a abstração geométrica no cinema

Transcrição

a abstração geométrica no cinema
Ítalo Cardoso Travenzoli
A ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO CINEMA
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)
apresentado ao Colegiado de Graduação
em Artes Visuais da Escola de Belas
Artes da Universidade Federal de Minas
Gerais, como requisito parcial para a
obtenção do título de Bacharel em Artes
Visuais / Cinema de Animação.
Orientador: Prof. : Francisco Marinho
Belo Horizonte
Escola de Belas-Artes da UFMG
2011
A ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO CINEMA
Ítalo Cardoso Travenzoli
A ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA NO CINEMA
Belo Horizonte
Escola de Belas-Artes da UFMG
2011
Esse trabalho é dedicado à
Angelina Zanandrez, devido ao
apoio incondicional que ela me
proporcionou.
Agradeço
aos
professores,
especialmente ao Arttur Ricardo
e ao Francisco Marinho pela
ajuda
sempre
fundamental.
Agradeço antes de tudo aos
meus pais, que possibilitaram a
realização deste curso.
RESUMO
A expressão estética por meio da síntese geométrica é observada em
praticamente todas as modalidades artísticas, desde o período pré-histórico até as
mais atuais obras interativas, incluindo o cinema. Como meio ou finalidade, a
geometria sempre esteve inserida de modo importante nas expressões artísticas, ora
como elemento estruturador, presente na base do processo criativo em esboços ou
projetos, ora como elemento formal final. Tão logo a tecnologia do cinema se difundiu,
e com ela as experiências em técnicas de animação, artistas plásticos – antes
restritos à estaticidade e às dimensões espaciais de seus suportes – imediatamente
perceberam na nova possibilidade de expressão a capacidade de explorar a
dimensão temporal, permitindo que eles trabalhassem suas composições pictóricas
no suporte mais dinâmico do cinema. Do casamento entre pintura, artes gráficas,
música e o cinema por meio das técnicas de animação, estabeleceu-se uma
diferenciação estética dentre os demais cineastas, através de obras que eram
estilisticamente distintas e preponderantemente formais, baseadas em composições
que não intencionavam a representação mimética da natureza. Ao longo da evolução
do cinema, estilos tradicionais e revolucionários se mesclaram, gerando obras
intermediárias entre o experimentalismo formal e a dramaturgia, ou entre a figuração
mimética e a abstração geométrica. Grandes estúdios deixaram-se permear pela
influência de animadores autorais mais radicais, resultando em um estilo que, embora
figurativo e baseado na dramaturgia, possuíam as características geométricas e
minimalistas, em que a geometria estava fortemente presente na concepção de
personagens e cenários. Esse estilo mais sintético prosperou e vem ocupando
espaços importantes nas grades das programações televisivas, sobretudo a partir do
final da década de 90, tonando-se um dos estilos preponderantes no mercado
internacional do cinema de animação.
PALAVRAS-CHAVE: Abstração Geométrica. Cinema. Cinema de Animação.
ABSTRACT
The aesthetic expression through the geometrical synthesis is observed in
all artistic forms, from the prehistoric period to the most current interactive works,
including the cinema. As a means or as an end, the geometry was always inserted in
artistic expression, either as a structural element present in the creative process,
either as a formal element in the finished work. As soon as the technology of cinema
and the experiences in animation techniques was spread, artists (that were restricted
to the stillness of the spatial dimensions of his media) immediately recognized the new
possibilities of expression of the ability to exploit the temporal dimension, allowing to
work its pictorial compositions in a more dynamic media. The conjunction of painting,
graphic arts, music and cinema through animation techniques set up an aesthetic
differentiation among the other filmmakers, through works that were stylistically distinct
and predominantly formal, based on compositions that did not pretend the mimetic
representation of nature. Throughout the evolution of cinema, revolutionary and
traditional styles have merged, creating works between formal experimentation and
dramaturgy, or between mimetic figuration and geometric abstraction. The biggest
studios embraced the influence of radical artists, resulting in a style that, although
figurative and based on dramaturgy, have geometric and minimalist elements, in which
the geometry was strongly present in the design of characters and backgrounds. This
synthetic style flourished and has gained a major role in the TV animated series,
especially from the late 90's, becoming one of the prevalent styles in the international
market of animation.
KEYWORDS: Geometric Abstraction. Cinema. Animation.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01. Pablo Picasso, Le Taurreau – “O touro”, 1945 .........................................12
Figura 02. Theo Van Doesburg, Composition VII (The Cow) – “A vaca”, 1918 .........13
Figura 03. Sol LeWitt, Wall Drawing #260, 1975 .......................................................15
Figura 04. Leonardo Da Vinci “O homem vitruviano” 1490........................................19
Figura 05. Emile Cohl, Fantasmagorie, 1908 ............................................................23
Figura 06. Winsor Mccay, Gertie, the Trained Dinosaur, 1909 ..................................23
Figura 07. Disney, Branca de Neve e os Sete Anões, 1937......................................25
Figura 08. Disney, Seamboat Willie. 1928.................................................................26
Figura 09. Bosko the Talk-Ink Kid, Warner Bross, 1929 ............................................26
Figura 10. Stephen Bosustow: Gerald Mc Boing Boing, 1950 ...................................27
Figura 11. Lichtspiel Opus I, Walter Ruttmann,1921 .................................................29
Figura 12. Beeld, Telecine Rebrand, 2010 ................................................................29
Figura 13. Oskar Fischinger, Composition in Blue,1935............................................30
Figura 14. Norman Mclaren, Lines Vertical, 1960 .....................................................30
Figura 15. Rene Jodoin, Dance Squared, 1961 ........................................................30
Figura 16. Len Lye, Rainbow Dance, 1936 ...............................................................30
Figura 17. Disney, Fantasia. A sequência Toccata e Fuga em D, 1940 ....................31
Figura 18. Disney, Toot Whistle Plunk, e Boom,1953 ...............................................32
Figura 19. Osamu Tesuka, Story Of A Certain Street Corner,1962 ...........................33
Figura 20. Osamu Tezuka, Male, 1962 ....................................................................33
Figura 21. Raoul Servais, Chromophobia, 1966 ........................................................33
Figura 22. Copa Estúdio, Tromba Trem, 2011 ..........................................................34
Figura 23. Cartoon Network. As Garotas Superpoderosas, 1998 .............................35
Figura 24. Samurai Jack, Cartoon Network, 2001 .....................................................35
Figura 25. A Mansão Foster para Amigos Imaginários, Cartoon Network, 2004 .......35
Figura 26. Panty & Stocking with Garterbelt, Gainax, 2010.......................................35
Figura 27. Norman Mclaren, Synchromie, 1971 ........................................................36
Figura 28. Disney.Esboço a lápis do Mickey, 1930 ...................................................36
Figura 29. Fig 29. Eran Hileli, Between Bears, 2010 .................................................36
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO .......................................................................................................09
2 O CONCEITO DE ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA ..................................................10
2.1 A abstração geométrica como expressão humana por meio da racionalidade ...16
3 FIGURAÇÃO VERSUS ABSTRAÇÃO NO CINEMA .............................................20
4 CONCLUSÃO ........................................................................................................37
REFERÊNCIAS .........................................................................................................39
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1. INTRODUÇÃO
A expressão estética por meio da síntese geométrica é observada em
praticamente todas as modalidades artísticas, desde o período pré-histórico até as
mais atuais obras interativas, e certamente não deixaria de se manifestar por meio do
cinema.
Como meio ou finalidade, a geometria sempre esteve inserida de modo
importante nas expressões artísticas, ora como elemento estruturador, presente na
base do processo criativo em esboços ou projetos, ora como elemento formal final.
Não seria diferente com o cinema, sobretudo no tocante ao cinema de animação. Tão
logo a tecnologia do cinema se difundiu, e com ela as experiências em técnicas de
animação, artistas plásticos, antes restritos à estaticidade e às dimensões espaciais
de seus suportes, imediatamente perceberam na nova possibilidade de expressão a
capacidade de explorar a dimensão “tempo”, permitindo que eles trabalhassem suas
composições pictóricas no suporte mais dinâmico do cinema.
Desde as origens da sétima arte, os realizadores cinematográficos
divergiram em um ponto crucial: enquanto alguns abordaram o cinema como a
tecnologia propícia para explorar a dramaturgia e a linguagem, outros vislumbravam
as suas possibilidades formais. Os primeiros interpretaram o cinema como uma
extensão do teatro, enquanto os segundos, entendiam-no como uma extensão das
artes plásticas e, posteriormente, com o advento do som, também como extensão da
música, estabelecendo muitas vezes uma relação sinestésica entre formas e sons.
O cinema surgiu em meio a uma efervescência cultural que tomava a
Europa no final do século XIX. A virada do século se deu em meio a uma variedade
de movimentos artísticos de vanguarda e uma profusão de manifestos. Nas artes
plásticas havia o construtivismo russo; o suprematismo de Kazemir Malevich; o
neoplasticismo de Piet Mondrian e Theo van Doesburg; a experiência da Bauhaus de
Walter Gropius nas áreas da arquitetura, design industrial e artes plásticas e,
posteriormente, o cubismo de Pablo Picasso e Georges Braque. Não é possível
deixar de evidenciar a importância fundamental do pintor impressionista Paul
Cézanne, o qual, com seu estilo que consistia em ver a natureza por meio de suas
formas geométricas básicas simples, como esfera, cilindro e cone, influenciou
decisivamente vários artistas das gerações seguintes.
Essa pesquisa visa abordar o procedimento da abstração artística,
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refletindo sobre os conceitos envolvidos no processo de abstração e como esse
procedimento tem relação com o pensamento racionalista. Essa pesquisa também
visa avaliar as manifestações da abstração nas artes plásticas, bem como seus
reflexos no cinema de animação, abordando tanto as obras constituídas por formas
geométricas puras, como também as animações em que seus cenários ou
personagens são geometrizados, mas ainda consistentes em figuração e mímese.
Essa pesquisa se dá como um aprofundamento teórico que visa
complementar a experimentação formal prática no campo da estilização geométrica,
que foi empregada em minha animação de conclusão de curso “Flora Urbem”.
2. O CONCEITO DE ABSTRAÇÃO GEOMÉTRICA
Ao falar em arte abstrata geométrica, a maioria dos leitores suscitará a
memória de uma forma de atividade criativa humana que é distinta por não sugerir a
representação do mundo como o observamos, caracterizada por apresentar formas
geométricas como elementos principais da composição. Essa definição apreende
basicamente a definição desse estilo, contudo, uma observação mais detida sobre o
conceito de abstração, bem como sua implicação formal nas artes é importante para
compreender o processo de abstração como postura diferenciada em relação ao fazer
artístico. Esse capítulo visa elucidar o que são as obras abstratas, distinguir as
modalidades de abstração, bem como avaliar o caráter racionalista associado ao
processo de expressão artística que se posiciona mediante o distanciamento da
representação mimética da realidade, optando por aderir à sistematização e à
estruturação em suas propostas formais por meio da geometrização.
O conceito de abstração é empregado em diversos contextos com
significados variados, que vão desde o uso corrente na linguagem informal aos
empregos técnicos na filosofia. Nicola Abbagnano resume a abstração da seguinte
forma:
ABSTRAÇÃO é a operação mediante a qual alguma coisa é
escolhida como objeto de percepção, atenção,observação,
consideração, pesquisa, estudo, etc, e isolada de outras coisas
com que está em uma relação qualquer. A abstração tem dois
aspectos: Iª isolar a coisa previamente escolhida das demais
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com que está relacionada (o abstrair de); 2ª assumir como
objeto específico de consideração o que foi assim isolado (A.
seletiva ou pré-cisão).” (ABBAGNANO, 1998, pg 13)
Segundo Ferrater Mora (2000), foi a partir de Aristóteles que o conceito de
abstração começou a adquirir sentidos mais “técnicos” e “especializados”. Dentre tais
sentidos, retenho os que são mais correlacionados ao processo de abstração na arte.
Ferrater discorre sobre a evolução do conceito de abstração conferido por diversos
filósofos, de modo que “para Platão, o 'abstrato' enquanto 'universal' é mais real que o
particular e singular” (FERRATER, 2000, p.22) e que para Aristóteles, o conhecimento
obtém certos tipos de objetos ou 'realidades' mediante abstração, sendo o abstrair,
portanto, um modo de conhecer.
Ferrater (2000) ainda explica que para o filósofo persa Avicena existem
diversos graus de abstração a partir da abstração sensível, já que, pelo processo de
atividade “intelectiva”', as formas imateriais são recebidas pela mente humana
individual.
Santo Tomás de Aquino, continua Ferrater (2000), distinguiu a abstração
por meio da qual se separa o geral do particular, que “destrói” os objetos separados,
como ocorre quando se separa do homem sua racionalidade, e a abstração por meio
da qual se separa a forma de matéria, que não destrói nenhum dos dois objetos sobre
os quais opera, como, por exemplo, extrair círculo de matéria circular, conservando
ambas as ideias. Outra definição pertinente é a conferida por João de Santo Tomás,
que distinguiu a abstração total e a abstração formal, sendo que a primeira separa um
objeto dos inferiores de que é predicável, e que, por não se ocupar de indivíduos mas
de universais seria uma condição geral para as ciências; e a segunda, que seria a
abstração que separa aspectos formais do que é material ou potencial, constituindo a
inteligibilidade
Dentre os filósofos modernos racionalistas, Ferrater (2000) expõe que,
para John Locke, “a função da abstração é formar ideias gerais, obtidas ao se separar
das ideias tudo o que determina que uma entidade dada seja uma existência
particular” (FERRATER, 2000, p.22). Em contraponto, George Berkeley se opõe a
Locke ao que se refere às ideias gerais formadas por abstração, de modo que estas
seriam “ideias particulares que se tornam gerais por transformar-se em signo de todas
as ideias particulares às quais a ideia geral pode ser aplicada” (FERRATER, 2000,
p.25).
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Ferrater ainda expõe a conclusão de Willian Hamilton, em que “atenção e
abstração são o mesmo processo visto em distintas relações”.(FERRATER,2000,
p.26), e que, para Georg Hegel, abstração é uma atividade mental que possibilita a
separação de um aspecto particular de uma totalidade concreta, obtendo um universal
esvaziado de sua particularidade e individualidade.
Baseado nessas definições, pode-se resumir que a abstração caracterizase pela operação intelectual em que as ideias são distanciadas de um objeto
mediante a simplificação ou a generalização de seus aspectos concretos, visando
obter uma redução das suas manifestações totais a um resultado mais essencial.
Dessa forma, trata-se de uma atividade que implica na escolha de algumas das
manifestações deste objeto por critérios estabelecidos mediante um propósito,
remontando-o a partir de uma
generalização e simplificação mental, constituindo
assim um ato criativo da mente.
Em arte, o conceito de abstração abrange tanto o processo de
simplificação de um assunto mediante a escolha de determinados aspectos em
detrimento de outros, estabelecendo o enfoque nas propriedades mais essenciais
deste objeto; como também o processo em que o artista não intenta a representação
de nenhum objeto específico, através da estruturação de sua composição por meio da
proposição de esquemas lógicos e relações internas, ou mesmo pela livre associação
de formas; ou pela representação de um determinado objeto de maneira tão
distanciada que o resultado obtido impossibilita o reconhecimento do objeto original,
configurando, portanto, uma obra não-figurativa. Os primeiros produzem obras que
representam a natureza, mesmo que resumindo o objeto às suas características mais
evidentes ou essenciais para o entendimento do mesmo, (a exemplo da figura 01),
enquanto os últimos buscam criar obras que não apresentam nenhuma representação
reconhecível (figura 2).
Fig 01. Pablo Picasso, Le Taurreau – “O touro”,1945
13
Fig 02. Theo Van Doesburg, Composition VII (The Cow) – “A vaca”, 1918
As formas de arte abstratas não intentam a ilusão de plasmar a realidade
apreendida pelos sentidos por meio de artifícios plásticos, como o jogos de luz e
sombra, o trompe-l'oeil, ou do uso apurado de perspectiva, ou a escultura minuciosa
que representa a anatomia do retratado em seus mínimos detalhes. O trabalho do
artista abstrato apresenta ao mundo novos objetos, construções que são fruto do
trabalho intelectual humano, e são objetos que se somam aos demais da natureza.
Worringer Wilhelm em 1908 afirmava que:
“Nossas pesquisa partem do pressuposto de que uma obra de
arte, como organismo autônomo, se põe diante da natureza em
termos equivalentes, em sua essência mais profunda e mais
interior, destituída de qualquer conexão com ela, na medida em
que entendemos por natureza a superfície visível das coisas.
(1908 apud HARRISON et al. 1998. p207)
Abstração, desse modo, se dá como procedimento ou como resultado.
Como procedimento, o artista destila os dados apreendidos por meio dos sentidos
através de processos mentais generalizantes, obtendo o resultado abstrato.
O conceito de abstração em sua forma mais ampla poderia abranger toda a
forma de criação artística, pois toda atividade representativa e figurativa, por maior
que seja o empenho do artista, não obterá a representação de um objeto em sua
complexidade total. Um artista, ainda que durante toda sua vida intentasse o
rebuscamento e a precisão da representação, produzirá uma obra que representaria
aproximadamente algumas das qualidades superficiais da aparência de um objeto (a
tonalidade, no caso de um pintor, ou o volume, no caso de um escultor), prescindindo
de todas as demais características do objeto original total, o que constituiria uma
representação generalizada de deste objeto, e portanto, uma abstração.
O conceito forte de abstração como trabalho artístico não figurativo
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excluiria pintores cujas obras, apesar de apresentarem resultados que se aproximam
da barreira da ininteligibilidade, mas sem rompê-la de fato, como os cubistas Pablo
Picasso e Georges Braque, já que tais artistas foram consagrados por obras que
figuram musas, retratos, animais, naturezas mortas, situações políticas e sociais,
permitindo ao fruidor reconhecer um objeto de representação dentre os recursos
desconstrutivos da obra. Seriam artistas abstratos, segundo o conceito forte, os
artistas que possuem obras que não suscitam reconhecimento ou semelhança com o
mundo visível, como Kandinsky, Mondrian, Van Doesburg, entre muitos outros, como
os brasileiros Abraham Palatnik e Tomie Otahke .
Historicamente, convencionou-se denominar arte abstrata o grupo de
formas artísticas que se manifestaram a partir das vanguardas europeias, no início do
século XX, como o Construtivismo russo, o Suprematismo, o Neoplasticismo, e mais
amplamente, o Cubismo e as experimentações plásticas da Bauhaus. Esses
movimentos, após a década de 50, influenciaram o aparecimento do Concretismo, o
Minimalismo, Neoconcretismo, Op Art, e permearam indelevelmente a arte
contemporânea. É notório nas manifestações abstratas a ampla gama de métodos e
resultados plásticos apresentados, configurando-se como estilo heterogêneo. Nessa
gama de manifestações, situam-se obras que vão desde as aquarelas de Wassily
Kandinsky, tidas como inauguradoras do abstracionismo, que são caracteristicamente
fluidas e gestuais, às obras intrinsecamente estruturadas de Theo Van Doesburg. O
abstracionismo informal é caracterizado pela fluidez das formas, por uma
sistematização mais fraca que se submete ao impulso à emoção. Essas obras se
distanciam de uma representação do mundo exterior concreto e se aproximam da
sugestão de estados emocionais internos do artista, ou mesmo da associação
instintiva de formas e cores em busca de resultados inesperados, mediante o uso de
manchas disformes, ou pelo uso de procedimentos acidentais, como respingos,
automatismos gestuais. Essa atitude confere uma resposta ao racionalismo e à
restrição mecanicista característica da cultura industrial urbana deste período. É
possível notar a intenção de aproximação com a música, devido a evocação de
emoções que se dá abstratamente, pela impressão causada por sons e ritmos no
indivíduo sensível, buscando esse tipo de efeito mediante as técnicas pictóricas.
Dentro da corrente informal abstrata, situam-se subgêneros como o Tachismo, que
pode ser entendido como um sinônimo para obras caracterizadas pelo uso de
manchas, e o Gestualismo, que é a forma de arte que enfatiza o automatismo do
movimento no ato criativo, compreendendo os trabalhos de Pollock, Kline e De
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Kooning.
O abstracionismo geométrico diverge metódica e formalmente do
abstracionismo informal devido ao apreço pelo rigor das estruturas e formas
matematicamente
concebíveis,
como
formas
primitivas:
quadrados,
círculos,
triângulos, linhas, pontos, retas, em oposição à impulsividade instintiva dos
abstracionistas de outras correntes.
Outro fator distintivo é conferido pela conformação espacial destas formas
que denotam uma intencionalidade mais aparente e uma reflexão mais aprofundada
acerca da disposição dos elementos no espaço compositivo, mediante o estudo de
pesos formais e cromáticos e a aplicação de teorias composicionais clássicas, como a
proporção áurea, a sequencia de Fibonacci, dentre outras. Em determinadas obras, a
complexidade é obtida a partir da modulação racional de elementos básicos e
simples, como é o caso de Sol Lewitt e seus desenhos em muros (figura 03). A
sinteticidade também é um atributo corrente, comum à maioria das obras desse estilo,
já que os elementos utilizados prescindem de detalhes “desnecessários” e
secundários. Algumas obras se aproximam de códigos, ou até mesmo cifras, em que
o autor cria previamente um sistema de regras, que funcionam como uma
programação para a confecção da obra, sem necessitar do artista interferir no
processo depois de projetado.
Fig. 03 Sol LeWitt, Wall Drawing #260, 1975
Como visto, a multiplicidade das manifestações abstratas na arte se dá por
diversas formas e métodos, seguindo procedimentos distintos e até opostos.
Enquanto a abstração pode ser o método que artistas usam para trazer à tona as
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formas mais evidentes do objeto, extraindo dele a informação necessária para que
este seja reduzido a signos universais (como Picasso fazia ao representar um violino
apenas pelas cordas ou aberturas acústicas); também pode ser o método pelo qual
artistas como Mondrian, Kandinsky ou Malevich utilizam para expressar-se mediante
construção de obras em que o pensamento humano deixa uma marca decisiva no
resultado formal. A abstração, dessa forma, reúne sobre um mesmo campo os artistas
que buscam apresentar trabalhos em que a participação ativa nas conformação da
obra, seja pela definição de estruturas, ou mesmo pela escolha da aleatoriedade é um
característica fundamental.
2.1. A abstração geométrica como expressão humana por meio da
racionalidade.
A objetividade do pensamento abstrato geométrico como expressão
artística encontra no método racionalista uma similaridade de procedimentos, já que
ambos buscam a essência obtida a partir de uma série de processos mentais
abstrativos que se distanciam das informações dos sentidos para despir o fato ou o
objeto representado de todos componentes não essenciais.
Segundo Harrisson (et alii) a ideia de abstração envolve um tipo de
essencialismo:
“a adesão à tendência abstrata na arte moderna – pelo menos
em seus aspectos mais claramente geométricos – tendia a
acarretar a crença de que uma forma mais pura, mais elevada
ou mais profunda da realidade é revelada através da eliminação
dos aspectos acidentais e “inessenciais” das coisas (Harrison et
al.,1998 p.198)
Segundo Gombrich (1988), os artistas europeus no início do século XX
questionaram se a pintura poderia converter-se em construção, como a arquitetura.
“Piet Mondrian (1872-1944) “Ansiava por uma arte de clareza e disciplina que
refletisse de algum modo as leis objetivas do universo. (GOMBRICH, 1988, p. 464)”.
Essa busca pela essência e pelas verdades absolutas intencionada pelos
artistas era compartilhada pelo racionalismo, que é a corrente filosófica que afirma
que as verdades de valor absoluto podem ser apresentadas ao homem através de
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concatenações racionais. Tudo que existe teria uma causa, que seria inteligível, logo,
o acesso ao conhecimento seria possível mediante a abordagem racional, afastandose da experiência sensível. O racionalismo busca acessar a essência, que é “o
sentido impessoal, intemporal, universal, e necessário de toda a realidade, que só
existe para a consciência e pela consciência, (Chauí, 1997, p82)”.
O conceito de racionalismo, segundo a definição de Ferrater (2000), pode
ser dividido entre “Racionalismo psicológico”, teoria em que a razão, equiparada à
faculdade pensante, é superior à emoção e à vontade; o “Racionalismo
epistemológico”, que é a doutrina para qual o único órgão adequado o completo de
conhecimento é a razão, de modo que todo conhecimento (verdadeiro) tem origem
racional; ou como “Racionalismo Metafisico”, que afirma que a realidade é, em última
análise, de caráter racional. (FERRATER, p.2442, 2000,)
Segundo Chauí, “a realidade, o mundo natural e o cultural, os seres
humanos, suas ações e obras têm sentido e esse sentido pode ser conhecido. É o
ideal do conhecimento objetivo que é conservado quando continuamos a falar em
razão” (Chauí, p. 85, 1997).
Nos movimentos artísticos predecessores à eclosão abstrata a partir do
século XX, os artistas fiaram-se essencialmente nos sentidos e na destreza no uso de
seus membros para obter a representação dos motivos escolhidos. A virtuose técnica
era um atributo importante para arrebatar o fruidor, assim como a emotividade
suscitada pela escolha de assuntos grandiosos, personagens proeminentes ou musas
voluptuosas, ou mesmo de assuntos religiosos que sempre foram objeto de paixões.
O que se pode concluir das obras que intencionavam o apreender a realidade por
meio da técnica é que, ao invés de se aproximarem da pretensa realidade, pelo
contrario, apresentaram um engodo, uma ilusão aos sentidos. As obras abstratas, ao
abandonarem esse interesse pela ilusão, assumem as propriedades limitadas de seus
suportes e materiais, e, com mais sinceridade, afirmam que suas composições não
intencionam ser nada além de telas planas recobertas de tinta, construções humanas
advindas do pensamento humano racional.
Uma composição artística por meio da abstração geométrica implica uma
postura mediante o ato criativo que busca o rigor racional conferida pelas formas
geométricas básicas. As formas, (quadrados, triângulos, círculos, etc) são universais,
suas características e relações foram objetos de estudo desde a civilização egípcia e
estão descritas em qualquer livro de matemática. As formas geométricas são
geralmente as primeiras apresentadas a uma criança em brinquedos educativos, e
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são as formas geométricas que figuram entre as primeiras manifestações motoras
conscientes de um indivíduo, depois das garatujas e das letras do alfabeto. Desde os
primeiros anos de vida, a criança é educada de modo a compreender o mundo por
meio das ferramentas racionais conferidas pela geometria. Ou seja, a geometria é
para o ser humano uma ferramenta essencial, e, assim como as palavras são
necessárias para formar um pensamento, as formas geométricas conferem meios de
apreender coisas complexas, para que estas possam ser entendidas. As formas
geométricas funcionam como a base estrutural para o entendimento espacial e formal
da natureza que cerceia o indivíduo. Diferentemente de um rosto ou de uma
paisagem, que possuem elementos únicos e distintos, as formas geométricas,
enquanto frutos do pensamento racional, são globais e suas características podem
ser estabelecidas por meio do intelecto, prescindindo da observação. As formas puras
podem ser estabelecidas ditando o valor de seus parâmetros, como tamanho de
arestas, a quantidade de lados, etc, sendo, portanto, uma imagem fruto de um
trabalho inteiramente intelectual. O abandono da intenção de representar um objeto
mediante a sua retratação é sobretudo uma postura de elevar ao patamar de
expressão humana as imagens construídas, como uma resposta aos séculos de
produção artística em que a qualidade das obras foram estabelecidas mediante a
subordinação da representação pictórica de elementos exteriores à mente.
Durante o processo criativo, a geometria oferece um léxico formal que
permite estruturar o pensamento e projetar as ideias ainda disformes e evanescentes
mediante apontamentos no espaço compositivo. O uso de formas geométricas para
formular e conformar ideias é um processo universalmente empregado pelo homem,
seja na arte e nas demais atividades humanas de criação. A geometria surgiu no
Egito como forma de delimitar o terreno, servindo, portanto, como ferramenta para
ampliar as capacidades humanas de entendimento do espaço.
Famosos são os esboços de mestres renascentistas, como Leonardo Da
Vinci, nos quais aparecem figuras humanas desconstruídas, desmembradas para que
a anatomia pudesse ser analisada em seus pormenores, e suas relações métricas
pudessem ser desvendadas e reduzidas a sistemas comuns generalizados de
proporções, para que a sistematização da anatomia fosse notada e repetida, sem que
a cada novo desenho o artista tivesse que formular as mesmas questões acerca da
conformação de seus retratados, como a distância entre os olhos, o tamanho do
braço em relação a cabeça, etc. Um exemplo clássico é o Homem Vitruviano (figura
04), em que o artista inscreve a representação do homem em um quadrado e em um
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círculo, fazendo notações que visam estabelecer um caráter canônico aos diversos
tipos de relações internas observadas na representação do corpo humano. Em suma,
Da Vinci, por meio da racionalidade, talvez mais como cientista do que como artista,
buscou encontrar e enumerar o conjunto de relações implícitas mediante a
evidenciação de constantes observáveis dentre as variações individuais de cada
corpo, estabelecendo como caráter especulativo, a tendência de que as formas de
vida estudadas (animais, vegetais, etc) apresentam estruturas que são proporcionais
entre si, passíveis de serem reduzidas a esquemas generalizantes.
Fig 04. Leonardo Da Vinci “O homem vitruviano” 1490
Cezanne, considerado a ponte entre o impressionismo e o cubismo, que foi
chamado por Picasso e de “pai de todos nós”, dizia que seu estilo consistia em ver a
natureza segundo as suas formas fundamentais: a esfera, o cilindro e o cone. Esse
procedimento, seguida ao pé da letra pelos cubistas, pode ser notado como
fundamento das ações humanas de projeção. A geometria como estrutura está
presente intrinsecamente na produção artística, e a fundamentação por ela conferida
permeia o fazer artístico em suas formas mais diversas, desde os grandes pintores
até ao sistema de ensino de desenho para iniciantes encontrado nas bancas de
jornal. Em suma, a geometria é a ferramenta por meio da qual as ideias são
planificadas e estruturadas com o intento de fixar relações, e estabelecer parâmetros,
de modo que, por meio das formas simples, formas mais complexas possam ser
dominadas.
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3. FIGURAÇÃO VERSUS ABSTRAÇÃO NO CINEMA
A inauguração da sétima arte se deu com a primeira projeção ao público do
filme “A chegada do trem à estação” (L'arrivée à la Ciotat, 1895) pelos irmãos
Lumière, em 28 de dezembro de 1895. A consolidação do cinema como forma de
arte levou mais alguns anos, até que a tecnologia perdesse seu aspecto inicial de
novidade científica ou de atração de feira de variedades.
O contexto cultural e
artístico nesse período de latência, na Europa, foi caracterizado pela agitação que
englobava diversos aspectos da vida humana, devido aos processos de
modernização urbana, resultado da industrialização que ocasionou a aceleração das
descobertas científicas e tecnológicas e as mudanças sociais.
Nas artes, o momento era de transição estilística. O movimento
impressionista já havia sido fruto de réplicas como o pontilhismo, o divisionismo e o
pós-impressionismo. As pesquisas formais realizadas por artistas como Van Gogh,
Gauguin, Tolouse-Lautrec, Edvard Munch, resultaram em uma transformação
estilística do impressionismo, superando a sensorialidade característica deste estilo,
insuflando de importância o caráter expressivo das obras.
A última década do século XIX ocorreu sobre o que convencionou chamar
de Modernismo, termo que designou uma mudança de postura nas correntes
artísticas que buscaram se afastar dos modelos clássicos; diminuir a diferenciação
entre as artes “maiores” e as demais formas de produção (como a construção civil, o
vestuário e os objetos utilitários); a decoração funcional e a redenção do
industrialismo devido suas consequências negativas. Deflagraram-se movimentos de
vanguarda por vários pontos da Europa, sobretudo na Rússia, França, Alemanha,
Inglaterra e Itália, demonstrando o correlato que podia se estabelecer entre o
idealismo que se impregnava na arte, advindas da agitação e desconforto
experimentados pela sociedade daquela época, devido a fatores específicos de cada
região. Os vanguardistas, que caracterizaram a profusão dos “ismos” do século XX
(como os Cubistas, Construtivistas, Abstracionistas, Neoplasticistas, Suprematistas,
Abstracionistas e Concretistas) posicionaram-se contra o academicismo do século
XIX e adotaram uma visualidade nova, mais sintética e racional.
As consequências da Primeira Grande Guerra marcaram o início do século
XX, em meio a tragédia humana, perdas financeiras, transformações políticas e
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econômicas. Tais mudanças, profundas e súbitas, reverberavam nas expressões
culturais do período. A urgência por dinamismo e aceleração dos meios produtivos
compeliram o desenvolvimento tecnológico e a racionalização nos procedimentos,
resultando numa alteração de postura que urgia por funcionalismo, ao contrário do
que se praticava sob a égide decorativa do Art Nouveau. A reconstrução após o fim
da guerra visava otimizar os recursos e espaços disponíveis, mediante a remoção de
tudo o que não era essencial à função.
Os rumos da arte seguiam o impulso progressista e evidenciavam
questionamentos de seu tempo. Artistas não se dissociavam desse processo histórico
e social e participavam ativamente das mudanças que ocorriam, tentando sempre
estar à dianteira dos eventos, apontando tendências e se inteirando das inovações
tecnológicas.
O cinema pode ser entendido como um desdobramento desse ímpeto pelo
progresso. Ao ser apresentada, a tecnologia cinematográfica representou um marco
para as artes, revolucionando cultura, tecnologia e economia de forma inconteste.
Esta forte influência se deu devido a abertura do leque de possibilidades que a
tecnologia conferia para a expressividade. Tecnologicamente, o cinema promoveu
uma abertura de possibilidades que não se experimentava desde o advento da
fotografia. A fotografia havia sido a última grande inovação tecnológica no terreno das
artes. Esta tecnologia mudou os paradigmas artísticos mediante a possibilidade
técnica de representar a realidade de uma forma praticamente imediata e muito
menos custosa do que a encomenda de pinturas aos artistas. Segundo Gombrich
(1988) a tecnologia fotográfica compeliu os artistas a explorarem regiões aonde a
fotografia não alcançava, de modo que a arte moderna dificilmente aconteceria do
modo como se observou sem o impacto dessa invenção. O cinema, tal como a
fotografia, possibilitou artistas a buscarem novos percursos que a imagem em
movimento proporcionava, colaborando decisivamente para o traçado dos rumos da
arte contemporânea. A principal inovação trazida pelo cinema foi a possibilidade da
evolução temporal da obra, já que enquanto a fotografia conquistou a representação
fotorrealista e imediata do assunto, congelando-o no tempo, o cinema deu o passo
seguinte, que foi representar esse assunto acontecendo durante um determinado
intervalo de tempo.
A possibilidade de trabalhar
composições na dimensão temporal
imediatamente atraiu a atenção dos artistas visuais oriundos das mais diversas áreas,
desde os artistas sequenciais, que já intencionavam driblar a inércia do suporte, como
22
também os artistas de vanguarda, dentre eles os artistas abstratos, que objetivavam
alcançar com suas composições visuais os efeitos abstratos da música, ao sugerir
ritmos, movimentos e sensações sem recorrer à figuração.
O cinema de animação surge formalmente em 28 de outubro 1892, com a
projeção de Émile Reynaud por meio de seu théatre optique, que era um sistema de
projeção de imagens anterior ao dos irmãos Lumière, desenvolvido a partir do
praxinoscópio. Este sistema projetava uma série de até 600 imagens desenhadas
diretamente na película. Reynaud exibiu para o público o show Pantomimes
Lumineuses, composto pelos desenhos Pauvre Pierrot, Un bon bock, and Le Clown et
ses chiens. No entanto, a primeira projeção nos moldes tradicionais se deu com o
desenho Fantasmagorie de Émile Cohl, em 17 de Agosto de 1908.
Em Fantasmagorie, Emile Cohl optou por simplificar a representação de
seus personagens à menor quantidade possível de elementos (Figura 5) , utilizando
para isso as formas geométricas mais básicas, como círculos, linhas e pontos para
obter a representação esquemática de seus personagens. Esta animação, apesar de
figurativa, apresenta estilização geométrica, indicando que o cinema de animação se
aproximava da geometria já em seus primeiros experimentos, embora não seja
possível identificar qualquer intencionalidade de aproximação aos movimentos
vanguardistas da arte, já que a simplificação da forma apresenta-se de modo quase
infantil e ingênuo, sem maiores pretensões estilísticas. Neste filme, os elementos são
tão simplificados que, por vezes, somente pelo contexto em que estão inseridos é
possível dar significação às formas. Não há distinção entre o tratamento conferido ao
personagem e ao cenário, já que ambos são representados no mesmo plano e com o
mesmo tratamento. É compreensível que a simplificação fosse, antes de uma escolha
formal, uma exigência técnica devido o fato deste artista se aventurar em um território
ainda carente de qualquer sistematização. Nessa animação, Émile Cohl desenvolvia
as ações sem nenhum planejamento mais sistemático, prescindindo de roteiro ou
storyboard. Não é possível falar ainda em um estudo que orientasse as escolhas
formais. A animação se dá de forma onírica e aleatória, os elementos sofrem
metamorfoses constantes e personagens são apresentados e retirados de cena sem
nenhum desenvolvimento ou motivação aparente. A animação em questão, apesar de
tosca, abriu as portas para todo fenômeno da animação baseada na tecnologia
desenvolvida pelos irmãos Lumiére.
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Fig 05. Emile Cohl, Fantasmagorie, 1908
Com o avanço técnico da animação, os filmes ganharam em fluência e
complexidade. A relação entre personagem e fundo tornou-se mais evidente e a
perspectiva começou a aparecer. Os personagens adquiriram volume e apresentavam
uma forma mais reconhecível. As técnicas e a linguagem cinematográficas se
aprimoravam a medida que artistas aderiam ao fazer cinematográfico e traziam
consigo conhecimentos de suas manifestações originais. A sétima arte se consolidava
como arte independente devido o aprimoramento e consolidação da linguagem
cinematográfica. Houve o aumento no número de produções realizadas, tanto em live
action, como em animação, o que divulgava essa nascente forma de arte e contribuía
para atrair mais adeptos de áreas diversas.
O cinema animado ganhava vulto com a adesão de Winsor Mccay, que em
1909 trazia a público trabalhos como “Little Nemo” e “Gertie, the Trained Dinosaur”
(figura 06). Em 1919, “O Gato Felix” era lançado, produzido pela dupla formada por
Pat Sullivan e Otto Messmer, e seria consagrado como primeiro personagem animado
de sucesso em uma série duradoura. Os irmãos Max e Dave Fleischer, e suas
antológicas séries “Betty Boop” (1930) e “Popeye” (1933), “Super Man (1941)” e “Koko
the Clown” (1919), e dos longa-metragens “As viagens de Gulliver” (1939).
Fig 06 Winsor Mccay, Gertie, the Trained Dinosaur, 1909
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O aparecimento de Walt Disney nos anos 20, junto de seu irmão Roy e de
Ub Iwerks deixaria sua marca indelével no cinema de animação. Os filmes e séries
desse estúdio tornaram-se clássicos que permaneceram atemporalmente cativantes,
conquistando gerações desde as estreias. O estúdio de Walt Disney rapidamente
atingiu o posto de destaque na indústria do cinema de animação, apesar da
concorrência acirrada dos demais estúdios. As produções de Disney sempre
buscaram trazer diferenciais técnicos, como a primeira animação com som
sincronizado da história (Steamboat Willie, de 1928, figura 08), que seria responsável
tanto por romper a era do cinema mudo, como por alavancar seu personagem mais
famoso, o Mickey Mouse; e também a primeira animação totalmente colorida em
Technicolor (Flowers and Trees, em 1931).
Os trabalhos de Walt Disney contribuíram para o desenvolvimento técnico
da animação devido a sistemática pesquisa acerca da apreensão da natureza, que se
deu mediante a observação criteriosa dos fenômenos dos movimentos, abordando a
pantomima humana, bem como o movimento dos animais e os eventos naturais. Os
estúdios Disney foram também os responsáveis por desenvolver os 12 princípios
básicos da animação e estabeleceram métodos que norteavam o processo técnico de
uma animação eficaz, tornando-se um centro de referência mundial para os
animadores.
As animações de Walt Disney sempre foram caracterizadas pela figuração.
Desde seus primórdios, a produção desse estúdio esteve baseada na narrativa e na
representação de mundos fantásticos, mas com elementos formais bem conformados
por meio da perspectiva geométrica, pela representação de formas e volumes,
tratamentos de luz e sombra, e o detalhamento cada vez mais elaborado. Com o
desenvolvimento tecnológico da animação, cenários e personagens ficavam cada vez
mais complexos e bem definidos, de forma que as obras intencionavam tornar mais
reais as situações fantásticas elaboradas pelos artistas do estúdio, oferecendo a cada
nova produção um mundo mais crível aos espectadores. Em Branca de Neve e os
Sete Anões de 1937, o primeiro longa-metragem de Disney, já é possível notar um
nível de rebuscamento técnico que impressiona até hoje pela fluidez dos movimentos,
pela sensação de materialidade dos cenários (como pode ser observado na figura
07), e pelo uso dramatúrgico excepcional dos elementos cênicos. As obras de Disney,
dessa forma, estão formalmente associadas à figuração de um mundo fantástico que
busca seu substrato no mundo real, estilizando-o para ilustrar algo que só existe na
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imaginação. Em Disney, o primor técnico serve de base para que a história seja bem
contada, de forma que narrativa e visualidade formam uma unidade indissociável no
momento da fruição.
Fig 07 Disney, Branca de Neve e os Sete Anões, 1937
Estúdios de grande vulto, como o MGM e a Warner Bros, rivalizavam em
busca do nicho ocupado competentemente por Disney. Para atrair a atenção do
público, tais estúdios intentavam acompanhar o desenvolvimento apresentado pela
equipe de Disney. Esses estúdios absorviam os animadores que porventura saíam do
estúdio de Walt Disney, os quais traziam consigo toda a bagagem adquirida no
estúdio de origem e aplicavam em seus novos trabalhos. Estilisticamente, era difícil
estabelecer uma diferenciação mais evidente entre Warner, MGM e Disney: todos
conferiam grande importância à narrativa e à figuração. O tratamento apresentado
por estes estúdios se equiparava em termos formais, desde o design dos
personagens (que eram carismáticos e “fofinhos”), aos cenários, que representavam
com certo maneirismo as paisagens da época. Foram expoentes da MGM obras como
Flip The Frog (criada por Ub Iwerks e distribuida pela MGM) e Happy Harmonies. Os
expoentes da Warner Bros foram inicialmente as animaçoes “Bosko the Talk-Ink Kid”
(1929), Looney Tunes (1930) e Merrie Melodies (1931) criada pela dupla Hugh
Harman e Rudolf Ising. Os estúdios da Warner rivalizaram à altura com as produções
de Disney, já que personagens cativantes como Patolino, Pepe le Gambá e Gaguinho
galgaram um carisma diferenciado dos demais personagens apresentados pelos
outros estúdios até então, que eram de certa forma um pastiche do que Disney
apresentava (vide figuras 08 e 09).
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Fig 08. Disney, Seamboat Willie, 1928
Fig 09. Warner Bross, Bosko the Talk-Ink Kid, 1929
Uma real ruptura à homogeneidade estilística foi apresentada nos anos 40
pelos trabalhos do estúdio da United Production of America, (formada por Dave
Hilberman, Zachary Schwartz e Stephen Bosustow) que foram buscar nas artes
plásticas e no design a síntese formal dos elementos cênicos. As obras deste estúdio
buscaram simplificar ao máximo o processo da animação, reduzindo aos elementos
mínimos necessários para conferir a ideia a ser exposta, e essa síntese se deu tanto
visualmente como pragmaticamente. O desenho dos personagens e dos cenários
foram geometrizados e simplificados, o tratamento era sucinto. Por vezes, meros
rabiscos ou contornos conformavam elementos cênicos secundários. As cores de
preenchimento não obedeciam as linhas de contorno, a perspectiva não era rigorosa,
e os elementos de destaque apresentavam silhuetas e contornos minimalistas e bem
definidos. As cores eram sólidas e ocupavam grandes áreas, sem misturas e com
27
grande contraste. Ao contrário do padrão que havia se instalado nos grandes
estúdios, a animação foi limitada, reduzindo a quantidade de desenhos e entremeios,
visando ao mesmo tempo agilizar e baratear o processo de animação, obtendo um
resultado estético inovador pela síntese das formas. São produções de destaque da
UPA as obras Mr. Magoo (1949), Gerald Mc Boing Boing (1950) , The Tell-Tale Heart
(1953).
Fig 10. Stephen Bosustow: Gerald Mc Boing Boing, 1950
Enquanto os principais estúdios americanos seguiam a tendência pela
animação narrativa figurativa de temática infantil, animadores experimentais em
outras partes do mundo, sobretudo na Alemanha, exploraram um caminho bem
diverso desde as primeiras décadas do século XX. Em contraponto com o trabalho
apresentado pela maioria dos estúdios, esses artistas exploravam a individualidade
autoral, enfatizando a expressividade das composições, dando maior destaque à
visualidade em detrimento da narrativa e da animação de personagens. Os artistas de
vanguarda intencionavam desvelar uma poética própria, fruto dos anseios de cada
autor. Por serem produções de menor porte, esses artistas usufruíam de uma
liberdade maior para propor soluções menos ortodoxas, ao contrário dos grandes
estúdios, que tinham a meta de atender uma demanda comercial por filmes de
entretenimento, de forma que as produções demonstravam a visualidade resultante
do trabalho de grandes equipes, em que cada artista desempenhava uma função
específica sem ter a liberdade necessária para expressar suas individualidades.
Artistas pioneiros como Walter Ruttman, Oskar Fischinger Hans Richter,
28
Viking Eggeling, nos anos 20, apresentaram uma nova forma de se pensar o cinema,
conferindo uma verdadeira ruptura na vigente prática do cinema de animação
figurativo e narrativo. Estes artistas, mediante suas pesquisas formais, intentaram
afastar o cinema de qualquer representação por meio de uma composição
estritamente abstrata. Eles intencionaram expressar visualmente o que somente a
tecnologia do cinema possibilitava expressar, obtendo então o que foi chamado de
cinema Absoluto, já que essa forma de se pensar o cinema abandonava aspectos
ficcionais ou de documentação, constituindo dessa forma um cinema puramente
formal. O cinema apresentado por esses artistas estava intimamente relacionado com
o cenário da arte abstrata que estava em franca ascensão naquele período. A
geometria fora introduzida no cinema de forma consciente, não apenas como
elemento estrutural, mas como visual final. As obras não intencionavam apresentar
histórias ou cativar o público com personagens, mas buscavam comunicar sensações,
emoções, atmosferas sem o uso de diálogos, pantomimas ou atuação, empregando
exclusivamente as formas abstratas e a movimentação destas no espaço
composicional. Por meio das técnicas de animação, elementos que no meio estático
eram impossibilitados encontraram no cinema a possibilidade de expressão,
expandindo as possibilidades da pintura, conquistando a expressividade que
estabelecia paralelos com os elementos musicais, como ritmo, harmonia, melodia,
dinâmica, entre outros.
Apesar de experimentos iniciais dos futuristas italianos Arnaldo Ginna e
Bruno Corra, que pintaram composições não figurativas diretamente nas películas (as
quais não resistiram ao tempo), foi Walter Ruttmann quem primeiro realizou um filme
nos moldes abstratos ao lançar no cinema seu curta-metragem Lichtspiel Opus I, em
1921 (figura 11). Ruttmann era um pintor abstrato que lidava com os meios
tradicionais da pintura, mas que substituiu as tintas pela luz ao abandonar a pintura e
aderir ao cinema, por acreditar que este último seria a forma de arte do futuro.
29
Fig 11. Lichtspiel Opus I, Walter Ruttmann,1921
Seus experimentos inauguraram uma possibilidade totalmente nova no
cinema, e influenciaram o aparecimento de seguidores, como Oskar Fischinger, que
ao ser apresentado ao trabalho de Ruttmann, iniciou o trabalho abstrato modelando
objetos de cera e líquidos coloridos, filmando composições abstratas a partir dessas
formas. Outros cineastas seguiram a pesquisa abstrata ao longo dos anos, como Len
Lye, Norman Mclaren e René Jodoin para o “National Film Board”. Norman Mclaren
realizou filmes nas mais diversas técnicas e muitos deles eram inteiramente abstratos.
Ele pintava diretamente na película tanto os elementos visuais, como os elementos
sonoros.
As possibilidades abstratas abriram um leque muito grande para o cinema
e a publicidade, de forma que desde a década de 20 até o presente momento,
diversas obras transitaram entre a figuração e a abstração geométrica, desde
trabalhos autorais à peças publicitárias (figura 12).
Fig 12. Beeld, Telecine Rebrand, 2010
30
Fig 13. Oskar Fischinger, Composition in Blue,1935
Fig 14. Norman Mclaren, Lines Vertical, 1960
Fig 15. Rene Jodoin, Dance Squared, 1961
Fig 16. Len Lye, Rainbow Dance, 1936
31
O design aplicado aos meios audiovisuais deu origem ao motion graphics,
que são os elementos do design gráfico em movimento, constituindo uma importante
área do audiovisual em que os elementos geométricos ganham expressividade,
atrelados à funcionalidade da mensagem a ser comunicada. Letreiros de telejornais e
publicidade, vinhetas, créditos de filmes e seriados, todas essas manifestações
aplicam as formas abstratas geométricas como léxico formal.
É importante citar a tentativa de abertura de Disney para a abstração em
seu filme Fantasia de 1940. A sequência Toccata e Fuga em D Menor (figura 17) fora
inicialmente projetada por Oskar Fischinger, contudo, os interesses do estúdio em
deixar a obra mais figurativa acabaram por conturbar o relacionamento com o artista
alemão, que se ausentou do projeto sem ser creditado. O que era para ser uma obra
completamente abstrata ganhou representações figurativas, como nuvens, partes de
instrumentos musicais como arcos, cordas e cavaletes, formação de manchas, pontos
brilhantes e padrões realmente abstratos. O trecho animado da música acabou por
ser um hibrido entre a abstração e a figuração, um meio termo que parecia indicar o
receio por parte dos produtores pela rejeição do público pelas formas totalmente
abstratas, de modo que os elementos figurativos buscavam manter a conexão com o
público.
Fig 17.Disney, Fantasia. A sequência Toccata e Fuga em D, 1940
Outro sinal de confluência de Disney pelas formas geométricas apareceu
em seu filme Toot Whistle Plunk, e Boom (Ward Kimball and Charles A. Nichols,
1953), em que o design conceitual dos personagens e cenários eram simplificados,
suscitando uma certa semelhança como o resultado formal dos estúdios UPA. Os
personagens eram simplificados às formas geométricas básicas, possuíam formas
pontiagudas proeminentes contrastantes com as formas curvilíneas. As formas são
32
estabelecidas predominantemente pelo uso das massas cromáticas, com o uso muito
racional das linhas de contorno, que são aplicadas quando há a necessidade de
estabelecer
distinção entre camadas numa mesma massa cromática. Em
determinados casos, as linhas de contorno aparecem sem o uso de preenchimento
cromático, em personagens ou objetos “transparentes”, como um recurso estilístico.
As cores são fortes, contrastantes. O cenário não apresenta uma estruturação
baseada na perspectiva rigorosa, em que elementos são sintetizados para a
representação mínima dos objetos. Muitas vezes, o cenário é apenas um plano de
fundo para que os personagens sejam inseridos, sem que haja a sensação de que o
personagem esteja apoiado no solo.
Fig 18. Disney, Toot Whistle Plunk, e Boom, 1953
Semelhantes experimentos podem ser encontrados em diversos países,
como as obras autorais de Osamu Tesuka, no Japão, como Story Of A Certain Street
Corner (1962), Male (1962), entre outros. Animadores autorais em produções
modestas sempre flertaram com visualidades mais experimentais, como Raoul
Servais e sua animação Chromophobia (1966), e mais recentemente, o animador
Eran Hilleli, de Israel, e seu filme “Between Bears” (2010) (Fig 29).
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Fig 19. Osamu Tesuka, Story Of A Certain Street Corner,1962
Fig 20. Osamu Tezuka, Male, 1962
Fig 21. Raoul Servais, Chromophobia, 1966
34
Ao analisar as séries para TV, sobretudo a partir da primeira década dos
anos 2000, é possível notar a tendência para a geometrização e minimalismo em
produções de sucesso da Hanna-Barbera/Cartoon Network, como “Garotas
Superpoderosas”, “A Mansão Foster para Amigos Imaginários”, “Samurai Jack”, “O
Laboratório de Dexter”, “Star Wars Guerras Clônicas”, “Hora de Aventura” e uma lista
crescente de animações com estilos semelhantes. É possível novamente traçar uma
linha que liga essa estilização à produção inovadora da UPA. Muitas características
das novas animações se assemelham ao modo de produzir animação deste estúdio,
como o minimalismo, a simplificação da forma, a animação limitada, o uso de cores
fortes e chapadas, cenários que não apresentam a perspectiva rigorosa, entre outros.
Esse estilo, devido a sua praticidade e efeito visual, se espalhou pelos estúdios de
todo mundo. No Japão, o estúdio Gainax produziu recentemente uma série chamada
“Panty and Stocking with Gaterbelt”, em estilo semelhante ao das produções norteamericanas, sinalizando para a expansão mundial desse estilo em produções
comerciais e sua aceitação pelo público. No Brasil, o Copa Estúdio lançou a série
animada Tromba Trem (figura 22), que apresenta essa tendência mundial pela
geometrização dos personagens e cenários.
Fig 22. Copa Estúdio, Tromba Trem, 2011
35
Fig 23. Cartoon Network. As Garotas Superpoderosas, 1998
Fig 24. Samurai Jack, Cartoon Network, 2001
Fig 25. A Mansão Foster para Amigos Imaginários, Cartoon Network, 2004
Fig 26. Panty & Stocking with Garterbelt, Gainax, 2010
36
Como visto no capítulo 1, a geometria é uma ferramenta estruturadora por
meio da qual o homem se orienta para conformar suas idéias e estabelecer relações
formais no momento criativo.
Nos diversos estilos de animação, a geometria aparece em funções
variadas, como desde o uso de formas geométrica puras (fig 27), como na base
estrutural dos personagens e cenários que passam desapercebidas do público (fig
28), ou mesmo nas obras em que a geometria é um elemento intencionalmente
marcante (fig 29).
Fig 27. Norman Mclaren, Synchromie, 1971
Fig 28. Disney.Esboço a lápis do Mickey, 1930
Fig 29. Eran Hileli, Between Bears, 2010
37
4. CONCLUSÃO
Mediante a análise realizada referente aos procedimentos abstrativos, bem
como o racionalismo relativo ao processo de abstração e suas implicações na arte, foi
possível distinguir metodologicamente a abstração da figuração, bem como
diferenciar as vertentes de abstração entre a informal e a geométrica.
Foi possível estender ao cinema a análise entre a dicotomia abstração
versus figuração e pensar o cinema de animação como um dos suportes possíveis
para que o pensamento abstrato ou a tendência para a geometrização ocorresse.
Ao analisar historicamente o contexto em que o cinema surgiu, bem como
sua evolução técnica e subsequente avanço nas técnicas de animação, foi possível
distinguir dois posicionamentos diversos, mas que se influenciaram mutuamente. Tais
tendências puderam ser divisadas entre o cinema figurativo que privilegiava a
dramaturgia, mas que pode geometrizar-se por questões práticas ou formais; e o
cinema abstrato, que se deu como uma extensão das formas tradicionais da arte,
sobretudo as manifestações artísticas de vanguarda do século XX que penderam para
a abstração.
O cinema de animação figurativo se apropria da geometria como recurso
técnico para conformar personagens ou cenários, bem como para definir a
composição do enquadramento.
A geometrização também pode ultrapassar o caráter estrutural e
transparecer como estilo aparente. Dessa forma, a geometrização vai além da
praticidade conferida pela representação sintética por meio das formas geométricas,
obtendo uma estilização diferenciada dos padrões tradicionais, aproximando-se das
conquistas expressivas advindas dos movimentos abstracionistas das artes plásticas
e do design gráfico.
Foi visto que a geometrização de personagens e cenários constituiu uma
tendência importante na indústria das séries animadas, primeiramente na década de
40, com o estúdio UPA, e mais recentemente, a partir da década de 90, com a
produção do estúdio Cartoon Network.
O cinema abstrato não figurativo, ou “cinema absoluto” intencionou atingir a
autonomia formal do cinema, de forma que as propriedades cinemáticas da imagem
38
em movimento se valessem pelas suas possibilidades inerentes, como cores, formas,
movimentos e ritmos, apresentando o caráter de composição artística que prescinde
do caráter literário, teatral ou documentalista do cinema live action.
Foi visto que o caráter abstrato das imagens em movimento não é
exclusividade de cinema de vanguarda, mas aparece também nos motion graphics,
que é o ramo do design gráfico aplicado aos meios que lidam com imagem em
movimento.
Conclui-se que a abstração, bem como a geometrização como instrumento
conformador são procedimentos que aparecem de forma inconteste nas formas de
arte, tanto nos suportes estáticos quanto nos suportes que possibilitam a imagem em
movimento.
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REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. 2. ed São Paulo: Martins Fontes,
1998
ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: Do iluminismo aos movimentos
contemporâneos. Traduzido por Denise Bottmann e Frederico Carotti. 4.
reimpressão, São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
CHAUI, Marilena de Souza. Convite a filosofia. 9.ed. São Paulo: Ática, 1997.
FERRATER MORA, Jose. Dicionario de filosofia. São Paulo: Loyola, 2000-2001
GOMBRICH, E. H. (Ernst Hans). A historia da arte. 4. ed. Rio de Janeiro:
Guanabara, 1988.
HARRISON, Charles; FRASCINA, Francis; PERRY, Gill. Primitivismo, cubismo,
abstração: começo do Seculo XX. São Paulo: Cosac & Naify, c1998.
KLEIN, Antonio Paulo. The Art Book Brasil – Geometrias = geometrics. São Paulo:
Decor, 2010.
LARA, Tiago Adão. Caminhos da razão no Ocidente : a filosofia ocidental, do
Renascimento aos nossos dias. 3. ed. Petropolis: Vozes, 1988.

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