visionárias do tempo do fim – uma análise - PPGHC

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visionárias do tempo do fim – uma análise - PPGHC
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
INSTITUTO DE HISTÓRIA
Programa de Pós-Graduação em História Comparada
REJANE BARBOZA DA SILVA
HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS
DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Rio de Janeiro
Março de 2014
REJANE BARBOZA DA SILVA
HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS
DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em História Comparada do Instituto de
História da Universidade Federal do Rio de Janeiro
como requisito parcial para a obtenção do título de
Mestre em História Comparada.
Orientadores: Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Jr.
Linha de pesquisa: Poder e Discurso
Rio de Janeiro
Março de 2014
HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS
DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA
Rejane Barboza da Silva
Orientador: Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História Comparada,
Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários para obtenção do título de Mestre em História Comparada.
Aprovada por:
Presidente, Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior (PPGHC/UFRJ)
Prof. Dr. Vicente Carlos Rodrigues Alvarez Dobroruka (PEJ-UnB)
________________________________________________________________________
Profa. Dra. Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva (PPGHC/UFRJ)
Prof. Dr. Luiz Barros Montez (PIPGLA/UFRJ)
Profa. Dra. Leila Rodrigues da Silva (PPGHC/UFRJ)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP
.......... Silva, Rejane Barboza da
"Hildegard von Bingen
e Mechthild von Magdeburg:
Visionárias do Tempo do Fim –Uma análise comparativa /
Rejane Barboza da Silva. - 2014.
x, ....... f. : enc.
Orientador: Álvaro Alfredo Bragança Jr.
Dissertação (Mestrado) -- Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de História, Programa de Pós-Graduação em História
Comparada, Rio de Janeiro, BR-RJ, 2014.
1. História. 2. Idade Média. 3. Religiosidade feminina.4. Literatura
apocalíptica. I. Bragança Jr., Álvaro Alfredo, orient.. II. Título.
CDD: .....
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, gostaria de agradecer a todos os professores que generosamente
deram seu tempo e atenção para o aprimoramento deste trabalho, ao meu pai, familiares e
todas as pessoas amigas que o incentivaram e especialmente ao Prof. Dr. Álvaro Alfredo
Bragança Júnior, que incansavelmente esteve ao meu lado neste percurso.
Se hoje tenho percorrido uma trajetória acadêmica em estudos medievísticos, devo
esta oportunidade ao Prof. Álvaro, que graças a DEUS (personagem não histórico, porém
real), me convidou para empreender pesquisa de iniciação científica, ainda no século passado.
E, acima de tudo, agradeço a DEUS por ajudar-me a vencer mais um desafio na vida
estudantil, pois para alguém cuja gestação não iria ter prosseguimento e, caso viesse a nascer,
seria passível de vir a ter necessidades especiais no que diz respeito às atividades intelectuais,
resta somente a convicção de cultivar, sempre, sentimentos de gratidão pelas oportunidades
recebidas.
5
HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG: VISIONÁRIAS
DO TEMPO DO FIM – UMA ANÁLISE COMPARATIVA
REJANE BARBOZA DA SILVA
Orientador: Prof. Dr. Álvaro Alfredo Bragança Júnior
RESUMO
O objetivo deste estudo é analisar a influência do pensamento
escatológico manifesto na religiosidade feminina germanófona. Para
isso, o corpus documental estabelecido foram os escritos das
religiosas Hildegard von Bingen (século XII) e Mechthild von
Magdeburg (século XIII). Para esta tarefa faz-se necessário assinalar
algumas características da literatura dita apocalíptica, bem como
descrever traços biográficos das religiosas, visando com isto uma
melhor compreensão do contexto em que se deu o processo criativo
de textos visionário-profético-escatológicos.
Palavras-Chave: História, Idade Média, Religiosidade feminina, Literatura apocalíptica.
6
ABSTRACT
The purpose of this study is to analyze the influence of
eschatological
thinking
presented
in
Germanic
feminine
religiosity.To achieve this goal, the documental corpus chosen was
the writings of Hildegard von Bingen (XII. century) and Mechthild
von Magdeburg (Thirteenth Century). In order to fulfill this task, it is
necessary to list some characteristics of the so-called apocalyptic
literature, as well as to describe their biographical traits, aiming a
better comprehension of the context that gave birth to the creative
process of visionary-prophetic-eschatological writings.
Keywords: History, Middle Ages, Feminine Religiosity, Apocalyptic Literature.
7
SUMÁRIO
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
p. 9
I.1 Hildegard von Bingen
p. 22
I.2 Mechthild von Magdeburg
p. 32
II. LITERATURA APOCALÍPTICA OU APOCALIPSES
p. 40
III. HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG –
EXEMPLOS DE MULHERES QUE ULTRAPASSARAM SEUS LIMITES
p. 53
IV. O FIM – VISÕES DE UM TEMPO DE ANGÚSTIA E TAMBÉM DE PAZ
p. 66
V. CONCLUSÕES
p. 87
BIBLIOGRAFIA
p. 90
ANEXOS
1.
TABELA
DE
REFERÊNCIAS
ESCATOLOGIA/APOCALIPTICISMO
2. FONTES (PARTE)
A
TERMOS
DA
p. 98
p. 103
8
I. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Todo trabalho histórico decompõe o tempo passado, faz escolhas em meio a
suas realidades cronológicas, de acordo com preferências e exclusividades
mais ou menos conscientes. (BRAUDEL, 2011, p. 90)
Quase todos os historiadores, com exceção dos muito obtusos, apresentam
uma fraqueza típica: certa cumplicidade, idealização, identificação; certo
impulso à indignação, a corrigir erros, a transmitir uma mensagem.
(BURROW, 2013, p. 72)
So what are the professionals like and how do they make histories? Let us
start this way. History is produced by a group of labourers called historians
when they go to work; it is their job. And when they go to work they take
with them certain identifiable things. First they take themselves personally:
Their values, positions, their ideological perspectives.1 (JENKINS, 2004,
p.25)
Concordamos com as assertivas supracitadas e enfatizamos o caráter pessoal e
intransferível concernente à escolha da temática, fontes (corpora) e bibliografia secundária
apresentados neste estudo. O historiador não está isento ou neutro quanto aos mesmos e suas
escolhas envolvem fatores diversos, pois, como bem escreveu Jenkins2: “History is never for
itself; it is always for someone”. Deve-se considerar, também, a não isenção do pesquisador
na escolha do aporte teórico-metodológico e hipóteses subjacentes ao tema.
Realizar-se-á a análise histórico-literária do corpus descrito mais adiante,
alicerçada em uma perspectiva metodológica da História Comparada, paralelamente à análise
exegética das fontes, baseadas, essencialmente, na concepção de que,
Para a Análise do Discurso3, o importante não é saber o que um texto quer
dizer, mas como ele diz o que diz, ou seja, como os elementos linguísticos,
1
“Então, como estes profissionais são e como eles fazem histórias? Vamos começar desta maneira. A História é
produzida por um grupo de trabalhadores chamados historiadores, quando eles vão ao trabalho; este é o
trabalho deles. E quando eles vão ao trabalho, eles levam com eles certas coisas identificáveis. Primeiro, eles
levam a eles mesmos, pessoalmente: seus valores, posições, suas perspectivas ideológicas”.
2
JENKINS, Keith. Re-thinking History. London and New York: Routledge, 2004, p.21.
3
SILVA, Kalina Vanderlei & SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de Conceitos Históricos. 3ª ed. São Paulo:
Contexto, 2010, p.102.
9
históricos e sociais que o compõem fazem sentido juntos. Esse
questionamento vem do fato de que a língua não é autônoma, e tanto ela
quanto os indivíduos são muito afetados pelas condições sociais e pelo
imaginário que os cerca. (SILVA &SILVA, 2010, p. 102)
A narrativa religiosa medieval tem seu próprio papel significante, na medida em que
a validação da mensagem se encontra na interpretação, muitas vezes literal, que o narrador faz
dos fatos narrados. Contrapondo-se a este caráter definitivo e único de exegese, pode-se citar
a atual multifacetada articulação de tipologias textuais, em que a sobreposição de textos,
imagens, sons, recursos audiovisuais e virtuais faz com que a obra literária alargue o seu
escopo básico: texto em papel, leitor/intérprete/decifrador e suas possíveis interpretações.
Ultrapassar esta variedade de vertentes ao aproximar-se dos textos literários medievais de
cunho religioso requer um forte exercício de abstração, uma vez que a interpretação,
comparação, análise ou até mesmo a correlação de uma obra literária com outra gera ou pode
gerar outro corpus, no qual fatores intrínsecos como origem, formação cultural, classe social,
conhecimento de mundo do leitor/produtor agem de forma independente.
Assumindo a posição todoroviana de que a obra literária é simultaneamente
“história” (“evoca uma certa realidade”) e “discurso” (“existe um narrador que relata a
história; há diante dele um leitor que a percebe”)4, e reconhecendo os meios distintos de
interpretá-la, percebe-se que esta dissertação não tem a pretensão de abarcar de modo
inclusivo todas as possíveis interpretações, subjetivas ou não, da transcendentalidade das
experiências místicas das autoras a serem analisadas.
Deve-se ressaltar que esta análise reconhece os limites impostos pela transitoriedade
dos conceitos classificadores, segundo Veyne5 (1982, p.70), sendo necessária uma abstração
temporal, isto é, um mover-se no tempo para que se possa tentar apreender, pelo menos
parcialmente, o que foi dito ou narrado.
Existem aqui movimentos religiosos, que diríamos também sociais, ali seitas
filosóficas que são antes religiosas, e lá movimentos político-ideológicos
que são filosófico-religiosos; aquilo que numa sociedade foi disposto,
correntemente, na caixa “vida política” terá, em outra parte qualquer, por
correspondente não tão exato, fatos que habitualmente entrariam na caixa
4
5
In: BARTHES, Roland et alii.1976, p.211.
VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a história. 2ª ed. Brasília: Edunb, 1982, p. 70.
10
“vida religiosa”. Isso significa que, em toda época, cada uma dessas
categorias tem uma estrutura determinada que muda de uma época para
outra. Assim, é com um pouco de preocupação que se encontra, nos índices
de um livro de história, um certo número de gavetas, a “vida religiosa”,“a
vida literária” como se fossem categorias eternas, receptáculos indiferentes
em que só restaria divulgar uma enumeração de deuses e de ritos, de
autores e de obras. (VEYNE, 1982, p. 70)
Nesse sentido, para que possamos melhor entender a força motivadora subjacente às
narrativas analisadas, as “gavetas” anteriormente citadas “vida religiosa” e “vida literária”
devem ser vistas não como aspectos estanques, inflexíveis, independentes, porém como faces
de um mesmo objeto, como reflexos deste iluminado por diferentes pontos de luz, cujas
imagens, por vezes, se entranham umas nas outras, se confundem e/ou se separam umas das
outras.
Resumidamente, a dissertação objetiva analisar comparativamente as visões das
místicas Hildegard von Bingen e Mechthild von Magdeburg que apresentem elementos de
cunho escatológico, porém não pertencentes ao gênero de literatura apocalíptica – vide
capítulo dois -, buscando evidenciar variações, seja em relação ao tema, seja em relação aos
preceitos e normas no que concerne às religiosas em geral e suas produções literárias,
observando similitudes entre os topoi que marcam um texto visionário, discrepâncias, público
alvo, possíveis objetivos didáticos, lógica interna e repercussão.
A temática “fim dos tempos” pertencente ao contexto religioso cristão ocidental
apresenta-se atual e relevante em face dos recentes “profetas” do fim do mundo que se
aproximaria, e poder constatar que tal tema, ao longo do tempo, perpassou também as mentes
e os corações de indivíduos e sociedades traz, em si, um desafio para tentar compreender a
força e impacto de tal mensagem.
Presente até mesmo em ambientes seculares, isto é, fora da esfera de atuação dos
agentes religiosos (clérigos, fiéis, teólogos, etc.), podemos citar, como exemplo, o FBI –
Federal Bureau of Investigation, quando batiza uma de suas campanhas de Projeto
Meguido67, em decorrência da passagem do ano 2000.
6
Fundamentalista espera “fim dos tempos”. Folha de São Paulo, São Paulo, 30 dez. 1999, Mundo, p.13.
“Megido (no hebraico megiddô, “lugar de tropas” – nome de uma cidade importante da Palestina, tomada por
Totmés III, rei do Egito, no segundo ano de seu governo (...)”. – DAVIS, John. Novo Dicionário da Bíblia.
Ampliado e atualizado. São Paulo: Hagnos, 2005, p.801.
“O monte Megido, situado a oeste do rio Jordão no centro-norte da Palestina, a cerca de quinze quilômetros de
Nazaré e a vinte e cinco quilômetros da costa do Mediterrâneo, encontra-se em uma planície onde ocorreram
7
11
A proximidade do ano mil, por exemplo, suscitou interpretações escatológicas
distintas, espelhando o contexto político de sua época8.
Recentemente, em seu livro intitulado Mideast Beast, Joel Richardson9 argumentou
que o Anticristo será islâmico e chefiará dez nações que estão geograficamente em torno de
Israel.
Estes são apenas alguns exemplos de posições diferentes quanto a este assunto, que,
de acordo com o contexto sócio-histórico, sofre variações expressivas de interpretação.
Limitações existem quando da aproximação à temática tão exaustiva e complexa,
tanto do ponto de vista histórico quanto teológico, por isso um recorte do que se deseja
estudar é imprescindível.
O contexto de surgimento da literatura apocalíptica dentro da cultura judaico-cristã,
que será posteriormente descrito, é importante para nosso trabalho investigativo. O historiador
Sérgio da Mata10, ao discorrer sobre o pensar o tempo não de forma cíclica, mas sim linear,
afirma:
Retomemos o fio de nossa argumentação. Enquanto as concepções de tempo
anteriores eram francamente a-históricas ou apenas parcialmente
históricas, o advento do profetismo judaico inaugura, de forma indubitável,
uma concepção universal e linear de tempo.
(...)
Será particularmente no Segundo Isaías que Javé vai se mostrar como
senhor absoluto da história (Is 41,2) e do próprio tempo (Is 46,10),
acenando com a libertação futura de Israel (Is 51,3). Este horizonte futuro,
se não é ainda um horizonte inteiramente distante, revela pela primeira vez
muitas das batalhas de Israel”. PENTECOST, J. Dwight. Manual de Escatologia. São Paulo: Vida, 1999,
p.355-356.
8
FLORI, Jean. La fine del mondo nel Medievo. Bologna: Società Editriceil Mulino, 2010, p. 91.
“Altre speculazioni apocalittiche, all’approssimarsi dell’anno mille, si basavano sull’identificazione dei popoli
che avrebbero dovuto devastare il mondo poco prima della Fine dei tempi, popoli che la Bibbia indica con gli
appellativi di ‘Gog e Magog’. Alcuni li identificavano con gli Ungheresi che, nel X secolo, diffondevano il
terrore nelle regioni del Danubio”. (FLORI, 2010, p. 91)
“Outras especulações apocalípticas, ao aproximar-se do ano mil, baseavam-se sobre a identificação dos povos
que deveriam devastar o mundo um pouco antes do Fim dos Tempos, povos que a Bíblia indica com a expressão
‘Gog e Magog’. Alguns os identificavam com os húngaros que, no século X, difundiram o terror nas regiões do
Danúbio”. (FLORI, 2010, p. 91)
N.A.: Os termos “Gog” e “Magog” apresentam diversas acepções de interpretação teológica sob a ótica judaicocristã, o que não é o objeto deste estudo.
9
RICHARDSON, Joel. Mideast Beast – The scriptural case for an islamic Antichrist. Washington, D.C:
WND Books, 2012.
10
MATA, 2010, p. 27-28.
12
uma dimensão ‘escatológica’: coloca-se a perspectiva de um ‘fim’, de uma
meta para a qual caminha o processo histórico – a libertação de Israel.
Com efeito, a profecia é o reverso do mito. Um sistema religioso em que
profetas assumem importância central deve estar necessariamente orientado
para o futuro. (MATA, 2010, p. 27-28)
Um arcabouço metodológico faz-se necessário para que se possa melhor direcionar
a leitura e o entendimento da comparação empreendida, evidenciando as congruências e
diferenças entre ambas as autoras. Para um melhor entendimento dos principais termos
escatológicos que se farão presentes nesta dissertação torna-se indispensável, da mesma
forma, uma tabela de referências anexada ao fim desta dissertação.
Os seguintes autores nomeiam e/ou descrevem metodologias mais apropriadas ao
objeto de estudo desta dissertação.
BLOCH já assinalava, em 193911, a necessidade de se edificar, primeiramente, uma
história comparada das sociedades europeias, antes de se aplicar alhures terminologias
intrínsecas ao contexto europeu e SÉE, já em 192312, argumentava que o método comparativo
poderia ser utilizado de duas formas diferentes: no espaço (comparação sincrônica de diversos
países do mundo em seus aspectos políticos, econômicos e sociais, i.e., síntese em história) e
no tempo (comparação diacrônica de instituições).
O “contraste tipológico” estabelecido por Weber e mencionado por Maier13
pressupor-se-ia talvez exequível, aplicado ao perfil distinto de ambas as autoras, presente
também em outras (Gertrud von Helfta, Marguerite Porète, por exemplo), qual seja, a
“autoridade carismática” (sem contestação argumentativa quanto à terminologia a ser
atribuída a Hildegard von Bingen), e/ou o “tipo ideal” comum no recorte espaço-temporal
germânico: mística, beguina14, religiosa.
O método da diferenciação, citado por Maier15, parece também ser o oportuno, por
ora, a ser utilizado, uma vez que se procura por variáveis em situações semelhantes: fontes
narrativas produzidas por mulheres místicas, religiosas e visionárias (séculos XII e XIII), em
11
BLOCH, 1939, p. 440.
SÉE, 1923, p.38.
13
MAIER, Charles S. “La Historia Comparada” – Studia Historica- Historia Contemporánea, Vol. X-XI
(1992-93), p.15.
14
Ref. à Mechthild ter sido beguina e mística, vide abaixo:
a) Frank Tobin, em sua Introdução à obra, assim declara: “About 1230, as a young woman in her early twenties,
she left the comforts of home to take up the life of a beguine in the not-too-distant town of Magdeburg, where she
knew but one person;” – Mechthild of Magdeburg. The flowing light of the Godhead. p.4;
b) cf. WEHR, Gerard. Die deutsche Mystik. Köln: Anaconda Verlag, 2006, p. 136.
15
MAIER, 1992-93, p.12.
12
13
contextos sociais semelhantes, em contraposição (ou não) a um posicionamento ortodoxo
estabelecido, configurando, assim, um pressuposto sine qua non para a realização de um
trabalho de História Comparada, ou seja, a existência de um “duplo ou múltiplo campo de
observação”16).
Dentre
as
quatro
aproximações
comparativas
à
história
elencadas
por
GORTÁZAR17, a análise histórico-comparativa intensiva de dois ou mais casos (“tipo fuerte
de comparación”18) é a mais apropriada para a pesquisa.
SKOCPOL & SOMERS (1980, p. 178) apresentam três lógicas metodológicas
utilizadas em história comparada, quais sejam, análise macro causal, demonstração paralela
da teoria e contraste de contextos, sendo esta última a que se aplica à pesquisa, pelas duas
razões a seguir: o respeito à integridade histórica de cada caso como um todo e a
demonstração das diferenças existentes entre os dois casos19, dada a temática da pesquisa.
Contrariamente, a demonstração paralela da teoria requer, para tanto, um número de casos
considerável, uma vez que se pretende asseverar uma similaridade entre os mesmos. A análise
macro causal requereria uma abrangência geográfica e temporal não condizente com as fontes
escolhidas.
Por outro lado, a orientação à variável, como forma de aproximação ao estudo
comparativo mencionado por GÜL20, parece-nos a mais apropriada à pesquisa, dado o caráter
qualitativo das variáveis, isto é, dos elementos/termos presentes em um texto pertencente ao
gênero literário da apocalíptica, tais como: rodas, querubins, anjos/corte de anjos, animais,
múltiplos céus, paraíso, inferno, Hades, espíritos deformados, purgatório, Jerusalém celeste,
“Gog e Magog”, etc., que serão pesquisadas, em oposição à aproximação de caráter
quantitativo (múltiplos casos), intitulada “case-orientation”, que possui também um referente
transnacional. O modelo apresentado por GÜL para um processo de pesquisa comparativa
16
BARROS, José D´Assunção. História Comparada: um novo modo de ver e fazer a história. Revista de
História Comparada, v.1, n.1, p.26, jun, 2007.
17
GORTÁZAR, 1992-93, p. 56-65.
“Con todo, la historia comparada par excellence (la historia comparada sin comillas) es ese tipo fuerte de
comparación histórica, esa comparación sistemática de eventos, procesos o instituciones en dos o más unidades
geográficas, temporales o sociales, con el fin de verificar hipótesis o de obtener explicaciones del fenómeno en
cuestión.” (p. 65)
“Por tudo, a história comparada por excelência (a história comparada sem aspas) é este tipo forte de
comparação histórica, esta comparação sistemática de eventos, processos ou instituições em duas ou mais
unidades geográficas, temporais ou sociais, com o objetivo de verificar hipóteses ou de obter explicações do
fenômeno em questão”.
18
GORTÁZAR, 1992-93, p. 60.
19
“straightforward paired comparisons” – SKOCPOL & SOMERS, 1980, p. 178.
20
GÜL, Serkan. Method and practice in comparative history. Ankara: KaradenizAraştirmalari, 2010. Vol. 26,
p.143-158 - acessado no site http://www.karam.org.tr/Makaleler/91886581_gul.pdf (Journal of Blacksea
Research)
14
(incluindo etapas de análise interna e externa) e dividido em sete partes21 [a) seleção do
problema e da teoria; b) planejamento da pesquisa – 1ª fase (análise externa inicial); c) coleta
de dados; d) planejamento da pesquisa – 2ª fase (análise interna); e) reformulação da teoria; f)
refinamento da teoria em análise interna para superar a teoria em análise externa; e, g) escrita
dos resultados], combina métodos qualitativos e quantitativos e diz respeito, primordialmente,
a pesquisas históricas comparativas que abranjam nações em seus escopos.
As bases para a utilização das metodologias acima citadas assentam-se nos
postulados de Detienne, que através de uma perspectiva comparativista coloca a história como
parceira dialógica da literatura, configurando um campo de experimentações comum
(THEML & BUSTAMANTE, 2004, p. 15 – “A prática da comparação demanda que se
trabalhe em equipe, todos juntos, em igualdade de condições e que o trabalho de cada um
consiga “interessar” os outros”), cujos olhares múltiplos ajudam a melhor precisar o objeto
estudado.
Compreender diversas culturas da mesma forma que elas próprias se
compreenderam, depois compreendê-las entre si; reconhecer as diferenças
construídas, fazendo-as funcionar umas em relação às outras, é bom, é
mesmo excelente para aprender a viver com os outros, todos os outros dos
outros. Maneira de caminhar, como diz Tzvetan Todorov, para o necessário
desapego de si mesmo e para o justo conhecimento dos fatos sociais.
(DETIENNE, 2004, p.67)
Conforme Aróstegui ressalta, “Toda observação de fatos está dirigida e precedida
pelo pensamento formal, por noções e por convenções linguísticas. Quer dizer, não há
observação de fatos sem hipóteses”22. Devido à variação do pensamento escatológico ao
longo da História da Igreja Cristã Ocidental, tenciona-se detectar essa variação, expressa
através de uma terminologia própria e da análise de fontes literárias de origem eclesiástica,
neste caso, fontes intencionais voluntárias, de caráter cultural e oriundas do espaço
germanófono, no período da Baixa Idade Média (séculos XII e XIII).
No que concerne às religiosas, cujos textos serão objetos de nossa análise, cumpre
apresentá-las resumidamente neste capítulo introdutório, bem como seu contexto histórico.
Hildegard von Bingen nasceu no verão do ano de 1098, em Bermersheim, próximo
21
22
GÜL, 2010, p. 154.
ARÓSTEGUI, 2006, p. 427.
15
a Alzey, distante cerca de vinte quilômetros da importante cidade de Mainz23. Mesmo tendo
nascido em uma família abastada, na qual o pai, Hildebertus, fora ministro imperial, foi dada
em serviço à Igreja por ser o décimo rebento. Sob os cuidados de Jutta von Sponheim,
abadessa do mosteiro beneditino de Disibodenberg, próximo a Bingen, Hildegard permaneceu
ali desde os seus oito ou nove anos de idade até a morte de Jutta, em 1136. Após isto, tornouse abadessa do convento de Disibodenberg.
Suas visões iniciaram-se quando ainda criança, porém somente aos 42 anos de idade
começou a colocar por escrito as mesmas e também as suas profecias. Em 1147, juntamente
com cerca de vinte freiras, fundou um novo convento em Rupertsberg24, onde permaneceu até
a sua morte em 17 de setembro de 1179. Hildegard von Bingen escreveu textos de edificação
pessoal, textos médicos e de ciência natural, inúmeras cartas a figuras proeminentes de seu
tempo, tais como São Bernardo25, o Papa Eugênio III26, o Imperador Frederico Barbarossa27o
rei Henrique II28 da Inglaterra, e livros, nos quais foram transcritas suas visões.
Scivias (Conheça os Caminhos do Senhor), escrito entre 1141 e 1151, descrevendo
eventos de 1141, é o primeiro registro de suas visões, sendo o segundo o Liber vitae
meritorum (O livro das recompensas da vida), escrito entre 1158 e 1163, e o terceiro o Liber
divinorum operum simplicis hominis (O livro das obras divinas de uma pessoa simples),
escrito entre 1163 e 1173. Parcialmente, a décima terceira visão do terceiro livro de Scivias
deu origem a extensa peça litúrgica de cunho moral denominada Ordo Virtutum (A Ordem
das Virtudes)29, escrita entre 1141 e 1151. Deve-se ressaltar, ainda, a profícua produção
musical de Hildegard, sendo suas composições registradas e tocadas mesmo nos dias de hoje.
Mechthild von Magdeburg30 nasceu em 1207 (aproximadamente) e faleceu por
volta de 1282. Beguina31, visionária e mística, fez-se conhecida através de seu único livro,
Das flieβende Licht der Gottheit (A luz fluente da Divindade).
23
FLANAGAN, Sabina. Hildegard of Bingen, 1098-1179 – A Visionary Life. Second Edition. London:
Routledge, Second Edition, 1998, p.2.
24
FLANAGAN, 1998, p. 5-6.
25
BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol I. Translated by Joseph L. Baird e Radd K.
Ehrman.New York: Oxford University Press, 1994, p. 27.
26
BINGEN, 1994, p. 32.
27
BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol III. Translated by Joseph L. Baird e Radd
K. Ehrman.New York: Oxford University Press, 2004, p. 112.
28
BINGEN, 2004, p. 116.
29
http://www.answers.com/topic/hildegard-von-bingen, acesso em 11/09/2006.
30
Informações obtidas no sítio: http://www.bookrags.com/tandf/mechthild-von-magdeburg-tf/ , acesso em
14/4/2011.
31
“Beguinas – Poderosa força dentro da Igreja ocidental desde o início do século XII, as Beguinas eram
comunidades de mulheres, no começo, com frequência, de origem urbana e abastada ou comparativamente
abastada, que dedicaram suas vidas, por vezes com grande austeridade, a fins filantrópicos: assistência aos
16
Dados biográficos inferidos a partir de seu livro e do material introdutório escrito em
latim por outros indicam que Mechthild nasceu em uma família da baixa nobreza, próximo a
Magdeburg. Sua primeira visão aconteceu aos 12 anos de idade. Por volta de 1230, tornou-se
beguina, retornando ao lar, ocasionalmente, talvez devido a enfermidades ou problemas
causados pelo seu livro, na medida em que criticou o comportamento de algumas beguinas,
homens e mulheres religiosos e do clero, do Papa e outros, ficando também sujeita a críticas e
até mesmo ameaças. Igualmente evidente, contudo, foi o apoio recebido especialmente por
parte dos dominicanos, cuja ordem ela elogiava. Baldwin, seu irmão, foi recebido na ordem e
tornou-se subprior no Mosteiro de Halle. Outro dominicano, Heinrich von Halle, foi o
conselheiro espiritual de Mechthild por muitos anos e a ajudou a editar e a divulgar versões
incompletas de seu livro. Por volta de 1270, entrou para o renomado convento cisterciense de
Helfta, sob a liderança de Gertrud von Hackeborn, onde estava a salvo dos percalços da vida
desprotegida de uma beguina, porém reverenciada mais à distância do que aceita pela
comunidade. Com sua saúde e visão enfraquecidas, ela completou a sétima e última seção de
seu livro. Sua morte está descrita no livro Legatus divinae pietatis (O Arauto da Divina
Piedade), de Gertrud von Helfta.
O texto original de seu livro, escrito em médio-baixo-alemão, foi perdido32. Uma
versão em médio-alto-alemão da obra completa, traduzida em torno de 1345, sob a direção de
Heinrich von Nördlingen, em Basel, sobrevive no manuscrito “E” em Einsiedeln e provê a
principal base textual para os estudos sobre Mechthild. Partes e pequenos fragmentos foram
descobertos em outros manuscritos. Uma tradução para o latim dos seus seis primeiros livros
a partir do original em médio-baixo-alemão, provavelmente tarefa executada pelos
dominicanos em Halle, chegou até nós, precedido por um extenso prólogo justificando o livro
e sua autora.
Com relação ao referencial historiográfico em que as religiosas instavam
inseridas, podemos afirmar de forma sucinta que os tumultuados séculos XII e XIII 33 podem
ser vistos como tempos de crise, os quais levaram a rupturas e novas configurações das forças
político-religiosas. A “Questão das Investiduras”, a “Concordata de Worms”, as disputas entre
os guibelinos (apoiados pela casa dos Hohenstaufen) e dos guelfos (apoiados pelo Papado), a
leprosos, doentes e pobres”. (...) LOYN, H.R. (Org.) Dicionário da Idade Média. Tradução de Álvaro Cabral.
Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p.45.
32
MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank Tobin.
New York: Paulist Press, 1998, p.6.
33
SCHAFF, Philip. History of the Christian Church, Volume V: The Middle Ages. A.D. 1049-1294. In:
http://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc5.html; pág. 28-69, acesso em 4/8/2006.
17
ascensão de Frederico I (Barbarossa) e a relativa estabilidade alcançada pelo Sacro Império,
que permitiu o florescimento das cortes feudais, seja através do contato com a rica cultura
oriental pelas Cruzadas, seja através do contato com o movimento trovadoresco de origem
provençal, o relativo longo reinado de Frederico II, o Interregnum (vacância do trono
imperial) e também a vacância do trono papal são alguns dos principais fatos históricos deste
período no tocante ao espaço continental germanófono.
No âmbito religioso, após a reforma cultural efetivada durante o império carolíngio,
que valorizou o ensino ministrado pelos clérigos, principalmente em conventos, tem-se um
fortalecimento das instituições eclesiásticas. Esses centros de conservação e divulgação das
Escrituras foram também responsáveis pela produção de uma vigorosa literatura religiosa em
língua latina, especialmente após a Reforma de Hirsau34 (1070), influenciada pela reforma
cluniacense, que atingiu aproximadamente cento e cinquenta mosteiros germânicos. A
literatura então produzida denota um caráter pedagógico e doutrinário e tal período poder-seia denominar “época literária cluniacense”35.
Um quadro de alternância e disputas pelo poder entre as esferas secular e temporal
no Sacro Império constitui o arcabouço político-social-religioso dos séculos XII e XIII, tendo
indelevelmente marcado o contexto no qual as obras de Hildegard von Bingen e Mechthild
von Magdeburg, selecionadas para análise, foram produzidas.
Ann Storey36, dentre outras autoras, salienta em seu artigo o contexto da obra de
Hildegard e a importância da mesma. Segundo ela, enquanto faziam parte das instituições da
igreja, estas mulheres modificaram suas fontes iconográficas, especialmente a Mulher do
Apocalipse (Apocalipse 12) e Mater Ecclesia, a personificação da igreja como uma mulher,
para produzir imagens fortes de teofania feminina ou de manifestação divina. O décimosegundo século foi, contudo, um período ambivalente para as mulheres, na medida em que o
culto crescente à Virgem Maria reforçava, frequentemente, o sexismo da cultura
contemporânea, pois uma vez que todas as outras mulheres contrastavam desfavoravelmente
com Maria, glorificá-la não elevava o status das mulheres. Partícipes do ressurgimento de
interesses criativos, científicos e intelectuais que caracterizou um renascimento alemão do
décimo-segundo século, em uma região com uma proporção relativamente alta de mulheres
34
Comunidade em Nagoldtal, próxima à cidade de Calw (Baden-Württemberg). Das Hand Lexikon.
Frankfurt/M – Berlin: Verlag Ullstein GmbH, 1964, p. 377.
35
BEUTIN, Wolfgang et alii. História da literatura alemã. Vol. 1. Lisboa: APáginastantas & Cosmos, 1993,
p.33.
36
STOREY, Ann. A Theophany of the Feminine: Hildegard of Bingen, Elisabeth of Schönau, and Herrad of
Landsberg. Woman’s Art. Journal.Vol. 19, No.1 (Spring – Summer, 1998), p.16-20.Published by: Woman’s
Art. Inc. Stable URL: http://www.jstor.org/stable/1358649. Acesso em 30/01/2013, 06:59.
18
poderosas em conventos e na nobreza, estas mulheres, todas membros da baixa nobreza,
foram capazes de contribuir de uma forma sem precedentes para a vida cultural da Baixa
Idade Média.
Ainda, de acordo com STOREY (1998, p.19), a “Alemanha” encontrava-se em um
período de transição entre o Império Otoniano e o Sacro Império Romano37. Pode-se inferir
que este movimento transicional afete todas as estruturas da sociedade, de forma irregular e
intermitente, ou seja, as instituições, estamentos, núcleos geográficos específicos, etc. sofrem
mudanças ao longo do tempo (em decorrência de alterações políticas significativas), porém
não uniformemente. A instituição eclesiástica, em sua forma monacal, sofrerá mudanças,
porém não de forma única e padronizada. Um levantamento das práticas, posicionamentos
doutrinais e filosóficos de todos os mosteiros femininos de origem germanófona durante os
séculos X e XI poderia, talvez, delinear a ligação possível (ou não) entre a alteração de poder
político e a prática religiosa.
Rosamond McKitterick (apud STOREY, 1998, Notas, p.19) analisa a presença das
mulheres na igreja otoniana38, e acredita que a grande quantidade de imagens femininas, a
maioria das quais salienta o aprendizado e a piedade, indica um marco positivo para as
mulheres dentro da aristocracia e conventos, bem como é uma evidência clara do papel das
mulheres dentro da igreja otoniana. Além disso, a família real estabelecera novas fundações
religiosas para mulheres durante este período.
MEWS39 (1998, p. 89-110), ao escrever sobre o contexto escolástico em que viveu
Hildegard, salienta algumas perspectivas da prática religiosa do século XII. Conforme
assevera, em Paris e por todos os lugares, monges encontravam-se incapazes de interromper
as escolas que permitiam jovens clérigos brilhantes crescerem em proeminência através de
habilidade em debates. Havia pouca oportunidade nas escolas parisienses, contudo, para
37
“Germany at this time was in political transition between the Ottonian Empire and the Holy Roman Empire –
so called after 1254. For an analysis of the striking quantity of women represented in Ottonian manuscripts
compared to those from the Carolingian period (its immediate predecessor), see Rosamund McKitterick,
“Women in the Ottonian Church: An Iconographic Perspective,” in: W.J.Shiels and Diana Wood, eds. Women
in the Church. Oxford: Basil Blackwell, 1990, p.79-100.
“A Alemanha, nesta época, estava em transição política entre o Império Otoniano e o Sacro Império Romano –
assim chamado após 1254. Para uma análise da abundante quantidade de mulheres representadas nos
manuscritos otonianos em comparação com aquelas do período carolíngio (seu antecessor imediato)”, cf.
Rosamund McKitterick, “Women in the Ottonian Church: An Iconographic Perspective,” in: W.J. Shiels and
Diana Wood, eds. Women in the Church. Oxford: Basil Blackwell, 1990, p.79-100.
38
McKITTERICK, Rosamond. “Women in the Ottonian Church: An Iconographic Perspective”, in: W.J.Shiels
and Diana Wood, eds. Women in the Church. Oxford: Basil Blackwell, 1990, p.79-100. (apud STOREY, 1998,
p.19)
39
MEWS, Constant J. Hildegard and the Schools. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and
Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: The Warburg Institute, 1998, p. 89-110.
19
mulheres competirem com esses jovens homens articulados. A situação era um pouco
diferente na região renana. Uma magistra não poderia adquirir a mesma autoridade formal
como os professores das escolas das catedrais, porém, ela poderia atrair uma reputação por
revelação espiritual. Hildegard tornou-se uma das mais proeminentes dessas professoras
mulheres, rivalizando em prestígio com os grandes mestres das escolas de Paris, contudo, não
se pode excluir Hildegard do mundo escolástico em que viveu, mesmo se a sociedade não a
permitira assumir a mesma posição na Catedral de Mainz, que seu irmão Hugh tinha ocupado.
Deve-se ter em mente que aqueles40 que viveram próximos a Hildegard e a
Mechthild, em especial seus superiores religiosos e/ou secretários, salientaram sua obediência
ao chamamento divino em colocar por escrito aquilo que viam e/ou ouviam e reconheciam
suas aptidões extraordinárias. Em Scivias41, visando corroborar seu chamado, Hildegard faz
com que seja registrada tal ordenança:
So tu auch du, o Mensch! Sage, was du siehst und hörst, und schreibe es,
nicht wie es dir noch irgendeinem andern Menschen gefällt, sondern
schreibe es nach dem Willen dessen, der alles weiβ, alles sieht, alles ordnet
in den verborgenen Tiefen seiner geheimen Ratschlüsse.
Portanto, ó ser humano, fale destas coisas que você vê e ouve. E as escreva,
não para você mesma ou para agradar a qualquer outro ser humano, mas
escreva segundo a vontade Daquele que tudo sabe, tudo vê e tudo dispõe
segundo as ocultas profundezas de Seus secretos desígnios.
40
Para citar um exemplo, temos trecho de carta enviada a Hildegard por volta de 1160-61, pelo Reitor da
Catedral de São Pedro, em Trier, para solicitar-lhe, por escrito, o sermão pregado em uma visita recente
(aparentemente, em sua famosa segunda viagem de pregação de 1160):
“…For we know that the Holy Spirit dwells within you, and that He makes known to you many things unknown
to the rest of mankind”. … “Now, because God is with you and because His words sound from your mouth, we
beseech you as earnestly as we can, beloved mother, to send in writing through the present messenger those
things which you revealed to us on that occasion”.
“… Pois sabemos que o Espírito Santo reside em você, e que Ele faz conhecidas a você muitas coisas
desconhecidas para o resto da humanidade”. ... “Agora, porque Deus está com você e porque Suas palavras
soam de sua boca, nós suplicamos com todo o nosso fervor, amada mãe, que nos envie por escrito através do
presente mensageiro aquelas coisas as quais você nos revelou naquela ocasião”.
BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol. III. Translated by Joseph L. Baird e Radd K.
Ehrman. New York: Oxford University Press, 2004, p. 18.
41
BINGEN, Hildegard von. Wisse die Wege – Scivias. Salzburg, Otto Müller Verlag, 1954, p.89.
20
No caso de Mechthild, a ajuda para que suas visões fossem registradas adveio de seu
superior, Heinrich von Halle42: “Um outro dominicano, Heinrich von Halle, foi o seu conselheiro
espiritual por muitos anos e a ajudou a editar (e, sem dúvida, circular) versões incompletas de seu
livro”.
Para esta dissertação, nosso corpus documental consiste de um quadro tipológico,
com a especificação das fontes diretas, intencionais e de caráter cultural (verbal, escrita,
narrativa)43. Segue, abaixo, a descrição das mesmas.
42
Informações obtidas no sítio: http://www.bookrags.com/tandf/mechthild-von-magdeburg-tf/, acesso em
14/4/2011.
“Another Dominican, Heinrich von Halle, was her spiritual adviser for many years and helped her edit (and, no
doubt, circulate) incomplete versions of her book”.
43
ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica – Teoria e Método. Bauru: Edusc, 2006, p. 493.
21
I.1 Hildegard von Bingen
Duas obras de Hildegard foram selecionadas para este trabalho. A primeira delas é
Scivias (1141-1151).
O nome Scivias advém da expressão Scito vias Domini, Conheçais os Caminhos do
Senhor. Barbara J. Newman, em sua introdução à tradução, à página 35, esclarece sobre a
origem do livro:
The earliest manuscript to survive until modern times was prepared around
1165 in the Rupertsberg scriptorium and illuminated with thirty-five
remarkable miniatures.
O manuscrito mais antigo a sobreviver até os tempos modernos foi
preparado em torno do ano 1165 no scriptorium de Rupertsberg e
iluminado com trinta e cinco miniaturas notáveis.
Ela argumenta, ainda (p. 23), que o livro pode ser analisado sob vários ângulos 44,
possuindo características pertinentes a diversos tipos de literatura religiosa, quais sejam,
proclamação profética, visão alegórica, estudo exegético e suma teológica. Funcionaria,
também, como uma obra multimídia, uma vez que as imagens das miniaturas respaldam
visualmente a mensagem escrita e vice-versa. O recurso audiovisual, presente nas
manifestações artísticas em geral, contribui significantemente para a recepção e memorização
de qualquer mensagem, em especial a de cunho religioso, vide as peças teatrais de cunho
moralizante-religioso do final da Idade Média em solo germanófono:
Quer se trate de uma compilação de vidas de santos a qual, à laia de
calendário, acompanha o ano religioso e constitui a leitura do fim do dia,
quer se trate do drama religioso, o qual retirado do estreito contexto
litúrgico, é representado em linguagem popular, na praça da catedral, em
espectáculos de múltiplas cenas e com a duração de dias, sob a forma de
mistérios da Paixão ou do Juízo Final, em qualquer dos casos, trata-se
44
“The Scivias, then, can be approached from many angles: It is a prophetic proclamation, a book of allegorical
visions, an exegetical study, a theological summa. Finally, it may be considered as a multimedia work in which
the arts of illumination, music and drama contribute their several beauties to enhance the text and heighten the
visionary message.” [cf. Heinrich Schipperges, “Das Schöne in der Welt Hildegards von Bingen”, Jahrbuch für
Ästhetik und allgemeine Kunstwissenschaft 4 (1958/1959):83-139)]
22
sempre de formas literárias que procuram atingir diretamente a esfera
vivencial do cristão no seu dia a dia e emprestar ao que de feliz ou infeliz
lhe sucede um sentido alegórico-cristão imediatamente reconhecível. A
poesia cristã do fins da Idade Média possui um carácter moralista prático.45
NEWMAN, anteriormente em um artigo de 198546, declarara a impossibilidade de se
dissociar sua atividade profética de sua experiência visionária, pois, segundo ela, se rótulos
são de alguma valia, seria mais seguro caracterizar Hildegard como profetiza, ao invés de
mística, sendo, contudo, impossível compreender sua atividade profética a parte de sua
experiência visionária, porque suas visões proveem ambas, a fonte e a autoridade, para seus
ensinamentos. Distinguem-se, também, três benefícios importantes e inter-relacionados, os
quais o seu dom visionário conferia: uma experiência direta com Deus, uma fonte de verdade
não mediada e uma forma de validação pública.
Scivias encontra-se dividido em três partes, ou livros. O primeiro livro é composto
de seis visões e trata do relacionamento do Criador com a sua criação. O segundo livro,
composto de sete visões, abrange o tema redenção e o terceiro livro, contendo treze visões,
aborda as virtudes e a estória da salvação.
As visões onze a treze desse terceiro livro, pertinentes ao tema escolhido, serão
analisadas e intitulam-se: Os Últimos Dias e a Queda do Anticristo, O Novo Céu e a Nova
Terra e a Sinfonia dos Bem-aventurados.
Cumpre observar que o primeiro livro que trata do relacionamento do Criador com a
sua criação ao ser dividido em seis partes traça um paralelo com a Criação, que segundo o
texto canônico, ocorreu em seis “dias” ou etapas. Aliás, o número seis remete ao “sexto dia”,
dia em que o homem foi criado, isto é, o ápice da criação divina, pois após esta etapa a
Divindade interrompe parcial e momentaneamente o processo criador, o qual será retomado
quando da criação de “novos céus e nova terra”. Por outro lado, temos que o segundo livro,
que trata da redenção, ao ter sido dividido em sete partes remete à completude da obra
redentora de Cristo, pois o número sete, em termos de interpretação bíblica, trata da perfeição
e da própria Divindade, a qual é completa, inteira, perfeita, não necessitando de acréscimos. A
própria tripartite divisão de Scivias remete à Trindade, ao corpo, alma e espírito do homem,
45
BEUTIN, Wolfgang et alii. História da literatura alemã. Vol. 1. Lisboa: APáginastantas & Cosmos, 1993,
p.78.
46
NEWMAN, Barbara. Hildegard of Bingen: Visions and Validation. Church History, Vol.54. No.2 (Jun,
1985), p. 163-175. Published by: Cambridge University Press on behalf of the American Society of Church
History, stable URL: http://www.jstor.org/stable/3167233, acesso em 29/11/2012. 08:20
23
que necessita “conhecer os caminhos do Senhor” em toda a sua completude e ao caráter
atemporal e eterno (passado, presente e futuro) da pessoa do Cristo.
A peça musical composta por Hildegard, Ordo virtutum, integra parcialmente a
seção final da visão no terceiro livro, conforme atesta Sabina Flanagan47 (1998, p. 58), tendo
todo o terceiro livro um elenco de alguma forma teatral e incluindo, como seu final, uma
versão da peça musical de Hildegard, Ordo virtutum. Esta aproxima-se de uma história
completa da salvação, e nas visões undécima e décima-segunda, Hildegard apresenta sua bem
conhecida descrição do fim do mundo e do Julgamento Final precedidos pelas perseguições
do Anticristo. A décima-terceira visão, consistindo de várias canções de Hildegard e suas
observações acerca de música, pode ser entendida como uma representação da benção eterna
dos cidadãos do céu.
Em Wisse die Wege, em sua edição austríaca de 1954, tem-se, à página 410, uma
lista de dez manuscritos conhecidos do livro Scivias, a saber: Wiesbaden (Hessische
Landesbibliothek), Roma (Biblioteca Vaticana), Heidelberg (Universitätsbibliothek), Bruxelas
(Bibliothèque Royale), Wiesbaden (Nassauische Landesbibliothek – “Riesenkodex”),
Eberbach,
Kues
(Hospitalbibliothek),
Oxford
(Merton
College
Library),
Fulda
(Landesbibiliothek) e Trier (Stadtbibliothek).
DEROLEZ48 (1998, p. 17-27) lista em anexo ao seu artigo os manuscritos referentes
à obra visionária de Hildegard, analisa sucintamente alguns desses manuscritos, suas
diferenças e similitudes, e conclui que a maioria dos manuscritos data do tempo de Hildegard,
ou a partir das primeiras décadas após a sua morte. Esses códices foram produzidos ou em seu
próprio scriptorium (a maioria), ou em instituições com as quais ela ou seu convento tinham
relações amigáveis: Parc próximo a Louvain, Salem, Eberbach, SS.Eucharius e Matthias em
Trier. Quanto à sua proveniência, eles estão limitados geograficamente à região do Reno e a
Brabante. Ainda, segundo Derolez, parece óbvio que a própria Hildegard, com a ajuda de seus
amigos, promoveu sistematicamente a difusão de seus escritos.
EMMERSON49 (2002, p. 95-110) tece considerações relevantes em relação à figura
do Anticristo em Scivias, mencionando a atenção que se deve prestar na leitura descritiva da
47
FLANAGAN, 1998, p. 58.
DEROLEZ, Albert. The Manuscript Transmission of Hildegard of Bingen’s Writings: The State of the
Problem. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and
Peter Dronke. London: Warburg Institute, 1998, p.17-27.
49
EMMERSON, Richard K. The Representation of Antichrist in Hildegard of Bingen´s Scivias: Image, Word,
Commentary, and Visionary Experience. In: Gesta, Vol. 41, No. 2 (2002), p. 95-110. The University of Chicago
Press on behalf of the International Center of Medieval Art. http://www.jstor.org/stable/4126576, acesso em
28/12/2012.
48
24
visão e nos seus respectivos comentários esclarecedores advindos a partir de uma voz vinda
do céu. Ressalta, ainda, a diferença entre a figura ausente de Enoc e Elias na miniatura de
Rupertsberg (perdida durante a Segunda Guerra Mundial, em 1945, em Dresden) em oposição
à do Códice Salem (Universidade de Heidelberg), produzida posteriormente (cerca de 1200).
Acrescenta, ainda, a informação de que supostamente Hildegard tenha supervisionado a
confecção das miniaturas de Rupertsberg, sob a direção de Volmar50.
Figura 1 – Die Seherin (A visionária)
50
De acordo com a bibliografia citada por EMMERSON (2002) às páginas 107 e 108, tal assertiva encontra-se
em: CAVINESS, Madeline. Artist: To See, Hear, and Know All at Once. In Voice of the Living Light:
Hildegard of Bingenand her world. Ed. B. Newman (Berkeley, 1998), p. 115.
“Recently Madeline Caviness has made a persuasive case for Hildegard being the ultimate source and designer
of the miniatures, suggesting that during her visions she sketched designs on wax tablets…. As I will argue
below when discussing the manuscript´s frontispiece (fol 1; Fig. 8), designs on wax tablets were most likely the
means by which she first recorded her visionary experience”. (EMMERSON, 2002, p. 95)
“Recentemente Madeline Caviness persuasivamente argumentou ser Hildegard a fonte última e designer das
miniaturas, sugerindo que durante suas visões ela rascunhava desenhos em tábuas de cera... Como
argumentarei abaixo, quando da discussão do frontispício do manuscrito (fol. 1, Fig. 8), desenhos em tábuas de
cera foram, provavelmente, o meio em que ela primeiramente registrou sua experiência visionária”.
(EMMERSON, 2002, p.95)
25
Com base na iluminura acima, que integra o Códice de Rupertsberg [reproduzida em
Wisse die Wege, sob o título “Die Seherin – Vorrede” (A visionária - Prefácio)],
EMMERSON (2002, p. 106) considera a figura inclinada de Volmar como de uma pessoa que
está prestando atenção ao que os lábios de Hildegard parece pronunciar. Ao mesmo tempo,
ela registra em tábuas de cera sua visão, enquanto que o livro nos braços de Volmar se
encontra fechado. A revelação espiritual de Hildegard está presente em línguas de fogo
advindas diretamente do céu, as quais não atingem a Volmar51. Segundo ele, rigorosamente
falando, o frontispício não apresenta Volmar fazendo anotações, uma vez que ele segura um
livro fechado e não segura uma pena ou uma folha de pergaminho 52 porém a miniatura sugere
fortemente comunicação verbal, pois Volmar inclina-se à frente como para ouvir as palavras
pronunciadas.
Com base nessas observações e em sua posição na miniatura, podemos inferir que
Hildegard assumiria o papel de meio de transmissão da mensagem enviada pela Divindade,
sendo Volmar o receptor, que atentamente a recebe.
Além disso, a presença do elemento sobrenatural (línguas de fogo), a partir do qual
advém a revelação, assemelha-se, na literatura apocalíptica, ao ente sobrenatural
intermediador da mensagem.
DOYLE53 (p. 143), em um artigo de 2007, adiciona que Hildegard pode, sim, ter
influenciado diretamente a confecção das ilustrações e que Hildegard deve ser lida com uma
abertura para ambas as possibilidades: a de que sua influência sobre as ilustrações foi remota
e a de que, em alguns casos, possa ter sido direta. Para o autor, ambas as leituras
inevitavelmente envolvem algum grau de especulação.
Heinrich Schipperges ainda em sua introdução a coletânea de trechos da obra de
Hildegard sob o tema “Gottschauen”54, “Ver a Deus”, ressalta aspectos transcendentes quando
de seu falecimento.
Im Lichte Gottes starb Hildegard am 17.September 1179 in ihrem Kloster
auf dem Rupertsberg bei Bingen. Der Chronist berichtet in der ‘Vita’ von
einer wunderbaren Lichterscheinung, die sich in Kreuzesform über dem
51
EMMERSON, 2002, p.106.
N.A.: Observação feita por A.Derolez, ‘Deux notes concernant Hildegarde de Bingen,’ Scriptorium 27
(1973), 292, apud EMMERSON, 2002, p.106.
53
DOYLE, Dennis. Vision Two of Hildegard of Bingen’s Book of Divine Works: A Medieval Map for a Cosmic
Journey. Pacifica – Australasian Theological Studies. Volume 20, Issue 2, June 2007, p. 142-161.
www.pacifica.org.au/volumes/volume20/pacificaissue.../pdf. Acesso em 15/1/2013.
54
BINGEN, Hildegard von.Gott schauen.Düsseldorf: Patmos, 2001, p.12,13 [N.A. notas foram omitidas]
52
26
Sterbegemach gezeigt habe, und er glaubt, daβ Gott mit dieser Erscheinung
habe zeigen wollen, ‘mit welcher Lichtfülle Er Seine Geliebte im
Himmelreich verherrlicht hat’.
Aus der Fülle dieses Lichtes allein sind nun auch Hildegards Werke zu
verstehen.(Einführung, S. 12,13)
Sob a Luz de Deus Hildegard morreu em 17 de setembro de 1179, em seu
convento de Ruperstberg, próximo a Bingen. O cronista relatou em sua
‘Vita’ acerca de um maravilhoso sinal luminoso, em forma de cruz, que
apareceu sobre o aposento de morte de Hildegard, e ele acredita que Deus,
com esta aparição, desejou mostrar que, ‘Ele, com tal luminosidade,
glorificou a sua amada no reino dos céus’.
Somente sob a totalidade desta Luz podem ser compreendidas as obras de
Hildegard. (Introdução, p. 12,13)
A segunda obra selecionada é o Liber Divinorum Operum (Il libro delle opere
divine) (1163-1173).
Il libro encontra-se dividido em três partes. A primeira é composta de quatro visões;
a segunda parte, de apenas uma grande visão; a terceira parte, de cinco visões.
Os seguintes capítulos da quinta visão da terceira parte foram analisados por terem
afinidade com a temática escatológica: cap. XV (p. 1055 e 1294-1295); cap. XVII (p.1065;
1067; 1297); cap. XXI (p.1077; 1298) e cap. XXVIII (p. 1091; 1093; e 1300).
Marta Cristiani, responsável pela introdução da edição italiana, menciona o caráter
mandatório e visualmente vinculado dos escritos de Hildegard, isto é, sua obra é fruto, antes
de qualquer coisa, daquilo que a Divindade lhe faz saber através de visões55.
Matthew Fox56 (1987, p. xiii), em sua introdução à edição americana do Liber
Divinorum Operum, acrescenta que a obra visionária de Hildegard não é, de forma alguma,
trivial, insignificante, ou essencialmente moralista. Para ele, aquela é cósmica, intelectual,
55
“Quel che non vedo, non lo conosco”, quod autem non video, illud nescio, scrive Ildegarda a Ghiberto di
Gembloux in una delle sue lettere più famose, che ha per oggetto la sua esperienza profetico-visionaria,
[Epist.CIIIr, ed.cit.,p.262] affermando quello che le Vitae non perdono occasione di rilevare, che ogni sua
conoscenza deriva dall’ispirazione divina, dall’insegnamento trasmesso nella visione”. Introduzione, p.XXVI.
“Aquilo que não vejo, não o conheço”, quod autem non video, illud nescio, escreve Hildegard a Guibert de
Gembloux em uma de suas cartas mais famosas, que tem por assunto a sua experiência profético-visionária,
[Epist.CIIIr, ed. cit., p. 262] afirmando aquilo que a Vitae não perde a ocasião de salientar, de que cada
conhecimento seu advém da inspiração divina, do ensinamento transmitido na visão”.(Introdução, p. XXVI.)
56
BINGEN, Hildegard of. Book of Divine Works with Letters and Songs. Edited by Matthew Fox. Santa Fe,
New Mexico: Bear&Company, 1987. (Introduction, p.xiii.)
27
científica, artística ou estética, sendo que as figuras que acompanham o texto, descritas em
detalhe por Hildegard, não foram, porém, executadas por ela. Segundo ele, as mesmas foram
pintadas vinte e um anos após sua morte.
Bruce Hozeski57 (1994, p. xiv), em sua introdução à tradução de Liber Vitae
Meritorum, comenta sobre o importante manuscrito intitulado Códice 1942. Conforme o
autor, o Liber Divinorum Operum Simplicis Hominis, a terceira coleção das visões de
Hildegard, é encontrada em um importante manuscrito de iluminuras, o Códice 1942, da
Biblioteca Estatal em Lucca. Esta coleção contém muitos dos mesmos pensamentos
dogmáticos e ascéticos presentes em Scivias, porém estão organizados diferentemente, sendo
divididos em pequenas seções, cada uma começando com um sumário breve de seu conteúdo.
Para ele, a ideia fundamental de todo o livro é a unidade da criação.
Liber Divinorum Operum,em sua forma final, contou com a ajuda de Guibert de
Gembloux, um monge belga, que se aproximou de Hildegard a partir do conhecimento de
suas visões e se tornou seu secretário58.
Ronald Miller, tradutor das cartas da edição americana do Liber Divinorum
Operum59 (1987, p. 347-348), comenta a aproximação de Guibert a Hildegard, ao introduzir a
famosa carta resposta de Hildegard às insistentes perguntas de Guibert acerca de suas visões.
O autor menciona que esta primeira carta foi enviada a Hildegard em Rupertsberg no verão de
1175, e que por não receber qualquer resposta, Guibert escreve uma segunda vez, no final do
mesmo verão, e dá sua carta para um cavaleiro que estava a caminho de Rupertsberg. Desta
vez, Hildegard, que está agora com 77 anos de idade, responde-lhe.
FLANAGAN60 (1998, p. 135-136) acrescenta que o Liber Divinorum Operum
pode ser visto como um triunfo da síntese das crenças teológicas de Hildegard e que se deve
também lembrar que o trabalho na visão foi interrompido por enfermidade, viagens de
pregação, pela composição de peças menores, tais como a Vita Sancti Disibodi (Vida de São
Disibodo), e, finalmente, pela morte de Volmar, o monge de Disibodenberg que tinha sido o
57
BINGEN, Hildegard of. The Book of the Rewards of Life. Translated by Bruce W. Hozeski. New York,
Oxford: Oxford University Press, 1994, p. xiv.
58
“Before completing the Book of Divine Works the abbess lost her secretary, Volmar, who died in 1173. He
was replaced first by Gottfried of St. Disibod, who began to compose her vita, and then by the extraordinary
Guibert of Gembloux, a Belgian monk”. [Albert Derolez, ed., Guibert Gemblacensis Epistolae I, CCCM66
(Turnhout, 1988): 216-57.] – Scivias, Introdução, p. 16 e 24.
“Antes de completar o Livro das Obras Divinas, a abadessa perdeu seu secretário, Volmar, que morreu em 1173.
Ele foi substituído primeiramente por Gottfried de St. Disibod, que começou a compor sua vita, e então pelo
extraordinário Guibert de Gembloux, um monge belga”.
59
BINGEN, Hildegard of. Book of Divine Works with Letters and Songs. Edited by Matthew Fox. Santa Fe,
New Mexico: Bear & Company, 1987, p.347-348.
60
Cf. FLANAGAN, 1998, p.135-136 e nota à página 213.
28
fiel auxiliar de Hildegard desde quando ela começara a escrever Scivias. Segundo a autora, a
despeito disto, o Liber divinorum operum pode ser visto como um triunfo de síntese, no
qual Hildegard reúne suas crenças teológicas, sua compreensão fisiológica, suas especulações
acerca do funcionamento da mente humana e da estrutura do universo, em uma totalidade
unificada. Esta obra pode também ser caracterizada como aquela mais perfeitamente
articulada, em sua forma e estrutura. Todas as características estruturais servem para enfatizar
a fonte divina de seus escritos, como ocorreu em Scivias e Liber vitae meritorum. Enquanto
os marcadores proféticos estão muito mais em evidência, existe pouco ou nenhum escrito
apologético direto. Flanagan assevera que Hildegard não apresenta a si mesma nesta obra
como duvidosa de suas capacidades, pelo menos as suas capacidades intelectuais.
Peter Dronke, em seu artigo de 199861, enfatiza a importância da obra de Hans
Liebeschütz, intitulada Das allegorische Weltbild der heiligen Hildegard von Bingen (A
alegórica imagem de mundo de santa Hildegard de Bingen), Leipzig-Berlin, 1930, reimpressa
pela Wissenschaftliche Buchgesellschaft, Darmstadt, em 1964, e sua análise da importância do
papel da alegoria na obra de Hildegard. Segundo ele, os escritos de Hildegard, de acordo com
Liebeschütz, mostraram uma confluência de duas tradições diferentes: a dos homens santos
não letrados, a quem Deus torna sábios com uma sabedoria que não é própria deles – uma
tradição que Hildegard terá conhecido especialmente através das Vitae dos primeiros monges
e dos Pais do Deserto – e a da alegoria como uma técnica apreendida, tal como prevalecia no
mundo educado em latim de seus dias. Juntas, essas tradições resultaram em Lehrvisionen –
visões instrutivas – nas quais Deus ensina através de imagens que seu vaso escolhido recebe,
bem como através da explanação das imagens que ele lhe concede.
Embora muitas fontes imaginativas e intelectuais possam ter alimentado suas visões,
ainda, de acordo com Dronke62 (1998, p. 9), Hildegard resolutamente recusa citá-las em sua
trilogia visionária. Para ele, esta recusa é inseparável de seu senso de ser profeticamente
inspirada. Em seus escritos não proféticos, contudo, as alusões de Hildegard a autores que não
os da Bíblia são raras e tentadoramente vagas.
61
DRONKE, Peter. The Allegorical World-Picture of Hildegard of Bingen: Revaluations and New Problems. In:
Hildegard of Bingen – The Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke.
London: Warburg Institute, 1998, p.1-16.
62
DRONKE, 1998, p. 9.
29
Angela Carlevaris (1998, p. 65-80), em seu artigo intitulado Ildegarda e la
Patristica, ratifica esta opinião, enfatizando o caráter definitivo de suas profecias e visões, as
quais não poderiam sofrer quaisquer acréscimos63.
Negli scritti di Ildegarda non mancano dunque gli elogi alle opere e
all’attività dei Padri, mentre i loro nomi non ricorrono che raramente, o
meglio quase mai, e delle loro opere non viene menzionato alcun titolo. (...)
I motivi per i quali Ildegarda rifiutava in maneira assoluta di dipenderne,
erano in relazione stretta con la sua missione.
(...)
Di fronte alle verità che Ildegarda enuncia per ispirazione ed in nome di Dio
non pùo aggiungere nulla di quanto al riguardo possa esser stato detto da
altri: la parola di Dio non ha bisogno de essere autenticata o confermata da
nessuno. Viene invece commentata e citata la parola di Dio nella Scrittura:
numerose le citazioni ala lettera, anche numerosissimi i casi in cui solo un
lettore atento scopre le allusioni scritturali o le citazioni di una o due
parole, prese spesso da differenti testi scritturali e usate spesso in un
contesto diverso. (p. 70 - 71)
Nos escritos de Hildegard não faltam, portanto, os elogios às obras e
atividades dos Padres, enquanto seus nomes não são usados ainda que
raramente, ou melhor, quase nunca, e de suas obras não veem mencionados
qualquer título. (...) Os motivos pelos quais Hildegard recusava de maneira
absoluta esta dependência estavam relacionados estreitamente com a sua
missão.
(...)
Frente à verdade que Hildegard enuncia pela inspiração e em nome de
Deus, nada pode ser acrescentado, quanto ao que possa ter sido dito por
outros: a palavra de Deus não necessita de ser autenticada ou confirmada
por ninguém. Vem, ao invés disso, comentada e citada pela palavra de Deus
na Escritura: numerosas as citações literais, ainda numerosíssimos os casos
nos quais somente um leitor atento descobre as alusões escriturais ou as
citações de uma ou duas palavras, capturados constantemente de diferentes
textos escriturais e usados frequentemente em um contexto diverso (p.70 71)
63
CARLEVARIS, Angela. Ildegarda e la Patristica. In: Hildegard of Bingen – The Context of her Thought
and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: Warburg Institute, 1998, p.65-80.
30
A partir das considerações acima, vislumbramos um pouco mais acerca da obra
visionária de Hildegard, que é o cerne do conjunto de sua obra64, e salientamos ainda uma
diferença básica entre Scivias e LDO (Liber Divinorum Operum) no que concerne à
temática escatológica, pois, de acordo com Barbara Newman, em sua introdução à edição em
língua inglesa do livro Scivias, a sequência sombria de males que devem acontecer antes do
julgamento, presente em Scivias, não se mostra dessa forma no Liber Divinorum Operum65.
Segundo ela, a visão de Hildegard do tempo do fim, como apresentada em Scivias III, 11-12,
acarreta uma sucessão sombria de males que devem acontecer antes do julgamento. Como
elaborado no Liber divinorum operum, contudo, seu cenário para os últimos tempos nem
representa uma melhora gradual, nem uma deterioração progressiva nas condições do mundo.
Pelo contrário, a história é agora vista como “uma etapa após a outra”: épocas de justiça e
injustiça, cada uma com suas próprias deformações ou reformas, alternar-se-iam até a vinda
do Anticristo.
Eduard Gronau (1999, p. 131) corrobora nossa observação de que o posicionamento
de Hildegard quanto à autoridade histórica per se é um e somente um, ou seja, a divindade e
sua revelação através dos escritos canônicos66.
“Die hl. Hildegard sieht die Geschichte in der Perspektive der göttlichen
Offenbarung und ist gewiβ, daβ der Mensch nur unter dieser Perspektive
seinen eigenen Ort in der Geschichte wahrhaft erkennen und ihm gerecht
werden kann.” (p. 131)
“St. Hildegard vê a História na perspectiva da Revelação divina e está
convencida de que o ser humano, somente sob esta perspectiva, pode
verdadeiramente reconhecer seu próprio lugar na História e justificá-lo”.
(p. 131)
Suas palavras finais enviadas a Guibert de Gembloux, em carta de 1171, salientam
sua veemência em asseverar o que realmente importa, que este lugar na Providência Divina e
na História não se perca67.
64
“Im Mittelpunkt der ‘Opera Hildegardis’ steht zunächst einmal die visionäre Trilogie”. In: Gott Schauen, p.
13.
“No centro da obra de Hildegard permanece em primeiro lugar a trilogia visionária”.
65
Scivias, Introdução, p.21.
66
GRONAU, Eduard. Hildegard von Bingen – 1098-1179 – prophetische Lehrerin der Kirche an der
Schwelle und am Ende der Neuzeit. 3. Aufl. Stein am Rhein: Chistiana-Verlag, 1999, p. 131.
31
I.2 Mechthild von Magdeburg
A única obra produzida por Mechthild intitula-se The flowing light of the Godhead
[Das flieβende Licht der Gottheit], e os capítulos selecionados, a princípio, foram: Livro IV,
capítulo 27; Livro VI, capítulo 15; Livro VII, capítulo 57, pois fazem referências à temática
escatológica.
Este livro68 pode ser descrito como confessional, visionário, revelatório, místico,
poético e devocional. Foi escrito (entre os anos de 1250 e 1265 69), segundo o que nele consta,
por ordem divina para testemunho dos favores divinos concedidos à autora, sendo difícil
arbitrar uma classificação estrita, conforme as considerações tecidas por Frank Tobin
(inclusas em suas notas de rodapé à edição em língua inglesa70). Ainda segundo Tobin, a
primeira descrição direta de Mechthild, de algo que ela afirma ter experimentado em uma
visão (em oposição a êxtase), não ocorre até o Livro II, capítulo 3. Portanto, a categorização
de seu livro permanece um problema. Ele afirma que, dentre os estudos devotados a isto, o de
Wolfgang Mohr é o que tem sido melhor recebido.71 Simplificando a lista de Mohr, pode-se
observar as seguintes formas principais na LF:
GÊNEROS RELIGIOSOS
GÊNEROS DE CORTE
OUTROS GÊNEROS
Visão72
Poesia de amor cortês
Autobiografia
Hino
Diálogo alegórico
Drama
Sermão
Diálogo entre os amantes
Poesia epigramática e
literatura sapiencial
67
BINGEN, 1997, p. 40.
“Alle, die du in dem Briefe an mich gennant hast, möge der Heilige Geist so lenken, daβ sie in das Buch des
Lebens eingezeichnet werden!”
“Todos aqueles que você mencionou a mim na carta, possa o Espírito Santo guiar de tal forma que eles sejam
inscritos no Livro da Vida”.
68
Informações obtidas no sítio: http://www.bookrags.com/tandf/mechthild-von-magdeburg-tf/, acesso em
14/4/2011.
69
HEER, Friedrich. The medieval world, Europe – 1100-1350. New York: New American Library, 1961. p.
371.
70
MECHTHILD OF MAGDEBURG. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de Frank
Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p.9-10 (Introduction).
71
Wolfgang Mohr, ‘Darbietungsformen der Mystik bei Mechthild von Magdeburg’, Märchen, Mythos,
Dichtung: Festschrift zum 90. Geburtstag Friedrich von der Leyens, ed. Hugo Kuhn and Kurt Schier
(Munich: Beck, 1963), 375-99, apud MAGDEBURG, 1998, p.9-10.
72
Conforme observação de Tobin, parece legítimo considerar a visão, como ocorre na LC, mais como uma
forma derivada da tradição do que relacionada a uma experiência pura, porque, primeiramente, as visões de
Mechthild têm sido cuidadosamente pensadas e elaboradas e, segundo, ela se inclina em direção às tradições de
visão advindas, dentre outras fontes, do Livro de Daniel, Paulo e do Livro do Apocalipse, como assinalado em
suas notas.
32
Instrução espiritual e tratado
Cantigas de mensageiros
Anedota
(Botenlied)
Oração
Cantigas de troca (Wechsel)
Epistolário
Liturgia
Paródia
Litania
Canções de ninar/infantis73
Literatura Profética
Polêmicas
Mechthild descreve suas visões, bem como suas experiências místicas. Ela profetiza,
exorta, critica e ensina, usando uma pletora de formas de expressão literárias e não literárias,
variando de modos corteses altamente líricos concomitantemente a exposições didáticas de
verdades ascéticas e morais.
O mais importante, contudo, é que o livro de Mechthild deve ser visto como único
em sua concepção, sem antecessores ou sucessores discerníveis, e de difícil categorização,
conforme declara Frank Tobin, em sua Introdução à obra: “The FL [Flowing Light] has often
been described as a unique document with no obvious antecedents or descendants whose
singularity defeats all attempts to categorize it” (p. 9).
Além do mais, WEHR assegura seu lugar especial dentro da literatura medieval em
língua alemã, no que concerne à mística cristã74. Conforme o autor,
Ihr Buch Das flieβende Licht der Gottheit ist das erste groβe in deutscher
Sprache verfaβte Werk der christlichen Mystik. Das niederdeutsche Original
ist zwar verschollen, aber Heinrich von Nördlingen (gest. nach 1379) hat es
ins Oberdeutsche übertragen. Daneben existiert eine freie Übersetzung ins
Lateinische. (WEHR, 2006, p. 126-127)
Seu livro, A luz fluente da divindade, é a primeira grande obra escrita em
língua alemã da mística cristã. O original em baixo-alemão desapareceu,
porém Heinrich von Nördlingen (morto após 1379), traduziu-o para altoalemão. Além disso, existiu uma tradução livre para o latim. (WEHR, 2006,
p. 126-127)
Devido ao livro original escrito em médio-baixo-alemão ter sido perdido, estudiosos
73
74
http://www.britannica.com/EBchecked/topic/422709/nursery-rhyme, acesso em 4/10/2012.
WEHR, Gerard. Die deutsche Mystik. Köln: Anaconda Verlag GMbH, 2006, p.126-127.
33
questionaram a importância de Heinrich von Halle, confessor de Mechthild e seu conselheiro
espiritual, na confecção da obra. Recentemente, porém, conforme afirma Frank Tobin (1998,
p.6) em sua introdução a tradução por ele efetuada, evidências demonstram que Heinrich von
Halle se limitou a dividir o texto em capítulos75. Tobin declara que, em geral, prevalece o
entendimento de que Heinrich deixou o texto de Mechthild falar por si mesmo. Por
conseguinte, ele acrescenta: “E Neumann pensa que existe uma boa razão para acreditar que
a própria Mechthild participou do processo de edição”.
Quanto ao lugar social e geográfico da redação do livro, temos que provavelmente
foi escrito em Magdeburg, em uma comunidade de beguinas, sob a supervisão do dominicano
Heinrich von Halle. Seu sétimo livro, contudo, foi escrito em Helfta, em um convento
cisterciense76, embora Tobin afirme que foi na comunidade cisterciense de Helfta, contudo,
que Mechthild passou seus últimos anos, tendo lá escrito o último e sétimo livro da LF. Sob a
direção de sua segunda abadessa, Gertrud de Hackeborn (1250-91), Helfta tornou-se
conhecida por sua piedade e ensino. Para lá Mechthild retirou-se aproximadamente em 1270.
Conforme Frank Tobin (1998, p. 7), os Livros de I a VI foram traduzidos para o
latim (Lux divinitatis) provavelmente por dois ou mais dominicanos de Halle logo após a
morte de Mechthild, mas, de qualquer forma, antes de 1298. Os tradutores desconheciam,
aparentemente, o Livro VII, composto em Helfta. O Lux divinitatis pode ser encontrado no
Revelationes Gertrudianae AC Mechtildianae. 1875-77, Ed. Solesmes Monks (Louis
Paquelin). 2 vols. Poitiers and Paris: Oudin, 1875, 1877. Vol. 2: Sororis Mechtildis Lux
divinitati. 423-643.77
Em relação aos aspectos intertextuais sincrônicos e diacrônicos, temos que, em uma
primeira aproximação ao texto, se pode constatar, através da leitura de bibliografia
concernente, a existência de controvérsias quanto a uma possível influência do pensamento e
obra de Joaquim de Fiore no tocante ao texto de Mechthild78. De MAYO (1999, p. 88) afirma
75
MAGDEBURG, 1998, p.7 (Introduction).
“In general, however, there is now prevailing agreement that Heinrich let Mechthild´s text speak for itself. And
Neumann thinks there is good reason to believe that Mechthild herself participated in the editing process”.
76
MAGDEBURG, 1998, p.5 (Introduction).
77
N.A.: A edição disponível até 1990 possui a seguinte referência: Offenbarungen der Schwester Mechthild von
Magdeburg oder Das flieβende Licht der Gottheit. Aus der einzigen Handschrift des Stiftes Einsiedeln. Ed. Gall
Morel.Regensburg, 1869. Reprinted, Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1963, 1976, 1980. A
edição utilizada nesta pesquisa, traduzida por Frank Tobin, deve muito à obra de Neumann, cuja referência é a
seguinte: NI e NII: Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Eindsiedler Handschrift in kritischen Vergleich
mit der gesamten Überlieferung.Ed. Hans Neumann. München: Artemis; Vol. 1 (1990): Text. Vol. 2(1993):
Untersuchungen.
78
De MAYO, Thomas Benjamin. Mechthild of Magdeburg´s mystical eschatology. Journal of Medieval
History, Vol. 25, No.2, 1999, p. 88.
34
que, contrariamente àquilo que muitos estudiosos tem asseverado, o trabalho de Mechthild
falha em exibir quaisquer sinais distintos de influência joaquimita. Uma obra joaquimita
exibirá, segundo ele, falando de forma genérica, uma ou ambas das seguintes características:
ou um padrão trino em seu tratamento da história, ou a expectativa de um tempo de paz e
iluminação espiritual entre a morte do Anticristo e o Juízo Final.
No aspecto diacrônico, tem-se que o conhecimento de textos canônicos perpassa a
escrita dos poemas, como também a formulação de assertivas, conselhos e descrição
visionária. Embora não empiricamente aceitável, pode-se conjecturar que, mesmo quando não
dito, o texto bíblico79 faz-se latente, tanto nas linhas de um verso, como nas mentes daqueles
que, à época de Mechthild, tiveram acesso à Luz Fluente da Divindade.
Atualmente, a leitura de sua obra requer um esforço e também um resgate das
possíveis influências, levando-se em conta, porém, que o caráter lúdico e poético de um texto
não se limita ao tempo e nem às possíveis “leituras”, historiográficas ou não, que se possam
fazer dele.
No que diz respeito ao público receptor, pode-se inferir, a princípio, que o alcance de
sua obra se restringiu ao domínio monacal, religioso, restrito à região norte da atual
Alemanha. Não obstante, uma cópia em médio-baixo-alemão chegou às mãos de Heinrich von
Nördlingen80, conselheiro espiritual de vários conventos situados próximos a Basel, o qual
efetuou uma cópia em médio-alto-alemão, que chegou aos nossos dias, a partir da descoberta
do manuscrito “E”, em 1861, na biblioteca do mosteiro beneditino de Einsiedeln, Suíça. De
acordo com John Howard (1984, p. 153-185), em 1344 ou 1345, o livro de Mechthild foi
traduzido para o alamânico por Heinrich de Nördlingen em Basel. Não exatamente um
místico ele próprio, Heinrich fez muito para incentivar a causa do misticismo, particularmente
por encorajar outros a escrever e por manter uma correspondência ativa com muitos místicos
contemporâneos, entre eles Johannes Tauler, Margareta Ebner and Christina Ebner. Ainda
segundo Howard, a partir de sua correspondência, é evidente que Heinrich fez sua tradução
diretamente do original em baixo alemão e que sua tradução circulou amplamente no sul da
Alemanha. Então, na segunda metade do mesmo século, outro Heinrich (de Rumerschein)
enviou uma cópia da tradução de Heinrich de Nördlingen para Margareta von Golden Ring no
79
“Toda linguagem em parte é uma herança. Mas na Idade Média essa herança é particularmente pesada: o
Livro contém todo o saber, incluindo a linguagem, a linguagem em primeiro lugar. A Bíblia é o arsenal do
vocabulário e dos modelos mentais”. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. 2ª ed. Rio de Janeiro, São
Paulo: Record, 2001, p. 130.
80
HOWARD, John. The German Mystic Mechthild of Magdeburg. In: Medieval women writers. Edited by
Katharina M. Wilson. Athens, Georgia: University of Georgia Press, 1984. p. 153-185.
p. 157 [N.A. notas foram omitidas]
35
convento de Einsiedeln. Após diversas realocações, a versão encontrou seu caminho de volta
a biblioteca monástica em Einsiedeln, onde permanece até este dia.
Em seu artigo, John Howard (1984, p. 157) tece ainda considerações sobre os
manuscritos sobreviventes, dentre os quais se destaca em primeiro lugar o de Einsiedeln.81
Resumidamente, os manuscritos sobreviventes da Luz Fluente da Divindade são:
1. Einsiedeln, Stiftsbibliotek 277, folhas 1 – 166 – este é a versão alemã mais antiga,
datando do décimo-quarto século; foi primeiramente descoberto em 1861 por Carl Greith
e publicado por Gall Morel em 1869.
2. Würzburg, Minoritenkloster Nr. I 110, folhas 40a-62b – em alemão, datando do décimoquinto século.
3. Wolhusen (próximo a Lucerna) – esta versão, datada de 1517, é uma tentativa de
retraduzir o texto em latim para o alemão e assim não possui valor ecdótico.
4. Basel I, Pergaminho B IX 11, folhas 51- 91 – versão latina, datando do décimo-quarto
século.
5. Basel II, Paper A VIII 6, folhas 99 e seq. – em latim, também datando do décimo-quarto
século82.
Nos últimos quinze anos, aliás, títulos em língua alemã têm surgido, num claro
movimento de redescoberta e releitura da obra de Mechthild a partir dos estudos de Gerhard
Wehr, que publicou, em 2010, uma edição comentada; outro exemplo é Margot Schmidt, que
publicou, em 1995, uma nova tradução revisada, com introdução e comentários; e,ainda,
Gisela Vollmann, responsável pela revisão e comentários à edição de brochura citada na
bibliografia.
Quanto à enunciação, transmissão e repercussões da fonte, apesar do caráter
especulativo no que concerne a constatar, datar e mapear a transmissão de uma obra literária
medieval, as possíveis conjecturas no que concerne a sua provável influência em obras
posteriores, conforme WEHR (2006, p. 136) declara, são acompanhadas de controvérsias.
Verbreitung und Wirkung der Zeugnisse mittelalterlicher Frauenmystik
können wohl kaum hoch genug eingeschätzt werden. Und wenn eine‚“Donna
Matelda” bei Dante (Purg. 28, 40 ff.) und bei Boccaccio (Dekam. 7,1)
vorkommt, so hat man schon früher an die Mechthild von Magdeburg bzw.
81
82
HOWARD, 1984. p. 157 e nota à página 162 [N.A. notas foram omitidas, exceto a última.]
N. “O livro 7 está faltando em ambos os documentos latinos”.
36
an die von Hakkeborn gedacht, was eine Ausstrahlung deutscher
Frauenmystik bis nach Italien voraussetzen würde.
A divulgação e importância dos testemunhos das místicas medievais não me
parece possa ser suficientemente calculado. E, quando apareceu uma
“Donna Matelda” em Dante (Purgatório, 28, 40 ff) e em Boccaccio
(Decamerão 7, 1), pensou-se, logo, em Mechthild von Magdeburg e em
Mechthild von Hakkeborn, o que pressuporia uma difusão das místicas
alemãs até a Itália.
Podemos citar dentre essas controvérsias83, aquela que o próprio tradutor da Divina
Comédia, Cristiano Martins, no trecho referente ao citado por WEHR, oportunamente
esclarece.
Por conseguinte, entre suas companheiras de vida religiosa, em Helfta, sua influência
pode ser atestada, pois, de acordo com Frank Tobin (1998, p. 5)84, a obra de Mechthild foi
fonte de inspiração para aquelas, ainda após a sua morte. Tobin declara que estas mesmas
freiras a estimavam e buscavam seu conselho em assuntos espirituais (VII21), sendo que duas
delas produziram textos místicos que mostram claramente a influência de LF. O primeiro
texto, O Livro da Graça Especial (Liber specialis gratiae), escrito por duas freiras após 1291,
contém as revelações de Mechthild de Hackeborn (+1298 ou 1299), irmã da previamente
mencionada abadessa. No segundo livro, conhecido como O Arauto da Divina Piedade
(Legatus divinae pietatis), Gertrud de Helfta, ‘a Grande’ (+1301 ou 1302), escreveu um
relato de sua vida interior. Tobin afirma ainda que, por estarem estes textos em latim, eles
usufruíram de uma leitura mais abrangente do que o LF e continuaram a exercer influência
por longo tempo após a obra vernácula de Mechthild ter desaparecido.
Não se pode deixar de lembrar as palavras de André Vauchez 85 (1995, p. 155), no
que tange à importância do papel do confessor/guia espiritual na divulgação inicial dos
escritos das mulheres religiosas:
83
Porém, uma opinião divergente encontra-se no comentário referente ao verso supracitado, (Purgatório, Canto
XXVIII, verso 40).
“40. Uma jovem que o passo, além, movia: Matelda, que, entretanto, só é nomeada muito adiante, no Canto
XXXIII, verso 119. Segundo a maioria dos comentadores, a condessa Matelda de Canossa, que se distinguiu pela
sua fé religiosa e por relevantes serviços prestados à Igreja, na guerra e na paz”. (ALIGHIERI, Dante. A Divina
Comédia.7ª edição. Tradução, Introdução e Notas de Cristiano Martins. Belo Horizonte e Rio de Janeiro: Villa
Rica Editoras Reunidas Ltda, 2º vol, /s.d/,p. 248-249).
84
MAGDEBURG, 1998, p.5.
85
VAUCHEZ, André. A espiritualidade na Idade Média Ocidental - séculos VIII a XIII. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Editor, 1995, p. 155.
37
As mulheres empenhadas nesse tipo de experiências espirituais certamente
não teriam deixado uma grande lembrança se elas as tivessem guardado
para si ou se elas se tivessem contentado em exortar-se mutuamente.
Felizmente, houve então um certo número de clérigos – confessores ou
diretores espirituais – que ficaram tão impressionados que decidiram
escrever e divulgar o que viram e ouviram.
Em concordância com MENESES86 (1998, p. 71), que afirma que o rumo básico da
leitura histórica é iluminar a sociedade e que a crítica genética, quando possível, ou quaisquer
outros procedimentos, de qualquer natureza, são utilizados para esclarecer a produção,
circulação e apropriação do texto-documento, podemos inferir algumas das influências
sofridas por Mechthild na composição de sua obra, como por exemplo, a linguagem de amor
cortês, como forma de expressão de sentimentos, a metáfora e a analogia ao texto bíblico,
pressupondo o conhecimento prévio por parte de sua audiência, de acordo com as
considerações apresentadas por PESSOA (2004, p. 135)87.
A capacidade de se expressar através dessa linguagem denota uma ascendência
relativamente nobre, pois os estamentos mais pobres da sociedade medieval não tinham
acesso à escrita e/ou leitura.
O conhecimento do texto canônico demonstra um conhecimento por via direta ou
indireta dos textos em latim, como também um relacionamento de proximidade junto aos
clérigos ou instituições monásticas, conforme VAUCHEZ (1995, p. 153):
Aos olhos de muitos clérigos, o estado de beguino, fundado sobre um
compromisso temporário e revogável, não constituía uma verdadeira forma
de vida religiosa, apesar dos laços estreitos que uniam as beguinas aos seus
confessores ou diretores espirituais cistercienses, dominicanos ou
franciscanos. Assim, seu status canônico e a autenticidade de seu
engajamento permaneceram duvidosos ao longo de todo o século XIII.
Não obstante as críticas ou restrições possíveis à vivência, por opção, em uma
86
“O rumo básico da leitura histórica é iluminar a sociedade. A crítica genética, quando possível, ou quaisquer
outros procedimentos, de qualquer natureza, são utilizados para esclarecer o documento apenas porque, nessa
medida, melhor permitem esclarecer aspectos da sociedade de que a produção, circulação e apropriação do
texto constituem ingredientes.” MENESES, Ulpiano T. Bezerra de. As marcas da leitura histórica: arte grega nos
textos antigos. In: Manuscrítica, São Paulo, n.7, p. 71, 1998.
87
PESSOA, Maria do Socorro. A análise retórica de acordo com Perelman. In: Linguagem em (Dis)curso –
LemD, Tubarão, v. 4, n.2, p.135-151, jan/jun.2004.
38
comunidade de beguinas, Mechthild ultrapassou algumas barreiras “naturais” à sociedade
contemporânea, fossem elas de cunho social, religioso ou até mesmo econômico, uma vez que
a produção de um texto demandava recursos específicos (suporte, tinta, etc.). Um aspecto
inovador deve ser salientado, o que marca ainda mais a singularidade de sua obra, conforme
VAUCHEZ (1995, p. 157):
Enfim, várias mulheres não hesitaram em elaborar textos espirituais em
médio-neerlandês88 ou em alemão, como a monja cisterciense Beatriz de
Nazaré, assim como as beguinas Hadewijch d’Anvers, que nos deixou
admiráveis Visões (por volta de 1240), e Mechtilde de Magdebourg (morta
em 1282/1294), autora da Luz transbordante da Deidade. Mas a novidade
não residia apenas na escolha da língua vernacular: estranhas ao mundo
das escolas e menos impregnadas de cultura bíblica do que os monges, essas
mulheres falaram de Deus por referência ao modelo literário profano do
amor cortês.
88
N.A. médio-holandês - língua falada na região dos Países Baixos durante a Idade Média, mais especificamente
entre aproximadamente 1150 e 1500.
39
II. LITERATURA APOCALÍPTICA OU APOCALIPSES
O florescimento da literatura dita “apocalíptica” no seio da tradição judaico-cristã
ocorreu no período compreendido entre os séculos II antes de Cristo e o ano 100 AD 89 e, em
geral, pode ser definida como um gênero de literatura de revelação, em forma de narrativa, na
qual uma revelação, mediada por um ente sobrenatural, é dada a um ser humano, desvelando
uma realidade transcendente. Esta realidade possui aspectos temporal e espacial, uma vez que
vislumbra uma salvação escatológica e envolve um mundo sobrenatural90.
No que diz respeito ao vocábulo “revelação”, John Collins91 (2010, p. 20-21) afirma
que a maioria das obras que aparecem nas discussões da literatura apocalíptica judaica não
foram designadas como apocalipses na Antiguidade. Não há atestação do uso do título grego
apokalypsis (revelação) como rótulo de um gênero no período antes do cristianismo. A
primeira obra introduzida como um apokalypsis é o Apocalipse de João, do Novo
Testamento, e mesmo assim não está claro se a palavra denota uma classe especial de
literatura ou se é utilizada, em sentido mais geral, como revelação. Ele acrescenta que
devemos nos aperceber de que a produção de apocalipses continuou ao longo de anos na era
cristã.
O próprio John Collins (2010, p. 22), em seu livro, relaciona os vários escritos que
podem ser denominados apocalipses92. Para ele, pode-se demonstrar a aplicabilidade dessa
definição a várias seções de 1 Enoque, Daniel, 4 Esdras, 2 Baruc, o Apocalipse de Abraão,
3 Baruc, 2 Enoque, Testamento de Levi 2-5, o fragmentário Apocalipse de Sofonias, e,
com alguma qualificação, a Jubileus e ao Testamento de Abraão (os quais também possuem
fortes afinidades com outros gêneros). Também aplica-se a um corpo bastante amplo da
literatura cristã e gnóstica e a algum material persa e greco-romano. Há de se distinguir,
também, o termo apocalipticismo (possivelmente relacionado a uma ideologia social) e
escatologia apocalíptica, conforme citação abaixo:
89
Cf. MICHAEL, Michael G. Some Notes on Defining “Apocalyptic”.
http://dlibrary.acu.edu.au/research/theology/michael.htm, acesso em 2/9/2013, 19:14.
90
“Apocalypse” is a genre of revelatory literature with a narrative framework, in which a revelation is mediated
by an otherworldly being to a human recipient, disclosing a transcendent reality which is both temporal, insofar
as it envisages eschatological salvation, and spatial insofar as it involves another, supernatural world..
COLLINS, John Joseph, Ed. Semeia 14 – Apocalypse: The Morphology of a Genre. Missoula, MT, USA:
Society of Biblical Literature, 1979, p. 10.
91
COLLINS, John Joseph. A Imaginação Apocalíptica: Uma introdução à literatura apocalíptica judaica.
São Paulo: Paulus, 2010, p.20-21.
92
COLLINS, 2010, p. 22.
40
As pesquisas acadêmicas mais recentes abandonaram o uso do termo
‘apocalíptica’ como um substantivo e fazem distinção entre apocalipse como
um gênero literário, apocalipticismo como uma ideologia social e
escatologia apocalíptica como um conjunto de ideias e motivos literários
que também podem ser encontrados em outros gêneros literários e contextos
sociais. (COLLINS, 2010, p.18)
Algumas características intrínsecas de um apocalipse são o descortinar de um mundo
espiritual, entes sobrenaturais, julgamento final, destruição dos ímpios e exortações, sendo as
visões e jornadas espirituais93 a estratégia através da qual a revelação se dá, sempre
intermediada por um ser sobrenatural, sem o qual a mensagem tornar-se-ia incompreensível.
Michael G. Michael, em um artigo de 199994, elucida um pouco mais acerca do
caminho percorrido pelos estudiosos no que diz respeito ao tema “apocalipse” e ainda
acrescenta aspectos que considera de importância no que tange ao livro do Apocalipse de
João, o qual além de possuir três formas literárias em seu escopo (ou seja, deve ser analisado
como um apocalipse que apresenta aspectos de profecia e também, igualmente, pode ser
enquadrado como sendo uma epístola), também pertence paradigmaticamente à definição do
primeiro parágrafo, como adendo de ter sido escrito para uma comunidade em tempos de crise
e tendo por função consolar e/ou exortar através da manifestação da autoridade divina. Ele
esclarece que a definição tradicional, embora geralmente aceita como um bom paradigma de
trabalho do gênero apocalíptico, tem recebido suas críticas. David Hellholm, por exemplo,
aceita a definição de Collins como uma ‘definição paradigmaticamente estabelecida’, porém é
de opinião que a mesma não apresenta qualquer ‘declaração de função’. Isto é porque, assim
Hellholm argumenta, a definição opera em nível de abstração relativamente alto e por isso
traz à mente de alguém a questão: por que os apocalipses foram escritos? Para Michael, o
Livro do Apocalipse pertence a um gênero de literatura de revelação, intencionada a um
grupo em crise. Para Michael, sua ênfase é que a moldura narrativa do Apocalipse
93
“..., devemos assinalar que as visões e jornadas celestiais também não são distintivas. O gênero não é
constituído por um ou mais temas distintivos, mas por uma combinação distintiva de elementos, todos os quais
se encontram também em outros locais”. COLLINS, 2010, p. 32.
94
MICHAEL, Michael G. The Genre of the Apocalypse: What are they saying now? Bulletin of Biblical
Studies, 18, July-December 1999, 115-126. Research Online: http://ro.uow.edu.au/infopapers/675, acesso em
5/10/13, 1:24. p. 123-124.
41
compreende três formas de literatura: apocalipse, profecia e epístola, conforme os escritos de
G.R. Beasley-Murray e Richard Bauckham95.
Dobroruka96 (2005, p. 342-343) observa a ausência de atos simbólicos (a utilização
de um recurso audiovisual para transmissão de uma mensagem, francamente utilizado pelos
profetas do Antigo Testamento, conforme exemplos em Ezequiel 12:3-797, e também,
Jeremias 19: 1-3 e 9-1298), por parte dos apocalípticos, bem como a manutenção da identidade
quando da experiência visionária ou de êxtase.
Nickelsburg99 traça sucintamente o percurso dos estudos referentes ao gênero
apocalíptico ou apocalipses no século passado, destacando a influência dos estudiosos
britânicos e alemães, suas correntes de interpretação e os respectivos possíveis
desdobramentos. Deve-se destacar a posição antagônica de interpretação do gênero como
95
G. R. Beasley-Murray, Revelation, Grand Rapids: Wm B Eerdmans Publishing Co., 1974, apud MICHAEL,
1999, p. 120. Richard Bauckham, The Theology of the Book of Revelation, apud MICHAEL, 1999, p. 126.
96
DOBRORUKA, Vicente. Aspects of late second temple jewish apocalyptic: a cross-cultural comparison.
DPhil thesis.Theology Faculty, University of Oxford. Oxford, May 2005, p. 342-343.
“Even if the authors were not real ecstatic who, in fact, went through the experiences described and the visions
were just a stylistic commonplace, a very different picture would emerge from divination and ecstasies as
described in the Old Testament, as seen. The apparent absence of ‘symbolic acts’ in the apocalypticists, while so
often found among the prophets, is striking: the apocalyptic visionaries, whether their experiences are authentic
or not, seem to live in a much more lonely world, in which publicly performed acts which may have a social or
political impact are apparently irrelevant. It is arguable that, were the device of pseudonymity a mere stylistic
topos, the imitation of Old Testament prophetic or scribal figure would be much more mimetic. … It is striking
that the proportion of awakened visions, as opposed to those which occur during sleep or in dreams, is
overwhelming;”[N.A. As notas do autor foram omitidas].
97
Bíblia de Jerusalém. Nova edição, revista e ampliada. São Paulo: Paulus, 8ª impressão, 2012. p. 1494.
“Pois bem, tu, filho do homem, arruma a tua bagagem de exilado e em pleno dia, sob os seus olhares, parte
para o exílio, parte, sob os seus olhares, de um lugar para outro. Talvez, desse modo percebam que são uma
casa de rebeldes. Arrumarás a tua bagagem como a bagagem de um exilado, em pleno dia, sob os seus olhares,
e ao anoitecer sairás, sob os seus olhares como os que saem para o exílio. Ainda, sob os seus olhares, abrirás
um buraco no muro e sairás por ele. Sob os seus olhares, porás a tua carga sobre os ombros e sairás quando já
estiver escuro, cobrindo o rosto para não veres a terra, porque te ponho como presságio para a casa de Israel.
Agi de acordo com a ordem que recebi. Tirei para fora a bagagem, como a bagagem de um exilado, em pleno
dia, e ao anoitecer furei o muro com a mão. Em seguida, saí no escuro, pondo sobre os ombros a carga, sob os
seus olhares”.
98
Ibid. p. 1399-1400.
“Assim disse Iahweh a Jeremias: Vai e compra uma bilha de oleiro. Toma contigo anciãos do povo e anciãos
dos sacerdotes. Sai em direção do vale de Ben-Enom, que está à entrada da porta dos Cacos. Lá proclamarás as
palavras que eu te disser. E dirás: Escutai a palavra de Iahweh, reis de Judá e habitantes de Jerusalém. Assim
disse Iahweh dos Exércitos, Deus de Israel: Eis que trarei uma desgraça sobre este lugar, que fará zunir os
ouvidos de quem ouvir! (...) Farei que eles devorem a carne de seus filhos e a carne de suas filhas: eles se
devorarão mutuamente na angústia e na necessidade com que os oprimem os seus inimigos e aqueles que
atentam contra a sua vida. Tu quebrarás a bilha diante dos olhos dos homens que foram contigo e lhes dirás:
Assim disse Iahweh dos Exércitos: Eu quebrarei este povo e esta cidade como se quebra o vaso do oleiro, que
não pode ser mais consertado. Enterrarão em Tofet, por falta de lugar para enterrar. Assim farei a este lugar –
oráculo de Iahweh – e os seus habitantes, para tornar esta cidade como Tofet”.
99
NICKELSBURG, George W.E. The Study of Apocalypticism from H.H. Rowley to the Society of Biblical
Literature. http://www.sbl-site.org/assets/pdfs/Nickelsburg_Study.pdf, acesso em 6/9/2013, 17:53.
42
reflexo ou continuidade natural dos escritos proféticos100 judaicos a um posicionamento mais
contundente, para o qual o gênero literário surge de forma inequívoca e singular, trazendo
consigo características distintivas únicas.
Segundo McGINN (1979, p. 3), em seu texto introdutório, o apocalipticismo em sua
origem judaica é distinto de dois termos comuns relacionados em teologia bíblica e história
das religiões: escatologia e profecia. Apocalipticismo é uma espécie do gênero escatologia,
isto é, é um tipo particular de crença acerca das últimas coisas – o fim da história e o que
acontece além disto. Estudiosos das escrituras tem usado o termo escatologia apocalíptica
para distinguir os ensinamentos especiais dos apocalipticistas da escatologia dos profetas101.
Para ele, valioso enquanto distinção no âmbito dos estudos bíblicos, o quadro tornar-se-á
obviamente confuso na história cristã posterior, quando elementos de ambas as formas de
escatologia frequentemente serão misturados.
Collins, em seu capítulo introdutório no qual descreve as idas e vindas, entre os
estudiosos, de diferentes abordagens para a compreensão do tema, nos fornece nuances e/ou
vislumbres dessas características únicas, que arrolamos abaixo102 e que corroboram essas
marcas distintivas.
CARACTERÍSTICA
“... a tendência de assimilar a literatura apocalíptica ao mundo mais
Componentes
familiar dos profetas arrisca perder de vista os seus componentes
mitológicos e
mitológicos e cosmológicos mais estranhos”. (COLLINS, 2010, p.37)
cosmológicos
“... A tendência de muitas pesquisas históricas foi de especificar os
referentes da imagética apocalíptica da maneira menos ambígua
possível. ... Essa tendência deixa escapar os elementos de mistério e
Elementos de
indeterminação que constituem muito da ‘atmosfera’ da literatura
mistério
apocalíptica.
... Tem sido comum pressupor que os símbolos
apocalípticos são meros códigos cujo significado é coberto por
referentes únicos”. (COLLINS, 2010, p. 38)
“... Por outro lado, ao apontar para as raízes mitológicas de muito da
Símbolos
apocalípticos
Raízes mitológicas
100
McGinn esclarece em seu texto introdutório, Visions of the End. Apocalyptic Traditions in the Middle
Ages. New York: Columbia University Press, 1979, p. 3.
101
Segundo McGINN, op. cit., p.3, a Escatologia apocalíptica pode ser vista como equivalente ao termo
Apocalíptico, frequentemente usado e formado em imitação do alemão Apokalyptik.
102
COLLINS, 2010, p. 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45 e 72, 73.
43
imagética apocalíptica, Gunkel demonstrou seu caráter simbólico e
Caráter simbólico e
alusivo. ... A justaposição de visões e oráculos, que cobrem
alusivo
essencialmente o mesmo material, com imagens variáveis é uma
Justaposição de
característica de grande número de apocalipses e escritos relacionados
visões e oráculos
– Daniel, os Oráculos Sibilinos, as Similitudes de Enoque, 4 Esdras, 2
Baruc, o Apocalipse de João. Esse fenômeno não pode ser explicado
adequadamente através da postulação de múltiplas fontes, uma vez
que ainda teríamos que explicar por que fontes são consistentemente
combinadas dessa maneira. Na verdade, a repetição é uma convenção
literária (e oral) comum nos tempos antigos e modernos. ... O
reconhecimento de que tal repetição é uma característica intrínseca
Repetição
dos escritos apocalípticos fornece a chave para uma nova
compreensão do gênero. ... A literatura apocalíptica fornece um
Linguagem
exemplo bastante claro de linguagem que é expressiva, em vez de
expressiva
referencial, simbólica, em vez de factual”. (COLLINS, 2010, p. 39;
Linguagem
40)
“... Geralmente se admite a importância das alusões bíblicas na
simbólica
Alusões bíblicas
literatura apocalíptica. O uso de alusões mitológicas é bem mais
controvertido. ... No entanto, à vista da ambiguidade da palavra, tal
uso genérico de ‘mito’ é de pouca utilidade. A palavra é utilizada nos
estudos bíblicos para referir-se às histórias religiosas do mundo do
antigo Oriente Próximo e do mundo greco-romano. Quando falamos
Alusões mitológicas
de alusões mitológicas na literatura apocalíptica, nos referimos aos
motivos literários e padrões que derivam originalmente dessas
histórias. ... Enquanto Gunkel procurou seus paralelos mitológicos no
material babilônico então disponível, e os estudiosos subsequentes
postularam uma vasta influência persa, as pesquisas mais recentes têm
Mitos canaanitas-
se voltado aos mitos canaanitas-ugaríticos – especialmente no caso de
ugaríticos
Daniel”. (COLLINS, 2010, p. 41; 42)
“... Deve ficar claro também que uma alusão mitológica em um
Rico poder da
contexto apocalíptico não carrega o mesmo significado e referência
linguagem
que tinham no mito original. Se ‘um como um filho de homem’ que
vem entre as nuvens em Daniel 7 alude à figura canaanita de Baal,
44
isso não quer dizer que ele é identificado com Baal, ou que toda a
história de Baal está implicada. Isso meramente sugere que existe
alguma analogia entre essa figura e a concepção tradicional de Baal. ...
Alusões mitológicas, bem como alusões bíblicas, não são simples
cópias da fonte original. Em vez disso, elas transferem motivos
literários de um contexto para outro. Ao fazê-lo, constroem
associações e analogias e, assim, enriquecem o poder comunicativo da
linguagem”. (COLLINS, 2010, p. 43)
“... A busca por fontes frequentemente levou os pesquisadores a
entender o apocalipticismo como um fenômeno derivativo, o produto Fenômeno derivativo
de algo diferente dele próprio. ....Se ‘apocalíptica’ é cria da profecia,
ela é legítima; se for importação da Pérsia, não é autenticamente
bíblica. Essa lógica é patentemente defeituosa. As fontes a partir das
quais se desenvolvem ideias não determinam o valor inerente dessas
ideias. Muitas das ideias bíblicas centrais, de qualquer modo, foram
adaptadas da mitologia dos canaanitas e de outros povos do Oriente
Próximo. ... Também há uma analogia entre a literatura sapiencial e
Fontes para
alguns apocalipses no nível das questões subjacentes, na medida em
analogias
que ambos se preocupam frequentemente com a teodiceia e com o
Preocupação com a
problema da justiça divina”. (COLLINS, 2010, p. 44; 45)
teodiceia e com a
justiça divina
“... Com efeito, no entanto, as funções ilocucionárias de exortação e
Funcões
consolo podem ser mantidas de modo geral para os apocalipses
ilocucionárias de
judaicos. Duas qualificações devem ser lembradas. Primeiro, a
exortação e consolo
natureza das exortações pode variar.... Segundo, a função literária
deve ser vista como integralmente relacionada à forma e ao conteúdo
Natureza variante
naquilo que pode ser chamado de ‘técnica apocalíptica’. Qualquer que
das exortações
seja o problema subjacente, ele é percebido a partir de uma
perspectiva distintamente apocalíptica. Essa perspectiva é emoldurada
‘Técnica
espacialmente pelo mundo sobrenatural e temporalmente pelo
apocalíptica’
julgamento escatológico. O problema não é visto simplesmente em
termos dos fatores históricos disponíveis a qualquer observador. Em
Mundo
vez disso, ele é visto à luz de uma realidade transcendente desvelada
transcendente
45
pelo apocalipse. O mundo transcendente pode ser expresso através de
expresso através de
simbolismo mitológico ou geografia celestial ou ambos. ... A função
simbolismo
da literatura apocalíptica é moldar a percepção imaginativa da
mitológico/geografia
situação de alguém e, assim, colocar os fundamentos para qualquer
celestial
curso de ação ao qual ela exorte”. (COLLINS, 2010, p. 72; 73) [N.A.
As notas do autor foram omitidas].
Função de moldar a
percepção
imaginativa
Em relação aos primórdios do apocalipticismo cristão, McGinn (1979, p. 11)
esclarece que o cristianismo apresenta fortes vínculos com a herança judaica e que seu maior
representante, o Apocalipse de João, sofreu percalços em sua aceitabilidade por parte das
autoridades eclesiásticas ao longo dos primeiros séculos da cristandade103. Segundo ele, o
problema da unidade das tradições apocalípticas torna-se mais complexo quando se reflete
sobre a relação dos primórdios do apocalipticismo cristão com sua herança judaica. O
Cristianismo nasceu apocalíptico e tem permanecido assim, não no sentido de que as
esperanças apocalípticas exaurem o significado da fé cristã, mas porque elas nunca estiveram
ausentes da mesma.
Mc Ginn (1979, p. 12) assevera, ainda, que a testemunha mais proeminente da força
do apocalipticismo no Cristianismo judaico é a Revelação (ou Apocalipse) de João, um centro
de controvérsias no cristianismo primitivo. Largamente aceito no século segundo, seu uso por
autores suspeitos parece ter provocado uma reação negativa no terceiro século que continuou
no Oriente até cerca de 500 A.D. Para ele, não é difícil ver porque a Revelação deve ter
levantado tal debate, uma vez que o livro é rico em simbolismo assustador, contém
ensinamentos (tais como quiliasmo, a doutrina do reino de mil anos de Cristo e dos santos
sobre a terra após a Segunda Vinda, mas antes do Fim) que foram subsequentemente
condenados, e adota uma forte postura antirromana que deve ter sido crescentemente
embaraçosa para os cristãos dos séculos terceiro e quarto. Existe um desacordo considerável
acerca da autoria, composição e significação da obra.
103
McGINN, 1979, p. 11.
46
Patterson104 (2000, p. 385-403), por sua vez, argumenta para o gênero uma evolução
da imagética tradicional do relato do êxodo e peregrinação no deserto (devido ao seu contexto
geracional pós-exílio), nos quais estão presentes elementos cosmológicos (terremoto, coluna
de fogo, etc.). De acordo com ele, não existe a necessidade de posicionar a origem da
apocalíptica hebraica em uma literatura externa à sua tradição e igualmente, a presença em
profecia do Antigo Testamento de um imaginário que surgiu com grande intensidade e
universalidade na apocalíptica não necessita ser atribuída a qualquer completa incorporação
desse imaginário, retirado dos primeiros precursores cananitas. Patterson afirma que a vasta
diferença entre a cultura israelita e cananita, bem como o aspecto religioso, exclui qualquer
sugestão deste tipo. Por sua vez, não se deve dizer com isto que certas características não
foram ocasionalmente adaptadas pelos profetas hebraicos, de acordo com as restrições de
contexto nos quais eles ministravam. A persistência destas imagens sugere, fortemente, que
elas se tornaram um corpo de vocabulário estilizado que os profetas tinham à sua disposição
para expressar o julgamento e as atividades salvíficas de Deus.
Ademais, o autor salienta a contribuição primordial dos textos proféticos de caráter
escatológico, como alguns trechos específicos de Isaías e Ezequiel105. Estes textos
proeminentes frequentemente designados como apocalípticos incluiriam Isaías 24-27; 60-66;
Ezequiel 38-48; Sofonias 1:14-18; e Zacarias 14. Segundo Patterson (2000, p. 393),
características comuns a apocalipses posteriores podem ser encontradas em cada uma destas
passagens. Contudo, nenhuma delas poderia ser qualificada como apocalíptica em um sentido
mais estrito. Cada uma delas pode certamente ser considerada como um oráculo do reino com
um imaginário acentuado. É este imaginário que chama a atenção de Patterson, pois, para ele,
dentro destes textos pode-se também encontrar o imaginário associado tradicionalmente ao
evento do êxodo.
Jesús M. Asurmendi diferencia os termos escatologia e apocalíptica, em suas
primeiras linhas do capítulo intitulado “A Apocalíptica”106 e após algumas considerações de
cunho historiográfico, afirma:
104
PATTERSON, Richard D. Wonders in the heavens and on the earth: apocalyptic imagery in the Old
Testament. JETS 43/3. (September 2000) 385-403. http://www.etsjets.org/file/JETS-PDFs/43/43-3/43-3-pp385403_JETS.pdf, acesso em 2/9/2013, 19:14.
105
PATTERSON, 2000, p. 393.
106
LAMADRID, González, et al. J.M. Sánchez (ed.). História, narrativa, apocalíptica. Introdução ao Estudo
da Bíblia.Vol.3b. São Paulo: Ave-Maria, 2004.
“A escatologia (do grego eschaton, fim último) é um termo relativamente recente, que designa no âmbito da
teologia as realidades últimas da vida do homem, entendendo-se com elas a morte e a vida do além em suas
diferentes possibilidades. (...) Sem entrar na análise detalhada, pode-se dizer que se entende por escatologia ‘a
esperança em uma ação futura e definitiva de Deus em benefício de seu povo’. Os dois elementos, futuro e
47
... é impossível determinar um contexto único para todos os apocalipses.
Não se deve esquecer que, excetuados os próprios apocalipses, temos pouca
documentação sobre o marco social concreto em que nasceram e,
sobretudo, sobre os grupos que os produziram. Salvo no caso de Qumrã,
onde a documentação, comparada com a de outros grupos, é muito
abundante107.
O aspecto social preponderante no que concerne à gênese deste gênero literário seria
a perseguição (real ou imaginária)108. Segundo Asurmendi (2004, p. 450-451), o contexto
social, com perseguição ou sem ela, é de resistência, porém uma resistência passiva e a
finalidade social dos apocalipses não é preparar seus adeptos para enfrentamentos concretos,
em uma resistência ativa, militar ou não, mas educá-los e, sobretudo, informar sobre o final de
uma situação de sofrimento e opressão, real ou imaginária com o intuito de “consolar”, “dar
segurança e garantias”, fornecer a “chave do entendimento da história” que, à primeira vista,
parece absurda e sem sentido sob o ponto de vista da fé do fiel. Trata-se de fortalecer para
manter-se e resistir, não para lutar.
Para Bernardo McGinn (1997, p. 567), autor do capítulo referente ao livro canônico
do Apocalipse, o propósito seria o de consolo para os fiéis109. Segundo ele, embora a
identificação dos grupos e das situações em que a escatologia apocalíptica surgiu seja difícil
de determinar em casos específicos, há o consenso geral de que essa visão da história e do fim
foi produzida para propósitos de consolo e teodiceia, entre um povo subjugado que,
frequentemente, vivia sob um forte clima de perseguição. O autor afirma que se torna também
evidente, à medida que mais se investigam os primeiros apocalipses e sua influência posterior,
que “esse gênero não apenas introduziu uma nova concepção de história nas religiões
definitivo, são requeridos como componentes essenciais para que se possa falar de esperança escatológica. A
escatologia enraíza-se fundamentalmente nos livros proféticos e constitui um dos recursos essenciais de sua
pregação”. p. 445.
“Cronologicamente, a apocalíptica aparece depois da escatologia, embora não a substitua, nem a negue, e, de
fato, durante muito tempo coexistem. A escatologia transformou-se em um elemento constitutivo da fé de Israel.
A apocalíptica é um fenômeno secundário, embora tenha tido repercussões importantes inclusive no
cristianismo”. p. 446.
N.A.: Deve-se notar a diferença na terminologia empregada por Asurmendi (escatologia) para aquela empregada
por Collins (escatologia apocalíptica), quando da descrição de situações semelhantes, no âmbito dos estudos
teológicos e/ou literários.
107
LAMADRID, 2004, p. 449.
108
LAMADRID, 2004, p. 450-451.
109
ALTER, Robert & KERMODE, Frank (organizadores). Guia literário da Bíblia. São Paulo: Fundação
Editora da UNESP, 1997. p. 567.
48
ocidentais, como também foi capital para o desenvolvimento da tradição visionária da
literatura e misticismo ocidentais”. (grifo nosso)
Os textos teriam origem a partir dos escribas ou sábios, e o uso de pseudônimos
garantiria autoridade aos mesmos110. Collins (2010, p.69-70) assevera que a literatura
apocalíptica é um “fenômeno de escribas”, um produto da atividade erudita, em vez do
folclore popular. Os autores pseudônimos são frequentemente identificados como homens
sábios ou escribas – Enoque, Daniel, Esdras, Baruc. Além do mais, essa literatura era
esotérica, na medida em que foi produzida por uns poucos eruditos, mas não foi designada
para ser mantida necessariamente em segredo. Para o autor, uma questão mais difícil diz
respeito à autenticidade das experiências visionárias registradas nos apocalipses. Por um lado,
existem múltiplas semelhanças entre os relatos de visões e as experiências de xamãs e
visionários de outros locais (e.g., os visionários frequentemente jejuam ou fazem outros
preparativos para a recepção de visões). Por outro lado, o fenômeno da pseudonímia complica
a questão, uma vez que não ouvimos falar alhures em xamãs pseudônimos. Segundo ele, a
pseudonímia era bastante difundida na era helenística e confirma-se na profecia babilônica,
persa e egípcia, e em vários gêneros literários gregos e latinos. Assim, conquanto as razões
para a pseudonímia tenham variado caso a caso, o motivo mais fundamental parece estar
interligado com uma reivindicação de autoridade.
A interpretação destes apocalipses atravessa diversas dificuldades, uma vez que,
dado o caráter “oculto” de sua simbologia, várias matrizes de interpretação têm sido
utilizadas, o que tem gerado desconfiança ao longo dos séculos111. McGinn (1979, p.13)
acrescenta a esse respeito que o Apocalipse de João está tão intimamente ligado ao significado de
toda a tradição apocalíptica cristã, que qualquer simples caracterização é impossível. O livro é ao
mesmo tempo um resumo da literatura precedente, uma apropriação de um gênero em um novo nível e
o ponto de partida para muitos dos subsequentes comentários e expansões.
110
COLLINS, 2010, p. 69-70.
ALTER&KERMODE, 1997, p. 568.
“Obviamente, em um sentido, até mesmo a narrativa mais realista mescla mito e representação do fato
contemporâneo; mas a relação é especial nos apocalipses porque o propósito dos escritores não é fazer
desaparecer o velho no novo, mas conferir um maior significado à história, relacionando-a a padrões míticos
transcendentes. Juntamente com o simbolismo cosmogônico básico surgiu grande quantidade de outros
símbolos, espaciais e temporais, humanos e animais. Com frequência esses símbolos têm sido lidos como
códigos secretos de alguma mensagem oculta, mas essas interpretações redutivas, em geral, são excessivamente
simples. Ao estabelecer comunicação com a mina profunda do mito para dar significado à história, a literatura
apocalíptica introduziu ambiguidade e polivalência, que aumentam o fascínio ao mesmo tempo que agravam a
obscuridade, e que ajudam a explicar por que os teóricos modernos do simbolismo, tanto psicológico quanto
literário, têm mostrado tanto interesse pelo Livro do Apocalipse”.
111
49
McGinn (1997, p. 569-570) cita alguns expoentes que adentraram o terreno
especulativo de interpretação do Livro do Apocalipse, mais especificamente, Santo
Agostinho, Ticônio, Joaquim de Fiore112, Lutero, entre outros. Para o autor, Joaquim pode ter
sido o primeiro - embora, certamente, não o último - exegeta a alegar que o significado do
Apocalipse lhe fora divinamente revelado. Ele descreveu esse dom divino não como o
carisma da própria profecia, mas como um “dom do entendimento” (donum intellectus), a
habilidade de ver o que o texto realmente pretendia dizer. Ele acrescenta que a descoberta do
abade de uma nova interpretação, que permaneceu influente por séculos, poderia ter feito dele
o santo padroeiro dos críticos, caso tivesse sido canonizado, em vez de condenado.
Valerio113 (2010, p. 144) adiciona o seguinte comentário, quanto ao trecho canônico
específico, objeto de seu artigo:
En cuanto a la interpretación que se ha hecho en la historia del texto,
debemos decir que la Tradición de la Iglesia desde el inicio vio en este texto
la figura del cuerpo real de Cristo. La interpretación eclesiológica es la más
antigua y la más atestada desde el siglo III con san Hipólito de Roma, quien
fue el primero en abordar este tema. (VALERIO, 2010, p.144)
E quanto à interpretação que se tem feito na história do texto, devemos dizer
que a Tradição da Igreja desde o início viu neste texto a figura do corpo
real de Cristo. A interpretação eclesiológica é a mais antiga e a mais
atestada desde o século III com São Hipólito de Roma, que foi o primeiro a
abordar este tema. (VALERIO, 2010, p.144)
Outra questão inerente à interpretação desta literatura, mais especificamente, ao
Livro do Apocalipse, é a tendência de se tentar encontrar uma periodização dos
acontecimentos114. McGinn (1979, p. 15), ao tratar do apocalipticismo patrístico A.D. 100400, esclarece a origem desta corrente interpretativa:
112
ALTER & KERMODE, 1997, p.569-570.
VALERIO, Hanzel José Zúñiga. La esperanza del Nuevo pueblo de Dios en la persecución, una lectura
eclesiológica de Ap 12:1-6. Reflexiones Teológicas, núm. 5, (127-152) agosto de 2010. Bogotá, Colombia.
ISSN 2011-1991.
114
McGINN, 1979, p. 15.
“Classical apocalypticism had a twin offspring, it seems. On the one hand, we have visionary literature
increasingly centered on the fate of the individual soul; on the other, a variety of texts linked by more general
historical concerns, especially a view of the present as a moment of supreme crisis, and a fervent hope of an
imminent judgment that will vindicate the just. Texts of the latter sort frequently, though not invariably,
incorporate concern with the structure of history, usually in terms of a theory of world ages.
113
50
O Apocalipticismo clássico deu origem a gêmeos, pelo que parece. De um
lado, nós temos uma literatura visionária crescentemente centrada no
destino da alma individual; de outro, uma variedade de textos interligados
por preocupações históricas mais gerais, especialmente uma visão do
presente como um momento de crise suprema e uma esperança fervente de
um julgamento iminente que vingará o justo. Textos desta última categoria,
frequentemente, embora não invariavelmente, incorporam uma preocupação
com a estrutura da história, usualmente em termos de uma teoria das idades
do mundo.
O apocalipticismo do período medieval, que será nossa preocupação
principal, terá, assim, uma direta, mas apesar disso, ambígua relação com o
apocalipticismo judaico e cristão do período clássico.
Deve-se ressaltar, também, que o estabelecimento de uma cronologia se torna tarefa
árdua, em face dos diferentes calendários115 pelos quais a sociedade judaico-cristã ocidental
tem passado, como bem atestou Elio Jucci (2012, p. 147-148), em seu capítulo intitulado “Il
Tempo dell’Apocalisse”:
Incontriamo l’interesse a una periodizzazione della storia in periodi
caratterizzati secondo schemi ricorrenti già nella letteratura biblica: si
ricordi ad es. la suddivisione della storia dei patriarchi nella Genesi in due
serie di cinque periodi, alternativamente positivi e negativi. (...) Una
complicazione, nel nostro lavoro di analisi ci proviene dalla presenza di
calendari diversificati che si sono succeduti nella storia ebraica o che sono
entrati in concorrenza, lasciando tracce non sempre evidenti. In particolare
si ricorderanno i calendari solari di 360 e 364 giorni e i calendari lunari.
(...) Accanto a questi computi temporali si può arrivare, per analogia, al
tempo conclusivo con un altro genere di computo: quello dele anime dei
salvati, il cui numero è stabilito fin dalle origini.
Encontramos o interesse para uma periodização da história em períodos
caracterizados segundo esquemas recorrentes já na literatura bíblica:
The apocalypticism of the medieval period that will be our main concern will thus have a direct, but nonetheless
ambiguous relation to the Jewish and Christian apocalypticism of the classical period”.
115
BONVECCHIO, Claudio et al. L’OROLOGIO DELL’APOCALISSE – La fine del mondo e la filosofia.
Milano:AlboVersorio, 2012, p. 147-148.
51
recordem-se, por exemplo, da subdivisão da história dos patriarcas no
Gênesis em duas séries de cinco períodos, alternativamente positivos e
negativos. (...) Uma complicação, neste nosso trabalho de análise, provém
da presença de calendários diversificados que se sucederam na história
hebraica ou que entraram em concorrência, deixando traços nem sempre
evidentes. Em particular, recordamos os calendários solares de 360 e 364
dias e os calendários lunares. (...) Além destes cômputos temporais, pode-se
chegar, por analogia, ao tempo conclusivo com um outro gênero de
cômputo: aquele das almas dos salvos, cujo número foi estabelecido desde a
origem.
De forma sucinta, os aspectos preponderantes elencados neste capítulo devem ser
levados em conta quando da leitura de um texto apocalíptico ou que a ele se relacionam, seja
através de similitudes em conceitos e símbolos, seja pela força da retórica visionárioprofética.
Dito isto, afirmamos que, quando da análise dos textos de Hildegard e Mechthild, os
quais contêm elementos de cunho escatológico, isto é, dizem respeito às “realidades últimas
da vida do homem”, faz-se necessário adentrar toda esta discussão sobre o gênero apocalíptico
para melhor entendimento das figuras de linguagem utilizadas pelas autoras. Como perceber
de forma mais acurada a força imaginativa da descrição de um mundo transcendente, expresso
através de simbolismo mitológico e de uma geografia celestial específica, a preocupação com
a justiça divina e os símbolos apocalípticos, como, por exemplo, o dragão?
Deve-se considerar que a leitura, por parte das religiosas, do texto canônico, em
especial dos profetas anteriormente citados neste capítulo, possa ter influenciado o
desenvolver desses textos explicativos de suas visões.
52
III. HILDEGARD VON BINGEN E MECHTHILD VON MAGDEBURG –
EXEMPLOS DE MULHERES QUE ULTRAPASSARAM SEUS LIMITES
A primeira pergunta que surge, ao empreendermos uma análise comparada dessas
religiosas, seria: quais os limites ultrapassados? Com base em nossos estudos, pensamos que
o primeiro deles é o do anonimato e consequente reconhecimento positivo, o segundo, o da
escrita e leitura e o terceiro, porém, não o último, o do apoio por parte de seus confessores e
tutores homens. Além destes, não podem ser esquecidas as viagens de pregação empreendidas
por Hildegard. Vencidos esses limites, inerentes a maioria das mulheres medievais, Hildegard
e Mechthild fincam, a nosso ver com louvor, seus estandartes na estória religiosa feminina.
Começando por Hildegard, de acordo com Flanagan116 (1998, p. 1), as informações
biográficas da mesma foram primeiramente compiladas por Godfrey, seu secretário, em seu
livro Vita Sanctae Hildegardis, o qual permaneceu incompleto até que Theoderic, eclesiástico
oriundo do monastério de Echternach (diocese de Trier), escreveu o segundo e terceiro livros,
com os respectivos prefácios, alguns anos após a sua morte.
‘Quando Henrique, quarto com este nome, governou o Sacro Império
Romano, viveu na região interior da Gália uma virgem famosa por sua
nobreza de nascimento e sua santidade. Seu nome era Hildegard. Seus
pais, Hildebert e Mechthilde, embora abastados e envolvidos em assuntos
mundanos, não foram esquecidos dos benefícios do Criador e dedicaram
sua filha para o serviço de Deus. Quando ela era ainda uma criança,
parecia longe das preocupações com este mundo, distanciada por uma
precoce pureza’. (Vita, Livro I) – Assim é como Godfrey, um monge de
Disibodenberg que atuou como secretário de Hildegard e reitor para as
monjas em Rupertsberg, introduz o tópico no seu primeiro livro Vita
Sanctae Hildegardis (Vida de Santa Hildegard). Ao morrer em 1176, deixou
o trabalho incompleto e não foi senão uma década mais tarde, quando a
116
FLANAGAN, 1998, p.1
‘When Henry, fourth of that name, ruled the Holy Roman Empire, there lived in hither Gaul a virgin famed
equally for the nobility of her birth and her sanctity. Her name was Hildegard. Her parents, Hildebert and
Mechthilde, although wealthy and engaged in worldly affairs, were not unmindful of the gifts of the Creator
and dedicated their daughter to the service of God. For when she was yet a child she seemed far removed
from worldly concerns, distanced by a precocious purity’. (Vita, Bk 1) – This is how Godfrey, a monk from
Disibodenberg who acted as Hildegard’s secretary and provost to the nuns at Rupertsberg, introduces his
subject in the first book of his Vita Sanctae Hildegardis (Life of St. Hildegard). When he died in 1176 he left the
work unfinished and it was not until a decade later, when Hildegard herself had been dead for some years, that
Theodoric of Echternach, a famous monastery in the diocese of Trier, wrote the second and third books and
added the prefaces”.
53
própria Hildegard já tinha falecido há alguns anos, que Theodoric de
Echternach, um mosteiro famoso da diocese de Trier, escreveu o segundo e
terceiro livros e adicionou os prefácios.
Flanagan (1998, p. 1-2) acrescenta que a Vita apresenta também trechos seletos de
suas missivas117 e que ainda mais valiosa é a incorporação de Theodoric, no segundo e
terceiro livros, de longas passagens autobiográficas de uma obra, por conseguinte,
desconhecida de Hildegard.
Em relação a sua biografia, Newman118 (1998, p. 4) acrescenta que outras fontes
podem ser utilizadas, as quais contribuem significativamente para um conhecimento mais
apurado dos principais acontecimentos relativos à vida e obra da abadessa. Segundo a autora,
ao invés de assumir a narrativa a partir de onde Godfrey parou, Theoderic fez uma escolha
extraordinária: ele decidiu preencher o livro 2 da Vita com memórias que a própria Hildegard
tinha ditado para o seu biógrafo anterior, intercalando seus próprios admirados e, algumas
vezes, incompreensíveis comentários. Assim, a Vita permite comparar três perspectivas
diversas sobre a vida de Hildegard: a sua própria, a percepção de um monge que trabalhou
para ela e a imaginação de um admirador mais distante que, tendo somente conhecimento de
segunda mão, tentou adaptar a sua vida ao padrão estereotipado de santidade feminina em
voga em sua própria época. Newman adiciona que, felizmente, contudo, a Vita não é a única
fonte para a vida de Hildegard. Pode-se suplementá-la e, se necessário, corrigi-la com a
informação provida por outros fragmentos de sua vida, as cartas de Hildegard, os prefácios
autobiográficos de seus livros, uma série de estatutos e outros documentos pertencentes aos
seus mosteiros e (com grande precaução) um relato de milagres preparado para a sua
canonização.
Para um esclarecimento maior, recordemos o que já foi dito às páginas 15 e 16
acerca de suas origens e início de vida religiosa.
Engen119 (1998, p. 34-35) declara que o exemplo de Jutta de humildade e rigor
ascético pode ter contribuído para a função oracular desenvolvida por Hildegard nos anos
posteriores. O autor afirma que após a morte de Jutta, aos quarenta e quatro anos, Hildegard,
117
FLANAGAN, 1998, p. 1-2.
NEWMAN, Barbara. Hildegard’s Life and Times. In: Voice of the Living Light – Hildegard of Bingen and
Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press, 1998,
p. 4.
119
ENGEN, John Van. Abbess. “Mother and Teacher”. In: Voice of the Living Light – Hildegard of Bingen
and Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los Angeles, London: University of California Press,
1998, p. 34-35.
118
54
uma das três que receberam permissão para preparar seu corpo, viu a corrente que a mesma
usou secretamente e os três sulcos que foram cortados em seu corpo. Ainda adiciona que,
como uma religiosa jovem então, Hildegard observou em Jutta um paradigma para a função
oracular que ela mesma desempenharia por mais de trinta anos. Não obstante, a estatura de
Jutta floresceu a partir de seu autoimposto regime ascético, enquanto que a de Hildegard a
partir de sua experiência de visões divinas.
Sua capacidade organizacional poderia ter advindo de uma experiência prévia, sendo
tal hipótese aventada por Flanagan120 (1998, p. 3), segundo a qual, em vista do talento
posterior de Hildegard para a organização, não seria surpresa se ela não participasse de
alguma forma da administração do convento. De qualquer maneira, quando Jutta morreu em
1136, Hildegard tornou-se líder daquele por escolha unânime das irmãs, de acordo com
Guibert.
Mews121 (1998, p. 54-55), ao escrever sobre a formação do pensamento religioso de
Hildegard, declara ter sido Volmar aquele que mais pode tê-la influenciado, ao invés de Jutta,
cujo comportamento de extremo rigor ascético poderia ter causado sua morte precoce.
Conforme o autor, o biógrafo apresenta Jutta como alguém faminta por automortificação, cujo
ascetismo severo levou a um estado de fraqueza e possível morte em 1136, com a idade de
quarenta e quatro anos. Ele relata uma visão apreciada por sua “discípula íntima na carne”
(certamente a própria Hildegard) acerca da entrada de Jutta no céu. Mews acrescenta que o
biógrafo é, muito possivelmente, Volmar, uma das poucas pessoas em quem ambas, Jutta e
Hildegard, confiavam.
Deve-se prestar atenção, segundo Mews, que na declaração de abertura de Scivias,
em que descreve sua compreensão no ano de 1141 de que deveria anotar suas visões,
Hildegard nunca reconhece qualquer dívida para com Jutta. Enquanto ela retifica esta omissão
em textos autobiográficos posteriores, seu comentário de que ela estava sujeita a uma mulher
nobre, “incansável em vigílias, jejum e outras boas obras”, talvez possa revelar uma certa
reserva em relação à mulher em cuja sombra ela viveu quase metade de sua vida. O autor
assevera que, por contraste, Hildegard elogia Volmar extensamente na introdução de Scivias
como “um homem fiel, que trabalha tal como ela mesma, em uma outra parte da Obra que se
direciona a Deus”, notando-se o papel especial que Volmar exerceu em incentivá-la a ceder
120
FLANAGAN, 1998, p.3.
MEWS, Constant. Religious Thinker. “A Frail Human Being” on Fiery Life. In: Voice of the Living Light –
Hildegard of Bingen and Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los Angeles, London: University
of California Press, 1998, p. 54-55.
121
55
ao comando interior para “dizer e escrever o que você vê e ouve”. De repente, ela diz que
entendeu o significado verdadeiro das Escrituras. Em lembranças posteriores a este momento,
a mesma acrescentou que também alcançou o significado verdadeiro dos escritos dos santos e
de certos filósofos.
Ao comentar o desenvolvimento do pensamento de Hildegard quando da escrita de
seu segundo livro (Liber vitae meritorum - O livro das recompensas da vida), Mews (1998,
p. 65) cita a possível influência de Jutta, em um sentido, por assim dizer, “contrário” 122. Para
ele, o tema de tensão psicológica entre carne e espírito é um assunto tradicional da literatura
ascética. Menos convencional é o modo como Hildegard integra esta compreensão
psicológica (um tema importante do Livro das Recompensas da Vida) em sua percepção mais
abrangente de ambas as vocações da alma: a física e a espiritual. Assim, ela argumenta que a
alma possui dois poderes, os quais equilibram sua atividade: uma capacidade para se erguer
através dos sentidos em direção a Deus e outra para deleitar-se no corpo “porque é criado por
Deus” (I.4.19). O autor acrescenta que a ênfase de Hildegard, neste texto, é a interação entre
carne e alma, explorada de forma muito mais completa do que em Scivias, e sugere que
Hildegard percorreu um caminho longo a partir de um ascetismo rigoroso que Jutta
demonstrara, o qual, por fim, causou sua morte precoce.
Kerby-Fulton123 (1998, p. 70-90), por sua vez, vincula Hildegard ao “movimento”
teológico conhecido como “der deutsche Symbolismus” (o simbolismo alemão), o qual efetua
uma fusão simbólica de textos testamentários (novo e antigo testamentos) e a realidade
contemporânea do século doze.
Esta tendência em direção a uma fusão simbólica dos textos testamentários
com os tempos contemporâneos é típico de uma escola teológica monástica
do décimo-segundo século conhecida entre os estudiosos modernos como
Simbolismo Alemão (‘der Deutsche Symbolismus’), cujos teólogos mais
conhecidos, após a própria Hildegard, são Rupert de Deutz, Gerhoh de
122
MEWS, 1998, p. 65.
KERBY-FULTON, 1998, p. 70-90. [N.A.: referências foram omitidas]
“This tendency toward symbolic conflation across the Testaments and into contemporary times is typical of a
school of twelfth-century monastic theology known to modern scholars as German Symbolism (‘der deutsche
Symbolismus’), among whose theologians the best known, after Hildegard herself, are Rupert of Deutz, Gerhoh
of Reichersberg, Anselm of Havelberg, and Otto of Freising”.
(…)
“Symbolist writing takes on a multitude of genres (ranging from the biblical commentaries of Rupert and
Gerhoh, to liturgical drama such as The Play of Antichrist, to the Weltchronik, or world history, of Otto, to the
visionary and dramatic writing of Hildegard), but poetic impetus always characterizes Symbolist work and is
fundamental to the methodology of all these thinkers”.
123
56
Reichersberg, Anselm de Havelberg e Otto de Freising.
(...)
A escrita simbolista utiliza uma variedade de gêneros (variando de
comentários bíblicos de Rupert e Gerhoh, para o drama litúrgico tal como
The Play of Antichrist, até a Weltchronik, ou história do mundo, de Otto,
até os escritos visionários e dramáticos de Hildegard), porém um ímpeto
poético sempre caracteriza a obra simbolista e é fundamental para a
metodologia de todos esses pensadores. [N.A.: referências foram
omitidas visando uma fluidez maior para o texto citado]
No que concerne a sua epistolografia, as cartas produzidas e também recebidas por
Hildegard foram reunidas em uma coletânea. O primeiro e o terceiro (e último) volumes
foram traduzidos por Joseph L. Baird e Radd K. Ehrman e editados pela Oxford University
Press, em 1994 e 2004, respectivamente. Os tradutores dividem sua epistolografia de acordo
com os seguintes critérios: local de produção, período e entidades ou autoridades para as quais
as cartas foram remetidas ou recebidas.
Há de se diferençar a forma de um escrito visionário, explanatório e profético de um
texto epistolar, porém os seguintes elementos encontram-se de modo inequívoco em seus
textos: o caráter autoritário (no sentido de possuidor de autoridade, não passível de
intimidação ou recuo em seu posicionamento), a linguagem alegórica, a utilização de
argumentação alicerçada em texto canônico e a admoestação final, como forma de asseverar o
anteriormente dito.
O conhecimento das Escrituras atravessa seus escritos, sermões e visões e está
subjacente ao seu pensar. Por exemplo, em resposta a uma carta do abade Helengerus, escrita
aproximadamente em 1170 (Carta 77r – Vol. I), Hildegard profere o que seria mais
apropriadamente denominado um sermão didático, quando discorre sobre as Escrituras de
modo admoestatório. A perspectiva de algo terrível a suceder no futuro é mencionada124 nesta
missiva, confirmando suas preocupações de que seus interlocutores estivessem bem
124
BINGEN, Hildegard of. The Letters of Hildegard of Bingen. Vol. I. Translated by Joseph L. Baird e Radd
K. Ehrman. New York: Oxford University Press, 1994, p.171; 215.
“…But the time of great strain and destruction has not yet arrived, that time of immense pressure which
squeezes the juice from the grape in the winepress [note on p. 215: Attamen tempus pressure et destructionis,
uidelicet ponderis illius quo uua in torculari premitur]”.
“...Mas o tempo de grande tensão e destruição ainda não chegou, aquele tempo de imensa pressão que espreme
o suco da uva na prensa”. [cf. nota à pág. 215: Attamen tempus pressure et destructionis, uidelicet ponderis
illius quo uua in torculari premitur]”.
57
conscientes de uma prestação de contas futuras para com a Divindade.
O exemplo acima citado pode ser mais bem compreendido quando nos remetemos à
figura alegórica do lagar e do pisar/prensar as uvas ao texto canônico de Apocalipse 14: 1920125. Este juízo infligido por Deus e seus instrumentos (“uvas amassadas”) enfatiza a
presença do símbolo vinícola que remete à pessoa de Cristo como Senhor, tanto do “lagar” =
“mundo” (cosmos), quanto da Igreja (“vinha”).
No que diz respeito a sua produção musical, com vistas aos serviços religiosos
prestados pelas freiras, Hildegard considerava de importância vital a prática do canto em suas
atividades diárias, objetivando a formação de suas discípulas, conforme Margot Fassler126
(1998, p. 149-175).
Fassler afirma que uma das mais famosas cartas de Hildegard von Bingen lamenta a
injustiça de um interdito imposto à comunidade de Rupertsberg devido ao sepultamento, em
solo monasterial, de um homem excomungado formalmente. Em uma carta subsequente,
Hildegard alegou que o silenciar de suas canções – a elas foi permitido continuar lendo o
Serviço – ameaçou não somente a estabilidade e o propósito das vidas das freiras, mas
também as almas do arcebispo e seus prelados, por causa de suas ações injustas. Segundo a
autora, o incidente oferece prova cabal da importância central que o canto tinha para as
comunidades monásticas na Idade Média e em particular para as freiras de Rupertsberg.
Para Fassler a ênfase que Hildegard conferiu ao ato de cantar dentro da comunidade
monástica a fez única na história da música ocidental. Nenhum outro compositor do século
doze deixou um corpus tão grande, variado e seguramente atribuível de composições como
Hildegard von Bingen. Ela é simplesmente a compositora mais prolífica de cantos
monofônicos que chegou até nós, não somente do século doze, mas de toda a Idade Média.
Segundo a autora, mesmo em relação aos seus rivais, homens tais como Nokter de
Saint Gall no nono século ou Adam de Saint Victor e sua escola do décimo-segundo, existem
problemas, ou com atribuição específica ou com a recuperação de textos e música.
Em seu texto (1998, p. 150), Margot afirma que suas músicas sagradas se enquadram
em duas grandes categorias, ambas designadas por suas próprias mãos: A Symphonia
armonie celestium revelationum (Sinfonia da Harmonia das Revelações Celestiais), seu
125
Bíblia de Jerusalém, p. 2157.
“O Anjo lançou então a foice afiada na terra e vindimou a videira da terra, lançando-a depois no grande lagar
do furor de Deus. O lagar foi pisado fora da cidade e dele saiu sangue até chegar aos freios dos cavalos, numa
extensão de mil e seiscentos estádios”.
126
FASSLER, Margot. Composer and Dramatist. “Melodious Singing and the Freshness of Remorse”. In: Voice
of the Living Light – Hildegard of Bingen and Her World. Edited by Barbara Newman. Berkeley, Los
Angeles, London: University of California Press, 1998, p. 149-175.
58
ciclo de todas as peças litúrgicas existentes que ela escreveu (exceto sua peça); e os textos e
música que compõem a peça em si mesmo, a Ordo virtutum (A Ordem das Virtudes).
Mesmo nas fontes mais antigas existentes, Hildegard separa suas canções litúrgicas de sua
peça; contudo, as canções e a peça, embora separadas, estão inter-relacionadas e funcionam
juntas dentro de uma moldura hildegardiana de propósitos educacionais e teológicos.
Para Fassler (1998, p. 154-155), o contexto litúrgico das composições de Hildegard
vai além da explicação de um paradoxo frequentemente observado em sua música. Seu estilo
algumas vezes tem sido visto por estudiosos modernos como antigo: por que, eles indagam,
Hildegard, uma força criativa em muitas maneiras, não escrevia sequências rítmicas no estilo
novo popularizado por Adam de Saint Victor em Paris (morto c. 1146)? Portanto, como uma
freira beneditina, não se poderia esperar que a abadessa conhecesse bem ou tivesse grande
interesse por sequências rítmicas em voga, divulgadas durante sua vida pelos agostinianos,
tendo as mesmas aparecido aparentemente pela primeira vez nos cânones de Saint Victor em
Paris. A autora acrescenta que, mais ainda, não existiam quaisquer grandes repertórios de
sequências deste estilo mais recente (“rítmico”) em qualquer liturgia beneditina conhecida a
partir dos primeiros três quartos do décimo-segundo século, o tempo em que Hildegard viveu.
Sem dúvida, Fassler (1998, p. 155) assevera que a música de Hildegard foi parte de
um elaborado programa de educação que ela designou para as freiras de sua comunidade e
que surge a partir de uma compreensão beneditina da vida religiosa.
Deve-se ter em mente que a ideia mais importante, quando se ouve as canções de
Hildegard, é o conceito de ruminar, o ‘mastigar’ o texto, o qual era um processo central para
o aprendizado monástico e dentro da liturgia.
Ainda conforme Fassler (1998, p. 162), tem-se que quase todas as canções de
Hildegard, certamente todas as canções de Scivias, estão conectadas com a entonação de um
texto para meditação, ou um salmo ou alguma outra leitura das Escrituras ou dos pais da
igreja. Além disso, todas as canções tem como seus próprios textos a poesia altamente
imagística de Hildegard. Portanto, a música provê a oportunidade para pensar, tanto sobre os
textos entoados quanto acerca das palavras da própria canção. A música é um veículo para o
texto, oferecendo tempo para conectar uma palavra ou frase a outra e construir um estoque de
imagens interrelacionadas na mente. Este tipo de canto e audição é ideal para o estilo de
poesia latina que Hildegard escreveu.
Fassler (1998, p. 175) conclui, declarando que tentou mostrar a interconectividade de
Scivias, as quatorze canções que esta possui e a peça teatral. Ela acredita que Hildegard
59
planejou todas as três juntas para apoiar um programa educacional particular para suas freiras.
Segundo ela, se este raciocínio está correto, o programa de Hildegard é o único que sobrevive
da Idade Média em toda a sua inteireza, com os textos, a música e a explanação dos
significados intactos, tudo organizado pelas próprias mãos de sua criadora.
Além disso, Scahill127 (2011, p. 65) conclui sua tese com assertivas interessantes
acerca do modus operandi no que diz respeito à atividade de compor e propagar suas criações
musicais.
Sua identidade como um instrumento literal, então, sugere que ela não
pensava em si mesma como uma compositora, como seus ouvintes modernos
fazem. Ao invés disso, ela proclamava um papel não oficial, não subjetivo
em sua criação musical. O que é irônico a partir de uma perspectiva remota
e histórica, então, é que foi esta abnegação de autoridade composicional
que permitiu a Hildegard criar qualquer música. Por creditar qualquer
potencial artístico individual a Deus, Hildegard não rompeu os limites
estreitos sobre a expressão das mulheres. Ao contrário, sua sociedade a
aceitava como uma visionária, abençoada com um dom profético pelo qual
ela não era responsável.
Seus escritos de ordem médica e científicos possuem uma característica especial,
qual seja a de que não foram apresentados em forma visionária ou atribuídos a quaisquer dons
de revelação128. Flanagan (1998, p. 78) discorre sobre eles e declara serem a Physica e
Causae et curae distintas também das outras obras de Hildegard por não terem sido redigidas
em uma forma visionária ou conterem qualquer referência a uma fonte divina para os seus
conteúdos. Em nenhum lugar ela atribui seu conhecimento desses assuntos a qualquer tipo de
revelação.
Segundo a autora (1998, p. 79 e 89), a Physica consiste de nove livros ou seções, a
primeira e mais robusta é uma coleção de mais de 200 pequenos capítulos sobre plantas. Em
seguida seguem-se livros devotados aos elementos (terra, água e ar, mas não fogo), árvores,
127
SCAHILL, Katherine Theresa. Hildegard of Bingen: Prophet or Composer? Middletown, Connecticut:
Wesleyan University, 2011. (tese), p. 65 – [N.A.: notas foram omitidas]
“Her identity as a literal instrument, then, suggests that she did not think of herself as a composer, as do her
modern listeners. Rather, she proclaimed a non-authoritative, non-subjective role in her music making. What is
ironic from a removed, historical perspective, then, is that it was this very abnegation of compositional authority
that allowed Hildegard to create music at all. By crediting any potentially individual artistry to God, Hildegard
did not breach the strict limits on women’s expression. Rather, her society accepted her as a seer, blessed with a
prophetic gift for which she was not responsable”.
128
FLANAGAN, 1998, p. 78-79, 89-90, 101.
60
gemas e pedras preciosas, peixes, pássaros, animais, répteis e metais. Existe um viés definido
nas descrições de todos os assuntos sob investigação, no que concerne às suas aplicações
médicas. Os subtítulos das duas obras (O livro da medicina simples e o Livro da medicina
composta) sugerem que a Physica deveria descrever os ingredientes simples ou únicos que
são usados para preparação de prescrições complexas de Causae et curae.
Flanagan (1998, p. 90) acrescenta que o Causae et curae, por outro lado, enquanto
ainda extremamente compreensível, especialmente em seu catálogo de doenças e curas, dá
mais espaço a teoria médica e fisiológica. A primeira seção do livro é assim devotada a uma
descrição do homem e seu relacionamento com o cosmo e o mundo das coisas criadas.
Causae et curae consiste de cinco seções, as quais, como aquelas de Physica, são de
tamanhos muito diferentes. A primeira começa com a criação do mundo e inclui tanto a
cosmologia quanto a cosmografia. A segunda seção estabelece o homem dentro de seu
contexto, e após a exposição de uma versão da teoria dos humores, Hildegard introduz uma
série de doenças e enfermidades às quais os seres humanos estão sujeitos. Segundo a autora,
as duas seções seguintes apresentam remédios ou curas para as condições previamente
descritas ou listadas. A quinta e última seção é uma mistura, contendo capítulos sobre
questões médicas em geral, tais como os sinais de vida e morte, uroscopia, banhos quentes,
frutos silvestres e uma lista longa de prognósticos astrológicos (lunaria) de acordo com o
estado da lua na hora da concepção. Nesta seção uma predição é dada para cada dia do mês.
A autora afirma (1998, p. 101) que a atenção particular dada às mulheres e à
dimensão sexual da vida também coloca a obra de Hildegard à parte de outros escritos
medievais com os quais esta poderia ser comparada. Finalmente, Hildegard parece ter usado
muito de seu escrito científico como matéria prima, que reaparece mais tarde, frequentemente
mesmo em formas diferentes, em seus escritos teológicos, especialmente no Liber divinorum
operum.
Charles Burnett (1998, p. 120) tece considerações acerca de seus conhecimentos
cosmológicos e astrológicos e tenta estabelecer um contexto mais próximo de possíveis
influências que podem ter chegado até Hildegard durante a sua vida, que seria uma pequena
coleção de textos reunidos em um manuscrito germânico, contendo obras do Pseudo-Beda,
Helperic e Pseudo-Galeno129.
129
BURNETT, Charles. Hildegard of Bingen and the Science of the Stars. In: Hildegard of Bingen – The
Context of her Thought and Art. Edited by: Charles Burnett and Peter Dronke. London: The Warburg
Institute, 1998, p. 111-120.
61
Mechthild von Magdeburg tem seu nome vinculado ao desenvolvimento da literatura
medieval germanófona130, em especial aquela produzida por religiosas do século treze, por
escrever em língua vernácula (médio-alto-alemão).
Mechthild von Magdeburg (†1282/1294), zunächst Begine und am Ende
ihres langen Lebens Zisterzienserin im thüringischen Helfta, schuf mit ihrem
Werk ‹Das flieβende Licht der Gottheit› „das älteste und niveauvollste
Visionsbuch deutscher Sprache.
Mechthild von Magdeburg (†1282/1294), no início beguina e no fim de sua
vida longa cisterciense no convento turíngio de Helfta, produziu com sua
obra “A luz fluente da Divindade” “o livro de visões mais antigo e de mais
alto nível da língua alemã”.
Ray131 (2011, p. 165) acrescenta que como parte da primeira onda de escritores
devocionais, imaginativos e vernaculares da Europa, Mechthild tem sido vista como uma
ligação entre Hildegard, que escreveu em latim, e Mestre Eckhart, o místico dominicano
alemão do décimo-quarto século, que escreveu tanto em latim quanto em alemão. Para a
autora, Mechthild combina o tipo de interpretações da doutrina da Igreja de Hildegard,
altamente visuais e originais, com o caminho místico do conhecimento de Deus do místico
Eckhart e o uso do vernáculo. Ela afirma que, como Emilie Zum Brunn observou, Mechthild
também conecta o “período medieval sacro, feudal” e suas estruturas hierárquicas às
expressões corteses e individualistas posteriores, nas quais sentimento, vontade, liberdade,
piedade e experiência foram mais importantes do que linhas de autoridade tradicionais.
Segundo Ray (2011, p. 164), Mechthild enfrentou algum tipo de constrangimento ou
perseguição por conta de seus escritos132, fazendo referência aos seus inimigos em seu livro e
“Without suggesting that Hildegard was any the less original in her cosmological thought than in other aspects
of her works, I hope I have shown that the Pseudo-Bede, Helperic and the Pseudo-Galen at least provide a
context for this thought”. p. 120
“Sem sugerir que Hildegard não foi menos original em seu pensamento cosmológico que em outros aspectos de
suas obras, espero que eu tenha mostrado que o Pseudo-Beda, Helperic e o Pseudo-Galeno pelo menos
proporcionam um contexto para esse pensamento”. p. 120
130
ANGENENDT, Arnold. Geschichte der Religiosität im Mittelalter. 4. Auflage. Darmstadt: WBG, 2009, p.
65. www.primusverlag.de [N.A.: notas foram omitidas]
131
RAY, Donna E. “There is a threeness about you”: Trinitarian images of God, self, and community
among medieval women visionaries. Albuquerque, New Mexico: The University of New Mexico, 2011, p. 165.
Dissertation submitted in partial fulfillment of the requirements for the degree of Doctor of Philosophy, History.
www.repository.unm.edu/bitstream/handle/1928/.../Dissertation%20Final.pdf?..., acesso em 19/8/2012.
132
RAY, 2011, p. 164.
62
à perseguição deles contra ela: “Eu fui alertada”, ela diz, “contra escrever este livro. As
pessoas disseram: se alguém não prestar atenção, poderá ser queimado” (Livro 2, capítulo
26). A autora assevera que Mechthild nunca especifica as razões para a animosidade a ela
direcionada, porém sua linguagem francamente sensual e emocional acerca de Deus era, sem
dúvida, escandalosa para muitos, bem como suas críticas ao clero.
Ray (2011, p. 172-173) ainda acrescenta que Mechthild foi influenciada por fontes
tradicionais da Igreja133, e derivou muito de seu pensamento também das Escrituras, mas esta
influência é difusa em seus escritos e difícil de documentar. Segundo a autora, citando
Bynum:
...até este ponto o que nós podemos dizer acerca das influências traçáveis na
literatura que sobreviveu, as freiras (em Helfta, incluindo Mechthild von
Magdeburg) parecem ter lido os grandes escritores espirituais do passado,
especialmente Agostinho, Gregório Magno, Bernardo e Hugo de S.Victor.
(apud RAY, 2011, p. 172-173)
Ainda, conforme menciona a autora (2011, p. 173), Lucy Menzies vê a influência de
Ricardo de S.Vitor e Joaquim de Fiore no livro de Mechthild e estudiosos alemães, como por
exemplo Kurt Ruh e Alois Haas, argumentaram que A Luz Fluente deve ser compreendida
como uma confissão redigida em uma tradição agostiniana.
Mechthild deve sua formação intelectual, de acordo com Frank Tobin, às instruções
recebidas e também à liturgia134: “Porque ela conhecia pouco ou nenhum latim, Mechthild
adquiriu seu conhecimento de teologia e tradições espirituais de segunda mão através de
instrução e da liturgia”.
Amy Hollywood135 (2005, p. 363-386), ao discorrer sobre os estudos femininos no
que diz respeito à espiritualidade, faz menção à expressão “misticismo nupcial”, tendo sido
Mechthild uma das suas representantes. A autora afirma que como vários estudiosos recentes
133
RAY, 2011, p. 172 - 173. [N.A.: notas foram omitidas]
TOBIN, Frank. Mechthild von Magdeburg (ca 1207-ca. 1282). In: Key figures in medieval Europe – an
Encyclopedia. Richard K. Emmerson, Editor. New York, London: Routledge, Taylor & Francis Group, 2006, p.
463-464.
“Because she knew little or no Latin, Mechthild acquired her knowledge of theology and spiritual traditions
secondhand through instruction and the liturgy”.
135
HOLLYWOOD, Amy. Feminist Studies. In: The Blackwell Companion to Christian Spirituality. Malden,
MA, USA; Oxford, UK; Carlton, Victoria, Australia: Blackwell Publishing Ltd, 2005, p. 363-386.
134
63
demonstram136, homens e mulheres medievais usaram explicitamente a linguagem erótica
para discutir seus relacionamentos com Cristo, e eles o fizeram de modo que desafiaram
frequentemente a heterossexualidade prescritiva da cultura na qual eles viveram. Ainda,
segundo a autora, entre as beguinas do norte da Europa, por exemplo, discutivelmente mais
bem conhecidas pelo seu assim chamado misticismo nupcial, encontram-se relatos de amor
insano e desejo infindável, no qual o gênero se torna, assim, tão radicalmente fluido que não é
claro que tipo de sexualidade – dentro da dicotomia heterossexual/homossexual mais
prontamente disponível para os leitores modernos – está sendo metaforicamente empregado
para evocar o relacionamento entre o humano e o divino.
Hollywood (2005, p. 373-374) assevera que embora as três místicas beguinas
Hadewijch, Mechthild von Magdeburg e Marguerite Porete foquem no relacionamento erótico
entre a alma e Deus, legitimado em parte por leituras cristãs medievais e mais antigas do
Cântico dos Cânticos, o “misticismo nupcial” não pode encapsular a grande série de posições
de gênero ocupadas pelo fiel e Deus dentro de seus textos.
Outro aspecto a ser enfatizado é sua posição de proeminência no que concerne ao
culto do Sagrado Coração137. Segundo Howard (1984, p. 156), ela é considerada como sendo
uma das primeiras expoentes da devoção do Sagrado Coração, pois acreditava que este lhe
teria sido revelado em várias visões. Ele acrescenta em nota que embora a devoção ao
Sagrado Coração tenha sido praticado oficialmente somente a partir do século dezoito, suas
raízes, porém, certamente alcançam a Idade Média. Parece ter se desenvolvido a partir do
culto da Ferida no Lado e é visto em forma ricamente desenvolvida nas obras de Santa
Gertrude. Mechthild von Magdeburg, contudo, possui a distinção de ter sido a primeira
mística em qualquer lugar da cristandade a ter tido uma visão real do Sagrado Coração a ela
direcionado (L. 6, .24).
Ainda, de acordo com John Howard (1984, p. 159), Mechthild valida sua relevante
importância dentro do misticismo católico por ter realizado duas ações originais, quais sejam,
a de ser a primeira mística a escrever em língua vernácula e também por ter sido a primeira a
registrar uma visão pessoal do Sagrado Coração138.
136
Holsinger 1993; Lavezzo 1996; Lochrie 1997; Dinshaw 1999; Moore 2000; Epps 2001; Wiethaus 2003 (apud
HOLLYWOOD, 2005, p. 373-374).
137
HOWARD, 1984, p.156 e nota à página 161.
138
HOWARD, 1984, p.159 e nota às páginas 162-163.
“She has earned an eminent and well-deserved place in the history of Catholic mysticism – no one has ever
disputed this. But aside from her position in the general panorama, Mechthild must be credited with two very
specific original accomplishments. [N.: No less a scholar than Emil Michael wrote of Mechthild: ‘Mechthild of
Hackeborn and Gertrude are more refined and more mature, but Mechthild of Magdeburg is without a doubt…
64
Ela adquiriu um lugar eminente e bem merecido na história do misticismo
católico – ninguém nunca questionou isto. Mas, além de sua posição no
panorama geral, devem ser creditadas a Mechthild duas realizações
originais muito específicas. [N.: Não menos que um estudioso como Emil
Michael escreveu sobre Mechthild: ‘Mechthild von Hackeborn e Gertrude
são mais refinadas e maduras, mas Mechthild von Magdeburg é sem
dúvida... a personalidade mais original na história do misticismo alemão no
século treze’. Cf. Geschichte des deutschen Volkes, vol. 3, p. 198 (a
tradução é minha).] Ela foi a primeira mística a escrever em sua língua
nativa vernacular ao invés do latim, e ela foi a primeira na história do
misticismo cristão a registrar uma visão pessoal do Sagrado Coração, um
culto que floresceu precisamente em Helfta sob Gertrude a Grande e
Mechthild von Hackeborn. Contudo, apenas estas realizações não bastam
para lhe assegurar a alta consideração que lhe é devida, não fosse o frescor,
a originalidade e quase uma ingenuidade infantil de seu estilo. Mechthild é
simplesmente interessante de se ler.
the most original personality in the history of German mysticism in the thirteenth century’. See Geschichte des
deutschen Volkes, vol. 3, p. 198 (the translation is mine).] She was the first mystic to write in her native
vernacular rather than in Latin, and she was the first in the history of Christian mysticism to record a personal
vision of the Sacred Heart, a cult which was to come to full flower precisely at Helfta under Gertrude the Great
and Mechthild of Hackeborn. Yet these accomplishes alone would not suffice to secure for her the high regard in
which she is held were it not for the freshness, the originality, and the almost childlike naïveté of her style.
Mechthild is quite simply interesting to read”.
65
IV. O FIM – VISÕES DE UM TEMPO DE ANGÚSTIA E TAMBÉM DE PAZ
A visão onze do livro terceiro de Scivias139inicia-se de forma contundente e, ao
mesmo tempo, reconhecível, uma vez que a presença de animais em suas visões,
personificando poderes seculares, encontra respaldo no texto canônico do profeta Daniel,
capítulo 7 [em que o animal “leão com asas de águia” é comumente associado ao Império
Babilônico ou ao próprio Nabucodonosor, pelos estudiosos da profecia bíblica], e vem
corroborar e validar a autoridade mandatória de suas palavras. “E escutei uma voz do céu...”.
No que diz respeito à simbologia medieval, Pastoureau (2007, p. 15-17) apresenta
alguns conceitos140 que podem ajudar-nos na compreensão da utilização de figuras
animalescas, cores associadas, etc. em textos e imagens medievais.
CITAÇÃO
TRADUÇÃO
“Ma, in ogni costruzione simbolica “Mas
em
cada
CONCEITO
construção
medievale, l’insieme delle relazioni simbólica medieval, o conjunto
Conjunto de elementos =
che i differenti elementi annodano das relações que os diferentes
maior enriquecimento do
tra di loro è sempre più ricco di elementos constroem entre eles é
significado versus
significato
elemento isolado
della
somma
dei sempre mais rico de significado
significati isolati che ciascuno di do que a soma dos significados
quegli elementi possiede. In un isolados que cada um daqueles
testo, in una immagine, su un elementos possui. Em um texto,
monumento,
il
simbolismo
del em
uma
imagem,
sobre
um
leone, ad esempio, è sempre più monumento, o simbolismo do
ricco e più facile da comprendere leão, por exemplo, é sempre mais
quando è associato o paragonato a rico e mais fácil de compreender
quello dell’aquila, del drago o del quando
leopardo
che
non
quando
considerato isolatamente”. (...)
“Se
prendiamo
l’esempio
é
associado
ou
è comparado àquele da águia, do
dragão ou do leopardo, do que
dei quando
é
considerado
Cores podem apresentar
significados até
contrastantes
colori, possiamo così affermare che isoladamente”. (...)
il rosso non è tanto il colore che “Se tomamos o exemplo das
significa la passione o il peccato cores,
139
140
podemos
até
mesmo
Vide Anexos (2)
PASTOUREAU, Michel. Medievo simbolico. Roma-Bari: Laterza & Figli Spa, 2007, p.15, 16-17.
66
quanto il colore che interviene afirmar que o vermelho não é
violentemente (nel bene o nel tanto a cor que significa a paixão
male); il verde, il colore che è ou o pecado, quanto é a cor que
causa di rottura, di disordine e poi intervém violentamente (para o
di rinnovamento; il blu, quello che bem ou para o mal); o verde, a
calma o stabilizza; il giallo, quello cor que é a causa do rompimento,
che eccita o trasgredisce”.
da
desordem
e
depois
da
renovação; o azul, aquela que
acalma ou estabiliza; o amarelo,
aquela que excita ou transgride”.
“I grandi assi del simbolismo “Os grandes eixos do simbolismo
Simbolismo medieval =
medievale,
quali
si
vengono medieval,
os
organizzando nel corso dei primi organizando
cinque
o
sei
secoli
quais
no
se
vêm
resultado de sistema de
curso
dos
valores anteriores
del primeiros cinco ou seis séculos do
cristianesimo, non sono costruzioni cristianismo, não são construções
ex nihilo frutto dell’immaginazione ex nihilo fruto da imaginação de
di alcuni teologi. Sono al contrario alguns
teólogos.
São,
ao
il risultato della fusione di parecchi contrário, o resultado da fusão de
Influência do texto
sistemi di valori e di modi di vários sistemas de valores e de
canônico
sensibilità
anteriori.
In
questi modos
de
campi, il Medievo occidentale ha anteriores.
beneficiato di una triplice eredità: medievo
sensibilidade
Nestas
áreas,
o
ocidental
tem
se
quella della Bibbia, forse la più beneficiado
de
uma
herança
importante, quella della cultura tríplice: aquela da Bíblia, talvez a
greco-romana, e quella dei mondi mais
importante,
aquela
da
‘barbari’, vale a dire celtico, cultura greco-romana, e aquela
Sobreposição de
germanico, scandinavo e persino dos mundos ‘bárbaros’, vale citar
significados
più lontani. Aggiungendovi, nel o céltico, germânico, escandinavo
corso di un millennio di storia, le e
proprie
stratificazioni.
simbolismo
niente
medievale,
si
elimina
mesmo
mais
distantes.
Nel Adicionando-se, no curso de um
infatti, milênio de estória, as próprias
mai estratificações.
No simbolismo
completamente; al contrario, tutto medieval, de fato, nada se elimina
si sovrappone in una moltitudine di completamente; pelo contrário,
strati che si compenetrano nel tudo
se
sobrepõe
em
uma
corso dei secoli e che lo storico ha multidão de estratos que se
67
difficoltà a districare. Ciò che lo entranham no curso dos séculos
conduce talvolta – a torto – a eque
credere
nell’esistenza
di
o
historiador
un dificuldade
em
tem
desembaraçar.
simbolismo interculturale, fondato Isto é que o conduz algumas vezes
Inexistência de um
su archetipi e dipendente da verità – erroneamente – a crer na
simbolismo intercultural,
universali. Un tale simbolismo non existência
de
esiste. Nel mondo dei simboli tutto intercultural,
è culturale e va studiato in rapporto arquétipos
alla società che ne fa uso, in un verdade
um
simbolismo
fundado
e
sobre
dependente
universal.
Um
dependente da verdade
universal
da
tal
dato momento della sua storia e in simbolismo não existe. No mundo
un contesto preciso”. (...)
dos símbolos, tudo é cultural e
“Nel mondo dei simboli, suggerire deve ser estudado em relação à
è spesso più importante che dire, sociedade que dele faz uso, em um
sentire
più
importante
comprendere,
che dado momento de sua estória e
più em um contexto preciso”. (...)
evocare
importante che dimostrare. Ecco il “No mundo dos símbolos, sugerir
motivo
per
cui
l’analisi
che é frequentemente mais importante
Numerologia medieval
está associada tanto à
facciamo oggi dei simboli medievali que dizer, sentir mais importante
quantidade, como à
è spesso anacronistica: è troppo que compreender, evocar mais
qualidade do objeto
meccanica, troppo razionale. I importante que demonstrar. Eis o
descrito
numeri ne costituiscono il migliore motivo pelo qual a análise que
esempio.
Nel
Medievo,
essi fazemos
hoje
esprimono tanto delle qualità che medievais
é
dos
símbolos
frequentemente
delle quantità e non sempre devono anacrônica: é muito mecânica,
essere
interpretati
in
termini muito
racional.
Os
números
aritmetici o contabili, ma piuttosto constituem o melhor exemplo. No
in termini simbolici. (...) Dodici non medievo, esses exprimem tanto a
rappresenta soltanto una dozzina di qualidade como a quantidade e
unità ma anche l’idea di una nem
sempre
totalità, di un insieme completo e interpretados
devem
em
ser
termos
perfetto; da ciò discende che undici aritméticos ou contábeis, mas, em
è insufficiente e tredici eccessivo, vez disso, em termos simbólicos.
incompleto e funesto”
(...) Doze não representa portanto
uma dúzia de unidades, mas antes
a ideia de uma totalidade, de um
conjunto completo e perfeito;
68
disto
descende
que
onze
é
insuficiente e treze excessivo,
incompleto e funesto”
A citação de figuras simbólicas de animais em textos apocalípticos encontra respaldo
em textos canônicos, sendo objeto de exegeses e de estudos de simbologia, uma vez que sofre
variação temporal e de região.
Woensel141 (2001, p. 40), por exemplo, cita como uma das fontes precursoras dos
bestiários medievais (a outra seria autores clássicos) os livros canônicos de Jó, Salmos, Daniel
e do Apocalipse. Segundo o autor, encontram-se na Bíblia vários detalhes e atributos
provenientes de tradições assírias e babilônicas, tais como os seres alados ou providos de
muitos olhos (significam agudez de percepção e ciência), cabeças e chifres (significam poder)
ou ainda os querubins e os serafins (Nm 21,6; Ex 25,18; Ez 1,10, apud WOENSEL, 2001, p.
40).
Segundo Woensel (2001, p. 40), por exemplo, as asas – símbolo de rapidez e
onipresença – atribuídas a criaturas angélicas, mamíferos, répteis e outros animais, desde
Pégaso e a Esfinge até o boi voador da literatura popular nordestina, provavelmente têm sua
remota origem naquela tradição oriental antiga. Assevera, ainda, que os autores dos Salmos e
o do Livro de Jó descrevem uma série de animais, quase todos reais, conforme os
conhecimentos da época, mas são movidos pela mesma preocupação: destacar a sabedoria e o
poder de Deus e inspirar o “temor do Senhor”, medo de e respeito a Deus. Será análoga a
motivação dos autores dos bestiários medievais, mas é de estranhar que os clérigos medievais
atribuíssem à sua fauna grande quantidade de qualidades e de hábitos fantásticos que
contrastam com a sobriedade e objetividade que encontramos nos dois últimos livros citados.
Segundo Woensel (2001, p. 40), em contrapartida, a literatura apocalíptica, com sua
linguagem críptica e imagens alucinantes, deve ter contribuído para o surgimento e a
proliferação de animais fabulosos e a atribuição de qualidades estonteantes a outros no
imaginário medieval. A linguagem alegórica e o simbolismo críptico desses livros sagrados
certamente motivaram e inspiraram a imaginação dos clérigos autores dos bestiários.
Jean Flori142 (2010, p. 38), ao citar Hipólito e seu comentário ao livro de Daniel, faz
141
WOENSEL, Maurice Van. Simbolismo animal medieval. João Pessoa: Universitária, 2001. p. 40.
FLORI, 2010, p. 38.
“Su questo punto nessun autore è piu preciso di un prete di Roma di nome Ippolito. Il suo Commento a Daniele,
redatto verso il 204, è la più antica opera esegetica cristiana nota. Qui egli dimostra con grande chiarezza
l’interpretazione storicizzante delle profezie che, fino a sant’Agostino, costituirà la dottrina classica della
142
69
importante menção aos animais e sua possível interpretação.
A este ponto, nenhum autor é mais preciso do que um padre de Roma de
nome Hipólito. O seu Comentário de Daniel, redigido em torno de 204, é a
mais antiga obra cristã exegética notável. Aqui ele demonstra com grande
clareza a interpretação historicizante da profecia que, até Santo Agostinho,
constituirá a doutrina clássica da Igreja. Segundo ele, a estátua de Daniel
anuncia a sucessão dos impérios babilônico, persa, grego e por fim romano.
Os três primeiros são já passados: o último ainda reina. (...)
A visão das quatro bestas anuncia, para o autor, a mesma sucessão. A leoa
representa o império de Babilônia. O urso é o império persa e as três
costelas que tem na boca são os três povos que tem submissos: medos,
assírios e babilônios. Depois vem a potência grega de Alexandre, o
macedônio: o leopardo. Ele tem quatro asas e quatro cabeças, porque, após
Alexandre, seu império foi dividido em quatro reinos (os de Seleuco,
Demétrio, Ptolomeu e Filipe). Os gregos dominaram por trezentos anos,
posteriormente foram derrotados pelos romanos. Roma é, portanto, a quarta
besta, a mais terrível de todas. Mas este império se dividirá em dez reinos
um pouco antes do Fim do Mundo. Este (em 204) não é iminente, dado que
Roma domina, naquele momento, o universo.
Marc Girard143 (2005, p. 623), por sua vez, empreende uma classificação dos tipos de
animais presentes na Bíblia e seus atributos interpretativos, sendo dignos de nota os
comentários em relação à figura do leão como símbolo em geral e como símbolo bíblico.
Conforme o autor declara, se é verdade que na Bíblia o fermento, de certa forma, remete
algumas vezes ao mistério do mal moral (símbolo ponerológico no sentido simplesmente
estrito), existe uma grande variedade de simbolizantes, todos inspirados em figuras de
animais, os quais vão muito mais longe no mesmo sentido. Com seu bestiário, a Escritura
chega a evocar bastante correntemente não só o mistério do mal que corrompe o coração do
Chiesa. Secondo lui, la statua di Daniele annuncia la successione degli imperi babilonese, persiano, greco e
infine romano. I primi tre sono ormai passati: l’ultimo regna ancora. (...)
La visione delle quatro bestie anuncia, per l’autore, la stessa successione. La leonessa rappresenta l’impero di
Babilonia. L’orso è l’impero persiano e le tre costole che tiene in bocca sono i tre popoli che ha sottomesso:
Medi, Assiri e Babilonesi. Dopo viene la potenza greca di Alessandro il Macedone: il leopardo. Egli ha quatro
ali e quatro teste perché, dopo Alessandro, il suo impero fu diviso in quatro regni (quelli di Seleuco, Demetrio,
Tolomeo e Filippo). I Greci dominarono per trecento anni, poi furono sconfitti dai Romani. Roma è quindi la
quarta bestia, la più terribile di tutte. Ma questo impero si dividerà in dieci regni poco prima della Fine del
mondo. Essa (nel 204) non è iminente, dato che Roma domina ancora l’universo”.
143
GIRARD, Marc. Os símbolos na Bíblia. 2ª ed. São Paulo: Paulus, 2005, p. 623, 624, 625, 626.
70
homem ou entorpece sua existência, mas também o mistério das potências do mal,
transcendentes e obscuras (símbolo ponerológico no sentido mais estrito). Para Girard, a
ordem de apresentação das figuras abaixo implicou uma escolha pessoal e, destarte, o autor
esboçou a seguinte classificação tipológica em quatro grupos:
1º os carnívoros e os carniceiros: leão, hiena, canídeos, aves de rapina;
2º os animais de chifres belicosos: touro, bode;
3º os animais repugnantes: porco, sapo;
4º os monstros pavorosos: serpente, dragões e animais assombrosos.
Segundo Girard (2005, p. 624-625), o leão faz parte do bestiário tradicional do sol e
do ponto de vista cósmico e religioso, as mitologias associam, às vezes, a leoa à grande
deusa-mãe (o animal, acompanhando a deusa ou puxando seu carro, representa o instinto
materno) ou a alguma outra divindade feminina, geralmente guerreira. Observa-se, enfim, que
a alquimia faz do leão um emblema do diabo, portanto, das forças do mal.
O autor (2005, p. 626) acrescenta que, para grande embaraço dos tradutores, o
Antigo Testamento hebraico usa ao menos cinco termos para designar o leão. Isso já mostra
algo da importância que essa figura animal teve no saber enciclopédico de Israel. Em todas as
épocas, ela impressionou a imaginação dos autores, a julgar pelo número de metáforas e de
comparações que suscitou.
De acordo com Czarski (1999, p. 5), os tempos decaídos que esses animais
representam findam tal qual o dia, que termina no ocidente:144
In the next scene of her vision, the five animals turned towards the West.
This scene signified that the ‘fallen times’ (caduca tempora) symbolized by
the animals ‘fell’ with the setting sun. Hildegard based the comparison
between the times and the sun on an analogy with man: ‘ … since just as it
rises and sets so also do men when one is born and another dies’. Hildegard
thus compared the history of the world to the course of a day. … Thus, she
maintained, in true Augustinian fashion, that the day which symbolized the
history of the world was already moving towards its sunset at the time of the
Incarnation. The advent of the Antichrist would be like the setting of the sun
in the west, in other words, near the end of the world. [n.a.: foram omitidas
as notas desta citação]
144
CZARSKI, Charles M. Kingdoms and Beasts: The Early Prophecies of Hildegard of Bingen. Journal of
Millenial Studies, Volume I, Issue 2, Winter 1999. In: www.mille.org/publications/winter98/czarski.pdf, acesso
em 6/2/2013, p. 5.
71
Na próxima cena de sua visão, os cinco animais viram-se para o ocidente.
Esta cena significa que os ‘tempos decaídos’ (caduca tempora)
simbolizados pelos animais ‘caíram’ com o sol poente. Hildegard baseou a
comparação entre os tempos e o sol em uma analogia com o homem:
‘...desde que o sol se levanta e se põe, assim também os homens, quando um
nasce e o outro morre’. Hildegard assim comparou a história do mundo ao
decurso de um dia. ... Portanto, ela manteve, em um molde verdadeiramente
agostiniano, que o dia que simbolizava a história do mundo já estava se
movendo em direção ao seu poente, por ocasião do tempo da Encarnação. O
advento do Anticristo seria como o por do sol no ocidente, em outras
palavras, próximo ao fim do mundo.
Ainda, de acordo com Czarski145 (1999, p. 4-5), as seguintes características podem
ser atribuídas a estes “animais” – poderes/reinos:
145
CZARSKI, 1999, p. 4-5.
72
ANIMAL
CARACTERÍSTICA
SIMBOLISMO
CACHORRO
FOGOSO
Homens acreditariam parecerem com o
fogo,
“… fiery dog”
porém
não
queimam
verdadeiramente na justiça divina.
“canis igneus”*
LEÃO
AMARELO
Homens de guerra que não observam a
justiça de Deus em suas guerras -
“… yellow lion”
enfraquecimento146
“leo fulvi”
CAVALO
PÁLIDO
Associado
ao
quarto
selo
do
Apocalipse (Ap. 6:7-8) – homens
“… a pale horse”
negligenciariam as virtudes na busca
“equus pallidus”
por prazeres; a palidez do cavalo
significaria a queda de seus reinos.
PORCO
PRETO
Homens deste tempo afundariam na
lama do pecado, cometendo fornicação
“… a black pig”
e pecados relacionados147
“niger porcus”
LOBO
“…a gray wolf”
“lupus griseus”
CINZA
Homens
vorazes.
A
cor
cinza
simboliza astúcia, engano, pois estes
homens não desejariam aparecer como
“brancos”
ou
“pretos”,
isto
é,
dissimulariam astutamente quem eles
realmente são148.
146
Cf. nota nº 21 (Czarski, 1991, p.4): “... leo fulvis coloris est: quoniam cursus ille bellicosos homines
sustinebit, multa quidem bela moventes sed in eis rectitudinem Dei non inspicientes: quia in fulvo colore regna
illa incipiente fatigationem debilitatis incurrere. Scivias, III, 11,3”.
147
Cf. nota nº 27 (Czarski, 1991, p.5): “In the LVM (147), the vice of injustice was symbolized by an animal
with a body like a pig’s”.
“Em LVM (Liber vitae meritorum) (147), o vício da injustiça foi simbolizado por um animal com um corpo
como de um porco”.
148
De acordo com a nota nº 29 (Czarski, 1999, p.5), escritores medievais viam o lobo como símbolo do
Anticristo, porque este animal era o inimigo do cordeiro, que simbolizava Cristo.
73
*Cf. página do manuscrito Riesencodex – vide à p. 56.
Figura 2 - Riesencodex
Riesencodex - 1175/1190 - página [254] – 124v149
149
http://dfgviewer.de/show/?set%5Bimage%5D=254&set%5Bzoom%5D=min&set%5Bdebug%5D=0&set%5Bdouble%5D
=0&set%5Bmets%5D=http%3A%2F%2Fdokumentserver.hlb-wiesbaden.de%2FHS_2%2Fmets17.xml – Acesso
em 19/2/2014.
74
Em comum, esses cinco animais/épocas/reinos personificariam as ações humanas
vinculadas aos vícios, simbolizados pelas cordas que os prendem às suas respectivas
montanhas, que por sua vez, representam a soberba e a altivez de reinos não submissos à
justiça divina.
Marta Cristiani acrescenta alguns detalhes150 no que diz respeito a estes animais ou
épocas.
“Estes dias, torpes na injustiça, no livro Scivias são simbolizados pelo cão
de fogo que não queima [N.A. ver nota abaixo] e são seguidos de outros
dias mais fortes, nos quais alguns homens observantes da retidão são
capazes de abandonarem aquela falta de consideração e se convertem à
justiça”.
[N.: Cfr. Scivias III 11, p. 576 e 578. Começa aqui a profecia relativa às
cinco idades do mundo, que se sucedem a partir da idade ‘feminina’
iniciada com o reino de Henrique IV, que dura até a época de Hildegard e
que incluirá o período de tempo sucessivo até o advento do Anticristo. As
cinco idades são simbolizadas pelos mesmos animais que em Scivias (III 11,
p. 578-9) representando os cinco males dos últimos tempos: o cão indica a
mordacidade do juízo não radicado na justiça divina; o leão a
agressividade; o cavalo a lascívia; o porco negro a depressão; o lobo cinza
a avidez fraudulenta. Nas cinco idades descritas no Liber divinorum
operum se entremeiam, contudo, fases e elementos positivos e negativos.]
A violência exacerbada que caracterizará os tempos finais é retomada em Liber
divinorum operum simplicis hominis151, porém uma recompensa resta ainda para aqueles que
se mantiverem fiéis aos ensinos recebidos. Esta instrumentalidade utilizada pela Divindade,
qual seja, a permissão de que a humanidade sofra as consequências de suas próprias ações,
150
Liber divinorum operum simplicis hominis– Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XV (p.1055 e nota às
páginas 1294-1295)–(Parte)
“Questi giorni, torpidi nell’ingiustizia, nel libro Scivias sono simboleggiati dal cane di fuoco che non
brucia,[N.A. ver nota abaixo em italiano] e sono seguiti da altri giorni più forti, in cui alcuni uomini osservanti
della rettitudine riescono ad abbandonare quella sconsideratezza e si convertono alla giustizia”.
[N.: Cfr. Scivias III 11, pp.576 e 578. Comincia qui la profezia relativa alle cinque età del mondo, che si
susseguono a partire dall’età “femminea” iniziata con il regno di Enrico IV, che dura ancora all’epoca di
Ildegarda e che includerà il lasso di tempo sucessivo fino all’avvento dell’Anticristo. Le cinque età sono
simboleggiate dagli stessi animali che nello Scivias (III 11, pp. 578-9) raffigurano i cinque mali degli ultimi
tempi: il cane indica la mordacità di giudizio non radicata nella giustizia divina; il leone l’aggressività; il
cavalo la lascivia; il maiale nero la depressione; il lupo grigio l’avidità fraudolenta. Nelle cinque età descritte
nel Liber divinorum operum si intrecciano invece fasi ed elementi positivi e negativi.]
151
Vide Anexos (2)
75
vem acarretar juízos, por vezes, inexplicáveis para a mente humana, mas que, para Hildegard,
apenas deixa manifesta a autoridade divina, da qual ela é testemunha e profeta.
...così la crudeltà di alcuni uomini porrà fine ala pace di altri come se fosse
l’esecutrice del giudizio divino, perchè sarà Dio a permettere ai suoi nemici
di infliggere pene crudeli per purificare dal male, come ha sempre fato
dall’inizio del mondo.(p. 1065)
...assim, a crueldade de alguns homens porá fim à paz de outros, como se
fosse a executora do juízo divino, porque será Deus a permitir aos seus
inimigos de infligirem penas cruéis para purificação do mal, como tem
sempre feito desde o início do mundo.(p. 1065)
De acordo com Elledge152 (2010, p. 44), o aspecto violento que caracteriza as visões
de Hildegard153, em especial aquele descrito em Scivias, advém do contexto histórico de sua
época, em que os constantes conflitos entre o Papado e o Império marcaram indelevelmente o
seu discurso admoestatório. Segundo a autora, a visão da Igreja dando a luz ao Anticristo é
única em Hildegard. Seu significado para a teologia apocalíptica é que a corrupção da Igreja,
a forma mais verdadeira do mal, vem de dentro. A própria Igreja é corrupta, especialmente
“no lugar que denota o feminino”, e assim como excremento cobriu a cabeça do Mal assim
este saiu do corpo da Igreja. Muito embora esta imagem sugira que toda esperança está
perdida e a recuperação da Igreja é agora impossível, Hildegard deixa espaço para a esperança
e a antecipação da reforma: os sapatos da Ecclesia são brancos, o que indica um tempo de
bondade e reforma espiritual. Ainda, conforme explicita, o nascimento do Anticristo é a
imagem para a qual os estudiosos apontam ao descreverem Hildegard como “original”,
“radical”, e “inovadora”. Esta é também a imagem que resume todas as queixas de Hildegard
contra abuso clerical, corrupção secular, heresia, simonia e declínio espiritual.
Elledge (2010, p. 44-45) acrescenta que esse aspecto violento não chega a negar
definitivamente a esperança da abadessa em um futuro pacífico e de refrigério espiritual154.
Para a autora, a visão de Hildegard acerca da Igreja atacada de dentro para fora foi uma
provação sangrenta e violenta. Estas visões não são simplesmente uma exegese apocalíptica
152
ELLEDGE, Allison Jaines. Contextualizing Hildegard of Bingen’s Violent and Apocalyptic Imagery.The
University of Tennessee, 2010, p.1-48. http://www.academia.edu/494645/Contextualizing-Hildegard-ofBingens-Violent-and-Apocalyptic-Imagery. Acesso em 25/10/2012.
153
ELLEDGE, 2010, p. 44.
154
ELLEDGE, 2010, p. 44-45.
76
baseadas em seu entendimento do Apocalipse ou da história da salvação. Estas visões
originam-se do contexto de seu mundo. Conforme a autora, o ataque ao mundo espiritual
pelos governantes imperiais, começando com Henrique IV e durante sua vida terminando com
Frederico Barbaruiva, enfraqueceu a fortaleza da Igreja. Isto, por sua vez, levou a que os
próprios membros da Igreja, desde o papa até àquelas almas que se tornaram hereges, dela
abusem, ataquem-na e a ignorem. Esta foi a base para a linguagem violenta de Hildegard, suas
críticas para ambos, o império e o papado. Ela foi capaz de ganhar autoridade, porque alegou
que suas visões vinham da boca de Deus. Ela também alegou autoridade devido a sua
habilidade em interpretar as Escrituras, denunciar o comportamento imoral e injustiças, e
profetizar. Contudo, durante este período, se compreendida a partir do modo em que
Hildegard o explicou, a mensagem mais importante que ela deu aos cristãos foi esperança e
renovação espiritual no futuro.
Há de se considerar esta afirmação com alguma ressalva, dado que, ao longo da
História da Igreja, não faltaram ocasiões de conflito entre o Papado e o Império155, e líderes
religiosos (homens e mulheres) também manifestaram seus descontentamentos através de seus
discursos e escritos, de caráter violento ou não. Logo, o contexto histórico não é somente o
fator determinante para o conteúdo violento de seus escritos.
155
McGINN, 1979, p. 62. [N.A.: notas foram omitidas]
“Gregory I, pope from 590 to 604, was a key figure in the development of the medieval papacy. (…) Although
Gregory did not compose any works specifically devoted to apocalyptic themes, his letters and sermons are filled
with a pronounced conviction, almost an obsession, with the imminence of the End of the world”.
p. 64
“Gregory to the Emperor Maurice (June, 597)
…About this matter the good will of the bishops in their ordinances has commanded me that scandal ought not
be aroused among us for the sake of the use of a frivolous title. I ask the Imperial Goodness consider that some
frivolous titles are quite harmless and others are exceedingly harmful. Isn’t it true that when Antichrist comes
calling himself God that this will not be harmless but rather very dangerous? If you regard the length of the
utterance, there are only two syllables in ‘Deus,’ but if you look at the weight of the evil, there is total
destruction. I say with all confidence that whoever calls or desire to call himself ‘universal priest’ in selfexaltation is a precursor of the Antichrist because he places himself before others in his proud bearing and by
like pride is led to error”.
p. 62
“Gregório I, papa entre 590 a 604, foi uma figura chave no desenvolvimento do papado medieval. (...) Embora
Gregório não compusesse quaisquer obras especificamente devotadas a temas apocalípticos, suas cartas e
sermões apresentam uma pronunciada convicção, quase uma obsessão, da iminência do Fim do mundo”.
p. 64
“Gregório ao Imperador Maurício (junho, 597)
... Acerca deste assunto a boa vontade dos bispos em suas ordenações mandou-me que escândalos não deveriam
levantar-se entre nós pelo bem do uso de um título frívolo. Eu peço que sua Imperial Bondade considere que
alguns títulos frívolos são quase inofensivos e outros são excessivamente danosos. Não é verdade que quando o
Anticristo vier chamando a si mesmo de Deus, que isto não será inofensivo, mas pelo contrário muito perigoso?
Se você considera o comprimento da afirmação, existem somente duas sílabas em ‘Deus’, mas se você olha para
o peso do mal, existe destruição total. Eu afirmo, com total confiança, que qualquer que chame ou deseje chamar
a si mesmo de ‘padre universal’ em autoexaltação, é um precursor do Anticristo, porque ele se coloca à frente de
outros em seu modo orgulhoso e, através deste orgulho, é levado ao erro”.
77
McGinn, (1979, p. 97), tinha já asseverado a importância do ambiente em que
Hildegard viveu e a originalidade de sua obra de caráter apocalíptico156.
Os eventos da Grande Reforma também exerceram um papel nas
especulações da visionária e profetisa Hildegard von Bingen (1098-1179),
uma das mais admiráveis líderes religiosas de sua época. As visões
impressionantes de Hildegard a caracterizam como um dos pensadores
apocalípticos mais originais desde o período intertestamentário. (...)
Hildegard não era particularmente papista; na verdade, ela previu que
ambos os poderes universais da cristandade, o império e o papado, cairiam
à medida que a era de crise se aproximasse. De acordo com o seu
pensamento, este tempo de angústia, o tempus muliebre, começou no fim do
décimo-primeiro século com os ataques de Henrique IV sobre a Igreja.
Embora a abadessa germânica tenda a estar menos preocupada com os
detalhes da grande controvérsia do que alguns de seus contemporâneos*, é
óbvio que sua visão de história somente pode ser compreendida dentro do
contexto do movimento da Grande Reforma.
O aspecto repentino das tribulações157 que virão também é enfatizado por Hildegard,
que salienta o enfraquecimento dos valores cristãos, sobretudo a gratidão a Divindade.
O martírio e sofrimento também são mencionados por Mechthild158, com ênfase nas
figuras de Enoque e Elias159, profetas dos últimos dias que enfrentarão corajosamente o
Anticristo.
156
McGINN, 1979, p. 97 [N.A.:notas foram omitidas]
“The events of the Great Reform also played a role in the speculations of the visionary and prophetess
Hildegard of Bingen (1098-1179), one of the most remarkable religious leaders of the time. Hildegard’s striking
visions mark her as one of the most original apocalyptic thinkers since the intertestamental period. (…)
Hildegard was not particularly papalist; indeed, she predicted that both the universal powers of Christendom,
the empire and the papacy, would fail as the age of crisis unfolded. According to her thought, this time of
trouble, the tempus muliebre, began at the end of the eleventh century with the attacks of Henry IV upon the
Church. Although the German abbess tends to be less concerned with the details of the great controversy than
some of her contemporaries, it is obvious that her view of history can only be understood within the context of
the Great Reform movement”.
[*N.A.: O autor citou à página 95 que a Grande Reforma teve repercussões profundas na ‘Alemanha’, lar do
império. Os autores de origem germânica que escreveram sobre o assunto, apresentando textos de cunho
apocalíptico, foram: Rupert de Deutz (c. 1070-1129), Otto de Freising (c.1110-1158) e Gerhoh de Reichersberg
(1093-1169), páginas 95 e 96, respectivamente]
157
Vide Anexos (2)
158
Vide Anexos (2)
159
O texto canônico de caráter apocalíptico que possivelmente pode ser atribuído a estes personagens encontrase em Apocalipse 11, v. 1-13. Há de se ressaltar diversas interpretações sobre quem ou o que seria estas duas
testemunhas, e apenas para ilustração, seguem algumas delas:
78
Quanto à utilização destes personagens por parte de Mechthild, deMayo160 (1999, p.
88) afirma que a autora buscava enaltecer práticas religiosas (sofrimento, martírio, santidade)
que visassem uma maior comunhão com a Divindade. Conforme o autor, o pensamento
escatológico de Mechthild é expresso primariamente em visões encontradas no Livro 4,
capítulo 27 e Livro 6, capítulo 15 da Luz Fluente da Divindade. Estas visões contêm dois
temas significantes. Primeiro, Mechthild descreve um ordem futura em hábitos vermelho e
branco e em segundo lugar, Mechthild descreve o sofrimento de Enoque e Elias nas mãos do
Anticristo. Para o autor, Enoque e Elias exemplificam para Mechthild as características
religiosas que ela cultivava em si mesma – sofrimento, martírio, santidade e comunhão com
Deus. As visões do futuro de Mechthild provêm dos mesmos interesses que perfazem o resto
da Luz Fluente da Divindade. Ela não está interessada no fim do mundo por causa do fim
em si mesmo, mas nas oportunidades para santidade que este possui.
Mais adiante em seu texto, o autor considera que a religiosa não tenha sido
influenciada por Joaquim de Fiore161, uma vez que a mesma descreve sua visão dos últimos
dias de forma tradicional, de acordo com as correntes interpretativas à época. Para ele,
a) seriam Enoque e Elias: os dois profetas que não passaram pela morte, mas foram levados ‘vivos’ para o
céu/seio de Abraão/paraíso, conforme Gênesis 5, v. 18-24 [“Henoc andou com Deus, depois desapareceu, pois
Deus o arrebatou” – Bíblia de Jerusalém, p. 41], e 2 Reis 2, v. 11 [“E aconteceu que, enquanto andavam e
conversavam, eis que um carro de fogo e cavalos de fogo os separaram um do outro, e Elias subiu ao céu no
turbilhão”– Bíblia de Jerusalém, p. 508] e, por isso, “necessitam” percorrer o caminho de todos os mortais,
após a queda de Adão e também cumprem um desígnio divino para os últimos dias. De Mayo, 1999, p.91
acrescenta: “It is medieval tradition, not scripture, which identifies Enoch and Elijah with the two preachers in
Revelation 11:3-7. The reason for this identification is, I think, clear, God had caused both to be removed from
the Earth before their deaths. Scripture does not say that God takes Enoch and Elijah to the earthly paradise”.
b) seriam Moisés e Elias (um personificando a lei mosaica e outro o ministério profético): uma vez que o corpo
de Moisés foi sepultado pelo próprio Deus (Deuteronômio 34, v. 5-6 - Bíblia de Jerusalém, p. 305 e Epístola de
São Judas, v.9 - Bíblia de Jerusalém, p. 2137), um mistério cerca este episódio, dando margem a especulações
desta ordem. Além disso, o transformar água em sangue e o fazer cair fogo do céu são exemplos da atuação
respectiva de Moisés e Elias. Estes sinais, facilmente reconhecíveis pelo povo judeu, levam a interpretação de
que o surgimento destas duas testemunhas focará a conversão dos hebreus para a mensagem do Evangelho.
c) tipificam duas “igrejas”, a judaico-messiânica e a gentílica, que testemunham diante do Anticristo com a
autoridade – “...as duas oliveiras e os dois candelabros que estão diante do Senhor da terra”. Bíblia de
Jerusalém, p. 2152. As associações simbólicas remetem ao candelabro que aparece no próprio texto
apocalíptico (Ap 2:5 – igreja de Éfeso) e à oliveira (povo de Israel – oliveira X oliveira silvestre - igreja
gentílica) – cf. Romanos 11, v. 16-24, Bíblia de Jerusalém, p. 1985. Estas testemunhas têm seus corpos
expostos na Grande Cidade (Roma, cf. Bíblia de Jerusalém, p. 2153, nota “b”), associada aos termos Sodoma e
Egito e aos arredores [obs.: Jesus foi crucificado fora dos limites da cidade – ‘fora da porta’] de Jerusalém –
“...onde também o Senhor delas foi crucificado”.
A questão “geográfica” tão abrangente e com conotações espirituais de caráter negativo, isto é, em contraste com
a Cidade Santa que “desce do céu” (Ap. 21, v.1) induz a uma interpretação de perseguição generalizada.
d) seriam dois profetas (desconhecidos, ainda por nascerem) que atuariam nos últimos dias com o mesmo poder
e autoridade que foram conferidos a Moisés e Elias, representando toda a cristandade.
e) conforme nota “k” às pág. 2152 e 2153 – Bíblia de Jerusalém, “... Já não é possível identificá-los. Pensou-se
frequentemente em Pedro e Paulo, martirizados em Roma sob Nero (vv.7-8)”.
160
deMayo, 1999, p. 88.
161
deMayo, 1999, p.88-91.
79
contrário ao que muitos estudiosos afirmam, a obra de Mechthild falha em exibir quaisquer
traços distintivos de influência joaquimita. Uma obra joaquimita exibirá, geralmente falando,
uma ou ambas das seguintes características: ou (1) um padrão triplo (a era do Pai, a do Filho e
a do Espírito Santo) em seu tratamento da história, ou (2) a expectativa de um tempo de paz e
iluminação espiritual entre a morte do Anticristo e o Juízo Final.
Acrescenta, ainda, (1999, p. 88-91) que dentro das seções cruciais do livro 4,
capítulo 27, e livro 6, capítulo 15, Mechthild apresenta o Anticristo e o Juízo Final de uma
forma completamente tradicional. Para deMayo, a tradição do Anticristo encontra sua
formação ortodoxa em primeiro lugar nos escritos do abade otoniano do décimo século, Adso
de Montier-en-Der, e então no Compendium theologicae veritatis falsamente atribuído a
Albertus Magnus, mas escrito realmente pelo dominicano Hugo Ripelin, que viveu por volta
de 1260. Sua difusão na cultura de língua alemã pode ser medida pela obra de Ripelin e
também pelo Anônimo de Passau (c. 1260/66), um outro monge alemão contemporâneo de
Das fliessende Licht de Mechthild. Ripelin e Anônimo concordam quase completamente
acerca da lenda do Anticristo. O Anticristo nascerá no leste. Ele viajará para Jerusalém, onde
ele se circuncidará a si mesmo e ganhará os judeus para sua causa. Ele tentará vencer os
cristãos através de uma série de milagres engendrados por demônios, tais como voar e uma
“ressurreição” encenada. Ele perseguirá os cristãos e sofrerá oposição de Enoque e Elias (que
retornarão do Paraíso Terrestre) por três anos. Ele então os matará publicamente e exibirá os
seus corpos. Após suas mortes, contudo, um anjo será visto levando-os para o céu. Então, o
Anticristo subirá o Monte das Oliveiras com a intenção de parodiar a ascensão de Cristo. Isto
será muito para Deus, que prontamente atingirá de forma mortal o Anticristo, através da
atuação ou de Cristo ou do arcanjo Miguel. Um curto período de paz se seguirá, e então
acontecerá o Juízo Final. Haverá uma ressurreição corporal e a separação entre bons e maus.
Então o mundo acabará. O livro 4, capítulo 27 e o livro 6, capítulo 15 encaixam-se em muito
às seções de Ripelin ou do Anônimo de Passau que cobrem o mesmo material, isto é, a estória
acerca de Enoque e Elias. Para o autor, a estória joaquimita, por outro lado, acontece bem
diferentemente da versão ortodoxa. Seu Anticristo não vem do leste, mas do oeste, e é
anunciado por muitos sinais diferentes e Anticristos menores, que são identificados com as
sete cabeças do dragão do Apocalipse 17:9-10. O mais importante de tudo, contudo, é o fato
do Anticristo de Joaquim não preceder imediatamente o fim do mundo. Após a morte do
Anticristo, haverá um tempo de paz e felicidade, antes que a cauda do dragão (ou Gog)
80
chegue. Não existe alusão da sequência joaquimita na obra de Mechthild. Ela diz,
explicitamente, que os eventos que ela descreve acontecem no fim dos tempos.
Hildegard já tinha escrito acerca do importante papel que Enoque e Elias exercem
durante a tribulação, enfatizando a corrupção do ensino das Escrituras entre a comunidade de
fé162 e a atuação didático-profética dos mesmos.
Quanto à figura do Anticristo, temos alguns detalhes pertinentes que Hildegard
acrescenta em sua obra posterior e que encontra respaldo em possível influência exercida pela
obra de Adso de Montier-en-Der, conforme nota de Marta Cristiani163.
Naquele tempo uma mulher imunda conceberá um filho imundo; porque a
antiga serpente, que enredou Adão, o encherá de sua fileira de soldados
enxameados, a fim de que nada de bom possa entrar nem residir nele 79 [79 A
imagem da immunda mulier está presente também em Scivias (III 11, p.
576; 589-591) e liga Hildegard a uma bem definida tradição de literatura
sobre o Anticristo que tem o seu representante mais notável em Adso (De
Antichristo, CCCM, XLV, p. 20-30). A propósito das artes diabólicas das
quais o Anticristo fará uso – como concordantemente aceito dentro da
literatura que lhe diz respeito – confira o uso da mesma expressão (magica
arte) in III 3, 2 e nota 8.] Será criado em lugar oculto e solitário, a fim de
que não possa ser reconhecido pelos homens, e será instruído em todas as
artes diabólicas; será mantido escondido enquanto não chegue a plenitude
da época; e não manifestará a própria maldade, enquanto não reconheça
possuir completamente e de maneira superabundante todas as artes do mal.
(...)
p. 1093
162
Vide Anexos (2)
Liber divinorum operum simplicis hominis– Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XXVIII (p.1091 e nota à
página 1300)–(Parte), p. 1093.
“In quel tempo una donna immonda concepirà un figlio immondo; perché l’antico serpente, che risucchiò
Adamo, lo riempirà della sua schiera brulicante, affinché niente di buono possa entrare né risiedere in lui. 79 [79
L’immagine della immunda mulier è presente anche nello Scivias (III 11, pp. 576 e 589-91) e collega Ildegarda
a una ben definita tradizione di letteratura sull’Anticristo che ha il suo rappresentante più noto in Adso (De
Antichristo, CCCM, XLV, pp.20-30). A proposito dele arti diaboliche di cui l’Anticristo farà uso – come
concordemente ammesso nella letteratura che lo concerne – cfr. l’uso della stessa espressione (magica arte) in
III 3, 2 e nota 8.] Sarà allevato in luoghi occulti e appartati, affinché non possa essere riconosciuto dagli
uomini, e sarà istruito in tutte le arti diaboliche; sarà tenuto nascosto finché non sarà nella pienezza dell’età; e
non manifesterà la propria malvagità, finché non riconoscerà di possedere completamente e in maneira
sovrabbondante tutte le arti del male. (...)
p. 1093
“...appariranno moltissimi segni nel sole, nella luna e nelle stelle, nelle acque e negli altri elementi e in tutte le
creature, e dall’osservazione di tutti questi prodigi, che si potranno contemplare come se fossero dipinti in un
quadro, si potranno predire i mali futuri”.
163
81
… aparecerão muitíssimos sinais no sol, na lua e nas estrelas, nas águas e
nos outros elementos e em todas as criaturas, e da observação de todos
esses prodígios, que se poderão contemplar como se fossem pintados em um
quadro, se poderá predizer os males futuros.
Há de se observar que sinais também acontecerão nos céus durante a atuação maligna
do Anticristo, antecipando os sinais últimos do juízo divino. Mechthild descreve a
perseguição aos fiéis com cenas estarrecedoras de homens sendo separados de suas mulheres
e filhos e ambas as partes (homens primeiro) sendo queimadas até a morte164.
A imagem referente aos Últimos Dias e a Queda do Anticristo presente no Códice de
Rupertsberg [reproduzida em Wisse die Wege, sob o título “Das Ende der Zeiten – Tafel 32/
Schau III 11” (O fim dos tempos – Folha 32/ Visão III 11) e também em EMMERSON (2002,
p. 96)] tem sua originalidade, conforme figura abaixo, e auxilia na compreensão do impacto
da mensagem proferida por Hildegard, aspecto enfatizado por Emmerson165 (2002, p. 107).
De acordo com o autor, o Anticristo de Hildegard e seu apocalipticismo se encontram entre
dois extremos. Para ele, Kerby-Fulton superestima as tendências milenaristas de Hildegard,
contudo ele concorda que as visões são potencialmente radicais, como evidente na miniatura
de Rupertsberg. O Anticristo de Hildegard e seu apocalipticismo, em geral, são
simultaneamente radical e conservador, dependendo se o foco é colocado nas ricas ilustrações
visuais de sua experiência visionária ou em sua extensa explanação verbal acerca da mesma.
Figura 3 – Das Ende der Zeiten (O fim dos tempos)
164
165
Vide Anexos (2)
EMMERSON, 2002, p. 107.
82
A visão doze do terceiro livro de Scivias166 apresenta o Juízo Final e novos céus e
nova terra, um tempo de descanso e paz para os fiéis. O juízo divino põe em movimento os
elementos metereológicos, altera a configuração da natureza167, tanto na ordem física quanto
espiritual, pois as mudanças naturais simbolizam também alterações nas hierarquias de
poderes espirituais. Por sua vez, Mechthild168 também descreve um tempo de consolo, paz e
liberdade, sem acepção de origem social (...shall dwell in a common house...) e na ausência de
enfermidades. Seu trabalho de beguina implicava em atividades diárias de cuidado dos
doentes.
Morel169 (1869, p. XIII), em sua introdução ao livro de Mechthild, comenta acerca de
sua descrição das regiões celestes e o faz citando Hildegard, conforme trecho transcrito
abaixo a partir do original de 1869 (vide figura):
166
Vide Anexos (2)
Vide Anexos (2)
168
Vide Anexos (2)
169
MOREL, P. Gall. Offenbarungen der Schwester Mechthild von Magdeburg, des XIII. Jahrhunderts mit
unverändertem Texte in jeziger Schriftsprache herausgegeben von P.Gall Morel, Benediktiner in Einsieldeln.
Regensburg, Druck und Verlag von Georg Joseph Manz, 1869. Introdução, p. XIII. In:
167
83
...Allein
die
„Offenbarungen”,
die
sie
in
den
Stunden
ihrer
Veranschaulichkeit empfangen, verbreiten sie auch noch über die jenseitigen
Regionen der Hölle, des Fegfeuers und des Himmels mit eigenthümlicher
Zeichnung. Sie beklagt wiederholt und nicht ohne eine gewisse Schärfe in
der Weise in der seligen Hildegardis den gesunkenen Zustand der
Christenheit in Kirche und Reich, bei der Geistlichkeit und bei der
Laienschaft, was, verbunden mit einigen gewagten Lehren, ihr auch die
Miβkennung von Seite ihrer Mitschwestern mag zugezogen haben, über die
sie zum öftern Klage führt.
Somente, as ‘Revelações’, que ela recebeu em suas horas de visionabilidade,
estendem-se com particular desenho para além das regiões opostas do
Inferno, Purgatório e Céu. Ela lamenta repetidamente e não sem certa
rispidez, semelhante ao modo da bem-aventurada Hildegard, o estado
decaído da cristandade, na Igreja e no Império, junto ao clero e aos leigos,
o que, aliado a sua ousada doutrina, pode lhe ter atribuído, por parte de
suas
co-irmãs,
um
conhecimento
equivocado,
sobre
o
que
ela
frequentemente se lamentava.
http://books.google.com.br/books?id=iiQ9AAAAcAAJ&pg=PR27&lpg=PR27&dq=Die+Seele+lobt+Gott+in+f
%C3%BCnf+dingen&source=bl&ots=_7Bp5w06zc&sig=0e-tWsVwnyEmHIU4Lc3iR_b20Do&hl=ptBR&sa=X&ei=w_h0UMvBFLK90QHUk4G4Bg&sqi=2&ved=0CCAQ6AEwAA#v=onepage&q=Die%20Seele
%20lobt%20Gott%20in%20f%C3%BCnf%20dingen&f=false, acesso em 10/10/2012.
84
Figura 4 – Texto original (MOREL, P.Gall)
Howard, em seu texto de 1984 (p. 171), dentre outras passagens da obra de
Mechthild, seleciona aspectos interessantes de sua visão acerca do céu170 e inferno:
170
HOWARD, 1984, p. 171 e nota à página 183.
“[3.1] ... (…) The creation of this house signifies heaven, the choirs in it signify the kingdom – therefore one
speaks of them together as the kingdom of heaven. The kingdom of heaven is finite in its statutes but infinite in its
essence. (…) After the day of judgment holy maidens shall fill the space above the seraphim from where Lucifer
85
[3.1] … (…) A criação desta casa significa céu, os coros nela significam o
reino – portanto, fala-se deles juntos como o reino do céu. O reino do céu é
finito em sua estatura, mas infinito em sua essência. (...) Após o dia do
julgamento, santas virgens preencherão o espaço acima do serafim de onde
Lúcifer e seus favoritos tinham sido lançados. (...) O reino todo ficou
aterrorizado e os pilares do céu balançaram. Muitos outros caíram. Este
vácuo [N.: Mechthild usa o termo alemão ellende, o qual mais
acuradamente denota um lugar de exílio ou banimento ou uma terra
estrangeira ou estranha, compare Neumann, ‘Beiträge’, p. 73.] ainda está
vazio e deserto; não existe ninguém nele – contudo ele é luz para si mesmo e
resplandece em êxtase para a glória de Deus. Acima do vácuo está o trono
de Deus, cercado por Seu poder em claro, ardente brilho de fogo, o qual
chega até abaixo para o céu do querubim.
O mesmo autor (1984, p. 175), em nota ao texto de Morel, recusa a terminologia
usada pelo mesmo171, pois para ele Mechthild elenca aqueles que podem ser destinados ao
inferno, que são os cristãos, judeus e pagãos.
and his minions had been cast. (…) The whole kingdom was terrified and the pillars of heaven shook. Many
others collapsed. This void [N.: Mechthild uses the German ellende, which more accurately denotes a place of
exile or banishment or a foreign or strange land, compare Neumann, ‘Beiträge’, p. 73.] is still empty and
barren; there is no one in it – yet it is light unto itself and it glitters in rapture to the glory of God. Above the
void is the throne of God, vaulted by His power in bright, glowing, fiery brilliance which reaches down to the
heaven of the cherubim”.
171
HOWARD, 1984, p. 175 e nota à página 183.
“[3.21] ... (...) At times he bloats himself up to such a great size and his beak expands greatly – with this he
swallows Christians, [N.: Morel’s text reads tufel, ‘devils’, apparently a mistake, since Mechthild divides all
those condemned to hell into Christians, Jews, and heathens.] Jews, and heathens with one breath”.
“[3.21] … (…) Por vezes, ele [N.A. no caso, Mechthild refere-se a Lúcifer no inferno] infla-se a si mesmo até
em cima com grande tamanho e seu bico expande-se enormemente – com isto ele engole cristãos, [N.: Texto de
Morel lê-se tufel, ‘demônios’, aparentemente um erro, pois Mechthild divide todos aqueles condenados ao
inferno em cristãos, judeus e pagãos.] judeus e pagãos com um sopro”.
86
V. CONCLUSÕES
O título deste capítulo transmite não um sentimento de término, porém de algo
inconcluso, algo de certa forma infinito em seu desenrolar, que possa ser descoberto em
fontes paralelas anteriormente citadas e ainda desconhecidas. Como não se interessar mais
pelo que Adso possa ter escrito acerca da figura do Anticristo172, ou o que Agostinho, muito
anteriormente, emitira sobre as épocas e eras da história? O que Gregório Magno poderia
ainda ter escrito em suas missivas que possa ter chegado até Hildegard e/ou Mechthild?
Afinal de contas, Joaquim de Fiore (tal falado e ainda há tanto para se apreender em suas
obras) exerceu alguma influência sobre Mechthild ou não?
A linguagem apocalíptica, a temática do fim da ordem natural e de seres e coisas que
apalpamos, sentimos e amamos, irá certamente ensejar outros estudos em História
Comparada, seja através da análise de textos visionários medievais femininos, ou de cartas e
tratados, comentários e exegeses, não importando exatamente o tipo de fonte a ser pesquisada,
mas sim a sua mensagem, que ainda é objeto de apaixonantes estudos.
Then I saw the lucent sky, in which I heard diferent kinds of music,
marvellously embodying all the meanings I had heard before. Scivias, Livro
III, Visão 13, p. 525
Então eu vi o céu brilhante, no qual eu ouvi diferentes tipos de música,
maravilhosamente incorporando todos os significados que eu tinha ouvido
antes. Scivias, Livro III, Visão 13, p. 525.
172
McGINN, 1979, p.82
“... Adso composed his Letter on the Origin and Life of the Antichrist about 950”.
p. 84
“In a manner similar to other key texts in the history of apocalypticism, Adso’s Letter was edited, adapted, and
revised extensively in the succeeding centuries”.
“THE ORIGIN OF THE ANTICHRIST
Since you want to know about the Antichrist, the first thing to observe is why he is so named. It is because he will
be contrary to Christ in all things and will work deeds against Christ”.
“…Adso compos sua Carta sobre a origem e vida do Anticristo por volta de 950”.
p. 84
“De forma similar a outros textos-chave na história do apocalipticismo, a Carta de Adso foi editada, adaptada e
revisada extensivamente nos séculos subsequentes”.
“A ORIGEM DO ANTICRISTO
Desde que você deseje conhecer sobre o Anticristo, a primeira coisa a observar é porque ele é nomeado desta
forma. É porque ele será contrário a Cristo em todas as coisas e efetuará obras contra Cristo”.
87
Assim, Hildegard inicia a Visão 13, do terceiro livro de Scivias, intitulada Sinfonia
dos Bem-aventurados [Symphony of the Blessed]. A música que a visionária escuta é capaz
de transmitir um sentimento de completude, de grand finale para aquilo que a ela vinha sendo
mostrado pela Divindade.
Assim também para Mechthild, o tempo de descanso e de união da alma que ama
com o seu Criador e Senhor é o alvo a ser alcançado, desejado.
Ambas as místicas anteviram tempos difíceis, tribulações, figuras emblemáticas
como Enoque e Elias, a figura sempre perversa e cruel do Anticristo, cataclismas e
sofrimentos, mas não perderam de ‘vista’ a certeza de uma recompensa e de um tempo futuro
de completa transformação dos elementos agora existentes, que regem o desenrolar da vida
sobre a terra, seja o sol, a lua, etc., como também de uma união com a indissociável
Divindade.
As diferenças que podemos realçar entre ambas as visionárias são: o caráter didáticoprofético dos escritos de Hildegard em contraponto ao aspecto devocional-confessional da
obra de Mechthild, a ausência de detalhes acerca do juízo divino na consumação dos
elementos celestes na obra de Mechthild, em oposição aos detalhes dantescos demonstrados
por Hildegard. Enquanto isso, temos o detalhamento do sofrimento dos mártires, de Enoque e
de Elias na mensagem deixada por Mechthild, que, diferentemente de Hildegard, chega a
reproduzir diálogos dos mártires, a partir do que ela vislumbrara em seus momentos de êxtase.
Ambas empreenderam um caminho novo, estreito no que tange ao comportamento
feminino esperado para religiosas dos séculos XI e XII, pois seus escritos repercutiram de
forma a que chegassem até nós como obras únicas em forma, apresentação e conteúdo. Tal
como os grandes teólogos que percorreram caminhos distintos, mas que, por assim dizer, não
puderam passar ao largo da temática apocalíptico-escatológica, assim também Hildegard von
Bingen e Mechthild von Magdeburg não foram insensíveis ao que tem, ainda por séculos
posteriores, perscrutado os pensamentos de parcela significativa da humanidade.
Quanto à presença de elementos e/ou variáveis de caráter visionário-apocalípticos,
tais como rodas, querubins, anjos/corte de anjos, animais, múltiplos céus, paraíso, inferno,
Hades, espíritos deformados, purgatório, Jerusalém celeste, “Gog e Magog”, etc. encontramos
nos textos de Hildegard e Mechthild que a revelação se dá de forma direta, isto é, a própria
Divindade revela os mistérios, sem a intermediação de outros seres, seja através de visões e
também da “voz”. Já a utilização de figuras de animais para transmissão da mensagem ocorre
no texto hildegardiano. A visão do purgatório e do paraíso é tema mais recorrente em A Luz
88
Fluente da Divindade. A esfera celestial no que diz respeito aos céus após o juízo final é,
contudo, mais elaborada por Hildegard, em especial, na décima terceira visão do terceiro livro
de Scivias. Mechthild, por sua vez, comenta acerca de um duplo paraíso, o terrestre e o
celestial, os quais antecederiam o reino celeste definitivo ou reino de Deus e tece detalhada
visão (não necessariamente apocalíptica) sobre o inferno (Livro 3, 1).
Com base nos assuntos tratados no capítulo dois, podemos inferir que os textos
analisados não seriam propriamente designados como “apocalipses”, mas possuem mensagens
de cunho escatológico, que buscam alcançar os objetivos de antemão declarados tanto por
Hildegard quanto por Mechthild, quais sejam: divulgar o que imperiosamente lhes fora
mostrado pela Divindade (apesar delas mesmas), alertar aqueles que as cercavam e exortar
uma comunidade de fé (que incluiria outras religiosas, líderes políticos e confessores
espirituais) para que atentassem aos ditames das Escrituras e dos fiéis do passado.
Ainda, em concordância com as palavras de Mechthild173, a compreensão daquilo
que realmente acometeu a ambas, tanto a Hildegard quanto a Mechthild, interage com
referências não apenas históricas de caráter geral, mas perpassa toda uma gama de
conhecimentos, experiências e caminhos já percorridos em âmbito pessoal. Ao leitor desses
textos cabe somente a percepção do muito que se há para descobrir, reconhecer, admirar e/ou
criticar, sem nunca, contudo, perder a felicidade ou deleite de se ver ainda diante de um
mundo, se não novo, já que se trata da Idade Média, mas certamente desafiador e instigante,
que é o mundo do além do visível e palpável, racionalizável ou controlável, o mundo do
futuro regido pela Divindade. A ele, Hildegard e Mechthild, ansiavam por ver, e elas, em paz,
o contemplaram, e por isso merecem a alcunha de VISIONÁRIAS DO TEMPO DO FIM.
173
MAGDEBURG, 1998, p. 261. [vide versão abaixo em inglês]
Livro 6, 36.
“One cannot grasp divine gifts with merely human understanding. And so they sin who do not keep their spirit
open to invisible truth. What one is able to see with the eyes of the flesh, hear with the ears of the flesh, and say
with one’s fleshly mouth is as utterly different from the open truth of the loving soul as light from wax is from the
bright sun”.
“Não se pode compreender os dons divinos com entendimento meramente humano. E assim eles pecam, aqueles
que não guardam o seu espírito aberto para a verdade invisível. O que alguém é capaz de ver com os olhos da
carne, ouvir com os ouvidos da carne e dizer com uma boca carnal é tão completamente diferente da verdade
descortinada da alma que ama como é a luz da vela diferente da luz brilhante do sol”.
89
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97
ANEXOS
1.
TABELA
DE
REFERÊNCIAS
ESCATOLOGIA/APOCALIPTICISMO
A
TERMOS
DA
Dada à complexidade desta tarefa em face das diversas acepções interpretativas para
esta terminologia, que variará de acordo com a literatura teológica confessional e/ou
acadêmica pesquisada, optou-se por remeter o leitor a somente um texto canônico básico
(Bíblia de Jerusalém), referência para os estudos bíblicos. Mesmo citando apenas uma
referência bíblica, esta talvez possa ter originado toda uma gama de diferentes acepções ao
longo da história da Igreja ocidental e também oriental.
Objetivando que o leitor ao aproximar-se do tema não vislumbre dificuldades, ainda
que existentes, mas tenha curiosidade em aprofundar-se ainda mais nas temáticas específicas
deste trabalho, foi compilada esta relação básica de termos comuns presentes em textos
escatológicos/apocalípticos. Por exemplo: o vocábulo Anticristo já ensejou inúmeras
interpretações, declarações e “certezas” por parte dos teólogos, religiosos e líderes. A própria
Hildegard empregou o termo em confronto às situações político-religiosas conturbadas de sua
época. Asseverar de forma definitiva acerca de tão controverso e discutido personagem é, no
mínimo, uma temeridade. Século após século, década após década surgem novas correntes
interpretativas, algumas retomando o que os antigos já afirmavam, e outras inovando, à
medida que as características sócio-históricas sofrem alterações ao longo do tempo.
TERMO
Anjo
REFERÊNCIA
“...Ele a manifestou com sinais por meio de seu Anjo,
enviado ao seu servo João, ...”. Ap. 1:1 (parte)
Nota: os anjos tem participação importante em todo o
livro do Apocalipse. Existe distinção entre querubins,
serafins, etc, de acordo com a função exercida.
Anjo = mensageiro, enviado
Anticristo
“Não vos deixeis seduzir de modo algum por pessoa
alguma, porque deve vir primeiro a apostasia, e
aparecer o homem ímpio, o filho da perdição, o
98
adversário, que se levanta contra tudo que se chama
Deus,
ou
recebe
culto,
chegando
a
sentar-se
pessoalmente no templo de Deus, e querendo passar por
Deus”. 2Tes 2:3-4
Nota: a partir da descrição acima, as características
básicas deste personagem seriam: impiedade, soberba,
carisma, ousadia, inimigo de Deus e da sua Igreja. Nero,
por exemplo, por ter possuído algumas dessas
características do Anticristo, foi a ele associado pelos
cristãos.
Armagedom
“Eles os reuniram então no lugar que, em hebraico, se
chama “Harmagedôn*”. Ap. 16:16
*Nota: É a montanha de Meguido, cidade da planície
que costeia a cadeia do Carmelo, lugar em que o rei
Josias foi derrotado (2rs 23,29s). Este lugar tornou-se
símbolo de desastre para os exércitos que nele se
reúnem (cf. Zc 12,11)
Besta
“Vi então uma Besta que subia do mar. Tinha dez
chifres e sete cabeças; sobre os chifres havia dez
diademas, e sobre as cabeças um nome blasfemo”. Ap.
13:1
“Vi depois outra Besta sair da terra: tinha dois chifres
como um Cordeiro, mas falava como um dragão”. Ap.
13:11
Nota: As duas bestas tipificam a atuação de dois
homens, que adicionados ao Dragão, personificariam a
trindade satânica em oposição à Trindade divina.
99
Daniel
“Quando, portanto, virdes a abominação da desolação,
de que fala o profeta Daniel, instalada no lugar santo –
que o leitor entenda! – então, os que estiverem na
Judeia fujam para as montanhas,” Mt. 24:15
Nome de um livro canônico. Profeta que escreveu
acerca dos reinos babilônico, medo-persa, grego e
romano, simbolizados pela estátua vista em sonho por
Nabucodonosor (Dn 2)
Dragão/Satanás/Diabo/Adversário/ Nomes diversos para aquele que ‘seduz toda a terra’, cf.
Lúcifer/Acusador/Serpente/
Pai da mentira/Ladrão
Ap. 12:1-18.
Nota: Tendo sido querubim ungido que levou a terça
parte das estrelas do céu [anjos] quando de seu rebelião
(Ez 28:14-19), tendo tentado a Eva e Adão no paraíso
(Gn 3) e a Jesus no deserto (Mt 4:1-11), o diabo
manifesta este traço salientado em Ap. 12: 9, qual seja,
o da sedução, que é uma característica associada
também a outro personagem semelhante, o Anticristo.
Dia /Último Dia/Volta do Senhor
A expressão ‘naquele dia’ ou Dia do Senhor, ou dia de
Iahweh,
associada
à
descrição
de
alterações
consideráveis da natureza é figura do juízo divino no
Antigo Testamento. Ver Is. 24:21-23, Zc 14, Joel 2,
Sofonias 1:14-18.
Volta do Senhor – volta de Cristo a terra. Cf. Ap. 19:1116, At 1:9-11, 2Tes 2, 2Pe 3.
Elias
Profeta que não morreu, mas foi levado aos céus ainda
vivo. Teve como sucessor a Eliseu. Cf. 2Reis 2
Enoque
Patriarca anterior ao dilúvio que não morreu, e também
foi levado vivo para o céu. Cf. Gênesis 5:24
100
Gog & Magog
Gog é designado príncipe da terra de Magog em
Ezequiel 37. Surge também no Ap. 20:7-10 e neste
contexto abrange um grupo de nações de alcance
mundial.
Juízo Final ou Grande Julgamento
Trata-se do juízo das nações e dos indivíduos. Cf. Ap.
20:11-15.
Megido
Vide Armagedom.
Milênio
Período de paz, durante o qual o dragão é aprisionado e
a ordem natural atualmente conhecida é alterada: “Então
o lobo morará com o cordeiro, ...”. Cf. Is 11:6 e
Ap.20:1-6.
Reinado de Cristo na terra, cf. Ap. 19:15.
Nova Jerusalém
Cidade celestial; morada definitiva dos santos. Ap. 21 e
22.
Quiliasmo (ou periodo de mil
Vide Milênio.
anos)
Sinais nos céus, sol, lua, etc.
Manifestação de eventos extraordinários na esfera
natural, os quais a humanidade desconhece, cf. Mt.
24:29.
Selo
Os selos que são abertos no livro do Apocalipse
simbolizam níveis de autoridade e preconizam juízos.
Ap. 5:1.
Nota: O selo era colocado sobre um documento para
garantir a autenticidade e autoridade de quem o emitia.
Neste caso, a autoridade para quebrar os selos somente
Cristo possui, cf. Ap. 5:5.
Taça
Símbolo de recipiente que contém o ‘vinho do furor da
101
ira’ de Deus; juízo divino sobre a terra. Ap. 16:1.
Símbolo de recipiente que contém as orações dos santos.
Ap. 5:8.
Nota: Pode-se inferir que os juízos são respostas às
orações dos mártires, cf. Ap. 6:9-11, isto é, após as taças
serem cheias com as orações dos santos, elas
transbordariam para a terra em forma de juízo sobre a
natureza, a humanidade, manifestando uma dupla
função.
Testemunha/Duas Testemunhas
Ap 11:1-13.
Tribulação (grande tribulação)
Período de perseguição aos cristãos. Cf. Ap. 7:13-14,
Mt. 24. [discurso escatológico]
Trombeta
Símbolo de anúncio profético. Cf. Joel 2, Ap. 8:6-13.
Nota: as trombetas eram utilizadas em batalhas, para
transmissão de ordens específicas e também nas
solenidades religiosas. No caso do Livro do Apocalipse,
são os exércitos dos céus que ao ouvirem as trombetas
executam as ordens divinas, no que diz respeito à
aplicação de juízos diversos.
102
2. FONTES (PARTE)
Scivias – Livro 3 - Visão Onze (p. 493-511) - Os Últimos Dias e a Queda do Anticristo
p.493
“Then I looked to the North, and behold! Five beasts stood there. One was like a dog, fiery
but not burning; another was like a yellow lion; another was like a pale horse; another like a
black pig; and the last like a gray wolf. And they were facing the West. And in the West,
before those beasts, a hill with five peaks appeared; and from the mouth of each beast one
rope stretched to one of the peaks of the hill”.
(…)
p.494
And I heard the voice from Heaven saying to me:
All things that are on earth hasten to their end, and the world droops toward its end, oppressed
by the weakening of its forces and its many tribulations and calamities. But the Bride of My
Son, very troubled for her children both by the forerunners of the son of perdition and by the
destroyer himself, will never be crushed, no matter how much they attack her. (…) … five
beasts stand there. These are the five ferocious epochs of temporal rule, brought about by the
desires of the flesh from which the taint of sin is never absent, and they savagely rage against
each other.
(…)
Another is like a yellow lion; for this era will endure martial people, who instigate many wars
but do not think of the righteousness of God in them; for those kingdoms will begin to
weaken and tire, as the yellow color shows.
(…)
p. 498
16. The Church near the end of the world will be bathed in righteous blood.
And from her knees to her tendons where they join her heels, which appear white, she is
covered with blood. For at the time near the end of the world when she must endure assault,
until the coming of the two witnesses of Truth who will keep the Church together by their
strength, she will suffer most terrible persecutions, and the blood of those who despise the
Destroyer will be most cruelly shed.
103
p. 493
“Então eu olhei para o norte, e eis que vejo! Cinco bestas estavam de pé ali. Uma era como
um cachorro fogoso, mas não queimando; outra era como um leão amarelo; outra como um
cavalo pálido; outra como um porco preto; e a última como um lobo cinza. E eles estavam de
frente para o oeste. E no oeste, em frente a estas bestas, aparecia uma montanha com cinco
cumes; e da boca da cada besta um corda estendia-se a um dos cumes da montanha”.
(...)
p. 494
E ouvi a voz do céu, dizendo para mim:
Todas as coisas que estão sobre a terra se apressam para o fim, e o mundo decai em direção ao
seu fim, oprimido pelo enfraquecimento de suas forças e de suas muitas tribulações e
calamidades. Porém, a Noiva do Meu Filho, muito atribulada por seus filhos, tanto pelos
precursores do filho da perdição quanto pelo próprio destruidor, nunca será esmagada, não
importa o quanto eles a ataquem. (...) “... cinco bestas estavam de pé ali. Estas são as cinco
épocas ferozes de governo temporal, resultantes dos desejos da carne, da qual a corrupção do
pecado nunca está ausente, e eles brutalmente lutam uns contra os outros.
(...)
Outro é como um leão amarelo; porque esta era suportará povos guerreiros, que instigarão
muitas guerras, mas não pensam sobre a justiça de Deus neles; porque estes reinos começarão
a enfraquecer e cansar, como demonstra a cor amarela.
p. 498
16. A Igreja próxima do fim do mundo será banhada em sangue justo.
E de seus joelhos para os seus tendões, onde eles se unem aos seus calcanhares, que
aparecem brancos, ela está coberta de sangue. Pois, no tempo próximo ao fim do mundo,
quando ela deve enfrentar ataques, até a vinda das duas testemunhas da Verdade, que
manterão a Igreja unida através de suas forças, ela sofrerá as mais terríveis perseguições, e o
sangue daqueles que desprezam o Destruidor será vertido da forma mais cruel.
104
Liber divinorum operum simplicis hominis – Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XVII
(p.1065, 1067) – (Parte)
“XVII. Sed tamen inter hec omnia, uelut leo in libro Sciuias notatus ostendit, dura etiam
crudeliaque bella timore Dei abiecto multociens exurgent et plurimi hominum in occisione
cadente plurimeque ciuitates per destructionem ruent. Sicut enim uir fortitudine sua femineam
molliciem uincit et ut leo relíquias bestias superat, ita et crudelitas quorundam hominum
quietem aliorum in diebus illis per diuinum iudicium consumet, quoniam Deus crudelitatem
penarum ad purgationem iniquitatum inimicis suis tunc concedet, sicut etiam a principio
mundi semper fecit.” (p. 1064)
(...)
“Sed et tam noue et incognite ordinationes iusticie et pacis tunc aduenient, ut homines inde
admirentur, dicentes quoniam talia prius nec audierint nec cognourerint, et quia pax ante
diem iudicii ipsis data sit, sicut etiam pax primum aduentum filii Dei precucurrit, pre timore
tamen superuenturi iudicii pleniter gaudere non ualentes, sed omnem iusticiam in catholica
fide ab omnipotente Deo querentes; Iudeis etiam gaudentibus et illum iam adesse dicentibus,
quem uenisse modo negant”.
8.2 - “XVII – Tuttavia, come ci mostra il leone di cui ho scritto nel libro Scivias [Cfr.Scivias
III 11, pp.576-7 e 578-9], durante lo svolgersi di questi eventi scoppieranno sovente guerre
dure e crudeli perché il timore di Dio sarà dimenticato e moltissimi uomini cadranno uccisi,
mentre un gran numero di città andranno in rovina. Come infatti l’uomo con la sua forza
vince la debolezza femminea, e come il leone è più forte di tutti gli altri animali, così la
crudeltà di alcuni uomini porrà fine ala pace di altri come se fosse l’esecutrice del giudizio
divino, perchè sarà Dio a permettere ai suoi nemici di infliggere pene crudeli per purificare
dal male, come ha sempre fato dall’inizio del mondo”.
(…)
“Compariranno allora ordinamenti di giustizia e di pace così nuovi e sconosciuti, che gli
uomini se ne meraviglieranno e sosterranno di non aver mai sentito parlare né avuto notizia
di tali cose; e poiché la pace sarà data loro prima del giorno del giudizio, così come la pace
precorse l’avvento del figlio di Dio, non potranno goderne appieno per timore del giudizio
futuro, ma invocheranno Dio onnipotente di giustificarli nella fede universale; e anche gli
105
ebrei saranno pieni di gioia e affermeranno che allora sarà giunto colui di cui ora non
riconoscono la venuta”.
8.2 – “XVII – Todavia, como se mostra o leão de que escrevi no livro Scivias [Cf. Scivias III
11, p. 576-7 e 578-9], durante o desenrolar desses eventos explodirão frequentemente
guerras duras e cruéis, porque o temor de Deus será esquecido e muitos homens cairão
mortos, enquanto um grande número de cidades estará em ruínas. Como, de fato, o homem
com a sua força vence a fraqueza feminina, e como o leão é mais forte do que todos os outros
animais, assim a crueldade de alguns homens porá fim a paz de outros como se fosse a
executora do juízo divino, porque será Deus a permitir aos seus inimigos infligirem penas
cruéis para purificar do mal, como sempre tem feito desde o início do mundo”.
(…)
“Aparecerão, naquele tempo, ordens de justiça e de paz tão novas e desconhecidas, que os
homens maravilhar-se-ão e proclamarão nunca terem ouvido falar nem tido notícia de tais
coisas; e desde que a paz será dada a eles antes do dia do juízo, assim como a paz antecipou
o advento do filho de Deus, não poderão desfrutar plenamente por temor do juízo futuro, mas
invocarão Deus onipotente para justificá-los na fé universal; e também os hebreus serão
cheios de alegria e afirmarão que naquele tempo estarão juntos àquele de quem agora não
reconhecem a vinda”.
Liber divinorum operum simplicis hominis – Terceira Parte – Visão 5 - Capítulo XXI
(p.1077) – (Parte)
“Sed et in ipsis diebus inter omnia hec, quemadmodum equus in libro Sciuias demonstrat,
petulantia mourm atque iactantia animorum, necnon plenitudo uoluptatum et aliarum
uanitatum absque reuerentia in hominibus multociens exurgent, quia illi in quiete pacis
quiescentes et habundantia frugum redundantes nullo incursu bellorum terrebuntur, nec
penúria frugum constringentur. Sed hec sibimet tribuentes, Deo, a quo omnia bona
procedunt, debitum honorem in his non exhibebunt.
Quapropter et tanta pericula prefatam quietem et habundantiam subsequentur, quanta prius
uisa non sunt. (...) Priores namque dies dolorum et calamitatum aliquam refocilationem et
reparationem interdum habebant; isti autem omnium dolorum et iniquitatum pleni a malis
non cessabunt, sed dolor dolori, iniquitas iniquitati in eis accumulabitur”. (p. 1076)
106
“In quel tempo, in mezzo a tutti questi avvenimenti, come mostra il cavalo nel libro Scivias,
l’arroganza dei costumi e la superbia degli animi, passioni e vanità senza alcun ritegno si
scateneranno appieno negli uomini, perché coloro che staranno tranquilli nella tranquillità
della pace godendosi l’abbondanza dele messi non avranno paura che scoppino guerre né
che le messi scarseggino. Anzi, attribuendo a sé tuttociò, non renderanno debitamente onore
per questi beni a Dio, da cui tutte le cose procedono.
Perciò a questa pace e abbondanza faranno seguito disastri così grandi come non si sono mai
visti prima. (...) Nelle epoche precedenti i dolori e le disgrazie avevano avuto ogni tanto
riposo e ristoro; ma quel tempo sarà così pieno di tormenti e iniquità che le sofferenze
saranno ininterrotte, e dolore si aggiungerà a dolore, iniquità a iniquità;”
“Naquele tempo, em meio a todos estes acontecimentos, como mostra o cavalo no livro
Scivias, a arrogância dos costumes e a soberba das almas, paixões e vaidade sem qualquer
autocontrole se difundirão plenamente nos homens, porque aqueles que estarão tranquilos na
tranquilidade da paz, usufruindo da abundância das colheitas, não terão medo que estourem
guerras nem que as colheitas se escasseiem. Antes, atribuindo a si mesmos tudo isto, não
renderão, devidamente, honra a Deus por estes bens, de quem todas as coisas procedem”.
“Por isso, a esta paz e abundância seguirão desastres demasiadamente grandes como nunca
anteriormente se viu. (...) Nas épocas precedentes as dores e as desgraças tinham encontrado
tanto repouso quanto conforto; mas aquele tempo será pleno de tormentas e iniquidade que
os sofrimentos serão ininterruptos, e dores se acrescentarão a dores, iniquidade a
iniquidade”;
MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler
Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von
Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990, p. 147-148.
“Des Endecristes gewalt ist also gros, das nieman ist sin genos. Als der babest wider in nit
me mag gestriten, so kert er sich zů den heligen brudern und lidet, das si lident. So kumt inen
ze helfe Enoch und Helyas, die nu sint in dem sussen paradyse und lebent da mit sele und mit
libe in der selben wunne und essent die selben spise, die Ade was gegeben, eb er da inne were
beliben”. (…)
107
“Der engel geleitet Enoch und Helyam us dem paradise. Die clarheit und die wunne, die si nu
hant an irme libe, dú můs alle alles da bliben. Als si dis ertrich angesehent, so erschrekent si,
als die man tůnt, die das mer ansehent und sich vorhtent, wie si úber komen sollent. So
enpfahent si denne irdenschen schin und mussent denne totliche menschen sin. So essent si
honig und vigen und trinkent wasser gemischet mit wine und ir geist wirt och von gotte
gespiset”.
MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de
Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 174-175.
Book IV – 27. Concerning the End of the Order of Preachers and the Antichrist; Concerning
Enoch and Elias [N.A. notas foram omitidas]
“The Antichrist’s power is so great that no one is his equal. When the pope can no longer do
battle against him, he turns to the holy brothers and suffers what they suffer. Then Enoch and
Elijah come to their aid. They are now in sweet paradise, living there in both soul and body in
the same bliss and eating the same food that had been given to Adam if he had remained
there”. (…)
“An angel accompanies Enoch and Elijah from paradise. The radiance and bliss that show on
their bodies shall always be preserved. When they behold the earth, they shudder, as men do
who look upon the sea and wonder in fear how they are going to get across it. Then they
receive earthly appearances and, as a result, become human beings who are mortal. They eat
honey and figs and drink water mixed with wine, and their spirits also receive sustenance
from God”.
“O poder do Anticristo é tão grande que ninguém lhe é equivalente. Quando o Papa não
pode mais lutar contra ele, volta-se para os irmãos santos e sofre o que eles sofrem. Então
Enoque e Elias vêm ajudá-los. Eles estão agora em doce paraíso, vivendo em ambos, corpo e
alma, na mesma felicidade perfeita e comendo a mesma comida que teria sido dada a Adão
se ele tivesse permanecido lá”. (…)
“Um anjo acompanha Enoque e Elias do paraíso. A irradiante e perfeita felicidade que
mostram em seus corpos serão sempre preservadas. Quando eles contemplam a terra, eles
estremecem, como os homens que olham para o mar e imaginam com medo como eles
conseguirão atravessá-lo. Eles, então, recebem aparências terrestres e, como resultado,
108
tornam-se seres humanos que são mortais. Eles comem mel e figos e bebem água misturada
com vinho, e seus espíritos recebem também sustento de Deus”.
Obs.: Há de se observar a variação do vocábulo Endecrist presente na edição crítica em
médio-alto alemão, de Hans Neumann, para o texto em inglês, Antichrist. Das Ende - o fim,
em alemão moderno diferencia-se do prefixo grego anti – contrário, oposto. O personagem do
Anticristo, personificação do mal em pessoa, será também, de acordo com Mechthild, o
“último” a se autoproclamar Cristo, algo que tem se repetido e pode ser constatado ao longo
da História da Igreja.
MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler
Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von
Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990, p 222.
“Da nach wisete mir got das ende dirre welte aber, swenne die jungesten brůdere sont
gemarteret werden also: Ir har das si niemer sont abegescniden, das ist von eime
sunderlichen vorrate des willen gottes; damitte heisset si Endecrist henken an die bome. Da
hangent si und sterbent vil schone, wan ir herze das brennet enbinnen von dem sussen
himelvúre also sere, als der licham qwelt in der not. Darumbe zwúschent dem troste des
heligen geistes und der pine des armen fleisches so scheidet ir sele von irm libe ane alle
eisunge der pine”.
MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de
Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 241-242.
Book VI – 15. The Sufferings of Enoch and Elijah, the Last Preachers, and the Wickedness of
the Antichrist [N.A. notas foram omitidas]
“There upon God again showed me the end of this world, when the last brothers shall be
martyred. Their hair, that they shall never cut, has a specific purpose in God’s will: The
Antichrist shall command that they be hung up by it onto trees. There they shall hang and
nobly die, for their heart burns within them with the sweet fire of heaven as intensely as the
body languishes in distress. And so, in the midst of the solace of the Holy Spirit and the pain
109
of the miserable flesh, their soul shall depart from their body with no terror of these
sufferings”.
“Então outra vez Deus mostrou-me o fim do mundo, quando os últimos irmãos serão
martirizados. O cabelo deles, que eles nunca cortarão, tem um propósito específico na
vontade de Deus: O Anticristo ordenará que eles sejam dependurados pelos cabelos em
árvores. Lá eles serão dependurados e morrerão nobremente, pois seus corações queimam
dentro deles com o doce fogo do céu tão intensamente quanto o corpo perece em grande dor.
E assim, em meio ao consolo do Espírito Santo e a dor da carne miserável, suas almas
partirão de seus corpos sem terror destes sofrimentos”.
Obs.: A ordem por parte da Divindade para o não corte dos cabelos assemelha-se às práticas
dos nazireus, cujo personagem bíblico notório é Sansão [Juízes 13, v.1-7 – Bíblia de
Jerusalém, p. 370]. Quando de sua morte, como herói que vence seus opositores, já havia
crescido os seus cabelos, símbolo da força sobrenatural divina e de um voto e/ou aliança que
tinha sido quebrado, mas agora restabelecido. Assim também esta ordem dos últimos irmãos
que Mechthild menciona, ao permanecer fiel ao voto de nazireu em não cortar os seus
cabelos, os torna dignos de receber este “doce fogo do céu”, que os sustentam durante o
martírio.
Scivias – Livro 3 - Visão Onze (p. 493-511) - Os Últimos Dias e a Queda do Anticristo
(Parte)
p. 496
10. The Church’s Faith will be in doubt until the witness of Enoch and Elijah.
And from there to the width of two fingers above his heel he is in shadow. For, from the time
of the persecution the faithful will suffer from the son of the Devil until the testimony of the
two witnesses, Enoch and Elijah, who spurned the earthly and worked toward heavenly
desires, faith in the doctrines of the Church will be in doubt. People will say to each other
with great sadness, “What is this they say about Jesus? Is it true or not?”
p. 496
10. A Fé da Igreja será colocada em dúvida até o testemunho de Enoque e Elias.
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E dali até a largura de dois dedos acima de seu calcanhar ele está em sombra. Pois, a partir
do tempo da perseguição o fiel sofrerá por causa do filho do Diabo até o testemunho das duas
testemunhas, Enoque e Elias, que desdenharam o terreno e trabalharam em direção aos
desejos celestiais, a fé nas doutrinas da Igreja será colocada em dúvida. As pessoas dirão
umas às outras com grande tristeza, “O que é isto que eles dizem sobre Jesus? Isto é verdade
ou não?”
MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler
Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von
Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990, p 148.
“So heisset man die man kiesen, weder si lieber behalten in dem ungeloben die schonen
vrowen und ir liebu kint, richtum und ere oder si in cristam geloben in den pfannen wellent
sieden und iren lip verlieren. So sprechent die man:’Eya lieben wip und kint, gedenkent nit an
mich, mere gedenkent, das ir cristan sint und oppfernt got einen lip, so scheiden wir uns nit’.
So bindet man den mannen ir fusse und hende und wirfet si in die pfannen. So sprechent
vrowen und kint och: ‘Herre Jhesu, o Marien kint, dur dine liebi so wellen wir gerne liden die
selbe not’. So machete man ein gruben vol vúres, da in wirfet man dú kint ind die mutere sint
und wirfet uf si fúrholtz und strowe und verbrennet si also”.
MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de
Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 175. Book IV, 27 (Parte)
“Then they are commanded to choose: whether, by denying their faith, they prefer to keep
their lovely wives and dear children, their riches and honor or, by keeping their Christian
faith, they are willing to cook on the griddles and lose their lives. The men say: ‘Oh, dear
wives and children, do not think about me; remember rather that you are Christians and offer
your bodies to God. Then we shall not be separated’.
Then the men are bound hand and foot and are thrown onto the griddles. The women and
children say: ‘Lord Jesus, Child of Mary, for love of you we gladly want to suffer the same
torment’.
111
Then a pit filled with fire is made ready. The children and the mothers are hurled into it, and
firewood and straw are heaped upon them. Thus are they burned to death”.
“Então eles são ordenados a escolher: se, por negarem a fé, eles preferem manter suas
esposas amadas e filhos queridos, suas riquezas e honra ou, por manterem sua fé cristã, eles
estão dispostos a serem queimados sobre grelhas e perderem suas vidas. Os homens dizem:
‘Oh, queridas esposas e filhos, não pensem sobre nós; lembrem-se ao invés disso que vocês
são cristãos e ofereçam seus corpos a Deus. Então nós não nos separaremos’.
Então os homens são presos pelas mãos e pés e são lançados sobre as grelhas. As mulheres e
crianças dizem: ‘Senhor Jesus, Filho de Maria, por amor a ti nós com prazer desejamos
sofrer o mesmo tormento’.
Então um poço cheio de fogo é aprontado. Os filhos e as mães são arremessados para dentro
dele e lenha e palha são amontoados sobre eles. Assim eles são queimados até a morte”.
Scivias – Livro 3 - Visão Doze (p. 513-521) – O novo céu e a nova terra (Parte)
p. 515
“He sat upon a throne of flame, glowing but not burning, which floated on the great tempest
which was purifying the world. And those who had been signed were taken up into the air to
join Him as if by a whirlwind, to where I had previously seen that radiance which signifies the
secrets of the Supernal Creator; and thus the good were separated from the bad”. (…)
p. 515-516
“And when the judgment was ended, the lightnings and thunders and winds and tempests
ceased, and the fleeting components of the elements vanished all at once, and there came an
exceedingly great calm. And then the elect became more splendid than the splendor of the
sun; and with great joy they made their way toward Heaven with the Son of God and the
blessed armies of the angels”. (…)
And again I heard the voice from Heaven, saying to me:
(…)
2. All creation will be moved and purified of all that is mortal in it
And so, at this consummation, the elements are unloosed by a sudden and unexpected
movement: all creatures are set into violent motion, fire bursts out, the air dissolves, water
112
runs off, the earth is shaken, lightnings burn, thunders crash, mountains are broken, forests
fall, and whatever in air or water or earth is mortal gives up its life. For the fire displaces all
the air, and the water engulfs all the earth; and thus all things are purified, and whatever was
foul in the world vanishes as if it had never been, as salt disappears when it is put into water.
p. 515
“Ele sentou sobre um trono de fogo, brilhante, mas não queimando, o qual pairava sobre a
grande tempestade que estava purificando o mundo. E aqueles que tinham sido marcados
foram levados no ar para juntar-se a Ele como se através de um redemoinho, para onde eu
tinha anteriormente visto aquela glória que significa os segredos do Criador Supremo, e
assim os bons foram separados dos maus”. (...)
p. 515-516
“E quando o julgamento terminou, os relâmpagos e trovões e ventos e tempestades cessaram,
e os componentes efêmeros dos elementos desapareceram todos de uma vez, e então veio uma
grande calma transbordante. E, então, os eleitos tornaram-se mais esplêndidos que o
esplendor do sol; e com grande alegria eles percorreram o caminho em direção ao céu com o
Filho de Deus e com os abençoados exércitos de anjos”. (...)
E outra vez eu ouvi a voz do céu, dizendo para mim:
(...)
2. Toda a criação sera movida e purificada de tudo o que nela é mortal
E assim, nesta consumação, os elementos foram desprendidos por um movimento repentino e
não esperado: todas as criaturas são violentamente abaladas, o fogo queima, o ar se dissolve,
a água corre, a terra é balançada, relâmpagos queimam, trovões estouram, montanhas são
quebradas, florestas caem, e tudo no ar ou água ou terra que seja mortal expira. Pois o fogo
desloca todo o ar, e a água engolfa toda a terra, e assim todas as coisas são purificadas, e tudo
que foi tolo no mundo perece como se nunca tivesse existido, como o sal desaparece quando é
colocado em água.
BINGEN, Hildegard von. Gott schauen. Düsseldorf: Patmos, 2001.
p.201
“Ich schaute weiter -: Und siehe, alle Elemente und jegliches Geschöpf wurden von einer
allesdurchdringenden Bewegung erschüttert. Feuer, Luft und Wasser brachen hervor und
113
lieβen die Erde ins Wanken geraten. Blitze und Donner krachten, Berge und Wälder stürzten:
Alles, was sterblich war, hauchte sein Leben aus. Und alle Elemente wurden gereinigt; aller
Schmutz entschwand und ward nimmer gesehen”. (…)
p. 202
“Da plötzlich flammte Blitzesleuchten vom Osten her auf! Und ich sah in einer Wolke den
Menschensohn daherfahren, mit dem gleichen Antlitz, das er auf Erden trug und mit offenen
Wunden. Ihn begleiteten alle Chöre der Engel. Der Thron, auf dem Er saβ, war eine Flamme,
die in blendendem Glanze leuchtete, ohne zu Brennen. Unter ihm aber began der gewaltige
Sturm der Weltenreinigung zu toben…” (…)
p. 202-203
“Auch Sonne, Mond und Sterne funkelten nun in voller Leuchtkraft und Schönheit wie der
herrlichste Schmuck am Firmament. Und sie standen still, ohne kreisende Bewegung.Sie
bildeten keine Scheide mehr zwischen Tag und Nacht. Es war nicht mehr Nacht: Es war Tag.
Das Ende war gekommen”.
p. 201
“Eu continuei a olhar-: E veja, todos os elementos e cada criatura foram abalados por um
movimento que a tudo perpassava. Fogo, ar e água emergiram e deixaram a terra
cambaleante. Relâmpagos e trovões rebentaram, montanhas e florestas caíram: tudo, o que
era mortal, expirou. E todos os elementos foram purificados; toda a sujeira desapareceu e
nunca mais foi vista”. (...)
p. 202
“Então repentinamente relâmpagos flamejantes vieram do Oriente! E eu vi em uma nuvem o
Filho do Homen vir descendo, com o mesmo semblante que Ele trazia na terra e com feridas
abertas. Todos os coros de anjos o acompanhavam. O trono sobre o qual Ele se sentava era
uma chama, que queimava em um brilho que cegava, sem se consumir. Sob o trono, porém, o
furacão violento de limpeza começou a irromper...” (...)
p. 202-203
114
“Também o sol, a lua e as estrelas resplandeciam agora completamente na força de sua luz e
beleza como a mais bela jóia no firmamento. E eles permaneceram paradas, sem caminhos
circulares. Eles não construíram mais nenhuma fronteira mais entre Dia e Noite. Não houve
mais a Noite: Houve Dia. O fim chegara”.
MAGDEBURG, Mechthild von. Das flieβende Licht der Gottheit. Nach der Einsidedler
Handschrift in kritischen Vergleich mit der gesamten Überlieferung. Herausgegeben von
Hans Neumann. Band I – Text. München: Artemis Verlag, 1990.
p 302
LVII. Ein wening von dem paradyso
“Dis wart gewiset und ich sach, wie das paradys geschaffen was. Siner breiti und siner lengi
der vant ich kein ende, da in wirfet man dú kint ind die mutere sint und wirfet uf si fúrholtz
und strowe und verbrennet si also”.
p. 303
“Da sach ich zwene man inne, das waren Enoch und Helyas. Enoch der sas und Helyas der
lag an der erden in grosser innekeit. Do sprach ich Enoch zu. Ich vragete in, wes si lebten na
mensclicher nature. Do sprach er: ‘Wir essen ein wenig von den oppfelen und trinken ein
wenig des wasseres, das der lichame sine leblicheit behalte, und das grosseste ist dú gottes
kraft’. (…)
‘Warumbe hat uch got har bracht?’ ‘Das wir helfer sin der cristanheit und gottes vor dem
jungsten tage’.
Ich sach zwivalt paradys. Von dem irdenschen teil han ich gesprochen. Das himmelsche ist da
oben, das hat das irdensche teil beteket vor allem ungewittere. In dem hohsten teil da sint
inne die selen, die des vegevúres nit wirdig waren un doch noch nit in gottes rich waren
komen. Si swebent in der wunne als der luft in der sunnen. Herschaft und ere, lon und crone
habent si noch nit, eb si in gottes rich koment.
Swenne alles ertrich zergat und das irdenische paradys nit gestat, als got sin gerihte hat
getan, so sol das himmelsche paradys och zergan; is sol alles in dem gemeinen huse wonen,
das zu gotte wil komen. So ensol kein siechhus me wesen; wer in gottes rich komet, der ist vor
aller súchete vri. Gelobet musse Jhesus Christus wesen, der uns sin riche hat gegeben”.
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MAGDEBURG, Mechthild of. The flowing light of the Godhead. Tradução e Introdução de
Frank Tobin. New York: Paulist Press, 1998, p. 325.
Book VII – 57. A Bit about Paradise [N.A. notas foram omitidas]
“This was revealed and I saw how Paradise was constituted. Of its breadth and length I could
find no end”. (…)
Livro VII – 57. Um pouco sobre o Paraíso [N.A. notas foram omitidas]
“Isto foi revelado e eu vi como o Paraíso foi constituído. De sua largura e comprimento eu
não pude encontrar o fim”. (...)
p. 326-327
“I saw there two men, Enoch and Elijah. Enoch was sitting and Elijah was lying on the
ground in great fervor. Then I spoke to Enoch. I asked him whether they were living as
humans do. He said: ‘We eat a bit from the apples and drink a little of the water to keep the
body alive. But most important is God’s power’”. (…)
‘Why did God bring you here?’
‘That we might be helpers of Christianity and of God until the last day’.
I saw a twofold paradise. I have described the earthly part. The heavenly part is up above and
covers the earthly part against all storms. In the highest part are those souls who have no
need of purgatory but have not yet come into God’s kingdom. They hover in bliss as does the
air in the sun. Power and honor, reward and crown are not yet theirs until they enter God’s
kingdom.
When the whole earth passes away
And the earthly paradise no longer exists;
When God has held his judgment,
The heavenly paradise shall also pass away.
All that come to God
Shall dwell in a common house.
There shall be no more hospitals for the sick.
Whoever enters God’s kingdom
Is free of all infirmity.
May Jesus Christ be praised
Who has given us his kingdom”.
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“Eu vi dois homens, Enoque e Elias. Enoque estava sentado e Elias estava deitado no chão
em grande fervor. Então eu falei com Enoque. Eu perguntei a ele se eles estavam vivendo
como os humanos vivem. Ele disse: ‘Nós comemos um pouco das maçãs e bebemos um pouco
de água para manter o corpo vivo. Mas o mais importante é o poder de Deus’”. (...)
‘Por que Deus os trouxe aqui?’
‘Para que nós possamos ser ajudantes da cristandade e de Deus até o último dia’.
Eu vi um paraíso duplo. Eu descrevi a parte terrestre. A parte celestial está lá em cima e
cobre a parte terrestre contra todas as tempestades. Na parte mais alta estão aquelas almas
que não necessitam de purgatório, mas não entraram ainda no reino de Deus. Elas pairam
em bem-aventurança como o ar no sol. Poder e honra, galardão e coroa não são delas ainda,
até que elas entrem no reino de Deus.
Quando toda a terra passar
E o paraíso terrestre não mais existir;
Quando Deus tiver julgado,
O paraíso celeste também passará.
Todos que vão a Deus
Habitarão em uma casa única.
Não existirão mais hospitais para os doentes.
Todo aquele que entra no reino de Deus
É livre de toda a enfermidade.
Que Jesus Cristo seja louvado,
Ele que nos deu o seu reino”.
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