O TRIUNFO DE PROMETEU ? – A “NOVA HUMANIDADE” E A
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O TRIUNFO DE PROMETEU ? – A “NOVA HUMANIDADE” E A
IDEIAS À SOLTA RANDOM THOUGHTS IDEIAS À SOLTA RANDOM THOUGHTS O TRIUNFO DE PROMETEU ? – A “NOVA HUMANIDADE” E A UNIVERSIDADE DA SINGULARIDADE LUÍS SÁ CUNHA Ninguém tem hoje dúvidas de que estamos na rampa de acesso a uma nova Era da humanidade, e todos os dias somos surpreendidos com notícias em avalanche vertiginosa de novas descobertas, invenções, progressos e conquistas nas áreas da ciência em geral e das inovações tecnológicas. Por vezes aflora à nossa consciência o cenário de estarmos imersos num mundo transformado num gigantesco laboratório, onde gurus do esplendoroso futuro não só nucleiam equipas transdisciplinares de arrojadas inovações, mas, mais ainda, sopram as trombetas da concretização final de profecias ou possibilidades utópicas antes imaginadas ou prometidas em mitos ou mitemas do património espiritual da humanidade. 52 N ú m e r o D o z e M a r ç o T w e l f t h I s s u e Nos mitos mais marcantes da memória ocidental, na saga de Prometeu ou na narrativa da queda de Adão e Eva do Génesis, o Homem, moldado em barro e água, roubou o fogo da mais alta potência divina, mas agrilhoou-se ao destino de padecer a pulsão satânica que o moveu. Eis então a sua condenação: escravizado, ei-lo na busca de remédios e vias de libertação do trabalho, do erro e da doença, para em interminável périplo caminhar da inocência nocente à “nocência” inocente, enfim libertado e reintegrado no Paraíso, cumprindo a promessa serpentina de “vós sereis deuses”. Eis o que se anuncia para os tempos próximos futuros, entre o polemikos dos entusiastas, possibilistas e cépticos e contraditores, tudo centrado na ciência ou conhecimento M a r c h e nas instituições vocacionadas para as operações “adunativas” das variedades disciplinares: as Universidades. Eis a Universidade de novo no esplendor da sua mais essente vocação, e não será por acaso que o desbravamento e pioneirismo de novos caminhos vem cabendo simbolicamente à Universidade da Singularidade (US) que, de qualquer forma, ficará na História como referência desta etapa da revolução do conhecimento humano, e que convém ter presente, não forçosamente como modelo de universidade a reproduzir, mas como farol de sinalizações, tratando-se da ponta de cume de uma pirâmide cujas pedras básicas são todos os centros de investigação e laboratórios e universidades a progredir em todo o mundo. 53 IDEIAS À SOLTA RANDOM THOUGHTS Singularidade é palavra já consagrada que figurará crescentemente nos tomos de todas as enciclopédias, referida a esta fase dos progressos do conhecimento e associada às noções de extraordinário, especial, desconhecido, contidas nos “buracos negros” dos parâmetros de tudo o que é cognoscível até ao presente. Anda em geral acoplada à palavra tecnologia, porque se trata em concreto da hipotética criação de tecnologias de uma ordem superior, capazes de abrir um corredor de inteligências artificiais, ou supra-inteligências, estas mesmas com potencialidade de exponenciação progressiva da inteligência. Isto é, criar inteligências artificiais superiores à humana, inaugurando uma era de “transumanidade”. IDEIAS À SOLTA Segundo Alexandre Lacroix (Singularité en Californie), o conceito de singularidade tecnológica foi lançado numa famosa comunicação de Vernor Vinge, matemático e autor de ficção científica, durante um colóquio organizado pela NASA em 1993: “The coming Singularity: How to Survive in the Post-Human Era”. Fazendo analogia com a teoria da relatividade geral, que designa os buracos negros como singularidades gravitacionais, quer dizer objectos de uma densidade infinita na proximidade dos quais as leis da física tradicionais são abolidas, Vinge considera que irá surgir em breve um acontecimento de maior escala, a singularidade tecnológica e que a partir de aí todas as leis da História Humana vão ser alteradas. Em que consiste este evento, “duma importância comparável à aparição da vida humana?” Os humanos vão de forma iminente – isto é antes de 2030, a crer em Vinge – “criar através da tecnologia uma entidade mais poderosa do que a inteligência humana”. Mas o início ou embrião desta proposta de singularidade radica na probabilidade de evolução exponencial da tecnologia, apresentada numa “histocarta da evolução” por John B. Sparks em 1932 e retomada por um dos principais gurus da exponenciação e pedra basilar da Universidade da Singularidade, Ray Kurzweil, estribado em gráficos algorítmicos de listas diferentes de acontecimentos da história humana que punham em evidência a tendência exponencial (listas preparadas por Carl Sagan, Paul D. Boyer, Enciclopedia Britância, American Museum of Natural History, etc.). Kurzweil escreve que em razão da mudança de paradigma, a tendência do crescimento exponencial abrange os circuitos integrados até aos recentes transístores, retransmissões radiofónicas, computadores electromecânicos etc.. A ideia de singularidade tecnológica foi também perspectivada por John Von Neumann nos anos 50, como relata Stanislaw Ulam: “Uma das conversas tinha por tema a aceleração constante do progresso tecnológico, as mudanças do modo de vida humano, que parece reaproximar-nos duma singularidade fundamental da história da evolução da espécie, para além da qual a actividade humana, tal como a conhecemos, não poderia prosseguir”. Ray Kurzweil inspirou-se aí para delinear um gráfico progressivo onde um supercomputador será mais potente do que um cérebro humano, podendo simulá-lo a partir daí em inteligência artificial. Também, para dar mais um exemplo, Irving John Good descrevia em 1965 um conceito de singularidade confluente com o referido da actual acepção: “Suponhamos que uma máquina superinteligente seja capaz em todos os domínios das actividades intelectuais de ultrapassar um humano, o mais brilhante que ele seja. Como a concepção de tais máquinas é uma destas actividades intelectuais, uma máquina superinteligente poderia conceber máquinas ainda mais potentes; haveria então sem dúvida uma explosão de inteligência sendo a inteligência humana rapidamente ultrapassada. Assim, a invenção da primeira máquina superinteligente é a última invenção que o Homem tem necessidade de realizar”. Temos vindo a concentrar a perspectiva neste aspecto, uma vez que nele reside sobretudo o cerne das grandes potencialidades da singularidade, incluídas as possibilidades de actualização da transumanidade e, consequentemente, do alcance do prolongamento da vida humana sem limite calculável. É aqui que toda a teorética do optimismo 54 N ú m e r o D o z e M a r ç o T w e l f t h I s s u e singularista é posta em questão e contestada. Enquanto os futurólogos transumanistas projectam os cálculos de concretização da inteligência artificial para os anos 30 deste século, outros criticam a sua falta de solidez científica catalogando-os no campo da ficção utópica, divergências opiniosas que veremos na continuação desta abordagem. LIBERDADE, DESIGUALDADE, IMORTALIDADE Eis a nova trilogia revolucionária proposta já para a grande onda da inovação tecnológica sob o ideal transumanista cultivado em Silicon Valley, campus da Universidade da Singularidade e cuja singularidade nos causa um épico arrepio. Porque se não estamos já nos umbrais de uma nova Humanidade, estamos certamente na rampa prometeica ou genesíaca da libertação do trabalho, isto é, da escravatura, e da dor e da doença, de serviços tecnológicos de execução das tarefas do dia-a-dia, de concretização de inteligência artificial e do corpo artificial, de deflagração de incalculáveis potencialidades lúdicas e culturais. “Na Universidade da Singularidade nós ajudamos a criar o futuro” - será talvez o mais realista e positivo slogan da instituição, mas que inclui dimensões perturbantes. Animada do projecto utópico de uma confusão crescente entre a máquina e o homem, a US busca melhorar progressivamente as gerais condições da Humanidade. Este movimento, que tem tido visibilidade e consideração crescente, protagonizado por Ray Kurzweil, autor de “The Age of Spirirual Machines”, hoje director de engenharia da Google e por Peter Diamandis, físico, fundador da International Space University, visa a conjugação transdisciplinar das mais avançadas tecnologias já M a r c h RANDOM THOUGHTS referidas como NBIC – Nanotecnologia, Biotecnologia, Informática (inteligência artificial) e Ciências Cognitivas, para salvar o mundo e salvar os homens. Nos seus objectivos cabe tudo o que encerra a imaginação e as aspirações do Homem. O futuro de um mundo de robots e a “morte da morte” ou prolongar-nos a vida tanto que queiramos matar o tédio de sermos robots imortais, na morte. Automóveis sem condutores (da Google, já à vista), solução da escassez da água potável no planeta, desenhos de casas impressas a três dimensões construíveis em dois dias, ou de órgãos a implantar no corpo humano, nano partículas de detecção de células cancerígenas em estado precoce, a solução para todas as necessidades de energia através da energia solar, retardamento do envelhecimento celular, etc.. Eis uma cornucópia de benesses prestes a serem esbanjadas sobre uma humanidade expectante. De uma coisa estaremos desde já certos: no ventre deste futuro próximo vertiginoso e fascinante está em geração um homem novo, uma nova sociedade, uma nova organização social, novas políticas, novos códigos de ética. É para este admirável mundo novo que as novas, diria já, as actuais gerações têm que ser preparadas, agentes passivos ou líderes dos novos jogos políticos e económicos, é para esta realidade nova que as universidades têm que perspectivar novas visões e esboçar respostas, porque o futuro pertence sempre a quem o sabe prever e antecipar. Mesmo recentemente inovado, todo o ensino será, em breve, tradicional. E o modelo será a originalidade de cada escola, a singularizar-se. • (Iremos a aprofundar alguns destes temas em continuação) 55
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