invade a cena
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invade a cena
arte A invade a cena Formas de expressão, simbólicas e lúdicas, vigentes em mostras de inúmeros museus, tomam conta do espaço cênico dedicado à comunicação no ponto de venda Texto e fotos por Sylvia Demetresco Exposição Manequin Fetiche, no Museu Bourdelle Passeando por Paris à procura de novidades nas apresentações dos objetos, estejam eles expostos como obras de arte ou como mercadorias a serem adquiridas, há atualmente uma igualdade na forma de expor. Igualdade, aliás, que existe sempre! Reina algo no ar que faz com que vitrinas, lojas, museus e supermercados façam coisas parecidas simultaneamente. Por exemplo, usar azul claro para indicar férias, azul forte para falar de mar, folhas secas no outono e assim por diante. Tudo por causa dos nossos hábitos e cultura; estamos impregnados de conhecimentos semelhantes. É a comunicação que nos faz apreender o mundo ao nosso redor: como as matérias transformadas, a revelação do invisível, a produção de informação, as novas tendências, os desfiles, as novela, etc. É dessa amálgama entre trocas do homem e de seu ambiente que nasce a cultura, que nasce a vontade de ver coisas novas e conhecer a história. Cada exposição de produto quer seja histórico, quer seja de uso, nos traz significações e simbologias infinitas. Essas significações, tanto dos objetos utilitários como do nosso mundo imaginário ou do nosso universo contemplativo, se transpõem em nosso cotidiano e, isto quer dizer que, qualquer coisa que vemos é automaticamente desejada. Paris As exposições em Paris são muitas e variadas. Lojas e museus querem apresentar novas formas de ver e de promover o que têm. Os produtos de uso diário, como roupas, calçados, joias, artigos de cozinha, decoração e até carros, são expostos de modo a seduzir os passantes. Nos museus, os objetos ícones também são mostrados de forma a atrair observadores. Nos dois tipos de espaços – comerciais e museológicos –, surge uma mesma forma de colocar em cena os objetos. Apesar de ser início de primavera, nesta cidade maravilhosa, em que o sol surge devagarinho pelos espaços azuis do céu, que por muitos meses estava cinza; num momento tão especial em que cada dia, das árvores de galhos cinza, vão brotando folhas bem verdinhas; aos poucos as flores despontam no alto das castanheiras e nos canteiros das praças. É realmente um instante em que tudo se transforma e a vida fica mais leve, mais ensolarada e as pessoas saem de casa e se sentam onde há sol. Normalmente as exposições e as lojas desabrocham, 8 edição 149 em cores e luzes, como a primavera. Mas este ano, para espanto meu, tudo é pesado nas formas, escuro nas cores, a iluminação se faz pobre e fraca. O que há? Onde estão os brilhos da nova estação? Os designers gráficos que trabalham em todas as áreas decidem, em todos os tipos de exposição quais as formas e as cores que serão utilizadas. Parece que houve uma uniformidade de escolha de formas e cores nas produções em geral. Vitrina da BMW Espaço exposição Conversando com uma curadora de um grande museu, soube que, estranhamente, várias exposições da capital francesa adotam formas retangulares, textos encaixados nessas formas, bem como cores escuras, como o grafite, berinjela, chocolate, verde escuro e o mostarda fechado. De fato, essa proposta aparece em várias mostras do calendário atual. Na exposição dedicada a Jean-Paul Os Tudors, no Museu de Luxemburgo Galerie Lafayette Gaultier, no Grand Palais, o festejado costureiro francês optou por formas retangulares e triangulares para os suportes, tendo um fundo preto e azul marinho, e luz focada nas peças. Já na exposição de Jeanne Lanvin, no Museu Galliera, dominam estruturas retangulares em preto, com fundo preto de um lado e chocolate do outro. A montagem recorre a espelhos para refletir as roupas. A exposição Yves Saint Laurent traz como cenografia o desfile de 1971, onde tudo é negro, com painéis retangulares quadriculados e com croquís ampliados do próprio costureiro. Uma luz branca de neon no chão ilumina de baixo para cima todo o ambiente. No Museu de Luxemburgo, a exposição dedicada a contar a história dos reis Tudors, da Inglaterra, traz painéis imensos quadrados, de cor berinjela e grafite, Butique Hugo Boss com sobreposição de outros painéis em tons de mostarda ou verde acinzentado, tudo rodeado por um carpete achocolatado e pouca luz. Na mostra Na Intimidade da Toilette, no Museu Marmottan, imperam as mesmas cores e pouquíssima luz, além do mesmo carpete achocolatado. No Bourdelle, a exposição Manequin Fetiche também é baseada nos tons verde escuro e grafite, misturados com madeira natural. Outras cenas se repetem com formas quadradas, cores fechadas, pouca luz e materiais simples. Nada de provocação, nada de formas ovaladas e flexíveis, nenhuma forma exótica. A luz, apesar de tecnicamente sofisticada, é algo que mais vela, do que revela. O ponto de venda Nas lojas, as montagens não são tão escuras, pois a luz forte é essencial nas vitrinas. As matérias, inovadoras, com auxílio da iluminação técnica, remetem a cenografias pesadas. As vitrinas da Printemps, por exemplo, comemorando os 150 anos da loja, usam o rosa e o roxo, com uma iluminação forte nos mesmos tons. Na Galerie Lafayette, a Nike realizou o projeto inspirado na maratona, mas com fundo cinza, ressaltando as cores dos tênis. A Hugo Boss traz uma primavera iluminada por árvores verdes e raios de sol cortados por vidros grafites. Lojas de carro, como a Mercedes e a BMW, optaram pela escuridão, pelo design de outros objetos que pertencem ao mundo da moda e a luz colorida é o único traço de alegria. Na moda, a Max Mara realiza uma produção em preto e branco que se repete nas roupas, no fundo e nas almofadas integrantes da decoração. Códigos Todas essas revelações mostram que entramos numa primavera de cores escuras, formas tradicionais e quadradas, temas diversos e conceitos semelhantes. Formas, cores, volumes, matérias são os componentes essenciais em tudo hoje: de roupas a objetos de uso diário, de carros a restaurantes, tudo vive banhado por esses conceitos. O homo faber constrói instrumentos para transformar coisas naturais em objetos da cultura, e o homo ludens está aí para desconstruí-los e criar novas experiências. Em poucas linhas, tento entrelaçar essas duas noções. Ver como os nossos gestos técnicos (do homem que fabrica, que faz, que constrói) estão carregados de sentido e isso está exposto em nossos usos (do homem que recria encima desses objetos). Nos museus e nas lojas, há algo que flutua entre formas e cores, entre arte e cidade, arte e moda, arte e vitrina. São universos interligados, e poderia dizer que a arte está sempre presente. Le Printemps Sylvia Demetresco é doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP, com pós-doutorado em Semiótica no Instituto Universitário da França, em Paris. Professora de Visual Merchandising na Ecole Supérieure de Visual Merchandising, em Vevey, na Suíça. É autora de livros sobre vitrinas, entre os quais: Vitrina Construção de Encenações (Educ/Senac), Vitrinas Entre-Vistas: Merchandising Visual (Senac), Vitrinas E Exposições: Arte E Técnica Do Visual Merchandising (Editora Érica, 2014) e Vitrinas: Arte, História e Consumo de São Paulo (Via das Artes, 2014). [email protected] | www.vitrina.com.br edição 149 9