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15º Congresso Brasileiro de Geologia de Engenharia e Ambiental
COLAPSO DE SOLOS NO MUNICÍPIO DE JUREMA - PE
Gilmar Dias 1; Breno Beltrão 2
Resumo – Durante intensas chuvas ocorridas no dia 18 de junho de 2010, o município de
Jurema foi amplamente afetado, deixando muitos moradores desabrigados devido à formação de
rachaduras nas residências e, em alguns casos, desabamento de paredes. O problema atingiu
casas na zona rural e, em menor proporção, na zona urbana. De acordo com a Prefeitura, um
total de 1384 residências foram afetadas. As observações realizadas no campo indicam que o
problema está relacionado a rasas camadas de solos areno-siltosos, que foram rapidamente
saturados, perdendo sua resistência e provocando uma rápida redução de volume devido ao
rearranjo de partículas e o consequente colapso do solo. Um fator que chama a atenção para o
problema ocorrido no município é a extensão da área afetada pelo problema, assim como a
ausência de registros anteriores. Assim, fica claro que mesmo camadas de solos rasos de
textura arenosa, podem causar grandes prejuízos ao entrarem em processo de colapso. Os
efeitos dos problemas causados pelo fenômeno de colapso do solo podem ser minimizados
substituindo parte do solo por outro de textura mais argilosa, impedindo assim, a liquefação do
solo. Com base neste princípio, foram construídas 1009 residências no município, distribuídas
em agrovilas. A construção de sapatas apoiadas em solos mais argilosos não colapsíveis ou, até
mesmo, em rocha também é uma alternativa a ser levada em consideração.
Abstract – During heavy rains that occurred on June 18, 2010, the municipality of Jurema was
largely affected, leaving many displaced residents due to formation of cracks in homes and in
some cases, collapsed walls. The problem hit houses in the countryside and, to a lesser extent, in
the urban area. According to the City, 1384 homes were affected. The observations in the field
indicate that the problem is related to shallow layers of sandy-silty soils, which were quickly
saturated, losing their strength and causing a rapid reduction in volume due to the rearrangement
of particles and the consequent collapse of the soil. One factor that draws attention to the
problem occurred in the city is the extent of the area affected by the problem, as well as the
absence of previous records. Thus it is clear that even layers of shallow soils of sandy texture,
can cause great damage to the collapse process. The problems caused by the effects of soil
collapse phenomenon can be minimized by replacing part of the soil by other more clayey, thus
preventing liquefaction of the soil. Based on this principle, it was built in 1009 houses in the city,
distributed in rural villages. The construction of shoes supported in clayey soils not collapsible or
even rock is also an alternative to be considered.
Palavras-Chave – Colapso de solos; saturação dos solos.
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Geól., MSc, Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais: Recife - PE, (81) 3316-1498, [email protected]
Geól., Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais: Recife - PE, (81) 3316-1495, [email protected]
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1. INTRODUÇÃO
O município de Jurema foi amplamente afetado por intensas chuvas ocorridas no dia 18 de
junho de 2010, deixando muitos moradores desabrigados, principalmente na zona rural do
município.
Segundo relato dos moradores, o solo tornou-se instável provocando a formação de
rachaduras nas residências e, em alguns casos, desabamento de paredes. Também houve
vários casos de atolamento de carros, perda das plantações por ausência de fixação das raízes
e morte de animais por atolamento. O problema atingiu casas na zona rural e, em menor
proporção, na zona urbana. De acordo com a Prefeitura, um total de 1384 residências foram
afetadas.
2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA ESTUDADA
2.1. Aspectos Fisiográficos
O município de Jurema encontra-se localizada no agreste pernambucano com clima do tipo
Tropical Chuvoso, com verão seco. A estação chuvosa se inicia em janeiro/fevereiro com término
em setembro, podendo se adiantar até outubro.
No que diz respeito a águas superficiais, o município encontra-se inserido nos domínios da
Bacia Hidrográfica do Rio Una, sendo os seus principais tributários os rios do Feijão, Pirangi e
das Paixões, além dos riachos Gaiola, Pátio Velho e das Paixões. Não existem açudes com
capacidade de acumulação igual ou superior a 100.000m3.
Não há rios passando pelo município, somente pequenos açudes de pequena vazão e com
baixo potencial de água subterrânea. Todos os cursos d’água no município têm regime de fluxo
intermitente com padrão de drenagem dendrítico (CPRM, 2005).
2.2. Contexto Geológico
O município de Jurema encontra-se inserido, geologicamente, na Província de Borborema,
que corresponde a uma das principais áreas em atividades sísmicas do país, sendo o
Lineamento Pernambuco a área mais ativa. Esta zona de cisalhamento encontra-se interligada a
várias outras zonas de cisalhamento, como por exemplo, as zonas de cisalhamento Rio da
Chata, Canhotinho, Bonito e Jurema (Figura 1). Segundo Lima Neto et al. (2014), vários
terremotos têm sido relatados ao longo desta zona de cisalhamento e suas ramificações.
Figura 1. Mapa Estrutural da Província de Borborema. Destaque para o Lineamento Pernambuco,
que corta o estado de Pernambuco desde o Recife até a divisa com o estado do Piauí, e suas ramificações.
O ponto em vermelho indica a localização do município de Jurema (Modificado de Correia, 2010).
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A geologia do município corresponde à Suíte Neoproterozóica Serrote dos Macacos,
composta por monzogranitos, sienogranitos e tonalitos, equigranulares de granulação média,
comumente leucocráticos (Figura 2). Localmente foram encontrados pseudotraquilitos ao longo
das falhas de caráter rúptil que seccionam o pluton segundo direção NE-SW (CPRM, 2008).
Figura 2. Mapa Geológico CPRM (2008). O município de Jurema encontra-se no centro da imagem.
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2.3. Caracterização Pedológica
Segundo estudos da EMBRAPA (2001), os solos do município de Jurema compreendem a
Argissolos Amarelos, Argissolos Vermelho-Amarelos, Neossolos Regolíticos e Planossolos
Háplicos.
Os Argissolos Amarelos e Vermelhos-Amarelos tem como características diferenciais a
presença de horizonte B textural de argila. O horizonte B textural encontra-se imediatamente
abaixo do horizonte superficial de textura mais grosseira (Jacomine, 2009).
Os Neossolos Regolíticos são solos pouco desenvolvidos devido à baixa intensidade de
atuação dos processos pedogenéticos. Não apresentam modificações expressivas do material
originário, arenosos com contato lítico a uma profundidade superior que 50 cm, contendo
minerais primários alteráveis (EMBRAPA, 2000; EMBRAPA, 2013).
Em menor proporção, os Planossolos Háplicos ocupam as áreas mais planas da paisagem
(EMBRAPA 2000), constituem solos com horizonte B textural, porém com transição abrúptica,
isto é, o teor de argila no horizonte B mais do que dobra em relação ao horizonte A em um
espaço menor que 7,5 cm, provocando notável gradiente hidráulico (Oliveira, 2005).
3. CARACTERIZAÇÃO DO PROBLEMA
Conforme descrito anteriormente, as fortes chuvas ocorridas provocaram o colapso do solo e
a consequente formação de rachaduras nas residências e, em alguns casos, desabamento de
paredes (Figuras 3, 4 e 5). Segundo relatos de moradores, também houveram vários casos de
atolamento de carros, perda das plantações por redução na capacidade de fixação das raízes e
morte de animais por atolamento. O problema atingiu casas na zona rural e, em menor
proporção, na zona urbana.
Figura 3. Residências que apresentaram rachaduras. Notar que algumas rachaduras foram
tampadas/preenchidas pelos moradores.
Figura 4. Residências que foram intensamente afetadas e, por questão de segurança, foram parcialmente
tombadas.
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Figura 5. Detalhe da rachadura na parede da casa.
De acordo com as observações realizadas no município, sugere-se que o problema está
relacionado ao colapsamento de solos. Segundo Mendonça (1990), o colapso é o fenômeno
observado em alguns solos não saturados que apresentam brusca redução de volume quando
lhes aumenta a umidade.
Nos locais visitados, que foram afetados pelo problema, foram observados solos superficiais
basicamente areno-siltosos, com areia de granulação média a fina. Estes solos foram formados
pela decomposição das rochas monzograníticas e tonaliticas presentes no município.
A Figura 6 ilustra o Mapa Pedológico do município de Jurema, realizado pela Embrapa
(2001), contendo os pontos visitados em que foram verificados os maiores problemas. De acordo
com a figura, os principais problemas ocorreram nas regiões em que ocorrem Planossolos
Háplicos e Neossolos Regolíticos.
Conforme descrito anteriormente, os Planossolos Háplicos apresentam solo superficial raso,
podendo ser areno-siltosos com abrupta transição para solos mais argilosos. Os Neossolos
Regolíticos são solos rasos, geralmente arenosos.
De acordo com Barden et al. (1969), nos casos onde o solo consiste de areia com uma matriz
fina siltosa, a resistência temporária é devida às tensões capilares na interface ar-água nos
vazios capilares. Após a saturação, o solo perde esta resistência, provocando uma redução
rápida de volume devido a um rearranjo entre suas partículas.
Segundo Mahler (1994), o colapso de solos geralmente ocorre como resultado do
crescimento do teor de umidade e assim a expulsão do ar da estrutura do solo colapsível, em
lugar de uma expulsão da água.
A origem de solos colapsíveis está associada em primeiro lugar com sua formação geológica
e em segundo com os fatores climáticos aos quais estará sujeito. Com isso, a grande maioria
dos solos colapsíveis é encontrada em regiões de clima árido e semiárido, ou seja, o solo deve
durante a maior parte do ano estar com um grau de saturação baixo, além de apresentar uma
estrutura com índice de vazios elevado (Mahler, 1994).
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Figura 6. Mapa Exploratório-Reconhecimento de Solos do Município de Jurema, PE (Modificado de
EMBRAPA, 2001). Notar os pontos visitados onde se verificaram os maiores problemas.
Tendo como objetivo identificar áreas de solos suscetíveis ao colapso no estado de
Pernambuco, Ferreira et al. (2008), utilizou técnicas de Sistema de Tecnologia de Informação
(SIG), correlacionando dados climatológicos, geológicos e pedológicos. A metodologia aplicada
estabeleceu zoneamentos do comportamento homogêneo de cada condicionante, quanto às
respostas esperadas, por meio da hierarquização de suscetibilidade. Após a análise isolada de
cada condicionante, foi realizado o cruzamento das informações, sendo assim, produzido um
mapa de suscetibilidade ao colapso no estado.
O resultado deste trabalho é verificado na Figura 7, onde a região do município de Jurema
encontra-se em destaque e foi classificado neste trabalho como área de alta suscetibilidade ao
colapso de solos.
Figura 7. Mapa de suscetibilidade ao colapso dos solos no estado de Pernambuco. Em destaque a área do
município de Jurema (Modificado de Ferreira et al., 2008).
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Nas áreas que ocorrem os Neossolos Regolíticos existe a presença de extensos
afloramentos de rocha (Figura 8). Nestas áreas o processo de saturação do solo é rápido, mas,
quanto menor a espessura espera-se uma menor variação no nível do terreno decorrente de um
processo de colapso, tendo em vista a menor disposição de espaços para o rearranjo das
partículas. Desta forma, espera-se maiores ocorrências de colapso nas regiões de maiores
profundidades de solos arenosos.
Entretanto, algumas residências assentes parte em material rochoso e parte em solo de
pouca espessura também apresentaram problemas, conforme mostrado na figura 9. Este fato
também pode ser verificado nas áreas constituídas por Planossolos Háplicos, pois apresentam
solo superficial areno-siltoso raso sobrepostos a solo rico em material argiloso, portanto, não
colapsível.
Assim, fica claro que mesmo camadas de solos rasos de textura arenosa, podem causar
grandes prejuízos ao entrarem em processo de colapso.
Figura 8. Extenso afloramento de rocha próximo a casas afetadas.
Figura 9. Parede rachada em casa próxima a afloramento de rocha.
A extensa área de ocorrência do problema é um fator que chama a atenção, pois este tipo de
fenômeno costuma ocorrer em determinadas localidades, de maneira gradual e em épocas
diferentes, e não de forma generalizada. De acordo com os moradores, não há conhecimento de
problemas anteriores deste tipo na cidade.
As particularidades verificadas no caso em questão, e descritas acima, levam a considerar
que o problema deve ser investigado detalhadamente por meio de ensaios de caracterização
geotécnica na tentativa de compreender melhor o evento ocorrido. Adicionalmente há de se
pensar na possibilidade da contribuição de outros efeitos que possam intensificar o
colapsamento provocado pela rápida saturação do solo e justificar sua ocorrência generalizada
em uma extensa área sem registros históricos anteriores e em rasas camadas de solos com
características adequadas para a formação deste fenômeno.
Desta forma, foi realizado um levantamento a fim de verificar possíveis registros de sismos
na região que pudessem justiçar esses a intensidade do evento, porém não foram verificados
registros nesta data.
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4. SOLUÇÕES ADOTADAS
Segundo informações da Prefeitura do Município de Jurema, para resolver o problema da
população, foram construídas 1009 residências distribuídas em agrovilas (Figura 10).
Para a construção destas residências foram realizados estudos de engenharia-geotécnicas,
não disponibilizados para este trabalho, que determinaram para o projeto a retirada de cerca de
2 a 3 metros de solos com a posterior substituição por solos mais argilosos.
A substituição do solo local por um solo de textura mais argilosa é uma alternativa adequada
e que deve ser considerada para fundações das construções executadas no município,
principalmente no que diz respeito à resistência de solos frente aos processos de colapsamento.
Solos argilosos são menos permeáveis e mais plásticos, ou seja, mais resistentes a processos
de liquefação.
Desta maneira, deve-se escolher solos adequados, levando em consideração aos aspectos
relacionados a colapso e expansibilidade destes solos. A compactação deste solo também deve
ser realizada de maneira adequada.
A construção de sapatas apoiadas em solos mais argilosos não colapsíveis ou, até mesmo,
em rocha também é uma alternativa a ser levada em consideração.
Figura 10. Agrovilas construídas para atender aos desabrigados.
5. CONCLUSÕES
É esperado a ocorrência do fenômeno de colapso nas regiões de maiores profundidades de
solos arenosos, porém, no município de Jurema se observou o problema em camadas de solos
rasos, tendo em vista a rápida saturação em episódios de chuvas intensas.
Os problemas causados pelo colapsamento podem ser minimizados substituindo parte do
solo por outro de textura mais argilosa, impedindo assim, a liquefação em casos de rápida
saturação. Porém deve-se estar atento a possíveis características expansivas das argilas
presentes nos materiais de substituição.
Por tratar-se de solos rasos, a construção de fundações por meio de sapatas também pode
ser levada em consideração, desde que, apoiadas em materiais não colapsíveis.
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REFERÊNCIAS
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