (Anexo 2), para
confrontação dos respectivos códigos de barras, que
deverão coincidir.
Registre-se que tal entendimento é pacífico nesta e. Corte,
conforme as ementas dos julgados a seguir transcritas:
RECURSO
ORDINÁRIO.
DEPÓSITO
RECURSAL.
GUIA IMPRÓPRIA. DESERÇÃO. O depósito recursal
não realizado em guia GFIP, na conta vinculada do
trabalhador, na forma dos parágrafos 4º e 5º do
art. 899, da CLT, torna o recurso deserto. (Tribunal
Regional do Trabalho da 14ª Região, 2ª Turma, RO,
00018.2007.401.14.00-9, Relator: Mário Sérgio
Lapunka; Data de Julgamento: 10/10/2007, Data de
Publicação: 15/10/2007)
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
312
DEPÓSITO RECURSAL EFETIVADO EM GUIA PARA
RECOLHIMENTO JUDICIAL TRABALHISTA. DESERÇÃO.
Dispõem explicitamente os §§ 4° e 5° do art. 899 da
CLT que o depósito recursal deverá ser procedido
na conta vinculada do FGTS de titularidade do
obreiro recorrido, devendo ser utilizada a Guia de
Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência
Social (GFIP) para efetuar tal recolhimento, consoante
se extrai das Instruções Normativas n°’s 15, 18 e 26,
do colendo Tribunal Superior do Trabalho. Portanto,
o recolhimento em guia diversa caracteriza deserção,
mormente se não há notícia de que o sistema bancário
estivesse inoperante dentro do prazo recursal, e
o vínculo empregatício é incontroverso. (Tribunal
Regional do Trabalho da 14ª Região, 2ª Turma, RO,
00491.2007.006.14.00-5, Relatora: Socorro Miranda,
Data de Julgamento: 13/12/2007, Data de Publicação:
18/12/2007)
RECURSO ORDINÁRIO. DEPÓSITO RECURSAL EM
GUIA IMPRÓPRIA. DESERÇÃO. O depósito recursal
não realizado em Guia de recolhimento do FGTS e
Informações à Previdência - GFIP, na conta vinculada
do trabalhador, na forma prevista no art. 899, §§ 4º
e 5º, da CLT, bem como na Instrução Normativa do
Colendo TST configura irregularidade que resulta na
deserção do apelo, impedindo, por conseguinte, o
seu conhecimento. (Tribunal Regional do Trabalho da
14ª Região, 2ª Turma, RO, 00259.2008.151.14.00-0,
Relatora: Juíza Convocada Arlene Regina do Couto
Ramos, Data de Julgamento: 05/02/2009, Data de
Publicação: 10/02/2009)
No caso sub oculi, de acordo com o que se verifica
das fls. 201 e 203/204, a reclamada-recorrente providenciou
o recolhimento do depósito recursal em guia específica para
depósito judicial trabalhista, a qual, não se presta para o
fim colimado nesta ocasião.
Desse modo, havendo irregularidade no preparo
no que tange ao depósito recursal, não merece o apelo
ultrapassar a barreira do conhecimento.
Por oportuno, registre-se que o reclamante, apesar
de devidamente notificado em 09.10.2009 (sexta-feira; fl.
212) para, querendo, apresentar contrarrazões, mantevese inerte, conforme certidão de expiração de prazo de fl.
213.
Assim, deixa-se de conhecer do presente recurso
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
313
ordinário patronal (fls. 190/200) por irregularidade no
tocante ao recolhimento do depósito recursal.
Contudo, esta Relatoria restou vencida pela Douta
Maioria, que decidiu por acompanhar a tese divergente
sustentada pela Exma. Desembargadora Revisora, transcrita
in verbis:
VOTO DE REVISORA – RAZÕES DE DIVERGÊNCIA
QUANTO A PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO
APELO PATRONAL, POR DESERÇÃO.
Com efeito, a diretriz que se colhe do art. 899 da CLT
em seus §§ 1º e 2º, calha-se no sentido de que o
depósito recursal deve ser efetuado na conta vinculada
do reclamante, e mais ainda, mediante a “Guia de
Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência
Social” - GFIP.
É oportuno mencionar ainda, que Tal determinação
é reiterada pela Instrução Normativa n° 26/2004 do
TST.
Logo, em situações como no caso vertente, em que
esse ônus processual, acabou sendo realizado pela
parte valendo-se de uma guia de depósito judicial
trabalhista, a primeira ilação que emerge é de
que o preparo está defeituoso, configurando, por
conseguinte, uma deserção que impedirá a análise
intrínseca do recurso.
De fato, no âmbito desta 2ª turma perdurou até
bem recentemente essa linha de entendimento,
sendo que esta mesma magistrada proferiu inúmeros
julgamentos com espeque nessa linha de raciocínio
anteriormente articulada.
Porém, depois de refletir com mais vagar sobre a
questão, e, sobretudo de observar que está havendo
uma mudança de padrão de análise no particular, já
que o próprio c. Tst, a despeito da instrução normativa
de sua lavra, vem decidindo, tanto na sbdi-1, como
nas suas diferentes turmas por suplantar a aludida
irregularidade, resolvi propor aos meus pares a
adoção desse padrão de entendimento no âmbito
deste juízo colegiado revisional.
A título de ilustração do mencionado no parágrafo
transato, considere as seguintes decisões:
RECURSO DE EMBARGOS INTERPOSTO SOB A
VIGÊNCIA DA LEI Nº 11.496/2007, QUE DEU
NOVA REDAÇÃO AO ART. 894 DA CLT. - RECURSO
DE REVISTA - CONHECIMENTO E PROVIMENTO
- DEPÓSITO RECURSAL - RECOLHIMENTO COMPROVAÇÃO - GUIA DE DEPÓSITO DIVERSA DA
PREVISTA NA INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 26/2004/
TST - VALIDADE - Não obstante a Instrução Normativa
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
314
26/2004 aluda à utilização da Guia de Recolhimento do
FGTS e Informações à Previdência Social - GFIP para
recolhimento do depósito recursal, previsto no artigo
899 da CLT, é válida a utilização da Guia para Depósito
Judicial Trabalhista, para o recolhimento respectivo,
porque não há previsão legal no sentido de a incorreção
da Guia de Recolhimento do Depósito Recursal gerar
a deserção do recurso e, ainda, porque o equívoco
havido não impossibilitava a identificação para que
se destina o depósito, alcançando, na hipótese, o
princípio da finalidade essencial do ato processual.
Recurso de Embargos conhecido e desprovido- (E-EDRR-486/2005-026-09-00.2, Rel. Min. Carlos Alberto
Reis de Paula, SBDI-1, DEJT 27/03/2009).
-RECURSO ORDINÁRIO. DEPÓSITO RECURSAL.
GUIA DE DEPÓSITO JUDICIAL. DESERÇÃO. NÃOOCORRÊNCIA. Afigura-se regular o depósito recursal
para fins de recurso quando efetuado mediante guia
de depósito judicial trabalhista, observados o prazo
e valor legais, e encontrando-se consignados na guia
respectiva o nome do reclamante e do reclamado, a
Vara do Trabalho em que tramitou o feito e o número
do processo, além da autenticação do Banco recebedor
da quantia. Não caracteriza a deserção do recurso o
fato de o depósito ter sido efetuado em guia diversa
da GFIP e fora da conta vinculada do FGTS. Recurso de
embargos conhecido e não provido- (E-RR-4179/2006047-12-00.6, Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa, SBDI-1,
DEJT 13/03/2009).
-AGRAVO DE INSTRUMENTO. Dá-se provimento
ao Agravo de Instrumento para melhor exame da
indicada violação ao art. 5º, inc. LV, da Constituição da
República. DEPÓSITO RECURSAL REALIZADO EM GUIA
PARA DEPÓSITO JUDICIAL TRABALHISTA. DESERÇÃO.
-Considera-se válida para comprovação do depósito
recursal na Justiça do Trabalho a guia respectiva em
que conste pelo menos o nome do Recorrente e do
Recorrido; o número do processo; a designação do
juízo por onde tramitou o feito e a explicitação do
valor depositado, desde que autenticada pelo Banco
recebedor.- (Instrução Normativa 18 do TST). Recurso
de Revista de que se conhece e a que se dá provimento(RR-348/2005-011-21-40.3, Rel. Min. João Batista
Brito Pereira, 5ª Turma, DEJT 06/02/2009).
A partir desse novo horizonte, pude perceber que,
embora realmente a guia utilizada pela recorrente
tenha sido inadequada, o depósito foi efetivamente
efetuado, e como os valores nele consubstanciados
estão à disposição do Juízo, a finalidade primordial
de tal depósito foi alcançada, qual seja, a garantia do
Juízo para o caso de confirmação da decisão.
Afigura-se basilar para se ter por válida tal linha de
entendimento a aplicação, na hipótese, tanto do
princípio da instrumentalidade das formas, como
o da boa-fé, que pode ser confirmada a partir da
inequívoca intenção da parte em recorrer, tanto que
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
315
promoveu o recolhimento do numerário, apenas tendo
utilizado de um meio que convencionou-se como
sendo impróprio.
Destarte, propugno ser possível superar o aspecto
meramente formal da não utilização da guia gfip
no recolhimento do depósito recursal, de modo a
declarar que o apelo merece ser apreciado, já que,
como demonstrado o objetivo precípuo – garantia do
juízo, restou atendido.
Essas são as razões em que assentam a presente
divergência.
autos.
Passa-se, pois, ao exame dos demais aspectos dos
2.1.3 DA PRELIMINAR DE JULGAMENTO EXTRA PETITA
SUSCITADA DE OFÍCIO
A parte autora, na peça inicial (fls. 02/17), no que tange
ao alegado dano material, requereu o seguinte:
XII – DA PENSÃO ALIMENTÍCIA
A reclamante foi contratada para exercer a função de
torneira, e nesta condição percebia mensalmente uma
remuneração de R$ 500,00 (Quinhentos reais), o que
resta-se prejudicado posto que não pode laborar com
apenas uma das mãos.
Com o acidente a Requerente teve sua capacidade
laborativa diminuída, uma vez que ficou com seqüelas
definitivas de movimento e força da mão.
Nos termos do art. 950 do CC:
“Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido
não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe
diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além
das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao
fim da convalescença, incluirá pensão correspondente
à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da
depreciação que ele sofreu”.
Assim, em decorrência do acidente ter ocorrido
pela omissão da Reclamada, e pela não observância
de preceitos básicos de segurança para com seus
funcionários, requer seja condenada ao pagamento
de pensão alimentícia mensal, a ser fixada a partir
da sentença até que a Reclamante complete a idade
necessária e se torne apta a concessão de benefício
por parte do INSS.
XIII – DO PEDIDO
Ante Exposto, requer que seja a Reclamada compelida
a pagar as seguintes verbas calculadas com base na
remuneração da Reclamante no valor de R$ 500,00
(Quinhentos reais).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
316
[...]
5. Seja o Reclamado compelido ao pagamento de
verba alimentar a Reclamante no importe de R$
500,00 (Quinhentos reais) mensais até a idade de
atingir o benefício previdenciário, em decorrência de a
Reclamante ter se tornado permanentemente inválida
para o trabalho, o que impossibilita o provimento de
seu sustento; (ipsis litteris; fls. 13/16; sublinha-se).
Para interpretar o que, realmente, tenciona a parte, devese ter em mira, de antemão, que a indenização por dano material,
em caso de acidente do trabalho ou doença ocupacional em que se
alega a existência de perda ou redução da capacidade laborativa,
traduz-se em 3 (três) modalidades: danos emergentes, lucros
cessantes e pensão.
Ao tratar do dano material, bem como a respeito da
natureza jurídica da pensão, Sebastião Geraldo de Oliveira, in
Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, 2ª
edição, LTr, às fls. 182, 183, 213 e 225, expõe o seguinte:
[...]
O Código Civil estabelece no art. 402 que o
ressarcimento dos danos abrange parcelas de duas
naturezas: o que efetivamente o lesado perdeu e o
que razoavelmente deixou de ganhar. Na apuração do
que a vítima efetivamente perdeu temos os chamados
danos emergentes ou danos positivos; na avaliação
do que deixou de ganhar estaremos diante dos lucros
cessantes ou danos negativos.
[...]
O dano emergente é aquele prejuízo imediato e
mensurável que surge em razão do acidente do
trabalho, causando uma diminuição no patrimônio do
acidentado. É o prejuízo mais visível porque representa
dispêndios necessários e concretos cujos valores são
apuráveis nos próprios documentos de pagamento,
tais como: despesas hospitalares, honorários médicos,
medicamentos, aparelhos ortopédicos, sessões de
fisioterapia, salários para acompanhantes no caso
de a vítima necessitar de assistência permanente de
outra pessoa ou, nos casos de óbito, os gastos com
funeral, luto, jazigo, remoção do corpo etc.
[...]
Além das perdas efetivas dos danos emergentes, a
vítima pode também ficar privada dos ganhos futuros,
ainda que temporariamente. Para que a reparação
do prejuízo seja completa, o art. 402 do Código
Civil determina o cômputo dos lucros cessantes,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
317
considerando-se como tais aquelas parcelas cujo
recebimento, dentro da razoabilidade, seria correto
esperar.
[...]
Por outro lado, se o art. 950 do Código Civil assegura
ao acidentado que ficou inválido uma pensão
correspondente “à importância do trabalho para que
se inabilitou”, não há razão lógica ou jurídica em
deferir pensão com apoio em outras bases para os
dependentes, no caso de acidente de trabalho fatal.
Discorrendo sobre esse ponto, concluiu Rui Stoco:
“Ambas as hipóteses são de pensionamento mensal,
seja aos dependentes do morto, seja à própria vítima,
de modo que a utilização das expressões “alimentos”
no art. 948 e “pensão” no art. 950 não significa que
haja diferença ontológica e substancial entre uma
e outra. Ambas têm características de prestação
alimentar, mas não caráter alimentar propriamente
dito.
[...]
Sendo reparatória a natureza jurídica da pensão
(item 9.3), a sua base de cálculo deve ser apurada
considerando os rendimentos que a vítima percebia e
não as necessidades dos beneficiários. (ipsis litteris,
sublinha-se)
Ora, se o pedido da autora, conforme transcrito, trata de
indenização por dano material “em decorrência de a Reclamante
ter se tornado permanentemente inválida para o trabalho”, diante
dos conceitos anteriormente consignados, é claro que está vindo
a Juízo requerer tão-somente pensão, o que deixa evidente, por
meio do pedido constante do item “5”.
Note-se que, em momento algum, a parte autora, na peça
vestibular (fls. 02/17), apontou a existência de efetivos danos
emergentes ou lucros cessantes. Contudo, frisou a existência de
incapacidade laborativa geradora do dever de indenizar, por meio
de pensão mensal.
Ademais, o art. 950 do Código Civil a que faz referência
a reclamante na citada peça, aborda, justamente, a hipótese
de pensão, “Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido
não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a
capacidade de trabalho [...]”.
Em síntese, se a parte alega a existência de suposta
perda laborativa, a parcela correspondente, em tese, se cabível,
é pensão e não outra, haja vista a aludida previsão constante do
ordenamento jurídico pátrio.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
318
Entretanto, a decisão de primeiro grau, quanto ao dano
material pleiteado, assim se manifestou:
A autora postula indenização por incapacidade
permanente parcial.
Quanto aos danos materiais, devem ser indenizados
os emergentes, assim como os lucros cessantes
(Código Civil, art. 402). Emergentes aqui são os
sofridos imediatamente pelo trabalhador em razão do
necessário tratamento médico. Lucros cessantes são
o custo que o obreiro, em razoável estimativa, vai
ter de suportar ao longo da vida por motivo da lesão
sofrida.
No que tange aos emergentes, observa-se à fl. 31,
confirmando a alegação autoral, que foi indeferido
o requerimento de auxílio-doença apresentado em
01/12/2008 porque considerada não segurada a
trabalhadora, pela irregularidade do seu vínculo
empregatício. O benefício veio a ser concedido apenas
em 13/01/2009 (f. 74). Cabe por isso indenização
desse benefício quanto ao interregno situado entre
a data do acidente (13/11/2008) e o instante da
concessão (13/01/2009), de dois meses. Fixo à
indenização valor equivalente à remuneração total
que teria a obreira nesse período, observado o salário
contratual, o adicional de insalubridade e as horas
extras costumeiras. Considerando o salário contratual
de R$450,00, o acréscimo de 20% do salário mínimo
por insalubridade (20% x R$415,00=R$83,00), as
horas extras costumeiras [30d/7d x 6h x (R$450,00
+ R$83,00)x1,50/220h=R$93,45], a remuneração
mensal total da demandante alcançava R$626,45 na
data do acidente. A referida indenização do período
mencionado atinge, pois, R$1.252,90.
Passando aos lucros cessantes, o acidente de trabalho
acarretou à obreira incapacidade permanente parcial,
decorrente da perda por amputação, em sua mão
esquerda, das falanges medial e distal dos dedos
indicador, médio e mínimo, além da perda total do
dedo anular, já que a amputação abrangeu parte de
sua falange proximal (f. 32/34, 102). Embora o laudo
pericial de f. 102/103 consigne que a capacidade
laborativa da reclamante não foi afetada, há nisso
evidente erro material; quis o perito significar que não
resultou incapacidade total.
A
incapacidade
permanente
total
implicaria
aposentadoria, de valor mensal correspondente à
remuneração habitual da obreira, R$626,45 por mês,
como acima calculado.
À míngua de estimativa do perito médico quanto
ao grau de incapacidade permanente parcial, sirvome, para quantificação da porção da incapacidade
sofrida pela demandante, da Tabela da SUSEP –
Superintendência de Seguros Privados (in Oliveira,
Sebastião Geraldo de; Indenizações por acidente do
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
319
Trabalho ou Doença Ocupacional; LTR, 2006, 2ª ed.,
p. 394). Essa tabela atribui os percentuais de 15%,
12%, 9% e 12% à perda total respectivamente dos
dedos indicador, médio, anular e mínimo e, para perda
parcial, a fração de um terço do percentual respectivo
para cada falange cujo uso foi perdido. Adotando
esses critérios, resulta no caso o percentual total de
35% para o conjunto de lesões sofridas pela obreira
em sua mão esquerda.
Assim, neste caso a pensão mensal pela incapacidade
parcial corresponderia a 35% de R$626,45, ou
seja, R$219,26 por mês ou R$2.850,38 por ano
(13 prestações mensais, incluindo a gratificação
natalina).
[...]
De acordo com a tabela de expectativa de sobrevida
levantada pelo IBGE, para o sexo feminino, de 2003
(op. cit., 405), para a autora (nascida em 24/12/1982;
f. 19vº), que contava 21 anos de idade no ano de
referência da tabela, esse número corresponde a
56,9, ou seja, viveria até 78 anos de idade, até 2060.
Relativamente à data do acidente (2008), a sobrevida
é de 52 anos. [...]
[...]
Resumindo, estimo danos materiais emergentes
de R$1.252,90 e lucros cessantes de R$52.498,51
totalizando R$53.751,41 valor referido a 13/11/2008,
a que condeno a reclamada. [...](ipsis litteris; fls.
169/172; sublinhado no original).
Ocorre que, promovendo-se o cotejo entre a peça inicial
(fls. 02/17) e a sentença (fls. 164/177), vê-se que não foi requerida
indenização a título de dano material nos moldes deferidos pelo
Juízo de origem.
Com efeito, em momento algum a reclamante pleiteou
danos emergentes ou lucros cessantes. Conforme nota-se, houve
uma confusão dos institutos jurídicos envolvidos pelo Juízo a quo.
Ao invés de analisar o pedido de pensão decorrente de diminuição
de capacidade laborativa por acidente de trabalho, o Juízo
monocrático deferiu à reclamante, a título de danos materiais,
danos emergentes e lucros cessantes.
Apesar desse equívoco, percebe-se que ao tratar de “lucros
cessantes”, o Juízo a quo, a bem da verdade, tratou do instituto
da pensão, já que deferiu indenização decorrente de diminuição da
capacidade laborativa advinda de acidente de trabalho.
Contudo, quanto aos danos emergentes, vislumbra-se a
ocorrência de julgamento extra petita, visto que referido instituto
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
320
sequer foi pedido na peça vestibular.
Sendo assim, suscita a Relatora, de ofício, a presente
preliminar, para, em conformidade com o art. 128 e 460 do Código
de Processo Civil (CPC), aplicável subsidiariamente ao processo do
Trabalho, por força do art. 769 da CLT, excluir da condenação da
reclamada a indenização a título de danos emergentes, em respeito
ao princípio da congruência entre o pedido e a sentença traduzido nos
referidos artigos.
2.2 MÉRITO
Primeiramente, explica-se ser necessária a análise dos pedidos
recursais de forma conjunta visando evitar a repetição de argumentos
nos diversos pontos de contato da matéria.
2.2.1 DO SALÁRIO CONTRATUAL
Pleiteia a reclamante a reforma da decisão monocrática (fls.
164/177) alegando que houve error in judicando no tocante à fixação
do salário contratual.
Aduz que o ônus de provar o salário pago ao empregado
compete ao empregador, obrigação não cumprida pela reclamada,
sendo inadimissível mera presunção.
Assevera ser aplicável o princípio de direito probatório que
determina caber a prova àquele que é apto para produzi-la, de especial
aplicação em questões relativas a salário.
Afirma que em matéria de salário a aptidão para produzir
prova é do empregador na medida em que está obrigado a realizar
os pagamentos contra recibo (art. 464 da CLT), além de competirlhe anotar em Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) as
condições específicas do contrato de trabalho (art. 29 da CLT).
Colaciona entendimento doutrinário e jurisprudencial no
sentido de que a inércia da reclamada em produzir provas faz com
que seja devido o valor apontado na inicial (fls. 02/17), não podendo o
julgador embasar seu entendimento com base em meras presunções.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
321
Nesse contexto, requer a fixação do salário contratual
no importe de R$500,00 (quinhentos reais) com a consequente
reforma dos demais pedidos daí decorrentes.
Pois bem.
Na peça vestibular a reclamante afirma o seguinte:
[...] foi contratada pela empresa ora Reclamada
em 04/07/2008, para exercer função de torneira,
percebendo um salário mensal de R$ 500,00
(Quinhentos reais), por tempo indeterminado, sendo
que no dia 13/11/2008 veio a sofrer grave acidente de
trabalho. (ipsis litteris; fl. 03)
[…]
Ademais, as anotações constantes na Carteira de
Trabalho não se limitam as irregularidades quanto a
data da admissão, posto que a Reclamante não fora
contratada como auxiliar de serviços gerais e sim
como torneira, bem como sua remuneração era de R$
500,00 (Quinhentos reais) mensais. (ipsis litteris; fl.
05)
Na cópia da CTPS de fl. 22 consta um salário no valor de
“R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais)”.
Em depoimento, a reclamante assim afirmou:
começou a trabalhar para a reclamada no dia
04/07/2008; exercia a função de torno [...] que
recebia R$500,00 por mês; que recebia seu salário
em espécie pago pela secretária, cujo nome não se
recorda; [...] (ipsis litteris; fls. 41/42)
Consta na contestação a seguinte passagem quanto ao
salário obreiro:
[...] a reclamante iniciou a prestação dos serviços a
reclamada em 01 de novembro de 2008, conforme
podemos observar pelo anexo CONTRATO DE
TRABALHO A TÍTULO DE EXPERIÊNCIA, na função
de SERVIÇOS GERAIS com salário de R$ 450,00
(quatrocentos e cinqüenta reais). (ipsis litteris; fl.
57)
Com efeito, no Contrato de Trabalho a Título de
Experiência (fl. 72) e na ficha de registro (fl. 73) juntados pela
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
322
reclamada registrou-se o valor de R$ 450,00 como sendo o
salário da reclamante.
Registre-se que mencionados documentos foram
impugnados em audiência, quando de sua juntada, nos
seguintes termos:
MM Juíza, impugna-se o contrato de experiência
uma vez que não consta datas e nem assinaturas
da empresa nem testemunhas, somente assinatura
da reclamante que foi assinada no dia 13, quando
ocorreu o acidente. Impugna ainda a ficha de registro
apresentada, uma vez que consta rasura na data
conforme a cópia apresentada que vislumbra que foi
efetuado no dia 14/11/2008, uma vez que o registro
só ocorreu depois do acidente. [...] (ipsis litteris; fl.
41)
Conforme observa-se, a obreira traz a alegação de que
percebia como salário o valor de R$ 500,00, enquanto a reclamada
sustenta que a mesma percebia a quantia de R$ 450,00, juntando
documentos para comprovar sua contestação.
Contrariamente ao que alega as razões recursais da
obreira, não se acredita que o Juízo a quo embasou sua decisão
em presunções.
Na verdade, a reclamante não conseguiu provar que
percebia salário superior ao valor que consta em sua CTPS, ou
seja, não se desimcunbiu do ônus que lhe competia nos termos do
que prega os arts. 818 da CLT e 333, I, do CPC.
Veja-se que a única testemunha trazida a Juízo pela
reclamante, senhora Cristiane de Oliveira Silva, silenciou quanto
ao salário recebido pela obreira, bem como não informou se havia
algum pagamento de valor “por fora” ou a maior do que consta
registrado em CTPS.
Nesse sentido, convém salientar que a carteira de trabalho
é um documento oficial, sendo que as informações ali inseridas
gozam de presunção juris tantum. Quer se dizer que as anotações
nela apostas são consideradas válidas, podendo, no entanto, ser
elididas por prova em contrário.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
323
Entretanto não houve produção probatória nesse sentido
por parte da reclamante. Alegar e nada provar é o mesmo que
nada alegar.
Dessa forma, não provando a autora qualquer divergência
entre o salário anotado em sua CTPS e o valor por si percebido,
nega-se provimento ao apelo no ponto em apreço.
2.2.2 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DA RECLAMADA NO
ACIDENTE DE TRABALHO
De acordo com a exordial, a reclamante fora contratada
pela reclamada no dia 04.07.2008, para exercer a função de
torneira, sendo que dentre as atribuições se afigurava a utilização
do torno, no qual coloca-se peças de madeira para a fabricação de
cabos de vassoura.
Aduz que no dia 13.11.2008, quando estava manipulando
o torno, apesar de todo o seu cuidado, ao por a madeira na prancha,
o rolo compressor puxou sua mão esquerda, ocasionando-lhe a
perda de 4 dedos.
Atribui o acidente sofrido à omissão da reclamada e à
não observância de preceitos básicos de segurança para com seus
funcionários.
A defesa sustenta que o sinistro ocorreu por culpa exclusiva
da vítima ao realizar atividade para a qual não foi contratada,
muito menos autorizada, bem como por ter agido sem o cuidado
devido.
Explica que o torno não oferece riscos à integridade física
caso seja manipulado corretamente. Nesse contexto argumenta
inexistência de nexo de causalidade entre o dano e a conduta da
reclamada, ou, no máximo, culpa concorrente.
Pois bem.
civil.
Vejamos a legislação disciplinadora da responsabilidade
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
324
O art. 186 do Código Civil (CC) determina que “Aquele
que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência,
violar direito ou causar dano a outrem, ainda que exclusivamente
moral, comete ato ilícito”. A partir desse preceptivo legal se
instituiu a chamada responsabilidade subjetiva, a qual exige, como
pressupostos para responsabilização, os seguintes elementos:
a ocorrência de dano, ação ou omissão voluntária e nexo de
causalidade entre o dano e a conduta do agente.
Sobre a teoria subjetiva da responsabilidade civil,
transcreve-se trechos extraídos da obra “Indenizações por Acidente
do Trabalho ou Doença Ocupacional”, LTr, 3ª edição, páginas 94/95,
de autoria do Desembargador e Doutrinador Sebastião Geraldo de
Oliveira, in verbis:
Pela concepção clássica da responsabilidade civil
subjetiva, só haverá obrigação de indenizar o
acidentado se restar comprovado que o empregador
teve alguma culpa no evento, mesmo que de natureza
leve ou levíssima. A ocorrência do acidente ou doença
proveniente do risco normal da atividade da empresa
não gera automaticamente o dever de indenizar,
restando à vítima, nessa hipótese, apenas a cobertura
do seguro de acidente do trabalho, conforme as
normas da Previdência Social.
O substrato do dever de indenizar tem como base
o comportamento desidioso do patrão que atua
descuidado do cumprimento das normas de segurança,
higiene ou saúde do trabalhador, propiciando, pela
sua incúria, a ocorrência do acidente ou doença
ocupacional. Com isso, pode-se concluir que, a rigor,
o acidente não surgiu do risco da atividade, mas
originou-se da conduta culposa do empregador.
Na responsabilidade subjetiva só caberá a indenização
se estiverem presentes o dano (acidente ou doença),
o nexo de causalidade do evento com o trabalho e
a culpa do empregador. Esses pressupostos estão
indicados no art. 186 do Código Civil e a indenização
correspondente no art. 927 do mesmo diploma legal,
com apoio maior no art. 7º, XXVIII, da Constituição
da República.
Avançando-se mais sobre o assunto, o legislador se
precaveu em estabelecer critérios mais severos àqueles que
desenvolverem atividade que por sua própria natureza, ofereçam
riscos a outrem. Nesses casos, estabeleceu a responsabilidade na
forma objetiva, segundo a qual, independentemente do elemento
culpa, subsistirá a responsabilidade na reparação do dano. É o
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
325
que se extrai do artigo 927, caput e parágrafo único do referido
diploma civilista, transcrito in verbis:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano,
independentemente de culpa, nos casos especificados
em lei, ou quando a atividade normalmente
desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua
natureza, risco para os direitos de outrem. (sublinhase).
Acerca do risco a que alude o Código Civil, convém
transcrever lição do autor Sebastião Geraldo de Oliveira, in
Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional,
LTr, 4ª edição, páginas 111/112:
[...]
De fato, qualquer um pode tropeçar, escorregar e cair
em casa ou na rua, ser atropelado na calçada da rua
por um automóvel descontrolado, independentemente
de estar ou não no exercício de qualquer atividade,
podendo mesmo ser um desempregado ou
aposentado. No entanto, acima desse risco genérico
que afeta indistintamente toda coletividade, de certa
forma inerente à vida atual, outros riscos específicos
ocorrem pelo exercício de determinadas atividades,
dentro da concepção da teoria do “risco criado”.
[...]
Assim, se a exposição do trabalhador estiver acima do
risco médio da coletividade geral, caberá o deferimento
da indenização, porquanto, nessa hipótese, foi o
exercício do trabalho naquela atividade que criou
esse risco adicional. Em outras palavras, considera-se
de risco, para fins da responsabilidade civil objetiva
prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil,
as atividades que expõem os empregados a uma
maior probabilidade de sofrer acidentes, comparandose com a média dos demais trabalhadores.
Balizadas tais premissas, verifica-se que, no caso em
comento, não pairam dúvidas de que ocorreu um acidente
de trabalho típico, inclusive tendo sido concedido benefício
previdenciário decorrente de incapacidade para o trabalho
(fl. 74). Além disso, não houve recurso versando sobre a (in)
existência do aludido acidente de trabalho.
Também não houve negativa de que a lesão que acomete
a reclamante decorreu do citado acidente. Mesmo assim,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
326
visando sanar quaisquer dúvidas em relação ao aparecimento
ou desenvolvimento da enfermidade, bem assim o grau de
redução da capacidade laborativa, o Juízo de primeira instância
determinou a realização de perícia técnica, cujo laudo do perito
médico veio aos autos às fls. 102/103, transcrevendo-se, a
seguir, o seguinte trecho:
Da lesão
Pelas cicatrizes apresentadas, trata-se de lesões
produzidas por instrumento corto contuz (sic), e são
lesões extremamente sensíveis no local devido a
inervação que se transformam em neuromas.
Da capacidade laborativa do reclamante
Desde que se observem os cuidados com as lesões
dos dedos comprometidos, a capacidade laborativa do
reclamante não foi afetada já que, a lesão foi na mão
esquerda e ele e (sic) destra, porém haverá receio
quanto ao uso desta mão por algum tempo.
[...]
Quesitos da reclamante.
1) As lesões descritas na inicial são em razão do
acidente de trabalho?
R. Provavelmente.
2) Essas lesões resultaram incapacidade permanente
da reclamante para o trabalho?
R. Não, por algum tempo ficara (sic) receosa de
usar a mão acidentada em virtude do descrito
anteriormente.
3) As lesões reduziram as capacidades laborativa do
reclamante e qual o percentual de redução?
R. Não, apenas o mencionado anteriormente.
4) Pelas lesões sofridas, pode a reclamante voltar a
exercer as atividades anteriores desempenhadas? Em
caso negativo descrever as razões do impedimento?
R. Sim.
5) Pode a reclamante desenvolver suas atividades
diárias em decorrência das lesões?
R. Sim, com os inconvenientes descritos anteriormente.
(ipsis litteris).
Observe-se que apesar de o laudo afirmar que
“provavelmente” as lesões descritas resultaram do acidente de
trabalho, é incontroverso que o aludido acidente foi o causador do
dano sofrido pela reclamante, restando tão-somente verificar a quem
pertence a responsabilidade pelo acidente ocorrido.
Ab initio, impõe-se salientar que embora a reclamada seja
insistente na tese de que o infortúnio decorreu de culpa exclusiva da
vítima, tal assertiva deve ser examinada com o máximo de cautela.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
327
Passando-se para a análise da perícia feita no local de
trabalho da reclamante, destaca-se os seguintes trechos do laudo de
fls. 115/121:
II- QUESITOS APRESENTADOS PELO RECLAMANTE:
[...]
1) Se nas instalações da empresa ora Reclamada existem
placas de advertência quanto à periculosidade.
Não;
2) Se nas instalações nas instalações da empresa ora
Reclamada existem placas de advertência quanto ao
uso de equipamentos de segurança.
Não;
3) Se existe programa de proteção ao trabalho.
Não;
4) Se a empresa concede equipamentos de segurança
a seus funcionários.
Sim;
[...]
7) Se na máquina em que trabalhava a Reclamante
existe alguma proteção contra acidentes.
Não; verificando o torno em que trabalhava a torneira
(reclamante), não tinha proteção nas correias, as
roldanas estavam livres sem tela ou outro tipo de
proteção;
III – QUESITOS APRESENTADOS PELA RECLAMADA:
[...]
9) Informe o Sr. Perito, tendo em vista o local de
trabalho da reclamante constantes do quesito anterior,
quais eram as atividades exercidas pela reclamante?
Colocar a peça de seção quadrada na entrada do torno
e forçá-la para dentro, com ritmo e velocidade, de
forma repetida e constante;
10) Considerando um dia normal de trabalho, durante
quanto tempo deste dia a reclamante permanecia em
cada atividade?
O tempo todo, fora as idas para beber água ou ao
banheiro, durante a jornada de trabalho;
[...]
16) Estes equipamentos evitam o contato direto com
os agentes de risco?
Não, pois os riscos nas máquinas são contornados
com as proteções adequadas;
17) Os equipamentos por ela utilizados diminuem
a intensidade do agente agressivo a limites de
tolerância?
Não;
18) Em caso positivo qual a periodicidade mensal a
que Reclamante era exposto a este tipo de agente
agressivo?
Durante toda a jornada de trabalho, de segunda a
sexta feira, o mês inteiro;
[...]
VI- ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES
[…]
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
328
2- Sobre esta seção, o ambiente é sujo, com piso de
terra batida coberto de pó de madeira, tem exaustor
para os tornos;
[...]
4- No local bem como em todo o prédio não foi
encontrado o mapa de risco local, havia um só
funcionário que utilizava EPI’s, o empregador informa
que fornece EPI’s aos empregados, porém não
ofereceu cursos ou orientações sobre a atividade ou
uso dos EPI’s;
5- As tarefas que exerce o torneiro na empresa, no
período normal de trabalho das 7 às 11h e das 14 às
18:00h de segunda a sexta feira, são de colocar os
quadrados e colocar no torno, sua atividade é exercida
em pé, durante toda a jornada;
6- Devido à função que exercia na empresa, a
reclamante executava a limpeza no pátio e na área
de trabalho quando era realizada a manutenção em
seu torno;
7- Ficava o período de descanso na área do galpão
e fazia uso de equipamentos de proteção individual
(EPI’s) fornecidos pelo empregador, como luva de
raspa cano curto, avental de raspa, protetor auricular
tipo concha com NRSf 14dB com CA; (ipsis litteris;
sublinhado no original).
Veja-se que o laudo do ambiente de trabalho é conclusivo
no sentido de que a reclamada não cumpria as normas de
segurança, não existindo placas de advertência quanto à
periculosidade e ao uso dos equipamentos de segurança, bem
como pela ausência de programa de proteção ao trabalho. Somese a isso o fato de o empregador não ter fornecido “cursos ou
orientações sobre a atividade ou uso dos EPI’s”. Essa negligência
da reclamada em cumprir as normas de segurança do trabalho
enseja, seguramente, a sua responsabilização.
Não bastasse isso, na máquina em que a reclamante
trabalhava não existia proteção alguma contra acidentes, pois
“não tinha proteção nas correias, as roldanas estavam livres
sem tela ou outro tipo de proteção”. Veja-se que o ramo de
atividade da reclamada, marcenaria para confecção de cabos de
vassouras, constitui-se em atividade de extremo risco, o que faz
com que seja responsável também do ponto de vista objetivo.
Com efeito, pois de acordo com a legislação em vigor,
compete ao empregador providenciar todas as providências
necessárias à prevenção de acidentes. Convém destacar que a
prova do fornecimento de EPI e o treinamento adequado para a
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
329
execução dos serviços competia à empregadora, nos termos da
Norma Regulamentadora (NR) n. 6. Senão, vejamos:
6.6.1. Cabe ao empregador quanto ao EPI:
a) adquirir o adequado ao risco de cada atividade;
b) exigir seu uso;
c) [...]
d) orientar e treinar o trabalhador sobre o uso
adequado guarda e conservação;
[...]
Ademais, é obrigação da empresa zelar para que seus
empregados cumpram as normas de segurança e
medicina do trabalho, a teor do que dispõe o art. 157
da CLT:
Art. 157 - Cabe às empresas:
I - cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e
medicina do trabalho; (destaca-se)
Portanto, não basta que o empregador forneça os
equipamentos de segurança ou capacite seus empregados,
É imprescindível que se exija o cumprimento de todos os
procedimentos de cautela necessários à prevenção de doenças e
acidentes.
Quanto ao aspecto da culpa exclusiva da vítima,
ventilada pela reclamada, esclarecedoras são as lições de
Sebastião Geraldo de Oliveira, in Indenizações por Acidente do
Trabalho ou Doença Ocupacional, 4ª edição revista e ampliada,
São Paulo, ed. Ltr, p. 145:
Fica caracterizada a culpa exclusiva da vítima quando
a causa única do acidente do trabalho tiver sido a sua
conduta, sem qualquer ligação com o descumprimento
das normas legais, contratuais, convencionais,
regulamentares, técnicas ou do dever geral de cautela
por parte do empregador.
Ora, a reclamante fora contratada para a função de
serviços gerais, porém, sendo-lhe exigida a execução de tarefas
que pressuponha treinamento adequado. Certo é que competia
ao empregador, dono do negócio, fiscalizar o cumprimento dos
procedimentos e regras necessárias à prevenção de doenças e
acidentes laborais.
A respeito do assunto, Sebastião Geraldo do Oliveira
(Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional,
2ª edição, páginas 161/162), assim leciona:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
330
O acidente do trabalho pode também surgir, por culpa do
empregador, sem que tenha ocorrido violação legal ou
regulamentar de forma direta, como mencionamos no
item precedente. Isso porque as normas de segurança
e saúde do trabalhador, ainda que bastante minuciosas,
não alcançam todas as inumeráveis possibilidades de
condutas do empregado e do empregador na execução
do contrato de trabalho.
Assim, como não é possível a norma estabelecer regras
de comportamento para todas as etapas da prestação dos
serviços, abrangendo cada passo, variável, gesto, atitude,
forma de execução ou manuseio dos equipamentos,
exige-se um dever fundamental do empregador de
observar uma regra genérica de diligência, uma postura
de cuidado permanente, a obrigação de adotar todas as
precauções para não lesar o empregado.
Com efeito, em muitas ocasiões, as normas legais
simplesmente apontam diretrizes gerais para a conduta
patronal, tais como: adotar precauções no sentido
de evitar acidentes; reduzir até eliminar os riscos
existentes no local de trabalho; promover a realização
de atividades de conscientização, educação e orientação
dos trabalhadores para a prevenção dos acidentes;
identificar situações que venham a trazer riscos para a
segurança e saúde dos trabalhadores; prevenir, rastrear
e diagnosticar precocemente os agravos à saúde
relacionados ao trabalho; elaboração de programa
visando à preservação da saúde e da integridade dos
trabalhadores, através de antecipação, reconhecimento,
avaliação e consequente controle da ocorrência de
riscos ambientais existentes ou que venham a existir no
ambiente de trabalho etc.
A constatação da culpa resultará de um processo
comparativo do comportamento do empregador que
acarretou o infortúnio, com a conduta esperada de uma
empresa que zela adequadamente pela segurança e
saúde do trabalhador.
[...]
A culpa, portanto, será aferida no caso concreto,
avaliando-se se o empregador poderia e deveria ter
adotado outra conduta que teria evitado a doença ou
o acidente. Formula-se a seguinte indagação: um
empregador diligente, cuidadoso, teria agido de forma
diferente?
Se a resposta for sim estará caracterizada a culpa
patronal, porque de alguma forma pode ser apontada
determinada ação ou omissão da empresa, que se
enquadra no conceito de imprudência, imperícia ou
negligência.
O dever geral de cautela assume maior relevância
jurídica na questão do acidente do trabalho, porquanto
o exercício da atividade da empresa inevitavelmente
expõe a riscos o trabalhador, o que de antemão já aponta
para a necessidade de medidas preventivas, tanto mais
severas quanto maior o perigo da atividade.
Como se verifica, qualquer descuido ou negligência
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
331
do empregador com relação à segurança, higiene e
saúde do trabalhador pode caracterizar a sua culpa
nos acidentes ou doenças ocupacionais e ensejar o
pagamento de indenizações à vítima. É importante
assinalar que a conduta exigida do empregador vai além
daquela esperada do homem médio nos atos da vida
civil (bonus pater familias), uma vez que a empresa tem
o dever legal de adotar as medidas preventivas cabíveis
para afastar os riscos inerentes ao trabalho, aplicando
os conhecimentos técnicos até então disponíveis para
eliminar as possibilidades de acidentes ou doenças
ocupacionais. [...](destaca-se).
No caso específico dos autos, é incontestável que a
atividade desenvolvida pela reclamante a expunha a um risco
elevado, além de a reclamada não ter tomado todas as precauções
para evitar acidentes. Em outras palavras, resta caracterizada a
responsabilidade da reclamada, pois, certamente, teve culpa no
evento fatídico ocorrido com a reclamante.
Reconhecida, pois, a responsabilidade da reclamada pelo
infortúnio ocasionado à obreira, passa-se ao exame dos demais
aspectos da lide.
2.2.3 DO DANO MATERIAL (PENSÃO)
A reclamante requer a majoração da indenização a título
de danos materiais sob a alegação de que o salário considerado
pelo Juízo a quo para seu cálculo é inferior ao apontado na inicial.
Aduz que o Juízo de origem não foi feliz ao reduzir seu
entendimento aos valores de indenização, apontando um dever de
reparar ao apelado em valor irrisório e insuficiente para amenizar
o sentimento de perda vivenciado.
Explica que quanto aos danos materiais a decisão
combatida dividiu-os em duas parcelas, quais sejam, danos
emergentes e lucros cessantes.
Argumenta que quanto aos danos emergentes há de se
observar que o salário contratual utilizado como base para seu
cálculo diverge daquele apresentado pela inicial.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
332
Exprime que a pensão por incapacidade parcial de fato
corresponde a 35% sobre a remuneração obreira, devendo apenas
ser considerado o valor de R$685,21 como a remuneração da
reclamante, o que renderia R$ 239,82 por mês ou R$ 3.117,66
por ano.
Conclui afirmando que o valor devido, levando em
consideração a verdadeira remuneração da reclamante, é de
R$57.421,28.
Essas são, em síntese, as principais argumentações
obreiras quanto ao ponto em comento.
Por sua vez, a reclamada alega que as lesões sofridas
pela obreira não são as apontadas na sentença de fls. 164/177,
posto que em desacordo com o laudo pericial de fls. 102/103.
Aduz que o Juízo a quo, alegando “erro material” do laudo
e argumentando que o perito quis significar que não resultou
incapacidade total, atribuiu incapacidade laborativa à obreira.
Assegura que não há que se falar em erro material
do mencionado laudo pericial, muito menos que o perito quis
significar que não resultou incapacidade total.
Afirma que as lesões sofridas pela obreira não causaram
incapacidade permanente para o trabalho, lembrando que
somente há direito à indenização (lucros cessantes) naqueles
casos em que há perda da capacidade para o trabalho, o que, no
seu entender, não é o caso dos autos.
Assegura que o Juízo monocrático equivocou-se desde o
início em sua decisão, seja quanto às lesões sofridas pela obreira
seja em face da prova pericial produzida acerca da incapacidade
laborativa da autora.
Argumenta no sentido de não restar dúvidas de que a
obreira não teve sua capacidade para o trabalho reduzida, podendo
até mesmo retornar às atividades anteriormente desempenhadas
por ela antes do evento danoso, o que afasta qualquer alegação
de redução de capacidade laborativa e, consequentemente,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
333
qualquer dever de indenizar.
Colaciona diversas ementas de julgados nas quais restou
inexistente o dever de indenização a título de dano material na
hipótese de ausência de redução da capacidade laborativa.
Acrescenta que, segundo o multicitado laudo pericial, se
observados os cuidados com as lesões dos dedos comprometidos,
a capacidade laborativa da reclamante não será afetada.
Expõe que como a obreira perdeu apenas parte dos
dedos da mão esquerda, estas lesões não a impedem de exercer
suas atividades normais, muito menos reduzem sua capacidade
laborativa, consoante o laudo mencionado.
Alternativamente ao pedido de improcedência da
indenização a título de danos materiais (lucros cessantes), pleiteia
a diminuição do valor da pensão mensal a título de incapacidade
parcial, de modo que seja aplicado o percentual de 19% de perda,
resultando no valor mensal de R$119,02 com base no salário de
R$626,45.
Examina-se.
Conforme restou tratado em sede de preliminar (item
2.1.3), houve uma confusão de institutos por parte do Juízo a quo
no tocante ao danos materiais. Registrou-se naquela oportunidade
que ao invés de o Juízo analisar o pedido de pensão decorrente
de diminuição de capacidade laborativa por acidente de trabalho,
o mesmo deferiu à reclamante, a título de danos materiais, danos
emergentes e lucros cessantes.
Todavia, anotou-se que apesar desse equívoco, ao tratar
de “lucros cessantes”, o Juízo de origem cuidou do instituto da
pensão, já que deferiu indenização decorrente de diminuição da
capacidade laborativa advinda de acidente de trabalho.
No que tange aos danos emergentes, consignou-se a
ocorrência de julgamento extra petita, visto que referido instituto
sequer foi pedido na peça vestibular, excluindo-se, por esse
motivo, tal condenação.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
334
Relembrando outro ponto já tratado na presente decisão
(item 2.2.1), repise-se que restou fixado pela decisão originária
o valor do salário da obreira como sendo de R$ 450,00.
Assim, caiu por terra o único argumento trazido pela
reclamante em suas razões para a majoração do quantum
indenizatório. Além disso, crê-se não ser o caso de majorar a
indenização estabelecida pelo Juízo a quo (R$53.751,41) como
pretende a reclamante.
Por outro lado, não se acredita que seja o caso de acolher
a pretensão da reclamada de diminuição do valor indenizatório,
muito menos exclusão da referida obrigação.
Com efeito, pois apesar de constar no laudo pericial de fls.
102/103 que “a capacidade laborativa do (sic) reclamante não foi
afetada” é incontestável a expressiva perda, visto que a mesma
não poderá mais exercer perfeitamente/plenamente funções que
lhe exija a utilização da mão esquerda. Ressalte-se que o fato da
reclamante ser destra e o acidente ter ocorrido na mão esquerda
não exime a circunstância da diminuição de sua capacidade
laboral.
É claro e inconteste que a perda parcial de 4 (quatro)
dedos diminui a capacidade laborativa de qualquer pessoa, ainda
mais daquelas que trabalham com serviços que exigem esforços
físicos, com é o caso da reclamante.
No caso, é preciso considerar que a perda parcial de dedos
da mão esquerda da autora não lhe permitirá ou, no mínimo,
dificultará exercer a função que dantes exercia e, inclusive, não
poderá exercer qualquer função que exija a utilização das duas
mãos e, dado o baixo grau de instrução da reclamante, não se
pode esperar que a mesma logrará êxito em atividades de ensino
intelectual, mostrando-se grave e expressiva a redução de sua
capacidade laborativa.
Desse modo, afigurando-se razoável o valor estabelecido
pelo Juízo a quo à indenização a título de da material (pensão),
mantém-se o valor da indenização a título de dano material na
espécie de pensão.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
335
2.2.4 DO DANO MORAL
Pugna a reclamante pela majoração da indenização a título
de dano moral alegando que o valor fixado pela decisão monocrática
de fls. 164/177 apresenta-se irrisório e sequer aproxima-se de
uma amenização pelo evento danoso sofrido e que irá acompanhála pelo resto de sua vida.
Explica que o dano moral consiste na penosa sensação
da ofensa, na humilhação perante terceiros, na dor sofrida, nos
efeitos puramente psíquicos e sensoriais experimentados pela
vítima do dano.
Aduz que a quantia de R$7.517,40 a título de dano
moral, que totaliza R$1.879,35 por dedo amputado (4), causa
inconformismo ao menos entendido, quanto mais àquele que
sofreu a perda permanente de parte de seu corpo.
Com esses argumentos, requer a majoração do valor
da indenização em comento até o limite pleiteado na inicial
(R$83.000,00 = 200 salários mínimos) ou, no mínimo, a um valor
aproximado.
Pois bem.
Primeiramente, não é demais salientar que os motivos
para indenização já foram suficientemente tratados em tópicos
precedentes, restando, apenas, verificar se a quantia fixada a
título de danos morais (R$7.517,40) é razoável.
Sobre o quantum indenizatório, impõe-se esclarecer que,
quando a indenização visa reparar danos de ordem extrapatrimonial,
sua fixação não possui parâmetros objetivos a dar suporte ao
julgador na mensuração respectiva. Isso porque, o prejuízo se
situa na esfera da honra, da imagem, da intimidade e da dignidade
da pessoa humana.
Diante desse panorama, a doutrina e jurisprudência,
para o dano de ordem moral, têm adotado diferentes critérios,
consoante apreciação equitativa do caso concreto e as regras de
experiência comum, no mensurar desses valores.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
336
Isso ocorre porque nosso sistema não é tarifado, a exemplo
do que previa o artigo 52, da Lei n. 5.250/67 (Lei de Imprensa),
não recepcionado pela Constituição da República de 1988.
Predomina no Brasil, pois, o sistema aberto, que possibilita ao juiz
a fixação da indenização de forma subjetiva, mas com observância
de parâmetros, construídos pela doutrina e jurisprudência, que
dão solução mais justa aos casos dessa natureza. Nesse sentido,
Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins, in DANO MORAL –
Múltiplos Aspectos nas Relações de Trabalho, LTr, 2ª edição, páginas
424/425, trazem a seguinte lição:
A verdade é que o sistema aberto possibilita o
arbitramento da indenização de maneira mais
justa e proporcional à lesão sofrida pelo ofendido,
considerando-se também que os atributos morais da
pessoa variam segundo a sua formação e sua escala
social. Assim, “um mesmo ato ou omissão é capaz
de produzir impacto psicológico negativo de nível
diferente para cada paciente atingido”, conforme se
constata pela jurisprudência, como também que “uma
indenização insignificante significaria um agravamento
ao ofendido e sentido de impunidade ao ofensor.
Uma indenização escorchante representaria uma
desproporcional punição ao ofensor, com vantagem
imoderada ao ofendido.
Assim, na aplicação do sistema aberto, deve o julgador,
fazendo uso da experiência comum, sopesando as circunstâncias
do caso concreto, de uso da razoabilidade e proporcionalidade,
avaliar os seguintes parâmetros: a situação econômica de ambas
as partes (ofensor e ofendido); a extensão da ofensa e o grau
de culpa do agente; a relevância do direito violado, o grau de
repreensibilidade da conduta do agente causador do dano, e,
ainda, ter em vista o caráter pedagógico da sanção, a fim de que
esta desestimule a prática ou reiteração da conduta censurada.
No caso em apreço, observa-se que a obreira foi afastada
de suas funções, ficando permanentemente com sua capacidade
laborativa reduzida, de acordo com a inferência do Juízo monocrático
(fl. 170) e ao contrário da conclusão do laudo pericial de fls. 102/103,
tendo que administrar esse sofrimento pelo resto de sua vida.
Veja-se que o acidente de trabalho ocorrido com a
reclamante foi gravíssimo, o que lhe resultou na amputação de 04
(quatro) dedos da mão esquerda e que essa situação jamais será
reparada, pois não há como se retornar ao status quo ante, ou seja,
os dedos de sua mão esquerda não podem ser reimplantados.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
337
Não se pode esquecer que o grave acidente aconteceu
quando a reclamante contava com apenas de 25 (vinte e cinco)
anos, isto é, estava em tenra idade e com todo o vigor de sua
capacidade laborativa.
Some-se a tudo isso, o fato de que tais aspectos,
certamente, interferem de modo direto, na vida particular da
obreira, no que pertine ao âmbito familiar e ao lazer, submetendo
sua família e as pessoas mais próximas ao acompanhamento do
seu suplício.
Por tais aspectos, a fixação de indenização por danos
morais em R$7.517,40 (sete mil, quinhentos e dezessete reais
e quarenta centavos), se revela bastante tímida, devendo ser
majorada.
Em sendo assim, com fulcro na exposição retro, dá-se
parcial provimento ao apelo obreiro, a fim de majorar o quantum
indenizatório ao patamar de R$30.000,00 (trinta mil reais).
2.2.5 DO DANO ESTÉTICO
Pleiteia a reclamante a reforma da decisão originária
(fls. 164/177) que indeferiu seu pedido de indenização por dano
estético decorrente de acidente de trabalho.
Explica que a indenização por dano estético cumulado com
o dano moral, apesar de parecer um bis in idem, não configura
repetição de indenização como entendeu o “nobre” Juízo a quo.
Argumenta que essa cumulação é perfeitamente possível
porque cada indenização objetiva ressarcir uma parcela específica
do dano, ainda mais verificando-se que a amputação dos dedos de
uma mão é claramente visível e resulta em dano aparente, capaz
de causar mal-estar, dificuldade de relacionamento ou convivência
social, fatos esses que sujeitam o causador ao pagamento de
quantia capaz de amenizar o sofrimento e o constrangimento que
terá que ser suportado pela vida toda.
Ressalta que há expressa distinção no que se refere aos
danos morais e estéticos, alegando que o dano moral se refere
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
338
ao constrangimento sofrido pela vítima cada vez que a mesma se
encontra com outras pessoas e sente vergonha de sua estética
deformada, enquanto o dano estético seria aquele que responderia
pela reparação que se deu pelo entristecimento da vítima devido
ao seu enfeamento.
Frisa que as indenizações concorrentes são dadas a título
diferente, uma pelo dano estético, como grave deformação física, e
a outra pelas tristezas e sofrimentos interiores que acompanharão
a vítima para sempre.
Destaca que “a apelante tinha apenas 21 anos na data
do evento de forma que sua estética restou-se comprovadamente
comprometida” (ipsis litteris, fl. 187).
Salienta que a amputação traumática dos dedos da mão
causa dano estético que deve ser indenizado cumulativamente
com o dano moral, neste considerados os demais danos à pessoa,
resultantes do mesmo fato ilícito.
Cita a Súmula n 387 do Superior Tribunal de Justiça,
segundo a qual “É possível a cumulação das indenizações de dano
estético e moral.”
Analisa-se.
Acerca do assunto, convém transcrever-se lição do
Professor Sebastião Geral de Oliveira, in Indenizações por Acidente
de Trabalho ou Doença Ocupacional, 4ª edição, Ltr, 2008, São
Paulo, páginas 218/220, conforme segue:
Além das indenizações por dano material e moral,
pode ser cabível a indenização por dano estético,
quando a lesão decorrente do acidente do trabalho
compromete ou pelo menos altera a harmonia física
da vítima. Enquadra-se no conceito de dano estético
qualquer alteração morfológica do acidentado como,
por exemplo, a perda de algum membro ou mesmo de
um dedo, uma cicatriz ou qualquer mudança corporal
que cause repulsa, afeiamento ou apenas desperte a
atenção por ser diferente.
O prejuízo estético não caracteriza, a rigor, um terceiro
gênero de danos, mas representa uma especificidade
destacada do dano moral, sobretudo quando não
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
339
produz repercussão de natureza patrimonial como
ocorre no caso de um artista ou modelo. Aliás, pontua
Teresa Ancona que o dano à estética pessoal é uma
das espécies do gênero dano moral.
[...] O dano estético está vinculado ao sofrimento pela
deformação com sequelas permanentes, facilmente
percebidas, enquanto o dano moral está ligado ao
sofrimento e todas as demais consequências nefastas
provocadas pelo acidente.
A opção do Código Civil de 2002, de indicar
genericamente outras reparações ou prejuízos que o
ofendido prove haver sofrido (arts. 948 e 949), deixa
espaço indiscutível para inclusão do dano estético,
conforme se verificar no caso concreto. [...]
Visto isso, não pairam dúvidas, acerca da possibilidade de
cumulação do dano de ordem moral com o dano estético, eis que
possuem fundamentos distintos.
Nessa sequência, verifica-se da sentença que o Juízo de
primeira instância indeferiu à autora a indenização em comento,
pelos seguintes fundamentos:
O aleijão sofrido pela autora em sua mão esquerda
certamente lhe afeia o aspecto.
O dano estético, no entanto, não constitui um terceiro
tipo independente, que mereça indenização adicional
àquelas devidas pelos danos material (patrimonial)
e moral (extrapatrimonial). A feiúra resultante se
incluirá como parte do dano material (se a vítima se
valia de sua beleza para auferir renda), como poderá
compor o quadro do sofrimento psíquico.
No caso da trabalhadora, seu dano moral já foi
analisado no tópico precedente inclusive sob o aspecto
estético, e sua perda patrimonial, dado o tipo de
atividade econômica que exerce, não guarda relação
com beleza.
Assim, não cabe ressarcimento de dano especificamente
estético, pretensão que resta improcedente. (ipsis
litteris; fl. 174)
Assim, entendendo o Juízo a quo que o dano estético
não configura um dano que mereça indenização, indeferiu-a sob
o argumento de que o dano estético já estaria sendo indenizado
no momento em que deferiu à reclamante indenização a título de
dano moral.
Todavia, de acordo com a doutrina reproduzida, é
perfeitamente possível a cumulação de indenização por dano
moral e por dano estético, até mesmo pelo que consta no laudo
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
340
pericial de fls. 102/103, segundo o qual “foi constatada a perda
das extremidades dos dedos indicador, médio e mínimo da mão
esquerda e do dedo anelar, falange média e distal da mesma mão”
(ipsis litteris; fl. 102).
Outra não é a conclusão a que se chega pela análise dos
documentos de fls. 32/34, os quais demonstram claramente a
extensão do acidente sofrido pela reclamante.
A princípio, faz-se registrar que não compete ao perito
concluir pela existência ou não de dano estético, o que se insere
nas funções judicantes. O papel do expert se dirige ao relato de
possível deformidade ou não, de forma a fornecer elementos ao
julgador para que o mesmo venha formar o seu convencimento,
inclusive acerca da configuração ou não de dano dessa ordem.
Dessa forma, resta constatado o dano estético, com
base no que consta no laudo pericial referenciado, bem como
nos documentos mencionados, por, sem sombra de dúvidas, ter
o acidente de trabalho causado à reclamante uma deficiência
física facilmente perceptível, um afeamento, de maneira a
configurar o constrangimento noticiado pela autora na vestibular
e em suas razões recursais.
Portanto, levando em conta a extensão e caracterização
do dano, o grau de culpa e a situação da vítima, dá-se parcial
provimento ao apelo, nesse particular, a fim de que seja a
reclamada condenada ao pagamento de indenização por dano
estético no patamar de R$10.000,00 (dez mil reais).
2.2.6 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A reclamante pleiteia a condenação da reclamada aos
ônus da sucumbência.
Pois bem.
No que tange aos honorários advocatícios, convém
transcrever-se as Súmulas n. 219 e 329 do TST, consoante
seguem:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
341
SUM 219 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE
DE CABIMENTO.
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento
de honorários advocatícios, nunca superiores a 15%
(quinze por cento), não decorre pura e simplesmente
da sucumbência, devendo a parte estar assistida
por sindicato da categoria profissional e comprovar
a percepção de salário inferior ao dobro do salário
mínimo ou encontrar-se em situação econômica que
não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio
sustento ou da respectiva família.
[...]
SUM 329 - HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133
DA CF/1988 Mesmo após a promulgação da CF/1988,
permanece válido o entendimento consubstanciado na
Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.
Visto isso, tem-se a dizer que, nas lides decorrentes da
relação de emprego, como é a situação em análise, os honorários
advocatícios só devem ser deferidos nas hipóteses previstas nos
artigos. 14 a 16 da Lei n. 5584/1970, consoante entendimento
expressado nas aludidas Súmulas do TST, e, ainda, em conformidade
com os dispositivos constantes da Instrução Normativa n. 27, de
16.02.2005, daquele Tribunal, o que não se coaduna com o caso
em apreço.
Desse modo, no aspecto em comento, nega-se provimento
ao apelo obreiro.
2.3 CONCLUSÃO
DESSA FORMA, conhece-se do recurso ordinário obreiro
(fls. 178/189), à exceção do pedido de Justiça Gratuita, ante a
ausência de interesse recursal. Não se conhece do recurso patronal
(fls. 190/200) interposto, em razão de deserção, particular em
que a Relatoria restou vencida. De ofício, suscita-se preliminar de
julgamento extra petita para excluir-se da condenação a indenização
a título de danos emergentes. No mérito, nega-se provimento ao
apelo patronal e dá-se parcial provimento ao recurso obreiro para
majorar a indenização a título de dano moral para R$30.000,00
(trinta mil reais) e para condenar a reclamada ao pagamento de
indenização por dano estético no patamar de R$10.000,00 (dez
mil reais), tudo nos termos da anterior fundamentação.
Em decorrência dos efeitos produzidos pela presente
decisão e, em compasso com a Instrução Normativa de n. 03/93
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
342
do c. TST, arbitra-se, provisoriamente, novo valor à condenação,
no montante de R$94.000,00 (noventa e quatro mil reais), em face
da majoração da indenização a título de dano moral, bem como da
fixação de indenização por dano estético, majorando-se o importe
das custas processuais ao valor de R$1.880,00 (mil, oitocentos e
oitenta reais), a teor do art. 789, caput, da Consolidação das Leis
do Trabalho (CLT).
3 DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da 2ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade,
conhecer do recurso ordinário obreiro (fls. 178/189), à exceção do
pedido de Justiça Gratuita, ante a ausência de interesse recursal;
por maioria, conhecer do apelo patronal, vencida a Relatora nesse
aspecto, que não o conhecia em razão de deserção; de ofício,
acolher preliminar de julgamento extra petita para excluir da
condenação a indenização a título de danos emergentes. No mérito,
também à unanimidade, negar provimento ao apelo patronal e
dar parcial provimento ao recurso obreiro; ainda, arbitrar novo
valor à condenação, no montante de R$94.000,00 (noventa e
quatro mil reais), majorando-se o importe das custas processuais
ao valor de R$1.880,00 (mil, oitocentos e oitenta reais), a cargo
da reclamada, tudo nos termos do voto da Relatora. Sessão de
julgamento realizada no dia 05 de novembro de 2009.
Porto Velho-RO, 05 de novembro de 2009.
ARLENE REGINA DO COUTO RAMOS
JUÍZA CONVOCADA-RELATORA
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.305-340, jul./dez. 2009
343
PROCESSO:
CLASSE:
ÓRGÃO JULGADOR:
ORIGEM:
RECORRENTE:
ADVOGADOS:
RECORRIDO:
ADVOGADOS:
RELATOR:
REVISORA:
00682.2008.401.14.00-9
RECURSO ORDINÁRIO
1ª TURMA
1ª VARA DO TRABALHO DE RIO BRANCO - AC
NATÁLIA MARIA LUCAS DA FONSECA ROQUE
DOUGLLAS JONATHAN SANTIAGO DE
SOUZA E OUTRA
BANCO ITAÚ S/A
RICCIERI SILVA DE VILA FELTRINI
E OUTROS
JUIZ CONVOCADO SHIKOU SADAHIRO
DESEMBARGADORA ELANA CARDOSO
INCAPACIDADE LABORATIVA. LER/DORT.
EMPREGADA CONSIDERADA APTA PELO INSS
E INAPTA PELO MÉDICO DA EMPRESA. NÃORECEBIMENTO DE SALÁRIO OU DO BENEFÍCIO
PREVIDENCIÁRIO. DIGNIDADE DA PESSOA
HUMANA. ART. 1º, III E IV C/C ART. 170 DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANO MORAL E
MATERIAL. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA
DO EMPREGADOR. OMISSÃO VOLUNTÁRIA.
COMPROVAÇÃO. DEFERIMENTO. Não se pode
olvidar que é fundamento basilar da República
Federativa do Brasil a dignidade da pessoa
humana e os valores sociais do trabalho
(art. 1º, incisos III e IV da CF). Ademais, a
valorização do trabalho humano, sobre que
é fundada a ordem econômica, tem o fim de
assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social (art. 170 da CF).
Neste caso, o ato ilícito e a culpa do reclamado
pelo dano moral e material decorrem da
omissão voluntária em não conduzir a
reclamante à função compatível com sua
capacidade laborativa, custeando seus salários
enquanto negado o benefício previdenciário
e, ainda, em não emitir nova CAT, buscando
no Órgão competente o restabelecimento do
auxílio-doença acidentário. Assim, o nexo de
causalidade entre a omissão ilícita da empresa
reclamada e a lesão imaterial e material
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
344
suportada pela reclamante é evidente, pois
não há dúvida de que - tomando-se em
consideração a percepção do homem médio
- na situação de total desamparo vivenciada
pela autora, permanecendo dez meses sem
receber o auxílio previdenciário, porque
considerada apta ao trabalho pelo INSS, e
sem perceber seus vencimentos, porque não
aceito o retorno ao trabalho pela empresa,
sem ter como prover a si e à sua família e
diante da indefinição do quadro narrado; a dor
pessoal, o sofrimento íntimo, o abalo psíquico
e o constrangimento tornam-se patentes. 1 RELATÓRIO
Trata-se de recurso ordinário interposto pela reclamante
Natália Maria Lucas da Fonseca Roque, nos autos do processo n.
00682.2008.401.14.00-9, oriundo da 1ª Vara do Trabalho de Rio
Branco (AC), em que figura como reclamado Banco Itaú S/A.
A sentença de primeiro grau (f.326-332) julgou
totalmente improcedentes os pedidos de dano moral e material,
consubstanciados, segundo o pedido, na conduta omissiva da
reclamada em não autorizar o retorno da obreira ao trabalho
após ser considerada apta pelo Órgão Previdenciário e inapta
pelo médico da empresa.
A recorrente aduz (f. 338-344) a omissão da empresa,
comprovado por sua confissão, quando afirmou que concedeu à
obreira “licença sem remuneração”, possibilitando, dessa forma,
que buscasse sua habilitação no órgão previdenciário. Esclarece
a recorrente, que não pede a indenização em razão da doença
que a incapacitou para o trabalho (LER/DORT), adquirida na
prestação de serviços para o Banco, mas sim pelos prejuízos
causados ao longo dos meses que ficou sem receber salário
ou benefício previdenciário, ficando totalmente desamparada e
tendo que buscar, via judicial a solução para o impasse. Afirma
que o dolo da recorrida consistiu em se omitir, quando poderia
ter emitido nova CAT – providência tomada somente após
determinação judicial – ou ter inserido a reclamante em programa
de readaptação. Assevera, ainda, o descumprimento da NR -07,
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
345
no item 7.4.8, alíneas “a”, “b” e “c”. Por fim, prequestiona as
Súmulas n. 296 e 297 do TST.
O recorrido apresentou contrarrazões (f. 351-355),
alegando a intempestividade do recurso obreiro e, no mérito,
pugnando pela manutenção da decisão de primeiro grau.
Desnecessária a remessa ao Ministério Público do Trabalho
para emissão de parecer, por força de previsão regimental.
2 FUNDAMENTOS
2.1 CONHECIMENTO
A sentença foi prolatada no dia 7/4/2009, segunda-feira, e
dela as partes estavam cientes, conforme ata de audiência à f. 324.
O recurso encontra-se tempestivo, já que protocolado
em 20/04/2009, 8º dia, considerando-se os feriados regimentais
ocorridos nos dias 8, 9 e 10/04.
Quanto à alegação da recorrida em contrarrazões acerca
da intempestividade do recurso, esclarece-se que a recorrente não
tinha conhecimento da interposição de embargos de declaração
pelo Banco, pois o edital à f. 337 foi publicado apenas em 27/04.
Por outro lado, não há necessidade de ratificação dos
termos do recurso já interposto, mesmo porque os embargos
opostos foram rejeitados e, portanto, permanecem inalterados os
termos da decisão recorrida.
Assim, não há que se falar em intempestividade do
recurso porque não protocolado após a publicação da sentença de
embargos de declaração.
A representação processual da recorrente está regular,
conforme se observa da procuração à f. 13. Não há exigência de
recolhimento de custas processuais, ante o deferimento em primeiro
grau dos benefícios da justiça gratuita. Tampouco há necessidade de
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
346
comprovação do depósito recursal, por se tratar de recurso obreiro e
não haver condenação pecuniária.
Também regular as contrarrazões.
Assim, conhece-se do recurso e das contrarrazões, uma vez
que satisfazem os requisitos legais de admissibilidade.
2.2 MÉRITO
2.2.1 DANO MORAL
A reclamante narra em sua petição inicial que foi afastada
dos serviços em decorrência de doença ocupacional desde 2002,
permanecendo em gozo de benefício previdenciário até 15/04/2007,
quando foi considerada apta para o retorno as suas funções pela
perícia médica do INSS. Aduz que formulou pedido de reconsideração
e de prorrogação do benefício, mas teve ambos indeferidos sob o
fundamento de ausência de incapacidade laborativa.
Afirma que ao retornar ao trabalho, foi encaminhada para
exame de saúde ocupacional, sendo declarada sua incapacidade
para o retorno ao trabalho de caixa pelo médico do trabalho. A
partir de então, ficou sem receber o benefício previdenciário e
sem receber salário, sem ter recursos para custear sua própria
subsistência e de seus filhos.
Narra que em dezembro de 2007 ingressou com ação na
Justiça Federal pleiteando a concessão do benefício previdenciário,
contudo, o pedido foi julgado improcedente, com base no laudo
pericial que a considerou apta para exercer atividade que lhe
garanta a subsistência, não obstante a diminuição da capacidade
laborativa ocasionadas pela dores no pescoço, coluna cervical,
perna esquerda e mão.
Em contestação o Banco alegou que não poderia exigir
o retorno ao trabalho quando a própria obreira afirmava não ter
condições para tanto e, ainda mais, por haver conclusão médica de
incapacidade para a função.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
347
Asseverou que obrigar a autora ao retorno de suas atividades
seria atentar contra a higidez física, à dignidade e à moral da
trabalhadora. Por conseguinte, sua atuação não pode ser considerado
como ato culposo ou doloso pois apenas cumpriu a legislação vigente.
O laudo pericial às f. 293/300 e sua complementação às f.
314-315, trouxe as seguintes conclusões:
7.2 NEXO CAUSAL
(…)
Fica portanto estabelecido o nexo causal, entre o
posto de trabalho e o distúrbio.
Entretanto, o posto de trabalho não agiu isoladamente
n desenvolvimento do distúrbio. Fatores como
eventuais movimentos da vida diária e a própria
constituição física da Reclamante atuaram em
concausa par ao desenvolvimento do distúrbio.
7.3 INCAPACIDADE
Devido às dores referidas pela Reclamante, tornase impossível seu retorno ao trabalho que executava
na Reclamada. De acordo com a literatura médica
atual, entende-se que os indivíduos com propensão
à desenvolver LER/DORT, quando curados de seu
quadro álgico, podem voltar a desenvolver os mesmo
sintomas se retornarem ao trabalhar nas mesma
atividades, realizando os mesmo movimentos. Sendo
assim, a Reclamante deve evitar realizar trabalhos
que exijam a realização de movimentos repetitivos.
A maioria dos autores considera que o quadro álgico
não é permanente, e se tratado corretamente e
evitando-se os movimentos repetitivos, tem boa
evolução.
8.CONCLUSÃO
8.1 Estabelecido o nexo causal, que atuou em
concausa.
8.2 Arbitro as incapacidades nos graus e períodos
seguintes:
8.2.1 No percentual de 100% em caráter definitivo
para atividades que necessitem de movimento
repetitivo.
8.2.2 No percentual de 80% em caráter temporário
arbitrado em um ano, período no qual a Reclamante
deve realizar tratamento adequado. Após esse período
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
348
a Reclamante poderá realizar atividades trabalhistas
que não necessitem de movimentos repetitivos. (f.
296-297)
Em depoimento, o preposto do reclamado trouxe as
seguintes afirmações:
… que a própria reclamante informou ao médico
do trabalho da reclamada não ter condições de
desempenhar qualquer função, razão pela qual lhe foi
concedida licença sem remuneração para possibilitar a
habilitação junto ao INSS; que a informação quanto à
incapacidade total da reclamante para o trabalho restou
devidamente formalizada através da confecção de ASO
por informações passadas pela reclamante ao Médico do
Trabalho; ... (f. 323)
A decisão julgou improcedentes os pedidos argumentando
que a análise da responsabilidade indenizatória da empresa é
subjetiva e, nesse formato, não ficou comprovada a existência de
ação ou omissão dolosa ou culposa do Banco, nem sequer de nexo de
causalidade capaz de ensejar a reprimenda requerida na inicial.
Concluiu o Magistrado que, diante do laudo pericial e da
própria confissão da autora de não ter condições de retornar à sua
atividade laboral, não houve qualquer atividade ilícita do recorrido
em manter a trabalhadora afastada de seus serviços, sendo esta
atitude reveladora da preocupação com a saúde e o bem-estar da
reclamante.
Registre-se que a causa de pedir nesta lide não é a situação
comumente enfrentada por este Regional referente à incapacidade
laborativa causada por doença do trabalho. Consoante os termos
da petição inicial, ratificados nas razões recursais, a causa de pedir
restringe-se aos prejuízos moral e material causados pela conduta
omissiva da empresa durante os treze meses em que a autora
permaneceu sem receber o benefício previdenciário e sem receber
salários, ou seja, em total desamparo, sendo privada de qualquer
valor remuneratório para prover sua subsistência.
Logo, conclui-se pela necessidade de reforma da decisão de
primeiro grau. Em primeiro lugar, deve ser esclarecido que a partir
da suspensão do benefício previdenciário pelo INSS, ao considerar
a obreira apta para o trabalho, não competia à empresa conceder à
trabalhadora “licença sem remuneração”.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
349
Como relatado no recurso, essa figura jurídica, na hipótese
destes autos, não encontra embasamento legal, ficando demonstrada
a omissão voluntária do recorrido em transferir para a obreira o ônus
de buscar junto ao Órgão respectivo o recebimento do benefício
previdenciário.
Ora, nessa situação, competia à empresa pagar à
reclamante a remuneração devida e encaminhá-la para função
adequada à sua capacidade, já que conforme laudo médico à f.
28, não há declaração de incapacidade total, como alegado pela
reclamada, mas sim, especificamente, para exercer a função de
caixa no setor operacional.
Entretanto, a conduta da empresa foi simplesmente
declará-la inapta e fechar-lhe as portas, impondo à obreira o total
desamparo, de modo que buscou, sozinha e sem receber qualquer
salário, por via judicial em face do INSS, o restabelecimento do
auxílio respectivo, para permitir sua subsistência.
A obreira ficou “jogada” num limbo, pois após a “alta”
dada pelo INSS, não tinha benefício previdenciário e nem salários,
sendo que na ótica do Banco reclamado a reclamante estaria em
gozo de uma esdrúxula “licença sem remuneração”.
Não se pode olvidar que é fundamento basilar da República
Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana e os valores
sociais do trabalho (art. 1º, incisos III e IV da CF). Ademais, a
valorização do trabalho humano, sobre que é fundada a ordem
econômica, tem o fim de assegurar a todos existência digna,
conforme os ditames da justiça social (art. 170 da CF).
Note-se que a situação é absurda, partindo da premissa
que a doença foi adquirida na prestação de serviços para a empresa,
porquanto, conforme laudo pericial, há nexo de causalidade entre a
incapacidade laborativa e as atividades desenvolvidas na empresa,
e diante de perícia médica destoante do INSS, a trabalhadora vêse sem o auxílio previdenciário e sem os salários da empresa,
numa atitude omissiva e muito cômoda por parte do empregador.
Causa estranheza a análise dos documentos apresentados
pelo Banco, consubstanciados em Programa de Prevenção de
Riscos Ambientais (f. 160-183),
Programa de prevenção e
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
350
acompanhamento - LER (f. 185-192), Programa de prevenção e
acompanhamento da LER (f. 262-277), dentre outros, nos quais
pode-se extrair as seguintes orientações acerca de situação de
retorno do empregado após alta previdenciária, “in litteris”:
Readaptação e reavaliação
No retorno do empregado ao trabalho, será disponibilizada
a sua readaptação gradual devidamente reavaliada as
suas condições físicas. (f. 187)
Alta sem restrição
A alta da perícia médica do INSS resultará no retorno
gradual em sua função original, com acompanhamento
do Serviço Médico ou SESMT – Serviço Especializado de
Segurança e Medicina do Trabalho (onde houver)
Alta com restrição.
Havendo restrição, o CRP – Centro de Reabilitação
Profissional do INSS encaminhará o empregado para
readaptação em outra função, com acompanhamento do
setor de Recursos Humanos e agentes multiplicadores.
CRP Centro de Reabilitação Profissional Deverá promover
estágio de readaptação funcional, em atividade
compatível com sua capacidade laboral. (f. 192).
Reabilitação profissional.
Reabilitação e Realocação. Havendo recomendação
escrita do CRP – Centro de Reabilitação Profissional para
que o empregado reabilitado não exerça atividades que
envolvam movimentos repetitivos, o setor de Recursos
Humanos, em conjunto com os agentes multiplicadores,
deverão sugerir atividades alternativas, visando a
realocação e reabilitação compatível com as condições
físicas do empregado. (f. 274)
Observa-se que diante do exame médico constatando a
incapacidade da obreira para a atividade de caixa, o Banco deveria
ter posto em prática as orientações acima transcritas e ter buscado
junto ao Órgão competente, via emissão de nova CAT, a revisão do
indeferimento do benefício, pois esse era o dever do empregador,
e não optar pela completa omissão deixando a empregada na
esdrúxula “licença sem remuneração”, por prazo indeterminado,
e sem vislumbrar a possibilidade de reversão do posicionamento
adotado pela Previdência Social.
Corrobora esse entendimento, o disposto na Norma
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
351
Regulamentadora n. 7 – cujo embasamento jurídico à sua
existência e eficácia está contida nos artigos 154 a 159 da CLT
- ao estabelecer que:
7.4.8 Sendo constatada a ocorrência ou agravamento
de doenças profissionais, através de exames médicos
que incluam os definidos nesta NR; ou sendo verificadas
alterações que revelem qualquer tipo de disfunção
de órgão ou sistema biológico, através dos exames
constantes dos Quadros I (apenas aqueles com
interpretação SC) e II, e do item 7.4.2.3 da presente
NR, mesmo sem sintomatologia, caberá ao médicocoordenador ou encarregado:
a) solicitar à empresa a emissão da Comunicação de
Acidente do Trabalho - CAT;
b) indicar, quando necessário, o afastamento do
trabalhador da exposição ao risco, ou do trabalho;
c) encaminhar o trabalhador à Previdência Social
para estabelecimento de nexo causal, avaliação de
incapacidade e definição da conduta previdenciária em
relação ao trabalho;
d) orientar o empregador quanto à necessidade de adoção
de medidas de controle no ambiente de trabalho.
Da leitura da norma transcrita, fica claro que o ônus de
encaminhar o trabalhador à Previdência, visando a estabelecer o
nexo causal que enseje o recebimento do benefício respectivo era
da recorrida, sendo tal expediente uma obrigação que onera todo e
qualquer empregador.
Observa-se à f. 258 dos autos, cartaz do recorrido com a
seguinte mensagem: “Saúde no trabalho. A sua saúde é da nossa
conta. Vamos todos trabalhar por ela”.
Em que pese essa política divulgada pela empresa, na
situação em exame, a recorrida incorreu em omissão voluntária
gerando grande prejuízo material e moral à trabalhadora.
Quanto ao instituto do dano moral, acresce salientar que a
Constituição Federal de 1988 apresentou novos contornos definindo
como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a
dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e, coerente com a
idéia de valorizar o indivíduo enquanto ente justificador da existência
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
352
do Estado e célula última do grupo social, estabelece no seu art.
5º, inciso V, que é assegurado o direito de resposta, proporcional ao
agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem.
A proteção conferida pelo Direito ao patrimônio jurídico
do indivíduo não pode estar restrita a sua dimensão material
econômica devendo abarcar também valores pessoais de cunho
íntimo, sentimentos e conceitos de natureza imaterial que,
conquanto, desde logo não possuam expressão econômica,
são passíveis de agressão na inter-relação humana e, por isso,
necessitam da tutela do Direito, até com maior necessidade
do que aquela conferida aos bens materiais, já que a dor, o
sofrimento e a ofensa não podem ser desfeitos ou repostos.
Em reforço dessa proteção, dispõe o inciso X do artigo 5º da
Constituição Federal que são invioláveis a intimidade, a vida privada,
a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito de indenização
pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Assim, o Direito positivo vigente institui, de forma
definitiva, a noção de que são reparáveis não apenas as lesões
de natureza patrimonial, mas também as de cunho imaterial, o
chamado dano moral.
Encontram-se diversas definições e conceitos na doutrina
sobre o que vem a ser o dano moral, nas quais se destaca a lesão a
direito personalíssimo produzida ilicitamente por outrem de Orlando
Gomes mencionada por Valdir Florindo, na obra “Dano Moral e o Direito
do Trabalho” (2. ed. São Paulo: LTr, 1996, p. 33).
Sérgio Pinto Martins leciona que “O dano moral é a lesão
sofrida pela pessoa no tocante à sua personalidade, envolvendo um
aspecto não econômico, não patrimonial, mas que atinge a pessoa
no seu âmago” (Dano Moral no Direito do Trabalho, “in” Trabalho &
Doutrina. São Paulo: Saraiva, n. 10, Setembro/1996, p. 76).
Ampliando o conceito em tela, Savatier aduz que o “dano
moral é qualquer sofrimento humano que não é causado por uma perda
pecuniária” (“apud” Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade civil.
4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993, p. 54).
Sucintamente, o dano moral reside na dor pessoal, no
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
353
sofrimento íntimo, no abalo psíquico e na ofensa à imagem que o
indivíduo projeta no grupo social.
Não há dúvida de que restaram caracterizados no caso em
tela os pressupostos para caracterização da responsabilidade civil da
empresa reclamada pelo dano moral em questão, quais sejam o ato
ilícito, o dano, a culpa e o nexo causal, nos termos dos arts. 186 e 927
do Código Civil, a seguir transcritos:
Art. 186 - Aquele que, por ação ou omissão voluntária,
negligência ou imprudência, violar direito e causar dano
a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato
ilícito.
Art. 927 - Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187),
causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Ressalte-se que nos casos de dano moral consubstanciado
em sofrimento íntimo, em situações singulares, a sua indenização
prescinde de prova, dado a sua subjetividade. O dano, em tais
hipóteses, será presumido e a vítima, para fazer jus à indenização
respectiva, terá que provar não o dano em si, mas sim o ato
ilícito por parte de outrem que lhe atinja de forma concreta e que
tenha grande probabilidade de lhe causar sofrimento, para tanto
considerando-se como parâmetro o homem médio.
O ato ilícito e a culpa do reclamado pelo dano moral
em tela decorrem da omissão em não conduzir a reclamante à
função compatível com sua capacidade laborativa, custeando seus
salários enquanto negado o benefício previdenciário e, ainda, em
não emitir nova CAT, de forma a buscar no Órgão competente o
restabelecimento do auxílio doença-acidentário.
O nexo de causalidade entre o omissão ilícita da empresa
reclamada e a lesão imaterial suportada pela reclamante é patente,
pois não há dúvida de que - tomando-se em consideração a
percepção do homem médio - na situação de total desamparo
vivenciada pela autora, permanecendo treze meses sem receber
o auxílio previdenciário, porque considerada apta ao trabalho pelo
INSS, e sem perceber seus salários, porque não aceito o retorno ao
trabalho pela empresa, sem ter como prover a si e à sua família e
diante da indefinição do quadro narrado; a dor pessoal, o sofrimento
íntimo, o abalo psíquico e o constrangimento tornam-se patentes.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
354
O art. 944 do Código Civil estabelece que “a
indenização mede-se pela extensão do dano” acrescentando
seu parágrafo único que “se houver excessiva desproporção
entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir,
eqüitativamente, a indenização”.
O Código Civil dispõe acerca da fixação de danos materiais,
correspondentes aos lucros cessantes e danos emergentes,
conforme estabelecem os arts. 949 e seguintes. No entanto,
relativamente ao dano moral limita-se à diretriz do art. 944,
acima transcrito.
A indenização deferida não deve constituir-se em
enriquecimento sem causa da vítima, com quantias abusivas e
exageradas, o que impõe ao julgador um arbitramento moderado
e proporcional ao grau de culpa do agente ofensor.
Assim, observadas a capacidade econômica do ofensor, a
posição social do ofendido, e o caráter pedagógico que a presente
indenização deve imprimir, no sentido de evitar que outros
trabalhadores sejam submetidos à situação vexatória suportada
pela reclamante destes autos, voto para fixar a indenização pelos
danos morais em cem salários mínimos atuais, cujo montante
resulta R$ 46.500,00 (quarenta e seis mil e quinhentos reais), por
ser esse o limite do pedido, para que não resulte em julgamento
“ultra petita”.
Entretanto, este Relator restou vencido quanto ao
“quantum”, prevalecendo o voto da Revisora, no particular, que
fixou a indenização por danos morais em R$19.000,00 (dezenove
mil reais).
Deve-se esclarecer que o montante supra foi fixado a
partir do voto médio, uma vez que o Desembargador Vulmar de
Araújo Coêlho Junior negava a indenização por danos morais.
Portanto, dois votos concediam a indenização por danos morais,
sendo que o voto médio em relação ao “quantum” restou em
R$19.000,00 que foi o valor proposto pela Revisora.
2.2.2 DANO MATERIAL
A obreira requereu a indenização pelos danos materiais na
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
355
modalidade de danos emergentes, consubstanciado nos salários
não recebidos do período em que teve alta da Previdência e não
foi estabelecido o retorno ao trabalho pela empresa.
Por oportuno, passa-se a estabelecer um paralelo entre
a situação vivenciada pela autora e a hipótese de reintegração
forçada, quando incompatível com a harmonia necessária ao
ambiente de trabalho.
Nesse último caso, a doutrina aponta para a possibilidade
de se impor ao empregador o pagamento dos salários, mesmo
sem a prestação de serviços, de modo a não sujeitar o empregado
à hostilidade presente na empresa e, ao mesmo tempo, não ferir
o direito à garantia de emprego do trabalhador.
Nessa linha de raciocínio, cita-se a lição de Délio Maranhão,
“in verbis”: “Ninguém poderá impedir que o empregador faça cessar,
materialmente, a relação de trabalho. Mas se o fizer - como salienta
Valente Simi - será em seu prejuízo, porque, “não tendo poder de
fazê-lo cessar do ponto de vista jurídico, a relação continua com
todas as obrigações a seu cargo como se o empregado estivesse
prestando o trabalho que é impedido de prestar” (Instituições de
Direito do Trabalho, v. 1. LTR, 1994. p. 535).
Ora, se é possível o pagamento dos salários sem a
prestação dos serviços respectivos quando o impedimento
é de ordem interpessoal, porquanto os relacionamentos por
qualquer motivo estão hostilizados, quanto mais, na situação
dos autos em que o impedimento para a execução da função
anteriormente desenvolvida pela obreira é doença profissional
cuja responsabilidade pesa sobre a empresa.
Do exposto e consoante análise já delineada no tópico
anterior, restaram configurados os elementos que constituem
a responsabilidade civil subjetiva da empresa pela omissão
voluntária, competindo apenas a verificação do limite imposto
pelo pedido da obreira quanto ao período em que permaneceu
sem receber sua remuneração.
Confessou a reclamante em audiência realizada em
31/03/2009 (f. 323) que estava recebendo auxílio previdenciário
por força de decisão judicial e que o período em que permaneceu
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
356
sem receber auxílio previdenciário e sem salários foi de 13
meses, entretanto, a petição inicial traz expresso o período de
dez meses.
Assim, estando incontroverso nos autos a não percepção
dos salários, ante as declarações da reclamada em contestação
e depoimento pessoal, deve ser deferida à obreira a restituição
dos danos materiais suportados, relativo à remuneração
correspondente ao período de 10 (dez) meses, no valor de R$
19.000,00 (dezenove mil reais).
Ressalte-se que, no particular, a obreira pleiteou a dobra
desses salários, o que não encontra amparo legal, razão pela
qual foi fixado o montante de modo simples, ou seja, 19.000,00
(dezenove mil reais).
2.2.3 JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA
O entendimento deste Regional é no sentido de não
aplicar à indenização por danos morais, no que concerne à
correção monetária, a Lei n. 8.177/91 e Súmula n. 381 do
TST, devendo, nessa hipótese, ter por termo inicial a data da
sentença ou do acórdão que fixou o valor da compensação
respectiva. Nesse sentido foi o julgado proferido nos autos
de nº 00894.2006.005.14.00-7, cuja ementa segue transcrita
nas próximas linhas:
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CORREÇÃO
MONETÁRIA. Não se aplicam à indenização por danos
morais, quanto à correção monetária, a Lei n. 8.177/91
e a Súmula n. 381 do TST. A correção monetária, na
hipótese, tem por termo inicial a data da sentença
ou do acórdão que fixou o valor da compensação
respectiva. Recurso provido, no particular. (Relator:
Shikou Sadahiro. Data do Julgamento: 14/06/2007,
Pleno, Data da Publicação: 20/06/2007).
O mesmo raciocínio não se aplica ao dano material, pois
tal montante deixou de compor o patrimônio da pessoa lesada
anteriormente à prolação da sentença e para seu deferimento o
valor deve ser certo.
Portanto, em relação à indenização por dano material
deve ser realizada a aplicação de juros e correção monetária
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
357
na forma legal. Quanto à indenização por dano moral a
correção monetária será calculada a partir da publicação do
presente acórdão.
2.3 CONCLUSÃO
DESSA FORMA, conhece-se do recurso ordinário, no mérito
dá-se-lhe provimento para deferir à obreira: a) indenização por
danos morais no montante de R$ 19.000,00 (dezenove mil reais),
vencido no particular o Relator apenas quanto ao “quantum”; b)
indenização por danos materiais em R$ 19.000,00(dezenove mil
reais). Juros e correção monetária na forma da fundamentação.
Custas pelo Banco-reclamado no importe de R$ 760,00, calculadas
sobre o valor da presente condenação (R$ 38.000,00).
3 DECISÃO
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do
Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região, à unanimidade,
conhecer do recurso ordinário; no mérito, por maioria, dar-lhe
provimento, nos termos do voto do Relator. Vencido parcialmente
o Relator quanto ao valor do dano moral. Vencido parcialmente o
Desembargador Vulmar de Araújo Coêlho Junior que não deferia
a indenização por danos morais. Sessão de julgamento realizada
no dia 26 de agosto de 2009.
Rio Branco-AC, 26 de agosto de 2009.
SHIKOU SADAHIRO
JUIZ-RELATOR
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.341-355, jul./dez. 2009
358
359
SENTENÇAS
360
361
PROCESSO: 00031.2008.131.14.00-6
TERMO DE AUDIÊNCIA
RITO ORDINÁRIO
Em 06/05/2008, às 11h
Aos 06 (seis) dias do mês de Maio de 2008, às 11h00,
sob a direção do Excelentíssimo Juiz do Trabalho JOSÉ ROBERTO
DA SILVA, auxiliando na titularidade da Vara do Trabalho de ROLIM
DE MOURA – RO, em atividade itinerante em NOVA BRASILÂNDIA
D’OESTE – RO, foi prolatada a seguinte SENTENÇA no processo
em que são litigantes: DONIZETE PEREIRA BORGES (reclamante)
e JOSÉ MACIEL DOS SANTOS, SINDICATO DOS TRABALHADORES
RURAIS DE NOVA BRASILÂNDIA D’OESTE, COMISSÃO ELEITORAL
DO SINDICATO, EZEQUIAS VIEIRA AZEVEDO, ALTAMIRO VICENTE
FIRMINO e CECÍLIO SILVERIANO PENEDA (reclamados).
SENTENÇA
1 – RELATÓRIO
O reclamante postula a anulação do ato jurídico proveniente
do Sindicato que impediu sua inscrição ao processo eleitoral para
composição da nova diretoria da entidade, a pretexto de ser
detentor do cargo de vice-prefeito no município de Nova Brasilândia
d’Oeste. Afirma que a restrição estatutária de vedar a participação
de exercentes de cargos políticos das três esferas do poder nas
eleições é “autoritária e antidemocrácita”, por infringir dispositivos
da consolidação e outras normas nacionais e alienígenas que tratam
da liberdade sindical. Prossegue asseverando que a alteração do
dispositivo do estatuto foi fraudulenta, engendrada com o único
propósito de obstar sua candidatura. Nesse sentido, alega que a
assembleia de 2006 que tratou da alteração da cláusula estatutária
contou com a participação de apenas vinte pessoas, mas que a ata
lavrada na oportunidade consignou a presença de mais de trezentas
pessoas, apenas para simular a existência de quorum necessário à
alteração do estatuto – à guisa de comprovação encartou à exordial
declarações em que pretensos filiados negam haver comparecido
ao evento. Sugere que a resistência à sua candidatura decorra da
mudança de sua filiação política partidária, diversa da imperante no
Sindicato. Invocou a concessão de liminar objetivando a suspensão
das eleições designadas para 18.02.2008. Pleiteou, por fim, a
procedência (fls. 02/23), tendo juntado documentos (fls. 25/184).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
362
O reclamante emendou a petição inicial para incluir como
litisconsorte passivo o SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS
DE NOVA BRASILÂNDIA D’OESTE (fl. 187), cumprindo os termos do
r. despacho de folha 185.
O pedido de antecipação de tutela foi indeferido, tendo
a r. decisão feito referência a um segundo fundamento utilizado
pelo Sindicato para vedar a participação do obreiro no processo
eleitoral – e por ele omitido na exordial: o de não comprovar “pelo
menos 12 (doze) meses de exercício de atividade rural abrangendo
(rectius: abrangida) pelo art. 2° na base territorial representada
pelo Sindicado, ainda que não contínuos e desde que não tenha
mudado de categoria durante este período” (fl. 189).
Na audiência inaugural de 30.01.2008 (fls. 206/208)
os reclamados ofereceram defesa comum em que alegaram que
a ordem constitucional vigente não recepcionou as disposições
da CLT no tocante à estrutura interna dos sindicatos, razão pela
qual encontram-se revogadas, entre outras, as disposições
consolidadas que disponham acerca das condições de elegibilidade.
Nesse diapasão, cada entidade sindical deve estabelecer critérios
específicos para a participação dos interessados no certame
eleitoral. Além disso, afirmam que ainda que se considere válidos
os preceitos consolidados acerca do processo eleitoral, devem eles
ser contextualizados à realidade social hodierna, em que a liberdade
sindical é um imperativo constitucional, o que implica reconhecer que
a enumeração constante nos artigos 529 e 530 da CLT não é fechada,
limitada (numerus clausus). Não houve fraude na assembleia que
alterou o estatuto para vedar a participação de políticos nas eleições
sindicais; os signatários das declarações prestadas deverão ser
ouvidos em audiência judicial sob compromisso e as suas assinaturas
cotejadas por perito com as constantes na ata da assembleia. O
candidato, para participar do processo eleitoral, deve comprovar o
exercício de atividade rural por doze (12) meses e não pode exercer
cargo político, condições estas não preenchidas pelo reclamante,
que deixou de desenvolver atividade rurícola ao assumir o cargo
de vice-prefeito do Município de Nova Brasilândia d’Oeste – RO.
Os pedidos são improcedentes, devendo o reclamante responder
pelos ônus da sucumbência (fls. 243/257). Juntou documentos (fls.
258/299).
A seguir os autos do processo foram enviados pelo Juízo à
Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região, que os devolveu
afirmando ser desnecessária a manifestação do Ministério Público em
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
363
feitos que tramitam em primeira instância. Esclareceu que, quando
muito, a atuação ministerial poderia se dar extrajudicialmente, para
restaurar a legalidade ofendida pelo ato do dirigente sindical, se ficar
reconhecida a irregularidade na alteração estatutária denunciada
pelo autor (fls. 303/304).
O reclamante foi instado a se manifestar sobre a
contestação e documentos (fl. 305), tendo, nesse sentido, requerido
o prosseguimento do feito (fl. 307).
Na audiência de 06.05.2008 foram ouvidos o reclamante, o
representante do Sindicato e as testemunhas que indicaram.
As propostas conciliatórias foram rejeitadas.
É este o relatório, pelo que decido.
2 – COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
A Emenda Constitucional nº 45/2004 ampliou a
competência “ratione materiae” da Justiça do Trabalho, atribuindolhe o julgamento das “ações sobre representação sindical, entre
sindicatos, entre sindicatos e trabalhadores, e entre sindicatos e
empregadores” (CF – art. 114, III).
3 – ILEGITIMIDADE DE PARTE
A inserção no polo passivo da ação de JOSÉ MACIEL
DOS SANTOS, COMISSÃO ELEITORAL DO SINDICATO, EZEQUIAS
VIEIRA AZEVEDO, ALTAMIRO VICENTE FIRMINO e CECÍLIO
SILVERIANO PENEDA é incabível, considerando que neste feito
o reclamante não objetiva a declaração de nulidade de um
ato jurídico cometido por eles, mas sim, tecnicamente, de ato
praticado pelo próprio sindicato.
Aliás, não é possível conceber que as pessoas nominadas (a
COMISSÃO ELEITORAL DO SINDICATO nem personalidade jurídica
possui), tenham, por ato próprio, obstado a candidatura eleitoral
do reclamante. Agiram, sim, seguindo as disposições existentes no
estatuto social da entidade sindical (as quais, se legítimas ou não,
serão apreciadas no mérito).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
364
A exemplo do que ocorre com a Administração Pública e
outras entidades associativas, o sindicato é considerado um todo
quando comete atos típicos de seu objeto social, porém dividido em
órgãos despersonalizados para otimização das funções executadas
pelo organismo, conforme a concepção exposta por Otto von Gierke,
em sua “Teoria do Órgão”.
Logo, extingue-se o processo sem resolução de mérito, por
ilegitimidade de parte dos nominados alhures, nos termos do artigo
267, VI do CPC.
4 – INTERESSE DE AGIR
As eleições foram realizadas no dia 18.02.2008, conforme
demonstra a cópia do “edital de convocação” (fl. 26), tendo a prova
de mesa revelado que a nova diretoria eleita já tomou posse .
A antecipação da tutela pretendida pelo reclamante para
a inscrição de sua chapa no processo eleitoral foi indeferida pelo r.
despacho de folha 189.
Neste contexto, julgo extinto o pedido da alínea “a” da
petição inicial, por falta de interesse de agir superveniente (CPC –
art. 267, VI).
5 – MÉRITO
O inciso I do artigo 8º, da Constituição Federal consagra a
autonomia sindical, ao dispor que a lei não poderá exigir autorização
do Estado para a fundação de sindicato e ao vedar a interferência
e a intervenção do Poder Público na organização sindical. Como
norma proibitiva, a disposição é autoaplicável. Ficaram, portanto,
tacitamente ab-rogadas, desde a promulgação da Constituição de
1988, pela não recepção, entre outras, as disposições da CLT sobre
eleições sindicais (arts. 529 a 532) (1).
1
“A autonomia implica também a circunstância de os sindicatos elegerem
livremente seus representantes, sem se sujeitarem às condições exigidas para o
exercício do direito de voto, elegibilidade e procedimento das eleições previstos
nos art. 529, 530, 531 e 532 da CLT, a nosso ver revogados, em face do disposto
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
365
A liberdade sindical ainda não é plena no país, nos moldes
preconizados na Convenção Internacional n° 87 da OIT – que ainda
não foi ratificada pelo Brasil (2) – pois, entre outros óbices, ainda
persiste no ordenamento jurídico, o princípio da unidade sindical
(CF – art. 8°, II) e a exigência da contribuição sindical obrigatória
(CLT – art. 579).
Ademais das restrições à plena liberdade sindical, o fato é
a que ordem constitucional assegura aos sindicados a prerrogativa
institucional do autogoverno e da autodeterminação, decorrendo
daí o direito de a entidade sindical elaborar e aprovar o seu próprio
estatuto, seguindo os parâmetros da legislação civil (CC – art. 46;
Lei 6015/73 – art. 114 e seguintes), não mais prevalecendo as
exigências contidas no artigo 518 consolidado.
A autonomia sindical é um conceito plenamente aceito nos
vários segmentos sociais, como nos revela, exemplificativamente,
as razões do veto ao artigo 6° da Lei nº11.648/2008 (3), que trata
das centrais sindicais.
A concepção se coaduna com os pressupostos de uma
democracia pluralista encampados na Constituição, que rompeu
2
3
no inciso I do art. 8° da Constituição da República de 1988, in “Curso de Direito
do Trabalho”, Alice Monteiro de Barros, in “Curso de Direito do Trabalho”, São
Paulo: LTr, 2005. p. 1166.
“No Governo Eurico Gaspar Dutra, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso
Nacional projeto de ratificação da Convenção n° 87 da OIT. A câmara dos
Deputados o aprovou. O Senado não. Outras iniciativas no mesmo sentido foram
dificultadas, inclusive por parcelas do próprio movimento sindical, contrárias
à extinção da contribuição sindical e favoráveis à preservação do princípio do
sindicato único; supõem que, sem essa garantia legal, haveria o fracionamento
do movimento sindical brasileiro; não percebem, no entanto, que, apesar dessa
proibição, o sistema sindical brasileiro está bastante dividido. Existem diversas
centrais sindicais (em 2000, cinco) e milhares de sindicatos (no mesmo ano,
cerca de 16.500). Logo, o sistema legal não evita a divisão do sindicalismo. Há
mais unidade sindical em países de pluralidade sindical do que no Brasil, com o
sistema da unicidade sindical. Naqueles, os sindicatos se unem, livremente. Em
nosso país, a mesma lei que os une os condena a viver separados”.
“O art. 6o viola o inciso I do art. 8o da Constituição da República, porque
estabelece a obrigatoriedade dos sindicatos, das federações, das confederações
e das centrais sindicais prestarem contas ao Tribunal de Contas da União sobre
a aplicação dos recursos provenientes da contribuição sindical. Isto porque a
Constituição veda ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização
sindical, em face o princípio da autonomia sindical, o qual sustenta a garantia de
autogestão às organizações associativas e sindicais.”
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
366
com o falso pluralismo corporativista, consoante o qual os “corpos
intermediários” – referidos por Montesquieu, em “O espírito das
leis” – seriam portadores de uma autonomia delegada, pela qual
conservariam a autonomia natural, mas estariam impregnados
da consciência do Estado, de modo que todas as suas ações e
determinações seriam harmônicas com as normas mais gerais
emanadas do poder central (4).
Traçadas tais premissas, considero que as assembleias
gerais são soberanas para deliberar sobre o destino da entidade
sindical, podendo dispor livremente sobre quaisquer assuntos,
desde que não sejam contrários à lei ou ao próprio estatuto social.
Nesse sentido a cláusula 12° e seguintes do Estatuto Social do
Sindicato (fls. 31 e 215).
É incontroverso nos autos que o reclamante exerce o
cargo de vice-prefeito no município de Nova Brasilândia d’Oeste
– RO, tendo tomado posse em janeiro/2005, circunstância que o
tornaria inelegível para assumir qualquer cargo eletivo na entidade
sindical, com fulcro na alínea “d” ao artigo 67 do Estatuto Social do
Sindicato (fls. 42 e 227).
Entretanto, a prova revela que a assembleia geral que
deliberou pela inclusão da alínea “d” ao artigo 67 do Estatuto Social
do Sindicato (fls. 42 e 227) considerou a presença de pessoas que
não compareceram ao evento, além de outras que nem ostentavam
a condição de associadas à entidade sindical, o que caracteriza
vício na composição daquela reunião.
Com efeito, a testemunha SANDRA CIZMOSKI – que é
empregada do sindicato, não ostentando a condição de filiada,
mas cujo nome consta na folha 60 – afirmou que assinou a lista de
presença à Assembleia depois de seu retorno aos serviços, após a
sua licença maternidade.
SANDRA esclareceu ainda que a lista de presença estava
disponível no sindicato, para assinatura dos interessados.
4
MAGANO, Octávio Bueno. Do poder diretivo na empresa. São Paulo:
Saraiva, 1982. p. 152-155.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
367
FRANCISCO SEVERINO DOS SANTOS e CLEBER FELICIANO
também negaram a presença naquele evento, muito embora o
nome de ambos tenha sido lançado na lista de presença (fl. 59).
As informações prestadas pelas testemunhas sugerem,
portanto, a manipulação indevida da lista de presença, com a
inclusão de pessoas não filiadas ao sindicado, ou, muito menos,
que nem compareceram à sessão, razão pela qual declaro nula
de pleno direito (CC – art. 104, III) a alínea “d” ao artigo 67 do
Estatuto Social do Sindicato (fls. 42 e 227), pela irregularidade na
composição da Assembleia Geral.
Já no que tange à aplicação da alínea “c” do artigo 67
do Estatuto Social do Sindicato (fls. 42 e 227), que preconiza ser
inelegível o candidato que “não tiver pelo menos 12 (doze) meses
de exercício de atividade rural abrangendo (rectius: abrangida)
pelo art. 2° na base territorial representada pelo Sindicado, ainda
que não contínuos e desde que não tenha mudado de categoria
durante este período”, tratando-se de condição proibitiva, considero
inaplicável a interpretação restritiva dado pelo Sindicato no sentido
de que o candidato esteja no exercício de atividade rurícola nos
últimos doze meses (fl. 255).
Rigorosamente, por força da liberdade sindical em voga
no país, interpreto o dispositivo como previsão de que o candidato
tenha exercido atividade rural nos moldes preconizados no artigo 2º
do estatuto social por ao menos doze meses, independentemente
do período em que isso tenha ocorrido.
Ainda que assim não fosse, ao depor o reclamante
declarou que conjuga as atividades políticas com as rurais, o que
é plenamente factível com a realidade regional, já que o município
de Nova Brasilândia d’Oeste – RO constitui uma cidade de pequeno
porte, que permite, como revelam as máximas da experiência, que
ocupantes de cargo no executivo municipal – especialmente os que
não exerçam a titularidade, como o vice-prefeito – pratiquem outras
atividades além daquelas para os quais foram originalmente eleitos.
Não se pode olvidar, ainda, que em época pretérita o
reclamante foi presidente do sindicato reclamado, inexistindo
qualquer elemento que aponte a sua desfiliação da entidade.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
368
Rejeita-se, assim, a aplicação da alínea “c” do artigo 67
do Estatuto Social do Sindicato como motivo para a rejeição da
candidatura do reclamante.
6 – OFÍCIO À PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO
DA 14ª REGIÃO
Expeça-se ofício à Procuradoria Regional do Trabalho
da 14ª Região em decorrência da irregularidade na formação da
Assembléia Geral reconhecida acima.
7 – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Condeno a reclamada ao pagamento da verba honorária
pela sucumbência no processo, no importe de R$1.500,00
(Instrução Normativa nº 27 do C. TST).
8 – CONCLUSÃO
Pelo exposto, o Juízo auxiliar da VARA DO TRABALHO
DE ROLIM DE MOURA – RO, em atividade itinerante em NOVA
BRASILÂNDIA D’OESTE – RO, extingue sem resolução do mérito,
por ilegitimidade de parte, o processo em face JOSÉ MACIEL DOS
SANTOS, COMISSÃO ELEITORAL DO SINDICATO, EZEQUIAS VIEIRA
AZEVEDO, ALTAMIRO VICENTE FIRMINO e CECÍLIO SILVERIANO
PENEDA e, por falta de interesse de agir superveniente, o pedido de
inscrição de chapa ao processo eleitoral sindical, tudo nos termos
do artigo 267, VI do CPC; e, no mérito, julga PROCEDENTES EM
PARTE os pedidos formulados por DONIZETE PEREIRA BORGES
em face do SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS DE NOVA
BRASILÂNDIA D’OESTE para:
a) Declarar nula a alínea “d” ao artigo 67 do Estatuto
Social do Sindicato e inaplicável a sua alínea “c”, conforme a
fundamentação.
b) Condenar o sindicato a pagar honorários advocatícios
de R$1.500,00;
Custas calculadas sobre o valor de R$1.500,00, no
importe de R$30,00, a cargo do reclamado.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
369
Corrija-se a autuação e demais registros quanto ao pólo
passivo, considerando os termos do item 03; expeça-se ofício à
Procuradoria Regional do Trabalho da 14ª Região para a apuração
de possível ato antissindical praticado nas hostes SINDICATO DOS
TRABALHADORES RURAIS DE NOVA BRASILÂNDIA D’OESTE .
Cientes as partes.
JOSÉ ROBERTO DA SILVA
Juiz do Trabalho
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.359-367, jul./dez. 2009
370
371
PROCESSO: 00333.2009.401.14.00-8
TERMO DE AUDIÊNCIA
Em 05/06/2009, às 12h00min
Reclamante:MARIO DA COSTA SILVA
Reclamado: MARTINS COMÉRCIO E SERVIÇOS DE
DISTRIBUIÇÕES S/A
OBJETO:
Conforme inicial
SENTENÇA
I - RELATÓRIO
MARIO DA COSTA SILVA, qualificado na petição inicial e
assistido por seu advogado constituído no instrumento procuratório de
fl. 34, ajuizou reclamação trabalhista em face de MARTINS COMÉRCIO
E SERVIÇOS DE DISTRIBUIÇÕES S/A, postulando reconhecimento
de vínculo empregatício com a consequente condenação desta no
pagamento de verbas trabalhistas e rescisórias, além de indenização
por danos morais e materiais decorrentes de acidente de trabalho
e honorários advocatícios, tudo mediante os fundamentos fáticos
aduzidos no petitório de fls. 02/33.
Regularmente notificada, a reclamada compareceu
à audiência e, depois de recusada a primeira tentativa de
conciliação, apresentou sua defesa através da peça de
fls.73/112, suscitando preliminares de prescrição quinquenal e
ilegitimidade ativa e passiva.
No mérito, sustentou a improcedência dos pedidos sob
alegação de inexistência de liame empregatício entre as partes,
tendo havido mera prestação de serviços decorrentes de contrato de
representação comercial autônoma.
Por fim, apresentou pedido contraposto relativo ao aviso
prévio (denúncia do contrato) alegadamente devido pelo autor
à reclamada, tendo ainda requerido a compensação de quaisquer
valores eventualmente deferidos ao obreiro.
Estabelecido o valor da alçada em R$ 303.893,29-.
Por meio da petição de fls. 214/243, sob alegação de
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372
manifestação dos documentos juntados com a contestação, veio a
parte autora a apresentar verdadeira réplica à defesa da reclamada.
Aberta a audiência de instrução, em busca da verdade
real, o juízo tomou o depoimento pessoal dos litigantes, tendo estes
adiantado que não produziriam prova testemunhal.
Sem pendências, encerrou-se a instrução e as partes aduziram
razões finais remissivas à inicial e contestação, respectivamente.
Também restou infrutífera a segunda proposta de acordo.
É o relatório. Passo a decidir.
II – FUNDAMENTOS DA DECISÃO
QUESTÃO PROCESSUAL – DO PEDIDO CONTRAPOSTO
Deixo de analisar o pedido “contraposto” apresentado pela
reclamada, vez que para tal finalidade deveria a empresa fazer se
valer do remédio jurídico adequado (reconvenção), inexistindo
possibilidade de apresentar pedido em face do autor por meio de
contestação diante da natureza do referido ato.
CAUSAM
PRELIMINARMENTE
–
DA
ILEGITIMIDADE
ATIVA
AD
Aduz a parte reclamada a ilegitimidade ativa ad causam
da pessoa física do reclamante em razão deste, durante todo o
período contratual, ter prestado serviços através de pessoa jurídica
regularmente constituída e ativa.
Contudo, não há como prosperar a referida preliminar.
É que uma vez alegado pela parte autora a titularidade do
direito invocado em juízo presente se encontra a legitimação ativa.
Somente com o exame do mérito decidir-se-á pela configuração ou
não da relação postulada, não havendo que se confundir relação
jurídica material com relação jurídica processual, vez que nesta a
legitimidade deve ser apurada apenas de forma abstrata.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
373
Diante do exposto, rejeito a preliminar em comento.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA
Do mesmo modo que ocorre com os elementos necessários
à determinação da competência, as condições da ação devem ser
verificadas na petição inicial segundo a versão que o autor dá aos
fatos e de acordo com a interpretação que ele mesmo adota para o
direito aplicável ao conflito de interesses (in status assertiones).
No caso dos autos, o autor alega que embora tenha, de fato,
mantido formalmente mero contrato de representação comercial
autônoma, na realidade, laborava em favor da reclamada sob nítida
relação empregatícia, pugnando, desta feita, pelo reconhecimento do
liame em razão do princípio da primazia da realidade.
Com estas considerações, rejeito a preliminar.
PRELIMINAR DE PRESCRIÇÃO
A prescrição (assim como a decadência), de acordo com
a didática adotada pela legislação processual civil em vigor, não é
matéria que mereça apreciação na qualidade de preliminar por parte
do Magistrado, vez que não se encontra albergada dentre as hipóteses
de condições da ação tampouco de pressupostos processuais. Na
realidade, a prescrição nada mais é que “prejudicial de mérito”, já que
uma vez acolhida não implica na extinção do processo sem análise de
mérito, mas ao revés, provoca o julgamento da ação com resolução
deste (art. 269 do CPC).
Contudo, embora veiculada na peça defensiva na qualidade
de “preliminar”, a parte reclamada não sofrerá nenhum prejuízo
de ordem processual, pois a referida prejudicial de mérito deve ser
analisada independentemente da nomenclatura que lhe fora atribuída
na contestação, podendo, inclusive, ser decretada ex-officio, de
acordo com a novel legislação.
No caso dos autos, suscitou o reclamado a prescrição
quinquenal dos pedidos apresentados pelo autor, assim como do
alegado contrato mantido anteriormente ao ano de 2006, com fulcro
no que preceitua o art. 7º, XXIX da CF/88.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
374
Desta forma, acolhe-se a prescrição qüinqüenal argüida em
tempo oportuno pela parte ré com fulcro no art. 7º, XXIX da CF/88,
declarando-se prescritos os efeitos pecuniários de todas as parcelas
eventualmente deferidas ao autor anteriores a 13/04/2004.
QUESTÃO PREJUDICIAL – DA EXISTÊNCIA DE LIAME
EMPREGATÍCIO
Em sua peça vestibular, o reclamante assevera ter laborado
para a reclamada na função de vendedor com subordinação
jurídica, habitualidade, onerosidade e pessoalidade, em fim,
todos os requisitos caracterizadores do liame empregatício, tal
qual previsto nos arts. 2º e 3º da CLT, razão pela qual requereu o
reconhecimento judicial da referida relação, com a condenação da
empresa nos consectários legais.
A reclamada, por sua vez, contestou os pedidos do autor
sustentando a inexistência de vínculo empregatício com este,
asseverando ter havido mera prestação de serviços autônomos
decorrentes de contrato de representação comercial (com constituição
de pessoa jurídica).
Pois bem.
Embora reconhecidamente nos dias atuais haja elevado
número de tentativas fraude à legislação trabalhista com a
indevida precarização das relações do trabalho pela tentativa de
descaracterização do liame direto com o empregador através das
terceirizações ilícitas ou “pejotizações”, situação esta decorrente
do alto custo (tributário) incidente sobre a mão-de-obra e da
acirrada competitividade interna e externa de mercado, no caso
dos autos não há como não se reconhecer a validade e legitimidade
da contratação autônoma firmada com fulcro no que dispõe a Lei
nº 4.886 de 09/12/1965.
Sem se afastar da vertente protecionista do Direito do
Trabalho, tem-se que a questão acerca da existência ou inexistência
de liame empregatício entre as partes é resolvida pela mera aplicação
do princípio da primazia da realidade, muito bem desenhada nas
palavras do poeta popular ao observar que:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
375
“Nem todo o beijo é pecado
Nem toda fruta é maçã
Nem todo réu é culpado
Nem toda culpa é cristã
Nem toda carta é marcada
Nem toda lente é ray-ban
Nem toda noite é noitada
Nem toda luz é manhã”
(Bobo da Corte, Alceu Valença).
Com efeito, no caso em concreto, extrai-se do próprio
depoimento pessoal do autor não só a ausência de um ou alguns
dos requisitos legais previstos nos arts. 2º e 3º da CLT, mas ao
revés, observa-se a patente AUSÊNCIA DA MAIORIA dos referidos
requisitos legais, valendo destacar, neste sentido, os trechos de
seu depoimento, in verbis:
“que a reclamada nunca proibiu que o reclamante
se fizesse ajudar pela sua esposa ou qualquer
outra pessoa na realização de seu mister (…)
que após ter deixado de trabalhar com a utilização do
nome da pessoa física de sua esposa, a reclamada
determinou que o reclamante abrisse pessoa
jurídica em seu próprio nome; que não sabe porque
foi obrigado a constituir pessoa jurídica enquanto sua
esposa não teve tal obrigação, permanecendo vinculada
a empresa como pessoa física; que até a presente
data a esposa do reclamante continua trabalhando na
reclamada através de sua pessoa física; que confirma
que embora tenha sido determinada a constituição
de pessoa jurídica para que continuasse a
trabalhar para a reclamada, já possuía a referida
inscrição no CNPJ desde 05/08/1996, conforme
documento de fl. 133; (…) que dentre os limites de
máximo e mínimo de descontos de cada produto
é o reclamante quem tem a abertura para fazer
a dosimetria; que o reclamante também poderia
aumentar o preço das mercadorias além daquelas
inicialmente previstas pela empresa reclamada;
(…) que era o próprio reclamante quem arcava com
todos os custos de operacionalização dos serviços,
tais como, os custos referentes a moradia,
alimentação e locomoção; que não havia estipulação
da reclamada quanto a forma de atendimento dos
clientes, pertencendo ao reclamante a liberdade
para organizar sua agenda de forma a reduzir
seus custos operacionais;” (Depoimento pessoal do
autor, fls. 247/248, destaquei).
Quanto à inexistência de subordinação jurídica no caso em
concreto, vale trazer à lume lição da i. doutrinadora Alice Monteiro de
Barros (in Contratos e Regulamentações Especiais de Trabalho, 3 ed.,
2008, p. 551), nos seguintes termos:
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
376
“A doutrina oferece alguns critérios que poderão auxiliar
na aferição da subordinação jurídica. Marly Cardone,
em excelente monografia sobre o tema, fornece uma
classificação de circunstâncias que compreendem três
espécies de elementos, os quais podem ser sintetizados
da seguinte forma:
Elementos de certeza:
1.colocação à disposição da empresa da energia de
trabalho durante um certo lapso de tempo, diário,
semanal ou mensal, com o correspondente controle pela
empresa.
2.Obrigação de comparecer pessoalmente à
empresa, diária, semanal ou mensalmente.
3.Obediência a métodos de venda da empresa.
4.Fixação de período para viagem ela empresa.
5.Recebimento de instruções sobre o aproveitamento da
zona.
6.Obediência a regulamento da empresa.
Elementos de indício:
1. Recebimento de quantia fixa mensal.
2. Utilização de material da empresa, pastas, talões de
pedidos, lápis, etc.
3. Uso de papel timbrado da empresa.
4. Obrigação de mínimo de produção.
5. Recebimento de ajuda de custo.
6. Obrigação de prestar pessoalmente os
trabalhos.
Elementos excludentes:
1. Existência de escritório de vendedor e admissão de
auxiliares.
2. Substituição constante do vendedor por outra
pessoa na prestação do serviço.
3. Pagamento de imposto sobre Serviços.
4. Registro no Conselho Regional dos Representantes
Comerciais.
5. Utilização do tempo segundo diretrizes fixadas
pelo próprio vendedor, sem qualquer ingerência da
empresa contratante.
Esclarece a citada autora que os elementos de certeza
devem ser encontrados simultaneamente para se concluir
pela existência da subordinação jurídica, enquanto os
elementos de indício, basta que exista um deles para que
o julgador fique alerto, procure os elementos de certeza
ou as excludentes e defina a natureza da relação de
trabalho” (destaques acrescidos).
Desta forma, inexistindo pessoalidade na prestação dos
serviços (já que o autor se fazia ajudar ou substituir por sua esposa ou
qualquer outra pessoa), ausente também o requisito da subordinação
(já que era o autor quem definia a forma de seu trabalho, podendo
inclusive decidir pela elevação ou redução do valor das mercadorias),
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
377
e ainda, recaindo sobre o obreiro o risco da atividade econômica
desenvolvida (já que era ele próprio quem arcava com os custos
operacionais), impossível não se reconhecer a validade do contrato
de representação comercial autônoma firmado entre as partes e,
consequentemente, a inexistência de liame empregatício, razão pela
qual julgo improcedente o pedido declaratório em comento, assim
como, por prejudicialidade, os demais pedidos consequentes lógicos
deste reconhecimento.
DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Em sua peça vestibular, o autor requereu a condenação da
parte reclamada no pagamento de indenização por danos morais
e materiais (lucros cessantes e danos emergentes) decorrentes de
alegado acidente de trabalho sofrido.
Apresentou como causa de pedir para as referidas
indenizações o fato de não ter recebido “uma visita de algum
representante da Empresa” e em razão de ter passado o período
de sua convalescência sem receber os salários, razão pela qual se
sentiu “deprimido e humilhado, pois sempre trabalhou para obter seu
próprio sustento, sendo que, naquela ocasião, por ter a reclamada
deixado de pagar seus salários, passou a depender da caridade das
pessoas” (fl. 05), ou seja, apresentando como causa de pedir para as
pretendidas indenizações o fato de não ter recebido salários durante
o referido período por culpa da reclamada que não veio a formalizar
o liame empregatício em questão.
Ora, tendo sido reconhecida a inexistência de liame
empregatício entre as partes, nos moldes supra, sem maiores
delongas, a improcedência dos pedidos indenizatórios em comento é
medida que se impõe por verdadeira justiça.
Ademais, mesmo que assim não fosse, e se viesse a
reconhecer a existência do contrato de emprego entre as partes,
outra sorte não teria o autor.
Com efeito, a discussão na seara do Direito do Trabalho
quanto à responsabilidade pelo dano moral e material causado, regra
geral, segue os princípios da responsabilidade subjetiva prevista no
Código Civil, sendo que apenas em algumas situações peculiares
aplica-se a teoria da responsabilidade objetiva ou do risco criado.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
378
No caso concreto, a responsabilidade indenizatória da
empresa não poderia ser considerada objetiva, mas sim, subjetiva,
por não implicar a atividade da reclamada, por si só, risco para
terceiros, fato este suficiente para afastar a aplicação do parágrafo
único do art. 927 do Código Civil, exceção para a regra geral contida
no inciso XXVIII, do art. 7º, da Constituição da República.
No presente feito, pois, deveria, a parte obreira demonstrar
a ação ou omissão do agente, a existência de dolo ou culpa, bem
como o chamado nexo de causalidade (relação causa - efeito), no
intuito de se impor a reprimenda legal (art. 927, CC/2002).
Conforme depreende-se do conjunto probatório, em especial,
do depoimento pessoal do autor, observa-se que restou comprovada
a inexistência de qualquer ato omissivo ou comissivo da reclamada
que tenha atuado para a ocorrência do referido acidente, assim
como também restou descaracterizada sua culpa ou dolo, havendo
confissão do obreiro acerca de sua culpa exclusiva.
Por fim, é ainda de se observar que afora os fatos supra
declinados, os quais se mostram mais que suficientes ao indeferimento
dos pedidos indenizatórios, no que tange ao pedido de dano
emergente, em especial, sequer houve prova do autor quanto aos
prejuízos alegadamente sofridos com seu tratamento médico, provas
estas que lhe cabiam por serem fato constitutivo de seu direito (art.
818 da CLT c/c art. 333, I do CPC).
Diante do exposto, seja em razão da inexistência de
liame empregatício entre as partes, seja em decorrência da
inexistência dos requisitos legais atinentes à responsabilidade
civil reparatória, improcedem os pedidos de indenização por
danos morais e materiais.
DA GRATUIDADE DA ASSISTENCIA JUDICIÁRIA
Pela simples declaração de não estar em condições de
custear a demanda, sem prejuízo do próprio sustento ou de seus
familiares, o autor se torna credor da assistência judiciária gratuita.
DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
379
São indevidos honorários advocatícios pleiteados, já que, no
processo do trabalho, esta verba não decorre da simples sucumbência.
É que o art. 133 da Carta Maior, conforme reiterada interpretação do
Colendo TST, não revogou o jus postulandi das partes no âmbito
laboral (Súm. 219 e 239 do C. TST).
Sendo assim, no âmbito desta justiça especializada, a
hipótese de condenação em honorários advocatícios continua restrita
à assistência jurídica prestada pelos sindicatos aos hipossuficientes,
nos termos dos arts. 14 a 16 da Lei n. 5584/70. Este, todavia, não é
o caso desta reclamatória, em que, apesar da alegação de pobreza,
o autor está assistido por advogado particular.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto e considerando o mais que dos autos consta,
nos termos da fundamentação supra, DECIDO:
a)Rejeitar as preliminares de ilegitimidade ativa e
passiva;
b) Acolher a arguição da reclamada, declarando
prescritos os efeitos pecuniários dos direitos anteriores
a 13/04/2004;
c)Julgar TOTALMENTE IMPROCEDENTES os pleitos
formulados na reclamação proposta por MARIO DA
COSTA SILVA em face de MARTINS COMÉRCIO E
SERVIÇOS DE DISTRIBUIÇÕES S/A, extinguindo a
presente ação com resolução do mérito, nos termos do
art. 269, I do CPC.
Custas processuais pelo autor, no montante de R$ 6.077,86(seis mil e setenta e sete reais e oitenta e seis centavos), calculadas
sobre o valor atribuído à causa na inicial (R$ 303.893,29-), das quais
fica dispensado de recolhimento em decorrência dos benefícios da
gratuidade de Justiça deferidos.
Tendo em vista o término antecipado dos trabalhos, faz-se
publicar a presente decisão nesta data, devendo a Secretaria da Vara
providenciar a devida intimação das partes.
CARLOS LEONARDO TEIXEIRA CARNEIRO
Juiz Federal do Trabalho Substituto
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.369-377, jul./dez. 2009
380
381
PROCESSO: 00633.2009.404.14.00-6
TERMO DE AUDIÊNCIA
Em 07/10/2009, às 15h00min
RECLAMANTE: ROBERTA SILVA DE SOUZA
RECLAMADA: MUNICÍPIO DE RIO BRANCO
SENTENÇA
I – RELATÓRIO
ROBERTA SILVA DE SOUZA, qualificada na petição inicial
e assistida por seus advogados constituídos no instrumento
procuratório de fl.09, ajuizou reclamação trabalhista em face
de MUNICÍPIO DE RIO BRANCO, postulando condenação deste
no pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo,
com base no salário profissional da obreira, desde o início da
prestação de labor, além de incorporação de tais valores à sua
remuneração, tudo mediante os fundamentos fáticos aduzidos no
petitório de fls. 02/08.
Embora regularmente notificado, o Município reclamado
não compareceu à audiência inaugural, tendo sido tomado
o depoimento pessoal da reclamante e, posteriormente,
determinado pelo juízo a elaboração de laudo pericial quanto ao
ambiente insalubre de labor alegado, com abertura de prazo para
apresentação de quesitos ao i. expert.
A parte autora apresentou seus quesitos através da
peça de fls. 22/23.
O Município reclamado, através da peça de fls. 25/26, por
amor ao princípio da celeridade e economia processual requereu a
juntada de laudo pericial elaborado em outros autos (fls. 27/56),
no qual a situação fática vivenciada pela obreira se mostrava
idêntica àquela veiculada na presente reclamatória, pugnando
pela sua utilização na qualidade de prova emprestada.
Questionada, a reclamante afirmou anuir às conclusões
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
382
exaradas no laudo pericial apresentado pelo Município, pugnando
pela desnecessidade de realização de nova prova pericial.
Diante da anuência expressa dos litigantes quanto à
utilização do laudo pericial de fls. 27/56 na qualidade de prova
emprestada, e da desnecessidade de realização de nova perícia,
através do despacho de fl. 60 foi determinada a reinclusão do feito
em pauta para audiência de instrução.
Aberta a audiência, a reclamante requereu a retificação
de erro material verificado em sua peça vestibular, o que restou
deferido pelo juízo, com anuência da parte ex-adversa.
O reclamado, por sua vez, requereu, e lhe foi deferida
sem oposição da parte autora, juntada de documentos aos autos
atinentes às fichas financeiras da reclamante.
Sem pendências, encerrou-se a instrução, tendo a parte
autora aduzido razões finais remissivas à inicial, e a parte reclamada,
de forma oral, nos termos constantes da Ata de fl. 65.
Também restou infrutífera a segunda proposta de acordo.
É o relatório. Passo a decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
1. PRELIMINARMENTE – CARÊNCIA DE AÇÃO POR
IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO
Em sua peça vestibular a reclamante requereu que após
reconhecido seu direito à percepção do adicional de insalubridade
em grau máximo, fossem os referidos valores definitivamente
incorporados à sua remuneração.
Pois bem.
Conforme entendimento doutrinário dominante, a
possibilidade jurídica do pedido, como uma das condições da ação,
possui duplo sentido.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
383
Numa primeira dimensão, tem-se como juridicamente
possível o pedido quando a pretensão deduzida esteja amparada pelo
direito objetivo. Num segundo sentido, tem-se como juridicamente
possível aquele pedido que não encontra proibição expressa dentro
do ordenamento jurídico que impeça o Magistrado de deferir ao
autor o bem da vida desejado.
No caso dos autos, a reclamante requer a incorporação
de parcela de sobressalário (adicional de insalubridade) à sua
remuneração independentemente do fato de encontrar-se laborando
em condições insalubres, situação esta que encontra vedação
legal no ordenamento em razão da natureza sinalagmática da
referida prestação, ou seja, sendo esta devida apenas enquanto
perdurar a condição insalubre de labor em razão de sua natureza
contraprestativa.
Nestes moldes, não havendo labor em condições insalubres,
a incorporação do referido adicional à remuneração da relcamante
representaria enriquecimento injustificado, situação esta que
é vedada em nosso ordenamento jurídico, razão pela qual, em
atuação de ofício, julgo extinto o pedido, sem resolução do mérito,
nos termos do art. 267, VI do CPC.
2. QUESTÃO
RECLAMADO
PROCESSUAL
–
DA
REVELIA
DO
Embora revel o Município reclamado em razão de sua
ausência à audiência inaugural, os efeitos da confissão ficta a ser
aplicada mostram-se restritos à matéria meramente fática aduzida
na inicial, ou seja, quanto à data de início do liame e função exercida
pela obreira.
Contudo, quanto aos referidos pontos não há qualquer
controvérsia nos autos, mormente em razão da documentação
carreada na incial, razão pela qual desnecessária maior análise
acerca dos efeitos da confissão ficta no caso em apreço.
3. DAS CONDIÇÕES INSALUBRES DE LABOR
Restou incontroverso nos autos, em razão do laudo
pericial juntado e utilizado como prova emprestada, que a
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
384
reclamante, no desempenho de suas funções de cirurgiã
dentista faz jus ao percebimento do adicional de insalubridade
em seu grau máximo (40%).
Insurge-se o reclamado (em razões finais) apenas quanto
à base de cálculo do referido adicional, asseverando que o art. 192
da CLT prevê o pagamento do adicional de insalubridade incidente
sob o valor do salário mínimo, e não sob o salário-base (contratual),
nos moldes pleiteados pela autora.
Diante do exposto, sendo incontroverso o direito da
reclamante ao pagamento do adicional de insalubridade em seu
grau máximo (40%), nos exatos moldes da prova emprestada
carreada aos autos, resta apenas perquirir acerca da base de
cálculo da referida parcela de sobressalário, pelo que passo a
analisar o tema.
4. DA BASE
INSALUBRIDADE
DE
CÁLCULO
DO
ADICIONAL
DE
Prevê o art. 192 da CLT textualmente que:
“O exercício de trabalho em condições insalubres
(...) assegura a percepção de adicional
respectivamente de 40% (quarenta por cento), 20%
(vinte por cento) e 10% (dez por cento) do salário
mínimo da região (...);” (destaquei).
Diante da vinculação do referido adicional ao valor do
salário mínimo e, considerando a disposição expressa Carta
Maior 1988 acerca da proibição de vinculação do salário mínimo
para qualquer fim (art. 7º, IV, in fine), tem-se que o art. 192
da CLT restou revogado pela nova ordem Constitucional, por falta
de recepção, entendimento este que atualmente ganhou maior
respaldo e, inclusive, força vinculativa, após a edição da Súmula
Vinculante nº 04 do E. STF, a qual dispõe in verbis que:
“SALVO NOS CASOS PREVISTOS NA CONSTITUIÇÃO, O
SALÁRIO MÍNIMO NÃO PODE SER USADO COMO
INDEXADOR DE BASE DE CÁLCULO DE VANTAGEM
DE SERVIDOR PÚBLICO OU DE EMPREGADO, NEM SER
SUBSTITUÍDO POR DECISÃO JUDICIAL” (negritei).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
385
Embora a referida Súmula Vinculante demonstre ser vedada
a indexação do salário mínimo para o cálculo de vantagens de
servidores públicos ou empregados, mister observar que, mesmo
não se tratando o adicional mencionado de espécie de
vantagem, mas ao revés, de verdadeira desvantagem, ou seja,
de parcela que possui natureza jurídica de reposição pecuniária por
situação de trabalho desvantajosa ao trabalhador (danosa à saúde
deste), tem-se que a vinculação (indexação) contida no referido art.
192 da CLT mostra-se inconstitucional, por afronta ao disposto no
art. 7º. IV, in fine, o qual foi taxativo ao determinar a vinculação
“para qualquer fim”.
Nestes moldes, diante da induvidosa inaplicabilidade do
art. 192 da CLT (eis que revogado), tem-se que inexiste norma legal
vigente a prever, de forma expressa, a base de cálculo do adicional
de insalubridade, já que o dispositivo constante do art. 7º, XXIII
da CF/88, ao mencionar a expressão “de remuneração”, não previu
qual a base de cálculo do referido adicional, vindo, tão somente, a
esclarecer a natureza salarial da parcela (sobressalário).
Sendo assim, e diante da aplicação do princípio da
plenitude da ordem jurídica (art. 4º, LICC) e da proibição do non
liquet (CPC, art. 126), far-se-ia obrigatória a utilização dos métodos
de integração jurídica para que fosse suprida a lacuna normativa, e
ao final, restasse descoberta qual a base de cálculo do adicional de
insalubridade em nosso sistema legal.
Como é cediço, o aplicador do Direito, antes de utilizar-se
da heterointegração para o deslinde das lacunas normativas, deve
buscar na auto-integração a solução dos casos concretos sob análise,
sendo exemplo desta última, a analogia jurídica, a ser efetivada, de
início, sob as demais normas contidas na CLT.
Com o socorro à analogia jurídica, de fato, parece que a
problemática acerca da base de cálculo do adicional de insalubridade
perde força e sentido, vez que a norma contida no §1º, do art. 193
da CLT, que trata do adicional de periculosidade, cogita da incidência
deste sobre o valor do “salário sem os acréscimos resultantes de
gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa”,
ou seja, sobre o valor do salário-base do trabalhador (sob o qual
inexiste proibição de vinculação).
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
386
Ora, se tanto o adicional de insalubridade, como o de
periculosidade tem como objetivo a contraprestação salarial
diferenciada pela prestação de trabalho em situações desfavoráveis
à saúde do trabalhador (seja de forma instantânea ou de forma
gradativa), impossível não aceitar a aplicação análoga da norma
contida no art. 193, §1º da CLT para reger os casos de insalubridade,
especificamente no que pertine à sua base de cálculo.
Sendo assim, por aplicação análoga da norma que
regula os casos de pagamento do adicional de periculosidade,
tem-se que o adicional de insalubridade deveria ter como base
de cálculo o valor do salário-base da reclamante, e não o salário
mínimo, sem que tal entendimento pudesse vir a evidenciar
inobservância à vedação estabelecida na parte final da Súmula
Vinculante nº 04 da Suprema Corte.
É que o referido verbete, conforme mencionado alhures,
não trata explícita ou mesmo implicitamente do adicional de
insalubridade, proibindo a indexação ao salário mínimo ou a
substituição da base de cálculo por decisões judiciais apenas no
que pertine à vantagens, nomenclatura esta incapaz de englobar a
parcela do adicional de insalubridade.
De fato, como já se disse alhures, o adicional de insalubridade
(assim como o de periculosidade) possui como característica básica
sua desvantagem ao trabalhador, tanto que a própria CF/88, em seu
art. 7º, inciso XXII, previu como direito de todos os trabalhadores
urbanos e rurais “a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio
de normas de saúde, higiene e segurança”, tornando excepcional o
pagamento de tal parcela, a qual sequer remunera o trabalho em si,
mas apenas tem por escopo desestimular a prestação de labor em
situações degradantes (tornando-as mais onerosas).
Ademais, é de se perceber que sequer houve menção à
expressão “adicional de insalubridade” na referida Súmula Vinculante
ou mesmo na degravação dos respectivos debates de aprovação
entre os Ministros da Suprema Corte quando da aprovação do
verbete, fato este apto a demonstrar inexistência de vedação quanto
à aplicação da analogia diante da lacuna normativa encontrada.
Por fim, destaque-se que qualquer entendimento em sentido
diverso acabaria por tornar inviável o exercício do direito pretendido,
seja em razão da lacuna legal (decorrente da inconstitucionalidade
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
387
da vinculação estabelecida no art. 192 da CLT), seja em decorrência
da vedação à fixação judicial de tal parâmetro existente na parte
final da multi-referida Súmula Vinculante.
verbis:
Neste mesmo sentido, vale destacar o seguinte arresto, in
“Adicional de Insalubridade. Base de cálculo. Súmula
Vinculante nº 4 do STF. A Súmula Vinculante nº 4
do STF não se aplica ao cálculo do adicional de
insalubridade. Ao estabelecer que o salário mínimo não
pode ser adotado como base de cálculo de vantagem
de servidor ou empregado, evidentemente não se
referiu ao adicional de insalubridade, porquanto
este não representa nenhuma vantagem; ao
contrário, representa o pagamento exatamente
da desvantagem de se trabalhar em condições
danosas à saúde. Entendimento diverso levaria à
eliminação do direito ao referido adicional para
aqueles cuja categoria não haja convencionado
uma base de cálculo qualquer, já que, segundo a
SV, essa base não poderia ser fixada por decisão
judicial.” (TRT 2ª R., 1ª Turma, Ac. 20080807547,
pub. in DOE 07/10/2008, p. 42, destaquei).
Diante de todo o exposto e, forte no princípio da plenitude
do direito e inafastabilidade da jurisdição (non liquet), com utilização
análoga do parâmetro legal contido no art. 193, §1º da CLT, entendo
que deve o adicional de insalubridade reconhecido como devido à
obreira ser calculado sob o valor do salário-base da mesma.
Contudo, embora este humilde julgador tenha a convicção
pessoal de que o referido entendimento apresenta-se como
aquele que melhor e mais profundamente atende ao escopo dos
princípios e normas Constitucionais os quais jurou proteger quando
de sua investidura no cargo de Magistrado, tendo em vista que
o “Guardião-Mor” da Carta Magna é o próprio Supremo Tribunal
Federal, cabendo a este (e aos seus respeitáveis Ministros) a última
palavra em sede de interpretação constitucional, a fim de não criar
falsa expectativa ao jurisdicionado e, em especial, à reclamante,
curvo-me ao entendimento majoritário daquela Excelsa Corte
para, ressalvando meu posicionamento pessoal, deferir o pleiteado
adicional de insalubridade a ser calculado com base no valor do
salário mínimo legal.
Diante de todo o exposto, deve o Município reclamado arcar
com o pagamento do adicional de insalubridade, em grau máximo
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
388
(40%) a ser calculado com base no salário mínimo legal de cada
época, desde a entrada em exercício da reclamante até enquanto
permanecer submetida às condições insalubres de labor.
5. DA JUSTIÇA GRATUITA
Pela simples declaração de não estar em condições
de custear a demanda, sem prejuízo do próprio sustento ou
de seus familiares, a autora se torna credora da assistência
judiciária gratuita.
6. DOS RECOLHIMENTOS PREVIDENCIÁRIOS
Os recolhimentos previdenciários incidirão sobre os valores
deferidos a título de adicional de insalubridade, ficando desde logo
autorizada a retenção em favor da reclamada das parcelas que, na
forma da Lei, constituam encargo do empregado, de acordo com a
Lei n. 8213/91.
III – DISPOSITIVO
Ante o exposto e considerando o mais que dos autos consta,
nos termos da fundamentação supra, DECIDO:
a) Ex officio, extinguir sem análise de mérito, por
carência de ação decorrente de impossibilidade jurídica,
o pedido de incorporação do adicional de insalubridade
à remuneração da obreira, nos termos do art. 267, VI
do CPC;
b) Julgar PARCIALMENTE PROCEDENTES os pleitos
formulados na reclamação proposta por ROBERTA
SILVA DE SOUZA em face de MUNICÍPIO DE RIO
BRANCO, para condenar a reclamada a pagar à autora,
os valores devidos a título de adiciona de insalubridade,
em grau máximo (40%) calculados com base no valor
do salário mínimo de cada época, desde o início do
liame até enquanto perdurar a situação insalubre de
labor;
c) julgar improcedentes os demais pedidos;
O quantum debeatur será apurado na liquidação do
julgado por cálculos, devendo o Município reclamado fazer juntar
aos autos, no prazo de 05 (cinco) dias após o trânsito em julgado, a
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
389
comprovação do início do pagamento da referida parcela juntamente
com a remuneração da obreira para fins de apuração do montante
devido, com fixação do dies ad quem.
Liquidado o julgado, acresçam-se juros e correção
monetária na forma da Lei, sendo esta a partir do mês subseqüente
ao da prestação dos serviços.
Recolhimentos previdenciários e fiscais na forma da Súmula
nº 368 do c. TST.
Custas processuais pela parte reclamada, no montante de
R$ 100,00- (cem reias), calculadas sobre o valor da condenação,
provisoriamente arbitrado em R$ 10.000,00- (dez mil reais), para
os efeitos legais, dos quais fica isento de recolhimento nos termos
do art. 790-A, I da CLT.
Sentença publicada antecipadamente.
Intimem-se as partes.
Desnecessária a intimação da União Federal, na forma do
Ato Conjunto PF/AC no 001/2009, firmado entre a PGF e este E. TRT
da 14a Região.
Deixo de remeter os presentes autos ao reexame necessário
em razão do valor da condenação imposta ao ente público não
exceder ao limite legal.
Nada mais.
E para constar foi lavrada a presente ata.
CARLOS LEONARDO TEIXEIRA CARNEIRO
Juiz Federal do Trabalho Substituto
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.379-387, jul./dez. 2009
390
BRANCA
391
PROCESSO: 0091000.31.2009.514.0041
TERMO DE AUDIÊNCIA
Em 16/11/2009, às 15:00h
REQUERENTE: SINDICATO DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO DE BENSE SERVIÇOS DO ESTA
DO DE RONDÔNIA - SINTRACOM
REQUERIDOS:
SUPERMERCADO A LUZITANA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA. RODRIGUES
COMÉRCIO DE GÊNERO ALIMENTÍCIOS LTDA. RODRIGUES COMÉRCIO DE
PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA. V.A.
MARTINS E CIA LTDA – EPP.
SUPERMERCADO VITÓRIA - ME
Aos dezesseis dias do mês de novembro de 2009, às
15:00 horas, foi aberta a audiência, por ordem do Excelentíssimo
Senhor HORÁCIO RAYMUNDO DE SENNA PIRES SEGUNDO, Juiz
Federal do Trabalho Substituto, auxiliando a titularidade da Vara
do Trabalho de Cacoal – RO. Apregoadas as partes, verificou-se a
ausência das mesmas, tendo sido publicada a seguinte:
SENTENÇA EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA
RELATÓRIO
SINDICATO DOS TRABALHADORES NO COMÉRCIO DE
BENS E SERVIÇOS DO ESTADO DE RONDÔNIA – SINTRACOM
ingressou com a presente ação civil pública, com pedido de
antecipação dos efeitos da tutela, contra SUPERMERCADO A
LUZITANA INDÚSTRIA E COMÉRCIO LTDA, RODRIGUES COMÉRCIO
DE GÊNERO ALIMENTÍCIOS LTDA, RODRIGUES COMÉRCIO DE
PRODUTOS ALIMENTÍCIOS LTDA, V.A. MARTINS E CIA LTDA –
EPP e SUPERMERCADO VITÓRIA - ME, apresentando os fatos
e formulando os pedidos conforme petição inicial de fls. 02/49.
Juntou os documentos de fls. 50/172. Foi negada a concessão
da antecipação dos efeitos da tutela pleiteada. Foi determinada a
intimação do Ministério Público do Trabalho para, nos termos da lei,
atuar no feito. Em audiência, restou sem efeito a primeira tentativa
de conciliação. O primeiro reclamado apresentou contestação
às fls. 240/246. O segundo reclamado juntou contestação às
fls. 247/258 e apresentou documentos. O terceiro reclamado
juntou contestação às fls. 267/278 e juntou documentos. O
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
392
quarto reclamado juntou contestação às fls. 287/293. O quinto
reclamado juntou contestação às fls. 294/300. Requerente e MPT
se manifestaram sobre as preliminares de defesa e os documentos
apresentados pelos requeridos. Considerando que a matéria
discutida nos autos era unicamente de direito, foram dispensados
os depoimentos das partes e a produção de outras provas. Razões
finais remissivas pelas partes e pelo Parquet. Restou também sem
efeito a segunda proposta de conciliação. É O RELATÓRIO.
FUNDAMENTAÇÃO
I – UTILIZAÇÃO DE MÃO DE OBRA EMPREGADA EM
DIAS DE FERIADO. ART. 6º - A DA LEI 10.101/2002. AUSÊNCIA
DE AUTORIZAÇÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO.
IMPOSSIBILIDADE
Alega o requerente na petição inicial, em resumo, que,
para a abertura dos estabelecimentos das empresas requeridas
e a utilização de mão de obra empregada em dias de feriado,
seriam necessários dois requisitos, requisitos estes impostos
pela Lei 10.101/2000, em seu art. 6º - A. Seriam necessárias
a autorização expressa em lei municipal e a existência de
convenção ou acordo coletivo.
Explica, ainda, o requerente que a Lei do Município de
Cacoal, mais precisamente a Lei nº 073/PMC – 85, em seu art.
88, estabelece a impossibilidade do funcionamento do comércio
em geral em dias de feriado. Além disso – continua o requerente
a explicar – também o segundo requisito estabelecido pela Lei
10.101/2000 não estaria preenchido, visto que, desde o ano de
2006, não existe convenção coletiva de trabalho celebrada entre
ele, requerente, e o sindicado patronal. Inclusive, argumenta que,
apesar de várias tentativas neste sentido, o sindicato patronal
vem, reiteradamente, negando-se a discutir novas condições
de trabalho para os empregados da categoria, ou seja, vem se
negando a celebrar convenções coletivas.
Por fim, argumenta o requerente que, ao caso discutido
nos autos, não se pode aplicar as determinações da Lei 605/1949,
considerando que esta lei não mais subsiste após a entrada em
vigor da Lei 10.101/2002 e seus posteriores acréscimos.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
393
Em contestação, os requeridos sustentam que, em
verdade, a matéria é regulada, ainda, pela Lei 605/1949, e não
pela Lei 10.101/2000. Explicam que, como as atividades das
empresas de supermercado foram incluídas no rol do Anexo I da
Lei 605/1949, receberam essas empresas autorização permanente
para funcionarem e utilizarem mão de obra empregada em dias de
domingo e feriados. Segundo os requeridos, a Lei 605/1949 confere
uma autorização excepcional às empresas de supermercado,
não podendo elas estar atreladas à regra geral prevista na Lei
10.101/2000.
Como se observa da análise das teses dos requerente e
requeridos acima narradas em resumo, a primeira controvérsia
importante que merece enfrentamento se refere a qual lei é
aplicável ao caso, se a Lei 605/1949 ou a Lei 10.101/2000 e seus
posteriores acréscimos.
que:
A Lei Federal 605/1949, em seu art. 7º, estabeleceu
“Art. 7º. É concedida, em caráter permanente e de
acordo com o dispositivo no §1º do art. 6º, permissão
para o trabalho nos dias de repouso a que se refere o
art. 1º (... feriados civis e religiosos), nas atividades
constantes da relação anexa ao presente regulamente”.
(Parênteses nossos).
Por sua vez, na relação anexa mencionada no artigo 7º da
Lei 605/1949, verificam-se algumas atividades (comércio varejista
de peixe, carnes frutas e caça, de frutas e verduras, de aves e
de ovos etc...) que fazem concluir que as empresas de mercado,
supermercado e hipermercado receberam a autorização legal para
o trabalho nos dias de feriado.
A partir desse momento, então, com alguma divergência
jurisprudencial, é verdade, mas logo superada, os mercados,
supermercados e hipermercados passaram a ter autorização para
o trabalho em dia de feriado.
O texto original da Lei 10.101/2000 não trouxe mudanças
significativas neste cenário, sendo que as empresas acima
mencionadas continuaram com a permissão para o trabalho em
dia de feriado.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
394
A controvérsia nasceu, contudo, com a inclusão à
Lei 10.101/2000 do art. 6º - A, pela Lei 11.603/2007. O novo
dispositivo incluído encontra-se assim redigido:
“Art. 6º - A. É permitido o trabalho em feriados nas
atividades do comércio em geral, desde que autorizado
em convenção coletiva de trabalho e observada a
legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I,
da Constituição”.
Com a existência de dois dispositivos legais versando
sobre um mesmo tema, nasceu, então, o questionamento: qual
deles deveria ser utilizado?
Sem dúvida alguma, estar-se diante de um conflito ou,
pelo menos, de uma sobreposição de normas. Nestes casos, a
solução é recorrer à Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) que,
no ordenamento jurídico brasileiro, é o diploma legal que regula
questões dessa natureza.
Neste sentido, o art. 2º, § 1º, da LICC estabelece que:
“§1º. A lei posterior revoga a anterior quando
expressamente o declare, quando seja com ela
incompatível ou quando regule inteiramente a matéria
de que tratava a lei anterior”.
Confrontando-se as disposições do §1º com o caso
concreto enfrentado, tem-se que inexiste revogação expressa da
lei antiga pela lei nova. Da mesma forma, o art. 6º - A, da Lei
10.101/2000 não se mostra incompatível com o art. 7º, da Lei
605/1949, afinal, encerram a mesma coisa, vale dizer, a autorização
de estabelecimentos comerciais para a utilização de mão de obra
empregada em dias de feriado.
Na verdade, o caso é de regulamentação plena pela lei
nova da matéria regulada pela lei antiga.
A Lei 605/1949 estabelecia que apenas alguns
estabelecimentos comerciais estavam autorizados a utilizar mão
de obra empregada em dia de feriado. Agora, a lei nova fala que
todos os estabelecimentos comerciais estão autorizados a utilizar
mão de obra empregada em dia de feriado.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
395
Ora, como se percebe, o direito emanado do art. 7º, da
Lei 605/1949 está todo contido no direito emanado do art. 6º - A,
da Lei 10.101/2000.
A conclusão, então, a qual se chega, analisando o caso
concreto e aplicando as regras de solução dos conflitos de norma
previstas na LICC, é que o art. 7º, da Lei 605/1949 encontra-se
revogado, sendo que a matéria hoje é exclusivamente regulada
pelo art. 6º - A, da Lei 10.101/2000.
Este, inclusive, é o entendimento que vem sendo
sustentado por boa parte da jurisprudência:
EMENTA: TRABALHO EM FERIADOS - NECESSIDADE
DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. Recentemente, a Lei
11.603/2007 alterou e acresceu dispositivos à Lei
10.101/2000, estabelecendo a necessidade de haver
norma coletiva autorizadora do trabalho em feriados.
Destarte, se, na hipótese vertente, o trabalho nos
feriados não ocorreu na forma e dias previstos nas
CCTs, são devidas as multas previstas nos referidos
instrumentos normativos. (TRT 3ª Região. Processo
01019.2008.043.03.00-0. Relator Juiz Convocado
Eduardo Aurélio P. Ferri)
Mas, sendo esta a interpretação mais adequada, existiria
motivo razoável para que o legislador estabelecesse os dois
requisitos para a observância do direito à autorização da utilização
de mão de obra empregada nos dias de feriado? A resposta é
positiva e a intenção do legislador é clara. Senão vejamos.
Primeiramente, a lei nova determina que, para a autorização
do trabalho em feriado, é preciso ser observada a legislação
municipal. Na realidade, o art. 6º – A, da Lei 10.101/2000 não
atribuiu ao município o poder de autorizar, ou não, o trabalho em
dia de feriado, até mesmo porque, se assim o tivesse feito, estaria
atuando contra a Constituição da República, mais precisamente
contra o art. 22, I, que fala ser privativa da União a função de
legislar sobre Direito do Trabalho. Na verdade, pensou o legislador
infraconstitucional na possibilidade de cada município, levando em
conta as suas características locais, autorizar, ou não, a abertura
do comércio. Ora, vedada a abertura do comércio, inócua a
autorização, mesmo que legal, para a utilização de mão de obra
empregada por estabelecimentos comerciais.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
396
Então, como se percebe, o requisito da observação da lei
municipal prestigiou as características locais de cada município,
que devem ser preservadas, pois a variação cultural e social de
cada região não pode ser maculada por uma lei geral.
de ser.
Já quanto ao segundo requisito, também ele tem razão
A Constituição da República de 1988 foi por demais
celebrada na época da sua promulgação e ainda continua sendo,
por conta de suas características democráticas. Um dos pontos que
melhor retratam essa característica, por sua vez, diz respeito à maior
liberdade e autonomia sindicais estabelecida na Carta Magna.
Sendo assim, é louvável toda e qualquer medida política
que tenha como objetivo o fortalecimento do sistema sindical
no Brasil. E o segundo requisito trazido pelo art. 6º - A, da Lei
10.101/2000 tem, claramente, esse objetivo. Ora, com mais
poderes e mais atribuições, os sindicatos, principalmente aqueles
representativos da categoria profissional, terão mais condições
de fazer valer o direito de seus representados. Por outro lado,
sindicato enfraquecido é sinônimo de categoria desassistida,
maior distância entre patrões e empregados e menor respeito aos
direitos trabalhistas e ao princípio maior do Direito do Trabalho
que é o da proteção do hipossuficiente.
Eis aí as justificativas para a inclusão pela lei 10.101/2000
dos requisitos para a autorização da utilização de mão de obra
empregada em dias de feriado.
Desta forma, repita-se, sem sombra de dúvidas, a única
norma que hoje rege a matéria é a esposada no art. 6º - A, da Lei
10.101/2000.
E, mesmo que se entendesse ainda válida a norma do
artigo 7º, da Lei 605/2000, ainda assim, não poderia ser ela
aplicada.
Ora, como se sabe, o Direito do Trabalho é regido pelo
princípio da proteção ao hipossuficiente. Deste princípio, decorrem
diversos outros princípios ou, nas palavras do jurista José Augusto
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
397
Rodrigues Pinto (in Curso de Direito Individual do Trabalho, LTr,
4ª Edição, p. 71), repetindo Américo Plá Rodrigues, “regras de
aplicação do princípio da proteção”. Uma dessas regras-princípio
é a da aplicação da norma mais favorável. O próprio mestre
baiano (idem) ensina:
“(...) a da aplicação da norma mais favorável orienta
que, havendo mais de uma norma, de sentido diverso
aplicável a uma situação jurídica, deve preferir-se a
que favoreça o empregado”.
Ora, estando a questão do trabalho em dia originalmente
destinado ao repouso intimamente ligada à preservação da saúde
física e mental do empregado, com absoluta certeza, será muito
mais benéfico ao trabalhador se a matéria, antes de posta como
regra do contrato de emprego, for discutida entre o empregador e
o seu representante primeiro, o sindicato.
Como se verifica, de uma forma ou de outra, não há que
se falar em prevalência da norma do art. 7º, da Lei 605/1949.
Solucionada, então, esta questão, basta agora verificar
se, no caso concreto, estão preenchidas as condições legais para
o trabalho de empregados dos requeridos em dias de feriado, ou
não.
Os requeridos atuam no ramo do comércio, existindo
autorização para o trabalho em dias de feriado, desde que
observados os requisitos, frise-se.
O primeiro requisito encontra-se satisfeito, afinal, existe
autorização municipal para a abertura dos estabelecimentos de
mercado, supermercado e hipermercado na cidade de Cacoal.
Neste ponto, porém, cabe um esclarecimento.
O requerente, em sua petição inicial, transcreve o
art. 88, da Lei Municipal 073/PMC – 85, que não autoriza a
abertura do comércio em dias de feriado na cidade de Cacoal.
Contudo, como bem citaram os requeridos nas contestações,
esse artigo não produz hoje qualquer efeito, considerando que
decisão judicial, passada nos autos do mandado de segurança
nº 007.03.004788-5, que tramitou na MM. 2º Vara Cível da
Comarca de Cacoal, autorizou a abertura.
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
398
Vencida esta questão, para, enfim, decidir a matéria
posta nos autos, basta verificar o preenchimento do segundo
requisito legal, qual seja, a existência de convenção coletiva
autorizando o trabalho nos estabelecimentos requeridos em
dias de feriado.
Bem analisando os autos, as informações e documentos
trazidos por cada um dos litigantes, percebe-se que,
diferentemente do primeiro, esse segundo requisito não se
encontra satisfeito. O sindicato representante dos requeridos não
firmou com o requerente CCT no sentido de autorizar o trabalho
em dia de feriado. Em realidade, sequer existe CCT em vigor.
Inclusive, informa o requerente que o sindicato patronal vem
se esquivando para não negociar novas condições de trabalho
para a categoria, fato que deve ser tido como verdadeiro, ante a
inexistência de impugnação neste sentido nas contestações.
Desta feita, ante o não preenchimento de todos os
requisitos impostos pelo art. 6º - A, da Lei 10.101/2000, alternativa
não resta senão a de entender inexistente a autorização para
o trabalho de empregados nos estabelecimentos das empresas
requeridas em dia de feriado, pelo menos, até que os sindicatos
das categorias patronal e econômica estabeleçam o contrário
em convenção coletiva de trabalho.
Sendo assim, DEFIRO o pedido formulado na inicial da
presente ação civil pública para determinar que os requeridos
se abstenham de utilizar mão de obra empregada em seus
estabelecimentos nos dias de feriado, pelo menos até que
autorização expressa nesse sentido seja verificada em convenção
coletiva de trabalho negociada entre os sindicatos patronal e
profissional da categoria.
É preciso ressaltar, no entanto, que a proibição é para
a utilização de mão de obra empregada. Isso quer dizer que a
abertura e o funcionamento dos estabelecimentos, desde que
sem empregados, não está sendo vedada nesta sentença.
II – MULTA POR DESCUMPRIMENTO
O art. 461 da CLT autoriza ao juiz, mesmo que de
ofício, a fixação de multa para a hipótese de não ser cumprida a
R. Trib. Reg. Trab. 14ª Reg., Porto Velho, v.5, n.2, p.389-400, jul./dez. 2009
399
obrigação de fazer ou não fazer determinada em sentença. Tudo
isso para garantir o resultado prático da decisão judicial.
O referido artigo é perfeitamente aplicado ao Processo
do Trabalho, considerando a compatibilidade do preceito com a
principiologia do Direito Processual Laboral e a omissão da norma
trabalhista.
Sendo assim, para garantir o resultado prático da
sentença, FIXO multa de R$1.000,00 por dia e por empregado,
para a hipótese de descumprimento da determinação contida no
item acima exposto.
III – ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA
Na petição inicial, formula o requerente requerimento de
antecipação dos efeitos da tutela, pretendendo que decisão judicial
determine, de imediato, que os requeridos se abstenham de abrir
seus estabelecimentos e de utilizar mão de obra empregada.
Em um primeiro momento, antes mesmo de ouvir os
requeridos, foi o pedido liminar apreciado e negado.
Neste momento, contudo, já reconhecido o direito do
requerente, não há mais que se falar em antecipação dos efeitos
da tutela. O pedido, pois, resta PREJUDICADO.
Ocorre que, como se sabe, no Processo do Trabalho, as
sentenças de mérito, assim que proferidas, produzem os seus
efeitos. E, mesmo que haja interposição de recurso ordinário
pela parte sucumbente, esta interposição não tem o poder de
impedir a produção dos efeitos da sentença, isto porque, como se
sabe, diferentemente do Processo Civil, no Processo do Trabalho,
a interposição de recursos, salvo exceções, provocam o efeito
meramente devolutivo e não os efeitos devolutivo e o suspensivo.
Então, de fato, a sentença ora proferida faz valer de
imediato suas determinações. No caso, serão os requeridos
que, caso pretendam, terão de solicitar ao Tribunal Regional
que, de forma excepcional, receba o recurso ordinário nos dois
efeitos possíveis.
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IV – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
Considerando a Instrução Normativa nº 27 do C. TST,
somente pela sucumbência verificada na presente demanda,
devem os requeridos ser condenados no pagamento de honorários
advocatícios à parte autora, já que, na presente demanda, não foi
cerne da discussão relação de emprego.
O requerente solicitou em sua petição inicial que, na hipótese
de procedência da demanda, fosse arbitrado o valor dos honorários,
já que as pretensões não se referiam à condenação em pecúnia.
Realmente, a hipótese dos autos é a de aplicação do art. 20,
§ 4º, do CPC, que assim encontra-se redigido:
Art. 20. § 4º. Nas causas de pequeno valor, nas de valor
inestimável, naquelas em que não houver condenação
ou for vencida a Fazenda Pública, e nas execuções,
embargadas, ou não, os honorários serão fixados
consoante apreciação eqüitativa do juiz, atendidas as
normas das alíneas a, b e c do parágrafo anterior.
A norma à qual se reporta o parágrafo supra transcrito diz
que os honorários advocatícios serão fixados atendidos o grau de zelo
do profissional, o lugar da prestação dos serviços e a natureza e a
importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo
exigido para o seu serviço.
O grau de zelo que demonstrou o advogado do requerente
foi elevado. Os prazos processuais foram cumpridos rigorosamente.
Houve manifestação sempre que necessário. O advogado compareceu
a todas as audiências marcadas. Preocupou-se o profissional
em municiar a petição inicial com todas as provas documentais
necessárias.
Verificando as informações constantes nos autos, pode-se
observar que o lugar da prestação de serviços foi o mesmo no qual
está localizado o escritório do advogado do requerente, não tendo,
portanto, havido grandes gastos com deslocamentos.
A causa se reveste de grande relevância, pois atinge uma
gama extensa de trabalhadores e afeta direitos importantes de
cada um deles, sendo o principal, o direito ao repouso. Além disso,
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a matéria discutida na ação diz respeito à autonomia e liberdade
sindicais, questões muito caras à sociedade e à democracia.
O trabalho realizado pelo advogado, em verdade, se
confunde com o zelo, cuja análise já foi feita acima.
O tempo exigido para o serviço do profissional pode ser
considerado razoável, tendo em vista que as audiências e as peças
processuais foram sempre extensas, além do que comumente se
observa.
Por fim, vale apenas observar que, nesta mesma Vara,
tramitam quatro outras ações semelhantes a esta, através das quais
pretende o requerente, contra outras empresas, o reconhecimento
do mesmo direito, podendo-se notar, inclusive, semelhança entre as
peças processuais, notadamente a petição inicial. Isso quer dizer que,
também nas outras demandas, sendo reconhecido o direito buscado
pelo requerente, fará jus ele ao recebimento dos honorários, por
trabalho senão repetido muito semelhante. Esse fato, sem sombra de
dúvida, revela a necessidade de se limitar o valor dos honorários.
Considerando, pois, todos os aspectos acima, entendo justa
a fixação dos honorários advocatícios no valor de R$3.000,00.
DEFIRO, portanto o pedido e condeno, solidariamente,
os requeridos a pagarem ao requerente, a título de honorários
advocatícios, a quantia de R$3.000,00.
CONCLUSÃO
Posto isso, JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados
na petição inicial da presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA, para, conforme
fundamentação supra, que faz parte integrante deste dispositivo,
determinar que os requeridos se abstenham de utilizar mão de obra
empregada em seus estabelecimentos nos dias de feriado, pelo
menos até que autorização expressa nesse sentido seja verificada em
convenção coletiva de trabalho negociada entre os sindicatos patronal e
profissional da categoria, sob pena de multa; e para que os requeridos
paguem o valor de R$3.000,00 a título de honorários advocatícios.
Atualização monetária e juros na forma da lei.
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Liquidação por simples cálculos.
Custas, pelos requeridos, no valor de R$100,00, calculados
sobre R$5.000,00, valor atribuído à causa para este fim.
Partes cientes por aplicação da Súmula 197 do C. TST.
Cientifique-se o Parquet, pessoalmente, através de um de
seus ilustres Procuradores, com a remessa dos autos.
HORÁCIO RAYMUNDO DE SENNA PIRES SEGUNDO
Juiz Federal do Trabalho
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Correspondência
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO
Rua Almirante Barroso, 600 - Mocambo – 76.801-901 Porto Velho – RO
Fone: 69 3211-6585 – Site: www.trt14.jus.br
e-mail: [email protected]

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