aprendizagem da leitura e da escrita sob o enfoque da

Transcrição

aprendizagem da leitura e da escrita sob o enfoque da
APRENDIZAGEM DA LEITURA E DA ESCRITA SOB O
ENFOQUE DA PSICOLOGIA COGNITIVA DA LEITURA
Dayse Karoline Sousa Silva de Carvalho 1 - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo
RESUMO: O foco deste estudo é abordar a aprendizagem da leitura e escrita e a
literatura mostra que nos últimos anos, as pesquisas a respeito dos processos de
aprendizagem da linguagem escrita, envolvendo também a leitura, avançaram muito.
(Barrera e Maluf (2003), Maluf e Barrera (1997), Maluf (2005), Cardoso – Martins
(2008), Guimarães (2003), Maluf, Zanella, Pagnez, (2006), entre outros).
O objetivo deste estudo é descrever como se desenvolve, segundo a psicologia
cognitiva, as habilidades de leitura e escrita. Pretendeu-se também, compreender a
relação entre a linguagem oral e escrita, identificar as habilidades necessárias para a
aprendizagem da leitura e da escrita e explicitar o papel da instrução direta na aquisição
das capacidades de ler e escrever.
Este trabalho é resultado de pesquisa bibliográfica. Revisando a literatura foi possível
obter conhecimento sobre a área abordada, fundamental para a realização deste estudo.
O primeiro passo foi localizar os livros e principais autores que abordam esse assunto.
Após o fichamento, foi necessário a leitura sistemática de textos teóricos, artigos,
periódicos científicos, pesquisa na internet que acrescentaram à este estudo. Ressalta
porém que não foi possível ler e absorver tudo o que já foi publicado sobre este estudo e
sempre haverá algo a ser ampliado.
Diante das teorias científicas sustentadas pelo enfoque da Psicologia Cognitiva da
Leitura, pode-se concluir que a interação entre os aspectos biológicos (aparatos
lingüísticos) com os aspectos sociais tem um papel fundamental para o processo de
aquisição da fala, ou seja, é inserido em um contexto sócio-histórico e cultural que o
individuo adquire a linguagem oral. Em contrapartida, a aprendizagem da linguagem
escrita não é natural, ou seja, não é adquirida espontaneamente em um meio social. A
criança que não dispõe de um ensino explícito da leitura e da escrita, possivelmente
apresentará dificuldades na aquisição destas habilidades.
Observou-se também que, em princípio, no processo de aprendizagem da leitura é
indispensável que o aprendiz de leitor conheça e utilize o código alfabético,
reconhecendo sinais gráficos e estabelecendo relação com os sons da fala. E por fim,
ressaltou-se a importância de professores alfabetizadores que estejam preparados e
instrumentalizados para esta importante tarefa: ensinar a criança a ler e a escrever. Se
ajudada pelos que ensinam, os resultados podem vir com rapidez e eficiência.
Palavras-chave: Leitura; Escrita; Linguagem oral; Ensino Explícito.
LEARNING OF READING AND WRITING FROM THE
STANDPOINT OF COGNITIVE PSYCHOLOGY OF READING
1
Pedagoga, especialista em Psicopedagogia e Mestranda do Programa de Educação: Psicologia da
Educação - PUC/SP. E-mail: [email protected] . Bolsista CNPq.
2
ABSTRACT - The focus of this study is to address the learning of reading and writing
and literature shows that in recent years, research concerning the processes of learning
written language, also involving the reading progressed. (Barrera and Maluf (2003),
Maluf and Barrera (1997), Maluf (2005), Cardoso - Martins (2008), Guimaraes (2003),
Maluf,
Zanella,
Pagnez,
(2006),
among
others).
The aim of this study is to describe how it develops, according to cognitive psychology,
the skills of reading and writing. It was intended to also understand the relationship
between oral and written language, identify the skills needed for learning reading and
writing and explain the role of direct instruction in acquiring the skills to read and write.
This work is the result of literature research. Reviewing the literature it was possible to
obtain knowledge about the area discussed, fundamental for this study. The first step
was to locate books and authors that approach this subject. After book report, it was
necessary to systematic reading of theoretical texts, articles, journals, internet research
that added to this study. But emphasized that it was not possible to read and absorb all
that has been published about this study and there is always something to be amplified.
Faced with scientific theories supported by the approach of Cognitive Psychology of
Reading, one can conclude that the interaction between the biological (linguistic
apparatus) with the social aspects has a vital role in the acquisition of speech, or is
inserted into a socio-historical and cultural context that the individual acquires speech.
In contrast, written language is not natural, or is not acquired spontaneously in a social
environment. The child who lacks an explicit teaching of reading and writing, possibly
present
difficulties
in
acquiring
these
skills.
It was also noted that, in principle, the process of learning to read is essential that the
reader knows apprentice and use the alphabetic code, recognizing signs and graphs
establishing a relation between speech sounds. Finally, he stressed the importance of
literacy teachers who are prepared and used to this important task: teaching children to
read and write. If helped by teaching, results may come quickly and efficiently.
Keywords:
Reading,
Writing,
Oral
Language,
Explicit
Teaching.
INTRODUÇÃO
O foco deste estudo é abordar a aprendizagem da leitura e escrita e a literatura
mostra que nos últimos anos, as pesquisas a respeito dos processos de aprendizagem da
linguagem escrita, envolvendo também a leitura, avançaram muito. (Barrera e Maluf
(2003), Maluf e Barrera (1997), Maluf (2005), Cardoso – Martins (2008), Guimarães
(2003), Maluf, Zanella, Pagnez, (2006), entre outros).
Países como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos, vem se beneficiando das
pesquisas relacionadas aos processos de aprendizagem da leitura e da escrita, em que os
resultados apontam os conhecimentos e as técnicas mais eficientes e eficazes para o
ensino de ambas as habilidades (Brasil, 2005).
2
3
O enfoque teórico adotado nestas pesquisas é o da Psicologia Cognitiva. Vamos
referir-nos brevemente aos seus fundamentos.
Para Morais (1996, p. 17-18),
É a ciência que procura descrever e explicar o conjunto das
capacidades cognitivas (em outras palavras, as capacidades
mentais de tratamento da informação) de que dispõem [...] os
seres humanos. [...] O sistema cognitivo é um sistema complexo
de tratamento da informação compreendendo conhecimentos
(representações) e meios de operar sobre esses conhecimentos
(processos).
O processo de aprendizagem da leitura e da escrita está inserido no conjunto das
capacidades cognitivas que por sua vez são capacidades estruturadas e organizadas em
um sistema cognitivo que sustenta o processo de aprendizagem dessas habilidades. É
por meio de uma abordagem analítica que a psicologia cognitiva busca compreender a
complexidade desse sistema. São numerosos os estudos científicos que descrevem a
maneira como “o sistema cognitivo opera na percepção, no reconhecimento, na
linguagem, [...] na aquisição e na memorização de informação, na organização e na
planificação da ação, na avaliação e atribuição de conhecimentos, no raciocínio, na
tomada de decisões. (Morais, 1995,p.38). Dentre esses aspectos, convém destacar a
linguagem visto que é essencialmente importante para o desenvolvimento social,
emocional e intelectual do ser humano.
A linguagem pode ser oral, escrita, de sinais. Faz-se necessário neste estudo
destacar e diferenciar as modalidades orais e escritas. É importante salientar que a
linguagem oral e a linguagem escrita se relacionam no processo de aprendizagem. No
entanto, antes de abordarmos a aprendizagem da leitura e da escrita, que é nosso foco de
estudo, se faz necessário diferenciar os dois tipos de linguagens: a linguagem oral e a
linguagem escrita, uma vez que a linguagem oral está imbricada no processo de
aprendizagem da linguagem escrita, mas a aquisição dessas habilidades, a oral e a
escrita, tem particularidades importantes e diferentes.
OBJETIVO:
- Descrever como se desenvolve, segundo a psicologia cognitiva, as habilidades de
leitura e escrita.
3
4
OBJETIVOS ESPECÍFICOS:
- Compreender a relação entre a linguagem oral e escrita.
- Identificar as habilidades necessárias para a aprendizagem da leitura e da escrita.
- Explicitar o papel da instrução direta na aquisição das capacidades de ler e escrever.
METODOLOGIA
Este trabalho é resultado de pesquisa bibliográfica, sendo considerado para tal as
idéias dos seguintes autores que estudam essa área: Morais (1996), Maluf (2003-2005).
A pesquisa bibliográfica tem por finalidade “conhecer as diferentes formas de
contribuição científica que se realizaram sobre determinado assunto” (OLIVEIRA,
2001, p. 119). Ela ofereceu meios à nossa pesquisa. O primeiro passo foi localizar os
livros e principais autores que abordam esse estudo.
Após o fichamento, foi necessário a leitura sistemática de textos teóricos,
artigos, periódicos, pesquisa na internet que acrescentaram à este estudo. “A pesquisa
bibliográfica não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas
propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões
inovadoras” (MARCONI; LAKATOS, 2007, p. 185). Ressalta, porém que não foi
possível ler e absorver tudo o que já foi publicado sobre este estudo e sempre haverá
algo a ser ampliado.
O método de abordagem que se utilizou para um melhor desenvolvimento do
assunto foi o dedutivo, pois “ele parte das teorias e prediz a ocorrência dos fatos
particulares” (MARCONI, LAKATOS, 2001, p. 106). Tal método propiciou a obtenção
do conhecimento suficiente sobre o assunto, fundamentais para a realização deste
estudo. Após o levantamento bibliográfico, foi possível a construção deste estudo.
LINGUAGEM ORAL E ESCRITA
Graças a linguagem podemos nos comunicar socialmente, compartilhar
experiências, adquirir valores, regras, obter explicações às nossas indagações, aprender
conscientemente formando e reconhecendo conceitos, etc. É por meio dela que a criança
pode planejar sua ação, resolver seus problemas. Assim, a linguagem tem importante
função interpessoal (instrumento de comunicação) e intrapessoal (elaboração do
pensamento).
Para Vigotski (1991) o homem é um ser social, constituído nas e pelas interações
que estabelece, sujeito ativo que atribui e recebe significados. A interação com outros
4
5
indivíduos tem para o autor uma importância fundamental. Com sua concepção
interacionista, descreve que é por meio da relação do homem com os outros, com a
natureza e com a história dessas relações, que este se humaniza.
Um elemento importante para Vigotski é a linguagem “porque tem a função de
comunicar, regular o comportamento, planejar a ação e generalizar conceitos e
experiências”. (Vigotski, 1991). Sem o desenvolvimento da linguagem (externa,
egocêntrica e interna), a criança possivelmente não conseguirá comunicar-se,
estabelecer relações, organizar o pensamento, planejar a ação.
Já nos primeiros anos de vida, em interação com a mãe, a criança recebe
informações e atribui significado as mesmas. Essa interação (mãe/bebê) tem um efeito
significativo na aquisição da linguagem oral. “Determinadas características da
linguagem que os adultos dirigem às crianças facilitam sua aquisição. No entanto, o
bebê não só intervém nesse processo, aprendendo, como também, através de suas
respostas, mantém os pais num processo ativo de estimulação” (Moura e Pessoa, 2008,
p. 25).
Chomsky, teórico inatista, acreditava que já existia uma pré-disposição genética
para a aquisição da linguagem.
Segundo Moura e Pessoa (2008, p. 17,18),
A teoria de Chomsky (1965) se apóia na hipótese de estruturas
inatas e especificas como base da linguagem. A aquisição da
linguagem ocorreria devido aos universais lingüísticos inatos. A
aquisição da linguagem, para a teoria inatista de Chomsky,
acontece naturalmente e não é proporcionada/desenvolvida por
um “esforço” da criança, já que o seu desenvolvimento e os
traços básicos que surgem são pré-determinado por um estado
inicial que é inato e comum à espécie. O contexto tem um papel
apenas de deflagrador do desenvolvimento, sendo priorizada as
capacidades inatas.
Nos últimos anos, estudos científicos evidenciam que é bem maior o papel do
ambiente. Mostram que a linguagem oral se desenvolve quando a criança entra em
contato com um meio social de falantes. O conjunto de evidências é considerável
(Maluf, 2005, Bruner 1996, Fogel 2000, Ellas 1995, Moura e Pessoa, 2008, entre
outros). Sabe-se que a fala é natural e espontânea. A interação entre os aspectos
biológicos (aparatos lingüísticos) com os aspectos sociais tem um papel fundamental
5
6
para o processo de aquisição da fala, ou seja, é inserido em um contexto sócio-histórico
e cultural que o individuo adquire a linguagem oral.
Em contrapartida, a aprendizagem da linguagem escrita não é natural, ou seja,
não é adquirida espontaneamente em um meio social. A criança que não dispõe de um
ensino explicito da leitura e da escrita, possivelmente apresentará dificuldades na
aquisição destas habilidades. A linguagem escrita segundo Maluf (2005, p.56) tem que
ser objeto de ensino [...], tem sua aquisição diretamente dependente de processos de
aprendizagem.
É imprescindível que no processo de aprendizagem da leitura e da escrita, a
criança manipule diretamente as unidades lingüísticas (palavras, silabas, letras) de sua
língua materna, em nosso caso, a língua portuguesa. É indispensável que ela conheça e
compreenda o sistema alfabético, decodifique as representações gráficas do
som(fonema), domine progressivamente o código ortográfico e constitua um léxico
ortográfico, principais aquisições que o aprendiz deve fazer durante seu percurso para
tornar-se capaz de dominar (com competência) as habilidades de ler e escrever.
A alfabetização universal é uma questão recente. Em nossa sociedade atual ainda
é possível encontrar indivíduos iletrados que não tiveram acesso “ao instrumental básico
de ampliação do conhecimento que é o domínio competente da linguagem escrita”
(Maluf, 2010, p.19).
Daí a importância de professores alfabetizadores que estejam preparados e
instrumentalizados para esta importante tarefa: ensinar a criança a ler e a escrever.
Espera-se principalmente que a escola, como mediadora do processo ensino
aprendizagem formal, possibilite a aquisição destas habilidades, visto que, é através do
domínio das mesmas que o cidadão poderá conhecer as normas e leis geralmente
codificadas nas sociedades ditas democráticas e exercer seus direitos. “A compreensão
da escrita é o objetivo maior não só da alfabetização, mas também dos primeiros anos
de escolarização fundamental, uma vez que ela condiciona a aquisição de informação na
nossa sociedade.” (Morais, Kolinsky, Grimm-Cabral, 2004, p.53)
Dito isto, é indispensável que o educador se aproprie de conhecimentos
científicos a respeito dos aspectos psicológicos que implicam a aprendizagem da leitura
e da escrita. As teorias científicas podem até tentar explicar como deve ser o ensino,
mas ele só será eficaz se for devidamente aplicado por professores formados e
informados.
6
7
Como dito anteriormente, ler e escrever são habilidades cognitivas. Maluf
(2005) afirma que,
Do ponto de vista psicológico, a leitura deve ser vista como
sustentada por um sistema cognitivo que atua sobre a
informação grafada, de modo a colocá-la em contato com os
conteúdos da memória e desse modo tornar possível o seu uso
por parte de nossos processos de pensamento.
Portanto, nos próximos tópicos abordaremos, dentro da Psicologia Cognitiva da
leitura, como ocorre a aprendizagem da leitura e da escrita.
COMO OCORRE A APRENDIZAGEM DA LEITURA
A capacidade de leitura é indispensável na vida cotidiana. É por meio dela que
obtemos informações, representando a forma física do sinal gráfico (grafema), buscando
compreender a mensagem escrita. Esse é o objetivo da leitura: compreender, extrair
sentido de um material escrito. Lemos para compreender, todavia, “os processos
específicos da leitura não são processos de compreensão, mas que levam à
compreensão.” (Morais, 1996, 114).
Diferente da linguagem oral, a leitura não tem caráter natural, espontâneo, ou
seja, para aprender a ler, processos específicos complexos são postos em ação
(linguagem, memória, pensamento, inteligência e percepção). Tais processos envolvem
a manipulação de diferentes habilidades visando decodificar as representações gráficas
codificadas. Para tanto, é necessário que no percurso inicial de aprendizagem da leitura
o aprendiz descubra e utilize o principio alfabético, associando formas gráficas (letras)
às formas sonoras (fonemas). Logo, ler envolve a habilidade de transformar grafemas
em fonemas (Maluf, 2005).
Para a aprendizagem da leitura é essencial a aquisição de habilidades de
codificação e decodificação. A decodificação envolve a identificação e a interpretação
das unidades lingüísticas, transformando os símbolos (letras) em informações
significativas. Nesse sentido, “ler é extrair a pronúncia que corresponde a uma
representação gráfica da linguagem falada” (Morais, Kolinsky, Grimm-Cabral, 2004,
p.54). É interessante frisar que para esses autores, a aprendizagem da leitura exige um
“Decodificador”, um “Bibliotecário, um Calculador – intérprete e, por fim, lugares para
retenção (a curto ou a longo prazo) das informações recolhidas.
7
8
Decodificador é derivar do padrão gráfico a ficha ou o código
(representação ortográfica da palavra) que permite ao
Bibliotecário selecionar o “livro exigido” (a informação
fonológica e semântica correspondente). O Calculadorinterpréte efetua os cálculos sintáticos e a interpretação
semântica da frase. A retenção das informações recolhidas por
meio da leitura não é feita em parte, mas constitui seu
prolongamento funcional. (Morais, Kolinsky, Grimm-Cabral,
2004, p.55)
Como já dito anteriormente, esses são os primeiros passos no percurso da
aquisição da leitura, ou seja, não é suficiente compreender o princípio alfabético. É
necessário adquirir outras habilidades tais como: habilidade de integração fonêmica,
conhecer o código ortográfico, constituir um léxico ortográfico, etc. Assim sendo, a
criança “precisará desenvolver capacidades de refletir sobre a língua e sua utilização, o
que é designado como conhecimento explícito” (Maluf, 2010, p.17). Ao contrario da
linguagem falada, a criança aprendiz de leitor depende de instrução formal explícita de
natureza escolar para a aprendizagem da leitura e essa aquisição resulta de
aprendizagens explícitas, ou seja, de ensino. É possível que a criança aprenda a ler e a
escrever sem instrução formal, no entanto o processo pode tornar-se mais lento, penoso
e difícil.
Por fim, como já foi dito, ler é perceber palavras grafadas e delas extrair
pronúncia, tendo como objetivo a compreensão. (Maluf, 2005). Mas para compreender é
preciso inicialmente aprender o código alfabético, reconhecer palavras(decodificação) e
conseguir automatizar o processo de conversão grafofonológica.
COMO OCORRE A APRENDIZAGEM DA ESCRITA
A linguagem escrita constitui a representação da linguagem falada. Do ponto de
vista das capacidades cognitivas, a escrita e a fala, embora apresentem particularidades
importantes e diferentes, não são representações externas ou opostas uma à outra. Existe
uma relação que une a escrita à fala – a escrita é uma representação da linguagem - mas
essas relações não são tão simples de serem entendidas pelo aprendiz de leitor.
Ao contrario da fala que é utilizada de forma natural e espontânea nas situações
comunicativas, a escrita é objeto de análise e reflexão deliberada, consciente. É preciso
“manipular diretamente as unidades lingüísticas que são as palavras e as partes que as
compõem” (Maluf, 2010, p.18). Essa capacidade de manipular, refletir sobre, conhecer
8
9
explicitamente, é chamada de capacidade metalingüística e envolve diferentes tipos de
habilidades tais como: atenção, nível de abstração, autocontrole intencional, análise da
língua em fonemas, manipulação da fala em palavras, silabas e fonemas, conhecer a
estrutura formal (fonológica e sintática) de sua língua, entre outras.
O processamento fonológico, isto é, a habilidade de fazer uso dos elementos
sonoros da língua, está associada ao desenvolvimento inicial da leitura e da escrita.
Para descobrir como as palavras escritas representam a palavra falada, a criança deve
descobrir/discriminar os fonemas (sons), ou seja, analisar (as palavras) em fonemas. No
entanto, “a consciência fonológica vai além da discriminabilidade perceptiva, resulta de
uma reflexão sobre as propriedades fonológicas das expressões, mais exatamente ela é
essa reflexão.” (Morais, 1996, p.91)
Somente desenvolver a consciência fonológica não garante o sucesso da
aprendizagem da escrita. Assim como na leitura, a escrita também envolve o
descobrimento e a utilização do código alfabético, por isso é importante que a criança
conheça as letras e faça relação entre os sons da fala e as letras do alfabeto.
Pesquisadores acreditam que o desenvolvimento da leitura e da escrita envolve
“[...] desde os seus primórdios, o processamento da relação entre letra e sons mesmo
que esse processamento seja incompleto” (Rego, 1995, p.76.)
Um estudo sobre o desenvolvimento inicial da escrita foi realizado por Enri
(1992; 1998), citado por Cardoso – Martins (2008) . De acordo com o seu modelo,
“crianças progridem através de quatro fases [...]: pré –alfabética; semi – alfabética;
alfabética completa; alfabética consolidada”.
Fase alfabética: as produções consistem de letras arbitrarias, ou seja, letras que
não guardam relação com os sons na pronúncia das palavras.
Fase semi – alfabética: as crianças aprendem o nome e os sons das palavras e
começam a compreender a natureza fonológica da escrita. Conseqüentemente, começam
a representar alguns sons em suas escritas.
Fase alfabética completa: com a instrução explicita sobre as associações de
formas gráficas às formas sonoras, as crianças conseguem representar todos os sons da
pronuncia
da
palavra
por
letras
foneticamente
apropriadas,
mesmo
que
convencionalmente incorretas.
Fase alfabética consolidada: graças à experiência com as letras, a criança passa
a escrever melhor, operando com unidades maiores do que o fonema e considerando as
regras ortográficas do sistema de escrita. (Cardoso – Martins, 2008, p. 142)
9
10
A habilidade de escrever pode ser desenvolvida e aperfeiçoada no decorrer do
processo de escolarização. Espera-se que a escola contribua significativamente para a
aquisição desta habilidade, visto que ela é instalada por meio de instrução/ensino.
CONSIDERACÕES FINAIS
Diante do exposto e sustentado pelo enfoque da Psicologia Cognitiva da Leitura,
pode-se concluir que a linguagem oral instale-se naturalmente durante o
desenvolvimento da criança.
A criança aprende a falar e a compreender a linguagem oral sem que lhe seja
necessário conhecer conscientemente a estrutura formal (fonológica e sintática) de sua
língua nem as regras que ela aplica no tratamento dessa estrutura [...] (Gombert, 2003,
p.21).
O aparato biológico é importante para a aquisição das habilidades de ler e
escrever, mas não é suficiente, visto que a aprendizagem de tais habilidades não é inata,
mas resultado de aprendizagens explícitas, freqüentemente de natureza escolar.
Em princípio, no processo de aprendizagem da leitura é indispensável que o
aprendiz de leitor conheça e utilize o código alfabético, reconhecendo sinais gráficos,
estabelecendo relação com os sons da fala.
Pesquisas científicas vêm sustentando a hipótese de que existe relação entre a
aprendizagem da leitura e a capacidade de identificar os componentes fonológicos das
unidades lingüísticas e manipulá-los de forma intencional.
Para decodificar informações gráficas, a criança além de conhecer os sinais
gráficos (letras), precisa compreender que cada letra ou combinações de letras
representam sons, os sons da fala. Aprender a ler consiste essencialmente em adquirir
as competências para decodificar (Maluf, 2008)
Nem sempre compreendemos o que lemos porque não obtemos informações
e/ou habilidades que nos permitem decodificar a informação codificada. Daí a
importância de conhecer e manipular o código alfabético.
O sistema de escrita (sistema alfabético) é uma expressão e codificação dos sons
da fala. Sendo assim, escrever consiste na possível substituição do som em sinais
gráficos, ou seja, codifica-se a informação fonológica em grafemas.
Para aprender a escrever é preciso identificar os sons das palavras e associar
letras e sons. Dito isto, se pode afirmar que a consciência fonológica – habilidade em
10
11
identificar e manipular conscientemente os sons que compõem a fala - possui um
importante papel na aprendizagem da leitura e da escrita.
A origem da linguagem escrita é o ensino. Tal habilidade se instala por
aprendizagem. O contato com livros e com pessoas alfabetizadas, sem o ensino explícito
da leitura e da escrita, pode não ser eficaz. Se ajudado pelos que ensinam, os resultados
podem vir com rapidez e eficiência.
REFERÊNCIAS
Brasil (2005). Comissão de Educação e Cultura da câmara dos deputados. Grupo de
trabalho. Grupo de trabalho: Cardoso – Martins, C; Capovilla, F.C; Gombert, J.E; J.B.A
e Oliveira, J. C; Morais J; Adams M.J e Beart R. Alfabetização Infantil: os novos
caminhos. Brasília: Congresso Nacional.
Cardoso-Martins C; Corrêa, M. F; Marchetti, P. M. T. O conhecimento do nome das
letras e o desenvolvimento inicial da escrita: o caso do português no Brasil. In: Maluf,
M.R; Guimarães, S.R.K. Desenvolvimento da Linguagem oral e Escrita. Curitiba:
UFPR, 2008.
Davis, Cláudia; SILVA, Flávia Gonçalves de. Conceitos de Vigotski no Brasil:
produção divulgada nos cadernos de pesquisa. v.34, n.123, p. 633-661, set./dez. 2004.
Gombert, J. E. Atividades Metalingüísticas e aprendizagem da leitura. In: Maluf, M.R.
(Org). Metalinguagem e aquisição da escrita: contribuições da pesquisa para a prática
da alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
Lakatos, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia
Científica. São Paulo: Atlas, 2007.
Maluf, M.R. (2005). Ciência da leitura e alfabetização infantil: um enfoque
metalingüístico. Boletim da Academia Paulista de Psicologia, v. 2, 35-62.
Maluf, M.R. (Org). Metalinguagem e aquisição da escrita: contribuições da pesquisa
para a prática da alfabetização. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
11
12
Maluf, M.R; Guimarães, Sandra R. K. Aprendizagem da linguagem escrita.
Contribuições da pesquisa. São Paulo: Vetor, 2010.
Morais, J. A arte de ler. São Paulo: Unesp, 1996.
Vigotski, L.S. et AL. Psicologia e Pedagogia. Lisboa: Estampa, 1991.
Morais, José; Kolinsky; Grimm- Cabral, L. A aprendizagem da leitura segundo a
psicolingüística cognitiva. In: Rodrigues, Cassio; Tomitch, Lêda M. B; (cols).
Linguagem e Cérebro Humano: contribuições multidisciplinares. Porto Alegre:
Artmed, 2004
Oliveira, Silvio Luiz de. Tratado de Metodologia Cientifica: projetos de pesquisa,
TGI, TCC, monografias, dissertações e teses. São Paulo: Pioneira Thomson Learning,
2001.
Rego, L. L. B. Diferenças individuais na aprendizagem inicial da leitura: papel
desempenhado por habilidades metalingüísticas. Psicologia: Teoria e Pesquisa. v. 11, n.
1, 1995.
12