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Reginaldo Silva
O impacto do desenvolvimento industrial nas
relações culturais em Nova Serrana
Divinópolis
Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI
2007
Reginaldo Silva
O impacto do desenvolvimento industrial nas
relações culturais em Nova Serrana
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado da
Fundação Educacional de Divinópolis, unidade
agregada à Universidade do Estado de Minas Gerais,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Educação, Cultura e Organizações
Sociais.
Área de concentração: Estudos Contemporâneos
Linha de Pesquisa: Cultura e Linguagem
Orientador: Prof. Dr. Leandro Pena Catão
Divinópolis
Fundação Educacional de Divinópolis - FUNEDI
2007
S586i
Silva, Reginaldo
O impacto do desenvolvimento industrial nas relações culturais em Nova
Serrana [manuscrito] / Reginaldo Silva. – 2007.
207 f., enc. il .
Orientador : Leandro Pena Catão
Dissertação (mestrado) - Universidade do Estado de Minas Gerais,
Fundação Educacional de Divinópolis.
Bibliografia : f. 186 - 200
1. Cultura – Cidades Mineiras. 2. Memória. 3. Nova Serrana – História.
4. Indústria de Calçados. 5. Desenvolvimento Industrial. 6. Igrejas –
Arquitetura – Religiosidade. l. Catão, Leandro Pena. ll. Universidade do
Estadual de Minas Gerais. Fundação Educacional de Divinópolis. lll.
Título.
CDD: 306.4
Dissertação defendida e APROVADA pela Banca Examinadora constituída pelos
Professores:
______________________________________________________________
Prof. Dr. Leandro Pena Catão (Orientador) – FUNEDI/UEMG
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Batistina Maria de Sousa Corgozinho – FUNEDI / UEMG
_____________________________________________________________
Profª. Drª. Suzana Cristina de Souza Ferreira – UNA/BH
Mestrado em Educação, Cultura e Organizações Sociais
Fundação Educacional de Divinópolis
Universidade do Estado de Minas Gerais
Divinópolis, 13 de dezembro de 2007.
AUTORIZAÇÃO PARA REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA DA
DISSERTAÇÃO
Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial
desta dissertação por processos de fotocopiadoras e eletrônicos. Igualmente, autorizo sua
exposição integral nas bibliotecas e no banco virtual de dissertações da FUNEDI/UEMG.
Divinópolis, 10 de abril de 2008.
Reginaldo Silva
Aos meus tantos afilhados e amigos, que sempre
torcem por mim, especialmente Maísa Sally,
Alex Steffen, Leonardo Lacerda e Marcelino
Marcos. Que tudo isso sirva de memória para
suas vidas.
AGRADECIMENTOS
Pela paciência e força para superar os obstáculos, por atender as orações e garantir a caminhada.
Deus, Alá, Yhaveh, o que quer que você O chame.
Pelo incentivo, leitura e correção dos textos:
Salete, João Paulo, Alexandre Guimarães, Dona Lucília e Juliana Catão.
Pelo incentivo e acompanhamento durante o trabalho:
Rodrigo Chagas, Márcia e Maurício, Robson Teixeira, Felipe Augusto, Aparecida Gontijo,
Aparecida Lopes, Solange Minhanele, Nita, Ernane (Morrão), Neiva Pinto, Orlando Freitas,
Beatriz Fonseca, Carminha, Aline Morais, Marcelino, Laine, Leonardo Lacerda e Leandro
(Tompson).
Pelo apoio das Instituições:
Arquivo Fotográfico Municipal
Centro de Memória do Calçado de Nova Serrana
Faculdade de Nova Serrana – FANS
Fundação Educacional de Divinópolis
Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana
Prefeitura Municipal de Nova Serrana
Secretaria Municipal de Educação e Cultura
SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Calçados de Nova Serrana
Pelo apoio e serviço técnico, suas contribuições foram significativas em momentos mais complicados:
Arno Spier Junior (fotografia e filmagem) um parceiro na caminhada e de projetos futuros
Lauro Vinícius Aquino (informática e assistência técnica)
Lucas Marinho Lacerda (fotografias)
Marcelo Aparecido Silva (diagramação, impressão e grande amigo)
Moacir Henrique Paiva Pinto (traduções)
Vanessa Poeiras e Karina Souza Mendes (arquitetas)
Pela confiança e apoio às pesquisas:
Carmélia Teles da Silva Saldanha (Secretária Municipal de Educação)
Joel Pinto Martins (Prefeito Municipal de Nova Serrana)
Pe. Paulo Sérgio Diniz Mendes (Pároco da Paróquia de São Sebastião)
Rinaldo José Ferreira (Chefe de Gabinete – Prefeitura Municipal)
Minha Família, pelos momentos de partilha e compreensão:
Dona Conceição (minha mãe),
Julimar e Adriana, (irmãos)
Meu pai, que não pôde estar presente em mais esta vitória.
Pelas pessoas que contribuíram com as entrevistas:
Betânia Gonçalves Figueiredo (Dpto. História da UFMG)
Dona Geni Fonseca Martins
Dona Geralda Pinto do Amaral (D.Nezinha)
Dona Terezinha Duarte Martins
Sr. Augustinho Sebastião da Costa
Sr. Edson Batista de Freitas
Sr. Francisco Roberto
Sr. Geny José Ferreira
Sr. José Maria Scaldini Garcia
Sr. José Pinto Firmino
Sr. José Silva Almeida
Sr. Ulisses Amaral
Aos professores da banca de qualificação que ajudaram muito no meu amadurecimento e crescimento:
Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa
Prof. Dr. Mateus Henrique de Faria Pereira
Pela dedicação exclusiva, acompanhamento, orientação e principalmente pela amizade:
Prof. Dr. Leandro Pena Catão
Por aqueles que nos acompanha com olhares inocentes e sem saber por que ficamos tanto tempo em
meio a livros e computadores, mas que no futuro entenderão o que foi construído:
Maísa Sally – minha sobrinha e afilhada – 05 anos, meu primeiro anjinho.
Pedro Henrique Freitas – meu grande amigo (Miguel) que visitou-me durante o trabalho – 03
anos – outro anjo.
Amigos e Parceiros do Curso de Mestrado, pela troca de informações, amizade e pelos momentos de
partilha dos materiais e das frustrações.
Professores e Funcionários da FUNEDI, que nos ajudaram, acompanharam e nos escutaram diversas
vezes durante esta jornada. Especialmente à Professora Batistina Maria de Souza Corgozinho, que me
inspirou muito nesta pesquisa.
A todos que em maior ou menor grau contribuíram para o êxito desse trabalho, só resta umas poucas
palavras: “Muito Obrigado”.
“O que a memória ama fica eterno”
- Adélia Prado -
“pois Minas Gerais é muitas. São, pelo menos várias Minas”
- Guimarães Rosa -
RESUMO
Situada no Centro Oeste de Minas Gerais, Nova Serrana é a cidade que mais cresceu no
estado nas últimas décadas. Ainda em crescimento a cidade enfrenta os problemas
encontrados nos grandes centros urbanos, principalmente os centros industrializados e de
grande mobilidade social devido a migração. Diante de tamanho desenvolvimento, a cidade
não conseguiu acompanhar e atender as necessidades culturais, prioritariamente no que se
trata da preservação da memória histórica local. As pessoas que chegam todos os dias na
cidade, não receberam informações suficientes para conhecer e entender os processos de
crescimento, industrialização, culturais e sociais que passa a cidade. A vida urbana segue os
princípios da industrialização. Os movimentos da cidade são os movimentos da indústria, a
vida é regida pelo processo industrial, que vai desde o custo de vida até os horários do
comércio, da vida cotidiana dos cidadãos. Falta mão de obra qualificada, mas as escolas
devem seguir a organização das indústrias. O mesmo acontece com a vida eclesial. A igreja é
influenciada pelas fábricas, uma vez que depende dos empresários para realizar suas
campanhas e construções; a arquitetura das igrejas, por sua vez, seguem os padrões das
fábricas de calçados devido aos empresários que fazem parte dos Conselhos e devido aos
baixos custos das construções de galpões. Com características quase que cosmopolita, devido
ao grande número de migrantes vindos de diversas regiões do Brasil, a cidade de Nova
Serrana se destacou no mercado nacional. É considerada a maior fabricante de calçados
esportivos do território brasileiro, continua em crescimento e é um grande desafio para a
administração pública e para as instituições que ali se instalam. Alternativas para melhorias
não faltam, falta na verdade maior investimento na vida social e cultural da população,
valorização do processo histórico e maior conscientização, enraizamento da população na
cidade que vive e retiram o sustento. Nova Serrana continua sendo a pequena cidade em meio
às serras onde paravam os viajantes em busca de ouro e prata, metais preciosos não se
encontra mais nas região, mas continua o sonho de encontrar riquezas.
ABSTRACT
Located in the West-enter side of Minas Gerais, Nova Serrana is the city that most grew in the
state in the last few decades. Still in growth the city faces the problems found in the biggest
urban centers, especially the industrialized centers and the social changes caused by
migration.
By this development, the city did not follow and take care of the cultural needs,
primarily in what is about the preservation of the local historic memory. The people who
arrive every day in the city, had not received enough information to know and understand
how the process of growth, industrialization, cultural, and social that the city passes.
The
urban life follows the principles of industrialization. The movements of the city are the
movements of the industry; the life is conducted by the industrial process that goes since the
cost of living until the schedules of the commerce and the daily life of the citizens. Lack of
qualified workmanship, but the schools must follow the organization of the industries. The
same happens with the ecclesial life. The factory influence the church, once that depends on
the owners of them to carry through its campaigns and constructions; the architecture of the
churches, follows the standards of these footwear factories due to the businessmen who are
part of the Councils and so by the low cost of construction of sheds. With almost
cosmopolitan characteristics, made by the quantity of foreigners that come to town from all
over the country, the city of Nova Serrana highlighted in the national market. It is considered
the biggest manufacturer of sporting shoes; still in growth it is though challenge to the public
administration and also to the institutions there. Alternative for improvements do not lack, but
in fact lacks investments in the social life and the population’s culture, give value in the
historic process and awareness, make people fell they are part of the city they live and get
them sustenance. Nova Serrana sill being the small city in way of the mountain ranges where
the gold and silver searchers stopped, precious metals do not find anymore, but it continues
the dream to find rewards.
LISTA DAS ILUSTRAÇÕES
01 – Foto – Igreja Matriz e Indústria de Calçados ............................................................................ 17
02 – Foto – Vista parcial da cidade de Nova Serrana ....................................................................... 18
04 – Maquete do Arraial do Cercado em 1930 ................................................................................. 32
07 – Mapa da Evolução Urbana de Nova Serrana............................................................................. 39
09 – Foto – Recepção dos padres carmelitas – Rua do Meio............................................................ 43
13 – Foto – Formação da Banda de Música em 1946/1947 ............................................................ 111
14 – Foto – Vista parcial da cidade e procissão do Santíssimo....................................................... 112
15 – Foto – Recepção dos padres carmelitas – Pça. Tito Pinto....................................................... 118
16 – Foto – Antiga Igreja Matriz – 1962......................................................................................... 126
17 – Foto – Antiga Igreja Matriz – 1964......................................................................................... 127
18 – Foto – Projeto da nova matriz – Maquete – frontal................................................................. 128
19 – Foto – Projeto da nova matriz – Maquete – aérea ................................................................... 129
20 – Foto – Catedral Metropolitana de Brasília .............................................................................. 131
21 – Foto – Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – lateral ....................................................... 133
22 – Foto – Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – interior ..................................................... 134
23 – Foto – Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – frontal....................................................... 135
24 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1982 – frontal ................................................. 138
25 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1982 – frontal posterior .................................. 139
26 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1982 – lateral esquerda................................... 139
27 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1984 – Torre................................................... 140
28 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1987 – Rampa de acesso ................................ 140
29 – Foto – Construção Matriz de São Sebastião – 1988 – painel interior ..................................... 141
30 – Foto – Matriz de São Sebastião – Painel esquerdo – Criação ................................................. 141
31 – Foto – Matriz de São Sebastião – Painel central – Sacrifícios ................................................ 142
32 – Foto – Matriz de São Sebastião – Painel direito – Fábrica de Calçados ................................. 142
33 – Foto – Matriz de São Sebastião – Presbitério ......................................................................... 143
34 – Foto – Matriz de São Sebastião – Presbitério – Altar ............................................................. 143
35 – Foto – Matriz de São Sebastião – fachada – Praça.................................................................. 144
36 – Foto – Vista parcial da cidade – 1981 ..................................................................................... 144
37 – Foto – Vista parcial da cidade (noturna) – 2005 ..................................................................... 145
38 – Foto – Construção da Torre da Igreja Matriz ......................................................................... 146
39 – Projeto Arquitetônico – Fachada Igreja Matriz ....................................................................... 162
40 – Projeto Arquitetônico – Planta Térreo – Igreja Matriz............................................................ 163
41 – Projeto Arquitetônico – Corte BB e Corte AA – Igreja Matriz............................................... 164
42 – Projeto Arquitetônico – Planta Subsolo – Igreja Matriz ......................................................... 165
43 – Projeto Arquitetônico – 1º Pavimento – Igreja Matriz ............................................................ 166
44 – Projeto Arquitetônico – Planta Cobertura – Igreja Matriz ...................................................... 167
LISTA DE TABELAS
03 – Tabela I – Indicadores de Renda, pobreza e desigualdade........................................................ 20
05 – Tabela II – População de Nova Serrana ................................................................................... 37
06 – Tabela III – Comparativo Inter-censos...................................................................................... 38
08 – Tabela IV – Indústria Manufatureira de Nova Serrana ............................................................ 40
11 – Tabela V – Domicílios em Nova Serrana.................................................................................. 52
12 – Tabela VI - Projeção População futura em Nova Serrana......................................................... 53
LISTA DE GRÁFICOS
10 – Gráfico – Crescimento populacional........................................................................................ 50
LISTA DAS ABREVIATURAS E SIGLAS
ABICALÇADOS – Associação Brasileira das Indústrias de Calçados
ACINS – Associação Comercial e Industrial de Nova Serrana
APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais
BEMGE – Banco do Estado de Minas Gerais
CADICAM – Computer-Aided Design Computer Aided Manufatoring
CEMIG – Companhia Energética de Minas Gerais
CICA – Curtume e Indústria de Couros e Artefatos
CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
COPASA-MG – Companhia de Água e Saneamento de Minas Gerais
CTBC – Companhia Telefônica do Brasil Central
DDD – Discagem Direta
DDI – Discagem Direta Internacional
DETRAN – Departamento de Trânsito
ECT – Empresa de Correios e Telégrafos
EFOM – Estrada de Ferro do Oeste de Minas
ETERJ – Escola Técnica do Rio de Janeiro
FEB – Força Expedicionária Brasileira
FIEMG – Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IEPHA-MG – Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização
OFM – Ordem dos Frades Menores
PSF – Programa de Saúde da Família
RAIS – Relação Anula de Informações Sociais
SEMEC – Serviço Municipal de Educação e Cultura
SENAI – Serviço Nacional da Indústria
SESI – Serviço Social da Indústria
SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal das Indústrias de Nova Serrana
SMEC – Secretaria Municipal de Educação e Cultura
TLC – Treinamento de Líderes Cristãos
UNESCO – Organização das Nações Unidas para Educação
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................................14
CAPÍTULO I – Os caminhos da cidade: o arraial que virou capital do calçado .........24
1- O arraial do Cercado: história, memória e cultura ...............................................25
2- O arraial se transforma em pólo industrial: dilemas de uma cidade em
crescimento ...............................................................................................................37
3- Pé na tábua: nasce a capital mineira do calçado...................................................49
CAPÍTULO II – Nova Serrana: Culturas, tradições e contradições de uma cidade
que cresce ............................................................................................................................63
1- Cultura e sociedade neo-serranense: dilemas de uma cidade industrial...............64
2- Memória, migração e desenraizamento: o caso de Nova Serrana ........................70
3- Cultura Popular, religiosidade e tradições de Nova Serrana e Oeste de
Minas Gerais.............................................................................................................82
3.1.- A cultura alimentar de Nova Serrana e região......................................84
3.2.- Festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário...................................88
3.3.- Festa do Padroeiro São Sebastião.........................................................89
3.4.- Cultos Marianos....................................................................................90
3.4.1.- Coroação de Nossa Senhora – mês de maio ..........................90
3.4.2.- Festa de Nossa Senhora do Carmo ........................................91
3.4.3.- Festa de Nossa Senhora das Vitórias .....................................91
3.5.-Festa de São José ...................................................................................91
3.6.- Folia de Reis .........................................................................................92
3.7.- Festa de Cruz ........................................................................................92
3.8.- Encontro Celebrando ............................................................................93
3.9.- A Banda de Música...............................................................................94
3.10.- A hospitalidade ...................................................................................95
3.11.- A linguagem oral ................................................................................96
3.12.- O entrudo ............................................................................................97
3.13.- A vida de operário novato ..................................................................97
3.14.- Personagens folclóricos ......................................................................98
CAPÍTULO III – Estudo de caso: Paróquia de São Sebastião de Nova
Serrana ..............................................................................................................................100
1- Catolicismo: Religião e religiosidade nas Minas Gerais....................................101
2- Religião e religiosidade popular: do Arraial do Cercado à cidade de Nova
Serrana (1909-1970) ...............................................................................................106
3- A Nova Igreja Matriz .........................................................................................122
CONCLUSÕES.................................................................................................................149
REFERÊNCIAS ...............................................................................................................151
BIBLIOGRAFIA ..............................................................................................................153
ANEXOS ...........................................................................................................................161
14
INTRODUÇÃO
O lugarejo que viria a ser Nova Serrana surgiu durante o século XVIII, nos
primeiros tempos da colonização das Minas Gerais, época em que aventureiros de todas as
regiões da América Portuguesa e reinóis buscavam novas minas de metais preciosos. Foi
nesse contexto que nasceu o “Cercado”, inicialmente uma paragem que contava apenas com
um curral e uma hospedaria para viajantes e, mais tarde, ao longo do século XIX, viria a se
constituir um arraial. Apesar da proximidade de Pitangui, o Cercado nunca se destacou como
centro produtor de ouro, mas a economia mineira dos séculos XVIII e XIX era muito mais
complexa, sendo as atividades agropastoris muito importantes para a constituição de uma
economia sólida. Os anos passaram, mas a vida, a dinâmica e as relações culturais pareciam
paralisadas no tempo e no espaço. Mas isso mudaria drasticamente, pois a modernidade
atingiu em cheio o pequenino Cercado. De tradicional pólo produtor de artefatos de couro,
que garantia a subsistência de muitos de seus moradores desde o século XIX, a já então Nova
Serrana tornar-se-ia um dos principais pólos produtores calçadista do Brasil. Na segunda
metade do século XX, Nova Serrana (antigo arraial do Cercado) viria se constituir na capital
nacional do calçado esportivo. Uma das conseqüências desse fato foi o rápido crescimento
econômico, demográfico, o que ocasionou transformações urbanísticas, políticas, sociais e
naturalmente, culturais.
O objetivo principal desse trabalho é analisar as alterações no âmbito cultural
advindas desse vertiginoso crescimento, levando em consideração que cultura perpassa todos
os aspectos de uma sociedade, da religiosidade, alimentação à política. Essa pesquisa se
propõe discutir questões como os fatores culturais ou não que alçaram Nova Serrana à
condição de capital do calçado esportivo no Brasil.1 Além disso, o trabalho tem como
objetivos secundários: Ampliar os conhecimentos sobre o crescimento urbano, demográfico,
econômico de Nova Serrana; Despertar e discutir a consciência histórico-cultural da
população local; Abrir espaços para novas pesquisas sobre a cidade de Nova Serrana,
principalmente no que se trata do conhecimento transdisciplinar2; Discutir e analisar o
conceito de identidade cultural a partir do caso de Nova Serrana; Ampliar a historiografia
acerca da cidade de Nova Serrana; Refletir sobre as transformações advindas do processo de
1
Entendemos que este é um ponto crucial a ser estudado neste trabalho não apenas por sua importância no que
se refere à elucidação de aspectos relacionados à cultura e tradições locais, mas, sobretudo por ser uma questão
que carece de um estudo sistemático até então.
2
A questão da transdisciplinaridade será discutida mais adiante.
15
industrialização, a migração em massa de mão-de-obra para a cidade de Nova Serrana;
Contribuir para a ampliação e sistematização dos dados acerca de Nova Serrana.
Nas três últimas décadas do século XX, Nova Serrana ganha espaço no país e no
mundo, adentrando na era globalizada. A cidade recebe gente de todas as partes das Minas e
do país em busca de trabalho, farto em Nova Serrana. Mas, concomitantemente a isso, instalase um dilema na cidade em crescimento, um dilema incomum, a cidade, agora inundada de
“forasteiros” vê seu ritmo de vida bruscamente alterado. Na atualidade, já não se pode mais
deixar a casa aberta em Nova Serrana, pois os índices de violência estão entre os mais altos
das cidades do centro-oeste mineiro. As pessoas já não se conhecem todas como antigamente,
deu-se uma quebra no sentido de comunidade que estreitava os laços entre os habitantes, idéia
essa muito cara e relacionada á questão religiosa. Eis o eixo condutor dessa pesquisa, analisar
em que medida a legião de “estrangeiros”, “forasteiros”, que trouxera seus hábitos e
costumes, marcaram a cultura local, em seus aspectos religiosos, alimentares, políticos e etc...
O conceito de cultura é um dos mais complexos (por conta da imensa variação de
significados que pode incorporar) sendo ao mesmo tempo um dos mais abordados nas
ciências humanas, sendo transdisciplinar quase que por definição. Na contemporaneidade, um
dos principais problemas enfrentado pelos antropólogos é essa “abertura” que esse conceito
comporta, suscitando sempre novas proposições 3.
Câmara Cascudo, em sua obra “Civilização e Cultura”, define cultura como o
conjunto de técnicas de produção, doutrinas e atos, transmissível pela convivência e ensino,
de geração em geração, entendo ser o fenômeno cultural sempre funcional, vigoroso e
mantenedor das condições de vida de povo.4 A cultura é construída ao longo da história, é
construída na coletividade, é permeável, sujeita a influências do meio natural e de outras
culturas5. Cultura diz respeito à espécie humana e ao mesmo tempo a cada um dos povos,
nações, sociedades que a compõem,6 estabelecendo, portanto, o elo entre o local e o global.
Nos nossos dias as possibilidades de trocas de signos e símbolos entre culturas distintas
ampliou-se consideravelmente por conta do desenvolvimento dos meios de comunicação
(mídia de massa) assim como dos meios de transporte entendido como elementos
relacionados à expansão capitalista iniciada em fins do século XVIII e início do XIX.7 Mas
voltemos a nos debruçar sobre o crescimento de Nova Serrana.
3
Quanto ao conceito de cultura Ver: GIDDENS, 2005, p.45; LAPLANTINE, 1986; LARAIA, 2006.
CASCUDO, 2004, p.39-43.
5
HOUAISS, 2001; WILLIAMS, 1992. Dicionário.
6
SANTOS, 1990, p.11.
7
SANTAELLA, 2003, p.29.
4
16
Na atualidade uma das questões mais prementes no que diz respeitos aos
movimentos culturais diz respeito às identidades culturais. Na contemporaneidade as
identidades estão mais permeáveis a múltiplas influencias, e o espaço urbano tende a
aproximar ou minimizar as particularidades de cada cultura. Trata-se de uma redefinição das
fronteiras, promovendo uma aproximação e em alguns casos uma íntima relação entre o
global e o local.8
Na década de quarenta apareceram os primeiros fabricantes de calçados. Antes
disso, desde o século XIX, existiam no Cercado oficinas de artesão especializadas na
fabricação de celas e botinas. O trabalho era artesanal até então. A partir da década de 40 as
pequenas oficinas começaram a dar lugar às primeiras indústrias de calçado, fato que se deu
concomitantemente à emancipação política do município. Daí a cidade cresceu e se
desenvolveu economicamente, alavancada por vários fatores, entre os quais alguns de
natureza cultural, como a instalação de um Seminário, uma Escola particular e ampliação da
rede de Ensino pública. Além disso, a chegada da luz elétrica, da rodovia 262 e da divulgação
na mídia são outros fatores que combinados à cultura calçadista local explicam o surto
industrial da cidade. Como uma colcha de retalhos sendo estendida na cama, que com o
movimento do ar balança seus retalhos multicores que a formam, surge diante dos olhos dos
seus moradores mais antigos, uma nova cidade, com prédios pintados com cores fortes,
inúmeros letreiros que anunciam o calçado a ser vendido, galpões que se misturam às
residências e a torre em espiral, uma espécie de zigurate9, que se destaca no morro em meio à
cidade. Trata-se da igreja matriz de Nova Serrana, que foi construída com características em
meio ao grande crescimento da indústria calçadista e por isso mesmo tem muito de sua cultura
peculiar retratada em seus painéis e na religiosidade que seu povo manifesta no dia-a-dia. A
religiosidade local será um dos temas abordados em nossa pesquisa, religião que é um dos
traços que caracteriza uma determinada cultura.10 Analisaremos, entre outras coisas relativas à
vida religiosa de Nova Serrana, um estudo de caso acerca da Matriz de São Sebastião, que na
década de 1980 foi derrubada para dar lugar um templo novo, completamente reformulado,
que estivesse mais coadunado aos caminhos de Nova Serrana. Abaixo a vista parcial da Igreja
matriz de Nova Serrana cuja arquitetura visa, antes de mais nada, a funcionalidade e o
utilitarismo. Para muitos moradores a Igreja assemelha-se às fábricas de calçados da cidade,
que por sua vez lembram caixas de sapato.
8
HAESBAERT, 2002, p. 29-49.
Antigas edificações espiraladas ou em forma de pirâmides que serviam como templos religiosos na Antiga
Mesopotâmia.
10
Ver: LAPLANTINE, 1989 pp. 119-129 e 152-156.
9
17
FOTO 01 – A Igreja Matriz e a Fábrica de Calçados – Fotos: Arno Spier Júnior – Nov.2007.
Nova Serrana é uma cidade que salta aos olhos de quem está longe ou passa por
ela uma vez ou outra, pois há uma grande oferta de emprego frente a atual situação do país,
resultado dos altos índices da produção industrial. A maioria dos trabalhadores da cidade são
migrantes vindos de diversas regiões do Estado de Minas Gerais e de todo o Brasil, resultando
num interessante mosaico de culturas.
Uma das conseqüências do referido processo diz respeito à ampliação dos limites
urbanos, que se deu de forma desordenada. As mudanças que vieram com a modernidade,
fizeram com que a estrutura urbana também fosse alterada, e mais ainda, que a cidade fosse
replanejada, reestruturada e até mesmo reeducada para um novo período e para o
enfrentamento de novas situações. Proporcionalmente se observa uma gama de problemas
diante do crescimento e dos recursos obtidos com arrecadações e convênios, que não
correspondem às demandas existentes. A cidade apresenta um alto índice de violência;
vandalismo, descaso pelo patrimônio público, incluindo aqueles de forte apelo históricocultural; falta de mão-de-obra especializada na produção e no setor de serviços; altíssimos
índices de trabalho informal, entre outros. Em suma, Nova Serrana, vive os mesmos
problemas das grandes metrópoles brasileiras levando-se em consideração a diferença de
escala. As cidades, principalmente as industrializadas, foram tomadas e transformadas pelo
capital, direta ou indiretamente. “As necessidades do capital, suas contradições e
incontrolável força expansiva explodiram os limites da cidade, espalharam-na tanto mais se
desenvolveram as tecnologias de transporte e comunicação”.11 Mesmo não sendo o objetivo
11
BRANDÃO, 2006, p.29.
18
principal dessa pesquisa, os dilemas que extrapolam a esfera cultural também serão abordadas
nessa pesquisa, dada a escassez de trabalhos acadêmicos acerca de Nova Serrana.
Outro aspecto a ser abordado nessa pesquisa será o processo de denraizamento
cultural que a população da cidade vive diante do movimento migratório, fatos diretamente
vinculados a vocação econômica de Nova Serrana. Por isso, podem-se criar iniciativas para
novos estudos, registrar o processo histórico-cultural local; despertar o setor educacional para
que possa ter novos subsídios para o trabalho de pesquisa para que os setores econômico,
político e urbano se beneficiem destes estudos para a elaboração de novos projetos e possíveis
soluções para os desafios que vão surgindo.
FOTO 02 – Vista parcial da cidade – “A colcha de retalhos” – Foto: Arno Spier Júnior – Nov.2007.
Nos dias atuais, a indústria calçadista mantém o desenvolvimento, a economia e de
certa forma ela afeta toda a vida da cidade, inclusive em vários aspectos que dizem respeito à
cultura. Os moradores mais antigos, em geral saudosistas dos tempos em que a cidade era, na
verdade um pequeno arraial, questionam constantemente até que ponto esse desenvolvimento
industrial é benéfico para a população, questionam, a seu modo, o preço pago pelo
desenvolvimento e pela industrialização. Em geral, a entrada na Era Industrial promoveu certo
desconforto em vários setores das sociedades capitalistas, a modernidade que se propagou a
partir da Inglaterra, personificada entre outras coisas pela Revolução Industrial, cobra o seu
preço aonde chega, e em Nova Serrana não foi diferente. Segundo HABERMAS, “o moderno
19
sempre ressurge nos momentos de formação da consciência de uma nova época para designar
a nova situação”.12 Baudrillard argumenta:
que não há leis da modernidade, são traços que irradiaram de forma homogênea, da
Europa para o mundo, assumindo todo o sentido a partir do século XIX. Para ele, a
modernidade conota globalmente toda uma evolução histórica e uma mudança de
mentalidade.13
Nesse sentido, entendemos que modernidade diz respeito às transformações
técnico-científicas, às estruturas política, às estruturas econômicas e culturais. Estas
transformações vão mais além, quando atingem a vida social da comunidade, criam um novo
dinamismo na vida cotidiana, “significa a desestruturação de todos os valores antigos sem a
sua ultrapassagem [...] o tradicional não extinto, mas apenas reconstruído”.14 Porém, a
impressão de parte da população neo serranense é a de que esta transformação ocorreu tão
rapidamente que não se deram conta do processo, causando estranheza e desconforto por uma
parte da população, sobretudo àqueles cujas raízes culturais são mais profundas, unindo-os às
antigas projeções da comunidade, a ponto mesmo de alguns não reconhecerem pontos ou a
própria cidade na contemporaneidade.
A modernidade em Nova Serrana foi sinônima, entre outras coisas, de desapego de
parte expressiva da população (sobretudo a flutuante) às antigas tradições locais, algumas das
quais relacionadas à vivência religiosa. A tranqüilidade do antigo “Cercado” foi substituída
pela correria, desenvolvimento, pela produtividade e também a violência da “moderna” Nova
Serrana. Parte dos problemas arrolados acima, sobretudo a violência, estão relacionados a
algumas peculiaridades da industrialização da cidade, que apresenta altas taxas de
empregabilidade, mas com médias salariais baixas e os níveis de trabalho informal também
estão acima da média nacional. (ver tabela abaixo).
12
CORGOZINHO, 2003, p.19.
CORGOZINHO, 2003, p.20.
14
CORGOZINHO, 2003, p.20-21.
13
20
TABELA I – Indicadores de Renda, pobreza e desigualdade, 1991 e 200015
Indicadores
1991
2000
Renda per capita média (R$2000,00)
184,2
371,10
Proporção de pobres (%)
22,8
12,2
Diante destas questões até aqui expostas, vão surgindo novos desafios, conquistas,
e ao mesmo tempo, carências de estudos e pesquisas científicas para sanar algumas destas
dificuldades e ampliar o espaço científico. Há uma carência do conhecimento históricocultural sobre a cidade de Nova Serrana, devido a sua população flutuante, devido ao
crescimento da industrialização e a migração, da mesma forma também existe um certo
descaso e descompromisso com a vida urbana uma vez que a cidade é palco de relações
trabalhistas e de conquista de capitais, isso faz com que o processo histórico-cultural seja
quase que desconhecido entre a população. Neste sentido o local acaba por ser totalmente
transformado em função de uma realidade global, o moderno toma o lugar do antigo sem
valorizar a tradição, sem buscar meios de preservar a história local.
Com relação à metodologia proposta para essa pesquisa, adotar-se-á uma
abordagem transdisciplinar.
A abordagem transdisciplinar não trata de estabelecer vários discursos disciplinares
isolados sobre um mesmo objeto ou reunir os vários saberes e discursos dentro de
um único discurso globalizante. Ela põe em contato as várias disciplinas e saberes
específicos até eles compenetrarem-se, transfigurarem-se e formarem um novo
campo, tal como aconteceu ao se estudar a energia desde meados do século passado
e, realmente ao se estudar as cidades e seus problemas como transporte, violência,
16
espaço físico e educação.
Entendemos que essa ferramenta metodológica é bastante pertinente para a
pesquisa em questão. Por se tratar de um estudo sobre o impacto sobre as relações culturais
advindas da industrialização em Nova Serrana, foi muito útil contar com o suporte de
conceitos e procedimentos de várias disciplinas das Ciências Humanas como a História, a
Antropologia e a Sociologia.
Essa pesquisa é fruto de um levantamento de documentos gerados pela prefeitura e
demais órgãos do município de Nova Serrana, entrevista com alguns dos moradores mais
antigos da cidade, análise de bibliografia sobre a questão urbana, identidades culturais,
modernidade, industrialização e globalização. As informações dizem respeito ao
15
Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil apud Diagnóstico Municipal de Nova Serrana/MG – Plano
Diretor.
16
DOMINGUES, 2005, p.20.
21
desenvolvimento nos mais diversos segmentos da cidade, e entre outras instituições que
colaboraram para esta pesquisa, estão: Prefeitura Municipal, Paróquia de São Sebastião de
Nova Serrana, Cartório de Registro Ulisses Amaral, SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal
de Indústria Calçadista de Nova Serrana, Escola Estadual Antonio Martins do Espírito Santo
para onde foram transferidos os documentos do Colégio São José e Secretaria Municipal de
Educação e Cultura – Departamento de Cultura – Arquivo Fotográfico. Com relação às
entrevistas, as mesmas são semi-estruturadas, e as gravações encontram-se à disposição para
futuras averiguações ou pesquisas.17 Os entrevistados são pessoas que acompanharam o
desenvolvimento da cidade e acompanharam as profundas mudanças pelas quais passou a
cidade. As entrevistas podem ser divididas em dois grupos: o primeiro para dar suporte e
mapear o surgimento e crescimento da Indústria Calçadista, que faz parte do Projeto do
Centro de Memória do Calçado (idealizado pela Secretaria de Cultura de Nova Serrana em
associação com outros setores da sociedade civil). O segundo é parte do Projeto Memória que
se encontra em andamento, que visa registrar a memória cultural e social da cidade, com
ênfase para aspectos relativos à religiosidade popular e cultura e tradições locais. Procurou-se
neste trabalho cotejar as fontes clássicas como a memória dos velhos. Segundo
CORGOZINHO, a memória “é uma das possíveis maneiras de focalizar o passado”.18 Como o
trabalho propõe uma análise histórico-cultural, foi necessário o recolhimento de documentos
escritos, fotográficos e publicações, para dar mais reforço a esta visão diante do
desenvolvimento. Entre as fontes documentais inéditas destacamos os livros de tombo da
paróquia e as atas dos Conselhos Paroquiais.
Quando se apresenta a proposta de uma correlação entre as linhas de pesquisa
“Espaço e Sociedade” e “Cultural e Linguagem”, apóia-se no fato de que ao mesmo tempo em
que o processo de transformação urbana se torna tão rápido, faz com que o processo cultural
seja drasticamente alterado pelo fato da cidade receber uma população flutuante. Neste
aspecto, tornou-se necessário uma visão da descontinuidade da identidade cultural. O que
vivemos pode ser entendido como: “[...] um complexo de processos e forças de mudanças,
que, por conveniência, pode ser sintetizado sob o termo ‘globalização’”
19
, ou seja, uma
aproximação das situações, das pessoas e das transições. O mundo tornou-se mais próximo, os
meios de comunicação e transporte fizeram com que fronteiras se encurtassem.
17
Uma cópia de todo o material referente às entrevistas será doado para o Centro de Memória da
FUNEDI/UEMG.
18
CORGOZINHO, 2003, p.36.
19
HALL, 2004, p.67.
22
A busca por caminhos para os desafios da urbanização/modernização de Nova
Serrana e a compreensão sobre sua transformação rápida, é ao mesmo tempo a apresentação
de idéias para uma melhoria de vida de seus habitantes. Uma das intenções é transformar
parte das informações contidas nessa pesquisa em cartilhas a serem distribuídas aos alunos de
escolas públicas de Nova Serrana.
Outra ferramenta metodológica utilizada nessa pesquisa foi a análise comparativa,
onde exemplos de outras localidades e a definição dos marcos do desenvolvimento se
tornaram importantes para entender o rápido crescimento da cidade. Em se tratando de um
estudo sobre as cidades, a proposta “transdisciplinar deve-se abrir novas vias nos caminhos da
memória e da cidade”.20 As barreiras das metodologias tradicionais devem ser transpostas e
uma rede de conhecimento é aberta para ampliar o número de informações que vão se
somando, ao longo deste movimento: idéias, conclusões e iniciativas vão se abrindo.
Com relação à estrutura da dissertação, no primeiro capítulo será apresentado um
breve histórico da cidade de Nova Serrana desde os tempos do arraial até o rápido
crescimento dos dias atuais, com o título “Os caminhos da cidade: o arraial que virou capital
do calçado”. Tratará do surgimento da cidade e do processo histórico-cultural influenciado
pela indústria e pela migração, os desafios da indústria calçadista, relativos à organização do
espaço urbano, melhoria na produção econômica e uma análise comparativa sobre o
desenvolvimento das cidades no Brasil e no mundo diante desta realidade. É uma visão geral
do que é a cidade de Nova Serrana, seus movimentos culturais e sua localização no contexto
da contemporaneidade.
No segundo capítulo intitulado, “Nova Serrana: Cultura, tradições e contradições
de uma cidade que cresce”, buscará contemplar questões como: o termo “Culturas” no plural
indicando a diversidade cultural que compõe a cidade e suas tradições contemporâneas; o
processo da migração, as implicações desse movimento para identidade cultural local; os
encontros e desafios enfrentados pelos migrantes bem como o problema do desenraizamento.
No terceiro capítulo propõe fazer um “Estudo de caso: Paróquia de São
Sebastião”, uma construção do início do século XX que deu lugar a uma outra maior e
moderna: as questões que envolvem a mineiridade e o catolicismo, religião e religiosidade e a
cultura popular no estado de Minas Gerais; a partir desta análise será apresentado um breve
relato da vida religiosa do Arraial do “Cercado” até a cidade de Nova Serrana (1909-1970);
20
DOMINGUES, Ivan. Anotações - Seminário FUNEDI/UEMG, 24/06/2006.
23
por fim, o processo de construção da nova Igreja Matriz de São Sebastião que terminou em
1994.
A maioria das pessoas que chegam à cidade seja para morarem ou porque ficaram
muito tempo afastadas dela, ficam perplexas diante do crescimento e das inúmeras mudanças
que ocorrem constantemente, principalmente no que se refere á urbanização. A necessidade
de criar laços para com a cidade, uma vez que muitas pessoas construíram algo, mas não
nasceram neste lugar, criam uma nova geração de neo serranenses que são os filhos e netos, e
estes necessitam e necessitarão de uma história, de um registro, enfim, de identidades, o que a
presente dissertação tenta complementar.
CAPÍTULO I
Os Caminhos da Cidade: o arraial que
virou capital do calçado
25
1- O arraial do Cercado: história, memória e cultura
Localizada na região do alto São Francisco, Centro Oeste de Minas Gerais,
Nova Serrana localiza-se na região que outrora correspondia aos sertões da Capitania de
Minas Gerais. A busca do ouro, intimamente ligada a importantes Vilas do período colonial
como Ouro Preto, Diamantina, Sabará, São João Del Rei, Pitangui, dentre outras, se
tornaram centros urbanos importantes. Nova Serrana (Cercado) pertencia ao Termo de
Pitangui21, e apesar de relativa proximidade a um dos mais importantes centros produtores
de ouro da capitania, o Cercado pertencia aos “Sertões22 das Minas Gerais”, ou seja, terras
cuja importância residia em abastecer os centros urbanos mais salientes com víveres e
outros gêneros. O conceito de sertão expressa a cultura do Cercado:
Sertão foi um termo bastante empregado ao longo dos mais de três séculos de
colonização portuguesa na América, dada as vastidões territoriais que
compunham os domínios de Sua Majestade nestas terras. Aliás, sertão é um
conceito que possui conotações simbólicas tanto quanto geográficas. O sertão
era um “lugar” situado nas margens do mundo conhecido, da civilização, e nele
se projetava o imaginário maravilhoso que, desde tempos remotos, estava
associado à regiões desabitadas e ignotas.23
O sertão correspondia ao imenso e inóspito interior da América portuguesa,
lugar de animais ferozes, floresta densa e gentio bravo.
O sertão estava quase sempre associado à idéia de “barbárie”, rejeitando e se
opondo à “civilização” e seus códigos. Outra característica do sertão é a sua fluidez. Suas
fronteiras se alteravam à medida que o elemento civilizador o devassava e se estabelecia,
mas continuava a existir com todo o imaginário que o cercava, “deslocando-se em direção
às regiões que permaneciam fora da esfera do poder metropolitano”. Essas características
21
“No arraial de Sant’Ana ouvia a notícia de um ribeiro, que fornecia aos pedaços o ouro de suas areias; e
pedaços ele [Bueno] os viu em ornato das índias. Feitas as indagações, o ribeiro ficava ao norte, quatro
jornadas além do arraial. Esta nova deliberação de se compensar nesses mananciais foi a sua glória. Posto em
marcha, guiado pelos índios de Sant’Ana, quando foi-se aproximando ao ribeiro, as indígenas que se
banhavam pressentiram o tropel e, pensando ser traficantes, fugiram aterradas, deixando algumas crianças de
peito na margem. O rio tomou por isso o nome de Pintag-i, rio das crianças (1696). VASCONCELOS, 1999,
p.131.
22
Para alguns autores, etimologicamente a palavra sertão derivaria do latim desertus, por intermédio do latim
vulgar desertanu, que pode significar deserto, abandonado, inculto, selvagem, desabitado ou pouco habitado.
ROMEIRO, Adriana. Sertões. In: Dicionário Histórico das Minas Gerais: período colonial. p. 271.
23
CATÃO, 2007, p. 80.
26
conferiam as estas regiões um caráter insubordinado e conflituoso, constituindo assim um
universo regido por regras próprias e fluídas como o próprio sertão. A região do Cercado
era repleta de índios “bravos”, os Cataguases, como apontam os achados em cerâmica
(igaçabas24, panelas e/ou vasos) entre outros artefatos.25 A nação dos Cataguases ocupava
desde a região sul e Oeste de Minas e estavam entre o que mais aterrorizavam os primeiros
habitantes. Esta população indígena foi dividida em dois grupos: um que subiu o rio São
Francisco e outra que desceu o rio Paraíba. Félix Jaques se uniu aos índios Teremembés,
transpôs a Serra da Mantiqueira e entrou em guerra contra os catu-auá (gente boa) para
repelí-los para os sertões de Pium-i e do Tamaduá, “dando tempo a Lourenço Castanho, que
de propósito entrou em luta contra eles, desbaratou-os no lugar, por isso ficou chamado
Conquista, e deixou então livre e desembaraçada a entrada do Rio Grande e dos Campos
Gerais (1675)”.26 É por isso que em várias localidades desta região se encontra uma relação
muito grande com o termo “Conquista”, “Fazenda da Conquista”, “Ribeirão Conquista” e
outras nomeações referentes a este fato.
A maioria dos primeiros habitantes do oeste de Minas era paulista. Ao longo do
século XVII, foram várias as incursões dos paulistas em direção à região que hoje
corresponde às Minas Gerais, território que naquela época era chamado de Sertão dos
Cataguás. Em sua busca pela Serra de Sabarabuçu uma dessas expedições alcançou as
cabeceiras do Rio São Francisco na Serra da Canastra. No caminho de retorno a São Paulo,
o grupo estacionou por algum tempo em Pitangy [Pitangui], primeiro registro do local que
décadas mais tarde viria a ser o principal centro urbano do oeste da Minas Gerais. Em 1602,
outra expedição, liderada por Nicolau Barreto, penetrou os sertões seguindo as trilhas
deixadas pelo grupo anterior, atravessando o “o oeste das Gerais”, e chegando às Margens
do Rio Paracatu.27
Poucos anos antes da descoberta dos primeiros veios auríferos, intensificaram-se
as entradas perpetradas pelos paulistas à região das Minas Gerais, consolidando
o caminho que ligava São Paulo aos novos sertões, denominado pelos
bandeiristas caminho velho. Entre esses sertanistas paulistas, destacamos Mateus
24
NOVA SERRANA, Conselho do Patrimônio Cultural – Ficha de Registro nº 001D – 05/04/2006
NOVA SERRANA, Conselho do Patrimônio Cultural – Ficha de Registro nº 002D – 05/04/2006
26
VASCONCELOS, 1999, p.105.
27
CATÃO, 2007, pp. 82-83.
25
27
Leme, Bartolomeu Bueno da Silva (Anhanguera), Manoel de Borba Gato,
Domingues Rodrigues do Prado e João Leite Ortiz, que alem de percorrerem o
“oeste mineiro”, estabeleceram na região as primeiras fazendas, no vale entre os
Rios Paraopeba e Pará, que à época era chamado Rio Pitangui.28
A descoberta do ouro na região das Minas Gerais desencadeou o deslocamento
de um fabuloso contingente populacional em direção àqueles sertões. Foi a maior corrida
do ouro da História da humanidade. Num curtíssimo período de tempo, a região das Minas
já estava povoada por dezenas de milhares de homens, todos em busca do enriquecimento a
partir da exploração do ouro. Já nos primeiros anos dos setecentos, os paulistas dividiam as
catas auríferas com os emboabas (grupo constituído pelos reinóis e colonos de outras
regiões que não São Paulo) acompanhados de seus cativos negros ou índios, sendo este
último grupo a maioria da população daqueles sertões já na primeira década do século
XVIII.29 Em 1711, era publicada em Lisboa a primeira obra a mencionar notícias acerca das
Minas Gerais. O autor, André João Antonil, padre da Companhia de Jesus, traça um quadro
dos primeiros habitantes das Minas:
Cada ano vêm nas frotas quantidade de portugueses e de estrangeiros, para
passarem às minas [...]. A mistura é de toda a condição de pessoas: homens e
mulheres, moços e velhos, pobres e ricos, nobres e plebeus, seculares e clérigos,
e religiosos de diversos institutos, muitos dos quais não têm no Brasil convento
nem casa.30
Com o transcorrer dos anos, à medida que se consolidava a colonização,
assentava-se a população no campo e nos centros urbanos. Esse quadro nos fornece um
interessante paralelo quanto a realidade de Nova Serrana nos nossos dias, onde um imenso
contingente de trabalhadores portadores de diferentes culturas, oriundos de diversas regiões
do país afluem em busca não mais do ouro, mas do emprego.
Os primeiros tempos das Minas Gerais foi marcado por um confronto de amplas
proporções, denominado Guerra dos Emboabas, cujo desfecho marcou profundamente os
destinos dos sertões à oeste das Minas Gerais. Esse episódio se deu por conta da rivalidade
28
Idem, p. 82.
Idem, p. 85.
30
ANTONIL.Cultura e Opulência do Brasil, p.167.
29
28
crescente entre paulistas e os emboabas31, por conta da posse dos principais veios auríferos
e controle dos cargos políticos nos primeiros anos de colonização das Minas (1707-1709).
Os paulistas, os descobridores das primeiras catas auríferas, foram os perdedores no
confronto com os emboabas, e se viram obrigados a desocupar os principais centros
mineradores localizados na região central da capitania, vindo a ocupar os sertões do oeste
mineiro.32
Segundo Afonso de Taunay, um dos pioneiros no estudo das Entradas e
Bandeiras dos séculos XVI-XVIII, para os paulistas:
A borda do campo era a borda do sertão, do deserto ignoto e do mistério
profundo, o primeiro marco da História do Brasil. E como aos paulistas caberia
recuar o país pelo continente a dentro, por milhares e milhares de quilômetros, o
destino como lhes apontava a marca para o Oeste ...33
Para além da exaltação dos feitos paulistas, numa análise ufanista, Taunay
explicita a sina dos paulistas em sua busca incessante pelo novo, pelos sertões, pelo oeste...
Após a Guerra dos Emboabas os paulistas se lançam rumo à oeste, demandando espaços
onde eles paulistas seriam sempre os soberanos, os sertões incógnitos.34 Como se pode
compreender, Nova serrana e toda a região Oeste de Minas Gerais tem suas origens
culturais fortemente marcadas pela presença e cultura paulista.
A maior parte dos sertões a Oeste das Minas Gerais foi uma região tomada pelas
matas fechadas e desconhecidas, apinhadas de quilombos, bandoleiros, vadios e
gentio bravo, que buscavam refúgio nas imensidões desconhecidas e
despovoadas, e por isso distantes do controle da administração metropolitana. A
vasta área a oeste do Rio Pará [até a década de 1720 era chamado Pitangui] eram
desconhecidas. Todas essas preciosas informações acerca dos primeiros
movimentos de ocupação do oeste das Minas Gerais estão dispostos num
conjunto de mapas de autoria de sertanistas paulistas denominados Cartas
Sertanistas.35 Durante praticamente todo o século XVIII havia apenas dois
núcleos urbanos de maior expressividade: a Vila de Pitangui.36
31
Para os paulistas, todos os que não o eram foram designados como emboabas no contexto da descoberta do
ouro nas Minas Gerais.
32
CATÃO, 2007, p. 86.
33
TAUNAY, Afonso. Na Era das Bandeiras. p.9
34
CATÃO, 2007, p. 86.
35
A maior parte dos referidos mapas estão reproduzidos e comentados em: 35 COSTA, Antônio Gilberto.
Conjunto das Cartas Sertanistas.. In: Os Caminhos do Ouro e a Estrada Real. pp. 57-63.
36
CATÃO, 2007, p. 87.
29
Mais tarde, em meados do século XVIII a região do Cercado foi tomada por
escravos fugitivos (quilombolas). Existiram vários quilombos na região em que hoje se
localiza Nova serrana e sua vizinhança, como o Quilombo da Saúde, chamado também de
Quilombo do Lambari, ou ainda, Quilombo dos Coqueiros. “Estes núcleos de escravos
fugitivos situavam-se, aproximadamente, onde hoje abrange as regiões de Cana do Reino e
Engenho, e chegava até a Cachoeira ou Fazenda dos Crioulos. (..) Não há registro explícito
sobre o fim desses quilombos no território de Nova Serrana nem tampouco sobre os seus
autores.”
37
Eis um dos relatos, que atestam a existência destes Quilombos na região de
Nova Serrana.
Em 1809, por ocasião do falecimento de Laurinda Maria Clara, a segunda das
três esposas de José Correia de Melo, no seu inventário de partilha constavam
terras situadas no Mato Dentro e na Barra do Macuco. A fazenda Mato Dentro
era assim descrita: ‘...Huma Fazenda de Agricultura e Campos denominada
matto dentro que parte com o Quilombo com Domingos da Costa ou seos
erdeiros e com Manoel Antônio Teixeira e com a Boa Vista com suas casas de
vivendas cobertas de telhas que sendo vistas e examinadas por elles
avaliadores...’.38
Esse Quilombo tomava terras dos atuais municípios de Leandro Ferreira,
39
Conceição do Pará e Nova Serrana.
Mais tarde havia, na região, fazendas destinadas à agricultura e com o trabalho
escravo largamente explorado na cultura de algodão, mandioca, fumo e cana de açúcar,
bem como nos engenhos de açúcar e nas fábricas de polvilho e de farinha de mandioca.40
Da mesma forma que se encontram ruínas de fazendas de engenho e senzalas, no distrito de
Boa Vista de Minas.
O “Cercado” localizava-se no caminho que ligava São Paulo, na direção das
regiões auríferas do Centro de Minas Gerais e às Minas de Goiás. O “Cercado” foi um
ponto de pousada de viajantes, percorrendo estradas no contrabando de ouro. Como no
lugar existia um cercado para a guarda de animais dos viajantes, o povoado ficou conhecido
com o nome de “Cercado”. “Á época dos primeiros descobertos auríferos nas Minas Gerais,
37
FREITAS & FONSECA, 2002, p.15.
Arquivo Judiciário de Pitangui, XXII, 1760.
39
FREITAS & FONSECA, 2002, p.15.
40
Algumas destas atividades ainda são desenvolvidas no município de Nova Serrana. Sobre o registro das
fazendas de Engenho, se comprovam pelas ruínas existentes. Arquivo Fotográfico Municipal – Fazenda de
Engenho – Distrito de Boa Vista de Minas.
38
30
o vale do Rio São Francisco se achava povoado e repleto de ‘currais’, denominação das
fazendas dedicadas à criação de gado, dentre as quais muitas pertencentes à Companhia de
Jesus”,41 ao longo das trilhas abertas, surgiram as primeiras hospedarias, fazendas e
povoados. Nesta época “núcleos começam a pontilhar-se pela região [das Minas], e muito
rapidamente se multiplicaram, praticamente por quantas ‘catas’ ou minerações que se
instalavam”.42
Após a abertura de novos caminhos que ligassem o sul da capitania de Minas às
minas de Pitangui e Paracatu, “que se deu a fundação da Fazenda Barra Grande do
Cercado, embrião do Distrito do ‘Cercado’, criada em 1869.”43 O progresso do arraial não
foi incentivado pelas lavras de ouro e sim pela cultura do algodão e criação de gado,
portanto, produtor e fornecedor de couro, incrementada em grande parte por três famílias de
portugueses que aqui se radicaram: os “Pinto da Fonseca”, ”Rodrigues de Carvalho” e os
“Soares Silva”.44 Mais tarde a região foi denominada como Distrito de “Cercado de
Pitangui”. 45 Os ranchos desempenhavam um papel importante à beira das estradas e eram
importantes na economia das regiões transitadas por tropeiros e viandantes. Eram nesses
lugares que as tropas abasteciam para seguirem viagem, compravam milho para as mulas,
se alimentavam e descansavam nessas paradas. Era nesses arredores que se encontrava
também a venda, um comércio que abastecia os moradores da região. Por ali se
encontravam diversas mercadorias como “a cachaça, o sal, o açúcar, o feijão a carne seca,
até ferraduras, fumo em corda, armas de fogo, cabeças de alho e livro de missa.”
46
As
vendas eram espaços quase que mágicos e que duraram por longos períodos, em Nova
Serrana até no final da década de 1980 estas vendas eram parte da vida da comunidade,
onde se podia comprar na caderneta, os cereais se encontravam à granel colocados em
sacos, tudo se misturava, tanto as mercadorias como os cheiros de cada uma delas. Era
necessária uma boa procura para encontrar o que se queria comprar, isso ocorria nas vendas
do Valdeci e do Veli do Tatico, ou na venda do Zé Picolé em Divinópolis, “com seu boneco
41
CATÃO, 2006, p.05.
ALBINO, 2006, p.18.
43
FREITAS, 2006, p.3.
44
FREITAS & FONSECA, 2002, p.17.
45
Lei 1622 de 05 de novembro de 1869. Toponímia de Minas Gerais, 1997.
46
FRIEIRO, 1982, p.101.
42
31
de madeira com colares de lingüiça e balas, onde até os doces de leite na palha de milho se
acomodavam dentro de botinas, as vendas eram mágicas, esotéricas e cheias de surpresas”.
Outro fator importante para a formação do povoado do “Cercado” foi o conserto
de selas, que com o trabalho com o couro iniciou-se o artesanato para o conserto e
fabricação de calçado. Legítimos e pioneiros possuidores do solo “cercadense” foram, sem
dúvida, os valentes construtores das vias que permitiram o acesso aos sertões bravios,47 e
que a duras penas, levantaram seus primeiros ranchos, produziram e povoaram o lugar. Os
primeiros artesãos do couro apareceram na região após a segunda geração dos primeiros
povoadores. Nesta época, quase todas as pessoas andavam descalço, o que ocorreu até
mesmo nos primeiros tempos da emancipação de Nova Serrana. Um Senhor chamado João
Soares Vieira, iniciou o ramo de sapataria fabricando botas. Comprou uma ‘banca’
completa: uma mesa, sovela48, torquês, martelo, avental, lamparina, etc... Existiu um outro
sapateiro, morador do Cercado, por volta de 1844, chamado Antonio Ferreira de Carvalho.
Foi ele o responsável pela confecção de botas durante muitos anos. O sapateiro Antonio era
também seleiro e, ao que tudo indica era um escultor, pois cabia a ele confeccionar as
formas de madeira adequadas para os pés do cliente. Jacinto Martins Vieira, que era seu
cliente, usava a bota chamada, na época, “cano canhão”, com o cano comprido, terminando
próximo aos joelhos com uma dobra para o exterior (...). 49 A Fabricação de botas continuou
por muito tempo, até a chegada da confecção de sapatos.
Numa distância de oito quilômetros da sede até o Distrito da Estação do
Cercado, passava o trem. “Seu apito que ecoava ao longe, de tempos em tempos, alegrava o
cercadense, fazendo-o crer que o progresso chegaria rápido”.50 A estrada de ferro que vinha
de São João Del-Rei até Divinópolis, seguia seu curso passando por São Gonçalo do Pará,
Cercado, Pitangui e Bom Despacho, “a inauguração do trecho até São João Del-Rei com
100 km de extensão, ocorreu em 28 de agosto de 1881, com a presença do imperador D.
47
A etimologia da palavra sertão permanece desconhecida. Para alguns autores, o sertão derivaria do latim
desertus, por intermédio do latim vulgar desertanu, que pode significar deserto, abandonado, inculto,
selvagem, desabitado ou pouco habitado. ROMEIRO, Adriana. Sertões. In: Dicionário Histórico das Minas
Gerais: período colonial. p.271.
48
Instrumento utilizado para furar os cortes e fazer a costura na fabricação de calçados.
49
FREITAS & FONSECA, 2002, p.221.
50
FREITAS & FONSECA, 2002, p.221.
32
Pedro II”.51 Por obra da empresa privada Estrada de Ferro Oeste de Minas (EFOM), a
extensão da ferrovia começou a passar pelo Cercado em 01 de fevereiro de 1894. Os trilhos
levavam muitas pessoas para fazerem suas compras, ou no sentido contrário, vender a
produção de sapatos52. CORGOZINHO intitula esse como “o trem do sertão” 53. O Arraial
do Cercado era abastecido através da Estação do Cercado, que trazia produtos como açúcar,
querosene e demais utensílios industrializados. Era também a porta de saída de
mercadorias, como era o caso da produção de algodão do fazendeiro Cipinho.54 A partir de
1940, “o apito [do trem] não mais foi ouvido”,55.
FIGURA 04 – FREITAS, 2006. Maquete do Arraial do Cercado em 1930 – Fonte: Jornal News Serrana
A cultura calçadista tem suas origens nesses tempos, muito antes da instalação
das primeiras indústrias. O movimento das sapatarias tinha suas raízes numa rêmora
51
CORGOZINHO, 2003, p.60.
VIANA, Benedito. Exclusiva. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva em 30 de
janeiro de 2007.
53
CORGOZINHO, 2003, p.60.
54
AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.
55
FREITAS & FONSECA, 2002, p.222.
52
33
tradição local relativa ao artesanato de couro. O início, a primeira iniciativa quanto à
produção de calçados foi marcada por dificuldades e quase não sobreviveu, como bem
descreve José Américo de Lacerda Júnior:
Após o ano de 1930, quando o Brasil passou por uma forte crise na sua
agricultura, também o Cercado sentiu as dores. Se já era uma região pobre,
tornou-se ainda mais. Foi nessa situação que surgiram alguns poucos
manufatureiros de couro. Fabricavam botinas, chinelas alpercatas (o povo da
região dizia: precatas), arreios e, às vezes sapatos. Era tudo artesanal, desde o
processo de curtição do couro até o feitio do calçado. Cada par de calçado era
feito sob a medida do pé do comprador. Nesse tempo, ainda não se conheciam as
formas para calçados. Segundo informações dos mais antigos, esse foi um tempo
difícil no Cercado, muito trabalho, pouco dinheiro e o povo sofrendo muito.56
As sapatarias registradas começaram a existir por volta de 1941. Quando o
Senhor “Geny José Ferreira teve como mestre, Venerando Viana, exímio sapateiro e
proprietário da sapataria Vitória, em Bom Despacho”, onde fazia botinas para a polícia.
Uma vez que não podia mais ficar no povoado do Cercado, devido alguns conflitos com a
família ele foi para Bom Despacho tentar a uma vida melhor. “A produção inicial da
Sapataria de Geny, registrada com o nome de Fábrica de Calçados Oeste, era pequena
fabricava cerca de vinte pares de botinas por dia, de forma muito artesanal (...)”
57
Antes
fazia tudo à mão, depois comprou uma máquina, mas ainda usava pregos e grude para
fabricar suas botinas.58 Este contato trazia a primeira indústria de calçados para o município
e deixava outros sapateiros importantes para a cidade, com o José Pinto Firmino
(‘Pintinho’), José Silva Almeida (‘Zezito’), Valdomiro Amaral (‘Miro’), Alvimar Coelho,
Sebastião Fábio (‘Pedro Rosa’) e Romeu Coelho.59 Fazer sapato não era muito fácil,
mesmo tendo curtumes na localidade era necessário comprar materiais em Belo Horizonte,
faltava luz elétrica, tudo era artesanal, pregado à mão com tachinha, “ia pregando, aparando
e dando acabamento, modelando a botina”60, lixava a botina com cacos de vidros e
queimava as pontas das linhas na lamparina.
56
LACERDA JÚNIOR, 1984, p.23.
FREITAS & FONSECA, 2002, p.221.
58
FERREIRA, Geny José: inédito. Divinópolis, 2005. Entrevista concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo –
Depto. De História da UFMG – Centro de Memória do Calçado – Nova Serrana – MG.
59
ALMEIDA, 1996, p.17.
60
FIRMINO, José Pinto. Inédito. Nova Serrana, 2005. Entrevista concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo –
Depto. De História da UFMG – Centro de Memória do Calçado – Nova Serrana – MG.
57
34
O senhor Igerci Ferreira da Silva, irmão do senhor Geny, também montou uma
sapataria e uma loja onde fabricava e vendia seus produtos. Teve mais sucesso e
permaneceu mais tempo na atividade e na cidade. Mais tarde foi para Divinópolis, onde
criou o Curtume CICA, mais tarde denominado Curtidora União Ltda.61 O senhor Igerci
ampliou o sistema de vendas, nas muitas das vezes o produto era levado por ele mesmo aos
compradores, mas já mantiam os primeiros contados com representantes de vendas. O
sistema de transporte era precário e basicamente o único na época, as botinas produzidas
eram levadas para outras cidades em lombos de cavalos e embalados em sacos de
linhagem.62 O Sr. João José de Freitas, conhecido como o João do André, era um destes
vendedores que atendia a região de Conceição do Pará, levava consigo uma tira de papel
para medir os pés do cliente e no mês seguinte voltava entregando as encomendas.
Todo esse crescimento das primeiras manufaturas de calçados coincidia com a
emancipação política de Nova Serrana. As primeiras indústrias surgiram com
características estritamente domésticas, onde a própria família assumia todo o serviço. O
couro era produzido no município e mais tarde era necessário buscar insumos em Belo
Horizonte. As fábricas, em sua simplicidade, produziam pequenas quantidades de calçados
e que atendiam apenas ao mercado da região de Minas Gerais.
Outro precursor da indústria calçadista em Nova Serrana foi o Sr. Horácio
Navarro, que trouxe as primeiras máquinas de costura para o município, a partir de então, o
distrito do Cercado iniciava uma nova era, a do desenvolvimento calçadista. Este
protagonismo deixou dois seguidores e, posteriormente, grandes empresários: Alexandre
José Ferreira Neto (‘Santico’) e Joaquim Pinto Firmino (‘Pintão’). Essas primeiras
sapatarias contaram com um suporte de matérias-primas provenientes do próprio
município, pois havia na região pequeno curtume como o do João do Sinhô63, o que exigia
pouca importação de outros materiais. Era a época da botina confeccionada em couro e
somente após a emancipação político-administrativa do Município e com a implantação de
61
ALMEIDA, 1996, p.18.
ALMEIDA, 1996, p.17.
63
AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.
62
35
estruturas adequadas para a industrialização é que essa atividade soergueu-se64 e atendeu as
necessidades da indústria local por um período que foi aos poucos sendo substituída pela
fabricação de sapatos e de botas masculinas.
No ano de 1954, o Distrito foi elevado à categoria de cidade65, tendo a
instalação ocorrida em 01 de janeiro de 1954, nas dependências do Grupo Escolar Major
Agenor, com participação popular e com a presença de autoridades como Pedro Martins do
Espírito Santo - Juiz de Paz, Dr. Paulo Campos Guimarães - deputado estadual, Antero
Rocha - Prefeito Municipal de Pitangui, Dr. Sebastião Guimarães - Prefeito Municipal de
Divinópolis, Dr. Gumercindo Gomes Guimarães - advogado em Pitangui e o Pe. Antonio
Pontelo - Pároco de Pitangui.66 Esse foi sem dúvida um importante marco para o
desenvolvimento da cidade, fruto da ação das forças políticas locais, muitas das quais
ligadas aos pioneiros da produção de calçados. O nome da cidade que nascia: Nova Serrana
é uma homenagem à cidade de Pitangui, antes conhecida na região como Velha Serrana.
Curiosa alusão, uma vez que nos dias atuais, Pitangui não possui mais a importância
política e econômica do período colonial, e em contrapartida Nova Serrana é uma das
cidades que mais cresce no Estado.67
Percebe-se que o início da instalação do município a estabilidade política
também se encontrava um tanto conturbada e até mesmo sem estruturas para se manter.
Segundo os dados do Recenseamento Geral de 1950, a população local era de 5.286
habitantes e as estimativas do Departamento Estadual de Estatísticas de Minas Gerais
apresentam 5.630 pessoas como sua provável população e uma densidade demográfica de
64
FREITAS & FONSECA, 2002. – NAVARRO, Horácio. Inédito. Belo Horizonte, 2005. Entrevista
concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo – Depto. De História da UFMG – Centro de Memória do Calçado.
65
NOVA SERRANA, Lei Nº 1039, de 12 de dezembro de 1953.
66
NOVA SERRANA, CÂMARA MUNICIPAL - Livro de Atas de emancipação do Município de Nova
Serrana e posse dos prefeitos – pg 01 – 01/01/1954.
67
O início da administração deveria ocorrer a partir de 1º de janeiro de 1954, e para gerir provisoriamente a
nova cidade até as eleições, foi nomeado pelo Governador do Estado, o funcionário público Geraldo Magela
Pereira, que cuidou de organizar as bases para o futuro prefeito. Comprou móveis e máquinas; encampou
todas as escolas rurais; elaborou o Código de Postura Tributária e demais regulamentos municipais. No final
de 1954, foram eleitos, Dr. Rafael Costa Cruz Filgueira e o vice-prefeito Dimas Guimarães. Devido às
dificuldades de presença constante no município e o afastamento superior a quinze dias, Dr. Rafael teve seu
mandato cassado e substituído pelo vice Sr. Dimas Guimarães, que renunciou o cargo em 09 de julho de 1957.
CÂMARA MUNICIPAL DE NOVA SERRANA. Termo de entrega do Cargo, 26 de março de 1958.
36
19 habitantes por quilometro quadrado.68 Dona Geralda alerta sobre as dificuldades da
época, que uma vez que a população era pequena, consequentemente a arrecadação também
era o que comprometia o desenvolvimento do município.69
Após a emancipação política a vida começava a mudar, ainda que timidamente.
Com o crescimento urbano e populacional mudaram-se também os hábitos, as estratégias
políticas, as conquistas de infra-estrutura e a forma de se ver a cidade. Em pouco tempo a
população perceberia que Nova Serrana não era mais um arraial. No próximo sub item
abordaremos e analisaremos o crescimento da cidade a partir de diferentes lugares.
68
IBGE – Enciclopédia dos municípios brasileiros, vol. XXVI, 1959. Censo de 31/12/1955.
AMARAL, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura,
29/10/2007.
69
37
2- O arraial se transforma em pólo industrial: dilemas de uma cidade em
crescimento
O crescimento populacional, urbano e econômico da cidade de Nova Serrana é
um fato, crescimento esse alavancado pela indústria calçadista. Entretanto, o ritmo do
crescimento mais acelerado está localizado nas três últimas décadas do século XX, com
ênfase para as décadas de 1980 e 1990.
TABELA II – População Nova Serrana – 283,10km2
Ano
População
Densidade
ha./km2
Crescimento em %
1940
5.623
19,86
-
-
1950
5.286
18,67
5,98
0,598
1960
5.426
19,16
2,65
0,265
1970
6.577
23,23
21,20
2,12
1980
9.275
32,76
41,10
4,11
1991
17.913
63,27
93,13
8,46
1996
27.507
97,16
53,56
10,71
2000
37.447
132,27
36,14
9,03
2007
60.220
212,71
60,81
8,68
FIGURA 05 - Fonte: IBGE
38
TABELA III – Comparativo Inter-censos IBGE
POPULAÇÃO
Bom
Leandro
Despacho
Ferreira
-
16.257
4.350
2.773
5.623
-
1950
-
25.863
-
-
5.286
-
1960
-
23.910
4.370
4.169
5.426
-
1970
-
27.825
4.365
4.358
6.577
-
1980
-
29.391
2.771
5.096
9.275
-
1991
-
33.330
2.928
5.505
17.913
-
1996
-
37.669
3.071
5.887
27.507
-
2000
6.217
39.943
3.227
6.513
37.447
5.707
2007
7.203
42.215
2.955
6.746
60.220
7.318
Ano
Araújos
1940
FIGURA 06 - Fonte: IBGE
Moema
Nova
Serrana
Perdigão
39
40
Além da cultura da produção de calçados, podemos destacar quatro pontos
significativos e responsáveis pela instalação do pólo industrial calçadista em Nova Serrana.
O primeiro desses marcos no desenvolvimento da cidade foi a instalação da energia elétrica
da CEMIG, o que se deu em 1968. É depois dessa data que a produção de calçados ganha
expressividade. (Ver Tabela IV)
TABELA IV - Produção
INDÚSTRIA MANUFATUREIRA E FABRIL – NOVA SERRANA
Ano
Nº de fábricas
Produção pares/dia
Empregos
1940
1
10
02
1950*
9
-
19
1972
48
-
-
1985
400
-
-
1998
476
-
-
2000
984
330 mil
30 mil diretos
FIGURA 08 - Fontes: RAIS - Relação Anual de Informações Sociais - * Fonte: IBGE
Nos tempos do Cercado o pequeno arraial enfrentou a dificuldade de não ter luz
elétrica, como descreve o Padre Antonio Pontelo, vigário da Paróquia de São Sebastião, no
período de 1952 a 1956: “Apenas devo lamentar, e também os parochianos todos
lamentaram, ter passado um escuro este fim de ano. A inauguração da luz electrica,
marcada para antes do Natal, ainda não se fez. Esperamos não demore este melhoramento,
motivo de alegria e fonte de utilidade para a Villa do Cercado”. 70 A fábrica de polvilho do
Cipinho era mantida por gerador colocado no final do “rego” d’água, que cortava a cidade,
o excedente da energia era distribuído para iluminar a cidade, mas não dava mesmo para
alimentar um rádio.71
70
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 01, p.78.
AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.
71
41
Antes da instalação da CEMIG, a energia elétrica que abastecia a cidade vinha
de Cardosos (município de Conceição do Pará) gerada pela Usina Bento Lopes, fornecida
pela Companhia de Tecelagem Pitanguiense, importante salientar que era fornecido o que
sobrava do consumo da companhia de tecelagem, quando chegava a época da seca, não
restava praticamente nada e ainda havia os defeitos nas linhas de transmissão, que
comprometia o fornecimento, chegava a faltar durante uma semana inteira.72 E como visto
era sempre um problema, porque era fraca e não conseguia atender a demanda. Frei
Anselmo relata esta questão quando diz: “como todos os anos festejamos este mês dedicado
a Nossa Senhora com orações e coroação. Porém a falta de luz fez com que foi
relativamente menos freqüentado [...] Infelizmente continuamos na mesma miséria e não
conseguimos aumentar a assistência às Santas Missas e mês de junho. Tanto frio, falta de
luz e desânimo, são razões para a frieza espiritual”.73 Com a instalação da rede elétrica pela
CEMIG, esse quadro não se repetiria, e não apenas um rádio, mas toda uma crescente
demanda industrial teve seus anseios atendidos.
Segundo Frei Ambrósio, a implantação e inauguração do novo sistema elétrico
da Companhia Energética de Minas Gerais (CEMIG), foi “um grande passo para o
desenvolvimento da cidade. Agora as máquinas das sapatarias podem trabalhar a valer”.74
Também datam desta época a instalação dos primeiros aparelhos telefônicos da CTBC,
assim como a criação da Biblioteca Pública Municipal “Aurélio Camilo”, importante marco
cultural para o desenvolvimento da cidade.75 Estes avanços foram acompanhados pelo
crescimento da indústria e da modernização da infra-estrutura da cidade. Dentre os avanços
desta época, a implantação do sistema elétrico da CEMIG foi um marco muito importante
porque através desta melhoria as palavras de frei Ambrósio foram proféticas, as fábricas de
calçados se multiplicaram.
72
ALMEIDA, 1996, p.19.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 02, p.10. Frei Anselmo se refere às festividades do mês de
maio e junho de 1964. Percebe-se aí, certa dificuldade para organizar a escrita, uma vez que Frei Anselmo é
holandês e ainda não se adaptou com a língua portuguesa.
74
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 02, p.27v.
75
Marcou também o mandato do Sr. Benjamim Martins a instalação do Posto de Saúde; aquisição de um
trator; abertura de novas ruas; construção de um cemitério em Ripas; instalação do serviço de abastecimento
de água em Boa Vista e Gamas; calçamento de ruas; compra de um caminhão;; aquisição de uma
motoniveladora; construção de uma escola em Novais e; eletrificação da comunidade de Boa Vista, como
aparecem nos arquivos da Prefeitura Municipal.
73
42
Também data do final da década de 1960 e início da década de 1970, a
construção dos grupos escolares nas comunidades de Ripas e Boa Vista, promoção de
melhorias na organização urbana com a nomeação, numeração e emplacamento das
residências e ruas. Também são desse período as primeiras iniciativas públicas quanto ao
saneamento básico.76
O segundo marco de relevância para o crescimento da cidade foi a chegada dos
freis holandeses da Ordem dos Carmelitas Descalços, que aconteceu em setembro de 1962,
quando chegaram Frei Ambrósio Heyjnen, Frei Tiago Montfortes e Frei Paulo Fonseca.77
“Eram pessoas de uma mentalidade nova, baseada em princípios europeus e que
incentivavam muito o desenvolvimento da cidade em vários planos: desde a educação, o
lazer, a cultura, a urbanização e até mesmo as relações políticas.”78 Sob um certo prisma, a
chegada dos padres alçou a pacata cidadezinha do interior de Minas a um novo patamar
cultural. Era ativa a participação dos clérigos na vida da cidade, e para alguns componentes
da comunidade, a chegada dos padres holandeses foi decisiva para o desenvolvimento do
comércio e da comunidade em geral.
76
Eleito para prefeito em 1958, Francisco Batista de Freitas assumiria o mandato de 1959 a 1962.76 Era
farmacêutico, conhecia vários problemas de saúde da população e em seu mandato deu ênfase à questão do
saneamento básico, com a construção das primeiras redes de esgoto e distribuição de água canalizada. Outras
obras que destacaram neste mandato foram: calçamento de ruas, construção de pontes, elaboração de uma
planta cadastral da cidade e implantação do sistema de limpeza urbana semanal.
77
Os frades carmelitas chegaram e se instalaram na cidade no dia 30/09/1962. Frei Paulo Fonseca, era irmão
do Sr. Fausto Pinto da Fonseca, filho do Sr. Pacífico Pinto da Fonseca, pessoas que contribuíram
significativamente para o crescimento da cidade através de doações e empreendimentos.
78
GUIMARAES, João. Inédito. Nova Serrana, 2005. Entrevista concedida pelos filhos do Sr. Dimas
Guimarães à Betânia Gonçalves Figueiredo – Arquivo Municipal – Depto. De Cultura – Centro de Memória
do Calçado.
43
FOTO 09 - Recepção dos padres carmelitas (Fr.Tiago, Fr.Paulo, D.Cristiano e Fr.Ambrósio) Rua Frei
Anselmo antiga Rua do Meio – 30 setembro de 1962. Foto: Arquivo Paroquial.
Os referidos padres incentivaram muitas mudanças na Paróquia de São
Sebastião79 construíram e coordenaram as atividades do Colégio São José, a primeira
Escola de qualidade de Nova Serrana, onde também eram professores. A instalação do
Colégio São José foi fundamental para a formação de mão-de-obra qualificada,
absolutamente essencial para a construção do pólo industrial calçadista. Mesmo diante de
uma elitização da comunidade escolar, o Colégio foi significativo na formação de uma
grande maioria de empresários constituídos durante as décadas posteriores. Incentivaram a
construção do Centro Social e a formação dos Grupos de Juventude.
Desde sua chegada em Nova Serrana, os frades carmelitas perceberam uma
desvalorização pela busca do conhecimento e descaso pelo estudo pela população local. As
escolas e mesmo a indústria, o comércio e o setor de serviço, enfrentam este problema uma
vez que toda a cidade vive em função da produção e pouco se faz pela formação. Falta
mão-de-obra qualificada80, as relações comerciais são prejudicadas por conta da
desvalorização da educação formal. Nesse movimento, segundo as exigências do
capitalismo em detrimento da cultura, as escolas têm que adaptarem seus calendários ao
79
80
Essa temática será discutida no capítulo 3.
SUZIGAN, 2005, pp.1-19.
44
processo industrial. Muitos cursos, mesmo os profissionalizantes são prejudicados devido a
este movimento da indústria. E como visto, isso gera um descompromisso com a vida
urbana e com a participação política, com a vida social e religiosa, dentre outros fatores.
O terceiro marco para o crescimento econômico, urbano e populacional da
cidade, foi a construção da BR-262, inaugurada em setembro de 1969. As dificuldades da
indústria calçadista eram muitas, faltavam materiais e as distâncias não permitiam muita
mobilidade. A estrada que ligava o povoado do Cercado a Belo Horizonte era precária,
gastava-se o dia todo para chegar à capital, e para ir até Divinópolis, passava-se por uma
estrada chegava a ter vinte e sete mata-burros durante todo o percurso, pois não existia a
BR-494. A “Jardineira”, como era chamado o ônibus, passava poucas vezes no mês e não
atendia as necessidades da população. Surgia neste período uma espécie de cooperativa,
criada por Dulce Amaral que recolhia os pedidos dos fabricantes locais e ia até Belo
Horizonte fazer as compras, o que facilitava o trabalho dos sapateiros, uma vez que não era
possível comprar grandes quantidades de materiais de uma só vez.
81
Antes do final da
década de 1760, além de telefones, o Município também não dispunha de bancos e
escritórios de contabilidade, os serviços eram feitos em Divinópolis, Bom Despacho ou
Pitangui. Da mesma forma, a água tratada era considerada “artigo de luxo” e na maioria
das vezes também faltava, porque o fornecimento através de poços artesianos dependia da
energia elétrica.82
O ano de 1968 foi um ano de bastante progresso para a cidade. Muitas ruas
foram abertas e calçadas. Até as estradas no interior melhoraram. O prefeito quer
mesmo mudar o aspecto da cidade e está com plano de construir a nova
prefeitura e rodoviária. (...) Neste ano multiplicaram-se as sapatarias, que por
afinal, são as únicas fontes de renda na cidade. A estrada BR-262 atraiu muitos
compradores de sapatos. Se houvesse mais capital livre a produção poderá tomar
um impulso muito maior. Desemprego não existe, até as crianças dão uma mão.
O apego ao dinheiro é grande, mas o desenvolvimento espiritual e social ainda
está no início. 83
Os avanços e o crescimento da cidade ganham novas dimensões com a
construção da rodovia federal, que segundo os planos iniciais passaria por outros
81
AMARAL, Meire. Exclusiva. Nova Serrana, 2005. Entrevista concedida a Reginaldo Silva – Dulce Amaral
foi a primeira mulher eleita para o cargo de vereadora em 1958.
82
ALMEIDA, 1996, 13.
83
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião – Volume II – 1962-1990. pg 25 – Texto de Frei Ambrósio.
45
municípios como Araújos, Perdigão e São Gonçalo do Pará em direção a Belo Horizonte, e
que por intervenções da população, o projeto foi alterado, e as cidades de Nova Serrana,
Pará de Minas é que receberam este benefício. Em 1969 foi inaugurada a BR-31, que mais
tarde passou a denominar BR-262. A construção da Rodovia pela empresa ETERJ, filial da
Construtora Andrade Gutierrez, que atraiu inúmeros trabalhadores e que mais tarde
acabaram por fixarem no município. Este pode ser considerado o maior ponto de referência
para o crescimento urbano, econômico e industrial de Nova Serrana. Assim como a
passagem da estrada de ferro pelo Arraial do Espírito Santo do Itapecerica foi a condição
necessária básica que impulsionou seu desenvolvimento no final do século XIX,84 a
Rodovia foi determinante para o crescimento urbano de Nova Serrana com o recebimento
de uma grande massa de trabalhadores, visitantes e comerciantes que passaram a chegar
cada vez mais em todos os anos subseqüentes.
A história dos caminhos, rodovias e ferrovias principalmente, estão muito
ligadas a história das cidades com as quais nasceram, se desenvolveram, estagnaram ou
mudaram seu ritmo de vida com o traçado dessas estradas. A história das penetrações da
colonização portuguesa está muito ligada à abertura e expansão de novos caminhos, sejam
terrestres ou fluviais, nos quais povos foram dizimados, escravizados, mercadorias foram
transportadas e saqueadas, ou povoados abastecidos com cereais, minerais preciosos,
armas, pólvoras, aguardente, ferramentas, roupas, produtos importados da Europa entre
outras tantas mercadorias. “O povoado à beira do caminho, com o cruzeiro, a capela, o
pelourinho, o rancho de tropas, a venda, o pouso, a oficina e as casas de pau-a-pique,
simbolizou durante longos tempos, a urbanização do centro-sul a América Portuguesa.”
85
São os caminhos levando ao desenvolvimento econômico e a transformação cultural.
O crescimento industrial se torna cada vez mais visível, apesar das dificuldades
em relação à aplicação de capital financeiro, como dito antes, os frades holandeses são os
grandes incentivadores deste progresso, quando dizem que “a nossa indústria também
cresceu embora lentamente. Na falta de reservas o que impede indústrias maiores. E por
causa do individualismo ainda não tomaram a iniciativa de fundar cooperativas que
84
85
CORGOZINHO, 2003, p.62.
SANTOS, Márcio apud ROMEIRO, 2003, p.61.
46
poderiam beneficiar muito. Mas a cidade tem futuro, especialmente por causa da estrada
BR-262. Vamos devagar, mas vamos.”
86
Os padres carmelitas foram grandes
incentivadores e exerceram sua influência junto aos políticos locais a fim de que a rodovia
passasse por Nova Serrana.
Os engenheiros que projetaram a estrada delinearam que não deveria cruzar
perímetros urbanos, que seu traçado passasse pelos acostados das cidades, o mais distante
possível, com exceção de Nova Serrana, cujo centro se encontrava a mais ou menos 400
metros de distância. A BR-262, na atualidade, se trata de perímetro urbano, nos horários de
pico, a estrada fica cheia de pessoas que vão para as fábricas ou para suas casas, “nesse ir e
vir turbulento que é a marca registrada das cidades de pólo industrial e comercial”.87 A
estrada atraiu um grande número de trabalhadores e progresso, ampliou o número de
fábricas, aumentou o comércio local, os estabelecimentos de diversão, clínicas e uma
variedade de atividades, como também se tornou rota de criminosos atraídos pelo
movimento financeiro da cidade.88 Em dezembro do mesmo ano foi instalado o posto do
Correio pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, tanto o prefeito municipal como
o representante da ECT, afirmaram em seus discursos a importância desta conquista e “os
benefícios que tal medida acarretou”
progresso para o município”
90
89
e ainda “Tal evento seja um motivo real de
A infra-estrutura necessária para a implantação das
indústrias de calçados vão surgindo à medida das necessidades dos moradores. As moradias
dos operários “eram simples e pequenas, em geral construídas em um pequeno terreno do
grupo familiar”.91
À medida que as indústrias se consolidavam e conquistavam os mercados
nacionais, era necessário um mínimo de organização e mobilização entre políticos e
86
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião – Vol. II - 1962-1990 – Frei Ambrósio.
ROCHA JÚNIOR, 2006, p.4.
88
ROCHA JÚNIOR, 2006, p.4.
89
CAMARA MUNICIPAL. Ata de Instalação do Posto do Correio de Nova Serrana – 08/12/1969 – Prefeito
Benjamim Martins, 1969.
90
CAMARA MUNICIPAL. Calimério de Souza Ferreira – representante da Regional dos Correios e
Telégrafos de Minas Gerais, 1969.
91
SANTOS, 2005, p.63.
87
47
empresários.92 Após a instalação da CTBC (1972) e do Banco Real S/A. (1974) e mais
tarde o Banco do Brasil S/A. Outro marco fundamental foi a criação da ACINS –
Associação Comercial e Industrial de Nova Serrana, sob a presidência do Sr. Tomaz
Aquino Freitas, que foi o precursor de tal projeto ao reunir outros empresários e propor um
trabalho mais coletivo, isto fortaleceu e promoveu mais respeito pela classe calçadista de
Nova Serrana. A partir deste projeto, foram implantados vários cursos de gerenciamento de
produção e de qualidade dos produtos.
Durante os governos dos prefeitos José Manoel Filho93 e José Maria da
Fonseca94, a cidade ganhava infra-estrutura, quando foram construídas escolas e implantado
o sistema de água tratada pela COPASA-MG (1981), calçamento de ruas, implantação do
sistema DDD e DDI, instalação da Caixa Econômica Federal, dentre outras obras.
O maior crescimento da cidade é registrado na década de 1980, quando a cidade
começa a se recuperar de uma crise financeira95 (Ver FIGURAS 04, 05, 06 e 09). Mas ao
mesmo tempo em que se pensava em crescimento urbano, a indústria passava pela maior
dificuldade econômica com a chegada do Plano Collor96, quando houve um grande número
de demissões e a indústria local se desestabilizou.
O quarto e último marco, talvez o mais significante para o crescimento da
cidade foi a divulgação na mídia. Constantemente realizavam propagandas em horários
nobres para diversas localidades do país, falando do pólo industrial nascente e que não
faltavam empregos, o que trazia cada vez mais, uma massa de pessoas para o trabalho e em
busca de melhores condições de vida. Vinham migrantes trabalhadores de diversas regiões
do Estado e de todo o Brasil, provocando uma aculturação na vida dos habitantes nativos no
município, consequentemente mudanças nas estruturas sociais e econômicas.97 Tornou-se aí
92
No período seguinte, Dr. Jacinto Moreira Filho, foi eleito pelo voto direto, administrou o município no ano
de 1971, poucos meses após a posse passou o cargo para o vice João Gonçalves do Amaral. A cada governo
que se instalava, se preocupava com o crescimento da cidade.
93
CAMARA MUNICIPAL. Ata de Posse – 02/02/1977 – mandato de 1977-1982.
94
Mandato de 1983-1988.
95
Implantação do Plano Cruzado em 28 de fevereiro de 1986, Plano Cruzado II em Plano Bresser em 1987;
Plano Verão em 1989. Sucessivos planos que fracassaram e desestabilizaram a economia, gerando
desempregos e altas taxas, o que afetou drasticamente as relações econômicas da cidade de Nova Serrana.
96
Não cabe aqui fazer uma análise dos planos econômicos brasileiros, apenas determinar o contexto histórico
nacional para avaliar melhor o crescimento da cidade.
97
O processo de migração e aculturação será tratado no capítulo II deste trabalho.
48
uma cidade de muitos “forasteiros”
98
em busca de melhorias para si mesmos e
automaticamente, pouco compromisso para com o lugar. Quem são estes forasteiros? Não é
aconselhável denominar como forasteiro, alguém que se mudou de uma região a outra, que
construiu uma vida inteira, família e constituiu um patrimônio. Estes, no entanto,
transformaram o lugar onde chegaram e contribuíram significativamente para o
desenvolvimento da região. O “forasteiro” por assim dizer, é aquele que passa pelo lugar e
apenas retira dele o que necessita, vai embora sem muito contribuir. São pessoas que
trabalham durante a semana na cidade e no sábado e domingo voltam para suas casas,
utilizam dos serviços da comunidade, mas não paga impostos e nem mesmo é contado
como população onde mora sua maior parte do mês. Isto é um dado significativo nos
serviços do IBGE, uma vez que a contagem da população determina valor de verbas
financeiras para a cidade.
98
O termo proposto não pode ser utilizado de forma generalizada para todos aqueles que chegam de outras
localidades, uma vez que nos remete idéia de pessoas que estão só de passagem pela cidade sem maiores
preocupações, nos remete também ao conceito de que todos aqueles que não foram nascidos na localidade não
teria compromisso com o lugar. O termo “forasteiros” está associado à idéia daquelas pessoas que vivem de
passagem, moram na região por um tempo, não conseguem dissociar da região de onde vieram e acabam por
usufruir de todos os serviços da cidade mas não transferem a documentação e acabam por voltar à suas terras,
sem participarem da vida da cidade.
49
3- Pé na tábua: nasce a capital mineira do calçado
A década de 1980 marca a entrada de nova Serrana no cenário industrial a nível
não apenas regional, mas nacional. Nesse período deu-se um leve crescimento no setor
agrícola, o que não chegou a representar uma ameaça à vocação econômica da cidade. O
crescimento acelerado da atividade industrial e comercial acelerou por sua vez o
crescimento populacional e urbano. No censo do IBGE de (2000) foi registrada uma
população urbana de 37.447 habitantes, enquanto que a população rural ficou em apenas
2.126 habitantes. Do total de 37.447 habitantes, o município contou 19.076 homens e
18.371 mulheres residentes. Mesmo a diminuta população considerada rural tem boa parte
de deus membros ligados de maneira intensa à vida urbana, muito dos quais trabalhando na
cidade e residindo apenas na zona rural. Outro dado interessante revelado pelo senso, 53%
da população de Nova Serrana ou seja, 19.871 pessoas tinha entre 9 e 29 anos, um
percentual considerado alto pelos especialistas. A cidade do calçado esportivo atraia e ainda
atrai, sobretudo, os jovens, em busca do “tão sonhado emprego”.99
Nem os mais otimistas poderiam imaginar que a tradição originada com a ação
pioneira de pequenas selarias mais tarde iria dar espaço a um total de 854 fábricas,
100
que
vão desde as de pequeno porte até mesmo as que atuam com tecnologias avançadas, o que
se contribui para uma produção média de 330 mil pares por dia, ou seja, 76 milhões de
pares ao ano.101
99
IBGE – Censo Demográfico 2000.
Relatório interno SINDINOVA, 2005. Sindicato das Indústrias de Calçados de Nova Serrana.
101
Idem.
100
50
Crescimento Populacional de Nova Serrana
70000
60000
50000
40000
30000
20000
10000
20
07
20
06
20
05
20
04
20
03
20
02
20
01
20
00
19
99
19
98
19
97
19
96
19
92
19
80
19
70
19
50
0
FIGURA 10 - Fonte: Plano Decenal Municipal de Educação
A partir da década de 1980, Nova Serrana teve de se adequar a uma nova
realidade. A cada dia, a cada mês, a cidade recebia um imenso número de novos moradores,
em sua maioria migrantes oriundos das mais diversas partes de Brasil102 atrás das
oportunidades de trabalho oferecidas pela cidade que crescia.
O processo de
industrialização também provocou outro fenômeno, uma vez que grande parte dos
trabalhadores de Nova Serrana não moram em Nova Serrana, mas nas cidades vizinhas,
incluindo representantes, vendedores e compradores, que ampliaram o turismo de negócios
e acabaram por alterar padrões sociais, comerciais e conseqüentemente os padrões
culturais. Esse processo, a migração em massa, não é nenhum evento novo na
contemporaneidade, pelo contrario, as migrações em massa são um fenômeno comum no
nosso tempo. Graças à globalização tudo está mais próximo, mais rápido e as fronteiras se
102
A cidade recebe também um grande número de migrantes que vêm para usufruir do comércio local, e que
acabam por escolher a cidade para residência fixa.
51
estreitam.103 Padrões culturais foram alterados com a chegada de tantas pessoas com visões
diferentes, com idéias diversas da população nativa. O choque de gerações, tão natural nos
processos culturais vão além do mundo contemporâneo, teve um ingrediente novo em Nova
Serrana, uma vez que a uma verdadeira legião de jovens “invadem” a cidade. São
invasores, “forasteiros”, portadores de valores e perspectivas de vida e visão de mundo em
muito distinta da população nativa e já fixada, sobretudo a idade mais avançada. Mas que
fatores explicam essa “invasão” de jovens de todo o Brasil em busca de trabalho? A
resposta a essa indagação diz respeito, a um elemento característica da cultura de massa na
contemporaneidade, cujo alcance extrapola as fronteiras regionais e até mesmo nacionais.
Os empresários locais, sob iniciativa de órgão classista, divulgou a cidade na
mídia regional e nacional durante a década de 1980 até o início da década de 1990. A
propaganda difundia a imagem de que a cidade era um verdadeiro oásis em um país que
vivia momentos de crise no setor de emprego, atraindo a “legião de forasteiros” ao qual já
nos referimos. Em geral os migrantes não tinham qualificação profissional e vinham em
busca de melhores condições de vida. Era comum, e ainda é, observar inúmeras pessoas nas
portas das fábricas buscando uma chance para trabalhar, mas não atendiam as necessidades
das empresas, pois eram pessoas que nunca haviam nem entrado no setor de produção.
Diante da chegada de tantas pessoas, o ritmo de vida da antes pacata cidade do
interior de Minas mudou. Os moradores, antigos e novos viram-se alarmados diante do
número de ocorrências policiais que a cada dia aumentavam. O déficit habitacional em
Nova Serrana é de 579 habitações, correspondendo a 5,96% do total de domicílios, nesse
sentido os aluguéis passam a subir assustadoramente e conseqüentemente sobe também o
custo de vida. O número de loteamentos cresceu e com isso o perímetro urbano foi alterado
(VER FIGURA 07), a especulação imobiliária e o problema da moradia passou a ser uma
preocupação dos governos e de entidades responsáveis pelas questões sociais.
A cidade passou a crescer na ordem de 8.9% ao ano: 104
A urbanização rápida foi seguramente um dos maiores fenômenos globais do
século XX e, em que pese o declínio das atividades industriais tradicionais que
requerem a urbanização como suporte, as taxas de crescimento urbano vão
continuar aumentando de maneira significativa no século XXI, sobretudo no
103
104
GIDDENS, 2005, pp.220-227.
IBGE, Censo Demográfico 2000.
52
contexto do mundo em desenvolvimento. Isso porque a cidade continuará sendo
o palco da nova economia pós-industrial e da nova configuração econômica e
financeira que já está sendo identificada no contexto do mercado global. 105
Nova Serrana é clássico exemplo de como uma região, outrora ensimesmada e
cujos vínculos econômicos, políticos, sociais e culturais diziam respeito apenas a um
âmbito restrito, com poucas superfícies de contato, abre-se para um universo muito mais
amplo. Os sapatos fabricados em Nova Serrana são vendidos no Brasil e em várias partes
do mundo. É um contraste encontrar na cidade executivos de outras nacionalidades e ao
mesmo tempo em que ainda é possível ver as carroças circulando pelas ruas, cena típica das
cidades interioranas.
TABELA V – Domicílios em Nova Serrana
Município
População em 2007
Domicílios IBGE
Nova Serrana
60.220
18.831
Domicílios com
Energia Elétrica
17.979
FIGURA 11 – Fonte: IBGE - Censo 2007
Em algumas análises a taxa de crescimento de Nova Serrana parece estabilizar.
Foi apontada pelo IBGE uma taxa de crescimento anual de 8%, o que levaria, segundo tais
projeções, a uma população de 120 mil habitantes em 2015
entretanto, apontam um crescimento anual de 5,6%, desde 2005.
106
107
. Outras pesquisas,
Mesmo assim é um
índice elevado levando em consideração as médias nacionais e regionais.
105
BRANDÃO, 2006, p.123.
NOVA SERRANA. Sec.Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal Municipal de Educação de
Nova Serrana, 2007-2016. Pesquisas elaborada pela FUNEDI/UEMG com fins de composição do Plano
Diretor da cidade.
107
NOVA SERRANA. Prefeitura Municipal. Plano Diretor de Nova Serrana
106
53
TABELA VI – Projeção População futura em Nova Serrana
Ano
Plano Decenal de Educação
Habitantes
2008
66.831
2009
72.799
2010
79.299
2011
86.380
2012
94.093
2013
102.495
2014
111.647
2015
121.617
FIGURA 12 - Fonte: Plano Decenal Municipal de Educação – Crescimento de 8,93% a.a.
Nova Serrana apresenta 78% de sua população oriunda de outras cidades e
estados brasileiros.108 A maior parte da população vem de cidades do norte de Minas Gerais
(Capelinha, Poté, Malacacheta, Paineiras, Governador Valadares, entre outras), vêm em
busca de melhorias ou fugindo de situações de risco como a pobreza existente nessas
regiões. “As cidades são tanto os dados imediatos de suas materialidades, quanto o
impalpável dos sonhos, dos desejos.”109 Esta característica do município ter uma população
itinerante, provoca uma grande diversificação quanto a evolução do índice populacional,
cultural e até mesmo econômico apresentando variações consideráveis de um ano para o
outro. Todos os setores da cidade crescem de forma assustadora e quase que sem controle,
afinal “a cidade é espaço do conflito e da conciliação, da alienação e da luta de classes”.110
Nova Serrana possui três populações distintas: a residente que é fixa; a
trabalhadora que mora nas cidades vizinhas e volta para a cidade onde tem residência ao
final de cada dia (somam até 10 mil pessoas); e a população do fim de semana, que deixa
Nova Serrana nos finais de semana e feriados deixando a cidade vazia, com um aspecto de
108
NOVA SERRANA, Sec. Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal de Educação, 2007/2016.
PAULA apud BRANDÃO, 2006, p.22.
110
PAULA apud BRANDÃO, 2006, p.22.
109
54
“cidade fantasma”. Essa situação faz com que a cidade seja considerada como um hotel,
que é “[...] um lugar de trânsito, não de residência. O hotel como estação, terminal de
aeroporto, hospital e assim por diante: um lugar por onde se passa, onde os encontros são
fugazes, arbitrários.” 111 No hotel não se tem muito compromisso com o espaço, a cama e o
quarto são arrumados pela camareira, que tem a chave do quarto. As “cidades hotéis”
também são assim, seus hóspedes não têm muito compromisso com o lugar, ou quase
nenhum, estão ali porque precisam estar, passam ali porque têm que fazer alguma
transação, ganhar seu dinheiro, fazer seu trabalho, depois simplesmente ir embora e
qualquer desordem será ajeitada pelos funcionários. A cidade se torna um lugar indiferente,
de exílio, transitoriedade, desenraizamento, um lugar de partidas e chegadas. CLIFFORD
(2000) nomeia essa situação “de culturas viajantes (e culturas da viagem) no final do século
XX [...] isso se tornou seriamente problemático, envolvendo classe, gênero, raça,
localização cultural e história , e privilégios, de várias maneiras importantes.” Muitas vezes
a cidade hotel tem que mudar seus hábitos, se mobilizar completamente, apenas para
atender um hóspede, mesmo que seja muito importante isso gera um certo transtorno.
Imagine em Nova Serrana onde o número de hóspedes é grande e muito exigente, porém
estão só de passagem e pouco se importam com a manutenção ou conservação do lugar.
Um outro relato dessa situação foi uma das reuniões da comissão de acompanhamento do
Senso Demográfico 2007, onde foi apontado um problema dessa população flutuante, no
caso, aquelas pessoas que passam a semana toda na cidade e nos finais de semana voltam
para suas casas, durante o recenseamento essas pessoas são abordadas e declaram
moradoras de outras cidades. Essa lógica gera problemas de ordem política e estrutural,
uma vez que utilizam os recursos disponíveis na cidade, relacionados a saúde, educação,
infra-estrutura entre outros recursos, cujas verbas para manutenção oriundas do Estado e do
Governo Federal são concedidos levando-se em consideração os cálculos com base no
número de seus habitantes com residência fixa na cidade. Esse quadro gera, por exemplo,
um alto déficit de vagas em Escolas públicas.
Atualmente o município começa a reestruturar-se nos diversos setores, à medida
que a indústria cresce passa a requerer maior estabilidade e organização nos setores do
111
CLIFFORD apud ARANTES, 2000, p.51.
55
comércio e de serviços, por isso cresce e melhora a qualidade da rede hoteleira,
restaurantes, escolas e comércio. Porém, a cidade foi oprimida pelo capital, “ele
transformou a cidade”,112 o que aconteceu com todo o mundo contemporâneo, tudo passa a
funcionar em prol do movimento e da estabilidade financeira. Não existe um modelo de
cultura original, afinal o processo cultural é multifacetado.
A grande massa de trabalhadores que chega todos os dias, que esquentam seus
alimentos e fazem seu horário de almoço ali mesmo na rua, ilustra bem o número de
pessoas que vivem em função, agora, da industrialização, mas ao mesmo tempo em busca
de riquezas, assim como seus patrões. Paradoxalmente, mesmo sendo uma cidade tão rica,
“Nova Serrana tem um dos maiores níveis de pobreza do estado de Minas Gerais. Entre
1991 e 2000, a renda per capita mensal do município cresceu, em termos acumulados,
101,51%, saltando de R$ 184,00, em 1991, para R$371,11 em 2000.” 113 A cidade tem uma
movimentação financeira grande e praticamente toda a população está empregada, mesmo
que informalmente. Segundo os últimos sensos, tem melhorado a renda média per capita
“Em situação inversa, a pobreza (medida pela proporção de pessoas com renda domiciliar
per capita inferior a R$75,50, equivalente à metade do salário mínimo vigente em agosto de
2000) diminuiu 46,67%, passando de 22,8% em 1991 para 12,2% em 2000.114
Por outro lado, assinalando o contraste característico do sistema capitalista, as
movimentações financeiras bancárias foram da ordem de R$114 milhões, em 2004.115 O
SINDINOVA e ABICALÇADOS estimam que o total de vendas em 2004, foi na ordem de
R$600 milhões, o que retrata a forte informalidade.116 É uma cidade com grande circulação
de dinheiro e que dá uma característica tipicamente da indústria e do desenvolvimento
capitalista. Mas também uma cidade que vive na informalidade, uma vez que as relações de
trabalho não atendem completamente a legislação trabalhista. Trabalham na informalidade
para atenderem as necessidades das bancas de pesponto, que por sua vez, a maioria não é
registrada e nem registra seus funcionários, e estes últimos trabalham na informalidade
112
PAULA apud BRANDÃO, 2006, p.29.
SEBRAE, 2005. Relatório interno.
114
Diagnóstico Municipal – Plano Diretor de Nova Serrana, 2007.
115
BANCO CENTRAL DO BRASIL.
116
SINDINOVA, ABICALÇADOS apud Plano Decenal Municipal de Educação.
113
56
enquanto recebem benefícios do seguro desemprego. “A necessidade de ter uma ocupação
remunerada para compor o orçamento familiar fez com que operárias e operários das
indústrias calçadistas de Nova Serrana, por inúmeras vezes, acomodarem-se e sentirem até
gratos pela oportunidade de trabalhar.”117 Outro problema da ilegalidade na cidade é o fato
da indústria calçadista ainda não ter como prioridade o desenvolvimento de uma
modelagem e marcas próprias, que partem de um processo criativo, a maior parte da
produção é de uma modelagem copiada de revistas, catálogos e até de outras empresas
durante as feiras e exposições de moda. Existe uma “pequena capacidade inovativa: a cópia
de produtos é a principal fonte de informação para a introdução de inovações de produtos.”
118
Essa prática leva as empresas a considerarem como normal recebem intimações, têm
seus produtos e até maquinários apreendidos, mas não mudam a forma de pensar.119 Em
muitos estudos e artigos, a cidade de Nova Serrana ainda não passa uma boa impressão,
como apresentado por BREVE (2006), quando diz que “o município de Nova Serrana
(MG), que organizou todo um parque industrial baseado na falsificação de tênis de marcas
famosas”.120 É importante notar que o processo industrial não parte apenas de uma
originalidade. O mundo da moda é também o mundo da cópia, é o ato de apreciar e
acompanhar desfiles e tendências para alimentar a indústria.
A produção calçadista segue o sistema de produção fordista, “nesse sistema cada
trabalhador faz uma parte do produto, não tem noção do todo, inexiste a necessidade de
muita experiência. Entre as décadas de 80 e 90, os migrantes que chegavam à cidade em um
dia, no outro já estavam trabalhando, em poucos dias aprendiam a função, o que acontece
atualmente.”
121
A maior parte da produção de calçados de Nova Serrana abastece o
mercado nacional, principalmente os estados de Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro.
Em 2003 as vendas totalizaram US$ 1,8 milhão, contra cerca de US$ 900 mil em 2002.122
Hoje se propõe a atingir boa parte do mercado internacional, como já acontece em países
117
SANTOS, 2005, p.35.
SANTOS, 2002, p.10.
119
Estado de Minas, Jornal. 22 de agosto de 1996. Caso do processo do Grupo Fiat contra a empresa Dio-Clay
Calçados, por falsificar a marca Fila apresentando a marca Fika, porém com o mesmo modelo.
120
BREVE, 2006, pp.45.
121
SANTOS, 2005, p.31.
122
SEBRAE, 2005, p.9.
118
57
como a Argentina, que absorve entre 50% e 60% das exportações, outros consumidores são
Panamá, México, Paraguai e Uruguai. A indústria calçadista enfrenta o problema da
abertura internacional de mercados, promovida pelo Governo Federal, com é o caso dos
produtos da China.123 Porém as expectativas de crescimento são visíveis e muitas práticas
negativas começam a ser superadas, “Nova Serrana é o terceiro maior pólo calçadista
brasileiro”124. Em um relatório da FINEP, GARCIA apresenta dados sobre o crescimento
de Nova Serrana, comparando com outros pólos calçadistas como o Vale dos Sinos (RS) e
Franca (SP), consideram uma aglomeração importante e “que tem apresentado grande
dinamismo”.125 No seminário do BNDES, LESSA confirma o desenvolvimento de Nova
Serrana em seu discurso:
Quando olho para Nova Serrana, o meu coração de brasileiro fica na maior
felicidade porque eles conseguiram controlar 56% do mercado de calçados
esportivos e têm uma qualidade notável, do meu ponto de vista. [...] é mais fácil
no futuro a Nova Serrana comprar a Adidas, do que a Adidas comprar Nova
Serrana. [...] espero que Nova Serrana saia dos dez milhões de dólares de
exportação para quarenta, e que incomode a Adidas e a Nike.126
A frota de veículos registrada em 2005 foi de 12.045 veículos127, sendo 6.319
automóveis, 286 caminhões, 38 ônibus, 25 microônibus e 4.094 motocicletas, com uma
população de 51.885 habitantes em 2006128, ou seja, são 4,30 habitantes/veículo. É uma
cidade que tem uma população que cabe inteira nos carros registrados. Mesmo que a cidade
tenha tantos carros, estes não pertencem a toda população, existem famílias compostas por
três pessoas e que possuem quatro ou cinco carros. Ainda assim a maioria da população só
tem acesso à terra urbana e à moradia através de processos informais. Nova Serrana já
enfrenta esses problemas, quando registra um grande número de invasões de terrenos,
sejam públicos ou mesmo privados. Essas regiões não têm coleta de lixo, são áreas de risco
ou inundáveis, não estão conectadas aos sistemas de saneamento, o esgoto não é coletado e
as construções estão totalmente irregulares. Outro fator notável é a especulação imobiliária,
que deixam lotes vagos esperando a valorização e sem nenhuma utilidade social, hoje em
123
ABICALÇADOS, SINDINOVA
SEBRAE, 2005, p.4.
125
GARCIA, Renato C.. Relatório FINEP, 2003, p.27.
126
LESSA, Carlos, Seminário BNDES, Belo Horizonte, 2006.
127
IBGE, Ministério da Justiça, DENATRAN, 2005.
128
IBGE, estimativa em 01/07/2006, 2007.
124
58
Nova Serrana, são mais de 17 mil lotes vagos, ou seja, mais de 40% da cidade ainda não foi
adensado e o valor dos aluguéis também não é acessível.129 “O déficit nacional habitacional
em áreas urbanas foi recentemente estimado em 6,4 milhões de unidades no país, sendo que
o número de imóveis vazios nessas áreas foi calculado em cerca de 5 milhões de unidades.
Em suma, o país está enfrentando uma profunda, e crescente, crise urbana.”
130
A
ilegalidade urbana é provocada por uma combinação entre a dinâmica dos mercados de
terras e o sistema político que quer proteger grandes empresários ou mesmo as terras de
parentes e amigos, “mas também pela ordem jurídica elitista e excludente ainda em vigor
nos países em desenvolvimento, e no Brasil, sobretudo no que diz respeito à visão
individualista e excludente dos direitos de propriedade imobiliária.
O maior agravante nestas análises diz respeito às graves desigualdades sociais
existentes na cidade: são muitas áreas públicas invadidas devido ao problema da moradia;
muitas pessoas vivem com salários baixos e acabam por formar verdadeiros guetos; o
atendimento social oferecido pelo poder público não é suficiente diante da demanda; os
grupos sociais como Associações de Bairros, Terceira Idade, Conselho Tutelar do Menor,
Casas de Recuperação de dependentes químicos, hortas comunitárias, Programa Bolsa
Família, Abrigos para migrantes, Asilos, Delegacia da Mulher, entre outros, ou não existem
ou não estão em sua plenitude e acaba por não atender à demanda. 131
Nova Serrana, assim como toda cidade industrial, também vive os seus dilemas
ambientais. Diante dos avanços do capital e a necessidade de alimentar a indústria, pouco
se faz em relação ao meio ambiente. Até então, o lixo produzido, numa média de 1,5kg por
habitante132, tem como destino o lixão e existe um projeto para criação do aterro sanitário,
ainda em andamento. “A produção de lixo excedente natural do consumo, [deveria ser] é
proporcional ao número de habitantes e, portanto, cresce com a área de ocupação,
mantendo a mesma dependência com o raio da mancha urbana”, o que não acontece em
Nova Serrana, porque a produção de resíduos sólidos é muito maior que o número de
129
NOVA SERRANA, Plano Diretor de Nova Serrana.
FERNANDES apud BRANDÃO, 2006, p.124.
131
NOVA SERRANA, Diagnóstico Municipal de Nova Serrana, Plano Diretor de Nova Serrana,
FUNEDI/UEMG, 2007.
132
NOVA SERRANA, Plano Diretor de Nova Serrana, 2007.
130
59
habitantes, devido a industrialização. Outro “avanço é o uso de redes subterrâneas de
esgoto”, a capitação segue para as ET’s (estações de tratamento), o que já está em
andamento na cidade. Outro problema enfrentado é a falta de arborização e cuidados com
as nascentes, como será visto no capítulo III, mesmo a fonte tradicional que benzida pelo
Pe. Libério teve seu fim, bem como os poços artesianos que abasteciam a cidade, hoje é
necessário captar água do Rio Pará, a uma distância de 15 km. Neste sentido não foi
despertada na população a necessidade de uma cidade mais limpa, mais arborizada e menos
hipermeabilizada, o que provoca inúmeras inundações. Com a elaboração do Plano Diretor,
a cidade faz uma reflexão sobre o seu crescimento e desenvolvimento. De acordo com a Lei
Federal Nº 10.257 de 10 de julho de 2001, conhecida como Estatuto das Cidades, as
cidades com mais de 20 mil habitantes ou que caracterizam atividades especiais como
patrimônio histórico, potencial turístico, reservas ambientais ou que quiserem, devem
elaborar ou rever seus Planos, com o aumento da população a cidade foi enquadrada nesta
proposta. Assim sendo, e em fase de conclusão e votação, a elaboração do plano
diagnosticou uma série de irregularidades, necessidades e urgências em todo o município,
como os problemas no trânsito devido ao crescimento desordenado e sem planejamento;
inundações devido à impermeabilização do solo, a cidade tem 97% das suas ruas
pavimentadas, não tem sistema de captação pluvial, toda a água da chuva segue diretamente
para os ribeirões inundando todo o centro da cidade; faltam áreas ambientais de
preservação e quase não é arborizada, a maioria das casas são construídas sem o
afastamento devido.
No âmbito educacional a cidade deu um grande salto nos últimos dez anos. Hoje
possui quatro escolas estaduais, quatorze escolas municipais, seis escolas particulares sendo
três de ensino fundamental e médio, uma do ensino especial, uma escola técnica e uma
faculdade atendendo o ensino superior nos cursos de administração de empresas e normal
superior.
133
Contamos ainda com três escolas com o ensino pré-vestibular. Devido ao
grande fluxo de pessoas e o número de empregos disponíveis, a taxa de evasão no
133
NOVA SERRANA. Sec. Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal Municipal de Educação, 20072016.
60
município é alta, com um índice de 17% de evasão escolar e 7,10% de analfabetismo.134
Em 2005, com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), foi feito um
repasse para a Educação no valor de R$161.039,96, ou seja, 4,55% do total arrecadado pelo
Estado.135 Ainda assim, verifica-se que a capacidade de atendimento para a educação na
cidade está esgotada. Segundo a Fundação João Pinheiro, a capacidade é para 3.334 alunos,
enquanto são atendidos 6.649, ou seja, 199% da capacidade.136 O ensino superior sempre
enfrentou problemas quando se trata da profissionalização que tem que recorrer a outras
cidades vizinhas, são mais de 700 alunos que saem todos os dias em três turnos para
estudarem fora, como já acontecia na década de 60 quando buscavam Pitangui para fazerem
os cursos técnicos.
Os equipamentos públicos relacionados à cultura ainda não receberam o devido
apoio da sociedade e do poder público, ainda são priorizadas as atividades da indústria. Os
poucos espaços relacionados à cultura e as práticas de lazer137 que existem não atendem a
demanda, como é o caso da Biblioteca Pública Municipal que recebe em média 500
pessoas/dia e não tem um espaço próprio e um acervo completo; os auditórios existentes
pertencem a instituições de interesse particular como sindicatos ou cooperativas, por isso
não há um espaço para teatros e apresentações constantes; uma tentativa de criar um espaço
para a cultura ficou frustrada, quando um grupo de artistas se reuniu e conseguiu um galpão
de fábrica para isso, era um espaço onde aconteciam aulas de teatro, capoeira, jogo de
xadrez, aulas de desenho e pintura, entre outras atividades, mais tarde um empresário de
renome da cidade comprou o prédio, pediu-o para ser esvaziado pelos artistas, foi demolido
a fim de construir outro empreendimento que nunca aconteceu depois de seis anos da
demolição, era apenas um pretexto para não deixar o grupo continuar as atividades ou medo
134
NOVA SERRANA. Sec. Municipal de Educação e Cultura. Plano Decenal Municipal de Educação, 20072016.
135
Receita Estadual, Administração Fazendária de Nova Serrana In Plano Decenal Municipal de Educação.
136
Fundação João Pinheiro, ano base 2004, 2007.
137
As práticas esportistas começam a aflorar buscando novas modalidades além do tradicional Futsal, nas
quadras urbanas, ou o Futebol de Campo que é mais praticado nos povoados da zona rural. Hoje aparecem
outras práticas como o vôlei, natação, handebol, taekendoo, capoeira e mais recente foi inaugurada a quadra
de tênis no Araguaia Campestre Clube. A prefeitura municipal começa a elaborar o projeto de um Centro de
Educação Esportiva, onde serão ministradas aulas sobre diversas práticas esportivas, inclusive algumas
destinadas ao público da terceira idade; outro projeto que já em fase de execução é o do calçadão destinado à
prática de caminhadas diárias realizada por diversas pessoas.
61
de perder o imóvel. Hoje existe o projeto de criação de um Centro Cultural na cidade, mas,
que ainda não foi executado. A cidade necessita de um trabalho mais intenso no sentido de
valorizar as culturas urbanas que surgem a cada dia e são importantes uma vez que
caracterizam melhor a cidade no seu aspecto industrial e com uma população oriunda de
tantos lugares. Os grupos de Skate, Graffitte, Tribos Urbanas, Bandas de Rock, Danças de
Rua como “Street Dance” e “Break” que são grupos que vão surgindo e cada dia exige mais
apoio,
138
da mesma forma que cresceu o turismo de negócios com as feiras de calçados e
de máquinas que acontecem duas vezes ao ano. “Somos herdeiros de uma tradição que
valoriza o trabalho em detrimento do lazer.” 139 Em Nova Serrana, os movimentos visando
a promoção da cultura e da sociabilidade não estão em pé de igualdade quanto ao estágio
atingido pelas indústrias, ainda assim, cresce o número de bares em toda a cidade,
chegando ao ponto de ter de três a quatro estabelecimentos em um único quarteirão.
As cidades não se preocupam muito com o lazer nem com as necessidades de
relaxamento dos seus habitantes. A maioria são cidades de trabalho,
incompatíveis com a vida plena. [...] os esforços desesperados para salvar alguns
espaços verdes e implantar algumas instalações para o lazer não altera a
situação: as condições de moradia e a qualidade de vida citadina degradam-se a
olhos vistos.140
A criação do Centro de Memória do Calçado é um avanço no sentido de
preservar a memória. Os interesses entre Sindicato Intermunicipal da Indústria de Calçados
de Nova Serrana, SESI, SENAI, Conselho do Patrimônio Cultural e Prefeitura Municipal se
convergem. O pólo calçadista que inclui as cidades de Perdigão e Bom Despacho que tem
cursos ligados a moda calçadista, na unidade da UEMG e na UNIPAC, respectivamente,
terão um grande apoio no que diz respeito à produção do calçado. Apesar do evidente
entrelaçamento entre cultura e produção calçadista, os objetivos vão além. A proposta não é
simplesmente construir e manter um museu, onde apenas expõem uma série de objetos e se
torna permanente e estático. O que se propõe é um espaço dinâmico, direcionado a
pesquisas e informações educacionais. E nesse sentido “os museus representam muito mais
138
NOVA SERRANA, Cadastro de artistas - Depto. Cultura da Secretaria Municipal de Cultura, 2007.
GOMES In BRANDÃO, 2006, p.171.
140
KRIPPENDORF, p.37 apud BRANDÃO, 2006, p.171.
139
62
que isso. Eles contribuem decisivamente para a produção de uma determinada memória.”141
A importância do projeto vai de encontro com uma população que pouco sabe sobre a
história do calçado, a importância do processo produtivo para a cidade e menos ainda, sobre
suas origens na região.
Como dizia Edson Batista, ex-presidente do Sindicato da Indústria de Nova
Serrana: “é preciso vender a cidade. Vender a cidade dentro de um projeto”,
142
ou as
esferas econômica, política, social e cultural são estanques em si mesmas. O urbano é hoje
tão fluido quanto a própria contemporaneidade e todos os seu elementos fugazes e
contraditórios. “Não sem razão, afirma Chico Buarque, ‘a cidade não mora mais em
mim’”143. Diante de tantas modificações, transformações, sofrimentos, violências, o espaço
urbano é também o da angústia e inquietação.
Nesse sentido, humanizar a cidade144 é uma alternativa de quem deseje viver
num espaço onde não apenas o trabalho tenha posição destacada. Essa cidade em que
vivemos na contemporaneidade “foi inventada e pode estar em vias de ser desinventada.”
145
Essa cidade não surgiu como algo natural, foi inventada num determinado contexto
histórico e passa por inúmeras crises na contemporaneidade. Repensar a cidade é refletir
sobre seus valores, sua sobreposição sobre o campo, seus movimentos de criação e
destruição do processo cultural, seus organismos de sobrevivência e constante
reorganização da urbanidade. “A cidade é um lugar por excelência da arte, da técnica e da
ciência do mundo contemporâneo”
146
. É também o espaço de convivências, de
transformação e busca de soluções para uma sociedade que quer viver melhor e resolver os
problemas ambientais, políticos e sociais. A cidade não é composta apenas de números,
estatísticas, como as que foram apresentadas nesse capítulo, ainda que estes possam auxiliar
no entendimento do que seja a cidade nos nossos dias.
141
FILHO apud BRANDÃO, 2006, p.119.
FREITAS, 2005, p.4.
143
GUSTIN apud BRANDÃO, 2006, p.161.
144
GOMES apud BRANDÃO, 2006, p.181.
145
BRANDÃO apud BRANDÃO, 2006, p.10.
146
BRANDÃO apud BRANDÃO, 2006, p.13.
142
CAPÍTULO II
Nova Serrana: Cultura, tradições e
contradições de uma cidade que cresce
64
1- Cultura e sociedade neo-serranense: dilemas de uma cidade industrial
Cada grupo, cada povo, percebe, entende e constrói a cultura de uma forma
diferente, em diferentes contextos que mudam freqüentemente. Cultura constitui um processo,
uma movimentação no tocante à vida de cada comunidade, sociedade ou nação, e que é
preparada ou construída ao longo do tempo. Por isso, cultura é entendida em cada lugar ou
época, de forma diferenciada já que a humanidade sofre constantes alterações intrínsecas e
exteriores, o que determina as formas de perceber o mundo.
Sí la vida humana es continuamente una formación y transformación de bienes
culturales según su espontaneidad, es también, al mismo tiempo, un vivir dentro de
los bienes transmitidos o reconocidos, un existir dentro de la comunidad historica y
de la tradición.147
Cultura está relacionada à formação do ser humano, seu burilamento, seu “refinarse”. É entendida ainda como os modos de viver e de pensar cultivados, civilizados,
modificados para atender as necessidades de cada povo e em cada época, como para a Grécia
clássica onde a Cultura era entendida como a “procura e a realização que o homem faz de si,
isto é, da verdadeira natureza humana”148. Cultura é um conceito em constante mutação e que
se forma durante longos períodos. Assim sendo, hoje podemos afirmar que um dos sentidos
que o conceito comporta, diz respeito a um processo coletivo e anônimo de um grupo social e
não individualizado. O processo cultural é coletivo e permeável.
Um grupo influencia e é influenciado pelos grupos com o qual interage. Nesse
sentido, as experiências vêm e vão do local ao global e vice-versa, num processo dialético.
Houve épocas em que se podia se identificar traços de uma cultura local delimitada em seus
territórios, ao ponto mesmo de servir como orientação para definir a extensão de um país, os
costumes de uma nacionalidade e a vida social do povo que vivia na região. Nesse caso
“Cultura deveria, portanto, ser um termo empregado no plural, já que não se constitui num
complexo unificado coerente, mas sim, num conjunto de ‘significados’, atitudes e valores
partilhados e as formas simbólicas em que eles são expressos ou encarnados”.149 A cultura é
entendida como uma multiplicidade de manifestações, uma vez que as raízes se encontram em
147
MORA, José Ferrater. Diccionario de Filosofia, apud CASCUDO, 2004, p.40. “Sim a vida humana e
continuamente uma formação e transformação de bens culturais segundo sua espontaneidade, e também, ao
mesmo tempo, um viver dentro dos bens transmitidos ou reconhecidos, um existir dentro da continuidade
histórica e da tradição.”
148
ABAGNANO, 1962, p.62.
149
COUCEIRO, 2002; in BURITY, 2002, p.15.
65
todas as partes da sociedade; o que nasceu no Continente Europeu e era próprio daquele lugar,
hoje é parte integrante de um grande número de povos e assim sucessivamente acontece com
o africano, o asiático, o aborígine e o americano. “A cultura é o complexo mundo cotidiano
que todos encontramos e pelo qual todos nos movemos”.150 É o que Canclini (2006) chama de
“culturas híbridas151”. O que era então definido como particularidades de cada povo na
contemporaneidade, segundo uma tradição, é entendida como inúmeras manifestações e ações
em um único plano, no qual coexistam inúmeras lógicas de desenvolvimento; onde as mais
diversas culturas se fundiram e encontraram uma nova organização: o campo adquiriu a
modernidade do urbano, as oposições entre o tradicional e o moderno se diluíram. Em meio
ao saudosismo do que antes existia, agora fundido a tantas experiências e situações, não se
sabe mais ao certo o que é cultura local ou global. “A modernização [...] redimensiona a arte e
o folclore, o saber acadêmico e a cultura industrializada, sob condições relativamente
semelhantes”,152 o que podemos dizer de uma nova configuração da cultura e ao mesmo
tempo, uma dificuldade contemporânea no que se trata em definir o que é “culturas”:
... na concepção antropológica a cultura é, por natureza, plural e relativista, quer
dizer, o mundo está dividido em diferentes culturas, cada uma delas valiosa em si
mesma, para os humanistas, algumas pessoas têm mais cultura do que outras e
alguns produtos humanos, tais como artes visuais, música, literatura, são mais
culturais do que outros.153
As sociedades contemporâneas são formadas por uma diversidade cultural cujos
indivíduos não têm consciência ou têm pouca consciência desse processo, fator gerador de
desconforto, estranheza, preconceitos e facções.
A cidade de Nova Serrana vive uma situação peculiar, pois se trata de um pólo
industrial calçadista que cresceu significativamente nas últimas décadas, fato que repercutiu
fortemente nos processos culturais locais. Dadas as proporções, o caso de Nova Serrana e de
muitas outras comunidades dispersas pelo espaço global, assemelha-se com o que ocorreu na
Inglaterra, entre os séculos XVIII e XIX, quando o capitalismo constituiu suas bases técnicas
com a chegada do sistema de máquinas que ocuparam o lugar do trabalho tipicamente
artesanal.154
No início do século XX, Nova Serrana contava com umas poucas celarias onde se
produzia botas, celas e outros utensílios a partir do couro, para um montante de quase mil
150
EDGAR, 2003. p.75.
GARCÍA CANCLINI, 2006, p.22. Não se propõe aqui analisar o conceito de “hibridação cultural” conforme
o referido autor.
152
GARCÍA CANCLINI, 2006, p.22.
153
BERNARD E SPENCER, 1996, p.136 apud SANTAELLA, 2003, p.33.
154
PAULA, 2000, p.86.
151
66
fábricas de todos os portes no fim do mesmo século.
155
Por outro lado, a Nova Serrana,
capital nacional do calçado esportivo, antenada para os mercados globais, apresenta traços da
tradição das Minas Gerais associados à culinária, religiosidade, e a cultura num aspecto mais
ampliado.
Os lugares industrializados tendem a ligarem-se nostalgicamente às suas raízes:
daí a necessidade de buscar pela história, pelo folclore, pela fotografia e prestigiar a noção de
patrimônio.156 Em grande medida, essa “necessidade” se explica pelo elemento migrante, que
não faz parte daquela comunidade desde sempre, mas passa a integrá-la num movimento
intenso e sem volta. Mas esse migrante não é desprovido de cultura e acaba por se amalgamar
às tradições mineiras, locais, sem se despir, naturalmente de sua cultura de origem, sua
alimentação e costumes oriundos das mais diversas partes do Brasil. Naturalmente, os
migrantes não conhecem a história local, não sabem sobre as origens e do processo de
construção da localidade, e mesmo quando são informados a respeito, em muitos dos casos
não criam identidade facilmente. É imenso o contingente de desenraizados. O sentido de
pertencimento a uma determinada cultura e ou comunidade é um processo relacionado à
memória, entre passado e presente, “pois a história é duração, o passado é ao mesmo tempo
passado e presente”.157 As cidades industrializadas atraem inúmeras pessoas em busca de
novas oportunidades, emprego e melhores condições de vida; ao mesmo tempo em que
crescem, apresentam uma variedade cultural que se mistura e se funde, durante sua formação.
No caso de Nova Serrana, a cidade recebe pessoas de várias regiões do Brasil, cada grupo traz
consigo seu modo de vida, seus costumes e acabam por assimilar aos costumes já existentes
na localidade. “A maioria das sociedades industrializadas, contudo está tornando-se
culturalmente mais diversa ou multicultural.”158 Esta variação cultural que chamamos de
multiculturalismo, são várias facetas de um mesmo processo. Cada grupo é representado por
suas vivências, tem sua lógica interna, vive a seu modo e seus costumes.
Em meio às transformações, muitas coisas se perderam ou acabaram sendo
esquecidas e, nesse caso, as preocupações com a cultura e a memória se intensificaram a partir
do século XIX, quando surgiu aí a necessidade de conquistar novos mercados e espaço
político e cultural: “a conquista do globo pelas imagens, idéias e aspirações transformadas de
minoria ‘desenvolvida’, tanto pela força e pelas instituições como por meio do exemplo e da
155
SUZIGAN, 2005, pp.1-19.
LE GOFF, 2003, p.224.
157
LE GOFF, 2003, p.51.
158
GIDDENS, 2005, p.40.
156
67
transformação social”.159 Isso ocorreu quando houve uma intensificação do poder das nações
européias frente aos povos do mundo. “Aumentaram então os contatos entre as nações da
Europa, industrializadas e sedentas de novos mercados, e populações do resto do mundo.
Sociedades antes isoladas foram subjugadas e incorporadas ao âmbito de influências
européias.”160
Dessa forma, o que se vê durante o processo de industrialização das cidades, aqui
significa o “conjunto determinado de forças produtivas”, “processo de alteração qualitativa e
quantitativa das relações técnicas de produção”. No caso de Nova Serrana juntamente com o
desenvolvimento da indústria acontece também uma variação cultural com a chegada de nova
mão-de-obra, que trouxe consigo um pluralismo cultural, ou como apresentado antes:
“culturas”. Nova Serrana é um caso típico das cidades que constituem pólos “multiculturais”
fruto do caráter de seus migrantes naturais das mais diversas regiões. Isso gera certo
descontentamento dos mais velhos que já viviam na cidade, porque altera os costumes locais,
cria novos paradigmas, dando novos contornos à cultura local.
Mas até que se consolide todo o processo de assimilação dessas transformações
culturais, a sociedade vive momentos de crises, em que inúmeros fatores contribuem para uma
preocupação em relação à preservação da cultura, seja ela global, na qual haja uma “livre
circulação de produtos culturais ou outros originados do estrangeiro”161, onde existe uma
hipermobilidade162, tudo funciona em tempo real e em escala planetária; ou a cultura local
“que têm uma tonalidade conservadora ou progressista”163, própria de cada lugar que se
desenvolveu ao longo da vida da população. Ao que parece, a crise cultural, a rapidez, a
variedade e quantidade com que aparecem as informações, gerou certo transtorno ao que já
estava culturalmente definido e estabilizado em cada região. “Cultura é não só o que os
homens pensam, mas também o que fazem,”164 daí a influência de outras sociedades, do
processo de industrialização, da mídia no processo cultural, e não pode ser entendida (como
querem os cidadãos mais atados às tradições locais) única e exclusivamente como uma
influência negativa e que vem apenas para apagar o que foi construído ao longo do tempo. A
industrialização e a troca mercantil deslocaram a forma de avaliar o processo cultural, a
cidade foi alterada de forma drástica, os conceitos culturais também foram alterados. Afinal,
vivemos em um mundo globalizado, onde “os indivíduos, os grupos e as nações tornaram-se
159
HOBSBAWM, 1988, p.114.
SANTOS, 1990, p.23.
161
SANTOS, 2005, p.420.
162
Portal da Educação Pública do Rio de Janeiro. www.cibergeo.org
163
SANTOS, 2005, p.420.
164
SANTAELLA, 2003, p.38.
160
68
mais interdependentes”165 no qual as relações se aproximaram, bem como o número de
informações, avanços tecnológicos, a velocidade da comunicação, o alcance da interação das
pessoas ao redor do mundo e conseqüentemente as influências culturais. O desenvolvimento
industrial trouxe no seu vácuo novas tecnologias que revolucionaram os meios de transporte e
comunicação.166
Mesmo que as fronteiras no mundo contemporâneo se aproximaram mais, mas
ainda se pode observar um processo cultural espacialmente estruturado, onde “o que definem
certos costumes, artes, religiões etc. como pertencentes às regiões em que existem. Assim,
certo hábito social de uma região pode ser absorvido por outras regiões”167, o que acontece
normalmente diante da quantidade e facilidade com que as pessoas podem mudar de uma
região a outro lugar, chamada de “processo migratório”, o que ocorre nesse caso é que as
pessoas acabam por trazer seus costumes ou levá-los para outras regiões. Mesmo assim o
processo cultural tende a ser padronizado, “envolve a repetição de comportamentos similares
aprovados pelo grupo, de modo que tenha uma forma e estrutura reconhecível”.168
Nesse sentido, o processo cultural se torna perceptível, ou causa certo
estranhamento quando as pessoas que chegaram a uma nova região e retornam ao seu ponto
de origem tendo incorporado ao seu vocabulário trejeitos lingüísticos e regionalismos da
cultura ao qual esteve inserido. Em Nova Serrana esse processo é potencializado por conta do
número e da origem de seus migrantes, assim, as pessoas que chegam aprendem uma nova
linguagem, ou acabam por ceder ao palavreado local, sendo também desestimulados a estudar
por conta das exigências do trabalho, como aconteceu com outras pessoas que já moravam na
cidade. Essas pessoas incorporam a logística do capital, o ritmo acelerado e controlado pelas
sirenes das fábricas, e acabam por não sentirem responsáveis pela conservação e melhoria da
cidade, chegam como migrantes e vivem como migrantes que estão apenas de passagem.
Os comportamentos individuais variam, inovações ocorrem, mesmo as
configurações básicas da cultura podem mudar. O ritmo das mudanças culturais
varia muito, dependendo das possibilidades que se apresenta para o crescimento e o
desenvolvimento possa se realizar. Entretanto, para se processar a mudança enfrenta
a resistência da estabilidade, um princípio também necessário como garantia de
coesão para a sobrevivência da cultura. O princípio da estabilidade está ligado à
adaptação. Sistemas culturais sobrevivem porque seus membros estão adaptados à
tradição que é reproduzida através de sua tradução em ações. Por outro lado,
contudo, sem a mudança, a cultura se estagnaria.169
165
GIDDENS, 2005, p.61.
BRANDÃO, 2006, P.29.
167
SANTAELLA, 2003, p.44.
168
SANTAELLA, 2003, p.44.
169
SANTAELLA, 2003, p.45.
166
69
Para o senso-comum é natural falar de cultura e se identificar com o rádio,
cinema, televisão, ou então festas, cerimônias tradicionais, lendas e crenças de um povo, ou o
modo de vestir, a comida ou mesmo o idioma como suas formas de manifestações. No entanto
a cultura vai muito mais além dos simples gestos ou manifestações que caracterizam a
existência social de um povo ou nação. Ainda podemos caracterizar a cultura com o
conhecimento, idéias e crenças e na maneira como elas existem na vida social, o que envolve
a língua, a literatura, o conhecimento filosófico, científico, empírico e artístico. Aqui podem
ser apresentados temas como a ecologia, o corpo, as relações pessoais e espirituais, a
religiosidade. As culturas são humanas e dinâmicas.170
As transformações que ocorrem a todo o momento são importantes para a
manutenção e formação deste processo, como apresentado no texto de Santaella (2003). Uma
vez que as sociedades enfrentam as mudanças e sofrem as transformações, passam a valorizar
a cultura local, as tradições e conseqüentemente a memória.
Quando tratamos do processo cultural em sua diversidade e principalmente do
desaparecimento dessas fronteiras que delimitavam os espaços culturais, há dois obstáculos
que tornam difícil o acesso do povo à cultura: um é a falta de tempo e de forças. O povo tem
pouco lazer a consagrar a um esforço intelectual; e a fadiga põe um limite à intensidade do
esforço.171 O segundo obstáculo à cultura operária é que a condição operária, como qualquer
outra, corresponde uma disposição particular da sensibilidade e esses não estão preparados
para o exercício do olhar e do ouvir, ou ainda, criaram a seu modo sua própria cultura sem se
envolver com os padrões tradicionais. Por conseqüência, há algo de estrangeiro no que foi
elaborado por outros e para outros. O remédio para isso é um esforço de tradução. Não de
vulgarização, mas de tradução, o que é bem diferente.172
Mesmo que as cidades industrializadas tenham dificuldades em trabalhar o
processo cultural, há ainda outro meio para superação deste problema de tradução, que é a
educação formal, apesar de também produzir um processo de nivelamento e massificação. A
escola e os projetos de educação patrimonial são espaços necessários para o desenvolvimento
cultural, intelectual e de conservação da memória, dilema vivido pela sociedade. Esse ponto é
outra questão que discutiremos no item a seguir.
170
SANTOS, 1990, p.20-22.
WEIL, 2001, p.64.
172
WEIL, 2001, p.64-65.
171
70
2- Memória, migração e desenraizamento: o caso de Nova Serrana
O processo cultural também se forma através da memória. O migrante traz
consigo “a cidade invisível”173 que são os lugares que as pessoas vivenciam com suas
lembranças e afetos, remontam situações e criam novos elementos para melhorarem o espaço
onde estão chegando. A memória não é conservada apenas através das lembranças, mas de
outras formas que nos ajudarão a entender diversas situações do dia-a-dia.
A preservação do patrimônio cultural não se resume a guardar objetos ou imóveis,
é necessário ir “para além da Pedra e Cal”,174 ou seja, preservar a memória, a identidade
garantindo sua cidadania. Sem contar que “saberes próprios de cada cultura, modos de fazer
que já atravessam séculos, antigas tradições de artesanato que remontam as formas medievais
de organização do trabalho estariam correndo o risco de desaparecimento”.175 Assim:
[...] valorizar fontes essenciais de identidades culturais ancoradas no patrimônio
cultural imaterial ou intangível; fomentar a consolidação do pluralismo cultural,
contribuindo para a perpetuação da diversidade cultural sobre a terra (“essa
diversidade é a base do desenvolvimento do multiculturalismo, considerado uma das
estratégias para a construção da paz no mundo, missão principal da Unesco e das
Nações Unidas”); preservar elementos fundamentais para um desenvolvimento
humano durável (“a conquista de um desenvolvimento humano durável requer uma
adaptação das estratégias de desenvolvimento aos contextos socioculturais de uma
comunidade”); preservar e promover culturas tradicionais e populares, como fontes
de inspiração para a criatividade contemporânea.176
O que vem a ser o patrimônio? O Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e
Artístico de Minas Gerais (IEPHA-MG) define o patrimônio como sendo material e imaterial
ou intangível. É a soma dos bens culturais de um povo, sua experiência acumulada por um
período de tempo. São as “formas de expressão; modos de criar, fazer e viver; criações
científicas, artísticas e tecnológicas; obras, objetos, documentos, edificações; conjuntos
urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológicos, paleontológicos,
ecológicos e científicos.”177 Da mesma forma que é apresentado pela UNESCO quando diz
que o Patrimônio é “o conjunto de manifestações culturais, tradicionais e populares, ou seja,
as criações coletivas, emanadas de uma comunidade, fundadas sobre a tradição [...] são as
línguas, as tradições orais, os costumes, a música, a dança, os ritos, os festivais, a medicina
173
REYNAUD, 2003.
ABREU, 2003, p.56
175
ABREU, 2003, p.81.
176
ABREU, 2003, p.82.
177
BRASIL, 1988. Constituição Brasileira.
174
71
tradicional, as artes da mesa e o saber-fazer dos artesanatos e das arquiteturas tradicionais.”178
Isso também é cultura. É este patrimônio que confere identidade e reconhecimento da
comunidade, inspira valores “ligados à pátria, à ética e à solidariedade e estimulando o
exercício da cidadania, através de um profundo senso de lugar e de continuidade histórica.”179
São sentimentos que transcendem e ao mesmo tempo povoa o cotidiano das comunidades. “O
patrimônio cultural dos mineiros é o conjunto dos bens culturais de Minas Gerais, portadores
de valores que podem ser legados às gerações futuras.”180 É uma relação afetiva entre o desejo
de esquecer ou de lembrar, é uma relação entre o descartável e o útil, uma forma de superação
da morte. Bem como nas coleções, a sociedade se manifesta também no lixão, é o retrato do
que se produz, do que se guarda ou joga fora.
Memória é “a possibilidade de dispor dos conhecimentos passados (...) a
possibilidade de evocar, na ocorrência, o conhecimento passado e de torná-lo atual ou
presente: que é propriamente a lembrança”.181 Diante disso é importante salientar que o
esquecimento também é importante, em alguns momentos, como forma de sobrevivência da
lembrança. Mas o que é esquecer? Sua importância contrasta com o ato de conservar. “Na
maior parte, conhecemos o ‘esquecer’ na forma do ‘não mais pensar em’”. “... O esquecer é
mais uma vez o escapar, uma perda, para outros, um repelir e afastar, uma fuga.” 182 Esquecer
é ter coragem para lembrar novamente o ocorrido, é buscar o que está mais oculto de algo e
isto é fundamental para a memória. “O que se encontra guardado na memória, seja como
esquecido ou como recordado, está para ser lembrado, para ser pensado. Nesse sentido, poderse dizer que o pensamento é memória”183 ou seja, conservar. A memória é o conjunto de
pensamentos, que são apreendidos ou não, por ela. É a própria memória humana que define o
que vai ou não ser lembrado.
Manter na memória quer dizer conservar. A linguagem, como expressão do
pensamento, conserva o dito do homem, suas crenças, valores, costumes, cultura,
etc. a memória, que só tem sentido através da linguagem, reúne e guarda em si o
pensamento das vivências e experiências dos homens. O que está guardado na
memória é tanto o que se deseja, o que se quer esquecer, ou o que se quer lembrar.
184
178
UNESCO, 1993. Relatório.
IEPHA-MG, 2006; in www.iepha.mg.gov.br
180
IEPHA-MG, 2006; in www.iepha.mg.gov.br
181
ABAGNANO, 1962, p.27.
182
FERREIRA, 1999, p.65-85.
183
FERREIRA, 1999, p.65-85.
184
FERREIRA, 1999, p.65-85.
179
72
O papel da consciência é ligar com o fio da memória as apreensões instantâneas
do real. A memória contrai numa intuição única passado-presente em momentos de
duração.185 Em contrapartida, o mundo atual vive momentos passageiros e sem nexo com o
passado, é o efêmero que sobressai, e o que passou rapidamente ganha cunho de “antigo”,
porque o tempo passa por uma aceleração. O mundo do descartável ao qual vivemos, onde
prevalece o efêmero, sente estranheza ao propor idéias de preservação. O conselho do velho
Gepetto, na história do Pinóquio, não soa bem aos ouvidos da atualidade, quando diz: “__
Não jogue nada fora. Isso um dia pode servir para alguma coisa! (Este conselho os velhos
vivem repetindo: eles não conseguiram assimilar ainda a experiência do descartável que lhes
parece um desperdício cruel. Por isso o armário das vovós é cheio de caixas, retalhos e
vidrinhos...)”.186
Além do mais, esta preservação produz novo enraizamento, valorização da tradição
local, viabilização de novos mercados e melhoria da qualidade de vida. Nunca se
falou tanto de cultura como agora, “nunca se colecionou tanto, nunca se arquivou
tanto, nunca tantos grupos se inquietaram tanto com os temas referentes à memória,
patrimônio e museus. Paradoxalmente, os gestos de guardar, colecionar, organizar,
lembrar ou invocar antigas tradições vêm convivendo com a era do descartável, da
informação sempre nova, do culto ao ideal de juventude. 187
As pessoas pouco sabem das origens da cidade, da história e dos ocorridos até que
a produção calçadista passasse a fazer parte da vida das pessoas. Muitas informações são
desconhecidas como a “época da sovela188, da lamparina para queimar biqueira e contraforte
(colada à vaqueta com grude) [...] as tachinhas para pregar a ‘vira’, a ‘arma de bambu’, o caco
de vidro para lixar a sola; a cera derretida ao fogo da lamparina e aplicada no solado ajudava
no brilho do acabamento; o pé-de-ferro para amassar as pontas dos pregos e, por fim, o saco
de linhagem, para embalar o produto”.189 Desconhece-se esses instrumentos devido à rapidez
que chegou a tecnologia e pouco se fez para preservar a memória.
A família é uma das mais importantes instituições no tocante à transmissão e
conservação da memória, assim como a da cultura, é onde se concentra grande parte de
documentos, memórias e testemunhos do passado que se relacionam e inter-relacionam com o
presente. “A comunidade familiar ou grupal exerce uma função de apoio como testemunha e
intérprete daquelas experiências. O conjunto das lembranças é também uma construção social
do grupo em que a pessoa vive e onde coexistem elementos da escolha e rejeição em relação
185
BOSI, 2003, p.52
BOSI, 2003, p.30.
187
ABREU, 2003, p.12.
188
Instrumento que os sapateiros furam o couro para cosê-lo.
189
FREITAS, 2002, p.157.
186
73
ao que será lembrado.” 190 Nesse contexto familiar é também onde se encontra as origens dos
agrupamentos e conseqüentemente das cidades. O rápido crescimento das cidades, a
velocidade em que correm as informações incita, concomitantemente, fontes para manter viva
a lembrança do passado. Uma síndrome de museus e de práticas de colecionamento estaria
expressando o sintoma de um mundo sem memória, rompido com o passado, em que as
fronteiras são cada vez mais fluidas e móveis.191
Cada geração tem, de sua cidade, a memória de acontecimentos que são pontos de
amarração de sua história. O caudal de lembranças, correndo pelo mesmo leito,
guarda episódios notáveis que já ouvimos tantas vezes de nossos avós. [...] Mas a
memória rema contra maré; o meio urbano afasta as pessoas que já não se visitam,
faltam os companheiros que sustentam as lembranças e já se dispersaram. Daí a
importância da coletividade no suporte da memória.192
A memória é fonte de desenvolvimento social, de inovação quando se relaciona
com o presente. “O passado reconstruído não é refúgio, mas uma fonte, um manancial de
razões para lutar. A memória deixa de ter um caráter de restauração e passa a ser memória
geradora de futuro”.193 Segundo Walter Benjamin (1985, p.224), “articular historicamente o
passado não significa conhecê-lo ‘como de fato foi’. Significa apropriar-se de uma
reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo”. 194 Nesse sentido é na vida
coletiva e no uso social do bem cultural que reside o sentido e o valor da preservação. Quando
surge o perigo de perder ou esquecer o uso social do bem preservado, implica a possibilidade
de ele ser utilizado como referência de memória, ou como recurso de educação, de
conhecimento, de transformação, de sobrevivência e de lazer, por determinadas coletividades.
Até esse sentido a memória é historicamente construída, a sociedade na atualidade tem a
necessidade de reescrever o passado, a memória, o que se dá normalmente via preservação de
monumentos, prédios antigos e museus, mas nem sempre existiu essa consciência, desde a
década de 1960, o que prevaleceu foi a imposição do novo frente ao antigo. Foi um contexto
em que as pessoas estiveram “preocupadas com o valor da novidade, ou seja, orientadas pelo
olhar que considera belo apenas o novo”
195
, pouco se preocuparam com a preservação dos
monumentos históricos e artísticos. Esse traço é bastante marcante em Nova Serrana, onde
prevaleceu uma especulação imobiliária, um desejo pelo novo e que não deixou interesses
190
BOSI, 2003, p.54.
ABREU, 2003, p.13.
192
BOSI, 2003, p.70.
193
BOSI, 2003, p.66.
194
ABREU, 2003, p.106.
195
SILVEIRA, 2002,p.28.
191
74
pela preservação de bens imóveis como aconteceu com a Igreja matriz e com bens tombados,
como é o caso do primeiro espaço escolar da cidade.196
A proposta de uma preservação da memória não se trata de preservar interesses
pessoais, individuais, mas de uma coletividade. A “Memória só pode ser social se puder ser
transmitida e, para ser transmitida, tem que ser primeiramente articulada. A memória social é,
portanto, memória articulada.”197
A transmissão, portanto, implica a atualização da memória. Nesse sentido, memória
e preservação aproximam-se. Preservar é ver antes o perigo da destruição, valorizar
o que está em perigo e tentar evitar que ele se manifeste como acontecimento fatal.
Assim, a preservação participa de um jogo permanente com a destruição, um jogo
que se assemelha, totalmente ao da memória com o esquecimento. A adoção de
procedimentos, visando a preservação de bens tangíveis ou intangíveis, constitui o
198
que se chama de “política de preservação”.
Quando se trata da questão de preservação, é necessário manter a história local,
uma vez que ela é que nos dá base, sustentação para entender a realidade, ao mesmo tempo,
também é válido percebermos o que deve ou não ser esquecido.
Percebe-se bem que mesmo em meio à multiplicidade e rapidez das informações
do mundo industrial regido pelo consumo, cada grupo ou comunidade se apresenta como que
sedentos por preservar suas memórias e delas construir uma memória coletiva, uma vez que as
memórias individuais são efêmeras e se desfalecem muito rápido. “Criamos sempre ao nosso
redor espaços expressivos, sendo o processo de valorização dos interiores crescente na medida
em que a cidade exibe uma face estranha e adversa para seus moradores. [...] São tentativas de
criar um mundo acolhedor entre as paredes que o isolam do mundo alienado e hostil de
fora”.199 Uma sociedade necessita de sua memória, uma vez que esta ajuda interligar presente
e passado. “Uma história de vida não é feita para ser arquivada ou guardada numa gaveta
como coisa, mas existe para transformar a cidade onde ela floresceu.”
200
Por isso é que se
torna necessário um trabalho de conscientização para a preservação da cultura e da memória,
é onde reforça o princípio da “polis grega”, o espaço da democracia e do compromisso
coletivo.
O Patrimônio cultural é fonte de preservação da memória, pois nos remete ao
recordar, ao manter-se vivo e ao consciente. A preservação da memória de manifestações,
como interpretações musicais e cênicas, rituais religiosos, conhecimentos tradicionais,
196
Casa do Senhor José Caetano de Freitas, Bem Tombado 001 – Decreto Municipal nº 16/2002.
FENTRESS, 1992, p.65.
198
ABREU, 2003, p.164-165.
199
BOSI, 2003. p.25.
200
BOSI, 2003, p.69.
197
75
práticas terapêuticas, culinárias e lúdicas, técnicas de reprodução e de reciclagem, a que é
atribuído valor de patrimônio cultural, tem uma série de efeitos: 1) o patrimônio cultural
aproxima o passado e o presente; 2) a tradição cultural transmitida oralmente viabiliza uma
leitura da produção cultural dos diferentes grupos sociais, valoriza essa produção, seus
produtores e consumidores, e automaticamente a preservação do patrimônio; 3) cria melhores
condições para o cumprimento legal do “direito à memória”, dos “direitos culturais de toda a
sociedade” seja local ou nacional; 4) contribui para inserção de novos sistemas como o
mercado de bens culturais, turismo, bens produzidos, leituras e releituras e a continuidade
histórica e cultural sem perda de valores e do sentido particular existente.201 Daí a necessidade
de “preservar elementos fundamentais para um desenvolvimento humano durável (...);
preservar e promover culturas tradicionais e populares como fontes de inspiração para a
criatividade contemporânea”.202 Não será possível uma continuidade, ver o que se passou e a
importância de ter o passado como referência, se não houver preservação da memória. Na
verdade, são necessárias novas alternativas, para conciliação entre o antigo e o novo, sem
perder nenhuma das características entre os dois.
Mário de Andrade teceu narrativas e desenvolveu propostas preservacionistas. [...] A
construção do patrimônio cultural brasileiro constitui também uma narrativa sobre o
Brasil, visto que nela estão as marcas dos narradores, como os vestígios das mãos
das paneleiras em suas panelas. Mas essas narrativas também nos marcam e nos
constroem, condicionando as nossas relações com o patrimônio espiritual brasileiro.
É por isso que somos aquilo que somos.203
Essa visão patrimonial atropela o conceito “limitado”, que contempla apenas a
museulogia e a guarda de objetos e coleções, como se algo ficasse parado no tempo. As
propostas de preservação do patrimônio cultural e da memória abrangem mais que isso, nas
palavras de Claude Lévi-Strauss, quando diz que o “patrimônio cultural a ser preservado não
inclui apenas a história e a arte de cada país, mas o conjunto de realizações humanas em suas
mais diversas expressões. A noção de cultura inclui hábitos, costumes, tradições, crenças;
enfim, um acervo de realizações materiais, e imateriais, da vida em sociedade”.204
Na atualidade, é fácil defender a idéia e a importância de preservar a memória e o
patrimônio cultural. Mas quem seriam os responsáveis por essa preservação? “A comunidade
é a verdadeira responsável e guardiã de seus valores culturais”.205 Mas para que isso aconteça
é necessária também uma valorização através dos órgãos competentes, como: Conselhos do
201
ABREU, 2003, p.72.
ABREU, 2003, p.73.
203
ABREU, 2003, p.107.
204
Apud ABREU, 2003. p.33.
205
IEPHA-MG, 2006.
202
76
Patrimônio Cultural e Histórico, Prefeituras e Câmaras Municipais, Igrejas, Arquivos
Públicos, Sindicatos, através de atividades de educação patrimonial nas escolas,
conscientização do poder público sobre a importância deste trabalho, divulgação e
preservação dos arquivos públicos e privados e uma série de atividades possíveis para a
valorização e preservação da memória. É preciso entender e vivenciar a necessidade de uma
memória, de um patrimônio, que vai muito além de objetos, como acontece no mundo oriental
que não vêem nos objetos única forma de tradição cultural, mas no conhecimento necessário
para produzi-los. É mais importante preservar e transmitir o que se produz e manter viva a
tradição do que simplesmente preservar objetos. “De acordo com essa concepção, as pessoas
que detêm o conhecimento, preservam e transmitem tradições, tornam-se mais importantes do
que as coisas que as corporificam.”206 É uma questão de “Educação”, no sentido mais amplo
do conceito. Essa preocupação e dificuldade de preservação são visíveis no município de
Nova Serrana quando Frei Anselmo, um dos frades carmelitas que veio para a cidade na
década de 60, comenta que “a situação econômica da cidade é boa, mas o nível cultural é o
mais baixo da redondeza. As únicas pessoas formadas, na época, são as professoras e estas
não faziam nada para a formação humana.”207
Cultura e memória estão em movimento contínuo, cíclico no qual o velho se
mistura ao novo, mesmo que as fronteiras não existam no mundo contemporâneo. “Usando a
metáfora que diz que, quando morre um ancião numa comunidade tradicional, queima-se uma
biblioteca inteira, a Recomendação da UNESCO entende que a ‘natureza efêmera do
patrimônio imaterial o torna vulnerável. É urgente agir’ (1993)”.208
Depois de tratar das questões sobre a importância de se preservar a memória e o
patrimônio cultural, é necessário reforçar que existem diversos fatores que promovem uma
ação contrária e ao mesmo tempo são necessárias para que esta consciência de preservação se
desperte. A migração é fator importante que cria um desapego do tradicional, como diz Ecléia
Bosi (2003): um “desenraizamento”, no qual o migrante, principalmente o que sai da zona
rural ou lugares menos desenvolvidos, “perde a paisagem natal, a roça, as águas, as matas, a
calça, os animais, a casa, os vizinhos, as festas, a sua maneira de vestir, o entoado nativo de
falar, de viver, de louvar a Deus... Suas múltiplas raízes se partem. (...) Seria justo pensar a
cultura de um povo migrante em termos de desenraizamento”.209 O migrante apresenta duas
206
ABREU, 2003, p.49.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana, volume 02, p.23v.
208
ABREU, 2003, p.82.
209
BOSI, 1983, p.405 apud BURITY, 2002.
207
77
variantes em termos de desenraizamento: ele perde suas raízes de onde veio e acaba por não
se localizar aonde chega. Caso esse processo de enraizamento não se concretize aonde chegou
e não consiga voltar para sua terra de origem, logo terá conseqüências em relação aos filhos,
que também ficarão sem referências históricas. Mais ainda, será através do processo histórico
e da memória dos antigos que as pessoas criam raízes, tanto de onde vêm como aonde
chegam: não haverá uma receptividade muito grande da história do migrante, como também
não consegue se estabelecer e enraizar tão rapidamente aonde chegou, a ponto de não saber
muito ou quase nada sobre o local de sua chegada, raramente existem pessoas que procuram
conhecer completamente a história do local antes de se estabelecerem na região.
“Na
condição de migrante, a raiz principal de sustentação do indivíduo se fragmenta: vem
enxertar-se nela uma multiplicidade imediata e qualquer das raízes secundárias que deflagram
um novo processo.” 210 Esse mudar de localidade, muda tudo, a dieta, o trabalho, os hábitos da
casa e até mesmo algumas condições religiosas, o migrante muitas vezes se sente ameaçado
pela diversidade ou variação que o espera na comunidade receptora.
Outra questão importante é o fato das pessoas que voltam da migração, a cidade
que os recebe de volta, os recebe com estranheza, pois “quem voltou da migração traz na sua
fala, em suas malas, nos adornos da vestimenta, nas tatuagens nos braços, nos
eletrodomésticos – rádio, aparelho de som – impressões da ‘modernidade’ que invadem o
povoado como fantasmagóricos”.211 E mesmo assim, “os jovens e os antigos do lugar vivem
esse confronto com diferentes influências que passam a reorientar, na heterogeneidade, as
condições presentes dos indivíduos”212. Tudo se torna monstruoso, assustador, mas ao mesmo
tempo é atraente e propõe uma constante busca e entendimento, com o tempo se acostuma e
as coisas voltam ao seu lugar. “O monstro é transgressivo, demasiadamente sexual,
perversamente erótico, um fora-da-lei: o monstro e tudo o que ele corporifica devem ser
exilados ou destruídos”. É esse outro lado da estranheza que pode levar à repulsão do que é
antigo ou do que é novo. É interessante como é visível esse processo na cidade de Nova
Serrana, por ser uma cidade industrial e de crescimento rápido, atrai inúmeras pessoas de
diferentes lugares do país, são pessoas que vêm tentar melhores condições de vida e acabam
por fixarem ou repudiarem o lugar. A cada final de ano esses migrantes voltam à sua terra de
origem e para lá levam o que adquiriram, são capazes de levar móveis, motocicletas
desmontadas nos bagageiros dos ônibus. A chegada em sua terra natal é de euforia, de sucesso
210
DELEUZE e GUATTARI, 1997 apud BURITY, 2002.
BENJAMIN, 1994 apud BURITY, 2002.
212
BURITY, 2002.
211
78
e de conquista. O novo atrai os olhares de todos, a sensação de conquista toma conta de quem
sonha em melhorar, o que impulsiona novas pessoas a se organizarem ou simplesmente
começarem novas aventuras e virem para esta nova conquista. A cidade é formada por 78%
de migrantes213, a cada ano aumentam 1.500 alunos nas escolas municipais214, na década de
1990, a cidade triplicou o seu tamanho.215
Nesse processo, constantemente, existem pessoas mais velhas e tradicionalmente
moradoras da cidade reclamando que tudo mudou. Reclamam que “não se tem a mesma
segurança”, de “que o mundo está perdido” e na maioria das vezes “não conseguem entender
e muito menos explicarem tamanha transformação”. Dona Geni e Dona Terezinha assinalam
que a chegada de pessoas de fora foi boa e ruim ao mesmo tempo, vieram “joio e trigo” mas
questionam que a tranqüilidade ficou comprometida, “não se pode mais deixar a casa aberta
por um instante”.216 Dona Geralda fala que a chegada do migrante foi importante para o
progresso da cidade, mas “agora do jeito que tá, todo mundo morando é numa cadeia”,
quando se refere a situação de violência que a cidade vive.217 Senhor Agostinho também
reclama que “antes todo mundo conhecia todo mundo” agora não conhecemos mais
ninguém.218 A pouca formação ou os princípios formadores do antigo impedem de entender o
que se passa diante da transformação e da chegada do novo. Certo saudosismo toma conta
dessas pessoas, chegam a pensar que não compensa o desenvolvimento. As relações de
consumismo reforçam mais ainda essa sensação do inexplicável. Vive-se um processo de
globalização na esfera da produção e principalmente na do consumo. A sociedade de consumo
reforça valores como a ganância, a ansiedade pelo ter mais, a busca cega pelo sucesso, reforça
o individualismo e a necessidade de sobreviver no mundo da competição. “Daí a afirmação de
que o capitalismo contribui diretamente na constituição de personalidades narcísicas219 que
213
IBGE, Censo Demográfico 2000.
Secretaria Municipal de Educação e Cultura, Plano Decenal Municipal de Educação.
215
Prefeitura Municipal de Nova Serrana, Plano Diretor.
216
MARTINS,Terezinha Duarte. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura. MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista
concedida a Reginaldo Silva, Projeto Memórias, Departamento de Cultura.
217
AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura.
218
COSTA, Agostinho Sebastião da. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva,
Projeto Memórias, Departamento de Cultura.
219
O narcisista é identificado como aquele que se preocupa mais “com o modo como se apresenta do que com o
que sente”; “são egoístas, centrados em seus próprios interesses”; “cultivam a riqueza, a notoriedade e o êxito,
em detrimento da sabedoria, da dignidade e do respeito por si próprios”. Não vem ao caso discutir este termo no
momento, uma vez que não é este o objeto de estudo.
214
79
são ‘indiferentes’ aos destinos da vida pública e exclusivamente voltada para um hedonismo
privado, que gira em torno do consumo passivo de bens materiais e de outros [bens].”220
A especulação é a forma de se aproveitar do novo que surge e ao mesmo tempo
roubar o espaço do tradicional, o antigo e o novo se misturam. Os bairros ganham novas
formas através do trabalho de seus moradores, cria-se um contorno humano e
conseqüentemente uma supervalorização do espaço, até mesmo financeira. É nesse momento
em que as imobiliárias passam a comprar todo o espaço, mesmo que os vizinhos queiram
resistir, os edifícios dominam esse espaço, rouba a privacidade, o sol, a luz e o horizonte.
Uma das conseqüências desse movimento é o acuamento das pessoas mais velhas, o processo
de esquecimento e a não percepção da transformação. Suas raízes se rompem e por pouco
tempo sobrevivem. “Mudança e morte se equivalem para o idoso. [...] A sobrevida de um
grupo se liga estreitamente à morfologia da cidade; esta ligação se desarticula quanto a
especulação urbana causa um grau intolerável de desenraizamento.”221 O migrante traz
consigo uma nova configuração do espaço, novas culturas e uma nova realidade.
A cidade começa a se reorganizar de acordo com as origens de seus moradores. Os
bairros ganham características de acordo com as localidades de origem do processo
migratório, em Nova Serrana, essa prática se observa a partir da fala das pessoas, das festas,
da freqüência em praças, bares, igrejas. Os bairros assumem características de cada região do
país, de onde vieram seus moradores. Os sotaques se misturam. A cidade tipicamente mineira,
pacata e tranqüila, agora recebe um grupo de baianos que vendem acarajé e vatapá em plena
praça; ou o cearense que com sua fala e vocabulário convida os vizinhos para uma “buchada”
ou “sarapatel” em sua casa; em plena praça, nos sábados à tarde, é possível encontrar um
grupo de gaúchos tomando “chimarrão”.222 É a formação de uma cultura híbrida223 que se
forma ao longo do processo de migração e transformações das cidades, é a reconfiguração dos
espaços e o desaparecimento das fronteiras.
Como se trata de um processo contínuo da industrialização e sua influência nas
transformações culturais; é importante notar que o “progresso”, principalmente o industrial,
pode também trazer certo retrocesso nas relações sociais, na medida em que avança e acaba
por empurrar para um lado a memória daqueles que ajudaram na construção daquela
220
COSTA, 1986, p.140 apud BURITY, 2002.
BOSI, 2003, p.75.
222
O ramo de atividade de Nova Serrana é a produção de calçados, por isso atrai tantas pessoas do Vale dos
Sinos no Rio Grande do Sul e tantas outras da região Nordeste do Brasil. Ao mesmo tempo, que se recebe
trabalhadores braçais que constroem a cidade, recebe também mão-de-obra especializada ou não para o trabalho
na indústria. A malha migratória é ampla, se encontra pessoas das mais diversas regiões do país.
223
CANCLINI, 2002, p.67.
221
80
realidade. Visto que a indústria transforma o processo cultural, existe ainda outro fator
importante que é o fato de algumas cidades preservarem seus costumes e tradições, seu
folclore e monumentos, uma forma de manter vivo um passado que ajuda a criar raízes,
valorizar o espaço existente.
É mesmo um paradoxo pensar na preservação do patrimônio cultural e encarar o
processo de industrialização para o desenvolvimento, como acontece em Nova Serrana.
Enquanto um se propõe preservar o antigo como fonte de informação, enraizamento e
manutenção das tradições locais, a memória, o outro se propõe a buscar a inovação,
abandonar o que é velho e inútil para uma sociedade que progride constantemente. Em Nova
Serrana, para uma grande parcela da população, as tradições se tornaram antiquadas, uma vez
que todos querem coisas absolutamente novas e que foram produzidas apenas para sustentar o
mundo industrializado e capitalista. Por outro lado, também se torna quase inviável uma
sociedade retrógrada e estagnada nos ideais dos séculos anteriores. Se assim fosse, não
justificaria o desenvolvimento tecnológico e científico adquirido em tão pouco tempo, depois
da Revolução Industrial.
Trata-se do aspecto industrial como principal fator de transformação da cultura, já
que, a partir do momento em que as condições humanas melhoram em um determinado lugar,
automaticamente a notícia se espalha, outros tantos começam a chegar e todo o processo se
reinicializa com seus desafios e necessidades. Segundo Joanildo Burity, “o surgimento de
uma cultura de massa planetária é profundamente importante para a formação de novas
identidades marcadas pela transterritorialidade e pelo multilingüismo”
224
, e também pelo
multiculturalismo, poderíamos acrescentar, que a facilidade e a rapidez com que a notícia
chega em todos os lugares faz com que tudo se torne mais rápido e mais próximo, ao mesmo
tempo forma também uma sociedade fragmentada, multifacetada e sem nexos.
Não é fácil, então se adivinhar quando esta globalização/ fragmentação é instituinte
de um novo modelo cultural mais democrático e antitradicional, ou quando produz
um movimento modernizador / conservador que contamina um novo modelo cultural
com traços culturais tradicionais e na maior parte das vezes antidemocráticos. [...]
Praticamente, não existem mais culturas puras. O mundo da humanidade constitui
um total de processos múltiplos interconectados, e os esforços para decompor em
partes esta totalidade, que logo não pode ser rearmada, falseiam a realidade.225
224
225
BURITY, 2002, p.89.
WOLF, 1975 apud BURITY, 2002, p.89.
81
A indústria que movimenta a chamada “indústria cultural” necessita da novidade,
da variação. “Na verdade, a renovação do interesse sobre cultura extrapola o que poderia ser
um mero modismo acadêmico para surgir como um novo entendimento da modernidade”226.
É verdade, porém, que nossos ritmos temporais foram subjugados pela sociedade
industrial, que dobrou o tempo a seu ritmo, “racionalizando” as horas de vida. É o
tempo da mercadoria na consciência humana, esmagando o tempo da amizade, o
familiar, o religioso... A memória os reconquista na medida em que é um trabalho
sobre o tempo, abarcando também esses tempos marginais e perdidos na vertigem
mercantil.227
O grau de crescimento acima do desejado por aqueles que prezam as tradições
mais antigas e o número dos migrantes seja cada vez maior, tem levado Nova Serrana a uma
ampliação da discussão quanto aos caminhos para a preservação da memória e tradições
locais. Só assim será possível um presente ligado ao passado. “As chaves do futuro e de
utopia estão escondidas, quem sabe, na memória das lutas, nas histórias dos simples, nas
lembranças dos velhos.”228 Conhecer mais sobre o Brasil, Minas ou Nova Serrana, é buscar
nesses espaços a memória, a trajetória, enfim, memórias que ainda vivem na história de cada
pessoa que chega ou que sai, mas que acabam por fazer história.
226
BURITY, 2002, p.91.
BOSI, 2003, p.53.
228
BOSI, 2003, p.208.
227
82
3- Cultura Popular, religiosidade e tradições de Nova Serrana e Oeste de
Minas Gerais
Do ponto de vista étnico e cultural o Brasil é um exemplo único. Mestiço por
natureza, a nação foi e ainda vem sendo amalgamada sob o signo da mistura, das trocas de
natureza sexual, ética e cultural. No século XVI, quando chegou nessas terras o europeu,
imediatamente este se mistura ao índio, em todos os sentidos, e não havia como ser diferente,
uma vez que a empreitada ultramarina era reservada quase que exclusivamente aos homens,
sobretudo nos primeiros tempos. Por uma tradição cara na maior parte das culturas
ameríndias, o menino que nascia dessa relação era criado pela mãe, formava-se nos
primórdios de nossa história, os primeiros casos de hibridismo, cultural e étnico.229 Mais
tarde, o branco introduz nessas terras o negro, que vinha para trabalhar na condição de
escravo. As relações então estabelecidas, entretanto, não eram democráticas nem amenas.
Imperava a hierarquia, tanto assim que a cultura brasileira não é a européia, nem a indígena e
nem muito menos a africana, mas um amalgama das três, não necessariamente equilibrado.
Somos ocidentais. A maior parte de nossas instituições, crenças, valores, religião, aproximase da cultura européia, mais especificamente portuguesa. Não existe uma única característica
que defina de fato a cultura brasileira. O fato é que o país é uma mistura de vários povos,
costumes, raças e crenças. Talvez por essa razão o brasileiro seja tão alegre e festeiro. A Festa
se mistura ao seu sofrimento ajudando a amenizá-lo.
Os Estados de Minas Gerais e São Paulo, antes províncias, e mais remotamente
ainda capitanias se destacaram pelas características da constituição do seu povo, uma mistura
do sertanista que buscava novas terras, do índio que ajudava na busca das minas e do negro
que trabalha no processo da mineração. Ao sabor da procura desenfreada por riquezas
minerais, as bandeiras trazem consigo a transformação, o novo, a civilização. Tudo é abrupto
no início, mas essa não é a maior preocupação dos aventureiros, o objetivo inicial era apenas
buscar riqueza para alcançar a nobreza. Pode-se dizer que as mudanças no processo cultural se
deram como conseqüências das dificuldades encontradas durante o processo de mineração.
Na medida em que o povoamento avança e a população fixa na região das minas, formam-se
também novas tradições e costumes. A região de Minas Gerais passa a ter suas
particularidades, seu modo de viver e de sentir; sua comida, danças, costumes, sua
religiosidade, suas festas. Um povo quieto, desconfiado, mas que na espreita é capaz de
229
FREIRE, 1985, Capítulo 1.
83
produzir e se destacar no que faz. São as minas de Drumond, de Adélia, de Guimarães Rosa,
de Kubitschek, de Tancredo e tantos outros, “pois Minas Gerais é muitas. São pelo menos
várias Minas.”230
Ao longo desse processo, alguns costumes foram preservados, outros
desapareceram ou foram esquecidos ou ainda passaram a ser conservados apenas por uma
pequena memória local. Considerando a mobilidade natural dos processos culturais, podemos
afirmar que o tempo passava mais devagar até certo ponto do século XX. Muitas pessoas que
hoje vivem em Nova Serrana, lembram do tempo em que a cidade não tinha luz elétrica, todos
se conheciam, as casas dormiam abertas e etc.
A industrialização mudou tudo isso relativamente muito rápido. Hoje não há como
conhecer a todos, sequer na sua própria rua, não se pode mais dormir com a casa aberta, e a
movimentação, o barulho e a poluição, entre outras coisas lembram constantemente os
moradores da condição atual da cidade. O objetivo da maioria da população que chegou
durante os anos de crescimento da cidade é trabalhar, melhorar a condição financeira, pouco
se importando em criar raízes com o lugar, com suas tradições. Mas isso é natural, pelo menos
na contemporaneidade, onde os processos migratórios já produzem um desenraizamento231,
um deslocamento na vida das pessoas que chegam ou que saem, esse deslocamento reforça o
esquecimento da memória.
Na contemporaneidade, a população em geral queixa-se de que a Nova Serrana é
uma “cidade é ruim”, “que aqui não tem nada para ser feito nos finais de semana”, “que a
cidade só serve para trabalhar” e “que aqui não tem cultura”. A queixa da população talvez
diga respeito à falta de atrativos como cinemas de última geração, shoping-centers modernos,
boates, danceterias e etc. Tudo é efêmero na cidade do calçado. Nesse sentido, pode-se dizer
que existe certo descompasso temporal. Nova Serrana mantém relativamente acesas e
robustas festas e tradições culturais, que constituíam em outros tempos espaços privilegiados
de sociabilidade e convivência. As festas populares são muitas, ocorre que muitas dessas
manifestações culturais sequer são conhecidas por parte da população, por conta das
características e peculiaridades de Nova Serrana. Por outro lado, como a diversidade
populacional é grande, a cidade apresenta um potencial cultural muito vasto. Esta chegada
incessante de pessoas leve a esse desconhecimento com relação às manifestações culturais e o
processo histórico regional. Pouco se conhece sobre as manifestações culturais locais, até
230
GUIMARÃES ROSA apud PINTO, Bilac. Discurso Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais.
Diário do Legislativo, 08 de agosto de 2001.
231
WEIL, 2001, p.54.
84
mesmo os professores de História e disciplinas afins que chegam à cidade para trabalhar estão
à margem do que se passa na cidade ou de sua história.
Esse descompasso entre moradores mais antigos e novos migrantes, natural na
contemporaneidade e diluído em cidades maiores ou que passaram pelo ápice do crescimento
populacional e urbano, é muito sentido em Nova Serrana. A população residente há mais anos
na cidade, que presenciara e vivenciara o processo de desenvolvimento, que viveram os
dramas de uma cidade sem energia elétrica, ruas sem calçamento e falta de água tem uma
relação de outra ordem com a cidade, emocional, com fortes raízes. A cidade é um
componente importante na conformação de sua identidade. Quem chega à Nova Serrana e vê
quão é promissora e como cresce constantemente, não faz idéia do que acontecia na cidade há
vinte anos, hoje é uma cidade que se movimenta a passos largos e se modifica a cada instante
tanto na infra-estrutura como no interior das fábricas, não se usa mais a lamparina nem a
sovela para confeccionar calçados em empresas totalmente informatizadas, muito menos a
faca feita de serra Starrett, uma vez que o balancim já utiliza jatos de água para cortar o couro
e a modelagem que antes era feita à mão, hoje conta com o sistema à laser do CADICAM.232
Diante desse desenvolvimento, a cultura e tradições locais se vêm acuadas e até mesmo
desconhecidas por uma grande maioria da população. O que faremos agora é um mapeamento
da cultura alimentar local, algumas descrições das festas religiosas e mais manifestações da
cultura popular neo-serranense.
3.1. A cultura alimentar de Nova Serrana e região
A alimentação é um dos traços mais característico de uma cultura, assim, não
analisar a cultura alimentar do oeste mineiro seria uma falta inestimável. Era um expediente
do homem colonial e das populações indígenas antes da chegada dos europeus a estas terras, a
hábito de procurar na natureza parcela importante do seu sustento diário. A natureza era uma
fonte praticamente inesgotável de alimentos e outros recursos indispensáveis à vida.233 Saber
como extrair do meio ambiente os meios básicos para a subsistência foi uma vantagem vital
para aqueles que sabiam tirar proveito de tal situação. Neste ínterim os paulistas levavam uma
ligeira vantagem com relação a seus concorrentes reinóis, uma vez que seus laços com as
232
SINDINOVA – Sindicato Intermunicipal da Industria de Calçados de Nova Serrana. O sistema CADICAM
facilita o sistema de modelagem através da informatização e do corte das peças através de laser, que mais tarde
servirá para transformar em moldes de aço para o corte ou em gabaritos para as máquinas que também utilizam
laser ou jato de ar e água para o corte.
233
Para maiores informações a este respeito ver: HOLANDA, Sergio Buarque de. Caminhos e Fronteiras.
85
culturas indígenas lhes legavam conhecimentos extraordinários de como viver naquele meio
tão hostil àqueles que desconheciam os segredos das matas e sertões. Em determinadas
circunstâncias de extrema penúria vivida pelos mineiros durante os primeiros anos de
mineração nas Gerais, tais conhecimentos foram crucias para determinar aqueles que teriam
sucesso naquela dura empreitada da mineração. Para sobreviver, muitos homens “se
aproveitaram até dos mais imundos animais” para se alimentarem.234 O alimento era coletado
na natureza das mais diversas formas. Raízes, animais de pequeno e médio porte, frutos e
legumes de todo o tipo, ovos, mel e até mesmo insetos eram utilizados como fonte de
alimento por aqueles homens que se aventuravam por meses, e não raro anos, no coração do
Continente ainda “selvagem”.235
A partida para as minas era uma aventura, o transcurso da viagem, ás vezes
mortal. Cada um, com o seu comer frugal na sacola, partia, confiante, movidos pela miragem
do ouro. Esperava-o, muitas vezes, o pior dos padecimentos: a fome. Desse início difícil,
paradoxal, nasceu a necessidade de comer de tudo, característica do povo mineiro: Maxixe,
umbigo de bananeira, palma, banana verde refogada, mandioca cozida, frita ou ensopada.
Milho - verde, pamonha, fubá, mingau, broa, cubu. Farinha de mandioca e farinha de milho.
Angu doce, com canela e recheado com queijo curado, servido aos nacos com café.
Refogados de broto de samambaia, broto de abóbora, broto de bambu, chuchu, caruru. Orapro-nóbis. Inhame e cará. Taioba rasgada refogada. Abobrinha batida e refogada. Abóbora
madura. Doce de abóbora. Garapa, melado e mel. Sal e açúcar muito pouco, pois custava
muito dinheiro. Tatu, gambá, capivara, jacu, inhambu e outros da fauna silvestre ajudavam a
completar o cardápio. Mais ou menos isso compunha a alimentação dos homens que saiam de
várias partes de São Paulo e Bahia e se entranhavam pelas florestas das Minas Gerais, para
conquistarem as sonhadas jazidas de ouro. 236
Paulatinamente, a questão do abastecimento de gêneros alimentares na região
mineradora foi equacionada, através da introdução da agricultura em mais larga escala nos
arredores das principais vilas e localidades da Capitania das Minas Gerais e com o afluxo
cada vez maior de gado àquela região, proveniente principalmente dos arredores do Rio São
Francisco e demais terras ao longo do caminho que ligava Salvador às Minas Gerais. A
principal região produtora de alimentos nas Minas era a Comarca do Rio das Mortes, grande
produtora de milho, legumes e suínos, seguida pela Comarca do Sabará. Com o tempo
234
Idem. p. 56.
CATÃO; SOUZA. 2007. p. 1.
236
Idem. p. 3.
235
86
também se estabeleceram nas Gerais redes de comerciantes que garantiram o abastecimento
de todo gênero de mercadorias àquela região, desde gêneros de primeira necessidade, até
utensílios do mais alto luxo que alcançavam ali preços muito maiores do que os observados
no litoral. Com a melhoria da rede comercial, as classes mais abastadas passaram a ter acesso
à oferta mais diversificada de produtos: além da carne de porco e seus derivados, boi,
codornas, pacas, carneiros, frangos, bacalhau, amêndoas, azeite, farinha de trigo, sal, vinhos
entre outras iguarias.237 A estabilidade referente ao abastecimento e o estabelecimento
administrativo da Coroa portuguesa naquela região consolidariam de vez a colonização da
região mineradora. Em meados do século XVIII a população da Capitania de Minas Gerais já
oscilava em torno de 450.000 pessoas. Ao lado da exploração aurífera, a produção de víveres
também foi uma atividade econômica de destaque nas Minas, verdadeira vocação marcante
mesmo nos nossos dias.
Os currais foram lentamente penetrando na capitania, espraiando-se pelos campos
próximos ao rio São Francisco, como um prolongamento natural da pecuária baiana. Da Vila
de Sabará saiam milho, feijão, arroz e cana-de-açúcar; das bandas da Vila Risonha e Bela de
Santo Antonio da Manga de São Romão chegavam gado, peixes e frutas do sertão; a Vila
Nova da Rainha produzia as “mimosas frutas de nosso Portugal”, maçãs, pêssegos e a Vila de
São Jose do Rio das Mortes era a mais abundante de toda a capitania, dela se sustentando, a
maior parte das comarcas, de toucinhos, gado, queijos, milho, feijão e arroz. Cultivado há
7.000 anos, o arroz tem origem asiática, chegando a Península Ibérica durante a ocupação
árabe. O plantio do arroz branco foi introduzido na América portuguesa desde o século XVI.
No século XVIII, ainda raro na mesa dos paulistas, já era comum nas refeições mineiras.238
Os bandeirantes paulistas prestaram grande contribuição à cozinha mineira, em
suas sesmarias (fazendas doadas aos súditos pela Coroa portuguesa) ou pelos caminhos
plantavam suas roças com a ajuda de seus escravos. Cultivavam de tudo um pouco, porém se
destacavam a mandioca e, em maior escala, o milho.239
Nas Minas coloniais, toda casa, mesmo nas principais vilas como Vila Rica,
Sabará, São João Del Rei e outras, o quintal era essencial na alimentação. Ao redor da casa
havia muitas galinhas e uma hortinha cercada para manter os pés de couves, salsas e
cebolinhas protegidos das aves ciscadeiras. No fundo do quintal, além das galinhas, havia
pequenas criações de porcos (heranças portuguesas) além da horta e pomar. Dos produtos da
237
BOXER, Charles R. A Idade de Ouro do Brasil. pp. 70-80.
Ver: BOSISIO, Arthur (coord.), CHRISTO, Maria Stella Libanio, ROCHA, Tião. Sabores e cores das Minas
Gerais: a Culinária Mineira no Hotel Senac Grogotó. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 1998.
239
CATÃO; SOUZA. 2007, p. 3-5.
238
87
horta, um dos favoritos era a abóbora, com a qual se preparam receitas salgadas e doces. A
couve também tinha papel de destaque. Dali as cozinheiras tiravam parte importante da
alimentação diária, poucos moradores das Minas podiam dar-se ao luxo de não recorrer aos
fundos de quintal. Numa época em que a troca de mercadorias era tarefa complicada, criar em
casa um animal do qual tudo se aproveita tinha valor inestimável.240
As quitandas são uma marca da cultura alimentar do oeste mineiro. A tradição de
fazer biscoito cozido não estaria também em outras regiões. Mas o importante é registrar o
movimento cultural que a receita exerce, ou melhor, exercia na cidade. Com o tempo e a
modernidade muitos costumes se desfizeram: entre eles a prática de reunir várias senhoras e
crianças para as conversas no sábado à tarde, e enquanto conversavam e discutiam os mais
diversos assuntos, faziam deliciosas quitandas de polvilho, farinha e fubá. O biscoito feito de
polvilho e farinha de trigo era cozido em água fervente, passado em uma leve calda de açúcar
e depois assado no forno de lenha, Dona Geralda conta que sua avó não só fazia para o
consumo da casa, como vendia nas confeitarias da cidade, como eram chamados os bares e
lanchonetes na época.241 No mesmo momento também se fazia broas de fubá de canjica
escaldada com gordura bem quente e misturada com um pouco de queijo fresco, ou ainda, o
“tarequinho” como é chamado o biscoito feito com fubá, farinha de trigo e leite. Outra iguaria
que se destaca na região é o famoso biscoito “pau-a-pique” feito com fubá de munho, leite e
ovos, o segredo é enrolar em uma folha de bananeira, amarrar e assar o pequeno embrulho
que também serve de decoração. As iguarias eram servidas com café, leite ou chá, ali mesmo
onde se encontravam aquelas senhoras e seus filhos. Dona Geni lembra que a “Ção
Biscoiteira” não só fazia as quitandas, como ensinava as pessoas que abriam padarias na
cidade.242
Dentre os pratos servidos nas refeições está o feijão tropeiro, que era prato comum
do dia-a-dia, ninguém convidava ninguém para comer estas coisas. Com o tempo estes pratos
ganharam o cardápio escolhido para as festas. O segredo da comida típica mineira é a sua
simplicidade, o que a torna mais difícil de fazer. O feijão era a comida mais simples e fácil de
preparar para o grupo que viajava com as tropas. O cozinheiro que ia à frente levava consigo
o feijão, a carne seca e farinha. Outro prato à base de feijão, oferecido nesta região é o tutu de
feijão, feito com o feijão estrelado e farinha de mandioca, temperado com cachaça e que vem
240
Ver: BOSISIO, Arthur (coord.), CHRISTO, Maria Stella Libanio, ROCHA, Tião. Sabores e cores das Minas
Gerais: a Culinária Mineira no Hotel Senac Grogotó. Rio de Janeiro: Ed. Senac Nacional, 1998.
241
AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serraa, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.
242
MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 05/10/2007.
88
sempre acompanhado de couve refogada e uma boa lingüiça de porco. Nesta mesma
simplicidade também se cozinhava o arroz misturado com galinha caipira, um prato simples,
mas quando feito na panela de ferro e no fogão à lenha ganha outro sabor. Das carnes, Dona
Terezinha recorda que não podia faltar o lombo de porco que depois de frito era colocado em
latas e coberto com gordura para conservar por mais dias até ser servido.243 Depois da
refeição servida não podia faltar sobremesa que ora estava guardada na cristaleira ou no
armário da cozinha. O doce de leite mole ou em pedaços era servido com queijo fresco, ou
como agora se apresenta nos mercados, “queijo minas”, mas junto vinha também o doce seco
de mamão ou abóbora, o doce de mamão enrolado e em compota.
3.2. Festa de Reinado de Nossa Senhora do Rosário
A origem desta manifestação religiosa no município remonta aos primeiros grupos
de Reinado, que foram criados no Distrito de Boa Vista de Minas no início do século XX. Na
cidade de Nova Serrana, a manifestação dessa tradição começou por volta de 1930 e se
consolidou a partir de 1985, quando um grupo de congadeiros e pessoas interessadas no
assunto se reuniram e começaram a organizar a “Festa do Reinado”. Ao que tudo indica, nesse
caso, alguns “forasteiros” identificados com tal manifestação cultural serviram de impulso
para tal festividade em Nova Serrana. Os precursores foram: Sr. Dilico, Padre Lauro, Vinícius
Peçanha e Frei Leonardo Lucas Pereira (ofm), entre outros. Tão logo a Irmandade de Nossa
Senhora do Rosário foi registrada em cartório e realizou-se a primeira Festa de Reinado na
cidade. É um espaço onde cantadores apresentam danças que se misturam aos toques de
caixas e pandeiros.
A Congada ou o Reinado, como se conhece, é um bailado de origem africana,
introduzido no Brasil durante a colonização e que foi utilizado como fonte de catequese pelos
padres jesuítas. A discriminação do negro fez surgir em diversas regiões igrejas dedicadas à
Nossa Senhora do Rosário, uma vez que o negro não podia freqüentar igreja de brancos. A
“Virgem do Rosário”, como ainda é chamada, é a santa do negro, por isso os cantos da
Congada são uma espécie de lamento, de choro que relembram as dificuldades enfrentadas
durante a escravidão. As roupas não só representam a festa com suas cores fortes, mas
também é uma forma de protesto, onde o povo pobre e sofrido passa à condição de reis,
243
MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 05/10/2007.
89
rainhas e princesas. Ao toque das caixas, cavaquinhos, pandeiros e baixos, o cortejo segue
pelas ruas com danças, coreografias e cantos para levar a imagem da santa em procissão.
A festa que começou no entorno da Igreja Matriz de São Sebastião em Nova
Serrana, se estendeu ao longo das ruas da cidade, quando foi construída a Capela de Nossa
Senhora do Rosário, passou a ocupar distâncias maiores e ao mesmo tempo, tornou-se uma
dificuldade para manter a estrutura e administração da Festa. Com um número grande de
barracas onde se vende desde alimentos e bebidas, até roupas, calçados, eletroeletrônicos,
artesanato, utensílios domésticos, ferramentas e se completa com jogos de azar, foi necessário
preparar uma estrutura maior e melhor. O mercado livre e informal se transforma em fonte de
diversão e renda. Geralmente, a festa começa na quinta-feira com shows, fogos de artifício e
só vai terminar no domingo, atraindo cerca de quinze a vinte mil pessoas. No domingo pela
manhã, a cidade começa a receber as guardas de congado que chegam de diversas cidades,
cada qual com suas roupas enfeitadas e coreografias diferentes. O convite para que estes
grupos cheguem é feito através de visitas em outras cidades pela Irmandade do Rosário e que
depois em uma relação de compadres o grupo passa de visitado a visitador. A cada cidade que
o grupo de Nova Serrana visita, passa a dever uma visita de volta. Durante toda a manhã do
domingo, durante a festa, estes grupos estão pela cidade com suas danças e músicas, depois se
reúnem nas casas dos “festeiros”, como são chamadas as famílias que oferecem o almoço.
Pela tarde se reúnem novamente na praça para realizarem a procissão e assistirem à missa na
Igreja Matriz. Na volta para a Capela do Rosário, saúdam as imagens veneradas, descem as
bandeiras e assistem ao espetáculo de fogos de artifício, em homenagem aos santos São
Benedito, Santa Efigênia, Nossa Senhora das Mercês e Nossa Senhora do Rosário.
3.3. Festa do Padroeiro São Sebastião
Não se sabe ao certo sobre a chegada da devoção à São Sebastião na região,
porém é possível fazer uma relação com o contexto histórico e a tradição quando analisamos
uma região com tropas de animais e mais tarde com a criação de gado, produção de couro e
artefatos de couro como arreios, selas e enfim, calçados. A tradição de que São Sebastião o
guerreiro que foi martirizado durante o Império Romano é protetor contra a peste e a doença,
ampliou a devoção entre fazendeiros que querem proteger a fazenda e seus animais. Com esta
devoção começam as doações de animais para as igrejas onde o santo é padroeiro. Nova
Serrana tem seu padroeiro desde a construção da capela por volta de 1909, os costumes das
90
missas e a festa com leilões de animais, barraquinhas e shows passaram a fazer parte do
calendário religioso local. Mais tarde, pelo calendário civil com a determinação do feriado
municipal dedicado ao Santo, mesmo que para conseguir a aprovação da Lei Municipal que
determina o dia 20 de janeiro como feriado municipal, foi necessária uma pressão da
comunidade católica, mesmo diante das manifestações contrárias geradas pela Igreja
Protestante local.
3.4. Cultos Marianos
3.4.1. Coroação de Nossa Senhora – mês de maio
“A devoção à Maria, a quem D. Afonso Henrique entregara a Portugal, era uma
crença fundamental na Igreja Católica e teve continuidade no Brasil, notadamente após o
resgate de sua imagem do fundo do Rio Paraíba, na Vila de Guaratinguetá, situada na
Capitania de São Paulo e Minas do Ouro.” 244 Durante o mês de maio as crianças se vestem de
anjos e fazem a coroação de Nossa Senhora da Conceição, o culto à imagem, padroeira de
Portugal, “venerada em Minas, primeiramente na ermida do Ribeirão do Carmo. Até meados
do século XIX, mais de uma centena de arraiais tiveram, em sua toponímia inicial, o nome de
Nossa Senhora, ao qual se acrescentava, às vezes, uma palavra indígena [...] ou que podia
variar com a graça recebida pelo fiel.”245
Em Nova Serrana, houve manifestações contrárias a esta tradição, como
aconteceram em várias reuniões do Conselho Pastoral da Paróquia de São Sebastião, quando
chegaram a afirmar que a “população não queria mais este tipo de manifestação e era preciso
atualizar ou criar algo novo e mais atrativo”
246
. Ainda hoje, a manifestação é pertinente e
valorizada pela tradição das mães que participam da coroação e ajudam a organizar as
crianças durante a devoção mariana. Os cantos enchem a igreja e os versos rimados
acompanham o oferecimento de flores, palmas, véu e coroa à Santa. Durante o momento da
apresentação a coroação da santa é aplaudida incessantemente pela população, antes estas
atividades eram incentivadas e acompanhadas pela Sociedade Filhas de Maria e mantinham a
tradição do terço na comunidade durante todo o ano. As festividades duram todo o mês de
maio, é complementada com manifestações de carinho às mães da comunidade, aproveitando
a data festiva do dia das mães. O que ficou para trás foram os gritos de leiloeiros que saiam
244
ANASTASIA, Carla Maria Junho, apud ROMEIRO, 2003, p.265.
ANASTASIA, Carla Maria Junho, apud ROMEIRO, 2003, p.266.
246
Livros de Atas do Conselho de Pastoral da Paróquia de São Sebastião.
245
91
em meio ao povo oferecendo prendas doadas pelas famílias e que depois de leiloadas, os
valores eram revertidos como donativos para a igreja. Eram enormes biscoitos quadrados de
polvilho que circundavam alguma carne assada, seja um frango, pernil ou lombo de porco,
acompanhado de uma garrafa de vinho ou cachaça e coberto por uma delicada renda feita com
papel seda. A criançada que participava da coroação ganhava ao final da atividade, doces e
amêndoas como gratificação pela homenagem oferecida à Santa. Eram na verdade doces e
balas de leite ou cartuchos, como eram chamadas as embalagens, que vinham cheias de
amendoim confeitado em caldas de açúcar.
3.4.2. Festa de Nossa Senhora do Carmo
Destes cultos ficaram também na tradição as festas de Nossa Senhora do Carmo,
que devido à tradição do Padre Libério mobilizar a comunidade para construir a capela no alto
da serra e benzer a água que lá corria, a tradição foi reforçada pelos frades carmelitas que são
devotos da santa. Durante a festa havia novenas, barracas e procissão até a capela no alto da
serra.
3.4.3. Festa de Nossa Senhora das Vitórias
Mais tarde chegou até a comunidade a devoção a Nossa Senhora das Vitórias, que
era mantida por Maria Rocha Aleluia, conhecida como Dona Neguinha, professora e
catequista da comunidade, fazia suas procissões com a santa que visitava as casas dos
devotos. Depois da morte da professora, na década de noventa, a tradição durou pouco tempo
entre as companheiras, existindo apenas na memória de poucos moradores de Nova Serrana.
3.5. Festa de São José
“Venerado em 171 paróquias e dá nome a doze municípios do Brasil.”247 É
protetor dos lares católicos, dando morte serena e cristã aos seus devotos e protetor dos
operários. Segundo a tradição, quem crê em São José tem seu trabalho garantido e jamais lhe
faltará o pão. Sua festa é comemorada no dia 19 de março, quando é véspera do solstício de
inverno, segundo a tradição popular, “se chove pelo São José é quase certo o inverno; se São
247
CASCUDO, 2001, p. 309.
92
José seco, nublado, chuviscando ou molhado, dá condições ao agricultor de fazer sua
meteorologia tradicional”248.
No município de Nova Serrana a Festa de São José é comemorada na Comunidade
de Moreiras, hoje bairro Moreiras. É uma festa composta por barraquinhas, shows e dança de
forró que também é comum por estas bandas onde misturam a mineiridade e outras regiões do
Brasil, principalmente a nordestina.
3.6. Folia de Reis
A tradição portuguesa, de uma dança rápida, ao som de pandeiro ou do adufe,
acompanhada de cantos, fixou-se no Brasil tomando características e modos típicos
diferenciados. No Brasil a Folia é bando precatório que pede esmolas para a Festa do Divino
ou para a festa dos Santos Reis Magos249 A tradição da Folia de Reis em Nova Serrana
começou juntamente com a Festa de Reinado. Os mesmos dançadores da Congada se reúnem
durante os meses de dezembro e janeiro para homenagear famílias, visitarem os presépios e
anunciar a epifania de Jesus (a visita dos Reis Magos ao Menino Deus). Vestidos de reis e
mascarados, estes homens cantam o nascimento do Menino Deus, rendem-lhe homenagens e
anunciam o seu nascimento. No dia seis de janeiro, dia dos Santos Reis, fazem a despedida do
presépio, outra tradição medieval deixada por São Francisco de Assis, na Itália e que faz parte
da maioria dos lares católicos em todo o mundo. Geralmente a Folia de Reis começa no dia 24
de dezembro, vésperas do Natal, e vai até o dia dois de fevereiro, dia de Nossa Senhora das
Candeias. A Folia percorre os sítios e as cidades, angariando auxílios para realizarem uma
ceia no final da festa. “A Folia de Reis não é tão popular como a Folia do Divino, que é viva
em vários estados do Sul do Brasil.” 250
3.7. A Festa de Cruz
As cruzes marcam os lugares de sepulturas e à beira das estradas, os lugares onde
alguém faleceu de morte violenta ou de acidentes. “A cruz de madeira assinalava jurisdição
regular, domínio de quem a chantava sobre a terra adquirida mesmo sem sinais exteriores de
248
CASCUDO, 2001, p. 310.
CASCUDO, 2001, p.242.
250
CASCUDO, 2001, p.242.
249
93
posse efetiva.”251 Nas regiões mineiras o cruzeiro não só demarcava as regiões, caminhos e
limites de terras como também faz parte das tradições religiosas populares. Algumas
comunidades rurais ainda mantêm a tradição de rezar nos cruzeiros que marcam os caminhos
de tropeiros e pequenos povoados. “Para os cristãos, a cruz representa Cristo, simbolizando o
seu suplício. Afugenta os seres diabólicos e os bichos de assombração.”252
A cruz que traz os símbolos da crucificação de Jesus (escada, martelo, torquês,
cravos, coroa de espinhos e um lençol), é enfeitada e com cantos e lamentos os devotos rezam
o terço e jogam água ao pé da cruz, pedindo chuva e melhora nas colheitas. “Em Minas
Gerais, fronteira de São Paulo e Goiás, e em todo o Nordeste, molha-se o cruzeiro para obterse chuva do céu, conservando-se desta forma uma tradição européia muito difundida. Na obra
de José A. Teixeira253, vê-se ‘Processo para fazer chover: molhar um cruzeiro – os homens e
mulheres carregam cântaros e cabaços de água: chegados ao cruzeiro, dão-lhe um banho
solene’.”254 Na época das estiagens prolongadas, nas secas do Nordeste e Sudeste, conserva-se
a tradição católica da oração pedindo chuva.255 Em muitos lugares aparecem procissões, onde
as pessoas levam pedras na cabeça, molham o cruzeiro ao meio-dia para salvar a plantação de
milho. Em outras regiões, como no Centro-Oeste de Minas é comum encontrar estes costumes
acompanhados de rezas, encontros entre famílias e o tradicional café, depois das rezas,
acompanhado de quitandas e delícias da culinária mineira. O pedido e a reza acabam seguidos
de iguarias e quase sempre de uma festa.
3.8. Encontro Celebrando
O encontro realizado entre as diversas denominações religiosas da Igreja
Protestante e Evangélica em Nova Serrana assumem uma posição de evangelização entre seus
fiéis, atrai um grande número de pessoas de outras localidades, que se reúnem para a
realização de cultos e louvores. O encontro que se iniciou em um pequeno espaço no centro
da cidade, hoje ocupa o Centro de Convenções e Eventos “Jaime Martins do Espírito Santo”,
com espaço mais amplo e de mais fácil organização. Com pouco mais de quatro anos, o
Encontro faz parte do calendário cultural da cidade.
251
CASCUDO, 2001, p.167.
CASCUDO, 2001, p.167.
253
Folclore Goiano, São Paulo, 1941, apud CASCUDO, 2001, p.167.
254
CASCUDO, 2001, p.167.
255
CASCUDO, 2001, p.136.
252
94
A primeira manifestação da igreja protestante a chegar à Nova Serrana foi a 1ª
Igreja Batista e a segunda foi por volta de 1980 com a Igreja Assembléia de Deus com o
Pastor Generoso. Dona Geralda relata que houve dificuldades para o início dessas igrejas, que
a população repudiava devido a concentração nas manifestações católicas, segundo ela “nem
podia falar”
256
sobre o assunto. Com trabalhos de ajuda e caridade à população, o Pastor
Generoso fundou sua igreja na cidade e incentivou a vinda de vários migrantes da região do
Norte de Minas (cidades como Capelinha, Poté, Malacacheta, entre outras), que passaram a
fazer parte do número de pessoas que compõem a cidade.
Seguidamente, foram instaladas: Igreja Batista Cristo Vive, Igreja Universal do
Reino de Deus, Igreja Presbiteriana, entre outras, o que corresponde a 30% da população,
segundo o Senso Cultural Paroquial realizado em 1996 257. A população protestante cresceu e
cresce em grandes proporções, bem como cresce o número de denominações religiosas em
diversas partes da cidade. Percebe-se que este movimento está diretamente relacionado ao
crescimento da cidade e relacionado à chegada dos trabalhadores, muitos dos quais são de
igrejas protestantes. Na verdade, a década de oitenta marca de fato um crescimento do
protestantismo no Brasil como um todo.
3.9. A Banda de Música
A arte musical esteve sempre presente nas cerimônias religiosas e civis, bem
como nas manifestações populares, surgindo paralelamente à edificação dos primeiros arraiais
e capelas. Os primeiros músicos que chegaram às Minas vieram provavelmente da Bahia e de
Pernambuco.258 A Banda de Música, a Lira Musical São Sebastião passou a fazer parte da
vida de Nova Serrana por volta de 1930, enfrentou dificuldades, chegou a parar as atividades
ora por falta de instrumentos, ora por falta de músicos ou maestro. Em 1972 um grupo de
pessoas resolveu se organizar e registrar a trajetória com vistas ao reconhecimento da Câmara
Municipal, no que foi bem sucedida a iniciativa, sendo assim reconhecida e beneficiada como
utilidade pública. A partir daí passou a prestar serviços para a comunidade, participar de
atividades religiosas e civis; a participar de projetos sociais e filantrópicos, criou-se a
Associação dos Amigos da Banda para receber ajuda financeira da comunidade. O poder
público passou a subsidiar algumas despesas, como é o caso do maestro e a Banda passou a
256
AMARAL, Geralda Pinto do. Inédito. Nova Serraa, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 29/10/2007.
257
Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana, Censo Cultural Missionário, 1996.
258
ROMEIRO, 2003, p.206-7.
95
enviar projetos para os governos Estadual e Federal o que resultou no recebimento de
instrumentos. O Encontro de Confraternização de Bandas de Música passou a fazer parte do
Calendário Cultural da cidade e reúne a cada vez, uma média de quinhentos músicos, que se
apresentam pelas ruas e nas praças, almoçam juntos e trocam partituras, experiências e
contatos, que os incentivam em melhorar e fazer novas apresentações. Afinal “todo mineiro
tem uma montanha brilhando nos olhos, um apito do trem nas veias e uma banda de música
nos ouvidos”.
3.10. A hospitalidade
Mineiro é assim, se a visita é agradável e é de confiança, é recebida na porta da
frente e tão logo levada para a cozinha, se não preenche os requisitos, fica na porta mesmo. O
ato de levar para a cozinha é uma forma de demonstrar o carinho e a confiança existente.
Mineiro pode ser desconfiado, mas quando confia, partilha muito de sua vida. A cozinha é um
livro que conta a vida da família, suas dificuldades e farturas, é onde está o calor do fogão que
também aquece a família à noite, depois do banho, ou de manhã antes de sair para o trabalho.
A xícara de café servida às visitas tem muito mais do que café, tem respeito e confiança, o
selo de acordos e negócios, o compromisso de acolher a quem veio simplesmente para saber
como havia passado depois de uma convalescença, tem o agradecimento pela conversa ou
pela ajuda no serviço que estava atrasado. Assim como as cidades são lugares fabricados para
o encontro, as tradições mineiras nasceram da convivência e das relações históricas. “A
cidade é lugar da criação, da fertilização, [...] na cidade, as densas relações entre os indivíduos
estimulam o conflito e a contradição, mas, também, a aproximação entre o eu e o outro.”259
Saint-hilaire quem se referiu com mais simpatia aos seus habitantes [da província de
Minas Gerais]. Manifestou-se o naturalista francês reconhecido à hospitalidade dos
habitantes de certas partes da província, tais como as comarcas de Vila Rica, Serro
do Frio, Rio das Mortes e Sabará. Gabou-lhes a polidez e a inteligência , tendo-os
mesmo como superiores aos outros brasileiros que conhecera.260
“Em geral a hospitalidade é própria dos brasileiros; porém nas estradas de
rodagem, como a que conduz a Minas Gerais, não há mais vestígio dela e o estrangeiro é
muitas vezes sujeito das mais exorbitantes exigências nos lugares em que pousa.”261 Os
antigos casarões quase não existem mais e se existem não estão totalmente abertos, como
eram no período colonial. Com o crescimento das cidades e conseqüentemente da violência,
259
HISSA apud BRANDÃO, 2006, pp.88-90.
FRIEIRO, 1982, p. 91.
261
FRIEIRO, 1982, p.82.
260
96
as casas se fecharam e foram fortificadas com altos muros e cercas elétricas. A hospitalidade
foi restringida.
Nossa língua-geral, hoje, é a do medo. Estamos diante de um complexo da violência.
[...] O complexo social da violência decorre da vacuidade simbólica produzida pela
crescente falta de correspondência entre os mitos modernistas explicadores do Brasil
e a imprevista e imprevisível realidade tecida por nossos impasses e pelo atrito
inamistosos de nossa convivência econômica, política, social e simbólica. Ele se
deve a nossos impasses crônicos: reforma agrária, distribuição de renda,
desemprego, fome, mortalidade e prostituição infantis, reconfiguração do universo
familiar das ditas “classes populares” em face aos novos desafios.262
Ao mesmo tempo em que a cidade é porto seguro para o viajante, é também “o
foco de difusão, local da partida, área de lazer e de violência”263. É nesse espaço que ajunta
pessoas com interesses, credos, etnias, origens diferentes, em busca de interesses e relações
comuns. Essa hospitalidade faz de Nova Serrana um lugar onde as pessoas são bem recebidas
e ajudadas reciprocamente, mesmo que algumas pessoas resistam a isso. Percebe-se essas
dificuldades entre os moradores mais antigos, quando apontam para os problemas enfrentados
a partir da migração, que consequentemente trouxe consigo “pessoas em quem não se pode
confiar” como descrevem no “Projeto Memória”. Durante os meses de janeiro e fevereiro,
quando notadamente chegam os migrantes, vemos pessoas explicando como funciona a
cidade, onde é o melhor lugar para comprar, onde está cada equipamento público, é migrante
residente apresentando a cidade para o novo morador.
3.11. A linguagem oral
O convívio da população nas fábricas de sapato cria um linguajar próprio da
região. Na maioria das vezes, a linguagem se torna arcaica e quem chega acaba por aprender
um novo sotaque e palavras, e que desaprende as normas da língua culta, uma vez que falar
corretamente é sinônimo de “estar gastando”, ou seja, tentando ser melhor do que as outras
pessoas que já vivem ali. Expressões como “Meus tomates” são comuns neste meio, quando
alguém quer reclamar quando outro dá uma gafe ou fala algo inusitado, considerado estranho
ou até fora de moda. Mas a linguagem que marca mesmo Nova Serrana é a expressão “bater
a capa” ou “torear”. Há uma relação com o esporte das touradas espanholas, mas também
não teria nada que ver com a vida diária da lida com bois. A expressão é usada quando se quer
irritar alguém ou debochar de alguma de suas atitudes. Outra expressão comum é dizer que
262
263
ARANTES, 2000, pp.299-300.
BARROS apud BRANDÂO, 2006, p.101.
97
“está na roia”, quando se está apertado de serviço ou não conseguiu acompanhar o serviço
organizado em série dentro das fábricas.
3.12. O entrudo
Dentre as culturas populares, o carnaval era preparado e esperado pela população,
mesmo sendo a favor ou contra. No início era conhecido como “entrudo”, uma brincadeira
que consistia em entrar nas casas das pessoas com baldes e latas de água, para molhar as
pessoas, muitas das vezes os moradores já estavam esperando com suas vasilhas cheias de
água. Mais tarde a brincadeira foi esquecida e dando lugar às danças, marchinhas e
brincadeiras nas ruas. Por um tempo a população jovem da cidade preferia o carnaval nas
cidades de Bom Despacho, Pitangui ou Pará de Minas. Quando os frades carmelitas chegaram
em Nova Serrana, sentiram a falta do carnaval, reclamaram que tudo estava muito quieto,
acharam que era necessário trazer de volta essa cultura para a cidade. Os motivos eram
simples: manter a juventude na cidade, promover maior segurança para todos, porque era
preferível um pouco de barulho na cidade do que a insegurança das estradas. O carnaval era
promovido pelos alunos do Colégio São José, que vinha acompanhado de encontros e
reflexões, depois foi assumido por um tempo pelo Clube Araguaia e mais tarde pela Prefeitura
Municipal. O crescimento da cidade, da violência e do alto consumo de drogas fez com que a
brincadeira tomasse outro rumo e tão logo acabasse. Hoje a juventude volta para as cidades
vizinhas que assumiram a prática do carnaval, ficam com o lucro do turismo e mantêm a
tradição.
3.13. Vida de operário novato
Como é uma cidade que recebe gente de diversos lugares todos os dias, recebe
também aqueles que nunca estiveram em uma fábrica de sapato e nem sequer tem noção sobre
o sistema produtivo do calçado. Estes funcionários são os que mais sofrem com a “bateção de
capa” dos funcionários mais antigos e até mesmo dos encarregados de produção e patrões.
Quantas vezes pediram ao funcionário recém-chegado na fábrica, para pedir ao vizinho o
martelo de desempenar vidro. Inocentemente a pessoa saia de fábrica em fábrica pedindo
ferramenta que jamais existiu, mas a brincadeira que já era conhecida entre os fabricantes,
fazia com que a pessoa continuasse a procura uma vez que era indicada outra fábrica como
98
referência. Isso só veio diminuir com o aparecimento de grandes fábricas e que não permitem
a saída de funcionários.
Outro costume interessante, e ainda prevalece, é pedir aos operários novatos e
aprendizes para buscarem o balancim de corte, uma das máquinas maiores e mais pesadas da
fábrica. O “pobre coitado” era enviado com uma pequena caixa de papelão para pedir tal
ferramenta. Só mais tarde é que se percebe que é pura embromação, mas tão logo que entra
outro desavisado, a brincadeira começa tudo outra vez.
3.14. Personagens folclóricos
Devido ao fato de ser uma cidade pequena onde a maioria das pessoas ainda se
conhecem e os mais antigos sabem quem é filho de quem e as origens de cada um. Os
professores mais antigos conhecem bem a família de seus alunos, porém com a influência da
indústria e o crescimento populacional, ficou um pouco difícil de localizar e identificar a
todos. Os números aumentaram e quando se chega às salas de aula encontramos pessoas de
várias regiões do Brasil e pouquíssimos alunos que são nascidos na cidade, sem contar que
muitos professores vêm de outras cidades para trabalharem e o distanciamento se torna maior.
A tradição mineira de conhecer a vida, a origem e os atos de cada um se esvai com
o tempo e o crescimento das cidades industrializadas. Os apelidos ainda existem por fazerem
parte da tradição das fábricas e da vida dos operários. A cidade de Cláudio/MG, por exemplo,
vive essa relação sobre apelidos de forma intensa, quando a Secretaria Municipal de Cultura
realizou um trabalho para localizar a origem dos apelidos na cidade e criaram um catálogo
telefônico orientado pelos apelidos, tentaram, inclusive, colocar os apelidos nos talonários de
cheques. Em Nova Serrana essa relação sobre apelidos não é muito diferente, às vezes é mais
fácil encontrar as pessoas por seus apelidos do que pelo próprio nome, como é o caso do Sr.
Zezito (José Silva Almeida), o Carniça (Libério), o Aragalo (Iraci), o Catraca (José
Eustáquio), a Nita (Maria Verônica), a Dodora (Maria Auxiliadora), a Fiica (Dona
Conceição), o Fudeção (Nilson), o Chepa (Ricardo), o Tup-tup (Maurício), o Gudesteu
(Agenor), o Chulapa (Ricardo), o Tiphón (Rodrigo), Tcham (Alexandre), o Buiú (Welerson),
o Taco (José Eustáquio), o Piu (Alex), o Morrão (Ernane), o Babaloo (Geraldo), o Timbó
(Rubens), o Marreco (Antonio), o Queijo (Antônio), o Pudim (Juliano), o Pote ( Marcelo ), o
Bodé (José Maria), o Churrasco (Hélio), o Targola (Tarcisio), o Biscoito (Amilton), o Picolé
(Sr. Antonio), o Jabá (Guilherme), entre tantos outros, que às vezes tem um motivo justo para
99
se apelidar ou mesmo porque tornou-se apenas um costume entre a população. O jornal “O
Popular”, traz um quadro intitulado “Meu apelido é”264, que procura identificar a origem dos
apelidos de pessoas mais populares da cidade, através de entrevistas com a própria pessoa.
Dona Geni conta em sua entrevista que os apelidos eram comuns e que às vezes uma
estripulia servia para ganhar um apelido.265
Outro fator que marcam as pequenas cidades interioranas são as personagens
folclóricas que surgem e passam a fazer parte da vida da população, trazem consigo sua graça
e até mesmo alguns ensinamentos, porque continuam na memória de quem é da localidade por
mais tempo e fazem falta quando adoecem ou mesmo morrem. Assim foi a história de pessoas
como: “Rosinha do Pau”, que com sua bengala de cabo de vassoura, entrava na igreja na hora
dos casamentos e batia nas noivas, batia em quem gritasse com ela no meio da rua, foi
retratada em um dos quadros que decoram o terminal rodoviário e que contam a história da
cidade. Ela só parou de atacar as noivas depois que o Pe. Lauro conversou com ela, diziam
que ela ficou assim depois de uma frustração no casamento.
Assim como existem nomeações nas ruas, de praças e prédios públicos
homenageando pessoas importantes ou que se destacaram em algum momento da história
local, existem também pessoas quase que anônimas que deixaram uma pequena lembrança. A
memória pode ser resgatada através da vida destas pessoas, de seus feitos, de se seus atos. Em
1991 foi criado em São Paulo o Museu da Pessoa, onde reúne fotografias, depoimentos de
cidadãos comuns e a história das pessoas de todo o mundo, para criar uma rede internacional e
virtual de histórias de vida democrática e pluralista. Segundo os idealizadores do museu,
“toda história de vida tem valor e deve fazer parte da memória social”266. Outra proposta é a
do grupo Giramundo Teatro de Bonecos, que realizam oficinas de bonecos na cidade a partir
dos relatos, fotos e informações sobre esses personagens folclóricos, estes bonecos, depois de
confeccionados são apresentados em praças e compõem o acervo de bibliotecas.267 O mesmo
é o projeto de alguns professores da cidade de Nova Serrana, para preservar a memória local,
a proposta é reunir informações e histórias de vidas das migrações que constituíram a cidade,
assim com o resgate da memória a partir do Projeto “Memória dos Bairros” que coleta
informações sobre a formação dos bairros e a história de seus moradores.
264
Jornal “O Popular” – Nova Serrana. O texto citado é apresentado no jornal durante todo o ano de 2007.
MARTINS, Geni Fonseca. Inédito. Nova Serrana, 2007. Entrevista concedida a Reginaldo Silva, Projeto
Memórias, Departamento de Cultura, 05/10/2007.
266
Museu da Pessoa – www.museudapessoa.com.br
267
Giramundo Teatro de Bonecos – www.giramundo.org
265
CAPÍTULO III
Estudo de Caso:
Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana
101
1- Catolicismo: Religião e religiosidade nas Minas Gerais
Desde o início da ocupação da região das Minas, a questão religiosa esteve entre as
principais preocupações do Estado português, na tentativa de apaziguar os ânimos então
turbulentos por conta da disputa entre paulistas e emboabas. Aliás, a turbulência política e
econômica foi uma constante em todo o período colonial mineiro. O clero sempre ocupou
papel de destaque na sociedade mineira, do século XVIII aos nossos dias, atuando muito além
da esfera estritamente religiosa. Os padres regulares e seculares tiveram forte atuação na vida
política e social das Minas, a ponto da Corte chegar a proibir a entrada de padres regulares
(aqueles pertencentes às Ordens Religiosas) nas Minas. Não obstante os inúmeros
pronunciamentos régios nesse sentido, isso não significou que a vontade da coroa fosse
atendida. 268 Ao contrário, a insistente repetição de tais ordens ao longo de todo o período
colonial pode ser interpretada como um indício do não cumprimento das determinações régias
a este respeito.269 Eventualmente, a coroa credenciou alguns regulares a entrar
temporariamente no território das Minas. Mesmo diante da proibição da instalação de casas
professas naquele território, a presença de padres regulares nas Minas foi fato constante desde
os primeiros anos de colonização, em geral na condição de comissários das inúmeras
Irmandades e Ordens terceiras que infestavam as Gerais nos séculos XVIII e XIX e ainda nos
nossos dias são um traço característico da singularidade da religiosidade mineira. 270
Entre as funções das Irmandades Leigas e Ordens Terceiras estava a de assegurar o
sepultamento dos mortos que a elas pertencessem, promover o culto cristão e prestar
assistência religiosa, além de constituir um dos mais importantes meios de sociabilidade
naquele tempo. Diante do clima de insegurança, do medo da morte e do fascínio pelas
riquezas, os aventureiros buscavam sempre amuletos, rezas e devoções aos santos. Nas
peregrinações, então comuns nas Minas, as cruzes surgiam pelo caminho como forma de
demarcação do trajeto e como forma de devoção. Entre outras razões, as irmandades se
concentravam na região mineradora devido à intensidade e grande número de pessoas ali
existentes.271 Graças à ação das Irmandades e Ordens Terceiras, a partir da segunda metade do
268
Ver CATÃO, Leandro Pena. Sacrílegas Palavras: Inconfidência e presença jesuítica nas Minas Gerais no
tempo de Pombal. Belo Horizonte: Tese de Doutorado UFMG, 2005.
269
Caio César Boschi observa tal ponto em sua obra, bem como aponta indícios da presença constante dos
regulares nas Minas, sem, no entanto debruçar-se sobre esse assunto. BOSCHI,Caio César.Os Leigos e o Poder.
pp. 83-84.
270
CATAO, 2005, Capítulo 1.
271
Sobre esse tema, ver: BOSCHI,Caio César.Os Leigos e o Poder.
102
século XVIII, os templos religiosos passaram a ser construídos em pedra, enquanto as casas
eram na maioria feitas de taipa, frágeis e provisórias. Ao lado das devoções pessoais,
desenvolveram-se também os cultos aos santos, com procissões, crianças vestidas de anjos e
pompas nas festas religiosas. As Irmandades eram divididas segundo a condição social dos
indivíduos, exprimindo dessa forma uma das premissas básicas da sociedade colonial
altamente hierarquizada e estratificada. As classes organizavam-se segundo nascimento dos
indivíduos, gênero, cor da pele e ofício. Os santos eram cultuados de acordo com os anseios
pessoais de cada um desses grupos, conforme as camadas sociais que mais se identificassem.
Santo Antonio, santo português popular e miraculoso [...] ajudava as moças a
arranjar casamento. Era muito invocado para achar coisas perdidas, domar animais
bravos e amansar crianças geniosas. [...] São Sebastião, protetor contra a peste e
contra a guerra; São Gonçalo, arranjador de casamento às solteironas; São Caetano,
protetor do trabalho; São Miguel, com larga influência entre as almas do
purgatório, remédio eficaz contra aparições e mau olhado. [...] Santana, mãe de
Nossa Senhora, era encontrada em toda casa velando pela gravidez da dona da casa.
[...] Nossa Senhora das Mercês conhecida como “libertação dos cativos”, devido ao
fato de a Mercês ser uma ordem de militares fundada para lutar pela libertação dos
cristãos escravizados pelos mouros. [...] Nossa Senhora do Rosário, para a qual se
fazia o reinado dos pretos do Rosário.272
No início da ocupação da região que mais tarde daria origem a Nova Serrana, na
segunda metade do século XVIII, algumas famílias se confortavam religiosamente em suas
casas, com seus oratórios e santos de devoção, enquanto “outros utilizavam as Capelas de
Nossa Senhora da Saúde (Município da Saúde – Perdigão)273, de Nossa Senhora da Conceição
do Pará (Conceição do Pará), de São Gonçalo (São Gonçalo do Pará)”, ou ainda a Capela de
Nossa Senhora da Conceição, no Povoado de Areias (1770). “A vida social de uma cidade do
interior se desenrolava muito em torno da Igreja, que tinha um papel de destaque tanto na vida
política quanto na vida social da cidade.”274 A igreja era onde se reunia a comunidade. Os
costumes da população mineira não sofreram variações profundas no que se refere à sua
relação com a religião e a religiosidade entre o período colonial e o republicano, sobretudo em
cidades pequenas e interioranas. A tradição e conservadorismo são conceitos fortemente
relacionados à esfera religiosa em Minas Gerais. “Na igreja, no adro ou no cemitério, reuniase a assembléia da comunidade, pelo menos até a construção de um edifício apropriado: [...]
era na igreja que nos momentos de perigo, que pessoas e bens encontravam refúgio.”275 Uma
vez que as Irmandades eram responsáveis pelo sepultamento de seus entes, o cemitério
272
PAULA, 1999, p.59-61.
O Município da Saúde é hoje Perdigão-MG.
274
PAULA, 1999, p.82.
275
CHERUBINI. O camponês e o trabalho no campo & LE GOFF. O homem medieval, p.94. apud SILVEIRA,
2002, p.26.
273
103
construído ao lado tinha uma ligação importante com a igreja, pois alimentava a memória
coletiva da comunidade. Em 1872, Antônio José Rabelo, autorizou ao seu inventariante, por
meio de testamento, doar para as obras do “Cemitério do Cercado”, uma quantia de
50.000$00 (cinqüenta mil réis), porém não foram encontrados registros ou referências à
construção de uma capela, no povoado, nessa época. Em alguns registros de casamentos
datados de 1899, já se encontram referências sobre a Capela de São Sebastião do Cercado
(Nova Serrana). Mas a utilização dos oratórios na promoção do culto religioso ainda era a
opção e ou condição dos moradores cujas moradas não eram servidas por padres, sobretudo
nas preces cotidianas. Tais populações se dirigiam às Igrejas mais próximas nas ocasiões em
que o calendário cristão exigia, ou quando a necessidade do sacerdote era urgente. Nesse
sentido, como contam os “alunos da primeira professora do Cercado que transmitiram aos
descendentes a informação relacionada aos cultos religiosos daquela época: que além de ceder
espaço para a escola, Dona Joana Genoveva cedia, ainda, as dependências de sua residência
para a realização de missas.”276 É importante lembrar que foi ao redor e em função de
pequenas capelas erigidas nos caminhos do ouro, que famílias acabaram se fixando e dando
origem aos primeiros arraiais.277
Os templos desempenhavam uma função importante na vida cotidiana dos
mineiros, traço que sofreu poucas alterações com o passar do tempo em algumas regiões das
Gerais. Em torno da Igreja as pessoas se reuniam e ainda se reúnem para celebrações
religiosas e cívicas também em alguns casos, desempenhando destacado papel no lazer da
população. Era sempre no templo aos domingos e dias de missa que a comunidade se reunia,
transmitia as informações, as crianças se encontravam para brincar e muitos adultos acabavam
realizando negociações importantes. “O templo católico busca representar ainda a
tranqüilidade, a segurança, a luz e a estabilidade da fé.”278 Nesse período a igreja ainda
representava o centro da vida da maioria das pessoas, as torres marcavam o centro das cidades
e o sino do campanário que orientava o tempo dos cidadãos.
Desde o processo de colonização no Brasil a Igreja exerceu uma posição
significativa na formação do imaginário político, social e cultural das pessoas. “Tinha em suas
mãos a educação das pessoas, o ‘controle das almas’ na vida diária, era um instrumento muito
eficaz para veicular a idéia geral de obediência e, em especial, a de obediência ao poder do
276
FREITAS & FONSECA, 2002, p.89.
SILVEIRA, 2002, p.21.
278
SILVEIRA, 2002, p.22.
277
104
Estado”279. Assim sendo, “sob o ponto de vista da religião, todas as esferas da vida social e
política diziam respeito e estavam subordinados sob certo prisma à reflexão religiosa, por
tanto, careciam de cuidados por parte da Igreja”.280 Essa instituição cuja influência marca em
profundidade as organizações políticas e sociais brasileiras, constitui um dos pontos de partida
para a análise da cultura e sociedade brasileira. A Igreja estava e ainda está presente na vida e
na morte de grande parcela da população, nos ritos de passagem e nos episódios marcantes
como o nascimento, o casamento, morte, orientando os princípios morais, padrões de vida, a
idéia de pecado e principalmente as idéias pós-morte281. Regulava a vida dos indivíduos, suas
orientações influenciavam fortemente as orientações políticas do Estado pelo menos até a
primeira República. Essa relação entre Igreja e Estado ainda é perceptível quando se
observam as discussões e negociações sobre terrenos, isenções de impostos e até mesmo os
cuidados com os prédios destinados aos cultos, ajudas para construir os templos e construções
de praças que acabam por beneficiar as pessoas que freqüentam estes templos, o que
recentemente não se destinam apenas ao catolicismo como também a Igreja Cristã Protestante
e até mesmo outras religiões.282
Quanto à ação política do clero, Boris Fausto assinala o seguinte:
Padres seculares buscaram fugir ao peso do Estado e da própria Igreja, quando
havia oportunidade, por um caminho individual. Exemplo célebre é o de alguns
padres participantes da Inconfidência Mineira, que se dedicavam a grandes
lavouras, a trabalhos de mineração, ao tráfico de escravos e diamantes. A presença
de padres pode ser constatada praticamente em todos os movimentos de rebelião, a
partir de 1789, prolongando-se após a independência do Brasil até meados do
século XIX.283
A proclamação da República marcou a separação entre Estado e Igreja (fim do
padroado), e ocorrências como as assinaladas acima se tornaram mais raras ou menos
noticiadas, mas isso não quer dizer que a influência do clero tenha diminuído, sobretudo no
que diz respeito à vida cultural.
A religião tem exercido uma forte influência na vida das pessoas, municiando os
fieis com um ferramental que lhes permite perceber o entorno e agir segundo os mais variados
problemas nos mais diversos ambientes. No mundo moderno e pós-moderno, onde
prevalecem variados estados de tensão, para expressiva parcela da população há uma
279
FAUSTO, 2006, p.60.
CATÃO, 2006.
281
FAUSTO, 2006, p.60.
282
É importante notar que as praças das igrejas não são conhecidas pelos nomes oficiais, são sempre marcadas
pelos templos construídos próximos às mesmas, como a Praça Benedito Valadares – Divinópolis (Praça do
Santuário); Praça João Notini – Divinópolis (Praça da Catedral); Praça José Batista de Freitas – Nova Serrana
(Praça da Matriz); Praça Pastor Generoso – Nova Serrana (Praça da Igreja Assembléia de Deus).
283
FAUSTO, 2006, p.61.
280
105
profunda necessidade de se apoiar nos princípios religiosos como forma de alívio, reflexão e
recuperação de forças para enfrentar a vida cotidiana. Segundo Giddens, Marx “tinha razão ao
declarar que a religião tem implicações ideológicas, servindo para justificar os interesses dos
grupos dominantes à custa dos demais”284. Nesse sentido é pertinente averiguar em que
medida as ações da Igreja e do clero repercutem para além dos aspectos relativos à
religiosidade nos nossos dias.
Na Modernidade, a religião influenciou a transformação social e promoveu a
coesão social. Também podemos notar os efeitos causados pelo processo religioso quando se
trata da disputa de poderes ou a influência desses poderes sobre a cidade. A religião marca
profundamente a vivência e experiências durante a transição da vida como “o nascimento,
ingresso na fase adulta, casamento e morte”.285 Mesmo diante do processo de secularização da
sociedade moderna, é importante notar que “a igreja ocupava destaque central nas questões
locais, e era uma forte influência dentro da família e da vida pessoal”.286 Este processo nos
ajuda a entender melhor o papel da religião na cultura e na estruturação da família mineira.
284
GIDDENS, 2005, p.433.
VAN GENNEP, 1971; apud GIDDENS, 2005, p.433.
286
GIDDENS, 2005, p.438.
285
106
2- Religião e religiosidade popular: do Arraial do Cercado à cidade de Nova
Serrana (1909-1970)
A origem do “Arraial do Cercado” está intimamente relacionada à ação religiosa
de seus moradores e pela Igreja Católica. “Por volta de 1908, o major Francisco de Assis de
Freitas adquiriu de Pacífico José Pinto da Fonseca (Cipinho) uma enorme gleba de terras, que,
iniciando-se na Sobra, se estendia até a região do atual centro da cidade, abrangendo a Vila
Ozanãn”.287 Mais tarde estas terras foram doadas às autoridades eclesiásticas da época. Dom
Silvério Gomes Pimenta, bispo de Belo Horizonte, respondeu aceitando bem a doação:
...Haveremos por bem lhe conceder como pela presente lhe concedemos o pedido
de autorização para receber por si, ou por seu legítimo Procurador a dicta escriptura
fazela registrar no Livro de Notas Públicas, dar quitação e fazer (Ilegível) validade
da mesma contando que não contenha para a Igreja ônus que desconheçamos ou
288
que não seja por nós explicitamente aprovado e aceito...
Logo após a doação das terras, por volta dos anos de 1909 a 1912,289 foi construída
a capela de São Sebastião no centro do “Arraial do Cercado”. Uma construção sólida, sem
estilo definido, com duas capelas laterais e sacristia290. Depois o antigo “Arraial do Cercado”
passou a ser denominado como Distrito do “Cercado de Pitangui”291 e por volta de 1920, a
população começou a se organizar para constituir seu Curato292, porque assim era possível um
trabalho mais independente, o pároco ficaria mais disponível para atender a “Freguesia do
Cercado” e ainda facilitaria as atividades da nova paróquia, uma vez que tudo dependia da
Paróquia de Nossa Senhora do Pilar, em Pitangui293. Várias pessoas do lugar integraram uma
comissão que fizeram todos os estudos necessários para que a emancipação religiosa
acontecesse, contando inclusive com o apoio dos vigários de Pitangui. Várias
correspondências foram trocadas com o Arcebispo de Mariana sobre a mudança. Mas os
287
FREITAS & FONSECA, 2002, p.76. As áreas aqui descritas compreendem a região central da cidade de
Nova Serrana.
288
Arquivo Judiciário de Pitangui, Livro XL, pg.260. em 27 de janeiro de 1911.
289
O primeiro livro de registro de casamentos é datado em 12 de junho de 1909, assinado pelo Sr. Pe. Américo
Epiphanis Pereira, vigário de Pitangui. O primeiro registro é do casamento de José Rodrigues de Araújo e Maria
Januária de Jesus, em 23 de junho de 1909.
290
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião de Nova Serrana vol. 01 – 1924-1962 – Anotações Pe. Libério
Rodrigues – pg.41.
291
Lei 1622 de 05 de novembro de 1869. Toponímia de Minas Gerais, 1997
292
Antepositivo do latim cur (cura) cuidado, preocupação, direção, administração, curatela (linguagem jurídica).
Esp. Cura (Pároco) – Curato (cargo que tem um pároco) - território que está abaixo da jurisdição espiritual de um
pároco, freguesia, paróquia. MALDONATO GONZÁLEZ, 2000; HOUAISS, 2001.
293
A paróquia de Nossa Senhora do Pilar foi criada juntamente com a Vila de Pitangui em 1715, de acordo com
a Ata da reunião realizada na Vila do Ribeirão do Carmo. MINAS, 1998, p.179; ROMEIRO, 2003, p.230.
107
esforços da população do “Cercado” foram interrompidos devido a criação da Diocese de
Belo Horizonte, que então demandava grandes esforços das autoridades eclesiásticas.
Contudo, mais tarde os esforços para a criação da paróquia tiveram êxito, e em 20
de janeiro de 1924, foi erigida294 a Paróquia de São Sebastião do Cercado295, que pertencia a
“Freguesia de Nossa Senhora do Pilar de Pitangui”, diocese de Belo Horizonte, sob o
comando do Bispo diocesano Dom Antonio dos Santos Cabral. Nesta época, a Freguesia de
São Sebastião do Cercado, possuía uma população de sete mil habitantes, sendo dois mil na
sede e o restante nos povoados vizinhos, conforme os registros no Livro de Tombo da
Paróquia. Antes de gozar a autonomia política, os moradores do Cercado alcançaram uma
relativa “autonomia” religiosa perante Pitangui.
O primeiro vigário, com o título de “Encomendado”, foi o Padre José Luiz da
Silva Diniz,296 a quem coube o trabalho de organizar a nova paróquia, onde ficou até sua
morte, ocorrida no povoado e ocasionada por uma epidemia de Tifo, que ceifou também a
vida de um grande número de pessoas.297
Em 31 de dezembro de 1927, foi substituído pelo Padre José Augusto Dias
Bicalho. Neste vicariato foi construída a Capela de Santo Antônio no Campo Alegre, região
próxima ao “Cercado”, no terreno doado por João José de Freitas. A licença para a edificação
da capela foi dada em 1929.298 Logo depois e durante poucos meses, depois que o padre José
Augusto Bicalho foi transferido, a paróquia ficou sob os cuidados do Padre José Augusto
Cerdeira.299 Um padre enérgico, franco, destemido e que costumava andar armado com uma
carabina que ficava na sela do cavalo, o que era típico dos padres que trabalhavam no
sertão.300 As dificuldades eram grandes para tomar conta de uma paróquia grande, com
294
Código de Direito Canônico – Decreto nº 06 de 20/01/1924 – Diocese de Belo Horizonte.
A paróquia de São Sebastião do Cercado, cujo território compreendia também uma parte do districto civil de
Conceição do Pará e assim será limitada: com a freguesia de Pitangui, partindo da foz do Ribeirão da Charneca,
no Rio Pará e seguindo pelo dito Ribeirão em direcção de suas nascentes até a Fazenda Cajutinga e dali em linha
recta ao morro do Peão e delle até o morro Agudo, prosseguindo d’esta em busca das vertentes dos cunhas e
Sandoval para o Rio Pará, continuando até as aguadas do Ribeirão das Areias e pelo seu curso até a foz do
mesmo Rio Pará, com as Parochias de São Gonçalo do Pará, Divinópolis e Abbadia, desta Diocese de Bello
Horizonte e as de Saúde e Bom Despacho, da Diocese de Aterrado continuam os mesmos limites, que até então
os dividiam com a Freguesia de Pitangui. Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 01 - 1924-1962. Mapa
anual de 1928. É importante notar que a “Freguesia da Parochia de São Sebastião”, compreendia os distritos de
Perdigão (Saúde), Santana da Prata, Leandro Ferreira e Conceição do Pará
296
Foi provisionado para a nova parochia o sacerdote Pe. José Luiz da Silva Diniz no dia 19 de fevereiro de mil
nove centos e vinte e quatro pelo Ex.mo. Sr. Bispo Diocesano D. Antonio dos Santos Cabral, tomando posse da
nova parochia no dia nove (9) de março do mesmo anno (1924) – Provisão do primeiro pároco – Livro de
Tombo 1 – p.1v.
297
FREITAS & FONSECA, 2002, p.203.
298
Despacho 537p.p. Belo Horizonte, 24 de agosto de 1929 pelo Monsenhor João Rodrigues de Oliveira.
299
Provisão de 31 de dezembro de 1929. Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião 01, p.10v-11v.
300
FREITAS & FONSECA, 2002, p.237. Orlando Freitas (2002), relata em seu livro um episódio interessante
sobre o padre que: “num certo domingo, na hora costumeira dos sermões inflamados, o suor principiou a correr
295
108
poucas estradas, onde os trajetos eram feitos a cavalo. Durante os anos de 1931 a 1939, a
Paróquia ficou sob a coordenação do Padre José Soares de Siqueira, conhecido popularmente
como Padre Nonô. Foi um período de organização da paróquia e da casa paroquial, quando foi
assistida também a paróquia de Nossa Senhora da Saúde301 e foi também concedida a licença
para a construção de uma capela em honra ao Sagrado Coração de Jesus, na comunidade de
Novais, e a permissão para a bênção da pedra fundamental da referida capela.302
Em 1938, a paróquia recebeu a “visita de todos os franciscanos de Divinópolis. Era
24 de junho, festa de São João Batista. Os frades vieram de caminhão e foram recebidos por
todo o povo, festivamente. À porta da casa paroquial, foram saudados por dona Hilda
Eleutério do Amaral, respondendo à saudação o Revmo. Frei Orlando Álvares (ofm.).”303 Frei
Orlando foi capelão da Força Expedicionária Brasileira e morreu vitimado de um tiro
acidental, quando já estava em solo italiano.304 A presença da Igreja na comunidade,
principalmente de visitantes que trouxeram suas variadas impressões e incentivos para a
comunidade local, foi de vital importância para a manutenção de “fatores de sociabilidade,
aglutinação e unidade entre as pessoas”,305 bem como uma influência espiritual e temporal na
localidade.
No ano de 1939, tomou posse o Padre Libério Rodrigues Moreira306. Suas
primeiras providências foram de ordem prática e burocrática: organizou o patrimônio
paroquial, tratou de inventariar os bens e responder aos questionários da Diocese, mostrando
seu interesse em manter os registros em ordem no livro de tombo. Em dezembro de 1943,
pelo rosto do enérgico sacerdote. O seu gesto rápido para sacar um lenço do bolso da calça, sob os paramentos,
provocou uma debandada geral dos fiéis, temerosos da ira do padre.” Ver também: CATÃO, 2006. Vastos,
Ignotos e Indomados: Histórias do Sertão Oeste de Minas Gerais nos séculos XVII-XVIII.
301
Saúde (Perdigão) pertencia a Diocese de Aterrado (Luz).
302
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol. 01, pagina 21.
303
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, pagina 23. Frei Orlando (Antonio Álvares da Silva –
nome de batismo), nascido em Morada Nova (MG), se ingressou no seminário de Divinópolis (MG) e seguiu
para a Holanda de onde retornou para sua ordenação sacerdotal. Trabalhou como professor em São João Del Rei
e com 24 anos se ingressou no 11º Regime de Infantaria e mais tarde na Força Expedicionária Brasileira (FEB),
quando seguiu para a Europa. Foi morto quando estava em Monte Castelo visitando a linha de frente. Hoje é
considerado como Patrono do Serviço de Assistência Religiosa do Exército Brasileiro, criado em caráter
permanente, por decreto-lei em 1946. (Exército Brasileiro, 2007)
304
Entrevista concedida no documentário “Notícias do Front”, 2004. Boletim nº 52 do 11º RI de 22/02/1945,
Itália.
305
CORGOZINHO, 2003, pp.47.
306
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, pagina 27. “Tomei posse da Paroquia do Cercado aos
30 de janeiro de 1939. Padre Libério Rodrigues Moreira.” Provisão dada em 01 de janeiro de 1939. Pe. Libério é
filho de uma família simples e humilde, nascido em 1884, em Lagoa Santa-MG, se ingressou no seminário de
Mariana-MG em 1906, foi ordenado padre em 1916, assumiu os trabalhos nas paróquias de Pitangui, Pequi, São
José da Varginha, Leandro Ferreira, Nova Serrana, Divinópolis e Pará de Minas, onde morreu em 21/12/1980.
Na região a pessoa de Pe. Libério é muito respeitada e venerada, os fatos, depoimentos e os “milagres” estão
presentes na vida da população. A tradição leva muitos romeiros até a cidade de Leandro Ferreira-MG para
orações e pedidos de graças nas vidas ao túmulo do padre. ANTONIO, 2004.
109
recebeu a doação do terreno na Fazenda do Cercado na Serra da Pedra Grande (Serra da
Capelinha) e na região da Fartura307, pertencente ao Senhor Acácio Martins Fagundes doado
à Capela de Nossa Senhora do Carmo do Cercado.
308
A construção da capela de Nossa
Senhora do Carmo foi iniciada com uma grande procissão que levava o cruzeiro que ficava na
Praça da Igreja Matriz até o alto da serra da Bagaceira ou da Pedra Grande como era
chamada. Era o lugar perfeito, pois tinha uma boa vista da cidade e proximidade com o céu.
Porém a grande pedra dificultava a chegada do material e faltava água para a construção. O
padre abençoou um veio d’água, que corria nas proximidades e mais tarde foi construída uma
fonte no local. Com a falta de cuidados e os desmatamentos, a fonte secou, deixando apenas a
placa como lembrança.309 Com esse e outros tantos episódios da vida do padre começaram
uma série de tradições e religiosidades que seguem até os dias atuais. As “benzeções” que se
aplicam às pessoas, animais e objetos, são práticas que permanecem na vida de muitos
católicos da região, mesmo diante da forte institucionalização da esfera religiosa. O
catolicismo popular, na região Centro-Oeste de Minas, principalmente nas cidades de
Divinópolis, Bom Despacho, Pará de Minas, Leandro Ferreira, Nova Serrana, Pitangui, etc.
padre Libério ainda é motivo de preces e pedidos, constituindo uma espécie de beato para
muitos fieis ainda hoje 310.
Quando Padre Libério se ordenou padre em 1916, por Dom Silvério Gomes
Pimenta, já havia recebido outras ordens em anos anteriores, como as ordens menores de
Hostiário, de Leitorato, de Exorcista e de Acolitato.311 Padre Libério tornou-se popular entre a
população do Centro-Oeste mineiro, “além de benzedor, passou a ser solicitado para
aconselhamentos, disputas de famílias, problemas conjugais e desavenças de todos os
307
A Serra da Pedra Grande, hoje Serra da Capelinha e a Fartura, hoje bairro Fartura e Bairro Esperança, estão
no perímetro urbano da cidade.
308
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.49. Registro em cartório sob nº 6304 f.199, livro 3 –
31 de dezembro de 1943.
309
Jornal Correio da Serra, nº 00, junho/1993.
310
LEITE, 2004, p.15.
311
ETELVINO, 1989, p.173. Estas ordens menores como são chamadas são autorizações dadas aos seminaristas
ou Diáconos (funções exercidas antes do sacerdócio) e que podem sem ministradas sem o Sacramento da Ordem.
É importante notar que a função de “Exorcista” é permitida apenas ao padre e no entanto, segundo o relato, o
padre Libério já o exercia. “Há toda uma série de exigências a serem cumpridas por quem quer enxotar demônios
do corpo alheio. Antes de mais nada é preciso pedir permissão ao bispo da diocese. E o padre designado precisa
ser dotado de uma série de atributos: piedade, ciências, prudência, integridade de vida e preparo específico.
Existe ainda outra qualidade que diferencia o bom exorcista dos demais padres bons, prudentes etc.: a vocação.”
(Superinteressante, Nov.2006). Neste sentido nota-se a importância e carisma do padre Libério, diante da
população da região. “A pessoa de Pe. Libério não é oficialmente considerada um santo, o processo de
canonização iniciou-se em 20 de janeiro de 1996, pelo bispo diocesano de Divinópolis, Dom José Belvino do
Nascimento. Mas o culto cresce a cada ano, seus devotos passam para outras gerações suas crenças e esperanças
junto à pessoa do padre” (LEITE, 2004, p.16).
110
tipos.”312 A bênção que teve mais crédito foi a benção da água, que até os dias de hoje tem
uma forte repercussão entre a população. Não só as benzeções tiveram tanta importância para
as crenças no padre, os acontecimentos em sua vida o fizeram aclamado religiosamente,
tornando-o popularmente conhecido como milagreiro beato do centro-oeste mineiro.
Uma das histórias mais antigas relatadas pela população é o fato de o padre ter
sido convidado para uma reunião do clero, quando chegou atrasado todos os cabides para
pendurar chapéus estavam lotados, padre Libério sentiu que já estava atrapalhando a reunião,
colocou seu chapéu na parede, normalmente. “Para espanto de todos ao saírem, verificaram
que não havia cabide no lugar onde padre Libério colocou seu chapéu.313 Este fato deve ter
acontecido no início de sua vida sacerdotal, em meados dos anos 30 a 40, por se tratar de uma
das histórias mais antigas sobre o padre. Contudo, com toda história contada pelo povo, padre
Libério nunca assumiu seus feitos como milagres, sempre que perguntavam ele dizia: “Eu não
faço milagres, não. É história do povo.” 314
O mapa do movimento religioso da paróquia em 1939 apresenta dados importantes
para uma visão mais ampla do Arraial do Cercado; possuía uma população de 15 mil pessoas,
sendo duas mil na sede e o restante no campo. A população “cercadense” era formada por um
povo religioso, que atendia bem aos apelos do vigário, fazendo doações generosas para a
manutenção do templo.315 A “família” católica nos anos 30 prevalecia como maioria na
formação social da sociedade brasileira, nesta família o papel do padre era muito significativo,
pois o padre era considerado parte da família, o conselheiro, um mediador, a quem se devia
obediência e satisfações.316 Para muitas famílias católicas no interior de Minas a figura de
devoção e a fé eram associadas à pessoa do padre. Temer a Deus, obedecer à Igreja, para
muitos, significava admirar e respeitar o padre. O Padre Carlos Pinto da Fonseca, era nascido
no Cercado, assumiu o vicariato em janeiro de 1946 e era um admirador das artes e promoveu
312
LEITE, 2004, p.17.
ANTONIO, 1997, p.35.
314
LEITE, 2004, p.20.
315
Segundo o registro no Livro de Tombo, “em abril de 1943, a Matriz de São Sebastião de Cercado ganhou
duas imagens próprias para procissão da Semana Santa, ambas de tamanhos natural, de madeira de lei e mui
perfeitas: - a primeira de N. Senhor Morto, que foi doada pelo Sr. Pacífico Pinto da Fonseca; a segunda, de N.
Senhora das Dores, que foi doada pelo Sr. Fausto Pinto da Fonseca” (página 43). Ainda se encontra, “Doação de
terreno para construção da Capela de N.Senhora do Carmo” (31/12/1943 – página 49). “Doação de terras para a
Capela de N.Senhora de Lourdes na Estação do Cercado” (11/06/1940 – página 50). “Doação de terras de Major
Francisco Batista de Freitas à Capela de São Sebastião de Leandro Ferreira” (página 56.v.). “Foi colocado no
altar mor, um sacrário de metal dourado que foi doado à Matriz pelo Sr. Joaquim Pinto da Fonseca” (out.1946 –
página 68). “Foi doada a esta matriz uma formosa imagem do Senhor dos Passos, Foi ofertante o Sr. Aristides do
Amaral com sua exma. Esposa D. Rosa Pinto do Amaral” (31/12/1946 – página 68). Padre Antonio Pontelo
ainda se refere a estas doações registrando: “Em março (1952), o povo doou-me u’a motocicleta nova BSA 4 ½
HP. Muito serviço prestou esta machina, sobretudo no que diz respeito às capellas filiaes – na rapidez em atender
os doentes e na pontualidade em cumprir os compromissos de missas e festas” (página 77.v.).
316
LEITE, 2004, p. 21.
313
111
a criação de grupos teatrais e da banda de música. Por ser nascido no Cercado era mais
respeitado pela população e tinha muito crédito para este desenvolvimento cultural. Porém,
em suas anotações faz um alerta diante da cidade em crescimento: “Há muita bebida e
jogatina desenfreada”.317 Em outras localidades como o “Cercado”, a relação do povo com a
Igreja não havia sofrido alterações profundas em relação às práticas dos séculos XVIII e XIX,
como nos grandes centros urbanos, no entanto, a relação entre a religiosidade e participação
da população não poderia dizer o mesmo, pois já não despertava tanta devoção como antes.
FOTO 13
Formação da
Banda de
Música em
1946-1947
com Pe.
Carlinhos
Foto:
Arquivo
Fotográfico
Municipal
1.
Tião do Zé da Camila
2.
Sebastião Fábio Amaral (Pedro Rosa)
3.
Luiz Gonzaga de Freitas (Luiz do João André)
4.
André de Freitas (André do João André)
5.
Rubens do Filisberto
6.
Rafael do Geraldo Elias
7.
João Ferreira Filho
8.
Zé da Sanforosa
9.
Zé Galinha
10.
Ildeu Luiz Faria (Ildeu do Procópio)
11.
Veríssimo Amaral
12.
José de Freitas (Zé da Rosa)
13.
José Nunes Sobrinho (Zé do Quito)
14.
Padre Carlinhos
15.
Filisberto
16.
Manoel Ferreira dos Santos
17.
Zezé do Zé da Camila
18.
José Luiz Brandão
19.
Antonio Batista (Toizinho do Zeca)
Fonte: Revista Nossa Historia, nº 002 – Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana
317
Ao ser transferido para a cidade de Itapecerica, Padre Carlos deixa sua impressão da terra natal: “Depois de
servir esta Paróquia, durante quatro anos, fui transferido de Cercado para Itapecerica. Deste intimo povo, guardo
vivas impressões. Não só como filho desta terra, de que me honro de o ser, mas como padre. Enfrentei franca
colaboração da parte de todos. Nobreza para separarem as diferenças do meu vigário até esta data. As
associações religiosas e aos fiéis em qual deixo escrito meus cordiais agradecimentos por tantas pessoas de amor
e veneração a mim manifestadas com os melhores votos de minha alma para que o nosso Pároco encontre os
mesmos sentimentos do povo e se sinta satisfeito entre dóceis ovelhas. Ao Sr. Padre Josimas cujo amigo de
sempre me honrou, os meus votos de frutos do paroquiato nesta futurosa abençoada paróquia. Cercado, 01 de
janeiro de 1950. Padre Carlos Pinto.” Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião. Vol.01, p.46.
112
Após a transferência do Padre Carlos para Itapecerica, Padre Josimas Gonçalves
Cerqueira tomou posse em fevereiro de 1950. Seu vicariato foi curto, ficando na paróquia até
dezembro do mesmo ano. Em janeiro de 1951, Padre José Viegas assumiu a Paróquia até
dezembro de 1952. Durante este período o vigário começou a convidar pessoas de outras
localidades para realizar as festividades e tentar motivar a comunidade. Neste período
aconteceram as “Cruzadas Eucarísticas” e as “Entronizações do Coração de Jesus” nas casas,
nota-se que a comunidade começou a se desinteressar pela Igreja e nem todas as comunidades
participavam das atividades propostas pela Igreja. Segundo o Padre Viegas foram
“incalculáveis os benefícios trazidos por este trabalho de religião a domícilio, por meio da
enthronização, guarda noturna ao Stmo, feita na própria casa, Cruzada Eucharistica, pregação
de verdadeira cathechese deste grande missionário do Coração de Jesus”, quando se referia ao
Padre José Timotheo, que estava de visita na cidade. 318
FOTO 14 - Vista parcial da cidade (região central – Rua Frei Anselmo antes Rua do Meio). Procissão do
Santíssimo – Cruzada Eucarística – 1952 – Foto: Arquivo Fotográfico Municipal
Ao que parece a indústria calçadista começou a tomar forma e ganhar os espaços e
os ânimos da vida religiosa. Ocorreram transformações na vivência religiosa do povo. Ao
mesmo tempo, a população não consegue viver o processo religioso apresentado pelo
catolicismo, que aponta como princípio ético “o estranhamento do mundo e uma educação de
seus fiéis a uma indiferença maior pelos bens deste mundo”319 como aponta Max Weber.
318
319
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião. Vol.01, p.48.
WEBER, 2004, p.34.
113
As dificuldades enfrentadas no pequeno “Cercado” eram constantes, em todos os
segmentos: religioso, político e econômico. E o clero, como tradição de nossa cultura política,
sempre opinava e participava das questões “políticas”. Apesar do fim do padroado no início
do período republicano, as esferas política e religiosa continuaram muito próximas nas
décadas seguintes. Como afirmou o Pe. Antonio Pontelo, ao assumir os trabalhos na paróquia,
dizia que era uma “paróquia florescente e a sede tomava impulso de progresso cada vez mais
activo.”320 O crescimento do “Cercado” na década de cinqüenta, se tornara visível e as
necessidades da população, principalmente de infra-estrutura, apareceram com mais nitidez.
Durante o ano de 1953 a Paróquia ficou sem vigário e o Padre Antônio continuou trabalhando
na paróquia com a intenção de ajudar o lugar. Via-se claramente que o crescimento da cidade
comprometia a vida paroquial e que era necessário mais pessoas para atender à população. Era
a modernidade afetando a vida religiosa e social da comunidade em transformação. O
surgimento da indústria e o crescimento populacional fizeram com que os trabalhos de vários
segmentos tivessem de ser reforçados para garantir melhor atendimento a todos.
Conseqüentemente, a vida paroquial também foi e é, alterada diante do crescimento da cidade.
Durante o vicariato, de Pe. Antonio Pontelo, ele concluiu a construção da capela de Santa Rita
em Areias e reformou completamente a casa paroquial; recebeu ajuda da população local,
apesar de alguns “se julgarem dispensados de fazer casa para tal vigário”.321
Padre Antonio Pontelo trabalhava em Pitangui e dava uma pequena assistência na
“Freguesia de São Sebastião do Cercado” como era chamada a paróquia. Em 1956, o Pe.
Altamiro de Faria322 assumiu a Paróquia, e na sua chegada, a casa paroquial ainda estava na
fase final da construção, por isso ficou hospedado, aproximadamente um mês, na casa do Sr.
Pacífico Pinto da Fonseca, o “Cipinho”, um grande fazendeiro que comandava a região, um
régulo nos moldes do período colonial e imperial.323 Padre Altamiro promoveu novas
festividades para a paróquia através das quermesses, “barraquinhas e praças de animais e
aves,”324 o que mais tarde se tornou tradicional no município.
320
Promoveu também
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.78v.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.80.
322
Padre Altamiro vive na cidade de Itaúna-MG. Com uma vida ativa em função da Igreja, Pe.Altamiro assumiu
um papel de guia para os novos padres que se formam na Diocese de Divinópolis.
323
Sr. Pacífico Pinto da Fonseca (O Cipinho) era pai do Sr. Fausto Pinto da Fonseca e casado com a Sra. Zeli
Diniz Fonseca. Estas pessoas tiveram uma participação muito importante no crescimento da cidade e na
manutenção da paróquia. O Sr. Cipinho, era um grande fazendeiro que produzia algodão e mais tarde
administrou uma fábrica de polvilho. Mantinha em sua fazenda um gerador de energia que distribuía a sobra da
mesma, para a população do Arraial; colocou um chafariz em frente ao casarão no centro do Arraial que atendia
a população com o abastecimento de água. O filho Sr. Fausto, contribuiu com muitas doações para o município e
Dona Zeli, ainda viva, tem contribuído muito para o crescimento da cidade.
324
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.82.
321
114
apresentações de teatro nas liturgias, reorganizou a casa paroquial, comprou a imagem do
Senhor Morto para as celebrações da Semana Santa e reformou os instrumentos musicais para
Banda de Música. Durante o ano de 1958, foi autorizado o ritual bilíngüe em português e
latim. Segundo Pe. Altamiro, “isto facilitou naturalmente, um melhor conhecimento e amor,
por parte dos leigos, para com a Sagrada Liturgia da Igreja.”325 Estas e outras mudanças
introduzidas na paróquia foram decorrência da visão progressista do padre. É importante
salientar que o vicariato de Padre Altamiro se deu antes do Concílio Vaticano II e as
mudanças ocorriam por conta do vigário.
Desde o início da década de 1940, Dom Antonio Cabral, arcebispo de Belo
Horizonte, estava cogitando a criação de um bispado em Divinópolis. O pedido foi
encaminhado ao papa em 1958. Em 14 de agosto do mesmo ano, foi criada a Diocese de
Divinópolis pelo Papa Pio XII, pela bula “Qui a Christo”, e o vigário de Divinópolis, Padre
Cristiano, foi nomeado, sete meses depois, o primeiro bispo da Diocese. 326 A participação e o
entusiasmo da população na cerimônia de posse do novo bispo evidenciaram a presença da
Igreja Católica entre os habitantes da região, “a multidão de fiéis era imensa, todas as
paróquias do novo bispado estavam representadas. Compareceram numerosos bispos e
sacerdotes”.327 A criação do bispado em Divinópolis, demonstra também quão foi grande o
crescimento da cidade neste período, o que indiretamente representa uma influência na vida
religiosa do antigo “Cercado”, que agora emancipada politicamente passava a se chamar
“Nova Serrana”, como descrito no capítulo primeiro deste trabalho.
Com o falecimento do papa Pio XII em 09 de outubro de 1958, foi eleito em 28 de
outubro do mesmo ano, o Papa João XXIII, que abriu um novo Concílio na história da Igreja
Católica, concluído pelo Papa Paulo VI em 08/12/1965, o Concílio Vaticano II. O movimento
causado na sociedade pós-Concílio foi de grande transformação na vida cultural e religiosa
em todos os Estados em que o catolicismo era influente, principalmente no que se refere às
mudanças na vida litúrgica da Igreja. Segundo o Papa João XXIII, no discurso de abertura diz
que “o Vaticano II coloca-se frente aos desvios, às exigências e às oportunidades da idade
moderna.”328 A Constituição “Sacrosanctum Concilium, [...] ditava as diretrizes para uma
renovação litúrgica, formulava uma série de princípios teológicos (centralidade da Palavra de
Deus) e eclesiológicos (destaque da Igreja local).”
325
329
A vida nas igrejas mudava
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.90v.
DIOCESE de Divinópolis (1984) p.19-21 apud CORGOZINHO, 2003, p.164-165.
327
CORGOZINHO, 2003, p.165 – Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.01, p.94.
328
ALBERIGO, 1995, p.400.
329
ALBERIGO, 1995, p.415.
326
115
completamente: as celebrações seriam, a partir de então, em língua vernácula330, o padre não
celebraria mais de costas para a assembléia, que também passava de expectadores a
participantes das celebrações, respondendo aos mais diversos momentos da liturgia
eucarística.331 Porém, o “Papa Paulo VI [...] advertiu contra as impaciências e iniciativas
arbitrárias na aplicação da reforma litúrgica,”332 o que poderia causar muita estranheza na
população. Outra mudança ocorrida no Concílio vaticano II, foi em relação aos altares das
igrejas que agora não poderiam ser da mesma forma que eram cheios de imagens de santos,
estas imagens deveriam ser colocadas para veneração e com moderação quanto ao número. 333
Esta prática levou ao desaparecimento de muitas imagens das igrejas e até mesmo de obras de
arte, que foram doadas ou simplesmente levadas para casa dos fiéis sem o mínimo registro das
mesmas. Imagine-se a dificuldade inicial para aplicar na sociedade tamanhas mudanças
sociais, políticas, culturais e religiosas.
O Concílio Vaticano II não só alterou a vida litúrgica como também a vida social,
a igreja tornava-se mais participativa na vida das pessoas e da localidade onde atuava. Nessa
época a evolução social do episcopado foi determinada pela evolução reformista dos governos
desde o governo de Getúlio Vargas em 1950 até o governo de João Gulart interrompido pelo
golpe militar. Os programas sociais desses governos tinham o apoio de alguns setores da
Igreja e movimentos sociais católicos.334 As reformas sociais e políticas afetaram a vida da
paróquia de São Sebastião, a mais significante foi a reforma litúrgica, mas também não
deixaram de se manifestar em atividades e pregações dos padres atuantes, nas criações de
grupos como o TLC (Treinamento de Líderes Cristãos), Clube de Mães e movimentos de
juventude que foram algumas destas transformações sociais influenciadas pelo Concílio e
também a criação da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil em 1952).
O Vaticano II apontou para uma abertura diante do mundo moderno. Este
significava, naquele momento, um neocapitalismo com traços sociais, no aspecto
econômico, uma democracia de tintura cristã, no aspecto político, e uma ciência
menos arrogante e mais dialogante, no aspecto cultural. Até o ateísmo mostrava-se
sensível a um diálogo com a fé cristã.335
330
Sacrosanctum Concilium, Nº 54.
“Para promover uma participação ativa, trate-se de incentivar as aclamações do povo, as respostas, as
salmodias, as antifonias e os cânticos, bem como as ações e os gestos e o porte do corpo. A seu tempo, seja
também guardado o sagrado silêncio. Sacrosanctum Concilium, Nº 30.
332
ALBERIGO, 1995, p.416.
333
Sacrosanctum Concilium, Nº 125.
334
COMBLIN, 2002, p.20.
335
LIBÂNIO, 2005, p.27.
331
116
Diante destas transformações no âmbito interno da Igreja, a tradição das festas de
São Sebastião na Paróquia de Nova Serrana,336 sofreu algumas transformações que foram
muito sentidas pela população. A festa ocorria tradicionalmente em janeiro337, podendo variar
o dia devido à ocorrência das chuvas. No ano de 1958, entretanto, a festa aconteceu em 19 de
outubro, quando a pequena imagem do santo padroeiro, em madeira foi reformada e sua
chegada “foi recebida com pompa extraordinária [...] veio acompanhada desde a Capela [da
comunidade] de Canjicas para cá, de um imponente cortejo de carros, motocicletas e
bicicletas. Ao chegar na Praça do Largo [da Matriz], foi saudada pelo Sr. Joaquim Piradeles,
que falou em nome do povo em geral.”338 Porém a data de 20 de janeiro sempre foi lembrada
na cidade com celebrações, procissões, leiloes e homilias.339 A tradição se estendeu até os dias
atuais quando foi instituído feriado municipal.340 Isto mostra novamente a importância do
catolicismo e a religiosidade existente na então Nova Serrana. A instalação das primeiras
indústrias na cidade não alterou significativamente a religiosidade local.
No ano de 1959 (28 de fevereiro) foi eleito o primeiro bispo da Diocese de
Divinópolis, a qual a paróquia pertencia, o Revmo. Sr. D. Cristiano de Araújo Portela Pena:
“fato que causou profunda alegria nos corações de todos, pois [...] já era bastante conhecido e
estimado entre a população [da região]”. Na festa de Pentecostes foi sagrado bispo (17 de
maio) pelo Núncio Apostólico. “Foram grandiosas as solenidades, nunca vistas em
Divinópolis; a multidão de fiéis era imensa, todas as paróquias do novo bispado estavam
representadas. Compareceram numerosos bispos e sacerdotes.”341 Nos dias 24, 25 e 26 de
outubro a paróquia recebeu a primeira visita pastoral de D. Cristiano, que foi recebido por um
grande número de pessoas. E no mês de novembro, ele visitou a Capela de Nossa Senhora da
Conceição, na comunidade de Ripas, um dos povoados do município. O fato de criar um
bispado em Divinópolis garantiu mais proximidade entre as paróquias e o clero instalado na
336
Passou à condição de cidade em 01/01/1954, como apresentado no capítulo I, deste trabalho.
A festa de São Sebastião é comemorada em 20 de janeiro, de acordo com o calendário litúrgico da memória
dos santos. (SGARBOSSA, 1996)
338
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.01, p.91.
339
São Sebastião, nascido em Milão, passou a maior parte de sua vida em Roma. Amigo do Imperador Romano
teria aproveitado para socorrer os irmãos na fé, os cristãos. Fazia um apostolado para converter soldados e
prisioneiros ao cristianismo. O centurião Sebastião teve que comparecer diante do imperador para dar satisfação
sobre o seu procedimento. Foi condenado sem apelação por ter traído a confiança do imperador. Foi amarrado
em um tronco e criado de flechas, porém foi encontrado por uma mulher chamada Irene, que cuidou do soldado,
restabelecido voltou à sua missão e comparecendo novamente diante do imperador foi condenado ao açoite até a
morte e jogado na cloaca de Roma. O corpo foi encontrado por outra mulher, Luciana, que avisada em sonho
providenciou o sepultamento do santo nas catacumbas romanas ao lados dos apóstolos. Há em Portugal 92
igrejas em honra ao santo e no Brasil são 144 paróquias, entre elas a do Rio de Janeiro, cujo nome canônico é
São Sebastião do Rio de Janeiro, devido as batalhas dos portugueses contra os franco-tamoios na região da
Guanabara, em 20 de Janeiro. SGARBOSSA, 1996, p.23 – WIKIPEDIA, 2006.
340
Lei Municipal Nº1.695, de 10 de dezembro de 2002.
341
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.01, p.94.
337
117
região. A presença da autoridade do bispo trouxe maior participação dos fiéis na comunidade.
“Os Bispos governam as Igrejas Particulares que lhes foram confiadas, com conselhos,
exortações e exemplos, mas também com autoridade e com sacro poder. [...] Em virtude desse
poder os Bispos têm o sagrado direito e o dever perante Deus de legislar para seus súditos, de
julgar e de ordenar tudo o que se refere à organização do culto e do apostolado.342
Durante o ano de 1961, foi realizada uma campanha para comprar um Jeep para a
casa paróquia, o resultado foi surpreendente devido a colaboração de todos os paroquianos.
As campanhas aparecem com mais freqüência na cidade, devido ao fato do processo de
industrialização gerar condições econômicas melhores entre a população. Observa-se que a
indústria passa a fazer parte também do processo administrativo da paróquia e não se mostra
como um entrave diante das mobilizações em torno das questões relativas à comunidade
religiosa. Durante o mês de junho de 1963, aconteceu uma nova campanha na paróquia, desta
vez para comprar uma fazenda para os padres Carmelitas que iriam se instalar na cidade e
tinham como proposta construir um seminário e um ginásio. A religião ainda era um elemento
agregador do ponto de vista da tradição cultural de Nova Serrana, os retiros e encontros para
os paroquianos marcaram a participação das pessoas na Igreja e o sucesso das campanhas
realizadas. A chegada dos padres carmelitas passa a ser um ponto marcante na vida religiosa,
política e social da cidade. A vinda dos padres Carmelitas se deu através de Frei Paulo que era
filho do Senhor Pacífico Pinto (O Cipinho), e que foi responsável pelo contato com a ordem
dos Carmelitas, a qual também pertencia. Padre Altamiro deixou a paróquia no dia 30 de
setembro, e é possível observar a participação da comunidade em sua saudação:
[...] deixo aqui um agradecimento respeitoso, cheio de admiração, para todos
aqueles, e foram tantos, que me auxiliaram com esmolas, com trabalhos ou com
orações. No meu paroquiato de Nova Serrana. Que Deus, Nosso Senhor, pague e
recompense e abençoe a todos, no meu lugar. Para os Revmos. Padres Carmelitas
Descalços, valentes soldados de Nossa Senhora , deixo aqui também os meus votos
de boas vindas e de felicidade em Nova Serrana. Que eles encontrem aqui um
terreno bom e propício para os seus trabalhos apostólicos e para o seu futuro
Seminário que será uma das glórias desta boa oferta querida terra de Nova Serrana.
Que sejam benvidos, que sejam felizes, é o que desejamos. 29 de setembro de
1962.343
O trabalho realizado na Paróquia, pelos frades holandeses recém-chegados, foi em
prol da criação de um Colégio e um Seminário. A chegada dos frades causou grande
impressão em toda a população. A presença do bispo Diocesano, padres de outras
342
343
Lumen Gentium, Nº 27.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.4.
118
comunidades e autoridades fizeram deste momento algo incomum à pequena cidade de Nova
Serrana. Vejamos a descrição do evento segundo o relato do Padre Altamiro:
Celebraram missa deste a madrugada até a Missa Pontificial às onze horas [...] as
19:00 horas houve uma solene e piedosa procissão das velas e consagração oficial
do Município e da Paróquia de Nova Serrana à Nossa Senhora do Carmo; a oração
congratulatória foi proferida pelo Exmo. Sr. Bispo Diocesano e causou grande
impressão. Por fim todos receberam sensivelmente emocionados a Benção do
344
Santíssimo Sacramento.
FOTO 15 - Recepção dos padres carmelitas (Pe.Altamiro, (?), D.Cristiano, Fr.Tiago, Fr.Ambrósio, Cipinho, (?),
João Sebastião, Francisco Batista de Freitas, (?)) Praça Tito Pinto em frente ao casarão do Cipinho – 30
setembro de 1962. Foto: Arquivo Paroquial.
Em novembro de 1962, chegaram outros padres holandeses carmelitas: Frei
Domingos Deneyere, frei Teodardo Mensink, frei Anastásio Martes e frei Anselmo Baltissen,
este último esteve como pároco e professor do Colégio São José criado por estes padres,
durante um largo período.
Em março de 1963, começava o funcionamento do Colégio São José, uma das
propostas dos novos frades e um novo marco cultural para a cidade. Tal iniciativa foi
importante para a formação de lideranças políticas, empresariais e culturais. Pessoas
influentes do lugar apoiavam mais a criação de escolas, do que de Seminários porque “quase
todos achavam difícil de fundar aqui um Seminário em estilo moderno”345 e não se via muita
vocação da população em formar padres apesar do forte vínculo ao catolicismo e às tradições
mineiras. Mesmo assim, a pedido dos frades, ruas foram abertas para dar acesso ao local da
construção do seminário, ou seja, mesmo sem o apoio de parte da população, os frades
344
345
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.5v.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.13.
119
levavam a cabo a criação do seminário. Foram feitas também melhorias no entorno da Igreja
Matriz, tais como: calçamento de ruas, modificação no adro (de onde retiraram as escadarias e
colocaram rampas para melhorar o acesso), além da tentativa de ampliar as salas laterais.
As mudanças e inovações propostas pelos frades ocorriam em todos os sentidos,
não se restringindo às novas edificações e instituições. A vida social da cidade foi objeto de
atenção e intervenção dos mesmos. De acordo com as determinações do Concílio Vaticano II,
também ocorria reformas na liturgia, o que alterava a rotina dos padres e da população.
Percebem-se bem as dificuldades das mudanças quando frei Anselmo dizia que estava
“tentando antes de mais nada adaptar às modificações da liturgia”346 e nem sempre as
modificações atendiam as expectativas dos fiéis: “as renovações na liturgia foram bem
aceitas, mas especialmente o povo do interior achava mais graça nos costumes antigos”, que
eram as celebrações em latim, a reza do terço e os costumes da semana santa, e ainda: “parece
que no interior os fiéis apreciam mais e participam melhor com as orações em português”.347
Era necessário criar novas estratégias e uma delas foi incentivar a vinda de congregações e
ordens religiosas para o Brasil. Com a influência do catolicismo francês, alemão, holandês e
italiano, novas práticas religiosas surgiam diferentemente das que predominavam até então,
como as de origem portuguesa tradicional. “Ordens religiosas variadas intensificaram suas
atividades,
modificaram
qualitativamente
sua
forma
de
atuação
e
aumentaram
quantitativamente seu número no Brasil”.348 Da mesma forma que os franciscanos trouxeram
um dinamismo cultural para Divinópolis, os carmelitas descalços também dinamizaram a vida
de Nova Serrana através de suas idéias revolucionárias e voltadas para o desenvolvimento
cultural e intelectual vindo da Holanda.
Tanya Pitanguy nos apresenta uma definição interessante sobre esta divisão das
Minas, uma que está ligada aos sertões, à vida sertaneja, de uma realidade distante da urbe e
que vive a esperança e a busca de melhorias, “a Minas da ocupação da terra, da luta pela
sobrevivência, da terra/corpo, das boiadas”349; do outro lado a urbanidade, a busca pelo ouro,
“a Minas da riqueza fácil, da sorte, dos aventureiros”350, a qual podemos definir também do
mundo que recebeu mais depressa os avanços da tecnologia e da informação, o litoral ou a
capital.
346
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.11.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.13-14.
348
CORGOZINHO, 2003, p.146-151.
349
PAULA, 1999, p.20-21.
350
PAULA, 1999, p.20-21.
347
120
As discussões, dilemas e modificações sociais experimentadas com a construção
da Igreja Matriz estão relacionadas aos eventos políticos, econômicos e transito em Nova
Serrana. Visto que a vida no interior dependia de ajuda mútua entre a população e faltavam
recursos até mesmo para o conserto dos veículos, que muitas vezes dependia da ida à outras
localidades. Nova Serrana estava entre a vida do sertão e o desenvolvimento da urbanidade. A
cidade não cresceu e desenvolveu como ocorreu com as regiões de mineração, mas também
não ficou presa na luta pela vida do sertão, ao mesmo tempo estava também distante de uma
série de facilidades devido às distâncias das localidades mais desenvolvidas, as estradas e os
meios de locomoção ainda não respondiam às necessidades do lugar.
Agora “a maior luta estava no Ginásio [que foi criado e mantido pela igreja]
devido a “falta de luz e [de] professores. [...] E logo depois uma tentativa de arquitetura para a
colocação do Tabernáculo [na igreja], que, simples, agradou a todos e deu mais impulso para
colaborar com a campanha do piso que agora parecia mais desejado [pela população da
cidade]. ”351 O desenvolvimento urbano da cidade trouxe paulatinamente alterações na esfera
cultural e religiosa. Isso explica o empenho da população e da Igreja na construção de um
espaço educacional, mesmo sendo particular e que atendesse uma elite da população.
Mesmo atendendo a população de maior poder aquisitivo e por melhorar a vida
dos estudantes que tinham que ir para Pitangui ou Divinópolis, não havia muita participação
da comunidade no ensino e nas atividades do Ginásio, o que é uma preocupação ainda na
atualidade: a população de Nova Serrana não valoriza muito o estudo, dá mais valor ao
trabalho, a cidade passou a valorizar mais a indústria do que se preparar para um trabalho
qualificado. Os padres carmelitas se empenhavam na assistência religiosa e social, se
preocupavam com a formação intelectual da população, o que era uma característica da vida
européia, na qual eram formados. “Assim compreende perfeitamente a soma de sacrifícios
que o ginásio local lhes tem pedido. Lastima-se que essa atividade social não tenha sempre
encontrado a colaboração desejada por parte da população beneficiada.”352 Ao contrário de
outras localidades, em Nova Serrana quem mais se empenha em qualificação profissional é a
população operária, porém faltam recursos para investirem em estudos, já a população dona
da indústria não se sente tão motivada para tal tarefa porque já se encontra estabilizada em
seus negócios ou receberam hereditariamente uma estrutura industrial já montada. Este é um
fenômeno notado em outros estudos como aponta Wilson Suzigan, quando se refere ao
sistema educacional em Nova Serrana: “Há também deficiência no sistema educacional e de
351
352
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.17.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.19. Visita pastoral de Dom Cristiano em 25/04/1967.
121
formação profissional, que se revelam na falta de trabalhadores qualificados [...] os próprios
empresários reconhecem a necessidade de ‘cursos para melhorar o conhecimento dos
empresários sobre o setor calçadista’”.353 Mesmo com a reabertura do Ginásio São José, os
ânimos para o estudo em Nova Serrana ainda eram bem baixos, como observou Frei
Anselmo354:
Não se olha para o futuro. O número de alunos podia ser o dobro, mas o lucro nas
sapatarias atrai mais. A situação econômica de nova Serrana é bastante boa. Nunca
surgiram tantas sapatarias. Mas achamos que o nível cultural em nossa cidade é o
mais baixo da redondeza. As únicas pessoas formadas são as professoras e estas
não fazem nada para a formação humana e não tomam nenhuma iniciativa.
O Ginásio São José trazia para a cidade novos propósitos para estudar, de criar
uma geração mais consciente, um exemplo era o caso da primeira associação estudantil da
cidade, fundada pelos estudantes Alcioni Maria do Amaral, Rossini José Duarte, Tomaz de
Aquino Freitas, Carlos Pinto da Fonseca e Antonio de Souza Pinto, em 21 de setembro de
1966.355 Bem como os trabalhos dos grupos de jovens que ajudavam na igreja e realizavam
diversas atividades culturais, como teatros, festas, encontros e tardes de reflexão, liderados
por Divino Azevedo e Olinda Pinto. O colégio, de certo modo, foi um dos primeiros e
pioneiros meios pelo qual parte da população teve contato com a “modernidade”, mesmo que
sob o prisma da Igreja.
353
SUZIGAN, 2005, p.112.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.23v.
355
Livro de Atas do Grêmio Estudantil do Ginásio São José.
354
122
3- A nova Igreja Matriz
Frei Ambrósio assumiu a paróquia no contexto em que se iniciava a
industrialização, época em que já se discutia no Conselho Paroquial a necessidade da
construção da nova Matriz. Durante uma destas reuniões “o assunto estendeu no recinto e
obteve o apoio total de todos os membros”
356
O próximo passo agora seria a verificação das
verbas existentes, a possibilidade de adquirir empréstimo no banco e entrar em contato com a
prefeitura municipal para apresentar a planta da praça e divulgar para a população a iniciativa
da construção. Os cálculos iniciais e a elaboração da planta seriam feitos pelo Dr. Rubens
Caetano. Algumas questões começavam a aparecer em relação à demolição da antiga igreja.
“Quanto ao engenheiro que iriam conseguir para a elaboração da planta da matriz, o referido
profissional sugeriu que não deveria ser demolida a Igreja antiga.” 357
Novos grupos surgiam para os trabalhos na paróquia, que reforçava a idéia de ter
um espaço melhor para atividades recreativas e culturais do que construir uma nova igreja.
Em Abril 1973, o Conselho Pastoral discutiu a necessidade de construir um Centro Social, e
frei Ambrósio comentou: “É interessante ver. Em nossa cidade corre bem mais dinheiro do
que nas cidades vizinhas. Mas a paróquia não tem nada. O único local para reunir é o salão
[vicentino], aliás, pequeno demais e feio.”358 Ainda segundo o referido padre, tal quadro não
condizia com a condição da cidade, afinal “Nova Serrana, uma cidade em franco progresso, só
tem o pequeno salão dos vicentinos, aliás mal cuidado, sem conforto e com bancos”359. Era
quase unanimidade entre a população, segundo o eclesiástico, a necessidade de se construir
um templo, uma casa paroquial e um centro Social “à altura da cidade”.
Frei Ambrosio entendia que, naqueles anos, primeiro a população pensava no seu
bolso, nas necessidades capitalistas, deixando em um segundo plano as questões culturais e
sociais da comunidade. Mesmo com tanto dinheiro em circulação, pouco se fazia segundo ele,
pela preservação cultural do lugar. As questões religiosas e espirituais também viam sendo
deixadas em segundo plano. O dízimo era uma preocupação constante nas reuniões do
Conselho Pastoral e cada vez mais era preciso fazer campanhas para angariar fundos, como
exemplo foi a criação de uma lojinha, organizada para vender calçados. Os industriais doavam
calçados com leves defeitos ou até mesmo novos para a lojinha, mas não contribuíam com o
356
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.02. 12/11/1972.
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.03. 19/11/1972.
358
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.44v.
359
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.49v.
357
123
dízimo. A dificuldade em se angariar o dízimo refletia uma mudança de caminho rumo à
“modernidade”, reflexo da chegada do capital e seus valores.
Data de 1973 a primeira menção à construção de uma nova matriz para a cidade
em crescimento. As discussões sobre a nova igreja matriz ganhavam forma. “Ficou decidido
[na reunião do conselho], com o último parecer de frei Ambrósio de construir [a igreja] na
praça onde se encontra a atual. Neste ponto ficou o Dr. Walter Batista, que também estava
presente, de nos ajudar a conseguir o engenheiro para a elaboração da planta, sendo que o
cálculo ele mesmo o fará.360
Entretanto, os ânimos da comunidade voltaram-se primeiramente à construção de
um centro social, desejo antigo. “Ficou decidido [...] que será construído [o Centro Social] no
local do ex cinema, sendo que esse será demolido e vendido o material.” 361 Porém, mais tarde
foi “transferido o local para construção do centro social para a Rua Divinópolis [hoje Rua
Dimas Guimarães]. Ficou criada uma comissão destinada aos trabalhos da construção [...]
José Silva de Almeida, Tomaz de Aquino Freitas, Romeu Coelho e José Lino Ferreira.”362
Mas as dificuldades continuavam, uma vez que as construtoras não se interessavam em
investir no interior e os recursos disponíveis ainda não eram suficientes, o que levou a
comissão a comprar alguns materiais que poderiam ser guardados, para que mais tarde
começasse a construção do referido salão.
Os planos para a construção tiveram de esperar, pois o então bispo de Divinópolis
era contra a demolição do antigo templo, além disso, entendia que a comunidade deveria se
preocupar mais com a ereção de uma capela dedicada a São Cristóvão, cuja devoção era
grande na cidade. Anualmente era consagrada grande festa em comemoração ao dia desse
santo. As festas religiosas eram e ainda são o ponto importante na socialização da população
da cidade. Ainda na década de 1970 fora construída uma pequena capela dedicada a São
Cristóvão, responsável também pelo crescimento da cidade na região sul, juntamente com a
criação da Escola Estadual Antonio Martins do Espírito Santo, que ampliou a rede de ensino
no município.
Ao mesmo tempo em que a cidade se desenvolvia, a pequena igreja de São
Sebastião não conseguia comportar a população que freqüentava as missas. “Depois de
inaugurado o Centro Social, é preciso pensar na Igreja; se deveriam reformar esta ou construir
360
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.06v. 11/02/1973. Grafia atualizada. Optei pela atualização da
linguagem do texto.
361
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.07. 11/02/1973.
362
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.15. 23/09/1973. – Atualmente a Rua Divinópolis passou a denominar
Rua Dimas Guimarães.
124
outra”363, era o que discutia nas reuniões do Conselho. As preocupações surgiam e as
opiniões se dividiam: “na reunião do Conselho Pastoral no dia 28 de dezembro (1975) foi
lançada novamente a idéia da construção de uma nova Matriz. Mas o Conselho pediu primeiro
para divulgar a idéia e ver se era a vontade de toda a comunidade.”364 As discussões sobre a
nova matriz eram constantes; propostas para ajudar nas campanhas em prol da construção não
faltavam,
[...] mas dependia fundamentalmente da opinião pública. O Conselho é
simplesmente uma representação do povo, devendo agir de acordo, como tal [mas
que teria poder de decisão]. O primeiro passo a ser dado foi uma enquête com o
objetivo de saber o que o povo queria, e, se esse mesmo povo estaria disposto a
colaborar com a nova construção. Eram necessários também o apoio dos órgãos
administrativos municipais e a opinião dos engenheiros.365
Precisava de muita cautela uma vez que a dúvida dividia a comunidade e o próprio
Conselho. O Conselho propôs pedir uma opinião ao bispo sobre a construção da nova igreja, e
este se opôs a demolir a igreja antiga. Segundo o bispo era preferível construir uma nova em
outro local. Por isso a festa de São Sebastião não teve muito sucesso financeiro, pois “a
reunião com o Senhor Bispo no dia 22 de julho prejudicou bastante a animação e a
generosidade do povo. Percebe-se um claro descompasso entre a opinião da autoridade
religiosa, considerada por boa parcela como conservadora e retrógrada e a vontade de boa
parte de população, que ansiava por ver uma nova matriz, algo que representasse a nova fase
vivida pela cidade. O povo queria mesmo uma matriz nova no centro da cidade. Estava com
sua opinião formada.”366 O fato foi a dificuldade de estabelecer um denominador comum
entre uma população dividia entre o novo e o tradicional. A polêmica envolvendo a
substituição de uma velha matriz por uma nova e moderna igreja não foi uma exclusividade
de Nova Serrana, muito antes pelo contrário. Ao que parece, esse tipo de polêmica foi
bastante comum na segunda metade do século XX em Minas Gerais. Vejamos o curioso caso
de Ferros/MG, que apesar de não se tratar de uma cidade em franco crescimento econômico
como Nova Serrana, viveu um dilema quase idêntico quanto ao destino de sua igreja matriz.
Localizada na região metropolitana de Belo Horizonte, Ferros/MG abrigava a
pequena igreja de Sant’Ana, construída no século XVIII, foi substituída por um templo
moderno em 1961. As discussões sobre a nova construção alteraram completamente a vida da
população, movimentou pessoas da capital mineira e atraiu a atenção de jornais e repórteres
363
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.57.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.57.
365
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.68v. 21/03/1976.
366
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.62v.
364
125
da época. Diante do estado precário de conservação da igreja matriz, o padre José Cassimiro
apresentou sua proposta de construir o novo templo, comunicou ao bispo de Mariana e tão
logo começou a arrecadar fundos para o empreendimento. O nível de cooperação e harmonia
era satisfatório, porém quando se anunciou a demolição do antigo templo, a população se
manifestou não aceitando tal proposta. O impasse resultou em um plebiscito, com formação
de partidos e campanhas a favor e contra. Com características de um grande movimento
político, o resultado foi de 68 votos contra, 22 abstinências e 3590 a favor da nova construção.
O povo comemorou naquele dia com passeatas e fogos. Contrariando a uma série de opiniões,
a antiga matriz foi demolida e depois disso era necessário uma série de campanhas para dar
continuidade ao projeto, porém, os escombros parecia ter soterrado os ânimos das mesmas
pessoas que comemoravam os resultados do plebiscito. A imagem da praça vazia e a demora
para construir o novo templo passou a incomodar a população, e mesmo depois que tudo se
concluiu ainda prevalecia um sentimento de culpa, e mesmo nos tempos atuais a população de
Ferros parece se incomodar com o violento contraste verificado em sua praça principal.367 A
nova matriz em Nova Serrana não causou grandes impactos visuais diante da cidade, mas
gerou um sentimento nostálgico e até mesmo revoltante por parte de alguns moradores e o
sentimento pesaroso de quem compara as fotos da antiga matriz e da atual faz o comentário
que deveriam ter preservado tal monumento e construído a nova em outro lugar.
Nas reuniões do Conselho Pastoral permaneciam as dificuldades sobre o tamanho
da igreja. E a semana santa era um dos agravantes, pois fora da igreja a assembléia não
participava como devia e dentro “a igreja não comportava o povo”.[...] era necessário
aumentar duas coisas [na paróquia]: a igreja e o cemitério.368
367
368
SILVEIRA, 2002, p.78.
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.75v. 06/03/1976.
126
FOTO 16 – Antiga Igreja Matriz de São Sebastião, 1962 – durante a chegada dos frades carmelitas. Foto:
Arquivo Paroquial.
As igrejas antigas já não são mais suficientes para o número sempre maior de fiéis;
precisam ser reformadas ou ampliadas; e muitas já foram (às vezes de maneira
infeliz), e outras o estão sendo bem ou mal, nascendo como cogumelos sem critério
sério artístico e religioso. [...] Raros são o exemplos de esforços interessantes e,
mesmo neste caso, se de um lado os artistas têm entusiasmo, do outro eles não
conhecem os mais elementares princípios litúrgicos e realizam extravagâncias que
põem perplexos o senhores bispos que devem sagrar igrejas tão esquisitas!369
369
SILVEIRA, 2002, p.52 apud OSWALD. mar.abr.1953, p.173.
127
FOTO 17 – Antiga Igreja Matriz de São Sebastião, 1964 – depois da reforma realizada pelos frades
carmelitas. Foto: Arquivo Fotográfico Municipal.
Em Nova Serrana, a discussão sobre a construção da nova matriz ocorreu em toda
a comunidade por um largo período e uma pesquisa foi lançada pelos participantes do
Conselho e aplicada pelos grupos de juventude no “dia 20 [março de 1977]. Foram
entrevistadas 2.603 pessoas, parcela considerável da população. Na consulta popular foi
questionado qual seria o melhor local para a nova Matriz e se deveria ou não ser demolida a
antiga matriz. 1941 pessoas se expressaram para desmanchar a matriz, 662 para não
desmanchar, 1851 pessoas eram a favor de construir a nova matriz no mesmo local no centro,
556 entendiam que a nova matriz deveria ser construída em outro local.370 Ao contrário do
caso de Ferros, onde a consulta popular teve peso efetivo na tomada das decisões, em Nova
Serrana a discussão e a pesquisa não foram suficientes para a tomada de decisão. Havia uma
forte oposição de alguns setores do clero local.
Em 1976 Walter Batista apresentou uma proposta arquitetônica para a nova matriz
representada por uma maquete ofertada pelo Sr. Edson Batista de Freitas em modelo
circular371. (Ver fotos 18 e 19) Como tinha um custo elevado, o projeto não chegou a decolar.
370
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.61. Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.75v.
06/03/1976.
371
O projeto apresentado constava de um modelo com o telhado triangular com seis águas, as paredes estariam
apoiadas em um espelho d’água. O jardim seria composto de ipês amarelos plantados pelas famílias da cidade, o
que criaria um efeito diferente no mês de agosto quando florissem. A maquete se encontra em uma sala da torre
128
Apesar de ter agradado a população em geral, o projeto pareceu um tanto quanto inadequado a
parte do clero, sobretudo ao bispo. O clero local, por sua vez, dizia “que não poderiam pensar
na construção antes de ouvir Dom Cristiano.”372
FOTO 18 – Igreja Matriz de São Sebastião – Maquete do projeto da nova matriz – Vista frontal – Foto:
Arno Spier Junior – Novembro/ 2007.
da matriz. (Entrevista concedida a Betânia Gonçalves Figueiredo, Departamento de História da UFMG, em
01/07/2005 – Conselho do Patrimônio Cultural de Nova Serrana – Ficha 0001E)
372
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.77. 15/05/1977.
129
FOTO 19 – Igreja Matriz de São Sebastião - Projeto da nova matriz – Vista aérea – Detalhe dos Ipês - Foto:
Arno Spier Junior – Novembro/ 2007.
Dom Cristiano era contra a derrubada da velha matriz, entendia que a cidade em
crescimento, com a população aumentando, necessitava duas igrejas. O dinheiro gasto para
demolir a igreja velha não seria pouco. O “melhor seria” construir outra em outro local e
depois reformar a antiga igreja de São Sebastião. Mas a nova igreja deveria ser grande e num
local onde tivesse mais terreno para que futuramente se construísse ao lado a casa paroquial,
salas para catequese, salão de reuniões e banheiros. A verdade era que todo o clero se
colocava contra as idéias até então ventiladas pela população que queria um templo arrojado,
como se viu pela maquete. Frei Ambrósio e o Sr. Romeu Coelho estavam convencidos de que
a idéia do bispo era melhor do que a da comunidade e basicamente “convenceram” o
Conselho disso.
Os planos para a nova matriz era para uma igreja bem maior. Na sondagem de
dados sobre a igreja antiga, “Frei [Ambrósio] disse que não saberia quantas pessoas assistiam
à missa. Julgava ser umas 1800, nas três missas; portanto a igreja a ser construída precisaria
comportar umas mil pessoas, pois caso contrário, depois de alguns anos, ela não comportaria
novamente todas as pessoas que assistem à missa.”373 Na procura de uma construção com
373
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.78. 15/05/1977.
130
menor custo a arquitetura da igreja a ser construída não teria mais o estilo clássico das igrejas
mineiras (barroco, rococó) mas assumiria as características dos galpões da indústria
calçadista, Sr.Romeu Coelho disse “que as igrejas atuais são quase todas estilo caixote. Essas
são mais simples e ficam mais baratas. Wandick [Batista de Freitas] sugere entregar a
construção a uma companhia empreiteira. Mas para isto precisaria de ter antes todo o
dinheiro, portanto não é possível. A construção da igreja deverá ser feita aos poucos.”374
Observa-se que as negociações e propostas para a construção da nova matriz são influenciadas
pelo processo produtivo local. A escolha do estilo arquitetônico e a forma de pagar o
empreendimento são como os moldes da indústria calçadista: para a construção da igreja
sempre se propõem financiamentos, materiais mais baratos e até mesmo as campanhas e
carnês para contribuição. A escolha dos moldes a serem construídos vai de encontro às
necessidades comunitárias, mas também, com as experiências de pessoas que estão à frente da
comunidade, que eram empresários que estavam à frente do Conselho Administrativo da
Paróquia.
A prática e a economia não devem levar a construir as nossas igrejas como se
fossem fábricas, nem dar-lhes um aspecto de armazéns. De modo algum, devemos
equiparar as Casas de Deus a casas de negócios. Não é raro vermos modelos de
igrejas a serem construídas e algumas já edificadas que, retiradas a cruz ou o
monograma de Cristo em grego geralmente, em nada se diferem de magazines.
Falta-lhes até a harmonia de linhas. [...] Americanismo, mania da época.375
Uma das características importantes da modernidade é o livre pensamento e a
vontade da inovação. Segundo HABERMAS, “moderno sempre ressurge nos momentos de
formação da consciência de uma época para designar a nova situação.”376 No caso “da
arquitetura moderna é um fruto de nossa sociedade, dos progressos da técnica, da mentalidade
nova: condiz, portanto, com o pensamento do homem moderno, na sua faina de afirmações
positivas, na busca de respostas claras e incisivas aos problemas que o torturam.”377 Sob um
certo prisma, as iniciativas dos paroquianos de Nova serrana e demais cidades mineiras na
segunda metade do século XX estão em consonância com o movimento criado pelo Concílio
Vaticano II no que diz respeito a estruturação dos lugares da celebração. “A liturgia é
renovada, o que acarreta profundas modificações na organização dos espaços e na forma das
igrejas.”378
374
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.75v. 06/03/1976.
SILVEIRA, 2002, p.57 apud COSTA LIMA, REB.p.533, set.1950
376
CORGOZINHO, 2003, p.19.
377
SILVEIRA, 2002, p.29 apud PASSOS. REB, p.599, set.1944.
378
MACHADO, 2001, p.25.
375
131
É importante destacar que, em meio às discussões sobre o estilo arquitetônico ideal
para a matriz de Nova Serrana, a Igreja Católica recomendava na Constituição sobre a
Sagrada Liturgia do Vaticano II aos representantes do clero, arquitetos e engenheiros para
que os edifícios, qualquer que fosse o estilo empregado, não causassem estranhamento aos
fiéis, bem como um alerta sobre a necessidade de preservar estilos anteriores que contam a
história local. Assim como em Ferros MG, a comunidade de Nova Serrana, sob os auspícios
dos novos tempos, entendiam que era lícito recorrer a uma gritante linguagem de formas a fim
de atrair a atenção dos transeuntes para a igreja.379 Dadas as proporções, é o caso da Catedral
Metropolitana de Brasília, que atrai a atenção de todos, é de uma arquitetura surpreendente,
apesar de pouco funcional.
FOTO 20 – Catedral Metropolitana de Brasília – Vista frontal – noturna – Foto: Reginaldo Silva – Abril/ 2007.
Enquanto isso, em Nova Serrana, instalou-se um grande impasse com relação ao
local onde deveria ser construída a Nova Igreja ou se a mesma deveria ser erigida no local
onde se encontrava a velha matriz. Foram mais de três anos (1776-1779) de discussões
inócuas, estando de um lado o bispo e os padres locais defendendo a manutenção da velha
matriz e a construção de uma nova em outro local; e de outro a maior parte da população,
379
SILVEIRA, 2002, p.47 apud KLAUSER. REB, p.372, jun.1955.
132
incluindo o empresariado, defendendo a construção de um templo grande e arrojado no
mesmo local da antiga igreja, que deveria ser demolida. 380
O quadro começa a se alterar com a saída do bispo Dom Cristiano e a posse de
Dom José Costa Campos na Diocese de Divinópolis. Dom Cristiano era um dos principais
opositores a idéia de se construir um novo templo no mesmo local da antiga matriz. 381 Dom
José tomou posse em maio de 1979,382 no “dia 12 de setembro visitou pela primeira vez a
cidade [de Nova Serrana] e a casa paroquial.”383 A visita se estendeu até os dias 14, 15 e 16
de março de 1980. Depois de passar pelas comunidades rurais, a visita foi encerrada com uma
missa “e outra vez a pequena igreja ficou superlotada. [...] o bispo falou sobre a necessidade
de uma nova e maior Igreja Matriz.”384 O novo bispo apoiava a idéia de demolir a igreja velha
e construir a nova no mesmo lugar. Finalmente o projeto da Nova Matriz ganharia vida.
Enquanto isso, a indústria ampliava e tomava conta da cidade com o ramo
calçadista, tudo agora dependia da fabricação de calçados. A festa de São Sebastião e as
campanhas estavam completamente direcionadas para a construção da nova matriz. Com o
sinal verde do bispo Dom José Costa, seria necessário apenas verificar se o local era favorável
e se o espaço comportava uma nova igreja.385 Segundo os membros do Conselho, era
necessário “obedecer a opinião do bispo” e isso justificaria a decisão de demolir a antiga
igreja.386 Ainda assim havia setores da sociedade, sobretudo os mais velhos, que eram contra a
demolição da antiga matriz.387
Outro fator importante para consolidar a decisão de demolir a igreja era a chegada
do novo vigário. O Conselho se preocupava com a recepção e todo o aparato para isso, ao
mesmo tempo em que esperavam também uma opinião do mesmo sobre a construção da
igreja. Em 1980, Frei Ambrósio, que era o vigário, foi para a Holanda e sua volta seria para a
Bahia.
380
Livro de Atas Conselho Pastoral 01, p.95. 28/01/1978; Livro de Atas Conselho Pastoral 02, p.06. 05/08/1978.
Dia 08 de abril recebemos uma carta de despedida de Dom Cristiano [...] foi livre e espontaneamente que
apresentou à Santa Sé o pedido de renuncia e insistiu para que fosse aceito. [...] Padre Ordones foi eleito
vigário capitular da diocese até a chegada do novo bispo. Dom José Costa Campos marcou sua posse para o
dia 20 de maio (1979).Livro de Tombo 02, p.73.
382
A missa de posse do novo bispo reuniu muitos padres e bispos das cidades vizinhas. “A Igreja estava
superlotada de fiéis. A presença do vice-presidente da nação documentou mais ainda a importância e brilho da
festa.”Livro de Tombo 02, p.73v
383
Livro de Tombo de São Sebastião , vol.02, p.75.
384
Livro de Tombo de São Sebastião , vol.02, p.79.
385
Livro de Ata Conselho Pastoral 02, p.20v. 15/03/1980.
386
Livro de Ata Conselho Pastoral 02, p.23. 20/04/1980.
387
Livro de Ata Conselho Pastoral 02, p.23v.20/04/01980.
381
133
“[...] nesse mesmo dia, chegou à Nova Serrana, o novo vigário Padre Lauro Geraldo
de Resende Pinto388. [...] foi recebido no trevo e vieram em carreata até a praça da
matriz, onde o povo o aguardava com banda de música, discursos e apresentações.
[...] onde foi apresentado o relatório financeiro [...] Pe. Lauro sugeriu que o
dinheiro [disponível no caixa da paróquia] fosse aplicado na compra de material
utilizável na construção da nova matriz, que era um problema que se arrastava há
muito tempo. [...] O Conselheiro Romeu Coelho comunicou a todos que a maquete
da nova matriz já estava sendo feita em Belo Horizonte [...]389
Com a chegada de Padre Lauro, as propostas começavam a ganhar forma e as
decisões da comunidade começavam a se concretizar.
“Ficou marcada a festa de São
Sebastião para os dias 25 e 26 de julho (1981), com novena preparatória e nessa festa foi
lançada a pedra fundamental da nova matriz. Ficou decidido também que o vigário e o
Sr.Valdomiro Amaral iriam à Varginha para verem a igreja de lá, que parecia ser muito
funcional”390 e serviria de modelo para construir a nova matriz (fotos em anexo). O
Engenheiro Dr. Idehean (Itaúna/MG), estava com muita dificuldade em fazer a planta da nova
igreja na Praça José Batista de Freitas, devido ao desnível do terreno.
FOTO 21 – Vista lateral da Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG - Foto: Arquivo Paroquial.
388
Padre Lauro nasceu em Resende Costa – MG, em 15 de agosto de 1939. Desde criança tinha a vocação de ser
padre e queria ir para o convento, com onze anos de idade seguiu para o Seminário em São João Del Rei. Foi
ordenado em 1969, como padre Salesiano, onde trabalhou em vários colégios. Depois disso foi para Silvânia –
GO, em seguida para Córdoba na Argentina. Em 09 de julho de 1980, chegava em Nova Serrana. Texto enviado
pela família de Padre Lauro.
389
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.02, p.79v-80.
390
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.02, p.82.
134
FOTO 22 – Vista interior da Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – Foto: Arquivo Paroquial.
135
FOTO 23 – Vista frontal da Igreja do Espírito Santo – Varginha/MG – Foto: Arquivo Paroquial.
O Jornal Diário do Oeste apresentou um artigo contra a demolição da antiga igreja.
Com a manchete “Nova Serrana: população não quer igreja demolida” apresentava em seu
texto que a população se encontrava revoltada com a notícia da demolição da igreja e que
136
faziam um movimento para que isto não ocorresse.391 Tal fato evidencia a forte oposição de
parte da população, mais saudosista. Entretanto, o novo vigário, padre Lauro, dizia que a
demolição só não aconteceria com a ordem do bispo, que também era a fovaor da demolção.
No dia 06 (outubro 1981), começou a terraplanagem do terreno para a construção
da nova matriz. Parece que agora o sonho começa a ter contornos de realidade. A
matriz velha será totalmente demolida uma vez que não tem nada que aproveite;
nem tamanho, nem arquitetura, nem obras de arte, nem nada de nada. Houve
alguma polêmica por parte daquela minoria que nada faz, só sabe azucrinar. Mas a
vontade do povo e a lógica venceram.392
A construção do novo templo com uma arquitetura moderna demonstrava ser uma
melhoria no aspecto da cidade, mas ao mesmo tempo, seria importante preservar um bem que
contava a história de tantas pessoas que ajudaram na construção. Acreditar desta forma teria
levado à desvalorização de templos cujos aspectos predominantes, considerados de pouco ou
nenhum valor artístico, fossem capazes apenas de remeter ao passado, reforçando a angústia
naqueles que se incomodavam profundamente com o descompasso entre suas expectativas de
desenvolvimento e a realidade efetivamente compartilhada.393 “As igrejas antigas de Minas
nada têm de estilo barroco e muitas vezes são rústicas, mas fazem parte da paisagem mineira e
são documentos da história do povoamento.”394 Ao mesmo tempo “as perspectivas abertas à
arquitetura pelo concreto armado não deveriam ser desprezadas em favor de um apego
exagerado à tradição”.395 Percebe-se aqui que nem toda a população era a favor da demolição
da antiga igreja, mas ao mesmo tempo, também não se opinavam e nem faziam por onde para
que a obra tomasse outro rumo, ao contrário do que ocorreu em Ferros-MG, onde a população
opinou, criou grupos de campanha e realizaram um plebiscito, teve a influência de escritores e
jornais do Estado de Minas Gerais. É notado uma insatisfação da população diante da
demolição, mas não se encontra nenhuma outra manifestação, além do jornal, para impedir tal
ato, o que se vê é apenas uma reclama sobre a situação.
A Semana Santa seria celebrada no local onde ficava a igreja matriz como forma
de sensibilização da população sobre a construção da nova matriz, e muitas pessoas do
Conselho Paroquial era contra transferir as celebrações para o Centro Social, porque as
pessoas poderiam se acomodar e não ajudar nas campanhas para a construção396 e para que os
ânimos da população não ficassem junto aos escombros da demolição. Foram usados os mais
391
Diário do Oeste, 06 de agosto de 1981.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião, vol.02, p.82v.
393
SILVEIRA, 2002, p.19.
394
AUGUSTO... Ultima hora. p.3, 14/03/1961 apud SILVEIRA, 2002, P.153.
395
SILVEIRA, 2002, p.48.
396
Livro de Ata Conselho Paroquial 02, p.40v. 20/03/1982.
392
137
diversos meios para angariar fundos: foram sugeridos livros de ouro e prata, como fonte de
recursos, cartas para os comércios, contatos com as fábricas de calçados, doações de lotes
pelo Sr. Fausto Pinto da Fonseca, e mais ainda as festas nas comunidades, promoção do
carnaval, festa de são Sebastião e o recolhimento do centésimo, que era ainda uma
dificuldade. Como aconteceu no caso de Sant’Ana de Ferros, em Nova Serrana a demolição
da igreja velha causou um profundo desgosto na população, principalmente nos mais antigos
do local. 397 Para agravar o quadro de desolação e amargura dos antigos, mais tarde os restos
mortais do velho cemitério, localizado bem próximo à Matriz, também foram transferidos
para o cemitério novo.
A construção começou em 1981 e foi concluída em 1987, procurou-se construir
uma igreja grande, de custo menor e com estilo moderno. “A arquitetura dos novos templos e
daqueles a serem reformados deveria atender dois objetivos básicos e precisos: ser funcional
para a celebração litúrgica e facilitar a participação dos fiéis.”398 A nova igreja impressionava
pela arquitetura e dimensões. As paredes em concreto armado criavam uma harmonia através
de suas formas geométricas e que deixavam grandes aberturas para as janelas
complementarem; o adro constituído de rampas composta das letras alfa, delta e ômega e uma
grande área dá vistas para o leste que recebe o sol ao nascer levando a luz até o altar; a
assembléia com um vão muito grande impressiona os novos engenheiros, e constitui um
espaço para mil pessoas sentadas como queriam os primeiros idealizadores; o presbitério
ladeado por painéis em argila descreve as cenas bíblicas e do dia-a-dia da cidade, traz consigo
a mesa da Palavra e Eucarística, em mármore branco com os pés em forma de botas
representando todo trabalho calçadista existente na paróquia; o batistério original não durou
muito tempo, composto de uma gruta em pedras, trazia a imagem de São João Batista, em
madeira e com uma concha na mão, por onde passava uma mangueira que levava água benta
até a concha e sumia no próprio solo; a sacristia à direita e uma sala para confissões à
esquerda compõem o conjunto do presbitério; o coro da igreja antiga desapareceu; a cruz que
é um dos mais antigos símbolos, mesmo antes de Cristo já era representada399, localizada logo
acima do sacrário, toda em argila compondo o painel, ao pé o sacrário em forma de
ostensório, ladeado por dois anjos que levam nas mãos turíbulos com incenso, e o Espírito
Santo representado em forma de pomba traz no bico a luz em forma de chama que se mantém
acesa constantemente. A nova igreja não traz consigo um grande número de imagens. De
397
SILVEIRA, 2002, p.106.
MACHADO, 2001, p.25.
399
MACHADO, 2001, p.42.
398
138
acordo com a Sacrosanctum Concilium e a Instrução Geral sobre o Missal Romano, “deve-se
manter o costume de propor nas igrejas imagens sagradas à veneração dos fiéis, mas em
pequeno número e corretamente dispostas, para não induzir os fiéis em erro, nem causar
estranheza ao povo cristão”,400 Foram colocado uma imagem do padroeiro São Sebastião e
outra de São Crispim e Crispiniano ladeando a entrada principal. Mais tarde a imagem de São
Sebastião foi levada para o fundo ao lado do presbitério.
FOTO 24 – Vista frontal da Igreja Matriz de São Sebastião – Nova Serrana, 1982. – Foto: Arquivo
Paroquial
400
Sacrosanctum Concilium, Nº125.
139
FOTO 25 – Vista frontal posterior da Igreja Matriz de São Sebastião – Nova Serrana, 1982. – Foto:
Arquivo Paroquial
FOTO 26 – Vista lateral da Igreja Matriz de São Sebastião – Lateral esquerda – Local da Torre - Nova
Serrana, 1982. – Foto: Arquivo Paroquial.
140
FOTO 27 – Vista frontal da Igreja Matriz de São Sebastião – Lateral esquerda – construção da Torre Nova Serrana, 1984. – Foto: Arquivo Paroquial. – Detalhe: a torre em forma de espiral lembra os
Zigurates
FOTO 28 – Vista frontal da Igreja Matriz de São Sebastião – Construção da rampa de acesso - Nova
Serrana, 1987. – Foto: Arquivo Paroquial. – Detalhe: o jardim é composto pelas letras do alfabeto grego
Delta (canteiro no início da rampa), Ômega (segundo canteiro) e Alfa (terceiro canteiro) e assim
sucessivamente.
141
FOTO 29 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião - Montagem do Painel (direito) – 1988 - – Foto:
Arquivo Paroquial
FOTO 30 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião – Painel esquerdo – “Criação” – Foto: Francisco de
Assis – Arquivo Fotográfico Municipal - Detalhe: em primeiro plano aparece Deus ordenando a
criação, na seqüência aparece o anjo expulsando Adão e Eva do Paraíso.
142
FOTO 31 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião - Painel central - “Sacrifícios” – Foto: Francisco de
Assis – Arquivo Fotográfico Municipal – Detalhes: Sacrifício de Noé (canto superior esquerdo),
Sacrifício de Abraão (canto superior direito), Sacrifício de Melquisedec (canto inferior direito)
Sacrifício dos dias atuais (canto inferior esquerdo) e Sacrifício da Cruz (centro) ladeado por anjos.
Abaixo da cruz está o Sacrário em forma de ostensório.
FOTO 32 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião - Painel direito – “Fábrica de Calçados” – Foto:
Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico Municipal – Detalhes: este painel retrata vários momentos da
fabricação de calçado: o corte (canto superior esquerdo), o pesponto (parte superior do centro), furo dos
cortes (canto superior direito), prensa (canto inferior esquerdo), lixação (canto inferior direito) e na parte
central inferior estão São Crispim e Crispiniano (padroeiros dos sapateiros).
143
FOTO 33 – Interior Igreja Matriz de São Sebastião – Presbitério – Foto: Francisco de Assis – Arquivo
Fotográfico Municipal
FOTO 34 – Interior Igreja Matriz de São
Sebastião – Presbitério – Detalhe: pés do
altar em forma de botas - – Foto:
Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico
Municipal
144
FOTO 35 – Igreja Matriz de São
Sebastião – Fachada – Praça José
Batista de Freitas – Foto: Arquivo
Paroquial.
FOTO 36 – Vista parcial da cidade – 1981 – Foto: Arquivo Fotográfico Municipal.
145
FOTO 37 – Vista parcial da cidade noturna – 2005 - – Foto: Francisco de Assis – Arquivo Fotográfico
Municipal
As inovações diante do novo templo começavam a aparecer: nos dias 09 e 10 de
dezembro de 1983 acontecia a 1ª Festa de São Crispim e Crispiniano, padroeiros dos
sapateiros. Era a forma de valorizar o ramo de atividade da cidade e ao mesmo tempo
promover uma participação dos empresários na vida da comunidade paroquial.401 A maior
meta a ser atingida era o acabamento da construção da nova Matriz de São Sebastião. Não
havia nada parecido em toda a Diocese: “a modificação na arquitetura das igrejas acompanha
sempre a evolução da sociedade.”402 A nova matriz ganhava forma à medida que o tempo
passava e toda a comunidade participava. Padre Lauro sempre saia por todas as comunidades
rurais, mesmo as que não eram da paróquia e pedia doações de animais para os animados
leilões da festa de São Sebastião. Tudo era realmente festa, desde as farofas que eram servidas
durante os leilões, a cachaça que animava o povo e a velha sanfona que o padre tocava ao
final de tudo.
No dia 16 de dezembro de 1984, “foi doada uma imagem de São Sebastião,
esculpida em cedro, pelo casal Fausto Pinto da Fonseca e Dona Zeli, estava na comunidade de
401
402
Livro de Ata Conselho paroquial 02, p.49. 22/08/1983.
MACHADO, 2001, p.23.
146
Gamas e deveria vir para a matriz, em procissão no dia 20 de janeiro.403 A imagem em
tamanho natural, é obra de um artista de Resende Costa.”404 Os detalhes e o tamanho da
imagem são de grande qualidade. A imagem compõe o cenário moldado em argila no
presbitério, onde retrata em três painéis a cena da criação, os sacrifícios da Bíblia juntamente
com o de Jesus e no terceiro painel, a realidade da fábrica de sapato e os padroeiros Crispim e
Crispiniano, foi confeccionado pelo Padre Antonio Lisboa (Pará de Minas-MG).405 Era
necessário procurar lustres que combinavam com a arquitetura. A vida do pároco estava em
torno das variações e complementos para o novo templo, nas pastorais e movimentos, nos
doentes e nas celebrações, nas necessidades de todas as pessoas e necessidades da paróquia.
No final de 1985, começava a construção da torre da igreja matriz. O projeto foi
entregue para a engenheira Maria Regina e os lustres foram elaborados por um especialista de
Belo Horizonte.406
FOTO 38 – Construção da torre – Foto: Arquivo
Paroquial
403
Livro de Tombo 02, p.89.
Livro de Tombo 02, p.89v.
405
Os painéis em argila colocados no presbitério, descrevem passagens bíblicas: no primeiro aparece a cena da
criação do mundo por Deus e em seguida a expulsão de Adão e Eva do paraíso pelo Anjo do Senhor; no segundo
aparecem os sacrifícios realizados na Bíblia, como Noé, Melquisedec, Abraão e Isaac e sacrifício da cruz; no
terceiro painel aparecem pessoas da comunidade que foram fotografas e reproduzidas no painel, juntamente com
as imagens de São Crispim e Crispiniano. Revista Nossa História – Patrimônio Cultural de Nova Serrana –
nº001.
406
Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.68. 17/11/1985.
404
147
A paróquia recebeu uma nova visita pastoral do bispo diocesano e a igreja recém
construída lhe causou admiração pelo tamanho e pelo estilo arquitetônico moderno. Dom José
Belvino do Nascimento, novo bispo da Diocese de Divinópolis, elogiou a organização e
avanços da paróquia, os bons salários recebidos em Nova Serrana e principalmente o fato de
menores terem trabalho e seu próprio salário.
Em 1988, a nova igreja começava a ser mais funcional, principalmente pelo fato de
ter salas no subsolo, o que facilitava as reuniões da catequese e principalmente do Conselho
Paroquial.407 Mais tarde estas salas foram utilizadas pela secretaria paroquial.
O progresso na construção era visível. A igreja matriz adquiria sua forma e ganhou
acabamento, com forro branco no teto, até que no dia 25 de “junho de 1989, a cidade foi
violentamente atacada por uma chuva de granizo. A devastação fez a gente lembrar filmes
com cenas de pós-bombardeio. Não houve vítimas fatais. Graças a Deus, era domingo e as
fábricas estavam vazias. Agora, é reconstruir. Mas esse povo é forte, corajoso e trabalhador.
Tudo voltaria ao normal.”
408
E se comprovava o que foi dito por padre Lauro, um povo
capaz de se unir e ajudar uns aos outros. Viam-se funcionários da prefeitura, das fábricas e
famílias se unindo para recuperar telhados, casas e a vida, que por um instante de vinte
minutos foi devastado pela chuva. Dias depois, ainda se encontrava em buracos, feitos pela
enxurrada, blocos de gelo das pequenas pedras que se ajuntaram e se conservaram em meio a
areia. Da mesma forma que toda a cidade [...] “as reformas da igreja, dos estragos da chuva de
granizo estão indo, tendo recebido uma pequena ajuda do governo.”409 Como disse padre
Lauro, “tudo voltaria ao normal”. O que acontece sempre diante da população q eu
se
empenha em campanhas e atende os apelos do vigário, como nos tempos antigos em que fazia
generosas doações para a paróquia.
No início dos anos de 1990 a cidade continuava em seu pleno crescimento. A
paróquia também crescia na proporção da cidade. Eram necessários construir uma capela no
Bairro Romeu Duarte e outra no Bairro Planalto, porque a cidade crescia nas regiões oeste e
norte da cidade. Nesta época foram instalados o relógio e os sinos na torre da igreja. O relógio
digital, que toca parte de uma música a cada quinze minutos e o sino antigo que se juntava ao
novo, fabricado em Resende Costa, passaram a marcar o ritmo da cidade em consonância com
as sirenes das fábricas de calçados.
407
Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.80. 17/01/1988.
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.97v; Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.91v.
16/07/1989.
409
Livro de Tombo da Paróquia de São Sebastião vol.02, p.97v; Livro de Atas Conselho Paroquial 02, p.90v.
20/05/1989.
408
148
Padre Lauro faleceu em setembro de 1994. O cortejo que reuniu pessoas de todas
as classes sociais, políticos, familiares, congadeiros, amigos e fieis, demonstraram o quanto o
padre foi importante para a vida dos paroquianos e da cidade, como apresentado no jornal
local: “Padre Lauro vai ficar na memória dos fiéis como um homem extremamente
carismático. Foi também um grande conciliador. Não agradou a ninguém em particular, mas
agradou a todos. Um líder religioso que entendeu como poucos, o povo de Nova Serrana.”410
O ritmo do crescimento da cidade continuou, hoje são três paróquias para atender as
necessidades religiosas da população católica e continuar crescendo com o desenvolvimento
da cidade, uma vez que o seu crescimento recebeu um grande número de igrejas de diversas
denominações, seja evangélica ou protestante, mas que também cresce em grandes
proporções, mas que seria objeto para um outro estudo.
410
Jornal Correio da Serra, nº16, p.17. Setembro/ 1994
149
CONCLUSÕES
Para muitas pessoas viver em uma cidade que bate recordes de crescimento pode
ser sinônimo de status, porém, lidar diretamente com uma população que muda
constantemente, que trás consigo inúmeras idéias e problemas, nos fazem pensar nos
constantes desafios e possíveis soluções. Ao mesmo tempo em que se vê tudo por fazer e
muito por construir pode causar desânimo ou buscar espaço para a inovação, para a
criatividades e principalmente para a superação de desafios. Afinal, não estamos mais na
época do trabalho braçal e sim na época da informação, da tecnologia e novamente, da
valorização do pensar.
Propor um basta ao crescimento de Nova Serrana, para que se possa consertar e
equilibrar situações, é quase impossível. Esbarraríamos na lei, nas idéias, no movimento
interno que a cidade vive e mais ainda, na vida de sessenta mil habitantes querendo ou não já
estão embrenhados nesse movimento frenético que a cidade vive. É possível apresentar a
cidade na sua realidade e mostrar que antes não tínhamos tantas pessoas sem trabalho pelas
praças durante o dia, via-se mulheres sentadas às portas costurando sapatos enquanto
trocavam seus comentários, não se via inúmeros crimes como apontados nos jornais locais e
que a mão-de-obra era necessária de qualquer forma, qualificada ou não, agora é necessário
atender os mais diversos padrões de qualidade, sejam ecológicos, tecnológicos ou de recursos
humanos, o que exige mão-de-obra especializada.
Quando se depara com o crescimento e com as novas perspectivas, se depara
também com novos novo-serranenses ou neo-serranenses, como queiram usar o termo, que já
necessitam saber a história local, seja para satisfazer a curiosidade ou para preencher a lição
de casa que foi dada pela professora, que também não sabe a história de onde apenas trabalha.
A formação do processo histórico cultural é de responsabilidade de todos, principalmente os
que são forasteiros, porque assim se toma consciência da realidade, passa a ter condições para
ajudar nas possíveis soluções e consequentemente, ajudar a criar novas consciências que
construirão e propagarão suas histórias e seus feitos. Farão memória ou pelos menos estarão
aptos a mantê-la viva ou quem sabe, produzir o esquecimento.
A cidade de Nova Serrana foi e continua sendo construída por muitas pessoas e de
diversas localidades e idéias. Não será a igreja demolida que irá reconstruir todo o conjunto
de passado, dificuldades e superações. Não serão as discussões do passado que irá retroceder
150
o avanço desenfreado e descompromissado de seus moradores, mas ações de preservação, de
resgate e elo entre o passado e o presente. Escolas, instituições e Poder Público é que poderão
ajudar nesse processo. Ações como as das escolas que participam do Projeto “Memória dos
bairros” que resgatará a memória dos moradores vizinhos e despertará neles o gosto pelo
lugar, o compromisso e a participação na comunidade; é o arquivo fotográfico que coleciona
histórias, porque a foto em si mesma já nos conta muita coisa, mas falar de fotografia nos
remete a fatos, emoções e desejos, pode-se perceber isso no comentário do Senhor Elizeu
quando participava de um “Chá Cultural” e viu algumas fotos antigas juntamente com outras
pessoas nativas da cidade, promovido pela Biblioteca Pública Municipal “Aurélio Camilo”,
disse: “vocês me tornaram mais jovem uns sessenta anos”; foi o pedido de Dona Geni para
voltar na entrevista, porque depois que o grupo saiu da casa dela, “ela se lembrou de muitas
outras coisas e era preciso registrar, porque depois quem iria contar?”. É necessário reforçar
os Conselhos de Cultura, valorizar os artistas existentes, discutirem financiamentos e
empreendimentos culturais, promover a construção histórico-cultural e criar pessoas que
gostem e se responsabilizem, não necessariamente por Nova Serrana, mas pelo Planeta onde
vivem.
Porém, o que se vê constantemente é que ainda prevalece o papel da indústria, a
produção e o desejo de conquistar mercados, pouco ou quase nada se faz para alimentar a
cultura, a melhoria da qualidade de vida. Nas reuniões, as questões culturais ainda estão em
segundo plano, completou-se três anos de discussão sobre a criação do Centro de Memória do
Calçado, era o assunto da moda quando começava a dissertação, faz quatro anos que se
discute a criação do Centro Cultural pela Prefeitura, o Projeto Memória não havia saído do
papel quando começavam as primeiras entrevistas, bem como coletar as primeiras fotografias.
Sabemos que tudo isso não trará de volta o apito do trem da antiga Estação do Cercado, nem a
Igrejinha que mais parecia presépio, nem a jardineira que passava por tantos mata-burros até
Divinópolis, menos ainda o sapateiro que usava pregos, cacos de vidro e lamparina para
fabricar apenas dez pares de botinas por dia. Mas são essas e outras tantas lembranças que
trazem de volta a memória dos fatos e feitos do povo forte do sertão bravio. Fazer sapatos
sustenta a cidade, promove as pessoas, dá empregos e gera rendas, mas é preciso mostrar que
existe uma ligação entre as dificuldades dos primeiros fabricantes e suas famílias e o sistema
produtivo que cresce a cada dia, que trazem novas culturas e transforma o Antigo Cercado em
Nova Serrana.
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161
ANEXOS
Sovela – Utilizada para perfurar os cortes de couro para a costura do sapato e para
passar o cadarço.
Pé-de-ferro – utilizado para pregar o solado com pregos e estes ao serem batidos
têm as suas pontas entortadas.
162
FACHADA
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NAS REALÇõES CULTURAIS DE NOVA SERRANA.
Nome: REGINALDO SILVA
Orientador: PROFESSOR DOUTOR LEANDRO PENA CATÃO
Autor do Projeto Arquitetônico: DESCONHECIDO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO, CULTURA E ORGANIZAÇÕES SOCIAIS - FUNED/UEMG - DIVINÓPOLIS
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163
B
GARAGEM
W.C.
DEPOSITO
ATERRO
COZINHA
W.C.
DEPOSITO
SALA DE
CONFISSÕES
PRESBITÉRIO
SACRISTIA
ALTAR
NAVE CENTRAL
MO
NSEL
FREI A
RUA
RUA 21
DE ABR IL
RADIO
ÁREA DESCOBERTA
TORRE
A
A
ADRO
RAMPA
B
PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS
PLANTA - TÉRREO
1
5
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10
164
CORTE BB
CORTE AA
1
5
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10
165
R UA 21 D
E ABR IL
O
SELM
REI AN
RUA F
ATERRO
GARAGEM
SALA
SALA
SECRETARIA
SALA
RECEPÇÃO
SALA
ATERRO
VARANDA
ENTRADA
PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS
PLANTA SUBSOLO
1
5
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10
166
VARANDA
RAMPA DESCE
W.C.
W.C.
SALA
RUA 21
DE A BRIL
MO
NS EL
FREI A
RU A
SALA
TORRE
ADRO
RAMPA
PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS
PLANTA 1º PAVIMENTO
1
5
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10
167
VARANDA
RAMPA DESCE
LAJE IMPER.
LAJ E IMPER.
CALHA
RUA 21
DE ABR IL
O
NSELM
REI A
RUA F
CALHA
LAJE IMPER.
LAJE IMPER.
PRAÇA JOSÉ BATISTA DE FREITAS
PLANTA DE COBERTURA
1
5
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