Concelho de Ribeira de Pena

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Concelho de Ribeira de Pena
Projecto de Investigação
Estudos de Produção Literária Transmontano-Duriense
Número do Projecto: POCI/V.5/A049/2005 (Medida V.5 - Acção V.5.1)
Concelho de Ribeira de Pena
O Concelho de Ribeira de Pena é hoje composto por sete freguesias, em que se
incluem as nucleares - Salvador, Santa Marinha e Santo Aleixo de Além-Tâmega - as
que lhe vieram adjuntas ao antigo Concelho de Cerva quando o mesmo foi extinto Cerva, Alvadia e Limões - e a freguesia de Canedo, que fizera parte do Concelho de
Boticas.
Freguesia de Alvadia
A freguesia de Alvadia pertence ao concelho de Ribeira de Pena desde que o
antigo município de Cerva foi extinto e o seu território agregado ao de Ribeira Pena.
Com uma área de 3456 ha, é composta por três povoações: Alvadia, que é a sede da
freguesia, Lamas e Favais.
Tem cerca de 220 habitantes e dista da sede do concelho 17 Km.
Panorâmica de Alvadia
Velha azenha
Marmitas de gigante
A freguesia de Alvadia pertence ao concelho de Ribeira de Pena desde que o
antigo município de Cerva foi extinto e o seu território agregado ao de Pena, como já se
teve várias vezes ocasião e necessidade de referir. Com uma área de 3456 ha, é
composta por três povoações: Alvadia, que é a sede da freguesia, Lamas e Favais.
Quando se entra no concelho pela estrada que nos traz de Vila Real, passando
por Vila Pouca de Aguiar, chegamos a um entroncamento, na Portela de Santa Eulália.
Ora aí, se virarmos à esquerda, como se quiséssemos ir para Cerva, vamos encontrar,
poucos quilómetros adiante, novo ramal de estrada onde, novamente à esquerda,
pontificam duas referências: umas alminhas, com a data de 1963 e sinais visíveis de
muita devoção, nas marcas que inúmeras velas acesas ali têm deixado, e uma placa de
sinalização com a indicação: Favais - 6; Lamas - 8 e Alvadia -11. Estas alminhas são
localmente designadas por "Almas do Concelho" e marcam a separação entre Ribeira de
Pena e Cerva, sendo de referir que esta denominação de 'Concelho' traz reminiscências
antigas de povoação com certa autonomia.
Estamos, pois, a prepararmo-nos para entrar na freguesia de que nos propomos
falar, aquela que, em termos de população residente, apresenta o valor mais baixo,
acontecendo até que a povoação-sede não é a mais povoada.
A estrada estreita mas asfaltada conduz-nos pela beira da Serra do Alvão,
acontecendo mesmo que a ramificação desta, situada entre a freguesia de Alvadia e a
freguesia de Gouvães da Serra, concelho de Vila Pouca de Aguiar, se denomina Serra
de Alvadia. A via foi construída aproveitando a curva de nível e vai-nos oferecendo um
espectáculo grandioso.
No caminho de ida, à esquerda, a serra está mesmo ali à mão, com a vegetação
rasteira salpicada do roxo - rosa das urzes, volta e meia pontilhada por rochas
aborregadas, que o tempo lavou e branqueou, fazendo-nos pensar que toda a serra está a
servir de pasto a um imenso e disperso rebanho de ovelhas silenciosas. Não é verdade,
contudo, pois são rebanhos de cabritos e cabras que pastam nestes cumes o sabor único,
que se não esquece depois de experimentado. De vez em quando, encontramos um
rebanho largo, de animais limpos e lustrosos, ágeis e metódicos na tarefa de mordiscar a
verdura rasteira, enchendo o espaço vasto da serra com o toque cristalino das suas
campainhas, de quando em quando cortado pela voz do pegureiro, que lhes dá ordens
curtas e definitivas, prontamente compreendidas e respeitadas.
Do lado direito, é a outra vertente da serra, mais arborizada, com um outro
salpico de telhado, paisagem muitas vezes de vertigem, dado o declive da encosta.
Passamos por Favais e hesitamos: será que é mesmo ali, bastando descer a ladeira
íngreme para chegarmos àquela povoaçãozinha que dormita ao sol de Verão, serena
como uma pintura?
Não perturbemos a pintura e sigamos em frente, porque é mister começar, pelo
menos, pela sede da freguesia.
Um pouco mais adiante, à esquerda, há indícios cada vez mais claros de que, no
vale que espreita ao fundo, está a aldeia de Lamas.
Quando nos aproximamos de Alvadia, a estrada que nos tem vindo a conduzir
segue em frente e o seu piso convida a continuar e a descobrir até onde nos levará. A
nosso lado começa a correr uma conduta, de vez em quando surge um pequeno mas
viçoso milheiral e, dentro em breve, estamos no local a que o destino e a estrada nos
trouxeram: a câmara de carga da mini-hídrica de Alvadia.
Apreciemos o reservatório e o panorama que se desfruta daquele miradouro
natural e retomemos o caminho para a povoação de Alvadia. Ao longe, lobrigamos uma
povoação e não podemos deixar de nos espantar com as artimanhas da serra, que nos
põe ali Favais novamente ao alcance da vista.
À entrada de Alvadia, a placa da antiga e já desaparecida Junta de Colonização
Interna identifica a povoação como uma 'aldeia em renovação'.
A "renovação" deve ser antiga, pois o que prende o nosso olhar é precisamente o
núcleo de casas escuras de granito, a igreja, bem mantida com as suas cruzes numeradas
para a Via Sacra, o silêncio, que se respira no adro em frente.
A padroeira da paróquia é Santa Cruz, que dá o nome à igreja paroquial de toda
a freguesia, em cujo adro existe ainda a plataforma que resta do antigo cruzeiro que ali
se erguia.
O cemitério minúsculo está mesmo ao lado da igreja e, ao largo do adro já
referido, vem desembocar um caminho lajeado tão bem construído que tem certamente
desafiado séculos. E promete continuar, se o deixarem.
As casas novas que ultimamente se foram construindo não destoam da paisagem
nem do silêncio, que é, de vez em quando, cortado pela passagem de pequenas manadas
de bois que vêm beber ao bebedouro, ali à beira da estrada.
Como sede da freguesia, Alvadia tem uma escola primária que a evolução
demográfica, mercê das novas formas de vida, do papel da mulher e de emigração
interna e externa, tem vindo a desertificar. Um posto de telescola que funcionava numa
construção pré-fabricada já foi extinto, pelo que os alunos que desejam prosseguir os
seus estudos para realizarem a escolaridade obrigatória se deslocam a Ribeira de Pena,
utilizando o transporte escolar que existe para este fim.
Os moradores com que nos cruzamos são poucos, mesmo contando aqueles que
é mais fácil encontrar no Verão, tempo de voltar a casa e matar saudades destas serras e
destes ares. São poucos, sim, mas de uma lhaneza de trato reconfortante para os
visitantes: hospitaleiros, prontos a darem informações e simultaneamente discretos, de
uma cortesia e disponibilidade que permitem traçar, numa visita, o dia-a-dia da aldeia. E
alguns quase sentem necessidade de explicar por que deixam esta terra que tanto amam
- e então referem as difíceis condições naturais desta vida serrana e, até agora, a falta de
investimentos que criem empregos e permitam uma vida mais confortável e mais fácil.
À saída de Alvadia (ou à entrada, conforme o ponto de vista), atravessa-se o rio,
que aí ainda se chama rio Poio, pelo pontão de Rolos. Nasce um pouco mais acima e
corre sobre um leito duro de pedras enormes, pelo que, em certas épocas do ano, mais
parece um rio de pedras. A água é de uma limpidez de espelho e as numerosas marmitas
de gigante encostadas à ponte, sendo sinal da acção da água sobre a pedra, falam-nos de
uma natureza que não pára de transformar e de se transformar.
Um moinho antiquíssimo, infelizmente em precário estado de conservação, pelo
menos no que diz respeito a materiais mais perecíveis, apoia a estrutura, merecia ser
conservado nas suas características, pois a estrutura parece firme e a levada que o
movia, canalizada em pedra, a céu aberto, faz dele um caso muito especial.
A dois quilómetros do caminho, num pequeno vale verdejante, está situada a
aldeia de Lamas, que, não sendo a sede, é contudo mais populosa e apresenta mesmo
uma área maior. Uma visita ainda que rápida permite reconhecer vários pormenores
cheios de interesse e de inesperado.
No centro, chama a atenção uma capelinha de adro murado. É da invocação da
Nossa Senhora dos Remédios e uma paroquiana solícita abre a porta e informa os
visitantes que o actual aspecto cuidado significa que a capela foi reconstruída há poucos
anos, a expensas dos habitantes, tendo todos ajudado de acordo com suas posses, tanto
em dinheiro como em alojamento e/ou alimentação dos operários que vieram de fora
para realizar o trabalho. Fica-se a saber também que a capela é proprietária de um
terreno para rendimento que está alugado, revertendo, portanto, as verbas desse aluguer
a seu favor.
Este interesse generalizado dos habitantes de Lamas pela sua capela explica-se
pela gratidão em que todos se sentem para com Nossa Senhora dos Remédios, que tem
sido uma protectora à altura das suas necessidades. Assim, desde que recomendado à
Senhora, nenhum dos seus moradores que tivesse saído da terra, atraído por miragem de
vida mais próspera ou obrigado a ir lutar em terra longínqua, jamais se viu em perigo de
morte. É, pois, bem digna de amor e gratidão, que se vêem espelhados no cuidado e na
ornamentação da capela no seu interior.
No único altar, chama logo a atenção do visitante a imagem da padroeira, mas o
seu olhar é irremediavelmente atraído para o tecto, totalmente trabalhado; em volta, a
sobressair, a mesma Senhora dos Remédios, rodeada de anjos por todos os lados.
Voltamos a admirar o altar-mor, porque a sua talha dourada, bem cuidada, não
pode deixar de nos seduzir.
Cá fora, a rua antiga e muito estreita é ladeada por construções escuras, como as
que tão regularmente se encontram por estas terras de granito, mas, a par e passo,
podemos ser atraídos para pequenos pormenores de grande beleza: um canastro assente
sobre pilares de pedra perde toda a sua rudeza porque se soube deixar abraçar por uma
roseira delicadíssima, de flores tão pálidas que quase não têm cor; ou o bucólico
conjunto que resulta de uma nascente que dá para a via e a que não falta a talha para os
animais beberem e o assento para se poder deixar encher a vasilha descansadamente,
tudo abençoado por umas alminhas antiquíssimas e onde não falta o tom róseo-suave
das hidrângeas.
As numerosas casas rurais, de boa dimensão, têm as suas designações: a casa do
Gaspar, a casa do Cabo, a casa do Seixo, a casa da Carvalhinha são apenas alguns
nomes a reter.
A escola tem uma população escolar apreciável, dentro dos condicionalismos
demográficos actuais, havendo apenas a referir que o edifício necessita de contínuos
cuidados de manutenção.
Estamos de volta à estrada a caminho de Favais e ao encontro de uma pequena
maravilha. Referimo-nos à Pedra de Favais. Mas suponhamos que não fazemos ideia do
que será a pedra e entramos pela povoação, vamos andando por ali adiante, chegamos
ao núcleo mais central, que é sempre o local em que vemos surgir a capela do lugar, e
perguntamos a um dos habitantes onde podemos ver a famosa pedra. A resposta virá
acompanhada de um sorriso mais ou menos orgulhoso, de um sinal com a cabeça ou de
um braço apontando para a dita capela e da frase simples e lapidar: "Está ali, à vista, à
frente da capela".
E está mesmo. Em frente à diminuta capela dedicada a Santa Luzia, que mais
parece um pequeno quarto ali construído para alojar peregrino, encontra-se uma
invulgar pedra esculpida, em que se vêem anjos em conjunto, sendo de realçar que um
está a tocar enquanto os outros dois, a escutar a música, coroam o primeiro. É de
dimensões apreciáveis e, antigamente, encontrava-se dentro da capela, ao pé do altar.
Então, em determinada altura, um padre de Macieira pediu-a, para a levar para Alvadia.
Levaram-na, mas tê-la-iam colocado na parte de trás do adro. O povo de Favais foi lá
buscá-la e colocou-a onde se encontra actualmente. Assim, vê-a a toda a hora quem
queira e também, se houver mais alguém com a ideia peregrina de a voltar a levar,
depressa se dá conta da sua falta...
Por detrás da Capela de Santa Luzia estão as alminhas, com a data da sua
construção, 1954, embora pareça ser 1754, por o 9 estar desenhado de forma deficiente.
Também aqui a pedra reina por todo o lado e há os sinais característicos de que
este solo pobre não dá senão para que os locais se dediquem a uma agricultura de
subsistência e ao pastoreio, utilizando os montes e os lameiros, aqueles servindo para o
gado caprino e estes para o bovino.
No seu conjunto, uma das grandes riquezas desta freguesia é a sua variedade e
autenticidade de aspectos etnográficos, pelo que é fácil encontrar ainda belos conjuntos
arquitectónicos característicos da região, de que as casas com as suas coberturas de
colmo são exemplo, assim como se podem admirar as crossas, estes fatos feitos de palha
e usados para proteger do frio e da chuva, que o chamado progresso tem feito substituir
pelos plásticos e oleados, mais práticos certamente, mas menos benéficos em termos de
saúde, pois não permitem uma transpiração correcta.
O respeito que se vem mantendo pelas manifestações artesanais e formas de vida
parece garantir-nos a certeza de que as mesmas se não perderão, pois encontramos
jovens que têm mostrado interesse em aprender as técnicas de antigamente, não só no
que se refere à confecção de crossas, mas ainda à tecelagem, tendo inclusivamente, nos
últimos anos, decorrido cursos dedicados a jovens e em especial aos que buscam o
primeiro emprego.
Estes cursos foram possíveis graças a um acordo de cooperação financeira com
o Instituto de Emprego e Formação Profissional, que suportou parte dos seus custos,
pois foi necessário adquirir material e equipamento e retribuir o trabalho dos artesãos
reconhecidamente capazes e que aceitaram trabalhar como professores-monitores.
Atendendo ao interesse cada vez mais alargado pelo artesanato verdadeiro e à
sua importância numa freguesia que pouco deve à natureza no que diz respeito a
amenidades climáticas e riqueza de solo, mas que pode, em termos de agro-turismo e de
artesanato, pedir meças a muitas outras, não admira, pois, que algumas das jovens que
se dedicarem a aprender essas técnicas centenárias se proponham utilizá-las como meio
de obterem uma remuneração em termos mais ou menos fixos, isto é, como sua
ocupação de pequenas empresárias.
Um outro aspecto que não pode deixar de ser encarado é o rio Poio, que depois
se vai crismar de Alvadia, capaz de nos surpreender com belíssimos aspectos, bem
merecedores de serem alvo de percursos organizados e poderem, assim, ser desfrutados
pelos inúmeros apreciadores da Natureza. Todos os que conhecem a sua garganta e as
suas espectaculares quedas de água se transformam em divulgadores interessados, mas
este capital natural precisa de ser rentabilizado com mais método para funcionar para
vantagem de todos, afinal.
A freguesia da serra, de clima duro e agreste, onde para além da paisagem se
destaca o seu potencial hídrico e eólico - riqueza energética que muito beneficia o
concelho.
Freguesia de Canedo
A freguesia de Canedo é a mais afastada da sede do concelho de Ribeira de Pena
e a mais isolada. Situada a nor-nordeste da sede, já na região barrosã, uma viagem pelo
seu território apresenta-nos um tão variado leque de motivos de prazer para os olhos e
de interesse geral, que se recomenda vivamente....
Tem 3849 ha, 506 habitantes e dista 25 Km da sede de concelho. É constituída
pelas povoações de Alijó, Canedo, Penalonga e Seirós.
Espigueiros em Penalonga
Forno comunitário
Capela da N. Sra. da Livração
A freguesia de Canedo é a mais afastada da sede do concelho de Ribeira de Pena
e a mais isolada. Situada a nor-nordeste da sede, já na região barrosã, uma viagem pelo
seu território apresenta-nos um tão variado leque de motivos de prazer para os olhos e
de interesse geral, que se recomenda vivamente. Este interesse parece que não é de
agora, pois há notícias e provas de um primitivo povoamento pré-romano, documentado
pelos vestígios de castros, em povoado fortificado de grandes dimensões, da Idade do
Ferro, e ainda pelo achamento do que se tem divulgado ter sido um guerreiro lusitano
em Penalonga, assim como pela existência de uma provável vila romana em Canedo.
Dois testemunhos a provar o que afirmamos são-nos dados pela Exposição
dirigida ao Governador Civil de Vila Real quando este esteve de visita aos Paços do
Concelho, em Dezembro de 1938, e por uma Monografia de Ribeira de Pena da autoria
do interessado ribeirapenense que foi o Tenente Carlos Palmeira e que saiu a público
em 1948. Este último, no capítulo dedicado a fornecer "Algumas Notas sobre as
Freguesias do Concelho", diz-nos textualmente: 'A estrada n.º 312, Chaves-Porto, que
deve passar nas proximidades desta freguesia, irá contribuir imenso para o seu
progresso e desenvolvimento.'
Da exposição mais acima referida, que era assinada pelas ''autoridades
representativas da freguesia, em estreita união com o nosso reverendo Pároco,
Professoras, Comissão de Assistência e mais chefes de família da freguesia de Canedo'',
é de realçar a mágoa profunda daqueles que se lamentavam de ter vivido talvez por
força das circunstâncias, quase completamente desamparados da protecção pública e
abandonados ao nosso próprio esforço.
Apresentavam seguidamente as suas principais razões de queixa e que se
consubstanciavam em 'fontes desprezíveis, escola coberta de colmo, ruas por calcetar,
sem ligação entre as partes componentes da freguesia, vivendo à distância de dezassete
quilómetros e desligados do concelho por falta de estrada e de passagens no Inverno,
não obstante ser a nossa freguesia uma das mais populosas e de todas a não menos rica
de recursos naturais'.
A sua situação geográfica, que é determinada pelas serras das Alturas, do
Pinheiro e de Santa Comba e pelos rios Tâmega e Beça, oferece como resultado terras
ricas e úberes, porque são profusamente irrigadas. Um passeio a pé, mesmo no fim do
Verão e em pleno centro das povoações, é continuamente alegrado pelo som cantante da
água quer de fontes, quer de minas, levadas, rios e regatos, tudo a brilhar numa limpidez
de cristal, ainda sem as marcas da poluição. O solo, por outro lado, é rico mesmo nas
suas camadas mais interiores e estão registadas várias minas de estanho, que devem ter
sido um factor que muito contribuiu para ser uma terra de grandes propriedades,
resultantes dessa riqueza que o solo prodigalizava.
Já no século XII ou, quando muito, no início do século seguinte tinha a sua
instituição paroquial, sendo o Divino Salvador o seu patrono, como ainda hoje o é da
paróquia.
D. Afonso III deu cartas de foral a três povoações que fazem parte da freguesia e
que são Canedo, Penalonga e Seirós. Este último foral foi concedido a 29 de Maio de
1258 e encontra-se publicado no Livro I das Doações do Senhor Rei D. Afonso III,
maço 31, coluna 1.
No campo administrativo, Canedo pertenceu ao concelho de Montalegre até
1839, data a partir da qual passou a fazer parte do concelho de Boticas, para, por decreto
de 26 de Outubro de 1895, ser integrada como freguesia do concelho de Ribeira de
Pena.
Estas mudanças administrativas não lhe trouxeram, contudo, senão nos últimos
tempos, remédio para um dos principais males que obstavam ao seu desenvolvimento -
as vias de comunicação. Desde tempos imemoriais que as suas ligações ao exterior
sempre pecaram pela precariedade e falta de qualidade, esperando-se que a moderna
estrada que faz ligação a Boticas ajude a desmontar esta teia de afastamento que tem
levado a uma extraordinária diminuição de população.
As suas encostas estão quase totalmente cobertas por verdes bosques em que os
pinheiros ainda são reis e fácil é deduzir a importância deste factor em termos
económicos quando, durante o nosso passeio, deparamos com variadíssimas provas: a
recolha da resina, as largas pistas cobertas de árvores abatidas e já preparadas para
serem tratadas, as reflorestações, as clareiras, os cuidados na limpeza das áreas
florestadas para prevenir os incêndio os corta-fogos, alguns impressionantes ao longe,
semelhando estradões íngremes a caminho das alturas. De vez em quando, as árvores
dão a vez a vegetação mais baixa e o verde-escuro e denso faz caprichosos matizes com
vastos tapetes de urzes rosadas, que apetece cortar e trazer para casa para a enfeitar de
campo.
Em certas horas do dia, em especial naqueles dias já de meia estação, quando o
sol não se abre ainda ou já na sua magnífica plenitude, as nuvens e as árvores fazem
jogos de luz e sombra sobre as encostas que são inolvidáveis.
Vamos agora iniciar uma visita mais pormenorizada às povoações que
constituem a freguesia e que são Seirós, Canedo e Alijó. Como o passeio não está,
felizmente, sujeito a horas ou demoras, caminhemos ao longo da estrada nova, façamos
o reconhecimento dos locais em que teremos de sair dela para entrar nas povoações,
cheguemos mesmo ao término da freguesia, onde ela dá lugar a outro concelho.
Estamos numa povoação que se espraia encosta acima, Alijó de seu nome.
Não encontramos justificação para esta designação, igual à que dá o nome a uma
vila sede de concelho do outro lado de Trás-os-Montes, terra de vinho licoroso e
internacional e cujo território bordeja o Douro.
Mas esta Alijó tem história que chegue: um Santo Amaro padroeiro festejado a
15 de Janeiro, quando aquelas terras serranas têm mais trio do que baste, e que foi,
como homem, um frade da Ordem de S. Bento cuja piedade lhe alcançou os altares. E a
devoção a que ainda hoje faz jus não olha ao tempo para lhe ser prestada, pois convém
estar de bem com este Santo Amaro que protege tudo o que é osso...
Por isso, se a neve não é tanta que o impeça de todo, lá temos, no dia aprazado,
um número respeitável dos que vão à Romaria dos Ossos, assim chamada porque os
romeiros fazem novena e procissão empunhando ou sobraçando reproduções, em
madeira, de braços, mãos, pernas e pés, com a fé de que o santo lhes proteja os ossos
respectivos, ou então para agradecer graça feita em tal matéria quando foi preciso pedir
a protecção.
A capela surge-nos, na sua simplicidade granítica, sem grande aparato, com um
adro largo à frente e podem crer que o mesmo se torna pequeno para os devotos em dia
de festa.
O forno comunitário apresenta-se limpo, com todos os sinais de ser
frequentemente utilizado, e, quando o tempo o permite, tem sempre à porta o respectivo
combustível. Lá dentro, à direita, um vasto escano de cimento serve de mesa de apoio às
padeiras da aldeia, que são todas as que o utilizam para a broa gostosíssima. As
alminhas foram mandadas construir em memória de ''António Alves, que foi morto por
António + Inan''.
No núcleo mais antigo da freguesia, aninhadas perto da capela, mas a exigirem
espaço pelo seu tamanho, erguem-se casas rurais antigas, compostas por casa de
habitação com alguma qualidade, casas para alfaias e produtos e grandes
compartimentos para animais. Uma das casas passa de um ao outro lado da rua estreita
de terra batida que as mais curtas chuvas transformam logo em lamaçal. As duas partes,
uma claramente mais antiga do que a outra, unem-se por um passadiço, de varanda a
varanda. É conhecida por 'Casa do Portelada', embora esta designação nada o tenha a
ver com o nome do seu actual proprietário.
Não é fácil ao visitante interessado recolher informações, a não ser em pleno
tempo de férias, quando os filhos da terra, que mourejam por outras bandas, vêm encher
a alma da paz destes ares. As casas, novas e velhas, estão fechadas em grande parte,
pois os que não emigraram estão ocupados nas tarefas agrícolas ou trabalham longe da
freguesia. A escola, um edifício airoso que aparenta pouca idade, tem um largo pátio em
frente, murado de vento, isto é, sem qualquer vedação, mas, curiosamente, com um
portão a marcar a entrada. Tal e qual, um portão de ferro, com fechadura. E que pátio
fechará as brincadeiras dos dois únicos alunos que, neste ano da graça de 1993, a
frequentavam?
A caminho da Capela de Nossa Senhora da Livração, passamos por uma galeria
de canastros ou espigueiros, aos pares, e por mais uma ou duas casas rurais muito
definidas na sua função. Outro núcleo estende-se para lá da capela. Esta apresenta um
interior colorido e cuidado, com as suas imagens policromas, em que sobressaem as da
padroeira e de Nossa Senhora de Fátima, em altar lateral, com certo peso, relativamente
ao interior. O tecto é de madeira pintada de cinzento-claro. Uma habitante idosa
recomenda a visita a outras duas capelas, a de Santa Ana, no cimo do monte, e a de S.
João. E vai-nos avisando: "Para irem à de Santa Ana, cuidado com o caminho, precisam
de ter boas pernas. E para ver a de S. João, precisam de ter bons olhos para a
procurarem no meio do milho".
Esta advertência, com um certo tom oracular, tão frequente nas pessoas com
muita idade, vem a demonstrar-se muito verdadeira, pois a Capela de Santa Ana está
situada bem no cimo do monte e tem a sua lenda. Dizem que Santa Ana aparecia, em
imagem, num local perto do penedo longo que dá o nome à freguesia. Os moradores
trouxeram a imagem para a capela, mas ela voltava a fugir para o primeiro lugar onde
tinha aparecido. Pensaram então que era melhor fazer a vontade à Senhora e
construíram-lhe um nicho no local que ela preferia. Chama-se o Nicho de Santa Ana.
Quanto à Capela de S. João, de facto, é preciso saber que ela existe, para nos
apercebermos da cruz que a encima. Um carreirinho estreito e difícil leva-nos até ela e,
logo ao lado, notamos, está, sujeito a todas as intempéries, um sarcófago de pedra,
reproduzindo perfeitamente a silhueta humana, com o recorte do pescoço finamente
desenhado. Como não tem tampa, quando chove enche-se de água.
A capela é muito pequena e está literalmente submersa pelos pés de milho, mas
os rapazes solteiros, na noite de S. João, fazem-lhe a festa.
Ainda dentro do núcleo principal da povoação, encontramos, aqui também,
vários relógios de sol, entre os quais avulta o da Casa da Ponte, que ainda pertence,
como muitas outras propriedades nesta freguesia, ao morgadio de Seirós.
É perto do rio Beça, que corre ao fundo da aldeia, fazendo limite, e é transposto
por uma ponte sólida, que os habitantes mais velhos dizem, por o saberem dos seus
avós, que nem nos tempos das maiores cheias, a água jamais passou por cima da dita
ponte!
Sendo esta freguesia rica em gado ovino, em comparação com o outro extremo
do concelho, em que abundam os rebanhos de cabras, encontramos, volta e meia, um
rebanho a beber, comandado muitas vezes por pastor jovem, que assim participa nas
tarefas familiares. Então podemos apreciar o espectáculo lindo de ver as ovelhas
brancas a confundirem-se com as pedras alvas que o rio vem lavando numa barrela de
séculos.
A caminho da sede da freguesia, encontramos algumas casas que constituem o
lugar do Couto, de onde é, aliás, natural, a maior parte dos rapazes que festejam o S.
João na tal capelinha.
Ao cimo de uma ladeira, à direita, ergue-se uma construção pré-fabricada, em
bom estado e com uma decoração identificativa algo curiosa, onde funcionavam as
actividades lectivas da telescola. Um pouco adiante, aparece a Capela da Senhora de
Fontelos, com o seu pequeno átrio, estranhamente voltada de costas para a estrada.
Depois, mais umas centenas de metros percorridos, chegamos a um largo onde o que
mais chama a nossa atenção é o nome da rua, orgulhosamente gravado em placa
colocada na parede de uma casa, velha construção rural com o número gritado a branco
e umas curiosas alminhas que nos fazem lembrar um monumento.
Para visitar a igreja paroquial, o melhor é ir a pé, a partir de determinado ponto.
Senão, teremos que dar uma volta. Como a viela até parece suficientemente larga para
comportar uma viatura, parece uma decisão insensata. Há que descobrir que se justifica
a caminhada porque, por esta, em breve encontramos, a partir de determinado ponto, um
declive íngreme onde, acauteladamente, foram escavados, bem no meio do caminho,
degraus que tornam a subida e a descida mais fáceis e seguras.
Por outro lado, só temos que nos sentir gratos pela obrigação de ir a pé, porque o
ar está muitas vezes perfumado de hortelã, que cresce em tapete espesso de cada lado da
estrada, entre as pedras. E ouve-se, como temos vindo sempre a ouvir, murmurar a água,
para, lentamente, o murmúrio se transformar num som mais definido, que é já um
rumor. De facto, lá em baixo, ao pé da igreja, corre água e, sobre a corrente estreita mas
com certo significado, atravessa-se um pontão de cimento que mais não é do que isso
mesmo: um pontão de cimento sobre uma corrente.
A igreja paroquial, essa, começara a deixar-se ver bem de trás, porque a sua
torre sineira, independente do corpo do templo, ergue os seus dois campanários acima
do pequeno cemitério. Quando nos chegamos mais de perto, podemos observar alguns
elementos góticos, tanto no edifício da igreja propriamente dito como nas restantes
construções que com ele fazem conjunto, embora uma parte com nítidos sinais de
abandono e degradação. Teriam sido estas moradias as de uma pequena congregação de
monges beneditinos. Todo este conjunto foi, de facto, património da Ordem dos frades
bentos, sendo o reitor de Canedo apresentado pelo Abade do Mosteiro de Refojos de
Basto. A via sacra começa logo ali, no adro, com cruzes de grandes dimensões, e
estende-se até a um monte em frente.
Numa das paredes do edifício mais antigo, praticamente em frente à porta
principal da igreja, a nossa atenção é acordada por uma pedra de dimensões apreciáveis,
com uma longa inscrição. Trata-se, muito provavelmente, de uma inscrição popular que
virá do séc. XVII.
Nesse edifício, que apresenta as suas portas escancaradas, podia ainda ver-se, no
Verão de 1993, na saleta à direita, no rés-do-chão, uma talha de pedra, como as que
eram utilizadas para guardar azeite.
A igreja, cujo padroeiro é, como já vimos, o Divino Salvador, tem um relógio de
sol assente numa espécie de cornija sobre o telhado e, na parede lateral direita, bem
encostados ao corpo do templo, os tais cruzeiros de bom tamanho, com as suas
numerações para rezar as estações da Via Sacra.
Voltando à estrada que atravessa a povoação, encontramos conjuntos de cortiços
que nos informam que a apicultura é um factor económico de interesse. Depois, já no
caminho do regresso, ainda passamos por uma propriedade de aspecto senhorial, com
uma capela de bela aparência. É conhecida por Capela de Matos, por pertencer à quinta
com o mesmo nome de família.
Chegamos, finalmente, à ponte porque vamos atravessar novamente o Beça. A
água espraia-se um pouco mais largamente, uma velha moagem ergue-se como sinal de
outros tempos e retomamos o estradão novo que nos leva de regresso à 312.
A floresta continua a bordejar a estrada e, em breve, chega o momento de
mudarmos de direcção para entrarmos em Seirós.
A primeira visão que se obtém da povoação é a da parte nova, resultado do
crescimento da aldeia, com as casas quase sempre rodeadas de um jardim ou quintal,
aproveitando o espaço livre, que ainda não escasseia.
Um pouco adiante, deparamos com um lavadouro encostado a um declive
cortado a pique, do cimo do qual podemos obter uma bela vista do conjunto, por ser um
miradouro natural. Essa elevação recortada como que divide a povoação em duas partes,
mesmo no que se refere ao seu núcleo mais antigo. Se pretendermos subir para apreciar
o panorama, encontramos, logo ao fundo da ladeira, as alminhas e vai-se vendo depois
uma torre bem alta, encimada por uma cruz, onde ainda se destacam os sinos e o
mostrador de um relógio que nos parece estar acima e fora do conjunto.
Esta ideia surge-nos porque a referida torre tem o aspecto mais moderno que
possamos imaginar e, para nos aproximarmos dela, temos que percorrer umas ruas
estreitinhas, agora quase completamente de terra batida, mas ainda com seus troços,
mostrando restos de calçada, ladeadas por casas rurais antigas de boa dimensão.
Chegamos, finalmente, ao ponto desejado e descobrimos que a torre que vinha
captando a nossa atenção não faz parte da igreja. Esta, dedicada a Santa Bárbara, é uma
construção relativamente pequena, com 18 metros de comprimento por 8 de largura, e
foi mandada construir em 1852 por Frei Domingos Sanches. De entre as imagens que
enchem os seus altares, destacam-se a padroeira, claro, e ainda Santa Ana, S. Bento, S.
Mamede e S. Brás.
Este Frei Domingos Sanches que a mandou construir foi um franciscano nascido
em Eiró a 14 de Maio de 1841. Tomou o hábito de S. Francisco a 6 de Outubro de 1875,
mas já então era padre, tendo-se ordenado com 23 anos de idade. Dentro da sua Ordem
exerceu altas missões, como, por exemplo, encarregar-se da reforma do cerimonial
litúrgico e doméstico do seu convento. Foi o guardião dos conventos de S. Bernardino
de Atouguia da Baleia e do Varatojo, tendo sido neste último que, antes, se preparara
para a profissão de fé. O seu nome está ainda ligado à fundação de dois novos
conventos, o de Montariol e o de Gesteira. Morreu em Braga, a 18 de Abril de 1929.
Mas, voltando a falar da torre, que foi construída mais recentemente, não falta quem
diga que ela resulta da vontade de competir com a igreja matriz de Salvador, atingindo
ambas as torres a mesma altura.
À direita da igreja e por detrás, estende-se a vasta propriedade do Morgadio de
Seirós. É enorme, conservando as grandes casas de recolha e uma das suas componentes
mais interessantes é uma vasta bateria de espigueiros, quase em semicírculo, que fazem
uma espécie de divisória entre o pátio e as searas de milho. É de referir que o morgado
de Seirós, Alvares Pereira, foi um dos que mais se interessaram pela experiência da
cultura do triticale. Todo este núcleo à volta da capela é de rural antigo, o que lhe dá um
carácter que será de preservar e que exige algumas imprescindíveis obras de
conservação. Num outro larguinho da povoação, mesmo por detrás de mais um
lavadouro e fontes públicas, ergue-se um bem conservado relógio de sol, que brilha
brancura e que ostenta orgulhosamente a data de 1851.
de
Freguesia de Cerva
A freguesia de Cerva foi um município independente até 31 de Dezembro de
1853, constituído pelas freguesias de Cerva, Limões e Alvadia.
Com inúmeras marcas de povoamento de épocas muito antigas, em especial
representadas por castros e vestígios da presença romana...
Tem 4605 ha, cerca de 2611 habitantes e dista da sede de concelho 16 Km. É
constituída pelas povoações de Adoria, Agunchos, Alvite, Asnela, Cabriz, Cerva,
Escoureda, Feira de lomba, Formoselos, Minas de São João, Ribeira, Rio Mau,
Seixinhos.
Ponte românica sobre o rio Poio
Rua de Agunchos
Pelourinho em Cerva
A freguesia de Cerva foi um município independente até 31 de Dezembro de
1853, constituído pelas freguesias de Cerva, Limões e Alvadia. Com inúmeras marcas
de povoamento de épocas muito antigas, em especial representadas por castros e
vestígios da presença romana, teve o seu foral a 3 de Junho de 1514, dado por D.
Manuel. Este foral encontra-se registado no Livro de Forais Novos de Trás-os-Montes,
a folhas 27, coluna 1, gaveta 20, maço 11, n.º 22, da Torre do Tombo.
Antes, este território tinha sido concedido como 'honra' a Afonso Sanches, filho
ilegítimo de D. Dinis mas não menos dilecto por ser ilegítimo, como está historicamente
provado. Basta recordarmos as relações por vezes tempestuosas entre D. Dinis e seu
filho Afonso, o futuro Bravo do Salado, as escaramuças em que ambos se enfrentaram
com seus homens de armas, a necessidade de a Rainha Santa Isabel usar a sua paciente
bondade para acalmar o filho, a quem o ciúme cegava, para termos uma ideia de quanto
esta povoação representava aos olhos do rei, que a dava ao filho que era a menina dos
seus olhos. Mais tarde, Afonso Sanches fundou o Convento de Santa Clara em Vila do
Conde, e doou alguns dos seus direitos sobre Cerva ao convento que fundara.
Em 1406, quase um século após ter sido doada como honra a Afonso Sanches
(que a recebera em 1313), estava na posse de Vasco Martins de Sousa e, no século
XVII, passou a pertencer ao 1º marquês de Marialva, D. António Luís de Meneses, que
era o 3º conde de Castanhedo e que foi agraciado com este novo título por D. Luís de
Gusmão quando governava como regente durante a menoridade do seu infeliz filho D.
Afonso VI. Esta mercê, dada por carta de 11 de Junho de 1661, foi confirmada mais
tarde pelo referido rei por alvará de 14 de Maio de 1675 Note-se que o Marquês de
Marialva se apelidava de Senhor de Cerva, embora fosse o senhor de muitas outras
terras.
O território da freguesia estende-se pelos contrafortes das serras do Alvião e da
Ordem e é regado pelo rio Póio, ou Alvadia (vai desaguar ao Louredo, afluente do rio
Tâmega) não menos importante para a irrigação deste espaço. A freguesia de Cerva é
composta por várias povoações, em que avulta a sede, com o estatuto de vila e que se
dispõe como presépio na encosta da serra.
Como ponto central, prendendo a nossa atenção de onde quer que olhemos,
temos a sua velha igreja de S. Pedro, que foi reconstruída em 1673, embora tenha sido
alvo de obras ultimamente. O santo patrono avulta numa estátua colocada na parede
lateral que se vê primeiro quando nos aproximamos e os modilhões que podemos
observar recordam-nos a sua base romântica. O pelourinho, que data de 1617, relembra
a prerrogativa de concelho e julgado na administração da Justiça e estaria bem
enquadrado pelas paredes da velha casa conhecida por Casa de Paço Vedro e pela fonte
da Água Boa, não fora uma útil mas deslocada cabina telefónica ali colocada
recentemente.
Bem no meio da vila, temos um edifício de boa traça portuguesa, e dimensão
condizente, onde funciona a Casa do Povo. Subindo uma rua que a rodeia lateralmente,
chegamos à igreja, mas, antes, temos que observar a bela Capela de S. Sebastião, cuja
entrada não pode deixar de atrair a nossa atenção pela arte exibida nas colunas torsas.
Descemos novamente para nos dirigirmos a um ponto médio, a caminho do
fontenário, e de onde se pode admirar a povoação abandonada das explorações mineiras
de S. João. Um pouco mais abaixo, a imponente casa senhorial dos Crespos exibe um
brasão espectacular. À direita, o edifício dos bombeiros com as suas viaturas muitas
vezes brilhando ao sol no pátio em frente.
Deslocamo-nos rua abaixo, voltamos à estrada principal e, dando mais umas
voltas de acordo com o sentido que nos é permitido tomar, encontramos os
equipamentos urbanos mais importantes, representados pela GNR, por escolas de ensino
básico e secundário, correios, centro de saúde, cooperativa agrícola, etc.
Enquanto estamos deste lado da igreja, podemos aproveitar para ir a Seixinhos,
uma povoação espalhada pela serra e pelas encostas que levam até ao rio Louredo, isto
se pensarmos que os magníficos panoramas valem (como valem, de facto) o sacrifício
de arrostar com o estradão difícil que teremos que utilizar. No caminho, podemos
começar por admirar a Capela do Bom Jesus, em Burgos, rodeada por belas casas
rurais: a Casa de Marante, com duas entradas principais, uma delas atravessando o
edifício da casa de habitação até ao pátio, mas com construção por cima da passagem (o
que faz lembrar alguns edifícios de apartamentos urbanos que passam de um lado ao
outro da rua fazendo um viaduto), e também a Casa Alves Costa. Aliás, todo este
caminho para Seixinhos é rodeado de belas casa rurais.
No território, procuremos restos de um velho castro sobranceiro ao rio Louredo,
e o "Castelo", isto é, um imponente rochedo em peça única que mais não é do que um
grande bloco de quartzito, e a ponte medieval sobre o rio. Nesta altura, aconselha-se
vivamente a fazer o resto do passeio a pé e não só pelo estado do piso do estradão.
Importa, sim, enchermos os pulmões deste ar puro dos pinhais, ouvir o Louredo ora
rumoroso ora em murmúrio, consoante o declive do leito, olhar estas urzes, admirar
cautelosamente o chão salpicado de fungos das mais apetitosas cores e perigos, procurar
as rochas escavadas onde os 'mouros' guardavam o ouro, como ainda por cá se diz. E
não nos faltará quem se lembre de alguém que conheceu alguém que, ao lavrar uma
leira ou a tirar uma pedra para uma construção, tenha encontrado o dourado metal que
tão profundamente atrai os homens.
Seja como for, há notícia de que em 1870, foi encontrado no território dinheiro,
em cobre do tempo do Imperador Vespasiano.
Retomemos o estradão, que foi calçada romana e da qual restam ainda grandes
lajes aflorando as camadas de terra que o tempo e os homens lhe foram colocando por
cima. Em breve, sempre por entre o verde das árvores, o rumor das águas e o ar puro,
chegamos à velha ponte.
Em muito bom estado, estreita, perfeitamente calcetada, a sua idade já lhe
permitiu que, em sucessão primária, lhe nascesse uma árvore numa das paredes laterais.
E precisa de ser podada todos os anos, tal o seu tamanho, constando-nos ainda que a
actual é apenas a última de uma velha geração. O rio, cerca de trezentos metros a
montante da ponte, vem bifurcado, como se dois irmãos se tivessem desavindo e depois
reconciliado, e corre sobre um leito pedregoso mas com águas extraordinariamente
límpidas.
Apetece-nos atravessar a ponte para lá e para cá e repetir os passos do número
infinito de pessoas que, desde a sua construção, a utilizaram para, subindo e descendo a
serra, irem ter a Salvador, do outro lado da montanha. E apetece-nos fazer um
piquenique neste ambiente simultaneamente calmo e imponente que, de facto, se nos
impõe com um todo.
Agora, há que fazer o caminho de volta e visitar as restantes povoações do lado
de lá da sede da freguesia. Na altura de tomar decisões, hesitamos. Por onde começar?
Por Alvite, com seu nome de ressonância gótica? Por Adoria e Rio Mau, que nos não
apetecem menos?
Retomemos a estrada que nos trouxe de Santa Eulália e não resistamos a subir
uma ladeirinha que nos há-de conduzir à Capela de Santa Bárbara.
Vale a pena, pois o espectáculo que de cima se desfruta é fantástico.
A capela tem um átrio coberto e murado à frente e um cruzeiro da independência
também. Numa das paredes interiores do átrio uma data - 1703 - e, na parede da igreja
propriamente dita, uma imagem de Santa Bárbara e, do outro lado, a do Sagrado
Coração de Jesus, as duas, em azulejo.
Se seguirmos novamente a estrada, podemos depois descer para Alvite, onde
pontifica uma magnífica ponte românica, de dois arcos, sobre o rio Poio, ainda com a
calçada que a precede depois a segue, e que é geralmente conhecida como a ponte
'romana' de Alvite. Seguimos pela estrada engalanada de parreiras que se abraçam a
choupos e lódãos e, em breve, chegamos junto da Capela de Nossa Senhora do Socorro.
Esta capela merece um visita para apreciar o seu tecto, cujo forro se apresenta pintado
restaurado.
Muito perto da capela, chamam a nossa atenção várias casas solarengas, algumas
já dedicadas a outras actividades que não aquelas para que foram de facto criadas,
enquanto umas tantas se apresentam cuidadosamente restauradas.
A Casa de Pombeiro é um grande edifício rural, que ainda mantém todos os seus
pertences mais típicos, em que incluímos a cozinha tradicional, oratório, adega e lagar
de vinho, além de alpendre, eira, espigueiro e azenha. A designação vem-lhe do facto de
ter pertencido ao Mosteiro de Pombeiro, de Felgueiras. Julga-se que a actual construção
terá sofrido obras de restauro em 1895, o que lhe dá, mesmo assim, uma provecta idade.
A Casa do Ribeiro apresenta algumas pedras com inscrições, a Casa de Fundo de Vila,
vulgarmente referida como Casa de Fundevila, mostra as mesmas características de
abastança e no seu lagar de vinho pode ver-se a data de 1821.
A Casa do Aleixo tem como particularidade uma estátua de santo em cada
esquina do telhado, enquanto a Casa Rural da Fraga está cheia de referências a lendas e
encantamentos.
Esta não é uma listagem exaustiva de todas as construções imponentes de Alvite,
mas apenas um pequeno levantamento, que não pode deixar de ser complementado por
todos os que se interessam por estas construções de antanho, a partir das quais se podem
traçar genealogias e sagas familiares.
Retomemos Cerva, para nos deslocarmos pela estrada para Adoria. Logo à
entrada desta povoação, o terreno conhecido por Feira da Lomba, onde tem lugar a
referida feira, com os sectores destinados a cada mercadoria perfeitamente definidos.
Em dia de não-feira, o espaço faz-nos lembrar um adro de igreja, apesar do tanquelavadouro público. Nos dias de feira, contudo, é um pequeno mundo cheio de interesse
em que se podem adquirir as mais diversas mercadorias, com realce para os artigos de
cultivo, os doces feitos por antigas e novas doceiras, e os enchidos. Na feira mais
próxima do Natal, é um mundo de verduras que extravasa o seu espaço próprio e se
prepara para nos ajudar a celebrar consoladamente o nascimento do Menino-Deus.
A capela dedicada a S. Jorge, montado no seu cavalo, ergue-se mais acima,
construída sobre um pequeno socalco, num larguinho mesmo em frente à casa fundada
por António José Gonçalves, um dos que procuraram a fortuna no Brasil e um dos
homens mais ricos do seu tempo.
A casa está em estado de abandono, mas apresenta ainda sinais visíveis de um
bom gosto contido, sem extravagâncias, pelo menos no exterior. As janelas são altas,
em arco, e, no meio do edifício, ressalta uma elegante água-furtada, enquanto cá fora,
ainda que destoando um pouco da construção principal, um tanque de pedra de boa
dimensão reclama atenção.
Nas imediações, erguem-se ainda outras construções de boa traça e tamanho,
reflectindo uma certa opulência, ligadas ainda hoje à actividade agrícola.
Continuando a subir, chegamos a Rio Mau, onde não vemos rio mau nenhum,
mas por onde corre, rumorosa e fresca, água límpida por sobre um encanamento de
pedra encostado às casas e muros. Os núcleos de casas rurais multiplicam-se e
contrastam com o edifício da escola nova. Voltemos a Adoria, para, em plena povoação,
tomarmos o estradão que nos leva até às minas de S. João. A estrada é íngreme e pouco
confortável, mas o panorama que se vai desfrutando de um e outro lado compensa todo
o sacrifício. Uma povoação atípica, S. João, onde as construções não obedecem a
nenhum estilo especial. Fácil é deduzir e confirmar que a sua existência estará muito
ligada às explorações mineiras que se fizeram nas redondezas durante dezenas de anos e
se destinavam, essencialmente, a comerciar com os mineiros.
Chegamos finalmente ao local que a administração das minas de S. João
escolheu para construir alojamentos. Um grupo de casas, geminadas em simetria, erguese um pouco mais acima. Entra-se para uma sala, onde ainda se reconhece bem o local
da lareira, e as restantes poucas divisões não atingem grandes dimensões.
No entanto, uma fileira de casas em madeira, mais à face da estrada e num
estado deplorável de degradação, espanta-nos pelas divisões minúsculas, por se
destinarem, provavelmente, a dormitórios.
O local é um miradouro natural fantástico e todo o ambiente de declínio e
abandono é acentuado pelos sinais de incêndio e queimada que se têm vindo a suceder,
chamuscando a vegetação rara e rasteira.
Os locais de exploração, que era realizada a céu aberto, oferecem outro tipo de
espectáculo em que a sensação de queimado prevalece. Diga-se, contudo, que todo este
conjunto é digno de admiração, como único, pelo seu carácter, que se deverá saber
aproveitar devidamente e mesmo rentabilizar.
Desafiamos quem quer que seja que, no caminho de regresso, não pare uma e
mais vezes a admirar Cerva em frente, ou as pequenas povoações de Escoureda e
Quintela. Lá de cima, a Capela de Nossa Senhora da Piedade, de Quintela, e a de Santa
Apolónia, de Escoureda, parecem construções para enfeitar presépio D de Natal ou
cascata de S. João.
O vale é um manto de verde a que algumas vacas dão cor e feitio. Em qualquer
altura do ano, uma infinita paz nos rodeia e nos afasta de toda a perturbação.
Não admira, pois, que tantos procurem repetidamente estes locais para uns
momentos de repouso e convívio, em especial no Verão.
Resta-nos ainda um rosário de povoações para visitar: Agunchos, Formoselos,
Asnela, para um lado, e Cabriz e Mourão, para o outro. Usemos de uma certa lógica e é
natural que comecemos por Asnela. A povoação propriamente dita, isto é, o conjunto
das habitações, está implantada na encosta, enquanto a parte mais plana e irrigada é
aproveitada para a agricultura. A capela recebe-nos logo à entrada, dedicada a Nossa
Senhora da Ajuda. Logo aí, nesse centro, encontramos edifícios de bom recorte, como a
Casa da Eira ou a da Costa, a do Jorge, a do Ribeiro.
Aqui já se nota mais claramente um interesse pela fonte de renda representada
pelo turismo rural, em habitação de qualidade. O mesmo, aliás, também se vem notando
nas povoações de Agunchos e Formoselos, onde ainda hoje se podem admirar extensas
e belas propriedades agrícolas, com o seu núcleo principal em construções de traça
sóbria e elegante, como a Casa do Cerrado, a Casa da Fonte, a Casa de Avelino
Valadares, apenas algumas entre muitas.
Como o rio passa lá ao fundo, podemos ainda apreciar em Agunchos algumas
azenhas que funcionavam como lagares de azeite, o que é uma característica desta
região.
Em Formoselos, podemos apreciar um belo cruzeiro encostado a uma casa que
ostenta, gravada na pedra, a data de 1794, mesmo em frente da Casa de Eiró, uma
grande propriedade que contém, integrada na parede da parte mais dedica da à recolha
de alfaias e produtos agrícolas, umas curiosas alminhas representando Nossa Senhora
do Carmo. A tradição diz-nos que estas alminhas foram mandadas construir por José
Joaquim Pacheco, em 1884.
No caminho de regresso, aproveitemos para saborear melhor todas estas belezas,
em que predominam as que a natureza produziu, enquanto nos vamos confortando com
a ideia de que não só estas construções e belezas se têm aproveitado, como ainda se nota
um gosto cada vez maior pela sua conservação.
Vamos, pois, visitar Cabriz e Mourão. Nesta última povoação, começamos por
apreciar, aqui sobre a encosta, uma singela capela dedicada a Santa Quitéria, com o seu
adro fechado e com bancos de pedra para os crentes descansarem enquanto esperam que
se lhes abram as portas. Mais abaixo, os restos do seu castro, conhecido por Alto dos
Mouros. No ponto mais central, ainda mais duas casas rurais de certa importância, que é
mister conservar. Cabriz é um autêntico ninho de boas casas, todas elas mandadas fazer
com dinheiro enviado do Brasil. Umas alminhas plantadas na esquina daquilo a que
chamaremos um largo minúsculo, e logo, na curva do caminho, a Casa do Capitão, a
Casa do Martins, etc. Note-se que é rara a povoação onde se não encontra uma "Casa do
Capitão", o que tem a ver com a existência da figura do capitão-mor. Neste caso
concreto, em Cabriz, diz-se de esta casa ter pertencido ao famoso Capitão de Vidoedo, o
tal que imaginou aquela artimanha para assustar os invasores franceses.
Um irmão do actual proprietário da Casa do Martins informa que esta não foi
construída com dinheiro do Brasil, como é voz corrente; tendo estado sempre na posse
da mesma família, teria sido fruto de bens próprios, herdados ou granjeados pelos seus
construtores. Aí se admira uma bela entrada, enfeitada com uma estátua, representando
Santo António, embora alguns elementos decorativos tenham sido roubados. Um pouco
mais adiante encontramos uma cuidada capela, cujo orago é Santo António, onde não
poderemos deixar de apreciar um altar do século passado que é uma pequena maravilha.
À sombra amiga de umas árvores, vamos seguidamente poder admirar o cruzeiro
de Cabriz, com a sua inscrição.
Temos, pois, que o território que constitui a freguesia de Cerva apresenta
variadíssimos cambiantes espalhados por uma extensa superfície, o que exige do
visitante, seja de fora ou do concelho, a disponibilidade de tempo para poder observar
tudo o que merece ser visto, e que tanto é. Quem puder dispor desse capital sem preço
que é o tempo, encontrará, com os seus olhos e a sua inteligência, sempre motivos de
interesse, desde o património arqueológico ao religioso e, dentro das construções para
habitação, tanto solares como robustas casas rurais, além das pontes antigas às escolas
de hoje, dos rios cantantes às serras negras da mineração do estanho. Terra de solos
férteis e gentes doces, venha-se ao menos vê-la nas suas feiras mensais ou apreciar as
suas romarias de Agosto. Da visita ficarão admiradores fiéis.
Freguesia de Salvador
Tem 3814ha, cerca de 2560 habitantes e integra as seguintes povoações:
Bacelar, Balteiro, Bustelo, Caminho, Cavalinho Brunhedo, Daivões, Escarei, Friume,
Portela de Santa Eulália, Póvoa, Reboriça, Ribeira de Pena, Ruival, Santa Eulália, Senra
de Baixo, Trofa, Vilarinho.
Desde que a terra de Ribeira de Pena foi considerada um núcleo municipal que a
sua sede tem estado localizada no território que compõe a freguesia de Salvador. No
entanto, tem havido deslocação dessa sede, que, numa primeira fase, esteve localizada
num lugar que até hoje mantém o sugestivo nome de Concelho e depois foi transferida
para o Largo do Pelourinho (Venda Nova), onde se erguia o pelourinho de Pena,
símbolo da sua autonomia em termos de administração de justiça.
Este teria sido o ponto central de um vasto largo, ainda hoje existente, onde se
levantam também o edifício em que funcionavam os Paços do Concelho e a Cadeia
Municipal e a imponente casa senhorial da Temporã, com sua capela vinculada, que
todos recordamos ter pertencido ao dote que Nuno Álvares Pereira deu a sua filha
aquando do casamento desta com o filho legitimado de D. João I, isto é, D. Afonso, o
primeiro Duque de Bragança. Hoje, contudo, o fulcro central da freguesia e, por
acrescento, do concelho, é o aglomerado à volta da igreja matriz, dedicada ao orago da
freguesia, o Divino Salvador, e cuja construção veio atrair a fixação das populações,
movimento este que a construção do edifício dos Paços do Concelho, na década de
trinta deste século, veio confirmar e acelerar. De facto, a sede do concelho morou no
Largo do Pelourinho, na Venda Nova, até 1932.
Esta freguesia de Salvador é muito vasta e estende-se tanto pelos montes que se
apresentam de um dos lados da estrada 312 como na concha em declive que enfeita o
outro lado e em que domina o Tâmega e a ribeira de Antrime.
Para a percorrer na sua totalidade é preciso tempo, pois é um espaço em que os
pontos de interesse são múltiplos e se integram em vários campos, que vão do rico
estudo genealógico que se pode fazer até à bibliografia de Camilo, do património
natural ao artístico, nas suas versões de popular, arqueológico, rural, etc.. Vindos de
fora, tanto podemos entrar pela estrada que nos traz de Vila Real via Vila Pouca de
Aguiar, atravessando a serra de Alvão e entrando por Bustelo e pela Portela de Santa
Eulália, como vir pela estrada que nos conduz de Arco de Baúlhe a Vila Pouca de
Aguiar.
Como é forçoso começar por algum lado, o melhor é entrar pela ponte de Cavez
e depois sair pelo Alvão. Ora, depois de passar na ponte sobre o Tâmega, em Cavez,
entra-se, em determinada altura, no Concelho de Ribeira de Pena, o que está
devidamente sinalizado, e uma das primeiras povoações que surge é Daivões, que
também já foi grafado Gaibões. A estrada atravessa a aldeia mas o seu núcleo principal
está instalado no lado esquerdo, para onde se inclina a margem do rio. Mesmo à beira
da estrada, uma capela nos chama a atenção, na sua pedra de granito de cara lavada. É a
capela da Senhora da Ajuda, pertencente à Casa do Silvado, uma casa de bom tamanho
e ar vetusto, pelo menos no seu núcleo mais antigo, mesmo nas traseiras da capela.
Contornando esta, aliás, encontramos outras casas interessantes, tanto pela dimensão
como pela cor que a idade lhes deu, de onde sobressai a Casa da Casinha, com uma
torre, embora com alguns acrescentos.
Voltando à estrada, e se quisermos ir visitar a magnífica propriedade que é a
Casa d'Além, temos que nos aproximar de uma outra capela, a da Senhora das Dores, e
que é um exemplo acabado da moderna arquitectura, pois apenas a cruz nos lembra que
aquele é um lugar sagrado.
Desçamos, pois, lentamente, até à Casa d'Além. O rio ouve-se lá em baixo, e a
encosta é suficientemente abrupta para ter dimensão e espectáculo. Merece uns minutos
de silêncio para ouvir a natureza.
À direita, uma velhíssima pedra com inscrições já praticamente ilegíveis falanos de outros homens e outros tempos. Mais abaixo, aparece-nos a capela da
propriedade, erigida pelos proprietários em honra de Nossa Senhora do Carmo, em
1912, e o seu aspecto é de nobre singeleza e sobriedade. Perto, edifícios destinados a
recolhas agrícolas, onde não falta um velho espigueiro belamente trabalhado, amplas
divisões nos pisos inferiores, indivisos, e, logo abaixo, a casa da família, interessante
construção rodeada por jardim. Esta propriedade teria sido iniciada por um senhor Padre
Augusto, de que os actuais proprietários são sobrinhos, directos ou por casamento.
Voltemos à estrada nacional 312 e, um pouco acima, à direita, é altura de cortar
para Escarei. Povoação antiquíssima, teve carta de aforamento em 1255, aos 25 dias do
mês de Agosto, dada pelo Rei Afonso III, quando este passava algum tempo no
Mosteiro de Cete.
A subida é acompanhada de mata de pinheiros, eucaliptos outras árvores e o
arruamento principal, velho de séculos, debruado de casas muito antigas, mas não
obrigatoriamente degradadas. A sua capela, dedicada a Santo Antão, tem história que
baste: bem cuidada na sua pequenez, apresenta, num altar à direita, uma bela e singular
estátua de Cristo Crucificado que a tradição diz ter aparecido nuns campos, no meio de
silvas. Queimaram-se as silvas mas a imagem não ardeu e logo o povo a considerou
milagrosa e a baptizou com o nome de S. Romão, querendo com esta designação dizer
que era do tempo dos Romanos. E embora os párocos continuem a dizer que é um
Cristo, não falta quem ainda lhe chame S. Romão. Outra sua particularidade, é que, em
certas circunstâncias, esta imagem chora. Singularidades que se encontram quando
menos se espera e sem delas fazer grande propaganda.
Outro motivo de interesse dentro da capela é o seu púlpito para o qual se
ascende por escada exterior e que só é utilizado em ocasiões muito especiais mas que já
deve ter sido, como é natural, mais usado. Sobre uma pequena credência, ao fundo, um
bela toalha de linho e renda apresenta Nossa Senhora de Fátima em cuidadoso
pormenor.
Voltamos ao caminho que nos trouxe e mesmo em frente da Casa de Riba (ou de
Cima) apresenta-se-nos uma construção sólida onde sobressai uma inscrição que a filha
do actual proprietário diz pertencer à habitação antiga sobre a qual os seus antepassados
mandaram construir a presente e que refere o nome do proprietário - Domingos Ribeiro
- e o nome do construtor - Mestre José Araújo.
Neste cimo do monte ouve-se cantar a água, que corre liberal e generosa por
junto às casas e dizem os seus habitantes, com um respeitoso orgulho, respeitoso porque
a água é um dom dos céus, que 'quando é tempo de seca todos trememos, mas, graças a
Deus, quando nós gritarmos com sede já os outros morreram sedentos'. Frase linda que
tem um certo tom de oração. Voltamos a descer à estrada, a caminho de Reboriça, e
numa curva do caminho, um recanto nos encanta: uma minúscula cascata, ao pé de um
moinho em ruínas.
Mas temos que seguir em frente porque Reboriça nos espera, com a sua parte
mais antiga à esquerda da estrada, na encosta que é margem do Tâmega, e para
chegarmos à sua capela de Santo António temos que passar pelo meio do velho casario,
que aproveita o declive e onde, por isso, abundam as escadinhas. Em todo o território do
concelho deve ser este o espaço em que se encontra maior número e variedade de
escadas de acesso: a campos, a casas, a quintais, a espigueiros, etc.
A capela tem um adro murado à frente e fechado por um portão, e à sua volta
velhos muros cobertos de musgos e líquenes parecem forrados a um veludo de verde
tenro e macio. No regresso à estrada, reparando melhor, as casas mais antigas, muito
encostadas umas às outras, fazem lembrar velhinhas em passeio, que, abraçadas, se
amparam e seguram mutuamente.
Da Reboriça seguimos em frente, encontrando de quando em vez uma casa ou
mesmo um núcleo de edifícios à beira da estrada quase todos novos, em que volta e
meia sobressai uma construção mais antiga por uma ou outra particularidade que lhe dá
carácter, e em breve, como que aninhada numa concha natural uma povoação belamente
disposta nos elementos fornecido pelas montanhas, rios e vales, chama-nos com uma e
mil vozes de que se realça a sua imponente igreja matriz.
Infelizmente, o tempo, esse tirano que manda mais em nós do que o destino,
poucas vezes dará oportunidade aos viajantes de cumprirem a sua vontade, saírem da
estrada que têm vindo a percorrer, e descerem a desempenada avenida que actualmente
faz a ligação a Salvador, partindo do Entroncamento.
Mas todos os que aí vivem, trabalham ou que conhecem este território não
podem deixar de recomendar a visita e com calma porque não faltam os mais variados
motivos de interesse. A descer, o panorama é de sonho, fazendo-nos lembrar
orgulhosamente cenas tão geralmente famosas e louvadas com as da Suíça, a própria
serra é bela na sua face mais inóspita, a que o verde da floresta dá um toque de
suavidade.
A certa altura, porque vamos devagar para apreciar bem tudo o que nos rodeia, é
uma bela casa que um pequeno relevo do terreno quase rouba à nossa vista a pedir-nos
ainda menor velocidade. O seu brasão, de nobre recorte na pedra de granito, com a data
de 1660, merece um olhar demorado, como toda a Casa de Bucheiro.
Hoje já não está na posse da família que a fundou, de que o primeiro foi Fernão
Leitão. O brasão que chamou a nossa atenção foi concedido a João Manuel de Sousa
Aragão, que foi ajudante de ordenanças, em 20 de Julho de 1795. A sua capela
vinculada, dedicada a S. Pedro, está a certa distância da casa e é hoje património da
Câmara, a quem foi doada por um dos últimos proprietários, o Dr. Rui Machado.
Mais abaixo, as ruas largas ladeadas por grandes edifícios que albergam casas
dedicadas ao mais variado comércio e serviços. A urbanização não deixa Ribeira de
Pena mal colocada se a compararmos com outros núcleos considerados de maior
importância, mas à volta da igreja mantêm-se as construções mais antigas, cuja traça
não desmerece de enquadrar o tempo do Divino Salvador.
Em frente deste, O cruzeiro da Independência, e, ao lado, o edifício sóbrio e
elegante dos Paços do Concelho, mas que alberga muitos outros serviços
administrativos, e de que falaremos com mais pormenor noutro local.
A igreja e os Paços funcionam como um centro de onde saem vários caminhos e
é mister decidirmo-nos, depois de termos dado uma volta para apreciar a localização das
delegações bancárias, de nos situarmos perante os Correios, a Casa do Povo, a G.N.R.,
as Finanças, os Serviços Florestais, o Centro de Saúde, a Delegação Escolar, os
Bombeiros Voluntários, a Escola etc.
Camilo fala alto nestas paragens e decidimo-nos por Friúme em primeiro lugar.
A estrada é estreita e só com alguma dificuldade e boas manobras se conseguem cruzar
dois carros, mas de um lado e de outro, o campo domina e enche-nos a alma de cores e
beleza, seja qual for a estação do ano que escolhamos para a visita. Em breve chegamos
a Ruival, terra da naturalidade daquele Manuel José de Carvalho que procurou a sua boa
estrela no Brasil e, mais tarde, mandou erigir a igreja matriz.
Passamos pela casa do Enxertado, cheia de ecos camilianos e em breve estamos
em frente da capela da povoação, devotada à Senhora da Graça. No meio dos campos,
em que avultam algumas oliveiras, surgem as casas, umas mais antigas e de certa
imponência, mesmo na sua feição agrícola, outras mais modernas, mas quase todas
implantadas no meio de culturas. Numa curva da estrada, uma ou outra construção
prende o nosso olhar pelas suas linhas sóbrias e elegantes, quase inesperadamente, ou
pela sua traça antiga. Assim, surge um edifício declaradamente rico, mas que algumas
obras de manutenção não terão favorecido e, nas suas traseiras, quase de sopetão, uma
bela capela anexa à Casa. As aberturas baixas estão sem vidros e deixam entrar os
malefícios das intempéries e do simples passar dos dias, mas a capela continua linda. É
a casa de Fontes, e, de facto, se dermos uma volta à capela e deitarmos uma vista de
olhos à paisagem perfeitamente agrícola que se nos depara, começaremos por ouvir
rumorejar água e em breve nos aperceberemos de que se trata de mais do que uma fonte
que canta.
Entre Ruival e Friúme, que vem a ser o nosso destino, começamos a ver o
Tâmega mais claramente, com os campos delimitados, onde se vêem a pastar vacas e
ovelhas. À entrada de Friúme, a capela de S. Gonçalo e, à volta, casas antigas de boa
dimensão se bem que sem brasão. Se formos desconhecidos e pararmos, logo alguém
nos perguntará se andamos à procura da casa de Camilo. Quando a resposta é afirmativa
(e quem fugirá jamais àquele apelo irrecusável que é ir ver o local real, concreto, em
que esse homem mítico viveu, onde está o chão que ele pisou, a porta a que ele assomou
certamente), não faltam cicerones orgulhosos e solícitos. Refira-se, contudo, que o
orgulho quase familiar desta gente ao falar do 'seu' Camilo tem também uma réstia de
amargura e dizem sempre: "Parece que agora sempre vão arranjar isto, fazer como era
dantes, para ficar para o futuro".
De facto, a modesta habitação em ruínas apresenta um aspecto confrangedor,
como se a Necessidade, que se comportou sempre como parenta próxima do escritor,
lhe tivesse sobrevivido e por ali habitasse. E todos nós desejamos sinceramente que sim,
que não seja tarde demais, que se reconstrua e recheie a casa, mas que se não deixe
como obrigação apenas desta terra conservar um património que é de todos os
portugueses.
Uma das vizinhas, a casa do Ferreira, apresenta um nicho de bom tamanho mas
que está vazio. Em breve terá o seu santo, como sempre teve, com umas grades
mandadas fazer em Braga... Outra casa, mais próxima da de Camilo, a Casa do Moreira,
e nela pontifica uma espécie de torreão. Há, na povoação, outras casas cujo aspecto
denota uma certa riqueza e que dizem pertencer ou ter pertencido à Casa do Moreira.
Agora, é preciso deixar o meio de transporte (e quem precisa dele?) e caminhar
lentamente pelo resto do estradão que nos leva até ao Tâmega e à ilha dos Amores ou
Ínsua. Todos a sabem indicar e os mais velhos até com um certo olhar cúmplice, de
quem muito sabe de ínsuas e ilhas dos amores.
No regresso, enchem-se novamente os ouvidos daquele som cantante de água
correndo, ou de pássaros trinando, ou de cigarras chiando, isto conforme a estação do
ano e do nosso coração. Voltemos, pois, ao centro de Salvador. Aí, ainda nos interessa e
é obrigatório visitar o Picanhol, com a sua Casa, rica de fidalguia, brasonada com as
armas dos Pachecos, Freires de Andrade, Meireles e Gouveias. Mas ainda muito perto
do centro, não podemos deixar de lado a Casa de Boumilo, mandada construir pelo
capitão António d'Oliveira Pena que granjeou a sua fortuna no Brasil, tendo sido
brasonado a 5 de Maio de 1762, com as armas dos Oliveiras e dos Queirós. E mais
adiante, a Casa da Touça Boa, ressoando a nomes ilustres, que vão dos Teixeira da
Cunha aos Teixeira Pena, de que foi varão egrégio, o Presidente do Brasil, Dr. Afonso
Augusto Moreira Pena.
Depois, é descer e tomar o caminho de Senra de Cima, de Senra de Baixo e
admirar as suas belas casas brasonadas, que nos falam de fidalguias, de aventuras
amorosas, de fortunas granjeadas no Brasil. E o caso da Casa de Senra. Este solar foi
mandado construir no princípio do século XVII por um outro clérigo que também tinha
demandado terras brasileiras, Miguel Joaquim de Carvalho e Almeida, e que foi capelão
do rei D. João V. Pela primeira vez que esteve no Brasil aí permaneceu 34 anos, entre
1665 e 1699, tendo mandado construir aquela magnífica mansão com a sua capela anexa
dedicada a Nossa Senhora da Assunção.
A frente e a fachada da direita do edifício são adornadas com uma magnífica
varanda de pedra, dominando a frontaria e o brasão de um irmão do fundador da casa,
do seu nome Domingos Carvalho e Almeida. A capela tem por sobre a entrada, uma
imagem de Nossa Senhora, de que existe a réplica no seu altar. O tecto é de belos
caixotões de pedra e, mesmo no meio do chão da entrada, existe um túmulo inserido à
superfície, onde estão enterradas duas familiares antepassadas do proprietário. Ao lado,
uma minúscula sacristia, com sua cómoda antiga e um nicho onde pontifica uma
imagem de Nossa Senhora de Fátima muito antiga, mesmo tendo em conta que o seu
aparecimento aos três pastorinhos apenas ocorreu em 1916.
Por sobre a entrada da capela, e como era costume, há um meio piso que se
destinava, no lado esquerdo, aos donos da casa e, no lado direito, aos serviçais, durante
as cerimónias religiosas. O conjunto do edifício é valorizado por um bom pátio interior,
para onde se debruça uma larga varanda coberta como um claustro e da qual se desce
por uma escadaria de bom porte. No pátio quadrangular, um fontanário invulgar
pontifica, residindo a sua invulgaridade em não apresentar nenhum fauno ou qualquer
ser mais ou menos mitológico, mas sim um gato, a que não falta sequer uma certa
estilização.
Um pouco mais acima podemos ver a Casa das Pereiras com os seus dois
brasões e, um pouco mais abaixo, a bela casa que pertenceu a Francisco Xavier de
Penha, que foi administrador de Ribeira de Pena.
É mister que se diga, contudo, que muitas outras construções há que, não sendo
brasonadas, merecem um olhar especial pela sua dimensão e organização como casas
rurais. Mesmo em frente à Casa de Senra está um desses bons exemplares, a Casa da
Laje, que esteve na posse de Tiago José Alves, hoje a ser recuperada por uma
descendente com um respeito cuidadoso pelas suas raízes. Sobre o portão de entrada
desta casa, ergue-se um relógio de sol, mandado ali colocar por aquele proprietário que
não se pode deixar de ver.
Como ainda nos falta muito para visitar, talvez seja altura de descermos até
Balteiro, onde nos sobram motivos de interesse em especial se for dia de feira. No dia
13 de cada mês, e particularmente no Verão, quando é tempo de todos os emigrantes
virem a férias, o seu movimento é incessante. Nessa altura, pais, filhos e netos
misturam-se numa algaraviada de línguas, em que, entre as gerações de extremos, a
compreensão se faz mais na base do amor do que da tradução. O colorido impera e as
mais desvairadas mercadorias apetecem naquele tempo quente de lazer. Subamos
novamente a caminho de Salvador e lá vamos passar pela Venda Nova, onde temos a
nossa já conhecida Casa da Temporã, com a sua capela e o edifício já referido, onde
estiveram sediados os Paços do Concelho e a cadeia municipal, no largo do pelourinho,
nesse largo onde a população ainda não esmoreceu de esperar voltar a ver erguer-se o
pelourinho, agora apenas representado por velhas pedras amontoadas.
Embora não haja notícia certa de quando o pelourinho foi destruído ou, muito
simplesmente, se deixou vencer pela força do tempo, tem-se geralmente como certo que
em 1888 ainda se erguia naquele local. Muitas tentativas têm vindo a ser feitas para
ressuscitar este velho símbolo, a exemplo, aliás, do que já foi realizado noutros
concelhos, para promover a sua reconstrução, mas, até hoje, tudo se mantém como
desde esse dia triste em que um belo monumento se transformou num informe monte de
pedras. Um dos ribeirapenenses que mais se interessaram pela reconstituição foi
Francisco Canavarro de Valladares, da Casa de Santa Marinha, que, com a colaboração
de Manuel António de Noronha, outro cidadão interessado, chegou mesmo a preparar
um projecto completo, incluindo medidas, formas e disposição dos elementos
decorativos.
Está na hora de nos prepararmos para apreciar outro ponto da freguesia, pelo que
é necessário continuar a subir até à sede e, aí, tomar o caminho da Capela de S. Pedro.
Ao lado, a residência paroquial e, nas redondezas, alguns espigueiros antigos, muito
interessantes. Se seguirmos em frente, em breve estaremos em Brunhedo, de onde,
seguindo sempre pela estrada, poderemos atingir a Senhora da Guia. Nesta parte do
território, convém fazer uma pausa, ainda que curta, pois estamos num daqueles lugares
em perigo de extinção, em que todos os elementos, quer sejam os construídos pelo
homem, quer as águas, o ar, os animais, grandes e pequenos, tudo se conjuga numa
proporção e harmonia extraordinárias.
Para terminarmos esta peregrinação à freguesia-sede de Ribeira de Pena, restanos ainda percorrer a parte alta, em que se situam Santa Eulália, Portela de Santa
Eulália, Bustelo e duas outras povoações que, embora no meio de montes, se encontram
abrigadas pelos mesmos, pois se dispõem em vales mais ou menos protegidos: estamos
a falar de Vilarinho e da Póvoa.
Retomemos a nossa visita a partir da nova e larga avenida que faz o acesso à
estrada 206 e, ao cimo, depois de mais um olhar a magnifica vista, voltemos à esquerda.
Começamos, pouco a pouco, a notar a mata frondosa e cuidada que corre ao nosso lado,
preparada para ser usufruída: há as mesas para o piquenique informal torneiras de água,
os recipientes para o lixo, as já conhecidas construções que permitem fazer alguns
cozinhados com um mínimo perigo de incêndio. É o Parque de Lazer de Lamelas.
Todo este aspecto acolhedor convida-nos a tomar o estradão e a seguir por ali
acima. Respira-se um ar muito puro e o panorama impressiona pela sua força. Mas
acontece que o nosso destino são aquelas vastas lajes que há milhares de anos outros
homens enfeitaram com os seus desenhos. Todo o ambiente ali, em Lamelas, tem, ainda
hoje, uma atmosfera de santuário, de catedral natural, que nos exige uma reflexão mais
aprofundada pelo que falamos deste local mágico em capítulo próprio (Património
Arqueológico).
Em frente, uma elevação escarpada está 'paramentada' com monólitos de grandes
dimensões e, a uns 200 metros de distância, à direita, por entre os pinheiros, podemos
ainda observar grandes pedras com um certo alinhamento e que não deixam muitas
dúvidas de terem pertencido a um antigo castro, ali erguido para aproveitar a protecção
natural oferecida por um enorme penedo. Deste se sabe já não estar completo no
momento, por ter sido utilizado para dele se retirar pedra que foi aplicada em
construções várias.
Chama-se a este lugar o Alto dos Mouros, o que se justifica por, cómoda e
simplesmente, o povo localizar tudo o que se passou num tempo mais ou menos
longínquo, como se tivesse ocorrido no tempo dos Mouros (ou dos Romanos). É, ao fim
e ao cabo, uma ingénua mas não menos valiosa prova de admiração pelas civilizações
que estes povos souberam construir.
Seguindo pelo estradão que nos trouxe até aqui, vamos serpenteando por entre
lódãos e variedades de pinheiros mais apetrechadas para estas altitudes. Quando menos
o esperamos, e estamos numa clareira, seremos surpreendidos, se não conhecermos o
local, por um conjunto de construções em que sobressai o edifício que funciona como
quartel dos Bombeiros Florestais.
Em frente, uma casa do tipo geralmente destinado aos guardas-florestais faz-nos
pensar em como seria agradável tomar aí um refresco no Verão e acolhedor sentarmonos à lareira no tempo mais agreste, com uma chávena de uma reconfortante bebida
quente. E em qualquer estação usufruir simplesmente daquela calma limpa que ali se
respira. Muitos sentem ou sentiram o mesmo, certamente, ao visitar ou apenas passar
por este lugar. Todo o espaço é demasiado prometedor para não ser aproveitado em
termos de lazer, incluindo turismo, e pode abarcar desde um parque de campismo (o que
já foi considerado como hipótese) até locais para a prática de desportos, que poderiam
incluir o golfe e o hipismo. Não poderá, contudo, deixar de ser uma ocupação
controlada e comedida, para que se possa manter por muito tempo, com benefício de
todos.
Mais à frente, chegamos a um entroncamento e temos que nos decidir a tomar a
esquerda ou a direita. Vamos pela direita, percorrendo o mesmo estradão, que, agora,
vai aproveitando a curva de nível da encosta. De um lado, que faz o declive para o vale,
continuam as árvores, enquanto do outro, que nos leva ao cume da montanha, se nos
apresenta volta e meia, num cimo mais calvo ou num planalto nu de vegetação, uma ou
outra construção megalítica que nos parece ter sido erigida por gigantes brincalhões.
Estamos a caminho de Vilarinho, uma pequeníssima povoação que parece defendida
pela encosta coberta de rochas aflorantes, das quais nem a própria estrada se livra. Lá
em baixo, um vale verdejante e as casas que podem ser contadas pelos dedos, tudo mal
pulsando no silêncio apenas perturbado pelo ladrar de um cão ou pelo vento que leva
pedras e arvores
Da povoação sai outro caminho que talvez possamos considerar mais fácil e que
nos levará até Santa Eulália, mas nenhuma paisagem se nos mostra plenamente
enquanto não a virmos pela esquerda e pela direita e em todas as estações. Por isso,
regressemos pelo mesmo caminho e confirmemos que tudo tem duas vistas, pelo menos.
Chegando a Santa Eulália, passa-se primeiro por um bairro novo de construções
modernas, mas, à medida que nos aproximamos da capela, começamos a ser envolvidos
por boas construções rurais ladeando uma calçada que também nada deve à mocidade.
A levada de Santa Eulália corre ordenadamente, de acordo com o que cabe a cada um,
aparecendo e desaparecendo por entre as casas.
Os sinais da actividade agrícola surgem-nos, agora, de todos os lados e mesmo
em plena povoação se ouve a água. Lá em baixo, poderemos ver deslizar o rio, no meio
de um mundo verde e uma povoação. É a Póvoa, que construiu as suas habitações
encosta abaixo, quase até à borda da água, enquanto reservou os solos do vale irrigado
para agricultar e criar gado. Na parte mais baixa, duas casas grandes se destacam: a da
Costa e a dos Carvalhos.
Mais abaixo, uma vacaria dá sinais de dimensão e modernidade de equipamento,
visíveis mesmo do exterior. No alto da pequena colina domina a Capela de Santa Luzia,
com o seu adro murado e empedrado, como se de uma casa particular se tratasse. No dia
13 de Dezembro, contudo, o adro é pequeno para a festa, quando, singelamente, se
comemora a sua padroeira, protectora dos olhos.
Retomemos a estrada que nos vai levar à Portela de Santa Eulália, um
entroncamento afinal que dá saída para Cerva e Mondim de Basto de um lado e para
Salvador e Arco de Baúlhe do outro, e num terceiro braço, para Vila Pouca de Aguiar,
Vila Real e Chaves.
Quase completamente nova na sua construção, de momento predominam as
actividades comerciais voltadas para a restauração, isto é, cafés e mesmo uma das
poucas residenciais do Concelho, um pouco mais abaixo. Neste centro podemos ainda
apreciar com calma e pormenor a levada com o seu sistema de consortes e no cimo da
colina, uma capela minúscula, devotada a N.ª S.ª da Conceição, domina e protege a
paisagem.
O nosso destino é, agora, Bustelo. Poucos minutos andados, surge, na curva do
caminho, uma placa que orienta o visitante. A estrada é a subir e os campos que a
rodeiam, murados em pequenas áreas, desenham uma paisagem característica. A
povoação em si aparece mais à frente, escura na idade das suas paredes de granito, das
casas encostadas umas às outras, sustendo-se mutuamente. Mas levamos os olhos
alegres por umas simples alminhas dedicadas a N.ª S.ª do Carmo e o sorriso das gentes é
sereno. A capela, no entanto, tem por padroeiro Santo Amaro, que aqui é festejado a 15
de Janeiro e ergue-se um tanto afastada do centro do povo, o que não é costume.
A razão para tal é que esta foi construída em 1963, pois a primitiva, que era, de
facto, no centro da povoação, estava muitíssimo velha e acanhada. No entanto, as pedras
aproveitáveis vieram todas, assim como a cornija e as componentes da torre sineira,
tendo tudo sido incorporado neste edifício. Isto por fora, porque, no interior, também
podemos ver o altar-mor que já o era na capela antiga e uma pintura em madeira, um
retábulo, de bom tamanho e ingénua composição. Tanto o suporte como a pintura
começam a dar sinais visíveis da idade, mas, entre os residentes, há uma certa placidez
mesclada com desconfiança perante o problema, pois nem acreditam que haja grande
solução para ele nem tal lhes merece grande confiança, escaldadas como estão as
paróquias da província com imagens e pinturas que foram para restauro e não voltaram.
Assim, filosoficamente, vão adiando o caso, desculpando-se com os custos, que
certamente seriam altos e com a incerteza do resultado. Interessa, afinal, é continuar a
usufruir do seu pequeno tesouro, que vale pela singeleza do conjunto.
A população já não tem tantos carvoeiros como Camilo pintou em "O Santo da
Montanha", mas a descrição do viver destas gentes no século passado ainda se pode
adivinhar hoje, pelo que não estranhamos que também aqui não faltem emigrantes na
Alemanha, em França e no Luxemburgo. Os que ficaram dedicam-se a criar gado
bovino, tanto maronês como turino, aproveitando os incentivos financeiros para
descansarem do cultivo da terra dura, de que agora quase só tiram a batata e o centeio
para gastos domésticos. A floresta é outra fonte de rendimento que têm sabido utilizar e
defender, sempre prontos a responder ao rebate dos sinos que se fazem ouvir ao mais
ténue sinal de fumo.
A escola primária é um edifício novo, também ele afastado do centro, mas os
seus utentes são em número muito reduzido, pelo que nos não admiraremos se, mais ano
menos ano, a virmos a desempenhar outra função na comunidade.
Depois de mais uma volta a pé por estas ruelas tão estreitas entre as casas
aconchegadas, saímos de Bustelo e tomamos novamente a estrada 206, que agora nos
leva para fora do concelho, visto que, em breve, estaremos em Vila Pouca. É a outra
parte do Alvão que vai agora dominar a paisagem
Panorâmica da Vila com nuvens
Casa de Camilo Castelo Branco
Igreja Matriz do Salvador
Freguesia de Santa Marinha
Tem 3171 ha, 668 habitantes, dista da sede de concelho 2 Km e é constituída
pelas povoações de Abelheira, Amarelos, Boavista, Choupica, Fragalhinha, Fonte do
Mouro, Granja Nova, Lomba, Melhe, Paço, Santa Marinha,Simães, Venda Nova, Viela.
A freguesia de Santa Marinha esteve desde sempre integrada no Concelho de
Ribeira de Pena, e já aparece referenciada como tal nas Inquirições de 1220. Tendo
como padroeira Santa Marinha, era reitoria e comenda da Ordem de Cristo. A ser assim,
como vários documentos o provam e ainda há sinais, convém lembrar que esta Ordem
foi criada pelo Papa João XXI, que mais não foi do que o nosso compatriota que dava
pelo nome de Pedro Hispano.
Nessa altura criara-a com a designação de Ordem dos Cavaleiros de Nosso
Senhor Jesus Cristo, e a sua primeira sede foi em Castro Marim, embora todos nós a
relacionemos com Tomar. De facto, só mais tarde foi transferida para esta segunda
localidade, onde deixou ligado a si o conhecido Convento de Tomar, com a sua ainda
mais famosa janela manuelina.
Um dos testemunhos para relacionar Santa Marinha com a Ordem de Cristo é o
facto de podermos encontrar ali, bem perto da igreja matriz da freguesia, a Quinta das
Terças, tendo-lhe vindo a designação precisamente de, certamente, ser ali que os
moradores pagavam os seus foros ou rendas à Ordem, como seu senhorio. Dentro da
igreja, mais propriamente na sua parede sul, está inserida uma inscrição votiva a Júpiter
e que vem do tempo da romanização. Essa inscrição foi encontrada por acaso aquando
de obras de restauro da igreja; sabe-se, contudo, que já lá se encontrava anteriormente, e
está classificada como imóvel de interesse público.
Outro elemento a considerar é a capela anexa, dedicada a S. Francisco Xavier e
que está vinculada à Casa de Santa Marinha. A capela orgulha-se de um belo altar de
talha dourada, podendo ainda admirar-se um túmulo em pedra com o brasão dos
Pachecos de Andrade e a inscrição 'OCAPP.MOR E. PACHECO ANDR. AQUIJZ', que
se refere ao capitão-mor Baltazar Pacheco de Andrade, da Casa de Santa Marinha, que
está também ligado à construção da capela da Granja Velha por ter sido nomeado, por
procuração do Dr. Lourenço Valladares Vieira, seu administrador.
Situada junto ao Tâmega, uma parte para cá e outra para lá do rio Santa Marinha
é um território misto com uma parte montanhosa mais árida, da qual fazem parte as
terras espalhadas pelos montes do Ouro e pelos declives da serra do Larouco (logo, já
fazendo parte das terras de Barroso) enquanto uma outra parte é mais amena e fértil, em
especial a que se localiza nas margens do rio. É esta a parte que se dedica à agricultura,
ainda hoje a principal actividade económica.
Esta sempre foi, aliás, a principal fonte de rendimento da população, visto que
nesta zona existiam grandes propriedades senhoriais onde os habitantes trabalhavam a
terra, esta terra que fornecia (uma outra fonte de rendimento representada pela floresta
que ocupava e ocupa um espaço de relevo na utilização do solo.
O subsolo merece também uma menção especial, pois durante muitos anos foi
explorado para dele se extrair o estanho, em particular no princípio do século. As
principais minas a referir são as de Padroselos, de que era concessionária a Societé
Minière et Industrielle du Tâmega, que criou largas expectativas de desenvolvimento
para a região, atendendo aos elevados investimento que nelas foram feitos, mas que,
infelizmente, não passaram disso mesmo: expectativas. Delas resta uma povoação
abandonada onde certamente jazem enterradas as esperanças de muitos. Não com uma
história tão conhecida mas com um determinado valor são ainda de referir as minas de
Corissa, Sobradelo e da Fonte da Telha. A tradição traz-nos até hoje a nostalgia da
exploração do ouro no rio do Ouro, e que teria tido lugar há séculos. Desse tempo, se
existiu, e dessa nostalgia, ficaram os topónimos Ouro, Aldeadouro, Amarelos, etc.
Ouro, hoje, apenas no coração da sua gente, sempre disponível e bem disposta para
receber os seus visitantes.
Para visitar a freguesia podemos partir da sede do Concelho e tomar a sempre
presente e necessária 312 para, um pouco abaixo da Venda Nova, virarmos à direita e
subirmos por ali acima. Dentro em breve estamos no meio da sede da freguesia, onde
avulta a igreja de Santa Marinha e o solar do mesmo nome. Este solar ou Casa de Santa
Marinha é um belo edifício que viu a sua construção iniciada no século XVI, tendo
servido de residência à família de onde saiu o 1º Barão de Ribeira de Pena, fidalgo pelo
nome e pela alma, que à sua terra devotou sempre um amor entranhado e actuante. À
sua acção se deve a manutenção do Concelho, que esteve para ser extinto, como já
várias vezes se proporcionou referir e o seu alargamento, com a inclusão dos territórios
de Canedo e Cerva.
Ainda que a construção desta casa tenha tido início no século de Quinhentos, ela
tem sido alvo de obras de manutenção e até de algumas alterações, o que seria
aconselhável continuar a acontecer porque é importante que ela permaneça como
símbolo de uma fidalguia fixada na terra e a ela dedicada. Com verdade se diz que não
se pode fazer a história de Ribeira de Pena sem a documentação que a Casa de Santa
Marinha compilou, tratou, seleccionou, buscou e guarda na sua rica biblioteca. Muito do
que se tem dito, senão tudo o que se tem dito, foi aí bebido e a Família, em cuja posse
ainda se encontra, embora indivisa por falta de herdeiros directos dos últimos barões de
Pena, quer continuar essa obra amorável, estando em projecto a instalação da Biblioteca
Municipal no próprio solar, de modo a tratar, catalogar e utilizar o valioso e volumoso
espólio.
Quase em frente da igreja, e em contraste com algumas novas construções, está a
Quinta das Terças, identificada por uma tabuleta que não podia ser mais moderna.
Ironias do tempo...
Continuemos a subir e após alguns povoados com toda a marca da actualidade, e
que nos fazem lembrar a larga faixa da população que tem emigrado e que tem
procurado novos espaços para construir as suas habitações, na hora do regresso,
chegamos a um largo em que nos aparece uma bela capela. É a Senhora da Guia, onde
mora a Padroeira do Concelho, aquela que é tão rijamente celebrada a 14 e 15 de
Agosto, a que Camilo tinha diante dos olhos da mente quando escreveu o sexto de
"Doze casamentos felizes".
O adro é largo e em Agosto os plátanos dão uma sombra convidativa, enquanto
no Outono nos encantam com as suas cores especiais e na Primavera nos enternecem o
coração com o seu verde tenro. E se no Verão a sede apertar, temos um interessante e
generoso fontenário, o de Santo António, para nos dessedentar. O adro é largo,
repetimos, e está ali à nossa espera todo o ano, com o seu coreto e um miradouro que
nos dá outro espectáculo fantástico em que a serra e o rio são protagonistas máximos.
Com o olhar preso a essa vasta paisagem quase não damos por umas alminhas
que parecem ter sido integradas na rocha e que ali estão ao pé de uma fonte. A estrada
convida-nos a subir, esta estrada que foi muito desejada. Seguimos em frente e em
breve estamos em plena serra. Estamos tão em cima que vemos nuvens abaixo de nós,
como se estivéssemos a sobrevoar de avião. É um cenário inolvidável, simultaneamente
único e múltiplo, que apetece fixar numa tela ou na película de um filme, mas que é
essencial viver pelo menos uma vez.
Estamos a aproximar-nos da Choupica, em breve passamos pela Casa da
Choupica, pela Capela de S. Domingos com, o seu altar de talha e depois estamos na
povoação parada. Parada porque despovoada, pois tendo estado tantos séculos afastada
de tudo e de todos pela falta de estradas, os seus habitantes não se deixaram abater e
procuraram outras terras onde pudessem granjear um pão melhorado para o corpo e para
o espírito.
Hoje, os seus habitantes são pouquissímos e de muita idade, muita sabedoria,
muita história. As casas são vetustas como eles e algumas autênticos exemplares de
antigas casas rurais. A escola ainda nova fala-nos de crianças mas que vêm de lugares
mais próximos, na sua maioria. Mais adiante, vê-se novamente a povoação da Fonte do
Mouro, onde está a Capela da Senhora da Guia.
A serra chama por nós mas há outros espaços a percorrer, onde a natureza e os
homens deixaram marca e há que voltar à sede da freguesia para podermos procurar a
Granja Velha e apreciar a sua bela Capela votada à Senhora da Conceição e mandada
construir por Lourenço Valadares Vieira, que emigrou para o Brasil, depois de se
licenciar em Coimbra, e onde já se encontrava um irmão seu, o Padre Manuel Valadares
Vieira.
A capela é de belas proporções e tem uma escada exterior, na parede da
esquerda, tomando a entrada como ponto de referência. Lá dentro, um magnífico altar
de talha dourada e algumas pinturas são elementos que não podem deixar de nos atrair,
assim como uma belíssima credência e três túmulos antigos. Além disso, lembremos
que a esta capela está ligado o nome daquele nosso conhecido padre Manuel da Lixa, o
que foi professor de Camilo. Ali perto, dando uma curta volta, temos a Granja Nova que
também tem uma pequena capela dedicada a S. Tiago e as ruelas estreitinhas são
bordadas de casas, de plátanos e de videiras altas que todo o ano nos oferecem uma
visão diferente mas sempre bela: nua e torcida no Inverno, pontilhada de folhas novas
na Primavera, com brincos de cachos que se vão colorindo mês a mês Verão fora até ao
Outono, em que os tons dourados e escarlates criam jogos de cor da maior fantasia.
Do lado de lá do rio ainda temos as povoações de Viela e do Melhe. Esta última
povoação, como se refere em local próprio, tirado o seu topónimo de 'mel', produto
natural fabricado pelas abelhas em grande quantidade na terra e de não menor
qualidade. Povoação minúscula, a sua capela está dedicada a nossa Senhora do Carmo.
Tão afastada está da sede que quase se não acredita que pertença a Santa Marinha, e o
mesmo se aplica à aldeia fantasma de Padroselos, mas tal assim é.
Bem mais perto está a povoação de Viela, com os seus antigos pergaminhos que
lhe vêm de ter tido foral próprio que lhe foi dado por D. Afonso III em 1255, estando o
Rei no belo mosteiro de Cete, hoje pertencente ao Concelho de Paredes, a 25 de Agosto.
Dava o rei por essa carta de aforamento aos habitante de Viela a herdade 'que aí possuo
na mesma vila e o seu termo' como ela parte pelo fundo de Balteiro e segue pelo curso
de água e depois parte com a Granja Velha e daqui vai até à portela de aulo e passa no
cimo de Esbarrondinho e depois pelo mesmo curso de água que parte em Paço e torna
pelo Tâmega seguindo pelo curso de água até onde primeiro começámos.
A carta de aforamento segue dando conta dos deveres e direitos dos ditos
moradores e por aqui se pode ver como, tal como acontece com os homens (que as
fazem) as povoações nascem, crescem, enriquecem e alargam umas, definham e quase
desaparecem outras, até que um dia, inexoravelmente, todas morrem. Hoje pouco mais
resta do que a lenda da Pedra Cavalar, a capela de S. Gonçalo, velhas casas rurais que
ainda denotam a sua importância passada, mas a natureza, em que o rio pontifica, essa, é
perene e generosa nas suas dádivas de beleza para os nossos olhos.
Santa Marinha, esta antiquíssima freguesia que se perde na bruma dos tempos,
vai transformar o seu destino difícil e carenciado, como o espaço em que nasceu, e
caminhar uma senda de progresso comedido porque humanizado, de modo a usar com
proveito. Porque o querem os seus habitantes e os seus dirigentes. E porque o merecem
todos.
Aldeia de Melhe
Nuvens na Serra
Solar de Sta. Marinha
Freguesia de Santo Aleixo de Além Tâmega
Tem 1230 ha, 447 habitantes, dista da sede de concelho 4 km e é constituída
pelas povoações de Bragadas, Manscos e Santo Aleixo de Além-Tâmega
Ponte Pensil em arame
Represa em Manscos
Aspectos da Casa de Barroso
ligados à "História de uma Porta"
de Camilo Castelo Branco
O seu nome não poderia ser mais lógico nem explícito - Santo Aleixo advém do
nome de Santo Orago e o Rio Tâmega, para além do qual se situa quando nos
movimentamos no Concelho a partir da sua sede, indica a localização.
O rio, que a separa de Salvador, proporciona uma situação geográfica digna de
menção no que diz respeito à beleza paisagística e o seu vale definiu, através dos
tempos, terras ricas de aluvião que o homem tem sabido aproveitar.
Neste caso concreto, o Tâmega pouco mais tem dado do que a beleza e as terras
de aluvião, pois que, ao cortar o concelho, quase obriga a definir outra área
administrativa, empurrando Santo Aleixo para os lados de Barroso, de onde resulta que,
ao longo da história das populações se tenham estabelecido relações muito mais fáceis e
privilegiadas com as terras de Barroso e de Cabeceiras.
Durante séculos as duas margens do rio só tiveram ligação usando a natureza e a
força bruta do homem. Quer isso dizer que as freguesias de Salvador e de Santo Aleixo
só comunicavam por meio das "poldras" e "presa" que permitiam a passagem a vau,
pelas barcas impulsionadas à vara, à força de pulso, com que os barqueiros
atravessavam as águas e, mais tarde, através do pontão de granito construído em frente a
Viela e que liga esta povoação a Balteiro permitindo não só a passagem de pessoas
como de carros.
O local escolhido para construir este pontão, estratégico do ponto de vista de
facilitar a construção da obra, tem o inconveniente de se situar numa secção muito baixa
do rio, o que traz como consequência que no Inverno fica muito frequentemente
submerso pelas águas grossas da estação. Então, até à década de 60 do século XX,
durante as estações mais chuvosas, as duas povoações e as suas gentes ficavam isoladas
entre si, a menos que alguém menos timorato se atrevesse a enfrentar as águas
recorrendo às citadas barcas.
Sabe-se quantas vezes o engenho se sobrepõe à força e, segundo a tradição, terá
sido o engenho que esteve na origem da edificação de uma outra construção que
também serviu para ligar as terras e as gentes que se miravam de cada uma das margens.
É o caso da ponte pênsil ou ponte de arame, neste momento desactivada por entretanto
se ter construído, utilizando materiais e técnicas mais evolutivas, a actual ponte,
inaugurada em 1963. A ponte pênsil foi obra do padre Albino Afonso e é outro
melhoramento que Santo Aleixo lhe deve, de importância vital.
De facto quando em Invernos mais rigorosos se tornava quase impossível o
contacto entre as duas margens, Santo Aleixo ficava altamente prejudicado em termos
de abastecimento e de assistência médica ou medicamentosa. E é um acontecimento
daquela natureza que se costuma pôr na origem da ponte pênsil.
Assim, conta a tradição que aquela bela ponte suspensa nasceu de uma ideia que
um padre engenhoso, que teria sido o padre Álvaro Pimenta, teve num Inverno
excepcionalmente rigoroso. Não existia então em Santo Aleixo nenhum local de
abastecimento dos víveres que é costume adquirir em mercearias. O Natal estava à porta
e não se via maneira de aparecer uma aberta no tempo de desanuviasse e fizesse baixar
as águas tumultuosas, que originavam perigosa correnteza. Não se vislumbrava como
seria possível festejar o nascimento do Menino sem uma deslocação à Ribeira ou a
Venda Nova para adquirir nos estabelecimentos comerciais aí existentes aqueles mimos
que marcavam de uma forma concreta a esperança que o homem tem de que Jesus
nasceu para o nosso bem. E quantas vezes apenas essa esperança nos alumia o caminho
da vida...
Mas voltemos àquele Natal. Terra como as outra situadas nesta zona de
Portugal, a serra, o rio, o Inverno, o afastamento, a forma de vida, tudo se conjugava
para essa época do ano justificar uma pausa consubstanciada nos mimos da Consoada os doces da época, as pequenas lembranças para os filhos e representadas por coisas
úteis como socas, o primeiro chapéu, as primeiras calças compridas, e o bacalhau.
Apesar de em todas as casas se poder recorrer, em caso de necessidade, à capoeira ou à
arca salgadeira, no Natal era impensável, como se fosse um sacrilégio. Mas o tempo não
esmorecia na sua braveza e os dias passavam. Conta-se então que o padre Álvaro
Pimenta, que era de Santo Aleixo mas paroquiava o Salvador, tinha vindo, como de
costume, consoar à casa natal. Mas naquele temporal via-se na iminência de fazer jejum
e abstinência em época de alegria e de Glórias, e teve a ideia de fazer chegar o bacalhau
que lhe fazia negaças do lado de lá do rio utilizando um cabo de arame e uma roldana.
Mas há também quem diga que o impaciente padre tentou resolver o problema de
abastecimento de bacalhau recorrendo ao sistema de envio por foguete, com a ajuda de
um seu empregado ou conhecido que ainda estava do lado de lá da ponte. Mas o
comparsa não teria tido competência para o efeito ou a força do foguete não teria sido a
bastante para levar ao pastor de almas o desejado peixinho...
Mas, como todos nós conhecemos a história do ovo de Colombo e de que como
é fácil fazer as coisas quando se sabe como, daquela ideia natalina à ponte mediou
apenas a vontade dos homens. É uma ponte muito bela, considerada por muitos como
um dos mais belos exemplares do género e que, por isso, merecia ser cuidada, limpa e
mantida. Foi construída em 1913 e ainda existe, 80 anos depois, quem se lembre da
sensação de atravessa-la a cavalo, quando outra não existia. E esperamos que felizmente
continuem a existir os espíritos jovens que têm amor por esta velhinha construção e que
gostariam de ver preservada para além das vantagens mais próximas de uma albufeira
da barragem, por exemplo, e que a poderiam submergir.
Foi ali mesmo ao lado da ponte que Camilo localizou o episódio dramático em
que Josefa da Laje foi vencida pelas fraquezas que lhe advinham da prolongada estadia
na cama, do parto antecipado e não assistido, da tentativa de fuga com a filha recémnascida na cestinha de vime, a caminho da Quinta do Enxertado onde esperaria pelo seu
amado e pai da filha, se o destino e os homens se não tivessem voltado contra eles.
Esta longa referência ao Tâmega relativamente a Santo Aleixo não nos
desobriga do dever de afirmar mais uma vez que Santo Aleixo pouco deve a este rio,
que antes a tem separado da sede do Concelho. É outro rio que devemos ilustrar como
benéfico para a freguesia e é o Beça, o tal em que nadavam "as maiores trutas dos
córregos riquíssimos de Portugal" (Primeiro parágrafo do conto "História de uma
porta").
Porque é afinal o Beça que alimenta a 'levada', um sistema bem antigo de
transportar a água através de canais e regos, que permitem uma distribuição do precioso
líquido da forma que se pretendia mais equitativa.
Estas levadas, muito úteis em terras que necessitavam de regadio para ajudar o
solo, tanto quando ele é fértil e generoso, como, e ainda mais justificadamente, quando
tal não acontece, eram muito frequentes em terras transmontanas em que a água por
vezes escasseia onde mais faz falta. Fruto, elas também, do engenho nascido da
necessidade, podemos dizer que são obras de engenharia rural, e por esta água que elas
transportam, necessária e insubstituível, se mata e se morre.
Há espaços de tempo determinados e cimentados por direitos que se perdem na
lembrança dos homens e quando alguém se decidia, por necessidade ou ganância, a
ultrapassar aquilo a que tinha direito ou interromper a rega do que lhe estava antes, os
resultados eram funestos. Tais desacatos eram por vezes dirimidos por uma luta corpo a
corpo, em que frequentemente a sachola que servia de chave para abrir a água para a
propriedade de cada um era também a tesoura que cortava o fio da vida do antagonista.
Mas quantas vezes eram o fermento de uma inimizade que o tempo engordava em vez
de enfraquecer. Dizem os investigadores que uma das razões porque existem ainda hoje
tantos relógios de sol em Ribeira de Pena (o que faz pressupor que já foram muitos
mais) era a sua utilidade ao permitir ver facilmente e a vários utilizadores ao mesmo
tempo, quando é que acabava o espaço de tempo que lhes cabia para rega e dar lugar a
outros. Era o sistema de consortes, sendo a água levada aos campos de cada um, como
dissemos, por um sistema de canais e regos que são abertos e fechados com uma
simples enxada.
Em Santo Aleixo, desde tempos imemoriais que o rio Beça tem alimentado esta
levada que é mãe da fartura das mesas e da verdura dos campos da aldeia e que foi, ela
também, fruto da mente engenhosa do já citado padre Albino Afonso. Infelizmente
durante algum tempo, que a todos pareceu longuíssimo, esteve esta levada
inoperacional, porque, tendo secado, se lembraram de a cimentar. Não era, afinal, o
cimento o remédio para o mal, senão foi ainda mal pior. Foi coisa para dizer-se que "foi
pior a emenda que o soneto" pois durante três anos não só a levada não trouxe água
como, em consequência do recurso a tudo o que havia que a desse, conduziu a que a
maioria das fontes tivesse secado.
Felizmente e num ambiente quase de festa a que não faltaram representantes de
todas as gerações, foi possível remediar o mal e os campos de Santo Aleixo são
novamente alegrados pelo som cantante da água correndo de acordo com os fechos e as
aberturas que nos "goretes" lhe dão. A "inauguração" da velha levada teve lugar no
Verão de 1992 e mereceu foguetes, música e a bênção paroquial.
Apesar desta introdução ter toda ela um cunho muito rural e agrícola, não
poderemos deixar de realçar o facto de Santo Aleixo ser uma povoação que podemos
considerar assim como que um berço de solares. As casas brasonadas espreitam-se a
cada canto e, felizmente, a maioria encontra-se no melhor estado de conservação, tendo
sido feito um esforço pelos seus proprietários para que as imprescindíveis obras de
restauro a que foram sujeitas não adulterassem demasiado a arquitectura primitiva.
E dizemos que os restauros eram imprescindíveis porque estas construções
datam, na sua maioria, dos séculos XVII e XVIII, tendo como uma das suas origens as
fortunas conseguidas com a Emigração para o Brasil, a que geralmente se seguia um
processo de enobrecimento do novo rico, como Camilo nos conta em tantas das sua
obras. No entanto, a riqueza proveniente da agricultura deste solo úbere também teve a
sua quota parte, para não citar o facto de, como vimos, estas terras de Pena, Barroso e
Basto terem sido desde sempre prática de fidalgos que não desdenhavam a sua terra
natal.
A Casa da Aldeia, a Casa do Fragão, a Casa da Fecha, a Casa da Corga não são
mais do que algumas a referir. A igreja de Santo Aleixo, apenas separada da estrada 312
pelo cemitério, foi reconstruída há poucos anos, tendo nessa altura sido ampliada,
integrando-se nela uma capela anexa devotada a Nossa Senhora da Conceição e na qual
existia um túmulo. Este, contudo, foi mantido no mesmo lugar. Ainda hoje é possível
identificar os paroquianos que, em 1894, tomaram a responsabilidade financeira de
mandar construir os altares da Rainha do Céu e do Sagrado Coração de Jesus,
respectivamente, os proprietários da Casa do Casal e Manuel Gonçalves.
Outra povoação de Santo Aleixo é Bragadas, que a estrada 312 corta a meio,
podendo dizer-se que a mais antiga, a que se debruça sobre o rio, tem um cariz tão
especial que quase não forma identidade com a parte mais nova para onde a povoação
se tem alargado como resultado mesmo da abertura da sonhada estrada 312 e,
evidentemente, da ponte sobre o Tâmega.
Referimos a abundância de casas senhoriais que existem na freguesia de Santo
Aleixo, mas, em Bragadas, o que é ainda mais de realçar são as suas típicas construções
rurais. Grandes casas na generalidade, lá encontramos os amplos pisos de entrada
funcionando como armazéns de recolha de sementes, produtos agrícolas e algumas
alfaias. Um relógio de sol marca o tempo sem tempo, enquanto um antigo lagar de
azeite mostra o seu cartão de identidade com a roda que, movida a água, fazia depois
girar as mós que transformavam a azeitona em pasta. Esta era em seguida colocada em
ceiras de onde escorria o dourado óleo, tão divino e santo que com ele se untavam os
deuses e os heróis gregos e com eles se marcavam os filhos de Deus na hora do
Baptismo e na hora de partida para o encontro com o Pai, na Santa União. Está
desactivado, o lagar, mas em bom estado de conservação, tanto por dentro como por
fora. As eiras são largas, empedradas e não lhes faltam os canastros ou espigueiros. As
alminhas de Bragadas datam de 1880 e são uma oração por dentro e por fora.
A Casa de Barroso, tratada com mais pormenor noutro capítulo deste trabalho, lá
está com o seu magnífico portal, a pedra de armas de grandes proporções, e, ao cimo da
sua escadaria exterior. Depois de atravessar uma porta que dissimula o que vamos
encontrar a seguir, uma enorme e magnifica varanda alpendrada. A Casa do Santo,
mesmo ao lado da capelinha reconstruída, está agora a servir de recolha a produtos
agrícolas e na sua sala ainda se vêem os nichos onde, segundo os proprietários, estavam
as imagens dos santos e até, dizem, uma pia de água benta onde se realizavam os
baptizados.
A Capela do lugar, dedicado a S. Pedro, é de aparência comum e até destoa um
tanto no meio de todas aquelas construções de granito em que se insere. Ora o que
acontece é que ela foi mandada construir pelo capitão-mor da Casa de Barroso, para lhe
servir de túmulo. A pedra tumular, com inscrições de difícil leitura, está integrada na
fronteira deste edifício que foi reconstruído pelo povo em 1982. Ao lado, vêem-se ainda
velhas pedras, como os restos do antigo campanário, de onde a cruz já desapareceu,
deixando como osso o ferro que a prendia ao corpo sineiro, e onde se podem ver
claramente as tíbias e a caveira, símbolo da transitoriedade da nossa vida terrena. Do
outro lado da estrada espraia-se a parte nova de Bragadas, com maioria das suas casa
ainda a brilhar de novidade.
Para visitar Manscos é preciso voltar a descer e meter por um estradão que não oferece,
para já, o melhor piso às viaturas. No entanto, a caminho do núcleo da povoação sempre
vamos encontrando uma ou outra habitação e o seu tamanho e aspecto pode
surpreender-nos. Uma das casas que aí atraem a nossa atenção é a casa rural de
Manscos, com a sua capela agregada, paredes-meias com a habitação, e cuja patrona é
Santa Bárbara. A casa de habitação é de dimensões apreciáveis, com duas entradas
independentes, estando uma delas já vendida a outra proprietária, e nas traseiras
borbulha uma nascente de água fresca que mesmo no pino do Verão canta. A capela tem
uma fronteira ingenuamente trabalhada e a padroeira é uma pequena estátua de madeira.
Precisava de certos cuidados, esta capela, para um nível de manutenção mínima ou vêla-emos desaparecer muito em breve, talvez até com os seus três túmulos. Nesta
freguesia não se pode deixar ainda de referir o belo parque de lazer em Bragadas.
Freguesia de Limões
Tem 1718 ha, 394 habitantes, dista da sede de concelho 22 km e é constituída pelas
povoações de Azeveda, Cadaval, Limões, Maceira e Tojais.
O
linho em Limões
Espigueiros em Macieira
Casa do Cabo
A freguesia de Limões fazia parte do antigo município de Cerva até que, em 31
de Dezembro de 1853, ao ser extinto aquele concelho e julgado, passou a fazer parte
integrante do concelho de Ribeira de Pena.
Esta freguesia apresenta uma área de 1762 ha, o que a coloca na posição de
segunda freguesia mais pequena do concelho em tamanho. Constituem-na, além da sede
com o mesmo nome, mais quatro povoações: Azeveda (de Cima e de Baixo), Cadaval,
Tojais e Macieira. Apesar deste número reduzido de povoações e de a população não
atingir também valores representativos, é extremamente agradável apresentar a
freguesia de Limões tanto no seu todo como remetendo-nos aos elementos que a
compõem.
A serra é a mãe destas povoações, em que as casas parecem ter nascido das
próprias pedras que formam a montanha, e esse fio umbilical e ancestral foi, de alguma
forma inexplicável, transmitido aos seus habitantes. Senão, como explicar o amor, o
respeito que se vê relativamente a estas velhas casas que formam autênticos ninhos
espalhados pela serra?
As terras são áridas e mal dão para retirar o pão nosso de cada dia. As vias de
comunicação foram sempre uma força a empurrar para fora e nunca a trazer para dentro
o progresso (tal como o vemos, representado pela indústria e serviços), e os homens
tiveram que sair, procurar o pão em outros locais.
No princípio, o Brasil, depois Lisboa, foram destino de muitos, assim como o
Porto, mas as gerações mais novas abalançaram-se a outros horizontes: França,
Alemanha, Luxemburgo, Suíça. "Tudo nos empurrava daqui para fora, há 30, 40 anos a terra, a serra, os outros homens, os que mandavam", diz um habitante de Tojais, que
religiosamente, há já mais de 30 anos, sempre que teve férias, veio de Lisboa passá-las à
sua terra, à "casa em que fui criado com oito irmãos. Estes telhados de colmo que eu
herdei e comprei, há lá alguma coisa que se lhes compare em fresquidão de Verão? Olhe
que eu podia pôr um destes telhados de telha, mas ainda não tive coragem''. Mas a serra
tem magia, sente-se no ar. É uma atmosfera quase religiosa que mistura a beleza singela
das numerosas alminhas que, de todo o lado, surgem aos olhos dos visitantes, as capelas
e igrejinhas tão cuidadosamente mantidas com estas construções ciclópicas que nos
aparecem quase em cada curva do caminho. É como se pudéssemos ainda esperar, a
qualquer momento, ver surgir dos confins do tempo um grupo de filhos de gigantes que
brincasse com as peças que arrancavam da serra para preencher os seus tempos de
traquinice infantil.
Em Agosto, mês de todos os encontros e em que os filhos pródigos regressam à
terra, a serra veste-se de verde-roxo, saia curta que lhe é dada pela vegetação rasteira em
que a urze sobressai. Os muros de pedra a enquadrar os parcos prados parecem
bordados a ponto pé-de-flor quando vistos dos pontos mais altos, as casas antigas e as
novas, estas muitas vezes erguidas um pouco afastadas para não estragar o conjunto,
abrem-se ao sol que vivifica e ilumina tudo de uma luz muito clara, como que a dizernos que a armazenemos nos olhos para a usar no Inverno, rigoroso, frio. Sim, porque no
Inverno é tempo de lar, de hibernar, de preparar o corpo e o solo magro, pelo descanso,
para mais um ano de trabalho. Tudo isto porque o segredo está nas gentes - estas gentes
alegres, destemidas, aventureiras quando partem à procura do que ali não têm, porque "a
beleza da terra não se põe no prato", mas que as faz tão ciosas e orgulhosas das suas
origens que permitiram que até ficassem de pé e respeitadas as construções que levaram
o Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico a classificar um
trecho da povoação de Limões, sede da freguesia, como "Conjunto arquitectónico de
interesse público". E que ainda as leva a acatar as determinações no que respeita a novas
construções ou a restauro das antigas, de maneira a ofender o conjunto o menos
possível. A povoação de Cadaval, por exemplo, surge-nos na curva do caminho como
um autêntico ninho de casas rurais antigas, abrigadas debaixo de uma asa da capelinha
de S. Bentinho, que deve dar felicidade porque os noivos gostam de se casar lá.
Mesmo ao lado, ainda habitada, está a Casa do Capitão, capitão esse que foi
quem mandou construir a dita capelinha e já não se sabe qual tenha sido. A sua cozinha
antiga tem o forno onde se coze o pão duas vezes por semana, como em muitas outras
casas, a caldeira de cobre que se suspende do tecto, prendendo a alça à corrente que cai
mesmo sobre o lume, que quase não se apaga desde que os primeiros frios o apetecem
até que a Primavera põe o nosso sangue a girar com mais força. E o escano, e o
aparador suspenso para guardar os pratos de uso diário, e o outro aparador de alçado,
bem colado à parede, com suas ferragens antigas a prenderem bem forte a madeira
verdadeira, legítima, tal como saiu do castanheiro centenário que o homem afeiçoou
com a sua arte e o seu trabalho.
Não tem escola, claro, porque as crianças são poucas - e, quando não é Verão, os
dedos das suas mãos são quase bastantes para contar os habitantes. As crianças têm,
contudo, escolas perto - a primária logo ali em Azeveda e o 2º Ciclo em Cerva. "E a
camioneta da Câmara vem buscá-las", como confirmam os familiares mais velhos.
Em Azeveda (de Cima e de Baixo, convém não esquecer), o fenómeno
migratório é o mesmo. Afora o Verão, quase só pessoas idosas e crianças, enquanto os
pais andam a mourejar por outros lados. Muitas casas novas, sim, mas muitas
reconstruídas de acordo com as regras autárquicas estabelecidas. A escola é um edifício
novo, logo à entrada da povoação, um tanto alcandorado sobre a encosta.
Azeveda de Baixo está situada num vale pouco profundo, onde corre o rio que,
em Agosto, mais parece uma corrente de calhaus rolados e lisos, por entre os quais a
água corre miudinha mas muito límpida e fresca. Saindo do Cadaval, a estrada nova,
sonho muito antigo, leva-nos ao longo da freguesia, sempre a serpentear e aproveitando
a curva de nível da montanha. Após um trecho em que a serra impera, surge quase
inesperadamente um campo de milho viçoso e a povoação de Tojais. Raramente será
possível partilhar como aqui uma tão íntima relação entre as pedras e os homens e as
pedras entre si. A rocha domina nas construções, nos quinteiros, nos espigueiros, nas
casas para os animais. Em alguns casos, não há qualquer outro elemento a prendê-las
entre si senão uma força atractiva vinda do fundo dos tempos, quando o nosso planeta
não era senão um imenso caos. Noutros casos, as casas foram construídas a aproveitar a
rocha, o que lhes deu uma solidez que desafia o tempo.
À entrada da povoação, o primeiro edifício é a capela, bem mantida, com a
inscrição de 1753 e aquelas curiosas cruzes embutidas na parede, como aparece tão
comummente nas igrejas e capelas da região, para marcar as estações da Via Sacra. A
sua abóbada desafia o tempo e a gravidade, pois é feita de pedra. Mas a porta, no ano da
graça de 1993, está revestida a zinco isto numa aldeia em que há numerosas casas
cobertas de colmo, cuidadosamente preservadas. Será para evitar roubos e proteger a
madeira da porta, mas é uma pena.
Não se ouvem cantar as fontes na povoação, mas não falta o abastecimento
público e algumas famílias têm água ao domicílio. As crianças frequentam a Escola
Primária de Macieira, povoação logo a seguir, e também aqui, como, aliás, em Cadaval,
não encontramos qualquer estabelecimento comercial.
A última povoação da freguesia, a fazer-lhe fronteira com Bilhó, que já pertence
ao concelho de Mondim de Basto, é precisamente Macieira, outro exemplo
extraordinário da variedade dentro do mesmo tipo. À entrada, a Capela de S. Tiago,
com as suas alminhas no muro que ladeia as traseiras da capela, onde se desenha a
estrada que há-de abrir caminho para fora da freguesia e do concelho. A embocar num
dos flancos da igrejinha está uma rua aldeã de aspecto milenar, em que até o simples
fontenário de abastecimento de água, por ser de 1961, parece destoar. Nos meses de
canícula, apetece subir a rua levemente inclinada, muito devagarinho, aproveitar a
sombra das casas e a impregnarmo-nos de uma atmosfera simultaneamente antiga e
vivificante que nos é dada pelas velhas habitações e pelo buliçoso deambular dos seus
habitantes. Subamos, pois, devagarzinho, e logo paramos surpreendidos pela casa com
uma pequena escada exterior e alpendre que nos surge à esquerda, com o seu relógio de
sol bem instalado na extremidade à direita, enfrentando os raios solares com rosto largo
e disposto a cumprir a sua tarefa milenar. É a Casa do Rolo, uma das quatro que
possuem este tipo de conta-tempo. Os outros três encontram-se na Casa do Jeiroto, na
Casa da Carvalha e na Casa do Jorge.
A Casa da Carvalha é um largo edifício que foi cuidadosamente reconstruído,
embora se note que nele foram introduzidos os confortos que hoje nos são possíveis. O
relógio está limpo e brilha, na sua brancura sobre aquele simpático compartimento para
as galinhas porem os ovos, logo numa das entradas.
A Casa do Jorge é um pouco mais para cima, à direita, e está menos bem
conservada, talvez por falta de habitantes, mas é bem um exemplo de uma outra relação
que, nestas terras, se estabelece entre os homens e os animais. O abrigo para os bois
ergue-se paredes-meias com a casa dos proprietários e, no entanto, ainda hoje, todo o
edifício dá sinal de que aqueles eram (e serão, não interessa agora) pessoas de teres e
haveres. Pois os animais, aqueles amigos que nestas regiões nos põem a comida no
prato tanto enquanto são vivos como depois de mortos, moram mesmo ali ao lado. Pois
se são eles que, lavrando, dão o pão, a que se junta o leite, o queijo, os ovos, isto quando
vivos, mas que, depois de mortos, nos oferecem a carne saborosa, temperada pela dieta
da montanha! Enquanto percorremos a aldeia à procura dos seus relógios de sol, vamos
subindo as suas ruinhas apertadas, cruzando um ribeiro em que só correm pedras e
velhos plásticos, no Verão, mas que o Inverno e a Primavera fazem rumoroso e límpido.
Cumprimentando os seus habitantes amistosos, admiramos os espigueiros quase em
ninho, passamos pela escola de granito mandada construir por um filho de naturais que
tinham saído da terra em busca de melhores dias e vamo-nos deixando envolver pelo
sossego e encanto de todo o ambiente.
A povoação é pequena e rapidamente estamos a passar pelos mesmos lugares,
notando pormenores que nos tinham escapado - por exemplo, por cima da porta
principal da Casa da Fonte, a parede apresenta uma pomba e um coração esculpidos na
pedra, assim como uma inscrição centenária. Casa da Fonte? Esta designação é de fácil
explicação. Quando o nosso ouvido se habitua ao tom local, mesmo em pleno Verão se
ouve o cantante ruído da água a correr. E também ali encontramos quatro nascentes,
dentro dos quinteiros das habitações. Estão elas na Casa do Jeiroto, que tem nascente e
lavadouro, na Casa da Fonte, (já utilizada pelo público em geral e cuja pia foi entretanto
alargada de modo a manter o seu aspecto natural), na Casa do Cabo e na da Capela.
Esta água das nascentes da Macieira é de frescura espantosa no Verão, que dá
ainda mais sabor à sua limpidez, e garantem-nos que morna no Inverno, óptima para
lavar a roupa, visto que a água que sai dos canos é gélida nessa altura. Por isso, não
admira que como o lavadouro da Casa do Jeiroto é coberto, muitos particulares
solicitem dos seus proprietários autorização para o utilizar no tempo frio e chuvoso.
Note-se, contudo, que esta troca de gentilezas faz parte da própria vivência tradicional
da aldeia. O abastecimento de víveres também aqui exige uma boa coordenação
doméstica, pois os estabelecimentos comerciais estão reduzidos a uma pequena loja,
misto de taberna (no sentido de um estabelecimento que vende bebidas alcoólicas,
predominantemente vinho, ao balcão), e a um café que só funciona um mês no Verão,
quando o seu proprietário, que se encontra a trabalhar em França, vem de férias.
Não podemos ainda sair de Macieira sem dar um salto ao rio Covelo, para ver as
suas 13 azenhas, embora só uma esteja ainda a trabalhar.
Como dissemos, Macieira é a última povoação da freguesia de Limões e, para já,
resta-nos dar a volta e regressar para apreciar com calma a sede da freguesia, com o
mesmo nome.
A estrada traz-nos novamente serpenteando, mostrando-nos ora a encosta da
serra do Alvão, ora os vales ou meias encostas com as povoações que já visitámos à ida,
eis-nos chegados a Limões. Os visitantes que não estejam prevenidos para o facto de o
Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico já ter classificado o
seu núcleo como "Conjunto arquitectónico de interesse público" pensarão que é uma
pena que não se tomem medidas para o conservar tal como se encontra e reconstituir,
mais do que reconstruir, o que não conseguiu resistir ao tempo e à usança dos homens.
Lá do alto, domina a igreja de S. João, que guarda e é guardada pelo Cruzeiro do
Centenário da Independência, um dos exemplares do concelho, um daqueles marcos que
se encontram pelo país a lembrar que Portugal é nação independente e muito lutou para
isso desde que o germe da autonomia começou a fermentar com o Conde D. Henrique,
levedou com o nosso primeiro rei, D. Afonso Henriques, e tornou a ganhar forças em
1640, quando os insubmissos procuraram a chefia de D. João, o 4º de seu nome, para o
colocar no trono português. Ainda mais acima, está o cemitério murado e bem cuidado.
Tanto na subida como na descida, ouvimos rumorejar água que se não vê: é que corre,
lado a lado com a berma da estrada - um pequeno ribeiro encanado ou levada que vai
desaguar mais abaixo, para o vale. A rua é ladeada por casas de granito dos séculos
XVII e XVIII, e algumas delas exibem a data da sua construção, enquanto outras
apresentam belas varandas alpendradas. Um larguinho tem um nome prosaico com
muita ternura no fundo do seu significado - Largo dos Reformados. Apresenta-se airoso,
desimpedido, com a sombra das ramadas e das paredes a dar protecção aos que a
procuram à calma para um pouco de convívio. A falta de acessos, a morfologia do
terreno e as características do solo têm sido determinantes para a situação actual da
freguesia, representada por um decréscimo populacional que, de uma maneira geral,
ultrapassa a média concelhia. As receitas são, por isso, muito dependentes do exterior,
visto que o factor emigração tem sido o único capaz de permitir o desafogo económico a
que todos têm direito.
A falta de acesso foi, até ao momento, e como na generalidade do território
concelhio, talvez a causa mais forte para a diminuição da população, fenómeno que é de
âmbito muito alargado na Europa. Note-se, no entanto, que aqui muito se tem feito e se
continuam a tomar medidas que venham a permitir uma movimentação mais fácil e
rápida tanto para Alvadia, ainda dentro do concelho, como para Mondim de Basto e
Vila Real.
No entanto, em 1993-94, a tendência era ainda para uma regressão, demográfica,
que já aponta, por exemplo, para o encerramento de escolas primárias e a sua adaptação
a centros de convívio para a terceira idade. É uma verdade insofismável e em todo lado
que, quando diminuem as crianças, aumentam os idosos; eles também voltam a precisar
de cuidados especiais.
Esta situação não é, contudo, irreversível - além da paisagem natural com
condições extraordinárias para se tomar um autêntica investimento no campo do turismo
tanto nacional como internacional, temos o património construído pelo homem e que é
outro elemento a considerar, como temos estado a observar ao longo desta descrição da
freguesia.
Fonte: www.cm-rpena.espigueiro.pt

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